Post on 08-Nov-2018
SISTEMA NACIONAL DE INOVACÃO EM .,
BIOTECNOLOGIA
- UMA ANÁLISE PRELIMINAR -
Renato Ferreira Marques dos Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD
Mestrado em Administração
RIO DE JANEIRO Dezembro de 2002
Orientador:
César Gonçalves Neto
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
Renato Ferreira Marques dos Santos
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre.
Aprovada por:
Pref. Cesar Gonçalves eto (COPPEAD - UFRJ)
~~LL Profa. Lia Hasenclever
(IE - UFRJ)
Dra. Cristiane Quentâí'-(Fiocruz)
Rio de Janeiro, RJ 2002
Presidente da Banca
Santos, Renato Ferreira Marques dos
Sistema nacional de inovação em biotecnologia - uma análise preliminar / Renato Ferreira Marques dos Santos - Rio de Janeiro, 2002.
viii, 86 f.:il.
Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2002.
Orientador: Cesar Gonçalves Neto
1. Biotecnologia. 2. Sistema Nacional de Inovação. 3. Inovação Tecnologica. 4. Administração - Teses. L Gonçalves Neto, Cesar (Orient.). 11 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. 111. Título.
AGRADECIMENTOS
-A minha famflia.
- Ao meu orientador Prof. César Gonçalves Neto.
-A Cêras Johnson pela Bolsa de Estudos.
- Aos funcionários do COPPEAD.
Si3'lema Brasileiro de Inovação em Bioiecnologia - Uma Análise Preliminar
RESUMO
A moderna biotecnologia vem sendo apontada como a nova onda
econômica, após a onda da Internet. Em todo o mundo, os países têm
trabalhado no sentido de estabelecer um sistema nacional de inovação em
biotecnologia que permita otimizar recursos e gerar o maior número possível de
produtos e processos derivados de uma biotecnologia nacional.
Em um trabalho que recebeu diversas premiações, Bartholomew sugeriu
um modelo para a análise dos sistemas de inovação em biotecnologia em
diferentes países, a partir de premissas que devem existir em qualquer nação.
Baseado nesse modelo, fizemos um análise preliminar do sistema de
inovação brasileiro para biotecnologia, procurando os pontos fortes e os
gargalos do sistema.
Através de entrevistas presenciais e de questionários enviados por correio
eletrônico, estabelecemos um panorama geral da situação do pais, de acordo
com a percepção de diversos atores envolvidos no sistema - alunos de pós
graduação, professores, agentes de fomento e regulamentação, empresários e
formadores de política.
Como resultado, pudemos observar que o Brasil ainda tem um caminho
longo a trilhar na organização de seu sistema de inovação. A regulamentação
do setor, o financiamento a empresas sfarl up e o aspecto cultural de aversão
aos negócios de nossos pesquisadores se mostraram como principais
obstáculos ao estabelecimento do país como um ator significativo no cenário
mundial neste setor.
Renato Ferreira Marques dos Santos
ABSTRACT
Modem Biotechnology has been mentioned as the new economic wave,
after Internet. Ali over the wOrld, countries are working in order to establish a
national system of innovation in biotechnology that allows optimization of
resources, as well as generation of the greatest possible number of processes
and products generated trom a national biotechnology.
In a highly prized article, Bartholomew suggested a medel for the analysis
of the national innovation systems in biotechnology in different countries, based
on premises supposed to exist on any given nation.
Based on this model, we proceeded a preliminary analysis of the Brazilian
innovation system in biotechnology, searching for the established strengths and
system bottlenecks.
Through personal interviews and questionnaires sent by e-mail, we
established a general view of the country situation, according to the perception
of many players involved in the system - graduate students, professers,
financing and regulatory agents. businessmen and policy makers.
As a result, we could note that Brazil still has a long way to the
organization of its innovation system. Sector regulation, the starl up companies
financing and the cultural aspect of business aversion by researchers came out
as the ma in obstacles to set the country as a significant player in the
intemational stage in this sector.
ii
Sistema Brasileiro de lnovaçiio em Biorecn%gia - Uma Análise Preliminar
íNDICE
1 INTRODUÇÃO
2 SISTEMAS NACIONAIS DE INOVAÇÃO
3 BIOTECNOLOGIA
3.1 Definições
3.2 Histórico
3.3 Panorama Atual
3.3.1
3.3.2
3.3.3
3.3.4
3.3.5
3.3.6
Proteômica
Produtos Farmacêuticos
Bioengenharia
Biomateriais
Alimentos Geneticamente Modificados
Outras Aplicações
4 O MODELO DE BARTHOLOMEW PARA ANALISE DOS SNI DE
BIOTECNOLOGIA
4.1 Tradição Nacional de Educação Científica
4.2 Financiamento Nacional para Pesquisa Básica
4.3 Relacionamento de Pesquisa com Instituições Internacionais
4.4 Grau de Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa
4.5 Mobilidade da Mão de Obra
4.6 Disponibilidade de Venture Capital
4.7 Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias
10
12
15
15
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jjj
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20
Renato Ferreira Marques dos Santos
4.8 Colaboração entre Empresas e Instituições de Pesquisa 26
4.9 Acúmulo tecnológico em Setores Correlatos 27
4.10 Colaboração entre Empresas 27
4.11 Utilização Estratégica de Tecnologias Estrangeiras 28
5 ANALISE DO SNI BRASILEIRO 30
5.1 Metodologia 30
5.2 Relacionamento de Instituições de Pesquisa com Instituições Estrangeiras33
5.3 Tradição Nacional de Educação Cientifica 34
5.4 Financiamento Nacional Para Pesquisa Básica 35
5.5 Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa 38
5.6 Mobilidade da Força de Trabalho 39
5.7 Mercado de Ventuf'e Capital 40
5.8 Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias 41
5.9 Acúmulo de Tecnologia em Setores Correlatos 42
5.10 Colaboração de Empresa com Instituições de Pesquisa 43
5.11 Cooperação entre Empresas de Pesquisa e Desenvolvimento 45
5.12 Utilização Estratégica de Tecnologia Estrangeira 47
5.13 Pontos fortes e fracos da Biotecnologia no Brasil 48
6 PRINCIPAIS PROBLEMAS LEVANTADOS PELA ANÁLISE: VENTURE
CAPITAL E LEGISLAÇÃO 49
6.1 Venture Capital 50
IV
SiSlema Brasileiro de Inovação em Biofecnologia - Uma Análise Preliminar
6.1.1 Empresas de Base Tecnológica e a Necessidade de Venture Capital 50
6.1.2 O Mercado de Venture Capital no Brasil 52
6.1.3 As empresas de Biotecnologia e o Venture Capital 54
6.2 A Legislação Brasileira acerca da Biotecnologia 57
7 CONCLUSÃO
8 SUGESTÕES PARA NOVAS PESQUISAS
9 BIBLIOGRAFIA
10 ANEXOS
Anexo 1. Definições de Biotecnologia encontradas na Web
Anexo 2. Questionário
Anexo 3. Legislação acerca da Biotecnologia no Brasil
76
79
80
v
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65
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75
Renato Ferreira Marques dos Santos
íNDICE DE TABELAS E FIGURAS
Figura 4.1 - Modelo para análise de SNI em Biotecnologia, com fatores criticos
para seu sucesso (Bartholomew, 1997) .................................................... 22
Tabela-&.1 - Número de Entrevistas realizadas e Questionários respondidos no
trabalho de pesquisa .................................................................................. 31
Tabela 5.2 - Consolidação dos resultados dos 34 questionários recebidos, com
as notas dadas para cada um dos 11 itens do mesmo ............................. 32
Tabela 6.1 - Volume tipico de recursos levantado por empresas de
Biotecno!ogia em captações com investidores (US$ milhões) .................. 54
Tabela 6.2 . O processo de desenvolvimento de novas drogas - O que
acontece e quando ................................................................................... 55
vi
Sistema Brasileiro df: Inovação em Biorecnologia - Uma Análise Preliminar
SIGLAS E ABREVIAÇÕES UTILIZADAS NESTE TRABALHO
» ANPROTEC - Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos de Tecnologias Avançadas
);> ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
» BioMinas - Fundação Biominas
).> BioRio - Fundação BioRio
» BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
>- CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa
);> DNA - Ácido Desoxirribonucleico
>- EMBRAPA - Empresa Brasileira de Agropecuária
);> EUA - Estados Unidos da América
» FDA - Food and Drug Administration (Administração de Alimentos e
Drogas) (EUA)
};. FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos
};. Fiocruz -Fundação Instituto Oswaldo Cruz
» INPI - Instituto Nacional da Propriedade Intelectual
};. IPO - Initial Public Offering (Primeira Oferta Pública de Ações)
:.- MCT - Ministério de Ciência e Tecnologia
).> mRNA - Ácido Ribonucleico Mensageiro
).> NIH - National Institutes of Health (Instituo Nacional de Saúde) (EUA)
).> OECD - Organisation for Economic Coopera/ion and Developmen/
(Organização para o Desenvolvimento Econômico)
).> OGM - Organismos Geneticamente Modificados
};. P & O - Pesquisa e Desenvolvimento
);> PADCT - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
};. PRONAB - Programa Nacional de Biotecnologia, com um sub-programa de
Engenharia Genética
» SNI - Sistema Nacional de Inovação
> UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense
» UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
vii
Renato Ferrejra Marques dos Santos
';> UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
';> UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
';> UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
viii
Sistema Brasileiro de Inovação em BiOlecnologia - Uma Análise Preliminar
1 Introdução
A moderna Biotecnologia é uma das áreas do conhecimento que tem
recebido maior destaque nos dias atuais. As possibilidades econômicas que a
Biotecnologia vislumbra, as questões éticas envolvidas na manipulação de
organismos vivos, a maleficidade ou não dos alimentos transgênicos e as
doenças antes sem cura que agora acenam com possibilidades de tratamento
são matérias de capa de revistas e jornais por todo o mundo.
No entanto, a Biotecnologia, ao contrário de outros setores econômicos,
não é uma atividade per se. Trata-se de um conjunto de técnicas,
conhecimentos e tecnologias habilitadoras, que serão utilizados
produtivamente em outros setores.
Estes conhecimentos e técnicas são desenvolvidos via de regra na
academia e instituições de pesquisa, enquanto sua utilização se dará na
indústria. Com isso, a difusão das novas tecnologias se toma o fator chave do
sucesso de um país neste campo.
Este fato faz com que um Sistema Nacional de Inovação em Biotecnologia
bem planejado, com todos os seus atores e respectivas funções bem definidos
e, principalmente, competências, gargalos e metas bem estabelecidas, seja
fundamental para o sucesso de qualquer país nessa área.
Esta dissertação objetiva fazer uma análise do estado atual do
desenvolvimento biotecnológico no Brasil, a partir de um modelo de análise de
Sistemas Nacionais de Inovação em Biotecnologia desenvolvido por
Bartholomewem 1997.
Através de entrevistas com pessoas ligadas à área, questionários
aplicados ao mesmo público alvo e pesquisa bibliográfica, tentou-se fazer um
levantamento dos pontos fortes e das fraquezas do país para o
desenvolvimento da Biotecnologia.
Os principais pontos levantados nesse estudo como empecilhos ao pleno
desenvolvimento da Biotecnologia nacional são então debatidos mais
profundamente, e algumas sugestões são dadas na conclusão para os
1
Renato Ferreira Marques dos Santos
formadores de política nacional, a fim de colaborar com a criação de um plano
de desenvolvimento da Biotecnologia no país.
2
Sistema Brasileiro de Inovaçilo em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
2 Sistemas Nacionais de Inovação
Conforme a competitividade econômica global foi se tornando cada vez
mais dirigida pela tecnologia e pela inovação, surgiu um grande interesse pela
vantagem tecnológica das nações (eg. Porter, 1990; Cantwell, 1989; Beck,
1992)
Enquanto as atividades econômicas se tomam mais intensivas em
conhecimento, um número grande e crescente de instituições com capacidades
específicas de diversas áreas está envolvido agora na produção e a difusão do
conhecimento. Os determinantes do sucesso das empresas e de economias
nacionais como um todo são sempre mais dependentes de sua eficácia em
recolher e em utilizar o conhecimento destas instituições - quer estejam no
setor privado, setor público ou na academia. Além disso, cada país tem seu
próprio perfil institucional, dependente do regime de governo, orientação
política para suas empresas, a organização da universidade e o nível e
orientação da pesquisa financiada pelo governo (Dosi et aI., 1990; Kogut,
1993).
A inovação tecnológica ocorre dentro de uma estrutura industrial
específica e um contexto nacional. Uma melhor compreensão deste contexto
ou sistema conduzirá a melhorias nas políticas de tecnologia e de inovação do
governo.
As bases conceituais de um Sistema Nacional de Inovação (daqui em
diante abreviado por SNI), se apóiam em uma ampla interrelação entre os
conceitos de cada urn dos termos envolvidos em sua definição, sendo eles:
aprendizado, inovação, sistema e nação (Lundvall, 1992).
A inovação é o final do processo de aprendizado pelo qual o
conhecimento economicamente útil é acumulado (Lundvall, 1992). Na sua
definição, o aprendizado é visto como um processo complexo que envolve
novos conhecimentos, bem como novas combinações do conhecimento já
existente. Este processo se baseia em uma série de fontes de conhecimento,
3
RenalO Ferreira Marques dos SanIOS
sendo portanto um processo tanto interativo como cumulativo. Ainda segundo
Lundvall, existem três formas básicas de se aprender:
• aprender (/eam), no sentido estrito da palavra, através da atividade rotineira
de se produzir, distribuir e consumir dentro das empresas (leam by doing,
Arrow, 1962); (leam by using; Rosenberg, 1992) e (leam by interacting,
Lundvall, 1988);
• procurar (search) , através de vias mais formais de aprendizado, geralmente
pelos departamentos de P&D e de análise de mercados das empresas; e
• explorar (explore), que consiste nas atividades de pesquisa e
desenvolvimento que se dão fora dos limites da empresa, muitas vezes no
setor público, em universidades e centros de pesquisa.
A inovação pode se dar de muitas formas, incluindo adaptações dos
produtos e melhorias incrementais aos processos. A inovação é o resultado de
uma interação complexa entre vários atores e instituições, pois a mudança
técnica não ocorre em uma seqüência perfeitamente linear, mas através dos
laços de relacionamentos dentro deste sistema. No centro deste sistema estão
as empresas, a maneira que organizam a produção e a inovação e as vias
pelas quais ganham o acesso às fontes externas do conhecimento. Estas
fontes podem ser outras empresas, institutos de pesquisa públiCOS ou privados
ou ainda universidades (Nelson e Rosemberg, 1993; Lundvall, 1992; Edquist,
1997).
O conceito de sistema pode ser obtido a partir da idéia de interação entre
os atores envolvidos no processo de produção, difusão e utilização de novos
conhecimentos. Devido ao fato de a inovação, entre outros fatores, ser
dependente de diferentes formas de aprendizado interativo, ela deve ser
acessada dentro de uma visão sistêmica (Lundvall, 1992). Segundo
Edquist( 1997), esta visão é comum a todos os autores que trataram do tema.
De uma forma geral, Edquist assume que a performance geral de todo o
complexo de elementos envolvidos depende não apenas das características
4
SiSlema Brasileiro de Inovação em BiOlecnologia - Uma Análise Preliminar
individuais de cada elemento, mas principalmente da forma com a qual estes
elementos interagem mutuamente e influenciam uns aos outros.
Um estado nação define não apenas as fronteiras geográficas de uma
nação, mas também os padrões de comportamento, culturais, sociais e
históricos, além dos valores que modelam a fonnação de suas instituições
(Johnson, 1992; Lundvall, 1992).
O conceito de sistemas nacionais da inovação está baseado na premissa
que compreender os enlaces entre os atores envolvidos na inovação é chave
para melhorar o desempenho e a utilização da tecnologia. A inovação e o
progresso técnico são o resultado de um jogo complexo dos relacionamentos
entre os atores produzindo, distribuindo e aplicando vários tipos do
conhecimento. O desempenho inovativo de um país depende em uma grande
parte de como estes atores se relacionam como elementos de um sistema
coletivo da criação e do uso do conhecimento assim como as tecnologias que
usam. Estes atores são primeiramente empresas privadas, universidades e
institutos de pesquisa públicos e as pessoas dentro deles. Os enlaces podem
ser através da pesquisa comum, das trocas do pessoal, de co-patenteamento,
de compra do equipamento e de uma variedade de outras possibilidades. Por
outro lado, não há nenhuma definição consensual aceita acerca de um sistema
nacional de inovação (O ECO, 1996a; OECo, 1997a). Várias definições já
foram dadas, como por exemplo:
• " a rede das instituições públicas e nos setores privados CUjas
atividades e as interações iniciam, importam, modificam e difundem
tecnologias novas" (Freeman, 1987)
• " .. os elementos e os relacionamentos que interagem na produção, a
difusão e o uso de novo, e economicamente útil, conhecimento ... e são
encontrados dentro ou enraizados dentro das fronteiras de um estado da
nação." (Lundvall, 1992)
5
Renato Ferreira Marques dos Sanlos
." um jogo das instituições cujas interações determinam o
desempenho inovativo ... de firmas nacionais." (Nelson, 1993)
• " as instituições nacionais, suas estruturas de incentivo e suas
competências, que determinam a taxa e o sentido da aprendizagem
tecnológica (ou o volume e a composição da mudanças que geram
atividades) em um país." (Patel e Pavitt, 1994)
• " esse jogo de instituições distintas que contribui conjuntamente e
individualmente ao desenvolvimento e à difusão de tecnologias novas e
que fomece a estrutura dentro da qual os govemos dão forma e executam
politicas para influenciar o processo da inovação. Porque tal ele é um
sistema das instituições interconectadas a criar, para armazenar e
transferir o conhecimento, as habilidades e os artefatos que definem
tecnologias novas." (Metcalfe, 1995)
o conceito de sistema nacional da inovação reflete também a ascensão
de aproximações sistêmicas ao estudo do desenvolvimento da tecnologia ao
contrário "do modelo linear da inovação". No modelo linear, os fluxos do
conhecimento são modelados de forma simples: o iniciador da inovação é a
ciência e um aumento em produções científicas (sejam elas artigos, patentes
ou estudos) no processo aumentará diretamente o número de inovações e de
tecnologias que fluem pela extremidade de saída. Na realidade, entretanto, as
idéias para a inovação podem vir de muitas fontes e de todo o estágio da
pesquisa, do desenvolvimento, do marketing e da difusão.
Desta forma, muitos analistas passaram a criar metodologias de análise
de SNls, procurando por padrões de comportamento nacionais que possam ser
adaptados para outras nações, a fim de alavancar o SNllocal.
Há muitas formas diferentes de se analisar os SNls. A inovação no nível
da empresa examina estas quanto às suas fontes de conhecimento mais
relevantes à inovação. A análise de clusters produtivos de determinado setor
industrial ou região geográfica se foca nas interações entre tipos particulares
6
Sistema Brasileiro de lnovaçifo em BiOlecnologia- Uma Análise Preliminar
de firmas e de setores, que podem ser agrupados de acordo com suas
características tecnológicas e do seu networking. Os padrões de fluxos do
conhecimento podem diferir substancialmente de cluster para clusfer e também
dentro dos países especializados em tomo dos conjuntos industriais diferentes
(por exemplo, microeletrônica, produtos químicos). Os sistemas de inovação
podem também ser analisados em níveis diferentes: sub-regional, nacional,
transnacional (por blocos econômicos, como por exemplo o Mercosul) e
intemacional. Enquanto o nível nacional pode ser o mais relevante devido ao
papel de interações país-específicas em criar um clima para a inovação, a
tecnologia internacional flui e as colaborações passam a ter uma crescente
importância no sistema (OECD, 1996b; OECD, 1997b).
Os estudos empíricos de SNls encontram diferenças persistentes no
desempenho a longo prazo dos países. Mesmo entre os países que mostram
uma grande convergência no desempenho macroeconômico como os países
do OECD, seus perfis tecnológicos e as potencialidades da inovação divergem
consideravelmente. Que trajeto um país percorre é determinado em grande
parte pelos fatores institucionais, freqüentemente específicos a tal país,
incluindo-se a ampla escala de interações que caracterizam o seu sistema
nacional de inovação (OECD, 1997b).
A medida e a avaliação de sistemas nacionais da inovação centraram-se
em quatro tipos de fluxos do conhecimento ou de informação(OECD, 1997c):
• Interações entre empresas, primeiramente atividades comuns da
pesquisa e outras colaborações técnicas;
• Interações entre as empresas, universidades e institutos de pesquisa
públicos, incluindo a pesquisa comum, co-patenteamento, as co
publicações e enlaces mais informais;
• Difusão do conhecimento e da tecnologia às empresas, incluindo taxas
do adoção da indústria para tecnologias novas e difusão através da
maquinaria e do equipamento; e
• Mobilidade do pessoal, focalizando no movimento do pessoal técnico
dentro e entre os setores público e privado. Tentativas de ligar estes
fluxos ao desempenho das empresas mostram que os níveis elevados da
7
Renalo Ferreira Marques dos Santos
colaboração, da difusão da tecnologia e da mobilidade técnica do pessoal
contribuem à capacidade inovativa melhorada das empresas nos termos
dos produtos, das patentes e da produtividade.
Neste trabalho, o objetivo será analisar um tipo particular de SNI, focando
a Biotecnologia. A Biotecnologia apresenta características singulares, como
veremos a seguir, que fazem com que uma análise de seu sistema de inovação
precise ser feita diferentemente da maneira tradicional. Suas possibilidades
econômicas são muito amplas, e a maioria dos países do primeiro mundo,
senão todos, já modelaram um sistema de inovação específico para a
Biotecnologia. Os sistemas determinados pelos países europeus, por exemplo,
podem ser acessados em http://www.sussex.ac.uklspru/biotechnology/ebisl.
Para realizarmos essa análise de um sistema nacional de inovação em
Biotecnologia, precisamos primeiro entender o que é a Biotecnologia, como ela
surgiu, quais suas características e o estado atual de seu desenvolvimento. A
partir dessa noção, podemos estabelecer uma melhor forma de se avaliar um
SNI biotecnolÓgica.
8
Sistema Brasileiro de lnovaçdo em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
3 Biotecnologia
A Biotecnologia , na concepção maior da palavra, é uma das áreas do
conhecimento mais antigas da humanidade. Ao contrário do que o senso
comum sugere, as técnicas de manipulação de seres vivos existem há dezenas
de séculos. O pão, a cerveja e o vinho, talvez os mais antigos produtos
manufaturados de que se tem notícia, nada mais são do que produtos oriundos
da fermentação de microorganismos em substrato favorável, no caso o trigo, a
cevada e a uva. Melhorias nessas técnicas de produção se deram ao longo dos
anos, e ainda hoje tem-se inúmeras inovações em seus processos fabris,
desde as receitas até as cepas de microorganismos utilizados.
No entanto, é a moderna Biotecnologia, aquela capaz de manipular o
organismo em seu próprio código genético, de modificar tecidos e células in
vivo, que desperta a atenção da mídia, de economistas, formadores de
políticas, pesquisadores e estudiosos. Essa nova forma de se trabalhar com a
Biotecnologia se desenvolveu durante o decorrer do século XX, apresentou
crescimento explosivo no final do mesmo e promete ser o novo boom
econômico. É essa moderna Biotecnologia o objeto de estudo deste trabalho.
9
Renato Fe"eira Marqu.es dos Santos
3.1 Definições
Atribui-se a Karl Ereky, um engenheiro húngaro, a criação, em 1919, do
termo "Biotecnologia". À época o termo se referia à ciência e aos métodos que,
com a ajuda de organismos vivos, permitiam o processamento de materiais
"brutos", resultando desse processamento novos produtos para diferentes
usos.
Com os importantes avanços nos conhecimentos científicos e
tecnológicos, ocorridos principalmente a partir dos anos 50, e do conseqüente
desdobramento no desenvolvimento de modernas técnicas, foram ampliadas
as possibilidades para uso da Biotecnologia. Pode-se hoje, além do uso do
todo ou parte de sistemas biológicos, produzir intervenções diretas nesses
sistemas, programando-os para finalidades específicas.
Assim, pode-se entender como Biotecnologia, em seu sentido mais amplo,
a aplicação de conhecimentos científicos e de engenharia no uso de
processos, produtos ou partes de sistemas biológicos.
No entanto, a busca por uma definição amplamente aceita para o termo
Biotecnologia pode se mostrar uma tarefa bastante difícil. Uma breve busca na
Internet apresenta diversas definições. No anexo 1 estão listadas algumas das
definições encontradas.
O importante ao notarmos essa variedade de definições é perceber que
alguns autores incluem algumas atividades e processos biológicos, enquanto
outros as omitem.
A maior parte dessas definições abrangem toda a Biotecnologia, e no
escopo deste trabalho, visa-se apenas à moderna Biotecnologia, motivo pelo
qual a definição de Biotecnologia a ser utilizada neste trabalho é a da
Universidade de Mahidol, ou seja:
• A Biotecnologia significa a aplicação das· tecnologias, tais como técnicas
de DNA recombinante, bioquímica, biologia molecular e celular, genética e
engenharia genética, técnicas biológicas de fusão celular e novos
bioprocessos, usando organismos vivos, ou partes de organismos, para
10
Si!1ema Brasileiro de InOWlção em Biorecnologia - Uma Análise Preliminar
produzir ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais, desenvolver
microorganismos para uso específico, identificar alvos para o desenvolvimento
de pequenas moléculas farmacêuticas, transformar sistemas biológicos em
processos úteis e em produtos ou desenvolver microorganismos para usos
específicos .•
11
Renato Fe"eira Marques dos Santos
3.2 Histórico
A moderna Biotecnologia teve seu início com a publicação por Boyer e
Cohen em 1973 de um artigo em que eles mostraram ter manipulado material
genético de outros organismos em bactérias. No entanto, diversas
contribuições anteriores a essa publicação foram fundamentais para que esse
trabalho fosse possível.
Pode-se dizer que o início da Biotecnologia moderna data dos trabalhos
de Mendel, com o início dos conceitos de hereditariedade e de genética. A
partir de seus trabalhos com ervilhas, Morgan e seus colaboradores
desenvolveram em seus laboratórios vastos experimentos com moscas das
frutas (Drosophila melanogaster) , comprovando a existência de um fator de
hereditariedade em todos os seres vivos, e estabelecendo definitivamente os
principais postulados da genética clássica.· Estes estudos, apesar de
embasarem teoricamente a Biotecnologia moderna, pouco acrescentaram às
técnicas modernas de manipulação de células, tecidos e organismos que
norteiam as técnicas atuais.
A partir da década de 50, a moderna Biotecnologia começou a ganhar as
bases técnicas que possibilitaram o desenvolvimento das modernas
tecnologias de que hoje dispomos. No meio da década, foi descoberta uma
forma de se separar os cromossomos do restante da célula, técnica que
possibilitou aos citogeneticistas observar e correlacionar anomalias
cromossômicas a diversos tipos de doenças (Bishop e Waldhoz, 1990).
Ainda na metade da década, foi por fim desvendada a estrutura do DNA, o
que possibilitou a constatação das leis da genética propostas por Mendel, além
de possibilitar uma gama infinita de possibilidades de manuseio desta molécula
(Watson, 1953).
Durante o final desta década e o início da década de 60, o maior salto na
Biotecnologia foi a descoberta por Jacob e Monod de um novo tipo de
molécula, o mRNA, responsável por transportar a informação genética do
núcleo da célula para o local em que esta seria processada, os ribossomos,
localizados no citoplasma celular (Jacob e Monod, 1961).
12
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Amilise Preliminar
Em 1973, o grande salto tecnológico foi dado. A partir de DNA de dois
organismos diferentes, Cohen e Boyer criaram o primeiro microorganismo
transgênico em laboratório, por intervenção direta do homem. Neste momento,
nascia a Biotecnologia moderna. Em 1976, Boyer e um capitalista de risco,
Robert Swanson, fundaram a Genentech, a primeira empresa do mundo a
trabalhar com DNA recombinante (Robbins-Roth, 2000).
Com a abertura dessa possibilidade, várias pesquisas foram feitas,
inicialmente com microorganismos e em seguida com organismos mais
complexos. Em 1983, pela primeira vez um animal transgênico vertebrado foi
feito com sucesso. Ralph Brinster, da University of Pennsylvannia Veterinary
School inseriu o gene do hormônio de crescimento humano no genoma de um
camundongo, que passou a produzir essa proteína em seu metabolismo,
criando um "super-camundongo". Em 1986, foi a vez de cientistas colocarem
um gene de vaga-lume cujo produto faz com que ele emita luz em uma planta
de tabaco. Suas folhas passaram a brilhar no escuro (Rifkin, 1999).
Ainda em 1983, o último grande salto tecnológico (até os dias hoje) foi
dado na Biotecnologia. Pela utilização de uma enzima encontrada em bactérias
que vivem em fontes termais a quase 100°C, foi desenvolvida a técnica de
PCR (polymerase chain reaction, ou reação de polimerase em cadeia), que
permite que, a partir de uma única molécula de DNA, se tenha centenas de
milhares de cópias da mesma, possibilitando que se trabalhe em laboratório
mesmo com quantidades ínfimas de material genético de qualquer organismo
(Robbins-Roth, 2000). É a partir dessa tecnologia que seria possível produzir
dinossauros com apenas uma amostra de seu sangue conservado em fósseis,
como mostra o filme ·Parque dos Dinossauros" (com todas as ressalvas
técnicas que ainda tomam essa idéia apenas uma obra de ficção).
Esse período foi também o primeiro boom das empresas de Biotecnologia,
que seguiram o sucesso da Genentech, que abriu seu capital em bolsa em
outubro de 1980, com suas ações fechando o primeiro dia de negociação
valendo mais que o dobro do estipulado em seu IPO (initial public offering, ou
primeira oferta pública de ações), após um pico de duas vezes e meia seu valor
(Robbins-Roth,2000).
13
Renato Ferreira Marques dos Santos
Centenas de empresas foram abertas nos EUA neste período, sempre
tendo a formação pesquisador ligado à universidade - capitalista de risco à
frente do empreendimento. Destas empresas, destacam-se a própria
Genentech, a Amgen e a Genzyme, que existem até hoje e são consideradas
empresas de grande porte, de alcance global, cada uma com diversos produtos
patenteados e sendo comercializados (Robbins-Roth, 2000).
Durante a década de 90, com o grande crescimento econõmico dos EUA,
houve o segundo grande boom da Biotecnologia, com uma nova onda de
empresas se formando e lançando suas ações no mercado, impulsionadas
principalmente pela expectativa da conclusão do projeto genoma humano, que
só veio a se realizar no iníciO do século XXI, e as possibilidades que o mesmo
abriria. Além dos EUA, a Biotecnologia se desenvolveu fortemente também no
Japão e Europa (com destaque para a Inglaterra e a Alemanha), além de atrair
investimentos em todas as outras partes do mundo, principalmente no Canadá
e na Austrália.
14
Sistema Brasileiro de inovação em Biolecnologia - Uma Análise Preliminar
3.3 Panorama Atual
Atualmente, a Biotecnologia está consolidada como realidade no mercado
mundial. Diversas frentes foram abertas no final do século passado, e pode se
visualizar facilmente uma dúzia de áreas em que sua atuação tem sido
marcante, conseguindo resultados indiscutíveis e gerando enormes discussões
éticas, religiosas, econômicas e sociais.
O pleno desenvolvimento da Biotecnologia nos dias atuais parece ser
impedido não mais uma barreira técnica, mas pela aceitação da população
mundial de uma forma geral dos seus produtos derivados. Em todo o mundo, a
população discute a validade e o uso de produtos como alimentos
geneticamente modificados, terapia gênica e clonagem, principalmente de
seres humanos.
Pode-se fazer uma longa lista de áreas de atuação da Biotecnologia hoje,
e certamente ela não será exaustiva. Sob o ponto de vista de potencial
econômico, as áreas de maior impacto nos dias atuais e no futuro próximo,
segundo diversos autores, são:
3.3.1 Profeômica
O primeiro boom causado pela introdução de mecanismos de engenharia
genética foi a possibilidade de se gerar proteínas em bactérias, a um custo de
produção e purificação muito menor que o tradicional. Em seguida, começou-se
a ver que era possível mapear os genes de qualquer espécie, e uma nova onda
de esforços, tanto da indústria de suporte (aparelhos, química etc) como da
própria indústria biotecnológica foi formada. Projetos de sequenciamento de
genomas de diversas espécies foram iniciados, inclusive o megaprojeto
Genoma humano, de esforço internacional, terminado agora em 2002.
No entanto, alguns cientistas e empresários já notaram que apenas o
mapeamento genético não deve trazer tantas inovações como se pensava. O
grande salto será dado a partir da identificação das estruturas espaciais dos
15
Renato Ferreira Marques dos Santos
produtos gênicos de interesse: as proteínas. Através da descoberta destas
estruturas, as possibilidades de se produzir fármacos para virtualmente todas
as doenças estará disponível, e este trabalho deverá ter velocidade espantosa
(Technology Review, 2000).
Algumas empresas já começam a atuar no ramo de desenho baseado em
estruturas, desenvolvendo softwares de modelagem e capacitando pessoal
para sua utilização. Outras técnicas de identificação de estrutura também estão
sendo desenvolvidas, como a cristalografia de raios X, e outras que aguardam
melhorias para se tomarem viáveis financeiramente.
Investidores da área de venture capital já estão há alguns anos
apostando em pequenas empresas de Biotecnologia, competindo com
empresas gigantes do setor, como a Novartis, que investe pesado no
descobrimento de novas técnicas de obtenção das estruturas tridimensionais,
também chamadas estruturas terciárias das proteínas. Algumas pequenas
empresas, com capital oriundo de investidores, já começam a despontar no
cenário mundial neste campo ainda restrito. São elas a SGX e a Syrrx, ambas
no Vale do Silício, que pretendem chegar a 1000 estruturas identificadas já em
2003, a SFG, em New Jersey, que pretende se utilizar de ressonância
magnética nuclear para chegar às estruturas, e a Astex, empresa inglesa, que
se concentra no composto proteína-fármaco, de interesse final à indústria
farmacêutica (Technology Review, 2000).
O conceito de bioinformática se confunde muito com os de proteômica e
de genômica, visto que cada vez mais são necessários equipamentos de
grande porte e algoritmos mais sofisticados, a fim de se completar os mapas
genômicos e de proteínas em andamento por todo o mundo.
3.3.2 Produtos Farmacêuticos
As ferramentas desenvolvidas pela moderna Biotecnologia têm
possibilitado um estudo muito mais amplo de diversas doenças e suas origens,
mas talvez o campo que mais tenha se beneficiado até o momento tenha sido o
da oncologia. A possibilidade de se estudar isoladamente a função de cada
16
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
gene em nosso organismo, além da chance de isolá-lo em microorganismos
tem permitido a inovação em várias áreas, com resultados excelentes, como a
geração de anticorpos monoclonais, que podem ser utilizados mais
eficientemente em nossos organismos para combate a doenças; drogas
antisenso, capazes de combater as até agora soberanas infecções virais; e, a
última palavra em combate a doenças, a terapia gênica, capaz de curar até
mesmo indivíduos deficientes de nascimento de algum gene (Watanabe, 1999).
Dentro das possibilidades abertas na pesquisa de novos fármacos, temos
diversos subgrupos, como as já citadas drogas anti-senso e as terapias
gênicas. A imunotecnologia é uma área de pesquisa voltada para melhorar o
sistema imunológico humano. Uma das possibilidades que suas pesquisas
abrem é a de se reduzir ou até mesmo erradicar a rejeição no transplante de
órgãos. Além disso, é provavelmente desta área que obteremos um remédio
definitivo contra a AIDS (Alfredo, 2001).
3.3.3 Bioengenharia
A bioengenharia é a área da Biotecnologia que procura criar, em
laboratório, células que se desenvolvam em tecidos específicos, de forma a
produzir substitutos para enxerto e lou transplantes em humanos (Alfredo,
2001). Sua tecnologia depende fortemente do domínio do uso de células
tronco, outro item que tem tido grande espaço para debate ético na mídia.
O maior avanço obtido até agora neste campo foi a liberação, pelo FDA,
no final de 2001, de testes para o Dermagraft, um tecido sintético
tridimensional, feito pela Advanced Tissue Science (empresa norte americana
de capital aberto na NYSE), elaborado para o tratamento de úlceras no pé,
muito comuns em pacientes graves de diabetes (Alfredo, 2001).
3.3.4 Biomaleriais
17
Renato Ferreira Marques dos Santos
Uma das possibilidades abertas pelas novas técnicas de Biotecnologia é a
de produção de "biomateriais". A era da engenharia genética traz consigo uma
curva de desenvolvimento de produtos e métodos do tipo S (ou seja, num
gráfico utilização da inovação versus tempo, a curva tem o formato aproximado
de um S, mais acentuada que as anteriores no aspecto de valor adicionado aos
produtos e possivelmente de menor duração. A primeira curva teria sido a da
era agrária, seguida da era industrial, depois a da era da informação e em
seguida a dos bioteria/s. Cada vez mais valor está sendo adicionado a cada
produto, e cada vez menos tempo dura cada curva (Oliver, 1999).
Mas o que são os biomateriais? Para se entender o conceito, é necessário
explicar que a partir da invenção da engenharia genética, cada célula viva
passou a ser uma possível fábrica de produtos específicos. Isto porque esta
técnica permite se inserir na célula em questão genes capazes de produzir
produtos secundários, genes estes que são integrados ao genoma da célula e
passam a ser funcionais na mesma e em suas filhas.
Assim, pode-se projetar genes que produzam substâncias específicas
como anticorpos, fibras etc, e mudar radicalmente o conceito de substâncias
utilizadas na indústria. Os têxteis, por exemplo, poderiam ser feitos a partir de
fibras muito mais resistentes, ou elásticas, ou mesmo coloridas, ao contrário
das limitações que se tem na indústria atual (Oliver, 1999).
Este exemplo pode ser extrapolado para a indústria farmacéutica (onde
hoje já se tem a elaboração de vacinas em microorganismos), química e, por
que não, plástica.
3.3.5 Alimentos Geneticamente Modificados
Esta possibilidade talvez seja a mais amplamente debatida atualmente em
todo o mundo. O impacto dessa nova tecnologia no comportamento do
consumidor e, por conseguinte, nos seus meios de produção iniciais, vem
tomando as páginas de jornais e revistas em todo o mundo.
O ponto é de extrema importância para uma indústria em nascimento, pois
campanhas públicas de boicote a seus produtos podem fazer com que a
18
SiSlema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
mesma tenha fim antes mesmo de "engrenar". Dois grupos bem distintos
podem ser vistos neste conflito. O primeiro deles é o de ludistas, que vêem
qualquer inovação tecnológica maior como uma ameaça, e as grandes
empresas e tecnoentusiastas, que pretendem lançar seus novos produtos e
alterar o padrão de consumo vigente (Mraz, 2000).
Um debate público sobre as benefícios e malefícios de tais alimentos deve
ser levado a sério, até mesmo como forma de esclarecimento da população.
Afinal, "tecnófobos sempre existiram e sempre existirão, e quanto maior o
impacto causado pela mudança, mais barulhentos se tornam." (Mraz, 2000)
Os primeiros passos em relação à regulamentação destes alimentos já
são visíveis, apesar de o mundo ainda estar longe de um consenso sobre como
o fazê-Io. Os países europeus apresentam regulamentação sobre GMO
(organismos geneticamente mOdificados) dirigidas pelo processo, no Japão e
EUA se percebe uma preocupação com a regulamentação dirigida pelo
produto. Também a sua rotulagem ainda é bastante controversa, resultando
em uma divisão entre EUA e Europa (Chen e McDermott, 1998).
3.3.6 Outras Aplicações
Existem ainda outras possibilidades menores (no atual estágio de
desenvolvimento da Biotecnologia) de utilização de organismos vivos para a
produção de bens, das quais a de maior impacto é a de se produzir chips de
DNA, capazes de monitorar o estado de nossos genes, identificando mutações
em genes chave, prevendo o aparecimento de doenças como o câncer bem
antes dos métodos disponíveis atualmente. Ou ativação terapêutica de genes
para fazer com que o corpo produza substâncias específicas que deveriam e
por algum motivo não estão sendo produzidas (Watanabe, 1999).
19
Renato Ferreira Marques dos·Santos
4 O Modelo de Bartholomew Para Analise dos SNI de
Biotecnologia
A idéia de um sistema nacional de inovação diferenciado para
Biotecnologia já foi debatida anteriormente por diversos autores (eg. Baz8 e
Twardowski, 2000; Senker et a/., 1999; Chen e McDermott, 1998 ). O fato de a
Biotecnologia ser um meio, e não um produto, lhe confere características
especiais, através das quais deve ser analisada (Bartholomew, 1997).
Essa diferença é fundamental para o entendimento de um sistema
nacional de inovação. Os setores tradicionais da indústria, ou mesmo o setor
da tecnologia de informação lida com produtos palpáveis, e que na grande
maioria das vezes são desenvolvidos para suprir uma demanda existente ou
aperfeiçoar/modernizar produtos existentes. Já a Biotecnologia desenvolve
formas de se atingir novos produtos, e não os produtos em si.
Para ilustrar isso, podemos citar novamente o exemplo da utilização do
hormônio de crescimento humano pela indústria farmacêutica. Diversas drogas
foram encontradas por tecnologias tradicionais de síntese química visando
promover o desenvolvimento muscular de crianças e jOvens com problemas de
crescimento. Com a possibilidade de se expressar um gene humano em
microorganismos, a indústria passou a poder produZir O próprio hormônio, e
não substâncias similares, o que gerou um resultado muito mais satisfatório
nOs pacientes.
Além do desenvolvimento da Biotecnologia per se, deve também se
pensar nas utilizaçôes da mesma, geralmente nas indústrias farmacêutica,
alimentícia e agrícola. Com isso, o sistema se toma muito mais complexo, e a
difusão de tecnologias novas passa a ser crítica no sucesso dos sistemas
nacionais (Senker et aI., 1999).
Uma análise dos sistemas de inovação nos estados europeus mostrou
grandes diferenças na forma em que cada um deles aborda a geração, difusão
e utilização de técnicas de biologia molecular no sistema produtivo local
(Senker et aI., 1999). Um outro estudo (Bartholomew, 1997), propõe um
20
Sistema Brasileiro de lnovaçilo em Biotecn%gia - Uma Análise Preliminar
modelo de análise dos sistemas nacionais que possibilita encontrar pontos de
alavancagem e gargalos em cada país, pela análise de onze fatores
conjunturais nacionais, de causas históricas, sociais, econõmicas e políticas
singulares a cada país, que vão propiciar uma maior ou menor facilidade de
desenvolvimento da Siotecnologia nos mesmos. O modelo pode ser visualizado
na figura 4.1, na página seguinte.
Este modelo foi escolhido para nosso estudo por alguns motivos:
• O artigo ter sido bem recebido na comunidade acadêmica, o que pode ser
demonstrado pelo prêmio recebido por uma versão anterior do artigo final, o
Haynes Prize de 1996, da AIS Foundation and the Eldridge Haynes
Memorial Trust.
• O modelo ser bastante completo, prevendo o papel de todos os
participantes de um SNI.
• Pela pesquisa bibliográfica realizada, este se mostrou o único modelo
desenhado especialmente para análise de um SNI em biotecnologia,
levando em consideração as peculiaridades do setor.
21
Renato Ferreira Marques dos Santos
História
1 Contexto
Institucional
Nacional
Padrões
Institucionalizados
de
Comportamento
das Finnas
Conhecimento
Estrangeiro
Relacionamento de
Pesquisa com ------~l I nstituições Estrangeiras
Tradição Nacional de ____ ---. , Educação Cientifica
Financiamento Nacional
Para Pesquisa Básica / Orientação Comercial das
Instituições de Pesquisa
Estoque de
Conhecimento
nas Instrtuições
de Pesquisa
Caminho Nacional
Mobilidade da Força ____ --•• ,Fluxo de De Desenvolvimento
de Trabalho
Mercado de
Venture capital
~ Conhecimento L-B_i_ot_ecn __ ol_6_9_iCO_'_-,
8
Atuação do Governo em
Difusão de Tecnologias
Acúmulo de Tecnologia em
Setores Correlatos
9 Colaboração com
Instituições de Pesquisa
r-::l Cooperação Entre-finnas em
~ Pesquisa e Desenvolvimento
O Utilização de Tecnologia 11
Estrangeira
Estoque de
Conhecimento
Na Indústria
Conhecimento
Estrangeiro
Figura 4.1 - Modelo para análise de SNI em Biotecnologia, com fatores críticos para
seu sucesso (Bartholomew, 1997).
22
Sistema Brasileiro de lnovaçllo em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
Cada um dos onze quesitos é importante no panorama nacional, podendo
criar dependências externas, falta de condições de desenvolvimento ou, por
outro lado, potencializar investimentos em Biotecnologia. Além disso, pode-se
agrupar estes quesitos por seu papel na entrada, utilização ou difusão de
conhecimento. Os mesmos são melhor explicados em sua essência abaixo,
bem como seus agrupamentos.
4.1 Tradição Nacional de Educação Científica
Um conjunto de pesquisadores em ciências da vida (/ife sciences)
altamente qualificados, prontamente disponíveis é considerado um fator chave
de sucesso para a indústria biotecnológica de um país (Kenney, 1986; OTA,
1991; Sun, 1989 e outros, apud Bartholomew, 1997).
A mão de obra especializada disponível no país, como biólogos
moleculares, geneticistas e bioquímicos, por exemplo é criada a partir de
investimentos feitos por indivíduos que desejam aumentar sua expertise. Esse
investimento individual é reforçado por instituições sociais ou pelo governo, que
desejam beneficiar com isso a sociedade e a economia (Porter, 1990).
Uma forte tradição em educação científica possibilita ao país ter uma base
de instituições de pesquisa bem desenvolvidas, o que sinaliza para a
população que a pesquisa científica é uma possibilidade de desenvolvimento
profissional apelativa (Locke, 1985, apud Bartholomew, 1997). Países em que
a carreira científica é socialmente e financeiramente compensadora tendem a
produzir um maior número de cientistas per capita, e consequentemente ter um
maior número de pesq~isas e produtos no pipe/ine de desenvolvimento.
4.2 Financiamento Nacional para Pesquisa Básica
Devido ao longo tempo de maturação de pesquisas em, por exemplo,
biologia molecular, o apoio governamental de longo prazo à pesquisa de base
em ciências biológicas é um fator crítico na qualidade e tamanho do estoque de
23
Renato Ferreira Marques dos Santos
conhecimento científico gerado no país relativo à Biotecnologia (Mowery e
Rosenberg, 1993; Shan e Hamilton, 1991). A localização institucional deste
conhecimento tem implicações cruciais na forma pela qual este será difundido
pelo sistema industrial (Sharp, 1989; Mowery e Rosemberg, 1993).
4.3 Relacionamento de Pesquisa com Instituições Internacionais
A amplitude de possibilidades oferecida pela Biotecnologia faz com que
nenhum país possa dominar todas as áreas envolvidas em sua pesquisa. Com
isso, a capacidade de o país se abrir ao desenvolvimento ocorrido em outras
partes do globo toma-se fundamental para que este se mantenha na fronteira
do conhecimento.
A partir de uma base pré-existente, os países parecem estar se
especializando em diferentes aspectos e aplicações da Biotecnologia (OTA,
1991). Articulações com outros países dentro das expertises dos mesmos
podem fazer com que as instituições de pesquisa de um determinado país
complementem sua esfera de atuação e conhecimento, possibilitando assim
alavancagem de sUas capacidades (Porter, 1990; Shan e Hamilton, 1991). Os
países têm diferentes comportamentos quanto à busca de conhecimento no
exterior. Enquanto os países que se industrializaram primeiramente (early
industrializers) , apresentam a tendência a se focarem nas invenções
domésticas, os que se industrializaram posteriormente (Iate industrializers)
apresentam forte padrão de adquirir ou adaptar conhecimento de outros países
(Hampden-Tumer e Trompemaars, 1993; Westney, 1993, apud Bartholomew,
1997).
4.4 Grau de Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa
Na maioria das sociedades, as instituições de pesquisa e as empresas
têm missões completamente distintas. Enquanto as instituições de pesquisa
têm por objetivo gerar e disseminar conhecimento, o princípio mandatário das
24
Sistema Brasileiro de Inovação em Biolecnologia - Uma Análise Preliminar
empresas é o de maximizar seu valor para seus controladores (Swann, 1988,;
Nelson, 1991, apud Bartholomew, 1997). O grau dessa distância entre setor
produtivo e academia, no entanto, está alicerçado em fatores culturais e
históriCos, variando de país para pais (Mowery e Rosenberg, 1993). Uma maior
orientação comercial das instituições de pesquisa implica em uma menor
distância entre os dois pólos, o que resulta em um fluxo maior e mais
consistente de conhecimento entre as duas comunidades.
4.5 Mobilidade da Mão de Obra
Uma grande movimentação de pessoal entre as universidades e a
indústria permite um acesso facilitado às firmas ao estoque de capital humano
e tecnológico de ponta (Ergas, 1987), e um maior conhecimento dos
pesquisadores acerca dos mercados, aumentando assim o fluxo de
conhecimento entre universidades e empresas (Swann, 1988, apud
Bartholomew, 1997). A mobilidade entre os dois segmentos, no entanto, reflete
o 'custo de oportunidade" de se sair da academia para o setor produtivo, bem
como a necessidade de atualização tecnológica exigida pelo mercado (Sharp,
1989, apud Bartholomew, 1997). A forma que a sociedade recompensa e trata
os diversos campos de atividade podem ser decisivos na mobilidade desta mão
de obra especializada.
4.6 Disponibilidade de Venture Capital
Uma opção de difusão de tecnologia para os pesquisadores da área de
Biotecnologia é o de abrirem suas próprias empresas a fim de comercializar a
tecnologia resultante de seus estudos. No entanto, o investimento inicial nestes
empreendimentos é não raramente elevado, gerando a necessidade de um
investidor que apoie o negócio. O modelo mais difundido de apoio a este tipo
de atividade é o de Venture Capital, cuja disponibilidade varia enormemente de
país para país (Ergas, 1987; Porter, 1990). Ainda a disponibilidade e facilidade
25
Renato Ferreira Marques dos Santos
de acesso a capital de risco pode ser visto como um reflexo do grau de
individualismo e empreendedorismo de uma sociedade (Hampden-Tumer e
Trompenaars, 1993; Lodge, 1990)
4.7 Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias
Os países têm grandes diferenças quanto à orientação do estado na
estrutura industrial (Lenway e Murtha, 1994, apud Bartholomew, 1997). Em
países com orientação individualista, o estado possui uma posição limitada no
desenvolvimento industrial, deixando que o mercado regule a competição,
enquanto em países com orientação mais comunitária, o estado costuma tomar
um papel mais direto na definição das necessidades da população,
estabelecendo as linhas a serem seguidas pela indústria (Lodge, 1990, apud
Bartholomew, 1997). Estas mesmas diferenças também influem diretamente
em como a tecnologia é difundida das instituições de pesquisa para a indústria.
Nestes países mais comunitaristas, faz parte do papel do governo gerar os
mecanismos de apropriação de tecnologias pela indústria, enquanto nos
individualistas, essa difusão também ocorre por ação do mercado e da
competição (Ostry, 1990, apud Bartholomew, 1997). Esta visão, no entanto, é
contestada por outros autores, para quem o mercado não é suficientemente
maduro para difusão de conhecimento, tornando-se inevitável uma regulação
por parte do governo em sua difusão.
4.8 Colaboração entre Empresas e Instituições de Pesquisa
Na Biotecnologia, o grau de avanço científico e conseqüente avanço
tecnológico é particularmente alto, e as empresas que pretendem desenvolver
produtos comerciais baseados em Biotecnologia devem manter contato
constante com as instituições de pesquisa e universidades a fim de se manter
na vanguarda tecnológica. Avanços significativos no campo de Biotecnologia
são obtidos diariamente, e as empresa simplesmente não podem se dar ao
26
Sistema Brasileiro de Inovaçoo em Biolecnologia - Uma Análise Preliminar
luxo de ficar afastadas por muito tempo dos laboratórios de pesquisa (Nelson,
1991).
Investimentos realizados por empresas em pesquisas dentro de
instituições resultaram, por dólar aplicado, em 4,2 vezes mais pedidos de
patentes do que investimentos em pesquisa dentro da própria firma
(Blumenthal et aI., 1986).
4.9 Acúmulo tecnológico em Setores Correlatos
Os países possuem vantagem tecnológica em diferentes setores
industriais (Cantwell, 1989; Pavitt, 1987, apud Bartholomew, 1997). Além disso,
estudos empíricos (Cantwell, 1989, apud Bartholomew, 1997) demonstraram
que estes países tendem a focar o desenvolvimento de novas tecnologias em
áreas correlatas às em que já obtiveram sucesso no passado. A Biotecnologia
não é um setor industrial no sentido tradicional, mas um conjunto de técnicas
de produção que podem ser aplicados a diversos setores. Os mais
significativos até hoje são as indústrias farmacêutica e química, com as áreas
de agronegócios e ambiental logo em seguida (OTA, 1991). Assim, países com
vantagem estabelecida nessas indústrias tendem a levar vantagem no
processo de inovação em Biotecnologia.
4.10 Colaboração entre Empresas
A colaboração entre empresas pode ser vantajosa dentro de suas
estratégias de P&D, por gerar economias através das sinergias do processo,
através da diminuição do risco, necessidade de menor investimento em ativos
fixos e redução dos custos (Shan e Hamilton, 1991; Contractor e Lorange,
1988, apud Bartholomew, 1997). Um estudo empírico em empresas de
Biotecnologia nos EUA (Shan, 1994, apud Bartholomew, 1997) demonstra o
efeito positivo da cooperação entre empresas, pela mensuração do número de
27
Renato Ferreira Marques dos SantOS
patentes obtidas. A colaboração entre empresas varia enormemente de país
para pais, refletindo a estrutura social, política e histórica de cada sociedade
(Hamel et aI., 1989; Hampden-Tumer e Trompenaars, 1993, apud
Bartholomew, 1997). Por outro lado, esta cooperação pode ser induzida elou
reforçada por uma forte ação govemamental neste sentido (Brock, 1989;
Saxonhoues, 1986; Westney, 1993, apud Bartholomew, 1997).
4.11 Utilização Estratégica de Tecnologias Estrangeiras
A colaboração internacional entre empresas pode prover às empresas o
conhecimento obtido em outros sistemas nacionais de inovação. Novamente
diferenças históricas e sociais fazem com que empresas de diferentes países
utilizem diferenciadamente esta ferramenta para a aquisição de novas
tecnologias (Mansfield, 1988; Rosemberg e Steinmuller, 1988, apud
Bartholomew, 1997). Por exemplo, a utilização de tecnologias estrangeiras
pode ser fundamental para que empresas de países com desenvolvimento
tardio alcancem o estágio de empresas localizadas em países de
desenvolvimento anterior (Hikino e Amsden, 1994, apud Bartholomew, 1997).
Neste trabalho, consideraremos uso estratégico de tecnologia
estrangeira como aquele em que se visa a assimilação desta tecnologia pela
empresa, e em maior grau pela indústria nacional elou aquele em que a
tecnologia é utilizada para superar alguma dificuldade técnica pontual de um
processo, sem no entanto ser a base para o mesmo.
Os três primeiros quesitos dizem respeito à forma com que o
conhecimento entra no sistema nacional de inovação. O último quesito é uma
forma de entrada de conhecimento no sistema nacional, mas pode também ser
considerado (e o será neste trabalho) uma forma de utilização do cohecimento
já gerado algures. Os quesitos 4 a 11 tratam da utilização e difusão do
conhecimento pelO sistema e por sistemas paralelos que se mesclam muitas
vezes com a Biotecnologia, como é o caso da indústria farmacêutica e da
agricultura.
28
Sistema Brasileiro de I"ovação em Biorec"ologia - Uma Análise Preliminar
A partir desses conceitos, faremos uma análise de cada um dos fatores
críticos na situação atual do Brasil, procurando identificar pontos de
alavancagem para a Biotecnologia, fatores que vêm impedindo o pleno
desenvolvimento da mesma e, num momento seguinte, discutir possíveis
abordagens para contornar os problemas existentes e sugerir formas de se
colocar o país na vanguarda da Biotecnologia mundial.
29
Renato Ferreira Marques dos Santos
5 Analise do SNI Brasileiro
5.1 Metodologia
Para se fazer uma análise do estado atual da Biotecnologia no pais
através do modelo proposto, foram utilizados três tipos de ferramentas:
entrevistas com pessoas ligadas à área, questionários aplicados a formadores
de opinião em Biotecnologia e pesquisa bibliográfica.
Os questionários aplicados tinham como modelo o presente no Anexo
2.
A aplicação dos questionários se deu por via eletrônica, com envio dos
mesmos por conta de e-mail para uma lista selecionada de pessoas de cada
setor abordado na pesquisa. Esta lista se baseou em:
~ base de dados de empresas de biotecnologia, gerada pela Biominas;
~ gestores e analistas de fundos de investimento com atuação em
Biotecnologia;
~ lista de alunos de pós graduação dos institutos de Biofísica e Bioquímica
da UFRJ;
~ lista de professores da UFRJ, Unicamp, UENF e UFMG, nas áreas de
Biologia Molecular e afins;
~ pesquisadores da Fiocruz, EMBRAPA e Instituto Butantã, Instituto
Biológico de Campinas e Instituto Agronômico de Campinas;
~ analistas de patentes do INPI e da ANVlSA da área de Biotecnologia;
~ membros da rede intema de Biotecnologia da FINEP;
~ analistas de projetos de Biotecnologia do CNPq e do MCT
Após o envio dos mesmos, aguardou-se até 15 dias para recebimento
de respostas.
As entrevistas foram realizadas pessoalmente, em local determinado
pelo entrevistado. Para tal, elas foram marCadas com antecedência, sendo
revelado apenas que se tratava de uma entrevista sobre aspectos atuais da
Biotecnologia no país.
30
Sistema Brasileiro de Inovação em BiotecnolOgia - Uma Análise Preliminar
As entrevistas foram feitas sem um roteiro predeterminado, mas
objetivando atender todos os pontos enfocados no modelo. Foram tomadas
notas durante as mesmas de pontos importantes do entendimento do
entrevistado sobre o assunto.
Foi garantido aos entrevistados e respondentes anonimato, sendo
apenas mencionado nesse texto sua área de atuação.
O número e tipo (área de atuação) dos entrevistados e respondentes pode
ser visto na tabela 5. 1 .
Tabela 5.1 - Número de Entrevistas realizadas e Questionários respondidos no trabalho
de pesquisa.
Entrevistas Questionários ·-·_-·-·-·_ .. ···-··· __ ····_-··· .. ··--7· .. ·---···_·· .... - .... ·-.... --.--.--...... --.-....... - ..... - .. - ... ----.. - .... - .. ----.--.--.. - ... --.--.-..... - .. -.-----.. --.--.
Estudantes PG Areas Correlatas 2 8
Professores Universidades
Pesquisadores Inst. Pesquisa
Profissionais Venture Capital
Profissionais Indústria Start ups
Profissionais Indústria Grande Porte
Agentes Regulatórios
Agentes Públicos de Fomento
Total
2
2
1
1
8
5
3
1
2
3
5
7
34
A partir dos questionários recebidos, pode-se montar a Tabela 5.2, com o
resultado final da pesquisa.
Os resultados obtidos serão analisados em seguida. Para esta análise,
serão levadas em conta as notas obtidas nos questionários, as entrevistas e,
quando cabível, dados obtidos por pesquisa bibliográfica, para cada um dos
itens pesquisados, de forma a embasar elou complementar as respostas
obtidas.
31
Renato Ferreira Marques dos Santos
Tabela 5.2 - Consolidação dos resultados dos 34 questionários recebidos, com as notas dadas para cada um dos 11 itens do mesmo.
Notas
Quesitos
Relacionamento de Insti! de Pesq com
Estrangeiras
Tradição Nacional de Educação Cientifica
Financiamento Nacional Para Pesquisa Básica
Orientação Comercial das. Instituições de Pesquisa
Mobilidade da Força de Trabalho
Mercado de Venture Capital
Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias
Acúmulo de Tecnologia em Setores Correlatos
Colaboração da Indústria com Instit de Pesquisa
Cooperação entre empresas em P&D
Utilização Estratégica de Tecnologia Estrangeira
Instit
Média
--------------_._-------------24244 3 4 3 4 2 2 3 423 223 423 4 2 4 J 4 4 3 4 3 4 2 3 4 3,1
4 3 4 4 3 I 3 2 3 3 3 3 4 4 3 3 3 4 I 2 3 4 4 3 4 4 4 3 4 4 3 3 4 3 ~2
4 3 4 4 2 4 2 2 2 3 243 3 4 2 422 4 3 2 223 4 2 4 2 2 4 2,7
2 4 2 2 o 2 2 O I O I 2 2 2 2 2 2 I 2 1 2 2 I 2 1,4
2 3 2 2 223 2 3 3 3 222 .> 2 I 3 2 3 1,8
2 4 3 3 2 J 2 2 3 2 223 2 2 4 2 2,0
2 2 2 2 3 4 3 2 1 2 2 322 3 324 2 2 2 3 2 423 3232222,4
33333243322434342422234323334432433,0
3 23232332 2 3 3 2 22322 3 2 2 2 2 1 3 3 2,1
2 23222333 2 2 3 2 2313222 2 3 2 2 2,0
32331233 232 3 2 3 1 233 233322312332322,4
I. As notas foram dadas de O a 5 ----.--------
2. Células sem nota correspondem. itens não respondidos
3. A média leva em conta o número de respostas para cada questão.
32
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecn%gia - Uma Aná/I!õe Preliminar
5.2 Relacionamento de Instituições de Pesquisa com Instituições
Estrangeiras
Segundo os entrevistados e os respondentes, as instituições nacionais de
pesquisa, bem como nossas universidades, têm bom relacionamento com as
instituições estrangeiras. A média obtida nos questionários para este quesito foi
3,1, a segunda maior dentre os 11 pontos levantados por nossa pesquisa.
O ponto forte desse relacionamento está na pesquisa, onde o fluxo de
cientistas e estudantes é constante, e engloba todas as áreas correlacionadas
com a Biotecnologia. Há um grande contigente de estudantes de pós graduação
fazendo doutorado sanduíche no exterior, bem como um grande número de pós
does, principalmente nos EUA e Europa (notadamente França e Inglaterra), que
são os países que mais atraem estudantes brasileiros. Na ponta de entrada,
temos um grande número de estudantes oriundos de países da América Latina e
das colônias portuguesas na África.
No caso específico da UFRJ, há um grande número de docentes
estrangeiros, e a vinda de pesquisadores visitantes da Europa e EUA é uma
constante.
No entanto, existem problemas, quando se observa a aplicação das
pesquisas.
Foram citados problemas de utilização de patentes desenvolvidas no exterior
por pesquisadores brasileiros, bem como a falta de controle sobre o inverso, ou
seja, patentes geradas por pesquisadores estrangeiros em pesquisas
desenvolvidas em nosso país. Por exemplo, um pesquisador estrangeiro que
desenvolva uma pesquisa no Brasil, ao voltar ao seu país de origem, pode
patentear seu resultado. Quando um pesquisador brasileiro volta do exterior, ele
não pode fazer o mesmo sem que a patente seja pedida em co-titularidade com a
instituição em que ele desenvolveu a pesquisa.
Outro problema citado foi a dificuldade de retenção de bons
pesquisadores estrangeiros no país, que via de regra terminam sua pesquisa e
voltam para desenvolver os produtos resultantes da mesma em seu país de
origem. Pelo outro lado, os pesquisadores brasileiros de maior sucesso são
33
Renato Ferreira Marques dos .Xmlos
freqüentemente convidados a regressar ao exterior depois de cumprir o tempo
determinado pelo governo de estadia no país. E é geralménte no exterior que eles
voltam a desenvolver as aplicações de sua pesquisa.
5.3 Tradição Nacional de Educação Científica
A política nacional de formação de cientistas é· condicionante ao
desenvolvimento da indústria, por todos os motivos já citados. Assim, além da
política tecnológica, também a educacional se torna fundamental no campo da
Biotecnologia.
Segundo os entrevistados, que reforçaram o resultado dos questionários,
esse é o ponto forte do país na área de Biotecnologia, A nota dada pelos
respondentes a esse quesito foi a mais·alta dentre todas, obtendo a média 3,2.
Apesar de o trabalho de pesquisa ser desconhecido da população em geral e
da função de professor ser mal remunerada e até mesmo motivo de chacota por
parte da população (há tempos atrás, dentro de uma onda de seqüestros no Rio
de Janeiro, fez grande sucesso uma camiseta com os dizeres: "não me seqüestre,
sou professor"), o Brasil sempre teve um grande número de profissionais se
formando todos os anos nas principais universidades, com a grande maioria deles
seguindo a carreira acadêmica, na área de Biotecnologia.
O pesquisador valoriza muito a sua carreira, e estudantes de cursos como
Biologia, Farmácia e, num menor grau, Medicina, Nutrição e Fisioterapia,
freqüentemente durante o curso passam a optar por uma carreira de pesquisador,
mesmo que essa envolva, após o término do curso, mais 2 anos de mestrado, 4
ou 5 de doutorado e não raramente mais 2 ou 3 de pós-doc. Com isso, a entrada
de novos profissionais na pesquisa é contínua, e a mão de obra abundante em
todos os níveis (iniciação científica, alunos de pós-graduação e pesquisadores).
Segundo as entrevistas, neste quesito o problema é o contrário dos demais.
Se faltam capital de risco, orientação comercial das empresas ou mesmo
financiamento público (como veremos adiante), existe sobra de profissionais
34
Sislema Brasileiro de lnovaçOo em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
qualificados, que muitas vezes são perdidos por falta de vagas nas universidades
e instituições de pesquisa.
5.4 Financiamento Nacional Para Pesquisa Básica
Este quesito, apesar de ter obtido uma boa média, 2,7, foi o que apresentou
maior discrepância dentre os respondentes do questionário e mesmo os
entrevistados. Enquanto uma parte deles considera boa e, em alguns casos,
"excepcional', uma boa parte de respondentes acha bastante fraca ou "sofrível" a
ação do govemo no apoio à pesquisa. Por isso, toma-se válido apresentar um
pequeno histórico das ações do govemo para a área de Biotecnologia.
O Govemo Nacional, desde o início da década de 80, tem dado atenção à
necessidade de desenvolvimento da Biotecnologia no país, através da criação de
diversos programas de apoio à pesquisa básica na área. Em 1981 foi criado o
primeiro programa específico para a Biotecnologia, o PRONAB (Programa
Nacional de Biotecnologia, com um sub-programa de Engenharia Genética).
Gerenciado pela FINEP, o PRONAB teve a virtude de cristalizar, na Comunidade
Científica das Bio-Ciências, uma atitude de comprometimento consciente com a
necessidade de não só desenvolver a base científica, como também levar os seus
produtos inovadores às prateleiras das farmácias e supermercados. Talvez devido
ao fato de o PRONAB ser fortemente controlado pela Comunidade Científica, não
mostrou progressos nesses últimos aspectos, servindo apenas para aportar um
reforço de financiamento para grupos de ensino e pesquisa comprometidos com a
idéia. Todos eles figuram hoje entre os centros mais fortes de Biologia Celular e
Molecular Básica e Aplicada do País. O PRONAB serviu para caracterizar a
Biotecnologia (especialmente a moderna) como "área estratégica" para o País.
O passo seguinte na iniciativa governamental foi o PADCT. Nascido da idéia
de conferir avanço competitivo a determinados setores de "ponta tecnológica"
considerados estratégicos, o PADCT juntou demandas importantes de vários
setores, que convergiram para um grande empréstimo com o Banco Mundial. O
PADCT começou a operar experimentalmente em 1984 e implantou-se de forma
35
Renato Ferre;ra Marques dos Santos
definitiva para um ciclo de 5 anos (1985-1990), renovado para o qüinqüênio
subseqüente (1990-1995). Sendo a Biotecnologia um dos setores contemplados,
foi possível, através do PADCT, consolidar e ampliar as ações do PRONAB; mas
somente no final do primeiro ciclo (PADCT I) conseguiu-se caracterizar
plenamente, na área biotecnológica, o importante papel da participação da
Empresa Privada, que constitui ênfase do PADCT II/Subprograma Biotecnologia.
Através do PADCT/SBIO o Governo Federal canalizou para a Biotecnologia US$
22 milhões no período 1984-90, adicionados de US$40 milhões no período 1990-
1995. Contudo, dificuldades de contratação e de desembolso pelo govemo
diminuíram sensivelmente o impacto que o PADCT poderia produzir na base
científica da Biotecnologia.
Logo após o início do PADCT, com a transição de Governo Militar para Civil,
foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia, no qual se estruturou uma
Secretaria (Especial) de Biotecnologia, que passou a coordenar as ações de
vários programas públicos na área, inclusive o PADCT. Duas outras ações
importantes do Governo, durante o governo do presidente José Sarney tiveram um
impacto positivo no desenvolvimento da Biotecnologia: o CEBAB/CABBIO (Centro
Brasileiro-Argentino de Biotecnologia) e o Programa RHAE (Recursos Humanos
para as Áreas Estratégicas). O primeiro, iniciado com grande impulso no âmbito
dos Acordos de Cooperação que levariam mais tarde ao MERCOSUL, chegou a
financiar projetos binacionais científicos e de pesquisa empresarial; mas logo
passou a um comportamento oscilatório devido a dificuldades financeiras
alternantes dos Govemos Brasileiro e Argentino. O segundo, que consistia na
concessão de uma quota significativa de bolsas de estudo e aperfeiçoamento,
com uma ênfase na concretização de atividades de P&D na Indústria e nos
setores de pesquisa institucional mais claramente ligados à Biotecnologia e
demais setores estratégicos, sofreu oscilações depois de um começo rápido,
perdendo força consistentemente, até terminar no final da década de 90.
Nesse quadro, o Governo Federal estimulou desde 1985 a consolidação de
redes colaborativas regionais de Biotecnologia, envolvendo Instituições
CientíficaslTecnológicas e Empresas. Para estas redes, denominadas CIBs
36
Sistema Bra .... ileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
(Centros Integrados de Biotecnologia), previu-se um esquema flexível, adaptado
às peculiaridades regionais. Vários Programas de Coordenação de âmbito
estadual foram lançados em resposta a estes estímulos (Minas Gerais, São Paulo,
Paraná e Rio Grande do Sul). Outros Estados optaram por uma concentração
geográfica de esforços na forma de Pólos ou Parques Tecnológicos concentrados
(Rio de Janeiro/BIO-RIO e Santa Catarina/Joinvílle).
No final da década de 90, o governo lançou o projeto de fundos setoriais para
apoio ao desenvolvimento tecnológico. Os fundos setoriais visam a estimular a
pesquisa aplicada nas universidades públicas, pelo repasse de recursos (oriundos
de diferentes formas de taxação, especificas para cada um deles) para projetos de
pesquisa em colaborações entre universidades e empresas. Estes fundos são,
como seu nome indica, especificos para cada setor econõmico, e a Biotecnologia
tem seu próprio fundo, já regulamentado, mas ainda não operacional. No caso
específico deste fundo, a Origem dos Recursos é: 7,5% da Contribuição de
Intervenção de Domínio Econômico - CIDE, cuja arrecadação advém da incidência
de alíquota de 10% sobre a remessa de recursos ao exterior para pagamento de
assistência técnica, royalties, serviços técnicos especializados ou profissionais.
Além desse fundo, também o de Agronegócios e o de Saúde devem alocar
recursos para pesquisas em áreas de interesse da Biotecnologia (MCT, 2002;
Finep, 2002).
A maior reclamação dos entrevistados, tanto os que acham boa a quantidade
de recursos, mas principalmente dos que a criticam, foi a falta de constância nos
mesmos. Nunca se sabe, segundo os entrevistados, quando haverá dinheiro para
contratação de projetos, os pagamentos de prestaçôes sempre atrasam e até
mesmo projetos contratados deixam de receber recursos por falta de verbas.
Com este quesito, termina o bloco de entrada de conhecimento no sistema,
ponto em que, segundo os resultados da pesquisa, o Brasil se encontra numa
situação satisfatória, com as ressalvas apresentadas em cada tópico.
A seguir, passamos ao bloco de aplicação do conhecimento, ou seja,
pesquisa aplicada e desenvolvimento tecnológico.
37
Renato Ferreira Marques dos Santos
5.5 Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa
Esse foi, com certeza, o ponto mais baixo da avaliação do status brasileiro
em Biotecnologia. Não só a média mais baixa, 1,4, mas também o fato de, fora um
respondente de questionário que deu nota 4 para o quesito, nenhuma nota ter sido
maior que 2, e da presença de 3 notas 0, as únicas em todos os quesitos de todos
os questionários.
Os entrevistados foram unânimes em apontar essa como a grande
deficiência no sistema nacional de inovação em Biotecnologia. Deste quesito
pudemos obter o primeiro dos três pontos a serem debatidos posteriormente como
fundamentais para o avanço da Biotecnologia no país, a questão cultural.
Tanto nas entrevistas como em diversas opiniões espontâneas apresentadas
nos questionários, ficou claro que o aspecto cultural é a primeira barreira para o
desenvolvimento de novos produtos e processos biotecnológicos no Brasil.
Os pesquisadores parecem acreditar que sua função é fazer ciência, e que o
fato de se tentar ganhar dinheiro com o produto de suas pesquisas é algo
indevido. Além disso, existe um certo preconceito da comunidade científica com
aqueles pesquisadores que se voltam para uma carreira na indústria, ou mesmo
como empreendedores em seu próprio negócio. Pode-se dizer que, segundo as
palavras de um dos entrevistados, o pesquisador brasileiro tem uma visão
·purista" da ciência, conservadora, em que o objetivo da pesquisa é o
conhecimento, para que se gere mais perguntas e mais pesquisas, num círculo
vicioso (ou virtuoso, na ótica de pesquisa).
Segundo outro entrevistado, o pesquisador brasileiro tem medo do sucesso
de sua pesquisa, ou seja, ele se sente seguro para defendê-Ia em artigos, teses e
apresentações, mas teme ser questionado se a droga que ele descobriu em
laboratório não fizer o mesmo efeito em doentes reais, e que com isso ele perca
seu prestígio científico.
Um outro entrevistado apontou a falta de vocação empresarial em nossos
cientistas, o que foi reforçado por algumas opiniões em questionários e em outras
entrevistas, apesar de não explicitamente. Segundo ele, a falta de conhecimento
38
'"
Sistema BrasileiTo de Inovação em Biotecnologil1- Uma Análise Preliminar
de negócios gera o medo de ser ·passado para trás por raposas do ramo" e com
isso poucos se aventuram a lançar suas start-ups.
Por fim, foi citado ainda que o brasileiro de uma forma geral tem uma
aversão ao empresariado, associando sua imagem à de alguém que se aproveita
dos outros para ganhar dinheiro, do salafrário, do sonegador de impostos, enfim
de uma imagem completamente diferente do pesquisador, que é uma imagem
pura, de dedicação, afinco, superação e honestidade.
Essa questão cultural pode ser considerada como o mais complicado dos
problemas do sistema de inovação no país, mas por não ser do escopo desta
tese, não será discutida muito a fundo.
5.6 Mobilidade da Força de Trabalho
Este ponto obteve a segunda menor média de todos, 1,8. No entanto, a
maioria dos entrevistados, bem como alguns dos respondentes que comentaram o
questionário foi enfática em afirmar que desconhecia tal fato, ou sabia muito pouco
a respeito, justificando assim uma pontuação baixa para o quesito.
Num exemplo estudado, da Fiocruz, instituição de pesquisa de saúde do
governo federal, não se viu mobilidade de mão de obra além da normal de
mercado, ou seja, o pesquisador do setor produtivo que volta à universidade para
fazer seu mestrado e/ou seu doutorado, ou o recém doutor contratado pelo setor
produtivo. Vale lembrar que dentro da Fiocruz existem as unidades de
BioManguinhos e FarManguinhos, que são unidades produtoras de medicamentos
e vacinas, e mesmo nelas esse tipo de mobilidade é o único encontrado. Nas
demais áreas da instituição, nem mesmo essa mobilidade é observada. O
pesquisador faz seu mestrado, doutorado, pós-doe e vira pesquisador da
instituição ou então em outra instituição, mas não passa para a indústria.
Um pouco deste comportamento pode talvez ser explicado pelos fatores
culturais mencionados no quesito anterior, mas como disse um entrevistado, a
demanda da indústria por esses profissionais em nosso país também pode ser
39
Renalo Ferreira Marques dos Sanlos
responsabilizada, já que a indústria farmacêutica desenvolve seus novos produtos
em suas matrizes e/ou centros de pesquisa no exterior.
Em um outro caso estudado, da EMBRAPA, que desenvolve Biotecnologia
para o agronegócio, foi observada uma situação similar ã da Fiocruz, ou seja,
pesquisadores que fazem sua carreira internamente e passam para a ponta
produtiva da instituição, ou pesquisadores já vinculados a pesquisas com a
EMBRAPA que passam, por concurso, a fazer parte dos quadros da empresa.
Mas ainda assim cabe ressaltar que a EMBRAPA é uma instituição basicamente
de pesquisa, e que em seu caso particular, o produto é uma conseqüência direta
da mesma. Não se trata de uma empresa de capital aberto voltada para o lucro
através do melhoramento agrícola.
5.7 Mercado de Venture Capital
As novas empresas de Biotecnologia nascem nas universidades e centros de
pesquisa, a partir de descobertas de pesquisadores, que vêem nelas a
possibilidade de criar um negócio inovador e lucrativo. Na esmagadora maioria
dos casos, os fundos próprios do pesquisador são insuficientes para que se monte
a nova empresa, com equipamentos, pessoal e verbas para a continuidade das
pesquisas. Assim, há uma forte dependência de investimentos de risco no
empreendimento para que ele possa ao menos sair do papel.
Diferentemente de setores como a tecnologia da informação, onde um grupo
de desenvolvedores de software pode desenvolver um excelente novo produto
"na garagem de casa" e comercializá-lo para gerar receitas, na Biotecnologia o
investimento inicial necessário é muito grande, e sem ele não há produção
(Robbins-Roth,2000).
Para uma empresa de Biotecnologia crescer, são necessários geralmente
diversas rodadas de investimentos, em valores cada vez maiores, não raramente
passando dos 30 milhões de dólares (Robbins-Roth, 2000).
No Brasil, no entanto, essa forma de financiamento ainda parece ser
desconhecido da comunidade da área de Biotecnologia, como pode ser visto no
40
Sislema Brasileiro de Inovação em Bjolecnologia - Uma Análise Preliminar
fato de 5 respondentes terem deixado em branco este quesito. A nota dada ao
país neste quesito por aqueles que se julgaram aptos a dar nota foi 2,0, com
apenas duas notas 4.
Como 2 dos entrevistados atuam nessa área, a quantidade de informações
geradas pode compensar a deficiência do número de questionários respondidos.
Segundo os entrevistados, o Venture Capital ainda é muito embrionário no país de
uma forma geral, mas encontra um grave empecilho na área particular da
Biotecnologia: a legislação. Segundo eles, sem que as regras do jogo estejam
muito bem definidas, não é possível para o investidor, que já assume o risco do
negócio sem conhecê-lo, assumir outro risco, sem que ele possa fazer nada.
Foram citadas a lei de Biodiversidade, a lei sobre patentes de produtos
biotecnológicos e a regulamentação sobre o funcionamento de empresas de base
biotecnológica, principalmente as que lidam com OGMs como as mais indefinidas
no setor. Um dos entrevistados chegou a citar o fato de que "no Brasil encontra-se
especialista para tudo o que se quiser, mas não há um sequer na área de patentes
biotecnológicas' .
Na outra ponta, os pesquisadores e estudantes que responderam acerca do
assunto mostraram preocupação com o fato de a (pequena) oferta de capital de
risco ficar restrita ao eixo Rio - São Paulo. Contudo, eles mesmo atentaram para
o fato de que, apesar da pouca oferta, também a demanda por este tipo de
investimentos ainda é muito pequena.
5.8 Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias
Difusão é o processo pelo qual uma inovação é comunicada através de
determinados canais no tempo, pelos membros de um sistema social específico
(Rogers, 1995).
A Biotecnologia tem uma forte dependência da pesquisa básica, e com isso
seu sucesso em determinado país está fortemente ligado à política do mesmo de
geração e difusão de ciência. Adicionalmente, a Biotecnologia per se não gera
41
Renalo Ferreira Marques dos Santos
prOdutos, mas formas de produção ou processos, o que mais uma vez a coloca à
mercê da política interna da nação de difusão de tecnologias para obter sucesso.
Este. quesito gerou alguma polêmica nas entrevistas e comentários
condicionantes nos questionários, apesar de todos terem respondido ao mesmo,
gerando uma nota final 2,4. Particularmente os setores de agronegócios e
farmacêutico foram levantados como tendo diferentes comportamentos.
No primeiro caso, do setor agropecuário, a difusão é feita constantemente e
com bastante eficiência. A EMBRAPA desenvolve continuamente sementes
melhoradas e adaptadas a microclimas locais, e coloca à -dispoSição dos
agricultores as novas variedades. Existe ainda a pesquisa de novas sementes por
encomendas específicas de agricultores. Essa percepção foi compartilhada por
tOdos os entrevistados que comentaram o assunto mais a fundo, e citada em
alguns questionários.
No caso do setor farmacêutico, um dos entrevistados apontou que a Fiocruz
realiza ativamente a difusão de novas tecnologias, mas não como política
institucional. No seu caso específico, existem o PDTIS e o PDTSP (Programas de
Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde e em Saúde Pública,
respectivamente), em fases iniciais de implantação e desenvolvimento. A primeira
rede de difusão implementada é a rede de dengue, com desenvolvimento de
metodologias de prevenção, combate e tratamento por todo o território nacional.
Onde existe a maior difusão de tecnologias em saúde é no ãmbito do ensino,
pois este trabalho já é elaborado e efetuado em rede, mas se dá quase que
exclusivamente para novas metodologias e processos.
5.9 Acúmulo de Tecnologia em Setores Correlatos
Novamente neste quesito, houve uma clara distinção entre o setor
agropecuário e o setor farmacêutico, tanto nas entrevistas como em comentários
extraídos dos questionários. Apesar da nota deste quesito ter sido bastante alta,
3,0, poderia se dizer que a agropecuária tem muito mais conhecimento acumulado
que a saúde. Em diversos questionários, foi colocado como ponto alavancador da
42
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
Biotecnologia nacional o fato de existir a EMBRAPA, sua atuação no passado e
presente e o conhecimento e tecnologias lá acumulados.
O caso específico do Projeto Genoma Brasileiro, principalmente o Genoma
Humano, desenvolvido sob coordenação do professor Andrew Simpson no
Instituto Ludwig foi mencionado por quase todos os entrevistados. Como mOdelo
de geração de conhecimento e treinamento de recursos humanos, ele foi
extremamente elogiado, sendo inclusive citado que a curva de acúmulo de
seqüências deste projeto superou o da Celera, empresa de capital aberto norte
americana que concorreu com o projeto genoma mundial.
Um dos entrevistados mencionou, contudo, que este acúmulo está na
pesquisa básica, e não em tecnologias aplicadas, ou dentro da indústria, em
processos produtivos. Novamente, retoma-se ao ponto que na pesquisa básica o
Brasil está bem, que o problema está na passagem deste conhecimento para o
desenvolvimento tecnológico.
Outro entrevistado questionou a quantidade de projetos genomas das mais
diversas espécies, algumas com apelo econômico questionável. Segundo ele.
seria mais útil para o país se desenvolver os estudos de um número menor de
organismos, mais importantes economicamente, dando passos na direção do
proteoma e do genoma funcional. Isso habilitaria nossos pesquisadores em novas
tecnologias e chegaria mais próximo de aplicações finais de interesse econômico,
ou seja, prOdutos no mercado. Como exemplo, ele citou o genoma da cana de
açúcar, que poderia ser levado mais à frente, e apoiado estudos para melhoria dos
nossos cultivares e desenvolvimento de defensivos agrícolas de base genética
para combate a pragas.
5.10 Colaboração de Empresa com Instituições de Pesquisa
A inovação industrial depende da complexa correlação entre pesquisa
básica e pesquisa e desenvolvimento aplicados ao mercado. Entretanto, essa
integração não ocorre automaticamente, e a eficiente transmissão dos dados de
pesquisa básica para a indústria final é fator chave de sucesso. Na Biotecnologia,
43
Renato Ferreira Marques dos Santos
por depender fortemente da pesquisa básica gerada via de regra em
universidades, podemos notar que o processo de inovação é entre instituições, e
não dentro de instituições, como grande parte dos setores industriais (McMillan et
al.,2000).
A indústria de Biotecnologia é um novo setor, de desenvolvimento
exponencial, e que a princípio deve ter influência ainda maior do setor público de
pesquisa. A estrutura do setor é fortemente baseada em pequenas empresas
ligadas por fortes laços com universidades, sendo em sua maioria de propriedade
de professores e pesquisadores saídos das mesmas (McMillan et aI., 2000).
Neste quesito, apesar de a literatura mostrar que a colaboração
universidade-indústria é fundamental, o Brasil foi classificado como ruim. Com
média 2,1, o senso comum é de que as duas pontas não se falam, gerando um
empecilho para o desenvolvimento da Biotecnologia. Novamente, foi citado o fato
de o parque industrial biotecnológico ser muito reduzido, e por isso o julgamento
ser difícil.
Os entrevistados mostraram uma visão melhor da colaboração entre
pesquisa e produção, mas dizendo contudo que ainda há muito a melhorar. Mais
uma vez, foi levantada a questão da EMBRAPA estar ligada proximamente ao
produtor rural, e este aspecto foi considerado muito positivo para a melhoria tanto
das pesquisas como de nossos produtos agrícolas.
Um dos entrevistados citou o exemplo da Fiocruz, em que existe colaboração
intensa, mas apenas na ponta aplicada a mercado da instituição, as unidades de
BioManguinhos e FarManguinhos, que como já foi citado, são as unidades
produtoras de medicamentos e vacinas da instituição. laboratórios privados
procuram essas unidades para realizar as etapas finais de desenvolvimento de
drogas. Existem no caso dois modelos de cooperação, um por desejo da indústria
local, que procura por melhoramento de processos, e um por desejo da Fiocruz
que, seguindo a política governamental quer substituir a importação de drogas de
alto custo, pela produção de genéricos nacionais.
Foi citado também o fato de as pequenas (e pouca) empresas start-ups
formadas por professores saindo de universidades mantêm uma relação de
44
Sistema Brasileiro de lnovaçi1o em Biotecnologia- Uma Análise Preliminar
colaboração de pesquisa, já que estes professores mantêm sua posição dentro da
instituição de pesquisa, continuando portanto suas pesquisas e levando-as para
dentro de suas empresas. Foi questionado se essa prática pode ser
verdadeiramente considerada como mecanismo de colaboração.
5.11 Cooperação entre Empresas de Pesquisa e Desenvolvimento
Em indústrias tecnologicamente avançadas, a lógica organizacional vem
mudando. Ao invés da visão da empresa como um veículo para processar
informações, tomar decisões e resolver problemas, suas competências centrais
estão se voltando para a procura e criação de conhecimento. Em indústrias mais
competitivas, a competição é vista agora como uma corrida pelo aprendizado.
Por estes motivos, a colaboração entre organizações, sejam elas empresas,
universidades ou outras, tem crescido nos últimos anos, principalmente em
setores como o da Biotecnologia (Powell, 1998).
Apesar de a inovação levar a empresa a novos campos e áreas da ciência, as
inovações da empresa geralmente se restringem ao paradigma tecnológico já
existente na mesma. Apesar de vários estudos mostrarem que aquisição externa
não substitui pesquisa desenvolvida internamente, muitas firmas não se utilizam
do recrutamento de pessoal qualificado como o primeiro passo para gerar
capacidade. Pelo contrário, o primeiro movimento parece ser, na maioria das
vezes, no sentido de formar joint ventures ou adquirir pequenas firmas (Senker,
1996).
Muitas pequenas empresas de Biotecnologia se associaram a gigantes
farmacêuticas e químicas, como forma de subsidiar um crescimento sustentável.
em troca de liberação de novas tecnologias. O modelo vigente sugere que
alianças bem feitas são tão ou mais importantes que o desenvolvimento imediato
de novas tecnologias. Além disso. o caminho trilhado por pequenas empresas e
gigantes estabelecidas parece tender a um encontro, com as pequenas gerando
novas possibilidades e as grandes financiando estudos, devido à sua
45
Renato Ferreira Marques elos Santos
incapacidade de se adaptar internamente às constantes mudanças requeridas
pelo negócio da Biotecnologia (Senker, 1996).
Cooperações entre empresas em P&D dentro da Biotecnologia pode ser uma
relação simbiótica, ou do tipo ganha-ganha, mesmo que uma delas não seja
diretamente ligada à atividade biotecnológica.
Um bom exemplo deste tipo de relação é o da indústria farmacêutica norte
americana, cuja forte tradição de P&D demanda da indústria de instrumentos uma
maior qualidade e precisão de seus produtos. Com isso, a indústria de
instrumentos está sempre dando passos a frente em qualidade, enquanto a
indústria farmacêutica ganha eficiência e ferramentas mais modernas de pesquisa
(Shan et aI., 1994).
No Brasil, devido ao fato de a indústria Biotecnológica ser ainda bastante
incipiente e recente, torna-se difícil fazer um diagnóstico da cooperação entre
empresas. Isso pode ser observado no fato de 4 dos respondentes dos
questionários terem se omitido de dar nota para o quesito, bem como o de alguns
questionários recebidos terem uma nota neste quesito no sentido de estar
avaliando a situação da colaboração entre empresas no país em geral, e não de
suas empresas de Biotecnologia. Levando-se isto em conta, a nota 2,0 obtida
neste quesito pode ser considerada de pouca significãncia para uma interpretação
da realidade nacional.
Mesmo nas entrevistas, o assunto foi pouco discutido, pelos mesmos motivos
apresentados acima. Um estudo mais abrangente da situação de cooperação
entre empresas, como os elaborados pela ANPEI pode ser de grane valia para se
projetar cenários para quando a Biotecnologia estiver mais consistente no Brasil,
mas por enquanto o que se pode dizer é que não há, ou há muito pouca,
colaboração entre empresas no setor.
O caso que pode fugir à conclusão acima é o de empresas start-ups
incubadas em uma mesma incubadora de empresas (e.g. Fundação Bio-Minas e
Fundação BioRio), em que algum nível de colaboração, mesmo que não científico
e tecnológico deve haver entre elas. Mas mesmo nesse caso particular, o número
de incubadas nesses pólos ainda é muito baixo.
46
Sistema Bras;{eiro de Inovação em Biolecnologia - Uma Análise Preliminar
. 5 .. 12 Utilização Estratégica de Tecnologia Estrangeira
Neste item, houve um pequeno problema técnico. No primeiro questionário
enviado, para testes, a cinco pessoas para críticas, comentários e sugestões, a
reação saiu como "Utilização de Tecnologia Estrangeira". As notas foram todas
altíssimas, e a justificativa era de que no Brasil só se utilizava praticamente
tecnologia estrangeira. Após o conserto, na versão final, o que se viu não foi
exatamente isso. Apenas a inserção da palavra "estratégica" fez a nota final deste
quesito ser 2,4.
Este quesito, talvez por ser o último, não teve nenhum comentário nos
questionários recebidos, ficando portanto toda a informação obtida restrita às
entrevistas.
Os entrevistados, em sua maioria, mostraram desconhecer casos práticos de
utilização estratégica de tecnologias no setor produtivo. Em pesquisa, essa visão
não se manteve, com todos apontando a constante busca de pesquisadores por
novas metodologias e o fato de diversos alunos de doutorado irem a cada ano
para o exterior para serem treinados em novos métodos e aparelhos científicos.
Um dos entrevistados citou as bolsas de doutorado sanduíche no exterior
como a principal demonstração de utilização estratégica de novas tecnologias.
Novamente, essa transferência de tecnologia se aplica apenas no campo de
pesquisa, vindo a ser utilizada pelo setor produtivo apenas nos casos de
empresas start-ups iniciadas pelo próprio estudante ou por seu professor.
Outro entrevistado citou a utilização de tecnologias estrangeiras para a
produção e desenvolvimento de novas vacinas pela Fiocruz, esta sim uma
utilização no setor produtivo de novas tecnologias.
47
Renato Ferreira Marques dos Sanlos
5.13 Pontos fortes e fracos da Biotecnologia no Brasil
Com a análise das respostas obtidas e das entrevistas, podemos começar a
responder a pergunta feita originalmente por este trabalho. Quais são os pontos
fortes e os pontos fracos para o desenvolvimento de um sistema nacional de
inovação em biotecnologia forte e em condições de competir com os produtos do
resto do mundo.
Primeiramente, pode-se dizer que, de acordo com as respostas obtidas,
estamos bem longe dos países que disputam a fronteira em desenvolvimento
biotecnológico. Em nenhum dos quesitos analisados nosso país obteve uma nota
final ótima ou boa. A melhor nota obtida foi 3,2, pouco acima de regular (3).
No entanto, pode-se tirar pontos positivos do estado atual do país. A tradição
científica é um ponto a favor do desenvolvimento de novas tecnologias e
processos. Aliado a isso, este trabalho mostra que o financiamento para a
pesquisa de base vai bem, apesar de estar aquém do desejado pela comunidade
científica. Desta forma, aliando formação de recursos humanos com financiamento
a pesquisa, temos uma geração de conhecimento interna forte, que é a principal
forma de entrada de conhecimento para todo o sistema de inovação.
A situação atual da agricultura no país também mereceu destaque em
diversas entrevistas e comentários em questionários. O sistema formado pelas
universidades, a EMBRAPA e a difusão para o produtor foram aprovados pelo
público respondente. Desde a geração de conhecimento nesta área, passando
pela geração de novos cultivares e sementes e a difusão das mesmas para o
plantio, a cadeia produtiva funciona de forma virtuosa.
Como problemas apontados, tivemos a falta de perenidade no financiamento
à pesquisa, o aspecto cultural do pesquisador, que raramente se aventura numa
jornada empresarial, a dificuldade de se encontrar financiamento par etapas finais
de desenvolvimento de produto e de empresas start up, a legislação em vigor, a
falta de uma política específica de difusão de tecnologias na área de saúde, a não
orientação comercial das instituições de pesquisa e a falta de mobilidade da mão
de obra entre a universidade e o setor produtivo.
48
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
6 Principais Problemas Levantados pela Análise: Venture Capital e
. Legislação
Como mencionado anteriormente, um grande número de problemas foi
identificado neste trabalho. Muitos deles circunstanciais, como a descontinuidade
no financiamento público à pesquisa, alguns de impacto apenas em determinadas
atividades, como a falta de uma política específica de difusão de tecnologias na
área de saúde.
Todavia, alguns problemas levantados se mostraram mais relevantes e com
maior potencial de emperrar o sistema. O primeiro deles foi a questão cultural de
nossos pesquisadores, que apresentam uma quase aversão ao setor produtivo de
uma forma geral e à indústria em particular. Este problema cultural já foi detectado
em um estudo de Senker (Senker, 1996), no Reino Unido. O mesmo problema de
distanciamento do pesquisador para a indústria foi notado, e enquanto um boom
de novas empresas de biotecnologia surgia nos EUA, nenhuma apareceu na Grã
Bretanha. Apenas após uma forte ação do governo incentivando a formação de
empresas surgiu a primeira empresa de biotecnologia nascida da universidade
naquele país.
Os dois problemas que surgiram como maior obstáculo ao desenvolvimento
de novas empresas de biotecnologia foram a questão do financiamento à empresa
start up, que tradicionalmente no mundo se dá sob a forma de venture capital
(Robbins, 2000; Senker, 1996) e a legislação ainda indefinida no país. Estes dois
problemas mereceram nossa atenção especial, e são apresentados a seguir em
maiores detalhes.
49
Renalo Ferreira Marques dos ~XmtQS
6.1 Venture Capital
6.1.1 Empresas de Base Tecnológica e a Necessidade de Venture Capital
Os mecanismos de financiamento tradicionais disponibilizados pelas
instituições financeiras não são os mais apropriados para empresas de base
tecnológica. Isso ocorre devido à natureza arriscada das atividades que envolvem
intensos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento e do perfil dos criadores
de empresas de base tecnológica, que no caso de empreendedores universitários,
quase sempre não possuem ativos reais para oferecer como garantia aos
empréstimos.
O capital de risco, além de não exigir garantias reais, é importante porque o
retomo dos investidores é dependente do crescimento e lucratividade da empresa
em questão, ao contrário do crédito tradicional, no qual o credor possui direitos
legais em termos de juros e amortização, independentemente do sucesso ou
fracasso do negócio. Além disso, tal mecanismo de financiamento difere das
outras fontes tradicionais porque propicia capital de longo prazo, além de oferecer
suporte gerencial e administrativo (British ... , 2000).
Pesquisas recentes avaliaram o impacto econômico do capital de risco em
países europeus, constatando que as empresas contempladas com capital de
risco apresentaram maiores taxas de crescimento, maior potencial de criação de
empregos, maiores investimentos, gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D)
e maior volume de exportaçôes, quando comparadas às quinhentas maiores
companhias européias. As empresas capitalizadas valorizaram muito os
benefícios do capital de risco, pois para 72% das empresas pesquisadas esse
mecanismo de financiamento foi considerado crucial (38%) ou importante (34%)
para o desenvolvimento do negócio. Em 81 % dos casos, as empresas afirmaram
que, na ausência do capital de risco, não existiriam ou teriam se desenvolvido
mais vagarosamente (European ... , 1996).
50
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
Capital de risco deve ser entendido como uma forma de participação no
capital de uma empresa, geralmente nova. É possível afirmar que: " ... esta
possibilidade de vincular o financiamento a uma troca por ações, no caso de
empresas novas, elimina um dos principais entraves à implantação de novas elou
pequenas empresas com alta densidade tecnológica: a exigência de apresentação
de garantias reais· (Frenkell, 1993, p. 14). O capitalista de risco constitui um sócio
ativo do empreendedor que, não tendo garantias sobre o resultado do produto ou
processo inovador, dada a incerteza que cerca esse tipo de empreendimento,
procura acompanhar de perto o desenvolvimento e os problemas do negócio.
Dessa forma, além de recursos financeiros, o capitalista de risco provê as
empresas investidas com um auxílio na formulação e acompanhamento de
negoclos, suporte gerencial e estratégias competitivas (Santos et ai., 1987;
Barbieri, 1994; Guimarães, 1992; Gorgulho, 1997).
O capital de risco é uma forma adequada de financiamento das empresas de
base tecnológica, especialmente as de pequeno e médio portes, pois:
• substitui empréstimos bancários tradicionais, caracterizados por taxas de juros
elevadas e prazos curtos; dispensa apresentação de garantias reais exigidas
pelos bancos na contratação de financiamentos, geralmente inexistentes nos
casos de empresas recém-criadas; e evitam saídas de caixa para pagamentos
de juros, resgates e amortizações, que representam encargos onerosos para
jovens empresas e dificultam bastante o reinvestimento do lucro (Gorgulho,
1997);
• nos casos das pequenas e médias empresas inovativas, não há a possibilidade
de acesso ao mercado de capitais para financiar o seu processo de expansão.
Além disso, os empreendedores geralmente necessitam de volume de
recursos superior à sua capacidade de geração interna (Soledade et ai., 1996);
51
Renato Ferreirâ Marqu~$ dos Santos
• possibilita O aproveitamento de projetos inovadores de empreendedores sem
condições financeiras para concretizar o negócio (Santos et aI., 1987;
Guimarães, 1992), o que é comum nos casos de spin-offs 6 universitários;
• propicia redução do risco das atividades inovativas pela diversificação, já que
os investimentos são realizados numa carteira de empresas de alta tecnologia
de tal forma que o possível fracasso de uma empresa seja mais do que
compensado pelo sucesso de outras. O risco também pode ser reduzido pela
seleção criteriosa de empresas (Santos et aI., 1987; Soledade et aI., 1996).
6.1.2 O Mercado de Venture Capital no Brasil
O início do financiamento através de capital de risco no Brasil se deu na
década de 70, destacando-se duas instituições públicas, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), e algumas empresas do setor privado. (Gorgulho 1997).
É possível identificar uma série de fatores, sistêmicose conjunturais, que
dificultaram, ou ainda dificultam, o desenvolvimento do capital de risco no pais,
como (Gorgulho, 1997; Guimarães, 1992 e ANPROTEC, 1999):
a) a cultura de investir em ações e de criar fundos de capital de risco não é bem
desenvolvida, o que está relacionado ao histórico de juros elevados e à reduzida
capacidade de formação de poupança interna;
b) ausência de liquidez e existência de um mercado de capitais muito
concentrado, causando dificuldades para o desinvestimento;
c) cultura dos empresários que sentem dificuldade de aceitar outro sócio
capitalista, de abrir capital a terceiros ou têm receio de perder controle da
empresa;
d) falta de habilidades gerenciais dos empreendedores, poiS em muitos casos há
um excesso de dedicação à área técnica, permanecendo os aspectos financeiros
52
Sislema Brasikiro de lnovaçllo em Biolecnologia - Uma Análise Preliminar
e de marketing em bases frágeis. Isso pode dificultar a obtenção de investimentos
de capital de risco;
e) pouca experiência dos organismos de fomento na gestão de linhas de
financiamento com características de risco;
f) poucas ações efetivas das esferas de governo;
g) existência de outras opções de remuneração mais atrativas, menos arriscadas
e mais rentáveis;
h) novas oportunidades de investimentos, em empresas de grande porte, a partir
da abertura da economia brasileira;
i) quadro de instabilidade econõmica durante a história da economia brasileira
recente;
j) inexistência de uma rede de investidores, o que impõe obstáculos quanto ao
volume de capital disponível e cria dificuldades para diluir os riscos mediante
investimentos compartilhados;
I) elevados custos relacionados a aspectos legais e societários, além de auditorias
externas muito custosas;
m) inexistência de mecanismos regulatórios e fiscais de estimulo a esta atividade,
o que configurava uma situação de carência de recursos por problemas legais, já
que os fundos de pensão eram proibidos de aplicar em capital de risco até
recentemente.
O apoio do BNDES, através de sua subsidiária BNDES·Participações
(BNDESPAR), é uma das experiências pioneiras no Brasil em termos de
financiamento do processo de inovação por capital de risco. Especialmente nos
casos das pequenas e médias empresas, o apoio é relativamente recente (a partir
de 1988) por intermédio do Programa de Capitalização de Empresas de Base
Tecnológica (CONTEC) (Gorgulho, 1997). Segundo o BNDES, até o 31/1212000,
as empresas do setor de Biotecnologia já tinham levantado, através do CONTEC,
US$ 5,06 milhões, ou 11,5% dos investimentos totais do programa, num lotaI de 5
empresas apoiadas.
53
Renalo FerreirQ Marques dos Santos
Atualmente, o maior programa de difusão de Venture Capital no pars é o
Projeto Inovar, do Ministério a Ciência e Tecnologia, com suas diversas atividades,
mas principalmente os Venture Foruns, organizados pela FINEP, que já levaram
quase uma centena de empresas a serem apresentadas a investidores de risco
dentre as quais 5 atuando na área de Biotecnologia (Portal, 2002).
6.1.3 As empresas de Biotecno/ogia e o Venture Capital
Como já foi dito anteriormente, para uma empresa de Biotecnologia crescer,
são necessários geralmente diversas rodadas de investimentos, em valores cada
vez maiores, não raramente passando dos 30 milhões de dólares (Robbins-Roth,
2000). A tabela 6.1 abaixo mostra a evolução destes investimentos, para
empresas norte-americanas nos anos 1998 (IPOs) 1999 (investimentos e IPOs).
Tabela 6.1 - Volume tipico de recursos levantado por empresas de 8iotecnologia em
captações com investidores (US$ milhões).
Seed 4°round/ 1°round ZOround 3Oround IPO
round mezanino
Variação 2,5-7 1,4 - 17 4,5 -13,6 8,6-17 5-37 10-65,7
Média 5 7,5 8,6 13,4 18,5 29,3
(média) (antes do IPO) (alravés do IPO)
Fonte: 8ioWorld Financiai Watch.
Esta necessidade crescente de aporte de recursos pode ser explicado pelo
fato de a grande maioria de empresas biotecnológicas nos EUA estarem voltadas
para o desenvolvimento de novos medicamentos, o que implica na necessidade
de aprovação após todo o processo legal que o FDA exige.
Este processo é longo e consome bastante recursos, como mostra a tabela
6.2.
54
Sistema Brasileiro de lnovoçilo em Biotecn%gio - Uma Anâ/ise Preliminar
Tabela 6.2 - O processo de desenvolvimento de novas drogas - O que acontece e quando.
PesqUisa
básica I
testes pré
cUnicos
Fase I
Testes Clinicos
Fase 11 Fase 111
Revisãol
Aprovação
de
processos
Produt
o vai
ao Fase 4
merca
do •• _. ____ '~ __ ._ ... _W •• ,_ ••• ~._._M ____ .. ____ M'_ .. _ .. _ ......... _._ .. _~._ .. _ .... M __ ._ .. ·-.. ·-... _ .. __ ._ .. --ce~õü-._._--_·<--_ .. _._-_ ..
Anos 6.5 1.5 2 3.5 1.5
Tubos de Tamanho 20080
Teste e 100 a 300 1.000 a 3.000 da voluntários
Estudos em pacientes pacientes amostra saudáveis
Animais
Avaliar Confirmar
Testar Determinar eficiência, eficiência,
ObjetiVo segurança; segurança e Procurar por procurar por
atividade posologia para posslVeis efeitos
desejada a próxima fase efeitos colaterais de
colaterais longo prazo
Taxa de 5000 testados
5 compostos 1 composto
entram em Sucesso é aprovado
testes clinicas
Fonte: Pharmaceutical Research and Manufacturing Association.
15
anos
até
aqui
Pacientes
Vigilância pós
mercado dos
pacientes,
procurando
por problemas
potenciais
Toma-se evidente portanto que o empreendedor não disporá nunca de
recursos próprios suficientes para passar pelo funil do desenvolvimento de uma
nova droga. Como a indústria farmacêutica nacional é bastante limitada, e o
desenvolvimento de novas drogas é feito via de regra no exterior, estas também
não possuem capacidade financeira para subsidiar os gastos necessários. A
altemativa para os potenciais empreendedores então é o crédito financeiro
tradicional.
As financiadoras de pesquisa estatais não possuem mecanismos adequados
a este tipo de empreendimento, em que a empresa não possui garantias para
apresentar nos contratos, fechando mais uma porta ao empreendedor. O prazo
55
Renato Ferreira Marques dos LXmlos
de investimento e o volume de recursos também tomam inviável a contratação de
empréstimos bancários, restando apenas como opção o investidor de risco.
Pode-se notar por este quadro a dependência do desenvolvimento da
Biotecnologia do país ao desenvolvimento de mecanismos de financiamento de
longo prazo sem garantias reais por parte do governo, ou ao crescimento e
consolidação da indústria de Venture Capital, alternativa mais factível num curto
espaço de tempo.
56
SI.\·Iema Bra!J1leiro de InovaçÕ/J elh Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
6.2 A Legislação Brasileira acerca da Biotecnologia
o outro grande problema apontado pelos entrevistados, principalmente pelos
profissionais ligados à indústria e pelos capitalistas de risco, foi a questão da falta
de clareza de uma legislação para a área de Biotecnologia. As leis que existem,
segundo eles, ou são omissas quanto às possibilidades de se desenvolver
produtos biotecnológicos, ou deixam margem a interpretações, podendo vir a ser
alteradas de acordo com o desenvolvimento futuro da Biotecnologia no país e no
exterior.
Os principais pontos em questão quando se discute a legislação acerca da
Biotecnologia são:
• A lei de patentes, que presumivelmente protege os direitos do inventor de um
novo produto ou processo, e que é fundamental para garantir a lucratividade
de qualquer empreendimento em Biotecnologia, pois uma vez gerada uma
droga ou uma nova célula, esta pode ser facilmente replicável;
• A lei de Biodiversidade, que a partir da conferência Rio-92 passou a
determinar que o patrimõnio genético localizado em cada país é propriedade
daquela nação. Essa lei e suas regulamentações internas têm implicações
diretas nas pOSSibilidades de se explorar a Biotecnologia no Brasil e;
• A lei de Biossegurança, que impõe limites à manipulação de organismos
vivos, bem como à forma de se manipulá-los e à competência de quem os
manipula.
Mesmo nos países mais desenvolvidos, a legislação acerca de produtos
oriundos de modificações biotecnológicas ainda é assunto polêmico. Enquanto os
países europeus apresentam regulamentação sobre OGMs (organismos
geneticamente modificados) dirigidas pelo processo, no Japão e EUA se percebe
uma preocupação com a regulamentação dirigida pelo produto. A rotulagem de
produtos transgênicos também ainda é bastante controversa, resultando em uma
divisão entre EUA e Europa (Chen e McOermott, 1998).
57
Renato Ferreira Marques dos Santos
Com relação às políticas de regulamentação, podemos perceber que todos
os países parecem se preocupar com os potenciais riscos da Biotecnologia, tendo
o NIH dos EUA iniciado o processo de regulamentação do setor preocupado com
essa variável. No entanto, a diferenciação entre regulamentação por produto ou
por processo é bastante nítida, principalmente entre EUA e Alemanha. Alguns
países criaram legislações específicas para a área de' Biotecnologia, enquanto
outros basearam a regulamentação do setor em setores existentes, por
adaptações de leis pré-existentes. A estringência das leis parece estar
diretamente ligada à percepção pública da questão biotecnológica, estando a
Alemanha no extremo máximo de rigor. Com relação à rotulagem, persiste a
diferença de opinião entre Europa e EUA, e a sombra de barreiras de negócios
persistente (Chen e McDermott, 1998).
Com relação à propriedade intelectual, diferenças gritantes também podem
ser observadas, com implicações diretas sobre a estrutura da indústria, suas
possibilidades e crescimento. A mais controversa das questões é o da
patenteabílidade de formas de vida. Os microorganismos são patenteáveis em
todos os países estudados, mas animais transgênicos o são apenas nos EUA e
Japão. Outro lado da questão é a relevância da opinião pública nas decisões, que
é muito forte na Europa, onde "patentes não devem ser garantidas se seu uso for
contrário à ordem pÚblica e à moral". As formas vegetais são protegidas sob a
forma de cultivares, com restrições a seu uso, mas a aquisição de patentes,
apesar de possível, não é comum neste caso (Chen e McDerrnott, 1998).
Outra questão amplamente discutida e que merece especial atençâo por
parte de países ricos em biodiversidade, como é o caso do Brasil, é o uso do
patrimônio genético presente em seus territórios. Há a necessidade de uma
legislação específica bastante rígida e um controle severo sobre a exploração e
uso de nossa biodiversidade, sob pena de se perder para países que largaram na
frente na corrida biotecnológica toda a nossa riqueza genética.
Apesar de a convençâo da Rio-92 garantir aos países a propriedade sobre
seus recursos genéticos nativos, sem uma legislação adequada e um controle
58
Sistema Bra5ileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
rígido sobre a entrada e saída de espécimes o Brasil não tem como questionar a
propriedade sobre seu vastíssimo patrimônio.
Fizemos então um levantamento das principais leis que regulamentam a
proteção intelectual e o controle da biodiversidade no país. Algumas destas leis
estão exibidas no anexo 3.
Em consulta a especialistas da área. ficou claro que essas leis dão margem a
interpretações contraditórias. Sem querermos nos estender numa tese jurídica,
podemos afirmar que existem duas linhas principais de pensamento que
representam os que defendem o patenteamento de basicamente todas as novas
moléculas e organismos gerados em laboratório e os que acham que estes não
são patenteáveis.
Esta questão, apesar de complexa, é no entanto crucial, tanto quando se fala
em desenvolver competências de pesquisa com em atrair investimentos diretos
para o setor, pois como foi citado por um dos entrevistados, responsável por um
fundo de investimentos que aguarda um posicionamento do governo sobre a
legislação para o setor, " ... entrar em um jogo onde o risco é inerente ao processo
é o que nós fazemos. No entanto, entrar num jogo onde as regras são duvidosas e
podem mudar a qualquer momento, isso não é risco, é loucura."
59
Renalo Ferreira Marques dos SanlOS
7 Conclusão
Para formadores de políticas, uma compreensão do SNI pode ajudar a
identificar pontos de alavancagem para potencializar o desempenho inovativo e a
competitividade total. Os países diferem na maneira em que os fluxos do
conhecimento são estruturados e na importância relativa de tipos diferentes de
instituições, de atores e de enlaces para seus sistemas de produção respectivos.
Não há nenhuma dúvida que há países em que as interações institucionais
ocorrem mais facilmente do que em outros. Políticas estruturais que referem-se a
regulamentos, impostos, financiamento, competição e propriedade intelectual
podem facilitar ou obstruir os vários tipos de interações e o próprio fluxo do
conhecimento.
No caso especifico da Biotecnologia, como já vimos, o papel do formador de
políticas passa a ser fundamental. Devido à grande dependência da difusão
tecnológica nessa área, principalmente no sentido universidadelinstituições de
pesquisa - indústria - mercado, a atuação do governo na regulamentação das
relações entre os setores passa a ser um fator decisivo de sucesso do processo.
O modelo utilizado nos permitiu montar um bom quadro da estrutura atual de
pesquisa, desenvolvimento, difusão e utilização da Biotecnologia no Brasil. Um
comentário deve ser tecido a respeito do modelo, que se mostrou bastante útil na
compreensão do sistema como um todo e de suas partes, mas se mostrou falho
em diagnosticar problemas de base, como a legislação do país para o setor. O
fato de ter sido ele desenvolvido para análise de sistemas em países
desenvolvidos, e utilizado inicialmente em EUA, Japão, Alemanha e Reino Unido
(Bartholomew, 1997), mostra que não foi necessário, na elaboração do modelo,
que se levasse em conta este aspecto, por se tratar de países mais estabilizados
em termos de legislação e de políticas definidas e persistentes para apoio a
pesquisa e desenvolvimento e políticas industriais. Para se analisar os países em
desenvolvimento, como é o caso do Brasil, pode ser necessário se adicionar itens
60
Sistema B1YLYileiro de /novoçlJo em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
ao modelo que levem em consideração o baixo grau de amadurecimento dos
sistemas legais e políticos desses países.
Com relação a questões particulares do país analisados neste trabalho,
pudemos perceber que os problemas diagnosticados relacionados principalmente
ao financiamento de start.ups e pequenas e médias empresas têm solução viável
no curto prazo, bastando vontade política de governantes e estabilização
econômica do país como um todo.
A questão de ordem legal é um pouco mais confusa, pois envolve diversos
conflitos de interesses, e mesmo uma reformulação da legislação em vigor deve
levar em conta esses interesses, que são de ordem política, econômica e,
sobretudo, social, por levar em conta assuntos polêmicos como o consumo de
alimentos geneticamente modificados, a clonagem de seres vivos e tantos outros
que foram citados ao longo deste trabalho e surgem a cada dia. Assim, apesar de
ser urgente que se trabalhe na direção de definir rapidamente o que será ou não
permitido em termos de Biotecnologia do país, essa discussão deve ser ampla e
consistente, para que não seja necessário voltar atrás depois de estabelecida por
interesses maiores que se descortinem no futuro.
O problema mais difícil de se resolver diagnosticado por esta pesquisa é o de
caráter cultural, portanto solucionáveis apenas a longo prazo, através da mudança
de mentalidade de pesquisadores e, de certa forma, da população em geral. Esta
mudança se dá entre gerações, e nunca em apenas um salto.
No entanto, já vemos serem tomadas algumas medidas a fim de se vencer o
obstáculo da orientação comercial da pesquisa no país, como a discussão da Lei
de Inovação e a preocupação de algumas universidades em assegurar seus
direitos sobre pesquisas desenvolvidas em seus laboratórios, através de uma
política de proteção patentária através de seus pesquisadores.
Uma questão levantada durante algumas entrevistas foi o fato de que a
estrutura científica e tecnológica do país está embasada em uma estrutura
circular, o que impede que mudanças de mentalidade se dê, ou mesmo comece a
se realizar. Na estrutura atual, o apoio a pesquisa é dado quase que
exclusivamente pelo governo federal, através do CNPq, CAPES e Finep, e pelos
61
Renato Ferreira Marques dos ,-Wm(O!à
governos estaduais, através das Fundações de Amparo à Pesquisa locais, as
FAPs. Excetuando-se a Finep, estes órgãos são via de regra geridos por pessoas
oriundas da comunidade científica, e defensores portanto de seu status quo. Ora,
se o problema detectado é o de aporte de verbas para a pesquisa básica, e quem
determina para onde vão as verbas são pessoas ligadas à pesquisa básica, temos
um círculo vicioso que não se resolverá nunca.
Com o advento da Lei de Inovação e dos Fundos Setoriais como forma de
financiamento da pesquisa no país (os Fundos, pela legislação que os rege, têm
obrigatoriamente de ter seus recursos alocados para a pesquisa nas
universidades na etapa aplicada da mesma, ou seja, por pesquisas induzidas pela
demanda das empresas), o quadro pode começar a se alterar.
Como alternativa ao financiamento da "ciência pela ciência", como vem
ocorrendo historicamente no país, poderiam ser adotados planos de trabalho com
um objetivo definido, economicamente importante, e que impacte de alguma forma
nas importações elou exportações do país. Um exemplo bem sucedido de
planejamento para este tipo de ação se deu na índia, com a cultura de cardamomo
(Mehra, 2000).
O cardamomo é uma especiaria produzida e exportada pela índia desde
antes de se tomar uma colônia inglesa. Bastante apreciada pela culinária local e
pelos europeus assim que o descobriram, sempre foi um dos produtos de maior
interesse econômico do país, ocupando uma área cultivada de 72000ha nos anos
90, após um pico de 82000ha plantados durante a década de 80. No entanto, após
a segunda guerra mundial, o cardamomo passou a ser plantado e vendido
também na Guatemala, Sri Lanka, Tanzania, Nova Guiné, Costa Rica e EI
Salvador.
A produtividade da planta indiana atingia de 50 a 70 kg/ha até a década de
90, enquanto a produtividade guatemalteca chegava a 250/300 kg/ha. Com isso, o
preço do produto na Guatemala se tornou muito mais competitivo que o indiano,
gerando a queda de área cultivada já citada. O governo resolveu investir em
pesquisas e descobriu que a baixa produtividade da plantação indiana se devia a
doenças nas plantas, que após 10 a 12 anos de vida ficava extremamente
62
Sistema Brafileiro de Inovação em BiotecnoJogia - Uma Análise Preliminar
suscetível a ataques virais (o cardamomo precisa de 4 a 5 anos após plantado
para começar a produzir sementes de boa qualidade, e deixava de ser viável com
20 anos).
O plantio e o tempo de desenvolvimento da planta era o maior gargalo para a
reciclagem das plantações existentes. O govemo então elaborou um plano de
desenvolver a cultura de tecidos vegetais (uma técnica biotecnológica moderna),
que, criado em laboratório, reduzia o tempo de maturação, além de ficar isolado
do patógeno até etapas posteriores do desenvolvimento. Uma empresa indiana se
interessou pelo projeto, e o governo firmou um acordo entre ele, a empresa
interessada e uma empresa chinesa detentora do know-how para trabalhar com
cultura de tecidos vegetais.
Após um ano de pesquisas, a empresa começou a produzir explantes prontos
para o plantio, e melhorados geneticamente de forma a aumentar a produtividade
da plantação. Após o plantio desta nova variedade em áreas teste determinadas
pelo governo e do sucesso da nova planta, que atingia marcas de até 610kglha, o
governo criou então um plano de subsídio ao agricultor para que a novo cultivar
fosse adotado, através de financiamentos dos explantes e de incentivos para a
compra de defensivos e adubos.
Com isso, em etapas sucessivas, toda a plantação de cardamomo na índia
passou a ser feita pelos explantes de cultura de tecidos, e o plano de apoio
continua para que, a cada 12 anos, os plantadores troquem suas plantações para
fugir das pragas, além, do fato de o desenvolvimento de novas variedades com
maior produtividade estarem continuamente sendo criadas.
Este caso é um belo exemplo de como esforços alinhados a um objetivo
podem dar resultados não só pontuais como em toda a economia do país. Além
do cardamomo, foi gerada competência na indústria local para manuseio de tecido
vegetal, o que pode ser aproveitado para outras culturas, além de criar um
primeiro exemplo de programa de ação, que possibilita uma aceitação mais fácil
de novas ações em outras áreas da agricultura indiana e fortalecer uma empresa
local, que gerou empregos qualificados, produziu um novo produto de interesse
63
Renato Ferreira Marque~ dos Santos
mundial e serviu de exemplo para outros empreendedores se lançarem na
indústria biotecnológica, como um caso de sucesso.
Nossa conclusão, portanto é que os formadores de política, a fim de
desenvolver a Biotecnologia no país:
1. trabalhem em tomo da regulamentação do setor, a fim de possibilitar a
atração de novos investimentos,
2. desenvolva novos mecanismos de financiamento adequados a um a
indústria do conhecimento e com prazos de maturação não raro superiores
a dez anos
3. crie programas de trabalho focados em problemas reais do país,
procurando desenvolver as soluções em casa, com competências e
empresas brasileiras, adquirindo, quando necessário, tecnologia
estrangeira para possibilitar o nascer de uma tecnologia nacional.
64
Sistema Bra\'ile;ro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
8 Sugestões para Novas Pesquisas
o objetivo desta tese foi o de analisar o Sistema Brasileiro de Inovação em
Biotecnologia, através do método opinativo. Com os comentários recolhidos de
especialistas dos diversos atores deste sistema, pudemos notar os principais
problemas e os aspectos bem desenvolvidos no país que possam vir a alavancar
o desenvolvimento futuro de uma Biotecnologia brasileira.
No entanto, este levantamento é bastante geral, e para se ter uma melhor
noção de ações pontuais a serem tomadas em cada quesito do modelo analisado
neste trabalho, novas pesquisas devem ser iniciadas, com objetivos específicos,
portanto podendo trazer respostas mais detalhadas. Além disso, essas novas
pesquisas podem ir a fundo no aspecto quantitativo da análise, ponto importante
para a tomada de decisão e que não foi objeto de estudo no presente trabalho.
Uma primeira pesquisa que poderia ser feita seria a de se repetir as
entrevistas em nichos específicos dos atores do sistema, com um maior número
de respondentes. Por exemplo, poderiam ser feitas entrevistas com 10
pesquisadores de cada uma das maiores instituições de ensino e pesquisa em
áreas relacionadas à Biotecnologia do país (para citarmos algumas, UFRJ, USP,
,UNICAMP, UFMG, Fiocruz, EMBRAPA). Na área industrial, poderiam ser
entrevistados os diretores de P&D das maiores indústrias farmacêuticas e de
sementes do país (novamente para citarmos, Biobrás - apesar da recente
mudança de controle- , Valée, Singenta). Na área de capital de risco, gestores de
fundos que invistam ou pretendam investir em empresas de biotecnologia.
Essa ampliação da base de respondentes pode indicar outros problemas não
detectadas por nosso universo estudado, ou ainda ratificar os resultados aqui
obtidos, desta vez com a aprovação da maioria dos participantes do sistema.
Uma outra sugestão para pesquisas seguintes é o de se avaliar
quantitativamente cada um dos quesitos analisados no modelo de Bartholomew.
Através da àquisição de dados históricos e quantitativos em aspectos específicos
para cada um dos quesitos e de um trabalho estatístico dos mesmos, poderemos
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Renato Ferreira Marques dos Santos
obter os pontos críticos em que seja preciso fazer algum investimento (quer seja
financeiro, de treinamento ou de estruturação). Sem uma análise estatística bem
feita, torna-se difícil optar, por exemplo, se deve-se criar mais cursos de
graduação ou de doutorado em biologia molecular.
Para esta análise, poderíamos usar dados como:
1. Tradição Nacional de Educação Científica - número de alunos de
graduação e de pós graduação formados por ano; Número de artigos publicados
em revistas de impacto maior que X (a definir, de acordo com os critérios da
pesquisa); Grau de retenção de alunos na docência; Número de Bolsas de estudo
por ano; e diversos outros dados que podem ser coletados junto ao MEC, CAPES,
CNPq e Bases de dados de Pesquisa Bibliográfica.
2. Financiamento Nacional para Pesquisa Básica - volume de recursos
disponibilizado para pesquisa básica, Programas especiais para Biotecnologia,
Taxa de retomo (através de publicações e patentes) de pesquisa (custo dólar por
publicação), e outros, que podem ser obtidos no MCT, Finep, CNPq, FAPs etc.
3. Relacionamento de Pesquisa com Instituições Internacionais - Número de
pesquisadores visitantes em nossas universidades, número de alunos
matriculados no exterior, número de bolsas sanduíche por ano, publicações de
alunos brasileiros no exterior e outros que podem ser obtidos na CAPES e no
CNPq.
4. Grau de Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa - Número de
empresas start ups formadas por professores, número de empresas em
incubadoras ligadas a universidades, número de patentes licenciadas pelas
universidades, número de patentes requeridas pelas instituições e outros
indicadores que podem ser obtidos junto ao INPI, Anprotec e outras
5. Mobilidade da Mão de Obra - número de alunos de pós graduação
oriundos do setor produtivo, número de mestres e doutores contratados pela
indústria, nível de reciclagem do pessoal da indústria. Estes números pOdem sr
mais difíceis de se obter, mas podem ser conseguidos junto às universidades e às
empresas, ou ainda em entrevistas com dirigentes das instituições.
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Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
6. Disponibilidade de Venture Capital - número e montante de empresas
investidas, número de fundos em operação com portfolio de Biotecnologia, número
de propostas recebidas pelos fundos para análise. Estes dados podem ser
conseguidos junto aos gestores dos fundos ou na Associação Brasileira de Capital
de Risco.
7. Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias - número de projetos de
difusão de tecnologias novas, programas conjuntos em clusters industriais
setoriais, compra de tecnologia pelo governo para repasse a empresas etc, dados
esse que podem ser procurados no BNDES, Sebrae, MDIC e outros órgãos do
sistema industrial.
8. Colaboração entre Empresas e Instituições de Pesquisa - número de
projetos encomendados pelo setor privado, apoio (em número de projetos e valor)
privado à pesquisa básica e aplicada, e outros, que podem ser procurados nas
universidades, através das direções dos institutos ou nas empresas.
9. Acúmulo Tecnológico em Setores Correlatos - esse item talvez seja o mais
subjetivo, e portanto o mais difícil de se achar indicadores próprios. Nossa
sugestão é que se utilize um conjunto de indicadores já citados (por exemplo
patentes, publicações, grupos de estudo, produtos lançados etc.) para cada área
correlata.
10. Colaboração entre Empresas - neste caso pode-se utilizar os estudos feitos
pela ANPEI acerca de colaboração entre empresas, levando-se em conta o foco
na Biotecnologia, mas não só entre empresas de Biotecnologia, mas também
entre empresas de Biotecnologia e outras empresas. Além disso, pode-se recorrer
a entrevistas com as empresas para pesquisar estes dados.
11. Utilização Estratégica de Tecnologias Estrangeiras - este item, justamente
por seu caráter estratégico. não deve ser quantificado, mas avaliado
qualitativamente. Como sugestão de futuras pesquisas neste quesito, pode-se
fazer um trabalho em diversas empresas, procurando identificar o quão seletivo
elas são ao escolher que tecnologias comprar e quais desenvolver.
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Renato Ferreira Marques dos Santos
De posse dos resultados quantitativos, um passo seguinte que deve ser
dado, e que será fundamental na análise de relevância dos números é comparar
os índices obtidos com o observado em outros países, a saber os EUA, que tem
atualmente o maior desenvolvimento em Biotecnologia, o Japão e a Alemanha,
que despontam como seus maiores competidores no cenário mundial e países
"em desenvolvimento", ou que estejam em estágios iniciais do desenvolvimento da
Biotecnologia, como Coréia do Sul e Itália. O fato de Canadá (The 1998 ... , 1998) e
Austrália (National Biotechnology Strategy, 2000) já possuírem um plano bem
elaborado e discutido para um sistema nacional de Biotecnologia os coloca como .
bons parâmetros para comparações, e talvez até mesmo como um benchmarking
inicial.
Com base nos principais problemas levantados durante o trabalho, nossa
sugestão é que se façam dois estudos logo de início, a fim de se preparar
estruturalmente para a montagem de um SNI em Biotecnologia. O primeiro seria
um estudo sociológico, a fim de se descobrir o porquê da aversão de nossos
pesquisadores ao mercado. Este estudo deve levar em conta aspectos culturais,
comportamentais, educacionais e antropológicos. O segundo estudo seria um
estudo de direito acerca da legislação vigente no país acerca de: propriedade
intelectual, proteção de biodiversidade e biossegurança. Com a consulta às leis e
pareceres de especialistas, podemos ter uma melhor noção do que é necessário
mudar para possibilitar o desenvolvimento de empresas de base biotecnológica no
país.
Outro estudo importante a ser feito num futuro imediato é o de análises de
problemas que o país enfrenta e que possam ser solucionados com ferramentas
biotecnológicas. Algum produto agrícola importante em nossa economia e que
tenhamos que importar, uma droga para combater uma doença de impacto social
grande em nossa população etc. Como no caso indiano, este estudo pode
possibilitar a criaçâo de um programa especial não só para resolver o problema
detectado, mas para gerar competências científicas e administrativas para a
formação de redes de desenvolvimento biotecnológico no pais.
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Sistema Brasileiro de InOl'Oção em Bioiecnologia- Uma Análise Preliminar
Uma vez realizados estes estudos, pode-se pensar em termos um sistema
nacional de inovação em biotecnologia voltado para a capacidade instalada no
país, apoiada em seus pontos fortes e tentando vencer os obstáculos existentes,
com o maior retorno possível para cada real aplicado em pesquisa e
desenvolvimento, no aspecto econômico e, principalmente, social, com geração de
empregos no setor e a solução de problemas do país.
69
Renato Ferr.:;ra .\lorques do,~ Sanll)s
9 Bibliografia
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74
Sistema Bra.fli/eiro de Inovação em Biutecnologia - Uma Análise Preliminar
10 Anexos
75
Rena/I) Ferreira Marques dos ~Çanlo."
Anexo 1. Definições de Biotecnolcgia encontradas na Web
• A Biotecnologia é a exploração de sistemas biológicos na indústria, na
agricultura e na medicina e o uso das tecnologias baseadas em sistemas vivos
(plantas, animais, ou microorganismos) para desenvolver processos comerciais
e produtos ou para melhorar espécie existente (TANYA@biotech.ca).
• A Biotecnologia pode ser definida como "toda técnica que usar um
organismo vivo, ou partes dos organismos, fazer ou modificar produtos, para
melhorar plantas ou animais, ou para desenvolver microorganismos para usos
específicos" (US Office ofTechnology Assessment).
• A Biotecnologia é "a aplicação da ciência e da engenharia no uso direto ou
indireto de organismos viver ou de partes ou de produtos de organismos vivos
em seus formulários naturais ou modificados". (Washington Biotecnologia &
Medicai Technology On Line - http://www.wabio.com/ed/bio_definition.htm)
• Biotecnologia é a exploração de sistemas biológicos na indústria,
agricultura e medicina. A maior parte da Biotecnologia moderna vem da
capacidade de se manipular geneticamente (organismos) com técnicas in vitro.
(New York University - http://www.nyu.edu/pages/highschool/gp2/biotech1.htm)
• Atualmente, Biotecnologia é entendida como o uso de processos biológicos
dentro do modelo de operações técnicas e produção industrial (Virginia
Polithenic Institute and State University
http://www.isis.vt.edu/-nstone/LifeSci/lect5.html)
• A Biotecnologia significa a aplicação das tecnologias, tais como técnicas de
DNA recombinante, bioquímica, biologia molecular e celular, genética e
76
Sistema Bras;[eiro de Inm'OÇoo em Biote,'nologia- Uma Análise Preliminar
engenharia genética, técnicas biológicas de fusão celular e novos
bioprocessos, usando organismos vivos, ou partes de organismos, para
produzir ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais, desenvolver
microorganismos para uso específico, identificar alvos para o desenvolvimento
de pequenas moléculas farmacêuticas, transformar sistemas biológicos em
processos úteis e em produtos ou desenvolver microorganismos para usos
específicos (Mahidol University, Tailândia
http://www.mahidol.ac.th/mahidollsclbiotech.html) .
• A Biotecnologia é o campo da ciência que explora organismos vivos ou
partes de organismos vivos para fazer produtos úteis. A Biotecnologia promete
revolucionar os setores agrícola, industrial, da saúde e ambiental
(http://www.wabio.comldefinition_biotech.htrn)
• A Biotecnologia pode ser definida como "empregar os processos ou os
produtos naturais de coisas vivas. Isto cobre a maior parte do que nós
pensamos como sendo Biotecnologia: Biotecnologia médica que usa
microorganismos (tais como bactérias ou fungos) para fazer antibióticos ou
vacinas; Biotecnologia industrial que usa microorganismos fazer enzimas (por
exemplo para adicionar aos sabões em pó biológicos), ou para produzir
cerveja, queijo ou pão; Biotecnologia ambiental que usa microorganismos ou
plantas para limpar a terra ou águas poluídas por resíduos ou desperdício
industrial; e Biotecnologia agricultural que visa a produzir colheitas melhores,
fertilizantes ' naturais " ou tecnologias novas de alimentação enriquecida"
(http://www.biology.bham.ac.uklbiology/biotech-tch.htm).
• Bi.o.tech.nol.o.gy (bi o tek nal o je) n. [Gr. < bios, life) [Gr. technology,
systemalic treatrnent: veja TECHNIC & LOGY. A Biotecnologia é um jogo das
ferramentas poderosas que empregam organismos vivos (ou parte dos
organismos) para fazer ou modificar produtos, para melhorar plantas ou
animais, ou para desenvolver microorganismos para usos específicos. A
77
Renato Ferreira Marques dos Santos
Biotecnologia tradicional inclui técnicas tradicionais de produzir a partir de
derivados de animal e de planta, e o uso do fermento em fazer o pão, a
cerveja, o vinho e o queijo. A Biotecnologia moderna inclui o uso industrial do
DNA recombinante, da fusão celular, de novas técnicas de bioprocessamento,
e de bioremediação" (Biomedical Research, Biotecnologia, and the Connecticut
Economy: A Prescription for Growth, 1995)
• O termo Biotecnologia refere-se a um conjunto amplo de tecnologias
habilitadoras e potencializadoras (enablíng technologíes) envolvendo a
utilização, alteração controlada e a otimização de organismos vivos ou suas
partes funcionantes, células e moléculas para a geração de produtos,
processos e serviços. (MeT, Programa de Biotecnologia e Recursos
Genéticos, 2002)
78
Sistema Brasileiro de Inovação em motecnologia - Uma Anáil!ie Preliminar
Anexo 2. Questionário
Segundo sua percepção, qual a nota, de O a 5, para a situação atual do Brasil, na área de
Biotecnologia, nos critérios abaixo:
Notas: O - inexistente; 1 - péssimo; 2 - ruim; 3 - regular; 4 - bom; 5 - ótimo.
Se quiser, faça comentários acerca de cada tópico, justificando a nota.
Relacionamento de Inst de Pesq com Instit Estrangeiras
Tradição Nacional de Educação Cientlfica
Financiamento Nacional Para Pesquisa Básica
Orientação Comercial das Instituições de Pesquisa
Mobilidade da Força de Trabalho
Mercado de Venture Capital
Atuação do Governo em Difusão de Tecnologias
Acúmulo de Tecnologia em Setores Correlatos
Colaboração com Instituições de Pesquisa
Cooperação entre empresas de Pesquisa e Desenvolvimento
Utilização Estratégica de Tecnologia Estrangeira
Aponte fatores (sociais, históricos, econômicos, educacionais, políticos etc) existentes atualmente
no país que você acredite sejam alavancadores do desenvolvimento da Biotecnologia
Aponte fatores (sociais, históricos, econômicos, educacionais, políticos etc) existentes atualmente
no pais que você acredite sejam gargalos e/ou empecilhos para o desenvolvimento da Biotecnologia
79
Renato Ferreira A/arques dos Santos
Anexo 3. Legislação acerca da Biotecnologia no Brasil
Lei de Patentes de N° 9.279 de 14 de maio de 1996, publicada no DOU em
15.05.96. (Devem ser observados os artigos desta Lei que influenciam
diretamente no patenteamento de produtos envolvendo Biotecnologia.)
Art. 18. Não são patenteáveis:
I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à
saúde públicas;
" - as substâncias, matérias. misturas, elementos ou produtos de qualquer
espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os
respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de
transformação do núcleo atômico; e
111 - o todo ou parte dos seres vivos. exceto os microorganismos transgênicos que
atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial - previstos no art. 8° e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são
organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,
mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma
característica normalmente não alcançável pela espécie em condiçôes naturais.
80
Sistema BnmJeiro de lnovaçfín em Biotecnologia - Uma Análise Preliminar
Lei 9.279 de 14 de maio de 1996.
Art. 68. Licença Compulsória:
O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os
direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de
poder econômico, comprovado nos termos da lei; por decisão administrativa ou
judicial.
§ 1°. Ensejam, igualmente, licença compulsória:
I - a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de
fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral
do processo patenteado, ressalvados oS casos de inviabilidade econômica,
quando será admitida a importação; ou
" - a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.
§ 2°. A licença só poderá ser requerida por pessoa com legítimo interesse e que
tenha capacidade técnica e econômica para realizar a exploração eficiente do
objeto da patente, que deverá destinar-se, predominantemente, ao mercado
intemo, extinguindo-se nesse caso a excepcionalidade prevista no inciso I do
parágrafo anterior.
§ 3°. No caso de a licença compulsória ser concedida em razão de abuso de poder
econômico, ao licenciado, que propõe fabricação local, será garantido um prazo,
limitado ao estabelecido no art. 74, para proceder à importação do objeto da
licença, desde que tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou
com o seu consentimento.
§ 4°. No caso de importação para exploração de patente e no caso da importação
prevista no parágrafo anteriOr, será igualmente admitida a importação por terceiros
de produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto, desde
que tenha sido colocado no mercado diretamente pelo titular ou com o seu
consentimento.
§ 5°. A licença compulsória de que trata o § 1° somente será requerida após
decorridos 3 (três) anos da concessão da patente.
Art. 69. A licença compulsória não será concedida se; à data do requerimento, o
titular:
81
Renato Fern:íra M07ques dos SanJos
I - justificar o desuso por razões legítimas;
11 - comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para exploração; ou
111 - justificar a falta de fabricação ou comercialização por obstáculo de ordem
legal.
Art. 70. A licença compulsória será ainda concedida quando, cumulativamente, se
verificarem as seguintes hipóteses:
I - ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a
outra;
11 - o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em
relação à patente anterior; e
111 - o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para
exploração da patente anterior.
§ 1°. Para os fins deste artigo considera-se patente dependente aquela cuja
exploração depende obrigatoriamente da utilização do objeto de patente anterior.
§ 2°. Para efeito deste artigo, uma patente de processo poderá ser considerada
dependente de patente do produto respectivo, bem como uma patente de produto
poderá ser dependente de patente de processo.
§ 3°. O titular da patente licenciada na forma deste artigo terá direito a licença
compulsória cruzada da patente dependente.
Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em
ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado
não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença
compulsória, temporária e não exclusiva. para a exploração da patente, sem
prejuízo dos direitos do respectivo titular.
Parágrafo único. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de
vigência e a possibilidade de prorrogação.
Art. 72. As licenças compulsorias serão sempre concedidas sem exclusividade,
não se admitindo o sublicenciamento.
Art. 73, O pedido de licença compulsória deverá ser formulado mediante indicação
das condições oferecidas ao titular da patente.
82
Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecn%gia - Uma Análise Preliminar
§ 1°. Apresentado o pedido de licença, o titular será intimado para manifestar-se
no prazo de 60 (sessenta) dias, findo o qual, sem manifestação do titular, será
considerada aceita a proposta nas condições oferecidas.
§ 2". O requerente de licença que invocar abuso de direitos patentários ou abuso
de poder econõmico deverá juntar documentação que o comprove.
§ 3°. No caso de a licença compulsória ser requerida com fundamento na falta de
exploração, caberá ao titular da patente comprovar a exploração.
§ 4°. Havendo contestação, o INPI poderá realizar as necessárias diligências, bem
como designar comissão, que poderá incluir especialistas não integrantes dos
quadros da autarquia, visando arbitrar a remuneração que será paga ao titular.
§ 5°. Os órgãos e entidades da administração pública direta ou indireta, federal,
estadual e municipal, prestarão ao INPI as informações solicitadas com o objetivo
de subsidiar o arbitramento da remuneração.
§ 6°. No arbitramento da remuneração, serão consideradas as circunstãncias de
cada caso, levando-se em conta, obrigatoriamente, o valor econômico da licença
concedida.
§ 7°. Instruído o processo, o INPI decidirá sobre a concessão e condiçOes da
licença compulsória no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 8°. O recurso da decisão que conceder a licença compulsória não terá efeito
suspensivo.
Art. 74. Salvo razões legítimas, o licenciado deverá iniciar a exploração do objeto
da patente no prazo de 1 (um) ano da concessão da licença, admitida a
interrupção por igual prazo.
§ 1°. O titular poderá requerer a cassação da licença quando não cumprido o
disposto neste artigo.
§ 2°. O licenciado ficará investido de todos os poderes para agir em defesa da
patente.
§ 3°. Após a concessão da licença compulsória, somente será admitida a sua
cessão quando realizada conjuntamente com a cessão, alienação ou
arrendamento da parte do empreendimento que a explore.
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Renato Ferreira Marques dos &mIOS
Lei 10.196 de 14 de fevereiro de 2001
(A Medida Provisória 2.105 -15 de 2001 que gerou a Lei 10.196, teve
incorporadas poucas mudanças. O texto da nova Lei, que passou a vigorar em 14
de fevereiro de 2001, pode ser observado a seguir e prevê a atuação de outro
órgão público - a ANVISA - atuando na área de Propriedade intelectual.)
Artigo 229. Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta lei,
exceto quanto a patenteabilidade dos pedidos depositados até 31 de dezembro de
1994, cujo objeto de proteção sejam substâncias, matérias, mistu~as ou produtos
alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem
como os respectivos processos de obtenção ou modificação e cujos depositantes
não tenham exercido a faculdade prevista nos art. 230 e 231 desta Lei, os quais
serão considerados indeferidos, para todos os efeitos, devendo o INPI publicar a
comunicação dos aludidos indeferimentos.
Parágrafo único: Aos pedidos relativos a produtos farmacêuticos e produtos
químicos para a agricultura, que tenham sido depositados entre 1 de janeiro de
1995 e 14 de maio de 1997, aplicam-se os critérios de patenteabilidade desta Lei,
na data efetiva do depósito do pedido no Brasil ou da prioridade, se houver,
assegurando-se a proteção a partir da data da concessão da patente, pelo prazo
remanescente a contar do dia do depósito no Brasil, limitado ao prazo previsto no
caput do art.40.
"Art.229-A.Consideram-se indeferidos os pedidos de patentes de processo
apresentados entre 1 de janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997, aos quais a lei
anterior não conferia proteção, devendo o INPI publicar a comunicação dos
aludidos indeferimentos.·
"Art.229-B. Os pedidos de patentes de produto apresentados entre 1 de janeiro de
1995e 14 de maio de 1997, aos quais a Lei anterior não conferia proteção e cujos
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Sistema Brasileiro de Inovação em Biotecn%gia - Uma Análise Preliminar
depositantes não tenham exercido a faculdade prevista nos arts.230 e 231, serão
decididos até 31 de dezembro de 2004, em conformidade com esta Lei:
"Art.229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos
dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância
SanitárialANVISA."
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RenatQ Ferre;ra Marques dos Santos
Constituição da República Federativa do Brasil
art. 225. "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-Io o preservá-lo para as
presentes e futuras gerações:
§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
( ... )
" - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
( ... )
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
( ... )
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade".
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