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IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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SEMINRIO DE LEITURAS CLNICAS 2009 I
LEITURAS DE FREGE
INTRODUO AOS
Os Fundamentos da Aritmtica de Gottlob Frege
(Les fondements de larithmtique)
Claude Imbert
TRANSDUO, COMENTRIOS e DIGRESSES.
Alduisio M. de Souza
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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GOTTLOB FREGE
OS FUNDAMENTOS DA ARITMTICA
PESQUISA LGICO-MATEMTICA SOBRE O CONCEITO DE NMERO
TRADUO E INTRODUO DE:
CLAUDE IMBERT
Verso, Digresses e Comentrios: Alduisio M. de Souza
Nota liminar
Os Fundamentos da Aritmtica foram publicados em 1884 em Breslau. Uma
segunda edio (Breslau) foi feita em 1934 e uma terceira em 1950 (Oxford),
acompanhada pela traduo de J. L. Austin [reimpressa vrias vezes por causa do
interesse crescente, mesmo que tardio que a obra adquiriu].
As notas que encontraremos ao p da pgina so de Frege, com a exceo de
observaes de traduo acompanhadas com a meno (N. do T). Alguns termos foram
inseridos entre colchetes para clareza do texto, sendo inserido ento as indicaes na
tbua analtica das matrias. Todas foram traduzidas diretamente de Frege.
Ns nos esforamos para respeitar a extrema conciso do texto e, na medida do
possvel, a caracterstica [colorao] do vocabulrio. O vocabulrio filosfico de Frege
datado. Uma de suas fontes a obra de Kant; inclusive Frege toma dos epistemlogos
contemporneos aos quais critica as tendncias psicologistas. Mas, quando expe sua
doutrina, ele mostra com grande afinco os termos aos quais ele se apropriou.
Anzahl foi traduzido por nmero cardinal, a cada vez que o termo aparece
figurando no incio de um pargrafo, e por nmero na seqncia imediata da passagem.
Frege entendeu assim o que responde questo: quanto? Ele se ope aqui ao uso de
seus contemporneos Weisrstrass e Cantor (1). O primeiro, Weierstrass, designa por
Anzahl o ato da numerao. O segundo, Cantor, o nmero ordinal. Frege inova
duplamente. Primeiro no que trata do nmero independente do ato de contar e em
seguida, no que ele considera a noo de nmero cardinal anterior do nmero ordinal e
logicamente mais simples.
Bedeuten recebeu a traduo banal e ambgua de: significar. Em 1884, Frege
ainda no havia distinguido explicitamente o sentido (Sinn) da denotao (Bedeutung
no sentido estrito), [o que viria ocorrer no artigo ber Sinn und Bedeutung de 1892].
Numa carta para Husserl, Frege deplorou as incertezas de seu vocabulrio. Na verdade
esta incerteza no afeta inteligncia do texto. Quando teve oportunidade de faz-la,
------------------------------------------------------ (1) CAVAILLS, J. Observaes sobre a formao da teoria abstrata dos conjuntos, in: Filosofia
matemtica, p. 39. Cavaills foi colega e mestre de Canguillem, Althusser etc. heri exemplar da
resistncia e que deixou um legado de rigor e coragem para os normalistas da Escola Normal Superior.
Reverenciado por toda uma gerao e conferindo uma aura trgica aos estudos da filosofia matemtica no
ps II guerra e luta contra o nazismo. Fora preso em Fresnes e assassinado pelos nazistas em Arras em
1943.
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Bedeutung foi traduzida em perfrases: o que isto quer dizer.... Este volteio sem
pesquisa reflete o emprego mais comum do termo alemo.
Begriff, traduzida por conceito, designa uma funo lgica particular. Esta
funo engendra uma proposio verdadeira ou falsa, mas no assertada, quando ento
ser completada por um argumento. O sentido tcnico assim ligado ao termo conceito
est conforme a anlise da proposio dada na Begriffschrift (1879) 3. [Dizemos hoje
predicado, mas devemos distinguir este sentido novo de predicado e aquele que
indicava lgica clssica onde o predicado era um termo]. A analogia entre uma
funo e um conceito foi confirmada, e as conseqncias de tal generalizao da funo,
foram feitas no artigo: Funo e Conceito (1892).
verdade que Frege sacrifica s vezes o uso e emprega o termo conceito no
sentido convencional de noo, de: o que devemos entender por. assim que no 72,
por exemplo, no qual der Begriff der Anzahl significa: a noo de nmero. Assim sendo
em passagens desse gnero, que so transies na maioria das vezes, Frege enuncia o
que vai fazer ou o que acaba de fazer, ao passo que o emprego de Begriff ser conforme
as estipulaes da Begriffschrift quando desenvolve sua teoria aritmtica propriamente
dita. A aparente flutuao de sentido se deve ao que Frege ser constrito a expor em
lngua vulgar o que ele expe alhures em lngua simblica (Begriffschrift, Grundgesetze
der Arithmetik). Assim, a leitura dos fundamentos pede:
que distingamos no texto dois estratos, as passagens nas quais so enunciadas as
definies e raciocnios e que so inteiramente transcritos em lngua simblica, como
podemos verificar consultando os Grundgesetze e as passagens introduzem ou
comentam as primeiras e na qual o vocabulrio depende da lngua falada. Estes ltimos
constituem de longe a maioria deste escrito polmico;
que o leitor tenha no esprito os princpios da Begriffschrift que foram to
inovadores, em particular a anlise das proposies em funo e argumento e a teoria da
quantificao. Falta de referncia nos equivocaremos sobre o sentido do texto. Devemos
e esta negligncia a m recepo dos Fundamentos por seus contemporneos e em
particular o equvoco sobre a extenso do conceito.
Beziehungsbegriff foi traduzido por: conceito de relao. Trata-se de uma
relao que se torna um conceito no sentido usual quando ela completada por um
nico argumento, e d nascimento a uma proposio quando ela completada por dois
argumentos. A expresso escolhida por Frege tende a mostrar o parentesco lgico entre
conceito e relao, parentesco que ainda no era admitido em 1884. A extenso de tal
conceito de relao chamada por Frege Relao. um conjunto de pares ordenados,
subconjunto de um produto cartesiano, o grafo da relao.
Eindeutig foi traduzido por unvoco. Sobre este ponto, ns nos opomos aos
tradutores anglo-saxes (1) que haviam proposto: many-one (correlation). De fato, Frege
emprega eindeutig para especificar certa correspondncia sem precisar a
correspondncia inversa. Muitas vezes, esta ltima igualmente unvoca, o que a
traduo inglesa parece desconhecer. O conjunto da relao direta e a da conversa
beiderseits eindeutig, traduzida por biunvoca. A relao que Frege qualifica de
eindeutig o que hoje chamamos de relao funcional.
Gleichzahlig foi traduzida por: equinumrico. Frege ele mesmo havia pedido
que lhe fosse dado um neologismo para uma noo lgica nova. A raiz equi- da lngua
--------------------------------------------------------------- (1) Foi o caso de Austin e de M. Furth. Stefen Bauer Mengelberg, tradutor da Begriffschrift no A source
book prope simple-valued procedure por eindeutig Verfahren.
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francesa tem a mesma riqueza da palavra alem gleich. E, alm disso, o termo proposto
beneficia da analogia com o eqipotente admitido na traduo de Cantor. O
equinumrico uma correspondncia biunvoca entre extenses de conceito, ela tem
todas as propriedades de uma relao de equivalncia, como a equipotncia definida
sobre os conjuntos cantorianos.
Merkmal foi traduzido por: caractere (de um conceito). aproximativamente, a
nota da Escola, se no fosse a confuso escolstica entre caractere de conceito e
propriedade de objeto, sensvel na frmula: nota notae, nota rei ipsius. Cada conceito
individualizado pelo conjunto de seus caracteres. Este conjunto equivale conotao ou
compreenso dos clssicos.
Natrlichen Zahlenreihe foi traduzido por: seguida [srie] natural dos nmeros.
Frege no emprega jamais a expresso nmero natural, e podemos compreender
facilmente a razo. A ordem natural dos nmeros a sucesso imediata dos cardinais; e
a funo sucessor definida como uma aplicao biunvoca particular entre cardinais. A
srie natural dos nmeros construda sobre os cardinais chamada na Grundgestze,
Anzahlenreihe: srie ou seguida dos cardinais.
Segue os agradecimentos de praxe: M. J. van Heijennoort; R. Martin etc.
Claude Imbert
Fico encantado por pretender publicar a correspondncia entre Frege e eu
prprio, e estou-lhe grato por o ter sugerido. Ao pensar em actos de integridade e
elevao, apercebo-me de que no existe nada em meu conhecimento que se possa
comparar dedicao de Frege verdade. O trabalho de toda sua vida estava prestes a
ser concludo, muito da sua investigao tinha sido ignorado em proveito de homens
infinitamente menos capazes, o seu segundo volume estava quase a ser publicado, e
quando descobriu que a sua suposio fundamental era errada, respondeu com prazer
intelectual fazendo evidentemente submergir todos e quaisquer sentimentos de
desapontamento pessoal. Foi um gesto quase supra-humano e uma eloqente
indicao daquilo que os homens so capazes de fazer se se dedicam ao trabalho
criativo e ao conhecimento, em vez de realizarem esforos grosseiros para dominarem
e serem conhecidos.
Sinceramente este seu,
Bertrand Russel
Carta dirigida em 23 de novembro de 1962 para J. van Hijenoort
para o livro A Source book in mathematical Logic.
INTRODUO
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Preldio para um leitor matemtico.
A traduo dos Fundamentos da Aritmtica submete ao leitor francs um
documento, se ele for matemtico, se ele for filsofo ou lgico, a anlise exemplar de
um problema disputado desde a Antiguidade e dominado pela primeira vez.
O matemtico Frege pertence descendncia de Gauss o qual cita
voluntariamente. Ele da estirpe dos que quiseram substituir as idias de clculo, a
definio de nmero cardinal pelo 1+1 dos livros de escola. Ao medirmos por seu
resultado que alcanamos hoje por um caminho trilhado durante vinte sculos, a lio de
matemtica rapidamente dada. Sem dvida Bourbaki resumiu ela como convm, em
algumas linhas.
Comparvel quele que partiu para as ndias e descobriu a Amrica, Frege
pesquisava o nmero e inventar uma linguagem que o colocou de cheio nos sales
matemticos. O aritmtico atarefado que jogar no cesto rascunhos e mais rascunhos,
foi o que criou algo que ningum havia feito: a lgica moderna. A introduo que
propomos gostaria de seguir esta inteno em seu encaminhamento singular. De, a
mostrar, como a velha lgica teve de deixar seus traados e a servido das lnguas
naturais e como a anlise introduziu, pela natureza mesma da coisa os princpios
extensionais. Como chegou neste caso, caso de uma real descoberta Frege ele mesmo se
espanta, pois inbil para resolver todas as objees; citemos somente a querela que lhe
ser dirigida em relao distino de objeto e de conceito [discusso com Benno
Kerry]. Por trs ou quatro vezes retomou a ideografia para trabalh-la sem nunca
impedir que os fios condutores a no se misturassem. Frege criou como iremos ver num mesmo passo a quantificao e a doutrina
precria das extenses de conceito, todos considerados em pura razo. Elas emanam
uma e outra de uma teoria do conceito diretamente oposta filosofia de Kant no qual o
sentido de impor um princpio de determinao dos conceitos (Begriffbestimmung)
anloga ao da matemtica efetiva. Diramos tambm que se tratava na realidade de
retornar lgica o que lhe pertencia. A histria reteve a primeira descoberta e rejeitou a
segunda: em seu lugar veio a teoria dos conjuntos enumerados por axiomas os
caracteres especficos do pertencimento, empregando para isso com a facilidade e
ganhos os recursos da quantificao. Esta nova diviso entre lgica e lgebra que d a
esta segunda, isto , uma cincia de estruturas singulares, o que Frege havia dado para a
lgica num movimento trazido que nos permitiu quanto a ns, nos virar com o
emaranhado.
Frege identificar lgica e a totalidade dos enunciados da razo pura em
virtude de um duplo critrio: lgico o que pensado ou construdo fora de qualquer
intuio; lgico o que geral ao ponto de pertencer a toda linguagem de forma que
no poderamos conceber uma linguagem que disto fosse privada.
O primeiro critrio [fora de qualquer intuio] de fato impotente para
distinguir a lgica da lgebra e as diferentes lgebras entre elas. Da decorre a
generalizao abusiva de Frege, a confuso entre o que Wittgenstein chama de dois
espaos lgicos: a lgebra de Boole e a lgebra das funes ou lgebra elementar.
O segundo critrio [o pertencimento toda linguagem] no permite opor as
lnguas extensionais ou caractersticas, da qual ele supe ao contrrio a compatibilidade.
Da este livro, apax [incomum] na literatura cientfica, pesquisa aritmtica escrita
aparentemente em lngua comum mesmo que certa violncia seja feita no uso. Para
responder questo inicial: o que o nmero 1? Frege identifica um procedimento
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tpico da lgebra, ou seja: a quocientao por uma relao de equivalncia e em certos
usos da nominalizao nas lnguas vernaculares. Ele erige assim em lei fundamental um
procedimento particular da lgebra submetido a condies. Da a malfadada lei V e a
antinomia [apontada por Bertrand Russel]. Limitando mal o campo de sua descoberta,
Frege que agia como precursor, foi trado pelo espelhamento da razo pura nas guas
turbulentas da lngua comum.
Que o matemtico no pare nestes erros primrios e v diretamente ao texto dos
Fundamentos. Visto do templo bourbaquista o acampamento fregeano no limiar da
terra prometida se confunde com seu cultivo. Devemos nos lembrar, no entanto que
Frege encontrou a extenso do conceito, ou o conjunto, no cruzamento de uma idia: a
interpretao extensional do conceito (predicado) e de uma pesquisa: esta do nmero
cardinal. Na mesma poca Dedekind compunha, ele, duas noes primitivas, esta de
sistema e aquela de aplicao. Ora, toda a virtude dos sistemas de fornecer matria
para a definio de aplicao (depois de estruturas). Apesar de seu fracasso,
admitiremos que o mtodo de Frege tem distino e no sem parentesco com a
Axiomatizao da teoria dos conjuntos de Von Neumann (1925).
A construo do nmero cardinal pecaria realmente se Frege se propusesse a
quocientar o conjunto de todos os conjuntos: mas devemos observar que tal noo no
tem nenhuma traduo ideogrfica. crtica de Bourbaki, respondamos por outro lado
que Frege utiliza, sem que o termo a esteja, a noo de representante de uma classe de
equivalncia, de forma que tal classe pode ser definida sem que sejam dados todos os
elementos. A classe dos conceitos equinumricos para um dado conceito no em fim
de contas, seno o domnio de certa relao de equivalncia. Os conceitos
equinumricos so eles mesmos funes caractersticas e Frege utiliza no mais que um
conjunto de funes determinadas, no o conjunto universal. Enfim, as prescries
que pesam sobre o conceito unidade, eliminam antecipadamente os conceitos para os
quais a extenso incerta, e no caso do nmero cardinal, permite a construo aqui
efetuada.
Fora algumas referncias julgadas indispensveis, nossa introduo deixa fora a
histria das matemticas. Ela no participa tambm da epistemologia desta cincia, pois
no h epistemologia matemtica possvel seno a instalada na matemtica por ela
mesma [Jean T. Desanti As idealidades matemticas]. O que quisemos foi dar uma
olhadela sobre o texto onde se elabora a lgica moderna, mas, com a hiptese que esta
olhadela poderia despertar aquela que Frege eles mesmo dar sobre sua descoberta.
certo que a anlise das razes do autor exclua, por mtodo, uma leitura retrospectiva.
No resto, esta j foi feita pelos melhores lgicos. Ns nos contentaremos de citar o
nome do professor Quine.
Delineamentos dos Fundamentos da Aritmtica.
A obra de Frege foi inteiramente animada por uma mesma inteno, esta de
construir a aritmtica pelos meios nicos do pensamento puro. Ela foi consumada nos
dois tomos das Leis Fundamentais da Aritmtica de 1893-1903: Com este livro, realizo
um projeto que tinha em vista desde minha Begriffsschrift de 1879 e para o qual me
despertei com meus Fundamentos da Aritmtica de 1884.
No seriamos corretos com a obra e com o gnio de Frege se quisssemos dar
conta dos Fundamentos ignorando e seu lao com os outros escritos do autor e
negligenciando sua economia interna. No entanto dois resultados isolados de seus
contextos foram suficientes para assegurar o renome desta obra. Ficou aceito que,
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podemos a ler a primeira definio aceitvel do nmero cardinal e a construo dos
nmeros naturais segundo um mtodo que pode mesmo ser comparado a este de
Dedekind [Bourbaki].
Estes elogios tradicionais no deixam de serem maliciosos. Salvando a
aritmtica de Frege atravs destes dois resultados, nos permitimos de ignorar a lngua
simblica atravs da qual foram enunciados nas Leis Fundamentais e de calar o aparato
lgico no qual eles foram concebidos desde os Fundamentos (1). Ora, se contestamos o
mtodo de escrita, isto , a soma das anlises lgicas que dissimulam a lngua vulgar
dos Fundamentos, estes corre os riscos de somente terem interesse histrico, este de
uma antecipao genial e infeliz das construes ulteriores dos Principia Mathematica,
ou de exposies conjuntistas [teoria dos conjuntos]. No entanto, o gnio de Frege
retm a crtica sobre o caminho destas concluses e impede que suas definies sejam
condenadas ao esquecimento. Buscaremos situar s suas premissas, seguindo a
indicao do subttulo: pesquisa lgico-matemtica. Os aportes lgicos colocados em
jogo nessas definies so, em relao obra de Frege e sua posteridade atual, os
aportes maiores dos Fundamentos. Encontramos a os elementos essenciais de uma
teoria geral das aplicaes; e sobre ela repousa a identidade at ento desapercebida da
funo e do conceito, o critrio extensional dos conceitos e a definio de nmero. Este
resultado de uma subverso das noes lgicas tradicionais e tal o julgamento que o
prprio Frege d sua obra: O resultado fundamental [dos Fundamentos da
Aritmtica] dado no 46, que diz da atribuio de um nmero um enunciado
portando sobre um conceito.
Mas, iremos dizer primeiramente como a obra de Frege encontrou seus leitores.
Gottlob Frege (1848-1925), matemtico pouco escutado da Universidade de Iena
[Carnap, seu aluno dizia: A aula s vezes se reduzia a ns dois e um funcionrio
aposentado], quase no foi lido enquanto viveu. A Begriffsschrift (1879) passar
desapercebida com a exceo de um resumo pouco perspicaz de Schrder. Os
Fundamentos (1884) foram mais criticados que compreendidos. Quanto s Leis
fundamentais (1893 e 1903) elas foram reveladas para os lgicos e matemticos por
Bertrand Russel, que far uma anlise crtica e bastante elogiosa da obra de Frege no
apndice A dos Principles of Mathematics (1903) (2).
Mas esta primeira glria foi infeliz: o filsofo ingls [Bertrand Russel]
descobrir ao mesmo tempo o paradoxo implicado em sua lei fundamental V. Malgrado
a homenagem, a obra foi tocada em seu princpio, pois uma ferramenta essencial da
construo fregeana fora contestada.
Este sentimento prevaleceu por muito tempo. Hoje, a contradio assinalada por
Russel parece como uma imperfeio localizada do primeiro sistema de lgica moderna.
E esta nova considerao retifica completamente as perspectivas.
Durante o primeiro quarto do Sculo XX, diversas teorias axiomticas, esta de Zermelo
(1871-1953) ou aquela de Von Neumann (1903-1957), trataram os conjuntos, que este
ltimo distingue das classes e define o nmero ordinal e em seguida o cardinal
eliminando as causas da contradio. A antinomia das classes estando assim resolvido,
------------------------------------------------------- (1) Assim, N. Bourbaki transcreve em termos conjuntivistas [teoria dos conjuntos] modernos a definio
fregeana pontuada de uma simples observao: todas estas definies so, claro, exprimidas na sua
linguagem da lgica dos conceitos. Elementos da histria das matemticas. (2) Os escritos de Frege eram citados por Peano que citar seu nome desde 1891 e fez mesmo um resumo
das Leis Fundamentais (I) mas no penetrar jamais no simbolismo fregeano. possvel que Russel tenha
conhecido Frege pelas citaes de Peano. Cf. aqui no final a carta de Russel e a resposta de Frege.
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o interesse dos lgicos se deslocar da definio do nmero para os problemas gerais
das lnguas bem feitas [bien faites]. Com o tempo, o elogio repetido de Russel e a
admirao de Wittgenstein ficaram mais pesados que as crticas e a obra de Frege
revelar um corpo de doutrina lgica por demais inovadoras no tempo de sua publicao
para que fossem inteiramente compreendidas. Somente hoje, o lgico, Frege, recebe
suas justas homenagens.
Nos trs primeiros captulos dos Fundamentos, Frege analisa as aporias
tradicionais que pesam sobre as noes fundamentais da aritmtica. O exame se atm s
vezes a uma revista minuciosa, talvez generosa dos erros do outrem, mas sua acuidade
lgica se mantm. O fim do captulo III e o captulo IV constituem o cerne da obra. A
so definidas as noes de nmero cardinal e em seguida dos nmeros ditos naturais.
Ora, os resultados so indissociveis da lgica que a opera, e devemos nos lembrar do
aporte da Begriffsschrift. Inclusive, a exposio s vezes elptica dos Fundamentos
busca ser esclarecida pelo texto definitivo das Leis Fundamentais para as quais os
Fundamentos fornece o esquema das razes filosficas. Ns lhes abordaremos na
ocasio.
A Ideografia de Frege.
Por trs vezes, Os Fundamentos da Aritmtica fazem apelo ideografia. No 17, Frege lembra a definio de analtico herdada da Begriffsschrift. Ela deve colocar
um ponto final no preconceito que as proposies analticas so estreis. Em segundo
lugar, Frege utiliza ( 79) uma definio de srie (Folgen in einer Reihe) textualmente
reproduzida da Begriffsschrift. Enfim a definio de nmero cardinal requer a noo de
extenso de conceito ( 69). Esta noo, ignorada na primeira ideografia, obriga Frege a
fazer uma segunda exposio, remanejada de sus lngua simblica. No poderamos
subestimar a importncia desta modificao, j que l retardou por vrios anos a redao
das Leis Fundamentais (1). No momento suficiente de constatar que os resultados os
quais creditamos de hbito aos Fundamentos so, em ltima anlise a conseqncia
imediata do progresso da ideografia e no podem ser separados.
Louvamos a ideografia em primeiro lugar pela sutileza de seu simbolismo e seu
poder de eliminar as riquezas inteis e imperfeies da lngua comum. Em relao a
isto, a lngua por frmulas de Frege se inscreve na tradio das tentativas de lngua
artificial buscada desde a Idade Mdia. Mas, ela rompe com tais buscas no que Frege foi
o primeiro a elaborar efetivamente esta lngua lgica que seus precdecessores somente
sonharam. Este sucesso (2) se deve ao duplo aspecto das pesquisas de Frege.
O primeiro aspecto a inveno de um simbolismo inteiramente original. O
simples recurso aos smbolos convencionais permite sem dvida de reduzir os desgastes
do uso, j que a formao dos termos [mots]) lgicos a partir dos smbolos elementares
regular. Mas, essas convenes por elas mesmas, oferecem quando muito parfrases
da lngua comum em frmulas, e por causa disso superestima as capacidades de anlise
das lnguas vernaculares. Todas as tentativas anteriores a esta de Frege sofriam deste
----------------------------------------------------- (1) A razo que retardou a execuo de meu projeto... reside em parte nas mudanas internas que tive de
aportar minha ideografia e ter abandonado um projeto quase terminado.. [segue a exposio dessas
modificaes que decorrem da introduo das extenses de conceito e a distino de sentido e denotao
[significado]... Vemos que estes anos no foram em vo... eles trouxeram a obra maturidade. (2) Sucesso incontestvel. Os remanejamentos ulteriores tiveram por efeito a simplificao do simbolismo
e a restituio da escrita linear com a qual Frege teria tido a audcia de romper, com responsabilidade,
como vemos. Cf. A justificao que ele mesmo d em: A Ideografia do Senhor Peano e a minha.
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excesso de confiana: assim eram os simbolismos inspirados em Port-Royal e em
Leibniz. Sua determinao comum era de transformar toda proposio da lngua usual
em um ou vrias proposies atributivas, e depois simbolizar tais proposies pelo vis
da compreenso dos termos. Ora, a forma atributiva ambgua, pois ela serve tanto
para exprimir a identidade que a qualidade dos indivduos ou a subordinao dos
conceitos mas, sobretudo no poderamos reduzir certas proposies da lngua
cientfica usual, tais como as relaes e as proposies de existncia. A relao entre a
Lgica de Port-Royal e a Gramtica de Port-Royal nos d um exemplo esclarecedor.
Enquanto a gramtica recenseia e explica todos os tipos de proposies (quer sejam
atributivas ou contenham os casos oblquos), enquanto a gramtica analisa o papel de
todos os elementos (das proposies, artigos, pronomes), a lgica se detm na forma
cannica: sujeito verbo e aquelas que se deixam reduzir. Resulta assim uma limitao
insuportvel dos enunciados traduzveis, se quisermos transcrever em lngua formal
todas as proposies de uma cincia. Alem disso, o clculo lgico associado a um tal
simbolismo fica limitado ao clculo das qualidades, como disse Leibniz, ou de
domnios.
Antes de examinar as crticas que Frege enderea aos herdeiros de Leibniz por
estas falhas comuns aos formalismos clssicos, devemos indicar o outro aspecto da
ideografia. Oferecendo uma lgica independente da gramtica j dada, ela permite
analisar efetivamente os enunciados de outra maneira do que o que sugerido pelas
lnguas naturais. Uma tal pesquisa enumera as noes lgicas primitivas e o estudo de
suas comparaes em uma srie de proposies verdadeiras, independentes de todo
dado emprico, destacando o mtodo dos clssicos a teoria da cincia dos modernos (1).
Este dois aspectos so lembrados no subttulo da Begriffsschrift: lngua do
pensamento puro, concebida imagem das frmulas da aritmtica. Frege quis
generalizar o princpio de um simbolismo que tinha dado provas: a caracterstica
aritmtica. Esto presentes no subttulo os dois autores dos quais Frege se recomenda.
De Leibniz vem o projeto de um clculo lgico, de Kant a inteno de descrever
sistematicamente os poderes do pensamento puro, aqui manifesto pela eficcia de sua
linguagem. Esta fidelidade profunda sendo reconhecida poderemos julgar de maneira
mais ponderada as crticas que Frege enderea a estes autores.
s vezes Frege se autoriza de Leibniz, do qual retoma o projeto de uma lngua
characterica [termo usado pelos editores de Frege], s vezes ele se separa quando d
lgica de Boole e Schrrder a herana leibniziana. Para aclarar estas filiaes confusas
devemos citar os textos.
... Leibniz reconheceu as vantagens de um modo de designao adequado,
talvez tenha mesmo superestimado. Seu projeto de uma caracterstica universal, de um
calculus philosophicus ou ratiocinator, era por demais gigantesco para que sua tentativa
de realiz-lo pudesse ir alm das simples preliminares.
Em 1789, Frege identificar, parece-me, caracterstica e clculo, sem dvida por
associar os termos rationator e philosophicus como sinnimos. Neste caso, o clculo
lgico deve estar apto a exprimir os contedos conceituais (begriffliche Inhalte), matria
dos julgamentos (beurtheilbare Inhalte) (2). O que no nada mais que a caracterstica,
acompanhada de suas regras usuais. Frege nada tem para redizer deste projeto, seno
-------------------------------------------------------- (1) Cf, Begriffsschrift p. V onde Frege cita Leibniz e Bacon, e introduo das Leis Fundamentais. A
segunda ideografia comporta oito nomes lgicos primitivos. (2) Mais tarde, Frege ir dissociar o contedo de julgamento em sentido e denotao [significado]. O
sentido constitui um pensamento (Gedanke) para o qual a denotao [significado] um valor de verdade,
verdadeiro ou falso. A. Church prope traduzir Gedanke por proposio (no sentido abstrato).
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que teria sido prematuro de querer criar de imediato uma caracterstica universal. A
Begriffsschrift, por sus parte, a executa parcialmente.
Quando Schrder publica uma crtica simplria e exterior da Ideografia, julgada
em relao ao clculo de Boole, Frege lhe responde (1) (em 1882): Na realidade, eu no
quis fazer um simples calculus raciocinator, mas uma lngua characterica no sentido de
Leibniz.
Aqui, Frege dissocia as duas partes do projeto de Leibniz: a caracterstica,
traduo em smbolos que refletisse as relaes dos objetos simbolizados, e o clculo
seu artificium facile et infallibiliter ratiocinandi.
No mesmo ano, Frege critica o modo de expresso das relaes lgicas
propostas por Leibniz e que foi recentemente renovado por Boole, Grassman, Jevons,
Schrder.... [A ideografia tem sua justificao das necessidades da cincia.
Begriffsschrift und andere Aufstze]. Estes lgicos aqui reunidos o foram sob a marca
de que seu simbolismo inapto a exprimir os contedos. Em conseqncia, a
utilizao de sinais [signes] aritmticos para exprimir as relaes lgicas uma
importao arbitrria. Poderamos dizer que no traz ameaas, pois introduzimos de fato
um signo [sinal] algbrico vazio para o qual a significao dever ser precisada no
contexto do sistema onde ir figurar. Mas, justamente isto que Frege recusa: as
relaes lgicas so perfeitamente determinadas, elas pertencem ao pensamento puro de
decorrem dos contedos conceituais neles mesmos, desses que pelo menos so
puramente lgicos. Nessa perspectiva, poderamos no rigor conceber uma caracterstica
que no seja completada por um clculo, mas comeando pelo clculo, ns nos
condenamos a uma lgica abstrata, o que quer dizer, herdada inconscientemente da
gramtica comum. [Cf. As finalidades da Begriffsschrift].
Com o tempo, Frege teve que defender a originalidade da ideografia e
reconhecer a ambigidade da tradio leibniziana. Mesmo aprovando as tentativas de
caracterstica, sua crtica no poupa a obre efetiva de Leibniz, o clculo dos domnios, e
seus desenvolvimentos no sculo XIX.
Resta que a ideografia, assim como o clculo de Boole inspirado na aritmtica,
deveriam ento ser precisado os emprstimos respectivos.
O clculo de Boole uma lgebra qual foi associada pelo menos duas
interpretaes lgicas [As duas interpretaes examinadas por Frege so a aplicao
do clculo s classes ou termos (primary propositions) e s proposies complexas
(secondary propositions)]. Frege lhe atribui uma impreciso fundamental, pois as
constantes algbricas de operao recebem uma interpretao diferente segundo os
smbolos associados a estas constantes representam conceitos ou julgamentos. J que
um smbolo tal qual + recebe um sentido ad libitum, ento um smbolo vazio, no
pode veicular nenhum contedo prprio. E mais, se tal lgica viesse a ter a ambio de
servir de fundamento da aritmtica, ela seria incapaz. A interpretao lgica dos
smbolos, j incerta, entraria em conflito com seu sentido aritmtico usual. A
pluralidade das interpretaes sob a viso de Frege um sinal manifesto da
insuficincia do simbolismo. Boole quis dar uma transcrio algbrica particular pela
qual o clculo das funes de verdade seria um modelo dentre outros.
A abordagem de Frege de um esprito completamente diferente. A aritmtica
apresenta um exemplo feliz de caracterstica (2) e Frege quis imitar, mas ela no cede
nenhum de seus elementos para a ideografia. A imitao das frmulas aritmticas que
--------------------------------------------------- (1) A resposta de Frege foi publicada como artigo: Sobre o objetivo [finalidade] da Begriffsschrift. (2) Outras cincias oferecem exemplos de simbolismo caracterstico: geometria, qumica etc.
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
11
indiquei no ttulo, concerne mais maneira pela qual so empregadas as letras e que
minha linguagem por frmulas se aproxima a cada vez mais da linguagem aritmtica.
Entre os sinais [signos] aritmticos, Frege distingue entre as letras que
representam um nmero ou uma funo no ainda determinada e os signos tais como:
+, , , 0, 1, 2, ... que tem uma significao prpria. Esta diferena entre signos de
constantes e signos de variveis que permitem exprimir a generalidade o nico
princpio que a ideografia retm da aritmtica. Na verdade a aritmtica teve um papel de
um paradigma em duplo sentido. Em primeiro lugar, Frege v a o exemplo de uma
escrita simblica adequada a seu objeto onde o formalismo dos clculos no exclui a
expresso de um contedo, pelo qual a aritmtica ento uma caracterstica. E mais,
Frege identificou no uso da aritmtica uma distino para a qual a natureza
propriamente lgica: esta das varveis e das constantes. Ora, a utilizao deste duplo
registro de signos [sinais] o mesmo que permite de exprimir os contedos
propriamente lgicos.
Podemos ento determinar a natureza destes contedos examinando a prtica
mesma de Frege na Begriffsschrift e na elaborao posterior desta noo. [Cf. Sentido e
Significado e o Pensamento, textos de Frege]. Frege chama de contedo de julgamento
possvel uma proposio desprovida de assero que lhe associada na linguagem
usual, e ainda, chama de contedo conceitual este mesmo contedo de julgamento ou
uma parte de tal contedo desprovido de das sutilezas [nuances] que introduz a lngua
usual multiplicando os torneios sinnimos. Assim diramos que os Gregos venceram
os Persas em Plates e os Persas foram vencidos pelos Gregos em Plates,
exprimem um mesmo contedo conceitual. Assim Frege designa o que importa na
conduo de uma prova. No devemos nos enganar: o contedo conceitual na
realidade um contedo proposicional. A ideografia uma escrita de proposies
analisadas de forma alguma de idias no sentido que este termo foi s vezes sinnimo
de conceito. Frege torna preciso em sua resposta a Schrder: ... Uma das diferenas
mais notvel entre minha concepo e esta de Boole, e posso acrescentar, esta de
Aristteles, que no parto de conceitos, mas de julgamentos. [Conceito aqui
empregado no sentido de idia geral, termo de forma alguma no sentido tcnico de
predicado]. possvel que Frege tenha escolhido o nome de Begriffsschrift para indicar
que esta escrita era prpria para simbolizar os contedos puramente racionais, livres de
qualquer emprstimo emprico ele se arrependeu mais tarde do ttulo dado em 1789 a
seu opsculo. Ora, podemos construir tais contedos de julgamento, por menos que
apeguemos a igualdade por uma constante lgica de predicado e que introduzamos uma
notao particular para unir as variveis (1).
Estes contedos propriamente lgicos so a existncia, a universalidade, a
identidade, as relaes entre contedos de julgamentos elementares exprimidos pelas
funes proposicionais constantes tais como a implicao material e a negao. Em
suma, os contedos de julgamentos do pensamento puro so todas as proposies no
sentido moderno do termo, simples e complexos que podemos escrever com o
vocabulrio da lgica das proposies e da teoria da quantificao. [Os enunciados
construdos a partir dos oito nomes primitivos do 31 das Leis Fundamentais I]. Frege
nos d um exemplo definindo a noo de seguida numa srie a partir dos nicos
termos lgicos primitivos e a primeira pea da construo lgica da aritmtica.
------------------------------------------------------------- (1) Quando Jourdain props de simplificar a ideografia identificando as minsculas gticas (empregadas
para o que chamamos hoje de variveis aparentes) e as minsculas latinas (smbolos de variveis livres),
Frege consentiu com repugnncia. Podemos supor suas razes. A varivel ligada ou aparente na
concepo de Frege um elemento contextual de uma funo de segunda ordem, onde o verdadeiro
argumento um conceito ao qual dada uma extenso universal. Esta funo de segunda ordem uma
constante. Quanto varivel livre um signo [sinal] do argumento.
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Para alm da habilidade da escrita, a possibilidade de enunciar ou de construir os
contedos atravs do recurso nico da ideografia tem uma conseqncia epistemolgica
que Frege destaca: o preconceito de que a lgica estril perde sua consistncia, mas
tambm o preceito kantiano segundo o qual todo conhecimento se encaminha pela
intuio, mesmo sendo uma intuio pura. Mostrando que a ideografia permite de
definir a sucesso, Frege desloca o ponto no qual Kant havia marcado a fronteira entre
proposies analticas e proposies sintticas. uma primeira reviso da lgica
kantiana (1); a crtica ser completada nos Fundamentos, onde Frege submete a um
julgamento severo a teoria do conceito.
Reconhecemos hoje na Begriffsschrift a primeira exposio do clculo das
proposies e da teoria da quantificao, uma teoria da identidade, e os elementos de
uma teoria geral das sries. Os dois primeiros so introduzidos de maneira semntica na
primeira seo e desenvolvidos dedutivamente na segunda seo. Esta primeira lngua
do pensamento puro suposta oferecer os recursos suficientes para construo da
aritmtica. Por um lado, toda proposio da aritmtica pode assim ser transcrita e
nesta data Frege pensa precisamente aos raciocnios indutivos ; por outro lado, as
proposies em lngua comum que acompanham as frmulas aritmticas e encontram a
sua imagem ideogrfica. Mais exatamente o que temos costume de chamar de
raciocnio totalmente mostrado na simples apresentao (Darstellung) vertical das
provas. Enfim, esta linguagem com sintaxe regular tem as propriedades de um sistema
formal.
Em particular, a Begriffsschrift define todas as noes requeridas por uma teoria
dos ordinais finitos: esta do ancestral e do ancestral prprio no sentido de Quine
(Frmulas 76 e 99), esta da correspondncia unvoca (Frmula 133). Estas noes
foram efetivamente utilizadas por Dedekind e Peano na construo de sua aritmtica, e
parece que Frege esteve ento prximo de se antecipar sobre seus trabalhos. Explicando
o curso de sua pesquisa na Begriffsschrift, ele escreve: Meu procedimento foi o
seguinte: eu tentei de conduzir o conceito de ordem serial para a consecuo lgica,
para progredir em seguida at o conceito de nmero (Zalhbegriff).
Quinze anos, entretanto se passaram entre a Begriffsschrift e as Leis
Fundamentais durante os quais Frege prosseguiu suas pesquisas por outros caminhos.
Se a ideografia sabia analisar a transmisso indutiva de uma propriedade, lhe faltava
ainda o poder de definir o suporte dos raciocnios indutivos aritmticos, o nmero
cardinal (Anzahl), definido mais tarde como uma extenso de conceito. Nos
Fundamentos da Aritmtica, Frege fornece nos detalhes esta nova etapa da anlise. Ele
prepara tambm a reviso da ideografia, afim de que pudssemos definir os objetos
lgicos, na ocasio os nmeros cardinais. Por esta escolha, ele toma o caminho
solitrio onde no encontrar nenhuma simpatia, e a ltima seo da Begriffsschrift,
quando foi lida, bem mais tarde, por alguns matemticos, recebeu a aprovao.
------------------------------------------------------------ (1) O vocabulrio kantiano constantemente utilizado por Frege nas primeiras e terceiras sees da
Begriffsschrift, mesmo que as mltiplas crticas atinjam a lgica kantiana. A reviso feita entende guardar
o essencial, ou seja, a distino entre analtico e sinttico. Assim ser tambm nos Fundamentos.
Devemos observar que Frege fez estudos de filosofia em Gttingen, onde obteve o doutorado de filosofia
em 1873.
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Composio dos Fundamentos.
Crtica da concepo comum de nmero.
Os Fundamentos se dividem em duas partes, pelo estilo e pelo contedo. A
primeira, pelo estilo, essencialmente crtica, analisa o nmero cardinal, constri no
captulo IV onde a elaborao adquire uma feio nova. Ela retoma no captulo V com
um exame polmico das teorias concernindo os outros nmeros, sem que, desta vez,
seja dado o esquema de sua construo.
Seria necessrio que uma parte to importante fosse feita para a refutao? Ela
participa na realidade para a demonstrao que seguir, arruinando a concepo ingnua
mesmo que sendo aceita universalmente do nmero. Esta concepo ingnua do
nmero cardinal ... choca-se a trs escolhos [obstculos]. O primeiro de saber como
so compatveis a identidade das unidades em seus discernimentos. O segundo reside na
definio dos nmeros zero e um, e o terceiro, neste dos grandes nmeros. Estas
dificuldades que Frege ope em 1894 no resumo da Philosophie der Arithmetik de
Husserl, so as mesmas que os Fundamentos havia destacado e resolvido dez anos
antes. Sem dvida que elas so agudas para o empirismo, mas quando lemos os
Fundamentos, somos surpresos ao ver quanto os matemticos e os filsofos
confundiram aritmtica racional com a tcnica de contagem. Se Frege atinge em seu
proceder grandes nomes, foi pela maneira emprica como eles fazem, s vezes sem se
darem conta, a teoria da aritmtica. A crtica visa Mill, mas tambm Kant, Hankel,
Weierstrass e mesmo Leibniz. Compreenderemos melhor a atualidade de uma refutao
de Mill se pensarmos que a Philosophie der Aritmetik (Husserl) reconduz em 1894 os
argumentos diretamente inspirados pelo empirismo anglo-saxo. Em Hankel, Frege
critica a confuso entre signo e designado, e a esperana de explorar o campo inteiro da
aritmtica sobre o modelo de um uso protocolar dos signos. Este empirismo de um
letrado para o qual o universo limitado ao quadro negro e o giz, mas doa qual ele
ignora a potncia especulativa que liberta o tratamento puramente lgico dos contedos
de julgamento. Uma regra de escrita no sendo uma regra de deduo. A Kant
atribudo o apelo intuio, seria ela uma intuio pura, um pensamento por demais
servil linguagem comum e a teoria clssica isto , aristotlica de abstrao. Enfim,
os matemticos to bem informados que Leibniz e Weierstrass concordam para definir
os nmeros particulares por meio da unidade e adjuno de unidade. Devemos ainda
saber o que uma unidade, at ento confundida com um objeto qualquer, e suporte e
ocasio do ato de contar (1). A clebre definio de Leibniz repousa na realidade sobre a
intuio de rede, nfima diferena de pezinhos e monte de pedras de Mill. No de se
surpreender que este ltimo tenha retomado textualmente a definio de Leibniz.
Se a teoria da aritmtica pode reunir em conjunes inesperadas, filsofos
reputados inimigos, devemos crer que o empirismo se deve aqui dificuldade do objeto
examinado. Impotentes para definir o nmero e o um da aritmtica, filsofos e
matemticos se apiam sobre o que conhecido de todos ensinado no maternal e
invocam o 1+1 como a operao elementar e paradigmtica de toda aritmtica. O fato
incontestvel mas sua interpretao decepcionante: j que o exemplo no remete a
nada mais que a si mesmo, ele se protege dos atributos da evidncia intelectual, e o ato
simples do calculador se posa de definio de nmero.
------------------------------------------------------- (1) Deveramos tambm distinguir a funo (do) sucessor que permite engendrar a srie [seguida] dos
nmeros, a operao (de) adio, definida sobre o conjunto dos nmeros construdos precedentemente.
[Funo sucessor operao adio].
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Sem dvida a primeira parte dos Fundamentos recusa materialmente os autores
citados, mas ela afeta, sobretudo a concepo mesma do nmero. Ela coloca em prova
menos o nmero, pois se trata sempre e ao mesmo tempo do nmero dos aritmticos e
do nmero da vida corrente, que do conceito ele mesmo. Para indicar o termo da
pesquisa, ser mostrado que o conceito de nmero no o abstrato dos nmeros
particulares ditos naturais. O conceito dado sob a forma de uma funo (1) onde
figura um parmetro. Cada nmero particular a extenso desta funo por um valor
dado do parmetro.
Tal a razo do equilbrio das partes [estilo e contedo] nos Fundamentos. O
resultado essencial desta obra da sua celebridade a anlise da noo de nmero.
Mas esta anlise revela ao mesmo tempo o que , na verdade, um conceito, e bem este
ponto que Frege pretende inovar (2). Os trs primeiros captulos encaminham-se para a
definio de nmero, dada na ltima seo do terceiro captulo. O quarto d a definio
dos nmeros particulares ao mesmo tempo em que esboa algumas proposies
aritmticas fundamentais. A concluso tira as conseqncias filosficas desta
construo (crtica de Kant e crtica do formalismo).
Os trs primeiros captulos so eles mesmos rigorosamente compostos segundo
uma anlise regressiva, anunciada no fim da introduo. Podemos resumi-la como
segue. Na hiptese na qual a aritmtica cincia do pensamento puro, podemos tentar
constru-la logicamente. Mas, devemos de cara mostrar que o nmero no se trata de
uma abstrao do sensvel, que sejam tomados singulariter ou vrios conjuntos num a
coleo material. Alm do mais, seria ilusrio pretender alcanar imediatamente o
conceito de nmero que at o momento escapou inspeo dos melhores. A dificuldade
aqui extrema, pois 1) o conceito de uma estrutura particularmente fina (Cf.
Introduo, p. IV), e 2) sua anlise to crucial que ela livrar talvez o modo de
formao dos conceitos em geral ( 2). Assim Frege comea por fazer uma enqute de
orientao. Em relao ao nosso conhecimento, a aritmtica se mostra como cincia
racional pura se as proposies nas quais ns a formulamos so analticas a priori. A
natureza destas proposies assim mantida por um ndice de natureza emprica ou
racional dos nmeros. Da o primeiro captulo. Em relao s coisas mesmas, as
proposies so analticas se forem deduzidas das leis lgicas e das definies, ou seja,
em ultima anlise, do conceito de nmero. Da o segundo captulo que prossegue sobre
os ndices favorveis recolhidos anteriormente. [Em favor do carter analtico das
proposies aritmticas]. A enqute procede inicialmente de forma ingnua, como se o
nmero fosse dado por uma experincia qualquer, externa ou interna. Esta opinio ser
destruda por suas conseqncias, Frege busca sacar como o nmero pode ser
construdo a partir de unidades (captulo III). A soluo do enigma da unidade d ao
mesmo tempo a definio do nmero (captulo III, seo 4).
Esta definio desconcerta seus primeiros leitores. Para seguir a construo,
devemos lembrar o critrio de analiticidade aqui utilizado por Frege e justificar a
primazia dada ao nmero cardinal j que os matemticos contemporneos de Frege se
preocupavam em primeiro lugar com o nmero ordinal.
------------------------------------------------------------- (1) No sentido lgico fregeano do termo. Hoje diramos, predicado. (2) Frege insiste mais sobre a novidade do aparato lgico colocado em obra do que o carter indito do
resultado. Cf. Introduo e o subttulo: pesquisa lgico-matemtica. Tal o sentido de: O conceito e a
relao so as chaves mestras de minha construo
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Caractere das proposies analticas.
As novas idias trazidas pela Begriffsschrift, dentre as quais a distino rigorosa
entre o que possui trao para encadeamento das proposies, e o que possui traos dos
contedos das proposies, subverteu a classificao usual dos julgamentos. Desde o
momento que a lgica se interessou exclusivamente pela verdade das proposies e a
seus encadeamentos, o nico princpio de distino entre os julgamentos que so
pertinentes a natureza de sua prova. Ela poder ser inteiramente lgica ou se apoiar na
intuio. Frege negligencia tambm as oposies usuais segundo a qualidade, a
quantidade, ou a modalidade dos julgamentos, mas retm a distino transcendental
entre julgamentos a priori analticos e sintticos. No entanto, os critrios da
analiticidade devem ser revisados e os fundamentos ( 3 e 16 e 17) a trazem a aplicao
dos ensinos da Begriffsschrift.
Segundo a tradio, uma proposio analtica se praedicatum inest subjecto.
Kant no contradiz Leibniz sobre este ponto e, muito ao contrrio utiliza a definio
recebida das proposies analticas para lhes opor, no campo do a priori, as proposies
sintticas. Ora, esta dicotomia s pode ser aplicada s proposies gerais. Elas no do
nenhum lugar s proposies existenciais que so de uso comum em lgebra, por
exemplo, quando afirmamos que uma equao tem um ou vrias solues. Esta falha
revela um erro mais escondido, que de ter associado qualidade de analtica ao
contedo do julgamento nele mesmo, quando na verdade oi que lhe concerne o tipo
das premissas sobre as quais repousa o ato de julgar. Sem colocar em causa o critrio
kantiano, Frege havia em 1879 contestado vrias vezes seu emprego. Ele acrescenta
aqui que, tomando no sentido filosfico a distino entre analtico e sinttico a priori
a verdade epistemolgica e se deve natureza das provas. A distino kantiana
demandando que meamos uma e outra as significaes dos conceitos de uma
proposio puramente lingstica, ou gramatical no sentido largo, sentido ao qual
Frege acusa a lgica clssica de ter adotado as sugestes das gramticas naturais.
Uma proposio analtica se decorrente das leis lgicas gerais e das
definies. As leis lgicas gerais so as proposies fundamentais da lgica
proposicional e do clculo dos predicados seus contedos so equivalentes s
proposies primeiras das axiomticas lgicas contemporneas. Devemos acrescentar a
regra de destacamento, a regra de generalizao e esta que governa a substituio dos
idnticos (1). Esta regra, a qual uma primeira forma foi dada na Begriffsschrift,
idntica nos Fundamentos ao princpio leibniziano: Eadem sunt quae substitui possunt
salva veritate. As definies (2) que so julgamentos de identidade ou de abreviaes,
no nos fazem sair do analtico.
Esta descrio do analtico recobre exatamente o que entendemos hoje por
demonstrao (3). Ela no faz mais apelo s relaes de compreenso entre os conceitos
----------------------------------------------------- (1) Begriffsschrift 8. (A = B) significa que o signo A e o signo B tm um mesmo contedo, de forma
que podemos sempre colocar A no lugar de B e reciprocamente. Esta regra de substituio no foi
propriamente dita por Frege. (2) Uma definio nos informa de que h sinonmia entre um conjunto de signos pertencentes
linguagem primitiva e um signo recentemente introduzido, mas simples. Uma tal definio qualificada
de nominal. Mais precisamente, a introduo de um signo novo pertence metalngua. Uma vez
colocado, a sinonmia dos signos figura esquerda e direita do signo de equivalncia o contedo de
uma proposio verdadeira. O duplo aspecto da definio indicado, desde a Begriffsschrift, por uma
dupla barra precedendo ao trao do contedo de julgamento: . (3) Uma demonstrao uma srie de proposies tais que cada uma delas , seja um axioma, seja uma
definio, seja obtida das proposies precedentes por aplicao de uma regra de deduo imediata.
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e o que essencial, libera o encadeamento racional da necessria conformidade
analiticidade silogstica (4).
Prioridade do nmero cardinal.
Se quisermos comparar com os Fundamentos da Aritmtica o opsculo de
Dedekink (1887), Was sind und sollen die Zahlen, o paralelo se estabelecer a propsito
da srie natural dos nmeros. Por volta de um ano aps a publicao de meu
memorando, tomei conhecimento dos Fundamentos da Aritmtica de G. Frege,
publicado em 1884. Mesmo que a maneira pela qual abordado nesta obra, a essncia
do nmero difere profundamente da minha, ela comporta, sobretudo a partir do 79,
numerosos pontos de acordo com o meu escrito, em particular com minha definio 44
[definio de cadeia de um sistema]. Nosso acordo no certamente fcil de ser visto,
estando dadas as diferenas das formas de expresso, mas a preciso com a qual a parte
inferior de n +1 mostra com evidncia que nossas posies so as mesmas.
Toda a parte precedente da construo de Frege: definio de nmero cardinal,
definies de 0 e de 1, no tem nenhum equivalente no escrito de Dedekink. Mesmo
assim, Dedekind identifica os nmeros cardinais definidos no 73 de seu ensaio, com
os ordinais e d ulteriormente a definio de cardinais ( 161). A atribuio de um
cardinal a um conjunto finito de objetos apresentada como uma idexao que coloca
em correspondncia biunvoca um subconjunto de nmeros naturais (ordinais) e os
elementos do conjunto a serem enumerados. Assim, o nmero cardinal sempre
nmero cardinal de um conjunto ordenado para o qual negligenciamos a ordem, uma
noo derivada e aritmtica dos cardinais, onde eles no so mais que aplicao de
aritmtica dos ordinais.
Em uma carta para Keferstein, Dedekind desvela as reflexes que conduziram-
no noo de cadeia e sua definio de nmero natural (ordinal). Dedekind partiu de
uma anlise da srie dos nmeros naturais ... tal como ela se apresenta ao esprito, por
assim dizer. Quais so as propriedades fundamentais e independentes entre elas desta
seguida N, isto , as propriedades que so dedutveis uma da outra e da qual todos so
decorrentes? Como poderamos descobrir estas propriedades de seu caractere
especificadamente aritmtico de forma que sejam subsumidos sob os conceitos mais
gerais e dependam das atividades de entendimento necessrias por todo pensamento,
mas que sirvam ao mesmo tempo para garantir a legitimidade das provas de sua
completeza...?. Dedekind enumera estas propriedades: a srie de nmero um sistema
de elementos ordenados, tais que cada um dentre eles tem um nico sucessor e o
primeiro no sendo sucessor de nenhum outro. Mas, acrescenta Dedekind, estas
propriedades no so suficientes para garantir que todo sistema que os verifica seja
estritamente anlogo srie dos nmeros inteiros. Desejando que a definio proposta
para os nmeros naturais seja categrica, foi obrigado a introduzir a noo de cadeia e
de postular que a srie dos nmeros interseo de todas as cadeias s quais pertencem
a o elemento 1. Os nmeros so definidos, solidariamente, como elementos de uma tal
conjunto. [Esta definio a de srie natural aplicvel a todo conjunto que tenha a
mesma estrutura de ordem. C. I.]. (4) Sabemos que Leibniz acreditou poder reduzir um raciocnio aritmtico primeira figura silogstica
tratando a identidade como um caso particular de incluso das compreenses de conceitos, no caso que
estes coincidam. Compreendemos ento a ironia de Frege no 16: pode ser que a rvore inteira da
matemtica se enraza unicamente na identidade? O pargrafo seguinte responde diretamente a esta
questo: o clculo desenvolvido na Begriffsschrift alarga o campo do analtico.
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Esta definio dos ordinais, mais conhecida na axiomtica de Peano que
fornecer a matria de seus axiomas a Dedekind responde idia comum que os
nmeros deveriam ser definidos a partir do 1 e a adjuno de 1. Para Dedekind e Peano,
com para Grassmann os nmeros so em ltima anlise os elementos de um conjunto ao
qual pertence o nmero 1 e se fecha em relao adio de unidade sobre unidade.
[Somente a perspectiva cardinal permite de fazer comear por 0 a srie natural dos
nmeros]. Ou ainda, reduzindo o nmero de termos no definidos, os nmeros
constituem um conjunto fechado pela operao do sucessor aplicada a um primeiro
elemento que no por si mesmo um sucessor. [Cf. os axiomas de Peano]. Como
observar Dedekind, Frege tinha uma viso bem diferente sobre a natureza do nmero.
Ela tem implicaes aritmticas e implicaes lgicas que justificam a prioridade que
Frege d ao nmero cardinal.
Segundo Frege, uma igualdade uma identidade, como tal, uma relao entre
dois objetos. Se ele admite a definio:
1 + 1 = 2
antes a de uma soma do que do nmero 2, ou seja, a soma de dois nmeros ainda um
nmero. Esta idia que a igualdade uma identidade aparece j, mesmo que de forma
incidente, na tese (1) venia docendi que Frege defende em 1874 na Faculdade de Iena.
... O processo geral da adio o seguinte: substitumos um grupo de coisas por
uma nica coisa do mesmo gnero. Temos aqui a determinao do conceito de
identidade das grandezas, Se pudermos para cada caso decidir se os objetos coincidem
em uma propriedade possumos evidentemente o conceito justo desta propriedade.
Assim, dando as condies sob as quais haja identidade de grandezas, ns
determinamos no ato o conceito de grandeza.
Definir uma grandeza primeiramente definir as condies de igualdade entre
grandezas. Em 1884, Frege escreve no mesmo esprito que o critrio de igualdade dos
nmeros dar ao mesmo tempo a natureza dos nmeros. Da decorre o mtodo de
definio que aqui expomos.
Esta concepo cardinal tem igualmente conseqncias lgicas. Elas foraram
Frege a remanejar e completar a ideografia de 1879 a fim de pudesse servir para a
definio de nmero. Se nos dermos como objetivo de definir os ordinais, no
pensamento, como se fossem elementos primitivos da aritmtica este era o sentimento
de Dedekind a srie dos nmeros naturais ser abstrata comum a todos os sistemas
simplesmente infinitos ordenados (2). Assim sendo, os ordinais so definidos como os
elementos de todo sistema tendo as propriedades distintas. Se eles so identificados
como os nmeros da aritmtica usual, por comodidade desde que chamemos 1 o
primeiro elemento qualquer que seja, 2 o seguinte etc. totalmente diferente a definio
de nmero cardinal. Desde que possamos estabelecer uma equinumerocidade que
Frege chama tambm de julgamento de re-cognio um nmero identificado, mesmo
se formos ainda incapazes de atribuir seu lugar na srie de nmeros. Tal o caso, por
exemplo, quando dizemos: em uma sociedade monogmica o nmero de esposos igual
ao nmero de esposas. Claro que, a ordem serve para definir o nmero, o
----------------------------------- (1) Mtodos de clculo fundados sobre a extenso do conceito de grandeza. O critrio de identidade, para
Frege, a substituio.
(2) Definio: Se, em um sistema simplesmente infinito ordenado por uma aplicao , negligenciamos
o carter particular dos elementos somente retendo sua discernimento e levando em conta a relao
recproca que eles retiram da aplicao, estes elementos so chamados nmeros naturais, ou nmeros
ordinais, ou simplesmente nmeros (Zahlen). R. Dedekind. Segundo a crtica clebre de Russel, esta
definio esta de ordem, ela no caracteriza univocamente os nmeros da aritmtica, abstrata ou
aplicada.
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conhecimento real dos nmeros que permite de definir a noo de: sucessor na srie
natural dos nmeros.
O que so estes objetos identificados por igualdade numrica? No so
indivduos aqui os esposos as esposas. So objetos lgicos, expresso a qual devemos
completar pela Begriffsschrift. Estes objetos no so concretos, mas tambm no so
abstratos no sentido que dizemos dos universais ou dos conceitos na lngua lgica
tradicional, com este propsito que devemos interpretar a prescrio repetida de Frege
segundo a qual devemos cuidadosamente distinguir os objetos dos conceitos (1). Ela
teria sido bem intil se fossem indivduos concretos.
Sabemos que Frege arrependeu-se mais tarde das nominaes que tinha
escolhido para sua lngua simblica, como se nessa ideografia se tratasse de uma escrita
unicamente de conceitos e contedos conceituais. Ora, a anlise da proposio requer,
mais que os nomes dos conceitos, nomes prprios de objetos que poderiam ser e no
caso da aritmtica sero sempre objetos lgicos. verdade que em 1879, Frege
ignorava ainda os valores de verdade (2) e as extenses de conceito. Traduzindo em sua
lngua simblica o quaterno das proposies aristotlicas, ele parece aquiescer idia
empirista segundo a qual um conceito se diz de um objeto, mas para o qual o conceito
pertence somente ao domnio do entendimento, enquanto que todo objeto dado pela
percepo. Esta interpretao da proposio no resistiu descoberta das funes de
segundo nvel e definio de numero como extenso de conceito.
Resumindo, a noo de sucesso no pode, segundo Frege, servir para a
construo lgica da aritmtica tanto quanto no tivermos definido logicamente os
objetos que satisfaam a um tal relao e a especifique como srie natural dos nmeros.
ao que se ocupar os Fundamentos, em sua tarefa precisa de definio do nmero em
geral e dos nmeros particulares. Nesse sentido, mas por um atalho inesperado, os
Fundamentos continuam a terceira Begriffsschrift.
A unidade.
O captulo II dos Fundamentos esgotou todas as hipteses j formuladas a
propsito de nmero. Quisramos identificar o nmero a uma propriedade dos objetos
materiais, ou a uma representao, subjetiva ento, ou ainda a uma coleo (3) de
objetos ou de representaes. As falhas destas teorias so as mesmas: ela tornam
ininteligveis o uso dos grandes nmeros que escapariam tanto de nosso poder de
percepo quanto a nosso poder de representao. Elas so incapazes de definir zero e
um; enfim, elas negariam a cincia aritmtica nela mesma para a qual eles propunham
um fundamento subjetivo ou perceptivo.
--------------------------------------------------- (1) Este princpio enunciado no fim da introduo dos Fundamentos, repetido na obra e analisado no
artigo: Conceito e Objeto. um alerta contra uma confuso natural que Frege ele mesmo no evitou na
Begriffsschrift onde podemos ler ( 9) no contexto de uma distino, de maneira surpreendentemente
fina, entre as diferentes funes segundo os argumentos que lhes so associados: O nmero 2 e todo
nmero inteiro positivo no so conceitos da mesma ordem (Begriffe gleiches Ranges).
(2) Esta noo valores de verdade aparece na segunda ideografia aps Frege ter analisado o contedo
de julgamento em sentido e denotao. Parece que ele faz meno pela primeira vez em sua conferncia
de 1891: Funo e Conceito.
(3) Trata-se de uma concepo grosseira de conjunto, concebida como uma coleo fsica de elementos
Frege a distingue cuidadosamente da concepo cantoriana qual elogia e declara anloga sua, com
terminologia prxima. Parece que Frege se ocupou pela seguinte razo: Thomae, tomado aqui parte,
espera construir o nmero dando nomes diferentes a conjuntos diferentes. Frege reter somente que, o
nmero nasce de uma comparao entre conjuntos.
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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No terceiro captulo, Frege trata do terceiro obstculo [cueil] das teorias
aritmticas ingnuas, a definio de unidade. Uma divergncia de opinies partilhadas
entre os partidrios do nmero coleo: segundo alguns, o nmero um conjunto de
objetos, segundo outros, um conjunto de unidades. Esta ltima definio vem de
Euclides. Ela foi retomada pela tradio matemtica e a lngua comum a herdar. Da o
retorno ao texto de euclidiano, sobre o paradoxo do discernimento dos idnticos as
unidades e sobre o aritmtico vulgar que fez seu caminho na lngua usual.
Frege cita Euclides:
Definio 1: A unidade o que se seguindo cada uma das coisas dita uma.
Definio 2: O nmero uma multiplicidade composta de unidades (1).
Ele v a o resumo das hesitaes precedentemente examinadas, j que podemos
decidir ao ler Euclides se a unidade o nmero um (2), a propriedade de uma coisa (dita
uma) ou a coisa ela mesma (cada uma das coisas existentes). Tal como vemos, a
definio sofre de um emprstimo de duas doutrinas logicamente difceis de serem
compatveis, duas maneiras de interpretar a relao entre um objeto e suas
determinaes. O paradoxo que as duas teses so essenciais uma e outra se quisermos
compor o nmero a partir de unidades. Se interpretarmos a definio segundo a teoria
platnica [], unidade ou mnada tem uma existncia parte e a relao que
entretm com cada objeto enumerado uma relao de participao. Esta existncia
individual e separada da mnada necessria se o nmero for a reunio de mnadas,
idnticas entre elas e puras de toda matria que embaralharia sua identidade. Mas o que
lemos que cada objeto dito um segundo esta mnada quando esperaramos que
fosse um [e no dito um]. Em sendo assim, a relao entre a mnada e o objeto
enumerado no mais a participao, a relao lgica ou gramatical se quisermos
da quantificao por uma categoria. A mnada no tem ento existncia separada e ns
temos na realidade somente dois elementos: o indivduo e o termo numeral um que o
qualifica. O nmero uma reunio de indivduos, qualificados de mnadas, e um fato
da aritmtica racional.
Sabemos que a aritmtica foi a cruz da lgica grega. Foi necessrio ordenar o
conceito (homem, por exemplo), as unidades distintas por meio deste conceito (um
homem e outro homem), e os indivduos materiais subsumidos por este conceito
(Scrates e Coriscos).
--------------------------------------------------------- (1) Euclides, Stimo Elemento Os Livros aritmticos de Euclides Traduo de Jean Itard.
(2) Fundamentos 29. Esta interpretao retrospectiva. Sabemos que para a Antiguidade clssica, um
no um nmero.
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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SEMINRIO DE LEITURAS CLNICAS 2009 II
LEITURAS DE FREGE
INTRODUO AOS
Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Claude Imbert
TRANSDUO, COMENTRIOS e DIGRESSES.
Alduisio M. de Souza
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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EM GUISA DE PREFCIO
O trabalho de Claude Imbert, que se quer como uma simples apresentao de
alguns artigos de Gottlob Frege se impe como uma introduo a Frege e se tornou um
clssico para os estudiosos. Faremos aqui uma leitura variegada, j que mesclamos em
nossa verso o que chamo de transduo, a leitura de Frege, o texto de Claude Imbert e
a apresentao: VIDA e OBRA de Frege por Luis Henrique dos Santos assim como sua
traduo de Sobre a justificao cientfica de uma conceitografia, e Os fundamentos da
Aritmtica, da Editora Abril, na Coleo Pensadores, 2 Edio, 1980. Acrescentamos
vez e outra nossas prprias DIGRESSES, pois este estudo est inserido numa
atividade de ensino voltada principalmente para psicanalistas e estudiosos da
psicanlise. Consultamos sempre as tradues da Paulo Alcoforado e o seu CORPUS
FREGEANUM, in Investigaes Lgicas [Gottlob Frege], EDIPUCRS, Filosofia, 141,
que de uma enorme utilidade.
Os trs ou quatro perodos que Claude Imbert nos prope para leitura de Frege
so praticamente os mesmos que sero identificados por Luis Henrique dos Santos e que
adotaremos aqui ao p da letra. Diz-nos ele: Durante toda a sua vida, Frege dedicou-se
quase exclusivamente matemtica e lgica. O desenvolvimento de suas idias pode
ser estudado de acordo com quatro perodos distintos: I. marcado pela obra
Conceitografia, uma linguagem formular do pensamento puro, imitada da linguagem
aritmtica. Obra publicada em 1879 na qual Frege sintetizou suas pesquisas sobre
operaes de negao e implicao e sobre os conceitos de identidade e de quantificador
universal, e uma lgica das sries. II. Corresponde a Os Fundamentos da Aritmtica,
publicada em 1884, um esboo informal da definio lgica de nmero, demonstrao
lgica das leis aritmticas fundamentais a partir das leis lgicas. III. Estende-se de 1884
a 1903, quando Frege completou a publicao de As Leis Fundamentais da Aritmtica,
em dois volumes, formalizando e complementando o que j havia escrito no Os
Fundamentos, surgindo ento a distino entre Sentido e Significado. A este terceiro
perodo pertencem ainda os trabalhos: Funo e Conceito, Conceito e Objeto e Sentido
e Significado [traduzido por Claude Imbert por Sentido e Denotao]. Aqui se inicia um
dilogo a partir de uma carta de Bertrand Russel, em 16 de junho de 1902, sobre as
antinomias e paradoxos das classes reproduzida no final desta transduo. IV. Frege
busca soluo para o problema apontado por Bertrand Russel, sem, no entanto ter
logrado avanos significativos o que o fez derivar para outros assuntos. A maior parte
dos escritos deste perodo de 1903 at 1925, ano da morte de Frege, somente foram
publicados em 1969: Investigaes Lgicas: O Pensamento, A Negao, Conexes de
Pensamentos e Generalidade Lgica.
Temos ento uma MISCELNEA fregeana numa verdadeira aturdico escrita
que muito influenciou o ensino de Lacan e agora nos desafia. Sem os pressupostos
lgicos ns transformamos um ensino num idioma lacaniano, que o cenrio que
encontrei em Recife quando vim para c: muitos falavam lacaniano e poucos sabiam
fundamentar alguma coisa sobre um ensino, suas exigncias, sua histria e seus fios
condutores. Se minha presena incomoda, creio que seria saudvel nos perguntar pelas
razes de tal incmodo e a quem ela incomoda? No estou me eximindo de minhas
responsabilidades quanto forma ou estilo mas... por favor, atentem ao panorama, pois
hoje um panaroma: a lgica como cincia do Real ponto de chegada para uma nova
partida da clnica lacaniana. Os textos aqui so para fins de estudo e circularo de
maneira expressa entre meus alunos sem nenhuma finalidade comercial.
Recife setembro de 2009
Alduisio
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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INTRODUO A GOOTLOB FREGE [NA FRANA] (1)
Claude Imbert
( I )
Os dez textos de G. Frege que fazemos a traduo foram publicados entre 1879 e
1925. Oito dentre eles apareceram em diversas revistas filosficas ou nas Atas da
Societ savante dIena. Esta sociedade foi o nico auditrio ao qual Frege teve a
ocasio de se apresentar, com nica exceo de uma conferncia feita em Lbeck.
Funo e Conceito foi editada pelo prprio autor e o artigo O que uma funo?, que
foi destinado a uma obra coletiva em homenagem Ludwig Boltzamann.
DIGRESSO 1 Claude Imbert conquistou a posio de ser uma autoridade em Frege qui a maior da Frana. Seu rigor de leitura e a busca de clareza so propriamente fregeanos. Os dez textos que traduz com a Introduo que ora traduzimos so: 1) Sobre a justificao cientfica de uma ideografia [conceitografia] (1882). 2) Sobre a finalidade da ideografia [conceitografia] (1883). 4) Funo e conceito (1891). 5) Sentido e denotao [significado] (1892). 6) Conceito e objeto (1892). 7) Resenha de Philosophie der Aritmetik I de E. G. Husserl (1894). 8) O que uma funo? (1904). 9) O pensamento Uma investigao lgica (1918). 8) A negao Uma investigao lgica (1918). 10) Pensamentos compostos Uma investigao lgica (1923). 11) A Generalidade lgica (1923/1925). O texto 11, que foi includo em Investigaes Lgicas, organizado e traduzido por Paulo Alcoforado no foi traduzido por Claude Imbert. Ns o inclumos aqui unicamente para efeito de ensino em nosso prprio trabalho.
_____________________________________________________________________
No devemos concluir que Frege tenha escolhido antes de se dirigir ao pblico
cultivado e s pessoas das letras, do que aos matemticos. muito mais por causa das
recusas que recebera das revistas de matemtica para artigos tcnicos que ele passou a
escrever texto sucintos desprovidos de detalhes para os matemticos que ento se
dirigiu a revistas mais eclticas. Os artigos em que Frege se dedica defesa da
Begriffsschrift [Conceitografia] nos fornece um exemplo que fala por si mesmo: os
inditos (2) contem uma minuciosa comparao entre Clculo lgico de Boole e
ideografia, foi recusada sucessivamente pela Zeitschrift fr Mathematik und Physik, e
pelo Mathematische Annalen e tambm o Zetschrift fr Philosophie und philosophische
Kritik em 1881. Uma outra verso, muito reduzida, intitulada A Lngua formular de
Boole e minha Ideografia, foram recusados pela Vierteljahrshrift fr wissenschaftliche
Philisophie mesmo que esta revista tenha publicado vrios estudos consagrados escola
lgica inglesa (Boole, Mac Coll) e aos seus ramos alemes (Lange, Schrder, Erdmann).
Somente foi publicado, na revista de Iena a conferncia Sobre o objetivo da
Conceitografia (o segundo ttulo de nosso estudo) que resume em grandes linhas a
argumentao destes artigos inditos: vemos a como Frege mede os dois clculos, o de
Boole e o seu, seus principais princpios diretivos, antes de julgar os resultados. O
debate ope duas anlises da proposio. Ilustrados por dois simbolismos. Boole, de
certa forma sem dvida mais fiel ao sentimento e ao recorte aristotlico; toma para
ele o senso comum da tradio. Ao contrrio, Frege surpreende sempre na primeira
leitura, e em toda sua vida sofreu incompreenses dos matemticos philosophica non
leguntur tambm a indiferena dos filsofos matemtica non leguntur. Sacamos s
vezes ao escut-lo suas mgoas, sem que a desaprovao de seus contemporneos
tenha interrompido o curso de sua pesquisa. Estes textos ento no tiveram eco no
_____________________________________ (1) IMBERT, Claude Introduo da Traduo crits logiques et philosophiques de Gottlob
Frege ditions du Seuil 1971.
(2) Publicados em 1969 com o ttulo: Nachgelassene Schriften, Hamburgo.
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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tempo de sua primeira publicao. Os mais importantes dentre eles (sem levar em
conta as Investigaes Lgicas posteriores Primeira Guerra mundial e interrompida
com a morte de Frege) foram tirados do esquecimento nos anos 1900 por Bertrand
Russel, que teve sua curiosidade despertada por Peano. No apndice A dos Principles of
Mathematics, o filsofo ingls [Bertrand Russel] faz uma magnfica homenagem a
Frege e dois anos mais tarde, em um artigo que foi determinante para a filosofia
analtica ele submeteu a ideografia fregiana a um exame severo. Na mesma poca,
Husserl e Frege estabelecem correspondncia. Husserl envia alguns textos para Frege.
As doutrinas lgicas de Frege afetaram pouco a fenomenologia nascente exceto talvez
para o abandono do psicologismo emprico da Philosophie der Aritmetik de Husserl.
No deixa tambm de ser destacvel que as duas grandes escolas filosficas do comeo
do sculo, a fenomenologia e a filosofia analtica tenham definido sua doutrina em
dilogo com Frege.
Os textos originais por longo tempo dispersos em revistas de baixa tiragem so
acessveis hoje em dois conjuntos (1): Begriffsschrift und andere Aufstze (1963) e
Kleine Schriften (1967) [Cf. o CORPUS FREGEANUN, de Paulo Alcoforado
reproduzido no texto do Seminrio de Leituras Clnicas 2009]. Estes apanhados se
beneficiam da reproduo fotogrfica e contm uma nova edio da Begriffsschrift
[Conceitografia]. O simbolismo de Frege to complexo em sua preciso que fora
excludo de traduzir a Begriffsschrift. Esta impossibilidade no pesou, no entanto sobre
nossa escolha: vrias edies desta obra esto disponveis e os textos aqui publicados
contm exemplos suficientes da escritura ideogrfica bidimensional.
Nosso projeto era de reunir um conjunto de artigos que jogasse uma luz na lenta
gestao da ideografia, as modificaes que Frege inclua com o tempo e a anlise da
lngua matemtica que precede e justifica a definio de nmero cardinal. Ou seja,
tratava-se de esclarecer o nascimento da lgica extensional, e estes textos devem ser
lidos, em nosso sentido, conjuntamente com os Fundamentos da Aritmtica, tanto
quanto ao Tractatus lgico-phosohicus. Tanto que, e pelas mesmas razes estes textos
foram eles que por intermdio de Russel e Wittgenstein tiveram uma influncia
permanente sobre a histria da filosofia analtica. verdade que o interesse se deslocar
do atomismo lgico, do qual poderamos traar a origem remontando at Frege, sobre os
estudos das significaes e das suposies implcitas da lngua comum: mas, as duas
DIGRESSO 2 Devemos aqui retomar a reflexo sobre os Esticos e a lngua grega, em particular a crtica de Zeno e Crsipo, que antecipou o helenismo: a vocao csmica do estoicismo excntrica em relao Atenas e a criao do que poderamos chamar de primeira semiologia sistemtica com a distino de Significante (Smainon), Significado (Semainomnon) e o Referente (Tynkhanon). De forma que, como j estudamos, os avanos na Lgica devemos iniciar com os Esticos e sua teoria da linguagem que exigiu a criao de gramticas novas. Para eles o correlato de uma representao no um objeto que um substantivo poderia significar, mas uma situao. O contedo de uma representao assim imediatamente proposicional. Leibniz foi o precursor da criao de uma linguagem de smbolos e da compossibilidade e da linguagem formular o que veio culminar com Frege em suas ideografias [Begriffsschrift = Conceitografia]. Para esta introduo a Frege devemos equalizar o uso das palavras e conceitos, como no exemplo da Bedeutung, traduzida como denotao, significado e mesmo objeto. Ao adotarmos uma traduo isso nos permite uma orientao segura no texto ou mesmo que tenhamos de preservar o termo alemo como o caso para a traduo de Lacan que _____________________________________
(1) Esta coletnea ns devemos a I. Angelelli que retomou uma parte do projeto de H. Scholz.
Este ltimo havia iniciado entre as duas guerras uma edio dos principais textos inditos de
Frege ao mesmo tempo em que dava a conhecer a obra integral, lgica e matemtica do filsofo
de Iena, e consagrar suas ltimas foras na preparao dos textos que esta publicao integra.
O tomo I relata (Na Sc p. XXXIV XLI) a histria atribulada desta edio. Os tomos seguintes
publicaro a correspondncia cientfica de Frege.
IMBERT, Claude Introduo a: Escritos lgicos e filosficos de Gottlob Frege
Alduisio M. de Souza Verso, Digresses e Comentrios
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s vezes prefervel que mantenhamos a caracterstica [os caracteres] da escrita francesa. Vimos isto com a traduo de Forcluso # de Foracluso ou Precluso.
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escolas nascidas das lies de Wittgenstein meditaram sobre a obra de Frege. Se A
lngua formular do pensamento puro ou Ideografia imps uma reforma da lgica. Estes
dez textos aqui traduzidos portam duas intenes diferentes. A maioria tem um
aspecto polmico: Frege teve de defender a Begriffsschrift e Os fundamentos da
Aritmtica, depois de algumas crticas deselegantes e irresponsveis, crticas nas quais
os erros dos crticos eram evidentes. Em seu sentido positivo, elas permitiram modificar
e completar a primeira ideografia por uma srie de descobertas e autocrticas que
constituram o interesse maior e at insuficientemente destacados. Classificaremos
assim elas em trs perodos. Antes de seguir o percurso histrico, devemos justificar
aqui a traduo que adotamos dos termos os mais caractersticos de Frege e mencionar
alguns problemas fundamentais que foram a encontrados. Examinando adiante as
razes lgicas das grandes distines fregeanas, daremos aqui um apanhado dos
aspectos que dependem da lingstica, tomando a liberdade de no mais abord-las.
Pedimos ao leitor a gentileza de reter no esprito estas diversas precises lendo as
pginas que seguem: Gedanke e Satz foram traduzidos respectivamente por pensamento
e proposio. O termo de proposio deve ser tomado no sentido do Littr: termo de
lgica e de gramtica. mais precisamente, a proposio independente dos gramticos,
a sentena, dos Anglo-Saxes.
O pensamento designa, na lngua de Frege o sentido de uma proposio ou de
uma frmula, sentido que pode ser considerado verdadeiro ou falso. A. A. Church
traduz Gedanke por proposio (contedo abstrato da sentena), nica traduo que lhe
parece desprovida de subentendidos psicolgicos. Ns escolhemos pensamento porque
a lngua francesa no tem nenhum par de termo