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Segunda Seção
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.024.691-PR
(2011/0102019-6)
Relator: Ministro Raul Araújo
Embargante: Pawlowski e Pawlowski Ltda. e outros
Advogado: Alexandre César Del Grossi e outro(s)
Embargado: Petrobrás Distribuidora S/A
Advogado: Fernando Wilson Rocha Maranhão e outro(s)
EMENTA
Embargos de divergência em recurso especial. Divergência
demonstrada. Execução de título extrajudicial. Duplicata virtual.
Protesto por indicação. Boleto bancário acompanhado do instrumento
de protesto, das notas fi scais e respectivos comprovantes de entrega
das mercadorias. Executividade reconhecida.
1. Os acórdãos confrontados, em face de mesma situação fática,
apresentam solução jurídica diversa para a questão da exequibilidade
da duplicata virtual, com base em boleto bancário, acompanhado do
instrumento de protesto por indicação e das notas fi scais e respectivos
comprovantes de entrega de mercadorias, o que enseja o conhecimento
dos embargos de divergência.
2. Embora a norma do art. 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968 permita
o protesto por indicação nas hipóteses em que houver a retenção da
duplicata enviada para aceite, o alcance desse dispositivo deve ser
ampliado para harmonizar-se também com o instituto da duplicata
virtual, conforme previsão constante dos arts. 8º e 22 da Lei n.
9.492/1997.
3. A indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio
magnético ou de gravação eletrônica de dados encontra amparo
no artigo 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997. O art. 22 do
mesmo Diploma Legal, a seu turno, dispensa a transcrição literal do
título quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação
eletrônica da imagem, cópia reprográfi ca ou micrográfi ca do título ou
documento da dívida.
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4. Quanto à possibilidade de protesto por indicação da duplicata
virtual, deve-se considerar que o que o art. 13, § 1º, da Lei n. 5.474/1968
admite, essencialmente, é o protesto da duplicata com dispensa de sua
apresentação física, mediante simples indicação de seus elementos
ao cartório de protesto. Daí, é possível chegar-se à conclusão de que
é admissível não somente o protesto por indicação na hipótese de
retenção do título pelo devedor, quando encaminhado para aceite,
como expressamente previsto no referido artigo, mas também na de
duplicata virtual amparada em documento sufi ciente.
5. Reforça o entendimento acima a norma do § 2º do art. 15
da Lei n. 5.474/1968, que cuida de executividade da duplicata não
aceita e não devolvida pelo devedor, isto é, ausente o documento
físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo
quando esta haja sido protestada mediante indicação do credor,
esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega
e recebimento da mercadoria e o sacado não tenha recusado o aceite
pelos motivos constantes dos arts. 7º e 8º da Lei.
6. No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação,
estando o instrumento acompanhado das notas fi scais referentes
às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e
recebimento das mercadorias devidamente assinados, não havendo
manifestação do devedor à vista do documento de cobrança, fi cando
atendidas, sufi cientemente, as exigências legais para se reconhecer a
executividade das duplicatas protestadas por indicação.
7. O protesto de duplicata virtual por indicação apoiada em
apresentação do boleto, das notas fi scais referentes às mercadorias
comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das
mercadorias devidamente assinados não descuida das garantias
devidas ao sacado e ao sacador.
8. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer dos embargos de divergência e
negar-lhes provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 269
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos
Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Massami Uyeda e Luis Felipe
Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justifi cadamente, a Sra.
Ministra Nancy Andrighi. Sustentou, oralmente, pela embargante Pawlowski e
Pawlowski Ltda, o Dr. Alexandre César Del Grossi.
Brasília (DF), 22 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministro Raul Araújo, Relator
DJe 29.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de embargos de divergência em
recurso especial interpostos por Pawlowski e Pawlowski Ltda. e outros em face
de acórdão proferido no julgamento do REsp n. 1.024.691-PR pela egrégia
Terceira Turma, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi.
Dizem os embargantes que no aresto embargado ficou firmado o
entendimento, equivocado no seu entender, de que é possível o protesto e a
execução de boletos bancários desde que acompanhados dos instrumentos de
protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria. No caso,
o protesto por indicação dos boletos bancários se deveu à emissão eletrônica das
respectivas duplicatas.
Em contrapartida, apontam acórdão da colenda Quarta Turma, da relatoria
do eminente Min. Aldir Passarinho Junior - o REsp n. 902.017-RS, no qual
teria sido acolhida tese diametralmente oposta, no sentido de ser inadmissível o
protesto dos boletos bancários sem a emissão, envio e retenção injustifi cada da
duplicata. Nesse julgamento fi cou fi rmado o entendimento de que a retenção
da duplicata enviada para aceite é condição indispensável para o protesto por
indicação, mesmo na hipótese de transações comerciais por meio eletrônico.
Citam, também, o REsp n. 827.856-SC, Rel. o Min. Antônio de Pádua
Ribeiro; o REsp n. 369.808-DF, Rel. o Min. Castro Filho; AgRg no REsp n.
623.340-SC e REsp n. 623.340-SC, os dois últimos da relatoria do Min. Aldir
Passarinho Junior.
Pela decisão de fl s. 673-674 foram admitidos os embargos de divergência.
Por Petrobras Distribuidora S/A foi apresentada impugnação às fl s. 677-681.
Afi rma que a decisão embargada acertadamente descreveu a prescindibilidade
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da apresentação da cártula impressa em papel e seu encaminhamento ao sacado,
com a adaptação da jurisprudência à introdução da informática na praxe
mercantil.
Ressalta, ademais, que os embargantes não negam sua inadimplência, se
apegando a teses jurídicas que não contemplam o avanço tecnológico, com o
único intuito de se eximirem do pagamento da dívida, cuja satisfação se almeja
em execução ajuizada em 2002.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Colhe-se dos autos que, por
Pawlowski e Pawlowski Ltda. e outros, foram opostos embargos à execução que
lhes move Petrobras Distribuidora S/A, afi rmando, no que interessa, a nulidade
da execução em vista da ausência de título executivo extrajudicial a ampará-la.
Dizem os embargantes em suas razões que a exequente, a fi m de comprovar suas
alegações, juntou aos autos somente boletos bancários, acompanhados das notas
fi scais e instrumentos de protesto, porém deixou de apresentar as duplicatas,
imprescindíveis para o manejo da ação executória. Os embargos à execução
foram acolhidos.
Interposta apelação pela exequente, foi provida pelo egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná.
Interposto recurso especial pelo devedor, foi desprovido pela colenda
Terceira Turma, em acórdão que guarda a seguinte ementa:
Execução de título extrajudicial. Duplicata virtual. Protesto por indicação.
Boleto bancário acompanhado do comprovante de recebimento das mercadorias.
Desnecessidade de exibição judicial do título de crédito original.
1. As duplicatas virtuais - emitidas e recebidas por meio magnético ou de
gravação eletrônica - podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a
exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial.
Lei n. 9.492/1997.
2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente
acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes
de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física
do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos
extrajudiciais.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 271
3. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp n. 1.024.691-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
22.3.2011, DJe de 12.4.2011).
Do voto da eminente relatora se extrai o seguinte trecho, verbis:
Disso decorre que não há justificativa para o verdadeiro fetiche que os
recorrentes desenvolveram pela representação física da cártula. Não se trata,
aqui, de atribuir eficácia executiva ao boleto singularmente considerado. Esse
documento bancário apenas contém as características da duplicata virtual emitida
unilateralmente pelo sacador, e não se confunde com o título de crédito a ser
protestado. Se, contudo, o boleto bancário que serviu de indicativo para o protesto
(i) retratar fi elmente os elementos da duplicata virtual, (ii) estiver acompanhado do
comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços e (iii) não
tiver seu aceite justificadamente recusado pelo sacado, passa a constituir título
executivo extrajudicial, nos termos do art. 586 do CPC. Como bem destaca o
Prof. Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., “no caso da duplicata virtual, o título executivo
extrajudicial corresponde ao instrumento de protesto feito por indicações do
portador, mediante registro magnético, como permitido pelo parágrafo único
do art. 8º da Lei n. 9.492/1997, acompanhado do comprovante de entrega e
recebimento da mercadoria pelo sacado” (Rosa Junior, Luiz Emygdio Franco da.
Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 6ª Ed., 2009, p. 759).
Portanto, se a lei exige do sacador o protesto da duplicata para o ajuizamento
da ação cambial e lhe confere autorização para efetuar esse protesto por mera
indicação - sem a apresentação da duplicata -, é evidente que a exibição do título
não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial, bastando a juntada
do instrumento de protesto e o comprovante de entrega das mercadorias ou da
prestação dos serviços. Assim, os boletos de cobrança bancária, devidamente
acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes
de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física
do título cambiário em questão e constituem, em princípio, títulos executivos
extrajudiciais.
Vêm, então, os presentes embargos de divergência, nos quais é apontada
a existência de dissenso entre o entendimento acima esposado e acórdão da
relatoria do eminente Min. Aldir Passarinho Junior - REsp n. 902.017-RS,
assim ementado:
Civil e Processual. Recurso especial. Protesto de boletos bancários.
Impossibilidade. Precedentes.
I. É inadmissível o protesto dos boletos bancários, sem a emissão, o envio
e a retenção injustificada da duplicata. Inteligência do art. 13, § 1º da Lei n.
5.474/1968. Precedentes.
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II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 902.017-RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado
em 16.9.2010, DJe de 4.10.2010).
A divergência está sufi cientemente demonstrada.
Com efeito, o acórdão embargado admite a exequibilidade de duplicatas
virtuais, com base em boletos bancários acompanhados dos instrumentos de
protesto, efetuados por indicação, e do comprovante de entrega das mercadorias,
tendo em vista a emissão ou gravação eletrônica das respectivas duplicatas.
Por outro lado, o aresto apontado como paradigma não admite
a exequibilidade de boletos bancários acompanhados dos instrumentos de
protesto, efetuados por indicação, reformando o v. acórdão do eg. Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, no sentido de que: “desnecessária se mostra a
apresentação do documento referente à duplicata sacada, que foi substituído
pelos boletos de cobrança bancária, nos quais estão constantes todos os requisitos
necessários para a perfectibilização do protesto” (inclusive as respectivas notas
fi scais).
Cumpre assinalar que o acórdão embargado ampara suas conclusões nos
arts. 13 e 15, II, da Lei n. 5.474/1968 e nos arts. 8º e 22, parágrafo único, da
Lei n. 9.492/1997, enquanto o aresto paradigma, em princípio, toma em conta
apenas as disposições da Lei n. 5.474/1968. Diz-se em princípio porque nas
razões de decidir há o apontamento de precedentes desta Corte, dentre os
quais o REsp n. 827.856-SC, no qual houve debate acerca do art. 8º da Lei
n. 9.492/1997. Assim, ambos os julgados se amparam na interpretação das
mesmas normas jurídicas, chegando, porém, a conclusões diversas, evidenciada a
existência de divergência de entendimentos acerca da temática em debate.
Nesse contexto, confi gurada a divergência, passa-se ao exame de mérito,
transcrevendo-se, de início, as regras legais que serão invocadas:
Da Lei n. 5.474/1968 são transcritas as seguintes normas:
Art. 13. A duplicata é protestável por falta de aceite de devolução ou
pagamento.
§ 1º Por falta de aceite, de devolução ou de pagamento, o protesto será tirado,
conforme o caso, mediante apresentação da duplicata, da triplicata, ou, ainda, por
simples indicações do portador, na falta de devolução do título.
§ 2º O fato de não ter sido exercida a faculdade de protestar o título, por falta
de aceite ou de devolução, não elide a possibilidade de protesto por falta de
pagamento.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 273
§ 3º O protesto será tirado na praça de pagamento constante do título.
§ 4º O portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e
dentro do prazo da 30 (trinta) dias, contado da data de seu vencimento, perderá o
direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas.
Art 15 - A cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de
conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de
que cogita o Livro II do Código de Processo Civil, quando se tratar:
I - de duplicata ou triplicata aceita, protestada ou não;
II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente:
a) haja sido protestada;
b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e
recebimento da mercadoria; e
c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas
condições e pelos motivos previstos nos arts. 7º e 8º desta Lei.
§ 1º - Contra o sacador, os endossantes e respectivos avalistas caberá o
processo de execução referido neste artigo, quaisquer que sejam a forma e as
condições do protesto.
§ 2º - Processar-se-á também da mesma maneira a execução de duplicata ou
triplicata não aceita e não devolvida, desde que haja sido protestada mediante
indicações do credor ou do apresentante do título, nos termos do art. 14, preenchidas
as condições do inciso II deste artigo.
Da Lei n. 9.492/1997 são transcritas as seguintes normas:
Art. 8º Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados, distribuídos e
entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos os critérios
de quantidade e qualidade.
Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das
Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação
eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados
fornecidos, fi cando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas
Art. 22. O registro do protesto e seu instrumento deverão conter:
I - data e número de protocolização;
II - nome do apresentante e endereço;
III - reprodução ou transcrição do documento ou das indicações feitas pelo
apresentante e declarações nele inseridas;
IV - certidão das intimações feitas e das respostas eventualmente oferecidas;
V - indicação dos intervenientes voluntários e das fi rmas por eles honradas;
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VI - a aquiescência do portador ao aceite por honra;
VII - nome, número do documento de identifi cação do devedor e endereço;
VIII - data e assinatura do Tabelião de Protesto, de seus substitutos ou de
Escrevente autorizado.
Parágrafo único. Quando o Tabelião de Protesto conservar em seus arquivos
gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou
documento de dívida, dispensa-se, no registro e no instrumento, a sua transcrição
literal, bem como das demais declarações nele inseridas.
O comércio, enquanto atividade marcada pelo dinamismo e celeridade,
precede em muito o direito comercial, que tem marcante fonte consuetudinária,
incorporando, desde suas origens medievais, as práticas comerciais dos
mercadores associados em corporações de ofício.
A hipótese aqui em debate demonstra que a prática comercial continua a
trazer novos questionamentos e desafi os ao Direito posto.
Com efeito, o caso dos autos retrata prática comercial corrente nos dias
atuais, descrita por Fábio Ulhoa Coelho da seguinte forma, verbis:
Ao admitir o pagamento a prazo de uma venda, o empresário não precisa
registrar em papel o crédito concedido; pode fazê-lo exclusivamente na fita
magnética de seu microcomputador. A constituição do crédito cambiário, por
meio do saque da duplicata eletrônica, se reveste, assim, de plena juridicidade. Na
verdade, o único instrumento que, pelas normas vigentes, deverá ser suportado
em papel, nesse momento, é o Livro de Registro de Duplicatas. A sua falta,
contudo, só traz maiores conseqüências jurídicas, caso decretada a falência do
empresário. No cotidiano da empresa, portanto, não representa providência
inadiável.
O crédito registrado em meio eletrônico será descontado junto ao banco,
muitas vezes em tempo real, também sem a necessidade de papelização. Pela
internete, os dados são remetidos aos computadores da instituição fi nanceira,
que credita - abatidos os juros contratados - o seu valor na conta de depósito
do empresário. Nesse momento, expede-se a guia de compensação bancária
que, por correio, é remetida ao devedor da duplicata eletrônica. De posse desse
boleto, o sacado procede ao pagamento da dívida, em qualquer agência
bancária de qualquer banco do país. Em alguns casos, quando o devedor tem
seu microcomputador interligado ao sistema da instituição descontadora, já se
dispensa a papelização da guia, realizando-se o pagamento por transferência
bancária eletrônica.
Se a obrigação não é cumprida no vencimento, os dados pertinentes à duplicata
eletrônica seguem, em meio eletrônico, ao cartório de protesto (Lei n. 9.492/1997, art.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 275
8º, parágrafo único). Trata-se do protesto por indicações, instituto típico do direito
cambiário brasileiro, criado inicialmente para tutelar os interesses do sacador, na
hipótese de retenção indevida da duplicata pelo sacado.
(in Curso de Direito Empresarial, volume 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
490).
Como se vê, em caso de inadimplemento, o credor, de posse do boleto
bancário, ou guia de compensação bancária, do instrumento de protesto e das
notas fi scais e respectivos comprovantes de entrega da mercadoria, ingressa,
então, com execução de título extrajudicial, buscando o recebimento de seu
crédito. É neste momento que surgem dúvidas acerca da validade dessa
cobrança, ou, mais especifi camente, quanto à executividade dos documentos
acima referidos.
A doutrina se divide quanto ao tema, como bem demonstrou a eminente
Min. Nancy Andrighi em seu judicioso voto, porém a que acolhe a executividade
da duplicata virtual, ou, mais especifi camente, a executividade do boleto bancário
que a espelha, acompanhado do instrumento de protesto por indicação e do
comprovante de entrega das mercadorias, é a que melhor atende à realidade do
mercado, sem descuidar das garantias devidas ao sacado e ao sacador.
Com efeito, conquanto no acórdão paradigma haja afi rmativa de que a
retenção da duplicata enviada para aceite é condição indispensável para que haja
o protesto por indicação, não parece ser essa a melhor exegese do art. 13, § 1º,
da Lei n. 5.474/1968. Na verdade, o que o referido dispositivo legal permite, em
ultima ratio, é o protesto da duplicata sem sua apresentação física, mas somente
com a simples indicação de seus elementos ao cartório de protesto. Trata-se de
exceção ao princípio da cartularidade, expressamente acolhida pelo legislador.
Ora, não é diferente o que ocorre na espécie em análise. O credor, diante da
falta de pagamento, encaminha a protesto por meio eletrônico o boleto bancário,
no qual, segundo se pode observar à fl . 75 dos presentes autos, constam todas as
informações relativas à compra e venda mercantil, espelho que é da duplicata
virtual. O devedor é então intimado para pagar o título ou dar as razões para não
o fazer, tendo no caso em debate se mantido silente (fl . 86).
Desse modo, são dadas ao devedor as mesmas oportunidades de
adimplemento e defesa que lhe são propiciadas quando os dados são informados
por indicação do credor, na hipótese da falta de devolução da duplicata. Assim,
não parece equivocada a tese de que o protesto da duplicata virtual pode ser
inserido entre as hipóteses de incidência do art. 13 da Lei n. 5.474/1968.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
276
Além disso, o art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997 admite a
indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio magnético ou de
gravação eletrônica de dados.
Também o art. 22 da mencionada Lei dispensa a transcrição literal do
título quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação eletrônica da
imagem, cópia reprográfi ca ou micrográfi ca do título ou documento da dívida.
Em vista disso, é possível concluir que a duplicata virtual conta com
cabedal jurídico sufi ciente a lhe amparar a existência.
De outra parte, o § 2º art. 15 da Lei n. 5.474/1968 cuida de executividade
da duplicata não aceita e não devolvida pelo devedor, isto é, ausente o documento
físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo quando esta
haja sido protestada mediante indicação do credor, esteja acompanhada de
documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria e o
sacado não tenha recusado o aceite pelos motivos constantes dos arts. 7º e 8º da
Lei.
No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação, estando
acompanhado das notas fi scais referentes às mercadorias comercializadas e
dos comprovantes de entrega das mercadorias devidamente assinados (fls.
75-197), não havendo manifestação do devedor à vista do documento de
cobrança, estando, portanto, atendidas sufi cientemente as exigências relativas à
executividade do título.
Nesse contexto, parecem mais acertadas as conclusões a que chegou
a ilustre Min. Nancy Andrighi em seu brilhante voto, acompanhado pelos
eminentes componentes da eg. Terceira Turma.
Ante o exposto, conheço dos embargos de divergência e lhes nego
provimento.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, participei do
julgamento do acórdão embargado e estou acompanhando integralmente o
voto do eminente Relator, que faz uma análise bastante precisa a respeito da
interpretação dessa questão, que é nova dentro do Direito Cambiário.
Conheço dos embargos de divergência e nego-lhes provimento.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 277
VOTO
O Sr. Ministro Marco Buzzi: Conheço dos embargos de divergência e
nego-lhes provimento.
RECURSO ESPECIAL N. 973.827-RS (2007/0179072-3)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Relatora para o acórdão: Ministra Maria Isabel Gallotti
Recorrente: Banco Sudameris Brasil S/A
Advogado: Luiz Carlos Sturzenegger e outro(s)
Recorrido: João Felipe Zanella Felizardo
Advogado: Daniel Demartini
Interessado: Banco Central do Brasil - “amicus curiae”
Procurador: Procuradoria-Geral do Banco Central
Interessado: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “amicus curiae”
Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s)
Interessado: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDEC -
“amicus curiae”
Advogado: Maria Elisa Cesar Novais e outro(s)
EMENTA
Civil e Processual. Recurso especial repetitivo. Ações revisional
e de busca e apreensão convertida em depósito. Contrato de
fi nanciamento com garantia de alienação fi duciária. Capitalização de
juros. Juros compostos. Decreto n. 22.626/1933 Medida Provisória
n. 2.170-36/2001. Comissão de permanência. Mora. Caracterização.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto n. 22.626/1933
(Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida
Provisória n. 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem
por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não
pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos
juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática
fi nanceira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”,
métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao
início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar
pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização
de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo
método composto, o que não é proibido pelo Decreto n. 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
- “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação
da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-
36/2001), desde que expressamente pactuada.”
- “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual
deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato
bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é
sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.
4. Segundo o entendimento pacifi cado na 2ª Seção, a comissão de
permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos
remuneratórios ou moratórios.
5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado
o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da
abusividade das cláusulas contratuais questionadas.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Retifi cada, por unanimidade, a proclamação ocorrida na sessão do dia
27.6.2012 para modifi cação do item 2 das teses fi xadas para os efeitos do artigo
543, C, do CPC, passando o item 2 a ser o seguinte: “(...) 2) A capitalização
dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa
e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal é sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual
contratada.”
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 279
Retifi cada, fi ca a proclamação integral da seguinte forma:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Isabel
Gallotti divergindo do Sr. Ministro Relator e dando provimento ao recurso
especial em maior extensão, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros
Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi, a
Segunda Seção, por maioria, deu provimento ao recurso especial, em maior
extensão, vencidos os Srs. Ministros Relator, Paulo de Tarso Sanseverino e
Nancy Andrighi.
Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Para os efeitos do artigo 543, C, do CPC, foram fi xadas as seguintes teses:
1) É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um
ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17/2000, em vigor como MP n. 2.170-01, desde que
expressamente pactuada;
2) A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir
pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa
de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é sufi ciente para permitir a
cobrança da taxa efetiva anual contratada.
Impedido o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Ausente, justifi cadamente, na assentada do dia 8.8.2012, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 8 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora para o acórdão
DJe 24.9.2012
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. João Felipe Zanella Felizardo
ajuizou ação revisional de contrato de fi nanciamento em face de Banco Sudameris
Brasil S/A buscando a declaração da nulidade de cláusulas supostamente
abusivas, referentes à taxa de juros remuneratórios, capitalização mensal de juros
e cumulação da correção monetária com a comissão de permanência. Na inicial,
o autor pleiteou a limitação da taxa de juros em 12% ao ano, o reconhecimento
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
280
da vedação do anatocismo e a declaração de impossibilidade de coexistência da
correção monetária com a comissão de permanência.
Foi indeferido o pedido de antecipação de tutela, efetuado com o intuito
de impedir o Banco de inscrever o nome do autor nos órgãos de restrição de
crédito, bem como para coibir o protesto das notas promissórias relativas ao
contrato objeto da demanda (fl . 23).
O agravo de instrumento interposto contra tal decisão foi provido “para
o fi m de conceder a medida acautelatória do direito do agravante e proibir o
agravado de incluir o nome deste em órgãos de proteção ao crédito, excluindo-o,
caso já efetivado o registro, e desde que deposite, mensalmente, na data do
vencimento de cada parcela, o valor que entende devido” (fl . 78).
Paralelamente a este feito, o Banco Sudameris Brasil S/A manejou ação
de busca e apreensão do veículo, objeto do contrato avençado entre as partes.
Na sequência, a instituição fi nanceira requereu a conversão do feito em ação de
depósito, o que foi deferido (fl . 75 dos autos em apenso).
O magistrado de primeiro grau apreciou os processos conjuntamente,
em razão da continência existente, julgando improcedentes os pedidos da ação
revisional e procedentes os da de depósito, “para condenar o réu, como devedor
fi duciário equiparado a depositário, a restituir ao autor o veículo descrito na
inicial, no prazo de vinte e quatro (24) horas, ou a importância equivalente em
dinheiro, sob pena de prisão como depositário infi el, nos termos dos artigos 901
e 904 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil” (fl . 92). Na ocasião, o
julgador ressalvou ao autor a utilização da faculdade estabelecida no art. 906 do
CPC e estipulou a verba sucumbencial em desfavor do consumidor, fi xando os
honorários advocatícios em R$ 900,00, considerando o disposto no art. 20, § 4º,
do CPC.
A apelação interposta foi provida, por maioria, em acórdão assim resumido:
Apelação cível. Ação revisional de contrato de fi nanciamento garantido por
alienação fi duciária. Preliminar de preclusão no tocante à manutenção na posse
do bem objeto do contrato. Possibilidade de revisão. Incidência do CDC. Juros
remuneratórios. Capitalização. Comissão de permanência. Improcedência da ação
de busca e apreensão. Compensação.
Não merece acolhimento a preliminar de preclusão no tocante à posse do bem
objeto do contrato, pois o ajuizamento da ação revisional de contrato poderá
afastar a mora, eis que está em discussão o contrato celebrado entre as partes, no
qual também se fundamenta a Ação de Busca e Apreensão, convertida em Ação
de Depósito.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 281
É certa a incidência do Código de Defesa do Consumidor em Contrato, como
prevê o seu art. 3º, § 2º, assim como do art. 166 do Código Civil, que autorizam a
sua revisão.
Não merecem manutenção os juros remuneratórios pactuados em taxa
superior a 12% ao ano, conforme limitação constante no Decreto n. 22.626/1933,
no CDC, e diante de ausência de prova de que o fi nanciador tenha autorização do
CMN para praticar taxas superiores.
Inexistindo previsão legal, é incabível a capitalização mensal de juros, em
contrato de fi nanciamento garantido por alienação fi duciária, devendo incidir a
anual, nos termos do art. 591 do Código Civil.
É impossível a cobrança de comissão de permanência, mesmo que não seja
de forma cumulada com correção monetária, de percentual superior à taxa
do contrato (Súmula n. 294 do STJ), assim como não é cabível a sua incidência
cumulada com juros moratórios e multa.
É possível a compensação de valores quando se trata de ação revisional,
depois de liquidada a sentença.
A exigência de encargos ilegais e/ou abusivos afasta a mora, cuja conseqüência
é a improcedência da Ação de Busca e Apreensão.
Preliminar desacolhida.
Apelação Cível provida, por maioria (fl . 140).
Os embargos de declaração opostos pelo banco réu foram rejeitados (fl s.
165).
Irresignada, a instituição fi nanceira apresentou embargos infringentes,
buscando a prevalência do voto vencido, no tocante à capitalização mensal dos
juros.
Por seu turno, o autor apresentou impugnação às fl s. 183-191.
Os infringentes não foram providos. O acórdão então proferido foi
sintetizado da seguinte forma:
Embargos infringentes. Alienação fiduciária. Ação revisional de contrato.
Capitalização de juros.
Proibida a capitalização dos juros em período inferior a um ano, no caso
concreto.
Embargos infringentes desprovidos. Unânime.
Diante disso, o Banco Sudameris Brasil S/A interpõe o presente recurso
especial fundado no art. 105, III, a e c, da Constituição da República.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
282
De início, aponta, “por cautela”, negativa de vigência ao art. 535 do CPC,
para o caso de esta Corte entender que as questões atinentes à comissão de
permanência e aos juros remuneratórios no período da inadimplência (Súmula
n. 296-STJ) não terem sido prequestionadas.
No tocante ao suposto excesso da taxa de juros remuneratórios, bem como
à necessidade de autorização do Conselho Monetário Nacional - CMN para
praticar taxas superiores a 12% ao ano, o recorrente alega que o acórdão ofendeu
o disposto no art. 4º, IX, da Lei n. 4.595/1961, e emprestou interpretação
diversa da atribuída pela Súmula n. 596-STF, além de divergir do entendimento
fi rmado por esta Corte.
No que se refere à capitalização mensal de juros, a instituição fi nanceira
reputa contrariados os arts. 4º, VI e IX, da Lei n. 4.595/1964 e 5º da MP n.
1.963-17/2000 (sucessivamente reeditada até a MP n. 2.170-36/2001).
Assevera que “a Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.2000) que
expressamente autorizou, em seu artigo 5º, a cobrança de juros capitalizados
mensalmente pelas instituições fi nanceiras, passou a ser defi nitiva em nosso
ordenamento jurídico, consoante a Emenda Constitucional n. 32, de 11.9.2001,
onde todas as Medidas Provisórias que naquela data encontravam-se em vigor, e
aquelas antes reeditadas, passaram a ser defi nitivas (art. 2º)” (fl . 229).
Indica precedentes desta Corte a fi m de defender o entendimento segundo
o qual, nos contratos de mútuo bancário posteriores a 31 de março de 2000,
incide capitalização mensal, desde que pactuada.
Pondera que o fundamento do acórdão recorrido relativo à prevalência do
Código Civil sobre a Medida Provisória não prospera, pois ambas convivem
em harmonia na órbita jurídica, não havendo se falar em hierarquia inferior
desta em relação àquele. Salienta, mais, que sendo esta norma especial, deve
preponderar no que tange ao Codex civilista, de caráter geral.
Ressalta que o contrato objeto desta demanda foi fi rmado em 21 de julho
de 2003 e os juros foram estipulados em valores prefi xados, sendo de pleno
conhecimento do recorrido, pois calculado com base na taxa anual constante do
instrumento contratual.
Relativamente à comissão de permanência, argumenta que o acórdão, além
de dissentir da orientação deste Tribunal Superior, vulnerou o já mencionado
art. 4º da Lei n. 4.595/1964 e a Resolução n. 1.129/86 do CMN. Cita, ainda, a
Súmula n. 294-STJ como reforço de fundamentação. Afi rma que esse encargo
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 283
apenas deve ser afastado quando for cumulado com correção monetária e com
juros remuneratórios, o que não seria o caso.
Pondera que “caso prevaleça o afastamento da cobrança de comissão
de permanência, deve ser autorizada a incidência cumulada dos juros
remuneratórios e moratórios no período da anormalidade (inadimplência) mês,
considerando a diversidade de origem de ambos (natureza), tópico suscitado
inclusive em sede de embargos” (fl s. 238-239). Ampara-se na Súmula n. 296-
STJ como esteio a seus argumentos.
Insurge-se contra o afastamento da mora debendi até o trânsito em julgado
da decisão. Observa que todos os encargos contratuais são legítimos e pugna
pela aplicação do art. 397 do CC/2002. Por consequência, ataca a possibilidade
de repetição de indébito e pontua a necessidade de comprovação de que pagou
em erro, consoante o art. 877 do CC/2002.
Ao final, sustenta que o julgamento de improcedência da ação de
busca e apreensão violou o art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969, pois, embora
caracterizadas a inadimplência e a mora do devedor fi duciário, o acórdão vetou
ao Banco recorrente a possibilidade de reaver o veículo alienado. Colaciona
julgado deste Tribunal que divergiria do aresto impugnado, no particular.
Concomitantemente, foi interposto recurso extraordinário (fl s. 268-286).
Não foram apresentadas contrarrazões (fl . 288).
Admitidos ambos os recursos (fl s. 289-290), subiram os autos a esta Corte
e, diante da multiplicidade de recursos acerca do tema relacionado à possibilidade
de capitalização de juros mensais em contratos bancários, afetei o julgamento do
feito a esta e. Segunda Seção, procedendo-se de acordo com o art. 543-C do
CPC e com a Resolução n. 8/2008 do STJ (fl . 304).
Manifestaram-se como amici curiae o Banco Central do Brasil - Bacen, a
Federação Brasileira de Bancos - Febraban e o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor - IDEC.
Da manifestação do Bacen (fl s. 312-326):
A instituição fi nanceira reitera os termos do parecer apresentado nos autos
do REsp n. 1.046.768-RS, que, inicialmente, foi afetado para julgamento no
termos do art. 543-C do CPC, e depois desafetado, tendo em vista o RE n.
568.396-RS, então pendente de análise perante o Supremo Tribunal Federal.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
284
Salienta que esse apelo extremo veio a ser arquivado, sem a apreciação da
matéria, em razão de homologação de acordo entre as partes, resultando, por
consequência, prejudicado o recurso.
Destaca as seguintes conclusões provindas do aludido parecer:
a) por ser defeso ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial,
fazer o contraste de lei federal em face da Constituição, o julgamento sobre a
capitalização mensal de juros deve se ater à questão da vigência do art. 5º da
Medida Provisória n. 2.170-36, de 2001;
b) embora o Código Civil tenha sido instituído por lei posterior à Medida
Provisória n. 2.170-36, de 2001, não há que se falar em derrogação da Medida
Provisória, tendo em vista o critério positivado na Lei de Introdução ao Código
Civil, segundo o qual “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a
par das já existentes, não revoga nem modifi ca a lei anterior”;
c) a questão da invalidade da Medida provisória n. 2.170-36, de 2001, em
face da Lei Complementar n. 95, de 1998, não pode ser examinada, por falta de
prequestionamento;
d) ainda que fosse analisada a questão retromencionada, seria forçosa
a conclusão pela incontrastabilidade da Medida Provisória frente a Lei
Complementar, por inexistir hierarquia entre ambas;
e) não só pelos aspectos jurídico-formais mencionados, mas também pela
compatibilidade material do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36, de 2001,
com os princípios e objetivos positivados no Código de Defesa do Consumidor,
deve ser rejeitada qualquer interpretação da lei que afaste a aplicação daquele
dispositivo (fl s. 312-313).
Da manifestação da Febraban (fl s. 422-444):
A Federação salienta que apenas a questão referente à capitalização mensal
dos juros nos contratos bancários encontra-se submetida à análise sob os
auspícios do art. 543-C do CPC, pois as demais matérias já foram decididas em
julgamento de recurso repetitivo (REsp n. 1.061.530-RS).
Discorre acerca do entendimento fi rmado nesse referido apelo quanto
a cada tema objeto deste recurso especial, e defende a constitucionalidade do
art. 5º da MP n. 2.170-36/2001, porquanto, até o presente momento, não foi
editada regra que o revogasse, nem houve sua suspensão em decorrência da ADI
n. 2.316-RS, haja vista o fato de que nem mesmo o julgamento da liminar nela
requerida foi concluído.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 285
Entende que, por se tratar de regra especial, a medida provisória em
comento deve prevalecer em relação ao art. 4º do Decreto-Lei n. 22.626/1933
(Lei de Usura) e ao art. 591 do Código Civil/2002.
Assevera que a capitalização mensal dos juros é importante para
o equilíbrio do Sistema Financeiro Nacional. Após realizar um escorço da
evolução normativa concernente à capitalização, observa que a cobrança dos
juros de tal forma se impõe, porque “todos os investimentos oferecidos ao
público pelos Bancos rendem juros capitalizados” (fl . 436).
Por fi m, sinaliza a existência de jurisprudência reiterada, nesta Corte, sobre
a legalidade da capitalização mensal em alusão, a partir da publicação da MP n.
1.963-17/2000.
Da manifestação do IDEC (fl s. 498-512):
O instituto propugna a inconstitucionalidade do art. 5º da MP n. 2.170-
36/2001, que versa a respeito da capitalização mensal de juros.
Destaca a inexistência de urgência ou relevância da matéria tratada na
norma em questão, a destoar do art. 62 da Constituição Federal. Reproduz
excertos doutrinários com o objetivo de trazer mais fundamentos no que tange
ao tema.
Obtempera que, além da inconstitucionalidade formal, verifica-se a
substancial, “revelada pelo abuso do poder regulador do Estado ao editar norma
de direito privado como se fosse de direito público” (fl . 503).
Aponta a existência de norma atual aplicável à espécie, qual seja, o art. 591
do CC/2002, que permite a capitalização anual.
Do parecer do Ministério Público Federal (fl s. 485-496):
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra o ilustre Subprocurador-
Geral da República Dr. Henrique Fagundes Filho, opinou pelo parcial
conhecimento do recurso especial com base na alínea a do inciso III do art. 105
da Constituição Federal e pelo não conhecimento do apelo fundado na alínea c
do mencionado permissivo constitucional, como revela a seguinte ementa:
Recurso especial. Alienação fiduciária. Ação revisional. Limitação da
cobrança de taxa de juros em 12% ao ano. Inaplicável às instituições fi nanceiras.
Capitalização mensal de juros. Possibilidade. Comissão de permanência. Cobrança
não cumulável com outros encargos moratórios.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
286
I - À míngua de omissão, obscuridade ou contradição, não há que se falar em
afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil.
II - O art. 4º, inciso IX, da Lei n. 4.595, de 1964, isentou as instituições fi nanceiras,
no concernente à limitação da taxa de juros, de se submeterem aos ditames da Lei
da Usura, podendo a taxa usurária ultrapassar a casa dos 12% ao ano.
III - Segundo reiterada jurisprudência desse Colendo Superior Tribunal de
Justiça, a capitalização mensal de juros em contratos fi rmados após a entrada
em vigor da Medida Provisória n. 1.963-17, de 2000, modifi cada pela Medida
Provisória n. 2.170-36, de 2001, é lícita, desde que prevista contratualmente.
IV - Não comporta conhecimento o recurso que, com esteio na alínea a do
permissivo constitucional, não aponta especificamente os dispositivos legais
tidos por malferidos.
V - É incabível o recurso especial que se volta contra suposta violação a
dispositivo de Resolução do Banco Central, por não se enquadrar, essa, no conceito
de “lei federal”.
VI - Consoante a jurisprudência pacífica dessa Corte, mostra-se inviável a
convivência da comissão de permanência com os encargos moratórios.
VII - A cobrança abusiva durante o cumprimento de contrato descaracteriza a
mora do devedor e, por consequência, impossibilita a busca e apreensão do bem
dado em garantia de alienação fi duciária, consoante farta jurisprudência desse
Superior Tribunal de Justiça.
VIII - Não havendo o devido cotejo analítico entre os precedentes paradigmas
e o vergastado, não há como se verifi car a existência de identidade fática entre os
acórdãos nem se comprovar a existência de dissídio a ensejar o recurso especial
pela alínea c do permissivo constitucional.
Parecer pelo parcial conhecimento do recurso especial com esteio no art. 105,
inciso III, alínea a, da Constituição, e pelo não conhecimento do apelo fundado na
alínea c desse mesmo dispositivo (fl s. 485-486).
Após as manifestações, o recorrente veio aos autos reiterar a possibilidade
de capitalização mensal (fl s. 525-544).
É o relatório.
2. Mister salientar, de início, que foram várias as questões suscitadas no
recurso especial. Contudo, apenas em relação à capitalização mensal de juros nos
contratos bancários será fi xada tese para os efeitos do art. 543-C do CPC, nos
exatos termos da decisão de afetação.
2.1. Também é importante destacar que o presente apelo não abrange os
contratos relativos ao Sistema Financeiro Habitacional, pois quanto a eles já
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 287
houve defi nição da matéria no julgamento do REsp n. 1.070.297-PR, de minha
relatoria, submetido ao rito dos recursos repetitivos, tendo o acórdão recebido a
seguinte ementa:
Recurso especial repetitivo. Sistema Financeiro da Habitação. Capitalização de
juros vedada em qualquer periodicidade. Tabela Price. Anatocismo. Incidência das
Súmulas n. 5 e n. 7. Art. 6º, alínea e, da Lei n. 4.380/1964. Juros remuneratórios.
Ausência de limitação.
1. Para efeito do art. 543-C:
1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da
Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não
cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da
Tabela Price, por força das Súmulas n. 5 e n. 7.
1.2. O art. 6º, alínea e, da Lei n. 4.380/1964, não estabelece limitação dos juros
remuneratórios.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido,
para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros
remuneratórios (DJe 18.9.2009).
2.2. Cumpre mencionar, ainda, a inexistência de impedimento ao exame
da causa, em que pese a repercussão geral da matéria reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE n. 592.377-RS, como já decidido no julgamento do
REsp n. 1.107.201-DF, analisado sob o prisma do art. 543-C do CPC e assim
sumariado, no que interessa:
Recursos especiais repetitivos. Cadernetas de poupança. Planos
econômicos. Expurgos infl acionários. Recursos representativos de macro-lide
multitudinária em ações individuais movidas por poupadores. Julgamento
nos termos do art. 543-C, do Código de Processo Civil. Julgamento limitado
a matéria infraconstitucional, independentemente de julgamento de tema
constitucional pelo c. STF. Preliminar de suspensão do julgamento afastada.
Consolidação de orientação jurisprudencial fi rmada em inúmeros precedentes
desta Corte. Planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Legitimidade
passiva ad causam. Prescrição. Índices de correção.
I – Preliminar de suspensão do julgamento, para aguardo de julgamento
de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, afastada, visto
tratar-se, no caso, de julgamento de matéria infraconstitucional, preservada a
competência do C. STF para tema constitucional.
II – No julgamento de Recurso Repetitivo do tipo consolidador de
jurisprudência constante de numerosos precedentes estáveis e não de tipo
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
288
formador de nova jurisprudência, a orientação jurisprudencial já estabilizada
assume especial peso na orientação que se fi rma.
III – Seis conclusões, destacadas como julgamentos em Recurso Repetitivo,
devem ser proclamadas para defi nição de controvérsia:
(...)
V – Recurso Especial da Caixa Econômica Federal provido em parte, para
ressalva quanto ao Plano Collor I.
VI – Recurso Especial do Banco ABN Amro Real S/A improvido (DJe 6.5.2011 -
grifei).
3. Nesse passo, impende observar, quanto ao tema central do recurso, que
os juros remuneratórios cobrados nos contratos celebrados entre as instituições
fi nanceiras e o consumidor constituem a remuneração do capital emprestado.
Vale dizer, os juros representam o preço do dinheiro objeto do mútuo.
Nas palavras de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru
Nishiyama, os juros capitalizados são “juros devidos e já vencidos que,
periodicamente (v.g., mensal, semestral ou anualmente), se incorporam ao
valor principal” (in Contratos Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da
Matemática Financeira para Advogados, Editora Atlas S/A., São Paulo: 2007,
p. 36).
No vetusto Código Comercial de 1850, o artigo 253 estabelecia que os
juros não poderiam ser capitalizados, salvo em periodicidade anual.
O Código Civil de 1916, em seu art. 1.262, autorizava, desde que
expressamente estabelecidos, os juros capitalizados.
Posteriormente, o Decreto n. 22.626/1933 (Lei de Usura), em seu art. 4º,
passou a vedar a prática do anatocismo.
Diante dos inúmeros precedentes proferidos com base nessa norma, o
Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária de 13.12.1963, editou a Súmula
n. 121, que proibiu a capitalização em comento “ainda que expressamente
convencionada”.
Todavia, logo entraram em vigor normas específicas, relativas aos
contratos de crédito rural (Decreto-Lei n. 167/1967), industrial (Decreto-Lei
n. 413/1969) e comercial (Lei n. 6.840/1980), as quais permitem a pactuação de
juros capitalizados.
A fi m de uniformizar o entendimento sobre o tema, esta Corte Superior de
Justiça, na sessão de 27.10.1993, elaborou a Súmula n. 93, nos seguintes termos:
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 289
“A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o
pacto de capitalização de juros”.
No ano 2000, em razão dos questionamentos crescentes acerca da
possibilidade de previsão de juros capitalizados nas operações de mútuo
praticadas por instituições fi nanceiras ou entidades a elas equiparadas, o então
Ministro da Fazenda Pedro Malan, apresentou a Exposição de Motivos n. 210-
MF propondo projeto de medida provisória relativa ao assunto, oportunidade
em que assim se pronunciou:
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Surgem frequentemente, questionamentos sobre operações de mútuo,
principalmente quando praticadas por instituições fi nanceiras ou entidades a
elas equiparadas, em que se discutem o cabimento da cobrança de taxas de juros
pactuadas e a grande diferença existente entre as taxas primárias e as taxas de
juros cobradas dos tomadores de fi nanciamentos, chamada de spread.
É publica a intenção do Governo Federal de buscar diminuição do spread e sua
convergência com os padrões mundiais, de forma a incentivar o decréscimo do
valor total da taxa de juros suportada pelas pessoas físicas e jurídicas, criando-se,
assim, panorama mais propício ao desenvolvimento econômico do Brasil.
As operações praticadas no mercado financeiro devem seguir padrões
internacionalmente aplicados e aceitos. Como regra geral, no mercado fi nanceiro
mundial, a não-capitalização de juros tanto se mostra como exceção que deve ser
expressamente estipulada.
No Brasil, a legislação, em especial o art. 4º do Decreto n. 22.626, de 7 de abril
de 1933, veda tal prática. No entanto, ao captar recursos, as instituições nacionais
remuneram os aplicadores com juros capitalizados. Até mesmo os depósitos da
população para pequenos valores (v.g. caderneta de poupança) rendem juros
capitalizados.
Quanto à possibilidade, no País, de se cobrar juros de juros nas operações
praticadas no Mercado Financeiro, a Súmula n. 596 do Supremo Tribunal Federal
dispõe que “as disposições do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, não se aplicam
às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por
instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.
À primeira vista, parece claro não se aplicar o art. 4º do Decreto n. 22.626/1933
às instituições fi nanceiras ou entidades a elas equiparadas, quando as operações
forem típicas. No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal entendeu, na
Súmula n. 596, estar afastada no Sistema Financeiro apenas a incidência do art.
1º do mencionado diploma legal, subsistindo a aplicação do art. 4º, que proíbe a
capitalização de juros em período inferior ao anual.
Note-se que, presentemente, já é mansa e pacífi ca a jurisprudência, inclusive
nos Tribunais Superiores, no sentido da não aplicação do art. 4º do Decreto n.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
290
22.626, de 1933 quando há previsão legal, tal como já ocorre desde a edição do
Decreto-Lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a cédula de
crédito rural, seguido do Decreto-Lei n. 413, de 9 de janeiro de 1969, que trata
da cédula de crédito industrial, da Lei n. 6.840, de 3 de novembro de 1980, que
estabelece a cédula de crédito comercial e da Lei n. 8.929, de 22 de agosto de
1994, que dispõe sobre a cédula de produto rural. Mais recentemente, a Medida
Provisória n. 1.925-5, de 2 de março de 2000, permitiu a capitalização de juros nas
operações lastreadas na cédula de crédito bancário.
É importante considerar que, ante à restrição legal de capitalização de juros,
ocorre signifi cativo impacto nas taxas de juros efetivamente praticadas pelas
instituições financeiras, vez que os juros, por definição, espelham, além da
remuneração, o risco da operação. Dessa forma, o devedor pontual em seus
pagamentos está, pela via refl exa, fi nanciando aqueles que deixam de honrar
seus compromissos.
Destaque-se ainda que, sob o ponto de vista econômico, a capitalização
de juros apresenta-se benéfi ca ao devedor que, não podendo pagar ao credor
na data originalmente avençada pode renegociar sua dívida junto à mesma
instituição fi nanceira Proibida a capitalização, evidentemente, o montante de
juros devidos deverá ser imediatamente liquidado, o que força o devedor a
captar recursos junto a outra instituição para adimplir com a primeira. Tal situação
permite o chamado “anatocismo indireto”, prática possibilitada pela vigente
legislação. Desse modo, considerando a incerteza quanto à nova taxa de juros,
fi ca prejudicado o devedor no planejamento dos seus desembolsos, que de outra
forma já estariam previstos no contrato originário.
Pode-se, sem esforço, concluir que a lei vigente, ao invés de proteger o
devedor, acaba sendo-lhe prejudicial.
O panorama atual, como demonstrado, aumenta sobremodo o risco das
operações fi nanceiras, com refl exos expressivos no inadimplemento bancário, o
que resulta em impacto nas taxas de juros praticadas.
Com o objetivo de solucionar as questões acima apontadas, proponho projeto
de Medida Provisória, cujo art. 1º prevê a possibilidade de se capitalizar juros,
em periodicidade inferior à anual, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional,
ou seja, em operações típicas do mercado fi nanceiro praticadas por instituições
fi nanceiras ou a elas equiparadas.
Por sua vez, o parágrafo único do artigo mencionado torna obrigatória a
transparência do negócio em favor do devedor, de forma a assegurar a lisura
das operações minimizando signifi cativamente as difi culdades dos cidadãos na
compreensão dos cálculos aplicáveis aos contratos.
Desta forma, será possível adequar os níveis das taxas de juros praticadas
no mercado financeiro às necessidades do crescimento sustentado e do
desenvolvimento do País.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 291
Assim, demonstradas a urgência e a relevância da matéria, submeto à
consideração de Vossa Excelência projeto de Medida Provisória que dispõe sobre
a capitalização de juros no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
Desse modo, em 31.3.2000 foi publicada a MP n. 1.963-17, que, no art.
5º, autorizou a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Após
algumas reedições, entrou em vigor a MP n. 2.170-36/01 que manteve o
mencionado dispositivo legal, cuja redação é a seguinte:
Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade
inferior a um ano.
Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor,
a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo
credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de
fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e
despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela
correspondente a multas e demais penalidades contratuais.
Passados aproximadamente três anos, o novo Código Civil começou a
viger, trazendo o art. 591, assim redigido:
Destinando-se o mútuo a fi ns econômicos, presumem-se devidos juros, os
quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
3.1. Nesse passo, o Partido Liberal ajuizou, em 2000, ação direta de
inconstitucionalidade (ADI n. 2.316-DF), retorquindo a constitucionalidade
do art. 5º, caput e parágrafo único, da MP n. 2.170-36/01 e pleiteando,
liminarmente, sua suspensão.
A constitucionalidade ou não da referida medida provisória não será objeto
de análise neste apelo raro, pois cuida-se de matéria afeta ao Pretório Excelso.
Apenas a título de registro, em relação ao andamento do feito, constata-se
que, por ora, votaram favoravelmente à suspensão os ilustres Ministros Sydney
Sanches, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ayres Britto. Por seu turno, votaram
contra a suspensão a eminente Ministra Cármen Lúcia e o saudoso Ministro
Menezes Direito.
Em linhas gerais, impende ressaltar que a apreciação da liminar na ADI
gira em torno da questão relativa ao requisito da urgência, para efeito da validade
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
292
da medida provisória editada sobre o assunto, consoante se percebe da leitura
dos votos produzidos até aqui.
Em 5.11.2008, o julgamento foi suspenso para ser retomado com quorum
completo.
Dessarte, a efi cácia do art. 5º da Medida Provisória em menção, até o
presente momento, não foi suspensa, pois, como dito, o julgamento da liminar
requerida na ADI n. 2.136-DF ainda não foi concluído.
Segundo Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, “a lei, enquanto não declarada
inoperante, não se presume inválida: ela é válida, eficaz e obrigatória” (in
“O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, 2ª ed., Brasília:
Ministério da Justiça, 1997. p. 96).
Quanto ao tema, mostra-se conveniente citar as seguintes passagens da
obra do renomado jurista Luís Roberto Barroso:
A presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma
presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido
contrário do órgão jurisdicional competente.
[...]
No Brasil, e de longa data, o princípio tem sido afi rmado, assim pela doutrina
como pela jurisprudência, que já assentou que a dúvida milita em favor da lei,
que a violação da Constituição há de ser manifesta e que a inconstitucionalidade
nunca se presume.
[...]
O princípio da presunção de constitucionalidade das leis, conquanto implícito
em todo sistema constitucional, ganhou um reforço no ordenamento brasileiro
atual, por força do disposto no art. 103, § 3º, que determina que, sempre que o
Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade em tese de norma legal
ou ato normativo, será citado o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou
texto impugnado. Instituiu-se, assim, um curador especial com o dever jurídico
de sustentar a constitucionalidade das leis impugnadas em ação direta. Note-se
que, como o sistema brasileiro admite a declaração de inconstitucionalidade em
sede de jurisdição concentrada, tanto de norma estadual quanto federal, caberá
ao Advogado-Geral da União defender a uma ou a outra, desde que ajuizada ação
perante o Supremo Tribunal.
[...]
Também reverencia o princípio da presunção de constitucionalidade das leis
o art. 97 da Constituição, que prevê que somente pelo voto da maioria absoluta
de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 293
[...]
O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público,
notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral da separação dos
Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que,
em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos
diante de casos de inconstitucionalidade fl agrante e incontestável (in Interpretação
e Aplicação da Constituição, 5ª ed, São Paulo: Saraiva: 2003, p. 177-188).
Portanto, partindo do princípio segundo o qual, até que seja declarada a
inconstitucionalidade da norma presume-se a sua constitucionalidade, é razoável
entender que, apesar de não ter sido convertida em lei, a norma encontra-se em
vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional n. 32/2001.
A respeito do assunto, vale reproduzir o seguinte excerto do REsp n.
1.061.530-RS, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, da relatoria da ilustre
Min. Nancy Andrighi:
O princípio da imperatividade assegura a auto-executoriedade das normas
jurídicas, dispensando prévia declaração de constitucionalidade pelo Poder
Judiciário. Ainda que esta presunção seja iuris tantum, a norma só é extirpada
do ordenamento com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade. E essa
questão, na hipótese específi ca do art. 5º da MP n. 1.963-17/00, ainda não foi
resolvida pelo STF, nem mesmo em sede liminar (DJe 10.3.2009).
Na ocasião, esse foi o fundamento utilizado para negar o pedido de
sobrestamento daquele feito até o julgamento defi nitivo da ADI n. 2.136-DF,
efetuado pelo Ministério Público Federal, também aplicável à hipótese em
exame.
3.2. Nessa esteira, mesmo após o advento da MP n. 2.170-36/2001, o
Superior Tribunal de Justiça, no início, relutou em modifi car a orientação até
então fi rmada em sua jurisprudência, como se observa nos precedentes a seguir:
Comercial. Cartão de crédito. Administradora. Instituição fi nanceira. Juros.
Limitação (12% aa). Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933). Não incidência.
Aplicação da Lei n. 4.595/1964. Disciplinamento legislativo posterior. Súmula
n. 596-STF. Capitalização mensal dos juros. Vedação. Lei de Usura (Decreto n.
22.626/1933). Incidência. Súmula n. 121-STF.
I. As administradoras de cartões de crédito inserem-se entre as instituições
fi nanceiras regidas pela Lei n. 4.595/1964.
II. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos
contratos de cartão de crédito.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
294
III. Nesses mesmos contratos, ainda que expressamente acordada, é vedada
a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei,
hipótese diversa dos autos. Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/1933 e da
Súmula n. 121-STF (REsp n. 450.453-RS, Segunda Seção, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, julgado em 25.6.2003, DJ 25.2.2004).
Agravo contra decisão do relator em recurso especial. Embargos à execução.
Contrato de empréstimo pessoal. Capitalização mensal. Correção monetária. TR.
Precedentes do STJ.
Salvo expressa previsão em lei específi ca, como no caso das cédulas de créditos
rurais, industriais e comerciais, é vedada às instituições fi nanceiras a capitalização
mensal de juros (REsp’s n. 476.663-RS, n. 387.931-RS e n. 324.088-RS).
A TR pode ser usada na correção dos débitos quando pactuada, o que não é o
caso dos autos (REsp’s n. 485.859-RS, n. 507.882-RS e n. 437.198-RS).
Subsistentes os fundamentos do decisório agravado, nega-se provimento ao
agravo (AgRg no REsp n. 608.790-MT, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,
julgado em 19.4.2005, DJ 19.9.2005).
Agravo regimental. Contrato de crédito. Capitalização mensal. Correção
monetária. TBF. Impossibilidade. Comissão de permanência. Taxa média de
mercado.
- É defesa a capitalização mensal ou semestral dos juros em contrato de
abertura de crédito em conta-corrente ou de mútuo (Art. 4º do Decreto n.
22.626/1933), inda que convencionada (REsp n. 292.893 - Direito e REsp n. 440.091
- Passarinho).
- A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador de
correção monetária nos contratos bancários (Súm. n. 287).
- A comissão de permanência deve observar a taxa média dos juros de
mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (AgRg no REsp n. 540.797-RS, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 20.9.2004, DJ 18.10.2004).
3.3. Todavia, em 22.9.2004, a Segunda Seção desta Corte alterou seu
entendimento, passando a admitir a capitalização mensal nos contratos
bancários fi rmados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n.
1.963-17/00, desde que estipulada expressamente.
Os acórdãos exarados na ocasião receberam as seguintes ementas:
Contratos bancários. Ação de revisão. Juros remuneratórios. Limite.
Capitalização mensal. Possibilidade. MP n. 2.170-36. Inaplicabilidade no caso
concreto. Compensação e repetição de indébitos. Possibilidade. CPC, art. 535.
Ofensa não caracterizada.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 295
I A Segunda Seção desta Corte fi rmou entendimento, ao julgar os REsps n.
407.097-RS e n. 420.111-RS, que o fato de as taxas de juros excederem o limite
de 12% ao ano não implica em abusividade, podendo esta ser apurada apenas, à
vista da prova, nas instâncias ordinárias.
II O artigo 5º da Medida Provisória n. 2.170-36 permite a capitalização dos
juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos
bancários celebrados após 31.3.2000, data em que o dispositivo foi introduzido
na MP n. 1.963-17. Contudo, no caso concreto, o contrato é anterior a tal data,
razão por que mantém-se afastada a capitalização mensal. Voto do Relator
vencido quanto à capitalização mensal após a vigência da última medida
provisória citada.
III Entendidas como conseqüência lógica do pleito revisional, à vista da
vedação legal ao enriquecimento sem causa, não há obstáculos à eventual
compensação ou devolução de valor pago indevidamente.
IV Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp n. 602.068-RS,
Segunda Seção, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21.3.2005 - grifei).
Contratos bancários. Ação de revisão. Juros remuneratórios. Limite.
Capitalização mensal. Possibilidade. MP n. 2.170-36. Inaplicabilidade no caso
concreto. Comissão de permanência. Ausência de potestividade. CPC, art. 535.
Ofensa não caracterizada.
I A Segunda Seção desta Corte fi rmou entendimento, ao julgar os REsps n.
407.097-RS e n. 420.111-RS, que o fato de as taxas de juros excederem o limite
de 12% ao ano não implica em abusividade, podendo esta ser apurada apenas, à
vista da prova, nas instâncias ordinárias.
II Decidiu, ainda, ao julgar o REsp n. 374.356-RS, que a comissão de
permanência, observada a Súmula n. 30, cobrada pela taxa média de mercado,
não é potestativa.
III O artigo 5º da Medida Provisória n. 2.170-36 permite a capitalização
dos juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos
bancários celebrados após 31.3.2000, data em que o dispositivo foi introduzido
na MP n. 1.963-17. Contudo, no caso concreto, não ficou evidenciado que
o contrato é posterior a tal data, razão por que mantém-se afastada a
capitalização mensal. Voto do Relator vencido quanto à capitalização mensal
após a vigência da última medida provisória citada.
IV Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp n. 603.643-RS,
Segunda Seção, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21.3.2005 - grifei).
A partir de então, o posicionamento em destaque passou a ser adotado
pelos integrantes desta Corte, sendo, atualmente, uníssono, como se verifi ca nos
julgados a seguir transcritos:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
296
Segunda Seção:
Bancário. Recurso especial. Ação revisional de cláusulas de contrato bancário.
Incidente de processo repetitivo. Juros remuneratórios. Contrato que não prevê o
percentual de juros remuneratórios a ser observado.
I - Julgamento das questões idênticas que caracterizam a Multiplicidade.
Orientação - juros remuneratórios
1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o
montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo
instrumento. Ausente a fi xação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à
média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a
taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for
verifi cada abusividade nos juros remuneratórios praticados.
II - Julgamento do recurso representativo
- Invertido, pelo Tribunal, o ônus da prova quanto à regular cobrança da taxa
de juros e consignada, no acórdão recorrido, a sua abusividade, impõe-se a
adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado
neste julgamento.
- Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP n.
1.963-17/00 (reeditada sob o n. 2.170-36/01), admite-se a capitalização mensal
de juros, desde que expressamente pactuada.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp n.
1.112.880-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.5.2010 - grifei).
Agravo regimental. Embargos de divergência. Agravo de instrumento.
Capitalização mensal dos juros. Medida Provisória n. 2.170-36. Possibilidade.
Orientação fi rmada na 2ª Seção. Súmula n. 168-STJ. Recurso improvido (AgRg na
Pet n. 4.991-DF, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 22.5.2009 - grifei).
Contrato bancário. Capitalização de juros. Medida provisória. Aplicabilidade.
Nos contratos celebrados após a edição da Medida Provisória n. 1.963-17,
de 2000, a capitalização mensal dos juros, se ajustada, é exigível. Quando
aplica a lei, o Superior Tribunal de Justiça como de resto, todo juiz e Tribunal
pressupõe a respectiva constitucionalidade; aplicando a aludida Medida
Provisória, no caso, proclamou-lhe a constitucionalidade, decisão que só pode
ser contrastada, em recurso extraordinário, perante o Supremo Tribunal Federal.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 297
Agravo regimental não provido (AgRg nos EREsp n. 930.544-DF, Rel. Min. Ari
Pargendler, DJe 10.4.2008 - grifei).
Processual Civil. Petição. Contrato bancário. Capitalização de juros.
Possibilidade. Medida Provisória n. 2.170-36/2001. Incidência. Súmula n. 168-STJ.
1 - A Segunda Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que
nos contratos bancários celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da
primitiva publicação do art. 5º da MP n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada
sob o n. 2.170-36/2001, é possível a capitalização mensal dos juros. Incidência
da Súmula n. 168-STJ.
2 - Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg na Pet n. 5.858-DF, Rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJ 22.10.2007 - grifei).
Quarta Turma:
Agravo regimental no recurso especial. Ação revisional de contrato bancário.
1. O agravante não impugnou os fundamentos da decisão ora agravada,
circunstância que obsta, por si só, a pretensão recursal, porquanto aplicável o
entendimento exarado na Súmula n. 182 do STJ, que dispõe: “É inviável o agravo
do art. 545 do Código de Processo Civil que deixa de atacar especifi camente os
fundamentos da decisão agravada.”
2. A capitalização mensal dos juros é admissível nos contratos bancários
celebrados a partir da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.2000),
desde que pactuada.
3. As instâncias ordinárias não se manifestaram acerca da expressa
pactuação da capitalização mensal de juros, o que impossibilita a sua cobrança,
já que, nesta esfera recursal extraordinária, não é possível a verifi cação de tal
requisito, sob pena de afrontar o disposto nas Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.
4. O Tribunal de origem afastou a capitalização mensal de juros com base
na inconstitucionalidade da MP n. 2.170-63. O recurso especial não constitui
via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de caracterizar
usurpação da competência do STF.
5. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa (AgRg no REsp n.
1.076.452-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24.8.2011- grifei).
Agravo regimental em agravo em recurso especial. Ação revisional. Contrato
de abertura de crédito em conta corrente. Capitalização mensal dos juros.
Falta de previsão negocial autorizando a prática reconhecida nas instâncias
ordinárias. Impossibilidade de reexame da matéria por importar novo
enfrentamento do quadro fático delineado na lide e interpretação de cláusulas
contratuais. Incidência das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ. Recurso desprovido (AgRg
no AREsp n. 11.483-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 29.11.2011 - grifei).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
298
Agravo regimental no agravo em recurso especial. Revisão contratual.
Possibilidade. Capitalização de juros. Ausência de pactuação. Súmula n. 5-STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacifi cou-se no sentido de que, aplicável o Código de
Defesa do Consumidor aos casos que envolvem relação de consumo, é permitida
a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante do fato de que o princípio
do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações, mormente ante os princípios da
boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual.
2. A jurisprudência desta eg. Corte pacifi cou-se no sentido de que a cobrança
da capitalização mensal de juros é admitida nos contratos bancários celebrados
a partir da edição da Medida Provisória n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n.
2.170-36/2001, qual seja, 31.3.2000, desde que expressamente pactuada. Na
hipótese em concreto, não há pactuação expressa acerca do referido encargo,
razão pela qual se aplica o Enunciado da Súmula n. 5-STJ.
3. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp n. 32.884-SC, Rel. Min. Raul
Araújo, DJe 1º.2.2012 - grifei).
Civil e Processual. Agravo regimental no recurso especial. Contrato de abertura
de crédito em conta corrente e renegociações. Limitação da taxa de juros.
Capitalização de juros. Comissão de permanência. Impossibilidade de cumulação
com demais encargos. Falta de interesse processual. Alegação dos recorrentes
que remontam o reexame de matéria contratual e fática, relativa à previsão
contratual de capitalização mensal de juros. Incidência das Súmulas n. 5 e n. 7 do
STJ. Decisão em conformidade com a jurisprudência do STJ.
1. A tese dos recorrentes é no sentido da ausência da previsão contratual de
capitalização mensal de juros, o que foi expressamente admitido nos autos, de
modo que a revisão do julgado impõe reexame do contrato e da matéria fática
dos autos, tarefa vedada pelo óbice dos Enunciados Sumulares n. 5 e n. 7 do
STJ.
2. Segundo o entendimento pacifi cado na 2ª Seção (AgRg no REsp n. 706.368-
RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 8.8.2005), a comissão de
permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos
remuneratórios ou moratórios.
3. A jurisprudência desta Corte é pacífi ca no sentido de que, nos contratos
bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao
ano, e de que não se pode aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base
na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso
concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado.
4. A capitalização mensal de juros somente é permitida em contratos
bancários celebrados posteriormente à edição da MP n. 1.963-17/2000, de
31.3.2000, e desde que expressamente pactuada.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 975.493-RS,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28.2.2012 - grifei).
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 299
Agravo regimental no agravo de instrumento. Bancário. Capitalização mensal
dos juros. Ausência de prévia pactuação. Impossibilidade. Questão pacifi cada no
âmbito do STJ. Súmula n. 83-STJ.
1. Nos contratos fi rmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, posteriormente à edição da MP n. 1.963-17/2000, de 31.3.2000,
reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é admitida a capitalização mensal de juros,
desde que expressamente pactuada. Precedentes.
2. Aplica-se o Verbete Sumular n. 83 do STJ na hipótese em que o
posicionamento expresso pelo Tribunal recorrido se coaduna com a jurisprudência
desta Corte.
3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag n. 867.739-GO,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 4.8.2011 - grifei).
Contrato bancário. Capitalização mensal de juros. Contratos anteriores à
Medida Provisória n. 1.963-17/2000. Impossibilidade de cobrança. Prescrição.
Matéria de ordem pública. Falta de prequestionamento. Súmula n. 282-STF.
1. Nos contratos bancários fi rmados posteriormente à entrada em vigor da
Medida Provisória n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita
a capitalização mensal de juros, desde que expressamente prevista no ajuste.
2. Mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício
em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em
recurso especial, se ausente o requisito do prequestionamento.
3. Agravo regimental provido para se conhecer parcialmente do recurso
especial e negar-lhe provimento (AgRg no Ag n. 1.090.095-SP, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJe 19.8.2011 - grifei).
Comercial e Processual Civil. Embargos declaratórios. Propósito nitidamente
infringente. Recebimento como agravo regimental. Ação revisional. Contratos
de abertura de crédito em conta corrente e cédula de crédito bancária. Juros
remuneratórios. Limitação. Taxa média apurada pelo Banco Central. Capitalização
mensal dos juros. MP n. 2.170-36. Ônus sucumbenciais. Compensação.
Improvimento.
I. A 2ª Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 715.894-PR (Relatora Ministra
Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 26.4.2006) entendeu que a ausência
do percentual contratado, contraposta pela inequívoca incidência de juros
remuneratórios no contrato, autoriza a aplicação da taxa média de mercado para
operações da espécie, à época da fi rmatura do ajuste.
II. Ao apreciar o REsp n. 602.068-RS, esta Corte fi rmou que nos contratos
fi rmados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-
17, revigorada pela MP n. 2.170-36, em vigência graças ao art. 2º da Emenda
Constitucional n. 32/2001, é admissível a capitalização dos juros em período
inferior a um ano.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
300
III. Quando ocorrer sucumbência parcial na ação, impõem-se a distribuição e
compensação de forma recíproca e proporcional dos honorários advocatícios, nos
termos do art. 21, caput, da lei processual.
IV. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, improvido este
(AgRg no REsp n. 1.105.641-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 24.3.2011 -
grifei).
Terceira Turma:
Agravo regimental. Recurso especial. Embargos do devedor. Execução. Cédula
de Crédito Rural. Omissão no acórdão recorrido. Inexistência. Prequestionamento.
Ausência. Capitalização mensal dos juros. Possibilidade.
1. - Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão,
contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide sido dirimida
com a devida e sufi ciente fundamentação; apenas não se adotando a tese do
recorrente. 535
2. - É inadmissível o recurso especial quanto à questão que não foi apreciada
pelo Tribunal de origem.
3. - “Os embargos do devedor constituem um meio de impedir a execução, não
de pedir; não se prestam para a tutela de pedido estranho ao título executivo, tal
como a aplicação da penalidade do artigo 940 do Código Civil” (AgRg nos EDcl no
REsp n. 915.621, PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ, 20.9.2007).
4. - Permite-se a capitalização mensal dos juros nas cédulas de crédito rural,
comercial e industrial (Decreto-Lei n. 167/1967 e Decreto-Lei n. 413/1969),
bem como nas demais operações realizadas pelas instituições financeiras
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que celebradas a partir da
publicação da Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.2000) e que pactuada.
5. - Agravo Regimental improvido (AgRg no Ag n. 1.150.316-RJ, Rel. Min. Sidnei
Beneti, DJe 13.3.2012 - grifei).
Bancário e Processo Civil. Agravo no agravo de instrumento. Recurso especial.
Taxa de juros remuneratórios. Capitalização de juros.
- É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações
excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade
(capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do
CDC) fi que cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em
concreto.
- É admissível a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários
celebrados a partir da publicação da MP n. 1.963-17 (31.3.2000), desde que
seja pactuada.
- Agravo no agravo de instrumento não provido (AgRg no Ag n. 1.371.651-RS,
Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 25.8.2011 - grifei).
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 301
Agravo regimental no agravo de instrumento. Revisional. Juros
remuneratórios. Limitação à taxa média de mercado. Acórdão recorrido em
harmonia com o entendimento desta Corte. Capitalização mensal dos juros.
Contratos firmados após a edição da MP n. 1.963-17, de 30 de março de
2000 (reeditada pela MP n. 2.170-36/2001). Ausência de prévia pactuação.
Cobrança. Impossibilidade. Mora. Existência de encargos abusivos no período da
normalidade. Descaracterização. Repetição do indébito. Prova do pagamento em
erro. Desnecessidade. Recurso improvido (AgRg no Ag n. 1.327.327-SC, Rel. Min.
Massami Uyeda, DJe 10.11.2011 - grifei).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Bancário. Ação revisional.
Capitalização mensal. Impossibilidade. Ausência de pactuação expressa.
1. Cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para os
contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva
publicação da MP n. 2.170-36/2001, desde que pactuada.
2. Não comprovação da pactuação no caso em tela, conforme consignado no
acórdão recorrido.
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no Ag n. 1.327.358-RS, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, DJe 29.2.2012 - grifei).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Contrato
bancário. Violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil. Inocorrência. Juros
remuneratórios. Taxa média de mercado. Abusividade. Observância de uma faixa
razoável para variação dos juros. Capitalização mensal. Impossibilidade de exame.
Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.
1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido,
ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao
julgamento da lide, não estando magistrado obrigado a rebater, um a um, os
argumentos deduzidos pelas partes.
2. Consoante fi rmado no voto condutor do REsp n. 1.061.530-RS, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22.10.2008, DJe 10.3.2009, o simples
fato de a taxa de juros remuneratórios contratada superar o valor médio do
mercado não implica seja considerada abusiva, tendo em vista que a adoção de
um valor fi xo desnaturaria a taxa, que, por defi nição, é uma “média”, exsurgindo,
pois, a necessidade de admitir-se uma faixa razoável para a variação dos juros.
3. O exame da existência ou não de ajuste para cobrança de capitalização
dos juros implicaria interpretação de cláusulas contratuais e revolvimento
da matéria de prova, procedimentos inadmissíveis no âmbito desta instância
especial. Incidência das Súmulas n. 5 e n. 7 desta Corte.
4. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos (AgRg no Ag n.
1.354.547-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 16.3.2012 - grifei).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
302
3.4. Ademais, este Tribunal Superior entende que, nos contratos bancários,
o art. 5º da MP n. 2.170-36/01 prevalece em relação ao art. 591 do CC/2002,
haja vista o caráter especial daquela norma, que especifi camente se refere às
“operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional”, sendo esta de cunho geral.
A propósito:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Contrato bancário. Revisão. Juros
remuneratórios. Capitalização mensal. Mora “debendi”.
1 - Face o disposto na Lei n. 4.595/1964, inaplicável a limitação dos juros
remuneratórios nos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional, (Súmula n. 596-STF), salvo nas hipóteses previstas em
legislação específi ca.
2 - É cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para
os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva
publicação da MP n. 2.170-36/2001, desde que pactuada, o que ocorre in casu,
não se aplicando o artigo 591 do Código Civil (REsp n. 602.068-RS e REsp n.
890.460-RS).
3 - A confi rmação da validade das cláusulas contratuais impõe a caracterização
da mora do devedor.
4 - Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 822.284-RS,
Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 1º.7.2011 - grifei).
Civil. Ação revisional. Contrato de fi nanciamento com garantia de alienação
fi duciária. Capitalização dos juros. Anualidade. Art. 591 do Código Civil de 2002.
Inaplicabilidade. Art. 5º da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (n. 2.170-36/2001).
Lei especial. Preponderância.
I. Não é aplicável aos contratos de mútuo bancário a periodicidade da
capitalização prevista no art. 591 do novo Código Civil, prevalecente a regra
especial do art. 5º, caput, da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (n. 2.170-
36/2001), que admite a incidência mensal.
II. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 890.460-RS, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, DJ 18.2.2008 - grifei).
Agravo regimental no recurso especial. Financiamento bancário.
Capitalização mensal dos juros. Discussão sobre eventual inconstitucionalidade.
Impossibilidade. Competência do STF. Contrato posterior à edição da MP n.
2.170-36. Previsão contratual demonstrada. Questão pacifi cada no âmbito da
Segunda Seção desta Corte. Art. 591, Código Civil/2002. Inaplicabilidade. Decisão
mantida em todos os seus termos. Inversão dos ônus sucumbenciais mantida.
Desprovimento.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 303
1 - Inicialmente, cumpre asseverar que, em sede de recurso especial, a
competência desta Corte Superior de Justiça limita-se à interpretação e
uniformização do Direito Infraconstitucional Federal, a teor do disposto no art.
105, III, da Carta Magna. Assim sendo, resta prejudicado o exame de eventual
inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 1.963-17 (atualmente MP n. 2.170-
36), sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal
Federal.
2 - No âmbito infraconstitucional, a eg. Segunda Seção deste Tribunal Superior
já proclamou o entendimento de que, nos contratos fi rmados por instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP n.
1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o n. 2.170-
36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente
pactuada, hipótese ocorrente in casu, conforme contrato juntado aos autos.
Precedente (REsp n. 603.643-RS).
3 - Quanto à alegada aplicação do art. 591, do Código Civil atual, esclareço
tratar-se de dispositivo de lei geral, que não alterou a MP n. 1.963-17/2000
(reeditada sob o n. 2.170-36/2001), específica sobre a matéria e, portanto,
ainda prevalece.
4 - Não há que se falar em redistribuição do ônus sucumbencial, tendo em vista
que a decisão restou mantida em todos os seus termos. Irretocável a inversão nos
termos fi xados na decisão ora agravada.
5 - Agravo Regimental desprovido (AgRg no REsp n. 714.510-RS, Rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJU de 22.8.2005 - grifei).
3.5. De outra parte, tratando-se de contrato regido pelo Código de Defesa
do Consumidor - CDC (Súmula n. 297-STJ), é certo que suas cláusulas devem
ser claras e transparentes, possibilitando ao consumidor o pleno conhecimento
das obrigações assumidas.
A respeito do tema, oportuna a reprodução do art. 4º, I, do CDC, cujo teor
é o seguinte:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da
sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei n. 9.008, de
21.3.1995).
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo;
A vulnerabilidade inerente ao consumidor deve ser sopesada de modo a
evitar desequilíbrio nas relações de consumo.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
304
A professora Cláudia Lima Marques esclarece que há três tipos de
vulnerabilidade: técnica, fática e jurídica. Ao discorrer sobre as duas últimas,
assinala:
A vulnerabilidade fática é aquela desproporção fática de forças, intelectuais
e econômicas, que caracteriza a relação de consumo. Já a vulnerabilidade
jurídica ou científi ca foi identifi cada e protegida pela Corte Suprema Alemã,
nos contratos de empréstimo bancário e financiamento, afirmando que o
consumidor não teria suficiente “experiência ou conhecimento econômico,
nem a possibilidade de recorrer a um especialista”. É a falta de conhecimentos
jurídicos específi cos, de conhecimentos de contabilidade ou de economia. Esta
vulnerabilidade, no sistema do CDC, é presumida para o consumidor não-
profi ssional e para o consumidor pessoa física.(...)
Considere-se, pois, a importância desta presunção de vulnerabilidade jurídica
do agente consumidor (não-profi ssional) como fonte irradiadora de deveres
de informação do fornecedor sobre o conteúdo do contrato, em face hoje da
complexidade da relação contratual conexa e dos seus múltiplos vínculos
cativos (por exemplo, vários contratos bancários em um formulário, vínculos
com várias pessoas jurídicas em um contrato de planos de saúde) e da redação
clara deste contrato, especialmente o massifi cado e de adesão (in Comentários
ao Código de Defesa do Consumidor, Claudia Lima Marques, Antônio Herman V.
Benjamin, Bruno Miragem - 2ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.
145 - grifei).
Levando em consideração a vulnerabilidade do consumidor, o legislador
houve por bem estatuir a necessidade de informações adequadas e claras sobre
os produtos e serviços oferecidos. É o que se constata no inciso III do art. 6º do
CDC, ora transcrito:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade
e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Ainda sobre a necessidade de clareza das disposições contratuais,
importante salientar o art. 46 do mesmo Codex, que estabelece:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de
modo a difi cultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 305
Quanto ao trecho em relevo, Rizzato Nunes desenvolve o seguinte
pensamento, articulando com os arts. 30, 31 e 54 do CDC:
Quanto ao item b, diga-se que a avaliação da redação que dificulte a
compreensão do sentido e alcance da cláusula independe da verificação da
intenção do fornecedor. O pressuposto da clareza é absoluto, e não só decorre
do princípio da boa-fé objetiva com todos os seus refl exos como está atrelado
ao fenômeno da oferta, regulado nos arts. 30 e s., sendo que o art. 31 é taxativo
ao designar que qualquer informação (que compõe o contrato por força do art.
30) deve ser correta, clara, precisa, ostensiva etc. E ainda que assim não fosse,
para que não reste qualquer dúvida, o § 3º do art. 54, que cuida do contrato de
adesão, dispõe no mesmo sentido, verbis:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modifi car substancialmente seu conteúdo (...).
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não
será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo
consumidor (in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 637 - grifei).
As regras mencionadas servem de diretrizes para aferir a presença ou não
de pactuação expressa acerca da capitalização mensal, permitida, com já dito, nos
contratos bancários fi rmados após 31.3.2000.
Não se pode perder de vista a questão social advinda do fato de que, no
Brasil, o mercado de consumo é formado por elevado número de pessoas com
pouca instrução que, indubitavelmente, necessitam da estrita observância dos
preceptivos consumeristas por parte do fornecedor, na espécie, das instituições
fi nanceiras.
O eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em sua obra
Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor,
ao dissertar sobre o dever de informação, asseverou, com propriedade:
Não bastam instruções em letras minúsculas ou em folhetos ilegíveis, devendo
as informações e advertências ser prestadas com clareza. No Brasil, como país
em vias de desenvolvimento, a necessidade de prestação de informações claras
pelos fornecedores assume um relevo especial, em face do grande número de
pessoas analfabetas ou com baixo nível de instrução que estão inseridas no
mercado de consumo. As informações devem ser prestadas em linguagem de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
306
fácil compreensão, enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno
de situações de maior risco” (3ª ed, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 152).
Assim, releva notar que muitos dos recursos que ascendem a esta Corte
insurgem-se contra acórdãos que consideram presente a expressa pactuação de
capitalização mensal, quando constam do contrato as taxas mensal e anual de
juros, e esta é superior ao duodécuplo daquela.
A meu ver, o voto proferido no REsp n. 895.424-RS bem soluciona a
questão:
Agravo regimental. Recurso especial. Capitalização mensal de juros. Ausência
de pactuação expressa. Incidência das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ. Agravo
regimental improvido.
1. Nos termos da MP n. 2.170/01, é admissível a capitalização mensal de juros
quando expressamente pactuada, o que não ocorre nos autos.
2. Não é sufi ciente que a capitalização mensal de juros tenha sido pactuada,
sendo imprescindível que tenha sido de forma expressa, clara, de modo a garantir
que o contratante tenha a plena ciência dos encargos acordados; no caso, apenas
as taxas de juros mensal simples e anual estão, em tese, expressas no contrato,
mas não a capitalizada.
3. Revisão do conjunto probatório e de cláusulas contratuais inadmissíveis no
âmbito do recurso especial (Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ).
4. Agravo regimental improvido (Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 20.8.2007).
Os fundamentos que serviram de espeque ao precedente destacado foram
os seguintes:
2. Compulsando-se estes autos, verifi ca-se que, de fato, não consta informação
na sentença, tampouco no acórdão, acerca da existência da pactuação expressa
da capitalização mensal.
Ressalte-se que para fins de incidência do que dispõe a MP n. 2.170/01,
conforme reiterado entendimento desta Corte Superior, não é sufi ciente que a
capitalização mensal de juros tenha sido pactuada, sendo imprescindível que
a pactuação tenha sido de forma expressa, clara, de modo a garantir que o
contratante tenha a plena ciência dos encargos contratados.
Nesse sentido:
Civil e Processual. Agravo regimental. Ação revisional de contratos de
abertura de crédito em conta corrente e mútuo. Capitalização mensal dos
juros. Ausência de pactuação expressa. Súmulas n. 5 e n. 7 STJ. Incidência.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 307
I. Admissível a capitalização mensal de juros quando expressamente
pactuada, o que não ocorre nos autos, conforme cognição das instâncias
ordinárias. II. Revisão do conjunto probatório e de cláusulas contratuais
inadmissíveis no âmbito do recurso especial (Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ). III.
Agravo desprovido. (AgRg no REsp n. 836.078-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho
Junior, DJ 21.8.2006).
Dessarte, na espécie dos autos, o ora agravado terá que dividir a taxa de
juros anual por 12 meses, do resultado subtrair a taxa de juros mensal, para que,
enfi m, saiba exatamente qual é o percentual de juros capitalizados mensalmente.
Portanto, resta patente que apenas as taxas de juros mensal simples e anual estão,
em tese, expressas no contrato, mas não a capitalizada, conforme demonstrado.
Sendo assim, não merece prosperar a irresignação do agravante, pois
a impossibilidade de acolhimento do pedido, quanto à capitalização mensal
de juros, pautou-se na ausência de especificação no v. acórdão recorrido da
expressa pactuação do referido encargo, de forma que não é admissível na esfera
recursal extraordinária a análise do instrumento contratual para constatar a citada
pactuação, sob pena de afrontar o disposto no Enunciado n. 5, da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
No mesmo sentido: EDcl no AgRg, no REsp n. 1.272.550-RS, DJe
16.4.2012; EDcl no AgRg n. 1.272.121-RS, DJe 16.4.2012; e EDcl no AgRg n.
1.271.613-RS, DJe 16.4.2012 (todos de minha relatoria).
3.6. Ante o exposto, fi xo as seguintes teses para efeito do art. 543-C do
CPC:
a) é permitida a capitalização mensal de juros nos contratos bancários
fi rmados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-
17/00, desde que expressamente pactuada.
b) a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa,
portanto é necessário que o contrato seja transparente e claro o sufi ciente a
ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de Defesa do
Consumidor.
4. Análise das demais questões tratadas no recurso especial:
4.1. De início, quanto à alegada violação do art. 535 do CPC, verifi ca-se
que o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio de maneira clara
e fundamentada, afi gurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as
alegações expendidas pelas partes.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
308
Com efeito, ao órgão julgador basta declinar as razões jurídicas que
embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específi co a
determinados preceitos legais.
Além disso, não configura omissão a adoção de fundamento diverso
daquele perquirido pela parte.
4.2. Segundo a jurisprudência pacífi ca desta Corte, confi rmada, inclusive,
em apelo apreciado sob o enfoque do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.061.530-RS,
Rel. Min. Nancy Andrighi), os juros remuneratórios cobrados pelas instituições
fi nanceiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto n. 22.626/1933 (Lei de
Usura), a teor do disposto na Súmula n. 596-STF, de forma que a abusividade da
pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada
caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos,
sendo insufi ciente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver
estabilidade infl acionária no período, o que não ocorreu no caso dos autos.
No mesmo sentido, vale destacar os seguintes julgados desta Corte: AgRg
no REsp n. 782.895-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ de
1º.7.2008; AgRg no Ag n. 951.090-DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta
Turma, DJ de 25.2.2008; AgRg no REsp n. 878.911-RS, Rel. Min. Hélio
Quaglia Barbosa, Quarta Turma, DJ de 8.10.2007.
4.3. Consoante entendimento assente na Segunda Seção desta Corte
Superior, admite-se a comissão de permanência durante o período de
inadimplemento contratual, à taxa média dos juros de mercado, limitada ao
percentual fi xado no contrato (Súmula n. 294-STJ), desde que não cumulada
com a correção monetária (Súmula n. 30-STJ), com os juros remuneratórios
(Súmula n. 296-STJ) e moratórios, nem com a multa contratual.
Dentre inúmeros, observem-se os seguintes julgados: AgRg no REsp n.
1.057.319-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 3.9.2008;
AgRg no REsp n. 929.544-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ
de 1º.7.2008; REsp n. 906.054-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta
Turma, DJ de 10.3.2008; e AgRg no REsp n. 986.508-RS, Rel. Min. Ari
Pargendler, Terceira Turma, DJ de 5.8.2008.
Nessa esteira, há de mantida a incidência da comissão de permanência, e
afastada a cobrança de juros de mora e multa no período de inadimplência.
4.4. De acordo com a remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 309
que verifi cado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de
quem o receber, independentemente da comprovação do erro.
Precedentes: AgRg no REsp n. 1.026.215-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJ de 28.5.2008; AgRg no REsp n. 1.013.058-RS, Rel. Min.
Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ de 11.4.2008; AgRg no Ag n. 953.299-RS,
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 3.3.2008.
4.5. Quanto à capitalização, no caso em apreciação, embora o acórdão não
registre a data em que o contrato foi estipulado, ambas as partes concordam que
tal fato ocorreu no ano de 2003, ou seja, quando já em vigor a MP n. 2.170-
36/01 (vide petição inicial e recurso especial). Sendo incontroverso esse ponto,
mostra-se permitida a capitalização mensal dos juros, se pactuada.
No que se refere à existência de expressa estipulação, o acórdão recorrido
entendeu que houve capitalização mensal simplesmente por ter sido fi xada a
taxa mensal de 3,16% e a taxa anual de 45,25664%.
Além disso, reputou vedada a aludida capitalização, com fundamento na
Lei de Usura, no art. 591 do CC/2002 e na inconstitucionalidade da MP n.
2.170-36/2001.
Conforme os fundamentos desenvolvidos neste voto, embora seja
permitida a capitalização mensal, o contrato, posterior a 31.3.2000 deve trazer
expressamente consignadas as informações necessárias à compreensão da
existência de tal forma de incidência de juros.
Porém, em razão do óbice das Súmulas n. 5 e n. 7 do STJ, não é possível
efetuar a interpretação das cláusulas contratuais nem revolver matéria fática, o
que seria necessário para aferir a observância das determinações do Código de
Defesa do Consumidor na espécie em exame.
5. No caso concreto, dou provimento parcial ao recurso especial para expungir
a limitação dos juros remuneratórios, bem como para manter a comissão de
permanência como prevista no contrato, afastando, contudo, a cobrança de juros
de mora e de multa contratual no período de inadimplência.
É como voto.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Trata-se, na origem, de ação ordinária
ajuizada por João Felipe Zanella Felizardo, em face do Banco Sudameris Brasil
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
310
S/A, por meio da qual pretende seja revisado contrato de fi nanciamento para
aquisição de veículo. Pelo empréstimo de R$ 7.076,02, comprometeu-se a
pagar 36 prestações mensais fi xas, no valor de R$ 331,83 cada, no período de
21.8.2003 a 21.7.2006.
Pagou apenas as duas primeiras prestações. Diante da inadimplência, o
Banco ajuizou, em abril de 2004, ação de busca e apreensão do veículo. Em
maio de 2004, o autor ingressou com a presente ação, na qual postula sejam
declaradas nulas cláusulas que entende abusivas, requerendo sejam limitados os
juros remuneratórios (contratados em 3,16% ao mês e 45,25% ao ano) a 12%
ao ano; seja vedada a capitalização mensal de juros e afi rmada a impossibilidade
de cumulação da correção monetária com a comissão de permanência. Como
consequência da revisão pretendida, pede seja determinada a “consignação das
(34) prestações restantes e que atualmente montam em R$ 199,72 (cento e
noventa e nove reais, setenta e dois centavos) cada uma, acrescidas ainda de
correção monetária e juros constitucionais de 1% ao mês (...)” (fl . 15).
A sentença julgou improcedente o pedido. Sobre a alegação de capitalização,
afi rmou o Juiz Oyama Assis Brasil de Moraes: “Destaco que não há que se falar
em capitalização de juros, pois o contrato em discussão prevê juros prefi xados
(...)” (fl . 86).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da apelação,
quanto à capitalização, afi rmou que “o exame do contrato mostra que foram
pactuados juros de 3,16% ao mês e 45,25664% ao ano (fl . 16 dos autos da ação
de busca e apreensão convertida em depósito), o que demonstra a prática de
cobrança de juros sobre juros mensalmente.” De qualquer forma, considerou
que “mesmo que pactuada a capitalização mensal de juros, esta é inconcebível,
eis que o artigo 4º do Decreto n. 22.262/1933 não foi revogado pela Lei n.
4.595/1964”. Quanto à MP n. 2.170/36, reputou-a inconstitucional (questão
objeto de recurso extraordinário). Considerou admissível a capitalização anual,
com base no art. 591 do Código Civil de 2002 (fl s. 145-148).
O voto vencido, da lavra do Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, na
mesma linha da sentença, assentou: “Contudo, trata-se, na espécie de contrato
com prestações de valor pré-fi xado, acrescidas de juros compostos, modalidade
de capitalização cujo afastamento não é viável, dado que empregada, no sistema
fi nanceiro tanto para a concessão de mútuos e fi nanciamentos, quanto para a
remuneração das diversas operações através das quais as instituições fi nanceiras
captam recursos no mercado. Precisamente por isso encontra permissivo em
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 311
nosso direito, conforme se depreende da leitura do art. 5º da Medida Provisória
n. 2.170-36. Nem haveria, de qualquer forma, sentido prático em proibir a
utilização de juros compostos exercido controle sobre sua eventual excessiva
onerosidade, como ocorre neste caso.” (fl . 151).
Em síntese, decidiu, por maioria, o acórdão: “inexistindo previsão legal,
é incabível a capitalização mensal de juros, em contrato de fi nanciamento
garantido por alienação fi duciária, devendo incidir a anual, nos termos do art.
591 do Código Civil”. Considerando a existência de encargos abusivos, foi
afastada a mora e decretada a improcedência da busca e apreensão.
O acórdão tomado do julgamento dos embargos infringentes, relator
o Desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery, além de afirmar a
inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.170-36, considerou que, no
caso, seria vedada a cobrança da capitalização de juros por ausência de expressa
disposição contratual, dado que “a falta de indicação adequada e clara sobre a
incidência de capitalização de juros e, tampouco, especifi cação da periodicidade
em que é cobrada (mensal, semestral ou anual) viola o princípio da boa-fé
objetiva e do direito básico do consumidor à informação (inciso III do art. 6º do
CDC).” (fl s. 196-203).
O recurso especial (fl s. 208-244) sustenta, entre outros pontos, a legalidade
da pactuação de capitalização mensal de juros. Argumenta que “a vedação à
capitalização de juros sobre juros (...) apenas prejudica a necessária transparência
que deve haver nos contratos fi nanceiros por forçar os bancos a embutir nas
taxas nominais de juros um adicional equivalente à capitalização”. Friza que,
no mercado fi nanceiro internacional, a não capitalização de juros mostra-se
como exceção que deve ser expressamente estipulada, por estranha à boa técnica
bancária e que, conforme a Exposição de Motivos da Medida Provisória n.
1.963-17, “ao captar recursos as instituições nacionais remuneram os aplicadores
com juros capitalizados. Até mesmo os depósitos da população para pequenos
valores (v.g. caderneta de poupança) rendem juros capitalizados.” (...) Acrescenta
que, no caso, “mostra-se incabível o seu afastamento, haja vista que os juros
contratados foram em valores prefi xados, de pleno conhecimento do Recorrido, pois
calculados com base na taxa anual constante do contrato.”
Foi interposto, também, recurso extraordinário, sendo ambos admitidos.
Assim delimitada a controvérsia, passo a apreciar a questão referente à
capitalização de juros, a única a respeito da qual será estabelecida tese para os
efeitos do art. 543-C do CPC.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
312
Acompanho o voto do relator, Ministro Luís Felipe Salomão, no que toca
à inexistência de impedimento ao exame do recurso especial, em que pese a
repercussão geral da matéria reconhecida pelo STF no julgamento do RE n.
592.377-RS, já que serão examinados no recurso especial apenas os aspectos
infraconstitucionais da causa.
Igualmente adiro ao seu entendimento no sentido da possibilidade de
“capitalização mensal nos contratos bancários fi rmados após 31.3.2000, data
da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/00, desde que expressamente.
pactuada”, primeira das teses assentadas para o efeito do art. 543-C do CPC
no item 3.6 do seu douto voto. Conforme exaustivamente demonstrado pelo
eminente relator, a jurisprudência de ambas as Turmas da 2ª Seção é unânime
quanto à prevalência do art. 5º da referida medida provisória em relação ao art.
591 do Código de 2002.
Neste ponto, assinalo que o art. 5º da Medida Provisória n. 1.963-17/00
tornou admissível nas operações realizadas pelas instituições integrantes
do Sistema Financeiro Nacional “a pactuação de capitalização de juros com
periodicidade inferior a um ano”; vale dizer, no contrato bancário poderá ser
pactuada a capitalização semestral, trimestral, mensal, diária, contínua etc. O
intervalo da capitalização deverá ser expressamente defi nido pelas partes do
contrato. Diversa é a disciplina legislativa dos contratos vinculados ao Sistema
Financeiro da Habitação, “a qual somente em recente alteração legislativa (Lei
n. 11.977 de 7 de julho de 2009), previu o cômputo capitalizado de juros em
periodicidade mensal” (2ª Seção, Recurso Especial n. 1.070.297, submetido
ao rito do art. 543-C do CPC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe
18.9.2009 e 2ª Seção, Recurso Especial n. 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012, de
minha relatoria, no qual ficou decidido, em esclarecimento ao acórdão do
Recurso Especial n. 1.070.297, que a capitalização anual já era admitida, como
regra geral que independe de pactuação expressa, pelo Decreto n. 22.626/1933,
antes, portanto, da Lei n. 11.977/2009).
Note-se que o art. 15-A da Lei n. 4.380/1964, com a redação dada pela
Lei n. 11.977/2009, dispõe ser “permitida a pactuação de capitalização de juros
com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas instituições integrantes
do Sistema Financeiro da Habitação - SFH.”
Em síntese, desde 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória
n. 1.963-17/00, admite-se, nos contratos bancários em geral, a pactuação de
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (a mensal, inclusive);
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 313
salvo nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, em relação aos quais
até a edição da Lei n. 11.977/2009 somente era permitida a capitalização anual,
passando, a partir de então, a ser admitida apenas pactuação de capitalização de
juros com periodicidade mensal, excluída, portanto, a legalidade de pactuação em
intervalo diário ou contínuo.
II
O motivo de meu pedido de vista foi a tese assim sintetizada no item 3.6,
alínea b, do voto do relator: “a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida
de forma expressa, portanto, é necessário que o contrato seja transparente e claro
o sufi ciente a ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de
Defesa do Consumidor.”
Não tenho dúvida alguma em aderir às premissas tão bem expostas pelo
relator, amparado na doutrina de Cláudia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo
de Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancário
seja transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnerável
não apenas economicamente, mas sobretudo sem experiência e conhecimento
econômico, contábil, fi nanceiro, entenda, sem esforço ou difi culdade alguma,
o conteúdo, o valor e a extensão das obrigações assumidas. A pactuação de
capitalização de juros deve ser expressa. A taxa de juros deve estar claramente
defi nida no contrato. A periodicidade da capitalização também. Sobretudo, não
deve pairar dúvida alguma acerca do valor da dívida, dos prazos para pagamento
e dos encargos respectivos.
O que se deve entender, todavia, por “capitalização de juros”, admitida
pela Lei de Usura (Decreto n. 22.626/1933) apenas em intervalo anual; cuja
pactuação em periodicidade inferior a um ano passou a ser permitida pela MP
n. 1.963-17/00 (atual MP n. 2.170-36)?
Qual o conceito jurídico de capitalização de juros? Haveria identidade, no
sistema jurídico vigente, entre os termos “capitalização de juros”, “anatocismo”,
“juros compostos”?
A pactuação expressa de taxa efetiva em percentual superior ao da taxa
nominal signifi caria capitalização de juros vedada pela Lei de Usura, apenas
permitida mediante expressa pactuação a partir da entrada em vigor da MP
n. 1.963-17/00 atual MP n. 2.170-36? Sendo este o conceito jurídico da
capitalização, seria sufi ciente, ao perfeito esclarecimento do devedor, e, portanto,
à validade do contrato, a menção expressa ao percentual da taxa mensal e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
314
anual, sendo esta superior a doze vezes a mensal (4ª Turma, AgRg no REsp
n. 1.231.210-RS, rel. Ministro Raul Araújo, DJe 1º.8.2011, unânime; REsp n.
1.220.930, rel. Ministro Massami Uyeda, decisão singular, DJe 9.2.2011; AgRg
no REsp n. 809.882-RS, rel. Ministro Aldir Passarinho, decisão singular, DJ
24.4.2006; 4ª Turma, AgRg no REsp n. 735.711-RS, rel. Ministro Fernando
Gonçalves, unânime, DJ 12.9.2005; 4ª Turma, AgRg no REsp n. 714.510-RS,
rel. Ministro Jorge Scartezzini, unânime, DJ 22.8.2005)? Ou, ao contrário, a
pactuação expressa da taxa efetiva superior ao duodécuplo da taxa mensal não
seria sufi ciente para informar o devedor a respeito da capitalização e, portanto,
seria inválida a pactuação (4ª Turma, AgRg no REsp n. 1.306.559-RS, rel.
Ministro Luís Felipe Salomão, unânime, DJe 27.4.2012 e 3ª Turma, REsp n.
1.302.738-SC, rel. Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJe 10.5.2012)?
Verifi ca-se, portanto, que a unanimidade tão bem demonstrada pelo relator
no sentido da legalidade da pactuação expressa da capitalização mensal de juros
nos contratos bancários posteriores a 31.3.2000 não existe a propósito do que se
deva entender como adequada forma de pactuar a capitalização.
Para expor meu entendimento sobre a questão, começo por extrair do
sistema jurídico pátrio - mediante a análise não apenas da literalidade das leis,
mas sobretudo da respectiva interpretação consolidada pela jurisprudência deste
Tribunal - o conceito jurídico do que seja a capitalização de juros vedada em
intervalo inferior ao anual pela Lei de Usura e, atualmente, admitida pela MP n.
2.170-36, desde que expressamente pactuada.
A propósito da importância do estabelecimento dos conceitos presentes
nas normas jurídicas, invoco a preciosa lição de San Tiago Dantas:
Em primeiro lugar, submete as normas a um tratamento indutivo, para
evidenciar os princípios que nelas se acham inclusos. As normas jurídicas que a
primeira vista são desligadas entre si, desde que nós nos ponhamos a raciocinar
sobre elas, começam a evidenciar parentesco.
(...)
O segundo trabalho do dogmatista é fixar os conceitos com que são
construídas as normas. Toda a norma jurídica emprega idéias que são constantes
dentro do mesmo sistema de normas. Quando abrem uma lei que se promulga e
que contém uma frase dizendo “o dano será composto assim”; e depois outra lei,
nas compilações, diz: “no dano observar-se-á tal regra”, deverão saber se a palavra
dano signifi ca a mesma coisa nesta e na outra lei, se existe este conceito técnico
de dano na legislação e, se porventura a lei empregar a palavra noutro sentido,
precisar que numa lei é isto e na outra é diferente. É preciso construir os conceitos.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 315
(...)
O jurista, além de fi xar os conceitos de dogmática, tem de fi xar a terminologia.
(...)
O Direito não dispensa grande estudo dos termos, porque um erro de termos
conduz a um erro de direito. A linguagem está para o jurista como o desenho
para o arquiteto. A única maneira de exprimir as categorias lógicas com que ele
trabalha é fi xar a terminologia, outra preocupação da dogmática. (“Programa de
Direito Civil”, Teoria Geral, Forense, 3ª edição, 2001, p. 7-8).
Cumpre, portanto, defi nir o conceito de capitalização de juros no sistema
jurídico brasileiro.
O texto legal a ser tomado como ponto de partida para a análise do
significado de “capitalização”, em nosso sistema jurídico, é o Decreto n.
22.626/1933, o qual assim dispõe:
Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer
contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1.062).
Art. 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a
acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a
ano.
O Decreto n. 22.626/1933, também conhecido como “Lei de Usura”,
estabeleceu, portanto, duas restrições à liberdade pactuar de taxa de juros: no art.
1º limitou o percentual ao máximo de 12% ao ano (dobro da taxa legal prevista
no Código de 1916) e, no art. 4º, proibiu a contagem de “juros dos juros”, salvo
a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a
ano”.
O limite previsto no art. 1º ainda está em vigor, não se aplicando, todavia,
às instituições fi nanceiras, conforme jurisprudência consolidada na Súmula n.
596 do STF, segundo a qual “as disposições do Decreto n. 22.626 de 1933 não
se aplicam às taxas de juros e outros encargos cobrados nas operações realizadas
por instituições públicas ou privadas, que integrem o Sistema Financeiro
Nacional.” Também o STJ consolidou o entendimento de que “A estipulação de
juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”
(Súmula n. 382) e de que “são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos
de mútuo bancários as disposições do art. 591 c.c. art. 406 do CC/2002” (2ª
Seção do STJ no REsp n. 1.061.530, relatora Ministra Nancy Andrighi).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
316
Havendo abuso na fi xação contratual das taxas de juros, deverá ser comprovado
caso a caso, e invalidado pelo Judiciário com base no Código de Defesa do
Consumidor e no princípio que veda o enriquecimento sem causa.
Vale dizer, para as instituições fi nanceiras, não há limite legal fi xo; a taxa
de juros passível de estipulação contratual legítima varia conforme a conjuntura
econômica, podendo ser invalidada pelo Judiciário em caso de comprovado
abuso.
A segunda ordem de restrição, contida no art. 4º (proibição da “contagem
de juros dos juros, salvo a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos
em conta corrente de ano a ano”), é a base legal da Súmula n. 121 do STF,
segundo a qual “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente
pactuada”. Esta restrição, até março do ano 2000, aplicava-se, na linha da pacífi ca
jurisprudência, também às instituições fi nanceiras, salvo permissão legal prevista
em legislação especial, como ocorre com as cédulas de crédito rural, industrial,
comercial (Súmula n. 93-STJ). A partir da entrada em vigor da MP n. 1.963/00
(atual MP n. 2.170/01), passou a ser legalmente admitida a pactuação expressa
da capitalização de juros em intervalo inferior ao anual.
Vejamos o que se entende por capitalização de juros.
O Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva assim defi ne:
Capitalização. Segundo sua origem, tomado em acepção própria,
capitalização, seja no sentido jurídico, seja no sentido econômico, quer signifi car
a conversão dos rendimentos ou dos frutos de um capital, em capital, unindo-se
tais frutos ao principal, para se igualarem ou se acumularem a ele.
Desse modo, a capitalização mostra-se a gênese de novo capital, que se vem
anexar ou acumular ao primitivo, de onde se produziu, para aumentar a sua soma.
A capitalização ocorre segundo se ajustar, pois que, não havendo ajuste ou
convenção, em regra não se opera a capitalização, isto é, os juros ou as rendas não
se acumulam ao capital.
Capitalização. Em acepção especial também se chama de capitalização ao
cálculo do valor-capital de um bem produtivo, isto é, a estimação de sua valia ou
de seu preço (capital), tendo-se em conta as suas rendas já vencidas e que nele se
computam para efeito desta avaliação.
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume I, p. 373).
O mesmo Vocabulário defi ne anatocismo como sinônimo de capitalização:
Anatocismo. É vocábulo que nos vêm do latim anatocismus, de origem grega,
signifi cando usura, prêmio composto ou capitalizado.
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 317
Desse modo vem signifi car a contagem ou cobrança de juros sobre juros.
A cobrança ou exigência de juros sobre juros acumulados não é admitida,
desde que, resultante de contrato, não exista estipulação que a permita.
Quer isso dizer que a capitalização de juros, isto é, a incorporação dos juros
vencidos ao capital, e a cobrança de juros sobre o capital assim capitalizado,
somente tem apoio legal quando há estipulação que a autorize.
Desde que não haja esta estipulação, os juros não se capitalizam e, em
consequência, não renderão para o credor juros contados sobre eles, mesmo
vencidos e escriturados na conta do devedor.
Quando se trata, porém, de juros contados em conta corrente, o próprio
Direito Comercial (art. 253) permite a acumulação dos juros vencidos aos saldos
liquidados de ano a ano, e, em tal caso, se permite a contagem posterior dos juros
sobre os saldos então apurados.
O próprio Cód. Civil brasileiro, em seu art. 1.262, permitiu a capitalização.
Havendo convenção, embora o Código fale em capitalização anual, a contagem
dos juros sobre os juros acumulados pode ser permitida semestralmente.
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume I, p. 151).
Nos verbetes “juros compostos” e “juros acumulados”, o Vocabulário de Plácido
e Silva limita-se a fazer remissão ao verbete “juros capitalizados”, o qual tem o
seguinte texto:
Juros capitalizados: Expressão usada na técnica do comércio para designar os
juros devidos e já vencidos que, periodicamente, se incorporam ao principal, isto é,
se unem ao capital representativo da dívida ou obrigação, para constituírem um
novo total.
São, assim, juros que se integraram no capital, perdendo sua primitiva
qualidade de frutos, para se apresentarem na soma do capital assim constituído.
E, neste caso, se capitalizáveis, em virtude de estipulação ou determinação
legal, passam como parcela do capital a produzir frutos, tal qual ele.
Dizem-se, também, juros compostos, em oposição aos que não se acumulam,
que se dizem juros simples.
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume III, p. 36).
O voto do Ministro Luís Felipe Salomão, valendo-se da doutrina de
Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru Nishiyama, defi ne juros
capitalizados como “juros devidos e já vencidos que, periodicamente (v.g., mensal,
semestral ou anualmente), se incorporam ao valor principal (in Contratos
Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da Matemática Financeira para
Advogados, Editora Atlas S/A, São Paulo: 2007, p. 36).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
318
De todas essas defi nições, extrai-se que a noção jurídica de “capitalização”,
de “anatocismo”, de “juros capitalizados”, de “juros compostos”, de juros
acumulados, tratados como sinônimos, está ligada à circunstância de serem os
juros vencidos e, portanto, devidos, que se incorporam periodicamente ao capital;
vale dizer, não é conceito matemático abstrato, divorciado do decurso do tempo
contratado para adimplemento da obrigação. O pressuposto da capitalização é
que, vencido o período ajustado (mensal, semestral, anual), os juros não pagos
sejam incorporados ao capital e sobre eles passem a incidir novos juros.
Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática fi nanceira, de
“taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”. Dizem respeito ao processo
matemático de formação da taxa de juros cobrada. Com o uso desses métodos
calcula-se a equivalência das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes). Quando a
taxa é apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do período de
capitalização diz-se que a taxa é nominal; quando a unidade de tempo coincide
com a unidade do período de capitalização a taxa é a efetiva. Por exemplo, uma
taxa nominal 12% ao ano, sendo a capitalização dos juros feita mensalmente.
Neste caso, a taxa efetiva é de 1% ao mês, o que é equivalente a uma taxa efetiva
de 12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalização apenas anual,
a taxa de 12% será a taxa efetiva anual.
Extraio de trabalho de autoria de Teotônio Costa Rezende publicado no
site da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (www.ufrrj.br/posgrad/
ppgem/03/64.pdf ) as seguintes noções: (1) em um prazo inferior ao período
de tempo da taxa (ex: período de 15 dias para uma taxa de juros mensal), o
montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples é maior do
que o montante dos juros compostos. Este fato é resultante da transformação
da taxa para períodos menores por meio de taxas proporcionais; (2) no prazo
igual ao período da taxa (por exemplo taxa de juros mensal, com juros apurados
mensalmente) o montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples
é igual ao dos juros compostos, não havendo distorções; (3) num prazo superior
ao período de tempo da taxa (por exemplo, período de 6 meses e taxa de juros
mensal), o montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples é
menor do que o montante dos juros calculados no modelo de juros compostos.
A diferença é tanto maior, quanto for o período considerado. Essas assertivas
somente são válidas se os juros forem apurados a cada período, porém quitados
no fi nal do prazo.
Teotônio Costa Rezende também esclarece: “É comum recebermos
cálculos mirabolantes, onde se pretende demonstrar que uma taxa de juros
anual se multiplica várias vezes se a capitalização passar a ser mensal (por
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 319
exemplo: uma taxa de 12,0% a.a. passaria para 144% etc). Na verdade, o critério
de capitalização se apura através de exponenciação e não de multiplicação.
Se começarmos a simular taxas capitalizadas anualmente, semestralmente,
mensalmente, diariamente e continuamente, seremos surpreendidos pelos
resultados, uma vez que a diferença entre estas irá fi cando cada vez menor, até
atingir um limite”. E após descrever a fórmula matemática para a apuração
da taxa efetiva, esclarece que à medida que se aumenta o “n” (períodos de
capitalização) do divisor da taxa nominal, também se aumenta o “n” exponencial,
ou seja, o número a ser potencializado torna-se cada vez menor. E prossegue:
“A título de exemplo, veja o que acontece com a maior taxa nominal de juros
que praticamos no crédito imobiliário, ou seja, 12,0% a.a. Se capitalizada
semestralmente = 12,360% a.a; mensalmente, corresponde a 12,683% a.a.;
diariamente = 12,747% a.a e continuamente = 12,750% a.a. Nota-se que a
mudança de anual para semestral implicou em um acréscimo de 0,36 pontos
percentuais; de semestral para mensal de 0,32 pontos percentuais; de mensal
para diário de 0,06 pontos percentuais e de diário para contínuo praticamente
não existe diferença. Duas lições precisam ser extraídas destes comentários:
primeiro - o fato de as taxas serem capitalizadas não traz nenhuma mudança
astronômica entre taxa nominal e efetiva; segundo - à medida que se aumenta
os períodos de capitalização, reduz-se o impacto em termos de proporção do
crescimento da taxa efetiva.”
Em síntese, o processo composto de formação da taxa de juros é método abstrato
de matemática fi nanceira, utilizado para a própria formação da taxa de juros a
ser contratada, e, portanto, prévio ao início de cumprimento das obrigações
contratuais. A taxa nominal de juros, em período superior ao período de
capitalização (vg, taxa anual, capitalizada mensalmente), equivale a uma taxa
efetiva mais alta. Pode o contrato informar a taxa anual nominal, esclarecendo
que ela (a taxa) será capitalizada mensalmente; ou optar por consignar a taxa
efetiva anual e a taxa mensal nominal a ela correspondente. Não haverá diferença
na onerosidade da taxa de juros e, portanto, no valor a ser pago pelo devedor.
Trata-se, portanto, apenas de diferentes formas de apresentação da mesma taxa
de juros, conforme o tempo de referência. Por ser método científi co, neutro,
abstrato, de matemática fi nanceira, não é afetado pela circunstância, inerente
à cada relação contratual, de haver ou não o pagamento tempestivo dos juros
vencidos.
Por outro lado, ao conceito de juros capitalizados (devidos e vencidos),
juros compostos (devidos e vencidos), capitalização ou anatocismo é inerente a
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
320
incorporação ao capital dos juros vencidos e não pagos, fazendo sobre eles
incidir novos juros. Não se trata, aqui, de método de matemática fi nanceira,
abstrato, prévio ao início da vigência da relação contratual, mas de vicissitude
intrínseca à concreta evolução da relação contratual. Conforme forem vencendo
os juros, haverá pagamento (aqui não ocorrerá capitalização); incorporação ao
capital ou ao saldo devedor (capitalização) ou cômputo dos juros vencidos e não
pagos em separado, a fi m de evitar a capitalização vedada em lei.
Postos estes conceitos, voltemos ao texto do Decreto n. 22.626/1933. O
referido diploma legal veda a contagem de juros dos juros; mas estabelece que a
proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em
conta corrente de ano a ano. A pacífi ca jurisprudência do STJ compreende que
a ressalva permite a capitalização anual como regra aplicável aos contratos de
mútuo em geral. Assim, não é proibido contar juros de juros em intervalo anual;
os juros vencidos e não pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por
ano para sobre eles incidirem novos juros (Segunda Seção, EREsp n. 917.570-
PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp n. 1.095.852-PR,
de minha relatoria, DJe 19.3.2012).
O objetivo do art. 4º do Decreto n. 22.626/1933, ao restringir a
capitalização, é evitar que a dívida aumente em proporções não antevistas
pelo devedor em difi culdades ao longo da relação contratual. Nada dispõe o
art. 4º acerca do processo de formação da taxa de juros, como a interpretação
meramente literal e isolada de sua primeira parte (é proibido contar juros de
juros) poderia fazer supor.
Quanto à taxa de juros, a limitação de percentual máximo (e não restrição
quanto ao método matemático de formação da taxa) está estabelecida no art. 1º
do mesmo decreto (12% ao ano) e não se aplica, como já exposto, às instituições
fi nanceiras.
Como já visto que a taxa nominal tem uma correspondente efetiva (sendo
esta superior se calculada em período maior do que o da taxa), e se não há
limite legal prefi xado para esta taxa efetiva (a qual somente será invalidada pelo
Judiciário se comprovadamente abusiva), não me parece coerente com o sistema
jurídico vigente, tal como compreendido pela pacífi ca jurisprudência do STJ e
do STF, extirpar do contrato a taxa efetiva expressamente contratada em nome
da vedação legal à capitalização de juros.
O coerente com o sistema será, data maxima venia, respeitar o contratado,
inclusive a taxa efetiva de juros, glosando-a apenas se demonstrado o abuso, nos
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 321
termos da pacífi ca jurisprudência assentada sob o rito dos recursos repetitivos.
Neste caso, o abuso consistirá no excesso da taxa de juros.
A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros
não implica, portanto, capitalização de juros, mas apenas processo de formação
da taxa de juros pelo método composto.
Seria incongruente com o sistema admitir, por exemplo, a legalidade da
contratação de taxa de juros calculada pelo método simples de 12% ao ano e não
admitir a legalidade da contratação de juros compostos em taxa mensal (expressa
no contrato) correspondente a uma taxa efetiva anual inferior (também expressa
no contrato).
Esclarecedor o exemplo imaginado pelo Professor José Dutra Vieira
Sobrinho:
O exemplo a seguir evidencia o absurdo que representa a proibição de se
capitalizar juros. De acordo com o entendimento jurídico predominante, um
empréstimo poderia ser contratado a juros de 1% ao mês, pelo prazo de um ano,
desde que não capitalizado, o que totalizaria 12% no vencimento; entretanto,
essa mesma operação não poderia ser contratada a juros compostos de 0,75% ao
mês pelo mesmo prazo, embora o total no vencimento, de 9,38%, seja menor que
o anterior (extraído do trabalho “Confl itos Judiciais Envolvendo Conceitos Básicos
de Matemática Financeira”).
A coerência, parâmetro defi nidor de um sistema de normas como sistema
jurídico, é enfatizada por San Tiago Dantas:
“Finalmente, o trabalho de dogmática se conclui pela construção do sistema.
Evidenciar os princípios, induzir os conceitos, fi xar a terminologia e construir o
sistema de normas jurídicas, que formam a regulamentação da vida numa certa
sociedade, isto é um estudo de dogmática jurídica, que quer dizer que é sempre
possível construir, com qualquer das instituições e com as normas, um sistema
coerente, lógico, em que os institutos se acham evidentemente classifi cados, em
que o mais geral abrange o mais particular e em que, portanto, a inteligência
pode penetrar segundo um esquema lógico. Eis porque podemos fazer esta
afi rmação capital: nem todo corpo de normas é um sistema jurídico.
Se amanhã nos pusermos a legislar para pequena sociedade imaginária ou
construída por nós mesmos, e determinarmos normas como estas, “ninguém
pode matar”, todo mundo pode furtar”, “ninguém está obrigado a reparar o
prejuízo que causa”, “todo mundo está obrigado a compor o que tiver contratado”;
poderemos formar um corpo de leis e aplicá-las, mas ninguém pode construir
sobre este corpo de leis um sistema. Não se formará dogmática deste corpo de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
322
normas, porque veremos que estas várias normas se contradizem, se repelem
entre si, e não podemos criar uma ciência jurídica sobre a base de fenômenos
desta maneira contraditórios (ob. citada, p. 8-9).
Assim, embora o método composto de formação da taxa de juros
seja comumente designado, em textos jurídicos e matemáticos, como
“juros compostos”, empregada esta expressão também como sinônimo de
“capitalização”, “juros capitalizados” e “anatocismo”, ao jurista, na construção
do direito civil, cabe defi nir a acepção em que o termo é usado na legislação, a
fi m de que os preceitos legais e respectivas interpretações jurisprudenciais não
entrem em contradição, tornando incoerente o sistema.
Tomando por base essas premissas, concluo que o Decreto n. 22.626/1933
não proíbe a técnica de formação de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas),
a qual, repito, não se confunde com capitalização de juros em sentido estrito
(incorporação de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidência
de novos juros, prática vedada pelo art. 4º do citado Decreto, conhecida como
capitalização ou anatocismo).
A restrição legal ao percentual da taxa de juros não é a vedação da técnica
de juros compostos (mediante a qual se calcula a equivalência das taxas de juros
no tempo, por meio da defi nição da taxa nominal contratada e da taxa efetiva
a ela correspondente), mas o estabelecimento do percentual máximo de juros
cuja cobrança é permitida pela legislação, vale dizer, como regra geral, o dobro
da taxa legal (Decreto 22.626/33, art. 1º) e, para as instituições fi nanceiras,
os parâmetros de mercado, segundo a regulamentação do Banco Central (Lei
4.595/64).
Dessa forma, se pactuados juros compostos, desde que a taxa efetiva
contratada não exceda o máximo permitido em lei (12%, sob a égide do Código
Civil de 1916, e, atualmente, a taxa legal prevista nos arts. 406 e 591 do Código
vigente, limites estes não aplicáveis às instituições fi nanceiras, cf. Súmulas n. 596
do STF e n. 382 do STJ e acórdão da 2ª Seção do STJ no REsp n. 1.061.530,
rel. Ministra Nancy Andrighi) não haverá ilegalidade na fórmula adotada no
contrato para o cálculo da taxa efetiva de juros embutidos nas prestações.
Este entendimento encontra apoio na doutrina de José Dutra Vieira
Sobrinho:
1.4 – O que é anatocismo
De acordo com a ampla pesquisa que realizei, anatocismo nada tem a ver o
critério de formação dos juros a serem pagos (ou recebidos) numa determinada
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 323
data; ele consiste na cobrança de juros vencidos e não pagos, exatamente como
conceituado no Novo Dicionário Brasileiro. E como a legislação brasileira foi
inspirada nas leis dos países europeus como a França, Portugal, Alemanha, Itália,
Espanha e Holanda, entendo ser importante transcrever o conceito de anatocismo
contido nos códigos civis e comerciais de alguns desses países. Embora parte
dessas nações tenham promulgado seus códigos civis posteriormente ao ano
de 1850, a legislação vigente na época já contemplava aquele conceito. Assim,
no Código Civil português, a definição encontrada endossa plenamente o
nosso entendimento: “Art. 560 – Para que os juros vencidos produzam juros é
necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de
juros, a partir da notifi cação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros
vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Só podem ser
capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.”
No Código Civil italiano encontramos entendimento semelhante: “Art. 1283
– Na falta de uso contrário, os juros vencidos só podem produzir juros do dia
do pedido judicial, ou por efeito de convenção posterior ao seu vencimento, e
sempre que trate de juros devidos pelo menos por 6 meses.” E no Código Civil
francês, conhecido também por Código de Napoleão, considerado pela maioria
dos grandes juristas como o pai de todos os códigos, o entendimento não é
diferente: “Art. 1.154 – Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer
por um pedido judicial, quer por uma convenção especial, contando que, seja
no pedido, seja na convenção, se trate de juros devidos, pelo menos por um ano
inteiro.
Com base nessas evidências podemos deduzir que o Art. 253 do nosso Código
Comercial editado em 1850, copiado literalmente no Art. 4º do Decreto n. 22.626
de 7 de abril de 1933, foi mal copiado ou mal traduzido. Esse artigo tem a seguinte
redação: “É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a
acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano
a ano.” Observa-se claramente que primeira frase deveria ser “É proibido contar
juros dos juros vencidos, ou ainda, “É proibido calcular juros sobre juros vencidos.
1.5 – Existência do anatocismo e a prática dos juros compostos
Entendido o anatocismo tal como foi caracterizado, ele somente existiria
se após o vencimento de uma operação o credor cobrasse juros sobre os juros
vencidos e não pagos. Vamos esclarecer melhor essa questão como exemplo
de um empréstimo de R$ 1.000,00 para ser quitado por R$ 1.225,00 no fi nal de
9 meses. O anatocismo somente ocorreria se após o vencimento, e num prazo
inferior a 12 meses, o credor cobrasse juros também sobre os juros de R$ 225,00.
É importante também observar a seguinte questão: o que muda para o
devedor ou credor saber, que no exemplo mencionado, a operação custa 2,5% ao
mês se calculada a juros simples ou 2,28% se calculada a juros compostos? Para
efeitos legais, os dados relevantes são o valor do empréstimo, o valor de resgate e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
324
o vencimento; entendo que o critério utilizado para obtenção do valor dos juros é
absolutamente secundário! (extraído do trabalho “Confl itos Judiciais Envolvendo
Conceitos Básicos de Matemática Financeira”).
No caso em exame, os juros contratados foram prefi xados no contrato,
no qual consta a taxa mensal nominal (3,16% ao mês) e a taxa anual efetiva
(45,25% ao ano). Não foi comprovada a abusividade, em termos de mercado,
da taxa efetiva de juros remuneratórios pactuada. O valor fi xo das 36 prestações
igualmente está expresso no contrato, não podendo o consumidor alegar surpresa
quanto aos valores fi xos, inalteráveis, das 36 prestações que se comprometeu
a pagar. Não está prevista a incidência de correção monetária. A expectativa
infl acionária já está embutida na taxa de juros. Após pagar duas prestações,
deixou de honrar suas obrigações e ajuizou ação postulando a redução da
prestação acordada em R$ 331,83 para R$ 199,80.
Na realidade, a intenção do autor/recorrido é reduzir drasticamente a taxa
efetiva de juros, usando como um de seus argumentos a confusão entre o conceito
legal de “capitalização de juros vencidos e devidos” e o “regime composto de
formação da taxa de juros”, ambos designados indistintamente na literatura
matemática e em diversos textos jurídicos, até mesmo nas informações prestadas
nestes autos pelo Banco Central, com o mesmo termo “juros compostos” ou
“juros capitalizados”.
Não poderia ser, com a devida vênia, mais clara e transparente a contratação
do que a forma como foi feita no caso concreto em exame: com a estipulação das
prestações em valores fi xos e iguais (36 prestações de R$ 331,83) e a menção à
taxa mensal e à correspondente taxa anual efetiva.
Nada acrescentaria à transparência do contrato, em benefício do
consumidor leigo, que constasse uma cláusula esclarecendo que as taxas mensal
e anual previstas no contrato foram obtidas mediante o método matemático de
juros compostos.
Sabedor da taxa mensal e da anual e do valor das 36 prestações fi xas, fácil
fi cou para o consumidor pesquisar, entre as instituições fi nanceiras, se alguma
concederia o mesmo fi nanciamento com uma taxa mensal ou anual inferior,
perfazendo as prestações fi xas um valor menor.
As informações prestadas pelo Banco Central enfatizam que se afastada
a legalidade/constitucionalidade da formação composta da taxa de juros
haverá “redução da transparência (...) dado que cada instituição fi nanceira
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 325
poderá apresentar diferentes taxas de juros simples para diferentes prazos, sem
que necessariamente seja possível padronizá-las e daí compará-las, caso as
instituições se especializem em operações com prazos diversos.” (e-STJ fl . 323).
Lê-se, ainda, nas informações do Banco Central (referindo-se, neste ponto,
à taxa estipulada sob o regime de juros compostos):
Ademais, a capitalização de juros é capaz de gerar uma padronização na
forma de cômputo e, pela viabilidade do cotejo, fomentar a competição entre
as instituições fi nanceiras. Um ambiente mais competitivo é mais apto a gerar
reduções nas taxas de juros e nos spreads praticados. É o que concluiu a a
Consultoria da Diretoria de Política Econômica do Banco Central em estudo
elaborado a pedido desta Procuradoria-Geral para subsidiar esta manifestação da
Autarquia:
Um terceiro aspecto a ser considerado é a redução de transparência que a
decisão [pela inconstitucionalidade] proporcionará, dado que cada instituição
fi nanceira poderá apresentar diferentes taxas de juros simples para diferentes
prazos, sem que necessariamente seja possível padronizá-las, caso as instituições
se especializem em operações com prazos diversos. (fl . e-STJ 323).
(...)
Caso seja declarada inconstitucional a medida provisória que permite a
capitalização, as instituições financeiras não se limitarão a conceder crédito
com as mesmas taxas atualmente praticadas. Certamente, irão praticar taxas
nominais equivalentes à taxa capitalizada. Assim, se notará um desestímulo
ao alongamento de prazos, pois, como mostra a referida nota técnica, sem a
capitalização, quanto maior o prazo, maior a taxa de juros nominais equivalentes,
a qual se apura de forma crescente. O tomador logo se sentirá desestimulado a
operar com prazos mais longos, na suposição, equivocada, de que os juros são
maiores e, assim, deixará de contratar em melhores condições. (fl . e-STJ 325).
Por outro lado, se constasse do contrato em exame, além do valor das
prestações, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula estabelecendo
“os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”, ou “fi ca pactuada
a capitalização mensal de juros”, por exemplo, como passou a ser admitido pela
MP n. 2.170-36, a consequência para o devedor não seria a mera validação da
taxa de juros efetiva expressa no contrato e embutida nas prestações fi xas. Tal
pactuação signifi caria que, não paga determinada prestação, sobre o valor total
dela (no qual estão incluídos os juros remuneratórios contratados) incidiriam
novos juros remuneratórios a cada mês, ou seja, haveria precisamente a incidência
de juros sobre juros vencidos e não pagos incorporados ao capital (capitalização
ou anatocismo), prática esta vedada pela Lei de Usura em intervalo inferior
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
326
a um ano e atualmente permitida apenas em face de prévia, expressa e clara
previsão contratual.
Esta prática - capitalização de juros vencidos e não pagos - acabou admitida
em nosso sistema jurídico, como regra nas operações bancárias, pela vigente MP
n. 2.170-36, editada, como se verifi ca das informações do Banco Central, com
o intuito de resolver a incerteza jurídica sobre a legalidade do sistema de juros
compostos, comumente tratado como sinônimo de “capitalização de juros”,
da qual se valiam maus pagadores, gerando o aumento do risco e, portanto, o
aumento do spread e das taxas de juros, em prejuízo de todo o sistema fi nanceiro.
A consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra
geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros
compostos, mas o anatocismo propriamente dito, o qual também tem sua
justifi cativa econômica, assim posta nas informações do Banco Central (fl . 325):
Acrescente-se, ainda, que a capitalização de juros desestimula as instituições
fi nanceiras a renegociarem os contratos com periodicidade mensal, situação em
que, ao fi nal do mês, o valor emprestado, acrescidos dos juros correspondentes,
deve ser quitado. Tal situação enseja o chamado “anatocismo indireto”, bem mais
oneroso para o devedor, que seria obrigado a captar recursos em outra instituição
fi nanceira para adimplir a primeira operação. Desse modo, sob o ponto de vista
econômico, a capitalização de juros, tal como prevista pela medida provisória
impugnada, apresenta-se muito mais benéfi ca ao tomador, atendendo assim aos
interesses da coletividade (cf. itens 8 e 9 da Exposição de Motivos n. 210-MF, de
24 de março de 2000). Eis a razão pela qual a medida provisória deve ser mantida.
Conclui-se, portanto, que a capitalização de juros vedada pela Lei de
Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP n. 2.170-36, diz respeito às
vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os
juros pactuados vencerem e não forem pagos, haverá capitalização (anatocismo,
cobrança de juros capitalizados, de juros acumulados, de juros compostos) se
estes juros vencidos e não pagos forem incorporados ao capital para sobre eles
fazer incidir novos juros.
Não se cogita de capitalização, na acepção legal, diante da mera fórmula
matemática de cálculo dos juros. Igualmente, não haverá capitalização ilegal, se
todas as prestações forem pagas no vencimento. Neste caso, poderá haver taxa de
juros exorbitante, abusiva, calculada pelo método simples ou composto, passível
de revisão pelo Poder Judiciário, mas não capitalização de juros.
Pode haver capitalização na evolução da dívida de contrato em que
pactuado o regime de juros simples ou o regime de juros compostos. Isso poderá
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 327
ocorrer, entre outras situações, em caso de inadimplência do mutuário, quando
os juros vencidos e não pagos, calculados de forma simples ou composta, forem
incorporados ao capital (saldo devedor) sobre o qual incidirão novos juros.
Com base nas premissas expostas acima e na fundamentação anexa, passo a
sintetizar a conclusão do voto.
Acompanho o voto do relator quanto à primeira das teses postas em seu
douto voto. Penso, todavia, que a redação do enunciado para os efeitos do art.
543-C do CPC deve espelhar-se no texto legal que a embasa, motivo pelo qual
sugiro a seguinte redação: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade
inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da
Medida Provisória n. 1.963-17/00 (em vigor como MP n. 2.170-01), desde que
expressamente pactuada.”
Em divergência parcial, penso, data vênia, que não confi gura a capitalização
vedada pela Lei de Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP n. 2.170-
01, a previsão expressa no contrato de taxa de juros efetiva superior à nominal
(sistema de juros compostos, utilizado para calcular a equivalência de taxas de
juro no tempo). Caso, todavia, prevaleça o entendimento de que a mera previsão
contratual de taxa de juros efetiva superior à nominal implica a capitalização
a que se refere a legislação, adiro ao entendimento no sentido da validade da
estipulação, perfeitamente compreensível ao consumidor, notadamente em casos
como o presente de juros prefi xados e prestações idênticas, invariáveis.
A segunda tese que proponho para os efeitos do art. 543-C é, portanto, “A
pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa e clara. A previsão
no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é
sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.”
Anoto que, no presente caso, a pretensão deduzida na inicial foi a
de reduzir o próprio valor das 36 prestações acordadas, cuja evolução está
demonstrada no anexo a este voto, ou seja voltou-se o devedor contra a taxa
de juros compostos, especifi cada no contrato e embutida nas prestações fi xas.
Este foi também o fundamento exclusivo do acórdão para reputar presente a
capitalização ilegal de juros. Não demonstrada a abusividade em termos de
mercado, conforme acentuado no voto do Relator, deve ser mantida a taxa
efetiva de juros remuneratórios contratada.
No caso concreto, divergindo parcialmente do relator, voto pela legalidade
do regime de juros compostos adotado expressamente no contrato como
método de cálculo das prestações. Mantenho, portanto, as taxas mensal e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
328
anual contratadas. Não havendo ilegalidade na fase de normalidade contratual,
restabeleço os efeitos da mora.
Acompanho o relator quando à comissão de permanência, cuja cobrança
na fase de inadimplemento não pode ser acumulada com juros remuneratórios,
juros moratórios e multa contratual.
No caso concreto, em síntese, dou provimento ao recurso especial em maior
extensão, restabelecendo os ônus da sucumbência fi xados na sentença, porque
mínima a sucumbência do banco recorrente.
É como voto.
FUNDAMENTAÇÃO ANEXA AO VOTO DO RESP N. 973.827 -
TABELA PRICE
As prestações sucessivas dos diferentes métodos de amortização abrangem
uma parcela de juros (calculados sobre o saldo devedor atualizado, a qual se
destina a quitar os juros do período) e outra de amortização, de forma que,
quitada a última delas, o saldo devedor seja igualado a zero.
No caso da Tabela Price, o valor da parcela de juros vai decrescendo, na
medida em que o da parcela de amortização vai crescendo, até fi ndar o prazo
do contrato e o saldo devedor, mantendo-se as prestações mensais durante todo o
contrato no mesmo valor (SOUZA LIMA, Roberto Arruda e NISHIYAMA,
Adolfo Mamoru, “Contratos Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da
Matemática Financeira para Advogados”, Editora Atlas S/A, São Paulo: 2007,
p. 140-141; SACAVONE, Luiz Antônio Junior, “Juros no Direito Brasileiro”,
RT, 2007, p. 195; DEL MAR, Carlos Pinto, Aspectos Jurídicos da Tabela Price,
Editora Jurídica Brasileira, 2001, p. 23; RIZZARDO, Arnaldo, “Contratos
de Crédito Bancário”, RT, 9ª edição, p. 143 e PENKUHN, Adolfo Mark,
“A legalidade da Tabela Price, Revista de Direito Bancário do Mercado de
Capitais e da Arbitragem, p. 284). Isso em um ambiente sem infl ação ou caso
a expectativa de infl ação já esteja embutida na taxa de juros, como ocorre no
caso em exame. De igual modo, ocorrerá a quitação da dívida no fi nal do prazo
contratual se o saldo devedor e as prestações forem reajustados pelo mesmo
índice.
O entendimento esposado pelo acórdão recorrido, no sentido de que
dívidas decorrentes contratos em que estabelecida taxa de juros pelo método
composto são ilegais, alcançaria, pelos mesmos fundamentos, os principais
sistemas de amortização adotados internacionalmente e também no Brasil,
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 329
a saber, Tabela Price, Sacre (Sistema de Amortização Real Crescente), SAC
(Sistema de Amortização Constante) e SAM (Sistema de Amortização Misto).
Assim, os incontáveis contratos de mútuo e fi nanciamentos contratados
diariamente (antes e depois da MP n. 2.170-01), por instituições fi nanceiras
e estabelecimentos comerciais diversos, de pequeno ou grande porte, para
as mais diversas fi nalidades do setor produtivo, de longo e de curto prazo,
estariam destinados à invalidade, alterando-se as bases em que celebrados
os contratos, com prejuízo para o contratante de boa-fé, pequeno ou grande
comerciante ou instituição fi nanceira, para planos de aplicação de recursos em
cadernetas de poupança, fundos de investimentos, fundos de previdência, títulos
de capitalização e FGTS, em que a remuneração dos investidores também é
calculada por meio de juros compostos.
No sistema fi nanceiro, em que cada mutuário ou investidor tem contrato
com data-base para o débito ou crédito de juros diversa, sendo o fl uxo de
recursos (empréstimos e pagamentos, créditos e débitos) diário, a técnica de juros
compostos permite a avaliação consistente de ativos e passivos das instituições e
a comparação entre as taxas de juros praticadas em cada segmento do mercado.
Exemplo elucidativo da amortização de dívida por meio da Tabela Price é
dado por Obed de Faria Junior:
Assuma você, leitor, que existam economias suas amealhadas com seu
trabalho e das quais você não necessita utilizar-se neste momento e que, seu
vizinho, amigo de longa data, em face de necessidades inesperadas, lhe venha
solicitar um empréstimo de R$ 1.000,00 para ser pago daqui um ano.
Para efeito de simplifi cação é de todo aconselhável que desconsideremos
os efeitos infl acionários porque isto implicaria em utilizar critérios, fórmulas e
cálculos que fugiriam do ânimo de apresentar uma demonstração simplista. (...)
Pois bem, caro leitor, é bastante razoável crer que você não seja um usurário e,
menos ainda, que tente levar vantagens indevidas sobre alguém - que dirá de um
amigo seu de longa data. Contudo, suas economias compõem seu patrimônio e
decorrem do fruto de seu trabalho, razão porque é natural que se estipule alguma
remuneração sobre o empréstimo pretendido.
Portanto, seu senso de justiça indica que a cobrança de juros de 1% (um por
cento) ao mês são módicos, justos e, até onde dita o senso comum no Brasil,
absolutamente legais. Seu vizinho amigo, mutuário nessa relação, concorda
com tais encargos e sugere pagar tudo ao fi nal de um ano, isto é: R$ 1.120,00.
Assim, ele lhe estaria reembolsando o principal de R$ 1.000,00 mais juros de 12%
relativos ao ano em que o capital fi caria emprestado.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
330
Nada impediria que tal ajuste fosse feito nessas bases, entretanto, tanto você
quanto seu amigo têm plena ciência que esse tipo de negócio não é usual.
Afi nal, todas as dividas e obrigações assumidas pelo brasileiro médio - como
você e seu vizinho - são contratadas para serem saldadas em prestações mensais.
Ainda, é lógico acreditar, inclusive, que tais economias estivessem devidamente
aplicadas num Fundo de Investimentos ou Caderneta de Poupança que geram
rendimentos, no mínimo, uma vez por mês. Assim, sua contraproposta é de que
seu vizinho faça amortizações mensais desse empréstimo, de forma que, ao fi nal,
daqui um ano, toda a dívida esteja paga.
O negócio está evoluindo bem e seu amigo concorda com a estipulação de
pagamentos mensais. Assim, ele lhe propõe que, a cada mês e durante doze
meses, pagaria R$ 10,00 (dez reais), que representam exatamente 1% do valor do
empréstimo e, no último vencimento, daqui um ano, saldaria também o principal.
Isso equivaleria aos mesmos R$ 1.120,00, porém, pagos de uma forma mais
razoável, como se a todo mês ele “renovasse” o empréstimo.
Apesar de seu inegável senso de justiça, você entende que mais justo é que
sejam pagos, a cada mês, não só os juros, mas também parcelas do principal
emprestado, o que seu vizinho aceita meio a contragosto, pois afi nal ele precisa
do dinheiro.
Então, você sugere a seu amigo dividir o valor total em doze vezes, isto é R$
1.120,00: 12 meses, o que implicaria em pagamentos mensais de R$ 93,33. Ou
seja, 12 parcelas de 83,33 que representariam os R$ 1.000,00 do empréstimo, mais
12 parcelas de R$ 10,00, que equivaleriam a 1% ao mês sobre o valor emprestado.
Seu vizinho coça a cabeça e, constrangido, lhe informa que tal forma não seria
correta, porque se ele estaria pagando, a cada mês, parte do empréstimo, não
seria justo que pagasse o mesmo valor de juros todo mês sobre o montante total.
A partir disso, ele sugere as 12 parcelas do principal, no caso, R$ 83,33 a cada
mês e, no fi nal os juros sobre elas. Você, obviamente, diz que em princípio isso
seria bom, contudo, não saberia dizer qual o valor dos juros ao fi nal de um ano.
Seu amigo, mais que depressa, toma papel e caneta e faz a seguinte conta:
Hoje, você me empresta 1.000,00
Devolvo daqui 1 mês -83,33 1% -0,83
Devolvo daqui 2 meses -83,33 2% -1,67
Devolvo daqui 3 meses -83,33 3% -2,50
Devolvo daqui 4 meses -83,33 4% -3,33
Devolvo daqui 5 meses -83,33 5% -4,17
Devolvo daqui 6 meses -83,33 6% -5,00
Devolvo daqui 7 meses -83,33 7% -5,83
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 331
Devolvo daqui 8 meses -83,33 8% -6,67
Devolvo daqui 9 meses -83,33 9% -7,50
Devolvo daqui 10 meses -83,33 10% -8,33
Devolvo daqui 11 meses -83,33 11% -9,17
Devolvo daqui 12 meses -83,33 12% -10,00
Total da devolução daqui a 1 ano -1.000,00
Pago os juros daqui 12 meses? -65,00
Você olha bem para o cálculo de seu vizinho e, mesmo assim, acha que não
fi cou bom, porque vocês já haviam concordado que ele iria pagar, todo mês,
tanto os juros como parte do empréstimo. O único problema seria que sua conta
de R$ 93,33 todo mês estava errada.
Então, você começa a refazer a conta, considerando que devam ser pagos,
todos os meses, juros e parcelas do valor do empréstimo:
Empréstimo hoje 1.000,00
Juros de 1% 10,00
Pagto. dos juros daqui 1 mês -10,00
Pagto. parte do empréstimo daqui 1 mês -83,33 -93,33 1º Pagto.
Saldo 916,67
Juros de 1% 9,17
Pagto. dos juros daqui 2 meses -9,17
Pagto. parte do empréstimo daqui 2 meses -83,33 -92,50 2º Pagto.
Saldo 833,34
Juros de 1% 8,33
Pagto. dos juros daqui a 3 meses -8,33
Pagto. parte do empréstimo daqui 3 meses -83,33 -91,66 3º Pagto.
Saldo 750,01
Juros de 1% ...
Seu vizinho interrompe seu cálculo e diz que os valores mensais de juros que
você está calculando são iguais aos que ele havia calculado, só que “de trás para
frente”. Portanto, seguindo tal raciocínio, os valores das parcelas que você estaria
calculando seriam:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
332
Hoje, você me empresta 1.000,00
Devolvo daqui 1 mês -83,33 -10,00 -93,33
Devolvo daqui 2 meses -83,33 -9,17 -92,50
Devolvo daqui 3 meses -83,33 -8,33 -91,66
Devolvo daqui 4 meses -83,33 -7,50 -90,83
Devolvo daqui 5 meses -83,33 -6,67 -90,00
Devolvo daqui 6 meses -83,33 -5,83 -89,16
Devolvo daqui 7 meses -83,33 -5,00 -88,33
Devolvo daqui 8 meses -83,33 -4,17 -87,50
Devolvo daqui 9 meses -83,33 -3,33 -86,67
Devolvo daqui 10 meses -83,33 -2,50 -85,84
Devolvo daqui 11 meses -83,33 -1,67 -85,01
Devolvo daqui 12 meses -83,33 -0,83 -84,17
Total da devolução daqui a 1 ano -1.000,00 -65,00 -1.065,00
Então os amigos parecem ter chegado a um consenso, pois desta forma, você
receberia todos os meses os juros e parcelas proporcionais do empréstimo e seu
vizinho desembolsaria, ao fi nal, os mesmos R$ 65,00 de juros calculados por ele
próprio.
Contudo, apesar da concordância, ambos entendem que melhor seria se todas
as parcelas tivessem o mesmo valor todos os meses, para facilitar o controle dos
pagamentos e recebimentos.
Nesse ponto, você e seu amigo começam a confabular para encontrar uma
solução que seja adequada. No verso daquele papel relacionam as contas que
fi zeram até então:
Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00
+ Juros sobre tudo daqui um ano 120,00
Total 1.120,00
Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 333
+ 12 parcelas de juros de R$ 10,00 120,00
Total 1.120,00
Tudo dividido em 12 x R$ 93,33 1.120,00
(esse está errado)
O empréstimo em 12 x R$ 83,33 1.000,00
+ Juros sobre tudo daqui um ano 65,00
Total 1.065,00
Tudo em 12 parcelas de valores diferentes
(93,33;92,50; ...) 1.065,00
Você e seu vizinho já estão quase fechando o negócio, porém, não chegam a
um valor que seja idêntico todos os meses e que satisfaça o interesse de ambos.
Seu vizinho, entretanto, vai buscar em casa um velho livro de matemática
fi nanceira que ele utilizou no “colegial” e que possui várias tabelas no apêndice.
Lá, você localiza uma tal de “Tabela Price” onde identifi ca:
(...)
Diante disso, seu amigo faz o novo cálculo:
Valor do empréstimo = R$1.000,00
Taxa de juros = 12% a.a.
Número de prestações = 12
Fator da TP = 0,088849
Valor da prestação:
R$1.000,00 x 0,088849 = R$ 88,85
Tudo dividido em 12 x R$ 88,85 = 1.066,20
Você não fi ca muito convencido e questiona seu amigo porque o resultado,
afi nal, não seria muito mais do que o R$ 83,33 por mês que, inclusive com os juros,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
334
haviam totalizado R$ 1.065,00 no outro cálculo anterior. Ele, entretanto, diz que
o cálculo com o qual vocês concordaram também alcançava a cifra total de R$
1.065,00 e dessa forma, também não chegaria aos R$ 1,120,00 daquela conta que
você mesmo havia reconhecido que estava errada.
Diante disso - e pondo um ponto fi nal nas tratativas - os valores das prestações
e do total de pagamentos foram aceitos como corretos por ambos, porque se
situaram num nível intermediário e aparentemente razoável. Assim, o negócio
foi fechado nessa forma: você entregou os R$ 1.000,00 a seu amigo e ele se
comprometeu a pagar 12 prestações mensais de R$ 88,85.
Entretanto, dias depois, após ter pego o dinheiro e utilizado para o que
necessitava, seu amigo retornou até sua casa e lhe disse que não iria mais pagar
os R$ 88,85 por mês, porque ele leu em algum lugar que a Tabela Price seria
ilegal e que você estaria abusando da situação de necessidade em que ele se
encontrava.
E você, que sempre agiu dentro da maior honestidade, fi cou espantado com a
reação de seu amigo, que lhe pediu um favor, concordou com todas as condições
no momento de tomar o empréstimo e, depois, veio alegando que não iria pagar
o combinado porque teria sido enganado.
Por certo, uma amizade de longo tempo vale mais que R$ 1.000,00. Entretanto,
o que é certo é certo! Perguntou você a seu amigo qual a alternativa que ele
encontrava para o pagamento da dívida. Ele, cheio de brios, invocou parâmetros
mais justos como são utilizados por povos mais adiantados do que o brasileiro.
Assim, sugeriu que fossem buscadas na “Internet” fórmulas de cálculo dentro de
parâmetros americanos ou europeus.
Assim, foram ambos a frente do computador e lá, após pesquisarem alguns
dicionários virtuais, descobriram os seguintes termos em outros idiomas para
fazer uma busca:
“Loan payment calculator” - em inglês
“Calcul dámortissement fi nancier” - em francês
“Calcolo rata di mutuo” - em italiano
“Calculadora de prestamo” - em espanhol; e
“Anleihe kalkulation” - em alemão.
A tela multicolorida do computador começou a retornar páginas que
continham calculadoras virtuais de fi nanciamentos e empréstimos, tanto nos
Estados Unidos da América como na Europa. Obviamente, foram inseridas as
informações dos empréstimos combinado, para aferir-se o resultado. O que se
descobriu, ao fi nal de tal busca, foi que:
- em outros países, assim como no Brasil, é perfeitamente possível ajustar
amortizações parciais ou liquidação antecipada de mútuos o que, em si, reduz o
valor das parcelas e dos juros pagos;
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 335
- as taxas de juros praticadas em economias mais sólidas que a do Brasil são
inferiores do que as que aqui se praticam; e
- quando o interesse do mutuário é pagar prestações de valor igual durante
todo o período de empréstimo, sem nenhuma amortização parcial, o resultado
da conta é absolutamente igual ao do cálculo feito com base na Tabela Price. (“Da
inocorrência do anatocismo na Tabela Price: uma análise técnico-jurídica”, texto
extraído do Jus Navegandi)
No caso concreto em exame no REsp n. 973.827-RS, o valor do
fi nanciamento foi de R$ 7.076,02 (R$ 6.980,00 mais R$ 96,02 do IOF), com
taxa mensal de 3,16000% e taxa anual efetiva de 45,25664% expressamente
consignadas no contrato (conforme consta do acórdão recorrido). O pagamento
foi acordado em 36 prestações fi xas e iguais (fato incontroverso afi rmado na
inicial e na contestação), estabelecidas no contrato no valor de R$ 331,83, o que
indica que o método de amortização adotado foi a Tabela Price, cuja característica
é, precisamente, possibilitar o pagamento de prestações iguais de amortização e juros,
fi cando quitada a dívida com o pagamento da última prestação. O esquema abaixo
simula a evolução das prestações, mês a mês, em situação de adimplemento
contratual:
Data Num. Prestação Juros Amortização Prestação Saldo Devedor21-jul-03 - - - - 7.076,02 21-ago-03 1 223,60 108,29 331,89 6.967,73 21-set-03 2 220,18 111,71 331,89 6.856,02 21-out-03 3 216,65 115,24 331,89 6.740,78 21-nov-03 4 213,01 118,88 331,89 6.621,89 21-dez-03 5 209,25 122,64 331,89 6.499,25 21-jan-04 6 205,38 126,52 331,89 6.372,73 21-fev-04 7 201,38 130,51 331,89 6.242,22 21-mar-04 8 197,25 134,64 331,89 6.107,58 21-abr-04 9 193,00 138,89 331,89 5.968,69 21-mai-04 10 188,61 143,28 331,89 5.825,41 21-jun-04 11 184,08 147,81 331,89 5.677,60 21-jul-04 12 179,41 152,48 331,89 5.525,12 21-ago-04 13 174,59 157,30 331,89 5.367,82 21-set-04 14 169,62 162,27 331,89 5.205,55 21-out-04 15 164,50 167,40 331,89 5.038,15 21-nov-04 16 159,21 172,69 331,89 4.865,46 21-dez-04 17 153,75 178,14 331,89 4.687,32 21-jan-05 18 148,12 183,77 331,89 4.503,55 21-fev-05 19 142,31 189,58 331,89 4.313,97 21-mar-05 20 136,32 195,57 331,89 4.118,40 21-abr-05 21 130,14 201,75 331,89 3.916,64 21-mai-05 22 123,77 208,13 331,89 3.708,52 21-jun-05 23 117,19 214,70 331,89 3.493,81
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
336
21-jul-05 24 110,40 221,49 331,89 3.272,33 21-ago-05 25 103,41 228,49 331,89 3.043,84 21-set-05 26 96,19 235,71 331,89 2.808,13 21-out-05 27 88,74 243,16 331,89 2.564,98 21-nov-05 28 81,05 250,84 331,89 2.314,14 21-dez-05 29 73,13 258,77 331,89 2.055,37 21-jan-06 30 64,95 266,94 331,89 1.788,43 21-fev-06 31 56,51 275,38 331,89 1.513,05 21-mar-06 32 47,81 284,08 331,89 1.228,97 21-abr-06 33 38,84 293,06 331,89 935,91 21-mai-06 34 29,57 302,32 331,89 633,60 21-jun-06 35 20,02 311,87 331,89 321,73 21-jul-06 36 10,17 321,73 331,89 0,00
Verifica-se, do esquema acima, que os juros sempre incidem sobre o
saldo devedor do mês anterior, não havendo incorporação de juros ao capital.
Por exemplo: ao fi nal do primeiro mês, sobre o valor inicial de R$ 7.076,02 x
3,16% a.m, temos juros de R$ 223,60. Como a prestação foi de R$ 331,89, a
diferença, R$ 108,29 foi amortizada na dívida, resultando em saldo devedor de
R$ 6.967,73. Ao fi nal do 2º mês, sobre o capital (saldo devedor do mês anterior),
R$ 6.967,73, incidiram juros de 3,16% a.m no valor de R$ 220,18, sendo
amortizado o valor de R$ 111,71. Novamente os juros incidiram apenas sobre
o capital e, assim, sucessivamente, o valor da quota de juros foi decrescendo e o
da amortização aumentando, até que, na 36ª prestação (R$ 10,17 de juros e R$
321,73 de amortização, perfazendo a prestação fi xa de R$ 331,89), foi quitada
integralmente a dívida.
A capitalização de juros somente ocorrerá, no caso concreto em exame,
em face do inadimplemento do devedor, se o credor fi zer incidir novos juros
remuneratórios sobre o valor dos juros vencidos e não pagos (embutidos estes
nas prestações não pagas no vencimento).
Diversamente, em contratos de longa duração, em que as prestações são
contratualmente sujeitas a índice de correção diferente do índice adotado
para a correção monetária do saldo devedor, como é o caso dos contratos de
fi nanciamento habitacional celebrados no âmbito do sistema fi nanceiro da
habitação, é frequente a situação em que o valor da prestação mensal deixa, ao
longo do contrato, de ser sufi ciente para o pagamento dos juros do período.
Acontecerá, então, a capitalização vedada pela Lei de Usura, a qual somente
passou a ser admitida, no SFH, com a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009. O
anatocismo é, todavia, consequência não da fórmula matemática da Tabela Price,
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 337
utilizada para o cálculo da prestação inicial do contrato, mas do descompasso
entre os índices de correção das prestações (salário do mutuário) e do saldo
devedor (TR), no curso da evolução do contrato. Neste caso, a solução que vem
sendo preconizada pela jurisprudência, inclusive do STJ, é a contagem dos juros
vencidos em conta separada, sobre a qual incide apenas a correção monetária (cf,
entre outros, AgRg no REsp n. 954.113-RS, Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª
Turma, pub. DJe 22.9.2008).
Neste ponto, registro que trabalhos de autoria do já citado Teotonio Costa
Rezende dão conta da ampla utilização da Tabela Price nos sistemas jurídicos de
diversos países (Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Portugal, México,
Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia), com destaque para o caso da Colômbia,
onde o Poder Judiciário proibiu a capitalização de juros em qualquer período,
quando se trata de crédito imobiliário, porém adotou a Tabela Price (com o
nome de Sistema de Amortización Gradual ou Sistema de Cuota Constante)
como sistema-padrão exatamente por considerar que tal sistema de amortização
não contempla capitalização de juros (“Sistemas de amortização e retorno do
capital” e “Lei de Usura, Tabela Price e capitalização de juros”, publicados na
Revista do Sistema Financeiro Imobiliário, n. 32 e 33, nov. 2010 e abr. 2011,
respectivamente).
Por fi m, lembro o esforço de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo
Mamoru Nishiyama, após ressaltar o amplo emprego do Sistema Francês
de Amortização no Brasil, tanto por instituições fi nanceiras (empréstimos
e fi nanciamentos), quanto no comércio (vendas parceladas), ao justifi car a
procura por um sistema de amortização não concebido mediante o uso de juros
compostos, em substituição à Tabela Price, cuja legalidade no sistema jurídico
pátrio é questionada:
Não se trata de buscar redução nas taxas de juros, pois os juros são
determinados pelo mercado. Uma metodologia com juros simples implicaria ou
na alteração das taxas pactuadas (para fi carem equivalentes às taxas compostas)
ou no processo de embutir juros ao preço. Em ambos, o resultado fi nanceiro é o
mesmo, mas com grande diferença de ser estritamente legal (SCAVONE-JÚNIOR,
1999).
(...)
Não é uma tarefa fácil obter uma fórmula que, dado o valor de principal (P),
juros (i) e o número de prestações (n), resulte em:
- Prestações (PMT) iguais (de valores constantes);
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
338
- a soma do valor presente, calculado pelo método dos juros simples, de todas as
prestações (PMT), seja igual ao principal (P). (ob. citada, p. 141-152).
E, após elaborar cálculos complexos, propõe uma fórmula acoplada a uma
tabela, ressalvando:
A utilização da tabela possui limitações, sendo a mais evidente a
impossibilidade de prever todas as possíveis combinações de taxas de juros e
número de prestações. E, nesse caso, a solução é realizar o cálculo para o caso
específi co, ou utilizar uma aproximação do valor correto da prestação. (ob. citada,
p. 152).
Não me parece, data maxima vênia, favorável aos direitos do consumidor,
ao princípio da transparência e à segurança jurídica, proscrever a Tabela Price,
método amplamente adotado, há séculos, no mercado brasileiro e mundial,
substituindo-a por fórmula desconhecida, insatisfatória, conforme reconhecido
pelos esforçados autores que a conceberam, em nome de interpretação
meramente literal e assistemática da Lei de Usura.
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, no caso, noto que o próprio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, examinando o contrato, considerou
sufi ciente a menção às taxas, porque diz: “O exame do contrato mostra que foram
pactuados juros de 3,16% a.m. e de 45,25664% a.a., o que demonstra a prática de
cobrança de juros sobre juros mensalmente.”
Quer dizer, o Tribunal também entendeu que não há difi culdade alguma
em, fazendo-se o comparativo entre taxa mensal e taxa anual, constatar-se a
existência de juros compostos.
Agora, o que esse voto denso, técnico, científi co da Sra. Ministra Isabel
Gallotti traz de fundamental é que nos convida a encerrarmos o erro defi nitivo
que cometemos, que é um erro conceitual, de denominar de capitalização o que
não é; o que é, na verdade, apenas juros compostos.
Os juros compostos estão previstos em todos os contratos bancários,
sabemos. E o que é capitalização, que sempre tratamos como se fosse o mesmo
que juros compostos? Capitalização é: “Em face da ausência de pagamento,
a incidência de novos juros, juros novos, sobre aqueles juros já computados
em razão da pactuação dos juros compostos.” Isso é que é capitalização,
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 339
cientifi camente, um conceito primoroso que nos traz, amparada em doutrina
fundamental, a eminente Ministra Isabel Gallotti.
Sr. Presidente, para mim, é sufi ciente.
Estou aderindo ao brilhante, judicioso e científico voto da eminente
Ministra Isabel Gallotti, com a devida vênia do eminente Relator, Ministro Luis
Felipe Salomão.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, com a vênia
da Sra. Ministra Isabel Gallotti, acompanho o voto do Sr. Ministro Luis Felipe
Salomão, Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Sr. Presidente, com a devida vênia
do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, estou aderindo à proposta da Sra. Ministra
Isabel Gallotti.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Buzzi: Acompanho a Sra. Ministra Isabel Gallotti.
RATIFICAÇÃO DE VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. A eminente Ministra Isabel
Gallotti inaugurou a divergência acerca da matéria trazida ao exame da Segunda
Seção, sob o regime dos recursos repetitivos, ínsito no art. 543-C do Código de
Processo Civil, relativa à capitalização mensal de juros nos contratos bancários e
sua pactuação expressa.
2. No tocante à forma de convenção, a ilustre colega consignou:
Em divergência parcial, penso, data vênia, que não confi gura a capitalização
vedada pela Lei de Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP n. 2.170-
01, a previsão expressa no contrato de taxa de juros efetiva superior à nominal
(sistema de juros compostos, utilizado para calcular a equivalência de taxas de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
340
juro no tempo). Caso, todavia, prevaleça o entendimento de que a mera previsão
contratual de taxa de juros efetiva superior à nominal implica a capitalização a que
se refere a legislação, adiro ao entendimento do Ministro Raul Araújo no sentido
da validade da estipulação, perfeitamente compreensível ao consumidor,
notadamente em casos como o presente de juros prefixados e prestações
idênticas, invariáveis (fl . 22).
Em contrapartida, alguns trechos do voto divergem do ponto em que
acompanha o entendimento do Ministro Raul (que considera presente a
expressa pactuação de capitalização mensal, quando constam do contrato as
taxas mensal e anual de juros, e esta é superior ao duodécuplo daquela). São eles:
Neste ponto, assinalo que o art. 5º da Medida Provisória n. 1.963-17/00 tornou
admissível nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional “a pactuação de capitalização de juros com periodicidade
inferior a um ano”; vale dizer, no contrato bancário poderá ser pactuada a
capitalização semestral, trimestral, mensal, diária, contínua, etc. O intervalo da
capitalização deverá ser expressamente defi nido pelas partes do contrato (fl . 4).
[...]
O meu pedido de vista foi a tese assim sintetizada no item 3.6, alínea b, do voto
do relator “a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa,
portanto, é necessário que o contrato seja transparente e claro o suficiente
a ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de Defesa do
Consumidor”.
Não tenho dúvida alguma em aderir às premissas tão bem expostas pelo
relator, amparado na doutrina de Cláudia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo
de Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancário
seja transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnerável
não apenas economicamente, mas sobretudo sem experiência e conhecimento
econômico, contábil, fi nanceiro, entenda, sem esforço ou difi culdade alguma,
o conteúdo, o valor e a extensão das obrigações assumidas. A pactuação de
capitalização de juros deve ser expressa. A taxa de juros deve estar claramente
defi nida no contrato. A periodicidade da capitalização também. Sobretudo, não
deve pairar dúvida alguma acerca do valor da dívida, dos prazos para pagamento e
dos encargos respectivos (fl s. 4-5).
Contudo, em sentido oposto a essa última assertiva, salienta em outro
excerto:
Pode o contrato informar a taxa anual nominal, esclarecendo que ela (a taxa)
será capitalizada mensalmente; ou optar por consignar a taxa efetiva anual e a
taxa mensal nominal a ela correspondente (fl . 13).
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
RSTJ, a. 24, (228): 265-342, outubro/dezembro 2012 341
Mais adiante, em contraste com o posicionamento acima (e na trilha
dos entendimentos destacados anteriormente a este último trecho transcrito),
pondera:
Por outro lado, se constasse do contrato em exame, além do valor
das prestações, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula
estabelecendo “os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”,
ou “fi ca pactuada a capitalização mensal de juros”, por exemplo, como passou a
ser admitido pela MP n. 2.170-36, a consequência para o devedor não seria a mera
validação da taxa de juros efetiva expressa no contrato e embutida nas prestações
fixas. Tal pactuação significaria que, não paga determinada prestação,
sobre o valor total dela (no qual estão incluídos os juros remuneratórios
contratados) incidiriam novos juros remuneratórios a cada mês, ou seja,
haveria precisamente a incidência de juros sobre juros vencidos e não pagos
incorporados ao capital (capitalização ou anatocismo), prática esta vedada pela
Lei de Usura em intervalo inferior a um ano e atualmente permitida apenas em
face de prévia, expressa e clara previsão contratual (fl . 20).
Portanto, no que se refere à pactuação expressa da capitalização mensal,
o voto, com a mais respeitável vênia, não me parece coeso, pois em seu bojo
apresenta dissonâncias.
3. A respeito do assunto, reitero o entendimento de que as cláusulas do
contrato fi rmado entre as partes (regido pelo Código de Defesa do Consumidor
- CDC) devem ser claras e transparentes, de modo a possibilitar ao consumidor
pleno conhecimento das obrigações assumidas.
As regras do mencionado codex servem de diretrizes para se aferir a
presença ou não de pactuação expressa acerca da capitalização mensal, permitida
nos contratos bancários fi rmados após 31.3.2000.
A meu sentir, a mera existência de discriminação da taxa mensal e da
taxa anual de juros, sendo esta superior ao duodécuplo daquela, não confi gura
estipulação expressa de capitalização mensal, pois há ausência da clareza e
transparência indispensáveis à compreensão do consumidor hipossufi ciente,
parte vulnerável na relação jurídica.
4. Há de se ressaltar, ainda, que, em recente julgamento realizado pela
Terceira Turma desta Corte, no REsp n. 1.302.738-SC, sufragou-se, por
unanimidade, o entendimento de que a especifi cação, no contrato bancário, da
taxa mensal de juros e da taxa anual de juros, não confi gura informação capaz
de, por si só, representar pactuação expressa de capitalização mensal de juros. O
acórdão então elaborado recebeu a seguinte ementa:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
342
Civil. Bancário. Recurso especial. Ação de revisão contratual. Capitalização de
juros. Contratação expressa. Necessidade de previsão. Descaracterização da mora.
1. A contratação expressa da capitalização de juros deve ser clara, precisa e
ostensiva, não podendo ser deduzida da mera divergência entre a taxa de juros
anual e o duodécuplo da taxa de juros mensal.
2. Reconhecida a abusividade dos encargos exigidos no período de
normalidade contratual, descaracteriza-se a mora.
3. Recurso especial não provido (Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3.5.2012,
DJe de 10.5.2012 - grifos nossos).
5. Essas são as considerações que reputo importante relevar e que me
levam a manter o voto já apresentado.
6. Ante o exposto, ratifico o voto anteriormente proferido, em sua
integralidade.