Post on 20-Dec-2015
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“Poesia esfumaçada de uma
cultura rebelada“
Saulo Matos
Vitor Oliva
Lucas Carniel
Matheus Peleteiro
Cristiano Rufino
George Alves
Rennan Sama
Henrique Quaresma
Artur Dória
Greg Kooche
Coletivo Sapiens Marginalis 2ª Edição – Ano 1
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Editorial
A vida sempre me ensinou a revidar. Quando pequeno, eu era um pouco
desajeitado, gordinho, careca, quase cego, com uma porra de óculos fundo de
garrafa na cara e modéstia a parte, inteligente pra caralho. Eu era
praticamente um bullying ambulante. Pois bem, tive diversos apelidos, tipo:
rolha de poço, quatro olhos e por ai vai. Mas eu revidava, sim, como
revidava. Se eu sabia algum conteúdo muito bem, fazia questão de
ensinar aqueles filhos da puta que me sacaneavam tanto. Quer coisa mais
gostosa do que ajudar alguém que não gosta de você, mas não tem a mais
ninguém a quem recorrer? É um puta sentimento gostoso. Pois bem, o tempo
passou, e eu comecei a escrever. Meus primeiros textos, meus pais
provavelmente queimaram ou coisa do tipo, só por ter alguma referencia a
mata-los no meio da noite, não que eu fosse fazer isso realmente, mas lhes
chocou, e porra, eu também ficaria bem chocado se lesse algo do tipo escrito
por meu filho, mas entenderia. Quem sabe fosse uma maneira de revidar com a
vida. Escrevi, escrevi e escrevi, depois lia, mostrava pra uma outra
pessoa próxima, e apagava, destruía, e começava novamente. Era minha forma
de revidar. A vida foi sempre muito interessante pra mim, já me fodi
bastante, mas também já tive muita coisa boa. E isso é motivo para escrever.
É uma maneira de revidar, tanto o mal, quanto o bem, à mim importa sempre
revidar. Sigo escrevendo exatamente por esse motivo, revidar sempre. Mostrar
pra porra da vida, que quem manda nessa merda sou eu, e se a merda toda não
corresponder minhas expectativas, vou lá e escrevo a história com o final
que eu quero. A beleza da escrita é isso, você faz a história, você
momentaneamente é uma especie de deus, em um universo completamente seu. E
isso me encanta. Nesse universo, você pode matar seus pais, comer a garota
que quiser, usar a droga que der na telha, se apaixonar quantas vezes
quiser, partir o coração que um dia partiu o seu, e no fim das contas,
ninguém se prejudicou ou ficou magoado. Eu escrevo pra revidar, escrevo pra
não pirar, afinal de contas, tem coisa melhor do que ver suas ideias num
papel? Criar algo, é pra poucos, ainda mais num mundo insano e caótico em
que vivemos, e todos anseiam por boas ideias alheias, para então rouba-las.
Só me resta escrever, esse é o papel do poeta, criar amores, destruir
universos, e reconstruí-los imediatamente após, com um pouco de tinta da
caneta e uma folha de papel qualquer. Sempre fui apaixonado por anotações
rápidas em guardanapos, mas isso já é uma outra história. Enquanto não chega
o dia de contar essa história, eu sigo por ai, escrevendo, escrevendo e
escrevendo, pra revidar, e pra não pirar de vez, quem sabe um dia vocês me
encontrem caído em alguma sarjeta com um papel e uma caneta na mão, eu posso
estar revidando alguma coisa, então, por favor, me pague uma cerveja que eu
revido com uma boa história.
Greg Kooche
Capa
Erika Lima
Edição e Revisão
Gabriela Scodro
Saiba mais em
facebook.com/sapiens.marginalis
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Penetras
Vejo falsidade, desleixo, dor, saudade, solidão, angustia, paranoia,
melancolia entrando em minha festa sem bater e de mãos abanando, arrastando
suas caras lavadas e sorrisos cheios de confiança. Devem ter tido uma ótima
semana se divertindo as custas dos outros. Velhos conhecidos que aparecem de
tempos em tempos para fazer arruaça na minha alma e até hoje nunca tomei
vergonha na cara de trancar a porta ou mandá-los embora.
Abro uma cerveja para cada e que se foda, sento no sofá e
compartilhamos parte de minha história varando a madrugada até que todos os
outros convidados sorridentes, crentes e parentes tenham ido embora, eles
nem quebraram nada, nenhuma briga, ninguém se queimou com cigarro, só um
bunda mole que vomitou, mas acertou o vaso e deu descarga, que merda. Mas os
penetras permanecem e infelizmente esta corja é boa de papo, melhor que
muita gente que conheço e que não conheço também. Continuo bebendo e bebendo
de tudo com essas companhias malditas, mesmo sabendo que a ressaca vindoura
terá efeito de tsunami, terremoto, erupção vulcânica e sonda peniana
alienígena, mas o pior é que dessa vez não terei amnésia, já sinto saudades.
Serei obrigado a lembrar de como cada filho da puta desses sabotou a
minha vida mais uma vez enquanto eu bebia ensandecidamente apenas observando
com a vista turva demais para entender qualquer coisa ao meu redor. Levanto
o rabo do sofá e quebro um quadro que eu mesmo pintei (nunca gostei daquela
porra mesmo) e logo após me queimo com um cigarro que não é da marca do
cigarro que eu fumo, é um mentolado tosco com bolinhas para estourar para
ficar com "hálito fresco" enquanto fuma, não arrumo briga com ninguém, pois
não vejo ninguém por perto, mas vomito a sala toda e volto para sentar
novamente no sofá e não há mais ninguém por lá, me senti sozinho e a melhor
hora da festa é essa. Adeus penetras macabros e moribundos, voltem sempre.
Está tudo bem agora, outras festas virão, outros penetras, outras vidas
opacas, mais geladeiras lotadas, infinitas ressacas, mãos amarelas de
cigarro até que um penetra chegará e me levará dessa merda com um sorriso
embriagado na cara por ter conseguido sobreviver tanto tempo neste lixo.
Saulo Matos
Saulo Matos - Rio de Janeiro
Não faz ideia do por que escreve e nem por que faz as coisas que faz. É viciado em Star
Wars, Marlboro vermelho e cerveja, uísque, cachaça, vinho e etc. Acha que a única
resposta que faz sentido na vida, no universo e tudo mais realmente é 42 e acaba de
descobrir que é ridiculamente péssimo em escrever mini biografias.
2ª Edição 2ª Edição 2ª Edição
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
O insolúvel
Vez outrora, numa tenebrosa madrugada
Ouvindo nada mais que o silêncio
Eu, ébrio solitário, contemplava:
"Que há nesta vida posta ao relento
Que me faça crer que há um sentido;
Uma vida onde o Diabo faz tudo,
Mas que sem um Deus não é nada?"
Tudo corre erroneamente
Pobre do homem que, ingenuamente,
Quis ser conhecedor de si mesmo
A dúvida, tal qual a morte, nos é inerente
E as respostas buscadas incessantemente
No fim, hão de serem postas a esmo
Perguntei às estrelas de onde vem a dor
E dor senti
Perguntei à lua de onde vem o calor
E, suando, contemplei o absurdo
Perguntas formam apenas perguntas
Não consenti
Frente à dúvida a violência deveras fecunda
E, rosnando, dei resposta ao abrupto
Estranho ser que reflete nas águas
Deste lago inóspito
Refleti se pudesse, quiça, conhecer,
Pouco que fosse, do óbvio
Deságua, tristeza, deságua
Tu és tudo que pude reconhecer
E me és fiel tal qual o vento mórbido
Oh, vida! Padecerei!
Separarei-me de ti
Logo eu, que sempre te busquei,
No fim, verei que não te vivi
Mas se quando se nasce se começa a morrer
Talvez na morte eu renasci
Deságua, tristeza, deságua.
Vítor Oliva
Vítor, nascido em Montes Claros/MG e criado nas contendas de Brasilia de Minas/MG acredita que
tudo que não vira poesia, vira pó. Portanto, escreve pra se salvar.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Depois da garoa
Lançados para cima da caminhonete, os pneus se confundem com o céu cor
de chumbo no fim de tarde. Depois da garoa fina e gelada o tempo se
endireita e adota um tom grafite mais indecente e presunçoso. Tal qual um
estivador num estaleiro, o sujeito com barba por fazer e banho por tomar
lança as gomas enrijecidas de um trator, carro ou caminhão para o ar. A meia
lua forma uma saliência corada do lado esquerdo do rosto, que rivaliza com o
cinza do ambiente, e os pés de galinha que surgem no canto superior da vista
verde e já desbotada por um princípio de catarata, denunciam que enquanto se
encarrega do último serviço da tarde, a atenção está nas quatro pernas
roliças e longas que desfilam na calçada e que poucos minutos depois se
misturam por entre outras pessoas zanzando até o terminal rodoviário. Mesmo
assim, a labuta não é interrompida. Certo de que tem um objetivo a cumprir,
o último da quinta-feira, continua o ofício dignamente. Engata um assovio,
que me lembra uma antiga e melancólica música sobre a madrugada fria
durante uma viagem solitária:
“-É noite alta, já chegou a madrugada. Você cansada chora triste e pensa
em mim... “
Orgulhosos por alguns lapsos de segundos, os objetos inservíveis, gastos
de uso, confundem-se com o grafite das últimas stratus remanescentes, para
depois caírem abruptamente na maltratada carroceria de madeira. Quantos
quilômetros aqueles pneus andaram? De quantas histórias foram testemunhas?
Depois de muitas distâncias percorridas, jazerão nos cantos, formando o
cenário triste e caótico de uma borracharia à beira da rodovia.
Dois policiais, rijos na esquina, acompanham a cena, convictos de que
estão cumprindo o seu dever. As mãos, às costas, formam um simbólico pedido
de desculpas pelas crueldades que cometerão nos subúrbios da cidade. Os
bonés, indiferentes, lhes conferem um ar de imponência e autoridade que em
nada combinam com a melancolia do momento. Como se saídos de um comercial da
Tommy Hilfiger, executivos, secretárias, estudantes, atendentes livram-se
das algemas e perambulam pela calçada. Um giroflex ilumina de azul e
vermelho a vitrina, conferindo uma grotesca imagem aos manequins, que ainda
perambulam pelas ruas, como se fossem imagens de telecines defeituosos. O
céu chumbo, de quinze minutos depois da garoa, volta a se enfezar à medida
em que o sol pálido se põe atrás dos prédios. Um cachorro manco chafurda em
sacolas plásticas do lixeiro tombado. Ganha um chute de um piá de prédio na
altura da barriga e foge esganiçando.
A esta altura todos os pneus estão empilhados e prontos para seguir
viagem, a derradeira. O estivador ajeita os fundilhos da calça puída e
endireita o surrado boné. Aninha-se no lado esquerdo da velha F1000 1985
cinza com detalhes em vermelho e bancos de tecidos rasgados e bate a chave,
com o peito estufado e um brilho nos olhos, certo de que a última tarefa do
dia está sendo concluída, como se fosse o capitão de um garboso veleiro
desatracando da costa de Paros e não um humilde estivador urbano levando
dezenas de carcaças de borracha. O velho motor a diesel ronca alto e
mistura-se aos outros sons urbanos, rasga o asfalto e perde-se no horizonte.
Lucas Carniel
Lucas Carniel mora no sertão do sudoeste do Paraná, na barranca do Rio Marrecas. Gosta
de graspa, fala “leitE quentE” e de vez em quando escreve uma ou outra bobagem que pode ser
publicada.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Se o mundo acabasse hoje?
Não me importaria a última tragada,
A última dose, ou talagada.
Isso não é necessário para os loucos,
Tampouco para os sábios.
É apenas um artifício para fugir da realidade.
Se o mundo acabasse hoje,
Eu iria querer estar com ela em meus braços,
Talvez tomando um café, cantando,
Ou muito provavelmente nu.
Se o fim estivesse próximo,
Não assistiria desastres do Jornal Nacional
Ou o final da novela,
Apenas terminaria de assistir a última temporada de Shameless
E talvez ouvir o novo disco do Tagore Suassuna.
Se o fim estivesse próximo,
Terminaria de ler os poucos livros do Bukowski
Que me restam para completar a coleção.
Se o mundo terminasse amanhã.
Quereria saber quando começou.
Diria o que foi difícil de dizer durante a vida inteira.
Não pediria desculpas a quem nunca mereceu,
Um cara digno saberia
Que é necessário encarar a morte com coragem e estilo.
Você não gostaria que ela lhe passasse a foice com desdém.
Gostaria?
Se o mundo fosse acabar amanhã
Eu morreria hoje,
Apenas para ter um gostinho de mistério,
Ao morrer sem saber como acabou.
Se acabou.
Matheus Peleteiro
Matheus Peleteiro, Soteropolitano, 19 anos e estudante de direito. Publica alguns poemas e
afins na sua página "espirituoso e trágico", e escreve por saber que a única coisa que pode
deixar no mundo são ideias, e por seu eterno medo de não deixar nada.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
SEXTA-FEIRA
Todos sabemos:
Amor é algo raríssimo.
Muitas pessoas acham que amam, sentem-se amadas. Mas na verdade tudo não passa de
analgésico mental. Revela-se a farsa quando rosnam tempestades, o céu escurece e a paz
dilui. Mas não era eterno? Pra ser eterno é preciso ser legítimo, coeso. Indelével. É
preciso que haja entrega, sinceridade. Senão será apenas outro relacionamento rico em
angústias. Um castelo que desaba no primeiro sopro, algo fugaz.
"Sede de amor, febre de anseio. Quase a escuridão." - Djavan.
Isso ilustra muito bem o início ou hiato de um relacionamento sem as balizas acima
citadas.
O início é puro receio. Quebrar a barreira de forma precoce pode gerar uma série de
intempéries irremediáveis. Deve-se calcular cada passo como se estivesse num campo
minado.
Sim, a ânsia é imensa, o tesão também. Prudência? Deixe-a crescer. Claro, há
raríssimas exceções no qual ambas as partes se se jogam sem medo. Estamos falando de
algo recíproco (isso acontece uma vez a cada 2014 anos)... Se não fosse pelo fato do
hiato ter sido fruto de várias brigas estúpidas, sua odisseia seria bem semelhante ao
início.
Pra ruir o hiato é necessário que um dos guerreiros resolva oxidar a armadura do
orgulho. A questão é: quem? Primeiramente devemos analisar se realmente vale a pena.
Coloque tudo o que ocorreu numa balança. Veja se em algum momento a pessoa demonstrou
algum sentimento, buscou tua presença, quis teu beijo. Pode parecer estúpido aos olhos
do mundo, mas tais coisas são vitais pra quem tem fé no amor e batalha por um
relacionamento vivo.
E aí? Como foi? Saldo positivo? Caso contrário... Não perca tempo, valorize-se! A vida
segue seu delírio pouco importando se estamos mal ou bem. Saibas que o cosmos é justo,
leal. O universo te conhece com riqueza de detalhes e reverbera perante a energia que
emanas. Ou seja, colhemos o que plantamos. Clichê? Sim, porém, verdade.
Não há espaço para a negatividade (apesar deste universo ser regido por yin e yang).
Negatividade só atrasa e gera oco. Sei que é dificílimo suportar ao absurdo da
existência humana, mas é necessário construir algo. Construir algo com o mínimo de
influências nocivas. Algo fiel, espontâneo. A vida pulsa duro demais para ficarmos em
eterna inércia e infelizmente é preciso beber das trevas para sentir a luz. É preciso
seguir algumas regras, padrões. É preciso remar mesmo que seja imprescindível esperar.
Não há atalhos. Até hoje nenhum ser evoluiu burlando. Até hoje ninguém prosperou sem
amor. Você pode achar tudo isso uma incomensurável bobagem. Afinal, quem é esse cara?
Quanto ele ganha? Onde ele mora? Esposa? Filhos? Possui conta no Itaú Personalitè?
Idade? Diplomas? Quem é esse cara que discursa sobre amor, evolução, luz e trevas como
se fosse um especialista...? Eu sou eu. Ponto. É uma questão de escolhas. Escolhi
pesquisar, estudar, acreditar, percorrer. Escolhi viver todas as peripécias abordadas
acima. Se vale a pena? Tudo vale a pena quando há recíproca. O universo é um organismo
extremamente complexo que possui plena fixação em suas vidas. Nós somos uma espécie de
ribossomos (embora os ribossomos possuam profunda ciência no que diz respeito a seu
papel como vida). Apesar de tudo, sempre estive incongruente perante o mundo, a mercê
de todas as inúmeras intempéries cotidianas. Uma intrínseca sensação de estar no lugar
e hora errados. Cidades. As cidades são estranhas. Eu poderia culpa-las por drenarem
minha suavidade férrea, mas quem possui leveza integral? Ninguém. Até mesmo Jesus
provou sensações nebulosas. Aliás, um pouquinho só de caos não é assim tão ruim (só um
pouquinho). O que isso tem haver com amor? Tudo! O amor na Terra encontra-se fielmente
ligado ao caos, uma vez que criamos uma civilização altamente doente e repleta de
frustrações. Isso gerou uma série de deturpações sentimentais que anularam nossos
incríveis poderes e perpetuaram a terrível adaga do "quase" (neste exato momento estou
recordando um relacionamento que QUASE deu certo). A maioria se entrega, outros
trabalham, muitos se drogam. Alguns criam personagens monocromáticos e se escondem lá
dentro. Poucos escrevem. Enfim, é uma sexta-feira a noite. Uma sexta feira como
qualquer outra que já existiu ou irá existir. Talvez alguém esteja se arrumando
pensando em te chamar pra sair. Ou pode ser que você esteja fazendo a mesma coisa. Boa
sorte.
Cristiano Rufino
Cristiano Rufino
Rio de Janeiro - RJ
22 anos
Escorpiano. Gosta de artes em geral, mulheres.
Extremamente romântico, sincero e um pouco louco.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Boca de Foda
comecei o ano desempregado
me despediram -
O Funcionário Dos Meses -
porque comprei maconha
no lugar errado
na hora errada
com as cadelas do Estado vigiando a
boca
eu odiava aquele trampo,
mas a Paloma estava lá
e com a Paloma como colega,
o escravo da carvoaria se sente
executivo
do banco Safra
ou de qualquer buraco com dinheiro
jorrando
pra gente safada que usa gravata
então fiquei sem a Paloma
e sem as oito horas diárias,
de segunda
a sábado,
atendendo telefonemas de gente com
espírito de porco
e sem as esmolas do dia cinco
e do dia vinte
fiquei deprimido
achava que tinha talento sem
reconhecimento
e era verdade
se fosse na sexta-feira e não na
quinta-feira
o mundo estaria a meu favor
mas era quinta, então tomei no cu
forjei flagrante para a traficante
ela se fodeu mais que eu
a irmã dela,
chorando,
esbofeteou minha cara na delegacia
nem doeu fisicamente,
mas a imagem dos filhos pequenos da
safada,
chorando,
quando os policiais entraram na
casa,
ainda é recorrente na minha cabeça
foi assim que um ano sem muito a
perder começou
e,
para provar
que nenhum poço é tão fundo
que não se possa cavar
até bater com o rabo na porta do
inferno,
ainda consegui piorar
mas não vem ao caso porque são
coisas do coração
invente qualquer história de
amorzinho
que vai dar no mesmo
remorso mesmo,
só sinto pelos cinquenta reais de
maconha apreendida
e pela Paloma que sumiu: ela tem bom
senso
e por escrever isso
com uma gravata apertando meu
pescoço
e eu nem sou executivo.
Platycyamus Regnellii
Platycyamus Regnellii é o pseudônimo de George, um Mogli da roça, perdido na cidade de São
Paulo. Falava com galinhas na infância e nunca trepou com cabras. Estudante e militante pelo
direito de deixar a vida menos pesada, escreve porque foi o pior aluno de matemática da sala e
não tem talento para fazer outra coisa.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Princípios finais
Quando a terceira
idade chegar,
se ela chegar,
eu vou querer estar num bar.
Se eu for rico, um bar de rico.
Se eu for pobre, um bar de pobre.
Jogando cartas,
Vou ter um livro no bolso,
o qual escrevi.
Lerei alguns poemas
lembrando de tudo que perdi,
deixando cair sinceras lágrimas sobre
o papel amassado do passado.
Com a certeza de que só resta a saudade.
Tendo em mente que o amor é sinônimo de dor
mas que não deixa de ser saudável.
Com a paz tão esperada como
um manto sobre alma.
Um desconhecido momento
tomará conta de mim
e me abraçará no centro do
espaço onde deixarei de me mover
para sempre.
Os pássaros irão cantar
todos os dias de manhã
e não notarão minha presença.
Minha gata arranhará
a porta do quarto
esperando me encontrar.
Meu cachorro fará greve de fome
em luto por mim.
Meus amores já mortos
vão preferir ignorar a perda
do que nunca tiveram,
enquanto minha filha sutilmente
chora sua primeira e última lágrima.
Muito provavelmente irá chover
em minha homenagem,
e esse dia será tão feliz
que a morte ficará em dúvidas
se levou a pessoa certa.
Rennan Sama
Rennan Sama, 17 anos.
Nascido no Rio de Janeiro
acostumado à sarjeta
rasteja pelas avenidas da morte
levando preso aos pulsos
toda a dor e o amor
e a salvação que encontrou
em escrever.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Melodias Vendaval
Os ventos noturnos sussurram
Uma singela melodia,
Tão pagã
Que poucos conseguem ouvi-la.
Fadas azuladas e Ogros moribundos
Ao som do vento se perdem,
Fazendo a dança da copulação,
E o desejo e a malicia
Fica no ar,
Explodindo em convulsões carnais.
Cigarros são apagados
Em um pós-sexo,
Bebidas são ingeridas
Após o gozo glorioso.
A noite sempre cai por terra,
Assim cigarros são ascendidos,
Esquentando os corações,
Camas com suor e desejos
Se enchem,
O corpo entra em alma.
O dia amanhece,
E tudo volta ao normal.
Henrique Quaresma
Henrique Quaresma vive perdido em Manaus, é um típico estudante que não estuda, e escreve,
pois não tem talentos em outras artes – e nem nessa.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Depósito de fomes
Abri a geladeira da minha alma
E só o que encontrei foi fome
Pois bem, pensei
Vou comer esta fome
Que é a única que resta
E mastigar com uma pressa
Sem pressa de ter pressa.
Estou ciente
Infelizmente
De que essa fome não tem jeito
Pois desde sempre estive vivendo
Indefinidamente abstinente
E tudo o quanto faço é comer a fome
Que esquenta a geladeira
Dia após dia
Estragando todos os sólidos
Azedando todos os líquidos
Engasgando meu corpo.
Engulo um pouco de saliva
E como.
E como todos os dias
Digo a mim mesmo
Me entregando ao mormaço que se fez meu corpo
Que vivo de fomes.
Artur Dória
Artur Dória, caminhante de ruas esburacadas de Fortaleza. Escreve de forma cínica e
desprotocolada, sem muita certeza sobre o que está escrevendo, mas também não se importa muito
com isso. Já começou muitos textos, poucos terminou. Talvez um dia publique um livro poluído
de frases e versos desconexos e aleatórios que ultimamente vem encontrando em papéis
datilografados na máquina de escrever. Sua primeira poesia foi de amor e é possível que é por
isso que continue a escrever.
SAPIENS MARGINALIS
2ª Edição
Mais uma história
- Mas me conta direito esse negócio ai. Por que que tu escreve?
- Sinceramente não sei. Acho que é pra não pirar. - Respondi
- Só por isso? – Ela insistiu.
- Realmente não tenho ideia. Eu gosto de ler, gosto de ouvir histórias,
gosto de contar histórias. Eu acho que quem escreve tem esse papel
importante dentro da merda toda que é o mundo. Quer dizer, desde os tempos
mais remotos, todas as tribos e o caralho a quatro, sempre tiveram os
contadores de histórias. Gosto de me ver mais ou menos dessa maneira.
- Tipo um xamã?
- É gata, tipo um xamã.
Dei-lhe um beijo e fui até a geladeira pegar mais uma cerveja. Poder
andar nu em casa é uma das melhores sensações do mundo. Fora de casa
também. Dar um rolê por uma praia semi-deserta pelado, é foda! Nadar nu
então? Melhor ainda. Nus, ficamos livres das amarras e de toda a loucura
que a sociedade impõe. Nu vemos todos desarmados, sem ter o que esconder.
Isso nos torna mais humanos.
Vira e mexe eu respondia essa questão para os amigos de bebedeira,
pros amigos de não bebedeira, e até pro meu pai. Por que escrever. Quase
sempre inventava umas histórias diferentes, mas todas elas tinham como
ligação a parte em comum de não querer pirar. Mas até isso era mentira. Eu
queria pirar, sempre. Não pirar, surtar, enlouquecer de tempos em tempos,
me parecia perigoso. Nunca consegui confiar em gente certa de mais,
tradicional de mais. Nada contra, até porque sei que eles também não
conseguem confiar muito em quem pira vez ou outra.
Voltei pra cama. Ela estava lá, nua. Livre de medos e anseios. Queria
apenas minha companhia. Porra, o que mais um cara como eu pode querer do
que uma mulher linda, nua em minha cama, uma cerveja gelada, e o fato de
poder andar nu pela casa e ela ainda assim querer minha companhia? Deitei
ao seu lado, dei-lhe um beijo no pescoço, sentei em frente ao notebook, e
escrevi esse texto, pensando em qual a próxima história que irei contar,
sobre o por que de escrever histórias.
Greg Kooche
Nascido na minuscula Campinas do Sul/RS, criado na árida Campo Grande/MS e atualmente radicado
na famosa ilha da magia, Florianópolis/SC, Greg Kooche se dedica a porres interminaveis, a
escrita de coisas que não precisam ser lidas e a um movimento que encara a vida sendo algo
curto demais pra ser levado muito a sério. Estreou literariamente com Contos Infames em 2014 e
é o mentor e criador do Coletivo Sapiens Marginalis.