Post on 05-Jul-2020
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Organização Pan-americana de Saúde - OPAS e Ministério da Saúde -MS Centro de Pesquisa Ageu Magalhães - CPqAM I FIOCRUZ
Departamento de Saúde Coletiva- NESC Secretaria Estadual de Saúde de PE- Universidade Federal de Pernambuco -
Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social- NUSP
Andréa Araújo de Aquino Anatélia Lopes
Edjane Gomes Sampaio Maria Gorete Coelho
SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO BÁSICA: PROPOSTA PARA IMPLANTAÇÃO DE AÇÕES DE SAÚDE
MENTAL NO ÂMBITO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Orientadora: Marcela Adriana da Silva Lucena
TRIUNFO 2005
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Organização Pau-americana de Saúde - OPAS e Ministério da Saúde -MS Centro de Pesquisa Ageu Magalhães - CPqAM I FIOCRUZ
Departamento de Saúde Coletiva- NESC Secretaria Estadual de Saúde de PE- Universidade Federal de Pernambuco -
Núcleo de Saúde Nblica e Desenvolvimento Social- NUSP
SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO BÁSICA: PROPOSTA PARA IMPLANTAÇÃO DE AÇÕES DE SAÚDE
MENTAL NO ÂMBITO DO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Monografia apresentada por Andréa Araújo de
Aquino, Anatélia Lopes, Edjane Gomes Sampaio e
Maria Gorete Coelho como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista em Gestão de
Sistemas e Serviços de Saúde, no Curso de
Especialização em Sistemas e Serviços de Saúde, pelo
Centro de Pesquisas Ageu Magalhães
CPqAM/Fiocruz com orientação da Professora
Marcela Adriana da Silva Lucena.
TRIUNFO 2005
"Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto exige mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo.
Representa uma atitude de ocupação I preocupação I responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro"
BOFFI 1999
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃ0 .................................................................................................. 02
2. JUSTIFICATIV A .............................................................................................. 03
3. OBJETIVOS ....................................................................................................... 06
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................... 07
4.1 A ATENÇÃO BÁSICA E A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA ....... 07
4.2 SAÚDE MENTAL: REFORMA PSIQUIÁTRICA E NOVO MODELO DE ATENÇÃ0 ......................................................................................................... 12
4.3 REDUÇÃO DE DANOS: UMA ALTERNATIVA EM SAÚDE PÚBLICA PARA O CUIDADO COM O USUÁRIO E DEPENDENTE DE DROGAS .. .22
5. PROPOSTAPARAIMPLANTAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DO PROGRAMA SAÚDE DA F AMÍLIA .............................. .26
5.1. PLANO DE IMPLANTAÇÃO ......................................................................... 26
5.1.1. Caracterização do Município ......................................................................... 26
5.2 PROPOSTA ...................................................................................................... 28
5.2.1 Estruturação da Equipe Transdisciplinar de Saúde Mental ............................ 29
5.2.2 Processo de Educação Permanente ................................................................ 31
5.3 ORÇAMENTO ................................................................................................. 33
5.4 CRONOGRAMA DE AÇÕES .......................................................................... 33
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 34
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 37
ANEXOS ................................................................................................................ 39
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1. INTRODUÇÃO
Este trabalho se destina a proposição de wna estratégia assistencial
voltada para o redirecionamento da atenção em saúde mental no município
de Salgueiro, que possa responder aos problemas relativos a este campo de
atenção que ate então não tem sido priorizado, no que se refere a construção
de uma política de saúde mental integrada ao modelo de atenção a saúde do
município e que venha a contribuir para efetivação dos princípios do SUS.
Desta forma parte-se do levantamento dos principais problemas de
saúde mental no município que justificam este trabalho, e busca-se
enquanto possibilidade para construção de respostas wn referencial teórico
que fundamente a reorientação do modelo assistencial de saúde na
perspectiva do SUS, tendo como focos a reorganização da atenção básica a
partir do PSF e o movimento de Reforma Psiquiátrica considerando seus
princípios e diretrizes.
Por outro lado, a possibilidade de construção destas respostas no
âmbito do município pressupõe necessariamente considerar a organização
do seu sistema de saúde o que será possível através da caracterização do
município.
Assim, diante da constatação de que o Programa de Saúde da
Família é o principal e mais forte dispositivo de saúde se constituindo como
grande responsável pelo o cuidado da saúde da população, a proposta se
delineia a partir deste dispositivo considerando este como o grande veículo
de saúde na comunidade. Portanto será construído um plano de implantação
onde se fará o desdobramento das estratégias e ações a serem realizadas para
a efetivação desta proposta, na perspectiva de contribuir para o
fortalecimento da Atenção Básica e para a ampliação da assistência em
Saúde Mental.
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2. JUSTIFICATIVA
Salgueiro é município sede da Micro-Região do Sertão Central de
Pernambuco, distante a 516 Km da capital do Estado, Recife. Ocupa uma
área de 1.733.7 Km, dividindo-se em quatro distritos, sendo o distrito I
representado pela zona urbana e os outros três pela zona rural.
Possui uma população residente de 53.789 habitantes, sendo
38.960 (72%) na zona urbana 14.829 (28%) na zona rural, com uma
Densidade Demográfica de 29.9Km. A taxa de urbanização é de 77.4% e o
crescimento anual de 0,99%. Segundo dados do IPEA (instituto de pesquisa
e estatística), o município registra um índice de desenvolvimento de 0,558
% , índice de condições de vida 0,581% e a expectativa de vida ao nascer é
de 69 anos.
Localizado no cruzamento rodoviário, que liga o país de Norte a
Sul (BR 116) e Leste a Oeste (BR 232) e faz parte da região denominada
"polígono da maconha". A localização geográfica do município e da região
favorece a produção e o tráfico da maconha, potencializando a violência em
suas várias nuances: roubo de cargas exploração sexual de crianças e
adolescentes, tráfico de seres humanos, assassinatos, entre outras.
Tal situação, juntamente com outros fatores (seca, falta de
alternativas econômicas, e ausência de política de geração de emprego e
renda), determinam o contexto sócio-econômico e cultural em que está
inserido o município, expondo parte da população a fragilidades sociais e
conseqüente falta de perspectiva de vida, o que, por sua vez implica, lançar
as pessoas numa situação de vulnerabilidade, para as diversas formas de
adoecimento físico e psíquico, dentre as quais importa destacar aqui o uso
nocivo da própria maconha e outras drogas licitas (álcool,
benzodiazepínicos) e ilícitas (cocaína, solventes e etc)
4
Neste sentido, o município tem registrado através do Sistema de
Informação da Atenção Básica -SIAB um numero de 698 alcoolistas. J
através de levantamento da Secretaria Municipal de Saúde, a partir dos
dados da Farmácia Básica, há 1.076 usuários de benzodiazepínicos. Quanto
ao uso de drogas, o Ministério da Saúde aponta que 6% da população sofra
de transtornos mentais graves, decorrentes do uso nocivo de álcool e outras
drogas.
Desta forma, o consumo inadequado de substâncias psico-ativas,
bem como os agravos dele decorrentes, constituem importantes problemas
de saúde pública no município.
Soma-se aí a situação de transtornos mentais graves, que
acometem cerca de 3% da população, quanto aos transtornos severos e
persistentes, segundo o MS, o que representa 1.613 usuários do município,
que encontra como única forma de "assistência" em momentos de crise, as
internações em hospitais psiquiátricos das cidades circunvizinhas. Nestes
casos, o município tem atuado apenas quanto ao encaminhamento e a
dispensa da medicação e não dispõe, até o momento de informações que
permitam até mesmo, saber o quantitativo de pessoas para as quais dispensa
a referida medicação, de forma que é muito frágil o domínio do município
no que se refere aos processos de adoecimento psíquico da população. Faz
se importante destacar, que ainda de acordo com os dados do MS, 12% da
população necessita de atendimento na área de saúde mental, o que
representa uma estimativa de 6.455 pessoas que necessitam de assistência
em saúde mental no município, sem, no entanto, estarem sendo
contemplados.
As situações acima colocadas evidenciam a ausência de uma
política de saúde que construa respoFtas para uma significativa parcela da
população, aquela em sofrimento psíquico, deixando uma lacuna no modelo
de saúde adotado pelo município. Embora o Plano Municipal de Saúde
(2001-2005), construído através do Fórum Municipal de Saúde, que contou
com representação de vários segmentos sociais, aponte a necessidade de
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uma política voltada para esta área. Faz-se necessário, então, à implantação
de uma política de saúde menta~ construída a luz das contribuições trazidas
pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica, pelo modelo redução de danos e
norteada pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.
Nessa perspectiva, o presente trabalho VISa contribuir para o
en:frentamento dos problemas acima citados, construindo uma proposta de
intervenção, na área de saúde mental, a partir do redirecionamento do
modelo de atenção a saúde do município, com a incorporação das ações de
mental na Atenção Básica. Este nível de atenção absorve a maior parte
saúde da demanda de assistência pela população, tendo como estratégia para
sua viabilização o Programa de Saúde da Família preconizado pelo
Ministério da Saúde, para organização da atenção básica, a partir do
referencial territorial. Assim, a inserção das ações de saúde mental no
programa de saúde da família tem como principal finalidade a resolutividade
dos problemas de saúde menta~ a partir da construção de respostas dentro
do território.
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3. OBJETIVOS
3.1. OBJETIVO GERAL
Elaborar uma Proposta de Implantação das ações de saúde mental na
atenção básica a partir da política de saúde do município na perspectiva da
efetivação dos princípios do SUS.
3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
3.2.1. Analisar os principais problemas de saúde mental no município~
3.2.2. Resgatar referenciais teóricos e portarias existentes no âmbito
nacional que fundamentem a proposta de saúde mental na
atenção básica
3.2.3. Elaborar diretrizes e plano de trabalho com cronograma e
orçamento que viabilizem a proposta de saúde mental na atenção
básica.
3.2.4. Caracterizar o município, quanto a sua política de saúde, na
perspectiva de elaborar uma proposta de saúde mental na atenção
básica.
4. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
4.1. A ATENÇÃO BÁSICA E A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA
FAMÍLIA
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O importante Movimento da Reforma Sanitária, desencadeado
quando o Brasil estava vivendo o processo de redemocratização, integrou
um conjunto amplo de mudanças na sociedade, propondo a rede:finição de
saúde enquanto ''resultado das condições de educação, habitação,
saneamento, salário, transporte, terra, lazer, meio ambiente, liberdade e paz"
(AROUCA, 1988). Este movimento se caracteriza enquanto referencial para
os rumos que as políticas de saúde no Brasil, tomaram a partir deste
momento, uma vez que no seu interior se desenvolveu grande parte da luta
política, que se desdobrou na VII CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE (1986), NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988) e
conseqüentemente na instauração do SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
(SUS).
O que desencadeou todo este processo que se iniciou com a
Reforma Sanitária e continua acompanhando a tr~etória do SUS, é a
necessidade do redirecionamento do Modelo Assistencial de Saúde. Este
redirecionamento, apesar de se evidenciar enquanto necessidade há mais de
duas décadas, apenas nos últimos anos, tanto pelas demandas de saúde da
população como pelas pressões técnico-políticas e assistenciais vêm se
impondo enquanto necessidade urgente.
O redirecionamento do modelo assistencial, necessariamente
envolve a reorganização da Atenção Básica (já que esta absorve a maior
parte da demanda de saúde), tanto em relação aos outros níveis de
complexidade da assistência, quanto em relação ao que lhe é próprio, ou
seja, no que diz respeito aos seus aspectos conceituais, estratégicos e
operacionais. Diante disto, o Departamento de Atenção Básica do Ministério
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8
da Saúde (DAB/MS), segundo VILASBÔAS (2003), a partir dos aspectos
acima citados, "está desenvolvendo um processo de discussão, de modo a
criar uma identidade institucional em tomo da Atenção Básica, com o
propósito de estabelecer bases estruturantes para a implementação da
prioridade política da expansão e qualificação da Atenção Básica no Brasil,
sob a lógica de descentralização do SUS".
Assim, na perspectiva da reorientação da Atenção Básica, no que
se refere à base conceitual, esta passa a ser designada como porta de entrada
do sistema, por oferecer o primeiro nível de atenção à saúde. E tem como
um dos pilares, o princípio da integralidade, compreendido como articulação
das ações de promoção da saúde, e prevenção, tratamento e reabilitação de
agravos e doenças.
Considerando estes aspectos, o Programa de Saúde da Família
tem sido apontado pelo Ministério da Saúde como a principal estratégia para
a reorganização da Atenção Básica, tendo como eixo central à noção de
desintitucionalização, já que sua operacionalização se dá não a partir das
instituições, mas, a partir do território. Consiste então, na implantação de
equipes multiprofissionais, que devem responder pela saúde de uma
determinada população, quantificada por número de famílias, adstrita a uma
área geográfica delimitada, que compõe o território, se constituindo como
referência em saúde naquele território.
Território, por sua vez não se restringe, aqu~ a noção de área
geográfica, mas se constitui no lugar onde acontecem as relações, os
conflitos, a luta por melhores condições de vida, a doença e a saúde, ou seja,
o território é o lugar onde a vida se desenvolve. E, portanto, se constitui no
espaço privilegiado para as intervenções de saúde, pois pela proximidade
que permite entre a Equipe de Saúde da Família e os usuários, "viabiliza o
estabelecimento do vínculo e da responsabilização, possibilitando a
percepção das dimensões subjetivas e das determinações psicossociais
envolvidas nas formas de adoecer da população". (MS/SAS 2005).
9
O Programa de Saúde da Família tem, portanto, a noção de
território como um dos seus grandes referenciais. Ao lado deste, outras
referências norteiam o Programa, destacando-se a Responsabilidade
Sanitária, o Vínculo e a Acolhida.
Responsabilidade Sanitária se refere ao compromisso da equipe
com a saúde dos usuários, principalmente àqueles em situação de risco para
o sofrimento, na perspectiva de responder pelos problemas de saúde da
população adstrita aquela área, para qual se constitui como referência,
através da produção do cuidado integral em relação à saúde coletiva e
individuaL
CAMPOS (I 992), aponta para a importância da diretriz da
responsabilização, entrelaçada as de vínculo e acolhida, afirmando serem
fundamentais para assegurar a qualidade do cuidado e a legitimação dos
serviços públicos, pelos usuários.
Neste sentido, refere que a "noção de acolhida, deveria dizer
respeito tanto à abertura dos serviços públicos para a demanda, como da sua
vocação para responsabilizar-se por todos os problemas de saúde de uma
região, numa dupla perspectiva, segundo as possibilidades de acesso de
novos e velhos pacientes ao atendimento e ainda de acordo com a
plasticidade do modelo de atenção".
Esta perspectiva vislumbrada por CAMPOS (1992), de
ampliação do acesso aos serviços de saúde, contida na noção de acolhida é
radicalizada por MERHY, quando este traz a questão da acessibilidade
enquanto um dos princípios do acolhimento, colocando: "o acolhimento
propõe que o serviço de saúde seja organizado de forma usuário centrada,
tendo como princípios:
1. O atendimento de todas as pessoas que procuram os
serviços de saúde, garantindo a acessibilidade universal;
2. A reorganização do processo de trabalho, deslocando
seu eixo central da figura do médico, para a equipe interdisciplinar,
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que se encarrega da escuta do usuário, comprometendo-se em
resolver seu problema;
3. Qualificação da relação trabalhador - usuário, que
deve dar-se por parâmetros humanitários, de solidariedade e
cidadania."
4. Portanto, conforme descrito acima, a estruturação de
serviços de saúde de qualidade, centrado no usuário, tem uma
relação direta com o que SANTOS (1992), chama de "coeficiente de
acolhida".
O trabalho do PSF, enquanto porta de entrada do sistema de
saúde, não poderia deixar de ter o acolhimento como diretriz. Entenda-se
que acolhimento aqui não diz respeito apenas à recepção do usuário no
serviço de saúde,_conforme TEIXEIRA ( ), "o acolhimento não se trata de
uma atividade em particular, mas de um conteúdo de qualquer atividade
assistencial. Trata-se rigorosamente de uma técnica de conversa, um diálogo
orientado pela busca de uma maior ciência das necessidades de que o
usuário se faz portador e das possibilidades e dos modos de satisfaze-las".
Consoante descrito acima, outra diretriz do Programa de Saúde
da Família, está na noção de vínculo, que CAMPOS (1992), considera "um
dos elementos essenciais para a instituição de uma prática clínica de
qualidade", e neste sentido sugere que sua aplicação "poderia cumprir dois
objetivos na reforma dos serviços públicos: aumentar a eficácia das ações de
saúde; e, introduzir no espaço destes serviços, uma das formas de controle
social mais efetivo já experimentado - o controle realizado pelos próprios
interessados, no mesmo momento em que os cuidados estão sendo
produzidos".
A produção do acolhimento e a constituição do vínculo, portanto,
devem perpassar toda relação da Equipe de Saúde da Família com o usuário,
do contrário, tem-se o que MERHY chama da "Perda da Dimensão
Cuidadora na Produção de Saúde", quando coloca que os usuários, de um
modo geral, ''reclama não da falta de conhecimento tecnológico no seu
.·~
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atendimento, mas sim da falta de interesse e responsabilização dos
diferentes serviços em tomo de si e do seu problema". Assim, para este
autor, a dimensão cuidadora se efetiva, através das relações estabelecidas
entre traballiadores de saúde e usuários, ou seja, a partir do "encontro entre
duas pessoas, que atuam uma sobre a outra, e no qual opera um jogo de
expectativas e produções, criando-se intersubjetivamente( ... }, momentos de
fala, escutas e interpretações, no qual há produção de uma acolhida, ou não
das intenções que estas pessoas colocam neste encontro; momentos de
cumplicidades, nos quais há a produção de uma responsabilização em tomo
do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e
esperança, nos quais se produzem relações de vínculo e aceitação."
MERHY considera tecnologia, todos os instrumentos (materiais
ou subjetivos) que permitem a realização das ações de saúde (das máquinas
à escuta, passando ainda pelo conhecimento em saúde). Assim classifica os
aparelhos e ferramentas-máquinas usadas nos procedimentos de saúde (ex:
aparelho de raio x, máquina de ultra-sonografía, etc) como Tecnologias
Duras; os saberes estruturados dos profissionais (saber médico, saber do
psicólogo, etc}, como tecnologias Leve-Duras e os elementos subjetivos,
presentes na relação entre os trabalhadores de saúde e os usuários, que
possibilitam a materialização do "trabalho vivo em ato", de Tecnologias
Leves, estas tem como campo principal de atuação, enquanto articuladoras
das outras tecnologias, o campo da clínica. Assim apesar destas tecnologias
leves, se fazerem necessárias em todos os níveis de atenção à saúde,
entende-se que é na atenção básica que são potencialmente resolutivas, por
se constituírem, tanto como instrumentos de resolução para grande parte dos
problemas de saúde que chegam neste nível de atenção; como pela
capacidade em articular outro níveis de configurações tecnológicas,
necessárias à resolução dos problemas.
Faz-se necessário destacar que não se está deixando de
considerar aqui a importância das demais tecnologias, nem dizer que todas
as ações de saúde se encerram na utilização das tecnologias leves, mas antes
que estas precisam permear a utilização das outras tecnologias, pois
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conforme o próprio MERHY, "só a conformação adequada da relação entre
os três tipos é que pode produzir qualidade no sistema, expressa em termos
de resultados, como: maior defesa possível da vida do usuário, maior
controle dos riscos de adoecer ou agravar seus problemas e desenvolvimento
de ações que permitam maior grau de autonomia na relação do usuário no
seu modo de estar no mundo".
A missão do Programa de Saúde da Família, enquanto estratégia
utilizada para reorganização da atenção básica, é exercer uma clínica que
possibilite, por um lado, a desconstrução do paradigma que dava
sustentação ao antigo modelo assistencial, centrado no tratar a doença e,
por outro lado, a edificação de um novo paradigma que fundamente o atual
modelo, centrado no cuidar do sujeito, considerando suas várias dimensões,
dentro do seu espaço de vida- o território. É então possibilitar a construção
de um novo modelo de atenção à saúde, baseado na ética do cuidado.
Considerando que ''Cuidar é mais do que um ato; é uma atitude. Portanto
abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo representa
uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro." BOFF, citado por SILVA (2001 ).
A ética do cuidado deve está subjacente a todo o modelo de
atenção à saúde nos seus vários níveis de atenção, mas tem na atenção
básica sua morada, se fazendo esteio das diretrizes de responsabilidade
sanitária, vínculo e acolhimento, que devem nortear a prática clínica das
Equipes de Saúde da Família
4.2. SAÚDE MENTAL: REFORMA PSIQUIÁTRICA E NOVO MODELO
DE ATENÇÃO
A reforma psiquiátrica se configura também como um dos
principais referenciais teóricos deste projeto porque vem representar, tanto
uma reforma no modelo de atenção em saúde menta~ como também a
possibilidade de mudança total no rumo da política de saúde mental a partir
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13
de uma proposta de transformação nas bases do que tem determinado e
referendado a formulação de tal política. Bases estas, que se situam no
campo conceitual da loucura e da psiquiatria, no campo assistencial que
pressupunha a instituição asilar e no campo cultural.
AMARANTE (1995), considera que a reforma psiquiátrica se
constitui num "processo histórico de formulação crítica e prática, que tem
como objetivos e estratégias o questionamento e a elaboração de propostas
de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. No
Brasil, surge mais concreta, e principalmente a partir da conjuntura da
redemocratização em fins da década de 70. Tem como fundamentos não
apenas, uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental,
mas também - e principalmente uma crítica estrutural ao saber e as
instituições psiquiátricas clássicas, dentro de toda a movimentação político
social que caracteriza a conjuntura da redemocratização".
Este processo teve como primeiro e principal ator o Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), que se constituiu, a princípio
num movimento corporativista, congregando várias categorias profissionais
atuantes no campo da saúde mental, questionando a assistência psiquiátrica,
caracterizada na época por inúmeras irregularidades nos hospitais
psiquiátricos. E se transformando em seguida movimento social, de cunho
político, ao compreender que as distorções relativas à assistência psiquiatra,
se por um lado estavam vinculadas às contradições próprias do campo da
psiquiatria, por outro lado, tinham relação direta com as políticas de saúde,
decorrentes, por sua vez, da organização política do Estado autoritário.
Segundo AMARANTE (1995) este movimento passa a defender a posição
de que a "luta pela transformação do sistema de atenção à saúde, está
vinculada à luta dos demais setores sociais em busca da democracia plena e
de uma organização social mais justa" e especificamente em relação à saúde
mental, reivindica "maior participação dos técnicos nas decisões dos órgãos
responsáveis pela fixação das políticas nacionais e regionais de saúde
mental" .
14
A partir de então o MTSM consolida sua posição crítica em
relação à instituição asilar e sua opção pela desinstitucionalização como
estratégia a ser utilizada para o redimensionamento do conceito de loucura.
A noção de desinstitucionalização tem como pressuposto a desmontagem de
todo aparato responsável por restringir a complexa experiência da loucura à
noção de doença mental. Noção esta, que foi trazida pelo psiquiatra italiano
Franco Basaglia e se constitui como eixo central para ·a Psiquiatria
Democrática Italiana, referência para a Reforma Psiquiátrica Brasileira.
As bases da experiência italiana, portanto, estão na tradição
basagliana, ou seja, no conjunto de idéias desenvolvido por Basaglia, a
partir de seu trabalho em um hospital psiquiátrico de Gorizia Sua
expectativa era humanizar este hospital, instalando ali uma Comunidade
Terapêutica\ segundo os princípios de Maxwel Jones e François Tosqueles.
Basaglia percebe, entretanto, que para lidar de uma forma
diferente com a loucura, não basta humanizar ou transformar o manicômio,
é preciso questionar os fundamentos em que está assentada a necessidade
deste como lugar de tratamento, portanto é preciso questionar o paradigma
psiquiátrico, que centrado no saber médico, reduziu o fenômeno da loucura
à doença mental.
Suas críticas se voltam para a própria psiquiatria, que para ele
"sempre colocou o homem entre parênteses e se preocupou com a doença",
propõe, assim, a partir de um referencial existencial-fenomenológico, que
esta equação seja invertida, suspendendo a doença para que o sujeito seja
percebido na sua "existência-sofrimento".
"Os italianos postulavam a necessidade de um processo em que a
loucura pudesse ser redimensionada, não para fazer sua apologia, mas para
1 As Comunidades Terapêutica smgiram na Inglaterra, visando a transformação das instituições psiquiátricas, propondo o resgate de seu potencial terapêutico, sem pretender o fim destas instituições.
15
cnar condições que permitissem que esse momento de sofrimento
existencial e social se modificasse". (BARROS,1994)
A Reforma Psiquiátrica Brasileira tendo como referência à
experiência italiana, visa o redimensionamento do conceito de loucura, o
que para BIRMAN (1991) implica em "delinear um novo lugar social para a
loucura", que se pretende fora do hospício e dentro da sociedade.
Soube-se através da obra de MICHEL FOUCAULT (1978), A
História da Loucura na Idade Clássica, que o louco ao ter sua especificidade
reconhecida, durante o século XVIII, entre os demais marginalizados foi
enquanto ser da desrazão (alienado mental), de forma que estas
características lhe tiraram a condição de sujeito, perante a sociedade, ao
mesmo tempo em que lhe conferiram a condição de objeto de estudo e
intervenção da medicina, passando a ser "governado" pelo Estado, já que
não teria condição de se autogovemar, nem de manter contato com os
cidadãos. O louco foi então, retirado do convívio social, do contato com a
família, com sua comunidade, pois como ser desrazoado oferecia perigo à
sociedade e enclausurado no hospício, onde iria ser tratado e tutelado, tendo
seus direitos seqüestrados, sua autonomia e cidadania confiscadas.
Esta operação, por sua vez foi realizada pelo médico francês
Philipe Pinel, quando ao reconhecer a especificidade da loucura e com o
intuito de classificar suas várias formas, separou o louco dos demais
desviantes; dando origem ao alienismo. Este por sua vez precedeu
psiquiatria, de forma que a medicina a partir de então assumiu o saber e o
poder sobre a loucura. Foi assim que a psiquiatria passou a deter a "patente"
da doença mental, que se constituiu em seu paradigma.
Assim, quando a reforma psiquiátrica, vem ousar delinear um
novo lugar social para a loucura, a primeira ruptura que precisa fazer,
portanto, é com a unilateralidade da visão médica da loucura e
conseqüentemente com a necessidade da instituição psiquiátrica enquanto
lugar de tratamento. Se caracterizando como uma ruptura institucional, no
16
sentido de desconstruir o próprio hospício. Além de tudo o que foi instituído
pela psiquiatria enquanto detentora do saber médico: a noção restritiva de
doença mental, os pressupostos de periculosidade, incapacidade,
irracionalidade, disseminados no tecido social e que vinculam a imagem do
louco ao controle jurídico e policial, a necessidade de isolamento e toda
sorte de preconceitos em relação à loucura.
Em decorrência do que está posto acima, a prática institucional
se fundamenta sobre a ideologia de que o asilo representa o local de
tratamento, através do qual, o louco vai readquirir sua razão e
conseqüentemente a sociabilidade, para que possa voltar a viver em
sociedade. Esta falácia revela, na verdade a grande contradição do modelo
asilar, pois como se pode "readquirir a sociabilidade", se justamente a
primeira operação que a instituição psiquiátrica realiza é privação imposta
ao sujeito, de seu espaço de relação, do seu contato familiar e comunitário?
É, portanto, no sentido de romper com esta ideologia
institucional do asilamento, que tem início o processo de
desinstitucionalização, trazendo a tona à contradição inerente ao modelo
asilar. Mostrando que, se uma das capacidades comprometida (não perdida)
no momento da crise, é a de relação, de contato social, já que o sujeito
rompe com a realidade e com sua própria noção de identidade, faz-se
necessário que este sujeito não perca os vínculos, as referências onde se
ancora sua existência, de forma que possa permanecer próximo (ou dentro)
de sua casa, de sua família, de sua comunidade.
Nesta perspectiva, baseados na experiência desenvolvida na
cidade de Trieste, onde a saúde Mental foi reestruturada, a partir do
fechamento do hospital psiquiátrico e conseqüente substituição por uma
rede de serviços territoriais, DELL'ACQUA E MEZZINA (1991) defendem
que o serviço de saúde precisa está perto do usuário, como também de sua
rede de relações, do que caracteriza e norteia sua vida, para que assim, a ida
ao serviço, mesmo e principalmente nos momentos de crise, não represente
uma "parada" na sua existência, nos seus projetos, mas a garantia de
continuidade, a certeza de que apesar da crise, sua vida segue.
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O serviço de saúde mental, para estes autores "torna-se central
no interior daquela área definida, torna-se ponto de observação privilegiado
e absolutamente único, porque é capaz de desenvolver uma observação
inter/ativa, que se alonga em um espaço finito, porém extremamente
complexo e articulado em sua definição, espaço este que reflete e representa
tudo aquilo que uma população produz em termos de patologia, de mal
estar, de conflito e de distúrbio social, e que se projeta de modo linear e
constante no tempo, seguindo as histórias, as experiências pessoais, a
evolução do espaço territorial e da sua população, modificando as suas
respostas em continuidade com os novos contextos".
Este serviço, portanto viabiliza o desenvolvimento de uma rede
de relações no território, se constituindo em lugar de troca, de intercâmbio
entre os vários saberes, em que o saber médico-psicológico é mais um, não
o único a oferecer, não só a possibilidade de compreensão deste fenômeno
complexo que é a loucura, mas principalmente de compreensão do sujeito
que sofre.
Decorrente daí, o serviço, possibilita, o desenvolvimento de uma
nova prática, não apenas psiquiátrica, mas de um novo agir, que pressupõe a
interação do sujeito que sofre, não apenas com o corpo técnico, mas com
todo o corpo social, através da ampliação das relações sociais que o serviço
deve proporcionar, modificando o imaginário social a respeito da loucura,
até então permeado pelas imagens de periculosidade, irracionalidade, que
inviabilizariam o contato social, pela compreensão e tolerância da diferença,
através da proximidade da mesma
Esta nova forma de atenção, portanto, rompe com a velha
ideologia manicomial, pois o serviço territorial se constitui no ponto nodal
de todo o processo de desinstitucionalização. Baseando-se no princípio de
"tomada de responsabilidade", ao qual DELL' ACQUA E MEZZINA (1991)
se referem como a responsabilidade que o serviço deve assumir em relação à
saúde mental do território ao qual pertence. Não na forma de controle, de
prevenção no sentido de "impedir" a ocorrência de crises, "desajustes
18
mentais", mas na forma de "presença", de atenção, onde "explícita-se uma
intenção de proximidade ao paciente, de sua pertinência ao serviço", ou seja,
de cuidado para com a saúde individual e coletiva, que segundo CAMPOS
(1992), está necessariamente atrelado às noções de vínculo, acolhida e
responsabilidade.
Desta forma o cuidado em saúde compreende tanto o nível mais
global, do serviço para com toda a área, como também no nível mais restrito
da relação terapêutica, do profissional, enquanto pessoa, que
cuida/acompanha o usuário enquanto pessoa. Assim "o cidadão é
acompanhado (apoiado) pelo serviço na rede de instituições da organização
social (tribunal, presídio, hospital, assistência social ... ) que serão, por sua
vez ativadas pelo serviço 'segundo a necessidade' do paciente".
Esta noção de cuidado não significa governar o usuário, como é
corrente na prática asilar - representando a destituição de sua autonomia.
Assim, mesmo em situações estanques em que o serviço precise lançar mão
da do controle sobre o usuário, por este se encontrar em situação que
necessite de maior proteção, esta operação é realizada de forma
personalizada pelo profissional cuida/acompanha o usuário.
Entende-se então que o cuidado em saúde se constitui numa
possibilidade de ampliação da autonomia do usuário, na medida em que
envolve o que TYKANORI (1996) chama de "emprestar poder contratual",
ou seja, que esta relação onde o serviço, representado pelo profissional,
assume a responsabilidade sobre o cuidado do usuário, possibilite o aumento
do poder contratual deste, através do empréstimo pelo profissional, da sua
própria contratualidade. Assim, com o seu poder de troca, de contrato
restituído, o usuário passa a requerer menos dispositivos assistenciais do
serviço, readquirindo a condição de "cuidar de si mesmo", de governar-se.
Condição esta retirada do plano da loucura, quando esta foi
inscrita na noção de doença, pois sendo o louco transformado em ser da
desrazão, seria também um ser desgovernado, sem autonomia. Da mesma
·""'-
r--,
19
forma, que neste momento uma outra condição, lhe foi confiscada, quando
ao ser considerado pela ciência como ser a quem falta à razão e a vontade,
não sendo capaz de arbitrar sobre sua liberdade, de respeitar as regras
sociais nem de submeter-se ao pacto social, não podia dispor da condição de
cidadania, portanto, não seria um cidadão. E sendo o espaço social destinado
aos cidadãos, o doente mental não cabia aí, o que se constituía em mais urna
razão para o asilamento, ou seja, a exclusão do louco, do espaço familiar e
social, passando a ter seu destino definido pela instituição psiquiátrica e
pelo Estado, perdendo assim a possibilidade de gerir sua liberdade, seus
bens, enfim, todos os seus direitos.
É, também com esta posição da psiquiatria que a reforma
psiquiátrica vem romper, no sentido que não é mais possível tolerar uma
posição que na sua raiz traz a negação da condição de sujeito, e portanto, de
cidadão ao sujeito portador de transtornos mentais, comparando-o a tudo o
que carece de valor. Quanto a isto, BIRMAN ( 1991 ), coloca que "A reforma
psiquiátrica e o reconhecimento efetivo da cidadania para os loucos,
implicam na constatação de que estes não têm qualquer dívida para com a
nossa razão científica e tecnológica, de que não existe absolutamente nos
loucos nenhuma falta a ser preenchida, para se transformarem em sujeito da
razão e da vontade".
É neste sentido que o processo de reforma psiquiátrica vem
empreendendo sua luta, na tentativa de resgatar tudo o que foi confiscado do
louco, quando foi reduzido a condição de doente mental. Para isto constitui
se num processo complexo que vem operando mudanças, nas esferas
conceituais, assistenciais, jurídicas, cultural, políticas e sociais, visando
estabelecer uma experiência de proximidade com a loucura, que só na
relação com a comunidade pode acontecer. Possibilitando assim, uma outra
noção de loucura, resultante do diálogo entre os diversos saberes, tendo em
vista uma compreensão mais ampla deste complexo fenômeno.
Conforme já se aludiu, a Reforma Psiquiátrica não se resume ao
campo assistencia~ este é o campo, que no Brasil, tem puxado as outras
transformações. Através das experiências de implantação dos serviços
20
substitutivos e alternativos, que na perspectiva de substituir o hospital
psiquiátrico, têm se constituído como serviços especializados, portanto
integrando o nível secundário de atenção à saúde.
São os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) que segundo
Amarante (1996) , são "centros de saúde mental 'fortes', isto é com
funcionamento ininterrupto, que são responsáveis por todo e qualquer tipo
de demanda psiquiátrica-psicológica de uma determinada região geo
político-cultural na cidade, que neste contexto vai ser denominada
território". Neste sentido, a noção de território transcende a designação de
delimitação geográfica, se configurando como lugar privilegiado, onde se
desenrolam as relações humanas, em toda sua complexidade, de forma que o
CAPS, construído a partir desta dimensão territorial, que rompe com a
dimensão institucional, se constitui muito mais do que num centro de saúde
mental, num espaço articulado com os vários setores da comunidade,
oferecendo acolhida e disponibilidade de troca numa perspectiva não
somente clínica, mais social.
Embora os CAPS se constituam como serviços substitutivos por
excelência, numa referência territorial, talvez a grande maioria dos
municípios não tenha condições de arcar com este serviço, mesmo porque
esta grande maioria responde pelos problemas de saúde primários da
população, assim é preciso construir outros mecanismos de atenção à saúde
mental, que possam está em qualquer município, portanto o mais próximo
possível do usuário, garantindo o acesso deste ao serviço, assim, entende-se
que um mecanismo que pode ser utilizado para atenção à saúde mental, é a
incorporação das ações de saúde mental na Atenção Básica, por meio do
Programa de Saúde da Família
Reportando-se as diretrizes do PSF, percebe-se que estas se
constituem num ponto de interseção entre este programa e o modelo de
atenção à saúde mental, proposto pela reforma psiquiátrica, pois ambos têm
como eixo central a desinstitucionalização e devem partir da dimensão
territorial, estando aí implicadas as diretrizes de acolhimento, vínculo e
21
responsabilização, para a operacionalização do cuidado em saúde, na
perspectiva do desenvolvimento do autocuidado, elemento essencial para a
ampliação e/ou resgate da autonomia e cidadania dos usuários.
Neste sentido, CABRAL ET AL (2001), referindo-se a
experiência de implantação do Programa de Saúde Mental a partir do PSF,
no Cabo de Santo Agostinho: '" ... percebe-se que foi consolidada, mesmo
antes de existir na prática uma aliança entre os Programas de Saúde Mental
e Saúde da Família Percebeu-se também que há no campo teórico uma
sintonia quanto aos seus princípios. O PSF, em sua essência trabaha com a
lógica da desinstuticionalização, com maior ênfase no vínculo, estando suas
equipes intensamente engajadas no cotidiano da comunidade, incorporando
ações de promoção e educação para a saúde na perspectiva da melhoria das
condições de vida da população".
Tal como esta, cada vez mais cresce o número de experiências
em saúde mental que partem da comunidade, do território, viabilizadas pelo
Programa de Saúde da Família, com o suporte técnico de Equipes ou
serviços '"especializados" em Saúde Mental. Sempre considerando que as
soluções para problemas de saúde que ocorrem em um dado momento e
local precisam ser pensadas a partir deste momento e deste local.
Estas experiências, portanto traduzem o que LANCETTI (2001.)
designa por "'radicalizar na desinstitucionalização", o que implica "dar um
passo a mais no abandono da morada da psiquiatria e intensificar o status
ontológico da cidadania O paciente é primeiro um cidadão e depois um
quadro psicopatológico".
Conclui-se, portanto, que com a reforma psiquiátrica, começa a
se pensar num outro lugar para a loucura, que não o lugar da falta; da
diferença sim, mas não da negatividade. Portanto faz-se necessário um
maior intercâmbio com as diferenças em geral, o que é possibilitado no
território, através dos serviços de saúde aí instalados, que nesta lógica
territorial, devem se constituir, não em centros de tratamento, mas de
~'"'\
22
cuidado, não de assistência à doença, mas de produção de saúde, não de
reabilitação no sentido de habilitar o usuário a realizar um determinado
serviço, mas de reabilitação enquanto resgate de cidadania e
desenvolvimento da autonomia, e conseqüentemente de espaço onde se
produz qualidade de vida.
4.3. REDUÇÃO DE DANOS: UMA ALTERNATIVA EM SAÚDE
PÚBLICA PARA O CUIDADO COM O USUÁRIO E DEPENDÊNTE DE
DROGAS.
Com a finalidade ainda de embasar teoricamente este projeto,
será trazido aqui alguns aspectos relativos à estratégia de redução de danos
enquanto medida de saúde pública, no sentido de promover a atenção e o
cuidado para com os usuários e dependentes de drogas, já que esta questão
se coloca como um dos problemas de saúde do município de Salgueiro.
A redução de danos é um movimento internacional que surgiu de
forma mais intensa como resposta à propagação da AIDS na década de 80.
No entanto, QUEIROZ (2001) aponta que as primeiras experiências com
esta abordagem para os problemas relativos ao consumo de drogas
aconteceram em momentos anteriores, citando como exemplo a Inglaterra,
que começou a usar esta abordagem enquanto intervenção de saúde pública
na década de 20 e a Holanda nos anos 70. A autora relata que este país ao
estruturar urna política nacional de tolerância às drogas, publica através do
"Comitê de Narcóticos" em 1972, um documento estabelecendo que as
"premissas básicas de uma política de drogas deveriam ser congruentes com
a extensão dos riscos envolvidos no uso das mesmas, o que convergia para a
aplicação de intervenções via redução de danos". Portanto, de acordo com o
que está colocado, o objetivo da redução de danos em relação ao uso de
drogas, "não é a erradicação do uso da droga ilícita, mas a minimização do
seu dano". (REALE citado por QUEIROZ, 2001).
f',
~'
23
Para MARLLAT (1999), a redução de danos é uma alternativa
de saúde pública para os modelos Moral e Médico, adotados pela sociedade
para lidar com o uso e dependência de álcool e outras drogas.
Nessa perspectiva, enquanto o Modelo Moral tem o objetivo de
"livrar a sociedade das drogas", propondo a redução da oferta da droga e o
Modelo Médico entende o problema da droga como "doença
biológica/genética que requer tratamento e reabilitação" e, portanto, tem
como estratégia os programas de tratamento e prevenção, com ações
voltadas para a redução da demanda, o Modelo de Redução de Danos se
volta para a avaliação das conseqüências e efeitos do uso de drogas, que
sendo prejudiciais ao usuário e/ou a sociedade, tem-se como meta a redução
destes prejuízos e não a abstinência em relação à droga (MARLLAT, 1999).
Uma reflexão parcial acerca dos modelos moral e médico, leva a
compreensão de que ambos pressupõe a abstinência total quanto ao uso de
drogas na sociedade, a erradicação do consumo, seja pela eliminação da
própria droga ou da demanda pela droga Entretanto, as experiências em
relação a tais modelos mostram que não se tem conseguido resultados
efetivos quando da utilização de práticas voltadas à repressão ao uso e
proibicionismo das drogas. Neste sentido, MARLLAT (1999), coloca que
estas abordagens, onde a abstinência é um pré-requisito para o tratamento,
são abordagens de "alta -exigência" onde não se diferencia o uso em leve,
moderado ou pesado, nem os graus de uso prejudicial, de forma que
qualquer uso, significaria em si um abuso. Por outro lado, o Modelo de
Redução de Danos, embora reconheça a abstinência como um resultado
ideal, seu objetivo principal não reside ai, mas em minimizar os prejuízos, o
que pode corresponder em determinados momentos, a diminuição do
consumo, se constituindo numa abordagem de baixa-exigência.
QUEIROZ (2001), por sua vez, lembra que redução de danos é
mais que uma alternativa a abstinência no tratamento da dependência
química e na prevenção do lllV I AIDS, trata-se do "manejo seguro de uma
ampla gama de comportamentos de alto risco e dos danos associados a eles.
Desse modo, o importante não é se o comportamento é bom ou ruim, certo
24
ou errado (. .. ) a ênfase é se o comportamento é seguro ou inseguro,
favorável ou desfavorável. A redução de danos centra-se no que funciona
(pragmatismo) e no que ajuda (empatia e solidariedade)". Desta forma, o
princípio que norteia esta abordagem "é o respeito a liberdade de escolha, à
medida que os estudos e as experiências dos serviços demonstram que
muitos usuários não conseguem ou não querem deixar de usar drogas e,
mesmo assim precisam ter os riscos decorrentes do seu uso minimizados."
A redução de danos constitui-se, portanto, numa medida de
saúde pública, que tem como finalidade diminuir as conseqüências adversas
do uso de drogas, a partir de três estratégias básicas, de acordo com
MARLLAT (1999): 1. Trabalho com indivíduos ou grupos; 2. Modificação
do ambiente e 3. Implementação de mudanças nas políticas públicas.
O trabalho com indivíduos ou grupos, acontece em dois eixos:
a). Educação para a Prevenção, consistindo em programas educacionais que
visam diminuir os riscos advindos de comportamentos como beber, fumar,
comer, usar drogas, praticar sexo, etc.
b ). Intervenção, que contempla a formulação de metas para redução de
danos para usuários dependentes.
A modificação do ambiente pode se dá através de:
a). Programas de ofertas de seringas descartáveis para Usuários de Drogas
Injetáveis;
b). Programas de distribuição de preservativos;
c). Regulamentação para uso do álcool;
d). Modificação nos bares para aumentar segurança
E as políticas públicas, que devem ser reformuladas para
acomodar a redução de danos, precisam contemplar:
a). Legislação que regula o consumo de drogas lícitas e ilícitas;
b ). Descriminalização do uso da maconha;
c). Distribuição regular de preservativos à população;
25
d). Permissão aos médicos para prescreverem drogas para dependentes
químicos;
e). Provisão de seringas limpas para U.DTs
f). Ampliação dos serviços de tratamento com baixa exigência
Por fim, apesar de toda polêmica em relação à questão das drogas
e sobre as propostas dos programas de redução de danos, tem-se um
consenso entre os profissionais no que se refere à "insuficiência de
estruturas terapêuticas de atendimento e acolhimento" (BUCHER in
BATISTA, citado por QUEIROZ, 2001). Tal situação reflete, segundo
QUEIROZ (2001), a necessidade de priorizar política e financeiramente as
intervenções idealizadas para que a resposta sobre sua pertinência e eficácia,
possa ser procurada através da experimentação responsável de profissionais
engajados. Assim, para o desenvolvimento de estratégias de redução de
danos mais eficientes, faz-se necessário, que o princípio do respeito a
liberdade de escolha do usuário jamais seja esquecido, e que toda ação
relativa a redução de danos, tenha sempre como ponto de partida a
construção de uma relação franca e respeitosa entre o profissional e o
usuário, o que só será possível com o abandono de atitudes condenatórias,
pois o que está em jogo, conforme foi colocado acima não é se o
comportamento do usuário está certo ou errado, mas o respeito a sua
condição de pessoa humana, cidadão com direito a inclusão social. E nesta
perspectiva, ou seja, a partir desta visão de homem e que este projeto está
sendo desenvolvido.
26
5. PROPOSTA PARA IMPLANTAÇÃO DAS AÇÕES
DE SAUDE MENTAL NO ÂMBITO DO PROGRAMA
SAÚDE DA FAMÍLIA
5.1 PLANO DE IMPLANTAÇÃO
5.1.1. Caracterização do Município:
O município de Salgueiro, sedia a VII Gerência Regional de
Saúde, composta por onze municípios que integram a Micro-Região
do Sertão Central de Pernambuco e, de acordo com a Norma
Operacional de Assistência a Saúde NOAS/02, se caracteriza como
município-sede de Módulo Assistencial.
Embora esteja ainda no nível de responsabilidade pela Atenção
Básica, vem se organizap.do para pleitear a Gestão Plena do Sistema
de Saúde, a fim de avançar, quanto a integralidade da assistência, na
perspectiva de estruturar uma rede de saúde integrada e articulada,
entendendo que este é um passo fundamental na construção do
Sistema Único de Saúde (SUS).
A estruturação da rede de serviços do município, se
materializa pelo funcionamento de dez equipes de Programa de
Saúde da Família, responsáveis pela cobertura de 72% da população,
sendo o restante desta coberta pelo Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS). Compõe ainda a rede de serviços,
duas unidades tradicionais, um centro de saúde com serviços
especializados, um Centro de Orientação e Aconselhamento em
DST/ AIDS (COAS), um Serviço de Assistência Especializado em
DST/AIDS (SAE), um Hospital Regional (sob a gestão do Estado) e
complementando a rede pública duas unidades hospitalares e duas
laboratoriais, conveniadas ao SUS.
27
A política de saúde do município vem sendo desenhada a
partir do novo paradigma de saúde definido pelo SUS,
caracterizando-se pela descentralização da assistência, a fim de
viabilizar o acesso universal aos serviços de saúde, de forma
equânime e integral, na tentativa de efetivar um modelo de saúde,
voltado para a resolubilidade dentro do território. A partir dessa
lógica, o município tem no Programa de Saúde da Família, a
principal estratégia para organização da Atenção Básica. Este
Programa, de acordo com sua constituição, idealização e filosofia,
atua no nível primário da assistência a saúde, devendo ser capaz de
resolver grande parte das necessidades advindas do processo saúde
doença da comunidade, com toda a complexidade que a atenção à
saúde na comunidade requer.
Por outro lado, como se pode observar, o município já avança
quanto à complementação da atenção básica com serviços
especializados, entretanto, chama a atenção, que um campo da saúde
venha sendo mantido à margem do sistema municipal, qual seja, o
campo da saúde mental, deixando como foi referido na justificativa
desta proposta, uma lacuna no modelo de saúde do município.
No entanto, esta dificuldade em designar um lugar para a saúde
mental não se restringe ao município, mas pode ser compreendida, a luz da
história da saúde mental no Brasil, onde se percebe uma história de
exclusão, de forma que saúde mental sempre esteve à parte do campo
assistencial da saúde como um todo, tanto que os lugares ocupados pelas
pessoas que precisavam da atenção neste campo, sempre foram os asilos,
manicômios e hospitais psiquiátricos, lugares que historicamente se
constituíram como espaços de marginalização e exclusão.
É~ portanto, buscando contribuir para a construção de uma rede
de saúde que integre ações e serviços voltados para a saúde mental, visando
superar a lógica da exclusão, que se propõe neste trabalho a incorporação
~ I
28
das ações de saúde mental pela Atenção Básica, através do Programa de
Saúde da Família
5.2. PROPOSTA
A presente proposta de implantação de uma política de saúde
mental a partir da atenção básica, no município de Salgueiro, está
comprometida com os referenciais teóricos e metodológicos da
Reforma Psiquiátri~a, que tem como fundamento básico, a noção de
desisntitucionalização, visando a partir desta noção, construir
estratégias para a criação de dispositivos territoriais que possibilitem
o cuidado em saúde mental, priorizando as famílias em situação de
vulnerabilidade2 para o adoecimento psíquico, e conseqüente
viabilização da ampliação do acesso a um atendimento
descentralizado, comunitário, participativo, preventivo e
comunitário, contribuindo, nesse sentido para a efetivação dos
princípios do SUS.
Além destes referenciais, esta proposta se baseia ainda no
recente documento do MINISTÉRIO DA SAÚDE (2005), que trata da
criação de Núcleos de Saúde Integral. Este documento define o
princípio da Integralidade, como um dos pilares para a organização
da Atenção Básica, neste sentido, parte das experiências de
municípios, que vem implementando ações para além das áreas
estratégicas mínimas preconizadas pela NOAS-SUS, a fim de
elaborar diretrizes para a inclusão de ações de Saúde Mental,
Reabilitação e Atividade Física no âmbito do PSF, com o objetivo de
avançar na qualificação deste, efetivando ações que vão da promoção
a reabilitação, fundamentais para a garantia da Integralidade.
2 Considera-se famílias em situação de vulnerabilidade em saúde mental aquelas que contem no seu núcleos pessoas que portam transtornos mentais e/ou abusivo de álcool e outras drogas e/ou violência sexual e doméstica. In Ministério da Saúde. 11 encontro Nacional do Fórum de Coordenadores de Sa
29
Nesta perspectiva, propõe-se para à Atenção a Saúde Mental
no município, a partir da Atenção Básica as seguintes estratégias:
5.2.1. Estruturação da Equipe Transdisciplinar de Saúde Mental
A Equipe de Saúde Mental será composta por 03 (três)
técnicos, sendo estes técnicos, 01 (um) psiquiatra, 01 (um) psicólogo
e 01 (um) assistente social, de forma que o psiquiatra possa dar
suporte a todas as ESF e os outros dois se dividam como Técnicos de
Referência, ficando cada um responsável por cinco ESF. A
transdisciplinaridade, que se constitui pelo diálogo entre os múltiplos
saberes da equipe, se faz necessária para a compreensão dos
problemas de saúde mental, pois estes são perpassados por
dimensões psíquicas, biológicas, sociais, econômicas e culturais.
Assim, busca-se romper com a unilateralidade da visão médica, que
historicamente tem dominado o campo da saúde, a partir de um
trabalho que se pretende interdisciplinar, possibilitado pelo
intercâmbio de múltiplos saberes.
A atuação da equipe constitui a estratégia fundamental para a
viabilização desta proposta, pela função sócio-educativa e
pedagógica que deve assumir, procurando construir uma
competência na área de saúde mental no nível da atenção básica pelo
compartilhamento das ações, pois que a essência da proposta está no
"fazer junto", numa perspectiva de co-responsabilização pelos
problemas de saúde mental do território.
Esta atuação se desenvolverá através de uma atitude de
confiança mútua, que possibilite a constituição do vínculo, entre as
equipes de Saúde Mental e Saúde da Família. O vínculo configura-se
essencial neste processo, pois é o que vai garantir a co
responsabilização e o compartilhamento das ações.
30
O desenvolvimento deste trabalho, por sua vez, visa facilitar a
identificação e resolução dos problemas de saúde mental pelas
equipes de Saúde da Família, garantindo suporte técnico na área de
saúde mental a tais equipes. E tem como objetivo "instrumentalizar,
capacitar e promover a incorporação da saúde mental no Programa de
Saúde da Família, tendo em vista aumentar, sua capacidade de
construir respostas, neste âmbito dentro do território" (Mimeo,
2005).
A fim de alcançar este objetivo, propõe-se que a Equipe de
Saúde Mental desenvolva as seguintes ações:
• Reuniões sistemáticas com as Equipes de Saúde da
Família;
• Condução de um processo de Mapeamento das áreas, a ser
realizado pelos Agentes Comunitários de Saúde a fim de
levantar a situação epidemiológica de cada micro-região,
levando em consideração a vulnerabilidade para o
sofrimento psíquico, de forma a levantar cinco categorias:
Pessoas com Transtorno Mental, pessoas que fazem uso
indiscriminado de benzodiazepínicos; pessoas que fazem
uso nocivo de álcool e outras drogas; idosos em processo
demencial; vítimas de violência;
• Levantamento e Articulação com as Organizações
Governamentais e Não-governamentais, na perspectiva de
construir uma rede de cuidados no território;
• Construção compartilhada de projetos terapêuticos para as
famílias em situação de risco;
• Atendimento aos usuários na Unidade de Saúde da Família,
em conjunto com a Equipe da Unidade;
• Visitas domiciliares com a Equipe de Saúde da Família;
• Discussão e acompanhamento de casos;
• Elaboração de projetos em Saúde Mental, junto a órgãos
financiadores, visando a ampliação das estratégias e da
' \
31
rede de cuidados em saúde mental.
• Condução (Facilitação ou Co-facilitação) de Capacitações,
para as Equipes de PSF.
Faz-se necessário destacar que a estruturação da eqmpe,
envolve a organização de um espaço físico adequado, na própria
secretaria municipal de saúde, onde a equipe possa desenvolver o
planejamento de suas ações.
5.2.2. Processo de Educação Permanente
Considerando o novo paradigma de saúde, introduzido pelo
SUS, de que as ações de saúde devem ser ações educativas, na
perspectiva de fomento ao autocuidado, nessa lógica, conforme
descrito acima, a atuação da equipe de saúde mental terá
necessariamente caráter sócio-educativo e pedagógico, de forma que
todas estas ações junto ao PSF ao se desenvolverem se caracterizem
como ferramentas metodológicas que integrem um processo de
educação permanente.
Tal processo subsidiará todo o trabalho, através de estratégias
em duas linhas paralelas:
1. atuação da equipe de Saúde Mental, in loco, junto com as
equipes de Saúde da Família, conforme descrito acima;
2. através de capacitações, para aprofundamento teórico dos
temas considerados importantes pelas equipes e, pela
magnitude que apresentam para o trabalho a ser realizado,
os seguintes temas necessariamente devem ser
comtemplados:
• Reforma Psiquiátrica;
• Novo Modelo Assistencial em Saúde Mental;
32
• Concepções e Aspectos Históricos da Loucura;
• Noções de Psicopatologia e Psicofarmacologia;
• Alcoolismo e outras Dependências Químicas;
• Redução de Danos;
• Violência Doméstica;
• Saúde do Idoso;
• Abordagens de Grupos.
Estas capacitações acontecerão em momentos
estratégicos, para o desenvolvimento do trabalho, contemplando
todos os profissionais que compõem as 10 (dez) equipes de Saúde da
Família (médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e de
consultório odontológico e agentes comunitários de saúde).
Utilizando como metodologia a problematização. Partindo, assun das
situações vivenciadas neste campo, a luz de um arcabouço teórico que
possibilite o desencadeamento de reflexões críticas, no sentido de repensar
concepções e práticas, a fim de desmistificar preconceitos e estigmas, que
circundam o universo dos sofrimentos psíquicos, principalmente quando se
trata da loucura e do uso de drogas.
Partindo dos problemas de saúde mental predominantes
no município, a implantação do Programa de Saúde Mental, a partir
desta proposta, visa obter os seguintes produtos, que se constituem
também como indicadores para avaliação:
• Redução do uso abusivo de álcool e outras
drogas;
• Redução do uso indiscriminado de
psicofármacos;
• • •
Redução do número de internações psiquiátricas;
Redução da violência doméstica;
Redução de suicídios
33
5.3. ORÇAMENTO (Planilha em anexo)
5.4. CRONOGRAMA DE AÇÕES (Planilha em anexo)
34
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho foi desenvolvido na perspectiva de construir uma
proposta de implantação das ações de saúde mental, na Atenção Básica,
através do Programa de Saúde da Família, portanto esta foi uma estratégia
pensada para garantir a resolubilidade do que se estima ser a maioria dos
problemas de saúde mental da população, pois se sabe que a Atenção
Básica, enquanto porta de entrada do Sistema de Saúde absorve a maior
parte (cerca 70%) da demanda de saúde da população, residente no
município de Salgueiro.
Desta forma esta estratégia foi pensada, a partir da política de
saúde, nas esferas municipal, estadual e federal, a fim de que sua efetivação
possa se dar de forma articulada, com a política de saúde do ministério da
saúde e, principalmente, com a rede de saúde do município, na perspectiva
de ampliação do cuidado para com os usuários, garantindo-lhes uma
assistência integral e equânime, além de maior acessibilidade aos serviços
de saúde.
No entanto, conforme foi citado acima, a proposta aqm
delineada, representa uma possibilidade, dentre muitas outras, que poderiam
ter a mesma fmalidade de produção do cuidado na perspectiva de resolução
dos problemas de saúde mental da população de Salgueiro
Mas esta proposta, por sua vez, foi desenhada levando-se em
conta alguns aspectos: os tipos de problemas de saúde mental, a organização
do sistema de saúde no município com seus limites e possibilidades e por
fim os referenciais teóricos que dê sustentação ao Sistema Único de Saúde,
contribuindo para efetivação de seus princípios.
Neste sentido, leva em consideração que os mais importantes
problemas de saúde mental do município, não só podem ser enfrentados
pelas Equipes de Saúde da Família, como têm aí sua maior possibilidade de
35
resolução, pms por estas eqUipes se localizarem no território, se
"entranhando" na comunidade, possuem toda condição de ter um olhar
ampliado sobre os problemas de saúde, considerando as várias dimensões
que o envolvem, posição esta que é reforçada pela organização do sistema
municipal de saúde, quando procurou-se potencializar os recursos aí
existentes, que neste caso, tem no PSF, sua principal estratégia para
operacionalização da Atenção Básica, além de não se limitar à assistência,
mas ampliar sua atuação no sentido da prevenção de doenças e agravos e
promoção de saúde.
E, por sua vez tendo o PSF como campo de atuação, o
território, tem-se aí a perspectiva da desinstitucionalização, que por sua vez
se constitui o eixo central do redirecionamento da atenção em saúde mental.
Desta forma, foi priorizado para efeito desta proposta o mvel
de atenção básica, pelo mvel de resolubilidade, que se estima atingir e pela
possibilidade do impacto que venha a causar, considerando a produção do
maior bem estar possível ao conjunto da população.
Por outro lado, a prioridade tem relação com os limites do
trabalho, que dentre outros, reflete os limites do município, nos campos
técnico, financeiro, organizacionaL ou seja, considerando aquilo, é possível
de ser realizado, neste momento no município.
Neste sentido, urna questão que se pode levantar é o que se fará
diante da necessidade de procedimentos de nível secundário, que em saúde
mental, pode-se chamar de cuidado intensivo? Para esta questão, a
possibilidade que se aponta, no momento, é a da equipe de saúde mental,
juntamente com o núcleo gestor da secretaria municipal de saúde, fazer urna
articulação com o núcleo gestor do Hospital Regional Inácio de Sá, na
perspectiva de se reservar um número de leitos neste hospital, destinados ao
cuidado intensivo de usuários de saúde mental, podendo contar com o
suporte das equipes de saúde mental e de saúde da família, ou com outras
formas para a operacionalização do cuidado, mas enfim, é importante
destacar que qualquer atuação neste nível secundário possa acontecer no
sentido da co-responsabilização, uma vez que o usuário mesmo estando num
serviço que ofereça procedimentos num nível de maior complexidade ele
não deixará de ser um usuário pelo qual a equipe de saúde da família de sua
comunidade, é responsável.
Por fim não foi objeto deste trabalho, a assistência
especializada, não porque se negue a importância desta, mas pela tentativa
de num primeiro momento, começar um trabalho em saúde mental, na
perspectiva do que Lancetti refere como "radicalizar na
desinstitucionalização", ou seja, buscando romper com a lógica do
especialista e desenvolver uma nova lógica centrada no território e na rede
de cuidados. Entretanto sabe-se que o próprio desenvolvimento do trabalho
na Atenção Básica vai levantar problemas a serem resolvidos em outros
níveis de complexidade e que a implantação de serviços substitutivos, como
Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), se constituirá como desafio, mas
que deve ser pensado em outro momento, talvez fruto de uma outra
proposta.
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ANEXOS
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