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Illuminatus Lex Rui Figueiredo Vieira
Liberdade de Imprensa Versus
Direitos de Personalidade
Porto 2007/2008
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Illuminatus Lex Rui Figueiredo Vieira
Índice
Índice…………………………………………………………….……………………2
Introdução…………………………………………………………….………………3
Responsabilidade Social do Jornalismo……………………………………….….4
Comunicação Social e Direitos de Personalidade……………………….………6
Posição dos tribunais: Conflito de Direitos versus Violação de Deveres……..11
Conclusão……………………………………………………………………………17
Bibliografia…………………………………………………………………………...21
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Introdução
O presente trabalho visa comentar a problemática relação entre a
liberdade de imprensa e o direito ao nome, à imagem, à reserva da intimidade
da vida privada, tanto das pessoas comuns como das mediatizadas quer pelo
louvor do seu trabalho quer por factos ou circunstâncias sociais várias, esta
matéria será apoiada e comentada com alguns acórdãos e jurisprudência.
Vamos ver que há limites, mesmo tratando-se de pessoas “famosas”,
todos tem direito à sua privacidade, para mais, tratando-se de assuntos do foro
íntimo, quer pessoais quer familiares. Para a existência dessa mesma reserva,
será necessário analisar em primeiro plano as condutas das quais bebem as
praticas profissionais dos jornalistas, práticas que se devem basear em três
exigências matriciais, essenciais à satisfação dos direitos em causa, desde
logo, da independência pela qual se deve pautar todo o trabalho jornalístico,
liberdade de expressão e criação, o acesso às fontes e o sigilo profissional, a
participação na orientação editorial dos órgãos e a independência profissional.
Em segundo lugar, falo da procura da objectividade, do rigor e da isenção na
produção e transmissão de informação. Em terceiro lugar falo da diversidade
dos temas e abordagens e do pluralismo na expressão de opiniões, como
condição sine qua non para que os cidadãos disponham da possibilidade de
considerar vários ângulos possíveis para abordar realidades que muitas vezes
desconhecem, comparar visões da politica e do mundo, ideologias ou crenças,
que muitas vezes os embriagam através da critica fác il e pouco objectiva.
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A democracia como conjunto de processos de participação e decisão
colectiva, é o regime político que garante, respeita e promove a desenvoltura
dos direitos e liberdades de todos, e as principais são a de expressão e
informação, sendo os media um veículo fundamental por excelência ao
dinamizar essas mesmas liberdades. A liberdade de expressão e informação
implica o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento por qualquer
meio, a proibição da censura e do direito de resposta e rectificação, para alem,
naturalmente, das formas de responsabilidades e reparação associadas.
Fazendo uma analogia com as “regras de ouro” da democracia liberal, - todas
as pessoas são titulares de direitos, os direitos são anteriores aos poderes, o
governo da lei deve prevalecer sobre o governo dos homens, todo o poder
deve ser limitado, os cidadãos devem poder escolher entre varias alternativas,
alternativas essas, ricas na sua pluralidade. Isto também se aplica à
comunicação social, ao jornalismo, a afirmação destes princípios em nada
diminuem o alcance da liberdade do trabalho produção jornalística, muito pelo
contrário, define-o melhor e solidifica os seus fundamentos.
I – Responsabilidade Social do Jornalismo
Sem me debruçar exaustivamente nesta matéria, é pertinente indicar quatro
relevantes dimensões da responsabilidade social do jornalismo.
A primeira será a transparência, ou seja: o público em geral deve conhecer a
propriedade e a direcção dos media, tal como a sua orientação editorial.
Conhecer os seus valores e compromissos referenciais, será um dos pontos de
partida para conhecer e aferir da transparência da sua informação. Na opinião
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de António Marinho, Bastonário da Ordem dos Advogados, considera que a
“liberdade de imprensa está ameaçada pela concentração dos media em
grandes grupos económicos”, defende ainda que as ameaças vêm também dos
“mecanismos de controlo politico”, da “proliferação das agências de
comunicação” e “dos tribunais”. Nestes pontos o Sr. Bastonário aponta o dedo
aos próprios jornalistas por deixarem que seja o governo a regulamentar a
classe.(1) O Dr. Paulo Rangel, deputado do PSD, refere também que “nunca
como hoje se sentiu este ambiente de condicionamento da liberdade de
imprensa”, referindo-se as intromissões do Governo em questões de
comunicação social.(2)
Em segundo lugar teremos a informação ao público dos processos de
produção e divulgação da informação, informar é mais do que jogar com as
palavras, mais que fazer frases que poderão ser susceptíveis de interpretações
diversas, por vezes prejudiciais para o bom nome das pessoas ou instituições
envolvidas.
O valor do que se publica depende da validade dos processos seguidos
na selecção dos acontecimentos, no acesso às fontes, na comprovação das
fontes, na contextualização e interpretação dos dados, daí a necessidade de
objectividade. Em terceiro lugar, teremos forçosamente de falar do
comportamento seguido pelos “media” face aos princípios, valores e normas
que regulam a informação livre numa sociedade democrática.
_______________
(1)António Marinho, Bastonário da Ordem dos Advogados, citado pelo “Diário de Notícias” em
03-05-2007.
(2)Paulo Rangel, deputado do PSD, em declarações feitas no auge da polémica nomeação do
ex-ministro socialista Pina Moura para a presidência da Média Capital, que detém a TVI, citado
pelo “Diário de Noticias” em 03-05-2007.
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É nítido que o comportamento e responsabilidade publicas dos “media”
tem de ser forçosamente melhorado, por forma a que a ambição não obstrua
códigos de conduta conscientes e essenciais à realização do trabalho
jornalístico, saber distinguir entre informação e sensacionalismo desmedido.
Por fim e em sequência deste ultimo ponto, referência à responsabilidade
profissional do jornalista, deve este conscientemente saber distinguir o que é
uma notícia séria, evitando atentar contra os direitos de personalidade de
terceiros, utilizando a especulação e intriga e a mentira para o conseguir. A
informação independente, livre, objectiva e pluralista, a informação
profissionalmente qualificada, é a melhor amiga da cidadania, é por si só, o
exercício dessa mesma cidadania.
II – Comunicação Social e Direitos de Personalidade
A Constituição da Republica Portuguesa prescreve, por um lado, que os
direitos fundamentais nela consignados não excluem quaisquer outros das leis
e das regras aplicáveis de direito internacional e, por outro, que os preceitos
constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, (artigo 16º). A este propósito, a liberdade de expressão e
informação, está consignada na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
onde é dito que todo o individuo tem direito à liberdade de opinião e de
expressão, implicando isso o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões,
procurando receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações ou
ideias por qualquer meio de expressão (artigo 19º). Por outro lado, no que
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concerne à intimidade, à honra e à reputação, prescreve que ninguém sofrerá
intromissões arbitrárias, na sua vida privada, na sua família, correspondência
nem ataques à sua honra e consideração pessoal, para tal, toda a pessoa tem
direito a ser protegida pela lei (artigo 12º). Analisando estes dois direitos, e
atendendo à ênfase que resulta do texto da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, é relevante notar que no confronto existente, o direito de expressão
e informação acaba por ter uma menor ênfase, a ideia que resulta é a de que
este será mais limitado do que os direitos de personalidade. A única restrição
que poderá existir no exercício desses direitos será a própria lei, que visa
promover o reconhecimento e o respeito pelos direitos e liberdades dos outros,
a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem publica e do bem
estar em sociedade democrática (artigo 29º, nº2).
Por outro lado, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, à qual a
Republica Portuguesa também esta vinculada, prescreve, por seu turno, que
por um lado, qualquer pessoa tem o direito à liberdade de expressão, sem a
ingerência de autoridades publicas, e por outro, que o exercício dessas
liberdades, por implicarem deveres e responsabilidades, pode ser submetido a
certas formalidades ou condições, podendo das quais resultar algum tipo de
sanções previstas na lei. Acabam por se constituir como providencias
necessárias para a integridade e segurança sociais, tal como, a defesa de
honra e da integridade de terceiros. Também a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem expressa o limite ao direito de expressão e de informação
pelos direitos de personalidade, nos quais se incluem obviamente a honra e a
reputação.
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Relativamente ao nosso ordenamento jurídico, e fazendo uma referencia
a Constituição da República, no que concerne ao direito de integridade
pessoal, estabelece que a vertente moral das pessoas é inviolável e que a
todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação (artigos 25º, nº1, e 26º,
nº1).
Quanto à liberdade de expressão, é expressa na Constituição, que por
um lado todos tem o direito de exprimir e divulgar livremente as suas opiniões,
por qualquer meio, bem como o direito de informar e ser informado, sem
impedimentos ou descriminações. Por outro lado, que a todas as pessoas,
colectivas ou singulares é assegurado em condições de igualdade e eficácia, o
direito de resposta e rectificação, bem como o direito a indemnização pelos
danos sofridos (artigos 37º, nºs 1 e 4). Quando falamos nestes direitos não
estamos a falar em direitos absolutos, a lei ordinária pode restringi-los nos
casos expressamente previstos na Constituição, em termos de se limitarem ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
O conflito de interesses que se verifica entre os dois direitos, e levando
em linha de conta a protecção que tem de existir sempre relativamente aos
direitos de personalidade, a liberdade de expressão fica limitada pelo respeito a
que a lei e as boas práticas obrigam relativamente a terceiros. O direito ao bom
nome e reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou
lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação
feita por outrem, bem como o direito a defender-se dessa ofensa e a obter a
correspondente reparação.
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O resultado das más práticas jornalísticas já os conhecemos,
independentemente do prescrito no código deontológico do jornalista,
constituem deveres fundamentais de todos os profissionais dos media, o
exercício da sua actividade com respeito pela ética profissional, a informação
com rigor e isenção, a abstenção de formular acusações sem provas, ou por
meias palavras dar a entender algo que viola o principio da inocência da
pessoa ou instituição atingidas e a não falsificação de situações com intuitos de
abuso da boa fé. As regras deontológicas dos jornalistas, envolvem, para alem
do que aqui não releva, o dever de relatar os factos com rigor e exactidão, de
os interpretar com honestidade intelectual, devendo sempre comprovar esses
factos, ressalvando aqui que não é pelos factos serem provados que não vai
haver violação dos direitos de personalidade de terceiros (3), essa prova deve
partir sempre da audição das partes envolvidas, ou com interesses atendíveis
no caso, combatendo assim o sensacionalismo e considerar a acusação sem
provas como grave falta profissional, salvaguardando no caso da existência de
arguidos, a presunção de inocência até ao transito em julgado da sentença.
Com estes pontos, deve o jornalista reparar os danos causados pela sua
irresponsabilidade, sempre que tal se lhe exija, promovendo a rectificação das
informações que se mostrem ser falsas, humilhantes ou caluniosas.
______________
(3) Caso do processo que envolveu o “Sporting Clube Portugal” e o “Jornal Público”, relativo a
uma notícia vinculada por este mesmo jornal sobre dívidas fiscais do clube, em que por douta
decisão do Supremo Tribunal de Justiça, foi considerado violado o princípio da
proporcionalidade, sendo atribuído ao clube em causa o direito a uma reparação monetária.
Ressalva-se neste caso que a notícia foi provado ser verdadeira. (Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 18-01-2006, tendo por descritores, “o princípio da proporcionalidade e
princípio da necessidade”).
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Os limites à liberdade de imprensa são os que decorrem da lei,
fundamental e ordinária, limites que existem por forma a salvaguardar o rigor e
a objectividade da informação, tal como os direitos de personalidade, onde se
incluem o direito à imagem, ao bom nome, à consideração pessoal, à reserva
da intimidade da vida privada. No que respeita à responsabilidade civil, resulta
que sendo imprensa escrita ou que recorra à imagem, se houver publicação
com conhecimento do director ou seu substituto, e não havendo qualquer tipo
de oposição, a empresa jornalística representada, será solidariamente
responsável com o autor pelos danos que tiverem provocado a terceiros. É
certo que a lei exige bastante rigor ás empresas de comunicação social, e
como tal, tem de haver o máximo rigor no apuramento da verdade, de modo a
não serem publicadas por desleixo ou incompetência, noticias falsas que
ofendam de algum modo terceiros, quer pessoas colectivas quer singulares.
Muitas vezes esse tipo de reparação é muito complicado, pois é muito
difícil por exemplo corrigir uma ofensa à imagem, ou ao bom nome, de uma
maneira ou de outra acaba por ficar sempre uma duvida no publico, uma
incerteza, e directa ou indirectamente, a entidade singular ou colectiva estará
sempre ligada aquela notícia, quer tenha sido falsa, quer tenha sido verdadeira.
O direito ao bom nome, à honra, à integridade moral, constituem limites à
liberdade de informação jornalística, pelo que, sendo estas regras básicas
violadas pelos profissionais da comunicação, serão estes e as suas empresas
responsáveis por compensações pelos prejuízos que causarem a terceiros.
Esta consagrado no nosso Código Civil a protecção aos direitos de personali-
dade, a protecção contra a ofensa ilícita ou ameaça à personalidade física e
moral de todos os cidadãos, (artigo 70º, nº1, do Código Civil). A confiança
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social vive associada com a valores éticos reconhecidos e respeitados por
todos, que quando violados abre o caminho a que a pessoa ameaçada ou
ofendida tome as medidas que achar convenientes para a salvaguarda dos
seus direitos, tendo como finalidade de evitar a consumação de uma possível
ameaça, ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida aos seus direitos de
personalidade (artigo 70º, nº 2 do Código Civil).
O direito a indemnização depende sempre de uma violação ilícita e
culposa por parte do agente, dos direitos de personalidade, e levará sempre
em conta os possíveis prejuízos morais e patrimoniais resultantes da ofensa. A
pessoa ofendida tem ao seu dispor medidas tutelares preventivas, que muitas
vezes evitam a consumação da ameaça, por outro lado tem também
providências tutelares reparadoras das quais poderá lançar mão no caso de ser
efectivamente ofendida. A ofensa resultará assim da existência de um nexo de
causalidade entre o facto praticado e o dano ocorrido em virtude desse mesmo
facto. A culpa do infractor, será avaliada segundo a diligência de um bom pai
de família, será assim avaliado o grau de culpa mediante as circunstancias ou
particularidades de cada caso (artigo 487º nº 2 do Código Civil).
III – Posição dos Tribunais: conflito de direitos versus violação
de deveres
Uma questão fundamental que nunca poderá ficar à margem da
discussão que se levanta perante o conflito de direitos que aqui estamos a
discutir, é a forma como os nossos tribunais tem lidado com esta matéria,
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sempre delicada e pouco consensual. Um facto assente, é que tanto a nível de
direito internacional como a nível de direito interno, existe uma nítida
prevalência dos direitos de personalidade sobre o direito à informação, ou em
ultima analise, o direito de liberdade de expressão. È uma realidade as
intromissões sensacionalistas por parte de alguns jornalistas, mais conectados
com a chamada “imprensa cor de rosa”, na vida privada de pessoas que pelo
seu reconhecimento profissional ou pessoal, são efectivamente figuras
publicas. O que se discute, é saber se alguém sendo uma figura pública tem de
abdicar dos seus direitos de personalidade, da sua intimidade, da sua vida
privada. Quem fala de figuras públicas fala também de instituições com
reconhecimento social, e até mesmo do mais ilustre desconhecido. Até onde
pode ir a comunicação social, sabendo que efectivamente poderão ser
considerados o “quarto poder”, pela sua reconhecida capacidade para mobilizar
massas, para incutir ideais, formas de estar e de pensar, mestres da
manipulação mental e politica, não terão eles que seguir regras?
O primeiro acórdão que eu gostaria de referir, é um acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, que tem por descritores, os direitos fundamentais, o direito
a imagem, o direito a reserva sobre a intimidade da vida privada, em
contraposição com a liberdade de imprensa e com o direito à informação. “O
direito à imagem e direito à reserva sobre a intimidade da vida privada,
enquanto direitos fundamentais de personalidade, são inatos, inalienáveis e
absolutos, no sentido de que se impõem, por definição, ao respeito de todas as
pessoas.” (4) Este acórdão diz respeito a uma publicação numa revista, de uma
reportagem fotográfica, onde é divulgado sem o consentimento do autor, uma
visita feita por ele na companhia da mulher à residência familiar, em fase de
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construção, estas duas figuras publicas, um futebolista conhecido e a mulher
uma modelo também famosa, sentiram-se ofendidos no seu direito à imagem e
na sua reserva a intimidade da vida privada. Foi considerado pelo tribunal, que
não é por se tratar de um futebolista mundialmente conhecido, que a ilicitude é
afastada. Como já vimos anteriormente, a liberdade de imprensa não se pode
sobrepor aos direitos de personalidade, existem limites intransponíveis,
principalmente quando se entra na esfera da vida privada dos cidadãos.
Considerou também o tribunal que a invocação do direito a informar previsto na
Constituição, artigo 37º, nº1, não legitima a conduta do lesante, pois verifica-se
a falta de conexão entre as imagens publicadas e a actividade de futebolista
profissional, que originou a sua notoriedade mundial.
Aqui o tribunal refere-se à falta de interesse público da própria noticia,
que publica na sua reportagem pormenores da habitação em causa, tanto
relativas à estrutura como também ao preço, informações essas sempre
acompanhadas de frases sensacionalistas e provocatórias. È então invocada a
violação dos direitos de personalidade do desportista, decidindo o tribunal que
a ré havia violado dois direitos de personalidade do autor (artigo 70º do Código
Civil): o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem
(artigos 79º, nº1, e 80º, nºs 1 e 2 do Código Civil). Considerou o tribunal que no
caso da violação da reserva, esta verificou-se com a exposição da casa em
obras do autor ao público, no caso do direito à imagem, na divulgação de
fotografias do autor e da mulher deste sem o seu consentimento.
____________
(4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Junho de 2005, “Negação de Revista”.
Com os seguintes descritores: Direitos Fundamentais, Direito a Imagem, Direito a reserva
sobre a intimidade da vida privada, Liberdade de imprensa, Direito à informação, Figura
pública.
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Neste acórdão o tribunal superior limitou-se a confirmar as decisões das
outras instâncias, o que mostra sem qualquer margem para dúvida a linha de
orientação que estão a seguir, os direitos de personalidade devem prevalecer
sempre sobre o direito à informação, a “liberdade de um acaba quando a do
outro começa”, mesmo sendo uma figura publica todos tem o direito a ter a sua
vida privada, sem ter de andar sempre a olhar por cima do ombro à espera que
alguém à espreita obtenha uma fotografia ou uma imagem mais
comprometedora. È certo que os dois direitos em causa são direitos
fundamentais de personalidade, reconhecidos tanto civilmente como
constitucionalmente, ao serem direitos fundamentais, implica que toda a
pessoa humana, independentemente da sua condição social ou económica,
pelo simples facto de existir já é sua titular, tratam-se de direitos inatos,
absolutos e inalienáveis. E é isso mesmo que diz este acórdão, por alguém ser
famoso não quer dizer que tenha alienado ou prescindido dos seus direitos de
personalidade, direitos que pela sua natureza são absolutos, sujeitando-se à
devassa e invasão da privacidade, só por causa da sua condição. Neste caso
só uma coisa poderia ser feita para afastar a ilicitude, seria o consentimento do
autor, e esse, não foi dado. A família deve ser encarada como o ultimo reduto
em que a privacidade deverá sempre imperar, onde a pessoa pode escolher
como quer estar, e com quem quer estar, sem ter de satisfazer o interesse ou
curiosidades do alheio.
Um outro acórdão ao qual gostaria de fazer referência, é o acórdão de 17
de Outubro de 2000, caso de responsabilidade civil extracontratual, ofensa do
direito à honra e bom nome, dever de informar com rigor. “ O direito de livre
expressão deve respeitar o direito à honra e bom nome. A divulgação dum
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facto verdadeiro, se injustificada, é passível de sanção. A informação deve ser
rigorosa e verdadeira. O dever de indemnizar não depende da intenção
ofensiva, o dolo e a mera culpa apenas relevam para a graduação de
indemnização.”(5) Neste caso uma estação de televisão, a coberto de uma
suposta investigação por parte dos seus jornalistas, imite nos seus noticiários
uma notícia a denunciar um caso de escutas e abuso de dinheiros por parte de
uma determinada empresa. A televisão em causa deu a notícia alardeando a
veracidade dos factos apurados e confirmados, até ser desmentida pelas
instancias oficiais, a noticia criou na opinião publica em geral e nos outros
órgãos de comunicação em particular, a convicção que a autora, ou empresa
ofendida, estaria envolvida em praticas criminosas. Irremediavelmente, tal
noticia afectou bastante o bom nome da empresa tal como a sua imagem
comercial. “ É indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em
certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por
outro lado, a divulgação de um facto falso atentório pode não constituir um
delito, por carência por exemplo de elemento voluntário. Por isso, a solução
deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual ”. (6) A
divulgação deve pautar-se por regras deontológicas rigorosas e adequadas. Foi
provado neste acórdão, que a estação de televisão não usou de rigor,
utilizando artifícios para empolgar a noticia, acrescentando-lhe portanto uma
forte dose sensacionalista. Recusou-se também, esta televisão a emitir o direito
_______________
(5) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J), de 17 e Outubro de 2000,
Responsabilidade Civil Extracontratual, Ofensa do direito à honra e bom nome, dever de
informar com rigor.
(6) Acórdão do S.T.J de 3-10-95, Bol. 450-424; Ac. S.T.J de 27-5-97, Col. Ac. S.T.J, v, 2º, 102;
Ac. S.T.J de 3-3-99, Bol. 484-309.
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de resposta por parte de empresa em causa, e quando foi obrigada a tal pelas
entidades competentes, transmitiu em horário do ultimo jornal e de uma forma
confusa. O seu grau de culpa, foi considerado muito perto do dolo, sendo por
isso condenada a estação de televisão no pagamento de uma compensação
pecuniária por danos não patrimoniais, por ofensa ao bom nome da empresa. A
conduta da estação de televisão é susceptível de responsabilidade civil, porem
nem só danos morais estão aqui em causa, há também danos patrimoniais.
Vejamos, temos uma empresa que é associada ao crime por uma estação de
televisão, em que vê a sua imagem comercial bastante afectada, o seu bom
nome na lama, a sua credibilidade posta em causa, ora, é certo que esta
imagem vai passar para os seus clientes, mesmo sendo falsa, acaba a
empresa por estar conectada para sempre com aquela noticia, daí poderem
advir lucros cessantes e por consequência danos patrimoniais, que deveriam
sempre ser protegidos.
O caso relatado no Acórdão do S.T.J. de 26 de Fevereiro de 2004,
relativo ao processo n.º03B3898, relata um caso sui generis relativamente à
necessidade de protecção dos direitos de personalidade.
Na situação ali descrita, acontece que uma notícia publicada sobre uma
conhecida mulher casada insinuando a prática de adultério desta com um
conhecido líder político, afectou gravemente a intimidade da vida privada, a
honra e a reputação do marido da referida mulher casada, que propôs uma
acção a pedir uma indemnização por responsabilidade civil extra - contratual
contra os emissores da notícia.
Aliás, não se percebe porque o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal da
Relação, não deram razão ao autor. Isto porque nos termos do artigo 495.º do
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Código Civil o autor é o titular do interesse imediatamente lesado com a
violação da disposição legal. Assim sendo foram consequência directa e
necessária da publicação da notícia, o vexame e humilhação pública que
passou o autor, comissário de bordo da TAP perante os colegas e passageiros
que o conheciam dada a vida pública que levava, fazendo troça dele, os
constantes conflitos conjugais que tal situação gerou e que levou ao divórcio do
casal, bem como ao seu afastamento da filha menor, e a necessidade que o
autor sentiu de pedir licença sem vencimento na TAP dado o péssimo ambiente
de trabalho a que estava sujeito, e que o levou a ficar 2 anos em Angola, longe
de todos aqueles que lhe eram mais queridos. Todos estes danos de natureza
não patrimonial são passíveis de protecção dado que são violações claríssimas
dos seus direitos de personalidade e como tal são indemnizáveis.
IV - Conclusão
No âmbito da comunicação social a verdade deve ser obtida com ética.
O contrário de verdadeiro é falso. Assim sendo, há duas vias de chegar à
falsidade: por via do erro, no qual não se tem consciência da falsidade, ou por
via da mentira, onde existe a consciência de que aquilo que se comunica não
corresponde à verdade, mas mesmo assim o seu emissor não se abstém de o
relatar. Podemos assim considerar que as perturbações da verdade podem
resultar do erro ou da mentira e estas são diferentes entre si.
Porém é muito mais grave a falta de verdade factual do que a falta de
verdade racional. As verdades científicas/ proposições, racionais, se não forem
descobertas à priori, sê-lo-ão à posteriori, não é grave não as conhecer logo.
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Como dizia Karl Popper “Só não é ciência o que não é refutável”. Mas a
verdade factual das coisas, se não for apreensível, dificulta muito mais a
descoberta da verdade. O problema da verdade na era da comunicação é o do
domínio comunicacional: é o problema das formas que os meios de
comunicação usam, nomeadamente os jornalistas e os seus patrões, para
ocultar a verdade factual. Este problema prende-se desde logo com as técnicas
que o poder emprega para re - desenhar a verdade factual. Dada a profunda
crise de valores ético – sociais em que as sociedades contemporâneas se
encontram mergulhadas, é necessário recuperar a ideia de direitos humanos
defendida por Locke e pelo seu liberalismo, na qual esses direitos tem que ter
uma protecção em conformidade com uma ética mundial assegurada para
todos. Deverá reconhecer-se no outro um mínimo de dignidade social que tem
que ser assegurado pelo estado a todos os seus cidadãos.
Contudo, nos nossos dias, essa ideia de dignidade social mínima está
cada vez mais ameaçada, correndo o risco sério de se tornar numa verdadeira
utopia. Isto porque vivemos numa era de comunicação e de facilitismo de
expressão que muito embora nos traga vantagens, também traz inúmeras
desvantagens.
Na actualidade, com um simples clicar de dedo num suporte informático
ligado à rede global que é a Internet, acede-se a um mar de conteúdos. Os
estudiosos e investigadores aplaudem a facilidade com que trocam
informações e descobrem novas fontes de conhecimento. Por outro lado esta
rede tão benéfica quando bem utilizada também tem o reverso da medalha. Dá
facilidades aos terroristas e redes criminosas de se comunicarem de forma
imperceptível. A Internet veio portanto subverter o papel dos meios de
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comunicação que segundo Wright tinha quatro tipos de actividades
comunicativas, a saber: a observação atenta do ambiente, a interpretação dos
acontecimentos, a transmissão cultural e o entretenimento.
Na medida em que a sociedade da comunicação pretenda tornar-se
numa sociedade de transparência, ela terá de valorizar ipso facto as zonas de
sombra que persistem, os segredos que se escondem em certos meios
políticos, culturais e profissionais.
É imperativo que os meios de comunicação tomem as rédias do poder e
desvendem, a bem do seu público, os vícios e segredos inconfessáveis e
ocultos. Como diz Gérard Leclerc “ A sociedade da comunicação é assim
paradoxalmente uma sociedade de opacidade: uma opacidade tão mais
preciosa e procurada que se torna rara.”. A Sociedade da informação é
também uma sociedade de confidencialidade, na qual os segredos são
partilhados apenas por uma pequena minoria de privilegiados, que a separa e a
distingue da massa ignorante, do vulgum pecus.
Ao valorizar a comunicação e a transparência, ou seja , a visibilidade de
todas as coisas, a nossa sociedade persegue os segredos em todo o sítio onde
estes se escondam, o que por vezes põe em causa o mínimo ético socialmente
devido ao próximo. O nosso maior perigo actual é o de que a procura da
prioridade vem do valor da informação, mas, inversamente, o valor de muitas
informações provém somente do facto de circularem mais depressa que outras.
A historia da imprensa mundial desde o seu aparecimento é a do vai e vem, de
uma tensão entre a liberdade e os controlos, entre a censura e as
reivindicações libertárias, entre as tentativas dos poderes para açaimar e as
dos diferentes públicos para a manter no seu papel de dissidência e de
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oposição. Actualmente deparamo-nos com uma anarquia discursiva que
transgride numerosas regras de circulação social dos discursos e que se deve
principalmente à evolução tecnológica das telecomunicações de dos
multimédia.
Daí que, cada vez mais se reclama abertamente a instauração de uma
censura à escala mundial para travar este fenómeno. Contudo esta censura
deveria ser uma “censura saudável” que deveria aplicar-se a todos os meios de
comunicação e passaria pelo controlo da sua utilização apenas para fins lícitos
e aceites democraticamente. Por forma a que tais ferramentas de difusão de
mensagens se preocupassem em alcançar a verdade factual e estivessem
bloqueadas para servir a mentira e interesses criminosos, que aumentam o
medo e a insegurança social.
Os mass media são meios de difusão, uma forma de “teledifusão”, ou
seja, um modo de transferência das mensagens desde o emissor até a um
público. Caracteriza-se, portanto, por um deslocamento de sentido único e
assimétrico dos enunciados e dos discursos. Daí a importância fundamental de
tais meios se pautarem por políticas de verdade, transparência e rectidão. Os
media tem a grande responsabilidade de informar correctamente todos aqueles
que entram em contacto com a informação transmitida. Sendo por isso de
extrema importância que se criem meios de controlo cada vez mais apertados
ao desenvolvimento da sua actividade, por forma a minimizar a falsidade de
algumas notícias, cujas consequências podem ser absolutamente irreparáveis.
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Illuminatus Lex Rui Figueiredo Vieira
Bibliografia:
● Mauro Wolf – “Teorias da Comunicação”
● Gérard Leclerc - “A Sociedade de Comunicação Uma Abordagem Sociológica e
Crítica”
● Desbois, Henry. Le Droit d’Auteur em Frande. 10ª.ed. Paris, Dalloz, 1973 GODOY,
Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. São
Paulo: Atlas, 2001.
● Andrade, Manuel da Costa. “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, uma
Perspectiva Jurídico – Criminal .Coimbra Editora
● ITIJ (Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça), Bases Jurídico –
Documentais.
Acórdãos S.T.J., Pn.03B3898 de 26-02-2004; Ac. S.T.J., Pn. 05A945 de 14-06-2005;
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