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Revista do inventáRio da Língua guaRani Mbya (iLg)
Revista do inventáRio da Língua guaRani Mbya
Esta publicação se constitui como um
esforço de fazer valer algumas das colo-
cações do seminário que discutiu o I In-
ventário da Língua Guarani Mbya. O levan-
tamento realizado pelo IPOL - Instituto de
Investigação e Desenvolvimento em Polí-
tica Linguistica – baseou-se em trabalho
conjunto com os próprios Guarani para in-
ventariar sua língua. Nesse sentido, com a
publicação dos principais resultados des-
te Inventário, o IPOL realizou em Floria-
nópolis, Santa Catarina, um encontro nos
dias 26 e 27 de Julho com várias lideranças
Mbya. As discussões – fundamentais para
apresentar os resultados da pesquisa –
foram fortemente debatidas por todos ali
presentes, culminando num documento
final com os principais encaminhamentos
às principais instituições públicas. Esta re-
vista se propõe a divulgar alguns pontos
da política pública que possibilitou o estu-
do em questão, e mais do que isso, pro-
põe-se também a descrever a posição das
próprias lideranças com relação à língua.
Os Guarani, como pode se perceber, são
um grupo bastante coeso, consciente dos
seus direitos e de sua importância para a
formação da história do país. Isso ajudou
sobremaneira no curso de todo o proces-
so científico. Os artigos que se seguem são
apontamentos que querem trazer para
um público mais amplo a dimensão da
pesquisa empreendida pelo IPOL, e, além
disso, o posicionamento dos próprios
Mbya diante desse novo quadro das políti-
cas linguísticas. Embora essa medida seja
apenas um pequeno passo frente à imen-
sa diversidade brasileira, representa um
novo olhar para as questões referentes à
língua, fundamentais para a organização
de um novo arranjo geo-político no Brasil.
Mesmo que alguns pequenos textos do
próprio inventário estejam disponíveis na
íntegra nesta publicação, a maior parte
pode ser acessada através da própria pu-
blicação. Ao longo desta revista, poderá
ser visto o documento final produzido a
partir dos encaminhamentos dos Guara-
ni bem como a entrevista com Rosânge-
la Morelo, Coordenadora Geral do IPOL.
As fotografias que integram a publica-
ção foram produzidas durante o evento.
EDITORIAL
Os Guarani têm discutido sua vida com os brancos e no Estado brasileiro
de várias formas; têm atuado para uma política da terra, da saúde, da edu-
cação, mostrando seus valores, e buscado os vários níveis de reconhecimento
necessários para se viver bem e com dignidade. Agora, surge a oportunidade
para a discussão de um dos mais altos valores da cultura Guarani: a língua.
Esta é a função primeira do Inventário da Língua Guarani Mbyá (ILG) e da pub-
licação que o apresenta: possibilitar que os Guarani discutam a sua língua e
os mecanismos para o seu reconhecimento, por parte do Estado, que lhes
possam interessar. O Estado tem agora elementos para considerá-la como
Patrimônio Cultural Imaterial da Nação. Não apenas da nação Guarani, mas da
própria nação brasileira, constituída ela mesma de várias outras nações que
se relacionam, complementam-se, interpenetram-se e se enriquecem mutua-
mente.
Talvez possamos dizer que o momento fundador do Inventário Nacional da
Diversidade Linguística, em que este livro sobre a Língua Guarani Mbyá se in-
screve, tenha sido o Seminário Legislativo sobre a Criação do Livro de Registro
das Línguas, realizado na Câmara de Deputados, em Brasília, em 13 de dezem-
bro de 2007, pela Comissão de Educação e Cultura (CEC), pelo Departamento
de Patrimônio Imaterial
APRESENTAÇÃO
Gilvan Müller de Oliveira *
trecho extraido do Inventárioda Lingua Guarani Mbya
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguítica
(IPOL), e que nasceu das conversações que esta última Instituição condu-
ziu com o então presidente da CEC, Dep. Carlos Abicalil. Ali os deputados
e alguns senadores ouviram, em seis línguas brasileiras, a explicação de
como é ser brasileiro, em outra língua que não o Português: em Guarani
Mbyá, em Nheengatu, em Hunsrückisch, em Talian, em Língua Brasileira
de Sinais (LIBRAS) e em Gira da Tabatinga.
Todos nós nos sensibilizamos com as demandas das comunidades lin-
guísticas brasileiras para com o uso e a manutenção das suas línguas,
constitutivas da nossaformação nacional, a despeito das políticas de re-
pressão e de apagamento que tenham sido conduzidas pelo Estado, e o
Dep. Abicalil deu encaminhamento ao processo que culminou com o ILG.
Com a publicação deste livro, presenciamos a outra ponta do processo.
Donascimento da ideia até sua materialização no primeiro insumo de
planificação – o diagnóstico, expresso neste livro – passaram-se cinco
anos. O IPOL teve o privilégio de estar presente em todos os passos da
gestação desta nova política linguística do Estado brasileiro, participando
das negociações, em todos os níveis, necessárias para que o Inventário
se tornasse realidade, e das definições técnicas que instruem os procedi-
mentos de registro. Esta publicação fecha uma fase, a da aplicação, testa-
gem e desenvolvimento da metodologia para cada uma das diferentes
categorias de línguas em questão, e inaugura outra: a da visibilização das
línguas brasileiras por meio de iniciativas variadas de inventário que es-
tarão em marcha, processo que ajudará no seu reconhecimento e na sua
legitimação, conduzindo a um encontro do País consigo mesmo, com
suas múltiplas faces, e à superação da política do Português como língua
O livro é um observatório de vários movimentos da Língua Guarani Mbyá
e da sua comunidade falante no espaço brasileiro, conforme explicados
na Introdução, e os resultados permitem a interação com uma série de
outras políticas na área de cultura e, especialmente, de educação, pos-
sibilitando verificar em que medida as escolas indígenas bilíngues e in-
terculturais realizam seu papel de promotores da cultura indígena e da
respectiva língua em meio aos movimentos realizados pela comunidade,
e como poderiam atuar para atender as expectativas da comunidade. A
língua, no entanto, é dos Guarani e continuará a ser dos Guarani que,
através do seu uso, das suas lideranças, das suas assembleias, fixarão o
futuro da língua no contexto do plurilinguismo brasileiro. O IPOL se or-
gulha de trazer a público este trabalho, de metodologia inovadora e par-
ticipativa, e se orgulha mais ainda de ser parceiro do povo Guarani nesta
caminhada em direção ao futuro.
* Atual Diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP)
com sede em Cabo Verde, África
Capa e contracapa do Inventário da Língua Guarani Mbya realizado pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL)
JUSTIFICATIVA DO INVENTÁRIO
O projeto inventariou a partir da metodologia proposta para o Inventário
Nacional da Diversidade Linguística (INDL), a língua indígena Guarani Mbya,
falada em seis estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,
São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. É coordenado pelo IPOL – Instituto
de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística e tem o apoio do
Ministério da Justiça, através do Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos
Difusos – CFDD
A língua Guarani Mbya possui grande expressão e representatividade no Brasil,
estando presente em mais de 60 (sessenta) municípios em vários estados. Esti-
ma-se que, atualmente, haja cerca de 50.000 (cinquenta mil) indígenas Guarani,
divididos em diferentes grupos e falando diferentes variedades do Guarani. O
grupo Guarani Mbya conta com cerca de 7.000 (sete mil) indivíduos e constitui
referência cultural pela sua presença geográfica e histórica no Brasil e países
do MERCOSUL, já que é falada por extensa população na Argentina e Paraguai.
Além disso, e mais importante, a língua Guarani Mbya possui alta relevância para
a memória e identidade do grupo a que diz respeito, atuando na organização dos
seus traços identitários mais estáveis e conhecidos.O presente inventário fará
com que a língua Guarani Mbya seja visualizada em suas diferentes dinâmicas
históricas, sociais e políticas, ampliando o efeito das políticas públicas, através
de ações coordenadas de largo alcance. Promoverá desde sua realização, uma
participação agentiva dos falantes, que atuarão na execução do trabalho e
definição dos materiais a serem disponibilizados, bem como seus usos.
O INVENTÁRIO DA LINGUA GUARANI MBYA
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Kova’e ojejapo va’e kue ma onhemombe’u, ha’egui oĩ aguã ojejapo rive
va’e kue ayvu re omba’eapo va’e gui pavẽ mbya guarani ijayua kova’e
yvy re peteĩ pó peteĩ oja’ao re (6 estados brasileiros) ; Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, ha’egui Espírito San-
to re ave. Onhemopena va’e ma (IPOL- Instituto de Investigação e De-
senvolvimento em Política lingüística) have oĩ pavẽ ayvu re omba’eapo
oipytyvõ va’e (Ministério da Justiça) ha’egui (Conselho Federal Gestor
do Fundo de Direitos Difusos- CFDD) reve.
Mbya Guarani hayu ma ojeporu raxa kova’e Yvy re, ikuai ma agỹ reve (60
município) py oparupi. Ha’egui agỹ ma (50.000) rupi rive’i ma nhande
kuai Mbya Guarani kuery, amboae kuery revê joo ramie’ỹ e’ỹ nhandeayu
va’e revê mbya kuery teĩ. Kova’e Yvy re manje nhande Mbya Guarani ete’i
nhande kuai (7.000) rupi rive’i. Mbya Guarani hayu ma oexauka tekoete’i
kova’e Yvy re ikuai va’e ave oiporu avi. Ha’egui oiporu avi ayvu Argen-
tina re ha’egui Paraguai re ave. há’e rami vy ma há’eveve va’e ma Mbya
Guarani hayu ae ma ojeporu água onhemombe’u va’e rã ikuai va’e kuery
nombojeroviaai rã, oikoa py ojexauka haguã amboae kuery oikuaa aguã.
Agỹ gua ojejapo va’e kua Mbya Guarani hayu ma ojekuaa rã joo ramie’ỹ
rã, kaxo voi onhemboeta vê rã. Onhemombe’u bem’u vê rã vi ijayu va’e
kuery voi ombojekuaa rã mba’eapo reko oexauka aguã guembiapo oje-
poru aguã.
OJEUPITY AGU
ONHEMOMBE’U ANHETENGA
PELA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA16
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30
34
43
POVOS INDÍGENAS OU POVOS ORIGINÁRIOS
A LÍNGUA GUARANI MBYA
O GUARANI MBYA NO QUADRO DO INDL
O SENTIDO DE INVENTARIAR A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
O INDL COMO INSTRUMENTO POLÍTICO
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56
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A TRADUÇÃO DO GUARANI
BREVE DISCUSSÃO DA POPULAÇÃO MBYA
A VOZ MBYA: DEPOIMENTOS DAS LIDERANÇAS
ENTREVISTA: ROSÂNGELA MORELLO
DOCUMENTO FINAL
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PELA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Das 215 línguas faladas em território nacional, aproximadamente
180 são línguas indígenas. Integrado a esses idiomas
ameríndios, figura uma infinidade de conhecimentos ancestrais,
transmitidos por séculos através da oralidade e dos costumes.
Só mais recentemente alguns estudiosos vem potencializando
os esforço para fixação dessas línguas por meio da escrita.
A diversidade linguística brasileira - violentamente am-
putada desde o início da colonização, recebe, no entan-
to, novo impulso no momento atual, em especial com a
recente política de salvaguarda desse patrimônio imaterial bra-
sileiro: o Inventário Nacional da Diversidade Lingüística (INDL).
16 17
Por longa data, os índios foram reprimidos em suas manifestações
culturais, religiosas ou mesmo cosmológicas. De acordo com os da-
dos da obra do respeitado historiador José Honório Rodrigues, um
contingente aproximado de 1.078 línguas indígenas habitava o Brasil
pré-colonial. A política lusitana afirmou-se de tal maneira que 85%
dessa variedade linguística sucumbiu à imposição da pátria monolín-
gue. De acordo com a o obra do antropólogo Darcy Ribeiro, 67 lín-
guas desapareceram somente no século XX. Em discurso proferido
ao senado brasileiro, Darcy Ribeiro expôs com tristeza os resquícios
da política colonial brasileira: “só me cabe dizer, agora,lamentando
sentidamente que esta nossa nação brasileira não precisa mais de
índio nenhum para existir. Mas não existirá jamais, em dignidade e
vergonha, se deixar morrerem – morrerem até de suicídio – os pou-
cos índios que sobreviveram à invasão quinhentista”. Como bem
colocou o antropólogo, os direitos culturais e linguísticos só foram
concedidos aos índios na Constituição Federal de 1988.
Para se ter uma idéia, o Brasil é o 9º país em diversidade linguística
em todo o mundo. A despeito disso, as políticas do Estado sempre
foram repressivas às demais línguas diferentes do português. Se-
gundo Gilvan Müller de Oliveira – diretor executivo do Instituto In-
ternacional da Língua Portuguesa (IILP) -, as medidas políticas do
Estado brasileiro até recentemente foram políticas de supressão
linguística. A expansão européia lançou-se ao mundo destruindo as
línguas, como gafanhotos que se espalham por uma plantação.
A somar-se a isso, o Estado Novo - através de um processo conheci-
do como “nacionalização do ensino” - impôs o português aos falan-
tes de outras línguas, sobretudo aos imigrantes que vieram depois
de 1850. Houve, para tanto, uma forte retaliação a idiomas como o
japonês, polonês, o ucraniano, o pomerano, o hunsrückisch, o talian
e idiomas ciganos, fortemente falados no Brasil, embora pouco se
diga a respeito.
Rainer Enrique Hamel - pesquisador da Universidade Autónoma Metropolitana, Unidad Iztapalapa, México, esteve acompanhando os dois dias do I Encontro sobre o Inventário da Língua Guarani Mbya. Para ele, a realidade ameríndia mexicana guarda semelhanças com o arranjo linguístico brasileiro.
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Diante deste quadro calamitoso, o Inventário Nacional da Diversi-
dade Linguística (INDL) se compôs como um instrumento para fixar
uma política de salvaguarda, respeito e promoção às línguas brasi-
leiras. Vindo a debate público em 2006, em um Seminário Legislati-
vo, a proposta de criação do INDL foi amplamente discutida por uma
comissão interministerial e interinstitucional – o Grupo de Trabalho
de Diversidade Lingüística (GTDL) – coordenada pelo IPHAN que em
2007 publicou um relatório dando as diretrizes para o programa, o
qual foi consolidado pela assinatura do decreto 7.387/2010.
A propostas do inventário visam ampliar o espectro de atuação do
governo federal na preservação da imensa diversidade nacional. Hoje
existem no Brasil dezenas de línguas mal catalogadas com comunida-
de pequenas falantes. Isso aponta para uma necessidade urgente de
reestruturação das políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial.
Além disso, a globalização aponta cada vez mais para a manutenção
dos quadros multilíngues. Não há como sustentar mais a política de
imposição de um só idioma. Articulados por blocos econômicos, os
países acabam por necessitar de um manejo bem mais incisivo dos
seus quadros multiculturais.
O chileno Rainer Enrique Hamel – reconhecido pesquisador da situ-
ação linguística mexicana – endossa a necessidade de se repensar
a gestão das línguas no contexto da globalização. “Estamos ven-
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do em muitos campos a importância dos conhecimentos indígenas
para a gestão dos Estados”, pontua o pesquisador da Universidade
Autónoma Metropolitana, Unidad Iztapalapa – México. “Vamos ter
um futuro onde os sistemas nacionais de educação não conseguirão
permanecer como sistemas monolíngues”, defende,
Nesse sentido, a gestão das políticas linguísticas precisa se colocar
como um ponto forte das estratégias de gestão dos Estados Nacio-
nais. O que antes foi reprimido pelo exercício de uma mentalidade
monolinguísta deve agora ser estimulado pelas políticas públicas.
Não raro pode ser visto pessoas afirmarem que o Brasil é detentor
de uma só língua.
Foram realiazdos grupos de trabalho durante o encontro para discutir as questões a serem levantadas. Este critério foi uma importante estratégia para organizar as demandas e encaminhamentos dos próprios Guarani
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O INDL COMO INSTRUMENTO POLÍTICO
O INDL foi instituído através da assinatura do decre-
to 7.387 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Sil-
va em nove de dezembro de 2010. Este ato coroa um longo
processo de trabalho do GTDL, que instruiu a política de inventário das
línguas brasileiras a partir de seis categorias: línguas indígenas de
poucos falantes, comunidades indígenas de muitos falantes e gran-
de extensão territorial, língua de comunidades afro-brasileiras, lín-
gua de sinais e línguas de imigração e crioulas. Uma das ações do
GTDL foi recomendar a execução de projetos pilotos em cada uma
delas, visando assim parametrar a implementação do INDL. Os pro-
jetos aprovados foram: (1) Inventário da Língua Guarani Mbya, (2)
Levantamento Sócio-Linguístico e documentação da língua e das
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Tradições Culturais das Comunidades Indígenas Nahukwa e Matipu
do Alto Xingu; (3) Inventário da Língua Ayuru; (4) Língua Asurini do
Tocantins; (5) Libras no Nordeste; (6) Inventário da Língua Juruna;
(7) Inventário da Diversidade Cultural da Imigração italiana: o Talian
e a culinária e (8) levantamento Etnolinguístico de Comunidades
Afro-brasileiras: Minas Gerais e Pará.
Fabíola Nogueira Cardoso, técnica em antropologia do Departa-
mento do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN), explícita que a partir do resultado dos
oito inventários pretende-se consolidar uma metodologia que pos-
sa abarcar da maneira mais adequada essas várias situações linguís-
ticas existentes no país. Para ela, é preciso atender dois artigos do
A antropóloga Fabiola Nogueira, representante do IPHAN, ponderou sobre a nova política federal de inventariação das línguas brasileiras. O desafio é lidar com tamanha diversidade
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decreto: instituir uma comissão para poder avaliar e acompanhar as
futuras demandas para inventários de língua, e, a segunda medida se-
ria regulamentar o decreto para estabelecer os procedimentos para
implantação do inventário, ou seja, metodologia, orçamento, cons-
tituição de equipe, instituições capacitadas e instituições parceiras.
Entretanto, sem a pesquisa estabelecida pelo Grupo de Trabalho de
Diversidade Linguística, publicada em 2007, o INDL não teria o arca-
bouço necessário à sua consolidação. Vários estudiosos, especialistas
e membros do Governo se reuniram para constituir suas bases. Para
tanto, foi produzido um relatório específico que abordou o histórico
das políticas linguísticas do Estado brasileiro até as propostas me-
todológicas para efetivação da medida de salvaguarda patrimonial.
Participaram do GTDL representantes do Ministério da Educa-
ção, do IPHAN, do Ministério da Cultura (MinC), Museu do Ín-
dio, do Museu Emílio Goeldi, da UNESCO, da Universidade de
Brasília, da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos
Deputados, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
ca (IBGE), da Fundação Cultural Palmares e do Instituto de In-
vestigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL).
Diante da globalização, o mundo se articula em blocos econômicos
que tem na intercomunicação a pedra angular da troca de bens,
serviços e pessoas. As línguas, de um modo geral, são os principais
canais que possibilitam esse trânsito cultural. Além disso, faz-se
iminente para o Estado brasileiro uma nova percepção dos fluxos
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das línguas e da promoção das múltiplas identidades que compõem
a nação brasileira. O INDL se consolida, na esteira desse raciocínio,
como um banco de dados que poderá a médio-longo prazo compi-
lar nossa diversidade, imprimindo, assim, uma gestão mais respon-
sável das nossas línguas.
O Inventário da Língua Guarani Mbya só se consolidou depois de ter sido debatido junto aos próprios indígenas. Para o IPOL, o próprio ato de inventariar uma língua já configura a necessidade fundamental de compartilhar os resultados com a comunidade de falantes
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Cenas do material audiovisual coletado durante a pesquisa. A base de dados foi um elemento crucial no decurso da investigação. Para tanto, foi coletada uma ampla gama de imagens e fotografias. Nestas páginas, algumas dos frames dos curta-metragens produzidos pelo IPOL. Os filmes contaram com uma tradução bilingue (guarani/português).
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26 27
POVOS INDÍGENAS E POVOS ORIGINÁRIOS: O PRECONCEITO PELA VIA DA GENERALIZAÇÃO
Quando Leonardo Werá Tupã - um dos líderes Guarani Mbya da aldeia
Araçai, no Estado do Paraná - defende a substituição da terminolo-
gia “indígena” por “povos originários”, ele lança mão do equívoco
histórico que determinou a forma com que os diversos povos que
habitavam o Brasil antes da chegada dos portugueses. Índias - como
argumenta Werá Tupã - era o local que as naus portuguesas espera-
vam encontrar quando aportarem na costa atlântica do Brasil. Par-
tindo desta incompreensão, cunharam um termo que se estendeu
por mais de cinco séculos na literatura, nos hábitos nacionalistas e
na constituição do direito. Infelizmente, o termo foi e ainda é reco-
28
berto de uma acepção muito pejorativa, sendo recorrentemente
mal interpretado por uma considerável camada da população.
Um exemplo acintoso pode ser percebido na série educativa Ín-
dios no Brasil. O primeiro episódio ocupa-se em entrevistar di-
versas pessoas, das mais diferentes situações geográficas e so-
ciolinguísticas, na tentativa de apreender uma acepção geral do
que constitui o imaginário do índio no Brasil. Na maioria dos ca-
sos, as respostas são reforços enfáticos do estereótipo romântico
do índio, como aquele reproduzido pela obra O Guarani, de José
de Alencar. Poucas pessoas entendem a real dimensão do indi-
genismo brasileiro, e mais do que isso, por não entenderem, aca-
bam por exercerem um preconceito contras as próprias origens.
Segundo Werá Tupã - que também assume atualmente o cargo de
coordenador da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) da região de
Palhoça, em Santa Catarina - a história sempre foi contada pelo
olhar do colonizador. Isso ajudou a perpetrar essa mentalidade ta-
canha do povo brasileiro, embora ele não atribua à culpa ao cida-
dão, e sim àqueles que construíram a moral exótica na qual o índio
é enquadrado. “A informação que chega para a população é erra-
da, por isso que a sociedade não tem culpa disso. A discriminação
existe de várias formas. O próprio título indígena é uma forma de
discriminar. Mas o Brasil está tão acostumado com isso, que até
mesmo nós nos chamamos de povos indígenas”, explica Werá Tupã.
28
O professor Gilvan Müller de Oliveira ainda completa que o ter-
mo “índios” não passa de uma abstração. Ele explica que o afas-
tamento linguístico do povo Kaingang comparado ao povo Gua-
rani, por exemplo, poderia, por analogia, ser comparado ao
afastamento do português em relação ao japonês. Constituem-
-se como línguas de troncos completamente distintos. Acredi-
tar, por associação, que todos os índios partilham da intercom-
preensão mútua - na ótica do diretor do IILP – é o mesmo que
afirmar que os europeus constituem um único povo. Essa gene-
ralização, muito habitual no julgamento dos povos indígenas,
aponta para um desconhecimento que fortalece o preconceito.
Gilvan Müller de Oliveira, Diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP)
30
A LÍNGUA GUARANI MBYA: UM TITÃ EM MEIO À ARIDEZ DA IMPOSIÇÃO MONOLÍNGUE
Os Guarani são uma das populações indígenas mais nume-
rosas do Brasil. Falando o Guarani Mbya, Ñandeva ou Kaio-
wá (nas denominações mais recorrentes) contabilizam, no
Brasil, algo na ordem de 35 mil falantes. Estima-se, aproxi-
madamente, 7 mil falantes do Guarani Mbya em todo terri-
tório nacional, vivendo em comunidades de vários estados
brasileiros. Quando da chegada dos portugueses à costa bra-
sileira, já constituíam um grupo coeso e bem estabelecido,
com a transmissão perene dos conhecimentos de sua língua,
a língua de um povo que existe há pelo menos dois mil anos.
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Hoje, de acordo com a pesquisa do inventário, pode-se falar numa
taxa de transferência da língua superior a 98%. Várias aldeias sus-
tentam quadros de ensino bilíngue (guarani-poruguês/castelha-
no-guarani). Além do mais, o Paraguai, através da lei federal nú-
mero 4251 da constituição de 1992, oficializou o Guarani ao lado
do castelhano. Apesar de o guarani paraguaio possuir diferenças
quando comparado com as demais variações, qualifica-se por ter
uma base semântica e léxica aproximada. Segundo estatísticas
apresentadas pelo professor Lino Trinidad Sanabria - especialista
em Guarani da Universidade Nacional de Assunção (UNA) – dos
quase seis milhões de falantes do guarani no Paraguai, aproxima-
damente 37% são monolíngues. Isso indica a vitalidade histórica
da língua, suas raízes e os rumos que tomou no curso da coloniza-
ção. É evidentemente um titã em meio à aridez da imposição das
línguas européias. Diz-se da morte das línguas quando as crianças
já não conseguem falar. O Guarani Mbya, a partir dessa lógica,
encontra-se em franca expansão.
Partindo de projeções estatísticas, pode-se inferir que no ritmo
de crescimento populacional que atingiram, os Guarani em breve,
reconstituirão a mesma proporção do princípio da colonização. A
população aumenta 5% ao ano, ou seja, o dobro da média nacio-
nal. A despeito do que se possa imaginar, estão fortemente es-
tabelecidos em seus respectivos territórios. Possuem orientação
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política definida e um sistema de reprodução dos seus valores em
permanente manutenção. Para se ter uma idéia, a língua Guarani
já foi adotada como língua de trabalho no MERCOSUL, oficializa-
da na Bolívia e na província de Missiones, na Argentina.
Além disso, no Brasil, a língua Guarani foi cooficializada em Tacu-
ru, no Mato Grosso do Sul, seguindo a estratégia de permitir a de
cooficialização de línguas em nível municipal inaugurada em São
Gabriel da Cachoeira. Os povos Baniwa, Tukano e Nhengatu fize-
ram a cooficialização em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas,
no ano de 2002, apesar da lei só ter sido regulamentada no ano
de 2006.
O IPOL constatou, em um dos seus levantamentos, que existem
vários municípios brasileiros onde a maioria não é falante do por-
tuguês enquanto língua materna. Esses municípios guardam imen-
so potencial para a implementação da cooficialização. Isso, como
no caso do Guarani, incide diretamente sobre o sentimento de
pertencimento, de harmonização das relações sociais e de livre-
-arbítrio no trato com o sentido gerado por cada língua. O Guara-
ni, como relatam seus falantes, é uma língua muito subjetiva, bas-
tante sentimental, com todo um repertório cosmológico próprio.
32 33
O Inventário da Lingua Guarani Mbya foi distribuído para todas as lideranças presentes no encontro. A discussão dos resultados foi uma das prioridades adotadas pelo IPOL, afinal, a língua pertence antes de tudo aos falantes.
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O GUARANI MBYA NO QUADRO DO INDL
Inventário é uma palavra da Língua Portuguesa praticada no Brasil, e
deriva de Inventarium, da antiga língua latina. Ela significa principal-
mente uma listagem (ou levantamento) dos bens deixados por alguém
e, ao mesmo tempo, o documento onde se encontram registrados es-
tes mesmos bens. Para os Guarani Mbya, esta palavra sequer existe.
Numa lógica de aproximação, existiria o termo nhenbaeapo nhande
reko arandu, cujo significado é, na representação deles, “trabalho onde
se junta várias informações sobre o conhecimento Guarani”. Leonardo
Werá Tupã atribui à língua a motricidade de todas as relações culturais,
sociais, religiosas e existenciais. “A língua, em primeiro lugar é a pró-
34 35
pria cultura”, considera. “Sem língua muitas coisas se perdem. Através
dela, se preserva muitas coisas do conhecimento, do cotidiano, do pas-
sado”, conclui.
Nesse sentido, o especialista Rainer Enrique Hamel coloca que o livro
ainda é o mecanismo hegemônico de distribuição e fixação do conhe-
cimento. Através do registro das línguas, muita da sua articulação e de
sua importância fica retida num suporte favorável à preservação. “É
Importante tornar as línguas visíveis num contexto de cultura domi-
nante: a escrita, o livro, as fotografias. Muitas pessoas acreditam que
as línguas indígenas não devem ser escritas. Eu acredito que elas têm
muita vitalidade linguística e cultural e não vejo qualquer impedimento
em registrá-las”, completa o estudioso nas questões ameríndias mexi-
canas.
Justo nesse contexto, de importância e de registro, é que nasce o INDL,
sob a coordenação do IPHAN/MinC. O Guarani Mbya - como figura en-
quanto uma língua com ampla comunidade de falantes - enquadrou-se
na categoria de língua indígena de grande população e extensão terri-
torial. O IPOL - Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políti-
ca Linguística – encarregou-se de realizar o projeto que já vinha sendo
pesquisado há mais de três anos. Para tanto, foram visitadas 69 aldeias,
contabilizando o equivalente a 928 questionários respondidos por 596
indivíduos, 269 chefes de núcleo familiar e 64 líderes ou caciques das
comunidades. Recorreu-se também a diversos arquivos de base de da-
36
dos, marcação de pontos geográficos pelo GPS, relatórios de pesquisa
de campo, registro de imagens fotográficas, registro de lista de pala-
vras, depoimentos audiovisuais e coleta de materiais relevantes para
a pesquisa.
Uma extensa variedade de referências sobre os Guarani Mbya foi iden-
tificada e usada como ponto de articulação do processo de feitura do
Inventário. Também foram confeccionados mapas sobre a configura-
ção atual da língua no cenário geopolítico brasileiro. Para tanto, foram
considerados os Estados do Espírito Santo (ES), Rio de Janeiro (RJ),
São Paulo (SP), Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul
(RS). Os Estados do Tocantins (TO) e do Pará (PA), embora também
possuam populações Mbya, não foram pesquisados em decorrência de
vala geográfica que se interpôs entre os falantes. Uma opção metodo-
lógica.
De acordo com o relatório interno da equipe executora do Inventário
da Língua Guarani Mbya, “em uma tradição monolínguista, como a bra-
sileira, em que a única língua legitimada pelas aparelhagens do Estado
foi a língua portuguesa, pouco se estruturou como campo de conheci-
mento sobre e nas demais línguas praticadas no país. São praticamen-
te ausentes informações sistematizadas sobre estas línguas. De modo
geral, está disponível apenas o número de indígenas pertencentes à
determinada etnia, informação a partir da qual se pressupõe a língua
por eles falada. no caso das línguas faladas por índios, por exemplo,
36
mesmo quando há dados linguísticos por etnia ou território indígena,
não estão disponíveis dados sobre a situação sociolinguística das de-
mais possíveis línguas faladas nessas comunidades”. Como resultado
constam do Inventário um livro que reúne uma síntese da história e
cultura do povo Guarani, e no recorte específico das comunidades fa-
lantes do Guarani Mbya inventariadas, apresenta os principais pontos
sobre os usos e funcionamento da língua, 11 mapas temáticos, 21 listas
de palavras e 9 vídeos com depoimentos na língua, todos eles legenda-
dos também em Português. Segundo Hyral Moreira, cacique da aldeia
Biguaçu, a importância da elaboração do Inventário é um primeiro pas-
so para se informar o que esta acontecendo nas aldeias, quais proble-
O cacique Hyral Moreira articulou em favor de uma maior atenção para as comunidades indígenas. O Inventário, de acordo com ele, representa um passo positivo em direção a uma política linguística mais adequada, embora isso represente só o princípio de uma trajetória.
38
máticas estão se sucedendo. “A nossa preocupação com língua sempre
existiu. O que não existia era a forma de se preservá-la. Até hoje nós
conseguimos mantê-la. Mas nossa preocupação também vai daqui pra
frente. Como será com nossos filhos, nossos netos? Se não houver um
cuidado público, não sei se conseguiremos preservar nossa língua mi-
lenar”, adverte o líder da aldeia de Santa Catarina, preocupado com a
manutenção do patrimônio guarani.
A atual coordenadora geral do IPOL, Rosângela Morello, explica que
durante as pesquisas de campo, tomou-se um especial cuidado nas
entrevistas tanto dos jovens quanto dos mais velhos. “Entrevistamos
várias faixas etárias para saber se, por exemplo, os jovens já estavam
esquecendo algumas palavras que os mais velhos não esqueciam”, ex-
plica. Outra grande questão envolvendo o Inventário da Língua Guarani
Mbya diz respeito à interpretação desses depoimentos, que, inevitavel-
mente, exigiram um grau de complexidade muito elevado para serem
feitos.
Joana Epará, professora bilíngue guarani-português da comunidade de
Morro dos Cavalos, envolveu-se durante todo o processo do Inventário
da Língua Guarani Mbya. Falante fluente do português, do espanhol
e do Guarani, Joana compreende todas as três variações da língua no
Brasil e ainda compreende o Guarani paraguaio. Ela foi fundamental
para estabelecer o contato inicial com as aldeias inventariadas. Ade-
mais, como mesmo pontua a professora, o Guarani é uma comunidade
38 39
única: “Somos todos irmãos”, pontua. “Nós estudamos uma história
da educação indígena completamente equivocada. E hoje as coisas re-
presentam outra realidade. O Estado, apesar de bem lentamente, tem
dado mais atenção para nós, indígenas”. Joana acaba de ingressar num
mestrado em educação escolar indígena na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Suas motivações partem sempre do sentimento
expressado pela língua: “A língua Guarani sou eu. O Guarani é um só”.
Rosângela Morello, diretora do IPOL, defende um processo do inventário que consiga lidar com a diversidade linguística brasileira. Para isso, tanto as pequenas comunidades de falantes quanto as grandes comunidades devem ser inventariadas.
40
41
42
O cacique Vehrá Poty fumando seu cachimbo num dos intervalos do seminário. O seu modo de ver a língua o coloca numa posição ativa de liderança.
42 43
O SENTIDO DE INVENTARIAR A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Para o IPOL não faria sentido desenvolver um trabalho acerca de
um língua que não promovesse uma discussão com os falantes.
Afinal, tanto a língua quanto a gestão pertencem aos próprios
Guarani. Rosângela Morello enfatiza que se deve tomar bastante
cuidado com o correr das investigações, caso contrário, correm
grande risco de estagnarem em uma biblioteca acadêmica sem
uma efetiva aplicação prática. O Inventário, dessa maneira, só se
justifica enquanto um propulsor de políticas públicas que benefi-
ciem toda a comunidade Guarani Mbya. Para tanto, o IPOL orga-
nizou em Florianópolis – cidade sede do instituto – um encontro
com diversas lideranças Guarani Mbya no sentido de discutir os
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resultados da pesquisa e propor novos rumos para a língua den-
tro da sua atual conjuntura. Mais de 30 lideranças dos seis Es-
tados inventariados compareceram às discussões realizadas nos
dias 26 e 27 de julho de 2011. Foram realizados grupos de trabalho,
apontamentos e formulações de propostas para o encaminha-
mento formal aos órgãos públicos. Estiveram presentes repre-
sentantes do IPHAN, do MEC, do MinC e da FUNAI, justo no sen-
tido de encaminhar os levantamentos de maneira eficaz e direta.
João Maurício Farias - Assistente técnico da regional da Funai do
litoral sul – acredita que medidas como estas acabam por dar mais
João Maurício “essas medidas acabam por reconhecer e fortalecer a etnicidade das populações indígenas”.
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visibilidade às comunidades indígenas, ajudando sobremaneira
noutras questões políticas, como por exemplo, a homologação
de terras. “Eu acho esse inventário fundamental para consolidar-
mos o reconhecimento dessas etnias aqui no Brasil, até mesmo
no sentido de garantir mais direitos. Esse trabalho certamente
traz para o cenário da formação do Estado brasileiro o multicultu-
ralismo. Assim é possível mostrar para a sociedade brasileira que
o Guarani é uma língua viva, em crescimento”, argumenta. “Na
medida em que as pessoas começarem a entender quem são es-
Joana Arari: “O encontro com as lideraças pode colaborar para a construção de novas políticas linguísticas”.
46
ses índios, quais os direitos que eles têm, isso acaba por facilitar
até mesmo a restituição dos seus direitos fundiários”, finaliza.
Joana Arari, representante da coordenação geral de culturas po-
pulares e tradicionais do Ministério da Cultura (MinC), acredita que
as políticas participativas são o modelo essencial para as políticas
indigenistas. “Nós trabalhamos sempre escutando o que as comu-
nidades têm a dizer, portanto, acho que este tipo de encontro é
valioso. É um desdobramento do próprio Inventário da língua”. A
idéia, segundo a representante do Ministério da Cultura, é sempre
fortalecer ao máximo os caracteres da transmissão e dos usos co-
tidianos, fundamentais para a sobrevivência de qualquer idioma.
As lideranças ocuparam-se em discutir os rumos da língua guarani nos dois dias de encontro. Para eles, expressar-se em Mbya consiste num exercício de preservação e respeito às próprias raizes.
46 47
A TRADUÇÃO DO GUARANI MBYA: AS BARREIAS ENTRE O COSMOLÓGICO E O PRAGMÁTICO
O ofício da tradução - como salienta Wanderley Cardoso - é um trabalho
que requer técnica e empenho, sobretudo no caso de uma língua indíge-
na como o Guarani Mbya, repleto de um conteúdo cosmológico próprio,
muitas vezes dispare diante da semântica do português. “Na maioria das
vezes a palavra em Guarani não existe em português. Existe mais é o senti-
mento. A maneira com que você vai traduzindo é a soma do pensamento
de várias pessoas que nós tentamos colocar na transcrição”, explica o tra-
dutor que se envolve com o ofício há aproximadamente sete anos. Wan-
derley - em conjunto com Joana Epará e Myrian Lucia Cardoso – foram os
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responsáveis por todas as traduções tanto do guarani para o português
quanto do português para o guarani no processo de feitura do Inventário.
Além disso, traduziram todos os curtas-metragens realizados pelo IPOL
nas aldeias visitadas. Joana explica que - apesar de se envolver constante-
mente com o ofício de tradução – sua maior dificuldade reside na transcri-
ção do guarani para o português. A professora bilíngue compreende espa-
nhol, português, guarani ñandeva, kaiowa e mbya, além de compreender
também a variação da língua oficial no Paraguai. Entretanto, transitar por
uma língua que se legitimou pela transmissão oral e por outra bastante
livresca interpõe-se como uma dificuldade.
Myrian acredita na existência de dois modelos de tradução: um ao pé da
letra, embora neste se perca completamente o contexto da transcrição,
e o outro, mais adequado, em que se deve conhecer profundamente a
cultura no sentido de manter a maior fidelidade dos aspectos subjetivos.
Nesse sentido, ela advoga em favor do ensino bilíngue. Para ela, na medida
em que os jovens puderem transitar com facilidade entre os dois idiomas,
torna-se mais fácil a obtenção dos direitos e do reconhecimento da cultura
guarani de um modo geral. “Ajuda os jovens, ajuda as lideranças a pensar
o que fazer com a língua. Queremos ter certeza que estamos cultivando
nossa língua, nossa cultura”, defende. O trabalho de campo do Inventá-
rio da língua Guarani Mbya demonstrou através dos seus questionários
os caracteres da transmissão da língua. De acordo com os questionários
respondidos, tanto os filhos quanto os netos nos círculos familiares Mbya
aprendem a língua numa taxa de transmissão intergeracional superior a
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98%. Segundo o relatório do IPOL: “o ensino da Língua Guarani Mbya e
a intenção de ensiná-la às gerações focalizadas são fatos afirmados pela
quase totalidade dos chefes de família entrevistados”, comprovando, por-
tanto, um alto grau de valorização da língua pelos falantes. A vontade e a
necessidade de perpetuar as tradições e a cultura são os principais motivos
relatados.
Logo, transitar entre línguas - para os guarani - consiste num exercício va-
lioso para trazer aos demais povos um pouco da cultura e da espiritualida
de milenar dos povos guarani. Consolidando essa perspectiva política de
valorização da língua, o encontro sobre o Inventário da Lingua Guarani
Mbya foi registrado simultaneamente nas línguas Guarani e Português. O
documento final deliberado em suas duas versões pode ser lido adiante,
nesta revista.
Como mesmo afirmou Wanderley ao periódico catarinense Notícias do Dia - na ocasião em que a jornalista pediu-lhe para formular uma frase em ambos os idiomas – “pende kuery Juruá kuery peikua’a ore kuery reko”. Ou seja, “que vocês não indígenas possam entender os nossos costu-mes através do conhecimento indígena”.
O Mbya Aldo usa seu tablet durante o encontro entre as lideranças
52
BREVE DESCRIÇÃO DA POPULAÇÃO GUARANI MBYA
As fronteiras geográficas dos Estados Nacionais não correspondem às
fronteiras dos povos indígenas. As relações de proximidade por vezes
extrapolam territórios nacionais, causando um estranhamento ligado às
relações de nacionalismo e de identidade. Os Mbya se encontram concen-
trados em sua maioria na Argentina, no Paraguai, na Bolívia e no Brasil, e,
apesar de em alguns casos guardarem distinções dialetais, são um povo
que se agrupa um torno da mesma unidade. Há, portanto, uma incoerên-
cia nos modos de articulação dos povos indígenas e dos Estados Nacio-
nais; e essa questão se estende inclusive a delicada questão fundiária. Os
Guarani Mbya pertencem à família linguística do Tupi-Guarani, no entanto,
a língua originou-se do tronco maior, o Tupi. No Brasil, as variações são
entre o Mbya, o Nhandeva ou Xiripá ou Ava Guarani e o Kaiowa. Contudo,
52 53
de acordo as autoridades científicas no assunto, não existem limites claros
entre as variedades. Elas podem receber dos falantes outras designações
que não essas.
Como mesmo aponta o estudo realizado pelo IPOL, o Guarani - em con-
junto com o Aimara e o Garifuna – é das poucas línguas latino americanas
faladas representativamente em quatro países. Para se ter uma idéia, a pri-
meira gramática da escrita pelo padre Montoya data a primeira metade do
século XVII. Isso mostra a importância do estudo da língua nos primórdios
da colonização da América Latina, embora ainda existam poucos trabalhos
sistematizados sobre o Mbya, o Nhandeva e o Kaiowa. São um povo de
forte unidade estendido por toda América latina. As estimativas feitas pela
Assembléia Continental, realizada na cidade de Porto Alegre – em abril de
2007 – apontam para um número equivalente a 255 mil Guarani vivendo no
continente americano. Os dados do Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
enumeram aproximadamente 85 mil Guarani nos Brasil, Paraguai e Argen-
tina.
A FUNASA, de acordo com as estatísticas de atendimento à saúde, conta-
bilizou 21.557 Guarani brasileiros. Os Mbya, dentro dessa lógica, somariam
algo entre cinco e sete mil, embora todos esses cálculos levem em conta
bases demasiado especulativas. A pesquisa do Inventário faz pela primeira
vez uma discussão sobre o número de falantes da língua, distintamente
dos dados quase sempre embasados na etnia. Considerando a margem de
erro própria a projeções estatísticas e tomando por base as comunidades
54
inventariadas, o estudo permite confirmar as projeções de cerca de 7 mil
falantes do guarani Mbya no Brasil. Não raro, encontram-se muitos Guara-
ni radicados em bases que são trilíngues ou mesmo quadrilíngues. Além
das taxas de transferência da língua materna serem altíssima, por se tra-
tar também de um povo fronteiriço, as aptidões para falar várias línguas
verificam-se em várias aldeias. Isso mostra o quão forte é o arcabouço cul-
tural desse povo, extremamente voltado para a percepção de um mundo
cosmológico, espiritualizado e repleto de um rigor favorável à luta pelos
seus direitos.
54 55
Momento do registro audio-visual dos depoimentos das lideranças.
VOZ MBYADEPOIMENTOS DAS LIDERANÇAS
Tenho orgulho de ser guarani, sobretudo quando comecei a me en-
volver com a liderança. Antigamente, quando era mais novo, eu sen-
tia um pouco de vergonha de ser índio. Nós éramos muitos discri-
minados pela sociedade. Depois que eu fui entendendo como era o
mecanismo das coisas. Passei, então, a ter orgulho de ser guarani.
Hoje sabemos que a cultura vai se difundindo com outras. Uma das nossas
principais bandeiras é manter a nossa identidade. Por isso é importante lu-
tarmos pelos nossos direitos, pela demarcação das nossas terras. Dessa
forma, podemos nos organizar melhor, valorizar mais o trabalho coletivo,
as conversas coletivas, a vivência. Podemos, assim, passar todas as informa-
ções de antigamente para os mais novos. Os mais velhos sentam num lu-
gar, ao redor da fogueira, e começam a contar as histórias de como eram
as coisas antes. E agente vai guardando isso. E depois agente já vai ficando
mais velho e já vai passando isso para as crianças. Por isso que é importante
para nós a cultura, a língua, a crença, entrar na casa de reza, chegar à casa
das pessoas, conversar. Isso é importante, pois agente vê que na sociedade
não indígena já não existe isso. Cada um vive no seu próprio mundo, indi-
vidualista. Eu mesmo, quando mais novo, falava só em português. Parece
que era mais bonito falar em português. Com o passar do tempo - com os
mais velhos falando que nós temos que valorizar nossa cultura, nossa lín-
gua – eu percebi, se nós, as lideranças, não falarmos para as pessoas que
temos que valorizar tanto nossa identidade, nós mesmos vamos nos perder.
VOZ MBYA CACIQUE MARCO ANTÔNIO OLIVEIRA DA SILVAALDEIA MASSIAMBU, SANTA CATARINA
A elaboração do inventário pra mim é só um primeiro passo para se
informar o que está acontecendo nas aldeias. E quais problemáti-
cas estão atingindo essas aldeias. É importante que essa proposta
de inventariar a língua possa elaborar uma medida que sirva como
política pública. Nós, ao contrário do que se pensa, sempre nos pre-
ocupamos com a preservação da língua. O que não existe é uma ma-
neira adequada de fazê-lo. Até o momento nós conseguimos pre-
servar ela. Mas a preocupação vem daqui para frente. Como será
daqui ha 50 anos? Se não existir uma política pública em defesa da
língua Guarani, não vamos conseguir manter esse idioma que é mi-
lenar, que, apesar de todas as adversidades, ainda se mantêm vivo.
Acredito que a população indígena tem se esforçado muito nesse senti-
do. Nós, como se sabe, só tivemos acesso aos nossos direitos a partir da
constituição de 1988. Antes era inclusive proibida a prática. Muitas cultu-
ras se extinguiram por essa razão. Esse inventário é, em minha opinião,
o primeiro passo. Foi importante fazer esse levantamento para ter sub-
sídios para questionar outras questões. Mas ainda há muito que fazer.
CACIQUE HYRAL MOREIRAALDEIA BIGUAÇU, SANTA CATARINA ALDEIA AMARAL, SANTA CATARINA
Estamos no momento em uma situação de vitória, mas ao mesmo tempo com vá-
rias dificuldades e vários pontos que estamos enfrentando, a nossa luta de sem-
pre. Agente sempre manteve o nosso costume - não gosto de dizer cultura – por
que quando nos referimos a cultura no contexto do Brasil já vem com uma coisa
definida, de como a cultura é. Gosto de pensar em costumes originários, vindos
dos nossos ancestrais. Hoje estamos tentando nos incluir na sociedade brasilei-
ra, mas não de uma forma brasileira, mas com os direitos originários. Temos de
reivindicar pelos nossos sistemas e as nossas visões. Por que tudo o que se sepa-
ra na sociedade ocidental por quadros – educação, saúde – nós não separamos.
Estamos, nesse sentido, procurando uma política pública adequada para nós.
A minha educação não vem a partir de uma escrita ou de uma visão políti-
ca. Envolve toda uma cosmologia guarani, o canto, a palavra, a imagem. Nos-
sa base principal são os velhos, eu diria que eles são dicionários em pessoa.
Precisamos sempre procurar vivenciar outros costumes. Tentamos viver a di-
versidade. É importante que as pessoas não indígenas vejam o nosso lado. É
preciso criar uma política a partir do entendimento do nosso povo, intimamen-
te ligado a natureza. A sociedade ocidental fala de água como fonte da vida,
mas será que somente água? Não a natureza como um todo? É impossível
alguém que não é índio ser índio. Mas é preciso entrar no nosso mundo para
ver melhor como nós vemos as coisas. Precisamos dialogar, nos compreender
melhor. As formas de convivência tem que ser positivas para as duas partes.
VHERÁ POTYALDEIA AMARAL, SANTA CATARINA
60
1) Qual foi a principal motivação do IPOL em inventariar a língua Guarani
Mbya? A predileção por uma das línguas indígenas mais faladas do Brasil
se deveu a que?
O IPOL teve o privilégio de atuar na instituição da política do Inventário
Nacional da Diversidade Linguística do Brasil/INDL desde sua concepção,
tendo defendido uma participação agentiva das comunidades linguísti-
cas no processo. Realizar o Inventário da língua Guarani Mbya em seis es-
tados – Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul – foi uma consequência dessa posição de trabalho.
Este Inventário aliou o diálogo histórico do IPOL com as comunidades
indígenas, em especial, as lideranças Guarani – vale lembrar que Leonar-
do Wera, de Santa Catarina, participou em 2006, por indicação do IPOL,
ENTREVISTAROSÂNGELA MORELLO, COORDENADORA GERAL DO IPOL
60 61
do Seminário Legislativo que culminou com o decreto do INDL, em 2010
– com o propósito de executar o projeto piloto para instruir metodologi-
camente os novos inventários de línguas indígenas de grande população
e extensão territorial. Como antes nunca se tinha inventariado línguas
no Brasil, vivemos intensamente o desafio de construir o próprio senti-
do de inventário de uma língua, além de toda a logística para realizar o
trabalho. O fato de o IPOL ter acumulado muita experiência na área de
políticas linguísticas para a educação bi e plurilíngue – inicialmente em
contexto indígena, mas que logo se ampliou para as línguas de imigração
e regiões de fronteira – propiciou a base para esta complexa tarefa. Fo-
ram três anos de muitas aprendizagens, de muito diálogo com lideranças
Guarani, indigenistas e instituições parceiras, de formação de equipes
especializadas e pesquisas em arquivos, trabalhos de campo, registros
em áudio e vídeo, enfim, de construção de uma trajetória de trabalho e
de instrumentalização da Língua Guarani que ficam agora à disposição
do povo Guarani para que continue sua luta por melhores condições de
vida.
2) O resultado do Inventário da Língua Guarani Mbya vai – na ótica do
IPOL – aportar novas conclusões para o estudo das línguas indígenas no
Brasil?
Pela primeira vez uma língua indígena de grande expressão política e
territorial foi inventariada. Isso significou, basicamente, a construção de
uma ótica de trabalho que foi a de inventariar línguas, algo distinto da
62
descrição de línguas. Sustentando uma metodologia específica, confor-
me se pode ler no livro Inventário da Língua Guarani Mbya, o Inventário
focaliza informações que abarcam os modos de se nomear a língua, os
âmbitos de sua circulação, seu status, sua taxa de transmissão, sua histó-
ria e os valores sociais e políticos a ela agregados. Sistematizamos, assim,
dados sociolinguísticos, históricos e políticos fundamentais para o ade-
quado planejamento de ações que conduzam a uma política linguística
voltada à valorização e fortalecimento da língua. Logicamente, todas as
informações ali reunidas podem ser objetos de investigações aprofunda-
das, em trabalhos futuros.
3) Quais foram as principais dificuldades encontradas no processo de
inventariar a língua Guarani Mbya?
A perspectiva e a metodologia do Inventário requerem uma sistema-
tização de informações sobre a situação social, política e linguística da
comunidade em estudo. Como se sabe, a consolidação do Estado bra-
sileiro como monolíngue em Português apagou ou silenciou as mais de
180 línguas indígenas e outras dezenas de línguas de imigração, além das
línguas crioulas, afro-brasileiras e de sinais. As condições atuais de mui-
tas destas línguas são muitas vezes desconhecidas, ou, quando muito,
são parte de estudos descritivos. Há uma enorme dispersão das informa-
ções. No caso da língua Guarani Mbya, essa situação dificultou tanto o
planejamento prévio adequado do trabalho quanto sua execução, uma
vez que não pudemos contar previamente, no campo da gestão das polí-
62 63
64
ticas publicas do Estado, com mecanismos administrativos e financeiros
ajustados para atender as especificidades de um trabalho dessa
envergadura. Fomos construindo ao longo do percurso – com erros,
acertos e muita conversa –as possibilidades para o trabalho se consoli-
dar.
4) O IPOL – enquanto instituto de políticas linguísticas – pretende dar con-
tinuidade ao processo de estudo e preservação da diversidade brasileira
fomentado pelo Inventário Nacional de Diversidade Linguística (INDL)?
Assumidamente, existe a pretensão de se inventariar outra língua?
A realização de novos inventários é parte da política de regulamentação
do Decreto n° 7.387 que por hora tramita no IPHAN. Temos todos envia-
do esforços para avançarmos nessa direção, consolidando as categorias
de línguas, os modos de inventariá-las e os recursos mínimos necessários
para a realização de novos inventários. É preciso que se estabeleça essa
regulamentação para que as demandas se consolidem. Temos, de todo
modo, colocado à disposição de nossos parceiros nossa qualificação
técnica e política para este trabalho. O IPOL se apresenta, atualmente,
como um in tituto com larga experiência na formulação de bases digitais
de dados sobre línguas brasileiras visando a sua gestão nos mais variados
contextos, respeitando sempre a interlocução com as comunidades lin-
guísticas e suas demandas históricas e políticas. Os diagnósticos sociolin-
guísticos para a implantação de escolas bilíngues e interculturais, o censo
linguístico do município de Santa Maria de Jetibá e agora o inventário da
64 65
língua Guarani Mbya, uma língua de grande população e extensão terri-
torial, portanto, com grande volume de informações, exemplificam essa
atuação. E nossos parceiros sabem que podem contar com esta nossa
experiência.
5) Qual foi a principal motivação de produzir um encontro com as
lideranças Mbya para discussão dos resultados do estudo?
A política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL, na
qual se inscreve o Inventário da Língua Guarani Mbya, almeja mobilizar
uma nova forma de atuação do Estado Brasileiro em defesa dos direitos
linguísticos, e para tanto, é fundamental que as comunidades linguísti-
cas sejam agentes em todo o processo. Afinal, trata-se de salvaguardar
e promover a língua, um bem que estrutura política, simbólica e histori-
camente a comunidade que a fala. O trabalho de inventariar exige visitas
às comunidades, diálogo sobre o que entra ou não no documento final,
formas de interagir e descrever cada aspecto dos usos da língua. É um
trabalho de muitas delicadezas e forte potencial mobilizador das iden-
tidades. O Encontro foi um momento de socialização dos resultados do
trabalho realizado, um momento de reflexão e encaminhamentos com
a participação também de representantes do governo que conduziu a
um documento final, disponibilizado em www.ipol.org.br. Foi também
um momento de comemoração pelo fato do Inventário proporcionar à
Língua Guarani Mbya seu reconhecimento como patrimônio cultural ima-
terial da nação brasileira.
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ENCONTRO SOBRE O INVENTÁRIO DA LINGUA GUARANI MBYA
DOCUMENTO FINAL
26 e 27 de julho de 2011.
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
66 67
Nos dias 26 e 27 de julho aconteceu o ENCONTRO SOBRE O INVENTÁRIO
DA LINGUA GUARANI MBYA, em Florianópolis, reunindo lideranças
Guarani dos seis estados inventariados – Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo –, representantes de insti-
tuições do Governo e especialistas com o objetivo de discutir os resultados
do Inventário da Língua Guarani Mbya (ILG), e seus desdobramentos para a
promoção desta língua. O Encontro foi promovido pelo IPOL - Instituto de
Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, instituição respon-
sável por executar o referido Inventário que se iniciou em 2008, com o apoio
do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD)
da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
O ILG foi concebido como um projeto piloto para, juntamente com outros
sete projetos contemplando línguas de imigração, de sinais, indígenas de
poucos falantes e afrobrasileira, consolidar a proposta de criação do Inven-
tário Nacional da Diversidade Lingüística (INDL), instruída pelo relatório do
Grupo de Trabalho da Diversidade Lingüística (GTDL), publicado em 2007.
Destinado a reunir informações variadas sobre a língua e seus usos sociais,
o inventário abrangeu 69 aldeias de seis Estados brasileiros (ES, SP, RJ, PR,
SC, RS), somando um total de 928 questionários respondidos. O trabalho de
pesquisa contemplou ainda a busca de informações sobre a língua Guarani
em arquivo e base de dados, marcação de pontos das aldeias por GPS, rela-
tórios das idas a campo e registro audiovisual de depoimentos e de listas de
palavras. O resultado de todo o trabalho foi compilado em um relatório de-
26 e 27 de julho de 2011.
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
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talhado entregue ao IPHAN/MinC para o reconhecimento da Lín-
gua Guarani Mbya como patrimônio cultural imaterial da nação
brasileira. Pontos fundamentais do relatório foram reunidos em
um livro - Inventário da Língua Guarani Mbya –, o qual forneceu a
base para os debates durante o Encontro
Após exposição do trabalho realizado e da socialização de dados
inventariados, os participantes se reuniram em cinco grupos, ten-
do por foco avaliar e sugerir encaminhamentos sobre a relação da
língua Guarani Mbya com 1) Educação; 2) Sistemas de Saúde; 3)
Mídia; 4) Produção de conhecimentos e 5) Atividades artísticas.
SÍNTESE DAS DISCUSSÕES E DOS ENCAMINHAMENTOS DADOS
EM CADA GRUPO
1. A Língua e a Educação
Avaliação
-Nem todas as escolas têm currículo reconhecido. Muitas Secre-
tarias de Educação não reconhecem a escola diferenciada.
-O ensino da língua Guarani não está equiparado com o portu-
guês.
-A sequencialidade da aprendizagem em Guarani é prejudicada
a partir do 5º ano, quando se começa o ensino disciplinar com
vários professores.
68 69
-É necessário apoio à produção de materiais didáticos.
-O objetivo da escola deve ser discutido e exige uma atuação da
comunidade. Muitas vezes os professores não sabem qual cami-
nho seguir: se falam e ensinam em Guarani ou em Português.
-Um modelo possível é o de Boa Esperança/ES., implementado
após discussão com a comunidade. Consiste em:
- Alfabetização até 3º ano: só em Guarani.
- 4º e 5º anos: só em Português.
- 6º ao 9º anos: uma matéria falada e escrita em Guarani.
- Outro modelo possível é o implementado na Aldeia Bracuí em
que o ensino do 6º ao 9º anos de idade só acontece em Guarani
ENCAMINHAMENTOS
-As lideranças propõem-se a realizar intercâmbios de material di-
dático produzido nas aldeias.
- São necessárias formações para produzir material para o ensi-
no. O Estado do Paraná tem implementado cursos com este fim,
mas não o de Santa Catarina.
- A representação do MEC esclarece a vantagem de se implemen-
tar políticas de ensino (formação docente, produção de materiais,
etc.) via Territórios Etnoeducacionais. As lideranças solicitam que
seja agendada uma reunião para discussão sobre o Território Et-
noeducacional Guarani. Após consulta ao MEC, esta reunião ficou
agendada para 26 a 28 de outubro de 2011, em São Paulo.
70
2. A Língua e os Sistemas de Saúde
Avaliação
-Em muitas aldeias, não se fala o Guarani nos postos de saúde e em outras o
atendimento é somente em português.
-Quando precisam ir a hospitais, não conseguem saber qual é a doença. Há
dificuldade para o atendimento, para os exames. As mulheres não estão ha-
bituadas a exames. Os homens também não. Às vezes as índias fazem ce-
sariana sem necessidade. Seria importante ter um acompanhante bilíngue.
ENCAMINHAMENTOS
-Promover uma capacitação especifica para o agente de saúde. É fundamen-
tal que a capacitação aconteça dentro da comunidade e que os formadores
tomem em conta a realidade da aldeia.
-É preciso que as lideranças e agentes de saúde promovam a escrita em Gua-
rani dentro do posto para facilitar o acesso ao atendimento.
- A população indígena tem acesso à saúde integral, regulamentada pela
Constituição. Liderança guarani esclareceu que houve avanço neste sentido,
com incentivo aos hospitais para atendimento diferenciado. A lei regulamen-
tou o atendimento na aldeia. No entanto, não há um entendimento da situa-
ção de indígenas que moram fora das aldeias.
-Levar o pajé ao hospital é uma tendência. Faz parte do atendimento dife-
renciado.
-Em Santa Catarina, tem acontecido do médico ter contato com o líder espiri-
tual guarani, articulando a medicina tradicional e a de laboratório.
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- Há o programa Hospital Amigo do Índio. Foi sugerido de se buscar a lei e ver
estratégia para implementá-la.
3. A Língua e a Imprensa
Avaliação
- Há muita comparação com a língua Guarani do Paraguai, que não é indíge-
na. A imprensa divulga notícias que prejudicam os Guarani.
- Há pouca divulgação sobre os Guarani e quando há, é negativa.
- Hoje, tudo o que é língua guarani parece ser a mesma coisa. No entanto, há
muitas diferenças.
ENCAMINHAMENTOS
- Em vez de língua indígena, chamar o Guarani de língua originária do povo
Guarani. Lingua originária para todas as línguas indígenas. O Canadá reco-
nhece os povos como povos originários. No Brasil ainda são denominados
de índios. Por isso seria importante trazer a debate a verdadeira história Gua-
rani.
- Desenvolver conjuntamente estratégias de promoção e divulgação da lín-
gua: publicação de jornal, produção de vídeos, material instrutivo (como
está fazendo o Ministério do Desenvolvimento Social: vai publicar um livro
sobre bolsa família em 33 línguas indígenas).
- As instituições e lideranças podem buscar contratos com Museu do Índio
para que os documentos oficiais sejam redigidos nas línguas, trabalhando
assim o seu prestígio.
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- A produção de documentos (tais como relatórios das reuniões) em língua
Guarani é uma estratégia de promoção da língua. O presente encontro, pela
primeira vez, produziu simultaneamente relatórios nas duas línguas – Portu-
guês e Guarani – ambos disponibilizados pelo IPOL.
-Encaminhar ao IBC e TV Brasil uma solicitação para cota de exibição da cultu-
ra indígena na televisão. Poderia ser duas ou três vezes por semana para exi-
bir programas. Esta proposta será enviada para as Organizações indígenas
para deliberarem sobre essa participação. Foi sugerido ainda um encontro
conjunto – lideranças indígenas, MEC, MinC, IPOL para formatar a proposta.
- Foi sugerido um encontro para discussão da história Guarani, para a escrita
dessa história.
- Ficou indicada a necessidade de se criar um mecanismo de financiamento
no MEC, FUNAI e IPHAN para o audiovisual.
- Ficou indicada a necessidade de se criar um mecanismo de disponibilização
e gestão de recursos para produção de séries de documentários, envolven-
do todas as línguas brasileiras.
- Considerou-se fundamental que as instituições e lideranças presentes se
empenhem em estabelecer, em especial, um plano de trabalho de promo-
ção e divulgação para as línguas reconhecidas, entre elas, o Guarani Mbya.
4. A Língua e a Produção de Conhecimento
Avaliação
- A produção de conhecimentos acontece majoritariamente em Português.
Ou então há uma tradução do que está disponível em Português. Uma pro-
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dução em língua Guarani deve levar em consideração a tradição guarani, o
modo do guarani de falar. A produção dos materias – livros, cds, etc. – deve
ter claros os objetivos. A produção somente na língua Guarani deve ser in-
centivada. Há pouca produção nesta língua, inclusive a escola produz pouco
em língua Guarani. Fazer um desenho de casa de reza é fácil. Mas fazer a
casa de reza é um conhecimento que a escola não dá. É um conhecimento
transmitido em Guarani com muitas sutilidades dessa cultura.
- O conhecimento não pode ser a representação, mas o fazer. E a avaliação
deve ser de tudo, e não só do que está no livro. Nao é so o material final que
deve ser considerado. O material de conhecimento produzido deve ser ele
mesmo objeto de conhecimento.
- Sobre falar Espanhol nas aldeias: as lideranças esclareceram que os que
vieram da Argentina falam fluentemente e outros aprenderam a falar com
eles. Demonstraram a preocupação de que a língua Guarani Mbya possa ser
considerada como originária de outro país, pois quando um entrevistado in-
dígena diz que ele sabe falar o espanhol a mídia pode achar que ele não é
brasileiro.
ENCAMINHAMENTOS
-É preciso mais parceria com o MEC para mais materiais para/em Guarani.
-A produção de material exige pesquisa com os mais velhos. Considerou im-
portante pensar em estratégias para esse tipo de pesquisa.
- Houve um esclarecimento, por parte do diretor do IILP, de que o risco de
falar o Espanhol é produzido pela ideologia do monolinguismo. No atual mo-
mento, faz parte da política do governo brasileiro e do Mercosul, criar uma
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mentalidade positiva sobre falar outra língua, que não ameace a idéia de ser
brasileiro.
- Foi recomendado que o INDL devesse produzir uma campanha nacional de
valorização das línguas e do plurilinguismo, para modificar esse imaginário.
5. A Língua e as Atividades Culturais
Avaliação
- O ILG mostra as atividades dentro da aldeia. Muitas delas não são ativida-
des da cultura guarani, e sim da rotina da comunidade (aniversário, festas,
etc.). É preciso separar estes tipos de eventos na hora de se promover políti-
cas de valorização da cultura guarani.
- O ILG mostra 12 Aldeias sem Opy no RS. As lideranças esclareceram que
são na verdade acampamentos. Alguns têm mais de 20 anos, e têm área já
demarcada, mas que não é reconhecida. Dentro de um ano pode ser que a
situação mude e já há um projeto próprio de construção de Opy.
- Coral Tenonde Porã é exemplo de sucesso. O Coral foi criado em SP em
1996, no encontro do campeonato indígena. Quatro aldeias se uniram, fize-
ram e lançaram o CD, hoje muito vendido.
ENCAMINHAMENTOS DO IPOL
Após o Encontro, e tendo analisado as demandas e encaminhamentos regis-
trados, o IPOL, como instituição executora do ILG, solicita que as instituições
e lideranças presentes se empenhem na consecução das políticas propostas
no evento, consideradas fundamentais para a ampliação da diversidade lin-
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guística no Brasil, de modo geral, e para a promoção da língua Guarani Mbya,
de modo específico.
Na qualidade de Instituição que historicamente defende e promove políticas
em prol dos direitos das comunidades linguísticas minorizadas, solicita es-
pecial atenção dos presentes para que façam chegar às instâncias governa-
mentais dos Municípios e Estados inventariados pelo ILG as demandas aqui
sistematizadas. Muitas das solicitações exigem uma participação efetiva e
articulada dos Ministérios da Educação, Saúde, Cultura, Ciência e Tecnologia,
das Secretarias de Educação, Saúde e Cultura dos Estados do Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
Em vista dessa articulação necessária, o IPOL recomenda a realização de
uma conferência nacional sobre políticas linguísticas, que contemple as de-
mandas não somente da comunidade linguística Guarani Mbya, mas de to-
das as que formam a sociedade brasileira, contemplando as instituições que
as represente.
O IPOL considera que uma conferência desta natureza qualifica a política
do Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL, possibilitando que
ela concretize seus objetivos principais, a saber, o de promover pela língua,
equidade social e exercício pleno da cidadania por todos nós brasileiros.
Por: IPOL – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística
Florianópolis, 30 de setembro de 2011.
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Todos os participantes do I Encontro sobre o Inventário da Língua Guarani Mbya. Poder público, especialistas e os próprios guarani discutiram durante dois dias osrumos da língua diante das políticas públicas
Equipe do IPOL responsável pela feitura do Inventário. Todos contribuiram significantemente para todos as fases do processo, desde a pesquisa à realização do encontro entre as lideranças
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