Post on 04-Dec-2015
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QUADRINHOS por Waldomiro Nogueira
HORUS
Quadrinhos é Arte?Waldomiro Vergueiro tenta responder à eterna questão
H O R U S
ENsaio Visual
Leandro abreu e suas iLustrações do bem
GamEs
natáLia bridi apresenta assassin’s Creed
Grafitti Vs.
Pixação
N00out|2014
EDITORA
GESTALT
E DITORIAL
HO
RU
SGames, softwares, websites, sistemas computacionais variados,
não há, na atualidade, elemento de maior projeção que a mídia interativa, responsável por grandes mobilizações, a partir da comunicação mediada por redes e sites sociais e uma mudança profunda na organização social, econômica e cultural.
Lidar com sistemas computacionais é algo já natural, mesmo para aqueles que não usam diretamente computadores em suas casas. O uso de cartões de programas sociais, de caixas de bancos, de produção e impressão de documentos, enim, não há quem ou como escapar desta realidade, mesmo recebendo jornais, vendo televisão. Estamos impactados social e culturalmente por este contexto.
Compreender e melhorar os sistemas de mídias interativas torna-se, então, premente, na exata medida em que a contemporaneidade urge por espaços, ecoa nos sentidos e sente pulsar cada vez mais em uníssono, no corpo social global. Em níveis menores, quebrar resistências ainda existentes, via melhoria do padrão de usabilidade destes sistemas passa a ser obsessão, engrandecida pela velocidade em aceleração dos mercados, dos bits, bytes, dos cabos de ibra ótica e satélites que conformam um novo backbone mundial, cuja importância passa a deinir potências. O sangue do mundo não tem mais como principais veios a via marítima ou aérea; agora os luxos que oxigenam mercados e culturas são informacionais, embalados por uma presentiicação ascendente, em uma atualização constante, apressada, em tempo real. O tempo do mundo é o agora, seu espaço ao mesmo tempo foi reduzido e ampliado, com uma física não tão clara, mas densa o suiciente para abarcar o mundo com as sutilezas do virtual e do atual. Entre estes, uma torrente de dados abre caminho para os luxos convencionais.
As mídias interativas respondem por este luxo, alicerçadas pelas interfaces computacionais, que tornam impulsos em impactos, fazem agir e interagir sociedades, promovem deslumbramentos e encantamentos, tornam mais tangíveis ideias abstratas que agora são imagens, e interativas.
Agradecemos aos autores, que gentilmente atenderam o convite e ajudam a pensar as mídias interativas, com competência e presteza já habituais, o que demonstra não só a importância temática, mas a existência de competências no campo, em terras brasileiras. Nosso desejo de que o signo verbal, vivo e pujante, que descansa nas próximas páginas, consiga suscitar novas questões, e se torne também interativo, ainda que no plano das ideias.
4
S UMÁRIO
HORUS
fotoGrafia 8 | O suicídio da fotógrafa Francesca Woodman, segundo o ilósofo Arthur Danto
moda 12 | O Futuro da Moda: destaques deste ano da Central Saint Martins14 | O último giorno de Yasmine Sterea na fashion week de Milão
dEsiGN
16 | Designer do Hotel Pantone vem ao Brasil e fala sobre uso de cores18 | Entrevista com Rápida Alexandre WollnerDesign: 70 | O Design e a Cultura Visual Urbana80 | Do tipo à tela
6
S UMÁRIO
H O R U S
Imagem do desenhista
Moebius, conhecido por
ilustrar quadrinhos.
HORUS
ExPEdiENtE
Editora e diretora responsável: Daysi
Bregantini
Redação: Amanda Massuela, Gabriela Soutello
e Patrícia Homsi
Editora do site: Patrícia Homsi
Edição de arte e digramação: Guido Pratti e
João Espíndola
Assistente de arte: Guido Pratti e João
Espíndola
Espaço Revista HORUS: Eduardo Pratti
Diretor inanceiro: Marcos EspíndolaGerente dpto. assinatura: Guido Eduardo
(assine@editoragestalt.com.br)
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Matérias e sugestões de pauta: redacao@
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GamEs
66 | Assassin's Creed: Unity terá história "mais séria e madura"68 | The Last of Us Remastered
QuadriNhos
20 | Quadrinhos é Arte? Waldomiro Vergueiro tenta responder à eterna questão32 | Superior Spider-Man34 | Entrevista: O artista e a cartola
ENsaio Visual
38 | Leandro Araújo
artEs Visuais 54 | Tecnologia e arte digital: um estudo sobre imagens virtuais e dispositivos móveis60 | O Luto da Arte
urbaNa
64 | Graitti É Vandalismo, Pichação É Arte
84 | Notas
7
F OTOGRAFIA
HORUS
A artista extremamente
talentosa Francesca
Woodman terminou
abruptamente sua breve vida
e carreira em 19 de janeiro de
1981, saltando para a morte
de uma janela do seu estúdio
em Nova York. Francesca
tinha 22 anos, quando
cometeu suicídio. A obra de
seus oito anos produtivos foi
exposta, entre outros lugares,
no Museu de Arte da Cidade
de Helsínquia, na Finlândia; na
Marian Goodman Gallery, em
Nova York, em 2004; e na Galeria
Mendes Woode (Mendes Wood
DM), em São Paulo, em 2012.
Francesca Woodman ficou
famosa pelos seus trabalhos
em preto e branco, onde
utilizou da sua própria imagem
ou modelos femininos. Muitas
das suas fotografias mostram
jovens mulheres nuas,
O suicídio da fotógrafa
Francesca Woodman, segundo o filósofo Arthur Danto
O filósofo e crítico de arte Arthur Danto, na revista The Nation, na coluna “Darkness Visible”, em 15 de novembro de 2004, comentou sobre a fotógrafa
Francesca Woodman e os mistérios da sua morte em sua própria arte.
desfocadas (devido ao movimento e longos tempos de exposição),
fundindo com os seus arredores, ou com os seus rostos velados.
Arthur Danto afirma que teria sido mágico e enigmático
qualquer que fosse o destino da jovem fotógrafa Francesca
Woodman, mas o seu suicídio causou aos espectadores uma
curiosidade em saber se ele foi prenunciado em suas fotografias.
Mas, segundo Danto, a relação entre a vida de um artista e o
seu trabalho é sempre provisória, mesmo quando a vida parece,
Autorretrato de Francesca Woodman.
8
FOTOGRAFIA
obviamente, ter sido o objeto
do trabalho, como é o caso do
famoso escritor Marcel Proust.
A melhor razão para a leitura da
biografia de Proust, por exemplo,
é aprender como diferente são a
sua vida e o seu grande romance
literário, apesar da interna
relação entre os dois. A diferença
entre esse autor e o narrador da
sua obra “Em Busca do Tempo
Perdido” é uma intrincada
questão de interpretação.
Estando ou não o suicídio
de Francesca projetado em
sua arte, o seu trabalho parece
revelar sua vida interior, não só
porque Francesca é tipicamente
o seu próprio modelo para as
suas fotografias, mas por causa
do jeito que em Francesca
cria imagens de si mesma: as
fotografias são de uma mulher
jovem, freqüentemente nua,
muitas vezes usando tipos de
roupas vintage (retrógrada) ou íntimas roupas que os amigos de
Francesca diziam que ela usava a todo tempo. A jovem fotógrafa
geralmente aparece sozinha em quartos, em grande parte vazios,
com paredes manchadas e peças de móveis de segunda mão, que
ela usava como estúdio ou espaço de trabalho ou ambos. Então,
as pessoas têm debruçado muito sobre as fotografias dela, com
olhos forenses, à procura de pistas sobre o seu suicídio.
Enfim, até hoje estudiosos continuam a buscar evidências,
realmente embasadas, de um prenúncio do seu suicídio em suas
obras fotográficas, as quais Francesca utilizou de elementos como
o simbolismo, o Barroco, o Surrealismo e o Futurismo. Hoje,
muitos consideram uma arte mais conceitual.
Francesca conseguiu revelar sua alma — o romantismo, a
alegria, o medo, a ambição, o feminismo e a angústia de uma
menina — por meio da exposição do corpo. Agora reconhecida
pelo mundo das artes, deixou obras lindas. Alguns textos de
seu diário mostram como era intensa, ambiciosa, ansiosa por
reconhecimento. Em uma de suas frases afirma que é vaidosa e
masoquista e se indaga como pode ser as duas coisas.
Suas fotografias são, como toda arte dessa natureza, tão
poderosas que é impossível passar por elas sem ser atraído, sem
sentir certa perturbação e angústia, sem pensar nos limites do
Retrato de Francesca.
Francesca Woodman na foto acima e na imagem ao fundo da página.
FOTOGRAFIA 9
HORUS
corpo. Francesca explora o
corpo humano, seus limites e
temas como a solidão, a morte
e o feminino.
Para os interessados, em
2010 foi lançado o documentário
“The Woodmans”, realizado
por C. Scott Willis (ainda não
legendado em português). O
filme fala sobre a família e vida
da fotógrafa Francesca, traz
depoimentos de familiares
próximos, como seu irmão, fala
sobre a relação e importância
da arte na vida de Francesca e
seu trágico fim. Sem dúvida, a
arte era o sentido da sua vida
e foi após um bloqueio criativo
que afetou todo o seu processo
lhe impedindo de produzir,
que ela entrou numa crise e
desequilibrou-se a ponto de
se matar, segundo o “The
Woodmans”.
Na atualidade, um jovem que
tem se destacado na fotografia
como arte mais conceitual
ou, em alguns casos, surreal,
é o fotógrafo Kyle Thompson,
que tem também Francesca
Woodman como fonte de
inspiração. Vale á pena conhecer
igualmente o seu trabalho.
HORUS
Acima e ao lado, retratos de
Kyle Thompson.
10
FOTOGRAFIAFOTOGRAFIA
Autoretrato de Francesca Woodman.
11
MODA
HORUS
A Central Saint Martins, em Londres, é um lugar onde todo mundo que ama moda gostaria de estudar. Tem renome
e reputação de criar gênios.Uma aluna que se formou neste ano disse
assim: “compartilhar ideias com este grupo de pessoas criativas só me faz querer fazer algo acontecer. É quase uma iluminação.” Além de todo esse privilégio, quem estuda lá recebe muita atenção, e seus trabalhos de conclusão de curso são assistidos e analisados pela nata
O FUTURO DA MODA: Destaques deste ano da
Central Saint Martins
RICHARD MALONE
Ele é irlandes e tem 24 anos. Sua coleção foi inspirada na cidadezinha natal, costumes e estereótipos da Irlanda, mas com um approach bem jovial e uma pegada meio esportiva. Segundo ele, o foco principal foram seus conterrâneos mais jovens, que só querem saber de bagunça e bebedeira e não tem planos pro futuro.
do universo da moda. Uma pressão enorme, e uma honra maior ainda.
Em junho foi a formatura de mais uma turma promissora, e desde então tenho ficado de olho nos designers que me chamaram mais a atenção. Tenho três que viraram meus queridinhos, e achei legal compartilhar aqui, porque no Brasil muitas vezes não recebemos tantas notícias sobre essa parte tão enriquecedora do fashion business.
Estas são as minhas três apostas pro futuro da moda, recém saídas da CSM:
MODA
HORUS
Modelo vestindo as peças da coleção de Richard Malone.
12
Destaques deste ano da
Central Saint Martins
MODA
HyON PARk
Meu preferido! Coreano de
25 anos, fez uma coleção “sexy
sportswear”, segundo ele. A
inspiração principal foi a energia
refrescante da juventude, e
lógico, da prática de esporte. Dá
pra perceber que esse é o estilo
dele, com as cores flúor, as
calças de cinturas baixíssimas,
peças oversized e os materiais
de alta tecnologia. A influência
da cultura do esporte que virou
Sport Couture.
GRACE WALES-BONNER
Foi a vencedora do prêmio
L’Oreal de Designer do Ano,
que é entregue no fim das
apresentações pela marca.
Grace é inglesa descendente de
jamaicanos e tem 23 anos. Suas
três inspirações principais:
Coco Chanel, a Nigéria nos
anos 70 e o blaxploitation. E
tudo isso banhado a jóias…
Foi uma mistura inusitada, especialmente porque os modelos escolhidos eram homens, e as
peças, a princípio, femininas. Segundo ela, essa barreira não precisa existir, quem gostar, que use.
Adorei isso!
Agora é ficar de olho!
MODA
Peças da coleção de Grace Wales-Bonner.
Peças da coleção de Hyon Park.
13
MODA
HORUS
Ú ltimo dia de MFW (25.02). Gosto tanto de Milão e essa semana de moda foi tão incrível que bateu até uma certa nostalgia. O dia não ia ser tão corrido como
os outros. A maioria dos fashionistas já estava de malas prontas para Paris, mas todos fizeram questão de ficar para prestigiar Mr. Armani em sua Giorgio Armani. Antes do desfile, fui tomar café da manhã com Paula Cademartori em seu office lindo, tão cool quanto as bolsas. Foi uma espécie de re-see casual. Ela me mostrou toda sua nova coleção detalhadamente, enquanto matávamos as saudades. Gosto tanto de seu trabalho que comprei dois modelos para mim. Sem dúvida, suas bolsas fariam o maior sucesso no brasil – fica a dica. O tempo passou tão rápido durante o café que tive que sair apressada para o desfile de Giorgio, às 11h. Como de costume, o estilista fez uma alfaiataria impecável, numa nova androginia. Confesso que o desfile da Emporio Armani (do dia anterior) é mais minha cara, mas ambos foram belos, cada um com seu estilo.
Do desfile, Giovanni Frasson e eu fomos direto pro re-see dos ídolos Dolce & Gabbana ver de perto toda aquela preciosidade monástica. Giuseppe Torissi e Francisca Macedo, PR da marca no brasil, nos receberam calorosamente com chocolatinhos deliciosos para o tour no showroom. Como você já deve ter percebido, eu sou daquelas que gosta de experimentar tudo, e na Dolce não foi diferente. Provei todos aqueles acessórios maravilhosos da passarela: tiaras, brincos, colares, bolsas e até os sapatos do desfile,
O último giorno de
Yasmine Sterea na fashion week de Milão
Yasmine Sterea.
14
MODA
que ficam gigantes no meu pé tamanho 35. Gostaria até de ter aqueles vestidos espetaculares, mas me contive porque o showroom estava lotado de compradores e não seria de bom tom - apenas coloquei-os na frente do corpo para ter uma sensação basiquinha de como ficariam (thanks, Fran, do coração, pelos cliques show!).
Voltamos para o hotel porque tínhamos uma reunião de alguns novos superprojetos que a Vogue esta organizando, fechamos as malas e corremos para fazer a única comprinha da temporada. Tínhamos apenas uma hora então escolhemos a Excelsior, porque ficamos sonhando com algumas peças que havíamos visto lá no dia anterior. Giovanni se equipou para Paris com duas jaquetas maravilhosas e eu comprei uma sandalhinha de ponyskin branca bordada da Marni e um moletom branco supercool masculino da MSGM. Sim, eu adoro comprar roupas no setor masculino, elas ficam mais charmosas e ninguém tem – dica de styling, mas só entre nos, ok? De lá voltamos para o hotel Bulgari, mangiamos nosso uútimo spaghetti a pomodoro, pegamos as malas e corremos (atrasados, é claro) para o aeroporto. Giovanni foi pra Paris encontrar as nossas diretoras incríveis, Daniela Falcão e Donata Meireles. Eu voltei pro Brasil para tocar um supereditorial da nossa edição de aniversário de maio. Até a próxima – e fique ligado nos diários de fashion weeks da Vogue, no quais Dani seguirá contando tudo sobre a semana parisiense.
(YASMINE STEREA, de Milão)
Desfile da coleção Dolce & Gabbana.
Modelo desfilando com peça da
coleção Empório Armani.
15
HORUS
D ESIGN | ENTREVISTA RÁPIDA
Michel Penneman, designer do Hotel Pantone, veio ao Brasil para uma palestra e conversou com Vogue sobre o uso de cores em ambientes.
Designer do Hotel PANTONE vem ao Brasil e fala sobre
uso de CORES
Um dos quartos do Hotel Pantone.
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CORES
Michel Penneman é designer de interiores, mas não
vá imaginando tapeçarias e vasos da dinastia Ming:
o belga é conhecido pelo seu estilo contemporâneo,
fresh e minimalista. Tanto é que um de seus mais conhecidos
trabalhos, o Pantone Hotel, em Bruxelas, é uma espécie de Meca
dos designers e criativos em geral.
Os 59 quartos, distribuídos em sete andares, são brancos
com carpete cinza, bem clean, mas os detalhes do décor – como
quadros, almofadas e colchas
– trazem combinações de oito
tons diferentes e permitem
que os hóspedes sintam
influência das cores em seu
estado de espírito. "Na minha
experiência, vermelho e laranja
significam poder e energia",
conta Penneman, "mas para
usar com parcimônia, mais em
uma cozinha ou uma sala de
estar do que em um quarto de
dormir (colocar atrás da cama,
não na frente de seus olhos,
é melhor). Em um banheiro
ou dormitório, azul ou verde
menos saturados podem
dar calma e serenidade".
Curiosamente, segundo o
designer, a combinação mais
solicitada pelos hóspedes do
hotel é a energizante laranja,
vermelho e cinza.
DESIGN
Penneman, que veio a
São Paulo ministrar uma
palestra na Belas Artes, com
o tema Interiores comerciais
- hospitalidade, no dia 13.08,
ainda acrescenta que o
ambiente minimalista não
é necessariamente frio
ou sem expressão: "um
espaço minimalista pode
ser quente se você usar um
colorwall quente, com uma
iluminação aconchegante, e
carpete confortável", diz, "e, com certeza, uma bela pintura da cor
ou obra de arte pode dar um ambiente mais convidativo". Por fim,
o designer dá a letra para um ambiente profissional confortável,
elegante e moderno: "Em primeiro lugar, pinte todas as paredes com
um branco quente (na Europa, eu uso várias vezes a referência RAL
9010). Depois, se possível, um piso natural claro de carvalho com um
verniz incolor, ou um tapete cinza, e um teto acústico branco puro.
Depois, você pode escolher cadeiras vermelhas para dar dinamismo
e uma mesa de carvalho natural (com estrutura de alumínio). Você
pode com certeza fazer combinações, como uma parede com
cor (a mesma cor que as cadeiras, por exemplo) ou algumas
imagens coloridas. Cuidado com a temperatura da iluminação:
não deve ser muito quente, para dar energia".
Cozinha do Hotel Pantone.
17
HORUS
D ESIGN | ENTREVISTA RÁPIDA
HORUS - Alexandre Wollner, Fale-nos sobre o
seu percurso académico até Ulm.
WOLLNER - Não tive nenhum percurso
acadêmico antes de Ulm. Desenvolvi meu
talento de artista somente com observações
e práticas. Participei do curso do Instituto
de Arte Contemporânea idealizado por Pietro
Maria Bardi no Museu de Arte de São Paulo
(MASP). Nesta oportunidade, tive ciência da
existência do design. Esta percepção ficou
evidente quando fui solicitado para auxiliar,
como aluno, na montagem de uma exposição
de Max Bill, arquiteto, pintor, escultor, designer
suíço, em 1951, no MASP. Em 1953, quando tive
um encontro e uma entrevista com Max Bill, no
MASP, em São Paulo, fui convidado a frequentar
a escola de Ulm (HfG). Fiz parte da primeira
turma de alunos entre 1954 /1958, como aluno
do curso de design em Comunicação Visual,
tendo como mestres Josef Albers (Bauhaus),
Johannes Itten (Bauhaus), Max Bill (Bauhaus),
Otl Aicher, Max Bense, Tomás Maldonado,
entre outros (vide Alexandre Wollner 50 anos
de Design Visual, CosacNaify, 2003).
HORUS
WOLLNER - Como foi o contexto do seu
regresso ao Brasil?
WOLLNER - Retorno a São Paulo, minha cidade
natal, onde inauguro, juntamente com Geraldo
de Barros, Ruben Martins e Walter Macedo, em
fins de 1958, o primeiro escritório brasileiro de
design.
HORUS - E como surge a oportunidade de ser
membro fundador da ESDI?
WOLLNER - Em fins de 1958, após a conclusão
do curso na HfG, retorno com a finalidade de
participar da implementação de uma escola de
design no Brasil, recomendado por Max Bill,
Otl Aicher e Tomás Maldonado, e que seria
desenvolvido pelo Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro, dirigido pela Sra Niomar de
Moniz Sodré, e pelo Ministério da Educação
e Cultura do Brasil. Em 1963, é inaugurada
(ESDI) Escola Superior de Desenho Industrial
do Rio de Janeiro, primeira escola de design no
Brasil. O programa de ensino baseava-se o
modelo da HfG de Ulm.
Um dos principais nomes na formação do design moderno no Brasil, Alexandre Wollner participou de uma série de entidades importantes
no fortalecimento do design brasileiro.
ENTREVISTARÁPIDA com
Alexandre Wollner
18
DESIGN | ENTREVISTA RÁPIDA
HORUS - Quais os diferenciais da ESDI ao nível
do tipo de ensino?
WOLLNER - A programação do ensino na
ESDI foi conceituada tendo como foco a
profissionalização adequada ao design,
propondo-se a não ter características somente
formais nos moldes das escolas que seguem
uma formação segundo conceitos de artes
e ofícios, como ainda, a maioria das escolas
existentes de design, nacionais e internacionais.
WOLLNER - Na sua opinião quais são os
principais problemas na formação dos
designers?
WOLLNER - Desenvolver o potencial criativo
e dar conhecimento das possibilidades
tecnológicas ao futuro profissional, saber
quais são os parâmetros de um projeto,
como devemos definir a função dentro das
necessidades do consumo, da indústria e do
comércio, como objetivar formas criativas de
acordo com a evolução cultural, tecnológica e
científica.
HORUS - Acha importante o associativismo em
design?
WOLLNER - Acho, isto existe e é necessário em
todas as áreas profissionais.
HORUS - Na sua opinião, acha que falta espírito
de classe entre os designers?
WOLLNER - Falta a consciência de envolvimento
com um certo idealismo a respeito desta
profissão que é constantemente inovada,
e ainda não está incluída no consciente e
inconsciente coletivo cultural.
HORUS - Que conselhos daria aos jovens
designers?
WOLLNER - Para um design de qualidade, o
profissional deve acompanhar a evolução de
sua própria profissão, sempre se interessando
em divulgar conceitos verdadeiros decorrentes
da experiência na prática de seu trabalho,
preocupando-se em desenvolver projetos
consistentes que tenham significado de
interesse coletivo.
19
Alexandre Wollner
Alexandre Wollner
QUADRINHOS por Waldomiro Nogueira
HORUS
As histórias em quadrinhos padeceram durante décadas a indiferença das camadas
intelectuais da sociedade, apesar de representarem a continuidade de uma longa tradição de manifestações iconográficas...
QUADRINHOS por Waldomiro Nogueira
20 HORUS
QUADRINHOS
... cuja gênese pode ser encontrada nas pinturas das cavernas do homem pré-histórico e que se desenvolveram durante séculos em diversas formas de manifestações artísticas...
... como as colunas de Trajano, a Tapeçaria de Bayeux, o Livro dos Mortos etc...
... de linguagem direcionada para as massas. No entanto, os últimos anos parecem ter trazido novos e promissores ventos para as histórias em quadrinhos no que diz respeito à sua inserção no mundo das manifestações artísticas socialmente reconhecidas. Este artigo busca discutir essa trajetória e traçar algumas diretrizes que garantam a permanência dessa forma de manifestação do pensamento humano no campo das Artes.
21QUADRINHOS
Embora constituindo uma linguagem própria – híbrida da linguagem escrita e da imagem desenhada -, os quadrinhos tiveram sua aceitação pelas elites pensantes dificultada por diversos fatores, mas principalmente por sua característica...
HORUS
A LUTA PELA LEGITIMAÇÃO
Recentemente, uma conceituada
pesquisadora brasileira da área de
histórias em quadrinhos, pleiteou a um
importante museu de Arte da cidade de São
Paulo a instalação de uma grande exposição
sobre o tema . Embora não se recusando a
abrigar a exposição, os responsáveis pelo
equipamento cultural condicionaram sua
concordância à justificativa, por parte da
professora, de que as histórias em quadrinhos
poderiam ser entendidas como Arte.
Logicamente, considerando a evolução da
linguagem gráfica sequencial e seu atual estágio
de aceitação no mundo artístico contemporâneo,
a professora se recusou a elaborar tal justificativa
ao museu paulistano, entendendo que a esta
altura tal esclarecimento deveria ser dispensável
para uma instituição com tão larga trajetória na
preservação e divulgação de bens culturais; além
disso, pesou também na decisão o fato desta
mesma instituição museológica ter abrigado, na
segunda metade do século passado, uma das
primeiras exposições de quadrinhos do mundo,
demonstrando na ocasião uma postura de
vanguarda em relação à postura então dominante
no meio intelectual brasileiro e mundial.
Rorschach, personagem da série Watchmen, de Allan Moore, ilustrada por Dave Gibbons e publicada originalmente pela DC Comics entre 1986 e 1987.
HORUS22
QUADRINHOS
eles não se constituíram, absolutamente,
em precursores desse tipo de valorização da
linguagem gráfica sequencial. Na realidade, o
mérito nessa área cabe a diversos intelectuais
europeus, mais ágeis em reconhecer o forte
impacto social dos produtos quadrinísticos
e sobre ele realizando estudos e exposições.
De fato, com relação a esse fato, além de
salienta-lo e solidarizar- se com a professora
pela resposta infeliz por ela obtida, pode-se
cogitar que os atuais responsáveis por essa
importante instituição artística e cultural da
cidade de São Paulo, além de desconhecerem
a própria história do órgão que dirigem, fazem
ainda parte de uma minoria de intelectuais
que persiste vendo a arte como uma “essência
metafísica reconhecida pelos seus méritos
técnicos, mas, principalmente, pelo seu
status filosófico” (MARTINS, 2006, p. 67),
da mesma forma em que ignoram ou fingem
ignorar os avanços ocorridos na área artística,
especialmente no que se refere às histórias
em quadrinhos, a partir da década de 1960,
quando “uma grande variedade de movimentos
– arte pop, arte conceitual, performance,
instalações, arte ambiental etc. – intensificaram
abertamente a resistência às polaridades do
sistema das belas artes buscando manter e até
mesmo aprofundar a relação entre arte e vida”
(MARTINS, 2006, p. 68).
Esses movimentos estiveram mesmo no
centro da inserção das histórias em quadrinhos
no mundo das artes, pois, na realidade, elas
adentraram o ambiente museológico por
meio da arte pop, especialmente na obra de
artistas como Andy Warhol (1928- 1987) e Roy
Liechtenstein (1923-1997), que apreenderam
elementos da linguagem gráfica sequencial e
os re-significaram em seus trabalhos artísticos,
produzindo intenso impacto visual.
No entanto, ainda que esses autores tenham
representado, no ambiente norte-americano, o
começo de um movimento de reconhecimento
dos quadrinhos como manifestação artística,
Roy Lichtenstein (1923-1997) Foot and Hand, 1964
Nesse sentido, também não se pode
desmerecer a ação visionária de alguns
admiradores do gênero no Brasil, que, já em
1951, ainda que sem obter o mesmo impacto
no contexto intelectual brasileiro, realizaram a
primeira exposição de histórias em quadrinhos
em ambiente formalmente constituído como
artefato wcultural (MOYA, 2001).
Por outro lado, é preciso reconhecer
que a classificação de extratos ou páginas
de histórias em quadrinhos como objetos
museológicos é muito pouco em termos de
descrição ou categorização das possibilidades
artísticas dos quadrinhos. Bebendo nas águas
das mais variadas artes, como a ilustração,
o teatro, a literatura, a caricatura e o cinema
QUADRINHOS 23
HORUS
(BARBIERI, 1998), as histórias em quadrinhos
constituem um gênerocomplexo, em que
elementos narrativos de várias manifestações
artísticas ou linguagens são explorados.
Esta característica híbrida da linguagem
quadrinística, bem como o fascínio que ela
tradicionalmente exerceu sobre grandes massas
de leitores, principalmente os mais jovens,
está talvez no centro de sua rejeição pelas
elites intelectuais. Embora compreendidas pelo
universo da arte na era da reprodução mecânica,
conforme visto por Benjamin (2006 [1969]),
elas eram difíceis de classificar e contextualizar.
No entanto, talvez em maior medida que a
indústria cinematográfica, objeto de atenção do
autor alemão, os quadrinhos levavam o aspecto
de distração a seu extremo, dificultando sua
compreensão por parte dos críticos de Arte.
Daí, a incompreensão, o estranhamento. Isto
também dificultou a inserção das histórias em
quadrinhos no ambiente acadêmico, em que
eles foram virtualmente ignorados durante boa
parte do século, independentemente de seu
impacto social.
A atenção dispensada aos quadrinhos
pelos intelectuais ocorreu em paralelo com a
emergência de movimentos de produção de
quadrinhos que buscavam sua independência
das obras disponibilizadas pela indústria
massificada – genericamente denominada
como quadrinhos mainstream -, colocandose
como auto-suficientes e superiores ao que era
então disponibilizado pelas grandes editoras
de quadrinhos.
Nesse sentido, eles se aliavam, embora
muitas vezes não explicitamente, à crítica
à indústria cultural feita pelos ideólogos da
Escola de Frankfurt, que viam os produtos
dessa indústria como essencialmente os
mesmos. Como defenderam Max Horkheimer
e Theodor W. Adorno (2006 [1944], p. 43-44)
em seu famoso texto sobre a indústria cultural.
Surgido na costa do Pacífico nos Estados
Unidos, o movimento dos quadrinhos
underground, também conhecidos como
comix, bebeu mais especificamente na
fonte dos movimentos hippies e da revolta
estudantil, representando uma tomada de
decisão pelo fortalecimento e autonomia
da produção quadri nística e sua utilização
como meio privilegiado para manifestação
artística e social. Fazendo jus ao seu tempo,
seus autores, em geral oriundos e atuantes
no ambiente universitário, recusavam-se a
fazer parte da máquina editorial massificada
e massificante, bem como a seguir as normas
estabelecidas pelas grandes editoras do país.
Extremamente rígidas e reguladas, essas
normas eram consequ .ncia indesejada da
ainda recente perseguição aos quadrinhos,
ocorrida há apenas uma década e tinham
sua expressão concreta no chamado
Comics Code, pelo qual cada publicação em
quadrinhos era analisada e recebia um selo
de aprovação, atestando sua insipiência em
relação aos valores socialmente aprovados
(NYBERG, 1998).
Os artistas do movimento underground
propunham uma criação quadrinística
totalmente desvinculada de editoras ou
normas editoriais, com obras voltadas para
a expressão de sentimentos, para o desafio
às tradições e para a liberação de costumes,
sem preocupações imediatas com o consumo
24
QUADRINHOS
ou motivações mercantilistas. À frente dessa verdadeira bandeira libertária estiveram nomes posteriormente consagrados no universo dos quadrinhos, verdadeiros ícones em sua proposição como forma de manifestação artística capaz de suplantar as limitações da produção industrializada: Robert Crumb, Gilbert Shelton, Rick Griin, S. Clay Wilson, Spain Rodriguez, entre outros (SKINN, 2004).
Embora limitado espacial e temporalmente, pois o movimento dos quadrinhos underground teve seu apogeu basicamente entre inal da década de 1960 e meados de 1970, a inluência
tanto de obras como de autores ampliou-se bem além das fronteiras do estado da Califórnia e atingiu os países europeus e latino-americanos, podendo-se airmar que ajudaram na formulação de um estilo de produção de quadrinhos. Na Europa, eles foram fontes de inspiração para revistas de vanguarda. Nas Américas, por sua vez, assumiram forte viés político-partidário, sendo o estilo preferencial utilizado por artistas latino-americanos para o enfrentamento de governos totalitários que se espalharam pelo continente nas décadas de 1960 e 1970. No Brasil, a inluência do quadrinho
Saque de Roma de 1527
retratado por Milo
Manara para a série
Bórgia, de Alejandro
Jodorowsky.
25
HORUS
underground pode ser encontrada na obra do
mineiro Henfil e nas colaborações dos vários
parti cipantes do semanário O Pasquim, do Rio
de Janeiro, em que as audaciosas alfinetadas
nos representantes ou nos (mal)feitos da
ditadura militar eram retratados por traços
econômicos e esteticamente desafiadores,
numa composição que se afastava de cânones
mais tradicionais e adentrava pelo universo
da caricatura e da sátira. Esse espectro de
atuação das histórias em quadrinhos – mas não
exclusivamente delas, uma vez que a revista O
Pasquim também abria espaço para a charge, o
cartum, a crônica –, também realizava a crítica
de costumes, principalmente à classe média
acomodada, tão necessária à sociedade da época.
Com o reconhecimento do potencial artístico
dos quadrinhos por parte dos intelectuais
europeus e com a eclosão do movimento de
quadrinhos underground estavam assentadas
as bases para uma outra etapa na legitimação
cultural das histórias em quadrinhos no mundo
inteiro. Pode-se dizer que estava se agilizando o
ritmo em que elas deixavam de ser vistas como
uma linguagem exclusivamente direcionada
para o público de menor idade e passavam a
ser encaradas como manifestações voltadas
a públicos diversos, com diferentes níveis de
qualidade e representação do mundo.
De um primeiro momento, com as páginas
dominicais e tiras diárias, quando foram vistos
como forma de assimilação das camadas
populares, quase que majoritariamente composta
por imigrantes europeus ou asiáticos, à civilização
norteamericana, os quadrinhos passaram depois,
com as revistas de quadrinhos ou comic-books,
a ser direcionados prioritariamente ao público
infanto-juvenil, sofrendo as agruras e perseguições
Imagem da série "Sin City", autoria
de Frank Miller. Publicada de
1991 a 2000
HORUS26
QUADRINHOS
de pais e educadores, num movimento de rejeição
que se espalhou por praticamente os quatro
cantos do mundo.
A verdadeira “ressaca cultural” que seguiu o
período mais acirrado de perseguição ao meio
– anos imediatamente posteriores à Segunda
Guerra Mundial, época da chamada caça às
bruxas e apogeu da Guerra Fria entre Estados
Unidos e União Soviética, com a proposição do
já mencionado Comics Code –, pode ser vista
como um momento, ainda que forçado, de
preparação para a transposição dos limites da
linguagem, àquele tempo ainda aparentemente
intransponíveis. Desta forma, à mesmice de
uma produção padronizada, massificada e
padronizadora seguiu-se um momento de
ajuste, em que proposições diferenciadas de
produção e composição estética eram expressas
em diversas partes do mundo.
Mesmo no âmbito da produção industrializada
de quadrinhos era possível vislumbrar indicadores
dessa busca por novos parâmetros criativos. Em
meio a centenas de títulos e histórias que apenas
repetiam um modelo de quadrinhos anódinos,
agindo de forma quase subterrânea no ambiente
dessa produção industrializada - ou mesmo
sob o olhar complacente de seus editores –,
alguns autores dos quadrinhos comerciais
norteamericanos – aqueles publicados nas
revistas de super-heróis, principalmente pelas
duas grandes editoras da área, a Marvel e a DC
Comics –, incluíam em suas histórias elementos
Yellow Kid, de Richard Felton
Outcault, personagem publicado
originalmente na revista Truth
entre 1894 e 1895.
QUADRINHOS 27
HORUS
narrativos ou gráficos que as faziam avançar além
de produções contemporâneas, transformando-
se em marcos para outros autores do gênero. O
trabalho de Jim Steranko à frente do personagem
Nick Fury, por exemplo, apresentava diferenças
gritantes em relação aos da média dos criadores
da época, com designs em que abundavam as
fotocolagens e fotomontagens inspiradas em
movimentos artísticos como a arte psicodélica
e a Op Art.
Outro autor que se destacou na produção
industrializada de quadrinhos foi Steve
Ditko, mundialmente conhecido como um
dos criadores do personagem Homem-
Aranha, cujos primeiros 38 números foram
por ele desenhados. Verdadeiro “mestre da
composição, linguagem corporal e ritmo
da narrativa” (WOLK, 2007, p. 156), ele se
revelou especialmente inspirado no trabalho
que realizou para a revista Strange Tales,
protagonizada pelo mestre das artes místicas
conhecido como Doutor Estranho fotografia,
mereceu a 7a colocação...).
Quase que paralelamente, as histórias
em quadrinhos passaram a ser também
mencionadas como Arte Sequencial, uma
denominação pouco satisfatória, uma vez que,
a rigor, poderia se referir não apenas às histórias
em quadrinhos, mas também a outras artes com
as mesmas características, como o cinema e a
animação (razão pela qual, este autor prefere
utilizar a expressão arte gráfica sequencial para
fazer referência às histórias em quadrinhos...).
Isto, no entanto, talvez não tenha tanta
importância, mas sim a proposição das histórias
em quadrinhos como arte, objetivo que a
expressão parece atender satisfatoriamente.
De qualquer forma, já no início da década de
1980 intensificou-se o uso desse termo por
pesquisadores e artistas. Mais uma vez, foram
liderados por Will Eisner, que o utilizou em
um curso sobre quadrinhos que ministrou na
School of Visual Arts da cidade de Nova Iorque e
posteriormente como título de seu primeiro livro
teórico na área (EISNER, 2001 [1985]). Tal como
ele, outros artistas trataram de divulgar essa
denominação em eventos e publicações da área.
Tratou-se de mais um passo na busca da
legitimação cultural da linguagem. Nesse
sentido, Thierry Groensteen, analisando a
realidade dos quadrinhos a partir da situação
européia, também identifica dois momentos
na história recente, bem semelhantes ao que
se passou no ambiente norte-americano: em
primeiro lugar, a reconquista do leitor adulto,
ocorrida a partir de 1972, com o lançamento
da publicação L´Echo de Savanes, considerada
por ele como a primeira revista “somente para
adultos”; em segundo lugar, o crescimento
da publicação de álbuns na França, ocorrida
quase que em paralelo com o desaparecimento
das revistas tradicionais de quadrinhos do
país, Tintin, Pif, Pilote, Charlie, Metal Hurlant.
acontecendo exatamente agora.” Analisando
a produção atual e o nível de qualidade de
imagens e roteiros encontrados em muitas
produções quadrinísticas, não se pode deixar
de concordar com esse autor. Estamos, sim,
vivendo uma grande época para os quadrinhos.
Por outro lado, não se pode deixar de
reconhecer que a produção industrializada
continua massiva e massificante: tolhida
em limites mais amplos do que os de vinte
ou trinta anos atrás, é certo, mas, ainda
HORUS28
QUADRINHOS
assim, com evidentes limitações. A oferta de
quadrinhos como um todo, considerada a
produção industrial, continua disponibilizando,
em proporções bastante exageradas – cerca de
80 ou 90 por cento, dependendo do ponto de
vista -, daquilo que poderia ser denominado
como lixo, ou seja, quadrinhos padronizados
e presos a um modelo industrializado de
produção, voltados para a reprodução das
mesmas histórias a serem consumidas pelas
mesmas massas de leitores invisíveis e não-
identificados. Apenas uma pequena parcela
da produção continua a ser composta por
obras que realmente colaboram para o avanço
da linguagem dos quadrinhos e sua evolução
artística, enquanto todo o restante da produção
busca perpetuar o interesse da sociedade em
geral por esse meio de comunicação de massa.
Mas nisso as histórias em quadrinhos não se
diferenciam de todas as outras artes, pois fato
semelhante pode ser encontrado no cinema, no
teatro, na literatura, etc. Ambas as tipologias de
produção – o lixo, por um lado, e a arte, por
outro –, cumprem muito bem o seu papel.
A boa notícia é que as obras que fazem avançar
a linguagem quadrinística já não se situam mais
somente no âmbito do quadrinho alternativo.
Cada vez mais, é possível encontrar no
contexto de quadrinhos mainstream obras que,
embora tratando de temáticas aparentemente
padronizadas, re-elabo instituições culturais
ainda permaneçam estupidamente fechadas
para acesso e valorização das produções
quadrinísticas, outras já se abrem e algumas até
mesmo se escancaram para elas. Bibliotecas,
que antes sequer cogitavam em armazenar
quadrinhos, já as oferecem abertamente. Livrarias
criam seções especiais para comercialização de
graphic novels, álbuns e mini- séries. Escolas
são tomadas por professores e alunos ávidos
pela utilização de histórias em quadrinhos em
sala de aula. São novos tempos.
Exercícios de futurologia são sempre
arriscados. Assim, seria provavelmente
arriscado fazer qualquer tipo de prognóstico
em relação ao futuro da arte gráfica sequencial.
Existe um caminho a ser percorrido, talvez
ainda com algumas dificuldades.
Autores e leitores, no entanto, parecem
cada vez menos temerososem relação a ele e
o vêem como uma grande promessa. E talvez
realmente o seja.
Quadrinho de Joan
Cornellà, ilustrador
e carutnista.
Waldomiro Vergueiro é doutor e livre-docente em Ciências da Comunicação e Professor Titular do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, onde também coordena o Observatório de Histórias em Quadrinhos. Publicou os seguintes livros: Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula, O Tico-Tico: Centenário da primeira revista de histórias em quadrinhos no Brasil e Historieta Latinoamericana. v. 3: Brasil (na Argentina).
QUADRINHOS 29
HORUS
RERÊNCIAS
ANDELMAN, Bob. Will Eisner: a spirited life. Milwaukie Press, 2005.BARBIERI, Daniele. Los lenguajes del cómic . Barcelona: Paidós, 1998.BENJAMIN, Walter. The work of art in the age of mechanical reproduction. In: DURHAM, Meenakshi Gigi, KELLNER, Douglas M. (eds) Media and cultural studies: keywoks. Revised Edition. Malden, MA: Blackwell Publ., 2006. p. 18-40.EISNER, Will. Comics & sequential art. Tamarac, FL: Poorhouse Press, 2001.GRAVETT, Paul. Graphic novels: everything you need to know. New York: HarperCollins, 2005.GROENSTEEN, Thierry. Why are comics still in search of cultural legitimation? In: The System of Comics. The Crib Sheet, URL:http://thecribsheet-isabelinho.blogspot.com/2008/12/thierry-grensteens-why-are-comics-still.htmlMAGNUSSEN, Anne, CHRISTIANSEN, Hans-Christian (eds). Comics & culture: analytical and theoretical approaches to comics. Copenhagen: Museum Tuscalanum Press, University of Copenhagen, 2000. p. 29-41.HATFIELD, Charles. Alternative comics: an emerging literature. Jackson: University Press of Mississippi, 2005.HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W. The culture industry: enlightenment as mass deception. In: DURHAM, Meenakshi Gigi, KELLNER, Douglas M. (eds). Media and cultural studies: keywoks. Revised Edition. Malden, MA: Blackwell Publ., 2006. p. 41-72.KANNENBERG, Gene, Jr. 500 essential graphic novels: the ultimate guide. New York: Collins Design, 2008.LOMBARD, Matthew, LENT, John, GREENWOOD, Linda, TUNÇ, Asli. A framework for studying comic art. International Journal of Comic Art, vol. 1, n. 1, p. 17-32, Spring/Summer 1999.MARTINS, Raimundo. Porque e como falamos da cultura visual? Visualidades, Goiânia; UFG; v. 4, n. ó, p. 65-79, jan./jun. 2006.MOYA, Álvaro de. Anos 50/50 anos : São Paulo 1951/2001: Edição comemorativa da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos. São Paulo : Ed. Ópera Graphica, 2001.NYBERG, Amy Kiste. Seal of approval: the history of the comics code. Jackson: University Press of Mississippi , 1998.PASAMONIK, Didier. Critique de la bande dessinée pure: chroniques narquoises: 2005-2007. Paris: Berg International, 2008.
Página da série "Technopriests",
de Alejandro Jodorowsk.
HORUS30
QUADRINHOS | CRÍTICA por marcelo hessel
HORUS
Quem consome histórias de super-heróis já está
acostumado a ver seus personagens preferidos tratados
como produtos.
Quando a Marvel Comics decide, no final de 2012,
encerrar a revista Amazing Spider-Man e iniciar Superior Spider-
Man - com o Dr. Octopus assumindo o lugar do Homem-Aranha
- já o faz pensando no retorno triunfante do verdadeiro herói às
vésperas de seu novo longa-metragem. Isso trará, na expectativa
da editora, novos espectadores-leitores-consumidores para
a revista Amazing Spider-Man, que, agora com o fim da fase
Superior, volta com numeração zerada neste mês, nos EUA.
O principal diferencial de Superior Spider-Man em relação
aos sazonais eventos caça-níqueis de Marvel e DC Comics é
que justamente essa ideia de franquia está no centro da história
desenvolvida pelo roteirista Dan Slott ao longo de 30 edições.
Quando Otto Octavius - aqui tão inventor quanto industrialista -
toma para si o corpo de Peter Parker, é num cenário mercadológico
de heróis e vilões que ele assume não só a identidade do Homem-
Aranha mas principalmente a marca Homem-Aranha.
Para o fã pode ser atraente ver, no traço anguloso, cuidadoso
do desenhista Humberto Ramos, situações clássicas como
a impregnação do simbionte se moldar visualmente ao Dr.
Octopus. O que torna essa fase interessante de fato, porém, é
o tratamento moderno dado a outros vilões - sejam de terceira
categoria, que, por um senso de oportunidade, encontram um
SUPERIORSpider-ManLonge de ser só um evento caça-níquel, fase da HQ do Homem-Aranha
sabe ser moderna.
QUADRINHOS | CRÍTICA por marcelo hessel
HORUS32
QUADRINHOS | CRÍTICA
nicho de mercado para atuar
(como Polichinelo e Croma,
que jogam para a geração
YouTube), sejam de vilões
de primeiríssima categoria,
como o Rei do Crime, que
representam o "dinheiro velho"
e são derrotados por acreditar
num ultrapassado senso físico
e territorial do capitalismo.
O que passa a valer nas
histórias do Homem-Aranha
Superior são elementos
relacionados ao marketing,
como a abertura de franquias
que pode fortalecer marcas
(na participação interessante
do "empresário" Duende
Macabro), o gerenciamento
publicitário de crises (na
chachina planejada por
Massacre) e a manipulação
da opinião pública (na
forma midiática como Otto
lida com a população). Para
lidar com essas situações, o
Aranha se mostra superior
não naquilo que o torna um
herói, e sim naquilo que faz
dele um excelente produto:
certificado científico (a busca
pelo doutorado), alcance e
presença de mercado (os
bots-aranha e o exército-
aranha) e apoio institucional
(a chantagem com J. Jonah
Jameson, a Ilha-Aranha II e
as Indústrias Parker).
Não deixa de ser irônico que,
no clímax dessa fase, a partir da
edição 27, quem assume papel
de protagonismo e desarma
a eficiência de Octopus seja
justamente um ex-magnata
industrial: Norman Osborn, o
Duende Verde, numa versão
"marketing de guerrilha" - com
direito a pixações anárquicas
espalhadas por Nova York.
Se o desfecho com a edição
31 soa anticlimático - com
aquelas resoluções apressadas
tipo final de novela - ao menos
Slott conseguiu criar, ao longo
das edições anteriores, esses
antagonismos todos para dar
substância à fase Superior.
E nenhum antagonismo
é maior, evidentemente, do
que Peter Parker versus Otto
Octavius. Sempre se discutiu,
dentro e fora das histórias, o
que torna o Homem-Aranha
um super-herói singular, e
aqui isso fica claro: o senso
de sacrifício pessoal e de
improviso que sempre foram
centrais à personalidade de
Parker são o avesso da imagem
de frieza, eficiência e estratégia
que o Aranha de Octopus criou
para si.
Chega a ser irritante como
a HQ martela durante meses
essa oposição, na figura do
"fantasminha" de Peter que
assombra Otto - em suas
séries blockbusters a Marvel às
vezes se rende excessivamente
a essa exposição óbvia nos
roteiros - mas Superior Spider-
Man mostrou ser, apesar dos
didatismos, um evento digno
de acompanhar.
Amazing Fantasy
número 15, de
agosto de 1962.
33
E N TREVISTA por ademir luiz
HORUS
ADEMIR LUIZ - O álbum "BioCyberDrama Saga" é o resultado final de vários anos de trabalho. Como foi a concepção inicial do projeto? Como foi o processo de criação conjunta com Mozart Couto?
EDGAR FRANCO - Tudo começou no ano 2000, quando eu ainda cursava o mestrado na Unicamp e criei um fanzine chamado “Biocyberdrame” (que foi publicado na íntegra nos anexos do álbum), eu tirei mais de uma centena de cópias desse fanzine e enviei a diversas pessoas, uma delas foi o mestre Mozart Couto, um artista que sempre admirei. Algum tempo depois Mozart me enviou um e-mail entusiasmado, dizendo que ficou instigado com o material e que poderíamos criar algo juntos, uma HQ com
um roteiro mais tradicional, mas enfocando os mesmos temas do zine. Imagine a minha alegria ao receber um convite desses de um dos meus ídolos da adolescência! Eu já estava criando as bases de meu universo ficcional da “Aurora Pós-humana” e não perdi tempo, mergulhei na escrita da primeira parte de “BioCyberDrama Saga”,
composta pelos 3 primeiros capítulos. Mozart desenhou, por prazer e nas horas vagas, esse primeiro tomo de 64 páginas que veio então a ser publicado pela editora Opera Graphica (SP) em 2003, com uma recepção muito positiva de crítica e público, recebendo indicações de melhor roteirista e melhor edição especial de 2003 no troféu HQMIX e Mozart ganhou o troféu Ângelo Agostini de melhor desenhista de 2003 pelo álbum. Quando escrevi o primeiro tomo eu já tinha o argumento geral para toda a saga, por isso nomeei o personagem principal de Antônio Euclides (referência direta a Antônio Conselheiro e Euclides da Cunha), mas a viabilização dos outros tomos só seria possível a partir da recepção do primeiro, por
Edgar Franco, quadrinista, músico e professor, doutor em artes pela Universidade de São Paulo, fala sobre sua nova HQ.
E N TREVISTA por ademir luiz
34
Edgar Franco.
O ARTISTA E A
ENTREVISTA
isso fiz com que o tomo 1 tivesse vida própria. Com a boa recepção do álbum Mozart convidou-me a continuarmos a desenvolver a saga, lembrando que abraçamos o projeto sem nenhuma remuneração, pelo simples prazer de criar. Concluímos os dois tomos finais em 2009 e desde então procurávamos uma editora ideal para publicar o material com a qualidade que ele merecia, até que numa iniciativa inédita no Brasil a Editora da Universidade Federal de Goiás abraçou o projeto e o lançou exatamente como o tínhamos concebido. Incluindo a saga completa – o primeiro tomo e os dois tomos finais inéditos – a longa introdução que apresenta o universo ficcional e ainda anexos importantes, em um volume de 252 páginas.
AL - “BioCyberDrama Saga” é uma história em nove partes. Uma saga, como bem registraram na capa. Esse tipo de narrativa longa e cronológica não é comum em sua produção quadrinística, marcada pelos chamados “quadrinhos poético-filosóficos”, caracterizados por apresentarem uma ideia fechada em poucas páginas. Como construiu a narrativa do álbum? Sabemos que você dialoga com vários artistas conceituais em sua obra, mas, nesse caso específico, buscou inspiração em algum autor de HQ para montar a distribuição dos quadros e contar a história?
EF - Essa é uma observação muito sagaz. “BioCyberDrama Saga” foi um desafio para um artista acostumado a trabalhar HQs curtas e com forte teor
Ilustração da série BioCyber Drama,
de Edgar Franco.
experimental no traço e no texto – pois essa é a característica que marca minha obra. Um desafio muito prazeroso já que sou um amante de todas as formas narrativas das HQs e do cinema, mas procurei criar a saga sem nenhuma referência direta a alguma outra obra, simplesmente me propus a escrever uma longa narrativa na tradição das grandes narrativas e dar consistência aos personagens e ao universo em que eles estão inseridos. À época da criação do primeiro tomo, escrevi e desenvolvi sozinho a HQtrônica “Ariadne e o Labirinto Pós-humano”, outro trabalho de fôlego, com mais de 600 painéis desenhados, animações e som, que foi encartado em um CD-ROM no meu livro “HQtrônicas: Do Suporte Papel
35
HORUS
à Rede Internet”. A história de
Ariadne se passa no mesmo
universo e até cidade em que
vive Antônio (personagem
principal de “BioCyberDrama
Saga”), e apesar de ser uma
narrativa hipermídia, está
muito mais conectada à
tradição das narrativas, sem
arroubos experimentais.
Inclusive Ariadne aparece
em “BioCyberDrama Saga”,
Antônio a cumprimenta no
elevador no primeiro tomo,
uma marca da estrutura
transmidiática de minhas
obras recentes. Essas duas
obras são, dentre as centenas
de HQs que já fiz, as duas com
narrativa mais tradicional.
E foi muito prazeroso criá-
las, pretendo desenvolver
outras narrativas assim ainda,
inclusive tenho o rascunho de
uma nova saga.
AL - O estilo de Mozart Couto
é clássico e limpo, primando
pelo virtuosismo do traço.
Com exceção de algumas
rápidas passagens, ele não
realizou muitos experimentos
em termos de narrativa gráfica.
De certa forma contrasta com
a história contada, que é
bastante complexa e inusitada.
Essa foi uma opção estética
Ilustração da série BioCyber Drame.
36
ENTREVISTA
consciente ou é mais fruto da
escola narrativa do Mozart?
EF - Tive total confiança
no domínio da narrativa
quadrinística de Mozart
Couto, para mim um dos
maiores desenhistas de
HQ do mundo ocidental.
Descrevia as sequências, os
diálogos e dava sugestões
gerais, mas sempre lhe
dei margem para fechar a
estrutura das páginas e me
adequei à visão narrativa de
Mozart. Como conhecedor de
sua obra, ao escrever a saga
já sabia que era ele quem a
desenharia, então levei isso
em conta. Obviamente tenho
meus arroubos poéticos
experimentais – marca de
minha obra – e Mozart topou
os desafios de desenhá-los
nos momentos em que eu
os propunha e o fez com
maestria. Mas a obra se insere
na grande tradição narrativa
dos quadrinhos ocidentais
e isso foi intencional, uma
tensão interessante entre a
narrativa gráfica e o roteiro.
AL - Você é um artista
cosmopolita. Atua e tem sua
obra divulgada em várias partes
do mundo. Chama atenção
em “BioCyberDrama Saga” a
aproximação que realiza com a
cultura brasileira. O último ato
da saga dialoga diretamente
com a história da revolta de
Canudos. O que motivou essa
volta às origens?
EF - Dentre os episódios
marcantes de nossa história,
a saga de Conselheiro e do
Arraial de Canudos sempre
mexeu muito comigo. O
livro de Euclides da Cunha é
pungente e impressionante e
narra uma história universal,
a história de um mártir com
ideias utópicas, paradoxais,
repletas de certa inocência,
mas também de uma visão
densa do que é o humano.
Conselheiro era um messias
“naif”, mas de grande força
interior. Não sou um narrador
de historicismos, sou um
ficcionista afeito a gêneros
marginais como a fantasia,
a ficção científica e o horror,
esse é o meu território, mas
a história de Canudos contém
um conteúdo universal que
muito me interessa, e de certa
forma eu implodo qualquer
romantismo que se criou em
relação à figura de Conselheiro
no mestre Antônio Resistente.
Foi instigante recontextualizar
nossa dita história e como
criador trabalhar com a
essência do que aquele
episódio significa para mim,
minha interpretação dele, já
que acredito que a chamada
história é tão ficcional quanto
qualquer outra narrativa,
é sempre desconstruída e
reconstruída a partir dos
olhares dos narradores.
Abaixo, arte do feto Pós-humano, que
simboliza a harmonia interespécies e a
transcendência, segundo Edgar Franco.
37
E NSAIO VISUAL | LEANDRO ARAÚJO
HORUS
Leandro Araújo é Ilustrador goiano, formado em Design Gráfico
pela Universidade Federal de Goiás. Seus trabalhos refletem o
espírito urbano com uma grande pegada introspectiva. Com
E NSAIO VISUAL por leandro araújo
38 HORUS
ENSAIO VISUAL
traços bem definidos e muita habilidade no uso da cor, seus
desenhos expressam a inquietude de um jovem atento à sua
cultura e ao meio social em que vive.
HORUSHORUS
ENSAIO VISUALENSAIO VISUAL 41
HORUS42
ENSAIO VISUAL 43
HORUS44
ENSAIO VISUAL 45
HORUS46 HORUS
ENSAIO VISUAL 47ENSAIO VISUAL
HORUSHORUS48
ENSAIO VISUALENSAIO VISUAL 49
HORUS50 HORUS
ENSAIO VISUAL 51ENSAIO VISUAL
HORUS52 HORUS
HORUS
A RTES VISUAIS por hivo Navarro, fabríco Gomes e marcelo lopes
Diante de todas as
informações, ferramentas
e suportes que a
tecnologias nos proporcionam
hoje, a sociedade se apresenta
em meio a uma grande revolução
informacional, desenvolvendo no
homem sensibilidades corporais
e relações sociais totalmente
diferente das apresentadas nos
séculos passados. A era digital
em que vivemos faz com que
muitos artistas iniciem um
interessante diálogo com os
meios virtuais, necessitando,
desta maneira, das interfaces e
redes como item principal para
o desenvolvimento de seus
trabalhos dentro dessa grande
esfera virtual não totalizada em
que vivemos.
O universo da arte sofre
mudanças constantes, sempre
fazendo uso das técnicas e
tecnologias disponíveis. Com
o surgimento da era digital isto se torna mais evidente, pois as
linguagens estão sendo trabalhadas através de um hibridismo.
Com o surgimento da tecnologia chamada wireless, conceitos
como arte móvel (mobile art) vão aparecendo e a cada dia se
aprimorando. Uma das questões que se faz premente é se a
arte e as tecnologias contemporâneas, levando-se em conta o
alto grau de virtualização que as mesmas podem atingir, co-
habitarão um mesmo espaço reflexivo dentro dos processos
criativos dos artistas. Outra questão a responder é que tipo de
resultado se apresenta para o público de arte, que espécies de
sensibilidades resultam nos trabalhos dos artistas que fazem
uso das novas tecnologias como suportes e ferramentas em
seus processos criativos.
A grande tendência artística contemporânea é a utilização das
mídias móveis, tais como: celular, palm, o GPS, e os computadores
portáteis. Assim, consideramos esses dispositivos móveis como
sendo uma nova forma de produção, atualização e visualização
das obras de arte, tendo como objetivo estimular os artistas e
usuários amantes de tecnologias a terem novas perspectivas na
construção de modelos híbridos e suas ampliações.
ARTE E TECNOLOGIA: TRANSFORMAÇÃO CULTURAL
A revolução tecnológica apodera-se de todas as atividades da
sociedade. Tudo está voltado para as novas tecnologias, todas
IMAGENS VIRTUAIS e dispositivos móveis (mídias móveis)
Tecnologia e arte digital:
UM ESTUDO SOBRE
HORUS
A RTES VISUAIS por hivo Navarro, fabríco Gomes e marcelo lopes
54
A imagem ao fundo da página é uma
arte-postal de autor desconhecido
ARTES VISUAIS
as áreas do saber: humanas,
exatas, biológicas, sendo
empregadas na indústria,
ciência, educação, entre outros,
assumindo uma relação direta
com a vida, fazendo com que os
artistas repensem a condição
humana.
No inicio do século era
perceptível a entrada das novas
tecnologias dentro dos lares,
locais de trabalho, educação,
tendo por conseqüência um
ambiente de tecnologias
semânticas, cognitivas, que
não se comportavam como
ferramentas e sim como
forma do ambiente, isto é,
fazendo parte integral de
algo que fosse necessário
para o processo, sendo assim
essencial (VILLARES, 2008).
Podemos observar também
que até a metade do século XIX
apresentavam-se dois tipos
de cultura nas sociedades
ocidentais: a cultura popular,
produzida pela grande massa
dominada e a cultura erudita,
das elites dominantes.
No entanto, se não
tivéssemos as grandes
tecnologias ao nosso alcance
nunca chegaríamos a essa
transformação cultural, onde
o impacto das conseqüências
desta mudança permite que
a informação possa ser referida como revolução digital. Se
reunirmos cultura e ciência que foram cindidas pela sociedade
industrial, a cultura digital se apresentará como digitalização
crescente da produção simbólica da humanidade, imbricada
entre espaço e ciberespaço, dentro das redes informacionais.
CULTURA DIGITAL E ARTE
Concebendo as técnicas e tecnologias como próteses, como
extensões do corpo (MCLUHAN, 2007) e que têm por função
receber dados do mundo sensível e agir sobre um contexto,
deduz-se que técnicas e tecnologias obedecem ao princípio de
otimização de desempenho do corpo perante o mundo. Podemos
considerar técnica como um conjunto de procedimentos
necessários para realizar determinada atividade, a organização de
informações com determinado objetivo dentro de um processo
de trabalho onde o homem controla as forças da natureza com
objetivos próprios. Tecnologia pode ser considerada como o
saber que integra processos aplicados dentro de um contexto
organizacional do trabalho, objetivando fins específicos. Por
exemplo, um lápis, um martelo, são ferramentas técnicas,
já a máquina fotográfica, que pode ser concebida como um
objeto técnico que agrega um saber humano, a ótica, pode ser
considerada uma máquina tecnológica.
Para McLuhan (2007) “o meio é a mensagem”, os meios não
condicionam seu público pelo que informam, mas pela maneira
como informam, a mudança de percepção ocorre devido ao
meio e não ao seu conteúdo, ou seja, a mensagem de qualquer
meio ou veículo é a mudança de padrão que este meio provoca
na sociedade, considerando-se que é o meio que rege a forma
e a dimensão dos atos e associações humanas. Instrumentos
técnicos como extensões do corpo agregariam implicações
psíquicas e sociais e, conseqüentemente, artísticas.
O homem e suas extensões são um sistema inter-relacionado. O
ser humano está intimamente imbricado com suas coisas, sua casa,
sua cidade, sua tecnologia (HALL, 2005). Por isso necessitamos
estudar os tipos de extensões criados, as novas tecnologias, porque
ARTES VISUAIS 55
HORUS
o relacionamento do homem com suas extensões é uma continuação e uma forma especializada do relacionamento dos organismos com seu meio ambiente, e quando um processo se amplia a evolução se acelera tão rapidamente que é possível que a extensão assuma o controle. Para Lévy temos, portanto, o telefone para a audição, a televisão para a visão, os sistemas de telemanipulações para o tato e a interação sensório-motora, todos esses dispositivos virtualizando os sentidos e organizando a utilização coletiva dos órgãos virtualizados. Desta maneira, as pessoas que vêem o mesmo programa de televisão compartilham as mesmas imagens, simultaneamente; uma passagem da cultura material para uma cultura imaterial.
INTERATIVIDADE E ARTE
Os artistas que estão conectados a centros avançados de pesquisa percebem a necessidade de conhecer e dominar novos meios tecnológicos de produção e reprodução das artes, levando-se em conta que o cenário artístico está dominado pela arte da participação e da
interação. Discute-se o fim da arte representativa e o domínio de uma arte interativa. Popper (1983) escreve que “arte tecnológica” faz referência a uma relação entre o espectador e uma obra de arte aberta já existente, na qual o termo “interação” implica um jogo de duas vias entre um indivíduo e um sistema de inteligência artificial. Desta maneira, pensar em interatividade dentro da arte é relacionar o fruidor artístico como co-autor da obra. Para Lévy (1999, p. 79), “O termo “interatividade” em geral ressalta a participação ativa de beneficiário de uma transação de informação. De fato, seria trivial mostrar que um receptor de informação, a menos que esteja morto, nunca é passivo”. Plaza (1990, p.17) também destaca que “A interatividade como relação recíproca entre usuários e interfaces computacionais inteligentes, suscitada pelo artista, permite uma comunicação criadora fundada nos princípios da sinergia, colaboração construtiva, crítica e inovadoras”.
Assim, a questão de arte e tecnologia se resume a uma passagem da cultura material para uma cultura imaterial. Própria da arte tecnológica, artistas trocam artefatos e ferramentas por dispositivos múltiplos eletrônicos, celular, smartphones, computadores, satélites, redes, entre outros que possibilitam cada vez mais comunicação e a multiplicação da arte. Embora seja algo novo entre os profissionais e artistas, há muito mais dispositivos, principalmente os de rede, já sendo utilizados em diversos espaços como suportes artísticos. Segundo Machado (2001, p. 24), “Com as formas tradicionais de arte entrando em fase de esgotamento, a confluência da arte com a tecnologia representa um campo de possibilidades e de energia criativa que poderá resultar proximamente numa revolução no conceito e na prática da arte”.
ARTE MÓVEL
Com o desenvolvimento das novas tecnologias surgiram os chamados dispositivos móveis integrados com a rede, permitindo a comunicação entre indivíduos tanto comuns como profissionais da área com uma grande facilidade. É o que acontece com este processo de transformação das mídias, onde houve a passagem da comunicação oral para a escrita, resultando
HORUS56
ARTES VISUAIS
que, na comunicação, os
indivíduos não precisam mais
estar presentes no mesmo
local ou momento, possibili
tando a comunicação mesmo
se estiverem a milhares de
quilômetros de distância.
Dentro deste processo de
transformação das mídias
entende-se por Arte Móvel,
Mobile art, a produção artística
que faz a veiculação em meios
mais amplos, também chamada
de mídias locativas. Por mídias
locativas compreendem-
se os dispositivos móveis
voltados para a aplicação
a partir de um local
envolvendo ação de interação
à distância, tecnologias e
serviços fundamentados em
localização, onde a informação
é a parte principal do processo.
(LUCENA, 2010) As tecnologias
que se fundamentam em
localização dividem-se em
dispositivos (celulares, palms,
netbooks, GPS, QR Codes),
em sensores (entre eles as
etiquetas RFID) e redes (celular,
Wi-Fi, Wi-Max, bluetooth, GPS).
Os serviços classificam-se em
mapeamento, localização,
redes sociais móveis,
informação jornalística, games,
turismo, realidade aumentada,
publicidade, etc. Apesar da
expressão Mobile Art, ser associada a obras feitas com o celular,
a constante mudança dos dispositivos móveis faz com que o
termo se associe à mobilidade, abrindo um grande campo para a
produção da arte nesses meios. Porém, não podemos considerar
como toda a arte feita por celular se caracterizando como uma obra
locativa, como por exemplo, a criação de vídeos, teasers, motion
graphics e game art para celulares, ou seja, sem o envolvimento
da interação à distância, a obra pode ser gravada a partir de uma
memória interna do dispositivo.
"Senslles Drawing Bot" de So Kanno
e Takahiro Yamaguchi.
ARTES VISUAIS 57
HORUS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso da tecnologia nos dias de hoje faz com que cada vez mais paremos e pensemos sobre as novas práticas dentro da cultura, no fenômeno técnico em sua forma de totalidade. É fato que as matérias-primas artísticas muitas vezes são substituídas por mecanismos digitais, onde as humanizações das tecnologias se tornam cada vez mais comuns. Mas se levarmos em consideração que instrumentos técnicos sempre foram usados por artistas em todos os tempos, pincéis, espátulas, telas, nada mais natural que o uso das novas tecnologias pelos artistas contemporâneos, computadores, softwares, celulares, etc.
O processo de desmaterialização da cultura, de virtualização, é presente na contemporaneidade através dos medias on-line, a arte eletrônica, o entretenimento, entre tantos outros. As novas tecnologias tornam-se onipresentes ao ponto de não podermos discernir claramente onde começam e onde terminam,
por isso é natural que comecemos a conviver com a humanização das tecnologias, uma humanização através das artes.
Percebemos que os computadores estão cada vez mais presentes nos lares, seja com o objetivo de simples lazer ou para fins profissionais, e não só se tratando de computadores, mas também dos dispositivos móveis em geral, nota-se que a tendência caminha para as conexões; desktops, notebooks, netbooks, celulares, smartphones, I-PAD, todos ligados à grande rede mundial. Esses dispositivos móveis, especificamente os celulares, estão rompendo os parâmetros para os quais foram criados, recebendo em seu corpus outros aparatos tais como câmeras, acesso a internet via Wi-fi, 3G e 4G, caixa de e-mails, entre outros. Percebe-se que este tipo de dispositivo aproxima-se das características de um computador portátil, possibilitando que sua interface possua conceitos de usabilidade mais simples, permitindo àqueles que ainda têm pouco controle sobre as novas tecnologias certa facilidade no uso das ferramentas do dispositivo.
A rede, cada vez mais presente no cotidiano dos homens, possibilita a conexão com o mundo digital, permitindo a obtenção rápida de informações sobre tudo e a qualquer hora. Não podemos interpretar os avanços tecnológicos como um simples modo de facilitar o cotidiano, o principal foco é fazer com que a tecnologia desperte sensações, estímulos, lembranças, para que não fique somente designado como um simples aparato computacional e matemático. Cabe ao artista visual contemporâneo esta tarefa.
Torna-se evidente que as novas tecnologias podem e devem ser agregadas à arte, multiplicando as possibilidades de expressões artísticas em novos suportes. O hibrido e o cíbrido, a união das técnicas artísticas através das novas formas tecnológicas presentes como suporte e como ferramentas na contemporaneidade, resultando em consequências psíquicas e sociais, atestam a humanização das artes através das manifestações artísticas em seus desdobramentos sensíveis nas mãos de artistas como Giselle Beiguelman.
HORUS58
ARTES VISUAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEIGUELMAN, Giselle. Admirável mundo cíbrido. Disponível em <http://www.pucsp.br/~gb/texts/cibridismo.pdf>. Acesso em 18 de maio, 2010.QRcod: Suite4 MobileTags. Disponível em: < http://www.desvirtual.com/qartcode/pt/>. Acesso em 18 de maio, 2010.DOMINGUES, Diana (Org.). A Arte no Século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: Editora UNESP, 1997.HALL, Edward T. A dimensão oculta. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.LEOTE, Rosangela. Mobile Art. Enciclopédia de Arte e Tecnologia do Itaú cultural. Itaú Cultural, São Paulo. Disponivel em: <http://cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=-%3Dmobile+art%3D->. Acesso em 01 de maio, 2010. Biografia de Giselle Beiguelman . Enciclopédia de Arte e Tecnologia do Itaú cultural. Itaú Cultural, São Paulo. Disponivel em: <http:// http://www.cibercultura.org.br/ tikiwiki/tiki-index.php?page=Giselle+Beiguelman>. Acesso em 01 de maio, 2010. Pierre. Cibercultura. 2ed. São Paulo: Ed. 34, 1999. Pierre. O que é o virtual. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 2005. LUCENA, Tiago Franklin Rodrigues. # m-arte: ((( arte_comunicação_móvel ))). Brasília: 2009.MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: EDUSP, 2001.MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. Décio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 2007.PLAZA, Julio. Arte e Interatividade. Disponível em <http://www.cap.eca.usp.br/ars2/arteeinteratividade. pdf>. Acesso em 27 de maio, 2010.POPPER, Frank. Art of Electronic Age. Nova Iorque: Harry N. Abrams, 1983.SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
ARTES VISUAIS 59
A imagem do fundo dessa página
recebe o títuolo de "Lomocatraque",
autoria de Leandro Munhoz.
HORUS
A RTES VISUAIS por márcia tiburi
A discussão sobre a morte da arte teve um lugar essencial
nas Lições de Estética, de Hegel, no século 19. Não se
pode perder de vista que a morte da arte à qual Hegel se
referia era a da arte bela e não da arte de modo geral. Se Hegel
tem razão, em havendo uma morte da arte que não deve ser
generalizada, trata-se de entender que tipo de arte, para além da
arte bela, sobreviveu. Em um século de genocídios, ditaduras e
violências de toda sorte, a arte é a memória da sua própria morte.
O LUTOda arte
A tese da morte da arte ainda significa mais do que parece.
Deus do Materialismo, de Chen Wenling.
60
A pré-história dessa
percepção está na Crítica da
Faculdade de Julgar, de Kant,
que antes afirmou a existência
de dois sentimentos, o belo e
o sublime, como sustentáculos
da experiência estética. Belo –
a sensação de prazer com os
objetos agradáveis – e sublime
– um misto de prazer com
desprazer – são formas de
acesso subjetivo à beleza, tanto
da natureza quanto das artes.
Kant define a arte bela como
aquela que pode representar
de modo belo até mesmo as
coisas feias. A tarefa histórica
da arte sempre foi a de colocar
beleza no mundo e suplantar o
feio. Criamos essa expectativa e
isso hoje em dia não nos ajuda.
Mas o próprio Kant disse
que havia uma espécie de
feiura, que não pode ser
representada de acordo com a
HORUS
A RTES VISUAIS por márcia tiburi
ARTES VISUAIS
A imagem ao fundo da página é de autoria de Kent Williams
Obra de Huang Yong Ping.Obra de John U. Abrahamson.
61
natureza sem cancelar a complacência estética, ou seja, a nossa
capacidade de perceber a beleza em geral e a beleza da arte.
Kant refere-se à feiura que desperta asco. O asco, segundo Kant,
é uma “sensação peculiar” marcada pela imposição do objeto
feio que imediatamente se nos lança sobre os sentidos, sem que
desejemos aceitar sua presença. O filósofo espanhol Eugenio
Trías dá um exemplo repugnante só de ler: quem pisa em um rato
morto e eviscerado na rua tem a sensação de que ele vai parar
dentro da boca. A experiência do asco se dá como se um prato de
merda fosse oferecido para se comer.
O asco é uma espécie de sentimento impossível, por estar na
contramão do gosto. Podemos traduzi-lo por nojo. E nojo é algo
que se traduz por luto. A experiência do asco ou do nojo, como
experiência do des-gosto, é da mesma ordem da experiência do
luto, de algo que não desejamos e que mesmo assim se impõe. A
lástima pela perda de um objeto amado, mas também do gosto
– seja pela arte, seja pela vida – que acompanhava aquele objeto
é experiência disseminada em nossa cultura, da qual a arte atual
vem a ser a apresentação mais clara.
ARTES VISUAIS
HORUS
A ARTE, DO ASCO AO LUTO
O luto é sempre uma reação à perda de um objeto amado. É, portanto, a experiência da morte enquanto ela pode ser conhecida: a morte dos outros, das coisas, das experiências. Até mesmo, como em Luto e Melancolia, de Freud, a perda de uma abstração, de um ideal qualquer. Nunca a da epicuriana morte que não encontraremos, pois já não estaremos quando ela aparecer. A arte contemporânea é experiência enlutada e, por isso, dói tanto tratar dela. Encará-la é experimentar o luto na forma de sua exposição possível. Mas, se há entre arte e vida, entre ficção e realidade, uma relação que é sempre de mimese, por imitação ou por mimetismo, e se há tanta perda na vida, a arte não deveria ser nosso resgate para além do que a vida nos dá sem nenhuma elaboração?
A promessa romântica da arte é que ela viria nos salvar da vida. Mas, após a perda da ingenuidade romântica, por que ainda esperamos tanto da arte? Arte é apenas um conceito que tem tão pouco valor quanto pouco uso nos dias de hoje. No entanto, arte ainda é, como conceito, algo que vai na frente da nossa sempre atrasada sensibilidade. Que a arte mova nossa sensibilidade é a esperança sem fundamento de muitos, mas sensibilidade é uma formulação imprecisa entre o perigoso culto da emoção e os sentimentos que só são elaborados mediante a interferência da racionalidade capaz de criar conceitos. Não há chance de que arte hoje seja mais do que uma construção para fazer pensar.
Temos na experiência contemporânea da arte a autopresentificação do seu próprio luto. Como se a arte ainda estivesse no período enojado em que tem que se haver com a memória de um cadáver que é ela mesma e que, na verdade, mimetiza o estado das coisas de um mundo em crise de sentido. Assim é que a obsolescência do conceito de arte o coloca na posição de um conceito-memória. Um conceito que foi válido, mas que perdeu sua circunstância na atualidade. Arte não é mais a bela arte, ainda que possamos com muito esforço descobrir nas obras que a beleza também é um conceito e, como tal, uma visão das coisas.
HORUS62
Dino Valls - Limbus
ARTES VISUAISARTES VISUAIS 63
O PARADOXO DO GOSTO
O que a arte contemporânea nos sugere é a experiência do paradoxo do gosto. Como é possível “apreciar” esteticamente aquilo que repugna se neste momento a experiência estética como mediação entre sensibilidade e racionalidade foi anulada? A questão é que a arte contemporânea, sendo trabalho do luto, acontecendo na contramão do gosto, provoca sempre a experiência do desgosto. A arte conceitual tem tanto espaço em nosso tempo por chamar ao pensamento em tempos de cancelamento da sensibilidade. É como se toda obra nos enviasse a mensagem: se não podemos “gostar”, podemos “pensar”. É o paradoxo da inestética: a sensação é de perda da sensibilidade na arte; mais do que um problema da arte, é problema da cultura na qual ela surge. Um artista como Damien Hirst, com seus bezerros e tubarões no formol não é julgável segundo o padrão do gosto pela arte bela, porque estamos em tempos de perda do gosto. O que será que ele nos mostra que não sabemos pensar?
Com isso se consegue compreender o que acontece com a arte atual. Ela é a experiência da morte da própria arte bela nestes tempos de desgraça cultural. Tempos tensos: de um lado tragicofílicos – desejamos a tragédia – e de outro tragicofóbicos – evitamos a morte a qualquer custo –, como disse Hans Gumbrecht. Podemos dizer, nestes tempos, que a arte se faz na ordem do trágico, este sentimento da “morte em mim”, da morte como experiência subjetiva, como imagem da melancolia que nada mais é do que a morte do eu e do pensamento que sempre foi a prova de que existia algo chamado “eu”. Não, não exageremos.
A arte contemporânea não é nem trágica nem melancólica. Enlutada, ela nos pede que ultrapassemos a memória da morte e reinventemos o presente. Só o que impede isso é o capital culto à desgraça em que vivemos hoje. O gozo atual é com a ideologia da morte como um fim, quando, na verdade, estúpidos e conceitualmente avarentos, não sabemos entender o valor e o poder das transformações históricas das quais a arte nos dá apenas uma imagem para nos fazer acordar. Mas quando até mesmo a desgraça se tornou um “capital”, haverá espaço para a arte que denuncia o seu caráter capitalista?
U RBANA
HORUS
Toda arte é, na verdade, um
delírio ou um grito, ou os
dois. Geralmente, os dois.
Parecemos ser tão pequenos
fazendo parte de algo tão maior
quando olhamos para fora. E
parecemos ser tão grandes,
quando confiantes olhamos
para dentro de nós. E quando
você olha para o céu, você que
é humano, o que você vê? E
quem está lá fora, no céu, o
que veria se pudesse olhar
para nós, humanos? Entre o
universo do macrocosmo e
do microcosmo: nós, Homo
sapiens e a sapiência que tantas
vezes parece nos faltar.
A arte é uma deliciosa
ocupação dos nossos sentidos,
é um jeito de entendermos o
que acontece por dentro do
outro e por dentro de nós.
Quem é livre não se acostuma
com paredes, natureza não
tem portas. Alguns olham para
dentro, outros olham para fora.
Do Brasil que assiste, para o
Brasil que se movimenta. A
rua vira tela para o universo
Muitos julgam a pichação como vandalismo, o grafitti como arte.
GRAFITTI É vandalismopichação é ARTE
64
URBANA
que puder enxergá-la. Dentro
de casa ninguém te vê, a rua
força as pessoas a verem. Todo
mundo precisa ir pra rua uma
hora, porque a rua é a verdade.
Gritar com a rotina e ela te ouvir,
afinal, quem não é lembrado
quase não existiu. Precisamos da
interação, cor é refração de luz,
não somos nada sem luz, dentro
ou fora de nós. Aqueles que não
tem fronteiras para se expressar
são mais felizes. Quem não se
expressa se sufoca.
Os artistas Fábio Nagate,
de Presidente Prudente, e
Anderson Ferreira Lemes,
mais conhecido como Alemão,
de Assis, representam o grafitti
no interior paulista e mundial.
Afirmando com delicadeza,
reforçando o contraste das
ruínas do meio urbano e do
sonho colorido, lugares pouco
prováveis abandonados à
própria sorte.
Nagate através do seu
personagem, Macaco, buscar
transmitir e ilustrar a evolução
no homem em seu universo,
representando o primata com
o terceiro olho, aliando o físico
e o espiritual (imagem abaixo).
Alemão, que desde pequeno
teve, no desenho, estímulo para
o estudo e superação de uma
dislexia, procura transmitir em
suas intervenções as melhores
lembranças de sua infância,
balões e bicicletas com muita
cor. Os olhos de uma criança são
a melhor forma de ver o mundo
(vide imagem acima).
URBANA 65
HORUS
GAMES por Natália bridi
Assassin's Creed Unity terá uma história "mais séria e madura", de acordo com o diretor criativo Alex Amancio
(via Game Informer).O arco envolverá Élise de la Serre,
personagem central não jogável, e Arno Dorian, o protagonista da história: "Histórias de amor são sempre algo difícil de se fazer nos games pois pode facilmente se tornar superficial. Ao fazer com que Élise seja uma templária, sendo parte do núcleo da história, tornamos [o romance] parte verdadeira da luta do protagonista. Isso previne que se torne um subtrama ou seja superficial", explicou Amancio.
O diretor criativo também entrou em detalhes sobre a personagem feminina do game: "Queríamos criar uma personagem esperta, inteligente e complexa que não representasse qualquer estereótipo. Quando
Assassin's Creed: UNITY
terá história
"mais séria e madura"
Romance entre assassino e templária estará no centro no arco.
criamos qualquer personagem, seja Arno ou Élise, tratamos todos igualmente, Gênero
é algo complicado, mas não é um fato decisivo de como o personagem será.
Tudo o que importa é que ela é uma personagem forte".
Assassin's Creed Unity se passa no século XVIII, em Paris, na
época da Revolução Francesa. A qualquer momento durante
o single player, mais três jogadores podem entrar
na partida e auxiliar o protagonista em suas missões. O jogo sai para
PlayStation 4, PC e Xbox One em 28 de outubro.
HORUS66
GAMES
Assassin's Creed Unity se passa
no século XVIII, em Paris, na época
da Revolução Francesa. A qualquer
momento durante o single player,
mais três jogadores podem entrar na
partida e auxiliar o protagonista em
suas missões.
O jogo sairá para PlayStation 4,
PC e Xbox One.
GAMES 67
HORUS
GAMES por bruno silva
É fácil entender porque tantos estúdios têm investido em versões remasterizadas de grandes sucessos. Requentar um trabalho
aprovado por público e crítica é sempre mais fácil (e mais barato), e os fãs ardorosos garantem o retorno necessário em um período de entressafra - principalmente agora, em que as bibliotecas dos novos consoles precisam engordar enquanto os jogos mais aguardados ainda estão em desenvolvimento. Dessa necessidade e das tendências do mercado, nasceu The Last of Us Remastered, que nada mais é uma jogada da Sony para lucrar um pouco mais com seu jogo de maior sucesso do ano passado.
Apesar do intuito comercial óbvio, a versão remasterizada de Last of Us tem méritos de sobra. Se a Naughty Dog se dispôs a jogar o jogo corporativo da Sony, ela o fez de forma bem feita. A edição do game para o PlayStation 4 faz o que todas as versões remasterizadas deveriam fazer: uma atualização competente, com conteúdos e melhorias de sobra para atrair até mesmo quem já conhece de cabo a rabo a história de Joel e Ellie.
REMASTEREDTHE LAST OF US
Uma versão refinada de um dos melhores títulos do PlayStation 3.
HORUS
GAMES por bruno silva
68
GAMES
A primeira e mais notável mudança está no visual: a versão remasterizada roda a 60 quadros por segundo, contra 30 da edição de PlayStation 3. Os movimentos dos personagens estão mais fluidos e suaves. A mudança, no entanto, tira um pouco do clima cinemático do game - o que talvez explica porque a Naughty Dog incluiu uma opção de travar o jogo em 30fps. O aumento da resolução de 720p do PS3 para o 1080p nativo do PS4 também realça as texturas e a iluminação. Com isso, os personagens estão mais detalhados e os cenários, mais coloridos e vívidos. O game também carrega consideravelmente mais rápido do que a versão de PS3.
FOTÓGRAFOS DO APOCALIPSE
A princípio, os avanços gráficos servem mais como uma demonstração de poder do hardware do PlayStation 4 do que uma melhoria do jogo de fato, não fosse pelo modo de fotografias. Assim como em inFamous: Second Son, você pode pausar a ação apertando L3, ganhando controle sobre a câmera (menos nas cutscenes), com direito a ajustes de brilho saturação, além de filtros e molduras no melhor estilo Instagram. As opções são robustas o suficiente para criar ótimas composições com as belas paisagens - inclusive em momentos tensos, quando não dá para prestar atenção no cenário. Apesar de simples, a novidade acerta em cheio ao colocar todos esses avanços visuais a serviço da criatividade de quem joga - todas as imagens desta crítica foram tiradas com o modo de fotos.
Em termos de jogabilidade, a versão remasterizada permanece quase a mesma em relação à original, com algumas mudanças
para acomodar as ações aos botões do PS4. Um toque interessante fica por conta do uso do alto-falante do DualShock 4 para alguns efeitos sonoros - por exemplo, quando você liga a lanterna. Mas, em geral, não há grandes diferenças em relação à versão de PS3.
DOIS EM UM
Além de todas as mudanças citadas acima, Last of Us Remastered oferece uma quantidade interessante de bônus. Para começar, o DLC Left Behind, que conta um pouco da história de Ellie antes de conhecer Joel, já está incluso no game. Há também um making of do game e a opção de comentário do diretor e dos principais dubladores, para os fãs mais ávidos por conteúdo.
E, para quem não jogou e tem um PS4, é a oportunidade perfeita de conferir uma das melhores narrativas da geração passada de consoles. The Last of Us é uma tocante história sobre perda e companheirismo disfarçada de jogo de ação pós-apocalíptico. A jornada de Joel e Ellie em um mundo tomado pelo fungo cordyceps alcança o que muitos games tentam, mas não conseguem: um roteiro maduro que não é forçado.
Ainda que tenha sido pensado como um pacote para agradar os fãs de carteirinha, Last of Us Remastered foi afinado o suficiente pela Naughty Dog para se justificar como uma boa compra. É um título que roda melhor e está mais bonito do que sua versão original, com bônus interessantes e um DLC incluso no pacote.
The Last of Us Remastered é exclusivo do PlayStation 4.
GAMES 69
HORUS
D ESIGN
Segundo a Declaração Universal da
UNESCO sobre a Diversidade Cultural
(2002): a diversidade cultural contribui
para uma existência intelectual, afetiva, moral
e espiritual satisfatória constituindo um
dos elementos essenciais de transformação
da realidade urbana e social. O designer,
enquanto profissional do projeto contribui
para que esta diversidade cultural seja
percebida e percecionada pelo maior número
de pessoas, por forma a preservá-la a um
nível intangível.
Cada vez mais, a palavra design é utilizada
no nosso quotidiano, sendo muitas vezes
percebida e empregue como sinónimo de
representação visual.
A cultura do design exige aos seus
observadores verem além dos atributos visuais
e materiais associadas à criação e divulgação.
Cultura é mais do que uma pura representação
visual e transmissão de mensagem. Ao invés,
a cultura formula, formata, circula, contém
e recupera informações, sendo que adquire
diversas formas através do tempo e do
espaço, constituindo o património comum
da humanidade, devendo ser reconhecida
e consolidada em beneficio das gerações
presentes e futuras.
1. O DESIGNER ENQUANTO TRANSMISSOR
DE CULTURA E DE IDENTIDADE
“A cultura nacional produz sentimentos sobre
a nação, sentimentos com os quais podemos nos
identificar, construindo deste modo identidade”.
Stuart Hall
Cultura é a construção e interpretação
humana de símbolos e significados que
são partilhados, na qual se identifica uma
determinada comunidade, diferenciando-se de
outras através da sua identidade cultural.
(...) una construcción específicamente
humana que se expresa a través de todos
esos universos simbólicos y de sentido
socialmente compartidos, que le ha permitido
a una sociedad llegar a “ser” todo lo que
se ha construido como pueblo y sobre el
O DESIGN e a
CULTURA VISUAL URBANA
70 HORUS
D ESIGN
Ao fundo da página, foto do festival
das cores em Utah.
DESIGN
que se construye un referente discursivo de
pertenencia y de diferencia: la identidade."
No sentido lato, identidade é o “conjunto de
características (físicas e psicológicas) essenciais e
distintivas de alguém, de um grupo social ou de
alguma coisa”.
Neste contexto, a identidade de uma pessoa
é o conjunto de atributos que a torna especial e
única. Diferentes pessoas podem ter algumas
características em comum, no entanto, o que
as diferencia é justamente a forma como essas
características se articulam na sua formação
individual. Seguindo o mesmo raciocínio, poder-
se-á afirmar que a identidade de um local é o resumo
das suas características intrínsecas, onde, por sua
vez, a sua identidade cultural é identificada pelos
valores, signos, representações ou expressões
humanas que o distinguem e identificam.
Tanto a cultura, como a identidade cultural de
um local resultam do cruzamento da sua herança
com a sua história e evolução ao longo do tempo.
"La cultura no es algo dado, uma herencia
biológica, sino uma construcción social e
históricamente situada, em consecuencia es um
producto histórico concreto, uma construcción
que se inserta em la história y especificamente
em la história de las inter-acciones que los
diversos grupos sociales establecen entre si."
Neste contexto, interpreta-se Cultura no
sentido antropológico, como “conjunto da
cultura material e imaterial que identifica uma
determinada comunidade.” Segundo a definição
anterior, podemos então diferenciar duas formas
distintas de cultura: material e imaterial.
A significant amount of the movable and
immovable cultural capital of any country is
held in public or quasi-public institutions such
as museums, galleries, archives, monasteries,
shrines, historic buildings, heritage sites, etc.
In addition, these institutions are also often
repositories of intangible cultural capital, as
in the case of heritage locations, for example,
which are inextricably bound up with their
history and with the rituals and customs with
which they are associated. These institutions
contribute cultural output primarily in the form
of services, consumed by both local people
and visitors.
Cultura material é todo o produto que
resulta da produção humana, é o conjunto
de artefactos que combinam a matéria prima
e tecnologia, diferenciando-se das estruturas
fixas pela sua mobilidade. Já a cultura imaterial
diz respeito ao conhecimento que não foi
transmitido por meio de livros ou qualquer
outro tipo de registo ou formas, mas sim pelo
conhecimento que é transmitido na prática
através das gerações. Pelo exposto, a tradição
e o conhecimento são por isso factores
imprescindíveis para a continuidade da cultura
intangível e para a construção da identidade
de uma comunidade ou povo. "O designer
é um agente ativo na construção cultural,
pois as escolhas que faz e as mensagens que
transmite são um elemento constitutivo de
uma realidade cultural material pública."
71DESIGN
HORUS
The designer’s role is in the creation of value.
This most obviously is commercial value, but
may also include social, cultural, environmental,
political and symbolic values.
O seu papel é decisivo na comunicação,
nas relações simbólicas, bem como no
relacionamento dos indivíduos com a
sociedade. Deste modo, o designer cumpre a
sua função, como escreveu Victor Margolin
O designer deve procurar investigar novas
concepções e tentar perceber o modo como
o design afecta a acção humana. (...) O
design enquanto cultura relaciona-se com as
disciplinas que estudam o comportamento
humano (como a sociologia e antropologia)
ao mesmo tempo que se relaciona com as que
estudam objectos (tais como história da arte ou
da cultura material.
Segundo Stuart Hall, atualmente, as
culturas nacionais são uma união das
principais fontes de identidade cultural. A
Cultura Nacional é composta, não apenas
de instituições culturais, mas também de
símbolos e representações que produzem
a sensação de pertença perante o local,
sentimentos com os quais nos identificamos,
construindo, desta forma, identidades. Nestes
sentimentos, estão contidas as histórias que
são contadas sobre o local, memórias que
relacionam o presente com o passado, a partir
das quais são construídas imagens (HALL,
1996). Na abordagem desta problemática, o
autor defende que uma das consequências da
globalização é o fortalecimento ou a criação
de novas identidades nacionais e locais, i.e.,
a globalização, produz uma nova interação
entre o global e o local. (HALL, 1998:77).
A diversidade local tem um papel importante
neste processo da globalização pois divulga a
sua cultura local a um nível global, transmitindo
a terceiros as suas especificidades únicas e
distintivas, levando a um reconhecimento
colectivo das mesmas. Desta forma, a
preservação do sítio, da sua cultura material
e não material, leva á sua identificação, ao
mesmo tempo que contribui para a formação do
sentimento de pertença local. O designer deverá
ter a capacidades de transmitir o sentimento de
pertença da comunidade e destacar essa mais
valia, comunicando-a para o exterior.
2. A RELAçãO ENTRE A HISTóRIA DO LOCAL
E A SUA IDENTIDADE SóCIO-URBANA
Augé define o sítio - enquanto espaço
antropológico - como um espaço identitário,
relacional e histórico, que cria e fomenta
relações interpessoais, movendo-se num
tempo e espaço muito bem definido, (...)
é simultaneamente princípio de sentido
para aqueles que o habitam e princípio de
inteligibilidade para quem o observa.
Pelo exposto, os espaços antropológicos
são espaços onde ocorre a materialização da
identidade social e possuem em comum três
características: são identitários, relacionais e
históricos. Identitários, uma vez que, no mesmo
lugar, podem coexistir elementos distintos;
relacionais, na medida em que, partilhar
um lugar comum, significa que elementos
singulares se relacionem, por forma a construir
uma identidade partilhada; e, por fim, históricos,
no sentido em que estes lugares detêm uma
estabilidade num determinado tempo.
72
DESIGN
Pelo exposto, a simbolização do espaço é originada através das vivências e das relações humanas. Designa-se de lugar antropológico, uma vez que neste espaço que se desenvolvem relações identitárias de uma comunidade, bem como a sua história comum, desenvolvendo, deste modo, determinados códigos, signos e símbolos próprios.
Igre
jas
Espa
ços
Púb
licos
Esco
las
Lin
guag
em
Identidade História Relações
Res
idên
cia
Emoç
ões
ESPAÇO ANTROPOLÓGICO
ESPAÇO OBJETIVO
Marcas objetivas de identidade e
história
ESPAÇO SIMBÓLICO
Como os outros se relacionam com o
espaço
Fig. 1 – Esquema representativo da
teoria de Marc Augé sobre o Espaço
Antropológico, fonte: autora.
O autor vai mais longe e faz a distinção entre lugar objectivo e lugar simbólico: o primeiro caracteriza-se pela inscrição de marcas objectivas da identidade e da história do sítio (por exemplo, igrejas, lugares públicos, escolas, entre outros), o segundo caracteriza-se pela forma como os espaços são definidos e pelo relacionamento que outros criam com o espaço em si (por exemplo, residência e linguagem).
Segundo Augé, a diversidade, em princípio, é uma coisa boa, mas não sistematicamente. É preciso pensar na cultura, na diversidade e na identidade sempre em movimento, nunca estanque.
A identidade local é uma representação construída a partir da tentativa de unificação de inúmeras identidades nela presentes. Segundo Kevin Lynch, os bairros são regiões de uma cidade onde o observador entra mentalmente e reconhece características comuns que o representam. Estas características são identificáveis internamente (para a comunidade) e o designer deve utilizar estes elementos na representação visual do local, pois são as referências que permitem o reconhecimento externo.
Identify and build an identity based on cultural resources and distinctive place so the image is recognized and that matches with expectations.
73
HORUS
A problemática deste tipo de representação
visual é que necessita de ser compreendida
de igual modo por todos os receptores. No
entanto, a mesma realidade pode ser descrita ou
interpretada de diferentes formas.Deste modo, é
de extrema importância que o designer consiga
encontrar um consenso, por forma a que a
mensagem seja igualmente compreendida pelo
maior número de pessoas. Contudo, tal tarefa
não é fácil, uma vez que a cidade é um espaço
que está em permanente mutação a nível urbano,
sociológico ou morfológico: é um elemento vivo.
Segundo o autor Franco Bianchini, A city
is a complex and multi-faceted entity (…):
a) an area defined by clear geographical
boundaries, and endowed with certain natural
characteristics; b) an environment shaped
by human intervention (…) c) a community
of people, with particular social networks
and dynamics (a society); d) a system of
economic activities and relationships; e)
a natural environment, a society and an
economy governed by an agreed set of
principles and regulations resulting from the
interaction between different political actors.
As cidades despertam comportamentos nos
seus habitantes, pois estimulam, encorajam,
incentivam e inspiram. Poderá dizer-se que o
carácter da cidade é definido pela associação das
suas diversas características: planeamento urbano,
cultural e religioso, agregado à individualidade
dos seus habitantes. Sempre que nos movemos
pela cidade, deparamo-nos com um número
indeterminado de estímulos que desperta em
nós emoções, reflexões, sensações que refletem o
carácter afectivo e intelectual do espaço.
3. COMPLEXIDADE DA CRIAÇÃO DE UMA
IDENTIDADE RELACIONADA COM O SÍTIO
Cada vez mais, existem lugares com uma
identidade transacional que são projetados
com base neste novo conceito. Alguns autores
acreditam que
a identidade
local deve ser
inovadora,
por forma
atrair a classe
criativa. Esta designação é um dos novos temas
atuais, onde se discute a forma de planeamento
e desenvolvimento de um sítio, por forma a
projetar um ambiente urbano criativo.
O autor Jensen afirma que this increased
focus on the importance of creativity and culture
in urban development has led to a discourse
of ‘cultural planning’. (...)We need to engage
that the notion of locally produced culture is an
asset in global competitiveness.
Deste modo as cidades passam a apresentar-
se e representar-se como locais de divertimento
e criatividade, recorrendo-se à cultura e às artes
como ferramentas de reabilitação urbana,
dando origem ao termo cidade criativa.
Segundo Florian, cada vez mais os locais são
impessoais, anónimos e, no final, inabitáveis,
necessitando de alma, tal só acontecendo
se desenvolverem uma identidade original e
inimitável ao mesmo tempo que oferecem uma
experiência única.
A criação de uma representação visual e
simbólica, associada uma cidade ou sítio, tem
como principais objectivos: aumentar o número
74 HORUS
Ao fundo da página, foto do centro
histórico de Trancoso, distrito de
Porto Seguro, Bahia.
DESIGN
de visitantes, serem mais atrativas, estimular os
investimentos empresariais e incentivar pessoas
a viverem nela. Esta representação visual poderá
designar-se de identidade visual, uma vez que,
no design, a palavra identidade está associada
á personalidade de uma organização resultante
da sua evolução histórica, da sua tradição, da
sua cultura, dos seus objetivos e estratégias.
A identidade está sempre presente em todas
as formas de comunicação da organização e é
através desta que se estabelece a ligação entre
passado e futuro.
Uma identidade homogénia e coesa é
imprescindível para o sentimento de pertença
por parte dos colaboradores, bem como do seu
público-alvo, logo, imprescindíveis para uma
identidade forte. No entanto, a criação desta
identidade visual é um processo complexo,
pois a singularidade do sítio é algo difícil
de se representar, uma vez que este não é
uma organização com limites bem definidos:
qualquer local tem múltiplos usuários, e é
importante dividir os elementos tangíveis e
intangíveis do mesmo. A sua identidade é o
resumo das suas características intrínsecas e a
imagem que projeta deve ser comunicada de
acordo as suas verdadeiras potencialidades,
ao mesmo tempo vai ao encontro da imagem
mental que cada um dos habitantes já tem. A
imagem do local é portanto o somatório da sua
identidade com as impressões que as pessoas
já têm sobre o mesmo. When the place has
created a clear concept of its desired identity, the
foundations of its image have been established.
A criação de uma identidade visual,
independentemente de ser empresarial ou
territorial, tem a capacidade de transmitir
elementos abstratos de forma mais clara e
instantânea que outros tipo de ferramentas
comunicacionais existentes, uma vez que é
essencialmente simbólica. A identidade do
sítio, em oposição as estratégias de marketing,
não é copiável e deve representar as diversas
características distintivas, ao mesmo tempo
que a comunicação da sua representação visual
deve ser real, fiel, credível, simples e também
distinta e apelativa.
O problema põe-se porque, no âmbito do
design gráfico, ainda não existe um modelo
para a criação da representação visual das
cidades ou locais. Tem de se adotar modelos
existentes para a criação de representações
visuais empresariais (mais conhecidas por
marcas), com a consciência que as variáveis a
avaliar não são as mesmas.
Não se deve interpretar a cidade ou local como
marca, uma vez que, como visto anteriormente,
o local é uma rede intricada de diversos factores
que estão em constante mutação e as suas
variáveis são muito mais difíceis de controlar
do que as variáveis de um domínio corporativo.
Por outro lado, a cidade também não é um
produto devido à sua extrema complexidade e a
sua representação visual deve-se traduzir numa
imagem securizante, ao mesmo tempo que
representa os valores colectivos e intemporais
com os quais a comunidade se identifica e sinta
como seus. Na figura abaixo, está representado o
modelo de identidade corporativa segundo Joan
Costa. Todavia, se aplicamos estas variáveis a um
sítio, elas estão em constante mutação, elevando
a complexidade de aferição das mesmas.
75DESIGN
HORUS
Como?o QUEFAZ?
o QUEDIZ?
QUEM É?
Identidade
Ação
Imagem
Comunicação
O QUE É PARA MIM?
Segundo a sua definição, entidade corporativa é o conjunto de atributos assumidos como próprios, pela organização. Trata-se de uma opinião ideológica que resulta do que a organização é atualmente: as perspectivas, o imediato e o projetual, sob o qual são construídas formas.
Mediante as questões levantadas antropologicamente, a interpretação perante a identidade do espaço e do lugar, bem como do sentimento de pertença, dependem da perceção de cada um de nós. É nosso dever, enquanto cidadãos, conhecermos os nossos bens culturais. Estes retratam a história e a tradição e, concomitantemente, fortalecem o sentimento de pertença. Este sentimento é desenvolvido pelas experiências percetuais, pois elas originam sensações e emoções que marcam, isto porque o ser humano só valoriza, protege e preserva o que conhece.
Fig. 2 – Modelo de Joan Costa que
representa os factores que envolvem
a criação de uma identidade visual,
fonte: autora.
Como referido anteriormente, é muito importante, não só que a criação de uma identidade visual associado a uma sítio seja coesa, mas também que seja criada por forma a ser entendida e descodificada. Para tal aconteça, é necessário utilizar a linguagem dos interlocutores, pois só deste modo é que existe a comunicação.
Margarida fragoso aborda a importância da imagens institucional das cidades e afirma que as Instituições Municipais, ao utilizarem “emblemas visuais” como representação visual, estão a ser “veículos de transmissão de identidade”, sendo por isso “uma referência importante na formação da imagem” do próprio local. Esta imagem institucional deve ser aplicada nos diversos suportes de forma linear e coerente, “é fundamental que as cidades procurem uniformizar e dar eficiência visual aos seus símbolos”, pois, deste modo, estamos a credibilizar a marca e o que ela representa. A autora refere ainda que “as imagens municipais são também suportes comunicacionais educativos”: concentram na sua expressão
76
DESIGN
visual “conhecimento da história, da geografia,
do património, das atividades económicas
das cidades" e são, ao mesmo tempo, uma
alavanca para o desenvolvimento do jovem, da
responsabilidade social, da educação cívica (...)
respondendo à nova concepção de educação
que apela para a formação global do individuo.
As representações visuais e gráficas das
cidades/localidades devem ter um carácter de
permanência, ou seja, devem ser constantes
durante um longo período de tempo, mesmo
que o objecto de representação se modifique,
ou corre-se o risco de se perder a identidade
pretendida. Quando tal não acontece, origina-
se um sentido de desapropriação e de confusão
por parte dos seus habitantes, pois a sua
uniformização confere aos seus habitantes a
sensação de segurança, ao mesmo tempo que
perpetua a sua identidade, cultura e memória.
A criação ou alteração de uma representação
visual associada a um local deve ser estável,
contínua e não ser alterada em função do órgão
de gestão. Esta é a representação visual do local
e serve com forma de identificação dos seus
habitantes/usuários, a sua função é a afirmação
e reconhecimento do local.
Cada vez mais, as cidades têm a
preocupação de ser representadas visualmente
com o objetivo do crescimento económico e
para serem alvos de investimentos. Para tal,
comunicam visualmente através de textos,
símbolos e imagens que transmitem as suas
características diferenciadoras. A identidade
local é por isso uma representação construída
a partir da tentativa de unificação de inúmeras
identidades nela presentes.
Ora, já aqui foi referenciado por diversos
autores que a criação de um projecto de
identidade visual implica um conhecimento
cognitivo e histórico do que se pretende
comunicar e a conciliação destes com o
conceito de design. Neste contexto, o designer
não pode esquecer qual a sua principal função:
criar uma informação visual que se relacione
com o “objecto” a comunicar. Como refere
Bruno Munari, um designer é um projectista
dotado de sentido estético, (...) ocupa-se
das imagens, cuja função é transmitir uma
comunicação e uma informação visual: signos,
sinais, símbolos, significado das formas e das
cores, relações entre eles.
77
Balão do personagem Charlie Brown
na parada do Dia de Ação de Graças
em Nova Iorque.
HORUS
CONCLUSÃO
A arquitetura, arte, história, paisagem, o
clima, a cultura do local são os aspectos que
definem a sua história. A representação visual
da identidade local tenta ser a expressão
máxima deste imaginário e o primeiro elemento
de comunicação. Esta diferenciação é um bem
cultural, uma vez que promove o sítio, tornando-o
mais atraente para o desenvolvimento de
novas atividades económicas, aumentando
a auto - estima dos habitantes, uma vez que
leva ao reconhecimento da sua identidade. A
preservação do local, da sua cultura material
e não material, leva à sua identificação e, ao
mesmo tempo, contribui para a formação do
sentimento de pertença local. Cada cidade
ou local deve comunicar e projetar as suas
mais valias através de uma identidade visual
forte, de fácil compreensão, por forma a criar
uma relação emocional com a comunidade.
Essa representação visual deve conter as
características mais representativas do local,
articuladas com um grafismo contemporâneo e
apelativo, ao mesmo tempo que resume a sua
história, proporcionando uma nova percepção
ao cidadão, turista e/ou investidor.
A construção visual desta identidade é
decisiva no reconhecimento da personalidade
do local, pois só deste modo poderá ser
projetada e compreendida a um nível global. O
objetivo do designer é criar uma representação
visual com a capacidade de chamar a atenção
e criar memória. Pelo exposto, deve-se criar
uma identidade visual assente no património
cultural, representando, além disso, a
contemporaneidade nela existente. Esta
representação deve ser feita sem a perda da
identidade local e associando-se à globalização.
O designer deve contribuir para essa
diversidade ser percebida pelo máximo de
pessoas, uma vez que está a preservá-la a um nível
intangível. Para atingir esse objectivo, o designer
deve aferir as características diferenciadoras,
por forma a conseguir uma representação visual
identitária do sítio, que desenvolva uma relação
emocional com o receptor, i.e. o designer deve
criar uma imagem visual com base nos atributos
diferenciadores do local, por forma a reforçar a
identidade do mesmo.
Participantes interagem com
instalação de arte "The Super Pool"
durante uma tempestade de areia no
Festival Burning Man de 2014.
HORUS78
DESIGN
REFERÊNCIAS
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DESIGN 79
HORUS
D ESIGND ESIGN por Josélia aguiar
DO TIPOà tela
HORUS
D ESIGND ESIGN por Josélia aguiar
Ante as inúmeras notícias sobre o novo Kindle (da Amazon), o Reader
(da concorrente Sony), sua réplica chinesa e uma possível versão brasileira, é quase um alento para leitores fiéis, divididos entre a desconfiança, a curiosidade e o pavor com as novas tecnologias, encontrar nas livrarias duas novas obras sobre design gráfico. História do design gráfico é uma obra clássica de Philip Baxter Meggs, somente agora traduzida para o português, que perfaz de modo panorâmico, porém bastante competente, esse percurso de milênios. É traduzida de sua última edição, revista e ampliada por Alston W. Purvis, discípulo de
Meggs. O outro lançamento é BiblioGráfico, de Jason Godfrey, livro que encontra um modo singular de narrar o design gráfico dos séculos 20 e 21: a partir da biografia de cem livros clássicos sobre o tema, um deles o de Meggs.
A presença física do livro é o assunto que sobressai nas
duas obras. A primeira reúne 1.300 ilustrações, grande parte relacionada à edição de livros; a segunda reproduz capas e páginas de todos os títulos selecionados, num total de 630 ilustrações. A trajetória que o leitor percorre, em ambas, é repleta de pormenores: fontes, texturas, formatos, cores, linhas, composições, técnicas se sucedem, com seus devidos personagens, episódios e tempos. Mapear aquilo que define esta era digital – considerando, aqui, o que será ou poderá deixar de ser impresso um dia – é preocupação partilhada pelos autores, para quem conhecer a tradição é fundamental para conformar o futuro.
A presença física do livro e o debate sobre qual será sua feição na era digital estão em duas obras que contam a história do design gráfico.
Philip Baxter
Meggs.
80
DESIGNDESIGN
PARA ALÉM DA HISTÓRIA DO LIVRO
História do design gráfico saiu pela primeira vez em 1983
e, desde então, mereceu reedições sempre ampliadas. Meggs
era um designer e professor norte-americano preocupado
com o desconhecimento que seus alunos tinham de história.
Certo dia, reuniu em livro o material que havia pesquisado
durante décadas para dar aulas. Sua narrativa tem, assim,
clareza suficiente para agradar a um público além daquele
formado por estudantes ou profissionais da área. Após a morte
de Meggs, em 2002, ao discípulo Alston W. Purvis coube a
tarefa nada simples de rastrear, selecionar e caracterizar a nova
geração de designers que interagem com o computador e criam
formas para o que será visto e lido nas telas. Trata-se de uma
época em que se encontram tanto coisas excelentes quanto
coisas medíocres, inovações sem precedentes e outras que não
passam de projetos mal concebidos e toscamente elaborados,
como descreve Purvis.
A história que Meggs e Purvis contam segue a invenção
da escrita, a passagem da tipografia grega para a romana, as
iluminuras celtas e os manuscritos árabes, o surgimento da
fotografia, o art nouveau, o art déco e, depois, a Bauhaus, a
revolução do design editorial
e corporativo, até alcançar a
era dos computadores, com
tipos feitos de pixel. Não é
apenas uma história do livro,
mas também de anúncios,
cartazes, embalagens, selos
e logomarcas, revistas e
capas de disco. Sobretudo
é a história de como se
organizou o conhecimento,
a cada época, por meio de
formas visuais e táteis – e
olfativas, podem dizer os mais
apaixonados –, sob influências
sociais, estéticas, econômicas,
técnicas e tecnológicas. A
diferença deste para qualquer
outro livro sobre história do
design é a abrangência – com
81
HORUS
suas mais de 700 páginas,
grande o suficiente para conter
tudo que é relevante, sem ter a
dimensão de uma enciclopédia
de vários volumes. Alguém
poderá dizer que seu enfoque é
essencialmente ocidental, mas
não parece ter sido pretensão
dos autores ampliar seu
horizonte, apesar de capítulo
inteiro e longas passagens
sobre a influência do Oriente.
Personagens e episódios
para além de Gutenberg e sua
primeira Bíblia impressa – até
hoje uma edição esplendorosa
– sobressaem no relato de
Meggs e Purvis. Há Aldo
Manuzio, impressor que
inventou o protótipo do livro de
bolso já no século 15; William
Blake, poeta e gravador, célebre
tanto pelos versos quanto por
suas iluminuras no século 18;
Didot, Bodoni, Garamond e
outros inventores de fontes
que se tornaram metonímia;
Aubrey Beardsley, William
Morris, Hans Christiansen, Jan
Tschichold e, mais recentes,
Carol Twombly e Robert
Slimbach, apenas para citar
alguns dos muitos criadores
que borraram os limites entre
arte, oficina e publicidade. O
design gráfico, consolidado
como disciplina e profissão,
BIBLIOGRÁFICO – 100 LIVROS
CLÁSSICOS SOBRE O DESIGN
GRÁFICO
Jason Godfrey Trad.: Cid Knipel Cosac
Naify 224 págs. R$ 115
HISTÓRIA DO DESIGN GRÁFICO
Philip B. Meggs e Alston W. Purvis
Trad.: Cid Knipel Cosac Naify 720
págs. R$ 219
só existe há um século.
Apesar de reunir heranças de
áreas distintas, surge com
esse nome apenas em 1922,
quando o editor de livros
William Addison Dwiggins
assim designou a atividade
de alguém que traz ordem
estrutural e forma visual à
comunicação impressa.
A PARTICULARIDADE DO
ACERVO
O inventário que o designer
e bibliófilo inglês Jason
Godfrey faz em BiblioGráfico
é particularíssimo, e aí reside
sua graça. De sua biblioteca,
selecionou os livros preferidos.
Os que não possuía, mandou
pedir emprestado. Reproduziu
capas e páginas significativas
e escreveu textos de não
mais que cinco parágrafos
descrevendo o teor, contando
um pouco da história e
explicando a relevância de
cada obra. Na introdução,
diz que não teve a intenção
de traçar toda a história do
design, nem de fazer uma lista
definitiva. Pela necessidade
de ter boas reproduções,
preferiu obras publicadas
após a Segunda Guerra. Em
seis seções, entre exemplares
82
DESIGN
luminosidade, a interatividade
e a multidimensionalidade”. O
livro de Maeda é de 2000. O
curto intervalo de tempo entre
as três edições citadas – 1983,
1995, 2000 – dá uma medida
da velocidade com que as
mudanças têm ocorrido.
raríssimos e outros muito
recentes, seguem-se então
obras sobre tipografia, livros de
referência, didáticos, histórias,
antologias e monografias –
uma ordem inspirada naquela
das bibliotecas.
Está lá, como já se disse, a
edição de 1983, a primeira, do
livro de Meggs, apontado por
Godfrey como “insuperável” e
“o primeiro de qualquer lista”
dos alunos da área. Obras
iconoclastas como The end of
print ou O fim da impressão
publicado em 1995 por David
Carson, que “pratica um design
que se choca frontalmente
com muitas convenções, em
que ênfases e hierarquias
são viradas de cabeça para
baixo”, como diz Godfrey. E
há também novas obras mais
pacificadoras, como Maeda@
media, de John Maeda,
um designer obcecado por
programação, com formação
no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), que
pensou em criar um programa
de computador para diagramar
as páginas automaticamente,
mas concluiu que não
daria certo. Na definição de
Godfrey, trata-se de um livro
de mídia digital que, como
poucos, consegue “traduzir a
83
Sistema de
coleta Lynotype
NOTAS
HORUS
Artista plástico baiano Bel Borba traz
colagens e intervenções de Salvador
em nova expo
O artista plástico baiano Bel Borba, referência na arte da
colagem e intervenções urbanas, inicia exposição na Caixa
Cultural do Recife a partir dessa quarta (13).
São 88 obras reunidas na mostra Bel Borba Intervém
Urbano, que retratam o passado, o presente e o futuro da musa
inspiradora do artista, a cidade de Salvador. Para a temporada na
capital pernambucana, o baiano produziu cinco obras exclusivas
e inéditas, com colagens sobre paisagens recifenses.
A abertura da exposição será às 19h30 de amanhã(12). A
visitação é gratuita, das 12h às 20h de terça a sábado e das 10h
às 17h nos domingos até o dia 12 de outubro.
84
Quadrinhos de Star Wars ganham
coleção com 70 volumes no Brasil
A franquia Star Wars vive um dos seus melhores momentos
em décadas. Sobretudo aqui no Brasil. A editora Planeta
D’Agostini vai lançar por aqui uma coleção com 70 volumes
de quadrinhos da série. O primeiro número sai em outubro.
A revelação foi feita pelo Universo HQ. A Coleção Star Wars
reúne histórias do chamado “universo expandido” da série
criada por George Lucas e cujo primeiro filme foi lançado
em 1977. Os volumes serão em capa dura, semelhantes à
Coleção Oficial de Graphic Novels da Marvel, que está sendo
publicado pela editora Salvat.
O primeiro volume da coleção Star Wars chegará às bancas
no dia 30 de outubro, ao preço promocional de R$ 9,99. A
segunda edição sai por R$ 22,90, com os demais livros
sendo vendidos por R$ 34,90. Até o 15º volume, a coleção
terá periodicidade quinzenal e depois passa a ser semanal.
A distribuição será setorizada, o que indica que leitores do
Nordeste deverão ter acesso
apenas no ano que vem. No
entanto, a editora já anunciou
que será disponibilizado um
sistema de assinaturas para
todo o Brasil.
Escultura de Bel Borba em Salvador.
Coleção Star Wars Comics.
NOTAS
Novos nomes das artes visuais do
Recife presentes no #urbano
Novos nomes da arte urbana do Recife fazem parte do projeto
#urbano, da Natura, que reuniu manifestações artísticas, como
fotograia, poesia-visual, ilustração digital, gravura, pintura,
xilogravura, entre outros tipos de artes plásticas. A curadoria na
cidade foi com a Nuvem Produções. Um evento para apresentar os
artistas aconteceu nessa quarta (6), no Café Castro Alves, no Centro.
Cristina Machado, Galo de Souza, Arem, Paulo do Amparo, Danilo
Galvão, Imarginal, Jotazerof, David Nascimento, Bozó Bacamarte e
Caio Lobo foram escolhidos para a exposição. O projeto promoveu
o lançamento do novo perfume da Natura, que foi lançado este mês.
Para a seleção das dez expressões artísticas expostas no encontro,
os critérios utilizados pela Nuvem foram: mérito artístico (qualidade
estética e de acabamento inal
do trabalho) e coesão entre obra
e tema proposto: “desperte seu
olhar para a arte da sua cidade”.
“Além de motivar a observação
da beleza desse cenário
vibrante e dinâmico, queremos
reconhecer a arte urbana e
renovar a nossa relação com
os grandes centros”, explica
Daniel Silveira, diretor regional
da Natura no Norte e Nordeste.
85NOTAS
#urbano, da Natura.
HORUS86
Bazar secreto no Recife traz roupas do
figurino de filmes como Amarelo Manga
Filme pernambucano Ventos de
Agosto ganha menção honrosa em
Locarno
As figurinistas Bárbara Cunha e Carol Azevedo abrem seu Bazar Secreto neste domingo (6), no Casamarela Coworking, em Casa Amarela, no Recife.
Serão postas à disposição cerca de 250 artigos garimpadas pelo mundo, em viagens para pesquisas de figurinos na Índia, França, Hungria, Portugal e países da África. “São acessórios e roupas usados em filmes como País do Desejo, Deserto Feliz, Uma Estrela par Ioiô, e ainda Amarelo Manga, meu primeiro trabalho”, revela Bárbara Cunha. A lista tem ainda roupas de série de TV e de espetáculos de teatro usadas por atores como Hermila Guedes, Maria Padilha, Nash Laila, Zezé Mota, Fábio Assunção, Mariana Ximenes, entre outros.
Além da conjunção de produtos de filmes, as duas figurinistas destacam seu acervos pessoais. “Temos feito uma curadoria minuciosa ao longo dos últimos anos e
O longa pernambucano Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro, levou uma menção honrosa no Festival de Locarno, na Suíça. O longa agradou a crítica e público quando foi exibido na semana passada. Foi o único representante brasileiro no evento.
O prêmio principal foi vencido pelo filipino Lav Diaz e seu Mula Sa Kung Ano Ang Soon (From What Is Before), que tem duração de mais de cinco horas. O prêmio especial do júri foi para Alex Ross Perry com o longa Listen Up Phillip (EUA). A melhor direção foi vencida pelo português Pedro Costa com o filme Cavalo Dinheiro.
O júri de Locarno foi presidido este ano pela atriz brasileira Alice Braga.
pela primeira vez estamos nos desapegando de objetos e peças do nosso acervo cultivado entre tantos trabalhos, do nosso baú secreto”, completa Carol Azevedo cujo rico acervo é buscado por profissionais como Chris Garrido, figurinista do filme Tatuagem, que trouxe várias peças dos anos 1970.
A Casamarela fica na Rua Professor Álvaro Lima, 47, Casa Amarela.
Ventos de Agosto é o primeiro trabalho de ficção de Gabriel Mascaro, autor de Domésticas e Um Lugar Ao Sol. Mistura de documentário e drama, o longa traz a história da personagem Shirley, interpretada pela revelação Dandara de Morais. Ela chega da cidade grande para viver em uma pequena vila de pescadores em Alagoas.
NOTAS 87
Uzo Aduba, de Orange Is The New
Black, vence prêmio técnnico do Emmy
Aconteceu nesse sábado (16) em Los Angeles a entrega dos prêmios técnicos do Emmy, chamados de Creative Arts Emmy. A atriz Uzo Aduba ganhou de atriz convidada por seu papel em Orange Is The New Black, da Netflix. Game Of Thrones, True Detective e Sherlock: His Last Vow, também saíram vencedores.
Como o Emmy, que premia o melhor da TV nos EUA, tem uma quantidade enorme de categorias, a organização divide a entrega dos troféus. É uma maneira de manter o espetáculo da premiação principal, que acontecerá no próximo dia 25.
Uzo Aduba recebe Emmy pelo
prêmio de melhor atriz convidada
pelo trabalho na série “Orange is the
new black”
HORUS88
VEJA A LISTA DE ALGUNS VENCEDORES:
Atriz convidada em série cômica Uzo Aduba (“Orange is the new black”).
Atriz convidada em série dramática Allison Janney (“Masters of sex”).
Ator convidado em série cômica Jimmy Fallon (“Saturday Night Live”).
Ator convidado em série dramática Joe Morton (“Scandal”).
Elenco de minissérie, telefilme ou especial “Fargo”.
Elenco de série dramática “True detective”.
Elenco de série cômica “Orange is the new black”.
Melhor narração Jeremy Irons (“Game of lions”).
Melhor dublador Harry Shearer (“Os Simpsons”).
Apresentador de reality ou programa de competição Jane Lynch (“Hollywood Game Night”).
Reality sem estrutura fixa “Deadliest Catch”.
Elenco de série dramática “True detective”
Reality sem estrutura fixa “Deadliest Catch” Ator convidado em série dramática Joe Morton
(“Scandal”)
Atriz convidada em série cômica Uzo Aduba (“Orange is
the new black”)
NOTAS