Post on 29-May-2020
30
Acalásia idiopática com resposta duradoura ao tratamento farmacológico: relato de caso
DENIS CONCI BRAGA,1 SILVIA MÔNICA BORTOLINI,2 ANA EDUVIRGES CARNEIRO DE OLIVEIRA,3 ANDREI GABRIEL DE MELO,3 MARIA
EDUARDA DA ROSA ULANOSKI CARVALHO.3
Relato de Caso
ResumoResumo
A acalásia é caracterizada pela aperistalse do corpo
esofágico e pelo relaxamento incompleto ou ausente do
esfíncter esofagiano inferior. De acordo com sua etiologia,
pode ser classifi cada em chagásica ou idiopática. O trata-
mento pode ser farmacológico, endoscópico ou cirúrgico.
O tratamento farmacológico é considerado pouco efi caz,
pois seus efeitos não são permanentes, além de causar
efeitos colaterais pronunciados em muitos casos, como
cefaleia e hipotensão. As medicações de escolha são
os bloqueadores dos canais de cálcio e os nitratos. Os
autores relatam o caso de uma paciente com diagnós-
tico de acalásia idiopática cujo tratamento farmacológico
tem sido efi caz ao longo de cinco anos. Tal modalidade foi
instituída considerando a cronicidade da doença, a idade
avançada da paciente e a presença de comorbidades.
Unitermos: Acalásia, Bloqueadores dos Canais de Cálcio,
Nitratos.
Summary
Achalasia is characterized by esophageal body aperistalsis
and incomplete or absent relaxation of the lower esopha-
geal sphincter. According to its ethiology, it is classifi ed in
chagasic or idiopathic. The treatment options are pharma-
cological, endoscopical or surgery. Pharmacological treat-
ment has low effectiveness, because clinical results are
not permanent and can cause pronounced side effects,
such as headache and hypotension. The drugs of choice
are calcium channel blockers and nitrates. The authors
report a case of a patient diagnosed with idiopathic acha-
lasia whose pharmacological treatment has been effective
for fi ve years long. Such choice was made considering the
chronic aspects of the disease, patient’s advanced age and
comorbidities presented.
Keywords: Esophageal Achalasia, Calcium Channel Blockers,
Nitrates.
Introdução
A acalásia é um dos diagnósticos diferenciais nos
pacientes com disfagia. Caracteriza-se pela aperis-
talse do corpo esofágico e pelo relaxamento incom-
pleto ou ausente do esfíncter esofagiano inferior
(EEI), secundário à lesão dos plexos mioentérico e
submucoso.1 De acordo com a etiologia, é classifi-
cada como chagásica ou idiopática.1,2
O tratamento pode ser realizado através de medi-
camentos (nitratos e bloqueadores dos canais de
cálcio), endoscopia terapêutica (dilatação ou injeção
de toxina botulínica) ou cirurgia (miotomia, plastia ou
ressecção da cárdia).3,4
1. Especialista em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia, Professor do Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). 2. Enfermeira da Estratégia Saúde da Família em Água Doce – Santa Catarina. 3. Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). 4. Endereço para correspondência: Denis Conci Braga - Rua Frei Silvano, 15 – apto. 06 – Centro - Água Doce – Santa Catarina – SC - CEP: 89654-000 - e-mail: dcbraga@dr.com Recebido em: 12/12/2012. Aprovado em: 18/12/2012.
Idiopathic achalasia with long term response to medical treatment:
case report
146
31
(4):
14
6-1
49
GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149
0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 300124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 30 24.01.13 12:07:4124.01.13 12:07:41
31
D. C. BRAGA, S. M. BORTOLINI, A. E. C. OLIVEIRA, A. G. MELO, M. E. R. U. CARVALHO
De um modo geral, a literatura descreve a terapia medica-
mentosa como não sendo tão efetiva no alívio da disfagia,
com resultados temporários e consequentemente rever-
síveis. Desta forma, os sintomas geralmente não são
controlados com o uso isolado de medicamentos. Ainda,
a limitação causada pelos efeitos colaterais como cefaleia
e hipotensão contribui para a escolha de outro método
terapêutico.5,6
O presente relato descreve um caso de paciente com
acalásia do tipo idiopática, cuja terapia medicamentosa
tem sido efetiva ao longo de cinco anos do diagnóstico
da doença.
Relato de Caso
Paciente do sexo feminino, natural e proveniente de Água
Doce, Santa Catarina, procurou atendimento no ano de
2007, quando tinha 67 anos. Queixava-se de dificuldade
para engolir há mais de 10 anos, bem como episódios de
vômitos com restos alimentares intensificados ao longo
dos anos, o que lhe causava desconforto e desconten-
tamento.
Ao exame físico, a paciente tinha 1,62 m, pesava 35 kg
e índice de massa corporal (IMC) de 13,30 kg/m2. Ainda
era visível, em região cervical anterior, um aumento do
volume compatível com aspecto de bócio (Figura 1)
que, de acordo com a paciente, aumentava ou dimi-
nuía conforme a quantidade de alimentos ingeridos. O
restante do exame não evidenciou alterações. Apresen-
tava como comorbidades apenas Hipertensão Arterial
Sistêmica (HAS), a qual estava compensada medica-
mentosamente.
Foi solicitada endoscopia digestiva alta que evidenciou
dilatação da luz esofágica e presença de restos alimen-
tares pastosos aderidos à mucosa. Observava-se também
uma discreta dificuldade na passagem do endoscópico
pela cárdia, que se encontrava fechada.
A radiografia contrastada do esôfago (Figura 2 – esquerda)
apresentava o órgão de calibre aumentado, com tortuo-
sidades e retenção do contraste no terço distal, sendo
compatível com megaesôfago grau III. Realizada soro-
logia para doença de Chagas que foi negativa. Foi insti-
tuída terapia com dinitrato de isossorbida, na dose de
5 mg cerca de 20 minutos antes das refeições principais,
por via oral, bem como medidas higienodietéticas.
O acompanhamento periódico demonstrou eficácia da
terapêutica, de modo que ao longo de 2 anos a paciente
havia aumentado seu peso para 50 kg. No entanto, no
início de 2012, houve uma piora clínica, manifestada por
regurgitação alimentar e dor torácica retroesternal. Tal
manifestação foi acompanhada de descompensação da
HAS. Solicitado nova radiografia contrastada (figura 2 –
direita), a qual manteve o diagnóstico de megaesôfago
grau III.
A manometria esofágica evidenciou aperistalse do corpo
esofágico em todos os complexos de deglutição estudados
e aumento da pressão do EEI (50 mmHg). Excluídas altera-
ções cardíacas e pulmonares pela queixa de dor torácica,
foi aumentada a dose da isossorbida para 10 mg e iniciado
o bloqueador do canal de cálcio verapamil, para controle
da pressão arterial, na dose de 160 mg/dia, divididas em
três tomadas.
A resposta foi satisfatória, tendo a paciente retornado à
consulta sem novas manifestações das queixas prévias.
Discussão
As medidas higienodietéticas fazem parte do tratamento
da acalásia e devem coexistir com todas as modalidades
terapêuticas possíveis, pois a ausência de peristal-
tismo, de um modo geral, permanece mesmo após qual-
quer procedimento.1,2 O paciente deve ser orientado a
147
31
(4):
14
6-1
49
GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149
Figura 1. Aspecto de bócio na região cervical da paciente
0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 310124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 31 24.01.13 12:07:4124.01.13 12:07:41
32
mastigar bem os alimentos, alimentar-se calmamente e,
se necessário, auxiliar a descida do alimento com goles
de água.
Deve-se também evitar alimentos e bebidas muito frios,
sob o risco de agravar a disfagia. Ainda é recomendado
não ingerir alimentos ou até mesmo medicamentos à
noite, pois poderão ficar retidos no esôfago.2
Dentre as modalidades terapêuticas para o tratamento
da acalásia, a abordagem farmacológica é a que possui
menor destaque. Tal fato se deve à descrição dos resul-
tados ser transitória, com baixa resposta clínica e ocor-
rência de efeitos colaterais.7
Os medicamentos de escolha para alívio dos sintomas
são: bloqueadores dos canais de cálcio de ação rápida
e nitratos. A primeira classe, ao inibir a entrada de cálcio
para dentro da célula, diminui a pressão do EEI, conse-
quentemente aliviando a disfagia.
O mecanismo dos nitratos é descrito por um aumento na
produção de óxido nítrico, um neurotransmissor inibitório
da contração esofágica.3,5
As drogas mais comumente prescritas são a nifedipina,
nas doses de 5 a 10 mg, ou o dinitrato de isossorbida
5 a 10 mg, ambas devendo ser administradas por via
sublingual ou oral, cerca de 15 a 40 minutos antes das
refeições.2,3,5
A nifedipina, na dose de 20 mg, reduz a pressão do EEI
em cerca de 30% a 40%.8 Em um estudo, a droga foi
responsável por induzir remissão e até mesmo normali-
zação da fisiologia esofágica em alguns pacientes.7
Infelizmente, os efeitos colaterais mais comuns, como
hipotensão, cefaleia e edema periférico ocorrem em
aproximadamente 30% dos pacientes e são responsáveis
pela limitação do uso clínico destes medicamentos.5,6
Estes medicamentos possuem resultados variáveis com
relação ao alívio dos sintomas apresentados, com uma
melhora clínica inicial que varia entre 50% e 90% dos
casos.7
Ainda o uso destas medicações tem diminuído a pressão
do EEI em cerca de 47% a 63% dos pacientes.9 No
entanto, o uso continuado a longo prazo está associado
à tolerância, que diminui severamente a resposta clínica
ao longo do tempo.6
O citrato de sildenafila já foi considerado para o trata-
mento da acalásia, no entanto, seus efeitos colaterais
significativos foram suficientes para que seu uso fosse
abandonado.6
O mecanismo de diminuição na pressão do EEI por esta
droga se deve à inibição da fosfodiestarase tipo 5, que
previne a destruição do óxido nítrico. Ainda, seu efeito rela-
xador provou ser inferior ao causado pela nifedipina.6
Acalásia Idiopática com Resposta Duradoura ao Tratamento Farmacológico: Relato De Caso
148
31
(4):
14
6-1
49
GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149
Figura 2. Radiografi a contrastada de esôfago no momento do diagnóstico (esquerda) e cinco anos após acompanhamento (direita).
Acalásia Idiopática com Resposta Duradoura aoTratamento Farmacológico: Relato de Caso
0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 320124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 32 24.01.13 12:07:4224.01.13 12:07:42
33
Conclusões
A opção terapêutica a ser oferecida ao paciente com
acalásia deve levar em conta fatores como: experiência
adquirida e disponibilidade com o método a ser utilizado,
resultados descritos na literatura, idade do paciente,
presença de comorbidades, estágio evolutivo da doença
e, sobretudo, a autonomia do paciente para optar ou não
pela realização de determinado procedimento.2
Atualmente, a terapia medicamentosa na acalásia deve
ser reservada para pacientes que não desejam ou são
incapazes de realizar procedimentos cirúrgicos ou endos-
cópicos; quando se aguarda um tratamento definitivo ou
ainda, nos casos em que há dor torácica refratária asso-
ciada à acalasia.3,5,10
No presente caso, tal modalidade foi instituída consi-
derando a cronicidade da doença, a idade avançada da
paciente, a presença de comorbidades como HAS, a
longa duração dos sintomas e a tolerabilidade e adap-
tação frente aos sintomas.
Assim, a resposta ao longo dos cinco anos de acompa-
nhamento foi satisfatória, não havendo piora clínica, o
que reforça a eficácia de condutas terapêuticas indivi-
dualizadas que só podem ser estabelecidas por meio de
uma relação médico-paciente sólida.
REFERÊNCIAS
Miszputen SJ. Guia de Gastroenterologia. 2a. ed. São 1. Paulo: Manole, 2006.
Domingues GRS. O esôfago. Rio de Janeiro: Rubio, 2. 2005.
Ahmed A. Achalasia: What is the best treatment? Ann 3. Afr Med 2008;7:141-8.
Campos GM, Vittinghoff E, Rabl C, et al. Endoscopic 4. and surgical treatments for achalasia: a systematic
review and meta-analysis. Ann Surg 2009; 249:
45-57.
Katada N, Sakuramoto S, Yamashita K, Shibata T, 5. Moriya H, Kikuchi S, Watanabe M. Recent Trends in
the Management of Achalasia. Ann Thorac Cardio-
vasc Surg. 2012;18(5):420-8.
Roberts KE, Duffy AJ, Bell RL. Controversies in the 6. treatment of gastroesophageal refl ux and achalasia.
World J Gastroenterol 2006; 12: 3155-61.
Moawad FJ, Wong RKh. Modern management of 7.
achalasia. Curr Opin Gastroenterol 2010; 26: 384-8.
Mattioli S, Pilotti V, Felice V, et al. Intraoperative study 8. on the relationship between the lower esophageal
sphincter pressure and the muscular components of
the gastro-esophageal junction in achalasic patients.
Ann Surg 1993; 218: 635-9.
Wang L, Li YM, Li L. Meta-analysis of randomized and 9. controlled treatment trials for achalasia. Dig Dis Sci
2009; 54: 2303-11.
Leeuwenburgh I, Scholten P, Alderliesten J, et al. 10. Long-term esophageal cancer risk in patients with
primary achalasia: a prospective study. Am J Gastro-
enterol 2010; 105: 2144-9.
D. C. BRAGA, S. M. BORTOLINI, A. E. C. OLIVEIRA, A. G. MELO, M. E. R. U. CARVALHO
149
31
(4):
14
6-1
49
GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):146-149
0124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 330124-Revista GED04 OUT-DEZEMBRO-5.indd 33 24.01.13 12:07:4424.01.13 12:07:44