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RELAÇÕES DE GÊNERO E DIREITOS HUMANOS: UMA ABORDAGEM SÓCIO-
HISTÓRICA
Andréia de Fátima Guimarães1
RESUMO: O presente artigo apresenta os resultados de estudos e pesquisa de natureza bibliográfica
realizados em um projeto de iniciação científica. O objetivo foi refletir e analisar a trajetória sócio-
histórica da construção dos direitos humanos, demarcada pelo contexto de organização política dos
povos e das sociedades, das contradições presentes nos modos de produção, das ideologias e das
expressões de preconceito e discriminações embutidas e presentes nas relações sociais. Observa-se que
os debates que circundam a construção e as buscas de efetivação dos direitos humanos são permeados
de embates e conflitos, por transformações e expressão de contradições. Os estudos realizados
mostram que o posicionamento das mulheres enquanto sujeitos políticos, caracteriza-se pelas buscas
da construção da igualdade nas relações de gênero, compreendida como a construção social com base
no sexo e que não se separa das lutas com conotação de classe e de raça/etnia. Foram realizados
estudos sobre a trajetória social dos direitos humanos, tendo por referência básica o texto de Trindade
(2002) e outros que favoreceram os entendimentos sobre as questões das mulheres e das relações de
gênero (ALMEIDA, 2005; NOBRE, 2003; SAFFIOTI 1999, 2003, 2004; SILVA, 2011). O processo
de apropriação teórica do debate sobre os direitos humanos, das lutas das mulheres e da construção
teórica de gênero, demonstrou que os conceitos, categorias e noções subsidiárias ao debate sobre o
machismo, o sexismo e o patriarcado, são os mesmos que explicam as desigualdades sociais (classes
sociais, raça/etnia e gerações) numa perspectiva de totalidade, da dinâmica que rege a vida em
sociedade.
PALAVRAS-CHAVE Direitos humanos, gênero, mulheres
INTRODUÇÃO: A proposta deste artigo é apresentar os resultados de estudos e pesquisa de
natureza bibliográfica realizados no Projeto de Iniciação Científica – PIBIC, com os objetivos
de analisar o percurso sócio-histórico dos direitos humanos, buscando verificar como se deu o
movimento que gerou condições históricas de uma abordagem sobre a desigualdade entre
homens e mulheres para a proposição de uma igualdade de gênero.
Destaca-se assim, que para dar conta desta proposta de pesquisa foram realizadas
leituras, estudos, fichamento dos textos e a análise de documentos selecionados. Na primeira
1 Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social da Unioeste/campus Toledo/Pr. deiahs2@hotmail.com, (45)
9856 3572. Texto decorrente do Projeto de Iniciação Científica (PIBIC): Serviço Social, gênero e diversidade
humana, orientação da Professora Dra. Rosana Mirales (Unioeste – Campus de Toledo/PR), com bolsa da
Fundação Araucária/PR. Como conclusão do projeto, foi apresentado texto no Encontro de Iniciação Científica
de 2013.
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fase do projeto, realizou-se a leitura do livro de Trindade (2002) e dos textos de Saffioti
(1999) e de Silva (2011), sendo realizados estudos, discussões, a formulação de fichamentos e
de uma resenha. Foram lidos e fichados também os textos de Almeida (2005) e de Saffioti
(2003), sendo que nesse texto, para além do fichamento, foi elaborada uma síntese
interpretativa, a partir do conceito de gênero exposto pela autora.
Desta forma, a partir das leituras e estudos realizados, partindo do pressuposto de que
os direitos humanos são universais, interrelacionados e indivisíveis, observa-se que a
trajetória sócio-histórica destes, expressa as correlações de força que tem fonte nas lutas entre
as classes sociais, que não se separa da luta por mudanças na sociedade, e pelo fim do
capitalismo, do racismo, do machismo. Ou seja, pela alteração das relações sociais, que são
exigentes de formas de consciência e posicionamentos dos sujeitos políticos diante da
exploração e da desigualdade. Essas lutas, levadas historicamente em torno da construção dos
direitos humanos, geraram condições para concretização de mudanças sociais, políticas,
econômicas e culturais, como aquelas iniciadas na Europa, mais especificamente na França e
na Inglaterra, continente que se configurou o movimento revolucionário do século XVII e
XVIII.
Um dos marcos de abrangência em torno dessas discussões foi a Revolução Francesa
deflagrada em 1789 e a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em
1791, a qual também desencadeou, em diferentes países, a mobilização, organização e a busca
por mudanças, que foram de significativa importância para a sociedade e a concepção de
mundo, de homem e dos direitos.
Esta Declaração de 1791 foi um mecanismo que se posicionou contra a sociedade
hierárquica de privilégios, mas não como um manifesto em favor de uma sociedade
democrática e igualitária, no sentido de que a igualdade foi mencionada somente no aspecto
civil, sem o propósito de sua extensão social, política ou econômica.
No século XX, modelos de governos extremos, ditatoriais, nazistas e fascistas
instauraram-se na Europa, suscitando uma grave crise dos direitos humanos, abalando
fortemente os princípios pelos quais as organizações populares lutavam – liberdade e
igualdade. Após o término da Primeira Guerra Mundial, foi tomada a iniciativa de um
consenso entre os países por meio do Tratado de Versalhes, formulado pela Liga das Nações e
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firmado entre Alemanha, os Aliados e Potências Associadas, com o intuito de manter a paz
mundial como proposta de evitar disputas pela conquista de mercado entre as grandes
potências econômicas e futuras guerras mundiais.
Este Tratado tinha como objetivo também assegurar os direitos humanos, porém não
vigorou, uma vez que, em seguida, a Segunda Guerra demonstrou ser um dos momentos
históricos de maior crueldade e desumanização, distanciando-se de qualquer possibilidade de
respeito aos direitos humanos.
Contraditoriamente, este mesmo contexto demonstrou e inseriu, como necessidade
histórica, a retomada da institucionalização desses direitos, quando foi criada a Organização
das Nações Unidas (ONU), dando movimento aos trabalhos e discussões sobre direitos
humanos, concretizando-se na formulação e proclamação pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948.
Salienta-se, porém que, desde as primeiras formas de organização política na luta por
direitos humanos, sobretudo no processo que deflagrou a Revolução Francesa, marco dos
debates sobre a temática, as mulheres se colocaram como força na busca por garantia dos
direitos humanos, civis e políticos. No entanto, não houve apoio da organização masculina e
nem política, e aquelas que lideravam as lutas e reivindicavam por igualdade entre homens e
mulheres, acabaram sendo guilhotinadas. Assim, evidenciou-se que em nenhum momento,
naquela circunstância histórica, houve inclinação de estender às mulheres, direitos iguais aos
dos homens.
Com ampliação do capitalismo, que em seus momentos de crise conta com o processo
de fragilização em torno dos direitos trabalhistas, materializam-se os mecanismos que
demonstram as disparidades entre homens e mulheres. O desenvolvimento das relações
sociais, embute os mecanismos que demonstram as desigualdades entre homens e mulheres, e
que se expressam nas condições desiguais na oferta e acesso à educação e nos postos de
trabalho, de independência econômica, de representação política. Fato a dominação e
discriminação exercida pelos homens sobre as mulheres nos níveis econômico, social e
político, incorpora-se ao controle sobre sua sexualidade e consequentemente sua capacidade
reprodutiva.
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Assim, historicamente, o que ocorre é que, no contexto das relações de gênero,
engendram-se às formas de dominação-exploração capitalistas, outras formas de opressão
como os homens sobre a mulher, dos brancos sobre os negros e indígenas, dos adultos sobre
as crianças e os idosos. As diferenciações devido ao sexo geraram condições para que
mulheres sofressem com a discriminação de variadas maneiras, dentre elas a violência,
caracterizando uma das formas mais claras da imposição e expressão da opressão e do medo,
ocorrendo com intensidade no âmbito privado, no qual o marido/companheiro utiliza-se da
força ou de ameaças para impor o que ele considera como controle. Ocorre um mecanismo de
naturalização cultural desse fenômeno que é histórico e se transpõe para a esfera pública.
Contudo, onde há dominação-exploração, desenvolve-se também a resistência. Assim,
através da organização e mobilização das mulheres, na luta por direitos e chamando a atenção
para as expressões de discriminação, exclusão e poder envoltas nas relações de gênero, com
destaque para os atos violentos sofridos pelas mulheres e da impunidade aos agressores,
mudanças significativas passam a ocorrer a partir do século XX, com lutas e conquistas
referentes aos seus direitos, de medidas para o enfrentamento das relações de violência, bem
como a responsabilização do Estado na adoção de políticas de combate e de prevenção à
violência contra as mulheres.
No decorrer da década de 1970 o movimento das mulheres ganhou maior visibilidade,
sendo que na situação brasileira isso se fez juntamente com a reorganização dos trabalhadores
e dos movimentos sociais, na luta pela democracia.
A partir deste momento, discussões e encontros de abrangência internacional e
nacional passaram a ser realizados, conquistando espaços de representatividade, refletindo em
uma agenda de preocupações cada vez mais ampla.
No entanto, mesmo após conquistas, a perspectiva de direitos, de cidadania das
mulheres e de igualdade de gênero engatinha lentamente, tendo um longo caminho a ser
percorrido, porém não é possível segui-lo sem lutas e mobilizações para que estes direitos
permaneçam em discussão e sejam garantidos a todos.
DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES DE GÊNERO
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O processo histórico e a necessidade apresentada na/pela sociedade para a discussão e
construção dos direitos humanos, bem como a proteção em torno dos direitos civis, políticos,
econômicos, culturais e sociais, foi demarcado por transformações na conjuntura política,
econômica, cultural e social.
Foi possível observar que as ideias de direitos humanos originaram-se no conceito
filosófico de direitos naturais, que tem base racional, na perspectiva do jusnaturalismo2,
ligados aos interesses da burguesia. Ou seja, a burguesia revolucionária, naquela
circunstância, buscava demonstrar ser a classe portadora legítima de interesses universais e
era impedida de defender a ampla liberdade econômica, devido as amarras feudais.
Segundo Trindade,
[...] Nos séculos XV e XVI, essa classe burguesa em sentido estrito já era muito
ativa e influente na maioria das cidades da Europa ocidental. [...] a sociedade feudal
não combinava com as possibilidades que os burgueses viam diante de si. Os laços
senhoriais e a ideologia que os legitimavam eram camisas-de-força para expansão do
mercado, crescimento do trabalho assalariado, florescimento da produção de
mercadorias [...] Essa nova classe social tinha, pois, boas razões para ver com
interesse as reivindicações dos camponeses, porque também sentia, a seu modo, as
amarras do feudalismo (TRINDADE, 2002, p. 25).
Assim, o conjunto de contradições internas ao modo de produção feudal foi elemento
central de transformação, tornando-se concreto o desenvolvimento e consolidação do modo de
produção capitalista.
Ao longo da história e como contradição do próprio desenvolvimento capitalista, a
classe trabalhadora encontra meios de colocar-se com consciência para si, demarcando o
desenvolvimento da “questão social”3. Cabe ressaltar que é o século XX que marca ao mesmo
2 Para Mello (2002), jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecida como “direito
natural”, ou seja, um sistema de normas de condutas intersubjetivas diverso do sistema constituído pelas normas
fixadas pelo Estado (direito positivo, sendo entendido como o conjunto de princípios e regras que regem a vida
social de determinado povo em determinada época, abrangendo as leis, os regulamentos e as demais disposições
normativas). Este direito natural tem validade em si, é anterior e superior do direito positivo e, em caso de
conflito é ele que deve prevalecer. 3 De acordo com Netto (2010), Iamamotto (2011), a “questão social” é o resultado do antagonismo de classe, da
contradição capital e trabalho, onde o processo de acumulação do capital rebate diretamente na configuração
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tempo, um dos maiores conflitos que demarcou a violação dos direitos humanos (a Segunda
Guerra) e o começo de um período extremamente significativo na história, marcado ao longo
dos anos por mudanças, revoluções, avanços em diferentes aspectos, e principalmente no que
diz respeito aos direitos humanos e a incorporação de formas de entendimentos e conceitos
que garantiram os direitos das mulheres.
O autor Trindade (2002) destaca que, com a criação da ONU em 1945, pela Carta de
São Francisco, ao término da Segunda Guerra Mundial, buscou-se retomar o caminho da
extinta Liga das Nações, consolidando em 1948 a proclamação e adoção pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, inaugurando o
direito internacional dos direitos humanos.
Esta Declaração objetivou-se como uma posição estratégica, não sendo possível
ignorar os pontos de vista da União Soviética, de seus aliados na Europa e do renascido
movimento dos trabalhadores, no sentido de aplacar a ofensiva capitalista.
De acordo com Almeida,
[...] A concepção oficial e formal de direitos humanos compreende o conjunto de
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e é pautada nos princípios
da universalidade, indivisibilidade e interdependência. São princípios constitutivos
da sua dimensão filosófica, que amalgamam o discurso legal, mas provocam
polêmicas no debate político (ALMEIDA, 2005, p. 16).
Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, demarcou e
reconheceu que o âmbito que compõe os direitos humanos são todas as dimensões
relacionadas à vida com dignidade, sendo uma unidade universal, indivisível, interdependente
e inter-relacionada (TRINDADE, 2002).
No Brasil, com a efervescência dos movimentos sociais nas décadas de 1960-19704, há
a retomada do movimento feminista e os debates em torno das situações vivenciadas pelas
social e expressões da desigualdade vivenciadas pelo conjunto da classe trabalhadora, oprimidas pela disputa de
interesses, gerando impactos na conjuntura, isto é, na realidade histórica. 4 De acordo com Raichelis (1988), o Estado no pós-[19]64 no Brasil, submetido ao capital monopolista, revela
seu novo caráter: perdendo a ambiguidade que o caracteriza como populista, passa a operar como uma empresa
capitalista com objetivos de lucro, agenciando o capital e drenando o excedente econômico para os fins da
acumulação. Esse processo leva a um aprofundamento da crise em todos os níveis da sociedade: nas relações de
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mulheres e a luta por igualdade de direitos, pautados na DUDH, a qual estabeleceu que todos
têm capacidade de usufruir os direitos e liberdades fundamentais, independente de raça/etnia,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra condição, aumentando também
as pressões a iniciativas de discussões sobre as temáticas referentes às mulheres e a
responsabilização do Estado para a adoção de políticas.
Neste sentido, foi possível a incorporação das mulheres e de gênero nas discussões e
encontros ocorridos em âmbito internacional. Ocorreu, também, a incorporação de novos
conceitos e formas de entendimentos sobre os direitos das mulheres nos documentos
relacionados aos direitos humanos.
Ressalta-se que principalmente nas últimas três décadas, discussões e encontros de
abrangência internacional e nacional passaram a ser realizados, conquistando espaços de
representatividade, refletindo “[...] em uma agenda de preocupações cada vez mais ampla. As
mulheres participaram de forma organizada de todas as conferências promovidas pela
Organização das Nações Unidas (ONU) nos últimos anos [...]”. (NOBRE, 2003, p. 39).
Destacam-se nesse contexto: as Conferências realizadas pela ONU (principalmente as
de 1979 e 1995) e pela Organização dos Estados Americanos – OEA (1994), as quais
abordaram questões como: discriminação, desigualdade e violência enfrentadas pelas
mulheres; bem como a criação de mecanismos de controle e fiscalização para efetivar os
direitos das mulheres, como, por exemplo, o CEDAW - Comitê para a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher, que foi criado na ONU em 1979 (ONU, 1979).
Foi importante também, para entender o processo de lutas travadas pelo movimento
das mulheres enquanto sujeito político pela garantia e efetivação de direitos e as condições
que viabilizaram a realização das Conferências pelos organismos internacionais, o
desenvolvimento do conceito de gênero, a qual possibilitou a compreensão sobre o contexto
trabalho, nas esferas de consumo e da reprodução, nas relações de classe e nas suas expressões econômicas e
políticas. A reorganização do movimento popular após o intenso refluxo ocorrido basicamente no período do
milagre econômico (1969-1973) quando se intensifica os mecanismos de repressão e de enquadramento das
relações de classe às necessidades da reprodução do capital exigidas pela grande indústria multinacional. As
classes sociais reaparecem no cenário político, assumindo novos papéis, rearticuladas em movimentos sociais.
As classes populares iniciam seu processo de reorganização criando novas formas de manifestação, que muitas
vezes não se expressam às formas tradicionais de lutas e processos utilizados no passado. Começam a surgir
pequenas ações que levam a população a romper seu isolamento e se organizar em manifestações coletivas.
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histórico das relações sociais e das condições socioculturais, que ocasionaram a desigualdade
de gênero, perpassadas por ideologias, preconceitos, discriminação e opressão.
Segundo Saffioti (2003) gênero é a construção social que se faz em torno do sexo e
não expressa ou normatiza somente as relações sociais entre homens e mulheres, mas também
como o ser se coloca como sujeito, por meio de sua subjetividade, da identidade, na expressão
de si mesmo - de ser homem, mulher, gay, lésbica, bissexual, travesti, defender um ou outro
grupo, etc.
A autora, ao analisar o processo permanente da construção social de gênero, considera
gênero como uma categoria ontológica e histórica, e nesse sentido, concordando com Scott, e
considera ser um conceito relacional. Observa-se que historicamente, desenvolveram-se
na/pela sociedade concepções, ideais e padrões de comportamentos específicos para homens e
mulheres, principalmente ao se considerar a divisão técnica e sexual do trabalho, bem como
relações de poder e hierarquia dos homens sobre as mulheres. Determinou-se ao homem a
proteção e o provimento de condições materiais de sobrevivência para a família e à mulher a
responsabilidade de cuidar da casa, do marido e da educação dos filhos, com se essas
atividades e serviços, fossem extensão de sua condição física.
Saffioti (2003), utilizando-se da terminologia empregada por Lauretis (1987) –
“tecnologia de gênero”, refere-se à atribuição destas concepções como mecanismos
ideológicos, discursos hegemônicos, ou seja, práticas sociais e culturais, sendo desenvolvidas
e propagadas através do cinema, programas televisivos, de posturas epistemológicas, críticas,
etc.
A esta forma ideológica de organização da sociedade, estabeleceu-se, como um caso
específico de relação de gênero, o patriarcado, onde “as relações são hierarquizadas entre
seres socialmente desiguais” (SAFFIOTI, 2004, p. 119), elevando os homens às condições de
seres superiores, donos das mulheres, dos filhos, da produção, dos saberes e dos poderes, nos
espaços públicos e domésticos, recusando qualquer direito e potencialidade de igualdade.
Este sistema é carregado de heranças culturais, no qual os valores e a moral,
construídos social e historicamente pelos indivíduos sociais, “com determinações impostas
pelos antagonismos de classe e por densas e hierarquizadas relações de poder” (SILVA, 2011,
p, 52) incluindo as desigualdades advindas da condição de pertencimento de gênero, classe
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social, raça/etnia, contribuem para a manutenção da subalternidade das mulheres em relação
aos homens, expressando-se em relações de dominação e exploração. Porém, “o valor central
da cultura gerada pela dominação-exploração patriarcal é o controle, valor que perpassa todas
as áreas da convivência social” (SAFFIOTI, 2004, p, 122).
Desta forma, nas relações de gênero, instituídas em nossa sociedade, constituíram-se
valores dominantes, colocando a mulher em situação de subordinação, sendo as diferenças
biológicas transformadas em desigualdade. As desigualdades de gênero se expressam das
mais variadas formas, seja no campo econômico, com discriminação de cargos de trabalho, de
remuneração e sobrecarga de funções; no campo político com pouca participação e
representação em cargos políticos ou no âmbito dos direitos.
Ressalta-se assim, que construir possibilidade de realização dos direitos humanos
significa dar passos efetivos ao acirramento das condições históricas que poderão ampliar as
perspectivas de igualdade de gênero, sem perder de vista que interior a esse debate há
diferentes visões de mundo que expressam concepções variadas sobre o ser social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A partir do proposto pode-se analisar que os direitos humanos
não se remetem somente a ideia da formulação de documentos, declarações e instrumentos
jurídicos para sua defesa, mas também ao processo e as condições históricas e objetivas que
perpassaram sua construção.
Observa-se que as lutas e revoluções deflagradas nas buscas de igualdade e a garantia
dos direitos humanos, que pressupõem os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais, bem como o jogo de poder, de interesses, visões de mundo como as socialistas e as
capitalistas, rebatem principalmente na resistência em discutir e garantir a efetivação destes
direitos.
A luta por garantia de direitos e igualdade de gênero tiveram expressões nas medidas
dos órgãos internacionais, como a realização de Conferências e a formulação de documentos
os quais abordaram as condições cotidianas e sociais vivenciadas pelas mulheres. Estes
eventos e documentos deles resultantes (Declarações, Plataformas, Cartas), serviram de base
para o fortalecimento da mobilização e organização política nacional, com propósito da
construção e a implementação de políticas, mudanças na ótica penal, jurídica e administrativa
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e possibilitaram condições objetivas para a realização de Conferências em âmbito nacional e a
formulação de Planos e políticas específicas, o que somente se efetivou a partir dos anos
2000.
No entanto, nota-se que, mesmo após importantes conquistas referentes aos direitos
humanos e às situações de violência vivenciadas pelas mulheres, como a realização das
Conferências, a incorporação da violência de gênero na pauta das organizações internacionais
e dos países disporem de instrumentos jurídicos para a garantia dos direitos humanos e das
mulheres, ainda há um abismo para sua real efetivação. Mais do que o direito formal, é
necessário e decisivo a dinâmica das relações sociais que os envolvem para lhes imprimir
eficácia.
Não serão apenas os aparatos legais, formais que terão condições para assegurar e
promover plena igualdade entre homens e mulheres, mas são necessárias mudanças materiais
que movam as perspectivas ideológicas e culturais, voltadas a forma de se pensar as relações
de gênero, pois estas relações são construídas e modificam-se na sociedade, por meio das
relações sociais.
É necessário romper com os limites postos pelas relações capitalistas, ressaltando-se o
compromisso do Estado em prover e assegurar que os direitos humanos não sejam violados,
observando as particularidades e transformações políticas, econômicas, culturais e sociais,
buscando a real efetivação dos mecanismos que primam pela igualdade, tendo em vista um
projeto societário emancipatório, apontando para a construção de uma sociedade sem
desigualdades de classe, gênero e raça/etnia.
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