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RELAÇÃO LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL
“Ninguém educa ninguém.
Ninguém educa a si mesmo.
As pessoas se educam entre si,
Mediatizadas pelo mundo.”
(Paulo Freire)
Silvana Lisbôa Meireles1
RESUMO
Ao longo de sua vida, o humano possui grande necessidade de adquirir uma boa
bagagem de leitura para, além de obter conhecimento, desenvolver um potencial
crítico para questionar, duvidar, saber mais e expor opiniões sem medo e, acima de
tudo, poder interpretar o mundo. Acreditamos, que a escola tem grande parcela de
responsabilidade para com o incentivo à leitura, pois ao promover este hábito
enriquece o conhecimento humano, tornando possível a argumentação para
defender-se nas mais diversas situações impostas pela vida e pelo mercado de
trabalho. Com base nisso esse artigo tem a pretensão de expor algumas reflexões
propostas nas pesquisas de alguns estudiosos na compreensão da relação entre a
leitura e a produção escrita já que este tipo de trabalho teria como objetivo, entre
outros, possibilitar ao universo acadêmico e social conhecimento mais aprofundado
sobre a relação entre a leitura e produção escrita e, também, conscientizar os
professores, alunos e ao público em geral da importância que a leitura exerce na
vida de todo ser humano.
Palavras-chave: Educação. Ensino fundamental. Leitura e escrita. Pesquisa.
1 Pedagoga formada pela UNEB-Universidade do Estado da Bahia
E-mail: ajoyie.silvana@gmail.com
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Tanto na área da Educação como em outros setores de atividade humana, a
comunicação escrita é a forma pela qual o humano utiliza para se relacionar com
seu meio e com o mundo. Considera-se que escrever bem é uma necessidade para
profissionais nas mais diversas áreas, mesmo não sendo necessário escolher
palavras sofisticadas ou estrutura gramatical complexa, mas é claro que a utilização
correta das normas da Língua Portuguesa também é desejável para que o texto
tenha maior aceitação pelo leitor, de forma suficiente, também, para que a
mensagem do teto seja clara e objetiva.
Na construção de um mundo imaginário e individual, a criação de novas
idéias é permitido pela leitura, mas esta precisa ser natural, espontânea, tranqüila
para que possa aos poucos ganhar espaço na vida das pessoas e torna-las um
hábito.
O interesse pela leitura, torná-la como hábito, deveria ser maior na
sociedade que vivemos e que idealizamos, seria um meio de falar e
escrever corretamente, agregando um maior vocabulário. Mas a
leitura não deve ser conhecida como obrigação, necessidade que
os outros impõem, não ver como um dever e sim como
conhecimento que ninguém tira da gente. (ABRAMOVICH. 1997,
p.138),
O hábito pelo interesse de ler deve garantir a compreensão do texto, para que
o leitor possa ir construindo uma idéia sobre seu conteúdo e extrair dele o que lhe
interessa naquele momento; assim, quando mais adiante o leitor se deparar com o
mesmo assunto, ele irá relacionar as informações novas com o conhecimento
anteriormente adquirido.
Segundo Souza atualmente se admite que a leitura é um processo de
interação entre o texto e o leitor, é um processo ativo que não se esgota meramente
no sentido literal. Nesse aspecto, a leitura passa a ser entendida como um ato social
entre leitor e autor que participam de um processo interativo. (1995, p.61), É através
da leitura que torna-se necessário entender o que o autor escreveu, a mensagem
que ele quer repassar, mas para isso é imprescindível conhecer o significado das
palavras, sozinhas ou dentro do contexto, e todo esse processo se torna mais fácil e
prazeroso, quando se tem um prévio conhecimento do assunto lido.
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Ler e escrever, sob a ótica das pequenas crianças que se inserem no
universo escolar, é um desafio que se apresenta, por vezes, divertido; por outras,
preocupante. Entretanto, todas elas trazem consigo, seja por desejo pessoal ou pelo
discurso circulante, a veleidade de ingressar no universo da palavra escrita.
Num contexto histórico, se no início da década de 80 os estudos acerca da
psicogênese da língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a
alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo
processo de elaboração de hipóteses sobre a representação linguística, os anos que
se seguiram, no entanto, com a emergência dos estudos sobre o letramentoi, foram
igualmente férteis na compreensão da dimensão sociocultural da língua escrita e de
seu aprendizado. Ambos os movimentos nas suas vertentes teórico-conceituais
romperam, definitivamente, com a dissociação dicotômica entre o sujeito que
aprende e o professor que ensina e, também, com o reducionismo que delimitava a
sala de aula como o único espaço de aprendizagem.
O indivíduo que está inserido em práticas de letramento é parte integrante da
sociedade, compreendendo e vivenciando as práticas de linguagem que estão a sua
volta. A inserção no universo da cultura escrita é feita em movimentos dialógicos que
levam o sujeito de uma esfera a outra, pois, como afirma Bakhtin (2003, p. 261):
“Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso
sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana [...]”
Interessante é que, questionada formalmente sobre a “novidade conceitual”
da palavra “letramento”, Emilia Ferreiro explicitou assim a sua rejeição ao uso do
termo:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a
expressão letramento. E o que aconteceu com a
alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento
passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto,
o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego
a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que
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se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso
é dar razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)
Entretanto, o letramento é visto por muitos pesquisadores como um salto
excepcional no desenvolvimento psicossocial do indivíduo, como o passaporte para
a ascensão social do indivíduo ou de um grupo social. O letramento (a escrita e seus
reflexos) para Vygotsky (apud TFOUNI, 1995, p. 21), “favorece os processos
mentais superiores, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de
problemas etc”. Scribner e Cole (apud TFOUNI, 1995, p. 26) também partilham
desse pensamento, ao defenderem que a “linguagem escrita promove conceitos
abstratos, raciocínio analítico, novos modos de categorização, uma abordagem
lógica à linguagem”. De acordo com esse raciocínio, poder-se-ia dizer que os
indivíduos ou grupos sociais desprovidos do uso ou da influência da escrita
estariam fadados ao atraso não só científico e tecnológico como também a um
lastimável atraso mental e de cuja cultura, certamente primitiva, pouco, ou nada,
poder-se-ia aproveitar no mundo letrado.
Os princípios antes propagados por Vygotsky e Piaget reforçando a ideia de
que a aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a
cultura em que vive, o que vale dizer que, ao lado dos processos cognitivos de
elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto
que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá
sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas
de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o humano e o saberes próprios de
sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem
(não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados
pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade
assumida).
De acordo com Koch e Travaglia (1997, p.61): “O conhecimento de mundo é
visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura
arquivado na memória”. No entanto, para termos conhecimento de mundo é preciso
leitura, e quanto maior a variedade, a quantidade e principalmente a qualidade, a
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qual se lê, mais ampla será nossa sabedoria. O ato de ler deve ser contido ao longo
de nossa existência, para que nossas informações sobre os assuntos sejam
atualizadas constantemente, mas esse hábito deve ser feito com satisfação, assim
como afirma Tezza (2001, p.17): “Caso pretenda desenvolver a capacidade de
formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais, o ser humano precisará
continuar a ler por iniciativa própria. Como ler se faz de maneira proficiente ou não e
o que ler não dependerá, inteiramente, da vontade do leitor, mas o porque da leitura
deve ser a satisfação de interesses pessoais.”
Sabe-se da grande importância que a leitura exerce no cotidiano do humano e
consequentemente a escrita. Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de
leitura e escrita e respondam aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se
criticamente na sociedade, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma
questão estritamente pedagógica para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo
que representa o investimento na formação humana. Nas palavras de Emilia
Ferreiro, a escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o
contrário. (2001)
Vale ressaltar aqui que, do mesmo modo como transformaram as concepções
de língua escrita, redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a
reflexão sobre o significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento
obrigam-nos a reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do
índice nacional de 16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar
um contingente de indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são
incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas informações.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP)
indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino
Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico” e “muito crítico”. Isso quer dizer
que mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por
mais de 3 anos, não há garantia de acesso autônomo às praticas sociais de leitura e
escrita Que escola é essa que não ensina a escrever? (Colello, 2003, Colello e Silva,
2003).
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No entanto, independente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece
confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma
pesquisa realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens
e adultos (de 15 a 64 anos de idade)[iii]: entre os 2000 entrevistados, 1475 eram
analfabetos ou tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525
puderam ser considerados efetivos usuários da língua escrita. Indiscutivelmente,
uma triste realidade!
Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento
reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização - que não
necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a
história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de
excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo
agravado pelo quadro nacional de baixo letramento. A questão da aprendizagem da
leitura é a discussão dos meios através dos quais o indivíduo pode construir seu
próprio conhecimento, pois, sabendo ler, ele se torna capaz de atuar sobre o acervo
de conhecimento acumulado pela humanidade através da escrita, e desse modo,
produzir, ele também, um conhecimento. (BARBOSA, 1994, p.28)
Segundo Colello (2003), mesmo correndo o risco de inadequação
terminológica, ganhamos a possibilidade de repensar o trânsito do homem na
diversidade dos “mundos letrados”, cada um deles marcado pela especificidade de
um universo. Desta forma, é possível confrontar diferentes realidades, como por
exemplo o “letramento social” com o “letramento escolar”; analisar particularidades
culturais, ou ainda compreender as exigências de aprendizagem em uma área
específica, como é o caso do “letramento científico”, “letramento musical” o
“letramento da informática ou dos internautas”. Em cada um desses universos, é
possível delinear práticas (comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e
concepções assumidas que dão sentido a essas manifestações) e eventos
(situações compartilhadas de usos da escrita) como focos interdependentes de uma
mesma realidade (Soares, 2003). A aproximação com as especificidades permite
não só identificar a realidade de um grupo ou campo em particular (suas
necessidades, características, dificuldades, modos de valoração da escrita), como
também ajustar medidas de intervenção pedagógica, avaliando suas conseqüências.
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No caso de programas de alfabetização, a relevância de tais pesquisas é assim
defendida por Kleiman:
Se por meio das grandes pesquisas quantitativas, podemos
conhecer onde e quando intervir em nível global, os estudos
acadêmicos qualitativos, geralmente de tipo etnográfico, permitem
conhecer as perspectivas específicas dos usuários e os contextos
de uso e apropriação da escrita, permitindo, portanto, avaliar o
impacto das intervenções e até, de forma semelhante à das macro
análises, procurar tendências gerais capazes de subsidiar as
políticas de implementação de programas. (2001, p. 269)
Considerando que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e
acreditando-se que a enunciação é o resultado da interação entre locutor e
interlocutor, pode-se, então, perceber o espaço escolar como o de negociação de
sentidos. Dessa forma, pensamos no processo de alfabetização/letramento
apontando para a inserção no mundo do texto e não das unidades menores como
fonemas, grafemas, sílabas e palavras. Compreender o sistema escrito, nessa
perspectiva, não é apenas reconhecer o sinal sonoro ou escrito, preocupando se
com as relações fono-grafêmicas e grafo-fonêmicas. A linguagem está em
movimento e este deve se fazer sentir no processo de inserção na escola e nos
momentos dedicados à aprendizagem da leitura e da escrita.
Em relação à língua, de acordo com Santosii, os lingüistas e estudiosos
acerca do ensino-aprendizagem do português como língua materna - tais como
Geraldi (1996, 1984), Faraco (1984), Possenti (1996), Terzi (1995), Suassuna
(1995), Luft (1985), Lemle (1995), Marcuschi (1997) - vêm apontando, em suas
pesquisas e reflexões, algumas contradições e equívocos desse processo. Apesar
de todos os esforços de pedagogos e técnicos da área de língua, ainda não se
chegou a um consenso e a uma prática eficaz no ensino-aprendizagem da língua
materna. Em sua pesquisa, Santos faz a arrolagem de alguns dos pontos de conflito,
segundo autores, no ensino-aprendizagem do português nas escolas brasileiras, a
fim de tentar situar o panorama do problema em questão, levantamento e
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abordagem que, segundo ela, evidentemente aqui não se esgota e que só
ressaltaremos dois:
1. A dicotomia oralidade X escrita. Ao mesmo tempo em que se
peca por se pretender ser a escrita um registro regular, natural
e inequívoco da fala, peca-se por se priorizar a primeira em
detrimento da segunda. Escrita e oralidade têm suas
peculiaridades que as tornam únicas em suas diferentes
modalidades. Por outro lado, fica difícil isolar a primeira num
trabalho dissociado da prática primeva da língua, isto é, da
fala, da oralidade. Assim, para que se promova um ensino
eficaz da língua materna, faz-se necessário demolir a barreira
que separa essas duas práticas indissociáveis da língua nas
sociedades letradas. Marcuschi (2001) reforça que se parta
sempre da oralidade para a escrita, trabalhando as diferenças e
semelhanças entre as duas modalidades, visto que o fim maior
do ensino de português “é o pleno domínio e uso de ambas as
modalidades nos seus diferentes níveis”.
2. O ensino de leitura X ensino de gramática. Possenti, Geraldi,
Luft e Marcuschi alertam sobre o equívoco que se tem mantido
quanto ao que é mais importante: ensinar gramática ou ensinar
a ler/escrever? Luft (1985), ao analisar a polissemia no uso do
termo gramática, lembra que fazer uso de uma língua, ou de
uma modalidade, ou de um nível de língua exige o
conhecimento essencial de sua respectiva gramática. E sendo
a gramática (viva) o sustentáculo da língua e de suas
possibilidades, é estranho a escola não conseguir até hoje
levar o aluno a um olhar mais amistoso para com esse ensino.
Essas reflexões chamam a atenção para a pouca
contextualização do ensino de gramática. Se a gramática pode
ser definida como o conjunto de regras que sustenta a prática
de uma língua (com suas variedades), como ensinar a ler e a
escrever sem discutir a gramática e como ensinar gramática
sem ser dentro da prática real, funcional, da língua, quer
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falada, quer escrita? Parece ser este um dos pontos de conflito
entre ensino escolar e uso pragmático da escrita.
Se escrita é uma forma de comprovar o conhecimento, o que falamos,
também, fica registrado como o nosso saber. Percebemos então que, na relação
escrita e leitura, a produção de texto é conseqüência de leitura, pois o indivíduo que
possui conhecimento produzirá um texto escrito com maior facilidade e
argumentação do que aqueles que desconhecem o assunto sugerido, então isso
deve ser considerado pelos professores. Muitas vezes o aluno sabe a maneira de
produzir um texto dentro das regras gramaticais, mas não tem o conhecimento
necessário sobre o assunto para desenvolver o texto escrito e a conseqüência será
um texto mais pobre em vocabulário, dificultando as argumentações. Assim, deve
ficar claro, também, que a formação de sujeitos leitores e produtores de texto não é
responsabilidade exclusiva dos professores da língua materna.
No ato de escrever é que tudo se torna mais complicado, pois não falamos da
mesma forma a qual escrevemos, pois é preciso encontrar as palavras certas, uma
forma mais culta, boa argumentação e um vocabulário adequado para que os fatos
não sejam distorcidos e mal compreendidos pelo leitor. O uso de um bom
vocabulário é requisito para a elaboração de textos escritos, mas isso não significa
impressionar o leitor com palavras difíceis, o importante é conhecer e utilizar as
palavras necessárias para uma boa produção textual. Segundo Durigon, (1987,
p.13-4 apud Infante, 1991, p. 46): “Os problemas começam a surgir quando este
aluno tem necessidade de se expressar formalmente e se agravam no momento de
produzir um texto escrito”. Ou seja, a maior dificuldade que os alunos encontram são
quanto à escrita, os recursos específicos, as normas, regras de ortografia,
pontuação, o uso correto dos tempos verbais, porém não são apenas esses itens
que tornam um texto bem escrito.
Mas afinal, o que é um texto? O que ele precisa conter para ser bem avaliado
e compreendido? O que o torna tão difícil? A palavra texto provém do latim textum,
que significa tecido, entrelaçamento (...).O texto resulta de um trabalho de tecer, de
entrelaçar várias partes menores a fim de se obter um todo inter – relacionado.
(QUINTANA, 1998, p. 20, apud Infante, 1991, p. 49). Texto é juntar as idéias, dando
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sentido, entrelaçando uma frase à outra, para dar um significado geral ao texto, para
que ao ser lido possa ser compreendido pelo leitor.
Para Faraco e Tezza (1992, p.35-118), quem escreve bons textos, e não boas
frases! Esse é um ponto que não devemos jamais perder de vista, e talvez o que
oferece mais dificuldades, justamente porque a noção de texto está ausente das
gramáticas tradicionais e, na prática, ocupa um espaço muito pequeno no Ensino
Escolar da língua. O texto em si não é nada! Ele é de fato, uma ponte entre dois (ou
mais) interlocutores. A organização interna do texto só tem sentido com relação à
organização externa do enunciado, por assim dizer; como a língua viva só existe em
função de seus usuários, a qualidade de um texto escrito só pode ser medida com
relação à intenção de quem escreve, ao universo de quem lê e ao assunto de que se
fala .
No entendimento de Beaugrande e Dressler (1981, apud Koch e Travaglia,
1997, p. 32), Texto incoerente é aquele em que o receptor (leitor ou ouvinte) não
consegue descobrir qualquer continuidade de sentido, seja pela discrepância entre
os conhecimentos ativados, seja pela inadequação entre esses conhecimentos e o
seu universo cognitivo. Texto Coerente é o que “faz sentido” para seus leitores, o
que torna necessária a incorporação de elementos cognitivos e pragmáticos ao
estudo da coerência textual. Entende–se, então que a produção de um texto escrito
depende de vários fatores, mas no geral ele se desenvolve melhor a partir dos
conhecimentos prévios já possuídos através da leitura.
A natureza, a variedade e a dificuldade dos significados das
palavras têm, também, sido estudadas como um aspecto
específico da leitura. As pesquisas mostram que cada leitor usa, na
interpretação de um texto, os significados que atribuem
anteriormente às palavras. Segue–se, então, que a amplitude do
significado do vocabulário de um leitor depende da natureza e
qualidade de suas experiências prévias. (SILVA, 1991, p. 18)
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Alguns autores, entre eles Soares (1998; 2003) e Morais (2006), definem a
alfabetização como técnica de aprender a ler e escrever. Nesse sentido, Dionísio
(2007b, p.4) faz a seguinte afirmação: “se considerarmos a alfabetização como o
processo de dotar os indivíduos dos códigos relativos ao escrito, para os momentos
reservados de aprendizado do código escrito, podemos falar que alfabetização – é
aprender o código escrito.” Não há como, numa perspectiva social, dissociar
alfabetização de letramento, estabelecendo tempos para que cada aprendizagem
ocorra. Afinal, trata-se de sujeitos inseridos em uma cultura escrita. Por mais que se
deseje adiar a aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez inserido em contexto
de letramento, o sujeito já estará apreendendo sobre as funções sociais que ler e
escrever têm em uma sociedade grafocêntrica. Kleiman (1995, p. 20, grifos do
autor), avaliando o papel da escola no que concerne ao letramento, afirma que:
O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal
qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de
introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-se
afirmar que a escola [...] preocupa-se, não com o letramento, a
prática social, mas com apenas um tipo de letramento, a
alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético,
numérico), processo geralmente concebido em termos de uma
competência individual necessária para o sucesso e promoção da
escola.
Da mesma forma que a preocupação em alfabetizar para formar o leitor e o
escritor na criança, a amplitude desse argumento perpassa pelo adulto. Alguns
estudos vêm provando que as dificuldades na construção do conhecimento e na
aquisição do letramento em um adulto não alfabetizado são basicamente as
mesmas que numa criança. Entretanto, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é
uma das modalidades de ensino da educação básica que requer um olhar atento,
uma vez que a população atendida traz características bem peculiares, que
geralmente, demonstram um passado de exclusão e inacessibilidade aos ambientes
escolares. Além de promover o acesso ao mundo da escrita, faz-se necessário ir
além dos códigos, possibilitando a formação crítica e cidadã desse aluno que chega
às salas de EJA em busca de melhores condições de vida. Além de terem contato
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com as produções escritas, eles têm a chance de se reconhecerem enquanto
sujeitos capazes de fazerem as suas próprias escolhas e de cuidarem de si
mesmos, sendo capazes de resgatarem a experiência vivida e, ao mesmo tempo,
recriá-la. [iv]
Numa reflexão que não deve ser finita, considera-se o ato de ler como um ato
da sensibilidade e da inteligência, de compreensão e de comunhão com o mundo;
lendo, expandimos o estar no mundo, alcançamos esferas do conhecimento antes
não experimentadas e, no dizer de Aristóteles, nos comovemos e ampliamos a
condição humana. Esta sensação de plenitude, iluminante, ainda que dolorosa e
aguda tem sido a constante que o discurso artístico proporciona. Diante de um
quadro, de uma música, de um texto, o mundo inteiro, que não cabe no relance do
olhar, se condensa e aprofunda em nós um sentimento que abarca a totalidade,
como se, pela parte que tocamos, pudéssemos entrever o não-visto e adivinhar o
que, de fato, não experimentamos. Deste modo, dentro e fora da escola, crianças e
adultos, precisamos reaprender a ler e a reinventar a leitura. E o começo é perceber
que não lemos palavras, lemos seqüências onde as palavras se comunicam, se
negam, se contradizem e nos surpreendem.
Em comunhão com o ato de ler, a atividade de escrever necessita da prática
de leitura como a terra precisa de água e de adubo para frutificar. A escrita é,
portanto, um exercício de ir e vir, assim como na leitura e envolve habilidades e
domínios cognitivos, bem como ação mediadora de estímulos e de conhecimentos.
[...] aprender a escrever é, em grande parte, se não principalmente,
aprender a pensar, aprender a encontrar ideias e a concatená-las,
pois assim como não é possível dar o que não se tem, não se pode
transmitir o que a mente não criou ou não aprovisionou. Quando
os professores nos limitamos a dar aos alunos temas para redação
sem lhes sugerirmos roteiros ou rumos para fontes de ideias, sem,
por assim dizer, lhe “fertilizarmos” a mente, o resultado é quase
sempre desanimador: um aglomerado de frases desconexas, mal
redigidas, mal estruturadas, um acumulo de palavras que se
atropelam sem sentido e sem propósito; frases em que procuram
fundir ideias que não tinham ou que foram mal pensadas ou mal
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digeridas. Não podiam dar o que não tinham, mesmo que
dispusessem de palavras-palavras, quer dizer, palavras de
dicionário, e de noções razoáveis sobre a estrutura da frase. É que
as palavras não criam ideias, se existem, é que, forçosamente,
acabam corporificando-se naquelas. (GARCIA, 1992. p. 291)
Por ser uma prática que exige certos conhecimentos, a escrita não pode e
não deve jamais ser dissociada da prática da leitura, uma vez que é esta que dá os
subsídios necessários para incorporar vocabulários e experiências tão necessários a
escrita. É a leitura também que oferece ao leitor e produtor de textos, a criatividade
necessária para o desenrolar do pensamento e a criticidade para não cair no óbvio.
Para escrever é preciso conhecimento de língua e de situação, o que somente se
adquire através da leitura e, o ato de ler incorpora práticas e gestos, ao mesmo
tempo em que exige boa diversidade de textos, o que concerne em subsídios para
produzir bons escritos. Deste modo, não podemos pensar a escrita como uma ação
totalmente isolada, mas como algo inerente a leitura, que parte dela e para ela.
A responsabilidade da escola é muito grande e a do professor é ainda maior,
por atuar neste espaço como um mediador entre a leitura e o aluno, entre o aluno e
o processo de escrita, sobretudo, no que diz respeito à escrita. No entanto, é
importante compreendermos que apesar de ser uma responsabilidade da escola,
esta não é garantia de formar bons escritores, exatamente por contar com outros
aspectos próprios do ser humano e que não podem ser encontrados em receitas,
porém podem ser suscitados através do ato da leitura propriamente dito.
Enfim, com as pesquisas que corroboram um artigo como este, podemos
constatar não apenas que o fazer pedagógico vai além do ensino de conteúdos e
técnicas na sala de aula, mas também que não tivemos a pretensão de esgotar os
estudos sobre letramento, aprendizagem, leitura e produção textual; concluímos que
é possível não só ensinar a escrever textos, como também a expressar-se oralmente
em situações públicas e extra-escolares, quando se proporciona na escola múltiplas
ocasiões de escrita e de fala, sem que cada produção se transforme,
necessariamente, no objeto de ensino sistemático. Isso se torna uma realidade, ao
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criarmos um contexto de produção que permite aos alunos apropriarem-se das
noções, das técnicas e dos instrumentos, necessários ao desenvolvimento de
expressão oral e escrita, em situações quaisquer diversas de comunicação. Basta
apenas que o docente, ou a escola como um todo, aproprie-se de preocupações
outras que não limite o ensinar-aprender.
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NOTAS
[i] “Literacy” do inglês, traduzido por “letramento” no Brasil e por “literacia” em
Portugal é uma terminologia não dicionarizada que, nos meios acadêmicos, vem
sendo utilizada com diferentes sentidos.
[ii] Ítem 3 (ENSINO-APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA MATERNA) do
artigo de Janete S. Santos, LETRAMENTO, VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA E ENSINO DE
PORTUGUÊS, no qual discorre sobre: A dicotomia oralidade X escrita; O ensino de
leitura X ensino de gramática; O ensino da língua culta X ensino da variedade
linguística; Os textos didáticos X textos vivos.
[iii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida,
critérios de análise e resultados obtidos), ver em Ribeiro (2003).
[iv] Para mais dados, ver em PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
(PEJA): A IMPORTÂNCIA DA (RE) INSERÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NAS
PRÁTICAS LETRADAS POR MEIO DA ALFABETIZAÇÃO, disponível em:
http://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/307/301
[iv] Para mais dados, ver em PELO AVESSO: A Leitura e o Leitor, de Eliana Yunes.
Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/view/19078/12383
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REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7 ed. São Paulo: Hucitec,
1995.
BERNARDINO, Maria Cleide Rodrigues. NOGUEIRA, Carine Rodrigues. SILVA,
Edivânia Frutuoso da. Leitura e Articulação do Conhecimento: um olhar sobre o
ensino e a prática da escrita, In Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras
e Ciências Humanas – UNIGRANRIO
BEZERRA, Francisca Angela. ET alii. A ORALIDADE E A ESCRITA:
INSTRUMENTOS NA CONSTRUÇÃO DO SABER AO LONGO DA VIDA. Disponivel
em <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_aoralidade.pdf> Acesso em 20
de dezembro de 2010.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclo do ensino
Fundamental – Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
COLELLO, S. M. G. & SILVA, N. “Letramento: do processo de exclusão social aos
vícios da prática pedagógica” In VIDETUR, n. 21. Porto/Portugal: Mandruvá, 2003,
pp. 21 – 34 (ww.hottopos.com).
FARACO, C. A. As sete pragas do ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.).
O texto na sala de aula: Leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984.
17
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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