Post on 08-Nov-2018
TECNOLOGIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PROVOCAÇÕES
Rejany dos S. Dominick1
RESUMO:
O texto apresenta algumas descobertas realizadas pelo projeto de pesquisa As artes de
fazer a educação em ciclos e as tecnologias, que acontecem por meio de metodologia
interativa entre Universidade e Escola Básica. O mundo contemporâneo e as tecnologias
são abordados a partir de uma concepção crítica, conceituando-se “tecnologia” a partir
de Castells, Lévy, Dominick e Souza, Sennet, Barbieri e Fischer. Buscamos
desconstruir a imagem memória de que tecnologias são apenas aquelas ligadas à era
digital, trabalhando os conceitos de “Tecnologia educacional”, “Tecnologia digital”,
“Tecnologia Assistiva” e “Tecnologia Social”. Essenciais ao trabalho docente, as
concepções dominantes de tecnologia voltam-se muito mais para o mercado do que para
a formação humana. No projeto buscamos a estruturação de um espaço-tempo de
formação do professor dos ciclos iniciais do Ensino Fundamental que valorize as artes
de fazer docentes, os conhecimentos científico-tecnológicos, político participativos e
interativos.
Palavras-chave: tecnologias, formação docente,
INTRODUÇÃO
Segundo Castells (1999a), a partir das décadas de 1960 e 70 surgiu “um novo
mundo”, no qual sociedade, economia e cultura se interligaram por meio dos avanços
das tecnologias da informação e da comunicação, fazendo surgir uma sociedade em
rede, uma sociedade informacional. Esse novo mundo é caracterizado por uma
economia interdependente. As tecnologias da comunicação e da informação têm um
importante papel para o surgimento do que o autor denomina de capitalismo
informacional ou capitalismo cognitivo que se efetiva nos anos de 1980. Todo processo
de mudança tem em si o novo e o velho e com as tecnologias informacionais não têm
sido diferente. No mundo do século XXI elas assumem tanto o papel de reprodução da
sociedade de classes como um papel de mobilização social daqueles e daquelas que não
hegemonizam os processos econômicos e culturais no planeta.
É também Castell (1999b) quem afirma que as novas tecnologias, seus usos e
desenvolvimentos são hoje muito rápidos, levando a uma difusão amplificada, quase
1 Doutora em História, Filosofia e Educação (UNICAMP). Professora da FEUFF e do Mestrado
Profissional em Diversidade e Inclusão (Instituto de Biologia) UFF. Agradeço às Agências que
financiaram o projeto entre os anos de 2011-13: FAPERJ, CNPq (PIBIC e PIBInova), UFF (PIBIC,
Extensão, Licenciatura). As seguintes acadêmicas participaram mais ativamente na coleta de dados,
discussões e produções textuais, instigando a busca por conhecimentos: Carolina G. Martinez; Cinthia de
F. Silva; Daise dos S. Pereira; Daniele de O. Gonçalves; Iolanda da C. da Silva; Isabele Cristina F.
Ramos; Josiane A. da Costa; Nathalia A. Botelho; Neiva V. de Souza; Pâmela de A. Lima; Pâmela V.
Silva; Paola de A. Lima; Priscila M. de Oliveira; Ramaiana L. do Prado.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104505
que de forma infinita, à medida que os usuários delas se apropriam e as redefinem.
Hoje, todos sabemos que as novas tecnologias da informação não são simplesmente
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104506
ferramentas para serem usadas pelos docentes. O autor afirma que “usuários e criadores
podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários e criadores podem assumir o
controle da tecnologia como no caso da Internet...” (p.69)
Seguindo o caminho contrário dos “quebra-máquinas” dos primórdios do
capitalismo, vários movimentos instituintes têm acontecido tanto no sentido de ampliar
e democratizar o acesso às tecnologias da informação e da comunicação, como a rede de
computadores tem potencializado o diálogo entre sujeitos políticos de diferentes matizes
que buscam por direitos e promessas não concretizados. É preciso pensar
complexamente para entender que as tecnologias não estão separadas da nossa
existência e com elas interagem as macro e micro políticas, os projetos sociais, os
interesses econômicos e de poder.
Não podemos nos esquecer de que as denominadas TICs (tecnologias da
informação e da comunicação), tecnologias informacionais, novas tecnologias e outras
tantas denominações pelas quais estão sendo definidos alguns artefatos culturais
contemporâneos, tem história e é gerado pelo trabalho de muitos. Podemos nas escolas
nos conectar a um pensar mítico ou a um pensar crítico sobre elas. Minha opção está no
campo crítico dialógico e busco em meu trabalho docente articular as tecnologias a uma
apropriação humanizada e humanizadora. Conecto-me aos homens e mulheres que
identificam o atual estado de desenvolvimento tecnológico, nas diferentes áreas do
conhecimento, como uma produção humana que deve ser compartilhada por todos.
Assim, nos projetos de pesquisa que venho coordenando, desde 2011,
buscamos produzir, construir, divulgar e aprofundar conhecimentos, com os professores
em formação inicial e continuada, sobre as novas e velhas tecnologias presentes no
cotidiano dos anos iniciais das escolas organizadas pedagogicamente em ciclos2, no
município de Niterói. As bolsistas de pesquisa, licenciatura e extensão estruturam
“projetos nas escolas”, que nascem a partir do diálogo com proposta desta docente, com
os temas de suas monografias e com as demandas dos docentes das escolas.
O tema vem sendo estudado por diversos pesquisadores e, dialogando com
Lévy (1999), tenho explicitado em minhas produções que as tecnologias são produzidas
pelo homem desde que um pedaço de pau foi usado para caçar ou defender um
território. A escola, como parte da sociedade, também conta com a presença de novas e
2 “O termo “ciclos” vem sendo utilizado (...)para designar uma forma de organização da escolaridade que
pretende superar o modelo da escola graduada, organizada em séries anuais e que classifica os estudantes
durante todo processo de escolarização. (Mainardes, 2010, pág.: 49). A Portaria 878/09 de Niterói está
disponível em: http://www.educacaoniteroi.com.br/category/menu-principal/legislacao/.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104507
velhas tecnologias. Há muito tempo usamos tecnologias tais como o lápis, os cadernos,
mimeógrafo e os cartazes. Houve tempo em que se falava em tecnologias da educação e
nos ensinavam a elaborar flanelógrafos, quadro de pregas e outros artefatos.
MAS, AFINAL, O QUE É TECNOLOGIA?
Estudos recentes apontam que o domínio do fogo pelos homens foi uma
tecnologia essencial para o desenvolvimento do nosso cérebro, pois o organismo passou
a aproveitar melhor a proteína dos alimentos. Assim, pensar as tecnologias como algo
distinto dos humanos, afirmam Dominick e Souza (2011), “cria resistências às
interações com os novos artefatos que são produzidos” (p. 50), pois as tecnologias
formam uma rede de conhecimentos produzidos pelos homens, não se
tratando apenas da construção e do uso de artefatos ou equipamentos. No
processo tecnológico, revela-se o saber fazer e o saber usar o
conhecimento e os equipamentos nas diversas situações cotidianas.
Podemos afirmar que se trata de procedimento ou conjunto de
procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado e
que inclui sempre elementos de criatividade dos indivíduos ou dos
grupos que os geram ou usam. (p. 53)
São, portanto, meios criados pelo homem para que o homem potencialize ou
amplifique suas capacidades, podendo servir para a dominação ou para a emancipação.
Richard Sennet (2009), focando-se mais nas máquinas, discute a presença das
tecnologias no trabalho e na vida humana a partir do enfoque de duas imagens presentes
nos filmes de ficção científica: os robôs e os replicantes. As ferramentas-espelhos,
afirma o autor, são aquelas que “nos convidam a pensar sobre nós mesmos” e nos
instigam. Ele afirma:
Existe uma zona de ambiguidade entre o replicante e o robô, entre a
imitação e a ampliação. No filme Blade Runner, as cópias replicantes de
seres humanos ampliam os aspectos particularmente brutais e odiosos da
vida quotidiana. Em sentido inverso, o Frankenstein de Mary Shelley
conta a história de um gigante feito pelo homem que quer ser um
replicante, tratado como um simples humano. De uma maneira geral o
replicante nos mostra como somos, e o robô, como poderíamos ser. (p.
101)
Podemos deduzir que os robôs são aqueles artefatos que ampliam a capacidade
humana para a execução de uma tarefa. Por exemplo, os computadores são robôs e
armazenam inúmeras vezes mais dados do que a mente de um homem; um guindaste
pode ser um outro exemplo, pois é um braço mecânico que pega um peso que homem
algum é capaz de pegar. Os replicantes são artefatos que substituem uma habilidade
humana que o próprio homem não pode mais realizar: marca-passo cardíaco, aparelho
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104508
auditivo, máquina de hemodiálise ou perna mecânica. Robôs e replicantes são
tecnologias e, hoje convivendo com a tecnologia digital (nova tecnologia) essas
máquinas ganham lugar significativo entre nós, embora as tecnologias anteriores (velhas
tecnologias) ainda estejam presentes, e adentram o espaço escolar interferindo nas artes
de fazer dos docentes.
Barbieri (1990) também nos apoia na construção do conceito de tecnologia,
pois para ele esta pode ser entendida de diversas maneiras e se furta a definições
precisas. Suas raízes etimológicas apontam para o significado de tratado ou discurso
(Iogya) das artes (thecné). “... em sentido mais geral significam todo conjunto de regras
capazes de dirigir uma atividade humana qualquer” (p. 10). Essa imagem genérica pode
incluir as muitas atividades orientadas que envolvem também o uso de métodos.
Uma outra abordagem é apresentada por Fischer (2007; p. 292). A autora
expressa que tecnologia esteve presente nas diversas produções de objetos audiovisuais
de qualquer tipo, pois tal produção “exige instrumentos específicos, regras de criação,
objetivos definidos e um tipo determinado de saber”. A autora nos lembra que, com os
gregos clássicos, aprendemos que saber-fazer é algo que tem relação com a techné, seja
produzindo objetos “belos” ou aqueles que são utilitários. A palavra techné nos
remete ao gesto humano de criar ferramentas e instrumentos aos quais
recorremos para lutar contra algo que nos é superior, para dominar uma
força – a natureza, as limitações de nosso corpo –, para ultrapassar
limites (de tempo, espaço); talvez, no limite, se trate do desejo de
enfrentar a grande força contra a qual desde sempre lutamos: a morte, a
finitude humana (idem, ibdem).
As tecnologias estão presentes nos diversos campos do conhecimento. Nas
artes, na saúde, na engenharia e também na educação. Para compreender a gama de
artefatos e métodos criamos categorias para explicar, analisar e entender a sua presença
na vida. Encontramos: tecnologia educacional, tecnologia assistiva, TEI – Tecnologia
Educacional Informatizada, TIC – Tecnologia da Informação e da Comunicação,
tecnologia digital, tecnologia social, tecnologia de alimentos... Em nosso trabalho de
pesquisa temos dado especial enfoque a três delas: Tecnologia Educacional
Informatizada; Tecnologia Assistiva; e Tecnologia Social.
TECNOLOGIA EDUCACIONAL E TECNOLOGIA EDUCACIONAL
INFORMATIZADA
As tecnologias educacionais não podem ser compreendidas apenas como o uso
de computador na sala de aula ou a EAD (Educação à distância). Na educação vão
muito além disso, tanto no tempo quanto nos artefatos culturais. Nilda Alves (2003)
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104509
apresenta algumas imagens que nos fazem refletir sobre o tempo em que não existiam
cadernos, mas já havia artefatos culturais para a educação.
A presença das tecnologias da educação no Brasil não é assunto novo, pois o
livro didático é também uma tecnologia educacional. O uso de artefatos de comunicação
de massa nos processos educativos não é recente, visto que a Associação Brasileira de
Tecnologia Educacional data de 14 de julho de 1971. O foco na época era a teleducação
e dominava uma perspectiva tecnicista nas formulações e esta memória, muitas vezes, é
usada como um argumento contrário ao uso das tecnologias informatizadas na
educação, sem que se observe que há uma grande diferença entre o que era proposto
naquela época e as elaborações críticas e dialógicas contemporâneas.
É de novo Castells (1999b) quem nos ajuda a refletir sobre a perspectiva da
interatividade dos meios de comunicação e a perceber que durante muitos anos, além
das relações de comunicação direta entre os homens, somente o telefone permitia uma
relação dialógica. Tanto o rádio quanto a televisão são mídias difusoras, enquanto na
comunicação direta entre homens, pelo telefone ou por meio digital há sempre uma
possibilidade de resposta, de diálogo, de trocar com o outro. Assim, as Tecnologias
Educacionais Informatizadas tanto podem criar link de comunicação por meio da EAD,
como podem ser um artefato presente na sala de aula que irá potencializar as mediações
entre estudante-professor-conhecimento.
As tecnologias só ganham sentido pedagógico quando o docente e o discente se
apropriam delas como mediadores dos processos de conhecimento e não como
ferramentas difusoras. Não basta ter equipamentos. Dominick e outros (2012)
identificam que as tecnologias informatizadas tem sido apropriadas pelos docentes de
maneiras diferenciadas. Há docentes que demandam um computador na sala de aula,
conectado à internet e há, ainda, os que identificam que os investimentos públicos, em
certos equipamentos, não correspondem às necessidades reais das escolas.
Percebemos que em todas as escolas visitadas havia artefatos informacionais
digitais e não digitais: computadores, televisão, vídeos, dvd player, rádio, cd player e
data show, contudo em locais separados da sala de aula. Havia salas de informática na
maioria das escolas ou estas estavam sendo construídas. Os computadores para uso de
professores e estudantes ficavam neste espaço e os demais equipamentos nas secretarias
das escolas e sob controle administrativo.
Identificamos que os gastos com as novas tecnologias não alterou a cultura que
restringe o acesso dos estudantes e dos professores às tecnologias educacionais.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104510
Explico: assim como há alguns anos as salas de aula das escolas públicas não
dispunham de mapas, globos, esqueletos, livros paradidáticos ou de literatura, um
dicionário ou outro material semelhante que possibilitasse ao professor e aos estudantes
pesquisar ou recorrer ao material concreto para um exemplo ou ilustração, hoje também
os novos artefatos estão nas escolas em locais que demandam deslocamento do grupo
ou transporte do equipamento. O professor precisa ter um planejamento bem
sistemático, ficando muito dificultada a artesania durante uma aula que demande o uso
de equipamento como um computador, um jogo ou uma TV com dvd-player. As salas
de aula continuam sendo, majoritariamente um espaço com cadeiras, carteiras, quadro
para anotações e armário do professor.
Contudo, e apesar da oferta de cursos de formação continuada para os
professores sobre o uso da informática na educação, observamos que o uso dos
equipamentos pelas crianças e jovens não era regular devido a diferentes questões, tais
como: equipamentos defeituosos; falta de tomada para ligar o equipamento à energia
elétrica, obras de reforma da escola; falta de conhecimento diversificado do professor de
referência para uso dos programas ou das ferramentas de determinados programas, falta
de conexão com a internet.
A sala de informática é um lugar trancado na maioria das escolas e os
estudantes a frequentavam somente com o acompanhamento do professor de referência.
Não houve possibilidade deste buscar informação ou produzir material para suas
atividades escolares sem que o docente estivesse presente, pois não havia um
profissional responsável pelo espaço. Em algumas escolas, apesar no número de
computadores presentes, em geral 12, nem todos estavam funcionando. A manutenção
existe, mas uma professora informou que os computadores são usados nos três turnos,
por mais de 250 alunos toda semana. Seria preciso uma manutenção mais intensiva do
que a disponível, mesmo as turmas dos anos iniciais indo ao espaço uma ou, no
máximo, duas vezes por semana.
Apesar dos artefatos mais modernos estarem cada vez mais presentes no
cotidiano escolar, ainda há docentes que não dominam aspectos básicos dos usos.
Quando perguntamos aos professores os motivos, alguns alegaram falta de tempo para
sentar e aprender, devido à jornada de trabalho. Questionados sobre os cursos de
formação continuada da rede, ouvimos que o horário de formação continuada não era
identificado como hora de trabalho pela rede. Uma profissional afirmou: “Em toda
empresa, a formação para lidar com os sistemas que se alteram, está dentro do horário
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104511
de trabalho do profissional, na educação a gente tem de participar de treinamento ou de
formação continuada fora do horário e sem receber por essas horas de trabalho!”
Os docentes que participaram da pesquisa eram de gerações diferentes, alguns
tiveram formação inicial no ensino médio e pararam de estudar, outros tinham cursado o
ensino superior. A origem social dos docentes também era variada e esse aspecto é
relevante, pois é bem recente o acesso das camadas populares à tecnologia digital. Os
mais jovens estavam mais familiarizados com computadores, telefones celulares e
smartphones.
É válido salientar que as tecnologias educacionais tradicionais ainda são
utilizadas pelos professores. Entre elas: murais afixados nas paredes, em armários,
pendurados em barbantes. Vimos murais elaborados com recortes de jornais, com
material produzido pelos alunos à mão ou por meio de cópia xerográfica. Dobraduras e
origamis estavam presentes em vários espaços de uma escola, explicitando um trabalho
com o conteúdo de matemática. Artefatos feitos com bolas de gás, potes plásticos,
jornais e guache, representando partes e sistemas do corpo humano, estavam sendo
usados por uma docente durante a aula com estudantes surdos. Conversando e
vivenciando os espaços ficou claro que os professores que trabalham com estudantes
com necessidades educacionais especiais (NEEs) dominam tecnologias diferentes e
dialogam, sobretudo, com as artes.
O uso das tecnologias educacionais informatizadas e digitais na educação é um
desafio, mas também é um caminho que potencializa uma construção menos centrada
no saber do livro didático e/ou do professor. Aparecem outros caminhos e vozes no
processo de ensino e de aprendizado.
TECNOLOGIA ASSISTIVA NA EDUCAÇÃO
Após as nossas descobertas em 2011 e 12, algumas bolsistas desejaram
aprofundar conhecimento sobre as tecnologias assistivas e as salas de recurso, visto que
a rede de Niterói tem um número significativo de estudantes especiais. Descobrimos
em Varela e Oliver (2013, p. 1) que o termo Tecnologia Assistiva (TA) está presente
“tanto no meio acadêmico como nas organizações de pessoas com deficiência e no
mercado de produtos”. Na escola, seu objetivo é proporcionar à pessoa com deficiência:
maior independência para o aprendizado; melhor qualidade de vida e inclusão social por
meio da ampliação de sua comunicação e de sua mobilidade; maior controle do
ambiente; e desenvolvimento de trabalho integrado com a família, colegas e
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104512
profissionais da educação. O diálogo com os profissionais de diferentes áreas do
conhecimento é necessário, mesmo sendo uma tecnologia assistiva na educação. Alguns
estão denominando-as como tecnologias educacionais assistivas, quando esta é voltada
para mediar aprendizagens.
Contudo, o termo nasceu, nos EUA, como Assistive Technology e foi traduzido
no Brasil como Tecnologia Assistiva. Foi criado como importante elemento jurídico
dentro da legislação norte-americana conhecida como Public Law 100-407. No Brasil,
o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) definiu3 a tecnologia assistiva:
uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba
produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam
promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas
com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2009, p. 13)
Destaca-se a importância do CAT no que se refere ao fato de que o material
usado pelas pessoas especiais era compreendido apenas como equipamentos da área
médica/hospitalar. Hoje sabemos que eles contribuem para a inclusão social das pessoas
especiais, inclusive na escola. As tecnologias assistivas, algumas vezes, aparecem no
espaço escolar em formato de material didático adaptado, como metodologias de ensino
especial ou na forma de uma estratégia de acessibilidade aos conhecimentos. Estão
presentes prioritariamente nas Salas de Recurso (SR) que, segundo o MEC4, surgem
com o intuito de consolidar um sistema educacional inclusivo e de qualidade,
oferecendo atendimento educacional especializado e promovendo, assim, condições de
acesso, participação e aprendizagem para alunos que necessitam de educação especial.
Em levantamento realizado no sítio da FME5 identificamos que havia um total
de 75 (setenta e cinco) unidades escolares municipais, em 2013. Segundo o MEC6, até
2011, eram 64 escolas com SR para atender 1.181 alunos matriculados com deficiência,
altas habilidades e super dotação no município.
O estudante com NEE é aquele que tem um laudo médico. Somente os alunos
com o citado laudo estariam autorizados a frequentar a SR, mas o bom senso dos
3 Disponível on-line: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/livro-
tecnologia-assistiva.pdf .
4 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17430&Itemid=817 Acesso
em 22/12/2012.
5 http://www.educacaoniteroi.com.br/category/menu-principal/dados-estatisticos-da-rede-escolar-
municipal/escolas-por-modalidades/ Consulta em 03/02/2014.
6 http://painel.mec.gov.br/painel/detalhamentoIndicador/detalhes/municipio/muncod/3303302 Consulta
em 03/02/2014.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104513
gestores de algumas unidades escolares tem conduzido a formação de reagrupamentos
nas salas de recursos, visando ampliar as possibilidades de inclusão e aprendizado dos
estudantes com diferentes demandas. Percebemos que, algumas vezes, o estudante que
não está “formatado” à cultura escolar dominante é enviado à tal espaço para que ele
não atrapalhe o encaminhamento da aula. Identificamos que, em geral, esses alunos
respondem bem às atividade com material didático assistivo nas SR, o seu
comportamento e nível de atenção são diferentes daquele expresso no ambiente de sala
de aula regular e aprendem. Duas perguntas ficaram para os próximos passos da
pesquisa: quais tecnologias educacionais assistivas deveriam estar dentro de todas as
salas de aula para potencializar um melhor aprendizado de todos? O que precisa saber
um professor para possibilitar um trabalho que enlace e dignifique os processos de
ensino e de aprendizado?
Por fim, chegamos a um conceito que nos tem acompanhado e com o qual
precisamos ampliar diariamente os nossos laços: tecnologia social.
O QUE É TECNOLOGIA SOCIAL?
O conceito vem sendo trabalhado pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS).
Definiram-no como um “conjunto de técnicas, metodologias transformadoras,
desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que
representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida” (ITS,
2004, 130). Os autores identificam esta como uma definição bastante ampla, ainda que
confira um caráter às técnicas e metodologias (que devem ser transformadoras e
participativas) e também um objetivo (inclusão social e melhoria das condições de
vida). Buscando uma descrição mais precisa, e dando ênfase na repetição de trechos
que ressaltam seu caráter participativo, apresentam três elementos que enfatizam a
construção conjunta de Tecnologias Sociais, visto que estas devem ser “desenvolvidas
na interação”, “aplicadas na interação” e “apropriadas pela população”.
As tecnologias sociais estão embasadas nos seguintes princípios:
“aprendizagem e participação são processos que caminham juntos”; “a transformação
social implica compreender a realidade de maneira sistêmica”; “a transformação social
ocorre na medida em que há respeito às identidades locais e que qualquer indivíduo é
capaz de gerar conhecimento e aprender”. (p. 131)
A definição aponta alguns elementos fundamentais para a caracterização dessa
concepção de tecnologia, visto que há uma multiplicidade de elaborações que nem
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104514
sempre estão comprometidas com os movimentos instituintes. Rodrigues e Barbieri
(2008) afirmam que um dos conceitos de tecnologia social atualmente em voga é o que
compreende produtos, técnicas ou metodologias replicáveis, desenvolvidas na interação
com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social.
Discutem e fazem a distinção entre o movimento da tecnologia apropriada e o da social
num mundo globalizado.
Buscando explicitar a origem e alguns caminhos percorridos pelo movimento
da tecnologia apropriada (TA), nas décadas de 1960-70, afirmou que a palavra
apropriada trouxe em si uma referência de que a tecnologia deveria se ajustar ou se
adaptar a algum propósito ou uso específico. Mas, questionam: apropriada a quê?
Analisando a apropriabilidade da tecnologia para cada situação específica indicam, a
partir dos estudos de Willoughby (1990)7, que a falta de critérios específicos gerou um
uso da expressão no contexto da acumulação capitalista. Os autores criticam a
concepção, pois objetivos políticos e sociais tais como a “geração de emprego e renda,
combate à pobreza, valorização das práticas comunitárias, autonomia e emancipação
dos produtores locais ficaram praticamente abandonados nos ambientes acadêmico,
empresarial e governamental, salvo raras exceções” (Rodrigues e Barbieri, 2008, p.
1072).
Hoje, quando pensamos na formação de professores para o trabalho com as
diferentes tecnologias não podemos abrir mão desta visão de tecnologia, pois a chegada
das tecnologias informacionais nas escolas deve estimular a autônomia em seu uso e a
geração de novas metodologias.
CONCLUINDO
Buscou-se articular alguns aspectos importantes que precisam ser levados em
conta nos cursos de formação inicial e continuada de professores focando as interações
entre tecnologias, o fazer pedagógico e a participação dos diferentes sujeitos e seus
saberes. A vivência em processos educacionais reais e o trabalho com as novas
tecnologias ou com tecnologias educacionais tradicionais como mediadoras dos
processos de construção do conhecimento na escola é um desafio para todos nós que
estamos buscando a construção de uma escola para a diversidade e includente. Os
conceitos aqui trabalhados não foram um a priori. Surgiram das demandas reais do
7 WILLOUGHBY, Kelvin W. Technology choice: a critique of appropriate technology movement.
London: Intermediate Technology Publications, 1990.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104515
trabalho de estudantes do curso de Pedagogia com a realidade das escolas dos ciclos
iniciais. Assumimos uma perspectiva crítico dialógica diante das políticas públicas e
das inovações que chegam à escola, visto que estas não devem se impor como novas
verdades que desqualificam os saberes locais e reforçam o empobrecimento das relações
pedagógicas na sala de aula.
A assunção de postura crítico dialógica possibilita o trânsito pelos
espaços e tempos escolares de forma que sejam apropriadas e criadas
tecnologias com marcas históricas daquela cultura e daqueles sujeitos. As
tecnologias ganham marcas e contornos do grupo, deixando de ser
exógenas, elas se corporificam como saberes próprios, saberes
divergentes que se articulam ao desejo de deslocar os poderes instituídos
e possibilitam a geração de políticas de conhecimento instituintes. É
indispensável, para os docentes comprometidos com as mudanças
sociais, conhecer as tecnologias do controle e da dominação para com
elas lidarem com astúcias e bordearem o estabelecido produzindo artes
de fazer. (Dominick e Souza, 2011, p. 53-4)
No projeto buscamos a estruturação de um espaço-tempo de formação que
valorize as artes de fazer docentes, os conhecimentos científico-tecnológicos, político
participativos e interativos.
REFERÊNCIAS
BARBIERI, José Carlos. Produção e transferência de tecnologia. São Paulo: Ática,
1990.
BRASIL. Cap. 3. Comissão Temática 1 – Conceituação e Estudo de Normas. (Adjane
Amorim, Ana Isabel Bezerra Bruni Paraguay, Elza Maria Ferraz Barbosa, Lêda Lúcia
Spelta, Maria Aparecida Martinelli, Rita de Cássia Reckziegel Bersch, Teófilo Galvão
Filho). In: Tecnologia Assistiva. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas (CAT). Brasília: CORDE, 2009.
CASTELLS, Manuel. A Era da informação: economia, sociedade e cultura, vol. I.
6.ed. São Paulo: Paz e terra, 1999a.
______. A Era da informação: fim de milênio. Vol. III. São Paulo: Paz e terra, 1999b.
DOMINICK, Rejany dos S. e SOUZA, Neiva V. Tecnologias em diálogo na formação
de professores. Revista Aleph (UFF. Online), Ano 5, v.15, Julho de 2011. Disponível
em: http://www.uff.br/revistaleph/pdf/revista15.pdf. pp. 50-64.
______ e outros. Relatório do Projeto de Pesquisa As “artes de fazer” a educação em
ciclos: tecnologias e formação de Pedagogos. Niterói: Universidade Federal
Fluminense – AGIR/PROPPi, 2012. Disponível em
https://docs.google.com/file/d/0B4SrTc4zAQv6aE84Sl9oWGdYUFE/edit?usp=sharing
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia, máquina de imagens e práticas pedagógicas.
Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 35, maio/agosto 2007.
ITS (Instituto de Tecnologia Social). Tecnologia social: uma estratégia para o
desenvolvimento. In: ITS. Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento.
Fundação Banco do Brasil, Rio de Janeiro: 2004. Disponível em
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104516
http://www.itsbrasil.org.br/infoteca/tecnologia-social/tecnologia-social-uma-estrategia-
para-o-desenvolvimento. Out. 2013. (pp. 117-133)
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MAINARDES, Jefferson. Escola em Ciclos no Brasil: aspectos históricos e panorama
da situação atual. In: DAVID, L. N. & DOMINICK, R. dos S. (orgs.) Ciclos e
formação de professores. RJ: WAK Ed., 2010.
RODRIGUES, Ivete e BARBIERI, José Carlos. A emergência da tecnologia social: revisitando
o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável. Rev.
Adm. Pública [online]. 2008, vol.42, n.6, pp. 1069-1094. ISSN 0034-7612. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122008000600003.
SENNETT, Richard. O artífice. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
VARELA, Renata Cristina Bertolozzi; OLIVER, Fátima Corrêa. A utilização de
Tecnologia Assistiva na vida cotidiana de crianças com deficiência. Ciênc. saúde
coletiva, Rio de Janeiro. v. 18, n.6, June 2013. Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232013000600028&lng=en&nrm=iso>. access on 19 Mar. 2014.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000600028.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104517