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SUSANE FLORES COSENTINO
REGISTROS DE ENFERMAGEM: RESSALTANDO A SUA
LMPORTÃNCLi ATRA VÉS DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA
Florianópolis dezembro 2000
SUSANE FLÔRES COSENTINO
REGISTROS DE ENFERMAGEM:
RESSALTANDO A SUA IMPORTÂNCIA ATRAVÉS DE UMA
PRÁTICA EDUCATIVA
Fiorlanópoils
dezembro de 2000
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
MODALIDADE INTERINSTITUCIONAL CAPES/FAPERGS/UFSC/UFPEL
REGISTROS DE ENFERMAGEM:
RESSALTANDO A SUA IMPORTÂNCIA ATRAVÉS DE UMA PRÁTICA
EDUCATIVA
SUSANE FLÔRES COSENTINO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem, Área de Concentração; Assistência de Enfermagem.
ORIENTADOR PROF. DR. WILSON DANILO LUNARDI FILHO
Florianópolis
dezembro de 2000
REGISTROS DE ENFERMAGEM:
RESSALTANDO A SUA IMPORTÂNCIA ATRAVÉS DE UMA PRÁTICA
EDUCATIVA
SUSANE FLÔRES COSENTINO
Esta dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca
Examinadora para a obtenção de Título de;
Mestre em Enfermagem
E aprovada na sua versão final em 18 de dezembro de 2000, atendendo às
normas de legislação vigente da Universidade Federal de Santa Catarina,
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração;
Assistência em Enfermagem.
ProfíiJr. Denise Elvira Pires de Pires
Coordenadora do Programa
BANCA EXAMINADORA;
À
Prof. Dr. Wilson Danilo Lunardi Filho Presidente
acoque Lorenzini Erdmann Membro
V _,B ro f. Dr. Miriam Süsskind Borenstein Membro
Dedico este trabalho aos meus filhos, RONER e GABRIEL que são partes de minha alma e essência do meu amor, que mesmo sem entender meus períodos de ausências, estão sempre a me cercar de carinho.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Wilson D. Lunardi Filho, meu orientador, pelo apoio, incentivo,
disponibilidade e colaboração.
À Prof. Dr. Luciane P. Kantorski, Coordenadora Operacional do Mestrado,
pelo incentivo e presença.
À Delfina, minha mãe, pelo exemplo e pelo amor sempre presente em
nossa relação.
Ao José Antônio, meu esposo, que soube respeitar minhas ausências e
momentos de isolamento.
Às colegas Enfermeiras do Hospital Universitário, pelo companheirismo da
convivência profissional e social, pelo incentivo e colaboração.
Aos Auxiliares de Enfermagem da UTl, pelos objetivos compartilhados e
colaboração.
À Coordenadora do Curso de Enfermagem da URCAMP, Maria Madalena
Colla, pelo incentivo, disponibilidade e colaboração.
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Catarina, pelas importantes contribuições a mais
esta etapa do meu processo educativo.
Às colegas do Curso de Mestrado, pelo companheirismo, incentivo, apoio e
risos compartilhados, em especial à Gladys, Giovana e Benildes.
A todos aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para a
realização dessa dissertação, seja por gesto, olhar, palavra ou pensamento.
“A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo como pergunta verbalizada ou não, como procura de
esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do
fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que
nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos,
acrescentando a ele algo que fazemos".
Paulo Freire
RESUMO
O presente estudo trata-se de uma pesquisa do tipo convergente-assistencial, que busca apresentar alguns resultados encontrados com a realização de uma prática assistencial, fundamentada em princípios do processo educativo proposto por Paulo Freire (ação-reflexão), com ênfase nos registros de enfermagem (notas de admissão e registros diários de enfermagem). Teve por objetivos ressaltar a necessidade de sua realização, sua aplicabilidade e importância para a melhoria da qualidade da assistência de enfermagem prestada ao ser humano usuário do serviço de saúde e dar maior visibilidade ao trabalho realizado. Foram desenvolvidos encontros para reflexão e conscientização com grupos de enfermeiras e auxiliares de enfermagem do Hospital Universitário de Bagé, no Rio Grande do Sul, visando promover mudanças no teor e forma dos registros de enfermagem até então realizados, procurou-se contemplar aspectos que os tomassem claros, concisos, objetivos e científicos, podendo servir para a avaliação da assistência prestada, dar respaldo legal á instituição e aos trabalhadores da enfermagem, dentre outros. Nessa prática educativa, emergiram as seguintes constatações: os auxiliares de enfermagem percebem os registros como fonte e repasse de informações; como forma de exercer o controle; de tomar possível o resgate da informação; de comprovação da realização do trabalho. Como produto final da prática criamos coletivamente a Ficha de Registros Diários de Enfermagem da UTI, onde os registros de enfermagem podem ser realizados de forma objetivada, permitindo a checagem das ocorrências e situações mais freqüentemente em uma UTI Geral. Nesse instrumento também foi previsto espaço para o registro de situações de forma subjetiva complementando as informações e para melhor cumprir sua função.
ABSTRACT
Nursing Registers: emphasizing its importance through an educational practice.
The presented study is an assistantional-convergent survey which intends to present some of the results found within the assistentional practice based on the educational process principles proposed by Paulo Freire (action-thought) emphasizing the nursing registers (admission notes and daily nursing resgisters). Its objectives were emphasizing the need of its accomplishment, applicability and importance to the improvement of the nursing assistance quality given to the human being user of the health service and to permit a wider vision of the work carried out. Meetings for thinking and awareness with groups of nurses and nursing assistants from the Hospital Universitário de Bagé, in Rio Grande do Sul were carried out in order to promote changes in the content and format of the nursing registers filling until so, they tried to contemplate aspects which could make them clear, objective, summarized and scientific, able to be useful for the avaluation of the given assistence, give a law support to the institution as well as to the nursing workers and so on. On this educational practice the following observations came up: the nursing assistants see the registers as a source of information repassing, a way of having the control, making possible the rescue of information, a work accomplishment voucher. As a final product of the practice we collectively created the Daily Nursing Register Application Form of ITU where the nursing registers can be made in an objective way, making possible the checking of the occurrences and frequent situations in a General ITU. On this instrument it was also provided a space for the registers of the situations in a subjective way complementing the information in order to carry out its function better.
SUMÁRIO
1 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE REGISTROS DE ENFERMAGEM..... ......101.1 Justificativa da Prática Assistencial Desenvolvida................................ ...... 12
2 REGISTROS DE ENFERMAGEM: DISCUTINDO O TEMA................... ......152.1 Aspectos éticos-legais dos Registros de Enfermagem......................... ......182.2 Principais elementos e regras para a elaboração dos registros de
enfermagem..... ....................................................................................... .....20
3 MARCO REFERENCIAL.................. ............................................................. 243.1 Pressupostos......................... ................................................................ ..... 253.2 Conceitos................................................................................................. .....263.3 Processo Educativo de Paulo Freire..................................................... ......283.3.1 O método de Paulo Freire........................................................................ 32
4 METODOLOGIA - O CAMINHO................................................................... 344.1.Local....................................................................................................... ..... 344.2 Sujeitos................................................................................................... ..... 354.3 Critérios para seleção dos sujeitos........................................................ .....364.4 Operacionalização da Prática Assistencial: Iniciando o diálogo e
propondo um caminho........................................................................... ......37
5 O CAMINHAR E ALGUNS ACHADOS................................................... ......395.1 Primeira Etapa............................................................................................. 395.1.1 Primeiro Encontro............................................................................... ..... 395.1.2 Segundo Encontro.............................................................................. ..... 405.1.3 Terceiro Encontro............................................................................... ..... 445.1.4 Quarto Encontro ................................................................................... .....53
5.2 Segunda Etapa............................................................................................ 615.2.1 Primeiro Encontro............................................................................... ..... 695.2.2 Segundo Encontro.............................................................................. ..... 735.2.3 Terceiro Encontro.......................................................................... .......... 76
5.2.4 Quarto Encx)ntro................................................................................ .......79
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... .....83
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................ .....92
8 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS................................. .......... ..................94
ANEXOS...................................................................................................... ..... 96
1 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE REGISTROS DE ENFERMAGEM
Um dos canais de comunicação que pode ser utilizado pela enfermagem é
o registro, por meio da escrita. Contudo, a constatação, em nosso ambiente de
trabalho, da deficiência do uso desse recurso no processo de comunicação, é
uma problemática que progressivamente vem nos inquietando, nos levando,
assim, a estudar sobre os registros de enfermagem, para encontrar formas de
fazer uso desse canal de comunicação que consideramos tão necessário ao
desenvolvimento da profissão.
A Enfermagem em sua construção histórica vem sendo desenvolvida ao
longo dos séculos. No Brasil, principalmente nos últimos trinta anos, houve um
desenvolvimento muito importante, que vem tornando esta profissão cada vez
mais reconhecida e valorizada, embora, esse reconhecimento e valorização ainda
não tenham atingido um patamar que lhe faça a suficiente justiça.
Acreditamos que, dentre os muitos aspectos que possam contemplar essa
construção e favorecer sua justa valorização e reconhecimento possa ser a
realização dos registros de enfermagem. Essa assertiva encontra sua justificativa
porque o nosso trabalho, pela característica de ser um serviço, já é consumido no
momento de sua realização. Assim, quando não há anotações de enfermagem
que registrem os atos realizados, parece que todo o nosso trabalho e esforço
desaparecem. Tornam-se invisíveis e grande parte se perde como se nunca
houvesse sido feito ou existido. Desse modo, quando um trabalho não é
registrado, não pode ser contabilizado e, conseqüentemente, não terá o justo
reconhecimento nem será con-etamente valorizado. Fica incipiente, sem
consistência, não demonstrando sua existência.
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Após mais de quarenta anos de busca da enfermagem para ser uma
atividade, reconhecidamente mais científica e valorizada, que se iniciou com a
produção das primeiras teorias de enfermagem na década de 50, deparamos-nos,
ainda, na nossa realidade, com a quase total inexistência de uso de
método/processo dos registros de enfermagem. Crossetti e Waldmann (1992,
p. 124) escrevem que “os registros de enfermagem são verdadeiros espelhos que
refletem a qualidade da assistência prestada ao paciente (...) devem traduzir o
planejamento, a execução e a avaliação da mesma”. Contudo, o que se constata
é que mesmo os poucos registros existentes geralmente não seguem uma
metodologia adequada, o que os caracteriza como rotineiros, apresentando-se
desprovidos de cientificidade e não dando suporte para a análise da qualidade da
assistência prestada ao usuário do serviço de saúde.
Em outras palavras, atualmente, deparamo-nos, ainda, com a oralidade no
planejamento e nos registros dos cuidados de enfermagem. Geralmente, a
comunicação efetua-se de forma falada e os cuidados são supostamente
prestados, de acordo com uma pretensa rotina existente. Quase sempre, os
registros de enfermagem que originam são mecanizados, ou seja, decorrem muito
mais de um ato mecânico do que pensado, evidenciados sob a forma de
repetição, uso de chavões e de termos vagos, não resultantes de uma ação crítica
e reflexiva como, por exemplo: "sem ocorrências", "sem queixas", "mesmo quadro
clínico".
Este tipo de registro não cumpre sua função, pois não dá conta da
integralidade do cuidado prestado, quando o que desejamos encontrar são
registros de enfermagem reflexivos e críticos que relatem e descrevam cuidados
individualizados e humanizados. Silva e Dias (1999, p.23) reforçam o nosso modo
de pensar, quando apresentam que muitas
“pesquisas têm demonstrado que o registro da prática de enfermagem garante ou não, a individualização do cuidado ou a qualidade da assistência, dependendo de como esse registro é realizado. O registro de nossa prática contribuirá para a individualização do cuidado, na medida em que este for significativo, ou seja, enquanto transmitir mensagens úteis, fruto de reflexão e passíveis de gerar reflexão, que possam orientar um
12
conhecimento mais profundo do cuidado de enfermagem”.
É importante, especialmente na atividade da docência, salientar a
relevância de elaborar os registros de enfermagem, criando com os alunos
situações problematizadoras que os encaminhem a uma reflexão crítica,
desenvolvendo a consciência da importância do ato de registrar, de forma
objetiva, clara, humanizada. Não esqueçamos que o professor é um dos modelos
seguidos pelos alunos, portanto, sua conduta em relação a esse aspecto mostra-
se essencial, para que a devida importância seja dada ao registro das ações e
atos assistenciais realizados pela enfermagem.
1.1 Justificativa da Prática Assistencial desenvolvida
Na nossa trajetória profissional, tanto como enfermeira assistencial, há
cerca de quatorze anos, quanto como docente, há mais de cinco anos,
ministrando a Disciplina de Enfermagem Clínica e, também, realizando supervisão
de acadêmicos em campo prático hospitalar, constatamos grande deficiência e,
em alguns lugares, até mesmo a inexistência de registros de enfermagem. Estes
achados têm-nos preocupado, levando-nos a questionar as nossas práticas
assistencial e docente.
Nessa caminhada, observamos, ainda que de maneira empírica, que há
não apenas a insuficiência, mas a quase total falta de registros de enfermagem
individualizados, reflexivos e críticos. Caracterizam-se por contemplar, apenas,
aspectos superficiais e, a nosso ver, sem grande significação ou importância, não
oportunizando o necessário conhecimento sobre as necessidades atendidas ou,
ainda, a atender do usuário do serviço de saúde. Parece, assim, serem fatores
que contribuem para a manutenção da invisibilidade do trabalho da enfermagem,
não propiciando tanto quanto poderiam a construção de novos conhecimentos.
Desse modo, parece que comprometem a própria prestação de assistência de
enfermagem de forma qualificada, que contemple o ser humano na sua totalidade
e individualidade, isto é, como ser singular e único em pleno exercício de seus
13
direitos.
No presente estudo, nos ativemos, apenas, às notas de admissão,
intercorrências e registros diários de enfermagem. Por meio de um levantamento
prévio e análise de alguns prontuários de usuários, constatamos que os poucos
registros existentes, em sua grande maioria, não seguiam uma metodologia
adequada, apresentando-se, muitas vezes, desprovidos de cientificidade e, não
se constituindo em suporte para a análise da qualidade da assistência prestada.
Quando, por algum motivo, o usuário evoluía para óbito, não existiam
sequer registros de acontecimentos e fatos que fornecessem informações
suficientes que pudessem esclarecer o porquê desse desenlace naquele
momento. Estas constatações nos deixavam e ainda nos deixam perplexos.
Por todos estes motivos explicitados, acreditamos que toda a ação que
propicie uma reflexão crítica sobre esse tema, tão importante para o crescimento
e valorização do trabalho da enfermagem, já se justifica. Pretendemos que nossa
prática educativa contribua para o crescimento da profissão, para futuros
trabalhos e pesquisas.
Através do processo coletivo de problematização e conscientização sobre a
importância dos registros de enfermagem, construído a partir de encontros para
reflexão e diálogos, pretendemos contribuir para a construção de uma consciência
mais crítica dos profissionais enfermeiros e auxiliares de enfermagem e, também,
para que a assistência de enfermagem seja realizada de modo mais consciente e
comprometido.
Comungamos plenamente com Freire (1980, p.81-82), quando diz que
“os homens são seres que se superam, que vão para frente e olham para o futuro, seres para os quais a imobilidade representa uma ameaça fatal, para os quais ver o passado não deve ser mais que um meio para compreender claramente quem sáo e o que são, a fim de construir o futuro com mais sabedoria.”
Daí nossa proposta de trabalharmos junto aos membros de uma equipe de
enfermagem, na expectativa de construção e desenvolvimento de uma prática
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educativa que pudesse vir a servir à conscientização quanto à importância de
elaborar registros com as características necessárias à própria profissão, a seus
profissionais e ao usuário do serviço de saúde. Portanto, este trabalho teve como
objetivo geral:
Problematizar junto com a Equipe de Enfermagem - Enfermeiros e
Auxiliares de Enfermagem - a necessidade de realizar registros de enfermagem
efetivos, como um meio de buscar uma assistência de enfermagem de qualidade,
dar uma maior visibilidade ao trabalho realizado e para a utilização desses
registros em futuros trabalhos e pesquisas.
Como objetivos específicos:
- Problematizar com os membros da Equipe de Enfermagem (enfermeiros e
auxiliares de enfermagem), através da ação-reflexão, um processo de educação e
mudança incentivador para a realização de registros de enfermagem (notas de
admissão, intercorrências e os registros diários de enfermagem).
- Avaliar a aplicabilidade do marco referencial e do método adotado na
construção desse processo educativo.
2 REGISTROS DE ENFERMAGEM: DISCUTINDO O TEMA
O enfermeiro, com o objetivo de prestar assistência integral ao ser humano,
necessita desenvolver muitas habilidades e, uma delas, é a comunicação. A
comunicação é um ato social que “evolui da associação inicial entre o signo e um
objeto - para formar linguagem e inventar meios que vencessem o tempo e a
distância, ramificando-se em sistemas e instituições, até cobrir o mundo com seus
ramos” (Bordenave, 1997, p.23).
Para que a comunicação se dê de forma efetiva, precisa contemplar todos
os elementos básicos que são; a fonte, o codificador, a mensagem, o canal e o
receptor. Quando há falhas nesse processo, a comunicação não se efetiva de
forma satisfatória.
Crosseti e Waldmann (1992, p. 123) afirmam que “o canal de comunicação
na enfermagem são as anotações que configuram os registros de todos os dados
do paciente. Constituem um veículo de comunicação entre os membros da equipe
e os demais profissionais de saúde”. Para Campedelli (1992, p.57),
“a observação e o registro (anotação) de enfermagem são Instrumentos valiosos no desenvolvimento de um sistema de assistência de enfermagem. São fatores importantes, pois estão presentes em todas as fases do sistema de assistência de enfermagem, fornecendo subsídios para o planejamento da assistência, para a execução dos cuidados e para a avaliação da assistência prestada”.
Pensando assim, então, vemos que, antes da anotação, faz-se necessária
a observação como uma primeira etapa. Segundo Daniel (1981, p.21), a
observação “é o ato, hábito ou poder de ver, notar e perceber; é a faculdade de
observar, é prestar atenção para apreender alguma coisa, é examinar, contemplar
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e notar algo através da atenção dirigida”.
Desse modo. a observação é parte importante do trabalho da enfermagem.
É ela que fundamenta o exercício da prática profissional, subsidiando o
planejamento das atividades. Somente após termos observado, é que teremos
condições de registrar e isso ocon-e fundamentado em nossos conhecimentos
teóricos/científicos de enfermagem.
Sob essa ótica, tanto a observação, quando realizada de forma sistemática
e objetiva, baseada em cientificidade, quanto o registro de todas as informações
acerca do usuário são meios eficazes para a melhoria da assistência de
enfermagem.
Canello e Muntsch (1998, p.322) referem que:
“as anotações de enfermagem [...] sâo todos os registros sobre o estado do cliente/paciente. O uso destes, sistematicamente, proporciona um trabalho intelectual, onde o profissional tem a oportunidade de crescer e transformar-se num ser crítico, capaz de questionar suas próprias atitudes e a de outros profissionais e, assim, participar de forma mais ativa do tratamento do paciente, trabalhando em equipe, na tentativa, de uma açâo interdisciplinar, aumentando consequentemente a qualidade do trabalho”.
Du Gas (1988, p. 137) refere que “o registro representa a comunicação
escrita dos fatos essenciais, de forma a manter uma história contínua dos
acontecimentos ocorridos durante um período de tempo.” Ainda, refere que
(1988, p. 137)“o registro de uma pessoa ou prontuário constituí uma anotação escrita da história de sua saúde, seus problemas de saúde, das medidas preventivas, diagnósticos e terapêuticas criadas para ajudá-lo na atenção a suas necessidades de saúde e em sua resposta a essas medidas, enquanto pemianecer como paciente neste serviço”.
Pensamos que os registros de enfermagem são um meio de comunicação
do qual a equipe de enfermagem pode se utilizar para comunicar fatos e dados
relevantes acerca do usuário do serviço de saúde, como um ser único e peculiar;
como uma pessoa que tem sua própria história de doença e saúde. Para Kron
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(1978, p.50),
“os registros e relatórios contêm prova da efetividade das atividades do grupo e sâo fundamentais para a boa administração... Os registros sâo relatórios escritos, indicando o trabalho executado e os problemas de enfermagem solucionados pelo grupo”.
Com isso, Kron aponta a importância de um grupo em sintonia com seus
objetivos de trabalho; quando o mesmo está coeso e seguro, as coisas
acontecem, passando pelo processo de conscientização.
Campedelli (1992, p.60) afirma que.
“quando a anotação é bem feita, fornece informações valiosas para toda a equipe, dispensa repetição de perguntas {...), propicia segurança ao paciente, promove condições para a continuidade do tratamento e dos cuidados e ainda possibilita a avaliação da assistência prestada”.
As anotações devem possuir as seguintes características para que possam
ser entendidas por todos; serem descritivas, claras, sucintas, completas, exatas e
objetivas. Em outras palavras,“a documentação de enfermagem deve ser objetiva e compreensiva, devendo refletir com clareza o estado do cliente e o que aconteceu com ele. Se legalmente investigados, os registros de enfermagem devem representar o que a enfenneira registraria, demonstrando o comprometimento com a política da instituição”. Carpenito (1999, p.31).
Observamos, no entanto, na nossa prática profissional que, na grande
maioria das vezes, os registros, em geral, quando existentes, se apresentam
muitas vezes de forma pouco elucidativa do que efetivamente aconteceu com o
usuário, durante o turno de trabalho.
Enfatizamos que, na enfermagem, a comunicação oral é importante e
necessária, mas não é totalmente eficiente, pois temos dificuldade para guardar,
na memória, todos os detalhes que podem ocorrer nas 24h do dia, especialmente,
devido à rotatividade de profissionais que prestam assistência de enfermagem,
nos diferentes turnos de trabalho. Portanto, torna-se indispensável o uso dos
registros escritos no prontuário do paciente. Como é impossível reter na mente
toda a informação colhida no estudo bio-psico-sócio-espiritual de uma pessoa.
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torna-se indispensável o registro das mesmas, de forma sistemática (Daniel,
1981).
O ideal seria que, nas instituições prestadoras de assistência de
enfermagem, existisse um processo ou metodologia de registros de enfermagem,
inspirado em teorias de enfermagem. Essa sistematização poderia utilizar
diversos modelos de formulários para serem usados no sistema de registros de
enfermagem.
2.1 Aspectos ético-legais dos Registros de Enfermagem
Os registros de enfermagem são importantes porque possibilitam que
dados e fatos registrados sejam resgatados a qualquer momento. Essa ação de
registrar permite que, futuramente, historiadores e pesquisadores da enfermagem
possam entender como e porque fazíamos dessa ou daquela forma determinadas
ações de cuidado. Ou seja, possibilita, também, uma análise do fazer dos
profissionais da enfermagem, a partir de como registram suas ações.
Segundo Angerami et al (1976), os registros de enfermagem são
importantes porque se constituem em; meio de comunicação entre os membros
da equipe de enfermagem e equipe multiprofissional; fonte de investigação e
pesquisa: promovedor de informações que se configuram em meio de educação
de enfermeiros e outros profissionais da área da saúde; comprovador da
qualidade de assistência/cuidado administrado ao ser humano; e ainda porque se
constituem em um documento legal, ao fornecer elementos para a auditoria em
enfermagem.
A equipe de enfermagem é responsável pela criação e manutenção do
ambiente terapêutico do usuário do serviço de saúde. A sua vigília de 24 horas
diárias a toma a maior responsável pela observação e comunicação de seu
estado e a ela compete ajudar e providenciar, sobretudo, o que for necessário
para o conforto e bem estar do seu principal objeto de trabalho, ou seja, o usuário.
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Sendo assim, a comunicação deve ser continuamente aperfeiçoada, porque
envolve aspectos assistenciais e legais. Para Nóbrega (1980, p.31),
“0 aspecto assistencial tem duas conotações: a técnica e a ética. A técnica visa zelar pela forma e conteúdo das anotações preocupando-se sempre pela eficiência das comunicações; a ética defende a posição do enfermeiro como líder da sua equipe, sendo o único responsável pela prescrição de enfermagem, salvaguarda a autoria da assinatura constante em cada registro que deve ser somente do autor da açâo”.
A técnica e a ética estão muito ligadas e uma depende da outra; o aspecto
assistencial das anotações só será realmente importante, quando expressar a
verdade. Em relação à legalidade das anotações, segundo Nóbrega (1980, p.31),
“o aspecto legal baseia-se nas leis que regem o exercício profissional e nas que amparam a clientela dos serviços de saúde ou, diretamente, do enfermeiro. O Decreto 50.387/1961, no seu Artigo 14, exige a perfeição das anotações visando o seu poder de comunicação e a sua qualidade de documento legal que pode defender ou incriminar um enfermeiro”.
Como se pode observar, já nessa época, em início dos anos 60, existia
uma preocupação com os registros de enfermagem, preconizando a sua
realização efetiva, na prática profissional diária do enfermeiro. A realização ou
admissão de atos e, nestas circunstâncias, a má anotação ou não anotação de
um fato pode ser feita conscientemente, por livre e espontânea vontade ou por um
outro nível causai que envolve negligência, imprudência ou imperícia.
A não anotação de observações ou de cuidados realizados ou inadequação
dos registros de enfermagem pode se constituir em problema jurídico, pois são
meios de comunicação e documentos legais. Para EIlis e Hartiey (1998, p. 169),
“os registros de enfermagem são únicos no ambiente do cuidado á saúde. Eles cobrem o período inteiro de hospitalização, 24 h do dia, em um padrão seqüencial. Seu registro pode ser um fator crucial para evitar um litígio. Registros no prontuário das observações realizadas, das decisões tomadas, ações executadas e da avaliação da resposta do paciente sâo consideradas uma evidência muito mais sólida do que o testemunho verbal que depende da memória de um indivíduo. Para fins legais, as observações e as ações que não são registradas podem ser
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interpretadas como nâo tendo ocorrido. Registros apropriadamente preservados podem também lhe proteger de se tornar responsável pelo en-o de outra pessoa, demonstrando que você fez tudo o que podia para evitar o mal, incluindo a consulta com outras pessoas. Como cada caso é detenninado pelos fatos bem como pela lei aplicável, um registro claro de todos os dados relevantes é importante”.
Segundo Oguisso (1980, apud Nóbrega, p.31), a anotação incorreta,
incompleta, falseada ou inexistente, em prontuário, de fatos relacionados com o
paciente internado está previsto no artigo 299 do Código Penal. Ora. um serviço
de saúde que realize auditoria, ao utilizar as anotações de enfermagem como
meio de verificar a assistência prestada ao paciente, também avalia a qualidade
das anotações que, se for de baixo nível, poderá se constituir em motivo para
aplicação de medidas corretivas e punitivas, desde a indicação de educação
continuada até a aplicação de sanções administrativas, sendo, a mais drástica, a
rescisão contratual de trabalho do enfermeiro.
O usuário, ao ser assistido num serviço de saúde e, principalmente, quando
se hospitaliza, fica à mercê da atuação de vários profissionais. A vida, a saúde, a
integridade corporal, a honra e o patrimônio do paciente são objetos jurídicos que
ficam sob a responsabilidade do hospital, razão pela qual as condições gerais do
paciente devem ser continuamente descritas, toda a assistência prestada deve
ser registrada e, os seus pertences, além de serem guardados, devem ser
anotados com descrição apropriada. Desta forma, tanto o usuário como o
enfermeiro estão sendo protegidos, legalmente.
2.2 Principais elementos e regras para a elaboração dos registros de enfermagem
Segundo Daniel (1981, p.91) tendo como base a observação, os elementos
principais a serem anotados são os seguintes;
a) A aparência:
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b) O estado físico: queixas, observações em geral, alimentação, exames,
testes, encaminhamentos, eliminações, tratamentos dados, resultados dos
cuidados prestados, medicamentos, contenções e demais observações colhidas
pelo exame físico;
c) A conversação e a comunicação;
d) O comportamento: o equilíbrio do estado do pensamento (senso crítico,
confusão, expressão de idéias, delírios, localização no tempo e no espaço, etc.);
- equilíbrio do estado perceptivo (apragmatismo, alucinações...)
- equilíbrio do estado afetivo (emoções, sentimentos, capacidade de
resolver situações, etc);
- equilíbrio no ajustamento social (dependência, isolamento, reação em
relação ao ambiente e pessoas);
- capacidade de aprendizagem - inteligência.
e) As atividades;
f) Recomendações.
Foram sugeridas, por Daniel (1981, p.92), as seguintes regras gerais para
anotações/registros de enfermagem:
a) usar termos descritivos: ex.: o paciente está ansioso;
b) usar termos objetivos: aquilo que foi visto ou sentido e não de
interpretação pessoal;
c) usar termos concisos;
d) considerar o aspecto legal das anotações: não são permitidas rasuras,
linhas em branco entre uma e outra anotação;
e) considerar o segredo profissional;
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f) observar a redação, ortografia, letra;
g) colocar horário e data;
h) colocar vias de administração e locais de aplicação de medicamentos;
i) fazer assinatura legível;
j) registrar todas as informações pertinentes. Informação não registrada é
informação perdida.
k) Toda observação deve ser registrada o mais breve possível.
A documentação de enfermagem tem duas finalidades profissionais -
clínica e administrativa. As finalidades clínicas da documentação, segundo
Carpenito (1999, p.35), são orientar a pessoa que presta atendimento e registrar o
estado ou as reações do cliente. Carpenito (1999, p.31) preconiza as seguintes
finalidades administrativas que a documentação de enfermagem tem:
• Definir o enfoque de enfermagem para o cliente ou o grupo,
• Diferenciar a responsabilidade da enfermeira da de outros membros da equipe
de atendimento de saúde,
• Proporcionar os critérios para a revisão e a avaliação do atendimento
(melhoria da qualidade),
• Proporcionar os critérios para a classificação dos pacientes,
• Proporcionar dados para a revisão legal e administrativa,
• Cumprir com o padrão de exigências legais, comprobatórios e profissionais,
• Proporcionar dados para os objetivos educacionais e de pesquisa.
Nós, enfermeiros, estamos, continuamente, em busca de nossa valorização
e autonomia profissional, mas paradoxalmente, quase não efetivamos, na prática
23
diária, uma forma de registros de enfermagem - notas de admissão e registros
diários de enfermagem - que visem valorizar e qualificar a assistência
administrada ao ser humano. A fim de buscar subsidiar os resultados
encontrados, escolhemos, como referencial, os princípios teóricos da Educação
Probiematizadora de Paulo Freire, que estão vinculados com nossas crenças e
valores e, em conseqüência, com a proposta do presente trabalho.
3 MARCO REFERENCIAL
Nosso marco referencial está fundamentado nos princípios teóricos da
Educação Problematizadora. Através de discussão, reflexão, problematização
sobre a importância dos registros de enfermagem, junto à equipe de enfermagem
(enfermeiras e auxiliares de enfermagem), pretendemos que, num processo de
conscientização, seja possível construir novos conhecimentos para proporcionar a
realização de anotações técnica e cientificamente corretas, críticas e
humanizadas. Isto inclui conceitos e pressupostos que foram elaborados e
inspirados a partir da leitura de autores que vêm trabalhando com este tema,
dentre os quais, destaca-se PAULO FREIRE.
Freire (1980) propõe uma educação problematizadora, na qual o ser
humano seja capaz de abstrair, a partir de seu conhecimento empírico vivido,
emergindo de uma consciência ingênua para uma consciência crítica e reflexiva.
Essa proposta de educação é de vital importância para a constmção do nosso
Marco Referencial, quanto ao delineamento da Metodologia de Trabalho e Análise
de dados.
A partir de adaptações no método proposto por Paulo Freire,
desenvolvemos nossa prática assistencial. Esse método contempla o diálogo, a
ação e a reflexão, através de relações horizontais, respeitando o ser humano
como sujeito histórico, plenamente capaz de produzir novos conhecimentos, o
que faz do ato educativo um processo contínuo.
O método de Paulo Freire não contém uma rigidez e é pautado no respeito
á liberdade das pessoas e no diálogo. Em nossa Prática Assistencial, o tema
25
nuclear foi a importância dos registros de enfermagem realizados de forma crítica,
reflexiva e humanizada e sua aplicação na prática vivenciada.
Acreditamos que o processo educativo usado nessa Prática Assistencial
propiciou que os sujeitos pertencentes à equipe de enfermagem se vissem como
seres humanos críticos, conscientes, criadores, históricos, humanizados, que
refletem sobre a realidade experienciada.
Segundo Silva e Arruda (1993, p. 85), o Marco de Referência pode ser
definido como “um conjunto de conceitos e pressuposições, derivados de uma ou
mais teorias ou modelos conceituais de enfermagem ou de outras áreas do
conhecimento, ou até mesmo originado das próprias crenças e valores daqueles
que o concebem, para utilização na sua prática com indivíduos, famílias, grupos
ou comunidade, atendendo a situações gerais ou específicas na área de
assistência, administração ou ensino de enfermagem”. Entendemos que o Marco
Referencial nos dá subsídios, nos direciona em busca de compreensão e
entendimento. Não consideramos o Marco Referencial uma construção fechada,
podendo ser revisto, ampliado ou complementado. Apresentamos, a seguir, os
pressupostos e conceitos elaborados, pois os mesmos nos fundamentaram para a
execução da prática educativa proposta.
3.1 Pressupostos
Segundo Leopardi (1995, p.26), “o pressuposto explicita a visão de mundo
do pesquisador, ou seja, seu referencial teórico e filosófico”. Com base nas
leituras realizadas sobre registros de enfermagem, nas experiências pessoais ao
longo dos anos de atividade profissional e a partir de reflexões sobre a temática
deste estudo, alguns pressupostos foram se delineando:
• Os registros de enfermagem são importantes.
• Os registros executados de forma correta contribuem para a valorização da
profissão e continuidade do cuidado.
26
• A ausência de registros de enfermagem desqualifica a assistência de
enfermagem.
• Os registros de enfermagem proporcionam respaldo legal à Equipe de
Enfennagem e à Instituição.
• Os registros de enfermagem tomam o trabalho da enfermagem visível.
• Os registros não devem ser só generalistas e mecanicistas, mas também
atender as particularidades de cada pessoa, devem ser passíveis de reflexão.
• Quando não registramos, estamos omitindo o nosso fazer e as nossas ações.
• Um processo educativo, respaldado na problematização, reflexão crítica e
diálogo, poderá permitir que as pessoas que dele participem mudem e
transfomnem o seu pensar e agir.
3.2 Conceitos
Conceitos são características abstratas descritivas sobre tudo o que existe.
Os conceitos, aqui apresentados, foram elaborados a partir da nossa vivência
pessoal e profissional, inspirados em Paulo Freire (1980, 1998) e outros autores.
Nessa prática educativa, buscamos, através dos conceitos de ser humano,
usuário do serviço de saúde, processo saúde-doença, equipe de enfermagem,
enfermagem, assistência de enfermagem, registros de enfermagem, educação
problematizadora, conscientização, ambiente e ambiente terapêutico, encaminhar
a construção de um processo reflexivo com enfermeiras e auxiliares de
enfermagem, a fim de propiciar uma mudança de consciência quanto à
importância de se fazer efetivamente, na prática diária, os registros de
enfermagem.
Ser humano; sujeito social (indivíduo, família, comunidade) pleno de
direitos e deveres, que estabelece relações, que pensa, reflete e problematiza a
27
sua realidade; é livre, crítico e histórico, único, constrói e transforma a sua vida
através de atos conscientes. Para Freire (1998), o ser humano é um ser de
relações que transforma seu mundo, que pensa. Este ser está inserido no mundo,
relaciona-se com ele, capta uma determinada realidade e a transforma em novo
conhecimento, existe procura de soluções, está constantemente recriando. Esta
ação-reflexão se dá na sua práxis diária, no seu mundo vivido e experenciado.
Usuário do Serviço de Saúde: ser humano com valores e sentimentos
próprios, apresentando desequilíbrio no seu processo saúde-doença de forma
permanente ou temporária e que necessita de assistência e cuidados específicos
prestados pela equipe de Enfermagem e Multiprofissional da Saúde.
Processo saúde-doença: é um processo de ir e vir, em constante
equilíbrio e desequilíbrio, com problemas patológicos e também está relacionado
com condições de vida e de trabalho, com crenças e valores, com realização
profissional e financeira, com o social.
Equipe de Enfermagem: grupo social formado por pessoas profissionais
que trabalham juntas na área de enfermagem (enfermeiro, técnico de
enfermagem e auxiliar de enfermagem), que tem objetivos comuns como assistir
o ser humano.
Enfermagem: Profissão que se vale de conhecimentos científicos e de
arte e os utiliza para promover e/ou manter a saúde do ser humano através da
prestação da assistência/cuidados de enfermagem.
Assistência de enfermagem: ato de assistir e/ou cuidar o ser humano
(indivíduo, família, comunidade) visando a promoção, manutenção e recuperação
da saúde e reversão de incapacidades, quando possível.
Registros de Enfermagem: Forma de comunicação/informação escrita
pela equipe de enfermagem. São todos os registros que visam a responder
quanto a problema-ação-resultado da assistência de enfermagem, sendo sua
realização uma atividade meio do trabalho da enfermagem. Devem formar um
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conjunto completo, organizado e claro sobre os fatos e intercorrências e, tannbém,
devem contemplar os dados de normalidade.
Educação Probiematizadora: O processo educativo se dá mediante um
ato problematizador, onde fatos e dados são analisados de fonna crítica, tentando
buscar alternativas e/ou soluções para os problemas. É uma ação em busca de
uma nova ação. Para Freire (1980, p.81),
“a educação probiematizadora está fundamentada sobre a criatividade e estimula uma açâo e uma reflexáo verdadeiras sobre a realidade, respondendo, assim, à vocação dos homens que não são seres autênticos senão quando se comprometem na procura e transformações criadoras”.
Conscientização: é a compreensão da realidade sobre o que se analisa.
Está baseada no ato ação-reflexão. É o conhecimento crítico. É permitir-se
elaborar novos conhecimentos e novas ações.
Ambiente: é a soma total das circunstâncias e influências externas, é tudo
o que nos cerca, é o nosso “arredor” físico.
Ambiente Terapêutico: “um ambiente que ajuda os usuários a crescer,
aprender e voltar á saúde” (Du Gas, 1988, p.541). É o ambiente onde as relações
dialógicas e cuidados específicos propiciam a recuperação e/ou manutenção da
saúde.
3.3 Processo Educativo de Paulo Freire
O processo educativo de Paulo Freire é um projeto libertador e amoroso,
de cunho sócio-político-cultural, que se iniciou em 1961, com o movimento de
cultura popular do Recife. Deriva-se do profundo respeito que esse educador
tinha pelo ser humano e de sua preocupação com a alfabetização de adultos,
para que fossem seres críticos e reflexivos, para exercerem plenamente sua
cidadania.
Paulo Freire preconizou a conscientização como forma de ação-reflexão.
29
que não existe fora da pràxis (teoria e prática), sèndo um compromisso. Para ele,
nada é definitivo e acabado, pois “a conscientização, que se apresenta como um
processo num determinado momento, deve continuar sendo processo no
momento seguinte, durante o qual a realidade transformada mostra um novo
perfil” (Freire, 1980, p.27).
Quando nos conscientizamos, assumimos o compromisso com a mudança,
com a transformação para melhorar a nós mesmos e à nossa realidade. Assim, a
“conscientização é o olhar mais crítico possível da realidade, que a “des-vela”
para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a
realidade da estrutura dominante” (Freire 1980, p.29). Para Gadotti (1998,apud
Freire, p. 10), “ao lado da conscientização, a mudança é um ‘tema gerador’ da
prática teórica de Paulo Freire”.
O método educativo de Freire é um processo coletivo, em que cada pessoa
contribui com experiências do seu mundo vivido, portanto se reconstrói a cada
vez. É baseado no diálogo e na reflexão crítica. Como escreve Freire (1980,
p.35), “quanto mais refletir sobre a realidade, sobre sua situação concreta, mais
emerge, plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade
para mudá-la”.
Para ele, a vocação do homem é ser sujeito e não objeto. Como sujeito,
problematiza suas inquietações e, por meio da reflexão e conscientização, produz
novos conhecimentos, tornando-se sujeito crítico, humanizado e politizado.
Portanto, seu processo de educação pretende desenvolver, nas pessoas, a
tomada de consciência e reflexão crítica. Porém,
“esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica, na qual o homem assume uma posição epistemológica. A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se ‘des-vela’ a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em ‘estar frente â realidade’
30
assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização nâo pode existir fora da ‘práxis’, ou melhor, sem o ato ação- reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens” (Freire, 1980, p.26).
O educador Freire (1998, p.39) explicou a consciência e seus estados,
sendo que há “o processo de adaptação”, quando a consciência se reflete e vai
para o mundo que conhece. “O homem é consciente e, na medida em que
conhece, tende a se comprometer com a própria realidade”. Classificou a
consciência em INTRANSITIVA, TRANSITIVA INGÊNUA e CRÍTICA. O primeiro
estado da consciência é a intransitividade, onde existe quase compromisso com a
realidade; é resultado de uma diminuição no poder de captação da consciência.
Quanto mais se afasta da captação da realidade, mais a compreensão é mágica,
não há reflexão crítica. Da intransitiva, há uma promoção da consciência para
transitiva ingênua, por exemplo, quando uma comunidade sofre uma mudança
econômica, essa modificação é automática. Porém, o passo para a consciência
crítica não é assim, a mesma só se dá mediante um processo educativo de
conscientização.
Paulo Freire (1998, p.39) refere que, “na consciência ingênua, há uma
busca de compromisso; na crítica, há um compromisso e, na fanática, uma
entrega irracional”. A consciência crítica não se satisfaz com aparências, está
disposta á mudança, anseia por profundidade na análise dos problemas, nutre-se
da reflexão crítica.
O educador Freire (1998, p.40) caracterizou as consciências da seguinte
forma;
a) Consciência ingênua:
• revela certa simplicidade, não se aprofunda na causa do próprio fato, suas
conclusões são superficiais e apressadas;
• tende a considerar o passado melhor que o presente;
• tende a aceitar formas massificadoras de comportamento que podem levar
31
à consciência fanática;
• subestima o homem simples;
• suas explicações são mágicas, desprovidas de cientificidade;
• usa argumentos frágeis, não procura a verdade;
• tem forte conteúdo passional;
• apresenta fortes compreensões mágicas;
• diz que a realidade é estática e não mutável,
b) Consciência crítica:
• procura se aprofundar na análise de problemas;
• reconhece que a realidade é mutável;
• substitui situações mágicas por princípios autênticos de causalidade;
• procura validar as descobertas. Está disposta a revisões;
• tenta despojar-se de preconceitos;
• é intensamente inquieta, torna-se mais crítica quanto mais reconhece a
possibilidade de mudança;
• é indagadora, investiga;
• ama o diálogo;
• frente ao novo, não descarta o velho, mas aceita-o na medida em que se
mostra ainda válido.
Achamos importante incluir, nesse estudo, essa classificação da
consciência a partir de Freire, pois elas se fazem presentes na nossa vida diária e
na nossa prática assistencial.
32
3.3.1 O método de Paulo Freire
Freqüentemente, observamos que as teorias e conhecimentos de outras
áreas, como da Educação, podem dar suporte teórico referenciai para trabalhos e
reflexões na enfermagem. O método de Freire preconiza que os seres humanos,
através de suas experiências de vida concreta, problematizem suas inquietações
e, por meio da reflexão e conscientização, produzam novos conhecimentos,
exercendo sua cidadania, tornando-se sujeitos críticos, humanizados e
politizados.
Conforme Freire (1980, p.42), o seu método de alfabetização de adultos
teve as seguintes fases;
a) Primeira fase: a “descoberta do universo vocabular”: dos grupos com os
quais se vai trabalhar, se efetua através de encontros informais com as pessoas
que se procura atingir. As palavras geradoras devem emergir desses encontros;
b) Segunda fase; seleção de palavras, dentro do universo vocabular; que
tem como critério escolher as de riqueza silábica, das dificuldades fonéticas em
ordem de dificuldade crescente e do conteúdo prático da palavra, o que implica
procurar o maior compromisso possível da palavra numa realidade de fato, social,
cultural, política...;
c) Terceira fase; é a criação de situações existenciais típicas do grupo com
o qual se trabalha. Baseia-se no desafio e debate que conduzirá os grupos a
“conscientizar-se” para alfabetizar-se;
d) Quarta fase: é de elaboração de fichas indicadoras que ajudam os
coordenadores do debate em seu trabalho;
e) Quinta fase: consiste na elaboração de fichas nas quais aparecem as
famílias fonéticas correspondentes às palavras geradoras.
O autor denominou este método de “Círculo de Cultura”, que permite ao ser
humano aprofundar a sua consciência, tornando-se um sujeito crítico. Os debates
33
do Círculo da Cultura fundamentam-se no respeito às pessoas e ao seu
conhecimento; o trabalho de alfabetização preconizado por Freire dava-se em
encontros com grupos circulares, onde quem ajudava a ensinar era um animador.
Juntos, animador e alunos, utilizando-se do diálogo, ensinavam e aprendiam,
criavam cultura; nesse processo educativo coletivo, todos aprendem e ensinam.
No círculo, não há a participação do professor tradicional. O animador coordena e
encaminha o grupo ao debate e à reflexão. É um processo dinâmico que se
origina do experienciado e vivido de cada participante em sua prática diária.
Todos são sujeitos e não objetos do processo educativo.
A seguir, estão descritas as fases utilizadas na construção dessa prática
assistencial adaptada de Freire;
a) Descoberta temática; após apresentação sobre a temática da prática
assistencial, o grupo escolheu, do seu universo de situações do cotidiano
profissional, aquelas situações vivenciadas, na prática, que tinham relação com o
tema.
b) A escolha do tema; o grupo fixou tópicos específicos sobre o assunto,
buscando-os na ação-reflexão baseada no diálogo.
c) Problematização; apresentação, ao grupo, de situações problemáticas
em relação às deficiências e uso mecânico dos registros de enfermagem, com
vistas à análise e, conseqüentemente, à conscientização.
d) Construção; o grupo tentou construir um método eficiente e motivador
para a realização de registros, após ter reconhecido a sua relevância.
f) Apresentação; aos grupos, para aprovação, do instrumento elaborado e
propor sua implementação na prática diária do trabalho da enfermagem na UTI.
4 METODOLOGIA - O CAMINHO
Essa prática educativa foi desenvolvida, objetivando a construção de unn
processo educativo a respeito dos registros de enfermagem, realizado com
grupos de reflexão e debates, formados por membros da equipe de enfermagem
de um Hospital Universitário. Através de encontros dialógicos, pretendemos
analisar e avaliar a realidade concreta vigente, referente à questão dos registros
de enfermagem (códigos existentes), descodificar e propiciar a mudança em
busca de uma outra ação, outra forma de registrar que, contemplando a
integralidade dos cuidados administrados ao usuário do serviço de saúde,
contribua para a valorização e autonomia do trabalho da enfermagem.
O estudo relatado foi construído inspirado no processo educativo de Paulo
Freire, o qual prevê a educação como um processo dinâmico, inacabado e
permanente; que se utiliza da problematização acerca da realidade, propiciando
uma reflexão crítica e, conseqüentemente, a conscientização. Procuramos
valorizar o diálogo e propiciar a ação-reflexão entre os sujeitos do grupo de
reflexão.
4.1 Local
A cidade de Bagé conta com três hospitais (Hospital Universitário, Santa
Casa de Caridade e Hospital Militar). Esta Prática Educativa desenvolveu-se no
Hospital Universitário de Bagé (H. U.), que é um hospital particular. Localizado na
região da fronteira oeste-sul do Rio Grande do Sul, distante 390 Km de Porto
Alegre, Capital do Estado. O Município de Bagé tem cerca de 120.000 habitantes.
35
A escolha desse local justifica-se porque é o local onde realizamos
nossos trabalhos como enfermeira assistencial e como docente, em estágio
prático supervisionado, e por ser um Hospital Escola onde estagiam alunos dos
cursos de Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia da URCAMP (Universidade da
Região da Campanha).
Essa Instituição Hospitalar é considerada de médio porte, com 96 leitos,
não possui atendimento na área de obstetrícia. Funciona com as seguintes
unidades de internação:
• Unidade I - Clínica Médica-Cirúrgica que atende pacientes adultos
conveniados para tratamento clínico e cirúrgico, tem 22 leitos;
Unidade II, Clínica e Pediátrica com 25 leitos, atende crianças e adultos com
convénios, portadores de patologias clínicas; em sua área física, possui uma
brinquedoteca;
Unidade III - Clínica Médica-Cirúrgica com 35 leitos, atende clientes do SUS e
Convênios.
• Bloco Cirúrgico, com três salas operatórias. Sala de Recuperação com 4 leitos
e Central de Material e Esterilização;
• UTI Adulto, com 9 leitos, atende principalmente pacientes com patologias
clínicas, cardiológicas, neurológicas e pneumológicas.
O HU tem um Pronto Atendimento 24 h, clínico-cardiológico, para clientes
com convênio, com exceção do SUS. Está em fase de conclusão uma unidade
nova (Unidade IV), o Serviço de Hemodiálise e o Serviço de Endoscopia
Digestiva.
4.2 Sujeitos
Para o desenvolvimento dessa prática, foram convidadas todas as
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enfermeiras que trabalham no H. U., que são em número de sete e os auxiliares
de enfermagem do turno diurno da Unidade de Terapia Intensiva Adulto (Anexo
02). As enfenneiras que participaram do grupo de reflexão, na primeira etapa, são
as enfermeiras da Unidade III, Unidade Pediátrica e Chefia do Serviço de
Enfermagem, todas formadas há mais de 5 anos. Uma delas está cursando o
Mestrado em Saúde Pública; e as outras duas concluíram, há pouco, o Curso de
Especialização em Projetos Assistenciais de Enfermagem pelo Espensul. Todas
são do sexo feminino e com idade variando entre 25 e 40 anos.
Na segunda etapa da prática assistencial, participaram os auxiliares de
enfermagem da UTI. Quatro eram do sexo masculino e dois do sexo feminino,
com idade variando entre 25 e 45 anos, todos formados há mais de dois anos.
Foi solicitado a todos o seu consentimento livre e esclarecido (Anexo 03).
4.3 Critérios para seleção dos sujeitos
a) Serem enfermeiras assistenciais e Chefia do Serviço de Enfermagem.
b) Serem auxiliares de enfermagem da UTI.
Ainda:
• Concordarem em participar do trabalho.
• Comprometerem-se em participar dos encontros coletivos e individuais.
• Pennitirem que suas falas fossem gravadas, durante os encontros e
posteriormente transcritas, podendo ser usadas na íntegra ou em partes, no
relatório da Prática Assistencial, assim como poderem ser divulgadas em
outros trabalhos ou eventos.
Os aspectos éticos foram contemplados, ao ser mantido o anonimato dos
sujeitos participantes e dos pacientes, quando citadas anotações de suas pastas,
37
a título de exemplo, para enriquecer o processo educativo-reflexivo.
4.4 Operacionalização da Prática Assistencial: iniciando o diálogo e
propondo um caminho.
O método escolhido para a operacionalização da Prática Assistencial foi
aplicado através de encontros em grupos de reflexão. Inspirou-se em idéias de
Paulo Freire, objetivando ser um processo educativo-reflexivo, permeado pelo
diálogo e problematização, a respeito das deficiências, nessa Instituição, dos
registros de enfermagem - Notas de Admissão e Registros Diários de
Enfermagem.
Inicialmente, apresentamos a Proposta do Projeto, com seus objetivos e
forma de operacionalização, à Chefia do Serviço de Enfermagem do Hospital
Universitário de Bagé, conforme citado anteriormente.
A enfenneira Chefe do Serviço permitiu a realização da Prática Assistencial
com a Equipe de Enfermagem, considerando esse assunto relevante (registros de
enfermagem).
Um convite informal foi feito às colegas enfermeiras, estendido,
posteriormente aos auxiliares de enfermagem, para sensibilizá-los a participarem
dos grupos de reflexão e, após, foram feitos os convites por escrito (Anexo 02).
Propomos, inicialmente, a realização de encontros com o grupo de reflexão
formado pelas enfermeiras. Optamos, também, por dar maior intervalo entre os
encontros para propiciar a reflexão sobre temas problematizados. Os encontros
duraram, em média, uma hora e meia cada um, sendo realizados às quintas-
feiras, das 12 h às 13:30 h, conforme disponibilidade do grupo. O local de
realização foi a Sala de Chefia do Hospital Universitário.
Na segunda etapa da prática assistencial, realizada com auxiliares de
enfermagem e enfermeira da UTl do HU, propomos a realização de dois
38
encontros coletivos por semana, com uma hora de duração cada um. Foram
constituídos dois grupos de reflexão, cada um formado por três auxiliares de
enfermagem e por mim, como animadora.
Ficou definido que os sujeitos formadores dos grupos seriam identificados
por nomes de flores. O papel por mim desempenhado, nesses encontros, foi o de
animadora/coordenadora. Após a aplicação da metodologia, a seguir apresento
resultados encontrados neste estudo.
5 O CAMINHAR E ALGUNS ACHADOS
5.1 Primeira Etapa
A primeira etapa foi realizada apenas com as enfermeiras da Instituição,
como descrita. Nos encontros, variou o número de integrantes, devido aos
compromissos já assumidos previamente.
5.1.1 Primeiro Encontro
O primeiro encontro aconteceu no dia 10 de junho de 1999 e contou, além
de mim (Abelha), com a presença de apenas três enfermeiras (Sino, Violeta e
Margarida).
Nessa oportunidade, apresentamos o projeto da Prática Assistencial,
explicando-lhes o que era, seus objetivos e que a mesma seria desenvolvida,
utilizando um processo educativo inspirado em idéias de Paulo Freire e em um
referencial teórico construído a partir deste e de outros autores sobre Registros de
Enfermagem, com ênfase nas Notas de Admissão e Registros Diários de
Enfermagem. Salientamos que seria uma constmção coletiva, baseada no diálogo
e que os participantes seriam sujeitos ativos nesse processo.
Fizemos uma contextualização da temática em estudo, procurando sermos
claros e objetivos. Sentíamo-nos ansiosos quanto à aceitação do grupo. Todas
apreciaram e manifestaram interesse em participar dos encontros futuros, sendo,
nesta oportunidade, agendado o segundo encontro.
40
5.1.2 Segundo Encontro
O segundo encontro do grupo de reflexão deu-se no dia 24 de junho de
1999. Dois dias antes, iembrei-as do encontro. Participaram as mesmas três
enfermeiras (Sino, Violeta e Margarida) e eu (Abelha), que desempenhei o papel
de coordenadora/animadora.
Nesse encontro, foram gravadas as falas na íntegra que, após, foram
transcritas para se fazer uma pré-análise das reflexões e verificar o possível
surgimento de outros temas. Nesse dia, lançamos ao grupo a seguinte questão:
"O que vocês pensam a respeito das notas de admissão e registros de
enfermagem?”
Pretendíamos, com esse questionamento, saber se os membros do grupo
já haviam pensado sobre esse tema, se isso mostrava-se relevante ou nâo na sua
prática profissional. No decorrer do encontro, houve participação ativa por parte
dos sujeitos.
Pretendeu-se problematizar a realidade e deixar o grupo refletir, quanto a
esse tema, objetivando o processo educativo inspirado em Paulo Freire. Em
resposta à questão responderam:
“Penso que è muito importante". (Sino)
“Eu também acho. Ali, nas evoluções, está anotado o que acontece com o paciente”. (Violeta)
“Tu consegue interagir com teus pacientes. É uma coisa que Freire propõe um monte, né?” (Margarida)
Transcorridos uns 20 minutos de intenso diálogo, oferecemo-lhes artigos
que tinham relação com registros de enfermagem\ objetivando enriquecer e
* De SILVA, M. Júlia Paes, DIAS, Denise Costa. O registro da Prática da Enfermagem; Da realidade do cuidado Rotineiro à utopia do cuidado individualizado. Nursing, abril, 1999; CROSSETTI, M. da Graça O.WALDMANN, Beatriz. Estudo sobre a composição dos Registros de Enfermagem pelos acadêmicos de Enfermagem em Hospital de Ensino. R. Bras. Errferm., Brasília, 45 (2/3): 122-128, abril/set. 1992; de WALDOW, Vera Regina, A Ação Prescritiva do Cuidado sob a Ótica da Análise do Discurso. Revista Nursing. São Paulo. Maio de 1999.
41
auxiliar o processo de reflexão em andamento. Após uma breve e rápida leitura,
comentando os artigos lidos, falaram:
“É que, muitas vezes, a gente até prescreve, até faz o cuidado, mas muito na oralidade. A gente chega lá e consegue fazer uma prescrição oral. Por que é tão difícil? Tu consegues levantar os pnDblemas, coletar os dados, fazer um diagnóstico e fazer uma prescrição”. (Margarida)
‘‘Oral?" (Sino)
“Oral! E por que é tão difícil registrar? Por quê? Faz parte do nosso cotidiano a oralidade, né? Tá embutido, nós somos “tarefeiras”...aqui, diz assim: “que, no momento que a gente escreve, tu sai dessa função, tu volta para a tua função como enfenmeira, tu vê o fazer enfermeira escrito, o quanto é importante isso (...) procurar respeitar, dentro dessa nossa prescrição, dentro desses nossos registros, o individual do paciente (...) Quando tu coletas dados, tu traz na bagagem toda a tua experiência, o que tu já leu sobre aquilo e, então, registra”. (Margarida)
“O meu diz mais ou menos isso, só que o canal de comunicação da enfermagem são os registros”. (Sino)
Nesse momento, intervimos dizendo que os registros são considerados
como forma de informação, mas que os consideramos, também, como um canal
de comunicação. “Porque, quando eu não estou na Instituição, mas deixo um
registro, estou também me comunicando contigo. Tu vais ler, está assinado. Foi a
Abelha que deixou. O registro te dá essa informação”. (Abelha)
“Cíaro!” (Sino)
"... o registro também é uma fonva de informação. Antes eu achava que as pessoas não liam os nossos registros, mas, por exemplo, quando nós começamos a registrar no livro de ocorrências da supervisão...” (Margarida)
“Mas Margarida, é engano nosso achamnos que eles não lêem. Hoje, as minhas funcionárias comentam o quanto elas liam as histórias que eu fazia, entendeu? E, hoje, eu não faço mais. É que eu não sabia. Para mim, ninguém dava importância porque elas não checavam. A impressão que eu tinha é que ninguém olhava, que eu fazia aquilo ali, em vão!” (Violeta)
“Mas lembra que elas comentaram contigo que não sabiam que deveriam checar?” (Sino)
42
Estas faias nos fazem perceber que não podemos, simplesmente,
implementar algo novo e imaginar que todos, ao redor, saibam o que fazer com
isso. Nem todos detêm o conhecimento específico, como o da checagem dos
cuidados, na prescrição de enfermagem. É fundamental a troca dialógica nas
relações profissionais. Essa troca pode se dar na convivência diária, em espaços
criados para educação continuada, em micro-ensinos.
"Nós mesmas, quando colocamos a rotina da passagem de plantão, era uma coisa que até a gente, no começo, não valorizava, mas hoje... A maior disputa é por esse livrinho (Livro de Ocx>nências), ali. Não pelo livrinho. mas tu colhes informações. Ele tem a nossa trajetória, ele diz o que a gente fez, o que a gente não fez”. (Margarida)
“Tu sabe que ali não passa nada!” (Sino)
“É. não passa nada. A gente tem confiança naqueles nossos registros”. (Margarida)
Essas falas denotam uma supervalorização dos registros realizados pelas
enfermeiras no livro de ocorrências de enfermagem, em detrimento dos registros
nas pastas individuais de usuários do serviço de saúde. Essa rotina de anotar no
Livro de Ocorrências de Enfermagem foi imposta pela Chefia do Serviço de
Enfermagem e, no início, não haviam gostado da idéia, mas, aos poucos, isso se
modificou. Hoje, esses registros são valorizados e importantes. Isto é, não só os
registros, mas a troca de plantão, de informações. Porém, baseados em
observação e em análise prévia realizada em alguns prontuários de usuários,
cremos que os registros das intercorrências diárias dos usuários do serviço de
saúde e notas de admissão, em suas pastas individuais necessitam também ser
mais valorizados e melhorados.
Pensamos que, algumas vezes, estamos acomodados á situação vigente,
que não se preocupa em estimular as pessoas a tomarem-se críticas e
questionadoras. Diariamente, submetemo-nos às ordens e cobranças, com as
quais muitas vezes não concordamos e, no entanto, ficamos calados, com medo
de “boicotes” e até mesmo, “perseguição” e demissão. Sentimo-nos em
desarmonia com a nossa própria chefia, quando o que, justamente, necessitamos
43
é seu apoio e o estabelecimento de uma relação dialógica. O que se pode inferir é
que não estamos preparadas para administrar conflitos nem mesmo entre nossos
pares. Vivemos “apagando incêndios” e tentando harmonizar o ambiente de
trabalho, embora muitas vezes, desarmonizadas e insatisfeitas internamente.
“O registro é importante porque ele penvanece, mas a nossa troca, a nossa comunicação em trocar é importante". (Margarida)
“Fala muito, aqui, na falta das anotações de enfermagem, que propicia a mecanização do trabalho. No momento que tu não estás escrevendo, anotando nada, tu te tomas muito mecânica, né? Também, impede o desenvolvimento intelectual...” (Violeta)
Apesar desse entendimento demonstrado por estas enfermeiras, verifica-se
que há uma aparente acomodação, mantendo escondidas a criatividade e
motivação atrás de trabalhos desempenhados de forma mecânica e repetitiva, de
acordo com o costume predominante. Pode-se perceber que não há reflexão
crítica, somente um estado de consciência mágica; os fatos não chegam a ser
plenamente descodificados, as pessoas são olhadas e percebidas como objetos,
por exemplo, é a diarréia da “Dona Fulana”, traduzindo-se pela geração de
registros simplistas e estereotipados, em forma de “rótulos prontos”.
Como não foi possível, nesse momento, que todas lessem todos os textos,
combinamos que iriam trocá-los entre si e lê-los com maior atenção para, no
próximo encontro, discutirmos sobre eles com maior profundidade e
conhecimento.
Talvez, motivadas pelas discussões realizadas, duas participantes do
grupo (Sino e Violeta) relataram que estão fazendo um trabalho sobre rotinas e
que pretendem envolver os auxiliares de enfermagem.
“O trabalho de vocês (rotinas), eu acho muito importante. Tem que ter rotinas, sim. Mas, que não sejam uma coisa rígida, imposta, que não pode mudar”. (Abelha)
”A gente vai fazer assim, conversar com eles para ver as idéias deles. Pontue, senão, fica uma coisa imposta mesmo. Eles pensam e, também, podem ter uma outra idéia, por exemplo, esse negócio de levar o paciente ao Raio X, sei lá! De repente, tem uma fonva melhor deles fazerem isso.” (Sino)
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“É uma pessoa, um auxiliar de enfermagem que tem uma idéia ótima, de repente, tu nunca atentou para aquele lado ali. Acho que a gente tem que aproveitar bem as idéias”. (Violeta)
“Eles têm muitas idéias boas!” (Abelha)
°Tem, sim!” (Violeta)
Sob a ótica de Paulo Freire, há a concepção que as coisas não devem ser
impostas e sim emergirem do próprio sujeito, mas para que isso se dê, é
necessário a motivação e o estímulo numa relação dialógica.
Para Freire (1980, p.40), “o homem não pode participar ativamente na
história, na sociedade, na transformação da realidade, se não é auxiliado a tomar
consciência da realidade e de sua própria capacidade para transformá-la”.
Nessas falas, ficou claro que as rotinas são importantes, que são
valorizadas, mas que não devem ser rígidas, impostas, que possam ser revistas e
alteradas, conforme necessidade do serviço. Os auxiliares de enfermagem,
freqüentemente têm boas idéias e as mesmas necessitam ser devidamente
valorizadas e aproveitadas. Todas as pessoas possuem conhecimento de sua
práxis vivenciada, as relações precisam ser horizontais, de diálogo e respeito.
Segundo Freire (1998, p.3) “é pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática.”
5.1.3 Terceiro Encontro
Realizado no dia 08 de julho de 1999.
Participaram desse, encontro, apenas as mesmas três enfermeiras
(Violeta, Sino e Margarida). Iniciamos, perguntando-lhes o seguinte: “Para vocês, são importantes ou não os registros de enfermagem? O que pensam a respeito disso?”
Responderam da seguinte forma:
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“É de extrema importância. Eu procuro anotar tudo...se tu não fazes os teus registros, qual é? A enfermagem não se firma, né?!” [registros nas pastas dos pacientes]. (Sino)
“Pelo fato da gente não passar 24 h aqui dentro”. (Violeta)
“Tu tens que saber o que está acontecendo depois”. (Sino)
“Muitas vezes, tu precisas daquele registro mais tarde, né? É super importante sim, mas acho que o que tem que ficar bem claro, é que não só o registro de enfennagem no prontuário é importante, entendeu?” (Violeta)
“A nossa passagem de plantão?” (Margarida)
“A nossa passagem de plantão é importante. Qualquer registro, desde uma vez, que tenha, né?” (Violeta)
“... o registro é importante porque tu te interas de tudo que aconteceu na tua unidade, senão, tu ficas pendendo. Os nossos funcionários fazem essas evoluções, tenivelmente, é só calmo, é só sem oconéncias, não sei?!” (Sino)
Estas falas demonstram a importância que atribuem aos registros e de seu
valor para que se tenha determinada informação acerca dos acontecimentos e
fatos ocorridos, durante o período em que não se encontram no local. Por sua
vez, fazem uma crítica aos mesmos, no momento em que dizem que os registros
são estereotipados. Comentamos que, às vezes, está registrado que “passou
bem”, “sem oconrências”, “sem anormalidade”, mas observamos, por exemplo,
que um determinado usuário recebeu medicação antitérmica, analgésicos que
estão checados na prescrição médica e, nas anotações de enfermagem, não há
registros do porquê do uso de tais medicações.
Surgiu, nessa reflexão, como os auxiliares de enfermagem fazem registros
usando “chavões”, aparentemente sem perceberem a realidade e sua
significação, muito embora, enquanto estavam fazendo o curso de auxiliar de
enfermagem, eles registravam corretamente. E nós, como enfermeiras, nos
surpreendemos com isso, mas não fazemos nada para alterar esse fato.
Acomodamos-nos e não pensamos mais no assunto.
Consideramos os registros importantes por todos os motivos já
explicitados. No entanto, mesmo assim, não os fazemos da forma como
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deveríamos em nossa prática cotidiana. Essa prática educativa teve por
finalidade, também, levar-nos a refletir sobre essa prática e desinstalar-nos da
acomodação, levando a novas perspectivas do fazer em enfermagem e á
valorização da profissão.
Freire (1980, p.37) escreve que
“no ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, eleição, dedsão, organização, ação... todas essas coisas pela quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente ‘adaptado’ à realidade e aos outros, mas ‘integrado’. Pela ação e na ação, é que o homem se constrói como homem.”
Em outras palavras, isso significa que, porque estamos discutindo isso, já
nos tomamos sujeitos, segundo Freire. Emergiu, nas falas, a questão do longo
tempo de permanência do paciente internado na Unidade, em quadro crônico, que
causa desestímulo para o auxiliar de enfermagem realizar anotações fidedignas e
completas.
"É uma difículdade para essas pessoas escreverem. Maldito costume de que, quando cai aqui, não fazer mais. Eu gosto de registrar, eu coloco ‘tudinfio’, coloco demais, até. Porque elas não têm mais ‘saco’ de fazer evoluções’’. (Sino).“No início, quando elaborei um impresso próprio, onde era necessário só marcar e no final do tumo deveriam basear-se por esse impresso para fazer um registro das ocorrências do dia, tudo ia bem. Depois! Agora, nem as folhas tem mais”. (Violeta)
Como fica evidente nestas falas, não existe motivação. Por outro lado. não
existe nem estímulo nem o apoio institucional para que sejam feitos os registros.
Nesse momento, lançamos outro questionamento: “Notaram se, desde que começamos esses encontros, modificou alguma coisa no trabalho de vocês, no cotidiano, no dia-a-dia? Sentem uma mudança nesse sentido, de tentar registrar mais, de trabalhar melhor isso?”
“Não! Eu vejo a importância deles, através desse livro, aqui (Relatório de Ocorrência das Enfenveiras), para nós tenvos conhecimento de todo o hospital, praticamente, através desse
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livro. Por esse livro, aqui, é que eu fico sabendo de tudo, quanto mais colocarem, aqui, mais eu vou saber". (Sino)
Esse comentário reforça a percepção que temos da supervalorização do
registro no Relatório de Ocorrências das Enfermeiras, onde existem registros
realizados somente pelas enfermeiras das Unidades e Supervisoras para serem
compartilhados nos horários de troca de turnos de trabalho, isto é, a passagem de
plantão. Em nossa avaliação, essa supervalorização do Livro de Registro de
Ocorrências põe em evidência a pouca ênfase dada aos registros nos prontuários
e mostra como a existência do primeiro compete com estes últimos na realização
dos registros.
Talvez este seja um dos fatores que corroboram para que as enfermeiras
pouco registrem nos prontuários dos usuários do serviço de saúde. O que se
percebe é que esse registro, geralmente, se dá quando realizam alguma atividade
privativa, quando observam ou constatam algo importante em relação ao usuário
do serviço sob seus cuidados, que necessite de intervenção ou descrição
adequada.
Não podemos deixar de lembrar que o capitalismo influenciou a divisão
técnica do trabalho da Enfermagem Moderna e também, a divisão social do
trabalho (moldes Nightingaleanos) proporcionando à enfermagem uma
fragmentação onde a assistência é prestada de forma coletiva por vários
profissionais, mas com saberes, práticas e origem social diferenciadas.
Em outras palavras, a enfermagem, atualmente, ainda é exercida por
diferentes categorias de profissionais com formação escolar que vai do nível
médio ao superior (Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Enfermagem e
Enfermeiro) o que lhe confere a característica de serviço especializado e coletivo,
na qual seus profissionais apresentam habilidades diferenciadas e desenvolvem
procedimentos distintos.
Geralmente, o Enfermeiro assume a atividade gerencial e os outros
profissionais da Equipe de Enfermagem, a parte manual. Embora o enfermeiro
também exerça atividades manuais, porém sua principal atribuição tem sido a de
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ser o responsável pela coordenação da assistência de enfermagem.
Daí, então, podemos tentar explicar porque são os auxiliares de
enfermagem que mais registram nos prontuários dos usuários do serviço de
saúde (especialmente no ambiente hospitalar) visto que são os que executam
grande parte das atividades de assistência de enfermagem de forma mais direta.
Analisando o conjunto das situações descritas sob a ótica Freiriana, pode-
se concluir que o grupo ainda encontra-se na fase de transitividade ingênua, no
“mundo das idéias”, da consciência ingênua e mágica. A situação com relação às
deficientes notas de admissão e registros diários de enfermagem realizados, nas
unidades desse Hospital, ainda é vista de maneira simplista, pois não há desejo
aparente de aprofundamento nas causas desses fatos. As conclusões são
desprovidas de análise e reflexão.
A argumentação do grupo é frágil, salientando que, somente através do
Livro de Ocon-ências, é vista a importância de se anotar dados relevantes para o
exercício profissional e para a continuidade do cuidado. Aparentemente, os
sujeitos não se mostram motivados à mudança, percebendo-se pouca intenção
concreta quanto à transformação e reflexão crítica.
A nosso ver, um processo de educação continuada acerca dos Registros
de Enfermagem pode ser de grande relevância para a melhoria da assistência
prestada e para a qualificação do Serviço de Enfermagem dessa Instituição, como
se pode perceber pelo teor das falas a seguir apresentadas:
“Eu sinto a necessidade de voltar a fazer o que eu fazia antes, entendeu?” (Violeta)
“Como quando tu começaste?” (Abelha)
“Falar com a mãe da criança, só que, para eu começar, eu tenho que começar sabendo que vai ter continuidade”. (Violeta)
“Sim”. (Abelha)
“E, por isso, eu sei que tenho que trabalhar as funcionárias, tanto no sentido de registrar como no sentido de me auxiliar no registro. Senão, não tem! Se eu não tiver auxilio, sozinha eu não vou
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conseguir...Agora, nos meus registros não teve alteração pontue eu já fazia, quando a criança intema eu sempre faço, se estou ali. Eu sinto a necessidade e já sentia, antes dos nossos encontros. Talvez, agora mais, porque se intensificou a conversa, mas eu continuo sentindo a necessidade de voltar a fazer histórico, evoluções, prescrições". (Violeta)
Por meio da fala de Violeta, nota-se sua inquietação, uma tentativa de
busca de compromisso, de transformação. No entanto, para que haja mudança,
há de se ter implícito o compromisso com a mudança. O sujeito tem que se sentir
comprometido com a transformação da realidade. Analisando situações da sua
práxis e, usando de reflexão crítica, transformar-se em agente de mudança,
partindo para ação-refiexão em busca de uma nova ação. Como preconiza Freire
(1998), o homem reflete, constrói, modifica, reconstrói com o intuito de ser mais
sujeito e melhor, comprometido com a verdade. Segundo Freire (1998, p. 19),
“o compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos ficam ‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experenciá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros”.
Daí em diante. Violeta narrou fatos em que familiares queixaram-se de que
a criança estava com vômitos, só que a enfermagem, em nenhum momento, foi
chamada para verificar, apesar da família ter sido orientada. Isto gerou, então,
conflito entre eles e a equipe de enfermagem, pois os familiares chamaram o
médico assistente.
Ao exame físico, foi observado que a criança não se apresentava
prostrada, estava normal e tal fato foi contemplado nos registros de enfermagem
pela enfermeira. Esta ocorrência, para os funcionários, foi vista como rotina, isto
é, não necessitava de um registro, pois já havia sido solucionada. Posteriormente,
á análise, concluiu-se que o objetivo dos familiares era suspender a alta, que já
estava prevista.
Continuando, Violeta assim se posicionou, quanto aos registros: “quando a
gente está na unidade, a gente faz (registros de enfermagem), não é Sino?”
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“Sim! Mas quando eu não estou? As gurías (Auxiliares de Enfermagem) mal fazem a internação (notas de admissão). Colocam internou para tratamento aos cuidados de Tal Pessoa. Até que estou conseguindo que elas coloquem referindo tal coisa, tomou medicação em casa, todo esse tipo de coisa que agente tem que fazer, tem que saber. Senão, elas só colocam ‘para tratamento clinico aos cuidados do Dr. Tal’, foi comunicada a secretária e tchau! Aquele dia, a Dona Z, eliminações normais, evolução de uma auxiliar; e