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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
FERNANDA LOPES REGINA
A PROPAGANDA IDEOLÓGICA DO IPES (1961 – 1964)
CURITIBA 2010
1
FERNANDA LOPES REGINA
A PROPAGANDA IDEOLÓGICA DO IPES (1961 – 1964)
Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica I, como pré-requisito à conclusão do Curso de Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profª. Drª. Luciana Fernandes Veiga
CURITIBA 2010
2
“Há soldados armados Amados ou não
Quase todos perdidos De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam Uma antiga lição:
De morrer pela pátria E viver sem razão...”
Geraldo Vandré
Em memória de meu pai.
3
Dedico este trabalho a pequena família da qual faço parte, minha mãe Ana e minhas irmãs Patrícia e Priscila, sem as quais eu não teria forças para caminhar. Aos grandes amigos que surgiram ao longo dessa caminhada vindos de diferentes direções, Alexsandra, Kássia e Érika, que me ajudaram a continuar quando eu achei que não poderia mais e que hoje fazem parte de todas as minhas conquistas. Aos amigos com quem dividi bons momentos durante esse período e dos quais jamais vou esquecer, Lidiane, Édina e Angel. À Professora Luciana por ter desde o início acreditado no projeto. À atenção e prestatividade de Satiro Nunes do Arquivo Nacional. E, sobretudo a Deus pela força de todos os dias.
4
RESUMO
A principal questão apresentada neste trabalho diz respeito à propaganda política e seus
efeitos sociais, políticos e econômicos. Para ilustrar este quadro, a presente análise
busca elucidar de forma exemplificada, algumas das principais questões presentes nas
teorias da Comunicação, da Sociologia e da Ciência Política.
O objetivo central é saber de que forma o discurso pré-64 influenciou a população como
um todo, mobilizando os indivíduos através de uma doutrina ideológica respaldada no
desenvolvimento e no anticomunismo a fim de se buscar o apoio de diferentes classes
para a efetivação do Golpe.
PALAVRAS-CHAVES: Propaganda. Regime Militar, Forças Armadas, IPES.
5
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Índice do PIB de 1920 a 1980 pg. 47
QUADRO 2 – PIB de 1920 a 1980 por setores pg. 48
QUADRO 3 – Bancada dos principais partidos na Câmara Federal -
1945 – 62 pg. 62
QUADRO 4 – Tipologia dos documentários pg.109
QUADRO 5 – Ocorrência das metas do IPES nos documentários pg. 111
6
SUMÁRIO
RESUMO 4
LISTA DE QUADROS 5
INTRODUÇÃO 8
Capítulo I
PROPAGANDA E POLÍTICA
I.1. Propaganda 12
I.2. A Indústria Cultural e os Meios de Comunicação de Massa 14
I.3. A Propaganda Política 22
I.3.1. Estado Poder e Ideologia 22
I. 3. 2. A Propaganda Político-Ideológica 30
I.4. A Propaganda Nazista 35
I.5. A Propaganda Varguista 40
Capítulo II
BRASIL: 1945-1964
II.1. Sociedade, Economia e Política 47
II.2. Os Interesses de Classes 56
II.2.1. Os Trabalhadores 60
II.2.2. Os Militares 66
II.2.3. Os Empresários 79
II. 3. A Difusão Ideológica 85
Capítulo III
O IPES
III.1. Fundação 89
III.2. Estrutura 93
Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC) 94
Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP) 95
Grupo de Opinião Pública (GOP) 96
Grupo de Publicações/Editorial (GPE) 98
Grupo de Estudo e Doutrina (GED) 99
III.3. A Propaganda Golpista 100
7
Capítulo IV
PROPAGANDA IPESIANA NOS DOCUMENTÁRIOS DE JEAN MANZON
IV.1. O Gênero Documentário no Brasil 104
IV. 2 Os Filmes Ipesianos 108
CONCLUSÃO 114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 115
8
INTRODUÇÃO
As pesquisas documentais tiveram nas últimas décadas um crescimento
significativo na quantidade total de trabalhos realizados. Se analisarmos, por exemplo, o
caso da América Latina, veremos que principalmente a partir da década de 80, que para
muitos países significou o fim de seus regimes autoritários, houve intensa luta para que
os documentos provenientes do período em questão se tornassem públicos, sobretudo
por ter-se tratado de um momento político absolutamente complexo, em que todas as
atividades governamentais eram sigilosas e confidenciais.
No caso brasileiro, os documentos estão sob inteira responsabilidade do Governo
Federal, conforme a Lei nº 8.159 de 1991. A consolidação desta política fica a cargo do
Conarq - Conselho Nacional de Arquivo – órgão colegiado que atua vinculado a Casa
Civil da Presidência da República. O órgão central do Sistema de Gestão de
Documentos de Arquivos – SIGA – é o Arquivo Nacional, localizado nos estados do
Rio de Janeiro e Brasília.
Desde 1990, estão sob a custódia do AN os documentos do período do Regime
Militar (1964-1985), provenientes da extinta Divisão de Segurança e Informações do
Ministério da Justiça – DSI/MJ (1946 – 1986). Em 2005 somaram-se a estes, outros
também oriundos de órgãos extintos que faziam parte do quadro institucional da época,
como o Serviço Nacional de Informação – SNI (1964 – 1990) – da Comissão Geral de
Investigações – CGI (1964 - 1979) e do Conselho de Segurança Nacional – CSN (1964
– 1980), tendo seu acervo sobre repressão passado de 492.898 páginas de texto para
11.468.676 páginas da mesma natureza.
Os documentos disponibilizados pelo Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
possibilitaram a René Armand Dreifuss, a realização de sua obra-prima “1964: A
Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe”.
Através deste livro, Dreifuss trouxe a tona uma questão absolutamente
desconhecida pela maior parte da população, qual seja, a existência de um instituto
criado em 1961, formado quase que majoritariamente por empresários multinacionais
que tinham como objetivo principal a derrubada do governo João Goulart: o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES, nosso objeto estudo. A presente pesquisa encontra
respaldo no trabalho precursor de Dreifuss no que diz respeito à análise do IPES
enquanto um órgão disseminador de vasta propaganda política que resultaria em 1964
com o Golpe Militar.
9
Fundado oficialmente em 29 de novembro de 1961, o IPES tornou-se o reduto
da conspiração civil contra o governo Goulart, agremiando diversos backgrounds
ideológicos e forças de ação para que o objetivo pudesse ser alcançado.
A questão mais controversa e principal alvo das críticas ao trabalho de Dreifuss
está posta em relação a “primazia do econômico”, ou seja, o alto grau de importância
que o autor teria atribuído ao Instituto, enquanto força de ação para a tomada do poder
de Estado; para os críticos, esta avaliação economicista do momento em questão,
subestimaria a verdadeira essência militar do Golpe.
Nosso trabalho, tanto quanto o de Dreifuss, busca analisar esta questão pela
única maneira possível: a análise de documentos. Seguramente a máxima de que muitas
vezes os fatos dizem mais do que as provas, é absolutamente aplicável, mas as fontes
documentais continuam sendo a única maneira concreta de analisarmos períodos nos
quais não estivemos presentes.
Explicamos ainda que, ao utilizarmos como principal referência o autor em
questão, não temos a intenção de diminuir a influência e a participação das Forças
Armadas na conspiração golpista, pelo contrário, pretendemos demonstrar ao longo do
trabalho que mais do que uma congruência de interesses, houve no período um
intercâmbio de posições entre os empresários e os militares, com a diferença que
enquanto uns utilizaram-se das armas de fogo, outros apelaram para as armas de efeitos
simbólicos.
Nosso principal objetivo é trazer à discussão de que forma o IPES disseminou
sua ideologia contrária ao populismo, nacionalismo, sindicalismo e comunismo entre os
diferentes setores da sociedade, ou seja, de que maneira a propaganda empreendida pela
classe economicamente dominante encontrou respaldo e apoio na população como um
todo, inclusive no interior das Forças Armadas para que houvesse antes de 1964 no
imaginário coletivo a necessidade da interferência dos militares.
Para que esta análise seja possível, utilizaremos como base, a teoria marxista
clássica que trata da luta de classes nas sociedades capitalistas e alguns de seus
desdobramentos mais contemporâneos, aspectos teóricos de comunicação como a
propaganda, com ênfase em seu caráter político e a análise de alguns documentos
audiovisuais (documentários) que foram produzidos sob o rígido controle do IPES para
fins já mencionados.
No primeiro capítulo apresentaremos as diferenciações entre publicidade e
propaganda tomando a segunda como um meio persuasivo para a obtenção de fins não
10
comerciais, mas como proveniente de um processo histórico do avanço do capitalismo
que possibilitou um aumento significativo das indústrias o que consequentemente
possibilitou a criação de uma Indústria Cultural e a disseminação dos meios de
comunicação. Na seqüência, falaremos mais detalhadamente sobre a propaganda,
revisitando os textos clássicos da ciência política para explicar a disseminação
ideológica a partir dos conceitos de Estado, Poder e Ideologia e para encerrarmos o
capítulo, traremos dois exemplos práticos da utilização da propaganda política: o
nazismo, na Alemanha e o varguismo, no Brasil.
No segundo capítulo faremos uma contextualização do período democrático
brasileiro, de 1945 a 1964 no que diz respeito à configuração social, econômica e
política do país para na seqüência falarmos sobre os interesses presentes na cena política
detalhando as classes atuantes no conflito ideológico, a saber, os trabalhadores, reunidos
nos sindicatos, os militares e suas concepções doutrinárias e os empresários que viam
no liberalismo a única maneira de garantir a manutenção de seus interesses.
É importante notar que apesar da importância no anticomunismo para os debates
existentes na época, não dedicamos um item em especial para ele neste segundo capítulo
que tem como intenção situar o estado de coisas no Brasil no período em questão. Para
que pudéssemos trazer de forma mais condizente e fiel os acontecimentos, acabamos
por diluir o tema entre os diferentes pontos apresentados, sem a necessidade de explica-
lo detalhadamente, pois o trabalho tornar-se-ia repetitivo e desgastante, já que é um
ponto em comum ao discurso das três classes.
Para encerrarmos o capítulo, faremos uma retrospectiva dos meios de
comunicação no Brasil, trazendo os principais veículos de informação que o país
possuía, bem como os índices de crescimento alcançados pelos mesmos.
No terceiro capítulo, chegaremos ao ponto principal de nosso trabalho, ou seja, o
IPES. Iniciaremos com sua fundação e de que forma ele foi aos poucos estabilizando-se
e garantindo sua atuação. Veremos também como eram realizadas suas atividades, seus
principais membros e seu corpo de diretrizes.
Este é o capítulo de introdução do Instituto, que como dito anteriormente, foi
apresentado por Dreifuss em nada menos que cerca de 900 páginas. Faremos uma
reconstituição dos dados trazidos pelo autor unicamente com as informações pertinentes
ao desenvolvimento de nossa pesquisa que analisa o Instituto no tocante à propaganda,
ou seria inviável a conclusão do trabalho.
11
É importante dizer também, que embora nosso trabalho trate do regime militar,
nosso objeto de estudo é o IPES e a propaganda pré-golpe, deste modo o período limite
de análise no trabalho é de 1961, ano de sua fundação a 1964.
Por fim, analisaremos o mais importante dado documental que fez parte do
arcabouço de propagandas que o Instituto difundiu ao longo de sua campanha, os
documentários produzidos pelo IPES através de um dos maiores fotógrafos e
documentaristas que já passaram pelo país, o francês Jean Manzon que adquiriu vasta
experiência como diretor de cinema no período em que trabalhou no Departamento de
Imprensa e Propaganda DIP de Getúlio Vargas e que continuou atuando a serviço do
governo após 1964.
12
Capítulo I – PROPAGANDA E POLÍTICA
I.1. Propaganda
“A propaganda permitiu-nos conservar o poder, a
propaganda nos possibilitará a conquista do mundo”.
Adolf Hitler
Os termos “Propaganda” e “Publicidade” são utilizados no Brasil
indistintamente e usualmente acabam por designar a mesma idéia, de forma que as
características que definem cada um deles são colocadas em xeque sem levar em conta
que uma confusão terminológica pode comprometer o resultado final de uma pesquisa.
Erbolato (1985) define publicidade como:
“1. Arte de despertar no público o desejo de compra, levando-
o à ação. 2. Conjunto de técnicas de ação coletiva, utilizadas
no sentido de promover o lucro de uma atividade comercial,
conquistando, aumentando ou mantendo clientes”. 1
A publicidade está associada, portanto, à atividade comercial, ou seja, à
promoção de produtos ou serviços, visando o estímulo à compra por parte do público
consumidor. Acreditamos que esta seja uma classificação primária para o termo, mas é,
no entanto, o suficiente para esclarecermos sua finalidade e podermos diferenciá-lo da
propaganda, que é o nosso real objeto de trabalho.
Ainda segundo Erbolato (1985):
“[a propaganda é um] conjunto de atividades que visam
influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou
cívico, mas sem finalidade comercial”. 2
A partir desta definição, conseguimos identificar a principal diferença entre os
termos através de uma simples relação entre objetos e objetivos: publicidade –
1 ERBOLATO, Mario. Dicionário de Propaganda e Jornalismo. Campinas: Papirus, 1985, p. 281. 2 Ibdem , p. 279.
13
comercial e propaganda – ideologia. Embora a segunda, tal qual a definição proposta,
tenha se inspirado na outra surgida nos Estados Unidos, ela adquiriu contornos próprios
e consequentemente, uma função terminológica própria.
A propaganda trata da divulgação de idéias com a finalidade de influenciar
opiniões e ações de outros indivíduos ou grupos relativamente a fins predeterminados,
ela opera no intuito de despertar e influenciar os sentimentos do público receptor. 3 Por
isso, ao longo de sua evolução, ela alcançou uma significativa importância no processo
de desenvolvimento das sociedades. Inúmeros estudos partem deste pressuposto e
analisam a influência que ela teve na difusão de idéias que guiaram importantes
transformações nos campos econômico, político e social.
Segundo Pinho (1990), a propaganda pode ser classificada, segundo sua
natureza, em nove categorias, a saber: ideológica, política, eleitoral, governamental,
institucional, corporativa, legal, religiosa e social.
O estudo do conjunto destas categorias, sem dúvida alguma, possibilita uma
compreensão mais abrangente do conceito em si, mas esta não é a intenção deste
trabalho. Iremos nos ater a duas categorias fundamentais e elucidativas para nossa
apresentação: a política e a ideológica.
A propaganda política consiste basicamente na transmissão de idéias políticas e
de programas ou filosofias partidárias. Ela é comumente utilizada para influenciar a
opinião pública através dos meios de comunicação, atuando pelo processo da persuasão,
que segundo Garcia (1999) é a sua marca distintiva.
O conteúdo de sua mensagem é estabelecido a favor de uma causa, quase sempre
associada à classe dominante e esta mensagem traz embutida em si, uma ideologia,
entendida aqui como um conjunto de idéias a respeito da realidade.
Decorre dela, então, a propaganda ideológica que segundo Pinho (1990) tem a
função
“(...) de formar a maior parte das idéias e convicções dos
indivíduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento
social. As mensagens apresentam uma versão da realidade a
partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade
3 Até mesmo o indivíduo final é diferente, na publicidade é consumidor, na propaganda é público receptor.
14
nas condições em que se encontra ou de transformá-la em sua
estrutura econômica, regime político ou sistema cultural”. 4
Neste trabalho utilizaremos a definição “propaganda político-ideológica” para
designar este processo conjunto de atuação das duas categorias de propaganda,
entendida pelo viés sociológico, como um objeto particular constituinte de uma análise
mais ampla que busca esclarecer o andamento do processo de dominação social de
determinada classe por outra em determinado momento histórico, dada a relevância de
seu caráter ideológico.
No entanto, faremos uma breve análise histórica do surgimento da propaganda
encontrando respaldo na teoria sociológica oriunda da Escola de Frankfurt, que tem em
Theodor W. Adorno, seu mais importante representante diante de seus estudos
realizados junto a Max Horkheimer sobre a Indústria Cultural.
I.2. A Indústria Cultural e os Meios de Comunicação de Massa
“Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes
começaram a ser abertamente obsedadas pela ascensão da
sociedade capitalista, por um mundo no qual todos os laços
sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o
papel-moeda (...)”5
Na citação apresentada, Hobsbawn refere-se às profundas transformações que o
século XIX assistiu. Neste período houve uma significativa mudança no funcionamento
das sociedades contemporâneas, atingindo assim, todos os seus elementos constituintes,
tais quais a política, a economia, a cultura, etc.
De forma geral, segundo as teorias que analisam este processo, as antigas
relações tradicionais foram suplantadas por outras. Os indivíduos passaram a se
constituir em uma “massa” homogênea sem diferenças político-ideológicas, sem
vínculos comunitários, desintegrando desta forma, as culturas locais diante da transição
econômica que o século XIX apresentou.
4 GARCIA, Nelson Jahr apud PINHO, José Benedito. Propaganda Institucional - Usos e Funções da Propaganda em Relações Públicas. São Paulo: Summus Editora, 1990, p. 22 5 HOBSBAWM, Eric J. p. 22. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/2301094/A-Era-das-Revolucoes-Eric-J-Hobsbawm> . Acesso em: 18 de fevereiro 2010.
15
Na seqüência de sua exposição, Hobsbawn faz uma citação à “La comédie
humaine” de Honoré de Balzac, considerada uma obra-retrato das mudanças sociais
sofridas pela sociedade francesa na primeira metade do século XIX, período de
transição do Antigo Regime e a consolidação da sociedade burguesa moderna. 6
Neste retrato cômico que Balzac faz da burguesia francesa, estão contidos os
principais elementos presentes no processo de industrialização, pelo qual a Europa,
sobretudo a França e Inglaterra, vinham passando, entre outros: “o sistema de transporte
interurbano (...), o processo da tipografia, o jornalismo nascente, a rotina dos cartórios e
dos escritórios de advocacia, os comerciantes e suas listas de clientes e fornecedores, o
sistema de descontos de letras, a confecção de perfumes, atas de concordatas, montagem
de processos de falências etc”. 7
A transição econômica do modelo liberal para o monopolista, teve início na
metade do século XIX, e consolidação no século XX com o desmoronamento do
liberalismo ocorrido na Revolução Industrial. A principal característica deste momento
foi a mecanização e racionalização da produção, separando capital e trabalho,
produzindo em função do lucro pela produção e consumo em massa. Este processo de
industrialização passou a manifestar tendências monopolistas de controle de mercado e
alterou de forma efetiva as sociedades.
À grande concentração e centralização de capital convencionou-se chamar de
capitalismo, originado com a concentração de unidades fabris e produção industrial
apoiadas pelo capital financeiro, separando visivelmente a sociedade em classes, ou
seja, a burguesia e o proletariado.
Segundo Marx (DATA):
“A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou cidades
enormes, aumentou tremendamente a população urbana em
relação à rural, arrancando assim contingentes consideráveis
da população do embrutecimento da vida rural. Assim como
subordinou o campo à cidade, os países bárbaros e
6 Embora a Revolução Industrial tenha tido início na Inglaterra (antiga Grã-Bretanha), logo espalhou-se pelo continente e seu legado pôde ser observado em vários outros países europeus, por isso à alusão de Hobsbawn ao cenário francês. 7 Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/La_com%C3%A9die_humaine>, Acesso em: 18 de fevereiro 2010.
16
semibárbaros aos civilizados, subordinou os povos camponeses
aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais a dispersão da população,
dos meios da produção e da propriedade. Aglomerou a
população, centralizou os meios de produção e concentrou a
propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária disso
foi a centralização política”.8
O capitalismo, por sua vez, enfrentou – e enfrenta – crises que estão relacionadas
ao seu próprio funcionamento enquanto modo de organização social, pois como analisa
Marx (DATA)
“Há mais de uma década a história da indústria e do comércio
é, simplesmente, a história da revolta das forças produtivas
modernas contra as condições modernas de produção, contra
as relações de propriedade que condicionam a existência da
burguesia e seu domínio. Basta lembrar as crises comerciais
que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a
sociedade burguesa. Nessas crises destrói-se uma grande parte
dos produtos existentes e das forças produtivas desenvolvidas.
Irrompe uma epidemia que, em épocas precedentes, parecia
um absurdo – a epidemia da superprodução. Repentinamente,
a sociedade vê-se de volta a um estado momentâneo de
barbarismo; é como se a fome ou uma guerra universal de
devastação houvesse suprimido todos os meios de subsistência;
o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê?
Porque há demasiada civilização, demasiados meios de
subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio”.(Nota
Manifesto)9
Uma vez que o crescimento econômico está intimamente ligado à produção, e
esta por sua vez, gera uma abundância de produtos, baixa dos preços e
consequentemente o corte de despesas que se convertem em demissões, baixa dos
8 O manifesto comunista 9 O Manifesto
17
salários, subemprego, falência de empresas, podemos dizer que a deficiência do sistema
econômico reflete-se principalmente no campo social: cria-se a miséria e o
descontentamento, e o resultado desta união são as revoluções sociais.
“E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de levantes
espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações
pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 no
continente e os amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha.
O descontentamento não estava ligado apenas aos
trabalhadores pobres. Os pequenos comerciantes, sem saída, a
pequena burguesia, setores especiais da economia eram
também vítimas da revolução industrial e de suas ramificações.
Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema
destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos
problemas”. 10
É neste momento que Karl Marx leva a público o Manifesto Comunista,
originário da secreta Liga Comunista formada por operários alemães que em 1847 no
Congresso de Londres, através de abaixo-assinados, organizaram-se na missão de
“escrever para fins de publicação um programa detalhado, teórico e prático do
partido”.11
A crise capitalista estava deflagrada: para Marx a maior contradição capitalista
está em si mesma, na medida em que o capital origina o proletariado, que é quem dá
vida ao capitalismo e por sua vez, possui a chave para a destruição do mesmo - a união
de esforços contra a burguesia dominante através da luta de classes.
Com este processo instaurado, ficou ainda mais difícil impor a hegemonia de
forma a agrupar o proletariado tal qual a classificação de sociedade de massas; 12 surge
10 HOBSBAWM, Eric J. p. 28. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/2301094/A-Era-das-Revolucoes-Eric-J-Hobsbawm> . Acesso em: 18 de fevereiro 2010. 11 O Manifesto 12 A sociedade de massas formou-se durante o processo da industrialização do século XIX, através da especialização em tarefas, a organização industrial em larga escala, a concentração de populações urbanas, a centralização crescente do poder de decisão, o desenvolvimento de um complexo sistema de comunicação internacional e o crescimento dos movimentos políticos das massas. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_popular>. Acesso em: 20 de fevereiro 2010.
18
disso a necessidade de um mecanismo articulador mais poderoso que torne possível à
burguesia manter seu controle diante das crises operárias; essa mediação começa de
forma mais imperativa a ser realizada pelos meios de comunicação. O primeiro meio
massivo, embora já vastamente utilizado, desde a invenção da imprensa por Gutenberg
no século XV é o jornal, pois a Revolução Industrial aperfeiçoou os métodos de
produção e distribuição de mídia impressa. A impressão de tipo rotativa surgida em
1847 nos Estados Unidos, que substituiu a de tipo plana, acelerou a transformação das
editoras de jornais em enormes empresas.13
Em 1821, surge na Inglaterra o jornal The Guardian, principal jornal britânico
publicado até os dias de hoje. Em 1933, é fundado o New York Sun, primeiro jornal
“popular”, vendido a um centavo de dólar.
“Os jornais – e especialmente os tablóides da yellow press que
começaram a aparecer em grande número a partir de 1870 –
alcançaram tiragens incríveis. Nas grandes metrópoles –
Barcelona, Madrid, Paris, Berlin, Londres e Nova York –
saíam vários jornais diários, com tiragens espantosas, alguns
até com edições da manhã e da tarde”. 14
Acompanhando o desenvolvimento dos jornais, há no século XIX uma revolução
nas tecnologias de informação, de forma que os meios de comunicação tornam-se
instituições privadas com alcance global, não somente no setor jornalístico, mas
também na área de entretenimento (cultura e diversão), e é justamente neste cenário que
no final da primeira metade do século XIX é cunhado na Alemanha o termo Indústria
Cultural.
Coelho (1997) nos diz:
“Seus princípios são os mesmos da produção econômica geral:
uso crescente da máquina, submissão do ritmo humano ao
ritmo da máquina, divisão do trabalho, alienação do
trabalho”.15
13 É importante lembrar, no entanto, que é nessa época que os partidos operários e demais movimentos sociais também passam a utilizar-se da publicação de jornais e folhetos para a disseminação de sua ideologia. 14 Disponível em < http://tipografos.net/jornais/jornais-19-20.html>. Acesso em 20 de fevereiro 2010.
19
Este autor brasileiro dedicado ao estudo da cultura afirma que não podemos falar
indústria cultural e em cultura de massa antes da Revolução Industrial e de uma
economia de mercado baseada no consumo. Foi a industrialização que determinou a
industria cultural e a cultura de massa. 16
A sociologia, ao analisar os meios de comunicação, ganhou notoriedade através
dos estudos desenvolvidos por Theodor Adorno, Horkheimer e outros intelectuais da
chamada Escola de Frankfurt.
Os autores voltaram sua atenção ao chamado “processo de dominação de
classe”, imposto pela nova ordem cultural que se desenvolvia amplamente diante da
massificação dos meios de comunicação, desde século XIX, dada a emergência de
grandes empresas ou organizações, como vimos anteriormente, que passaram a explorar
o negócio da comunicação e da cultura, transformando-a em mercadoria.
No trabalho intitulado “Dialética do Esclarecimento”, datado de 1947, Adorno
substituiu o termo até então empregado “cultura de massa” por “indústria cultural”,
partindo do princípio de que a primeira expressão retifica a distorcida imagem de que a
cultura em si, emana das massas, quando na verdade, ela é um produto fabricado pela
classe dominante.
A indústria cultural, grosso modo, pode ser definida como o conjunto dos meios
de comunicação, a exemplo do cinema, do rádio, da televisão, dos jornais e revistas, que
para o autor, formam um poderoso sistema de manipulação e controle social.
“O controle dos meios de difusão de idéias e de informações –
que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa,
como reflexo do desenvolvimento capitalista em que aquele
está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e
pessoas da mais diversa situação social, cultural e política,
correspondendo a diferenças de interesses e aspirações”. 17
15 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural – Cultura e Imaginário. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997, p. 216. 16 COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1983. 17 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 1999, p. 1.
20
Esse controle reitera as relações de produção, ajustando-se, todavia, de acordo
com o contexto no qual estão inseridas, pois a indústria cultural representa um fator de
extrema importância para a formação da consciência enquanto elemento da mentalidade
dominante.
Para os autores, ela previamente determina às massas a direção que deve ser
tomada, orientando o comportamento do indivíduo através do seu trabalho de adaptação
que provém de sua ideologia. Isso acarreta o que o autor chama de “satisfação
substitutiva”, enganando o homem ao propor o modo de organização dado como o ideal
a ser buscado;
“a dominação técnica progressiva, se transforma em engodo
das massas, isto é, em meio de tolher a sua consciência. Ela
impede a formação de indivíduos autônomos, independentes,
capazes de julgar e de decidir conscientemente” 18 (NOTA)
Há uma imposição, por parte daqueles que comandam os veículos de
comunicação, de idéias e valores criados pela indústria cultural. Isso se constitui na
tentativa de legitimação do conteúdo do material cultural produzido, revestido da
ideologia dominante.
Segundo o autor:
“A tecnologia da montagem e do efeito e o realismo exagerado
faz com que o cinema ande muito rápido para permitir reflexão
do seu expectador, fazendo com que o indivíduo passe a se
integrar à multidão, por outro lado, o rádio enquanto comando
aberto e de longo alcance passou a ser instrumento que coloca
o discurso como verdadeiro e absoluto às massas. O filme
sonoro e a televisão podem criar a ilusão de um mundo que
não é o que a nossa consciência espontaneamente pode
perceber, mas uma realidade cinematográfica que interessa ao
sistema econômico e político no qual se insere a indústria
cultural.”19
18 19
21
Em um estudo sobre a comunicação de massa, Lazarsfeld e Merton (1973),
apontam para o fato de que os meios de comunicação de massa, utilizados enquanto
instrumento de dominação podem ser tanto utilizados para o bem quanto para o mal,
sendo a última proposição mais viável quando a propaganda é desenvolvida de maneira
indiscriminada e sem adequado controle.
Não se pode concluir, entretanto, que há uma indiscriminada assimilação das
informações transmitidas por parte das massas, mas que elas tendem a incorporar as
práticas apresentadas, como necessárias à sua necessidade, substituindo o processo de
manipulação pelo de influência, como veremos mais adiante.
A sujeição social ocorre em diferentes níveis de controle organizado. Segundo
Lazarsfeld e Merton:
“Os meios de massa outorgam prestígio e acentuam a
autoridade de indivíduos e grupos legitimando-lhes o status. O
reconhecimento pela imprensa, pelo rádio, pelas revistas ou
pelos noticiários cinematográficos é a prova de que alguém
triunfou, de que alguém é suficientemente importante para
destacar-se das vastas massas anônimas, de que o
procedimento e as opiniões de alguém são tão significativos
que fazem jus à atenção pública” 20.
Coelho (1997) aponta em seu trabalho para as análises de Norberto Bobbio
filósofo político italiano, para o qual a indústria cultural é incompatível com a
democracia, pois “o uso feito da informação pela indústria cultural produz doutrinação,
que tende a reduzir ou eliminar o sentido da responsabilidade individual, considerada
fundamento da democracia”. 21 Para o autor, não é a cultura em si o que deve ser
analisado nos estudos sobre a Indústria Cultural, mas sim a barreira que ela cria para
que os indivíduos não alcancem a alcancem, evitando desta forma eventuais críticas aos
modos culturais dominantes.
20 LAZARSFELD, Paul F. e MERTON, Robert K. Comunicação de Massa, gosto popular e ação social organizada. In: ROSENBERG Bernard e WHITE, David Manning. Cultura de Massa. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 527-545. Disponível em http://www.scribd.com/doc/19703784/O-papel-da-midia-na-formacao-da-Opiniao-Publica-o-two-step-flow. Acesso em: 25 de fevereiro 2010. 21 COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural – Cultura e Imaginário. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997, p. 217.
22
A publicidade desdobra-se em propaganda tal qual o modelo norte-americano e
passa a ser empregada como forte aparelho de persuasão e dominação política. O estudo
sobre comunicação e política, aliado ao de opinião pública, é prova de que o campo
adquiriu alto grau de importância na contemporaneidade.
I.3. A Propaganda Política
I.3.1) Estado, Poder e Ideologia
Uma das maiores críticas feitas ao conjunto de obras escritas por Karl Marx está
relacionada à questão do Estado e sua relação com a “sociedade civil”. Entre as décadas
de 1960 e 1970 a análise da obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte permitiu ao
neomarxismo empregar uma série de discussões relativas ao livro, dado o fato de que
para os autores da referida escola, era possível visualizar novas abordagens de conceitos
marxistas que contrariavam determinadas “doutrinas” presentes nas obras da juventude
do autor como resposta aos críticos do marxismo.
Um dos principais autores a apresentar uma teoria marxista contemporânea foi
Nicos Poulantzas, que definiu em Poder Político e Classes Sociais o Estado como “uma
instituição que reproduz a ordem social e que registra na sua forma de organização
interna as relações de classe da sociedade em que opera”. 22
As críticas a teoria clássica do Estado marxista opõe-se principalmente aos
conceitos de instrumentalismo, mecanicismo e economicismo, conceitos estes utilizados
para traduzir - simplificadamente - a visão marxista segundo a qual a economia é a
principal variável na constituição do aparelho estatal.
No primeiro conceito considera-se que o Estado é controlado pelas classes
economicamente dominantes, ou seja, ele é um instrumento nas mãos da “burguesia”.
No segundo, que o movimento da economia é que configura e dita o funcionamento das
superestruturas culturais e ideológicas e no último, que é o processo produtivo que
define as classes sociais.
Vejamos como Marx define aquilo que seria o “fio condutor” de suas análises:
22 PERISSINOTO, Renato. A importância do 18 Brumário de Louis Bonaparte para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista. Curitiba, 2003, p. 7. Disponível em <http://www.nusp.ufpr.br/acervo.php?ac=1&acervo_subcat_id=2#ini_lista>. Acesso em: 15 de outubro de 2009.
23
“(...) na produção social da sua vida, os homens contraem
determinadas relações necessárias e independentes da sua
vontade, relações de produção que correspondem a uma
determinada fase de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a
qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual
correspondem determinadas formas de consciência social. O
modo de produção da vida material condiciona o processo da
vida social, política e espiritual em geral”. 23
Esta é concepção marxista de Estado baseada na metáfora do edifício, na qual o
“todo social” seria constituído de uma base/estrutura - econômica - e de superestruturas
- política/jurídica e ideológica - consecutivamente.
As críticas a esse modelo, principalmente quando se analisa o “político” nas
obras de Marx, é a visão aparentemente reducionista que ele propõe, ou seja, de que o
Estado não seria mais que um instrumento nas mãos da classe dominante para a defesa
de seus próprios interesses.
Para Poulantzas o Estado tem a função de manter a coesão social e reproduzir as
relações de classe que determinada sociedade apresenta, ou seja, a classe dominante não
é beneficiada porque ele é simplesmente um instrumento em suas mãos, mas porque ele
é responsável por reproduzir o sistema social em que esta classe ocupa posição
dominante.
Uma observação em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, por mais superficial que
seja, deve levar em conta que o livro trata fundamentalmente da luta de classes na
França. O fato de a narrativa deter-se principalmente a este ponto e aparentemente
ocupa-se pouco da economia, chegando mesmo em algumas passagens parecer ignorar
sua presença e até mesmo sua importância nos acontecimentos que antecederam a queda
da República, é que levou os neomarxistas às tentativas de demonstrar que todo o
reducionismo ao qual a teoria clássica do Estado marxista estava sujeita é passível de
uma reanálise.
Segundo Codato (2005):
23 MARX, Karl. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Karl Marx e Friedrich Engels – Textos 3. São Paulo: Edições Sociais: 300-303, 1977, p. 301.
24
“Esquematicamente: a centralidade de toda a explanação está
ancorada na noção de luta de classes e essa contradição entre
as classes não deriva de uma oposição qualquer, mas uma das
suas ‘situações econômicas’ respectivas (ainda que elas
possam assumir ‘formas’ específicas: jurídicas, políticas,
ideológicas, simbólicas etc.). As análises históricas de Marx
não negam essa realidade, não contornam essa tese, nem
propõem outro princípio teórico diante da ‘primazia do
econômico’, assim entendido”. 24 ( grifos do autor)
Desta forma, o autor nega a solidariedade vinda dos neomarxistas ao encontro
das obras de Marx no intuito de reformular uma teoria que não tem como outro objetivo
senão mostrar-se exatamente como é, ou seja, uma teoria econômica do Estado. Em
última instância, parafraseando Codato (2005), é a economia que determina e
condiciona as ações políticas dos indivíduos, suas representações ideológicas e que
fundamenta os conflitos entre as classes.
Codato (2005) ainda completa:
“O que O 18 Brumário evidencia, por seu turno, é a
dissimulação desse fato na política, seja porque a atividade
política (os grupos puramente políticos, a representação
partidária das classes e frações de classe etc.) nem sempre
pode ser ligada explicitamente aos interesses econômicos, seja
porque essa dissimulação do que é em relação ao que parecer
ser é o que torna a dominação ‘legítima’”25. (grifos do autor)
Para sustentar seu posicionamento teórico, o autor utiliza-se dos conceitos de
“essência” e “aparência” apresentados por Marx em A Ideologia Alemã, segundo os
quais, os interesses reais podem ser camuflados diante de determinada situação para
garantir que o domínio de uma classe seja alcançado e/ou prevalecido sobre outra.
24 CODATO, Adriano Nervo. O 18 Brumário, política e pós-modernismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, nº 64, 2005, p. 106. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n64/a07n64.pdf>. Acesso em: 3 de fevereiro 2010. 25 Ibdem, p. 106.
25
Não pretendemos analisar profundamente as críticas direcionadas ao Estado
marxista e tão pouco esboçar um estudo detalhado sobre O 18 Brumário, pois
fugiríamos de nosso propósito. É necessário que fique claro, no entanto, que as análises
empregadas por Codato em relação à totalidade das obras de Karl Marx é a mais
condizente com a nossa perspectiva, de modo que o modelo do edifício, mesmo com
todas as críticas que carrega contra si nos parece a mais conclusiva para o objetivo
empírico deste trabalho que é o de demonstrar até que ponto a proposição ideológica de
uma classe economicamente dominante pôde ser difundida a ponto de tornar-se também
a proposição de quase toda uma nação, sendo que a primeira valia-se basicamente de
sua privilegiada condição material.
Para que se prevaleça sobre as demais, é imprescindível, entretanto, que a classe
economicamente dominante conjure em si os demais elementos constituintes do “todo
social”. Não devemos ver neste ponto uma oposição a tudo o que procuramos
demonstrar até aqui, pelo contrário, alguns teóricos marxistas, vieram acrescentar à
teoria geral de Marx e de seus sucessores elementos de grande importância para o
entendimento do funcionamento das superestruturas, sobretudo o da ideológica, para a
conquista ou manutenção do poder de uma classe.
Antes de apresentar estes elementos, no entanto, nos parece válido
complementar nossa análise sobre a importância atribuída às demais instâncias
constituintes do Estado, pois como nos advertiu Codato, a estrutura econômica
desempenha um papel determinante na configuração geral do Estado, mas “não é o
único fato determinante”:
“A conclusão dessa comédia contém no entanto uma lição:
ainda que a ‘economia’ não comande absolutamente o
comportamento das classes, o interesse puramente político de
classe submete-se, estrategicamente, ao interesse econômico
geral de classe – o capitalismo, como regime de exploração e
como regime de dominação política. Nessa conjuntura precisa,
a burguesia, como classe, ‘reconhece’ (ainda que essa não seja
uma ação nem consciente nem ‘racional’) que para manter
26
intacto seu poder social, é necessário quebrar seu poder
político (...). (18 Br., p. 481-482, grifos do autor)”. 26
Como vimos até aqui, a “primazia do econômico”, ou seja, o papel crucial que as
estruturas econômicas desempenham na configuração geral do Estado é a base da teoria
marxista, no entanto, as demais superestruturas têm também sua importância em nossa
análise. Ao referir-se ao poder político, por exemplo, Marx diz que ele “é o poder
organizado de uma classe para a opressão de outra” 27, e mesmo referindo-se ao poder
político, os termos “classe” e “opressão” sugerem que existem conceitos subentendidos.
O termo classe supõe, obviamente, que o econômico motiva o descontentamento
que leva às classes a se insurgirem umas contra as outras, de forma que ao “vencedor”
desta disputa é concedido o poder de dominar o outro. Mas de que forma se dá essa
dominação? Onde esta disputa é realizada? O que assegura a manutenção deste poder?
Segundo Althusser (1985), o poder é o elemento constitutivo do Estado, as lutas
de classes se desenvolvem mediante sua busca e conservação, seja por uma classe, uma
aliança de classes ou frações de classes.
O autor nos lembra que “nenhuma classe pode ter em suas mãos o poder de
Estado de forma duradoura sem exercer ao mesmo tempo sua hegemonia sobre e nos
aparelhos ideológicos de Estado” 28, ou seja, para que efetivamente uma classe detenha
o poder sobre outra, é imprescindível que este alcance o nível simbólico/ideológico.
O Estado para Althusser está dividido em duas dimensões: 1) aparelhos
repressivos de Estado que abrange o governo, a administração, o exército, a polícia, os
tribunais, as prisões, etc., que funciona mediante o uso da violência. 2) aparelhos
ideológicos de Estado, formado por igrejas, escolas, família, sindicatos, informação
através dos meios de comunicação, sistemas culturais, etc. Como o autor convencionou
26 CODATO, Adriano Nervo. O 18 Brumário, política e pós-modernismo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, nº 64, 2005, p. 102. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n64/a07n64.pdf>. Acesso em: 3 de fevereiro 2010. 27 MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhidas, s/d, vol. 1, p. 38 apud PERISSINOTO, Renato. A importância do 18 Brumário de Louis Bonaparte para a teoria marxista contemporânea do Estado capitalista. Curitiba, 2003, p. 7. Disponível em <http://www.nusp.ufpr.br/acervo.php?ac=1&acervo_subcat_id=2#ini_lista>. Acesso em: 15 de outubro de 2009. 28 ALTHUSSER. Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 71.
27
nominá-los, trataremos estes conceitos por ARE (Aparelho Repressivo de Estado) e AIE
(Aparelho Ideológico de Estado).
Embora o ARE apareça representado por um termo aparentemente pejorativo
que subentende apenas o uso da força física, este também atua através da ideologia, pois
como demonstra o autor em seu exemplo, o exército e a polícia utilizam a ideologia ora
para assegurar a sua coesão interna ora para difundir os valores que eles pretendem
impor. Da mesma forma nos diz que também o AIE se utiliza da violência para ser
imposto, mas neste caso, a repressão simbólica, concluindo assim, que não existem
aparelhos puramente repressivos e nem aparelhos puramente ideológico.
Segundo Althusser (1985):
“Se aceitamos que, em princípio ‘a classe dominante’ tem o
poder do Estado (em forma total, ou, o mais comum, por meio
de alianças de classes ou de frações de classes) e dispõe,
portanto, do aparelho (repressivo) de Estado, podemos admitir
que a mesma classe dominante seja parte ativa dos aparelhos
ideológicos de Estado, na medida que, é a ideologia dominante
a que se realiza” 29.
Para avançarmos na análise, é importante apreendermos que “o conceito de
ideologia deve ser entendido como um sistema de idéias, uma construção imaginária
que domina o espírito de um grupo social. Essas idéias derivam da realidade concreta
dos indivíduos, como analisa Marx em sua obra A Ideologia Alemã”. 30
De acordo com a proposição de sua teoria sobre o Estado no que diz respeito à
metáfora do edifício, para o autor, a ideologia de determinada sociedade reflete os
valores e idéias da classe materialmente dominante.
“Os pensamentos da classe dominante são também, em todas
as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que
tem o poder material numa dada sociedade é também a
potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios 29 ALTHUSSER. Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 71. 30 MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 10.
28
de produção material dispõe igualmente dos meios de
produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a
quem são recusados os meios de produção intelectual está
submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos
dominantes são apenas a expressão ideal das relações
materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e,
portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a
classe dominante, dizendo de outro modo, são as idéias de seu
domínio”. 31
A dominação dos “meios de produção intelectual” com a finalidade de difundir
as idéias dominantes por parte da classe que detém o poder material, tem como objetivo
primeiro garantir a manutenção de uma ordem preexistente ou a busca da imposição de
determinada ordem que abrigue em sua essência os valores dominantes.
Essa imposição/manutenção é possível através do processo de domínio, que por
sua vez é imposto através da hegemonia. O conceito encontra a seguinte definição de
Gruppi (1978) segundo Martins (1999):
“capacidade de unificar através da ideologia e de conservar
unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado
por profundas contradições de classe. Uma classe é
hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que –
através de sua ação política ideológica, cultural – consegue
manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue
impedir que o contraste existente entre tais forças exploda,
provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve
à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise
política das forças no poder”. 32
31 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Disponível em http://www.scribd.com/doc/7207554/Karl-Marx-A-Ideologia-Alema. Acesso em: 13 de novembro 2009. 32 GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. São Paulo: Graal, 1978. apud MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 11-12.
29
Althusser propõe em seus estudos que se dado o princípio que estabelece que a
classe dominante detém o poder do Estado, de forma total, ou através de alianças ou
frações de classes, dispondo desta forma, do ARE, é suposto que esta classe seja
também parte ativa nos AIE´s, pois é a ideologia dominante que se realiza no “todo
social”.
As idéias centrais do autor estão baseadas na teoria de Antonio Gramsci,
cientista político italiano responsável pela elaboração do conceito de hegemonia e bloco
hegemônico, utilizando de forma particular em suas análises as superestruturas
determinadas por Marx. Para ele, o poder dos AIE´s é imprescindível à classe
dominante porque é através deles que se dá a educação dos dominados para que eles se
submetam a elas como algo natural e conveniente, reprimindo, desta forma, um possível
potência revolucionária.
Para Gramsci um Estado é absolutamente forte quando exerce não somente o
poder coercitivo, mas também o poder simbólico, pois como afirma Portelli “não existe
sistema social em que o consentimento seja a base exclusiva da hegemonia, nem Estado
em que um mesmo grupo possa, somente por meio da coerção, continuar a manter de
forma durável a sua dominação”. 33 Ou seja, é necessário para que a classe dominante
politicamente, possa manter-se no poder que transformações ocorram também no campo
da cultura, da moral, da concepção de mundo.
O poder hegemônico para o autor, é estabelecido mediante o controle do sistema
educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Em particular,
neste momento, nos interessa particularmente a dominação imposta através dos meios
de comunicação.
Gramsci possui um estudo aprofundado sobre os intelectuais enquanto
organizadores da cultura que veremos mais adiante em nossa apresentação, mas num
primeiro momento, basta entendermos que para o autor, o conceito de “intelectual” é
ampliado a uma categoria social, que ele chamou de “agentes da superestrutura”,
tentando criar na sociedade “uma atmosfera de consenso em torno de um projeto
político que não atende necessariamente às demandas dos setores sociais necessários à
composição de um bloco de poder minimamente estável”. 34
33 MARTINS, Ricardo Constante. Ditadura Militar e Propaganda Política: A Revista Manchete durante o Governo Médici. 1999.195 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1999, p. 14. 34 Ibdem, p. 17.
30
Em outras palavras, podemos dizer que estes “agentes” ou “funcionários” para
utilizar a classificação gramsciana, das superestruturas são intelectuais recrutados na
classe econômica e politicamente dominantes, eles são os responsáveis por elaborar a
ideologia que é difundida através dos meios de comunicação, mais especificamente,
através da mensagem oriunda da propaganda político-ideológica.
I.3.2) A Propaganda Político-Ideológica
Como vimos anteriormente, as sociedades são caracterizadas pelo seu
movimento que se manifesta através dos conflitos existentes entre as classes e também
entre suas frações; desta forma, uma análise coesa sobre a propaganda requer um estudo
específico sobre o contexto no qual está inserida criando uma metodologia de estudo
partindo-se do pressuposto de que ela é realizada em um momento histórico definido,
em uma sociedade que vive determinadas condições de existência.
Diante dessa proposição, Garcia (1999) propõe um esquema analítico
constituído de elementos essenciais que se fazem necessário para a análise da
propaganda: 35
1) Os sistemas político e econômico da sociedade;
2) Os interesses de classes;
3) A ideologia e seu processo de difusão.
Reconhecendo estes aspectos na sociedade a ser estudada, o passo seguinte é
definir em qual nível encontra-se a capacidade que determinada classe tem para realizar
os seus próprios interesses e de que instrumentos ela dispõe para efetivar a sua ação de
forma a impor-lhes ideologicamente aos demais.
Esta imposição, segundo o autor, pode ser feita de duas maneiras: a submissão
por algum tipo de ameaça - inclusive a força física - e a conquista pelo convencimento
ou o chamado “processo de persuasão”, que consiste em um método de manipulação de
idéias que mobilizam as crenças e as opiniões em uma única direção, e podem ser de
dois tipos: racional, que através da argumentação busca convencer o persuadido a
assumir o ponto de vista do persuasor, ou emotiva, quando sua atuação é segundo sua
35 GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, Sedução e Silêncio – Propaganda e Controle Ideológico do Brasil: 1964-1980. E-books Brasil, 1999. p. 13. Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/sadismo.pdf>
31
própria classificação diz, emotiva ou simbólica, buscando seduzir o receptor pelo
fascínio.
Definido este quadro, a propaganda vai buscar, em seu aspecto mais geral,
difundir ações que possam alcançar seu receptor de forma organizada e direcionada a
um único fim: a realização dos interesses de seus emissores.
A partir desta análise, conseguimos lançar mão das representações da realidade
que a sociedade em questão formula sobre si, dando desta forma, sentido às suas ações,
ou seja, a ideologia aqui,
“(...)entendida como um conjunto de representações, definido
em determinado momento histórico, que se configurou como
um ponto de referência para a tomada de decisões e sua
execução e, o mais importante aqui, como repertório para a
elaboração das mensagens”36
A propaganda torna-se, pois, ideológica porque assume um caráter persuasivo na
medida em que objetiva induzir a população a agir de maneira premeditada; entretanto,
é fundamental entender de que forma a ideologia foi codificada nestas mensagens de
maneira a se adequarem aos interesses sociais, e como foi percebida, entendida e
memorizada pelos receptores. Neste fato reside a nossa hipótese inicial que trata a
propaganda como um meio eficiente de dominação social de uma classe por outra.
Situaremos, portanto, nosso estudo na análise de sociedades capitalistas, em que
os detentores do capital controlam os meios de comunicação. 37
Desse modo, a mensagem que se busca difundir parte em defesa de seus
interesses de classe, realizada de cima para baixo, buscando constante apoio para a
realização de seus objetivos, pois numa configuração social baseada na teoria marxista
de burguesia e proletariado, para que os interesses de um grupo sobreponham-se aos
interesses de outro, seja de uma classe ou fração de classe, alguém, inevitavelmente,
terá que se submeter.
36 GARCIA, Nelson Jahr. Sadismo, Sedução e Silêncio – Propaganda e Controle Ideológico do Brasil: 1964-1980. E-books Brasil, 1999. p. 14. Disponível em <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/sadismo.pdf>. Acesso: 05 de janeiro 2010. 37 Não entraremos no mérito da análise de qual elite está envolvida no processo de dominação, se a política ou a econômica.
32
As classes dirigentes tão bem entendem esta lógica e sua conseqüência, que
sabem que para que a sua ideologia sirva de guia para o comportamento dos demais
indivíduos presentes na cena social é necessário que exista uma consciência comum
para que a atuação coletiva seja efetivada.
Para que se atinja, com efeito, o público, a ideologia dominante não assume a
forma de um discurso racional, como pretende apresentar-se, pelo contrário, é
mascarada e transformada em frases e imagens que atraem a atenção, tornando-se uma
mensagem de fácil assimilação pelos receptores independentemente de suas condições
individuais específicas.
A propaganda política tomou como base para sua consolidação os processos e
técnicas do chamado novo estágio da publicidade norte-americana, substituindo o ato de
impressionar pelo de convencer e o de explicar pelo de sugestionar. Ela conta com
técnicas de repetição de imagens atraentes que dificultam ao homem moderno escapar
do processo de sedução, o que possibilita que ele seja guiado pela mensagem que
suscita nele o sentimento de necessidade.
Segundo Domenach (1955):
“Descoberta formidável, decisiva para os modernos
engenheiros da propaganda: o homem médio é um ser
essencialmente influenciável; tornou-se possível sugerir-lhe
opiniões por ele consideradas pessoais, ‘mudar-lhes as idéias
no sentido próprio, e por que não tentar em matéria política o
que é viável do ponto de vista comercial?’”38.
Houve na primeira metade do século XX, uma expressiva ascensão de regimes
políticos que utilizaram a propaganda como instrumento de controle da sociedade.
Esse tipo de propaganda consolidou-se, de fato, como fenômeno social, nas
décadas de 1920-1940, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação. Ela
toma como pressuposto básico a sedução, apelando diretamente ao sistema emocional
dos receptores, o que psicologicamente apresenta grande eficácia em relação à conquista
de novas adesões políticas.
38 DOMENACH, Jean Marie. A Propaganda Política. 1955, pg. 24. Disponível em <http://www.adelinotorres.com/sociologia/Jean-Marie%20DomenachA%20propaganda%20politica.pdf>. Acesso em: 03 de junho de 2009.
33
Francisco Campos (1940) 39 em uma citação sobre o avanço dos meios de
comunicação, fala sobre a transformação da:
“Tranqüila opinião pública do século passado em um estado
de delírio ou de alucinação coletiva mediante os instrumentos
de propagação, de intensificação e de contágio das emoções,
tornados possíveis precisamente graças ao progresso que nos
deu a imprensa de grande tiragem, a radiofusão, o cinema, os
recentes processos de comunicação que conferem ao homem
um dom de ubiqüidade e, dentro em pouco, a televisão,
tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes
pontos do espaço. Não é necessário o contato físico para que
haja multidão. Durante toda a fase da campanha ou da
propaganda política, toda a nação é mobilizada em estado
multitudinário. Nessa atmosfera emotiva seria ridículo admitir
que os pronunciamentos de opinião possam ter outro caráter
que não seja o ditado por preferências ou tendências de ordem
absolutamente irracional”. 40
A propaganda apresenta-se como importante estratégia para o exercício do
poder, sobretudo em regimes autoritários, onde o Estado exerce absoluto controle sobre
os meios de comunicação e conseqüentemente, sobre o conteúdo das mensagens
transmitidas, bloqueando qualquer ação contrária à ideologia oficial, ora por meio da
censura ora por meio da repressão, uma vez que o poder político possui o monopólio da
força física e da força simbólica, esforçando-se por legitimar sua ideologia e garantir o
controle sobre a sociedade.
Segundo PEREIRA (2003):
39 Francisco Luís da Silva Campos (Dores do Indaiá, 18 de novembro de 1891 — Belo Horizonte, 1 de novembro de 1968) foi um jurista e político brasileiro, responsável, entre outras obras, pela redação da Constituição brasileira de 1937 e do Ato Institucional do golpe de 1964. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Campos>. Acesso em: 03 de junho 2009. 40 CAMPOS, Francisco. O Estado Nacional. 1940. apud CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 170.
34
“Em regimes dessa natureza, a propaganda política se torna
onipresente, atua no sentido de aquecer as sensibilidades e
tende a provocar paixões, visando a assegurar o domínio sobre
os corações e mentes das massas”41. (NOTA)
Joseph Goebbels – ministro da Propaganda de Hitler – dizia que a propaganda é
ilimitada tanto em sua adaptação quanto em seus efeitos e que fazê-la consiste em
espalhar por todas as partes a sua idéia; isso nos permite dizer que para que ela surta
efeitos, é necessário que o propagandista aplique todos os métodos possíveis para seu
sucesso de “contágio”.
A propaganda política lança mão de suportes técnicos, tais como jornais,
panfletos, cartazes, rádio, música, imagem, teatro, cinema e televisão. A política
encontra nestes veículos, aproveitando-se de seu nível de alcance e popularidade, uma
forma de exercer o poder na medida em que busca fazer os receptores acreditarem que o
estadista, o chefe de partido, ou mesmo o governo que passa sua mensagem,
representam-nos efetivamente e assim sendo, são capazes de defender seus interesses
assegurando seus cuidados.
Segundo Capelato (1999), Pierre Ansart (1983) afirma que:
“A imposição sistemática de ideologias nos permite
compreender melhor como a sensibilidade política não é um
estado de fato, mas o resultado de múltiplas mensagens,
apelos, interpelações e dramatizações que mantém ou
modificam os sentimentos coletivos”42. (NOTA)
Em governos ditatoriais, a manipulação das massas pela propaganda é de mais
fácil visualização, não só pela prática em si, mas por seu resultado. O Estado possui o
monopólio dos meios de comunicação, o que amplifica o alcance de suas ações,
possibilitando a imposição de projetos políticos que atendem aos interesses de grupos
41 PEREIRA, Vagner Pinheiro. Cinema e Propaganda Política no Fascismo, Nazismo, Salazarismo e Franquismo. História: Questões e Debates, Curitiba, nº 38, pg 101-131, 2003, pg. 102. 42 ANSART, Pierre. La gestion des passions politiques. Lausanne, L´Age d´home, 1983. apud CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 168.
35
específicos apresentando-se mascarados de projetos de interesse nacional, pois
requerem o apoio coletivo para sua realização.
Para ilustrarmos, faremos uma breve análise de dois casos onde a propaganda foi
amplamente utilizada como método de persuasão e conseqüente conquista das massas,
não só no tocante ao apoio vindo dessas para a legitimação de um regime, mas também
na personificação de dois estadistas, de maneira a confundi-los como o próprio Estado:
Adolf Hitler e a propaganda nazista na Alemanha e Getúlio Vargas e a propaganda
varguista no Brasil.
I.4. A Propaganda Nazista
“Ela é um meio e, como tal, deve ser julgada do ponto de vista
da sua finalidade. A forma a tomar deve consentir no meio
mais prático de chegar ao fim a que se colima. É também claro
que a importância do objetivo que se tem em vista pode se
apresentar sob vários aspectos, tendo-se em vista o interesse
social, e que, portanto, a propaganda pode variar no seu valor
intrínseco. A finalidade pela qual se lutava durante a guerra
era a mais elevada e formidável que se pode imaginar.
Tratava-se da liberdade e independência de nosso povo, da
garantia da vida, do futuro e, em uma palavra, da honra da
nação. Estávamos em face de uma questão que, não obstante
opiniões divergentes de muitos, ainda existe ou melhor deve
existir, pois os povos sem honra costumam perder a liberdade
e a independência, mais tarde ou mais cedo”.43
Como vimos anteriormente, a propaganda política tomou de empréstimo as
técnicas da propaganda comercial norte-americana para difundir sua mensagem e lograr
seus objetivos.
Um dos exemplos de maior notoriedade neste aspecto é Adolf Hitler e a
campanha nazista, pois embora não tenha propriamente inventado a propaganda, cabe a
43 HITLER, Adolf. A Propaganda da Guerra. s/d. Disponível em <http://www.scribd.com/doc/6823435/HitlerA-PROPAGANDA-DA-GUERRA>. Acesso em: 06 de junho 2009.
36
ele e a Joseph Goebbels os métodos inovadores de sua aplicação com vistas a tomada do
poder através da conquista das massas.
A propaganda posta em prática por eles, seguia os moldes anteriormente
descritos, tal qual a lógica da sedução, para atingir sua eficácia. Segundo Capelato
(1999), a propaganda nazista fez:
“uso de insinuações indiretas, veladas e ameaçadoras;
simplificação das idéias para atingir as massas incultas; apelo
emocional; repetições; promessas de benefícios materiais ao
povo (emprego, aumento de salários, barateamento dos
gêneros de primeira necessidade); promessas de unificação e
fortalecimento nacional”44. (NOTA)
Para isso, Hitler e Goebbels preparavam todas as manifestações, discursos e
coordenavam as campanhas de tal forma que a propaganda nazista penetrou o
inconsciente coletivo.
Segundo Domenach (1955):
“O Partido e o Chefe estavam presentes em toda parte: nas
ruas, nas fábricas e até dentro das casas, nas paredes dos
quartos. Jornais, cinema e rádio repetiam incessantemente a
mesma coisa”45. (NOTA)
A propaganda não cessava, mantinha continuadamente o povo em estado de
alerta. Ela hipnotizava os homens para que estes estivessem com Hitler até o fim e
morressem com ele. A imagem do chefe hipnotizava-os de tal maneira, que era
impossível que estes compreendessem as reais razões de tal fascínio.
A Alemanha utilizou, desde a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), o cinema
como o mais importante meio de difusão da propaganda. A criação do projeto
44 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 167. 45 DOMENACH, Jean Marie. A Propaganda Política. 1955, pg. 50. Disponível em <http://www.adelinotorres.com/sociologia/Jean-Marie%20DomenachA%20propaganda%20politica.pdf>. Acesso em: 03 de junho de 2009.
37
Universum Film Aktiengesellschaft, conhecido como Ufa, que foi estimulado e
financiado pelo próprio comando militar alemão demonstra isso.
Em 1927 o controle acionário passou a Alfred Hugenberg, homem que
financiava secretamente grupos nacionalistas, do qual Adolf Hitler foi um dos
apoiadores. Com o apoio, o futuro chefe de governo, ganhou notoriedade através de
suas aparições nos cinejornais da Ufa, o que o proporcionou destaque e melhorou sua
imagem política e o desempenho eleitoral de seu partido.
Quando Hitler assumiu o poder, a companhia ficou nas mãos de Goebbels,
ministro da propaganda do Terceiro Reich, enquanto Hugenberg passou ao cargo de
ministro da economia.
Joseph Goebbels merece destaque na análise, pois ele foi o responsável por
construir a imagem pública de Hitler, tornando-o não só um líder político, mas o
“messias” da nação alemã, sendo inclusive dele os créditos pela criação da famosa
saudação nazista “Heil Hitler” – “Ave Hitler” ou “Vida longa a Hitler”. Seu ministério
possuía o controle sobre rádio, televisão, imprensa, cinema e teatro, o que garantiu que a
campanha nazista conseguisse o apoio da população às decisões do Führer.
A Revista Veja de setembro de 1939, publicou uma edição especial sobre a
Guerra na qual, na seção Perfil, aparecia Joseph Goebbels denominado como título à
reportagem de “O cérebro do Reich”.
Segundo a revista:
“Arquiteto da imagem messiânica de Hitler, Joseph Goebbels
direciona seu talento para a política expansionista e anti-
semita do Führer – mestre da propaganda arrebanha o apoio
da população para nova batalha na Europa” .46
À frente do ministério, Goebbels investiu principalmente no cinema, seguindo a
tradição alemã, a ponto de que no ano de 1942, o governo Hitler assumiu o controle
absoluto da produção cinematográfica na Alemanha, como é comum em Estados
autoritários.
46 VEJA. São Paulo: Editora Abril, Série Especial: II Guerra Mundial, set. 1939. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais_online/segunda_guerra/edicao001/perfil.shtml>. Acesso em 09 de junho 2009. (ANEXO)
38
A propaganda nazista, no entanto, não levou tanto tempo para ser solidificada,
iniciou-se antes mesmo de Hitler assumir o poder. O líder alemão já reconhecia o poder
do cinema como difusor de ideologia e conquista das massas antes disso. Tanto que
antes de sua ascensão já eram produzidos filmes de propaganda nazista, dentre os quais
destacam-se os seguintes curtas-metragens eleitorais: Parteitag der NSDAP in Nürnberg
(“O Congresso do NSDAP em Nuremberg”, 1927), Hitlers Braune Soldaten Kommen
(“Os Soldados Marrons de Hitler Chegam”, 1930), Hitlerjugend in den Bergen (“A
Juventude Hitlerista nas Montanhas”, 1932), Triumphahrt Hitlers durch Deutschland (“
Viagem Triunfal de Hitler pela Alemanha”, 1932), Hitler über Deutschland (“Hitler
sobre a Alemanha”, 1932) e Deutschland erwacht! (“Desperta, Alemanha!”, 1932).
Em 13 de março de 1933, com a criação do Ministério do Reich para
Esclarecimento Popular e Propaganda (Reichsministerium für Volksauflärung und
Propaganda) teve início o processo de “nazificação” da arte e da cultura alemãs que
objetivava a destruição das instituições culturais da República de Weimar. Surge então,
em 14 de julho de 1933, a Câmara do Cinema do Reich (Reichsfilmkammer) antes
mesmo de todos os outros departamentos da Câmara de Cultura do Reich
(Reichskultutkammer).
No entanto, não foi o cinema o único e exclusivo artifício utilizado pelos
nazistas para atingir as massas, segundo Capelato (1999):
“O país foi inundado por panfletos, cartazes vermelhos
ornados de cruz gamada, jornais distribuídos nas ruas, caixas
de correio ou lançados por aviões. Alto-falantes foram usados
para repetir as palavras de ordem ou para fazer ouvir as
palavras do líder gravadas em discos. Em meetings
organizados por todo o país, oradores formados pelo partido
popularizaram temas e slogans de fácil assimilação. As águias,
as bandeias, a cruz gamada de fundo vermelho e branco, os
cantos e hinos, os uniformes marrons, as paradas das SA´s
desfilando em colunas em ordem impecável ao som de
fanfarras e à luz de tochas, os Seig Heil ou Heil Hitler
repetidos em coro pela multidão não só asseguravam a coesão
das massas mas também suscitavam êxtase e devotamento”.47
47 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 169.
39
Capelo chama atenção em seu trabalho para os estudos de Ansart, para quem é
característica dos regimes totalitários a evocação e manipulação de sentimentos
despertados pela ação da propaganda com o intuito de produzir fortes emoções, não
apenas através dos meios de comunicação, como foi o caso do nazismo que se utilizou
também, como demonstrado anteriormente, das comemorações, festas e manifestações
públicas para alcançar seu objetivo.
Para Goebbels, o pensamento social deveria ser único, de tal modo que a
população reagisse favoravelmente às ações do governo, colocando-se inclusive à sua
total disposição. E foi justamente através dessas imagens simples e agressivas que o
nazismo alcançou sucesso entre a grande massa da população; utilizando-se da
psicologia despertou o sentimento anti-semita, a exaltação nacional e a busca de um
passado glorioso. Conforme as palavras de Goebbels:
“Chegou a hora de nosso país exigir seu direito histórico na
Europa. O elevado destino da raça superior se aproxima. O
povo tem de desejar sacrificar-se pela glória do Reich.
Qualquer confronto deve ceder lugar à necessidade de
armas”.48
O que se queria atingir eram os sentimentos do povo alemão, pois como
preconizava Hitler: “a arte da propaganda consiste em ser capaz de despertar a
imaginação pública, fazendo apelo aos sentimentos, encontrando fórmulas
psicologicamente apropriadas que chamam a atenção das massas e tocam os
corações”.49 (NOTA)
E assim, o Führer inaugurou uma lógica de adoração à sua imagem e ao seu
governo de maneira que sua fórmula atraiu, do outro lado do Atlântico, a atenção dos
ideólogos do Estado Novo de Getúlio Vargas, como veremos a seguir.
48 48 VEJA. São Paulo: Editora Abril, Série Especial: II Guerra Mundial, set. 1939. Disponível em <http://veja.abril.com.br/especiais_online/segunda_guerra/edicao001/perfil.shtml>. Acesso em 09 de junho 2009. (ANEXO) 49 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 167.
40
I.5. A Propaganda Varguista
Os estudos sobre o Estado Novo demonstram que a propaganda utilizada durante
o Estado Novo, inspirou-se nas experiências italiana e, sobretudo, na alemã, ganhando
inclusive uma titulação congênere ao precursor nazismo: o varguismo.
Embora as semelhanças na organização e no funcionamento dos órgãos
responsáveis pela criação e divulgação da propaganda política, nos casos brasileiro e
alemão, muitos dos ideólogos do Estado Novo, não se declararam abertamente como
simpatizantes do nazismo e do fascismo, pois buscavam manterem-se afastados das
comparações, sem, no entanto, deixarem de admitir sua admiração por tais regimes,
como foi o caso de Filinto Muller, chefe da polícia política, responsável pela repressão
dos opositores e de Lourival Fernandes, diretor do DIP, que controlava os meios de
comunicação e cultura e atuava como o órgão responsável pela produção e divulgação
da propaganda estado-novista.
Assis Chateaubriand, grande magnata da comunicação no Brasil, dono da maior
cadeia de imprensa até hoje vista em nosso país o Diários Associados, ainda em 1935,
no jornal O Diário de São Paulo, criticou abertamente Getúlio Vargas pela sua
incapacidade de utilizar os meios de comunicação de forma eficiente. Apontando para o
sucesso alcançado pelo governo alemão, ele disse:
“a técnica de propaganda obtém resultados até a hipnose
coletiva (...). O número de heréticos se torna cada vez mais
reduzido porque o esforço de sugestão coletiva é
desempenhado pelas três armas poderosas de combate da
técnica material de propaganda: o jornalismo, o rádio e o
cinema (...)”. 50
Tal qual o nazismo, o varguismo empregou técnicas de manipulação das massas
que visavam exaltar os sentimentos, na busca pela conquista de apoio à legitimação do
novo governo, que se impunha através de um golpe, usando como meio de difusão as
mensagens políticas, passadas à população através de slogans, frases de efeito e
repetição contínua de seus preceitos.
50 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 170.
41
“O objetivo imediato da propaganda realizada [pelo Estado
Novo] era persuadir as classes subalternas de que a ideologia
dominante, tal qual como objetivada na organização e
estruturação do Estado e nas diretrizes propostas e
implementadas, correspondiam aos seus interesses e mais aos
interesses gerais da ‘nação’. Como objetivo mediato o que se
visava era reproduzir a subordinação ao Estado e assim,
indiretamente, aos interesses do capital por aquele assumidos.
A subordinação deveria se concretizar através da submissão
passiva às decisões governamentais – desmobilização política
– e da participação efetiva através do trabalho – mobilização
econômica. A necessidade de obter a adesão das classes
subalternas à ideologia exigia sua prévia elaboração, de molde
a ocultar sua vinculação com os interesses do capital e torná-
la persuasiva”. 51
De fato, o Brasil nunca assistira até então, semelhante crescimento no uso da
imprensa, do cinema e do rádio a fim de veicular mensagens oficiais. Surgiram
inúmeras obras que tinham como objetivo de enaltecer Vargas e o Estado Novo, além
da disseminação de atos e solenidades públicas.
Em 1937, a censura aos meios de comunicação foi institucionalizada, declarando
que todo o cidadão tinha direito à expressão, “mediante as condições e nos limites
prescritos em lei”. Dizia ainda:
“A lei pode prescrever:
a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança
pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do
cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade
competente proibir a circulação, a difusão ou a
representação”. 52
51 GARCIA, Nelson Jahr. Estado Novo. Ideologia e propaganda política. São Paulo: Loyola, 1982. pg. 102. 52 Constituição Federal de 1937. Art. 122. Parágrafo 15 A.
42
A imprensa adquiriu uma função de caráter público, ficando o Estado
responsável pela veiculação de informações no país, sendo criado dois anos depois o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que passou a deter todos os poderes
sobre os meios de comunicação.
O DIP
Criado em 1939, substituindo o extinto Departamento de Propaganda e Difusão
Cultura, O DIP efetivou a intervenção do Estado nos processos de criação e difusão da
cultura no país. Comandando por Lourival Fernandes, tinha como objetivo difundir as
diretrizes do governo através da produção e divulgação de um discurso nacionalista que
construísse uma boa imagem do regime, das suas instituições e do chefe de Estado,
identificando-os com o país e povo. Era um órgão altamente centralizado de tal modo
que os cargos de confiança eram nomeados pelo próprio presidente. Segundo o decreto-
lei de sua fundação:
“Art. 1º As atividades de imprensa e propaganda exercidas no
território nacional, fiscalizadas pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda, reger-se-ão pelas normas traçadas
neste decreto-lei” 53. (ANEXO)
O decreto trazia disposições sobre a atuação do DIP em relação à imprensa, ao
cinema, ao teatro e às diversões públicas, à radiofonia, entre outros, impondo
penalidades como multas e mesmo a suspensão de artistas e empresários que não
respeitassem os artigos estipulados.
O DIP estava estruturado da seguinte forma: Divisão de Divulgação, Divisão de
Radiofusão, Divisão de Cinema e Teatro, Divisão de Turismo, Divisão de Imprensa e
Serviços Auxiliares. Através deste organizado aparato, foram produzidos livros,
revistas, cartazes, folhetos, radionovelas, fotografias, programas de rádio, cinejornais,
documentários, destacando-se, sobretudo, a imprensa e o rádio.
O rádio foi o principal veículo de disseminação ideológica do período, dada uma
série de características sociais e econômicas brasileiras, como por exemplo, o
53 Decreto-Lei nº 1949, de 30 de dezembro de 1939. (ANEXO)
43
analfabetismo e a baixa renda da maior parte da população, que tornaram o aparelho
mais viável e rentável aos olhos do governo.
O intuito era transformar o rádio no principal canal de educação e cultura
visando a integração nacional, o que não tardou a ocorrer, pois de 63 estações em 1937,
o número subiu para 111 em 1945 e no que diz respeito ao número de radio receptores,
o número foi de 357.921 para 659.762 em 1942.
O principal programa transmitido no rádio para que os propósitos de doutrinação
do Estado Novo fossem atingidos era a “Hora do Brasil”, criado em 1931 e
reestruturado em 1939, após a criação do DIP. O programa tinha 3 finalidades:
informativa, cultural e cívica, divulgando discursos oficiais e atos do governo,
estimulando o gosto pelas artes populares, exaltando o patriotismo e rememorando os
grandes feitos do passado.
O controle da mídia impressa foi feito através da censura e de pressões de ordem
política e financeira. Houve uma intensa cooptação de jornalistas ocorrida através da
“troca de favores” ora financeiros, como as verbas destinadas à ampliação das empresas
jornalísticas oferecidas por Getúlio Vargas, ora políticos, explicado pelo fato de que ele
atendeu à reivindicações da classe que exigia a regulamentação profissional e direitos
aos trabalhadores da área. Os principais jornais de propaganda do regime foram: O
Estado de S. Paulo e A Noite, de São Paulo e O Dia, do Rio de Janeiro.
Segundo Capelato (1999):
“Os periódicos acabaram sendo obrigados a reproduzir os
discursos oficiais, a dar uma ampla divulgação às
inaugurações, a enfatizar as notícias dos atos do governo, a
publicar fotos de Vargas. 60% das matérias publicadas era
fornecidas pela Agência Nacional. Havia íntima relação entre
censura e propaganda. As atividades de controle, ao mesmo
tempo que impediam a divulgação de determinados assuntos,
impunha a difusão de outros na forma adequada aos interesses
do Estado”. 54
54 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. IN: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. pg. 175.
44
A propaganda oficial, através do DIP, adquiriu uma posição de defesa da
unidade nacional e na manutenção da ordem, e o seu objetivo foi alcançado: Vargas
passou a ser cultuado e sua imagem confundiu-se com a idéia de nação e Estado
Moderno, tanto que para muitos, ainda hoje, o Estado Novo é visto como um Estado-
Nação idealizado e realizado pela força de um só homem: Getúlio Vargas, ou “O Pai
dos Pobres”, despertando saudosismo e profunda admiração.
45
Capítulo II – BRASIL 1945 - 1964
“O que houve em 1964 não foi uma revolução. As
revoluções fazem-se por uma idéia, em favor de uma
doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para
derrubar João Goulart. Foi um movimento contra e não
por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a
corrupção (...). Era algo destinado a corrigir, não a
construir algo novo, e isso não é revolução”.
Ernesto Geisel
O recorte histórico correspondente à nossa análise compreende um período
democrático no Brasil com limites fixados entre 1945 e 1964. Buscamos saber até que
ponto a combinação, ou mesmo a confrontação de interesses, possibilitou que se gerasse
lentamente no interior do aparelho de Estado a crise de 1963, resultando no Golpe
Militar de 1964.
Conforme veremos, cada classe ou fração de classe envolvidas neste processo de
ruptura das bases democráticas no país tentavam à sua maneira se impor, de forma que,
principalmente a partir da década de 60, o que se observava no Brasil era uma grande
diferenciação entre classes atuantes no nível simbólico de dominação.
Entretanto, como vimos anteriormente, a classe dominante por deter as
condições materiais para a reprodução de sua ideologia, representa sempre a “ideologia
dominante”, e no caso em particular, a elite econômica buscava garantir o modo de
reprodução capitalista no Brasil para salvaguardar a manutenção de seus interesses.
Não nos compete remeter a esse caso a mesma discussão decorrente do trabalho
de Marx, conforme dito no início de nosso trabalho, sobre O 18 Brumário de Luís
Bonaparte. Algumas correntes que analisam as justificativas plausíveis para que o
Golpe Militar de 1964 de fato se concretizasse, criticam “a tradição, de origem marxista,
de privilegiar as explicações econômicas e subestimar as demais”. 55
Segundo Soares (1994):
55 SOARES, Gláucio Ary Dillon. O Golpe de 64. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 27. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.
46
“O economicismo do pensamento político e social da
América Latina fez com que se fosse buscar nas elites
econômicas os responsáveis pelo golpe. O Golpe, porém,
foi essencialmente militar: não foi dado pela burguesia
ou pela classe média, independentemente do apoio que
estas lhes prestaram”.56
Não consideramos que os posicionamentos puramente econômicos foram
determinantes para motivar as Forças Armadas para a ação, até porque esta posição
significaria ignorar a autonomia da ordem militar no que diz respeito a todo processo
histórico de formação de sua consciência ideológica acerca da ordem e desenvolvimento
do país. Ademais, não podemos defender a tese de que os militares enquanto ARE
(Aparelho Repressivo de Estado), constituem por si só, um Estado a favor dos interesses
de uma classe com motivações egoístas.
O que pretendemos demonstrar é que o “econômico”, enquanto fator de
motivação de uma classe em específico, atuou como a principal razão para a deflagração
de uma campanha baseada principalmente na disseminação de uma vasta propaganda
político-ideológica que buscava a desestabilização do Executivo e que para isso contou
invariavelmente, com o apoio de oficiais das Forças Armadas, conforme veremos nos
capítulos II e III do presente trabalho.
Ela foi promovida, reproduzida e distribuída a diferentes setores sociais pelas
elites econômicas - inclusive entre os quadros da própria elite - reunidas em um bloco
hegemônico que tinha como objetivo principal estudar cientificamente “as reformas
básicas propostas por João Goulart e a esquerda sob o ponto de vista de um
tecnoempresário liberal”. 57
Não podemos analisar a propaganda empreendida no período sob o ponto de
vista casual, como um tiro dado no escuro por uma classe que tentava disseminar entre a
massa a necessidade de uma mudança nos rumos socioeconômicos e políticos do país
para garantir a ordem e o desenvolvimento. Pelo contrário, havia um prévio
conhecimento e um elevado grau de técnica por parte dos emissores para que ela
56 SOARES, Gláucio Ary Dillon. O Golpe de 64. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 27. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009. 57 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 176
47
atingisse os efeitos previstos. Ela relacionava-se intimamente com o processo no qual
estava inserida, de forma que os acontecimentos que sucederam o golpe requerem uma
análise aprofundada diante da complexidade existente em torno da questão.
De acordo com o esquema de análise proposto por Garcia (1999), apresentado
no início do trabalho, que fala sobre a importância de situar a propaganda em um
contexto histórico específico que sirva de referencial para a compreensão dos valores
sociais, econômicos e políticos da sociedade que se pretende analisar, faremos uma
contextualização do período anterior a Março/Abril de 1964.
Esta análise é fundamental na medida em que demonstra o caráter real da
propaganda empreendida pela elite econômica e como ao longo dos anos ela construiu
no imaginário brasileiro, o modelo de nação e consequentemente, os inimigos que
deveriam ser combatidos.
II.1. Sociedade, Economia e Política
A crise de 1963 que resultou no golpe de Estado protagonizado pelos militares
em 1964 foi uma resposta à forma populista, herdada de Getúlio Vargas, com a qual o
país vinha sendo governado no momento em que o processo de industrialização
encontrava-se em franca expansão.
Conforme o quadro 1, que representa os indicadores do PIB, podemos visualizar
o crescimento da economia brasileira:
Quadro 1 – Índice do PIB de 1920 a 1980
Período % PIB per capita
1920 - 1940 2,9
1940 - 1960 3,8
1960 - 1980 4,6
Fonte: (livro do IBGE)
Este desenvolvimento econômico foi o reflexo do processo de concentração
industrial, conforme quadro 2, que demonstra que o setor agropecuário sofreu uma
queda em sua representatividade numérica na composição do PIB.
Quadro 2 – PIB de 1920 a 1980 por setores
48
Ano Agricultura % do PIB Indústria % do PIB
1920 38,1 15,7
1940 29,4 18,7
1960 16,9 29,9
1980 9,8 34,4
Fonte: IBGE
O segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) significou o rompimento
parcial com a política liberalista empreendida por Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)
pautada em acordos internacionais que permitiram, sobretudo, a injeção de
investimentos estrangeiros na economia brasileira. 58
Vargas priorizou uma industrialização de caráter nacionalista que garantisse ao
país o direito de possuir e desenvolver seus recursos naturais, entre eles o petróleo, o
que não significa dizer que ele passou a barrar os investimentos estrangeiros, pelo
contrário, os acordos comerciais de seu sucessor foram mantidos.
Debert (1986) apresenta esta questão da seguinte maneira:
“A reflexão sobre o desenvolvimento econômico nas
economias periféricas nos anos 50 (...), considerava que o
crescimento dependia da injeção em doses maciças de
capitais nacionais e estrangeiros adequadamente
controlados por um Planejamento. Essa idéia ganhava
verossimelhança frente ao desenvolvimento das
economias européias no pós-guerra, sobretudo com o
Plano Marshall”. 59
Para conduzir esta combinação de forças, seu quadro político foi composto por
representantes de vários partidos e classes, abrigando sob uma mesma bandeira, através
da égide populista, interesses diversos que privilegiariam do capital ao trabalhador. 58 O grande momento da política externa foi a Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz, no Rio de Janeiro, que marcou o encontro dos dois presidentes e a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). O objetivo era reagir em conjunto à ameaça contra qualquer país da América. Disponível em < http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/relacoes_brasil_eua/contexto2.html>. Acesso em: 25 de abril 2010. 59 DEBERT, Guita Grin . O Desenvolvimento Econômico Acelerado No Discurso Populista. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 8, p. 39-56, 1986, pg 1.
49
Quando falamos em privilégio do capital neste período, devemos ter em conta
que os interesses agrários ainda eram os interesses dominantes, pois a supremacia
industrial-financeira não havia se consolidado nesta época, de forma que não se
constituía em uma hegemonia política e ideológica. No entanto, era através do
Congresso, considerado politicamente forte, que se dava a articulação entre as frações
de classes, possibilitando o compartilhamento do poder do Estado junto ao Executivo.
Segundo Dreifuss (2006):
“Os interesses rurais permaneciam economicamente
poderosos e politicamente ativos com um papel crucial
exercido através do sistema bicameral mantendo a
Câmara dos deputados e Senado como focos de
rotinização de demandas, de agregação e
institucionalização de pressões populares, refletindo a
crescente participação das classes médias
trabalhadoras”. 60
Assim, sob o prisma do conhecido populismo, constituía-se a coexistência do
crescimento econômico com a democracia social, prezando-se uma política nacionalista
de desenvolvimento capitalista apoiada pela combinação de empresas estatais e
privadas.
O ritmo de industrialização, por sua vez, gerou desconforto entre as classes
trabalhadoras que não se viam beneficiadas por uma política socioeconômica justa que
defendesse seus interesses, conforme previa a retórica populista de Vargas, pelo
contrário, o que viam era o aumento significativo de preços de todos os gêneros
alimentícios, do remédios, dos aluguéis, etc., culminando em uma onda de
descontentamento que levou diferentes categorias profissionais às ruas em greve
exigindo reajuste salarial.
O processo de industrialização acentua a divisão social do trabalho e esta por sua
vez, converte-se em uma maior diferenciação entre grupos sociais, originando as lutas
de classes que devem ser controladas pelo Estado para a manutenção da ordem. Mas
como ordenar a luta entre classes no interior do próprio Estado responsável por
60 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 41.
50
reproduzir essa disparidade? Como dar continuidade a uma política que privilegia tanto
o crescimento econômico quanto os apelos sociais dos trabalhadores afetados
diretamente por esta mesma política?
Vargas indicou João Goulart (1953-1954) para lidar com a questão ao entregar-
lhe em 1953 o Ministério do Trabalho, e este, por sua vez, seguiu a diretriz do partido
do qual era líder - PTB - e optou por acalmar as forças populares anunciando um
aumento de 100% no salário mínimo. Foi o suficiente para empresários e militares
unirem-se em um só propósito: depor Getúlio Vargas. Sob os dois pontos de vista
respectivamente, ao aceitar a prerrogativa de seu ministro, o presidente colocava-se
contra os interesses capitalistas e contra a ordem no país.
Diante da possibilidade da deposição, Vargas preferiu o suicídio, concretizando
sua intenção de entrar para a história. Seu modo de governar passou a orientar os
governos procedentes, com exceção de Café Filho (1954-1955) que, “(...)foi apoiado
por uma aliança formal de centro-direita entre empresários, políticos da UDN e do
Partido Progressista que visava à contenção das classes trabalhadoras e ao estímulo da
penetração de interesses multinacionais através de um entendimento político com
setores cafeeiros e financeiros”. 61
João Goulart, figura-chave na deflagração da crise de 1963, após a demissão do
cargo de Ministro do Trabalho no governo Vargas, retornou à cena política em 1951
como vice-presidente de Juscelino Kubitschek (1956-1961), através da aliança
PSD/PTB.
O governo JK caracterizou-se pelo programa de desenvolvimento do país
subsidiado pela industrialização, esta por sua vez, concretizada pela maciça injeção de
capital internacional na economia brasileira. Os principais setores industriais
favorecidos por essa política foram: automobilístico, construção naval, produtos
químicos e farmacêuticos, maquinaria e produtos elétricos, papel e celulose.
O principal reflexo social do crescimento industrial do país pode ser visto no
acentuado processo de urbanização desencadeado pela indústria, o que aumentou
significativamente as desigualdades sociais e regionais do Brasil.
No interior do Estado presidido por JK, estavam presentes os interesses das
organizações multinacionais que viam na política do presidente uma chance de
61 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 42.
51
concretizar seus objetivos e as classes populistas e sua forma de domínio, representadas
por João Goulart.
Havia, no entanto, uma questão a ser resolvida: a relação controversa entre os
interesses do Executivo e do Legislativo. A maioria parlamentar presente no Congresso
defendia os interesses conservadores ligados à tradicional oligarquia rural, e este por sua
vez, possuía forte representação política no Estado.
Os interesses industrializantes, da nova ordem do capital multinacional que
começava a se estabelecer no país, ficavam com limitado poder de atuação, já que sua
articulação era barrada pelo Congresso.
A resposta a esse impasse foi a criação dos Grupos Executivos 62 que coexistiam
com o Executivo através de uma administração paralela. Eles eram formados por
diretores de empresas privadas, tecnoempresários e oficiais militares, que contornando
as estruturas de representação do regime populista exerciam o seu domínio.
Nesta política de desenvolvimento é estabelecido o Plano de Metas através do
qual ocorreu uma nacionalização formal da economia com
“(...) o Estado transformando-se em produtor direto de
bens e serviços estratégicos para a infra-estrutura e
tornando-se o controlador indireto de substanciais
mecanismos da política econômica. (...) Dissimulou o
domínio real do capital, o Estado não orientava a nova
estrutura de produção; era o capital transnacional que,
tendo penetrado os setores dinâmicos da economia,
controlava o processo de expansão capitalista”. 63
No final da década de 50, o conflito entre classes parecia inevitável: a classe
trabalhadora organizada em sindicatos; a forte presença estudantil na política; as
populações rurais cada vez mais descontentes; os interesses das frações de classes
presentes no Estado que não se ajustavam, além da crise ideológica no interior das
Forças Armadas resultante de uma polarização de opiniões no que referia à política
62 Veremos no capítulo seguinte esta questão de forma mais detalhada. 63 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 45.
52
nacionalista enquanto fonte distributiva. A característica essencialmente paternalista do
populismo deixava de “reproduzir ideologicamente e recriar politicamente a idéia de um
Estado neutro e benevolente”. 64
Por essa razão, neste período as questões acerca da segurança nacional passaram
a ser debatidas nas Forças Armadas diante da ameaça subversiva das forças sociais que
se posicionavam contra a ordem vigente.
Após uma política de “adiamento de problemas” chegou ao fim o mandato de
Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros venceu as eleições, assumindo a presidência ao
lado, mais uma vez, de João Goulart como vice.
A vitória de Jânio e Jango permitiu o compartilhamento de poder entre um bloco
populista e os interesses econômicos multinacionais, demonstrando que a população
parecia apoiar a dobradinha de desenvolvimento nacionalista e de austeridade e
eficiência administrativas.
O Executivo conjugava principalmente os interesses de grupos econômicos
multinacionais, importantes associações de classe empresariais e o núcleo da ESG.
Para Paulo Ayres Filho65 :
“A eleição de Jânio Quadros para presidente, no final de
1960, poderia ter fortalecido a posição democrática no
Brasil em decorrência de sua visão correta dos
problemas brasileiros. Ele se dispunha a estabelecer um
regime de austeridade e autoridade na administração
pública, a racionalizar as atividades governamentais e
lutar contra a inflação. Ainda mais, ele havia conseguido
um apoio popular sólido que lhe outorgava autoridade
inquestionável sobre todos os grupos sociais e políticos,
apesar de não haver sido apoiado em sua campanha pelo
Partido Comunista (que apoiara o Marechal Lott)”. 66
64 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 46. 65 Tecnoempresário membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). 66 Ibdem. pg 139
53
O então presidente enfrentou graves problemas oriundos do governo anterior,
entre eles: a burocracia populista que era inadequada aos interesses em expansão, a
inflação, a estagnação agrária, dificuldades na balança de pagamentos, exaustão do
mercado de consumo de bens duráveis que beneficiava a classe média alta.
O movimento sindical que desde meados de 56 encontrava-se em franca
expansão alcançou alto nível de repercussão na década de 60, tornando-se aos olhos da
comunidade empresarial um fator de desorganização, na medida em que alguns
sindicatos e líderes exigiam uma mudanças na estrutura social.
Além do mais, os representantes de interesses multinacionais emergentes e do
comércio agroexportador que apoiavam Jânio, sentiam-se bloqueados diante da
coalização governamental entre PDC e o PTB de Jango.
Após um governo de sete meses, ocorreu a inesperada e controversa renúncia do
então presidente:
“Jânio Quadros renunciou na esperança de conseguir um
mandato bonapartista-civil, por intermédio de um retorno
ao governo ouvindo os apelos das classes médias. Ele
também esperava o respaldo de empresários e o apoio de
uma coalizão militar que o capacitariam a impor
soluções econômicas e políticas às demandas conflitantes.
E isso aconteceria enquanto seu vice-presidente se
achava convenientemente em missão de boa vontade e
comercial na China, mas ninguém o apoiou”. 67
Como vice-presidente, João Goulart, por lei, assumiria o mandato no lugar de
Jânio Quadros, mas não foi isso o que aconteceu. O setor econômico ligado ao capital
multinacional juntamente com a estrutura militar de direita, articulou um bloco civil-
militar que tinha como objetivo principal subverter a ordem política populista quanto às
aspirações nacional-reformistas, restringindo as demandas populares e reprimindo os
67 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 141.
54
interesses tradicionais. A partir desse movimento, eles tentaram impedir a posse de
Jango.
O movimento de apoio, encabeçado por Leonel Brizola envolvendo políticos,
militares e uma parcela da sociedade, relutou para que Jango assumisse o cargo, e após
o regime parlamentarista, utilizado como recurso para que o presidente não tivesse
poderes plenos, um plebiscito votou o retorno ao presidencialismo e em 1963, Goulart
tornou-se efetivamente o presidente da república.
O que podemos observar até este ponto é que os conflitos maiores que se
desenrolaram no período em questão estão intimamente ligados à luta entre grupos com
diferentes orientações ideológicas e programáticas.
De acordo com Delgado (2006):
“As crises políticas (...) – a exceção, talvez, da que
encerra o período – estão longe de representar uma crise
orgânica do bloco histórico instaurado em 1930. Dizemos
que as crises são de caráter político institucional porque
neste período, apesar do Brasil estar inserido num
contexto de profunda desigualdade social e com
problemas sérios de distribuição de renda e terra, o país
não atravessou sérias crises econômicas, com exceção
àquela vivida a partir de 1963. As crises são, portanto,
‘crises conjunturais’, conforme a formulação gramsciana,
que, ao opor diferentes atores em torno de aspectos
superficiais na esfera política, deveriam tender ao
esvaziamento”. 68
O crescimento econômico, conforme visto no quadro I, demonstra que o Brasil
encontrou até 1963 franco desenvolvimento, enfrentando a partir daí, a primeira crise
econômica em sua fase industrial, resultado do desequilíbrio gerado pelo Plano de
Metas de JK e pela renúncia de Jânio Quadros.
68 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949-1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, pg. 28.
55
O governo de João Goulart tinha uma tendência nacional-reformista, apoiado
pelas pequenas e médias burguesias industriais locais, pelas forças populares urbanas e
rurais e pelo heterogêneo dispositivo popular-militar nacionalista.
Além destas classes,
“Ganhou apoio de facções dissidentes da UDN, do PSD e
do PDC, foi também apoiado por novas organizações
nacional-legais como a Frente Parlamentar Nacionalista
– FPN(...)”. 69
Entre as medidas de Goulart que agitaram os interesses multinacionais, estavam:
a lei que restringia a remessa de lucros; a tentativa de monopólio estatal da importação
de petróleo e do reajuste dos salários; através do programa da Reforma Agrária decretou
a desapropriação com compensação prévia e efetiva de áreas não cultivadas; o
reescalonamento da dívida externa; a reforma eleitoral que dava aos analfabetos e
soldados o direito ao voto e concedia aos sargentos novamente a elegibilidade ao
legislativo e a reforma educacional com benefícios às classes populares.
De forma geral, o que se observava na política de Goulart, era que o Executivo
nacional-reformista ameaçava a industrialização capitalista vigente.
Conforme observado anteriormente, problemas de ordem econômica foram
inúmeros na administração de Jango, como por exemplo, a queda do crescimento
econômico, a inflação e a diminuição do consumo de bens duráveis da classe média,
gerando concentração de riqueza, desemprego e baixos salários, estabelecendo pontos
de estrangulamento socioeconômicos que originaram uma instabilidade política.
Este quadro significou a decadência de empresas estatais que eram responsáveis
pela produção e administração de setores de infra-estrutura, como petróleo, aço,
eletricidade, portos, transportes e construção.
Seguiram-se uma série de ataques denunciando a ineficiência do Estado.
Segundo Roberto Campos70, em uma análise preparada para a reunião ministerial de 4
69 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 142. 70 Roberto de Oliveira Campos (Cuiabá, 17 de abril de 1917 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2001) foi um economista, diplomata e político brasileiro. Ocupou os cargos de deputado federal, senador e ministro do Planejamento de Castello Branco. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Campos>. Acesso em: 15 de maio 2010.
56
de junho de 1964, a paralisação do desenvolvimento brasileiro em 1963 teve como
principais fatores político-institucionais:
A) Tensão política entre Executivo Federal e Congresso Nacional;
B) Tendência estatizante do governo;
C) Comunismo e subversão;
D) Greves.
As tentativas de reformas econômicas, sociais e políticas de João Goulart,
demonstraram entre outras coisas, a fragilidade de sua posição. Elas significavam que a
coexistência entre classes não era mais possível, pois havia um aparente posicionamento
do governo em favor dos trabalhadores e da mobilização das massas rurais, em
detrimento às classes dominantes, afastando-se do capital multinacional que refletia os
interesses destas.
Além do nacionalismo, o Executivo de João Goulart procurou desempenhar
funções distributivas e desenvolvimentistas, mas foi incapaz de provar a autonomia
relativa do Estado, pois continuava sujeito ao capital e consequentemente contra a
classe trabalhadora, o que resultou na defasagem do discurso nacional-reformista, que
deixou Goulart sem o apoio empresarial, militar e popular.
O que se revelou foi a crise do populismo enquanto forma de participação, pois
ele perdia uma parte substancial de seu caráter manipulador, houve descontentamento
das classes trabalhadoras quanto suas condições socieconômicas, irrompendo na luta de
classes; as Forças Armadas e o empresariado condenavam o populismo, por sua vez, em
“decorrência de uma relativa depreciação em seus salário e uma crescente insegurança e
seu status, que eles consideravam ameaçado pelo crescente movimento de massa e a
incipiente agitação nos baixos escalões de suas respectivas hierarquias”.71
A radicalização da crise, ou seja, sua transformação em uma crise de domínio,
mudou significativamente o universo ideológico das Forças Armadas que buscaram
uma atitude intervencionista, legitimada em grande parte pela ESG.
A burguesia empreendeu uma política de desestabilização contra o Executivo e
criticando as diretrizes políticas populistas, envolveu a opinião pública em uma cruzada
contra o “caos e estagnação, corrupção e subversão”.
II.2. Os Interesses de Classes
71 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 154.
57
A premissa principal de nosso trabalho é a de que o Golpe de 1964 não pode ser
fundamentado em um único fator explicativo, nem tão pouco determinado pela ação de
uma única classe.
Segundo Boito Jr (s/d):
“Marx concebe a cena política nas sociedades
capitalistas, que é o espaço de luta entre partidos e
organizações políticas, como uma espécie de
superestrutura da luta de classes e de frações de classe,
que formam aquilo que poderíamos denominar a base
sócio econômica da cena política. A cena política é uma
realidade superficial, enganosa, que deve ser
desmistificada, despida de seus próprios termos, para que
se tenha acesso à realidade profunda dos interesses e dos
conflitos de classes.”72 (NOTA) Artigo do 18 brumário
Como vimos anteriormente, o legado da política populista deixado por Getúlio
Vargas em pleno vigor no governo Goulart, ao mesmo tempo em que possibilitava a
coexistência de classes no poder, desgastava ainda mais a relação entre elas, uma vez
que por meio delas, eram propostos diferentes projetos políticos como antídoto à crise
que se alastrava.
O objetivo era um só, mas as alternativas não.
A divergência entre opiniões sobre qual o projeto político ideal para sanar os
problemas brasileiros, acentuou a polarização entre as classes. De um lado estavam os
interesses da grande parcela de trabalhadores que vinham sendo solapadas da cena
política. A representação desta classe que se previa em um primeiro momento ser
realizada através do PTB, partido do governo, não se concretizou efetivamente, levando
a uma maior mobilização dos sindicatos, que de forma mais concreta representavam os
interesses dos trabalhadores. Diante do discurso vazio que continuamente era proferido
pelo Executivo, o movimento radicalizou-se e passou a ser alvo de ataques das elites
72 BOITO, Jr. Armando. Cena política e interesse de classe na sociedade capitalista - comentário em comemoração ao sesquicentenário da publicação de O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte. (s/d). Disponível em <http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/comen15armando.pdf> . Acesso em: 16 de outubro 2009.
58
econômicas e dos militares, que denunciavam, sobretudo, a infiltração comunista no
meio operário.
Do outro lado estava a direita brasileira, representada politicamente pela UDN e
por seus membros de extrema-direita, os militares influenciados pela Doutrina de
Segurança Nacional e os empresários reunidos no IPES.
Para Mendes (2005):
“Privilegiavam as liberdades relativas ao direito de
propriedade e entendiam que as desigualdades eram
benéficas para a existência do equilíbrio e progresso de
uma sociedade. Caracterizavam-se por um profundo
anticomunismo – associado a uma repulsa quanto a
transformações na estrutura social – e pela influência em
menor ou maior grau, da Doutrina de Segurança
Nacional”. 73
Apesar desta aparente união de classes, elas não eram homogêneas. Se
realizarmos um desdobramento em suas estruturas, encontraremos diferentes frações,
como por exemplo, os trabalhadores rurais e urbanos, comunistas ou não; os
empresários ligados a diferentes setores do capital, como o oligárquico, o industrial,
financeiro e multinacional, os interesses conjuntos da classe média; e os militares
nacionalistas e os desenvolvimentistas.
O que pretendemos demonstrar com isso, utilizando-nos dos conceitos marxistas
já citados de “essência” e “aparência”, é que a unidade de ação só foi possível diante de
um inimigo comum a ser combatido: o comunismo.
Neste termo, no entanto, estava envolvida uma questão de grande importância: o
comunismo estava intimamente relacionado e podia ser claramente observado no
interior do movimento sindical e entre a ala nacional-reformista das Forças Armadas.
O aparente discurso contra a ameaça comunista estava revestido de concepções
ideológicas que fugiam aos olhos nus, ou seja, o que se buscava manter era a ordem
73 MENDES, Ricardo Antônio Souza. Março de 1964: esquecendo as diferenças. Ciên.let, Porto Alegre, nº 37, p. 205-225, jan/jun. 2005. pg. 208. Disponível em: <http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista37/cap10.pdf>. Acesso em: 14 de fevereiro 2010.
59
capitalista que beneficiava não somente os setores empresariais, mas também condiziam
com a doutrina militar de desenvolvimento.
Os interesses casaram-se e apesar de suas diferenças, no momento em que houve
um efetivo enfrentamento, os dois grupos organizaram-se na defesa de seus propósitos e
mesmo que momentaneamente, passaram a mobilizar suas forças diante de um inimigo
também comum, abandonando, desta forma, as divergências entre si e buscando uma
unidade.
Trabalharemos com as três principais classes atuantes no momento da eclosão do
Golpe de 1964:
1) Trabalhadores;
2) Militares;
3) Empresários.
Nosso objetivo é demonstrar que foi através delas e para elas que a campanha
pró-golpe foi realizada, para umas com o propósito de fortalecer ideologias e para outras
para a submissão de interesses.
Estes interesses, por vezes, estavam encobertos pelo manto da paz, ordem e do
progresso. Quando Campos diz, conforme vimos anteriormente, que os principais
motivos para a crise de 1963 são político-institucionais, acrescentamos a todos os itens
por ele apresentados na reunião ministerial de 1964, a proeminência do “econômico”,
pois foi a partir deste que a economia começou a declinar e precisava urgentemente de
uma solução.
Não trataremos da questão do reducionismo neste momento, pois nos interessa
particularmente entender que a imagem apresentada por Campos para explicar a crise
relacionava-se aos interesses da classe economicamente dominante.
Façamos uma breve análise do quadro antes de passarmos a análise das classes
particularmente:
1) Tensão entre Executivo e Legislativo: vimos exatamente quais os interesses
presentes em cada um dos grupos presentes na organização do Estado. Eles nunca eram
homogêneos, ora se o Executivo era modernizante, o Legislativo era tradicional, ora se
o Executivo era nacionalista, o Legislativo era partilhado por interesses tradicionais e
modernizantes, ou seja, sempre houve uma tensão entre classes que ocupavam os cargos
no governo e aos poucos o discurso da coexistência, do compartilhamento pacífico de
poder caiu por terra, pois cada classe intencionava exercer o seu domínio.
60
2) Tendência estatizante: os maiores inimigos da estatização eram os interesses
multinacionais e um bloco das Forças Armadas que eram favoráveis a entrada de capital
estrangeiro no país para a viabilização do desenvolvimento e para garantir a ordem
capitalista.
3) Comunismo e subversão: principal fator de discórdia no período era a ameaça
comunista, infiltrada, sobretudo, nos movimentos sociais e entre os militares, ou seja,
inspirado no movimento comunista de origem soviética, o Brasil estava sendo
amedrontado pelo terror do comunismo que ameaçava a ordem, quando na verdade ele
estava relacionado à tendência capitalista norte-americana em guerra contra a URSS.
4) Greves: significava bem mais do que o comunismo ganhando forma através dos
movimentos sindicais, significava dias de trabalho, ou lucro desperdiçados e falência,
ainda mais no momento em que o governo vigente decidiu dar voz ao movimento
trabalhador e propunha reformas na constituição que beneficiassem a classe. Isso
significava uma afronta aos interesses multinacionais que controlavam a economia no
país, uma vez que eles não estavam sendo beneficiados pela política estatal.
II.2.1) Os Trabalhadores
A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada através do Decreto-Lei nº 5.542
de 1º de Maior de 1943 no governo Vargas, passou a regularizar no Brasil as relações
individuais e coletivas de trabalho.
Entre outras medidas, a CLT instituiu a Justiça do Trabalho e detalhou a
organização sindical dos trabalhadores. Foi o necessário para que estes efetivamente
organizassem a classe e participassem ativamente da vida política, uma vez que,
assegurados por lei sob a égide dos sindicatos, a reivindicação de direitos tornou-se a
chave para a solução das mazelas às quais estavam expostos.
Para alguns estudiosos do período que analisam a questão trabalhista, foi através
da CLT que o direito à greve foi instituído destacando, no entanto, algumas ressalvas:
“Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido
pelo Estado tem o direito de representação legal dos que
participarem da categoria de produção para que foi
constituído, e de defender-lhes os direitos perante o
61
Estado e as outras associações profissionais, estipular
contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os
associados, impor-lhes contribuições e exercer em
relação a eles funções delegadas de poder público. (Art.
138)”. 74
A aproximação de Vargas e dos trabalhadores passou a ganhar contornos
peculiares a partir da CLT, de forma que mesmo após sua deposição e conseqüente fim
do Estado Novo, foi criada uma corrente que era favorável ao continuísmo de seu
governo, que ficou conhecida historicamente como Movimento Queremista, que
contava com o fiel apoio do Ministério do Trabalho.
Em fevereiro de 1945, o movimento passou a operar através de uma intensiva
campanha realizada por manifestações e comícios em diversos pontos do país para o
retorno de Vargas em um novo mandato presidencial.
Segundo D´Araújo (1996)
“As modernas técnicas de organização e propaganda,
assim como os custos da divulgação do movimento, que
recorria a matérias pagas em grandes jornais e a
transmissões diretas via rede nacional de rádio,
evidenciavam que não se tratava, como afirmavam os
getulistas, de simples manifestação espontânea e
emocional de setores populares”. 75
Respeitando seu compromisso para com os trabalhadores, que apoiavam a nova
presidência de Vargas, este passou a organizar um novo partido de bandeira trabalhista
atuando em duas direções: fortalecendo a mobilização das massas e criando uma
alternativa institucional de participação.
74 PINTO, Almir Pazzianotto. Sindicatos, Corporativismo e Política. In: SOARES, Gláucio Ary Dillon e D´ARAUJO, Maria Celina (orgs). 21 Anos de Regime Militar – Balanços e Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1994, pg. 89. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009. 75 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 10. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.
62
Nascia o Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, que se organizava politicamente
sob a direção de lideranças sindicais e que tinha como objetivo principal ser o
representante da classe trabalhadora, sendo inclusive reconhecido como o “partido dos
pobres no poder”.
Durante o período de 1945 a 1962, foi o terceiro partido mais forte do país,
graças ao prestígio de Getúlio Vargas, conforme mostra a tabela a seguir:
Quadro 3 – Bancada dos Principais Partidos na
Câmara Federal, 1945-62 76
Anos Total de
cadeiras
PSD % UDN % PTB % PSP % Outros %
1945 286 151 52,8 77 26,9 22 7,7 - - 36 12,6
1950 304 112 36,8 81 26,6 51 16,8 24 7,9 36 11,8
1954 326 114 35,0 74 22,7 56 17,2 32 9,8 50 15,3
1958 326 115 35,3 70 21,5 66 20,2 25 7,7 50 15,3
1962 409 118 28,9 91 22,2 116 28,4 21 5,1 63 5,4
Fontes: TSE. Dados estatísticos; Hippolito, 1 984.
Segundo D´Araújo, o crescimento do partido deve-se a alguns pontos
importantes:
1) Organização partidária associada à atuação sindical e a uma prática
governista;
2) Formação de uma importante coalizão de poder que elegeu e sustentou a
Presidência da República entre 1945 a 1964;
3) Era o partido que representava o ideário nacionalista e defendia as reformas
de base.
“Ou seja, personalismo, doutrina e ideologia, associados
a bom desempenho nas urnas e a facilidades junto aos
sindicatos e ao poder, fizeram do velho partido um caso
excepcional de sucesso. Por trás desse sucesso sempre
76 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 36. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.
63
esteve um certo tom heróico atribuído ao fato de que, a
exemplo de Vargas, elegia o trabalhador como
interlocutor e como alvo de suas ações. Além do mais, o
partido projetara as mais expressivas lideranças
populares do período, todas, aliás, cassadas depois do
golpe: produzir ‘mártires’ foi também uma de suas
facetas. O principal fora o próprio Getúlio”. 77
Durante a presidência de Dutra, o governo manteve rigoroso controle das
atividades sindicais, pois a agitação dos trabalhadores era vista como um levante
comunista, ao passo que em seus cinco anos de mandato, houveram 230 intervenções
em entidades sindicais. Foi em seu governo também que o Movimento de Unificação
dos Trabalhadores (MUT) foi dissolvido tal qual sua sucessora, a Confederação dos
Trabalhadores Brasileiros (CTB).
Desde 1943 os salários não haviam passado por nenhum reajuste e com a
redemocratização do país, os trabalhadores passaram a reivindicar a melhoria salarial
elevando a onda de manifestações. Diante deste cenário, em 15 de março, Dutra
aprovou o decreto-lei que suprimia o direito de greve.
Vargas retornou ao executivo nacional em 1951 e reforçou seu compromisso
com a classe trabalhadora. Em um discurso proferido no dia 1º de Maio, ele deixou
claro que suas antigas posições seriam mantidas.
De acordo com o próprio presidente, os trabalhadores possuíam livre trânsito de
organização e conseqüente reivindicação em seu governo:
“Chegou, por isso mesmo, a hora do governo apelar para
os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos
sindicatos, como forças, livres e organizadas. As
autoridades não poderão cercear a vossa liberdade, nem
usar de pressão ou de coação. O sindicato é a vossa arma
de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento
de ação política. (...) É através dessas organizações,
77 D´ARAUJO, Maria Celina. Sindicatos, Carisma & Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. pg 15. Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/livros>. Acesso em: 23 de abril 2009.
64
sindicatos ou cooperativas, que as classes mais
numerosas da nação podem influir nos governos, orientar
a administração pública na defesa dos interesses
populares”. 78
No início de 1954, Getúlio voltou a enfrentar o movimento operário que ganhava
novamente a cena política exigindo um reajuste salarial de 100%, enquanto os
empregadores concordavam com um percentual inferior de 42%. Goulart que nesta
época já era Ministro do Trabalho de Vargas, formalizou seu apoio aos sindicatos e às
suas reivindicações o que gerou uma forte reação empresarial e militar que culminaria
com a sua exoneração, a do Ministro da Guerra, o que ainda marcaria definitivamente o
seu futuro político.
No governo de Jânio Quadros, os movimentos rural e sindical fortaleceram-se
aumentando os conflitos sociais e dando forma a um movimento político favorável às
reformas de base e a uma reorganização institucional, posições contrárias aos ideais da
classe empresarial e aos militares.
O movimento rural encontrou ecos no governo de Goulart, sobretudo através da
organização das Ligas Camponesas, grupo de trabalhadores do campo que
reivindicavam a posse de terras a partir da Reforma Agrária.
As ações das Ligas passaram a ser monitoradas pelos militares que também as
associava à esquerda e consequentemente, a reconheciam como foco de infiltração
comunista.
Segundo Atassio (2007):
“(...) as Ligas não eram entidades muito politizadas, na
verdade eram compostas por pessoas de pouca instrução,
ingênuos e de boa vontade, que lutavam para
sobreviverem em um meio hostil, sendo assim facilmente
ludibriados pelos políticos como o Governador Miguel
Arraes e o líder das Ligas, Francisco Julião. Para os
militares, este se aproveitava das péssimas condições de
vida do povo nordestino e incitava-os à luta armada,
utilizando as técnicas da Guerra Revolucionária, entre as
78 BENAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto (orgs). Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, 3ª ed., v.6, pg. 595.
65
quais figurava a filosofia do ‘quanto pior, melhor’, ou
seja, quanto mais insatisfeito está um povo, mais fácil de
convencê-lo à aderir a revolução”. 79
Em 1962, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que contava
com pleno apoio de João Goulart. A CGT sucedia o Comando Geral de Greve (CGG),
integrado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), Pacto de
União e Ação (PUA) entre outros.
No governo Goulart, houve um aumento substancial do movimento sindical,
sobretudo em decorrência do processo inflacionário do período que impossibilitava o
aumento de salários e quaisquer outros benefícios à classe trabalhadora, pois com a
falência de empresas, houve desemprego e conseqüente degradação das condições de
vida dos trabalhadores.
No dia 13 de março de 1964, Jango realizou o comício na Central do Brasil,
onde apresentaria e defenderia a implantação das Reformas de Bases no país.
Para alguns autores o comício significou a busca desesperada de Jango por apoio
popular, uma vez que ele não podia contar com a classe empresarial e tão pouco com as
Forças Armadas. Apesar das tentativas de boicote, o comício estava cheio.
Leonel Brizola fez o discurso mais acalorado, acusando o Congresso de não
representar a grande parte da população, além de ser formado por agentes a serviço do
capital. Partiu dele também, a idéia de um plebiscito para votar a dissolução do
Congresso e uma posterior votação para uma nova composição da Casa, substituindo os
interesses dominantes pela participação do povo, dos camponeses e trabalhadores.
Sua relação com Jango, que já andava estremecida, recebeu mais um golpe
diante dos ataques de Brizola ao cunhado. Ele mencionou em seu discurso, a posição
conciliadora que o presidente insistia em manter diante dos acontecimentos do período,
o que resultava na traição das bandeiras de seu partido.
Jango, por sua vez, apesar de não proferir um discurso tão rude como o de
Brizola, foi acusado de atacar às Forças Armadas, o que na verdade, pouco tinha a ver
com o que o presidente tenha dito ou não, mas estava muito mais ligado à organização
do comício em si, e sobretudo, em relação ao motivo pelo qual havia sido convocado.
Para Atassio (2007):
79 ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 72.
66
“Para colocar mais fogo na caldeira, prestes a explodir,
tivemos o Comício da Central do Brasil. (...) foi um
estrondo, até a mulher do Presidente, Maria Tereza,
estava no palanque, gente gritando ‘morte aos gorilas’
referindo-se à nós militares contrários àquela baderna,
mas com a presença, o que é o absurdo maior, do
Ministro da Guerra, General Jair Dantas Ribeiro, que
disse que não ia e acabou indo”.80
A reação civil ao comício foi elaborada por um grupo de mulheres de São Paulo,
que ficou conhecida como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade; ato que
reunião na capital paulista, a união cívica feminina, a igreja e associações de bairro da
cidade, conclamando a proteção divina contra o avanço do comunismo.
Para os militares, era o sinal de que o povo pedia com a máxima urgência, a
intervenção das Forças Armadas como a única maneira de defender o país. Nas palavras
do coronel-aviador Gustavo Eugênio de Oliveira Borges, a Marcha:
“(...)foi para nós sumamente importante, porque nos deu
uma força enorme. Pela primeira vez, vimos que a
opinião pública em geral estava a nosso favor”. 81
Acompanhado de outros dois episódios definitivos para a efetiva ação das Forças
Armadas, o comício da Central do Brasil significou a última tentativa de João Goulart
de defender, mesmo que ineficazmente, sua bandeira trabalhista.
II.2.2) Os Militares
O “ser militar”
80 MOTTA, Aricildes de Moraes. 1964 – 31 de Março: O movimento revolucionário e a sua história. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 200, t. 11, p. 35. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 84. 81 MOTTA, A. M. 2003, t.10, p. 293 apud ATASSIO. A. P. 2007, p. 83.
67
Os militares atuaram na cena política brasileira em praticamente todo o período
republicano compreendido entre os anos de 1889 a 1985, que datam da proclamação da
república ao fim do regime militar.
A participação ativa das Forças Armadas no terreno político é explicada por
alguns autores, através da teoria de sua formação ideológica com a qual, os militares são
doutrinados, ou seja, o ideário militar que os impulsiona para ação. Esta doutrina
provém de longos períodos de treinamento que tem como objetivo principal reconstruir
os valores e costumes trazidos da vida civil. É a internalização deste novo modo de vida
que possibilita segundo CASTRO (2004) a criação de uma unidade, de um “Espírito
Militar”. 82
De acordo com o General José Pessoa, ex-comandante da Academia Militar dos
Agulhas Negras, símbolos como os heróis do passado, as bandeiras, os gestos de mãos,
os uniformes, entre outros, têm como finalidade criar
“(...) uma ideologia, que é um misto de brasilidade e
sentimento militar, amalgamados pelo culto do passado,
pelo espírito de tradição”. 83
O Estatuto dos Militares determina seus deveres, tais quais a dedicação e
fidelidade à Pátria, que representam a idéia central contida na doutrina Militar, idéia
esta que os torna orgulhosos de cumprir os deveres impostos pelas Forças Armadas, na
medida em que valores como honra, integridade e as instituições nacionais devem ser
defendidos a todo custo, inclusive com a própria vida, caso seja necessário.
Para Silva (2008), outros valores são importantes para a ordem militar. São eles:
“tradicionalismo, supremacia da sociedade sobre o indivíduo, preocupação com o
cumprimento de ordens, a hierarquização e a divisão das funções, aceitar o Estado-
Nação como forma mais desenvolvida de organização política, reconhecer a permanente
82 CASTRO, Celso. O Espírito militar: Um antropólogo na caserna, 2ª ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, ed. 2004. apud SILVA, Robson Augusto. Militares pela Cidadania. Movimentos associativistas das praças das Forças Armadas – Da Revolta da Chibata às associações do séc. XXI. Pará, 2008, p. 5. 83 SILVA, Robson Augusto. 2008, p. 13.
68
iminência de que venha ocorrer guerra entre países, considerar a guerra como um
instrumento político e exaltar a obediência como a maior das virtudes do ser humano”.84
De maneira geral, o “ser militar” é resultado de um sentimento de unidade e
pertencimento que elevam os militares, segundo sua ideologia, a um patamar superior
em relação ao restante da sociedade, constituindo sua própria identidade que é por regra,
destacada dos demais grupos.
Militares em Ação
Os estudos que tratam da questão militar, enfatizam em sua maioria, a tradição
de intervenção das Forças Armadas na política, o que se desdobra, consequentemente,
em um estado de exceção.
A característica principal destes estudos é pautada na tarefa de reconhecer os
fatores que influenciam o posicionamento político dos militares, ou seja, é entender por
qual razão eles abandonam suas funções militares e adentram a cena política.
Algumas análises explicativas desta trajetória de intervenção, retomam crise de
1955 que dividiu o país entre os “nacionalistas” e os “entreguistas” e/ou legalistas e
internacionalistas. No interior dos quartéis, houve uma disputa entre estes grupos que
passaram a disputar a hegemonia intelectual frente às forças armadas, sobretudo no
Exército.
Estes grupos estavam divididos em radicais, que eram a favor de um
desenvolvimento realizado de forma aberta e com subsídio internacional e em
moderadoss, que pregavam o desenvolvimento baseado na preservação das riquezas
nacionais.
A crise que adentrou o ambiente castrense levava consigo as questões políticas
decorrentes das eleições de 1950, quando diante da vitória de Vargas, ficou evidente
uma tendência popular, inclusive no Clube Militar, que acompanhando a realidade do
restante do país, elegeu um grupo considerado radical.
O ano de 1954 deve ser entendido como o resultado de acontecimentos
plenamente políticos ocorridos em agosto, como o atentado a Carlos Lacerda e o
suicídio de Vargas, pois demandaram conseqüências políticas estruturais. No entanto,
no tocante ao envolvimento das Forças Armas neste ciclo, o mais importante fator de
84 SILVA, Robson Augusto. 2008, p. 11.
69
análise não é agosto e sim fevereiro, com o famoso Memorial dos Coronéis que de
modo geral criticava desde a política econômica do governo, passando pelo comunismo,
pela falta de aparelhamento e as agitações nas Forças Armadas.
“Ante a gravidade da situação que está a se criar para
breve, impõe-se alerta corajoso, pois não se poderá
prever que grau de dissociação serão capazes de gerar,
no organismo militar, as causas múltiplas das tensões
que, dia a dia, se acumulam”. 85
Este insistia que o Exército passava por uma crise de autoridade, que poderia
provocar o fim da “coesão da classe militar”.
A União Democrática Nacional (UDN), desde os anos 40 abrigava sob sua
bandeira um elevado número de filiados militares, o que inclusive garantiu ao
presidente Jânio Quadros, o apoio do Exército.
Para a formação do partido, participaram importantes figuras militares de
tendência antigetulista, que mais tarde, na década de 60 ocupariam postos-chaves na
administração pública e negariam seu apoio a João Goulart.
Neste período de criação da UDN e a subseqüente união entre o partido e os
militares, desenvolveu-se para alguns autores uma “orientação militarista na política,
particularmente nos momentos de crise institucional”. 86
Ainda segundo Paiva (2006), os pontos de afinidade entre a UDN e os militares
eram:
“1. O discurso comum na defesa da liberdade, da lei e a
ordem.
2. A exaltação da religião, do anticomunismo e da
família, valores considerados por ambos como
permanentes e devendo ser sempre objeto de culto,
respeito e vigilância.
85 BENAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto (orgs). Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001, 3ª ed., v.6, pg. 653. (ANEXO) 86 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949 – 1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, p. 43.
70
3. A valorização dos intelectuais e da elite esclarecida, e
a desconfiança em relação ao povo.
4. O antigetulismo, ligado também ao elitismo.
5. A identificação da UDN com a classe média. O
Exército sempre buscou o distanciamento entre os pólos
ideológicos representados pela esquerda e pela direita, e
entre as classes, não querendo ser identificado como elite
e nem como classe oprimida. Além disso, o fator
sociológico é importante, já que os militares
tradicionalmente são oriundos da classe média
brasileira.”87
A eleição de Jânio Quadros foi o resultado da aliança entre seu partido PDC,
sem grande visibilidade e a UDN, partido forte e, como vimos, conservador. A vitória
de Jânio significou para os militares a segurança de que o país seria enfim, destituído do
estado de caos em que se encontrava.
O depoimento do General-de-brigada Ruy Leal Campello, tente coronel da
época deixa clara esta posição:
“Escusado dizer que o Presidente Jânio Quadros contava
com o apoio integral do Exército. A Força enxergava no
presidente Jânio uma pessoa capaz de colocar ordem no
país. Naquela conjuntura, mas acabou tornando-se a
maior ‘gafe política’, surpreendendo a todos com a
inesperada renúncia”. 88
Diante da renúncia do então presidente, o sentimento que imperou entre os
militares, de acordo com Atassio (2007), “foi o de abandono e incompreensão”. 89 Para
ilustrar o posicionamento do Exército, ela completa com as palavras de João Carlos 87 Ibdem, p. 44. 88 MOTTA, Aricildes de Moraes. 1964 – 31 de Março: O movimento revolucionário e a sua história. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2003, t. 11, p. 35. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 47. 89 Ibdem.
71
Rotta, na época, genera-de-divisão que diz: “alguns dias depois o homem renunciava.
Houve um trauma. Vi oficiais chorando. Haviam votado nele, defendiam o Jânio, se
empolgavam com ele, e agora, choravam. Não sabiam o que estava acontecendo”. 90
Com a possibilidade de Jango assumir a presidência, os militares que até então
apoiavam Jango, tornaram-se oposição ao governo. Existiam duas fortes razões para que
Jango fosse o desafeto das Forças Armadas: 1) sua associação a Getúlio Vargas; 2) seu
parentesco com Leonel Brizola, que era conhecido pela ligação que possuía com a
esquerda no Brasil.
Acreditamos que a segunda razão é a mais forte e a mais plausível para explicar
a reação dos militares, visto que o país, sobretudo o Exército, estava imerso na luta
revolucionária contra o comunismo, ainda mais diante da estranha coincidência de estar
Jango, no momento da renúncia de Jânio Quadro, em visita à China comunista.
Desde os anos 30, o comunismo era pauta nos assuntos Militares, “momento em
que a organização militar tornou-se efetivamente uma instituição, com consciência da
própria existência como entidade distinta da sociedade.” (NOTA) Data deste período
também a Intentona Comunista de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes, que foi o
marco a infiltração comunista no Brasil.
O Comunismo passou a ser o inimigo do Exército e da soberania nacional, já que
as bandeiras sociais que ele defende ferem os valores militares, pois entre outros, prega
o fim das fronteiras nacionais, da distinção entre indivíduos, da hierarquia e atenta
contra a democracia.
No início dos anos 50, a Escola de Estado Maior, comandada pelo General
Castello Branco, que segundo fontes históricas “descobrira comunistas até debaixo de
sua própria cama”, passou a ser influenciada pela Doutrina militar norte-americana,
substituindo a Missão Francesa.
Em meados dos anos 60, os oficiais passaram a ser instruídos sobre a chamada
Guerra Revolucionária, que estaria sendo praticada pelos comunistas no país e que
consistia na tomada de poder pelo comunismo sem o apoio das Forças Armadas.
A Doutrina norte-americana tinha respaldo em seu próprio cenário local, pois
com o fim da Segunda Guerra Mundial, os americanos entraram em conflito com a
URSS. No início dos anos 60, com a vitória de Fidel Castro e com sua entrada no jogo
do bloco soviético, o foco principal da Guerra Fria passou a ser a América Central, onde
90 MOTTA, Aricildes de Moraes. 2003, t. 5, p. 131. apud ATASSIO, Aline Prado. 2007, p. 48.
72
Cuba apoiava formalmente a União Soviética comunista. Houve no Brasil, neste
ínterim, o anúncio de que o governo brasileiro pretendia adotar um regime de repúblicas
popular-democráticas, como eram denominados os países da Europa oriental
“anexados” ao império soviético, adotando um posicionamento semelhante ao de Cuba.
O inimigo a ser combatido era, portanto, o comunismo.
Os militares contaram com amplo apoio da ESG para a doutrinação de seus
quadros através da Doutrina de Segurança Nacional (DSN).
Segundo Oliveira (1976), a ESG significava:
“a) a garantia da presença política de um grupo militar
em alta posição no aparelho de Estado, na medida em
que é órgão subordinado diretamente ao Estado Maior
das Forças Armadas (posteriormente o regulamento de 4-
12-63 a define como “Órgão da Presidência da
República”, mantendo mesmo vínculo com o EMFA);
consequentemente b) a ESG garante a não-dispersão
deste agrupamento político-militar; c) se especializa no
estudo da Segurança Nacional no âmbito da Guerra Fria,
incialmente, e no da “guerra revolucionária”, no
contexto seguinte; d) se assegura a possibilidade de
difusão ideológica entre as ‘elites civis e militares’”. 91
A ESG partia de um aparelho repressivo (Forças Armadas) ao mesmo tempo em
que era uma escola com objetivos técnicos e político-ideológicos.
Na década de 50, a ESG fez severas críticas ao Estado e às suas instituições,
considerando-as incompatíveis ao equacionamento de questões importantes, tais como o
desenvolvimento econômico e a segurança nacional.
“(...) No quadro latino-americano, em relação ao qual a
hegemonia americana implicava na contenção dos
movimentos políticos populares, a DSN e a ESG,
especialmente, aparecem como também ligadas a essa
91 OLIVEIRA, Elizer Rizzo. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil (1964-1969). Petrópolis: Editora Vozes, 1976, p. 20
73
estratégia de preparação econômica, política e ideológica
para o embate, então considerado muito provável entre
Ocidente e Oriente, entre Democracia e Comunismo. (...)
a especificidade da ESG como um aparelho de Estado
‘misto’, portador de funções marcadamente ideológicas,
poderia ser definida na seguinte proposição: a presença e
atuação da ESG tendem a tornar-se diretamente política
à medida que se configuram críticas às funções do Estado
como orientador da acumulação capitalista e agenciador
da legitimidade – espécie de ‘fiel da balança’ de uma
precária aliança de classes – e, ideologicamente, esta
ação vincula-se ao estabelecimento de limites às crises da
dominação burguesa, ou seja, vincula-se
fundamentalmente à própria preservação do
capitalismo”. 92
Os principais pensadores da DSN foram: Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de
Farias, Juarez Távora e Humberto Castelo Branco. O elemento fundamental na
formação da segurança nacional era o conflito ideológico permanente que trazia a tona a
possibilidade de uma guerra total entre Ocidente e Oriente.
“A DSN sustenta implícita e explicitamente que a
definição e implementação do interesse coletivo, expresso
nos Objetivos Nacionais, se torna possível somente pela
atuação de uma ‘contra-elite’ localizada no aparelho de
Estado, que é exatamente o setor militar. Esse caminho (o
do interesse coletivo) parece-nos, estabelece elos
ideológicos entre a DSN e as classes soais”. 93
Foi o Ministro da Guerra, Odylio Denys, que liderou o movimento militar contra
a posse de Goulart, pois de acordo com o General-da-Divisão Francisco Batista Torres
92 Ibdem, p. 26 93 Idem. Ibdem, pg. 40.
74
de Melo, na Escola Superior de Guerra, entre seus alunos, acreditava-se que Goulart
representasse um “socialismo arcaico”.
Em contrapartida, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,
enquanto Jango esteve fora do país, realizou uma árdua campanha pela posse do vice,
originando a chamada Cadeia da Legalidade com o objetivo de incentivar a população a
lutar pela posse de Jango. Sua campanha era realizada através de transmissões pela
Rádio Mayrink Veiga, que inclusive, como veremos no capítulo seguinte, disputava
audiência com programas de direita que pregavam instruções diferentes das suas.
A questão da posse de Jango dividiu as Forças Armadas; o II Exército que
compreendia os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aderiram o
movimento legalista e significou, nas palavras de Atassio “o recomeço da atuação
comunista dentro das Forças”.
Como vimos anteriormente, a solução temporária para o impasse foi resolvida
pelo Congresso que aprovou um projeto de lei que previa a adoção do regime
parlamentarista, de forma que Jango assumiu a presidência com poderes reduzidos.
A crise de legalidade, entretanto, continuou. No dia 1º de Maio, Jango deixou
claro seu desejo de antecipar a realização do plebiscito que, através do voto dos
cidadãos, definiria se o país continuaria sob o regime parlamentarista ou voltaria ao
presidencialista, pois para ele, o país estava paralisado. O Congresso aprovou a
antecipação.
O temor que pairava entre os opositores de Jango era de que ele estivesse
criando uma manobra para colocar fim à democracia e instaurar no país, a tão temida
república sindical-socialista.
Por fim, no dia 07 de setembro de 1961, as urnas confirmaram o que os clamores
populares já deixavam claro: ele tomou posse com plenos poderes.
No primeiro discurso público realizado após o plebiscito, Jango anunciou suas
principais reformas: troca do Ministro da Guerra, o General Nelson de Melo pelo
General Amauri Kruel; promulgação das leis que permitiam ao governo maior
intervenção na política econômica.
Jango era temido pelos militares por suas “tendências esquerdistas”, ou seja, seu
discurso de apoio ao povo, às Reformas de Base e principalmente à Reforma Agrária,
reformas estas que os militares associavam a ideologia comunista.
75
A principal questão existente no conflito entre os militares e João Goulart eram
os sindicatos, questão esta que vinha desde a década de 50 quando o então presidente
ocupava a cadeira de Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas.
Na década de 60, porém, as organizações sindicais, principalmente a CGT e a
PUA, passaram a liderar seguidas greves e paralisações que tinham como objetivo
principal expressar suas insatisfações com o governo de Jango, mas que para os
militares era uma forma de demonstrar a força da união dos trabalhadores, numa
tentativa de afrontar o poder do Estado.
Para Atassio (2007), o temor militar era que a organização sindical passasse a
dar suporte ao Executivo e dispensasse a garantia do Exército em manter a segurança do
governo e das instituições democráticas.
Para os militares, a sociedade é organizada organicamente, ou seja, uma vez que
um grupo tenha seus interesses atendidos, o Todo sofrerá as conseqüências o que obriga
o governante, por sua vez, a operar na direção dos interesses nacionais e não
individuais.
Esta visão orgânica foi o que tornou João Goulart um representante da
demagogia populista, pois ao mesmo tempo em que ele buscava atender às exigências
sindicais, estendia as mãos às demandas militares.
É importante destacarmos uma questão importante: atender os sindicatos, na
visão militar, significava mais do que simplesmente atender aos apelos de uma classe,
era contribuir para o avanço do comunismo no Brasil, e eles não poderiam aceitar que
João Goulart efetivasse sua “política sindical”, pois assim estaria traindo a pátria.
O quadro social era alarmante, as pressões que Jango sofria, praticamente
paralisaram seu governo, uma vez que era impossível atender ao anseio geral adotando
uma única alternativa conciliatória, pois ela não existia.
Segundo Atassio (2007):
“O ano de 1963 terminou em situação bem pior do que
havia começado. Jango estava agora na mira dos
generais. A visão dos militares sobre o cenário político e
social do país nos meses que antecederam o golpe foi de
amplo desgoverno. Para eles, as Reformas de Base
representavam o pano de fundo para as greves dirigidas
pelo Comando Geral dos Trabalhadores; os programas
76
de rádio e televisão estavam infiltrados pela ideologia
marxista e pregavam a luta de classes, com o apoio do
Governo Federal; a indisciplina nos quartéis,
acreditavam, era estimulada por autoridades federais,
inclusive pelo próprio presidente, e, para finalizar o
quadro, a imagem do Congresso era negativa e
contrastava com as ações da esquerda, por estava ele sem
força, dominado pelos partidários de Jango, os
esquerdistas”. 94
A ineficiência econômica do governo Jango foi crucial para sua desavença com
os militares. Em 1964, a inflação crescia descontroladamente dia a dia; a renda per
capita do trabalhador era reduzida; os investimentos estrangeiros diminuíam
aumentando o déficit público.
O país estava em estado de alerta.
O Clube Militar era o principal fórum de debate no interior das Forças Armadas
sobre questões que ultrapassavam os limites castrenses. Desnecessário dizer que em
1964 a discussão girava em torno de João Goulart e do comunismo. A cúpula militar
que compunha o Clube era formada por Odylio Denys, Costa e Silva, Mourão Filho,
Muricy, Cordeiro de Farias, Castello Branco, entre outros.
Era através deste órgão que eles reuniam-se para debaterem suas posições acerca
da conjuntura nacional e inclusive, para preparar uma eventual intervenção das Forças
Armadas na política.
Segundo o general-da-divisão Anápio Gomes Filho:
“Em meados de 1962, nos reuníamos rotineiramente às
quartas-feiras à noite, na Casa do Deodoro, participando
das reuniões da Cruzada Democrática, as quais
compareciam muitos oficiais da reserva e da ativa. Ali se
analisava a insidiosa penetração do comunismo nos
94 ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 77.
77
vários setores da vida nacionais, até mesmo nas Forças
Armadas.” 95
Atassio (2007) faz um ressalva importante sobre a posição militar em seu
conjunto diante do Golpe de 64, para a autora nem todos os oficiais ou aspirantes,
entendiam claramente as tensões existentes naquele momento, e este quadro era mais
visível entre as posições subordinadas e no interior das Academias Militares.
Esta questão está presente no relato do coronel Luiz Tavares que cursava a
AMAN:
“Entre 1960 e 1962 eu cursava a AMAN e estava
praticamente alheio à política. Naturalmente que os fatos
marcantes – a renúncia de Jânio, a quem admirávamos, a
questão do plebiscito e a posse de Jango – não passaram
desapercebidos (...). Pouco me recordo de ter havido
reuniões com a oficialidade jovem para tratar daquele
momento político. Conversava-se, à noite, com os
capitães que ficavam no quartel”. 96
Isso demonstra que a conspiração do Golpe partiu da cúpula militar e passou a
ser difundida à base para fortalecer-se e dar ao movimento uma idéia de “unanimidade”,
quando na verdade, não houve um consenso para os acontecimentos de 1964. Os
oficiais não estavam realmente cientes do que estava sendo preparado, e apoiaram a
ação automaticamente, demonstrando a obediência típica dos militares aos principais
lemas das Forças Armadas: a hierarquia e a disciplina.
Quando em março de 1964, Jango passou a buscar mais intensamente o apoio
popular para a realização das reformas de base, segundo o general-de-exército Luiz
Gonzaga Shroeder, ele cometeu suicídio:
95 MOTTA, Aricildes de Moraes. 2003, t.6, p.107. apud ATASSIO, Aline Prado. 2007, p. 80. 96 Ibdem p. 228-229 apud p. 81.
78
“Suicidou porque o que ele fez em um mês, no curto
espaço de um mês, promovendo uma série de fatos que a
Nação jamais poderia agüentar, representou um
verdadeiro suicídio. Ele promoveu neste mês de março, o
comício do dia 13, apoiou a revolta dos marinheiros e
fuzileiros e participou da reunião no Automóvel Clube do
Brasil, tudo isso no Rio de Janeiro e num único mês,
caracterizando um conjunto de episódios que
antecederiam a revolução comunista para a implantação
da República Sindicalista no dia 1º de maio”. 97
Desta forma, temos cronologicamente organizados os eventos que serviram
como o estopim para a reação militar, na medida em que subverteram a ordem, a
disciplina e a hierarquia das Forças Armadas.
O Comício foi o divisor de águas entre os militares. Não havia como negar a
posição do presidente e a atuação das forças trabalhadoras, de forma que no dia 20 de
março, o general Castello Branco, chefe do Estado-Maior do Exército distribuiu uma
circular que afirmava a evidente ameaça de uma nova Constituinte que tornaria possível
as reformas de base e mais agitações da CGT, além de alertar para os perigos do
comunismo. De forma sutil, ele preparava o espírito militar para a ação.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, os marinheiros reuniram-se na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos protestando contra a punição de 12 graduados que haviam
transformado a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, em uma organização
parassindical, monitorada pelo PCB.
O movimento contou com a presença de sargentos, cabos e marinheiro, o que
demonstrava apoio dos comunistas aos revoltosos, comprovando a tese da infiltração
vermelha nas patentes inferiores das Forças Armadas. Eles exigiam a troca do Ministro
e a revogação das punições. As reivindicações foram ouvidas e atendidas: Silvio Mota
renunciou e Jango indicou para o cargo o almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues,
considerado de esquerda. Além disso, Jango não puniu, conforme o regulamento militar,
os revoltosos que haviam infringido a hierarquia da Marinha.
97 MOTTA, 2003. t. 10, p. 61. apud ATASSIO, 2007, p. 82.
79
No dia 30 de março, mesmo diante da tensão existente e dos apelos de seu
secretário de imprensa Raul Ruff e do deputado Tancredo Neves, Jango discursou para
um auditório composto de suboficiais e sargentos no Automóvel Clube, acreditando
contar com o dispositivo militar montado pelo general Assis Brasil, no caso de uma
tentativa de golpe.
No entanto, mesmo que contasse com o apoio de todo o conjunto das Forças
Armadas, o presidente não seria apoiado diante de um erro fatal cometido em seu
discurso, ele incentivou a quebra da hierarquia ao dizer que os
“sargentos não deveriam obedecer a seus superiores
hierárquicos naquilo que considerassem ‘sentimento do
povo brasileiro’, ‘sectarismo’, pois o caminho deles era
também o caminho do presidente da República. Portanto,
a relação de comando era com ele, Jango”. 98
Foi a gota d´água para os conspiradores; para eles era chegada a hora do
Exército intervir na política para garantir a manutenção das instituições democráticas do
país. Nas palavras do Coronel Ney Salles (VER), “foi a última afronta do despreparado
caudilho às Forças Armadas” (NOTA).
E no dia 31 de março/1ºde abril de 1964, os militares entraram em ação e deram
início a Ditadura Militar no Brasil.
II.2.3) Os empresários
Os interesses econômicos multinacionais tiveram grande estímulo através da
política de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, de forma que na década de 60
haviam se tornado a força socioeconômica dominante.
Segundo Dreifuss (2006), a estrutura de poder político da nova classe compunha
uma intelligentsia empresarial, formada por:
98 VILLA, Marcelo Antonio. Jango: Um Perfil. São Paulo: Globo, 2003, p. 206. apud ATASSIO, Aline Prado. A Batalha pela Memória: Militares e o Golpe de 1964. 2007. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Carlos. 2007, p. 87.
80
“a) diretores de corporações multinacionais e diretores e
proprietários de interesses associados, muitos deles com
qualificação profissional;
b) administradores de empresas privadas, técnicos e
executivos estatais que faziam parte da tecnoburocracia;
c) oficiais militares. 99
A capacidade tecnológica e o controle de capital eram os fatores de promoção do
poder que as empresas multinacionais possuíam no país. A estrutura central deste
processo estava fixada nas formações sociais dos países de onde as multinacionais
operavam, favorecendo a formação de elites locais que se ligavam por relações
profissionais e atitudes econômico-políticas.
Conforme vimos anteriormente, desde o governo JK, com a elaboração de uma
administração paralela, os tecnoempresários passaram a ser dotados de uma influência
no interior do aparelho estatal.
Estes técnicos possuíam ligações operacionais e interesses na classe empresarial
de tendência multinacional. Era através deles que se dava a formulação das diretrizes
políticas adotadas pelo governo e a tomada de decisão que favoreciam os seus
interesses, organizando deste modo, a opinião pública.
Adotando o princípio da racionalidade capitalista presente nas empresas
privadas, como a solução dos problemas socioeconômicos nacionais, eles dotaram o
Executivo de planos e metas que tinham como intuito promover o desenvolvimento do
país.
A racionalidade passou a ser a palavra de ordem no processo de crescimento. O
tecnoempresário Eugênio Gudin, precursor de uma geração de economistas político-
empresariais, como Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto de Oliveira Campos, Mário
Henrique Simonsen e Antônio Delfim Neto, atribuía grande importância ao papel
central das empresas privadas e às inovações organizacionais e técnicas presentes em
sua estrutura.
Esta nova ideologia passou a ser disseminada em associações comerciais e
industriais, clubes sociais, centros culturais, na ESG e principalmente através de
99 DREIFUSS, René Armand. (2006). 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 6a ed, Petrópolis, RJ; Vozes. pg. 78.
81
organizações de ação, estrategicamente criadas para serem focos de suas atividades,
conforme veremos no capítulo III.
Para que fosse possível atingir os objetivos previstos pela economia no país,
adotou-se uma linha de atuação baseada no planejamento. Ainda no final da década de
50, o então Coronel Golbery do Couto e Silva, o mais hábil e preparado, teórica e
politicamente dos que lutavam pelo desenvolvimento empresarial no Brasil, dizia ser
“(...)necessário evitar, a todo custo, qualquer
incoerência do conjunto, de maneira a garantir a
inexistência de conflito entre objetivos divergentes, o que
finalmente impediria o seu alcance simultâneo ou a sua
preservação e destruiria o sistema como tal”. 100
Os conceitos modernos de planejamento foram implantados no Brasil durante o
período de 1951 a 1953 através da adoção das recomendações da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico, estabelecida em dezembro de
1949.
A equipe brasileira era composta por Roberto Campos (Assuntos Econômicos),
Ary Frederico Torres (Presidente), Lucas Lopes (Questões Técnicas) Glycon de Paiva
(Assuntos de Geologia e Mineração) e Valentim Bouças (Assuntos Financeiros).
As recomendações previam o estabelecimento de agências e órgãos públicos, o
que culminou com a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) que tinha
como pressuposto básico a oferta de apoio financeiro aos investidores privados, o que
beneficiou, sobretudo as companhias multinacionais que recebiam recursos para seu
estabelecimento no Brasil.
Além do BNDE, outras agências e grupos executivos tornaram-se focos de poder
dos interesses econômicos. Oriundas das análises realizadas junto ao CEPAL e a ESG,
durante 1953 e 1954, estavam as diretrizes que possibilitaram a criação do Plano de
Metas de JK que foi operado a partir da racionalidade empresarial, estabelecendo
prioritariamente investimentos de recursos públicos nacionais em cinco setores-chaves:
energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação.
100 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, pg. 182.
82
Segundo Dreifuss (2006):
“Os interesses multinacionais refratavam-se no processo
decisório governamental através do Plano de Metas como
necessidade do desenvolvimento nacional. Assim, o poder
de classe era internalizado no Estado sob a cobertura de
racionalidade técnica, necessidade e perícia, e legitimado
por grupos executivos e pelos escritórios de consultoria
tecnoempresariais”. 101
O slogan “50 anos em 5” através do qual Juscelino resumia seu governo, era a
representação do caráter imediatista que os empresários buscavam para o
desenvolvimento industrial do país.
As Forças Armadas representadas por alguns oficiais militares, foram chamados
também a integrar a comissão de planejamento junto à elite empresarial. Dotados da
ideologia de ordem e progresso, participaram conjuntamente do esforço em busca do
crescimento industrial, sustentado pelos interesses multinacionais e pelo Estado,
oferecendo por sua vez, uma ação de orientação eficaz e legítima, exigidas pela
ideologia da segurança nacional.
Datam deste período a criação das escolas que objetivavam preparar os alunos
para a administração pública e privada e também sugerir diretrizes políticas para a
análise da situação econômica e política do país. É o caso, por exemplo, da Escola de
Administração de Empresas (fundada em 1950), o Instituto Brasileiro de Administração
de Empresas, o Instituto Superior de Administração e Vendas, o Escritório de
Planejamento Econômico e Social – IPEA, os Centros para Treinamento
Administrativos e, principalmente o Instituto Brasileiro de Economia – IBRE – e a
Fundação Getúlio Vargas – FGV – que já haviam sido criados anteriormente.
Os principais dirigentes de ambas instituições principais eram simultaneamente
membros de escritórios de consultoria privados e de órgãos governamentais, como o
BNDE.
Já vimos a questão da interferência das Forças Armadas na cena política. Neste
momento, o que pretendemos demonstrar é que alguns oficiais oriundos da ESG
101 Ibdem. p. 83.
83
estabeleceram íntima ligação com os meios empresariais, dos quais, inclusive, muitos
deles faziam parte. Entre os principais, podemos citar os oficiais de escalão médio
Golbery do Couto e Silva, Orlando Geisel, Ernesto Geisel, Aurélio de Lyra Tavares,
Jurandir Bizarria Mamede, Heitor Almeida Herera, Edson de Figueiredo, Geraldo de
Menezes Cortes, Idálio Sardenberg, Belfort Bethlem, João Bina Machado, Liberato da
Cunha Friedrich, Ademar de Queiroz e os generais Cordeiro de Farias e Juarez Távora.
De acordo com Dreifuss (2006):
“É importante notar que já em meados da década de 50 e
mais ainda em princípios da década de 60 a participação
militar na empresa privada era uma realidade, embora
esse fenômeno não fosse tão difundido. A aproximação
ideológica entre os militares brasileiros e empresários e
seus pontos de vista em comum quanto aos caminhos e
meios que levariam ao crescimento industrial foram
traduzidos no acordo militar de 1952 entre o Brasil e os
Estados Unidos. A seção 516 da sua “lei de Segurança
Militar” expunha a necessidade de se encorajar “a
eliminação de barreiras e de se providenciar incentivos
para um aumento constante na participação da empresa
privada no desenvolvimento dos recursos dos países
estrangeiros e desencorajar, na medida do possível e sem
interferir na realização dos objetivos dessa lei, a prática
de monopólio e de cartel que prevalece em certos países
(...)”. 102
Atuando em conjunto com a ESG estavam outros complexos políticos de
acordos militares entre o Brasil e os EUA: o Programa de Assistência Militar (PAM) e o
Acordo de Assistência e Defesa Mútua (AADM), onde a técnica pautava a doutrinação
político-ideológica de que a mente militar nas Américas deveriam representar um centro
hegemônico e a forma específica de desenvolvimento socioeconômico.
102 Ibdem. p. 86.
84
O principal impulso dado pela formação ideológica da ESG aos militares no que
se refere a questão econômica, estava no fato de que, o pensamento doutrinário militar
excluía e evitava qualquer transformação na estrutura social, que deveria manter-se
estática em sua divisão entre elites e massas, determinando uma modernização
conservadora.
Esta concepção não aceitava a presença das classes trabalhadoras ou
intermediárias nos círculos de estudos da ESG, nem mesmo como convidadas, pois ali
se davam as ligações entre militares e civis, e não poderia receber interferência de
qualquer ideologia contrária às defendidas pelos grupos presentes.
Ainda de acordo com Dreifuss (2006):
“Como observa Celso Furtado, a perspectiva
desenvolvida por tais industriais e tecoempresários era
bastante diferente da orientação liberal ou populista de
grupos de elite que foram capazes de chegar ao poder
através de eleições. Compartilhando a ideologia de
segurança nacional e de seus equivalentes, esses
empresários viam a disciplina e a hierarquia como
componentes essenciais de um sistema industrial”. 103
Os interesses multinacionais ganharam o apoio das Forças Armadas na luta
contra o governo de João Goulart, assim como os militares, ao promover o intercâmbio
com os civis davam uma conotação popular ao Golpe em formação.
As classes em questão receberam apoio mútuo porque os interesses em jogo
eram parte constituinte de uma ideologia maior, que era justamente a de lutar contra o
comunismo e favorecer o desenvolvimento do país.
Enquanto as classes empresariais possuíam as regalias oferecidas pelo Estado,
como vimos anteriormente, para a expansão do capital multinacional, elas exerciam
grande influência nos cenários econômico, político e social brasileiro, de tal modo que a
urgência do desenvolvimento passou a ser o carro-chefe no imaginário nacional,
inclusive entre os militares que defendiam esta posição. Era a combinação perfeita: a
repressão pelo uso da força e a ideologia, que criava uma doutrina capitalista no país.
103 Ibdem. p. 88.
85
II.3. A Difusão Ideológica
O último aspecto, segundo o esquema de Garcia (1999), a ser avaliado na análise
sobre a propaganda política é o da difusão ideológica.
Tomando como base os pontos analisados no início deste capítulo, podemos
resumir a situação econômica, social e política na qual se encontrava o Brasil em um
conflito de interesses.
A ordem sindical orquestrada por um governo vinculado ideologicamente aos
setores trabalhistas dava sinais de ser uma reação à permanência da manutenção dos
interesses economicamente dominantes e ao conservadorismo da ordem militar, tudo
isso sob o contínuo estado de alerta americano contra o comunismo soviético.
Foi o suficiente para que diante da radicalização de algumas frações da classe
trabalhadora, o movimento sindical se transfigurasse em movimento comunista, tendo
na figura de João Goulart o seu pivô.
Era necessário, no entanto, que este estado de coisas fosse facilmente absorvido
pela população, o que gerou a necessidade de disseminar esta nova doutrina constituída
de princípios claros e aparentemente simples como a ordem, o desenvolvimento e a
democracia em retaliação à República Sindical-Socialista, que eles esperavam partir de
Jango.
Veremos no capítulo III e IV a mobilização da classe empresarial em sua luta
pela manutenção de seus interesses, no entanto, acreditamos ser necessária uma prévia e
sucinta análise dos meios de comunicação, dos quais se utilizaram em sua campanha,
para a complementação do principal ponto de nossa análise: a difusão ideológica dos
interesses economicamente dominantes.
O desenvolvimento subseqüente da década de 50 possibilitou a consolidação do
capitalismo e da urbanização no Brasil. A industrialização verificada no período trouxe
grandes transformações nos meios de comunicação e a solidificação da implantação da
Indústria Cultural em solo nacional.
O principal canal até então utilizado era o rádio, que desde a década de 40, com
estímulo do governo Vargas no período do Estado Novo, havia se consolidado como
86
principal meio de comunicação. Sua difusão continuou em franca expansão, pois ainda
era o meio de mais fácil acesso e aquisição por grande parte da população.
De acordos com Miceli (2006), o número de aparelhos no período de 1952 a
1962, praticamente dobrou de 2,5 milhões para 4,7 milhões, ao passo que na análise de
1950 a 1960, de acordo com tabela anexa, o número de estações passou de 300 para
735, representando um aumento de quase 507%. 104
Segundo Delgado (2006), o rádio não era o único meio de comunicação utilizado
no período, existiam
“Outras formas de divulgação da informação, como
jornais impressos, a nascente televisão brasileira,
revistas, livros e periódicos (...)”. 105
Ainda na década de 50, surgiu a radiotelevisão, que mais tarde suplantaria a
posição de preferência alcançada pelo rádio. A televisão ampliou o leque de opções
apresentando-se como uma alternativa na divulgação e reprodução da informação,
embora tenha adquirido um caráter amador nos primeiros anos de sua implementação.
A TV Tupi de Assis Chateaubriand foi a precursora na transmissão televisiva no
Brasil, sendo que ele próprio, importou 200 aparelhos para espalhar por São Paulo, a
fim de que a população tivesse acesso à inovação, ao passo que no semestre seguinte do
ano de 1950, haviam 3.500 aparelhos no Brasil. Vale ressaltar que a televisão não era
um meio de comunicação popular diante do seu alto custo de aquisição, de forma que
durante algum tempo, foi um canal de informação restrito às classes economicamente
superiores.
Em 1959, o Brasil já possuía aproximadamente 434 mil aparelhos e várias
emissoras além da TV Tupi: TV Paulista, TV Record, TV Rio, TV Excelsior, TV
Paranaense, TV Cultura de São Paulo e TV Itapoan. 106
104 MICELI, Sérgio. Entre o Palco e a Televisão. In: Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006, p. 350. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/seculoxx/seculoxx.pdf >. Acesso em: 24 de fevereiro 2010. 105 DELGADO, Marcio de Paiva. O “Golpismo Democrático” – Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na quebra da legalidade (1949 – 1964). 2006. 154 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2006, p. 16. 106 Disponível em <http://www.tudosobretv.com.br/histortv/tv60.htm >. Acesso em: 23 de junho 2010.
87
Quanto a imprensa periódica, no ano de 1960, existiam no país 247 jornais
diários com tiragens médias de 3.973.484, sendo os principais veículos: O Estado de
São Paulo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Jornal, Folha de São Paulo, O Globo,
Estado de Minas, Diário Carioca, Diário de Notícias, Última Hora e Correio
Braziliense.
Desde a criação da Revista O Cruzeiro em 1928, também do grupo Emissoras e
Diários Associados de Chateaubriand, as revistas passaram a ser reconhecidas como um
meio de comunicação de variedades, onde ilustrava-se a atualidade no país e no mundo
com assuntos que iam desde a política até às celebridades. Em 1960, a tiragem média de
revistas era de 9.711.750, sendo as de maior destaque: Revista da Semana, O Cruzeiro,
Manchete, e Senhor.
Este era o quadro relativo de como encontravam-se os meios de comunicação no
Brasil em termos de desenvolvimento e divulgação.
88
Capítulo III – O IPES
“O IPES surge com o objetivo de esclarecer
primordialmente a classe empresarial que, diga-se de
passagem, precisa mais do qualquer outra classe saber
realmente quais são os limites ideais do regime de livre
iniciativa no campo econômico.”
João Batista Leopoldo Figueiredo
A administração de Juscelino Kubitschek, conforme vimos anteriormente,
baseou-se em sua figura populista e em seu plano de desenvolvimento. As classes
empresariais, no entanto, possuíam duas razões para não se contentarem com o governo
de JK: a primeira era que o populismo tratava-se de uma herança controvertida deixada
por Getúlio Vargas e a segunda dizia respeito ao desequilíbrio econômico originado por
sua política desenvolvimentista.
O crescimento da inflação deu início à manifestação das classes trabalhadoras
que eram as mais atingidas pelas conseqüências deste processo, uma vez que, na mesma
medida em que o custo de vida tornava-se mais elevado, seus salários decresciam.
As principais lideranças empresariais no Brasil estavam preocupadas com o
rumo que o país adotaria tendo em vista que o momento não era favorável ao
crescimento econômico e conseqüente desenvolvimento do país, conforme eles
previam. Assim, no final da década de 50, eles passaram a organizar o que mais tarde
tornar-se-ia o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES.
Gilbert Huber Jr., empresário de origem americana, foi quem primeiro entrou em
contato com Paulo Ayres Filho, influente empresário que residia no Rio de Janeiro e o
incumbiu da tarefa de recruta em São Paulo, homens de negócios para que pudessem
juntos discutir a conjuntura brasileira.
De acordo com as informações anteriores, é importante notar que a influência
americana no Brasil, sobretudo a partir da década de 50, deu-se nos mais variados
campos. Importantes concepções oriundas dos EUA foram semeadas em território
nacional e adotadas como legítimas, caso emblemático do anticomunismo, que se
tornou o principal alvo de ataque das classes economicamente dominantes e também
dos militares. Outro exemplo é a política econômica liberal, que adentrou o país
89
carregando consigo a necessidade do estabelecimento de empresas multinacionais para
o desenvolvimento do Brasil.
Paulo Ayres Filho passou a traduzir e distribuir panfletos da Foudation of
Economic Education, sediada em Nova York, que se apresentava, segundo Dreifuss
(2006) como a “defensora da causa de uma limitada participação do governo na
economia e da livre empresa”. 107 Ele recrutou em São Paulo, João Batista Leopoldo
Figueiredo, empresário multinacional que havia sido presidente do Banco do Brasil no
governo de Jânio Quadros e que se tornaria o líder do IPES neste estado.
A atuação no Rio de Janeiro era feita a princípio pelo próprio Gilbert Huber Jr.,
por Antônio Gallotti, Glycon de Paiva, José Garrido Torres e por Augusto Trajano
Azevedo Nunes, que além da tarefa de recrutar quadros para a constituição do Instituto,
estavam também envolvidos na “obtenção dos serviços de diversos oficiais da reserva,
tal como o General Golbery do Couto e Silva, que foi indicado ao IPES pelo General
Heitor Herrera”. 108
As primeiras reuniões foram realizadas nas casas dos próprios empresários, tanto
no Rio quanto em São Paulo, principais centros de onde emergiam grande parte das
atividades empreendidas pelo grupo.
A renúncia de Jânio Quadros em 1961 foi o fato decisivo para que o IPES fosse
efetivamente ativado, resultado da reação empresarial contra o que eles entendiam como
uma “tendência esquerdista” na vida política brasileira.
Um dos principais objetivos do Instituto era desestabilizar o governo de João
Goulart, que trazia consigo a bagagem sindical e a tendência nacionalista, dois
importantes obstáculos ao fortalecimento e imposição de seus interesses. Para que isso
fosse possível, empreenderam uma campanha política, ideológica e militar pautada
principalmente na manipulação de opiniões e numa feroz guerra psicológica.
Entretanto, publicamente apresentavam-se como um seleto grupo de homens de
negócios e intelectuais respeitáveis que buscavam unicamente encontrar através de
estudos e pesquisas, as soluções para os problemas brasileiros.
III.1. Fundação
107 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, pg. 175. 108 Ibdem
90
Em 29 de novembro de 1961, o IPES passou a existir oficialmente, constituído
por indivíduos provenientes de diferentes backgrounds ideológicos. O que os unia era
seu posicionamento anticomunista e suas ambições em reestruturar o Estado.
De acordo com Dreifuss (2006), os empresários que iniciaram a campanha pela
criação de uma base organizada, tinham como objetivo criar
“uma liderança política que fosse compatível com sua
supremacia econômica e ascendência tecnoburocrática,
pois, como foi observado, ‘a direção do país não podia
mais ser deixada nas mãos dos políticos’”. 109
O IPES foi entusiasticamente recebido por diferentes órgãos da imprensa, como
o Jornal do Brasil, O Globo, o Correio da Manhã e o Última Hora; por figuras
eclesiásticas como o Arcebispo do Rio Dom Jayme de Barros Câmara e por diversos
intelectuais que passaram a apoiar o grupo.
Sua campanha, tal qual o desejo de seus fundadores, alcançou o país e também
novos centros de atuação foram incorporados nas atividades do IPES, como é o caso de
Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus e alguns outros centros menores.
De acordo com Dreifuss (2006):
“Os objetivos do IPES, conforme o capítulo I de sua carta
constitucional, constituíam-se de: promover e estimular
educação cultural, moral e cívica dos indivíduos e
desenvolver e coordenar estudos e atividades de caráter
social e obter, por meio de pesquisa, recomendações que
contribuíssem para o progresso econômico, o bem-estar
social e o fortalecimento do regime democrático do
Brasil. O artigo 2 rezava que o “IPES não participará de
nenhuma atividade político-partidária”. O artigo 4
declarava que “todas as atividades do Instituto serão
desenvolvidas em conformidade com a Constituição e as
leis do país, os princípios democráticos, a ordem social,
109 Ibdem.
91
as normas da civilização cristã e a obediência devida às
autoridades legalmente constituídas”. 110
E ainda:
“De acordo com ‘A responsabilidade democrática do
empresário’, uma versão de seu documento básico, o
IPES seria orientado por ‘dirigentes de empresas e
profissionais liberais que participam com convicção
democrática, como patriotas e não como representantes
de alguma classe ou de interesses privados. Eles se
reúnem para analisar a situação e contribuir para a
solução dos problemas sociais que surgem
constantemente na vida brasileira. Por isso, a direção do
IPES conta com a colaboração de professores
universitários, técnicos e peritos, que, de acordo com seus
postulados, estejam dispostos a trabalhar no estudo e na
equação dos problemas nacionais’”. 111
O recrutamento era feito de forma ordenada a funcionar como uma corrente de
adesão: os fundadores recrutavam um núcleo de 50 membros, e estes, por sua vez,
teriam de trazer mais 5 e assim sucessivamente ao passo que ao longo de seu
desenvolvimento, o IPES constituiu-se de uma poderosa rede de influência atuante nos
movimentos estudantis, nos quartéis, na mídia e na imprensa – as quais controlou em
todo país – e inclusive no Congresso, onde os integrantes do Instituto ficavam
responsáveis pela coordenação dos esforços em oposição ao governo e à esquerda
trabalhista.
A campanha ipesiana era fundamentada na disseminação entre as classes
dominantes, as camadas sociais intermediárias, militares e a população, da necessidade
da resistência ao governo de João Goulart e posteriormente a inevitabilidade de sua
derrubada.
110 Ibdem. 111 Ibdem. p. 176.
92
Para que a doutrinação surtisse efeito, o trabalho inicial do IPES passou a ser
realizado no meio empresarial, que era a sua força motriz, pois era a classe que possuía
o poder econômico para que as atividades empreendidas pudessem ser mantidas.
Com a cobertura do IBAD e da ADEP 112 desenvolveu duas campanhas básicas
denominadas “Ação Social”, que segundo esquema proposto por Dreifuss (2006), trazia
as seguintes características:
“1) consistia na pressão econômica sobre as empresas
privadas e entidades sociais que não se identificavam
com os seus ideais políticos ou que realmente davam
apoio a diretrizes governamentais
2) direcionamento político da opinião pública e
empresarial contra o governo nacionalista e contra
determinadas figuras públicas”. 113
112 As sementes do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram lançadas no final do governo de Juscelino Kubitschek. O instituto foi fundado em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, recebendo contribuições de empresários brasileiros e estrangeiros, que, descontentes com a disparada da inflação e o estilo populista de JK, julgaram necessário organizarem-se com o objetivo de combater o comunismo no Brasil e influir nos rumos do debate econômico, político e social do país. O papel desenhado para o IBAD era a ação política. Dessa forma, Hasslocher fundou mais ou menos no mesmo período a agência de propaganda Incrementadora de Vendas Promotion, subsidiária daquele instituto.
A posse de João Goulart na presidência da República, em setembro de 1961, acirrou os ânimos dos ibadianos. O ápice da atuação do instituto foi na campanha eleitoral de 1962. Para isso, foi criada, com fins explicitamente eleitorais, a Ação Democrática Popular (Adep). Sua função era canalizar recursos para os candidatos contrários a Goulart que concorreriam às eleições legislativas e para o governo de 11 estados. Ao mesmo tempo, o IBAD engendrou ferrenha campanha contra o governo Goulart e os candidatos ao Legislativo identificados pelos ibadianos como comunistas. Além disso, produziu e difundiu grande número de programas de rádio e de televisão e matérias nos jornais com conteúdo anticomunista.
Baseado parcialmente em informações reveladas pela CPI, no final de agosto Goulart determinou a suspensão por três meses das atividades do IBAD e da Adep. O decreto presidencial previa que os órgãos do Poder Judiciário examinassem a atuação da entidade e tomasse as medidas cabíveis. No final de novembro, Goulart prorrogou por mais três meses a suspensão, levando em conta o fato de que as investigações sobre as atividades ilícitas das duas organizações ainda se encontravam em curso. Finalmente, em 20 de dezembro, o IBAD e a Adep foram dissolvidos por determinação do Poder Judiciário.
Disponível em <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/O_Instituto_Brasileiro_de_Acao_Democratica> Acesso: 22 de junho 2010.
113 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 179.
93
Estas propostas para a ação eram planejadas para que o IPES pudesse se
fortalecer afim de atingir os objetivos previstos.
Segundo Dreifuss (2006), para uma das lideranças do IPES, Garrido Torres:
“era preciso fortalecer o regime, fazendo reformas
institucionais que modelassem a estrutura para a
modernização (...). A sobrevivência da democracia,
identificada com a empresa privada, dependia do
comportamento político dos empresários e da
demonstração de sua função social ao grande público”. 114
Para liderar politicamente uma reação burguesa contra o Executivo, os membros
do IPES tiveram que agir realmente como uma classe coesa, independente de sua
heterogeneidade, e assim atuou até o ano de (VER) quando encerrou suas atividades.
III.2. Estrutura
O IPES era dirigido por um Conselho Orientador (CO), por um Conselho Diretor
(CD) e por um Comitê Executivo (CE).
O CO era o sistema nervoso central do Instituto. Constituía-se no fórum de
representação setorial, associativa, profissional e ideológica, além de se responsabilizar
pela elaboração das linhas de orientação, eleger o CD e estabelecer a estrutura
institucional.
O CD era o principal órgão institucional de formulação de diretrizes políticas,
além de serem responsáveis pela escolha dos membros do CE, que por sua vez, era o
comitê responsável pela tomada de decisão e programação das linhas de ação dos
objetivos do IPES, cabendo a ele também o papel de discutir a aprovação de projetos e
orçamentos.
Existia ainda o Conselho Fiscal (CF), que cuidava dos assuntos processuais e do
controle de contas.
114 Ibdem. p. 181
94
Geralmente eram os proprietários, acionistas, presidentes e diretores das grandes
empresas multinacionais que exerciam a autoridade no CO, no CD e no CE, mas existia
também a presença de militares de prestígio, alguns dos quais trabalhavam em empresas
privadas, de jornalistas, acadêmicos e tecnoempresários, na estrutura formal de
autoridade.
Apesar das diferenças ideológicas e pessoais existentes no interior do IPES, sua
maior manobra era efetivar a constante mobilização dos diferentes setores em busca de
um único objetivo estratégico: trazer para si o maior número de frações e setores
econômicos, escritórios de consultoria, centros culturais, facções militares e grupos
políticos para desagregar as bases de apoio ao executivo de João Goulart.
A atuação do IPES era organizada a fim de atingir diferentes segmentos para
integrar uma grande rede de apoio; suas atividades iam desde a influência parlamentar,
através da persuasão de legisladores, passando pelo movimento estudantil, a Igreja e as
Forças Armadas.
Tecnicamente, de acordo com as recomendações do Instituto existiam dez
principais áreas de ação política e ideológica, a saber: Forças Armadas, Congresso,
Executivo e classe empresarial, sindicatos, classe camponesa, Igreja, partidos políticos,
mídia e as classes intermediárias.
Suas atividades eram previamente organizadas por 5 grupos de Ação e Estudo:
O Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC); o Grupo de Assessoria Parlamentar
(GAP); o Grupo de Opinião Pública (GOP); o Grupo de Publicações/Editorial (GPE) e
finalmente o Grupo de Estudo e Doutrina (GED).
A) Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC)
Conhecido também como Grupo de Pesquisa, o GLC realizava o
acompanhamento dos acontecimentos políticos oriundos de todas as áreas para poder
esboçar mudanças táticas e acompanhar a evolução da situação, influenciando em seu
processo.
Era o grupo responsável por fixar diretrizes para as atividades dos Grupos de
Ação que atuavam no Congresso, além de estabelecer influência junto aos partidos
políticos, aos estudantes, à Igreja, aos camponeses, às Forças Armadas e à mídia,
encarregando-se inclusive do Setor de Exército e Informação, principalmente dos I e III
Exércitos.
95
O líder do GLC era o General Golbery do Couto e Silva. Sua equipe era
responsável pela produção de trabalhos táticos e estratégicos que forneciam as diretrizes
dos projetos. Sua principal atuação ficava a cargo de sua perícia. Era ele quem levantava
informações através de uma íntima rede de militares eficientes, como o Capitão Heitor
Almeida Herrera. Juntos, eles criaram uma conexão com um grupo de oficiais de alta
patente, que logo passaram a colaborar declaradamente com o IPES, e que
coincidentemente, estariam presentes no comando do Golpe de 1964. São eles: os
Generais Jurandir B. Mamede, Ernesto Geisel, Ademar de Queiroz, Idálio Sardenberg,
Cordeiro de Farias e Ulhoa Cintra.
Através do apoio militar, de 1962 a 1964, o IPES conquistou um sistema de
informação capaz de controlar a influência comunista no governo. Estas descobertas
eram distribuídas posteriormente de forma regular entre os oficiais militares-chaves e
demais pessoas por todo o Brasil.
Estas informações eram compiladas em dossiês que identificavam indivíduos e
grupos comunistas além de trazer um mapa que traçava a estrutura e pessoas-chave das
supostas organizações subversivas.
Qualquer semelhança com o Sistema Nacional de Informação (SNI) não é mera
coincidência. Golbery, após 1964, utilizou-se de toda informação coletada através do
GLC do IPES para criar o SNI, órgão que adquiriu uma roupagem institucional após o
Golpe e continuou a monitorar os indivíduos durante o Regime Militar. Apenas durante
o período de existência do IPES, o GLC chegou a grampear cerca de três mil telefones
no Rio de Janeiro.
B) Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP)
“Toda menção ao Grupo de Assessoria Parlamentar deve
ser suprimida. Talvez deva-se falar em termos de
Escritório de Brasília”. 115
O GAP era o canal de financiamento do IPES para suas ligações parlamentares.
Desenvolvia e coordenava a campanha política contra João Goulart em Brasília através
de sua rede de contatos com órgãos do governo e com grupos políticos.
115 Ibdem. p. 207
96
As atividades eram realizadas através da Ação Democrática Parlamentar (ADP)
que era liderada pelo deputado udenista João Mendes, considerado o mais importante
elo entre o IPES e o Congresso e chefiado pelo banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores,
assessorado pelo Paulo Watzel e Francisco Nobre de Lacerda em Brasília e, no Rio,
pelo escritor José Rubem Fonseca.
Segundo o líder ipesiano, Miguel Lins, o GAP deveria “aconselhar o Congresso,
estar dentro dele, ter um homem do IPES dentro dele”, além de sugerir que o IPES
oferecesse “assessoria técnica ao líder do PSD, Amaral Peixoto, para trabalhar dentro da
Câmara”. 116
Para alguns membros do IPES, como Antônio Galotti, era necessário que se
tivesse um “deputado atuante em cada uma das casas do congresso” e mais, avaliavam
que o ideal seria “ter elementos na Câmara, fora dela, na imprensa etc. O IPES ficaria
por trás deles, dando apoio e sugerindo soluções”, 117 de acordo com Israel Klabin, líder
ipesiano.
A partir de 1962, através da ADP, o IPES passou a praticamente controlar a
Câmara dos Deputados e o Senado, atuando como uma força-tarefa capaz de manter
uma ação contínua contra o governo e seu apoio parlamentar.
C) Grupo de Opinião Pública (GOP)
“disseminação dos objetivos e atividades do IPES por
meio da imprensa falada e escrita”, levando “a opinião
pública os resultados de sua pesquisa e estudos” (NOTA)
O grupo tinha como objetivo manipular a opinião pública, sendo o termo
inclusive evitado, substituído por “divulgação” ou “promoção” de informações.
Os principais integrantes do GOP no Rio de Janeiro eram: Nei Peixoto do Valle,
José Luiz Moreira de Souza (proprietário da Denisson Propaganda), Glauco Carneiro
(escritor, jornalista), José Rubem Fonseca (editorais de jornal e filmes), Hélio Gomide e
o General Golbery.
116 Ibdem. p. 207. 117 Ibdem.
97
Em São Paulo, Paulo Ayres Filho (trabalhava com educação/doutrinação
política/propaganda geral) e associado do complexo IPES/IBAD, Geraldo Alonso
(proprietário da Norton Propaganda)
Eles contavam com a colaboração de Ennio Pesce, Flávio Galvão de O Estado
de São Paulo e Luiz Cássio dos Santos Werneck e outros como Silveira Lobo (Denisson
Propaganda), Evaldo Pereira Simas, Jorge Sampaio e Alves de Castro, do “Repórter
Esso para todo o Brasil” da TV Tupi.
Para o Capitão Herrera, o GOP era a base de toda a engrenagem.
Segundo Dreifuss, o grupo possuía 4 linhas de ação mais importantes:
“1) resguardar a segurança do IPES
2) disseminar declarações feitas pelo Grupo de Estudo e
Doutrina do Rio e o Grupo de Doutrina e Estudo de São
Paulo
3) “projetar doutrina”, o que envolvia a realização de
princípios e objetivos básicos do IPES, entre os diferentes
setores da população considerados como alvos
adequados para as atividades
4) Retroalimentar com avaliações e dados o Grupo de
Levantamento da Conjuntura”. 118
E para que os objetivos fossem atingidos, era necessário que a projeção da
doutrina fosse realizada de 3 formas diferentes, de acordo com o esquema desenvolvido
pelo General Golbery:
“1) aparecer primeiro com o nome do IPES
2) sem o nome do IPES
3) como “doutrina democrática”. 119
A princípio, eram os próprios associados do IPES o público alvo da propaganda
do GOP. Ele publicava notícias, editava boletins mensais, divulgava matérias na mídia,
118 Ibdem. p. 209. 119 Ibdem. p. 210.
98
elaborava material para recrutas em potencial, além de disseminar uma variedade de
material de divulgação. Posteriormente, as atividades passaram a ser direcionadas aos
diferentes segmentos culturais, políticos e sociais da opinião pública.
D) Grupo de Publicações/Editorial (GPE)
De acordo com Dreifuss (2006):
“Organizou uma ‘cadeia de veículos de divulgação’,
através da qual disseminava material impresso e visual
com a mensagem ideológica “apropriada” pelos quatro
cantos do país. Juntamente com o GLC e GOP conduzia
uma campanha de guerra psicológica organizada pelo
IPES”.120
O GPE era supervisionado pelo líder ipesiano José Rubem Fonseca, que ficava
encarregado da Unidade Editorial, enquanto as publicações eram realizadas pelo
General Liberato da Cunha Friedrich, que recebua orientação de uma comissão de
escola para a publicação de livros formada por José Garrido Torres, auxiliado pelo
Capitão Heitor Herrera.
O grupo era essencialmente composto por profissionais da mídia como: osé
Francisco Coelho (ex-jornalista do Jornal do Commercio); Wilson Figueiredo (editor do
Jornal do Brasil) e os poetas e romancistas Augusto Frederico Schmidt, Odylo Costa
Filho e Raquel de Queiroz.
A cruzada empreendida pelo GPE consistia em traduzir e distribuir material
impresso anticomunista, antitrabalhista e antipopulista, além de publicar notícias e
opiniões que ratificassem as propostas ipesianas, como é o caso da escritora Raquel de
Queiroz que escreveu para a Revista O Cruzeiro, do Grupo Diários e Emissoras
Associados de Assis Chateaubriand.
De acordo com Dreifuss (2006), as publicações eram realizadas de três formas:
120 Ibdem. p. 211.
99
1) (os mais fáceis e menos dispendiosos), os artigos feitos para os jornais e
revistas do país, que lidam com a atualidade numa linguagem acessível ao grande
público;
2) Publicações de panfletos para divulgação entre estudantes, militares,
trabalhadores de indústrias e pessoal administrativo em geral;
3) Publicação de livros dentro do que o IPES considerava ser uma linha
democrática moderna. Essa linha equiparava democracia e empresa privada, o que
geraria benefícios sociais; assim seria o marco ideológico brasileiro do neocapitalismo.
Esta facilidade de penetração na mídia era possível, pois alguns dos associados
do IPES eram proprietários, diretores ou estavam intimamente ligados a empresas de
publicação e companhias editoriais que colocavam sua infra-estrutura comercial e
técnica, seu equipamento, seu pessoal e perícia à disposição do IPES.
É o caso das editoras cariocas Editora Agir (Cândido Guinle de Paula Machado),
O Cruzeiro (Assis Chateaubriand) e a Gráfica Gomes de Souza (Gilbert Huber Jr.). Em
São Paulo houve um grande impulso diante da proposta da Editora Saraiva, que
consistia num plano de publicações através do qual a Editora Saraiva daria ao IPES a
oportunidade de examinar os trabalhos editados por ela e publicaria sempre que se
fizesse necessário, os panfletos e traduções do IPES.
E) Grupo de Estudo e Doutrina (GED)
Era responsável por preparar estudos que se tornavam a base para teses e
diretrizes a longo prazo e também os projetos de lei e emendas apresentados no
Congresso através dos membros da ADP.
Entre suas principais publicações está o panfleto O que é o IPES? Declarações
de princípios e reformas de base – apresentada na linguagem ideológica da “Aliança
para o Progresso”.
A doutrina disseminada pelo IPES consistia essencialmente no envolvimento
político dos empresários que deveriam cumprir suas atividades como tais, uma vez que
as necessidades básicas do homem seriam melhor satisfeitas através de um sistema de
empresa privada.
Desta forma, o GED supervisionava a ação do Instituto na mídia preparando os
argumentos para exposição e discussão, fornecendo linhas ideológicas e, de fato,
coordenando o material de propaganda relativo à figuras políticas importantes,
100
sindicalistas, empresários, e personalidades artísticas ou literárias a ser usado nas
apresentações de televisão e programas regulares de rádio.
Para manter o financiamento do Instituto, existia ainda o Grupo de Integração –
Setor de Ação Empresarial, que segundo Dreifuss, tinha como objetivo
“integrar pessoas e corporações dentro do espírito
democrático do IPES e ao mesmo tempo angariar
contribuições financeiras para as atividades do Instituto.
Na realidade, constituía uma rede de unidade para a
mobilização econômica dos empresários em apoio ao
IPES. Os empresários eram aliciados a participar da
ação liderada pelo IPES com intensidade variável de
engajamento político-econômico. O grupo de integração
recrutava associados e patrocinadores das diferentes
frações empresariais e, dessa forma, várias equipes foram
colocadas em campo, capazes de operar com facilidade
nos muitos níveis e entre diversos setores da classe
dominante. Conduziam-se as atividades de recrutamento,
tendo em mente o potencial econômico e as possibilidades
políticas dos recrutas. O grupo servia também ao objetivo
geral do IPES de estabelecer sua hegemonia política e
ideológica no bloco burguês. Boletim Mensal. 1964, n.
23”. 121
III.3. A Propaganda Golpista
Os grupos de ação do IPES utilizaram-se principalmente dos meios de
comunicação na tarefa de disseminar sua ideologia. O intuito das atividades
121 Ibdem. p. 216
101
empreendidas pelo Instituto era demonstrar a importância do papel da empresa privada
na elaboração de estudos que buscavam viabilizar os investimentos estrangeiros no país.
Para isso, a elite econômica atuava através de uma campanha ideológica e social
capaz de atingir toda a sociedade na divulgação de suas metas e objetivos. Os esforços
eram manobrados em uma única direção: alcançar o maior número possível de
receptores para que o governo de João Goulart não tivesse apoio em nenhuma das
classes, ao mesmo tempo em que buscava recrutar novos quadros para o IPES.
A doutrinação atingia, desta forma, dois públicos: os indivíduos que já eram
membros do IPES e/ou aqueles que se queria recrutar entre empresários, militares,
intelectuais, técnicos, etc; e o homem comum.
Aos dois grupos, a mensagem chegava através de um processo de
conscientização de si próprio e de suas responsabilidades diante da realidade nacional,
causando um grande impacto ideológico.
Eles atacavam principalmente o comunismo/socialismo, a oligarquia rural e o
populismo. Sua máxima era de que a prosperidade do país e subseqüente melhoria de
vida da população dependiam da iniciativa privada para serem concretizadas, propondo
assim, uma menor intervenção do Estado e a derrubada de um governo de tendência
socialista. O que ocorria na prática, era um “encurralamento pelo pânico organizado”.
Os empresários queriam moldar a consciência e a organização dos setores
dominantes estabelecendo uma ideologia orientada a formar uma classe unificada,
preocupada com os problemas nacionais e que buscava a solução para os mesmos
mediante a modernização e o conservadorismo sociopolítico.
Segundo Dreifuss (2006):
“Os canais de persuasão e as técnicas mais comumente
empregadas compreendiam a divulgação de publicações,
palestras simpósios, conferências de personalidades
famosas por meio da imprensa, debates públicos, filmes,
peças teatrais, desenhos animados, entrevistas e
propaganda no rádio e na televisão. Incluía a publicação
de livros, panfletos, periódicos, jornais, revistas e
folhetos. Saturava o rádio e a televisão com suas
mensagens políticas e ideológicas. Os jornais publicavam
seus artigos e informações. Para alcançar essa extensão
102
de atividades variadas, o IPES alistava um grande
número de escritores profissionais, jornalistas, artistas de
cinema e de teatro, relações públicas, peritos da mídia e
de publicidade”. 122
O IPES realizou um assalto a opinião pública, pois possuía uma estreita relação
com os principais jornais, rádios, revistas e televisões como: os Diários e Emissoras
Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubriand, por
intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do IPES), a Folha de São
Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do IPES), O Estado de São Paulo e o
Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao IPES, que também possuía a prestigiosa
Rádio Eldorado de São Paulo); J. Dantas, do Diário de Notícias; a TV Record e a TV
Paulista, ligadas ao IPES através de seu líder Paulo Barbosa Lessa; o Jornal do Brasil,
o Correio do Povo, O Globo, entre outros.
Na televisão, criou uma poderosa rede de relação que possibilitou que suas
mensagens contra o governo atingissem os telespectadores. Alguns dos programas
produzidos pelo IPES foram: séries como “Frente a Frente, com apresentações
individuais de questões polêmicas como “Que Pensa Você sobre a Reforma Agrária?”,
na TV Cultura, os programas “ Esta é a Notícia”, “Assim é a Democracia”,
“Democracia em Marcha”, “Julgue Você Mesmo”, entre outros vários programas que
eram transmitidos em várias estações de televisão e retransmitidos no rádio.
Utilizou também o rádio, sobretudo com a proteção do IBAD que apresentava
programas em trinta e quatro das principais cidades, sendo que em 1962, ele tinha 51
programas em horários nobres nos dias de semana e transmissões especiais aos sábados
e domingos.
De acordo com Dreifuss (2006):
“No auge de suas atividades, dispunha de mais de oitenta
apresentações semanais no rádio, para todo o país, nos
horários especiais. Através de 82 estações, transmitia
programas como “Congresso em Revista” e “A Semana
em Revista”. Produzidas em linguagem popular, tais
122 Ibdem. p. 249
103
apresentações levavam aos ouvintes os pontos de vista da
elite, que por sua vez, também formava sua própria
“Cadeia de Democracia”, compreendendo mais de cem
estações de rádio em todo o Brasil”. 123
Ainda de acordo com o autor, de outubro de 1963 até o golpe em 1964, as redes
organizadas pelos Diários Associados, através de João Calmon e outros, disputavam a
audiência com os programas de Leonel Brizola na Rádio Mayrink, interferindo nas
transmissões através de seus a esquerda trabalhista.
No próximo capítulo analisaremos de forma mais específica a campanha
ideológica empreendida pelo IPES através do cinema.
123 Ibdem. p. 267.
104
Capítulo IV – A PROPAGANDA IPESIANA NOS DOCUMENTÁRIOS DE JEAN
MANZON
IV.1. O Gênero Documentário no Brasil
Segundo a classificação de Aumont e Marie (2006), o gênero documentário pode
ser definido como uma
“montagem cinematográfica de imagens visuais e
sonoras dadas como reais e não fictícias. O filme
documentário tem, quase sempre, um caráter didático ou
informativo que visa, principalmente, restituir as
aparências da realidade, mostrar as coisas e o mundo
tais com eles são”. 124
Não nos compete realizar uma análise detalhada sobre a teoria do cinema e seus
desdobramentos, mas é importante dizermos que, ainda para os autores, existe uma
grande discussão sobre o caráter real que é atribuído ao documentário em oposição à
ficção, pois adotando-se esta premissa, conclui-se que a referência na produção é o
mundo real, ou seja, que o mundo representado existe realmente fora do filme, o que
pode favorecer a construção de um imaginário coletivo acerca da realidade, como os
filmes de ficção.
Conforme observamos no primeiro capítulo do presente trabalho, o cinema
começou a ganhar notoriedade no Brasil no final da década de trinta, no período do
Estado Novo. Entre 1937 e 1945, sob os auspícios do DIP, o governo Vargas implantou
vasta campanha política para exaltar sua imagem e a de seu governo, sobretudo através
dos cinejornais.
Altafini (1990) ao citar Bernadet em seu trabalho, diz que para o autor neste
período de implementação do documentário no Brasil “a câmera do documentarista era
124 AUMONT, Jacques e MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Campinas: Papirus Editora, 2006, 2ª ed., p. 86.
105
a câmera do poder”, 125 visto que a produção deste gênero cinematográfico estava
associada à elite das quais dependiam os cineastas.
O quadro não mudou na década de 40, quando a classe economicamente
dominante ainda era a principal financiadora das produções que estavam voltadas para
documentários sobre as empresas ou empreendimentos comerciais. A mudança só vem a
ocorrer em 1949, quando em São Paulo é estabelecida a Companhia Cinematográfica
Vera Cruz, do engenheiro italiano Franco Zampari, que propõe uma produção industrial
para o cinema brasileiro.
Entre 1952 e 1953 nasce o Cinema Novo no Brasil, fruto de inúmeras discussões
realizadas em Congressos sobre Cinema. Com o objetivo de criar uma postura crítica
diante da realidade brasileira, a nova tendência teve um papel importante no gênero
documentário, pois tinha a intenção de demonstrar que ele nada mais era que o recorte
de uma realidade e não uma verdade absoluta que não permitia diferentes
interpretações.
Neste período novas tecnologias de filmagem e som chegaram ao Brasil,
possibilitando a ampliação da produção cinematográfica. Câmeras mais leves e
compactas como as de 35 mm e 26 mm, permitiram dar às produções mais movimento e
consequentemente novas formas de trabalhar com as imagens. São desta época também
os gravadores portáteis, que possibilitaram a gravação do áudio do filme
simultaneamente a gravação das cenas, pois antes a sonorização era realizada
posteriormente em estúdio, muitas vezes utilizando-se somente da voz do narrador.
Desde 1932 através do Decreto nº 21.240 de 4 de abril, era estabelecido que
todos os cinemas do país deveriam exibir antes das sessões um curta-metragem de
produção nacional.
Muitas eram campanhas comerciais, institucionais e outras possuíam caráter
político, como no caso das campanhas produzidas pelo IPES, que produziu no total 14
documentários que tinham em torno de 8 e 16 minutos que possuíam em comum a
valorização da mensagem liberal-conservadora, dos princípios cristãos e do
anticomunismo.
125 ALTAFINI, Thiago. Cinema Documentário Brasileiro. Evolução Histórica da Linguagem. 1999, p. 8. Disponível em <http://www.bocc.uff.br/pag/Altafini-thiago-Cinema-Documentario-Brasileiro.pdf>. Acesso em: 20 de junho 2010.
106
De acordo com Correa (2005) os filmes foram realizados entre os anos de 1962 e
1963, período em que o Brasil atravessava uma crise conjuntural e o governo de João
Goulart sofria forte pressão dos diferentes grupos sociais diante da urgência da
reestruturação do Estado.
Os filmes demonstram claramente a postura adotada pelos empresários diante
das dificuldades vividas pelo país. O que podemos observar de modo geral, é que as
soluções apresentadas ao caos, a estagnação, à república sindical-socialista de Jango
está pautada na democracia e na racionalidade, típica do capital privado, nas funções de
administração pública.
Para os membros do IPES, sobretudo a classe empresarial, o Estado era
ineficiente em todos os campos de atuação e reproduzia através de sua retórica
demagógica a pobreza, a ignorância, além de não realizar investimentos em educação,
em setores públicos, na infra-estrutura, enfim, era necessário que o capital privado
tomasse a iniciativa para que o país pudesse desenvolver-se.
Seguindo a estratégia de atividades do Instituto apresentadas no capítulo
anterior, ao observarmos a mensagem presente nos filmes, percebemos que alguns têm
como objetivo a doutrinação dos próprios empresários enquanto outros são voltados à
população em geral, o que garantia o recrutamento de novos quadros para o Instituto,
aumentando a sua receita e permitia com a adesão popular a desarticulação do governo
Goulart.
Os filmes buscam abranger todos os problemas nacionais com suas respectivas
soluções de acordo com o modelo social e econômico que visam a defesa dos interesses
do capital privado no país.
Anteriormente, vimos quais eram os principais objetivos do IPES e de que forma
eles atuavam para que eles pudessem ser difundidos na sociedade. Os filmes que
analisaremos estabelecem uma particular relação com estas propostas.
De acordo com Correa (2005):
“conforme o documento ‘Definição de Atitudes’, o
respaldo filosófico para suas ações era tirado da
encíclica Master et Magistra, do papa João XVIII e do
107
programa ‘Aliança para o Progresso’, organizado pela
administração norte-americana de John Kennedy”. 126
Correa (2005), através da análise de documentos da produtora de Jean Manzon,
a Jean Manzon Films e posteriormente Jean Manzon Produções Cinematográficas,
apresenta uma carta comercial enviada pelo advogado Luiz Cássio dos Santos Werneck,
membro do CO e do CF do IPES de São Paulo, solicitando que a produtora se
pronunciasse urgentemente “sobre a possibilidade de realizar filmes documentários
baseados em quatro ‘séries’: Histórica; Descobrimentos e Conquistas; Social Positiva e
Social Negativa”. 127
O autor traz ainda uma consideração sobre um filme produzido pelo IPES e que
diante de uma contradição sobre a origem da produtora, não foi analisado em seu
trabalho, o filme A boa empresa, que talvez tenha sido produzida por Carlos Niemeyer e
assinado por Jean Manzon porque os dois eram sócios naquela época.
Para além da divulgação no cinema, os documentos de uma reunião de 03 de
janeiro de 1963 indicam que a Comissão Executiva do IPES de São Paulo, tinha a
intenção de comprar um ônibus cine-biblioteca destinado a exibição dos filmes.
Financiado por grandes companhias como a Mesbla S.A., que fornecia
equipamentos de projeção, a Mercedez Benz e a CAIO que contribuíam com o
transporte.
Segundo Dreifuss (2006):
“Objetivando atingir aqueles que não tinham condições
financeiras para adquirir uma entrada de cinema, o IPES
montava projetores em caminhões abertos e ônibus com
chassis especiais, mostrando os filmes não só nas favelas
e bairros urbanos mais pobres das maiores cidades do
Brasil, mas também por todo o interior dos Estados. Esse
projeto seguia a idéia lançada por Oswaldo Tavares, de
126 CORREA, Marcos. O Discurso Golpista nos Documentários de Jean Manzon para o IPÊS (1962/1963). 2005. 290 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Universidade de Campinas, 2005, p. 17. 127 Ibdem. p. 82.
108
um ‘cinema ambulante’ para as seções mais pobres do
Rio.” 128
IV.2. Os filmes ipesianos
O acervo de filmes produzidos pelo IPES, encontrados hoje no Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro e divulgados através do trabalho da jornalista Denise
Assis129, é composto de 14 documentários.
Os filmes são: 1) O Brasil precisa de você; 2) Nordeste problema nº 1; 3)
História de um maquinista; 4) A vida marítima; 5) Depende de mim; 6) A boa empresa;
7) Uma economia estrangulada; 8) O IPÊS é o seguinte; 9) Portos Paralíticos; 10) O
que é o IPÊS; 11) Criando homens livres; 12) Deixem o estudante estudar; 13) Que é a
democracia?; 14) Conceito de Empresa.
Antes de iniciarmos a análise dos documentários, é importante dizermos duas
coisas, primeiro que nosso trabalho foi empreendido no sentido de extrair de cada filme
o seu respectivo conteúdo político que pudesse não apenas ratificar as intenções do
Instituto, mas demonstrar a interpretação dos chamados “chefes de empresa” diante do
cenário social, econômico e político do Brasil; segundo que um dos filmes em questão,
o de número 4, não apresenta uma estrutura comum aos outros documentários e por
isso, não o analisaremos neste trabalho.
De acordo com a intencionalidade de cada filme, pudemos reuni-los em 3 tipos:
Posicionamento, Conscientização e Proposição.
Os filmes de Posicionamento estão subdividos em: Posicionamento Ideológico e
Político (O Brasil precisa de você, A boa empresa e O que é o IPÊS?); Social e Político
(Nordeste problema número 1) e Social e Político com ênfase nas Políticas Públicas
(História de um maquinista, Uma economia estrangulada e Portos paralíticos).
Observamos que os filmes pertencentes a este tipo possuem uma estrutura comum qual
seja: uma crítica geral, uma crítica focada no governo e a solução apontada pelo
Instituto.
Os filmes de Conscientização, por sua vez, possuem duas categorias: o filme
com um discurso voltado ao homem comum (Depende de mim, Criando homens livres e
128 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 169. 129 ASSIS, Denise. Propaganda e Política a serviço do Golpe (1961/1964). Rio de Janeiro: Mauad, 2000.
109
Que é democracia?) e outro voltado ao empresariado (Conceito de empresa). Neste tipo
de classificação, fica evidente a questão da ramificação da doutrinação do IPES –
quadros internos e população. De forma geral, buscam despertar nas diferentes classes,
de acordo com os limites estabelecidos para cada uma, atitudes que estejam aparadas
pela boa moral, pela família e pela religião e o comportamento ideal para a superação
dos problemas nacionais.
Possuem também uma estrutura de crítica geral e solução, mas o da primeira
categoria não apresenta uma crítica focada ao governo. A explicação por nós encontrada
é que, como se trata de filmes com uma mensagem destinada ao público geral, os
empresários não criticaram abertamente a oposição, principalmente porque a intenção
de um dos documentários é despertar a consciência do voto, diante do pleito que se
aproxima.
O último tipo trata justamente de estabelecer o Estado que o IPES considera
como o ideal a ser buscado com a interferência ativa da iniciativa privada (O IPÊS é o
seguinte, Deixem o estudante estudar). Sua estrutura é ainda mais resumida. Não
existem críticas gerais e tão pouco críticas dirigias ao governo; são apresentadas
soluções para os vários problemas nacionais a partir da lógica do capital privado e assim
estabelece-se o país que eles almejam.
Através do quadro seguinte podemos identificar as principais questões
apresentadas pelos filmes e analisa-las de forma detalhada:
Quadro 4 – Tipologia dos Documentário
TIPOS Crítica Geral Crítica Focada no
Governo
Solução
Posicionamento
Ideológico e Político
Ditaduras na Europa e
Cuba / imagem distorcida
da empresa privada
Comodismo/
miséria/ineficiência/
inflação/ greves
Democracia/ estabilização
da moeda/ superação do
subdesenvolvimento/
elevação do nível de vida/
redistribuição da renda/
diminuição das
desigualdades/ controle da
inflação/ convocação da
elite para a ação
Posicionamento Social e
Precariedade das
condições do trabalho e
Frentes de trabalho
ineficazes/ falta de
Crédito agrícola
supervisionado/ melhor
aproveitamento das terras
úmidas/ investimento em
110
Político vida no nordeste/ alta
mortalidade infantil/
ignorância/ seca/ fome/
imigração
cuidados com a saúde dos
trabalhadores/ reduzido
número de obras de
irrigação
energia/ racionalização da
agricultura/
industrialização do campo
Posicionamento Social e
Político com ênfase nas
Políticas Públicas
Precárias condições do
transporte público de
mercadorias e passageiros/
estradas e portos velhos/
uso de métodos antiquados
para a ampliação e
manutenção dos trens e
navios/ precariedade dos
portos/ congestionamento
de navios/ acidentes nas
estradas de ferro/ baixa do
comércio e produtividade
Excesso de burocracia/
empreguismo/ falta de
uma política de transporte
público eficiente/
economia atrasada
Investimento privado/
novas técnicas para a
construção de linhas
férreas e novos navios/
modernização de
equipamentos/
mecanização de
operações/ planejamento/
saneamento administrativo
Conscientização para o
Homem Comum
Regimes autoritários/
comunismo/ favelas/
miséria/ juventude
transviada/ desvios morais
como álcool e cigarro,
criminalidade/
analfabetismo
__________
Voto consciente/
desenvolvimento
industrial/ liberdade/
segurança/ educação
Conscientização para o
Empresário
Visão que a população
tem dos chefes de
empresas/ falta de
interesse e omissão dos
empresários
Estatização das empresas/
discurso demagógico/
espalha discórdia entre o
povo e mentiras sobre a
empresa privada
Apresentar as
responsabilidades sociais e
utilidade pública das
empresas privadas através
da propaganda-imprensa
Proposição
__________
__________
Política fiscal contra a
inflação/ defesa do poder
aquisitivo/ acesso a
cultura/ intervenção do
capital privado na
educação/ combate à
polarização esquerda-
direita/ desburocratização
do Estado/
desenvolvimento do país/
Reforma da Legislação
Tributária/ Redistribuição
racional da renda/
investimentos em
saneamento, higiene e
habitação/ assistência
111
médica/ luta contra o
analfabetismo/ ensino
técnico/ industrialização/
justa remuneração do
trabalhador/ esforço
coletivo/ espírito de
“brasilidade”/
compromisso com o
estudante
O planejamento e a racionalidade são termos muito utilizados pelos
idealizadores do IPES e podem ser observados no discurso do narrador em praticamente
todos os filmes. O Instituto realizava todas as suas atividades baseado em muita técnica
e perícia que permitiu que eles desenvolvessem, tal qual fizeram no governo JK, com o
Planos de Metas, um Plano de Governo. Esta observação é possível diante das propostas
elaboradas pelos técnicos do IPES e que são apresentadas nos documentários, sobretudo
nos de Posicionamento e de os de Proposição, onde para temas como transporte, saúde,
educação, Reforma Agrária, inflação, greve, entre outros são apresentados projetos de
reestruturação.
No quadro seguinte podemos observar melhor esta questão ao analisarmos as
principais bandeiras defendidas pelo Instituto e a sua ocorrência em cada filme:
Quadro 5 – Ocorrência das metas do IPES nos documentário
Filme Democracia Anticomunismo Liberalismo Cristianismo Valores
Morais
Desenvolvimento/
Industrialização
Empresa
Privada
Reforma
Econômica
1 SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
2 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
3 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
4 - - - - - - - -
5 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM
6 SIM SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM
7 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
8 SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM
9 NÃO NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
10 SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
11 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM
12 SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM
13 SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM SIM
14 SIM NÃO SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM
112
Conforme podemos observar a questão econômica, no quadro representada pelo
liberalismo, desenvolvimento/industrialização/ empresa privada e reforma econômica,
são variáveis presentes em todos os documentários apresentados, o que reitera nossa
questão central de que a propaganda empreendida pelo Instituto tinha como base
principal a manutenção de seus interesses de classe.
A mensagem passada pelo IPES através dos documentários analisados reflete
um discurso absolutamente conservador partilhado principalmente pela UDN e pelas
Forças Armadas, e embora o Instituto em momento nenhum tenha se posicionado como
direita, criticando inclusive em diversos momentos a polarização entre esquerda e
direita. Esta questão é muito importante, pois mesmo propondo a redistribuição da
renda, a melhoria de vida dos trabalhadores urbanos e rurais a manutenção das classes é
condição fundamental para que a democracia possa ser plena e efetiva.
O que podemos abstrair do todo é que a luta deveria ser empreendida em uma
única direção: o Executivo nacional-reformista de João Goulart. Era ele o responsável
pela demagogia, pela burocracia, pelo atraso, pelo caos econômico, pelas manifestações
populares, pela desvalorização do homem, enfim, educando a sociedade a votar
conscientemente pela democracia, pela paz e pela ordem.
Sua mensagem atravessou o país e encontrou espaço entre as mais diversas
classes. De forma muito peculiar, a população estava realmente saturada com as
promessas de João Goulart, eles buscavam melhorias salariais, melhoria na condição de
vida, do poder de aquisição e era justamente isso o que o IPES vinha propor naquele
momento. Obviamente não podemos falar em uma adesão que represente 100% da
população, mas de maneira geral, o discurso ipesiano encontrava ecos diante de sua
coerência.
A nação exigia mudanças e naquele momento a alternativa mais viável para que
isso acontecesse era a deposição de João Goulart. E assim foi feito: civis e militares
angariando para si o apoio popular, destituíram o Executivo em exercício e
estabeleceram um novo período na história brasileira – O Regime Militar.
Não nos compete analisar este período em si, mas Dreifuss aponta que após o
Golpe, muitos dos membros civis que lideraram o movimento contra João Goulart
passaram a exercem importantes funções no interior do Estado.
De acordo com o autor:
113
“O associados e colaboradores do IPES moldaram o
sistema financeiro e controlaram os ministérios e os
principais órgãos da administração pública,
permanecendo e cargos privilegiados durante o governo
de Castello Branco, exercendo sua mediação de poder.
Com um programa de governo que emergira da direita do
espectro político e social, os ativistas do IPES impuseram
uma modernização da estrutura socioeconômica e uma
reformulação do aparelho do Estado que beneficiou, de
maneira ampla, as classes empresariais e os setores
médios da sociedade, em detrimento das massas. O golpe
de abril de 1964 desdobrou-se numa transformação do
Estado; o programa do IPES trazia em seu bojo uma
regeneração capitalista”. 130
O IPES encerrou suas atividades em 1972, período que não nos compete analisar
neste trabalho, mas vale ressaltar que muitos de seus propósitos conservadores e
desenvolvimentistas estão presentes até hoje entre os grupos empresariais e na política
brasileira, sendo ainda disseminados pela mídia, grande aliada do passado, na orientação
de políticas públicas, de planejamento econômico e demais atividades empreendidas
pelo Executivo nacional.
130 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes. 2006, 6ª ed, p. 440.
114
CONCLUSÃO
A elite econômico formada a partir do processo de industrialização do Brasil,
sobretudo durante a década de 50, buscou ao longo dos anos estabelecer seus objetivos
através de um processo de disseminação ideológica que fosse capaz de atender a sua
demanda.
Com a criação do IPES em 1961, ela empreendeu uma campanha de forte apelo
emocional destinada a todas as classes e que tinha como objetivo principal destituir do
poder o então presidente João Goulart.
Nossa análise buscou demonstrar de que forma isto foi possível e chegamos a
uma conclusão: através de seus contatos no interior das Forças Armadas, que
partilhavam dos mesmos princípios e sua estreita relação com os dirigentes das
principais empresas de comunicação.
Sua mensagem foi difundida por todo o Brasil e aos poucos sua doutrina foi
sendo recebida, principalmente porque o contexto no país, demonstrado ao longo do
trabalho, comprova que a população estava insatisfeita com o governo vigente e
buscava mudanças; as greves e manifestações eram provas disso.
O meio empresarial não poupou esforços para que o capital privado, principal
bandeira do IPES fosse defendida. A propaganda levava ao público receptor a idéia de a
única maneira de salvar o país, proporcionando seu desenvolvimento, a melhoria na
distribuição de renda, a diminuição do analfabetismo e da miséria, a vitória da
democracia sobre o comunismo, enfim, era a empresa privada que deveria tomar para si
estas responsabilidades.
Até hoje estas questões continuam em evidência no Brasil. O quadro
apresentado pelos documentários do IPES não são em sua maioria, diferente do que
vemos hoje, inclusive no que diz respeito a campanha ufanista dirigida à nação.
115
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