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REFLEXÕES SOBRE AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E AS
POSSÍVEIS RELAÇÕES COM O CURRÍCULO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
José Mauro de Sá Oliveira1 - CPII
Marco Antonio Santoro Salvador2 - CPII / UERJ
O referido estudo foi realizado com o objetivo de investigar os conteúdos das disciplinas
que tratam do tema avaliação em educação física escolar no currículo dos cursos de
formação de professores em educação física. A pesquisa analisa os conteúdos das
disciplinas envolvidas na temática em comparação com os perfis de egressos desses cursos
de formação e possíveis consequências que se estabelecem no processo de avaliação em
educação física no cotidiano escolar, tendo como ponto de partida o currículo dos cursos
de formação de professores da área. Foram utilizadas como referência de análise quatro
significativas instituições superiores de ensino no curso de licenciatura em educação física
no Estado do Rio de Janeiro e as possíveis relações que se estabelecem entre a
instrumentalização técnica que proporcionam aos acadêmicos condições de apreensão do
conteúdo em avaliação na educação física escolar e sua efetiva aplicação no cotidiano da
intervenção profissional. A coleta de dados constou de análises dos currículos das referidas
instituições, em que foram examinados o perfil, os objetivos do curso e os planos de ensino
das disciplinas que tratam do referido tema. As análises dos resultados da pesquisa
demonstraram que três das quatro instituições de licenciatura em educação física
pesquisadas, apresentaram possíveis incoerências e hiatos entre o que declaram no perfil e
objetivo do curso em relação aos conteúdos das disciplinas voltadas para a avaliação em
educação física escolar. Tais demonstrações proporcionaram aos pesquisadores construir
sínteses provisórias onde o baixo nível de qualidade do processo avaliativo em educação
física escolar, realizado na intervenção do professor, pode estar relacionado diretamente
com as limitações e incoerências curriculares presentes nos cursos de formação de
professores, que não proporcionam aos acadêmicos conhecimentos de princípios e técnicas
da disciplina avaliação.
Palavras-chave: Processo de avaliação; Educação Física; Currículo na formação de
professores.
Introdução
O tema avaliação em educação física escolar suscita interessantes debates na área
de estudos, dentre algumas hipóteses, destacamos o limitado quantitativo de pesquisas na
área, o que pode indicar carências e, consequentemente, anseios em conhecer o tema de
forma aprofundada. Por ser um tema pouco explorado academicamente, se comparado a
sua importância no processo de ensino e aprendizagem, a presente pesquisa foi em busca
de pistas e hipóteses que proporcionem uma análise fundamentada sobre o tema e a crise
que a avaliação enfrenta entre ser uma ferramenta de mensuração padronizada até um
1 Chefe do Departamento de Educação Física do Colégio Pedro II
2 Professor do Programa de Mestrado – MPPEB - do Colégio Pedro II e professor Adjunto da UERJ
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processo diagnóstico contínuo experimentado por seus protagonistas envolvidos. Nesse
sentido, buscou-se investigar a questão da avaliação na formação dos professores de
educação física em seu currículo e tentar desvendar como se processa a apreensão de tal
conteúdo nos futuros professores de educação física.
Utilizando-se de pesquisa exploratória sobre o tema Avaliação em Educação Física
Escolar, o estudo tem como objetivo levantar os conteúdos das disciplinas que tratam da
temática, inseridas na estrutura curricular de cursos de licenciatura em Educação Física.
A Educação Física como componente curricular
Para orientar nossa investigação, elegemos os eixos de estudo que construíram o
percurso investigativo. Iniciamos pelo eixo que verifica a inclusão da Educação Física no
currículo escolar e seus desdobramentos. Qualquer processo avaliativo tem seu ponto de
partida no currículo, para se avaliar um aluno em alguma disciplina, esta deve constar da
grade curricular, relativa ao ano em que o aluno se encontra. A composição das disciplinas
envolve muitas discussões e isso caracteriza as relações de poder na definição de um
currículo, assim descritas por Moreira & Silva (2000):
Na visão crítica, o poder se manifesta através de linhas divisórias
que separam os diferentes grupos sociais em termos de classes,
etnias, gênero etc. Essas divisões constituem tanto a origem quanto
o resultado de relações de poder. [...] Por um lado, o currículo,
enquanto definição “oficial” daquilo que conta como conhecimento
válido e importante, expressa os interesses dos grupos e classes
colocados em vantagem em relação de poder (p. 29).
Na perspectiva dos autores, o currículo é um instrumento de poder que representa
os interesses de um grupo dominante, criando identidades sociais e individuais que
contribuem para reforçar as relações de poder existentes, mantendo os grupos não
hegemônicos subjugados. Nesse sentido, voltemos o olhar para a disciplina Educação
Física como componente curricular obrigatório na Educação Básica.
A Educação Física integra os currículos escolares, e sempre esteve amparada pela
legislação, portanto, de acordo com a extensa análise histórica de diversos autores da área,
podemos apontar que existe uma tendência dos legisladores em compreender a importância
dessa disciplina no processo de educação. Para que se compreenda a Educação Física no
contexto brasileiro no que diz respeito ao currículo, é necessário considerar suas origens,
examinadas minuciosamente por autores que afirmam que as principais influências que
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caracterizaram e caracterizam tal disciplina no seu trajeto histórico sempre estiveram em
consonância com as diretrizes e concepções de cada período histórico do país.
O tema avaliação e as produções acadêmicas sobre o assunto
O processo de ensino e aprendizagem possui três etapas que se complementam e se
interpenetram: o planejamento, a aplicação prática e o processo de avaliação.
No planejamento é necessário adotar referenciais teóricos e a partir daí escolher o
assunto a ser desenvolvido no período, fixar os objetivos, selecionar os conteúdos, definir
as estratégias pedagógicas e organizar o cronograma. É importante que o planejamento seja
formulado, não importa se a forma de planejar inspire-se num modelo tradicional, em que
o professor decide quais conteúdos serão desenvolvidos e os critérios de avaliação, ou se
tenha como escopo o planejamento participativo, onde os alunos trazem suas
contribuições. Nas aulas é que o planejamento se concretiza e o professor pode avaliar as
suas propostas. Efetivamente é neste processo pedagógico que o professor poderá
comparar os resultados obtidos com os objetivos formulados, a fim de se verificar qual o
progresso alcançado pelo aluno, como também constatar as dificuldades apresentadas por
ele, de modo a promover as correções necessárias do percurso educacional. Entretanto, a
etapa da avaliação ainda é considerada a mais importante neste processo, pois é ela que
fornece os subsídios para certificação do aluno, ou, em outras palavras, valida a sua
aprovação ou reprovação. Talvez este seja um dos motivos que tornam este momento um
tanto angustiante para os educadores, afinal o juízo de valor emitido neste momento trará
conseqüências, positivas ou negativas, que podem ser determinantes para a vida dos
alunos.
Nesse sentido, Perrenoud (1999) define cada um dos caminhos acima mencionados:
A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de
hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e depois
classificados em virtude de uma norma de excelência, definida no
absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. Na
maioria das vezes, essas duas referências se misturam, com uma
dominante: na elaboração das tabelas, enquanto alguns professores
falam de exigências preestabelecidas, outros constroem sua tabela a
posteriori,em função da distribuição dos resultados, sem todavia
chegar a dar sistematicamente a melhor nota possível ao trabalho
“menos ruim”. (p.11)
Dessa forma, o autor caracteriza a avaliação a serviço de uma seleção dos supostos
melhores alunos, aqueles que conseguem alcançar as maiores notas, no caso da Educação
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Física, os mais habilidosos. Por outro lado, a avaliação pode estar a serviço da
aprendizagem, como esclarece o autor:
Quando Bloom, nos anos 60, defendeu uma pedagogia do domínio
(1972, 1976, 1979, 1988), introduziu um postulado totalmente
diferente. Pelo menos no nível da escola obrigatória, ele dizia,
“todo mundo pode aprender”: 80% dos alunos podem dominar 80%
dos conhecimentos e das competências inscritos no programa, com
a condição de organizar o ensino de maneira a individualizar o
conteúdo, o ritmo e as modalidades de aprendizagem em função
dos objetivos claramente definidos. De imediato, a avaliação se
tornava o instrumento privilegiado de uma regulação contínua das
intervenções e das situações didáticas. (p. 14)
Fazer a opção por um dos dois caminhos apontados por Perrenoud (1999) é a tarefa
do professor, especialmente quando se trata de avaliação em Educação Física Escolar. No
entanto, para que o professor seja capaz de fazer esta opção, é necessário que haja uma
produção acadêmica sobre a temática consistente em termos quantitativos e qualitativos
que lhe dê respaldo nas práticas escolares. Entretanto, parece não ser este o cotidiano
experimentado na área de Educação Física, pois é reduzida a discussão acadêmica da
temática, visto que são poucos os trabalhos produzidos sobre a avaliação em Educação
Física escolar nos diferentes fóruns científicos organizados no Brasil nas últimas décadas.
Podemos afirmar ao pesquisarmos os dois maiores e mais legitimados fóruns de Educação
Física no Brasil, que são o Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE),
promovido pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e o Congresso
Internacional de Educação Física promovido pela Federação Internacional de Educação
Física (FIEP). Na pesquisa ao sítio oficial do CBCE, os anais do CONBRACE, no Grupo
de Trabalho Temático sobre Escola, realizados de 2007 a 2013, encontramos 210 trabalhos
apresentados, em que oito deles referiam-se a avaliação em Educação Física escolar, o que
aponta para 3,3% de toda a produção na área escolar. Nesse sentido, o contexto
apresentado se caracteriza pelo pequeno quantitativo de pesquisa sobre avaliação em
educação Física escolar neste fórum.
No sítio do periódico FIEP BULLETIN, que está integrado ao Portal de Periódicos
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior (CAPES) vinculada ao
Ministério da Educação (MEC), encontramos as edições de 2010 a 2014, que publicam
todos os trabalhos apresentados nos últimos congressos deste fórum. Verificamos que neste
período foi apresentado um total de mil e oitenta e dois trabalhos na área de Educação
Física e somente dois trabalhos versavam sobre avaliação em Educação Física escolar,
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totalizando 0,18 % das pesquisas realizadas. Se somarmos a produção da área de Educação
Física, na temática avaliação escolar, nos dois congressos mais qualificados e legitimados
pela categoria (CONBRACE E FIEP), constataremos que nos últimos oito anos foram
apresentados mil duzentos duas pesquisas e somente dez delas abordavam avaliação
escolar, que representa 0,77% dos estudos, demonstrando que ainda persiste um
quantitativo inexpressivo de pesquisa nesta temática de importância ímpar no processo de
ensino e aprendizagem. Tais levantamentos oriundos de nossas pesquisas realizadas
apontam significativamente para uma carência de estudos da temática de avaliação em
Educação Física escolar nos principais fóruns acadêmicos da área, o que certamente
contribui para um nível alto de desconhecimento dos professores sobre o assunto,
limitando as fontes de consulta para um melhor conhecimento e aprofundamento do tema.
Diálogos com pesquisadores sobre o tema
As análises aqui desenvolvidas encontram parceria ao analisarmos pesquisas
voltadas para o assunto avaliação em Educação Física escolar. O estudo de Souza (apud
VOTRE, 1993) traz luz sobre a prática avaliativa dos professores de educação física, na
área escolar. A autora aponta algumas considerações:
- a tendência clássica predomina nas práticas avaliativas dos professores da Educação
Física Escolar. Isto reforça a idéia que a medida é a estratégia principal a ser usada, pois
nas aulas há sempre a oportunidade de verificar evidências concretas, observáveis e,
sobretudo, mensuráveis;
- existe uma distância em relação a operacionalização da prática avaliativa com a tendência
pedagógica assumida. Fica demonstrado que critérios, procedimentos e funções da
avaliação não estão em acordo com a formulação teórica da tendência eleita;
- uma parcela significativa dos professores não conhece os princípios que norteiam a
avaliação nas tendências pedagógicas, e, às vezes, parece que eles nem sabem o que são e
quais são as tendências pedagógicas.
As considerações da autora demonstram que os professores conhecem pouco sobre
assuntos relevantes que são a base da sua intervenção pedagógica, notadamente no que se
refere a articulação entre os princípios da tendência pedagógica e a avaliação, propiciando
uma prática avaliativa descompromissada e irrelevante. É possível que esta defasagem
conceitual tenha sua origem nos cursos de graduação, onde tais temas são tratados sem a
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profundidade necessária para apoiar uma intervenção profissional que reflita a coerência
entre a intenção e a ação pedagógica.
Em outra pesquisa, Darido (1999) aponta que:
Carvalho (1996) procurou verificar como os professores (n=47) de
Educação Física de todas as regiões do país refletem e aplicam os
conceitos referentes ao processo de avaliacão. Quando os
professores foram questionados se haviam aprendido algo sobre
avaliação na graduação, 58% deles responderam que nada haviam
aprendido. Sobre esta questão Alegre (1993) verificou resultados
similares. De um total de 41 professores, 13 (34%) afirmaram não
terem recebido treinamento específico na área de avaliação, 15
(36%) lembram que receberam treinamento inadequado e apenas 8
professores (19%) afirmam ter segurança e conhecimento quanto a
avaliação.
Notam-se conexões existentes entre as considerações apresentadas por Sousa
(1993) e o que Darido (1999) aponta no texto acima. Uma conexão evidente é a preparação
inadequada do futuro professor, para realizar avaliações. Sousa (1993) diz que uma parcela
significativa dos entrevistados não conhece a fundamentação teórica das tendências
avaliativas, enquanto Darido (1999) mostra que na pesquisa de Carvalho (1996), a maioria
dos professores disse não ter aprendido algo sobre avaliação, durante o seu curso. Pode-se
pensar que as questões levantadas nestes dois estudos anteriores já tenham sido resolvidas,
uma vez que os mesmos foram realizados na década de 90. Entretanto, recentemente,
Mendes, Nascimento e Mendes (2007), também constatam que nos Cursos de Licenciatura
em Educação Física, os conteúdos ligados a formação do futuro docente, são pouco
valorizados.
No caso da graduação em Educação Física, especialmente na
modalidade de licenciatura, a intenção principal volta-se
geralmente à formação de futuros professores, portanto, os
conteúdos, objetivos, métodos de ensino e as estratégias de
avaliação precisam contemplar as expectativas e necessidades dos
futuros docentes. Apesar disso, verificou-se a partir das vivências
na formação inicial em Educação Física dos participantes da
investigação que, em muitos momentos, o desenvolvimento de
competências voltadas à futura atuação profissional não era
considerado como ponto central do processo de ensino e
aprendizagem, mas ao contrário, a ênfase era no desenvolvimento
de capacidades físicas e habilidades direcionadas exclusivamente à
prática esportiva.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
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Em outra pesquisa recente, Silva (2010) encontra resultados que confirmam nossa
hipótese sobre a formação inicial do professor, no que diz respeito a avaliação. Vejamos
agora alguns resultados encontrados por Silva (2010).
Ao perguntar aos professores de Educação Física se o tema “Avaliação” foi
contemplado na graduação que ele fez ou em curso de Pós-graduação, onze professores
afirmaram que sim (78,57%) e três professores (21,42%) afirmaram que nunca ouviram
falar do tema avaliação em sua graduação. Ainda na mesma questão, o pesquisador
perguntou aos professores que afirmaram que sim, de que forma o tema “avaliação” tinha
sido abordado. Esta pergunta era fechada e possuía seis categorias para que o professor
assinalasse uma ou mais.
A primeira opção se referia a “Seminários”. Quatro professores (28,57%)
assinalaram esta opção. A segunda se referia a “Textos” e seis professores (42,85%)
assinalaram que sim. A terceira se referia a “Leituras” e somente três professores (21,14%)
assinalaram esta opção. A quarta tratava sobre “Aulas Expositivas”; oito professores
assinalaram (57,14%) esta opção. A quinta se referia “Em avaliações”, sete professores
(50%) assinalaram que esta opção. A última tratava de “outras formas” e somente dois
professores (7%) assinalaram esta opção. Observamos que é condição fundamental a
instrumentalização do futuro professor, no sentido de compreender e apreender
conhecimentos gerais e específicos pertinentes a sua formação, de modo que possa aplicá-
los como um elemento auxiliar na aprendizagem dos alunos.
Avaliação sobre as avaliações
Optou-se como delimitação de estudo a análise de quatro cursos de Licenciatura em
Educação Física no do Rio de Janeiro. Desses, um pertence a uma universidade pública e
os demais a universidades privadas, através de visitas aos seus sítios.
O primeiro dado que pudemos observar é o perfil/objetivo do curso de Licenciatura
em Educação Física. A universidade A apresenta o seguinte perfil: O professor de
Educação Física da Educação Básica - Licenciatura Plena - é formado para planejar,
ensinar, coordenar e avaliar a aprendizagem de atividades físicas, esportivas e recreativas
em escolas da rede pública e privada, da educação infantil ao ensino médio.
A instituição delineia o perfil do licenciando, ressaltando as funções que o futuro
professor irá desempenhar no seu local de trabalho, a escola.
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A segunda instituição pesquisada, que chamaremos B, apresenta o objetivo geral do
curso de licenciatura: Formar recursos humanos, para a prestação de serviços à
população em todas as atividades relacionadas à Educação Física e nas suas diversas
manifestações. A instituição B ainda apresenta 4 objetivos específicos, porém nenhum
deles tem relação com o curso de licenciatura. Tanto o objetivo geral como os específicos,
falam de formação para a Educação Física em geral. Não há nada que aponte uma
especificidade para a formação do professor, no que se refere a sua instrumentalização
técnica, para desempenhar bem suas funções.
Já na instituição C, o perfil apresentado é o seguinte: O curso de Educação Física
tem como proposta a formação de profissionais com uma visão holística do homem. O
professor de Educação Física aqui formado é um profissional de saúde e educação,
preparado para atender às necessidades biológicas, emocionais e socioculturais do
homem. Além disso, o futuro profissional terá a responsabilidade de integrar a equipe de
saúde e educação, buscando soluções inovadoras e pertinentes à realidade de sua
clientela. Chama a atenção à afirmativa de que o professor de Educação Física aqui
formado é um profissional de saúde e educação, porque o curso é de licenciatura e por isso
o foco principal da formação deveria estar voltado para a escola. Tradicionalmente, os
profissionais de educação física que militam na área de saúde, são aqueles ligados ao
fitness, treinamento de alto rendimento e outros espaços adjacentes de atuação.
Finalmente a instituição D, apresenta o seguinte perfil: O currículo da Licenciatura
volta-se para a área de ensino escolar. Os principais objetivos são, portanto, formar o
licenciado para o magistério na Educação Infantil, Ensino fundamental e Médio e para
desempenhar atividades de planejamento, coordenação e supervisão de atividades de
Educação Física em Secretarias de Educação e em outras organizações da sociedade
civil. Esta instituição também delimita criteriosamente as ações que serão desenvolvidas
pelos futuros professores de educação física, que atuarão na escola.
Nesta análise inicial, evidencia-se que duas instituições (A e D) têm claro quais são
as prioridades na formação de professores para atuarem no segmento escolar, ou seja, que
conhecimentos serão necessários aos futuros professores, de modo que sua intervenção
profissional seja coerente com o processo de educação. Já as instituições B e C, não se
expressam claramente sobre o papel do professor, mas o fazem sobre a atuação dos
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profissionais de educação física (bacharéis) que não têm na escola o locus principal do
desenvolvimento do seu trabalho.
O segundo ponto da nossa pesquisa foi identificar na grade curricular dos cursos, a
existência de uma disciplina voltada para a avaliação em educação física escolar.
A instituição A possui a disciplina Avaliação na ação Pedagógica, que é oferecida
no 6º período do curso e tem carga horária de 40 horas ou duas aulas semanais. Já a
instituição B apresenta disciplina Medidas e Avaliação em Educação Física, oferecida no
5º período e exige como pré-requisito a disciplina Fisiologia I, com carga horária de 60
horas ou três aulas semanais. Na instituição C, a disciplina é denominada Ciências da
Educação II, é oferecida no 4º período em turmas que têm alunos do curso de educação
física e de pedagogia. A carga horária é de 80 horas ou quatro aulas semanais. E, por
último, na instituição D, a disciplina chama-se Avaliação em Educação Física Escolar,
oferecida no 4º período, com carga horária de 45 horas ou duas aulas semanais.
As quatro instituições possuem uma disciplina voltada para a avaliação, porém
quando verificamos os planos de ensino constatamos algumas situações singulares. Deve-
se ressaltar que a análise dos planos de ensino visou buscar a coerência da ementa, dos
objetivos/competências e do conteúdo programático com o perfil/objetivo do curso,
apresentados nos sítios das instituições. O plano de ensino da disciplina Avaliação na Ação
Pedagógica da instituição A, traz em sua ementa, questões ligadas a conceituação e
fundamentação da avaliação educacional, ao papel da avaliação no processo educacional e
concepções de avaliação, bem como seus procedimentos e recursos. Os objetivos propostos
versam sobre compreensão da importância da avaliação, a identificação das concepções, a
instrumentalização no que se refere a procedimentos, currículo e etc. e discussão da
dimensão do conceito de avaliação educacional e sua fundamentação teórica. No que diz
respeito aos conteúdos, o plano de ensino mostra um programa com quatro unidades
didáticas bem detalhadas sobre o foco da disciplina, que é a avaliação, abordando os temas
apontados na ementa e nos objetivos.
Na instituição B a disciplina é Medidas e Avaliação em Educação Física e seu
plano de ensino indica em sua ementa, que o foco principal que é a cineantropometria. Isto
se confirma quando verificamos o objetivo, que diz: fornecer conhecimentos básicos sobre
avaliação para preparar os discentes para a disciplina Medidas e Avaliação em Educação
Física II e também instrumentalizá-los para proceder a avaliação cineantropométrica. As
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suas unidades didáticas estão voltadas exclusivamente para os conhecimentos ligados a
dimensão biofísica do ser humano. O que se constata é que esta disciplina não oferece
nenhum subsídio para que o futuro professor possa fazer uma avaliação nos aspectos
procedimentais, atitudinais e conceituais, uma vez que somente o aspecto fisiológico é
contemplado no processo avaliativo. Além disso, o conteúdo da disciplina está incoerente
com o objetivo do curso apresentado (Formar recursos humanos, para a prestação de
serviços à população em todas as atividades relacionadas à Educação Física e nas suas
diversas manifestações.), uma vez que não prepara seus alunos para executarem avaliações
em nível escolar, o que exclui automaticamente este espaço de atuação e contradiz o
mesmo objetivo que assegura formação para todas as atividades relacionadas à educação
física. Se o trabalho na escola não é contemplado então a formação profissional é para
algumas e não todas as áreas de atuação do professor de educação física.
Na terceira instituição pesquisada, que denominamos C, o plano de ensino da
disciplina Ciências da Educação II apresenta a ementa focada nas questões políticas,
sociais e pedagógicas da educação. Também aponta os elementos do processo ensino-
aprendizagem, especialmente planejamento e avaliação. Não há referência a aplicação e
confecção de aulas, outro elemento do processo citado. Nesta instituição, as competências
substituem os objetivos, embora a formulação das mesmas esteja mais próxima de
expressar um objetivo do que uma competência. As competências listadas falam em
estabelecimento de relações teoria/prática; compreensão do fenômeno educativo;
percepção entre tendências pedagógicas e ação docente nos diferentes momentos históricos
e aplicação de princípios de planejamento e avaliação. Os conteúdos estão coerentes com
as competências listadas, porém não são detalhados.
Constata-se que o futuro professor de educação física possivelmente terá limitações
na formação adequada, no que diz respeito a avaliação na dimensão procedimental, uma
vez que a turma também possui alunos do curso de pedagogia e o elemento fundamental,
de uma aula de educação física, o movimento, não é aplicado e nem avaliado. Desta
maneira, há uma incoerência entre o perfil indicado e o desenvolvimento desta disciplina,
senão vejamos: Além disso, o futuro profissional terá a responsabilidade de integrar a
equipe de saúde e educação, buscando soluções inovadoras e pertinentes à realidade de
sua clientela. A pergunta é: Como um profissional de educação física, especialmente o
professor, irá buscar soluções inovadoras à sua realidade, se sua formação é incompleta,
particularmente no que se refere as questões ligadas a avaliação em educação física
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escolar? Isto é preocupante, uma vez que o curso é de Licenciatura em Educação Física,
que prepara professores para atuarem nas escolas e, por conseguinte, deveriam que estar
habilitados a planejar, aplicar e avaliar.
Na última instituição pesquisada, a D, a disciplina é chamada Avaliação em
Educação Física Escolar. Num primeiro momento, temos a impressão que seu plano de
ensino estará voltado para tudo que se relacionar com a avaliação na escola, caminhando
pelo mesmo viés apresentado pela instituição A. Porém não é isto que acontece. Ao
analisarmos o plano de ensino encontramos textualmente na ementa o seguinte: Vivência
orientada e estudo analítico da evolução histórica da Ginástica Escolar, abordando
processos pedagógicos em Ginástica Escolar. Não há uma única referência as questões
ligadas a avaliação. Ao prosseguir na análise, agora nos objetivos, encontramos:
Posicionar-se criticamente em relação ao trabalho ginástico escolar e elaborar e aplicar
uma aula completa adequada ao nível escolar. Novamente nenhuma referência à avaliação.
Finalmente quando observamos os conteúdos, constatamos que ele gira em torno de
metodologia da ginástica escolar, o desenvolvimento de valências físicas, entre outros
tópicos.
Reflexões e conclusões
Esta pesquisa não possui a pretensão de apontar responsabilidades sobre a crise que
experimenta o processo de avaliação em educação física escolar, nem tampouco determinar
os caminhos que devem ser construídos em busca de soluções para tal crise.
Entretanto, podemos hipotetizar algumas questões a partir dos dados coletados e
construirmos reflexões que possam proporcionar debates sobre a temática da avaliação.
Evidentemente que estas conclusões são provisórias, na medida em que a pesquisa
limitou-se a quatro instituições de ensino superior, o que não permite generalizações. Outra
questão é a delimitação da investigação em pesquisar nas esferas teóricas das disciplinas
em questão, não havendo uma intervenção investigativa no cotidiano das aulas de tais
disciplinas. Entretanto, este recorte da realidade, pode sinalizar uma direção no
aprofundamento de estudos que tenham como foco a avaliação em educação física escolar.
Nesse sentido, destacamos algumas conclusões provisórias:
- Três das quatro instituições pesquisadas (75%) apresentam insuficiências entre o que
declaram no perfil/objetivo do curso com os conteúdos das disciplinas voltadas para a
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avaliação em Educação Física escolar, uma vez que não instrumentalizam adequadamente
os alunos, para que possam exercer com consciência uma avaliação voltada para a
aprendizagem;
- Em apenas uma instituição pesquisada, ficou demonstrada a preocupação com a
instrumentalização dos licenciados, na medida em que seu plano de ensino detalhava todos
os conhecimentos relevantes para se realizar um processo avaliativo que contribua na
aprendizagem dos alunos.
- Na maioria das instituições, ficou evidente a não preocupação com os aspectos
pedagógicos que envolvem o processo educacional, apesar dos cursos pesquisados serem
de licenciatura em Educação Física.
Ao constatar que o tema da avaliação em Educação Física escolar é pouco
pesquisado nos principais fóruns acadêmicos e limitadamente desenvolvido nos cursos de
formação de professores, podemos refletir que as possíveis carências que se estabelecem
no cotidiano escolar no processo de avaliação e as conseqüentes inadequações em relação
às análises dos alunos, podem ser resultantes das insuficientes discussões e da limitação de
estudos que a temática exige. A tendência de relacionar avaliação com mensuração reduz
todo o processo avaliativo diagnóstico a limitação de valorar em números as performances
apresentadas pelos alunos na forma de gestos mecânicos e padronizados de parâmetros
estabelecidos pelo professor, descartando a complexidade da cultura e da história nos
gestos e movimentos que os alunos trazem como heranças.
Nesse sentido nossa pesquisa encontra pontos de convergência com os estudos de
Rodrigues (1988) que consideram “que o processo de avaliação não pode ser medido
simplesmente numa balança ou fita métrica”. Para o autor, avaliar é verificar como o
conhecimento está se incorporando no educando e como este modifica sua compreensão de
mundo, elevando a sua capacidade de participar da realidade em que está vivendo.
Fensterseifer (1997) analisa o processo de avaliação como uma ação
eminentemente social, não sendo apenas uma atividade de um sujeito isolado nem mera
atividade técnica, mais que isso, é um produto social de um certo tipo de sociedade que
mantém profundas contradições em seu arcabouço, produzindo desigualdades sociais entre
os seres humanos, tentando convencer que esta diversidade social é um fato natural.
Entendemos que a avaliação pode ser um processo contínuo no cotidiano das aulas, no qual
alunos e professores podem dialogar sobre conteúdos e métodos em busca da construção
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do conhecimento. A aprendizagem pode se desenvolver em um ambiente solidário em que
as partes envolvidas tenham de cooperar na superação de obstáculos e dos conflitos que
surgem deste processo, e a avaliação deste conjunto pode se realizar de forma crítica e
transparente.
Nesse sentido, a pesquisa nos permitiu construir algumas perspectivas do cotidiano
escolar, referendadas nas análises dos hiatos observados na formação de professores
(especificamente no que tange a disciplina avaliação) e de como tais carências didático
pedagógicas podem desembocar em distorções do processo de avaliação em educação
física na escola.
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Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 104107