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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS CAMPUS TIMÓTEO
Prof. Armin F. Isenmann
Reciclagem dos plásticos
O lixo plástico – um problema mundial
Alguns fatos atuais e prognósticos mostram a dimensão do problema ambiental que
causam os plásticos usados – principalmente pelo setor de embalagens:
O mundo já produziu 8,3 bi de toneladas métricas de plásticos, num período de
65 anos (1950 – 2015). Destes, somente 30% estão em uso atualmente, mas
cerca de 6,3 bi de toneladas já foram descartados
Entre os plásticos descartados, somente 9% foram reciclados (0,9% foram
reciclados mais de uma vez), mas 12% foram incinerados e até 79% depositados
em lixões 1.
Produzimos 20 mil garrafas de plástico a cada segundo (a Coca-Cola sozinha
põe no mercado 3.400 garrafas plásticas a cada segundo); por ano, isso são mais
de 100 bilhões de garrafas descartáveis.
Um milhão de garrafas de plástico são compradas em todo o mundo, a cada
minuto. Se o comportamento de consumo continua, o número de garrafas
1 R. Geyer, J.R. Jambeck, K.L. Law. Production, use, and fate of all plastics ever made. Science Advances
3 (2017), 1-5 Disponível em http://advances.sciencemag.org/
2
compradas vai pular mais 20% até 2021, criando uma crise ambiental que alguns
ativistas preveem tão grave quanto a mudança climática.
Embora a maioria das garrafas usadas para refrigerantes e água sejam feitas do
poliéster PET, altamente reciclável, as seis principais empresas de bebidas no
mundo usam apenas 6,6% de PET reciclado em seus produtos.
O destino principal do lixo plástico hoje é o aterro – lugar onde estes resíduos
permanecem por cerca de 500 anos, devido à sua má biodegradabilidade 2. E ainda: nos
anos mais recentes, o tema da poluição dos oceanos com produtos plásticos e os
chamados micro-plásticos ganhou nossa atenção – uma nova dimensão da poluição foi
atingida (3/4 do nosso planeta são oceanos). Até a fauna marítima está sofrendo destes
resíduos porque entram inevitavelmente na sua cadeia alimentar – assim como na nossa.
Tornou-se óbvio que este desenvolvimento infeliz foi causado por sistemas
disfuncionais de deposição de resíduos e por condutas erradas das pessoas.
A limitação dos recursos fósseis a menos de 100 anos - destes em primeira linha o
petróleo - está pedindo um comportamento sustentável com os nossos bens de consumo.
Isso inclui os plásticos, borrachas e polímeros termofixos. No entanto, a natureza
macromolecular torna a tarefa do reaproveitamento destes materiais um desafio muito
grande; no caso das borrachas e termofixos podemos assumir até uma massa molar
infinita. A alta massa acarreta uma solubilidade inerentemente baixa destes materiais,
em qualquer solvente. Pelo mesmo motivo, a dizer, uma contribuição baixa da entropia,
um coquetel de diferentes plásticos raramente leva a misturas homogêneas. A qualidade
de uma mistura (“blenda”) heterogênea, por sua vez, explica porque a maioria das
qualidades mecânicas está inferior do que se costumava ter nos componentes separados
e puros. Na maioria dos plásticos se observa também elevada inércia química, o que
dificulta ou até inibe sua degradação química até os monômeros. No entanto, dos
materiais onde isso for possível podemos esperar um processamento especialmente
confortável que leva a um reciclado idêntico ao plástico virgem.
Seguem os valores de consumo dos plásticos e as taxas de descartes 1 em 2015, uma
vez discriminado conforme o setor industrial, outra vez conforme o tipo de resina
polimérica.
Setor industrial Produção (t métricas) Descarte primário (t
métricas)
Embalagem 146 141
Transporte 27 17
Construção civil 65 13
Eletro eletrônico 18 13
Consumíveis e uso 42 37
2 Recentemente foi desenvolvido um poliuretano (espumas para colchões e assentos de carro) que se
despolimeriza ao ser aquecido a 200 °C. Há uns 20 anos que os commodities PE e PP são produzidos com
pequena porcentagem de comonômeros que contêm um grupo carbonila, C=O. Este, quando irradiado por
luz solar, quebra com facilidade – uma reação conhecida como Norrish I. Isso certamente aumenta a
biodegradabilidade, por que quanto menores os fragmentos, mais fácil a degradação microbiana.
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institucional
Maquinaria industrial 3 1
Têxteis 59 42
Outros 47 38
Total 407 302
Tipo de resina / Aditivo Produção (t métricas) Descarte primário (t
métricas)
PE-LD 64 57
PE-HD 52 40
PP 68 55
PS 25 17
PVC 38 15
PET 33 32
PUR 27 16
Fibras PP&A 3 59 42
Outros 16 11
Aditivos 25 17
Total 407 302
Figura 1. Os plásticos descartados anualmente, desenvolvimento desde 1950 1. As
quantidades produzidas são indicadas em toneladas métricas.
State of art da reciclagem dos plásticos
3 PP&A = Poliésteres + Poliamidas + Acrílicas; as fibras de poliamida são mais bem conhecidas como
Nylon.
4
Vamos primeiro olhar no continente onde a reciclagem dos plásticos está mais
avançada. Em 2015, a associação europeia dos produtores de plásticos, PlasticsEurope,
reportou uma produção global (mundial) de 322 milhões de toneladas de plásticos, dos
quais cerca de 270 milhões dizem respeito a polímeros termoplásticos. A parcela
restante se divide em revestimentos, adesivos, dispersões, tintas e vernizes. Para o
mesmo período, as estimativas do International Rubber Study Group (IRSG) apontam
para um volume de produção e consumo de borrachas de cerca de 29 milhões de
toneladas, dos quais 12 milhões dizem respeito à borracha natural e 17 milhões a
borrachas sintéticas.
A indústria de plásticos europeia atualmente faz grandes esforços para desenvolver
sistemas adequados para recolher e melhorar a reciclagem sistemática de resíduos de
produção, com estratégias viáveis, especialmente na reciclagem de resíduos pós-
consumo. Em resultado da regulamentação, as taxas de reciclagem na Europa (UE-28
mais Suíça e Noruega) têm aumentado de forma consistente: em 2014, a taxa de
reciclagem foi de 69%, 10 pontos acima do nível de 2011 e 21 pontos acima da taxa de
reciclagem de 2006. Hoje alguns países já proibiram o depósito de polímeros sintéticos
em aterros; eles registaram taxas particularmente elevadas: a Suíça, Áustria, Holanda,
Alemanha, Suécia, Luxemburgo, Dinamarca, Bélgica e Noruega reciclam mais de 96%
dos seus resíduos plásticos (por outro lado, 5 países europeus ainda têm taxas de
reciclagem abaixo de 30%).
Em 2014, os principais destinos finais dos resíduos plásticos foram os seguintes:
39% para valorização energética, 30% para reciclagem material e 31% para aterro. A
maior taxa de reciclagem de resíduos se anotou no setor de embalagens, onde a
reciclagem de plásticos aumentou mais de 20%.
Antes de olhar na situação doméstica, vamos também jogar uma luz nas ovelhas
negras. De acordo com a Environmental Protection Agency- EPA, 9,5% de material
plástico gerado no fluxo de resíduos sólidos municipais dos EUA foi reciclado em 2014.
Outros 15% foram queimados para energia; 75,5% (!) foram enviados para aterros
sanitários.
Desafios e situação do Brasil
Aqui estamos no caminho certo, mas o andamento é muito devagar. E a taxa de
reutilização dos objetos em plástico é baixa. O que já funciona razoavelmente bem é a
reciclagem primária e o reprocessamento puramente físico (ver p. 6). A maioria das
taxas de reciclagem encontradas gira em torno de 20%. Para contornar o problema
socioambiental do lixo plástico é preciso um esforço coletivo: da indústria, dos
governos, e a população. Se não houver esta união, a questão pode nos levar a um
tremendo impasse 4.
4 J.L. Mesquita, Reciclagem do plástico, um drama da nossa geração. Um artigo publicado em 04 de maio
de 2018 no Estadão; disponível em https://marsemfim.com.br/reciclagem-do-plastico/
5
Da indústria, por exemplo, ao reduzir a quantidade do material gasto na embalagem.
Pode-se pensar em omisso da embalagem secundária (= embalagem em volta da
embalagem), ofertar um sistema de refil, ofertar embalagens retornáveis, mas também a
troca do material para um plástico mais sustentável e/ou biodegradável. Esse último
aspecto inclui a substituição de materiais compostos (blendas poliméricas, tampas e
etiquetas em garrafas feitas de materiais diferentes), por embalagens feitas de somente
um polímero puro. No momento existem mais de 40 diferentes materiais poliméricos no
mercado brasileiro, misturados ou não, uma variedade que deve ser mantida o menor
possível.
Do governo: evidentemente falta investimento na indústria de reciclagem. Em outros
países, como a Alemanha – que desde 2010 já recicla mais de 50% do seu lixo –,
existem subsídios para as empresas que utilizam material reciclado. No Brasil não tem
incentivo - pelo contrário, tem uma tributação que o encarece. O imposto incide no
produto quando ele é matéria prima e depois, quando é reciclado. No caso do plástico,
chegam a incidir oito impostos. Não existe o incentivo fiscal necessário para estimular o
desenvolvimento dessa cadeia de material. Outra medida eficaz seria a fiscalização
rigorosa do descarte. A “Política Nacional de Resíduos Sólidos” (lei nº 12.305/10), ela
prevê o fim dos lixões nos municípios que impedem o desenvolvimento da indústria de
reciclados, essa lei existe há um tempão, mas é desobedecida até hoje...
Do cidadão e das comunas: em toda consciência dos problemas acerca dos resíduos
plásticos, a primeira ideia de cada um deve ser evitar o lixo. Isso começa com o recuso
das sacolas do supermercado procurando por embalagens alternativas; isso continua ao
jogar uma embalagem simplesmente na rua. As crianças fazem porque os pais não
ensinaram o caminho certo. Mais eficaz ainda seria o apoio direto ao processamento dos
resíduos, em forma de coleta diferenciada. Um enorme atalho no caminho do material
colecionado ao reprocessamento seria feito se o consumidor descartasse o lixo, após a
remoção do excesso de contaminantes e a separação dos plásticos por tipo, em pontos
municipais de coleta discriminada. Nas latinhas de alumínio isso já funciona muito bem,
assim que nos outros metais. Por que não nos plásticos?
Um ponto a favor do Brasil é seu baixo consumo de plásticos per capta: apenas 10
Kg por ano e por pessoa (na Europa e Japão são 50, nos EUA até 70 Kg por ano e
pessoa).
Os pontos mais problemáticos na reciclagem
Não devemos calar sobre os pontos fracos ou problemáticos da reciclagem dos
plásticos:
1) Temos que aceitar que cada reprocessamento térmico-mecânico reduz a
qualidade do material (módulos mecânicos, repelência e aparência lisa da
superfície, amarelamento ou descoramento da massa). Isso se nota
6
especialmente no PVC, por sua vez extremamente sensível a temperaturas altas:
acima de 190 °C observamos a eliminação de HCl das cadeias, dando origem em
duplas ligações C=C, então potenciais grupos cromóforos quando ocorrem em
conjugação. Também um processamento mecânico repetido, em particular a
aplicação de altas forças de cisalhamento, acarreta efeitos negativos à qualidade
do objeto feito com material reciclado. Isto se articula na firmeza mecânica e na
menor resistência térmica, em comparação ao mesmo objeto quando feito com
material virgem.
2) De forma mais ou menos pronunciada podemos chamar a reciclagem dos
plásticos sendo um processo de “Downcycling”, pois os produtos a partir de
material reciclado sempre tem propriedades inferiores e aplicações de menor
valor agregado, do que o mesmo objeto feito a partir da resina virgem. Isso se
deve, principalmente, à incompatibilidade entre diferentes tipos de polímeros.
Neste contexto não devemos esquecer um fator que promove fortemente a
mistura de substâncias de baixa massa molar, a entropia. Ela é drasticamente
reduzida no caso de misturas de macromoléculas. Em consequência ocorre a
separação das fases e um material bi ou multifásico tem parâmetros de qualidade
completamente diferente, em geral são inferiores quando comparados com um
plástico puro, homogêneo e monofásico.
3) O termoplástico reciclado fisicamente não pode ser empregado em embalagens
de alimentos, a fim de se evitar contaminações provenientes de tintas e produtos
tóxicos.
4) Altos custos geram a coleta, limpeza e separação dos objetos plásticos pós-uso,
especialmente quando fazem parte do lixo urbano. Ao mesmo tempo, o grau de
eficiência desta recuperação não ultrapassa, em nosso país, os 80%.
Tipos de Reciclagem de Polímeros
1) Reciclagem Mecânica: quando o plástico passa por etapas de moagem, lavagem,
secagem, aglutinação e reprocessamento, dando origem ao grânulo ou a uma
peça. Pode também envolver a aditivação.
2) Reciclagem Química: quando o plástico passa pela despolimerização visando a
destruição da estrutura polimérica, inclusive da cadeia principal. Por outro lado,
os grupos reativos nos monômeros – no caso dos termoplásticos são exatamente
dois ou então um grupo vinil - devem ser restaurados. Os produtos finais deste
tratamento químico são intermediários da polimerização, monômeros,
hidrocarbonetos e gases, de qualquer maneira um material de baixa massa
molecular que pode ser submetido aos métodos de purificação largamente
estabelecidos.
3) Reciclagem Energética: quando o plástico passa pela combustão. Os produtos
finais são a energia e a emissão gasosa (H2O e CO2, principalmente). O plástico
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não deixa de ser despolimerizado, porém não há ênfase nos produtos que possam
advir da despolimerização, somente na energia desprendida 5.
Mais usada ainda é a seguinte classificação que difere da em cima um pouco, dada
em ordem decrescente de valor agregado:
Reciclagem primária
É uma reciclagem mecânica de resíduos limpos, normalmente industriais, auxiliando
a obtenção de reciclado com propriedades semelhantes à resina virgem. Essa reciclagem
é a mais fácil e a de melhor qualidade; ela é geralmente feita na própria fábrica de
termo-formagem (extrusão, injeção, calandragem, sopro); os resíduos limpos podem ser
de produtos mal dimensionados que não passaram pelo controle de qualidade, rebarbas
recortadas do objeto final, canais de injeção, lascas do torno ou da furadeira, etc.
Reciclagem secundária - reciclagem mecânica de resíduos urbanos (= plásticos pós-
uso). O produto reciclado possui propriedades inferiores à resina virgem. A Plastivida
encomendou uma pesquisa em 2012, na qual se verificou que a taxa de reciclagem
secundária no Brasil consta com uma taxa de 21%, um valor notável, porém apenas 1/3
das taxas que os países europeus mais desenvolvidos apresentaram. O Brasil tinha
reciclado 684 mil toneladas do total de 3,26 milhões de toneladas de plástico pós-
consumo gerado. O setor possuía, ainda, 762 recicladoras – boa parte estava
concentrada em São Paulo (39%) e na Região Sul (36%) –, com capacidade instalada de
1,7 milhões de toneladas, e empregava diretamente 18,7 mil pessoas. Mais
impressionante ainda foi o faturamento gerado por esse negócio: R$ 2,5 bilhões 6.
Reciclagem terciária – reciclagem química. Essa forma de reciclagem ainda não é
praticada no Brasil. No entanto, é uma das formas mais promissoras de reciclagem, pois
leva os polímeros de volta aos monômeros que então podem ser devidamente
purificados. Assim, este tipo de reciclagem pode gerar um novo material polimérico
com qualidades idênticas ao material virgem (quer dizer, aquele material cujos
ingredientes vieram da refinaria do petróleo). O obstáculo maior: por enquanto, os
poliésteres (PET; PBT) são os únicos commodities que podem ser processados desta
maneira.
Reciclagem quaternária – reciclagem energética. As incineradoras não aproveitam do
material orgânico, mas unicamente do seu teor energético, por meio da combustão
completa. Isto é, sua oxidação completa formando água e gás carbônico sendo os
produtos finais. O maior problema que esta forma de aproveitamento enfrenta são os
polímeros que contêm cloro – em primeira linha isto é o PVC. A maioria das
incineradoras recusam o recebimento do PVC e também de outras substâncias orgânicas
5 A técnica onde há ênfase na decomposição despolimerizante é conhecida como “pirólise” – uma técnica
executada sob exclusão de oxigênio atmosférico, com sucesso aplicada na reciclagem química de pneus
velhos. Portanto, a pirólise pertence à categoria da “Reciclagem química”. 6 Fonte: https://mundodoplastico.plasticobrasil.com.br/o-perfil-da-industria-de-reciclagem-do-plastico-no-
brasil/ Acesso em 16/08/2018
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que contêm o cloro covalente, pelo simples motivo de se correr o perigo de produzir
gases tóxicos (dioxinas), ao queimar estes resíduos nas temperaturas que regem nos seus
fornos (em torno de 1000 °C). Somente as poucas incineradoras que aplicam
temperaturas acima de 1500 °C, são autorizadas ao processamento de resíduos clorados
(entre outros, os resíduos dos laboratórios químicos de pesquisa). Finalmente, o “co-
processamento” de resíduos plásticos nos fornos rotatórios de cal (produção de cimento;
fábricas de celulose) permanece um ponto problemático, justamente por causa do cloro.
Além da toxicidade dos gases de escapamento, anotam-se também elevadas taxas de
corrosão nos equipamentos da fábrica caso o cloro estiver presente.
Conforme essa classificação existem diferentes maneiras de reciclagem, enquanto
nenhuma delas se eleva acima das outras por ser mais nobre. Em vez disso, cada
situação específica de resíduo requer uma escolha sensata do tipo de reciclagem, no que
diz respeito aos custos, o tempo e os benefícios do processamento.
O contexto da reciclagem, nas demais medidas e comportamentos de cada um, pode
ser representado como segue:
Figura 2. Hierarquia da gestão de resíduos, em ordem decrescente de preferência 7.
Resinas (tintas, esmaltes, colas, etc.), termofixos rígidos (aminoresinas, baquelite,
resinas epóxi, etc.), borrachas (cadeias poliméricas ligeiramente ramificadas, através da
etapa de vulcanização) e fibras (material altamente cristalino, unidirecionado) são os
materiais poliméricos onde a reciclagem se apresenta especialmente difícil. Segundo o
Sindicato da Indústria do Material Plástico do Estado de Minas Gerais – SIMPLAST,
este tipo representa cerca de 20% do total consumido no Brasil. Geralmente tem só uma
possibilidade de aproveitamento: a reciclagem 4, ou seja, o aproveitamento do calor que
é liberado pela incineração, para geração de vapor de alta pressão e/ou eletricidade.
7 M.C. Letras, Reciclagem de Plásticos: Identificação de contaminantes e estratégias de valorização dos
resíduos industriais. Tese da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, 2008.
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Identificação e separação de resíduos plásticos
A reciclagem de plásticos exige uma separação dos plásticos por tipo de material,
seja por razões técnicas ou por questões de saúde ou ambientais. Por exemplo, a
reciclagem mecânica (= reciclagem primária) só é economicamente viável e
tecnicamente fiável para um tipo de material, enquanto que nas incineradoras (=
reciclagem quaternária) é necessário separar o PVC dos restantes resíduos do lixo
urbano, de forma a evitar a formação de dioxinas.
Certamente, a reciclagem química (= secundária e terciária) dos termoplásticos é a
mais desafiadora, no momento e no futuro próximo. Mas também aqui vale: antes de
começar com qualquer tratamento químico-térmico, deve-se realizar a separação dos
diferentes tipos de material, de maneira mais rigorosa possível.
Quais são as técnicas para a identificação e separação de uma mistura de plásticos
usados? É claro, em primeira linha fica a catação manual nas estações de triagem. Um
processo caro, os aspectos humanos e de saúde deste trabalho são questionáveis, além
do mais a taxa de pureza da catação manual geralmente não ultrapassa 80%. Neste
momento temos que lembrar que um reprocessamento termomecânico de polímeros
diferentes gera produtos com propriedades finais bastante pobres, pois não há
compatibilidade química e física entre eles. Portanto, para produzir um produto de
qualidade a partir de material reciclado a exigência em alguns casos (poliolefinas, por
exemplo) é um grau de pureza de 99% ou mais.
Figura 3. Ponto de triagem e oficina de reciclagem do plástico. (Foto: http://www.elobservatoriodeltrabajo.org)
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A alternativa mais promissora é a seleção automatizada. A primeira etapa sempre é a
trituração dos plásticos usados que pode ser feita em moinhos de martelos ou de facas.
Devem resultar desta etapa pedaços mais uniformes possível, de 5 a 10 mm de
diâmetro. Segue em segunda etapa a lavagem. Principalmente a sujeira gordurosa
(embalagens de óleo ou manteiga) tem que ser removida, mais completo possível. Mas
também problemática é a remoção de outras partes estranhas, tais como partes
metálicas, papel e cola da etiquetagem, vidro e, lógico, os polímeros estranhos.
Sob os aspectos da reciclagem se destacam os poliésteres, principalmente o PET e o
PBT, porque estes materiais podem ser despolimerizados com certa facilidade – o que
não é o caso nas poliolefinas, nem nos polímeros vinílicos e acrílicos. A hidrólise destes
poliésteres é especialmente confortável, quer por catálise ácida (de preferência) ou
alcalina, fornecendo os monômeros. Também pode ser levado monômero o POM,
também conhecido como poliacetal. Sua despolimerização fornece o formaldeído. Já a
despolimerização das poliamidas (= Nylon), poliuretanos, poliureias, policarbonatos,
resinas alquídicas e epóxis não é tecnicamente viável, pois a desnaturação química
ocorre antes da sua despolimerização. Isso significa que a decomposição química e/ou
térmica destas resinas não leva aos monômeros originais.
Figura 4. Símbolos de identificação impressos nos produtos termoplásticos
(commodities), introduzidos em 1985, relacionados com os produtos de consumo
mais típicos onde estes materiais são usados.
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Uma descrição mais detalhada, tanto das estruturas químicas das resinas, com
também dos usos, se encontra no painel didático 8.
Determinados polímeros, como as garrafas de bebidas de PET podem ser facilmente
identificados, no entanto alguns polímeros são muito semelhantes e difíceis de
diferenciar, mesmo para um especialista ou engenheiro em polímeros. Certamente, os
símbolos da Figura 4 pregados nos utensílios, ajudam em alguns casos de dúvidas, no
entanto estão longe de atender as exigências de uma identificação inambígua. Uma
marcação química, quer dizer, a incorporação de um aditivo que seja fácil e
seguramente identificável por métodos instrumentais, poderia ser a solução do futuro,
ao rumo de chegar a uma separação mais completa dos plásticos pós-uso.
Para separar partes de materiais plásticos de engenharia, tais como componentes de
veículos, são necessárias técnicas de identificação mais avançadas. O sistema tem de ser
capaz de identificar e distinguir cerca de trinta plásticos e combinações. Em 1991, a
American Society for Testing and Materials (ASTM), editou um sistema mais
abrangente, baseado em abreviações recomendadas pela International Organization for
Standardization (ISO) que inclui mais de 100 polímeros e combinações.
Nos casos em que a identificação dos plásticos é mais complicada podem aplicar-se
processos de identificação por espectroscopia. Na Figura 5 apresenta-se um esquema
dos processos que podem ser utilizados para a identificação de plásticos.
Figura 5. Métodos instrumentais para identificar os plásticos pós-uso.
É possível distinguir dois grupos básicos de identificação de plásticos por
espectroscopia: o primeiro inclui os processos que analisam o polímero sem o alterar ou
consumir e o segundo que inclui os processos que analisam o polímero não como uma
molécula completa, mas decompondo a cadeia do polímero, por pirólise, em
fragmentos.
8 Os painéis didáticos encontram-se nesta biblioteca virtual,
http://sistemas.timoteo.cefetmg.br/nos/bd:painel:polimeros
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No primeiro grupo (espectroscopia molecular) encontram-se os processos de
espectroscopia de polímeros que são puramente ópticos, tais como a espectroscopia
Near Infra-Red (NIR), a espectroscopia Middle Infra-Red (MIR) e a espectroscopia
Raman com transformação de Fourier (FTR – Fourier Transformed Raman). A
espectroscopia de infra-vermelho é uma das técnicas mais importantes para identificar
plásticos e tem tido um grande desenvolvimento. As eficiências da espectroscopia de
FTIR (Fourier Transformed Infra-Red) e FTR permitem reconhecer a maioria dos
polímeros, contudo foram verificadas algumas limitações na espectroscopia FTIR,
incluindo uma elevada sensibilidade ao estado da superfície do polímero. A
espectroscopia FTR é um método rápido e altamente seletivo, permitindo até identificar
os enchimentos minerais presentes no plástico.
No segundo grupo de identificação de plásticos por espectroscopia (espectroscopia
atómica), a análise dos fragmentos permite identificar o polímero associado.
Dependendo do processo utilizado para analisar os produtos da pirólise, os processos
são classificados em espectroscopia pirolítica de massa (PyMS – Pyrolysis Mass
Spectroscopy) e espectroscopia pirolítica de infra-vermelho (Py-IR – Pyrolysis Infra-
Red). Um caso especial dos processos de pirólise é a decomposição do polímero em
átomos ou fragmentos moleculares extremamente pequenos ou íons, cuja radiação
emitida é analisada por espectroscopia. Estes processos incluem a análise espectral da
emissão atómica por laser induzido (LIESA – Laser-Induced Atomic Emission Spectral
Analysis) e a espectroscopia por queima e deslizamento (Sliding Spark Spectroscopy).
A espectroscopia de plasma com laser (LIPS – Laser-Induced Plasma Spectroscopy)
tem sido aplicada em amostras de polímeros no sentido de se investigar a possibilidade
de utilizar este método na identificação de diferentes materiais. Em alguns casos, a LIPS
pode ser utilizada como complemento da espectroscopia de infra-vermelho, que também
é aplicada na identificação de polímeros. Contudo, não podem ser aplicadas em
amostras coloridas com cores escuras.
A espectroscopia de decomposição com laser (LIBS – Laser-Induced Breakdown
Spectroscopy) pode ser aplicada na identificação de diferentes famílias de plásticos, não
sendo necessária qualquer preparação da amostra, através de uma análise rápida,
simples e reprodutível. A tecnologia LIBS é baseada na análise das linhas de emissão
atómica geradas pela incidência de radiações laser de alta energia, na superfície da
amostra.
As técnicas instrumentais apresentadas acima permitem também a identificação dos
aditivos nos plásticos. Segue uma listagem dos aditivos mais aplicados 1, são valores
médios sobre todos os tipos de termoplásticos que deixam claro o alto consumo destes
materiais.
Tipo de aditivo / Finalidade Porcentagem
mássica no produto
acabado
Plastificante 34%
13
Retardante de chama 13%
Estabilizante ao calor 5%
Recheios inertes 28%
Modificadores ao impacto 5%
Antioxidantes 6%
Corantes e pigmentos 2%
Lubrificantes 2%
Foto-estabilizantes 1%
Outros 4%
Separação dos resíduos plásticos triturados
A terceira etapa, após a coleta e a identificação, é a separação dos materiais. O
mercado exige materiais na forma pura, que é um objetivo difícil de atingir. Deste
modo, para cumprir os elevados níveis de pureza é necessário remover contaminantes
residuais nos plásticos e, em particular, em plásticos na forma triturada. Diversas
técnicas têm sido desenvolvidas, das quais se destacam:
Separação densimétrica, em tanques de flotação ou hidrociclones,
Separação eletrostática.
O problema está no detalhe, a ser mostrado no caso da densidade: existem vários
tipos de plásticos nos resíduos com densidades específicas sobrepostas, o que significa
que é necessária uma separação com várias etapas envolvendo diferentes técnicas;
segundo, alguns plásticos têm pouco valor, o que torna difícil estruturar um processo de
reciclagem economicamente sustentável.
Todavia, como mostrado na seguinte tabela, existem margens de densidade bem
diferenciadas, quando se tratar de polímeros puros.
Densidades específicas dos plásticos commodities no estado puro.
Tipo de
plástico
Densidade em Kg.m³
PE-HD
PE-LD
PP
PS
PVC
PET
940 – 970
910 – 930
900 – 910
1040 – 1120
1390
1330 - 1460
A separação densimétrica tem sido aplicada para separar materiais que flutuam,
como as poliolefinas, de materiais que decantam, como o PET e o PVC. O processo
pode ser realizado num único tanque, contudo são necessárias pelo menos duas
separações, isto é, dois tanques, para se atingir uma boa separação.
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Mais recentemente, foi desenvolvida uma técnica de separação de plásticos em
hidrociclones, baseada em tecnologia desenvolvida na indústria de processamento de
minérios e que permite a remoção de contaminantes pesados como pedras, metais e
vidro. O processo de separação dos hidrociclones se baseia na força centrífuga. As
partículas em suspensão são lançadas radialmente para fora. Por causa do campo de
força elevado, são obtidas altas taxas de sedimentação, separação rápida e alta
eficiência. Um grau de precisão na separação requer de um design favorável ao fluxo.
Figura 6. O uso do hidrociclone permite uma separação densimétrica em aproximadamente 10% do tempo que seria necessário no tanque de flotação.
Fonte: https://www.akwauv.com
A separação densimétrica, em tanques de flotação ou ciclones, permite uma
separação automatizada dos polímeros. Contudo, quando dois polímeros têm densidades
específicas próximas, este procedimento torna-se mais difícil, é o caso do PE-HD, do
PE-LD e do PP.
A flotação, feita em grandes bacias onde o fluido separador fica parado. Um sistema
destes tanques de sedimentação/flotação é mostrado na Figura 7. Note que a
flotação/sedimentação em hidrociclone é um processo em torno de 10 vezes mais rápido
do que a bacia parada.
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Figura 7. Cascata de bacias de sedimentação, para a separação
densimétrica de resíduos de plásticos triturados 7.
Uma sofisticação permite até separar plásticos com densidades bem próximas, por
exemplo, ABS e HIPS. A tecnologia de flotação por espumas (froth flotation) separa de
forma eficiente estes polímeros com densidades quase equivalentes 9.
A Figura 8 mostra a aplicação desta etapa em conjunto com a flotação tradicional. O
plástico granulado é separado, primeiro, num tanque com água e um surfactante, com
densidade específica de 1000 Kg/m3, seguindo-se uma segunda separação, num tanque
com uma solução salmoura de densidade específica 1100 Kg/m3. Os materiais com
densidades superiores são rejeitados. Os plásticos, ABS e HIPS, com igual densidade
são separados, de acordo com as suas características hidrofílicas, no tanque de flotação,
onde é adicionado um agente condicionador que altera a superfície de um dos plásticos
fazendo com que o HIPS flutue e o ABS afunde.
9 Daniels, E.J. (1997), EUA, University of Chicago, Argonne National Laboratory - Separation and
Recovery of Thermoplastics for Reuse via Froth-Flotation. US patent 5,653,867, 1997-08-05
16
Figura 8. Diagrama de fluxo da separação de plásticos residuais,
aproveitando das diferenças em densidade e hidrofilia 7.
Separação eletrostática
A separação electrostática é uma tecnologia promissora para a separação de misturas
de plásticos, devido ao seu baixo custo e facilidade de operação. A aplicação da técnica
depende do desenvolvimento de carga estática nos materiais plásticos, que varia de
acordo com o tipo de polímero. Se os flocos (triturado) puderem ser carregados de
forma eficaz, então as diferenças de carga podem ser usadas para causar a separação das
partículas que caem entre placas carregadas eletrostaticamente.
Segundo Wei e Realff 10
, as partículas de plástico são carregadas por
triboelectrificação.
A série triboelétrica é uma lista de materiais que mostra a tendência relativa de ceder
ou receber elétrons nesse processo de eletrização. Esta lista pode ser usada para
determinar quais combinações de materiais são as mais eficientes para gerar a carga
superficial.
Série triboelétrica de alguns materiais do nosso ambiente.
Acumulação de cargas Material
Positivas
Pele humana seca (mão)
Couro
Aminanto
Pele de coelho
Vidro
Cabelo humano
Fibra sintética (Nylon)
Lã
Chumbo
Pele de gato
10
J. Wei, M.J. Realff, Design and Optimization of Drum-type Electrostatic Separators for Plastics
Recycling. Industrial and Engineering Chemical Research 44 (2005), 3503-3509.
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Seda
Alumínio
Papel
Sem acumulação notável Algodão
Aço
Negativas
Madeira
Âmbar
Borracha dura
Níquel, Cobre,
Latão, Prata,
Ouro, Platina,
Enxofre
Acetato da celulose
Poliéster
Isopor
Filme PVC ('magipack')
Poliuretano
Polietileno ('fita adesiva')
Polipropileno
Vinil (PVC)
Silicone
Teflon
A pele humana seca é o material que mais facilmente cede elétrons na sua superfície,
e o teflon mostra a maior tendência de receber elétrons entre todos desta lista. Qualquer
material atritado com qualquer outro que o precede, fica eletrizado negativamente e,
quando atritado com qualquer outro que o segue, fica eletrizado positivamente. Quanto
mais afastados estiverem na lista, maior será a eficiência na eletrização.
Existem vários métodos de agregação das partículas para gerar cargas triboeléctricas,
tais como, tambores rotativos, leitos fluidizados, tapetes vibratórios ou ciclones.
Fontes virtuais no Brasil
http://www.plastivida.org.br/images/releases/Release_091_Reciclagem_Plasticos_.pdf;
https://www.ecodebate.com.br/2015/09/04/a-reciclagem-no-brasil-em-2014-artigo-de-
antonio-silvio-hendges/;
https://www.embalagemmarca.com.br/2016/10/levantamento-mapeia-a-reciclagem-de-
plasticos-no-brasil/;
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-
saude/2017/07/22/interna_ciencia_saude,611649/plastico-mundo-produziu-8-3-bi-de-
toneladas-em-65-anos-e-reciclou-so.shtml;
18
http://cempre.org.br/artigo-publicacao/ficha-tecnica/id/4/plasticos;
http://www.otempo.com.br/capa/economia/brasil-perde-r-120-bilh%C3%B5es-por-ano-
ao-n%C3%A3o-reciclar-lixo-1.1423628;
http://www.unicamp.br/fea/ortega/temas530/mariana.htm;
http://www.portalsaofrancisco.com.br/meio-ambiente/reciclagem-do-plastico;
http://simplast.com.br/;
http://www.abiplast.org.br/noticias/reciclagem-de-isopor–do-pre-carnaval-a-
pascoa/20180301092742_Z_166.
Fontes virtuais no mundo
http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/environment/environment-
at-a-glance-2015_9789264235199-en#page30;
https://www.thebalance.com/plastic-recycling-facts-and-figures-2877886;
https://www.epa.gov/;
https://www.ecowatch.com/plastic-recycling-science-
2563822458.html?xrs=RebelMouse_fb&ts=1524845400