R M REGRAS COMÉRCIO - clubemundo.com.br · Editorial – O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)...

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M U N D OGeografia e Política Internacional

ANO 7 • Nº 5 • SETEMBRO 1999Tiragem: 38.000 exemplares

RODADA DO MILÊNIO DEFINE REGRAS

DO COMÉRCIO GLOBALIZADO

E mais ...■ Editorial – O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi aplicada a estudantes de todo o país no dia 29 de

agosto. Conheça a nossa avaliação sobre a prova. Pág. 3

■ Cuba intensificou a repressão aos dissidentes políticos, contrariando as expectativas criadas pela visita papal de1998. Pág. 3

■ O Meio e o Homem – Na Amazônia equatoriana, os ameríndios se organizam em defesa da sua cultura e doambiente, revelando os significados da noção de desenvolvimento sustentável. Pág. 8

■ Diário de Viagem – No interior do Planalto do Decã, pulsa a Índia meridional, um universo atravessado pelosistema de castas, pobreza e trabalho infantil. Pág. 9

TEXTO & CULTURA

Que fazer?

Dom Casmurro faz 100 anospágs. 10 e 11

Nem tudo o que reluz é ... diplomaCuidado com a multiplicação de faculdades. Há

de tudo e a escolha apressada pode se voltar contra você.Mas, sem faculdade, o bom emprego fica mais difícil. Aexplosão do 3o grau é o tema desta edição do Que Fazer.

O comércio internacional é uma guerra”. Essa foi a bandeira dos teóricos mercantilistas, há quatroséculos. A doutrina econômica liberal, no século XIX, inverteu a velha proposição – segundo a teoria dasvantagens comparativas, o comércio é fonte de paz universal e prosperidade geral. Mas jamais se ultrapassouo abismo entre a intenção e o gesto. Enquanto os britânicos desfiavam as virtudes do livre comércio, osEstados Unidos deflagravam a sua arrancada industrial a partir de uma sólida plataforma protecionista.

No pós-guerra, as virtudes do livre comércio legitimaram, sob os auspícios do GATT, a edificação daordem econômica ocidental. A sua mais completa tradução foi a Organização Mundial de Comércio, queinicia em Seattle a Rodada do Milênio, um novo ciclo de negociações para a liberalização dos fluxos globais demercadorias e serviços.

Atrás da retórica geral de defesa do livre comércio, a Rodada do Milênio será o palco de confronto deinteresses bem definidos. Os países desenvolvidos guardam o liberalismo para os setores de alta tecnologia. Ospaíses da América Latina, cuja arrancada industrial apoiou-se nos modelos protecionistas de substituição deimportações, procuram adaptar a música da globalização aos seus projetos de desenvolvimento.

Págs. 5, 6 e 7

Do navegador genovês Marco Polo(aqui representado em gravura doséculo XIV) ao mundo globalizadodos megablocos, a humanidadetêm no comércio uma atividadevital, e na elaboração das leis queregulamentam o comércio, um deseus maiores desafios.

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ASSINE BOLETIM MUNDOOferecemos assinaturas ao longo do ano, e pormuito menos do que você pensa. Entre emcontato (v. os endereços no Expediente).

• as edições são veiculadas no fim de março,abril, maio, agosto, setembro e outubro

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• Obs: pedidos de edições já veiculadasdependem de disponibilidade de estoque.

4º CONCURSO

NACIONAL DE REDAÇÃO

DE MUNDO E T&C -1999

E X P E D I E N T E

Redação: Demétrio Magnoli (Mundo), Gilson Schwartz (Que Fa-zer?), Jayme Brener (Ulysses), José Arbex Jr. (Geral), Nelson BacicOlic (Cartografia), Paulo César de Carvalho (T&C),.Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MT 14.779)Revisão: Paulo César de CarvalhoDiretora Comercial: Vera Lúcia VieiraProjeto e editoração eletrônica: Wladimir SeniseEndereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP.CEP 05591-000. Fone: (11) 2104069 - Fax: (11) 8701658E-mail: pangea@uol.com.brDistribuidores:Rio Grande do Sul: Euler de Oliveira - Fone: (51) 245.1732Fax: (51) 343.4466 - Bahia: Alitônio Carlos Moreira -Fone: (71) 327.2088 - Fax: (71) 327.2240 - Mato Grossodo Sul: Gilda Cristina Falleiros - Fone e fax: (67) 382.9456- Pará: José Milton Costa Morais - Fone e fax: (91)222.6651, E-mail:jornalmundo@uol.com.br.

Colaboradores: Newton Carlos, J. B. Natali, Nicolau Sevcenko,Rabino Henry I. Sobel, Hassan El Emleh (Fed. Palestina do Bra-sil) e as ONGs Anistia Internacional e Greenpeace.

Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos assinaturas indi-viduais. Exemplares avulsos podem ser obtidos nos seguintes en-dereços, em SP:• Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad) - Prédio

do Depto. de Geografia e História - USP• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900.

Homepage: http://www.uol.com.br/mundo

PANGEA - Edição e Comercializaçãode Material Didático LTDA.

Paulo César de CarvalhoEditor de Texto & Cultura

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Meu entendimento é que o questionário atual pergunta se a pessoa usou drogas nos últimos sete anos. Eu terei o prazer de responder aessa pergunta e a resposta é não.

(George W. Bush, governador do Texas e candidato favorito do Partido Republicano às eleições presidenciais do ano 2000 nos Estados Unidos, O Estado de S. Paulo, 20.ago.99, pág. A15)

Desse modo, o filho de George Bush tentou livrar-se de uma pergunta que fazia referência a um questionário aplicado pelo FBI a altos funcionários federais. Osjornalistas então o inquiriram sobre o questionário aplicado à época em que seu pai foi vice-presidente (1981-88) e presidente (1989-92), que cobria um período de 15 anos.Constrangida, uma assessora explicou que o governador passaria no teste aplicado durante a presidência de seu pai. Então, entre os jornalistas, correu a piada de que o lema dasua campanha será “Drug Free Since 1973”.

Conheça, em nossa próxima edição, ovencedor do concurso nacional de redação.Como anunciamos, o texto campeão será pu-blicado nesta página e os melhores trabalhosreceberão prêmios. De quebra, o mestre res-ponsável pela orientação do autor da disserta-ção vitoriosa ganhará uma viagem para Fozdo Iguaçu, com direito a acompanhante!

Conheça o nosso site na Internete utilize os seus recursos pararesolver problemas nas áreas

de Geografia, História e Português!

Se você é assinante de alguma das publicações dePangea, você tem à sua disposição uma poderosaferramente para facilitar os seus estudos e pesquisas.É só surfar em nosso site.

Ali os nossos assinantes encontrarão as coleções deMundo, T&C e Ulysses e um programa de busca queem alguns segundos ‘‘caça’’ todos os textos dos bole-tins contendo determinada palavra-chave (por exem-plo: Clinton, Oriente Médio, Machado de Assis).Faça um teste, hoje mesmo! É só digitar:

http://www.uol.com.br/mundo

É possível distinguir dois modelos de exame ves-tibular de língua portuguesa: o tradicional e o moder-no (veja a edição de maio de Mundo, à pág. 2). O pri-meiro é caracterizado por uma abordagem mais mecâ-nica da gramática, privilegiando a memória em detri-mento do raciocínio. Para o aluno, a língua se converteassim em um verdadeiro amontoado de nomes técni-cos, sem utilidade prática nos atos concretos da comu-nicação. Diante desse tipo de concepção, é comum oseguinte questionamento: por que é que eu preciso sa-ber que existe uma oração que se classifica como subor-dinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo? Naminha vida profissional, poderei ter problemas se nãoconhecer a diferença entre o adjunto adnominal e ocomplemento nominal? Qual é a importância de saberpontuação?

Mas há também o exame moderno, que revelauma concepção instrumental da língua, apontando suautilidade nos atos concretos (e não “artificiais”) de co-municação. Privilegia-se aqui o raciocínio: é mais im-portante conhecer os mecanismos gramaticais para pro-duzir e decifrar mensagens do que ficar recitando ter-mos em “gramatiquês”. É então que o falante percebe autilidade de se conhecer a oração reduzida: para evitaruma construção repleta de “que” (e o desgaste estilísticodo texto), como na frase “É preciso que se ressalve quea ética é fundamental”, melhor seria eliminar o primei-ro “que”, reduzindo a oração: “É preciso ressalvar que aética é fundamental”.

Quem invadiu quem?

Conhecer a diferença entre o adjunto adnominalpode ser útil em casos como este: “A invasão da UniãoSoviética em 1979 foi um fato político marcante no his-tórico da Guerra Fria”. Supondo que o leitor desconheçageopolítica, surge a seguinte dúvida: quem invadiu quem?A União Soviética é agente ou paciente da invasão? Éque o termo “da União Soviética”, ligado a “invasão”,pode ter a função tanto de adjunto adnominal (agente)como de complemento nominal (alvo), fato gramaticalque provoca ambigüidade. Substituindo o substantivo“invasão” pelo verbo “invadir”, desfaz-se o equívoco: “Em1979 a URSS invadiu o Afeganistão, fato político...”. Omesmo ocorre neste exemplo: “A lembrança dos exiladostirava-lhes lágrimas dos olhos”. Os exilados é que chora-vam, perturbados pela lembrança de algo/alguém, ou al-guém é que chorava ao se lembrar dos exilados?

Quanto à importância de se conhecer a pontu-ação, destacamos casos em que um mero “sinalzinho”como a vírgula pode levar o mesmo enunciado a tersentidos diferentes, induzindo o leitor a uma interpre-tação totalmente diversa da pretendida por quem redi-giu a mensagem.

Questão de vírgula

É o caso do trecho a seguir, extraído de um jor-nal da cidade de Campinas, abarcando um depoimen-to do ex-prefeito Jacó Bittar sobre fatos relacionados àsua carreira política: “Todos os cargos que ocupei naminha vida foram conseqüência do meu trabalho nun-ca objetivo”. O vestibulando, na qualidade de assessorde imprensa do político, deixaria o período como foiredigido ou alteraria a pontuação? Considerando a pri-meira hipótese, o depoimento seria contrário ao pre-feito, levando o leitor a interpretar que os cargos ocu-pados por Jacó ao longo de sua carreira foram resulta-do de seu trabalho dispersivo, sem rumo. Se optassepor usar uma vírgula após “trabalho”, o depoimentosignificaria que os cargos ocupados foram conseqüên-cia natural de sua atuação política, não a sua finalidade(objetivo).

Outro exemplo: “O aborto, que se inscreve comocrime no Código Penal, está sujeito a punições severas”.De acordo com a presente pontuação, como deve serinterpretado o período? Todo e qualquer aborto é consi-derado crime, sujeito às penalidades previstas em lei, ouhá exceções que escapam às punições? Como está redigi-do (oração subordinada adjetiva explicativa), o enuncia-do estabelece o pressuposto de que qualquer tipo de abor-to se inscreve como crime no Código Penal. Entretanto,nosso conhecimento de mundo mostra que em certoscasos, como gravidez motivada por estupro, ou que re-presente riscos à vida da mãe, o aborto é autorizado porlei, não havendo, portanto, que se falar em punições.Para passar tal idéia, o período deveria vir redigido as-sim: “O aborto que se inscreve como crime no CódigoPenal está sujeito a punições severas”. Na forma de ora-ção subordinada adjetiva restritiva, o pressuposto muda,tornando coerente o enunciado.

Nesta linha de abordagem, conhecer gramáticadeixa de ser importante apenas para passar no vestibu-lar: é fundamental para todos aqueles que querem se co-municar com clareza e objetividade. Quem já sofreu napele as conseqüências de um mal-entendido sabe disso.

Concepção instrumental da língua caracterizaexame moderno

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MEDO EM CUBA

E D I T O R I A L

Carlos Alberto IdoetaDa Equipe de Colaboradores

O que é a Anistia InternacionalA Anistia Internacional é um movimento mundial in-dependente de governos, partidos políticos, religiões einteresses econômicos. Fundada em 1961, protege epromove os direitos humanos proclamados na Declara-ção Universal da ONU. É inteiramente financiada pordoadores voluntários e aberta à participação de homense mulheres de qualquer origem ou crença.Contato com a Seção Brasileira:

R. Vicente Leporace 833. CEP 04619-032 - SPE-mail: aibrasilsp@uol.com.br - Fax: 011-5429819.

E nquanto se aprofunda a crise do regime presi-dido por Fidel Castro, intensifica-se a repressão aos dissi-dentes. Em fevereiro, foi introduzida uma nova “Lei de Pro-teção da Independência Nacional e da Economia de Cuba”,dirigida para os dissidentes e os jornalistas que trabalhari-am “contra o Estado”. Prevê prisão de até 20 anos e pesadasmultas. Daquele mesmo mês, outra legislação impõe a penade morte para os casos graves de tráfico de drogas, corrupçãode menores e assalto à mão armada.

Em março, quatro presos de consciência, que es-tavam detidos desde julho de 1997, foram julgados sob aacusação de “sedição” e condenados a penas de prisão detrês anos e meio a cinco. Dias antes, cerca de cem dissi-dentes foram detidos e impedidos de acompanhar e di-vulgar a farsa judiciária.

À visita do papa João Paulo II à ilha, em janeiro de1998, seguiu-se a libertação de quase 300 presos. Entreeles, uns cem presos políticos, dos quais 19 eram conside-rados presos de consciência pela Anistia Internacional. Emfevereiro mais 13, incondicionalmente. Em abril e maiooutros seis foram libertados, com a condição de que seexilassem no Canadá. A repressão à dissidência foi reto-mada logo depois.

A Anistia estima em 350 o número de presos polí-ticos encarcerados no final de 1998, muitos condenadosem julgamentos sem as garantias devidas. Os presos deconsciência seriam pelo menos 60, mas a cifra exata é des-conhecida: faltam dados oficiais publicados e sobram res-trições impostas aos observadores de direitos humanos.

Alguns militantes não oficiais de direitos huma-nos e jornalistas independentes são detidos por brevesperíodos e, na maioria dos casos, logo libertados sem acu-sação. Muitos foram vítimas de formas de intimidação,como a proibição de sair do país com direito de regressoou um “ato de repúdio”, no qual são insultados e até agre-didos. Outros são condenados a anos de cárcere.

Em novembro de 1998, várias pessoas foram deti-das em frente ao tribunal onde seria julgado Mario JulioViera González, diretor da agência de imprensa indepen-dente Cuba Verdad. Viera tinha sido acusado de “injúria”pela autoria de um artigo em que insinuava a hipocrisiado governo cubano em cobrar imparcialidade e indepen-dência da Corte Penal Internacional. Cecilio MonteagudoSánchez, membro do Partido de Solidariedade Democrá-tica, não reconhecido oficialmente, foi declarado culpadode “propaganda inimiga” e condenado a quatro anos deprisão por ter escrito um folheto, nunca impresso, em queexortava os eleitores a não votarem nas eleições locais deoutubro de 1997.

Reinaldo Alfaro García foi detido horas depois deter convocado uma manifestação de mães de presos polí-ticos pela anistia de seus filhos, diante da Assembléia Na-cional. Por uma entrevista a uma emissora de rádio base-ada nos Estados Unidos, onde denunciou violações dedireitos humanos confirmadas, Alfaro foi condenado a trêsanos de prisão por “difusão de notícias falsas contra a pazinternacional” (art. 115 do Código Penal Cubano). JoséAntonio Alvarado está preso desde outubro de 1997, jun-to com outros membros do Partido Pró Direitos Huma-

nos em Cuba, acusados de “associaçãopara delinqüir”.

Bernardo Arévalo Padrón, di-retor da agência de notícias indepen-dente Línea Sur Press, cumpre seis anosde prisão por “desacato”. Jesús DíazHernández, diretor de uma cooperati-va de jornalistas independentes, cum-pre quatro por “periculosidade”, depoisde ser submetido a um ato de repúdiocomo “contra-revolucionário”. RenéGómez Manzano e outros fundadoresde um grupo de advogados indepen-dentes foram presos por publicar críti-ca a um documento de congresso doPartido Comunista de Cuba e acusa-dos de “atos contra a paz”.

Os julgamentos políticos dis-tam léguas de normas de imparciali-dade processual reconhecidas interna-cionalmente. Muitas vezes, os acusadosante os tribunais municipais não dis-põem de assistência letrada e os deti-

dos em delegacias ou no Departamento de Seguridad delEstado têm acesso limitado a advogados. Foram recebidasvárias denúncias de prisão em solitária, interrogatórios pro-longados, ameaças e insultos.

As condições de reclusão continuam precárias e,em certos casos, comparáveis a tratamento cruel, desu-mano e degradante. Comida e assistência médica são ne-gadas como forma de castigo. Em algumas prisões seriaelevado o índice de doenças, em conseqüência das condi-ções de alimentação e higiene, bem como do embargopatrocinado pelos Estados Unidos, que dificulta o acessoa remédios e equipamento médico.

Durante 1998, pelo menos cinco pessoas foramexecutadas e outras dez morreram baleadas pela políciaem situações de uso injustificado de meios letais. A Anis-tia continuou a pedir a libertação de todos os presos deconsciência, julgamentos justos para todos os presos polí-ticos, condições carcerárias dignas, investigações imparci-ais e prontas de todas as denúncias de abuso e a publica-ção das conclusões. O governo cubano não cultiva o há-bito de responder à Anistia.

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960.

ESCOLA NÃO É PARA INFORMAR, MAS PARA FORMAR. A FINALIDADE DO

ENSINO MÉDIO CONSISTE EM PROMOVER A AQUISIÇÃO DE HABILIDADES, ES-PECIALMENTE A DE ESTABELECER RELAÇÕES SIGNIFICATIVAS ENTRE INFORMA-ÇÕES. A CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DESSA HABILIDADE É A CAPACIDADE DE

OPERAR COM AS LINGUAGENS – A LÍNGUA PORTUGUESA E OS FUNDAMENTOS

DA MATEMÁTICA. O DOMÍNIO DOS CONCEITOS BÁSICOS DAS DISCIPLINAS DO

NÚCLEO COMUM É O INSTRUMENTO PARA A INTERPRETAÇÃO DA MASSA DE

INFORMAÇÕES QUE FORMAM O COTIDIANO CONTEMPORÂNEO.ESSA PODERIA SER UMA SÍNTESE DO PROGRAMA POLÍTICO

CONDENSADO NO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM), APLICA-DO EM SUA SEGUNDA EDIÇÃO A ESTUDANTES DE TODO O PAÍS NO DIA 29 DE

AGOSTO. FOI UMA PROVA MODELAR. O HIATO ENTRE INTENÇÃO E GESTO,TÃO EVIDENTE NA EDIÇÃO DE 1998, PRATICAMENTE SE DISSOLVEU. UMA

REDAÇÃO, CUJA PROPOSTA RELACIONA O TEMA DA CIDADANIA ÀS ENCRUZI-LHADAS POLÍTICAS E ÉTICAS ENFRENTADAS PELOS JOVENS ABRIU A PROVA DES-SA SEGUNDA EDIÇÃO. OS 63 TESTES PERCORRERAM UMA RAIA ÚNICA, BALIZADA

PELA MENSURAÇÃO DO DOMÍNIO DAS LINGUAGENS, DE UM LADO, E DOS CON-CEITOS BÁSICOS, DO OUTRO. A FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DAS DISCIPLINAS ÀS

QUAIS SE REFERIAM OS TESTES NÃO FOI, COMO ALGUNS TEMIAM E OUTROS

ARDENTEMENTE ESPERAVAM, MERA CAMUFLAGEM. OS DIÁLOGOS ENTRE LI-TERATURA E HISTÓRIA, GEOGRAFIA E BIOLOGIA, QUÍMICA E FÍSICA, GEO-

GRAFIA E HISTÓRIA, QUÍMICA E BIOLOGIA, GEOGRAFIA E QUÍMICA – QUASE

SEMPRE MEDIADOS PELA INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS, GRÁFICOS E PROPOSI-ÇÕES LÓGICAS – APONTARAM OS CAMINHOS PARA A RENOVAÇÃO DO ENSINO

MÉDIO.A PROVA APLICADA EM 29 DE AGOSTO DISCRIMINA OS ESTUDANTES

DE MODO NÍTIDO E PRECISO, SEPARANDO AQUELES QUE ADQUIRIRAM AS HA-BILIDADES BÁSICAS PARA ATUAR SOBRE O COMPLEXO MUNDO DA ERA DA IN-FORMAÇÃO DOS OUTROS, QUE APENAS RECEBERAM ADESTRAMENTO

RITUALÍSTICO EM CONTEÚDOS DISCIPLINARES PETRIFICADOS. OS RESPONSÁ-VEIS PELO INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR PARECEM CONFUSOS DIANTE DA

NOVIDADE, QUE É UMA CRÍTICA PRÁTICA E DEVASTADORA DE TANTOS EXAMES

VESTIBULARES CONGELADOS NO PASSADO. UM TANTO DESAJEITADAMENTE,PROCURAM SE ADAPTAR, ELABORANDO COMPLICADAS FÓRMULAS DE ADIÇÃO

MARGINAL DOS RESULTADOS DO ENEM AOS DE SEUS SACROSSANTOS VESTIBU-LARES. PASSAM A PENOSA IMPRESSÃO DE QUE TENTAM EVITAR A FÓRMULA

SIMPLES, DIRETA E HONESTA: A SUBSTITUIÇÃO DA PRIMEIRA FASE DOS VESTI-BULARES PELO ENEM. DESSE MODO, SEM SACRIFICAR A AUTONOMIA E SINGU-LARIDADE DE CADA INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA, ESTARIA CONSAGRADA A

EXISTÊNCIA DE UM PARÂMETRO NACIONAL PARA O ENSINO MÉDIO. RESTA ADÚVIDA: QUAIS SÃO OS PODEROSOS INTERESSES CAPAZES DE ADIAR ESSE DE-SENLACE?

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T & C

WASHINGTON PREPARA INTERVENÇÃO NA COLÔMBIANarcotráfico, guerrilha e terror oficial aceleram o colapso do Estado colombiano

Newton CarlosDa Equipe de Colaboradores

A

SERVIÇO:

história da Colômbia é um interminável rosá-rio de violências. O qüinqüênio 1948-1953, durante o qualuma carnificina matou 300 mil, ficou conhecido como “LaViolencia”. O século começou com a “guerra dos mil dias”entre liberais e conservadores, comerciantes urbanos e lati-fundiários que disputaram a ferro e fogo o espólio da Co-roa espanhola e continuaram se engalfinhando nas urnas eà bala. Proclamada em 1819, a república enfrentou 40 re-voluções antes de se consolidar. Mas, em 1948, um expo-ente do Partido Liberal, Jorge Gaitán, rompeu com a cú-pula, lançou-se no populismo, foi assassinado e as favelasda capital explodiram no “Bogotazo”, diante de espantadosparticipantes de assembléia de fundação da Organizaçãodos Estados Americanos.

A fermentação que resultaria no aparecimento deguerrilhas saiu daí. A eleição, em 1950, de LaureanoGomez, mais um da elite conservadora, redobrou a vio-lência, levou à anarquia e acabou colocando no poder,com pretensões a “pacificador”, o general Rojas Pinilla.As guerrilhas, envolvendo militantes liberais “gaitanistas”,se consolidavam nas montanhas e criavam “repúblicas in-dependentes” de camponeses. Pinilla caiu em 1953, osdois partidos tradicionais voltaram a revezar-se no podere, a partir de 1964, as “repúblicas” se tornaram alvos mi-litares, quando foi assaltada a de Marquetia. Operação acargo do batalhão colombiano treinado por militares ame-ricanos que lutou na Guerra da Coréia (1950-53).

Guerrilha, na Colômbia, resultou em boa partede uma “cultura de violência” com raízes nas disputas quedatam da independência Em seu livro Guerrileros, buenosdias, de 1954, Jaime Vasquez Santos conta como se cria-ram os grupos de luta armada do Partido Liberal, a partirde 1948. Mais tarde se soube da “forte influência” doscomunistas nessas formações, de onde brotaram as ForçasArmadas Revolucionárias da Colômbia, (Farc), carro-chefeda mais antiga insurgência do continente, graças à pro-funda metamorfose ideológica e financiamento por meiode seqüestros e “imposto de guerra”, cobrado inclusive denarcotraficantes.

Em 1982, Belisario Betancur elegeu-se disposto apacificar a Colômbia. Ofereceu uma “abertura democráti-ca”. Não sem hesitações, as Farc assinaram o cessar-fogo de1984 e criaram o que seria a sua fachada legal, a União Patri-ótica. Uma guerrilha “pinillista”, o M-19, entregou as armas,enquanto o Exército de Libertação Nacional (ELN), de ori-gem castrista, permaneceu ativo ao lado da ala militar dasFarc, que tratou de não desfazer as 27 frentes da guerrilha.

O próprio Betancur se referia à tão decantada“longevidade democrática” da Colômbia como “democra-cia restrita”, incapaz de romper a “apatia popular”. As su-cessivas eleições foram sempre marcadas por abstençõesenormes e legitimidade duvidosa. Já os comunistas, apóso cessar-fogo, se encantavam com a idéia de ter acesso àtelevisão, reunir gente publicamente e mostrar que “nãosomos deliqüentes”. A experiência seria traumática: mili-tantes da União Patriótica tombaram aos montes, dizi-mados por esquadrões da morte de extrema-direita,acobertados por militares. Chegou-se à média de um as-sassinato por dia, de dirigentes sindicais, parlamentares,líderes comunais, candidatos.

A União Patriótica teve 350 mil votos e 350 mortosnas eleições de 1986. “Eliminação virtual do direito à vida”,

disse o Foro Nacional de Direitos Humanos. O fracasso docomunismo na Europa oriental e a necessidade de “refazer aestratégia marxista-leninista ortodoxa” foram motivos de de-bate na guerrilha colombiana, enquanto o militarismo sereacendia dentro das Farc com a tragédia da União Patriótica.Já em 1973, em Cuadernos de Campaña, Manuel MarulandaVélez, o “Tiro Fijo”, chefe das Farc, deixava transparecer amentalidade militar dos comunistas colombianos.

Há quem diga que relações com o narcotráfico e ouso de seqüestro obscurecem as pretensões de reforma naesquerda do país. A recepção na selva do presidente daBolsa de Valores de Nova Iorque, empenhado em con-vencer a guerrilha de que a paz é o melhor negócio para aColômbia, foi encarada como vontade de conseguir “al-gum tipo de inserção” na política da globalização.

A eleição do liberal Turbay Ayala, em 1978, deuos primeiros sinais de que o narcotráfico, cujo poder naColômbia tem relação com a enormidade do consumo dedrogas nos Estados Unidos, afinal conseguia penetrar nosistema político do país. Já nessa época, falava-se em ne-gócios da ordem de 90 bilhões de dólares anuais. De ori-gem turca, primeiro presidente colombiano estranho aos“salões”, ponta-de-lança de “classe emergente” em oposi-ção à oligarquia das 23 famílias, Turbay acabou sob sus-peita de recebimento de dinheiro dos narcos.

Na Colômbia, a guerrilha é resultado históricode uma cultura da violência

Em 1984, um ministro, Lara Bonilla, depois as-sassinado, disse que “oito familias de traficantes, com ocontrole do comércio de drogas para os Estados Unidos,já se instalaram em cada setor da sociedade da Colôm-bia”. Mais tarde, o chamado “Processo 8.000”, a cargo daprocuradoria-geral, colocou o próprio gabinete presiden-cial na geografia de influência dos narcos, além de políti-cos, parlamentares e magistrados.

A violência dos narcos, liderados pelos cartéis deMedellin e de Cali, foi particularmente brutal na luta con-tra o tratado de extradição com os Estados Unidos. Ochefão de Medellin, Pablo Escobar, foi caçado e morto,sem que Cali perdesse a vitalidade. O coquetel de violên-

cia na Colômbia passou a relacionar novos ingredientesquando pela primeira vez, em 1980, a Anistia Internacio-nal acusou forças do governo, sobretudo os militares, de“prática sistemática de tortura”. “A Colômbia vive sobmentalidade de crise”, disse um antigo procurador-geral,Jimenez Gomez, encarregado em 1983 de investigar umadas siglas mais sinistras surgidas no país, a MAS, matrizde esquadrões da morte.

MAS (“Muerte a los Sequestradores”) surgiu comocarimbo de assassinos que se diziam vingadores. Sempretiveram marcada atuação de extrema-direita e vinculaçõesevidentes com as forças armadas, ficando a cargo da “guerrasuja”. São também chamados de “grupos de autodefesa” eo mais notório é o de Carlos Castano, tão famoso quantoos chefões das drogas. Seus maiores financiadores são pro-prietários de terras e seus protetores são os militares.

Como no Vietnã, as populações rurais são vistascomo cúmplices da guerrilha e submetidas à lógica doextermínio. Dessa lógica participam igualmente as guer-rilhas, cujos exatos objetivos tornam-se cada vez mais obs-curos. Um milhão de refugiados internos é um dos pro-dutos mais trágicos dessa espiral de violência.

Pesquisa Gallup garante que mais de 60% dos co-lombianos, cansados de guerra, são favoráveis a uma inter-venção americana. O fato é que ela já existe. A revista Câm-bio, do escritor Gabriel García Márquez, revela que cercade 300 militares dos Estados Unidos operam na Colômbia,A tarefa original era o combate às drogas, mas Washingtoncunhou a expressão “narcoguerrilha”. A Colômbia é o ter-ceiro maior (depois de Israel e Egito) beneficiário da assis-tência militar americana e, sob o rótulo de “ajuda anti-dro-ga”, se esconde o financiamento anti-Farc.

A contra-insurgência é incorporada à repressão aonarcotráfico. Essa novidade pode ultrapassar as fronteirascolombianas. Novo Batalhão Antidrogas, treinado e equi-pado pelos Estados Unidos, entra em ação este ano tendotambém a guerrilha como alvo. Em novembro de 1998,foi assinado acordo prevendo consultas regulares entremilitares colombianos e americanos. Mas, sem o aval devizinhos, os Estados Unidos hesitam em ir mais mais fun-do em sua intervenção. O aval tem sido insistentementesugerido, mas é de difícil obtenção.

·Narcotráfico: um jogo de poder nas Américas,José Arbex Jr., Moderna, SP, 1993.

Radiografia da teia da produção e tráfico dedrogas nas Américas. O seu foco é a

geopolítica da “guerra contra o narcotráfico”deflagrada por Washington em 1986.

Leia os dois trechos que se seguem, de clássicos da literatura latino-americana. Eles compõem personagens típicos de nossahistória - o rebelde, honrado e fracassado coronel Aureliano Buendía, o autoritário e cínico Mandatario. A partir de seusconhecimentos e buscando inspiração nos trechos, componha sua própria reflexão sobre a história e o destino da AméricaLatina. Se necessário, crie personagens.

El coronel Aureliano Buendía promovió treinta y dos levantamientos armados y los perdió todos. Tuvo diecisietehijos varones de diecisiete mujeres distintas, que fueron exterminados uno tras otro en una sola noche, antes de que elmayor cumpliera treinta y cinco años. Escapo a catorce atentados, a setenta y tres emboscadas y a un pelotón defusilamiento. Sobrevivió a una carga de estricnina en el café que habría bastado para matar un caballo. Rechazó la Ordendel Mérito que le otorgó el presidente de la república. Llegó a ser comandante general de las fuerzas revolucionarias, conjurisdicción y mando de una frontera a la otra, y el hombre más temido por el gobierno, pera nunca permitió que letomaran una fotografia. Declinó la pensión vitalicia que le ofrecieron después de la guerra y vivió hasta la vejez de lospescaditos de oro que fabricaba en su taller de Macondo. Aunque peleó siempre al frente de sus hombres, la única heridaque recibió se la produjo él mismo después de firmar la capitulación de Neerlandia que puso término a casi veinte añosde guerras civiles. Se disparó un tiro de pistola en el pecho y el proyectil le salió por la espalda sin lastimar ningún centrovital. Lo único que quedó de todo eso fue una calle con su nombre en Macondo.

(Cien Años de Soledad, Gabriel García Márquez)

No quiero mitos. Nada camina tanto en este continente como un mito (...) Moctezuma fue derribado por el mitomesiánico-azteca de Un-Hombre-de-Tez-clara-que-habria-de-venir-del-Oriente. Los Andes conocieron el mito delParacleto Inca, encarnado en Tupac Amaru, que buena guerra dio a los españoles. Tuvimos el mito de la Resurrecciòn-de-los-Antiguos-Dioses que nos valió una ciudad Fantasma en las selvas de Yucatán, cuando París celebraba el advenimientodel Siglo de la ciencia y rendia culto al Hada Electricidad. Mito de un Auguste comte a la brasileña, con mística boda dela Batucada y el Positivismo. Mito de los gauchos invuInerables a las balas. Mito del haitiano ese -Mackandal, creo quese llamaba - capaz de transformarse en mariposa, iguana, caballo o paloma. Mito de Emiliano Zapata, subiendo al cielodespués de muerto, en un caballo negro con aliento de fuego. - Y en México - observaba el Mandatario - tambiéntumbaron a nuestro amigo Porfirio Díaz con el mito de ‘Sufragio efectivo, no reelección’ y el despertar del Águila y laserpiente, que bien dormidos estaban, para suerte del país, desde hacía bastante más de treinta años.

(El recurso del método, Alejo Carpentier)

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BRASIL É ANÃO NA GUERRA DE TITÃS DO

COMÉRCIO MUNDIAL

O

Às vésperas da Rodada do Milênio

Recessão diminui já reduzida participação do paísno intercâmbio internacional

Brasil é a oitava economia do mundo,com um Produto Interno Bruto (PIB) que superou os US$800 bilhões no ano passado – embora vá cair, por contada desvalorização do real. Também é um dos maiores des-tinos dos investimentos internacionais. Entre 1994 e 1996,os investimentos estrangeiros produtivos no Brasil soma-ram US$ 11,4 bilhões. Esses números não se refletem nasestatísticas sobre o comércio internacional (v. gráfico 1).O Brasil responde por apenas 0,95% das exportaçõesmundiais, US$ 5,4 trilhões em 1998. As exportações doMéxico (cujo PIB é a metade do brasileiro) foram 2,2 ve-zes maiores que as do Brasil (v.gráfico 2).

As exportações de toda a América Latina estãoperdendo terreno no cenário mundial: caíram de 5,39%em 1980 para 5,09% em 1997. Boa parte desse recuodeve-se aos maciços investimentos – nacionais e interna-cionais – que transformaram países como a China, aTailândia, a Malásia e a Indonésia em gigantes da expor-tação. O próprio México transformou-se em grande ex-portador devido às centenas de empresas americanas quese instalaram no país, para produzir mais barato bens des-tinados ao consumidor dos Estados Unidos.

Mas, no caso brasileiro, a timidez das exportaçõestambém se explica pelo longo isolamento internacionaldo país. Só no início da década, no governo de FernandoCollor de Mello, é que vieram medidas facilitando as im-portações e a entrada de capital estrangeiro. A aberturaveio de supetão. Despreparados para a concorrência comquem produz a preço mais baixo, setores inteiros da in-dústria brasileira, como o de autopeças, foram engolidospelas transnacionais. O país também não demonstrouhabilidade para aproveitar os mecanismos de restrição àsimportações admitidos pela Organização Mundial doComércio (OMC, v. págs. centrais). Os Estados Unidossão campeões em adotar barreiras não-tarifárias, exigênci-as sanitárias e de qualidade ultra-rigorosas, que limitam oingresso de produtos provenientes de países subdesenvol-vidos

Para o comércio exterior do Brasil, a globalizaçãotrouxe outra grande novidade: o Mercosul. Nos anos 80,os governos civis do Brasil e da Argentina, que sucederamditaduras militares, decidiram patrocinar um acordo eco-nômico, para pôr fim a décadas de atritos. Ao contráriode outras iniciativas de “união latino-americana”, como aAssociação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc),que nunca saíram do papel, o Mercosul funcionou. Prin-cipalmente porque as transnacionais instaladas namacrorregião – o setor automobilístico à frente – organi-zaram as suas estratégias em função do mercado ampliadodo bloco, na expectativa de reduzir seus custos. Hoje, todocarro da Ford ou GM que circula pelos países do Mercosultem peças produzidas no Brasil e na Argentina.

O Brasil, que em 1990 exportava poucas centenasde milhões de dólares para os países do Mercosul, desti-nou ao bloco US$ 9 bilhões em mercadorias em 1997,quase o mesmo que despachou para toda a União Euro-péia. E a Argentina tem no Mercosul seu principal parcei-

ro econômico, para onde envia um valor quase cinco ve-zes maior do que para os Estados Unidos. O Chile e aBolívia assinaram acordos de livre comércio com oMercosul, enquanto os países andinos se preparam paraseguir pelo mesmo caminho.

Sempre conviveram, no bloco, duas visões dife-rentes. A estratégia do governo brasileiro consistia emampliar o Mercosul, para então negociar em melhores con-dições com Washington a formação da Área de Livre Co-mércio das Américas (Alca). A América Latina exporta,basicamente, produtos primários – só 3,2% dos produtose serviços saem daqui pelas mãos de empresas de alta tec-nologia. E os preços dos produtos primários, agrícolas eminerais, vêm caindo no mercado internacional. Então,se as negociações de integração não forem bem feitas...

Já o governo da Argentina – economia muito maisaberta ao capital estrangeiro do que o Brasil – sempre viuo Mercosul como ferramenta para facilitar a integraçãoao Acordo de Livre Comércio da América do Norte(Nafta). O presidente argentino Carlos Menem chegou adizer que seu país quer “relações carnais” com os EstadosUnidos. Para mostrar sua sinceridade, pediu o ingresso daArgentina na Otan. O pedido foi recusado, no começo deagosto, pelo implacável fato geográfico de que seu paísnão faz parte do Atlântico norte.

0

Antiga URSS

Exportações por blocos de países

Europa oriental

África

Oriente Médio

América Latina

EUA e Canadá

Ásia

Europa ocidental

500 1000 1500 2000 2500

1998

1990US$ bilhões Fonte: OMC

Gráfico 1

Exportações de países latino-americanos (US$ bilhões)

México Brasil Argentina Venezuela

1998

1990 Fonte: OMC

Gráfico 2

40,9831,41

50,99

12,35

25,2317,50 17,20

117,51

Ilust

raçã

o: M

arin

goni

Esse debate foi atropelado pela crise financeira in-ternacional do final de 1998 e pela desvalorização do realem 40%, no início deste ano. Washington, que tentouapressar a criação da Alca, está cauteloso. Teme que a re-dução geral de tarifas, num ambiente de valorização dodólar, injete nas veias da economia americana um fluxoincontrolável de produtos baratos da América Latina.

O Mercosul também tremeu nas bases, por contada crise (veja a edição de abril de Mundo, às págs. 6 e 7).Com o real despencando, tornou-se interessante para osempresários argentinos importar produtos brasileiros, en-quanto as exportações para cá tornaram-se mais difíceis.Na Argentina, empresários e governo responsabilizam oBrasil pela sua recessão. E o governo vizinho tenta imporsobretaxas, por exemplo, ao aço laminado brasileiro.

O ambiente de recessão, no Brasil e na Argentina,provocou queda abrupta do comércio no bloco e parali-sou politicamente o Mercosul. Mas as empresas instala-das no Brasil, com preços e custos em reais, também tor-naram-se mais baratas e mais atraentes ao investidor es-trangeiro. É por isso que, nos últimos meses, o governobrasileiro passou a incentivar a fusão de grandes empresasnacionais, como forma de resistir ao assédio dos titãs daeconomia mundial. Uniram-se Brahma e Antarctica, quejuntas controlam 80% do mercado brasileiro de cervejas.Também há pressões para fusões no setor da aviação civil,a fim de transformar Varig, TAM, Transbrasil e Vasp em,no máximo, duas empresas. E o Brasil vem se mostrandomais agressivo nas discussões dentro da OMC. A diplo-macia desempenhou papel importante, por exemplo, aolimitar as sanções da OMC à indústria aeronáuticaEmbraer, acusada pela concorrente canadense Bombardierde se beneficiar de subsídios irregulares. São ensaios, paraque o país não perca de vez o bonde (ou melhor, o fogue-te) que conduz ao novo milênio globalizado.

SETEMBRO99

SETEMBRO99

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EIXOS ESTRUTURANTES DO COMÉRCIO MUNDIAL(% DO INTERCÂMBIO EBTRE ÁREAS)

PAÍSES DESENVOLVIDOS

Fonte: EL ESTADO DEL MUNDO, 1998

EUROPAOCIDENTAL

AMÉRICAANGLO-SAXÔNICA

JAPÃO

AMÉRICALATINA

ÁSIA

CEI eEUROPA ORIENTAL

ÁFRICA

4,0

6,5 15,4

5,1 8,6

14,5

12,71,9

12,9

3,6 8,9

6 7

NEGOCIAÇÕES SUBSTITUEM ARMAS NA GUERRA

PELO MERCADO MUNDIAL

O “XADREZ” DO PODER DAS TROCAS GLOBALIZADAS

A sociedade moderna, burguesa, é fi-lha do comércio e quase todos os seus filó-sofos louvaram a relação entre comércio epaz ou progresso da humanidade. Ora, nadaé mais comum do que as chamadas “guer-ras comerciais” que, desde os tempos colo-niais, opõem Estados que tentam assegurarmonopólios sobre rotas de comércio.

Entre a paz e a guerra, a históriado comércio mundial passa a estar subme-tida a uma ampla negociação entre Esta-dos depois da catástrofe civilizatória quefoi a Segunda Guerra Mundial. Termina-da a guerra, os vencedores sentaram à mesapara reorganizar o mundo – de acordo comos seus interesses.

Como parte das tarefas de recons-trução em todos os setores da economia, aConferência de Bretton Woods, de 1944,lançou as bases do Fundo Monetário In-ternacional (FMI) e do Banco Mundial(Bird). Em 1944, os vencedores da guerraplanejaram também a criação de uma Or-ganização Internacional do Comércio(OIC), que assumiria a função de supervi-sionar a negociação de um novo regimepara o comércio mundial, baseado nosprincípios do multilateralismo (todos ne-gociam com todos) e do liberalismo (aber-tura geral de todos os mercados, para quetodos os exportadores se beneficiem simul-taneamente). O caráter da organização fi-cou evidente já no nascedouro e a OIC nãosaiu do papel, pois o Congresso dos Esta-dos Unidos temia que a Carta de Havana– que definia o organismo e suas funções– restringisse demais a soberania america-na no comércio internacional.

Os princípios do multilateralismoe do liberalismo são resultado de pelo me-

nos três séculos de debates na teoria eco-nômica. Se todos os participantes de ummercado reduzirem suas barreiras recípro-cas simultaneamente, diz a teoria, isso pro-duzirá o maior número possível de opor-tunidades de comércio para todos, ampli-ando assim a produção, o consumo e oinvestimento em todo o mundo. A liber-dade enriquecerá a todos, pois cada eco-nomia terá os estímulos para se especializarnaquilo que faz melhor, explorando as suasvantagens comparativas.

Evidentemente, sempre houve umaenorme distância entre essa bela teoria (quefunciona como um ideal a ser perseguido)e a prática (onde há fortes resistências aliberalizar). O projeto de um sistema decomércio internacional livre transformou-se, no pós-guerra, numa série de rodadasde negociações para conduzir aliberalização de modo gradual, desigual ecombinado.

Em 1947, depois do aborto daOIC, foi afinal assinado um Acordo Pro-visório, mais restrito, que abria apenas anegociação de tarifas e regras de comércio.Esse documento foi denominado AcordoGeral sobre Tarifas e Comércio (GeneralAgreement on Tariffs and Trade, ou Gatt).Mesmo sendo um acordo, o Gatt se trans-formou em mais um organismo internaci-onal, com sede em Genebra, na Suíça.

O Gatt assumiu também funçõesde árbitro de conflitos ou regras negocia-das entre países, em processos conhecidoscomo “painéis”. Além das tarifas, entraramna agenda as barreiras não-tarifárias(BNTs), tais como exigências de qualida-de, empecilhos burocráticos e regras sani-tárias que os governos criam para dificul-

tar as importações. Mas o Gatt nunca foireconhecido como tribunal: as decisões ti-nham de ser alcançadas por consenso.

Nasce a Organização Mundial doComércio

O Gatt promoveu, ao longo da suaexistência, oito rodadas de negociaçõescomerciais multilaterais (v. o quadro). Amais recente foi a chamada Rodada Uru-guai, que começou em 1986 em Punta delEste e terminou em 1994 em Marrakesh(Marrocos). Foi a mais longa de todas. Oseu prazo inicial se esgotou em 1990 massomente no final de 1991 surgiu um esbo-ço de acordo. Os países mais ricos queri-am incluir na pauta a liberalização em se-tores como serviços e propriedade intelec-tual. Os países em desenvolvimento cobra-vam mais abertura dos países ricos nos se-tores agrícola e de produtos têxteis. Somen-te em novembro de 1992 os Estados Uni-dos e a União Européia chegaram a umacordo sobre o setor agrícola (o Acordo deBlair House), desobstruindo o caminhopara a conclusão das negociações.

Mas o Acordo de Marrakesh foi as-sinado apenas em abril de 1994. O docu-mento básico, com cerca de 500 páginas,define os compromissos gerais que devemregular o comércio internacional. Há tam-bém os compromissos individuais de cadamembro, registrados em nada menos que30 mil páginas. O resultado mais impor-tante da Rodada Uruguai foi a criação daOrganização Mundial de Comércio(OMC), que entrou em operação em janeirode 1995, como sucessora do Gatt.

retamente por reduções voluntárias da pro-dução. Se depender dos países do Grupode Cairns, formado por exportadores agrí-colas médios como Canadá, Austrália, Ar-gentina e Brasil, este será um dos temasprincipais da nova rodada. Outro exem-plo de conflito refere-se à comercializaçãode produtos transgênicos. Recentemente,a OMC se pronunciou contra a UE, porter imposto barreiras à importação de car-ne tratada com hormônio procedente dosEstados Unidos. Aqui, o tema é o das bar-reiras não-tarifárias.

A agenda de negociações inclui ain-da temas como o controle das comprasgovernamentais, medidas relacionadas acomércio e investimentos, regras para adefesa da propriedade intelectual, regras deorigem de mercadorias, procedimentos deimportação, acordos sobre inspeção demercadorias antes do embarque e meca-nismos para a solução de controvérsias. AOMC é atualmente dirigida pelo neoze-landês Mike Moore, que tem um manda-to de três anos (em vez dos quatro tradici-onais), seguido de outro com a mesma ex-tensão para seu principal opositor, otailandês Supachai Panitchpakdi. Otailandês foi apoiado pelo Brasil, masMoore teve o apoio dos Estados Unidos eficou com o cargo. A briga pela sucessãolevou 4 meses e terminou com uma semi-barganha. É mais um exemplo de como aOMC continua sendo palco para as ten-dências nem sempre amigáveis do comér-cio internacional.

O comércio mundial está estruturado em torno de quatro pólos: Europa ocidental,América Anglo-Saxônica, Japão e Ásia. Os três primeiros correspondem aos países desenvol-vidos. A enorme importância da Ásia no intercâmbio global de mercadorias deve-se ao cres-cimento dos Novos Países Industrializados (NPIs), ou ‘‘Tigres Asiáticos”, e da China comoplataforma de exportação. Na Ásia encontram-se também os países do Golfo Pérsico, que seespecializaram na exportação de petróleo. A análise dos eixos estruturantes do comérciomundial revela a hegemonia dos países desenvolvidos.

A Europa ocidental constitui o maior pólo comercial do mundo e apresenta um in-tercâmbio multidirecional, mas cerca de 60% das suas trocas com outras áreas estão dirigidaspara a Ásia e a América Anglo-Saxônica. Isoladamente, a posição de principal parceiro co-mercial é ocupada pelos Estados Unidos. Esse tradicional intercâmbio transatlântico realçaa importância das relações econômicas entre a União Européia e os Estados Unidos. Já astrocas com o Japão são relativamente modestas, menos significativas que o comércio com oLeste europeu e a CEI.

A América Anglo-Saxônica constitui o segundo maior pólo comercial. O papel quedesempenha expressa, essencialmente, o peso dos Estados Unidos no intercâmbio global.Cerca de 60% das suas trocas estão dirigidas para a Ásia e a Europa ocidental. Num segundoplano, aparecem as trocas, bastante significativas, com a América Latina e o Japão. A política

comercial dos Estados Unidos reconhece a importância do intercâmbio com a AméricaLatina, que é alvo da estratégia de construção da Alca (v. pág. 5).

O Japão só é superado pelos Estados Unidos e pela Alemanha no comércio mundial.O crescimento das trocas com os NPIs e a China Popular, nas últimas décadas, reflete-se nopredomínio do eixo de intercâmbio com a Ásia, que corresponde a quase metade do comér-cio japonês. Em seguida, aparece o intercâmbio com os Estados Unidos.

A Ásia é o único vetor decisivo do comércio mundial formado por países subdesen-volvidos. O intercâmbio da área, muito elevado, organiza-se nas direções da Europa ociden-tal, América Anglo-Saxônica e Japão. Isso revela a dependência dos NPIs e da China emrelação aos mercados dos países desenvolvidos. Fenômeno semelhante ocorre, em menorescala, com os exportadores petrolíferos do Golfo Pérsico.

Os eixos de estruturação do comércio mundial revelam a persistência das áreas deinfluência estabelecidas no final do século XIX. A África, cuja participação nas trocas inter-nacionais é muito pequena, mantém intercâmbio significativo apenas com as antigas metró-poles coloniais européias. A América Latina, com peso muito maior nos fluxos globais demercadorias, direciona o seu intercâmbio principalmente para a América Anglo-Saxônica e,em segundo plano, para a Europa ocidental.

A transição para o sistema de mercado aprofundou a integração da CEI e dos paísesdo Leste europeu à economia global. Mas o crescimento do comércio orienta-seunidirecionalmente: os antigos países socialistas funcionam, do ponto de vista das trocas demercadorias, como apêndice da UE.

O comércio entre áreas do mundo subdesenvolvido é insignificante. Dependentesdo capital, das tecnologias e dos mercados dos países desenvolvidos, essas áreas funcionamcomo fornecedoras de manufaturados de baixo valor agregado e produtos primários para aEuropa ocidental, a América Anglo-Saxônica e o Japão.

A teoria econômica clássica sustenta que a abertura comercial é uma vantagem em simesma. O consumo de produtos importados mais baratos elimina setores improdutivos da

economia nacional, direcionando os recursos para aplicações mais eficientes, em funçãode suas vocações históricas e naturais. Esse princípio é o fundamento teórico para a aber-tura comercial unilateral – mesmo num ambiente de elevadas restrições exteriores aointercâmbio, seria vantajoso derrubar as barreiras nacionais.

Na prática, as estratégias dos Estados conciliam economia clássica a postuladosmercantilistas, em função de interesses definidos politicamente. Washington pressionapor rápidas reduções tarifárias nos setores de alta tecnologia e de serviços, onde se con-centram as suas vantagens comparativas, enquanto usam e abusam de medidas protecio-nistas nos setores industriais tradicionais. Na Rodada Uruguai, uniu-se ao Grupo deCairns para combater os subsídios agrícolas europeus e recuperar mercados perdidos decereais. Após a reforma da PAC, parece ter perdido interesse em novas negociações agrí-colas, que colocariam em risco seu próprio aparato de subsídios.

Para a UE, as barreiras não-tarifárias representam instrumentos de defesa de vari-ados interesses internos. Servem de escudo para seus agricultores contra a concorrênciados transgênicos americanos e dos cereais canadenses e argentinos. Funcionam comoproteção para a sua indústria automobilística, ameaçada pelos japoneses. E limitam aconcorrência representada por produtos industriais asiáticos e brasileiros. Além disso, aUE quer assegurar a continuidade dos acordos comerciais privilegiados que mantém comantigas colônias da África, do Pacífico e do Caribe.

O Brasil pretende liderar um vasto bloco de países subdesenvolvidos. Sua estraté-gia consiste em aprofundar a liberalização agrícola e as propostas de legitimação de polí-ticas de estímulo industrial que abrangem inúmeros subsídios disfarçados. Os negocia-dores do país preparam-se para evitar, tanto quanto puderem, o avanço das negociaçõesnos setores de alta tecnologia e de serviços. Para isso, podem costurar alianças táticas como diabo e a avó do diabo.

No mundo real da política internacional, ainda se ouvem os ecos das doutrinasmercantilistas do século XVI, que interpretavam o comércio como um jogo de somazero. Na Rodada do Milênio, atrás dos argumentos dos negociadores, essas vozes roucasse misturarão, estranhamente, às de Adam Smith e David Ricardo. E muitos passadosfalarão no presente.

SERVIÇO:Se você quer conhecer a fundo a agenda e os detalhes técnicos do

comércio internacional, leia OMC – As regras do comérciointernacional e a Rodada do Milênio, de Vera Thorstensen,

Aduaneiras, 1999. O site da editora é também uma boa fonte sobrecomércio exterior brasileiro: http://www.aduaneiras.com.br

Às vésperas da Rodada do Milênio

Para administrar, com mais pode-res o sistema de comércio multilateral de-finido pelo Acordo de Marrakesh, a OMCinstituiu o princípio da “aceitação em blo-co” (single undertaking): só podem sermembros da nova organização os países queaceitarem todos os compromissos, comoum conjunto indivisível. A OMC é reco-nhecida como tribunal e tem, portanto,poderes para solucionar controvérsias en-tre os seus membros.

Agora, a Rodada do Milênio

A nova rodada de negociações mul-tilaterais, a primeira sob a égide da OMC,recebeu o título de Rodada do Milênio eterá início em novembro, em Seattle (Es-tados Unidos). Os 134 países-membros daOMC pretendem chegar a um novo acor-do mundial de comércio até 2003.

O Brasil já apresentou propostasconcretas de negociação para a Rodada doMilênio, defendendo que seja permitido apaíses em desenvolvimento ter políticas deincentivo à produção que não sejam con-sideradas subsídios (como seriam seadotadas por países desenvolvidos). É umaproposta polêmica, com o poder decatalisar apoio de dezenas de países daAmérica Latina, Ásia e África.

A UE é campeã de incentivos e sub-sídios a produtos agrícolas. Mesmo depoisda reforma da sua Política Agrícola Co-mum (PAC), que permitiu a conclusão daRodada Uruguai, há inúmeros mecanismosde apoio do governo aos agricultores, libe-rando-os de taxas e impostos, oferecendocréditos especiais ou compensando-os di-

As rodadas de negociações multilaterais do GATT

Data Local e nome Participantes Temas

1947 Genebra, Suíça 23 Tarifas

1949 Annecy, França 13 Tarifas

1951 Torquay, Grã-Bretanha 38 Tarifas

1956 Genebra 26 Tarifas

1960-61 Genebra (Rodada Dillon) 26 Tarifas

1964-67 Genebra (Rodada Kennedy) 62 Tarifas e medidas anti-dumping

1973-79 Genebra (Rodada Tóquio) 102 Tarifas e barreiras não-tarifárias (BNTs)

1986-94 Genebra (Rodada Uruguai) 123 Tarifas, BNTs, serviços,propriedade intelectual,solução de controvérsias

Fonte: OMC

Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e suamão-de-obra à atividade que lhe seja mais benéfica. Essa busca da vantagem individual é

admiravelmente associada ao bem universal do conjunto. Estimulando a diligência,recompensando o engenho e propiciando o uso mais eficaz das potencialidades peculiares

proporcinadas pela natureza, distribui o trabalho de modo mais eficiente e mais econômico,enquanto, pelo aumento geral da massa de produtos, difunde o benefício geral e une a

sociedade universal das nações de todo o mundo por um laço comum de intercâmbio. Este é oprincípio que determina que o vinho deve ser feito na França e em Portugal, que os cereais

sejam cultivados na América e na Polônia, e que as ferragens e outros bens sejammanufaturados na Inglaterra.

(David Ricardo, “Princípios de Econonomia Política e Tributação”, coleção Os Pensadores, vol. XXVIII, Abril Cultural, 1974, p. 320;publicado originariamente em 1817)

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O Meio e o Homem

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CULTURA, AMBIENTE E POLÍTICA

NA AMAZÔNIA EQUATORIANA

Eduardo Campos é geógrafo e professor. Fez curso de especialização na Escola Superior de Ciências Socias, naFrança. Atualmente leciona nos colégios Dimensão e Santo Estevan e no curso pré-vestibular Hexag.

aís de apenas 283 mil km2,pouco maior que o estado de São Paulo,o Equador abriga em seu território trêscompartimentos paisagísticos bem dis-tintos – a estreita costa do Oceano Pací-fico, a Cordilheira dos Andes (que crivao país de norte a sul) e a floresta amazô-nica (a oeste). Típico representante doTerceiro Mundo, a pauta de exportaçõesequatoriana assenta-se sobre o petróleo,a banana, o camarão, o cacau e o café. Aredução acentuada dos preços dos seusprodutos de exportação no mercadomundial aprofunda os efeitos da crisefinanceira internacional.

A população equatoriana, pou-co superior a 12 milhões de habitantes,divide-se etnicamente em 55% de mes-tiços, 25% de indígenas, 10% de negrose 10% de brancos. Esta última minoriaforma a elite dirigente desde os temposcoloniais. Recentemente, a vida políticado país conhece uma série de manifesta-ções de grupos indígenas que, através debloqueios de estradas, interrompem osistema de transportes terrestres e exigematenção governamental para os seus in-teresses e valores.

Os ameríndios equatorianos rei-vindicam o direito de acesso à terra e ofim da política de aumentos de preçosdos combustíveis, que encarece os pro-dutos agrícolas e solapa a competitivi-dade dos camponeses do país. Em ju-lho, um ato conjunto reuniu campone-ses e taxistas, revelando a importânciavital dos preços dos combustíveis na atu-al conjuntura equatoriana.

A selva devassada

História e geografia conferiramidentidade étnica, cultura e estilos devida singulares a cada grupo indígena doEquador. Todos eles identificam-se maisfortemente à suas comunidades étnicasque ao Estado equatoriano. Por isso, ul-trapassando as fronteiras de grupo, osameríndios criaram associações como aConfederação de Nacionalidades Indí-genas do Equador (Conaie).

Entre os princípios da Conaieestão a demarcação e o retorno às anti-gas terras comunitárias, o reconhecimen-to do quíchua como língua oficial e acompensação por perdas ambientais cau-sadas por companhias petrolíferas. Essaúltima solicitação acentuou-se nos últi-mos anos devido à descoberta eprospecção do petróleo no chamadoOriente equatoriano, dominado peloecossistema da floresta amazônica.

A luta dos ameríndios estabeleceo significado social das recentes teoriassobre o desenvolvimento sustentável,que enfatizam a importância da variávelambiental nas discussões sobre o cresci-mento econômico. No caso do Equador,país pobre e exportador de gêneros dire-

tamente ligados ao cultivo do solo, asustentabilidade espacial da exploração doecossistema amazônico é condição indis-pensável para a própria sobrevivência dasetnias e culturas ameríndias.

Como alternativa à exploração pre-datória da floresta amazônica, algumas tri-bos vêm realizando o chamado “turismo ét-nico-ecológico”, no qual o turista tem a opor-tunidade de se hospedar por alguns diasnuma típica aldeia indígena e vivenciar asrelações cotidianas que se estabelecem entrea comunidade e o meio natural. Sabendo dorisco de terem seus hábitos profundamentealterados por essa atividade, os índios sem-pre utilizam o dialeto quíchua e ensinam di-ariamente as suas tradições às crianças na es-

cola mantida pela comunidade. Danças, ri-tuais e cerimônias, praticados constantemen-te, integram em bases regionais as aldeiaspertencentes à mesma etnia.

O maior grupo étnico indígena,constituído por mais de 2 milhões de pes-soas, é o Quíchua das Montanhas, que vivenas vertentes e altiplanos da Cordilheirados Andes. Os representantes mais conhe-cidos do grupo são os otavalenhos (da ci-dade de Otavalo). Seu artesanato, famosomundialmente, e sua elevada organizaçãopolítica os tornaram uma das mais prós-peras e respeitadas comunidades indígenasda América Latina. Cerâmicas, tapetes eroupas otavalenhas são vendidos no mer-cado internacional e a cidade recebe mui-tos turistas todos os dias, principalmenteaos sábados, quando acontece uma grandefeira em praça pública.

Uma ponte entre dois mundos

Em Otavalo, tradição e moder-nidade se encontram. Entre os indíge-nas, há líderes comunitários, advogados,médicos e políticos. Dirigindo moder-nas camionetas importadas, mas trajan-do suas vestimentas tradicionais ecultuando cerimônias que remontam aoimpério Inca, os índios de Otavalo con-duzem seus objetos artesanais para omercado. Na comunidade, é muito ní-tida a percepção de que a prosperidadedo grupo está associada à preservação deseus modos de vida e do meio ambientedo qual extraem grande parte da maté-ria-prima.

A adaptação das comunidadesindígenas à economia de mercado e àglobalização é fonte de acesos debates.A alternativa apresentada pelos críticosconsiste no resgate dos modos de vidaancestrais e no isolamento diante dos flu-xos contemporâneos de mercadorias einformações. Nessa utopia de retorno aum passado pré-colombiano, abriga-seo mito da “idade de ouro”, anterior atodos os males. Ela também deixatransparecer um outro mito – o do “bomselvagem” –, que infiltrou-se no imagi-nário ocidental desde o romantismo.

Os críticos estão errados. Os an-cestrais dos otavalenhos foram muito maisintensa e dolorosamente explorados naépoca colonial e nem por isso abandona-ram suas principais tradições. Hoje, a suacultura e identidade dependem da adap-tação ativa e inteligente ao ambiente po-lítico do Estado equatoriano e aos fluxoseconômicos da globalização.

A experiência dos ameríndios daAmazônia equatoriana revela os laços queinterligam a participação política da co-munidade, a preservação de sua identi-dade cultural e a sustentabilidadeambiental das atividades econômicas.Nesse sentido, ela representa uma nega-ção direta de duas tendências simétricasdo pensamento sócio-político contempo-râneo: o reducionismo ecológico intran-sigente, que concebe o ambiente comosantuário intocável, e o economicismoestreito, que enxerga no ambiente umafonte inexaurível de recursos naturais.

1) As questões ambientais adquiriram importância crucial nas lutas políticas de diversas comunidades tradicionais,como os inuit canadenses, os seringueiros acreanos, os aborígenes da Austrália, os pescadores do mar de Aral e inúmerasoutras. Faça uma pesquisa na Internet, em livros, jornais e revistas, escolha um caso interessante e escreva uma matéria arespeito. Se ficar boa, envie-nos. Ela poderá ser publicada em nosso site.

2) Com a ajuda dos professores de História e Geografia, vamos dividir a classe em grupos para fazer um estudocomparado da situação das tribos indígenas em cada um dos países que compõem a Amazônia Internacional. Partindo de suasituação atual, vamos tentar traçar a sua história, desde a chegada dos colonizadores ibéricos até dos dias atuais. Cada grupopoderia ficar responsável por um país.

3) Outra possibilidade seria adotar o mesmo procedimento sugerido no item 2, mas concentrando as pesquisas sobreos indígenas da Amazônia brasileira. Nesse caso, cada grupo poderia pesquisar uma fase história (por exemplo: a chegada dohomem branco e o início da escravização; as revoltas indígenas; a idealização romântica do índigena; os indígenas e a políticade povoamento da região adotada pela ditadura militar; a situação contemporânea).

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9Diário de Viagem

NO CORAÇÃO DA ÍNDIA MERIDIONALF

VONTADE DE POTÊNCIA NA BACIA DO ÍNDICO

Raquel Moreira Leite leciona Geografia noColégio Rio Branco de Campinas (SP). A convitede Rotary Foundation, visitou o sul da Índia entrejaneiro e fevereiro de 1999.

oi um vasto roteiro pelos estados de Karnataka,Andra Pradesh e Tamil Nadu, todos no sul do país, geogra-ficamente dominado pelo Planalto do Decã. Também foi oinverno mais quente de minha vida, em torno de 300C.

É muito fácil encontrar uma palavra para definira Índia – multidão. O bilhão de habitantes não pode serabstraído. Não existe lugar onde uma multidão de pesso-as não esteja se comprimindo entre carros, carroças, “mo-tor riquixá”, vacas sagradas, porcos, cachorros, carros deboi. Foi, em certo sentido, uma viagem de volta ao passa-do, pois a Índia mantém formas de produção, de organi-zação social e econômica de, no mínimo, 50 anos atrás.

Ficamos hospedadas em casas de rotarianos. Mes-mo nessas residências com banheiros modernos, conser-vam-se costumes tradicionais como o banho tomado comum balde e caneca. Quando há chuveiro, ele permanecesem uso. O motivo: “Economia de água”. Claro: as chu-vas de monções concentram-se em quatro meses, no ve-rão, enquanto a seca dura por todo o resto do ano. Meusanfitriões, um casal jovem com uma filha de seis anos,não pretendem ter outros filhos – segundo eles, o exem-plo de controle populacional tem que partir das castassuperiores.

É notória a submissão da mulher ao homem. Umavez, disseram-me que a mulher indiana gosta de servir seumarido. Em todas as casas nas quais fiquei hospedada, oscasamentos foram arranjados pela família, por critériosde castas e condições econômicas. Mulheres com instru-ção universitária, em geral, trabalham apenas em casa. Asuniversidades indianas, todas públicas, são exemplos deinvestimentos com baixos retornos. As famílias abastadastêm muitos empregados. Uma vez, nos explicaram: “elesnos servem 24 horas por dia”. Em geral, os empregadosdormem no chão do corredor ou na cozinha, embrulha-dos em um cobertor.

A primeira aventura foi uma viagem de 14 horasnum velho trem para Hyderabad. A teia de ferrovias rasgatodo o país. Precários e inseguros, os trens são uma dasprincipais heranças da colonização britânica. Alojados nosleeper wagon, apertados entre as bagagens e os dois ban-cos, começamos a pensar na noite de sono quando o guianos mostrou que sobre nossas cabeças, num pequeno es-paço, surgiriam seis camas. Dormimos engavetados. An-tes, encaramos pela primeira vez a experiência de comercom as mãos, como sempre fazem os indianos. Mais tar-de, deixamos de estranhar esse hábito.

Longe das imagens de cartão-postal

A partir de Hyderabad, seguindo pelas terríveisestradas da rodagem para o coração da Índia, começamosa sentir saudades da viagem de trem. Nas décadas do pós-guerra, quando os países subdesenvolvidos engajaram-sena “corrida para o desenvolvimento” baseada em emprés-timos no exterior, a Índia seguiu outro caminho. O paísnão se endividou, mas hoje apresenta problemas seríssimosde infra-estrutura. Um deles são as estradas de rodagem.Nesses pequenos caminhos, não pode haver pressa. Naausência de postos de serviço, “fertilizamos” os camposindianos com nossas necessidades. Em alguns lugares, osagricultores jogam os cereais sobre o leito das estradas,para que os automóveis separem os grãos.

Nas longas horas sacolejando pelas estradas pode-se observar a organização de um espaço regional domina-do por paisagens agrícolas e pela mineração. Os processosde plantio são rudimentares. A terra é preparada com ara-dos de tração animal ou humana. Não vi tratores. Apolicultura tropical destina-se ao mercado interno.

Com exceção de Chennai e Bangalore visitei cida-des de porte médio e pequeno, para os padrões indianos.Todas caracterizam-se pela precária infra-estrutura urba-na. Poucas ruas são asfaltadas, não há calçadas e o tráfego

é caótico. Os carros, ao som estridente das buzinas, abremcaminho entre os transeuntes e estacam quando encon-tram uma vaca impassível. Nas cidades menores, residên-cias de classe média e favelas compartilham um espaçourbano pouco segregado. O esgoto corre a céu aberto, paradelícia dos porcos que circulam sem cerimônia, livres dequalquer risco em virtude da proibição religiosa do con-sumo de sua carne entre hindus e muçulmanos.

A religião tornou vegetarianos mais de dois terçosdos indianos. Segundo o proprietário de uma siderúrgica:“É a forma mais barata de alimentação”. A comida india-na, extremamente apimentada, é um caso à parte. Desdecedo, as crianças ingerem pimenta em grande quantida-de. O condimento tem ação bactericida e ajuda a contro-lar os efeitos do consumo das águas não tratadas do país.

As formas de organização da produção, arcaicas,assentam-se largamente sobre o trabalho manual, que apa-

Unidade na diversidade. Talvez essa idéia exprima, melhor que qualquer outra, o que é a Índia. Consi-derada a maior democracia do mundo, a Índia exibe vasta diversidade religiosa, uma multiplicidade de línguase dialetos, contrastes paisagísticos extremos (veja a edição de maio de Mundo, à pág. 9). É espantoso que umpaís com características tão díspares tenha conservado sua integridade territorial, apesar das inúmeras ameaçasinternas e externas.

Um dos cimentos da unidade é a organização federal do país, materializada nos 25 estados e sete territó-rios que gozam de estatutos políticos distintos. A estrutura geopolítica interna assenta-se sobre uma complexadivisão de direitos e obrigações entre o governo federal e as 32 unidades territoriais, detalhada pela Constitui-ção. Os assuntos da alçada do governo central abrangem a política externa e a defesa, as comunicações e ostransportes e o comércio nacional. Os estados exercitam direitos soberanos nos assuntos de ordem pública,agricultura e saúde. A planificação econômica, a política demográfica, a educação e a produção de energiafazem parte de uma lista de competências compartilhadas entre o governo federal e os estados. A intricadaengenharia política federal tem ensejado reivindicações de autonomia regional e contestações dos limites geo-gráficos de estados e territórios.

Apesar das ameaças à sua integridade territorial (veja a edição de agosto de Mundo, à pág. 4), a Índia temambiciosas metas estratégicas para o século XXI. A principal consiste em se firmar como grande potência doOceano Índico. Planos de investimento destinam-se a projetar o poder da marinha nacional e estabelecer uma“ordem indiana” para além de suas zonas tradicionais de influência (Sri Lanka e Ilhas Maldivas). Essa estratégialeva em conta a presença da numerosa diáspora indiana em vários países da orla do Índico. Do ponto de vistageopolítico, a nova prioridade serviria como contraponto às fontes de ameaças continentais: a China e o Paquistão.

rece em todas as atividades: engenhos de açúcar, minas deferro, metalúrgicas. O trabalho infantil está em toda par-te. Numa indústria de seda pura que visitei, uma meninade 12 anos, linda, vestida com um sari rosa, trabalhavadurante horas agachada junto à água fervente. Sem luvas,as mãos nuas, separava o casulo da seda.

Um dia, convidaram-me para entregar um prêmioa habitantes de uma favela envolvida em um programa dealfabetização. Como boa brasileira, dei dois beijos na pri-meira das premiadas, que me fitou assustada. Depois, mu-lheres e crianças que não participavam do projeto forma-ram longa fila para que eu as beijasse. Um professor, maistarde, explicou-me que aquelas pessoas nunca esqueceriamo grande acontecimento, pois fazem parte do grupo dospárias e não são, jamais, beijadas por pessoas de castas su-periores, às quais presumivelmente eu deveria pertencer.

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A exploração do trabalho infantil fazparte das cenas do cotidiano emGuilbarga (acima) e Anantepur(ambas no estado de Karnataka)

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AS REINAÇÕES DE MACHADO DE ASSIS

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Roberto AlvesEspecial para Mundo

achado de Assis: um escritor que escapa a classificaçõesA obra de Machado de Assis pode ser dividida em dois momentos distintos: as

obras da juventude, ainda com forte influência do Romantismo, e as da maturidade,chegando ao Realismo. Essa fase é inaugurada justamente com Memórias póstumas deBrás Cubas (1881), e inclui seus romances mais famosos, como Quincas Borba (1891) eDom Casmurro (1899).

Talvez a melhor maneira de compreender Memórias póstumas de Brás Cubas sejareconhecer o paradoxo que envolve a data de publicação desta obra, já que esta é tidacomo o marco inicial do Realismo na Li-teratura Brasileira. No entanto, o roman-ce pouco tem de realismo e, segundo críti-cos mais recentes, poderia ser consideradoo primeiro romance moderno de nossa li-teratura.

O chamado Realismo na Literatu-ra Brasileira compreende manifestações li-terárias muito diferentes, embora todasmarcadas pela oposição à tendênciaidealizante do Romantismo e pela atitudecrítica em relação à sociedade. O Cortiço,de Aluisio Azevedo (1890) e também con-siderado um clássico realista, tem caracte-rísticas quase opostas à obra de Machado.Nele a trama se desenvolve em uma habi-tação coletiva do Rio de Janeiro, onde vi-vem operários, prostitutas e personagensdas mais variadas classes sociais. A com-posição desses tipos e do enredo tem a in-tenção de descrever objetivamente a vidade uma determinada sociedade e retrataro seu funcionamento.

Em Memórias póstumas de BrásCubas, Machado desloca o foco de inte-resse que predominava nos romances tra-dicionais, românticos ou realistas. A carac-terização dos personagens em suas contra-dições e problemáticas existenciais vempara o primeiro plano e não há pratica-mente ação romanesca. A história propri-amente dita, a seqüência cronológica dosfatos ou a representação objetiva da vidasocial são preteridas em função da visãode mundo do personagem central.

O romance tem uma perspectivadeslocada: é narrado por um defunto, quemais do que recontar sua própria vida, fazreflexões sobre a infinidade de assuntos quea narração vai aos poucos suscitando.

Memórias póstumas de Brás Cubas: um texto ao ritmo do pensamentoA estrutura de Memórias póstumas de Brás Cubas tem uma lógica surpreendente e

inovadora. É o encadeamento (ou desencadeamento) das reflexões dos personagens quedetermina tudo. Assim, uma lembrança ou uma reflexão puxam sempre outras e o narradorque muitas vezes prometera contar determinada história, comenta todos os outros fatose reflexões que a envolvem, retomando o fio condutor anunciado capítulos depois. Re-flete inclusive sobre seu próprio “método”:

“Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí atorcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Láiremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, eacho que faz muito bem.”

Ao usar a metalinguagem, Machado convida o leitor a refletir sobre a estruturada obra e perceber dois níveis de leitura: o que revela diretamente o personagem e o que

O centenário de publicação de Dom Casmurro, de Machadode Assis, que se comemora este ano, é uma boa oportunidade

para se refletir sobre seus dois romances mais conhecidos.

o faz objeto de crítica do autor. Se o alvo do autor é seu personagem, típico representan-te da burguesia brasileira da segunda metade do século XIX, é antes de tudo seu discur-so, errático e devaneante, que Machado quer revelar.

Machado de Assis foi sem dúvida o mais ousado dos escritores brasileiros anteri-ores ao Modernismo ( 1922 ) na experimentação de novas formas de expressão. Assim,em Memórias póstumas de Brás Cubas podemos perceber certa desconfiança em relação àarticulação convencional entre o texto e a realidade. Parece que o autor tem diante de sium conteúdo que está constantemente em busca da melhor forma de expressão que o

traduza. Por exemplo, para revelar a frus-tração de Brás Cubas quando não conse-gue se tornar ministro de Estado, a solu-ção foi deixar o Capítulo 139 em branco.No Capítulo seguinte, explica: “Há coisasque melhor se dizem calando; tal é a maté-ria do capítulo anterior.”

O adeus ao RomantismoNa temática, Machado de Assis in-

veste na complexidade dos indivíduos, queretrata sem nenhuma marca da idealizaçãoromântica. O foco narrativo do defunto au-tor – alguém que já não precisa temer as con-venções sociais – garante franqueza, isençãoe espírito crítico notáveis. Assim, é antes detudo em relação a si mesmo que o narrador-personagem revela apurada análise.

O principal recurso utilizado pelonarrador para construir sua visão desen-cantada do mundo é a ironia, na medidaem que ela, por definição, tem o papel decombater as verdades absolutas, das quaisBrás Cubas desacredita por princípio. É fa-mosa, nesse sentido, a caracterização deMarcela: “...Marcela amou-me durantequinze meses e onze contos de réis...”.

Organizados em blocos curtos, os160 Capítulos de Memórias póstumas deBrás Cubas revelam, pelo seu caráterdigressivo, aparente falta de coerência nar-rativa, mas esse recurso não é mais do queuma tentativa do autor de alterar os hábi-tos de leitura vigentes. O leitor é constan-temente solicitado a interagir criticamen-te com a obra; é obrigado a distanciar-sesignificativamente do modelo de leituraproposto pelos romances românticos, quemobilizavam antes de tudo sua emoção eimaginação.

Dom Casmurro: o Realismo das percepções do realUm dos equívocos mais freqüentes em alunos que começam a se aproximar do

estudo crítico da literatura é não considerar com o devido valor o foco narrativo atravésdo qual uma história é contada. Assim, confunde-se facilmente a voz que fala em umromance com a voz do autor, que nos apresenta o mundo e nos conta uma história. Essahistória passa a ter a legitimação de realidade que lhe confere a pessoa física do autor.Esquece-se, então, de que tudo o que está na obra passou por um complexo processo deinvenção por parte do autor, que quis atribuir aos elementos que compõe sua obra (in-clusive ou, principalmente, o foco narrativo) um valor significativo e estruturante quenão pode ser desprezado por quem se aproxima e quer realmente compreender o textoficcional.

Se considerarmos a importância da diferença e distância entre autor e narrador,perceberemos que no Realismo tal como o praticou Machado de Assis o modo de apre-

Centenário de Dom Casmurro

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1 1sentação do “real” instituído pela ficção é mais importante que esse “real” em si mesmo.

O Realismo de Machado é talvez, antes de tudo, o realismo das diversas formasde percepção do real. Daí a importância que o foco narrativo assume em muitas de suasobras, sempre subordinando o que se conta à condição psicológica de quem conta. Aíestá a chave para a compreensão profunda de Dom Casmurro que, por um lado, radicalizae, por outro, torna mais sutis as inovações estéticas propostas em Memórias póstumas deBrás Cubas.

Se o equívoco de desconsiderar a diferença entre autor e narrador é grave emqualquer obra literária, no caso de Dom Casmurro esse equívoco é fatal para a compreen-são da obra e, uma vez cometido, pode levar o leitor a perder de vista o que há deessencial no romance.

O título do romance, nesse sentido, é revelador e determinante: Machado inven-tou, antes de tudo uma voz narrativa, um ponto de vista através do qual se narra umahistória.

Assim, é o próprio personagem central, Bento de Albuquerque Santiago, queirá narrar, já velho (e apelidado significativamente Dom Casmurro), a história de suavida, a começar por sua infância e adolescência (quando era chamado e referido porBentinho).

O romance de Machado prevê, então, dois deslocamentos em relação ao su-posto “real” que se quer dar a conhecer. Trata-se em primeiro lugar de um personagemque narra, ou seja, toda a matéria a ser narrada está condicionada à sua própria visãodos acontecimentos; e, em segundo lugar, de um personagem que narra posto em umtempo bastante posterior ao dos acontecimentos narrados.

Todo o problema do romance está, portanto, em conhecer quem é e como éesse personagem que narra e qual é e como funciona o ponto de vista através do qualnarra. Poderíamos dizer que entender Dom Casmurro é entender o modo pelo qualMachado de Assis cria o personagem Bento de Albuquerque Santiago que, do estado oucondição de Dom Casmurro, narra sua vida enquanto Bentinho.

Tudo o mais no romance (inclusive sua mais famosa personagem, Capitu) estásubordinado a esse sistema narrativo, tendo sua existência ficcional condicionada a ele.

Dom Casmurro: narrador-personagem em busca de si mesmoEmbora Dom Casmurro afirme que o propósito da narração que inicia é “assen-

tar a mão para alguma obra de maior tomo”, fica claro que se trata de um projeto maisvital que o mero exercício de estilo, mais existencial do que o simples treino retórico.Muitas páginas depois (no Capítulo LXVIII - “Adiemos a virtude”) afirmará: “Ora, hásó um modo de escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal. Tal faço eu,à medida que me vai lembrando e convindo à construção ou reconstrução de mim mes-mo”.

Trata-se, como se depreende das citações, de preencher uma falta, concluir sobrea natureza de um processo de vida que se precipitou sem que dele o narrador tivessecontrole e/ou pleno conhecimento. Resta saber se estará realmente no raio de possibili-dades desse narrador “escrever a própria essência”, “contá-la toda”, ou se a busca porconhecer o vivido não se trairá ao longo do percurso.

Para o narrador, por enquanto, trata-se também, de recuperar uma época em quese foi feliz e em que se descobriu o amor. Daí o tom de reminiscência lírica do que seseguirá.

O crítico Roberto Schwarz nos chama a atenção para o fato de que o grandeproblema do livro é perceber como as duas partes que o compõe ( a narração da infânciae juventude e a narração do casamento e suposto adultério ) se relacionam; como, umavez lida a segunda parte e concluído o romance, toda a parte inicial adquire outra feiçãoe pode ser relida percebendo-se nela uma certa construção intencional da figura de Capitu,por parte do narrador. Assim será confirmada a traição e o adultério que o narrador dasegunda parte quer nos fazer crer. Cabe ao leitor, interessado em entender em profundi-dade o romance, acompanhar a construção dessa armadilha narrativa ou “ratoeiraexpositiva”, como lhe chama Schwarz.

Os capítulos que narram a breve vida de casados de Capitu e Bentinho poderãoser lidos com proveito pelo leitor se ele puder descobrir neles o avesso da história que seconta. Assim, em contrapartida à sucessão de evidências de adultério que o narrador nosrelata (a semelhança física entre Ezequiel e Escobar, a presença de Escobar em casa deBentinho quando este não está, as lágrimas e explosão emocional de Capitu no enterrode Escobar), o leitor poderá detectar nessas mesmas cenas o processo psicológico deciúmes doentios que, aos poucos, toma Bentinho.

Então, desconfiar das certezas do narrador é legítimo e necessário. Se o leitor,como já foi alertado, tiver sempre presente a organização tendenciosa que o foco narra-tivo do Casmurro dá aos acontecimentos, não será difícil perceber o avesso a que merefiro: a inocência de Capitu.

Capitu traiu e não traiu BentinhoO que interessa atentar neste romance de Machado de Assis é a essencial ambi-

güidade que o estrutura. Ao contrário da absurda prática – infelizmente freqüente noensino de literatura para 2o. grau e recentemente encampada pela imprensa, que promo-veu um disparatado “julgamento de Capitu” – de se enumerar e pôr em confronto osargumentos a favor do adultério de Capitu ou contra ele, seria mais enriquecedor atinarcom o mais importante: o processo de construção da suspeita de Bentinho.

Para a literatura, ao contrário talvez do que ocorre na realidade, é possível poderconviver com as múltiplas possibilidades não excludentes que a realidade nos oferece.

Acerto de contas (narrativo) com a vidaOs dois capítulos que encerram o livro (e que o emendam ao começo - como o

fechamento de um círculo) trazem a constatação de que o narrador não objetivou o quepretendia e, como já dissera no início, nãoconseguiu “recompor o que foi nem o quefui”. Mas o que conseguiu, sem dúvida,foi contar sua história, de modo a tornar avida vivida, agora transformada em texto,na expressão de sua visão de mundo. É oque nos esclarece a pergunta crucial donarrador ao final do percurso: “O resto ésaber se a Capitu da praia da Glória já es-tava dentro da de Matacavalos, ou se estafoi mudada naquela por efeito de algumcaso incidente”.

Como bem observou RobertoSchwarz, “não sobra lugar para hipótese dainocência”. Assim, o narrador montou anarrativa de modo a fazer caber na Capitude Matacavalos a Capitu adúltera da praiada Glória. Para o leitor, no entanto, fica apossibilidade, já referida, de conviver como aberto, com o não resolvido, com o fatode não se poder conhecer a totalidade dealgum evento ou de alguém.

Roberto Alves é professor deLiteratura no Colégio Waldorf Micael e

no Colégio Logos, em São Paulo,e tem trabalhos publicados sobre

Machado de Assis.

Capitu: olhos de cigana,oblíquos e dissimulados

Machado de Assis: olhos de águia,verticais e concentrados

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ANO 2 ■ Nº 5 ■ SETEMBRO 1999

✔ Seleção nada naturalA corrida de obstáculos rumo ao ensino superior estámudando. Entenda as novas regras e armadilhas.Págs. 2 e 3

✔ Hora de decidirQuais as diferenças entre uma universidade e umsupermercado? Muitas, mas nos dois casos é precisoestar atento aos direitos do consumidor.Pág. 4

Que Fazer?Que Fazer?Nem tudo o que reluz é ...

diplomaCuidado com a multiplicação de faculdades. Uma escolha apressada pode serfatal. Faça um teste. Dê uma volta por sua cidade. Você provavelmente vai notarque há novas faculdades brotando em todos os cantos. É uma explosão no ensinode 3o grau. Por várias razões:

1. O governo federal está engajado em um processo de “popularização” do 3ºgrau, acreditando que a maior qualificação profissional pode reduzir o de-semprego. Indicadores revelam que o trabalhador menos qualificado é amaior vítima do desemprego. Essa “popularização”, aliás, já havia sidofeita com o 2º grau, nos anos 60-80.

2. O vestibular, velho bicho-papão, já não é exigido como único critério deingresso numa faculdade. Isso vem levando, aliás, à crise de muitos cursi-nhos que, para sobreviver, estão criando faculdades ou fazendo convêniospara prestar um reforço interno, nas próprias escolas.

3. É grave a crise nas universidades públicas, em especial nas universidadesfederais. Salários baixos, verbas insuficientes e a reforma da previdênciasocial vêm fazendo com que muitos professores de bom nível se aposentemcedo ou simplesmente abandonem as universidades estaduais e federais,optando por instituições privadas.

4. Nas grandes cidades, onde o trânsito já chega até a impossibilitar o deslo-camento, há também um processo de “regionalização” do cotidiano daspessoas. Muita gente acaba desistindo da escola gratuita e até prefere tro-car a universidade privada de maior prestígio pela nova faculdade se elaficar mais pertinho de casa.

A combinação desses fatores está transformando a educação em um negócioainda maior do que já era. Isso explica a decisão de alguns banqueiros e empre-sários de investir em faculdades de alto nível.

Aparentemente, está por um fio o velho modelo em que centenas de milhares deestudantes engalfinhavam-se por uma vaga nas melhores universidades públicas eparticulares do país. Uma parcela do estudantado certamente continuará a fazê-lo.Outra parte, atraída pelo preço mais baixo, pela proximidade geográfica ou pelaespecialização em determinada área, ficará nas novas faculdades privadas.

■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

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Seleção nada natural

Ricos e bem pensantes

Ser aprovado nos vestibulares das faculdades particularesraramente é tão difícil quanto ser aprovado nos vestibulares dauniversidades públicas. O motivo é óbvio: num país com tantaconcentração de renda como o Brasil, a disputa por vagas noscursos gratuitos é infinitamente maior. E é neles que ainda seencontra ensino com qualidade. Mas, quanto mais aumenta essadisputa, mais se questiona se as universidades públicas estãoselecionando adequadamente seus candidatos.

Até o momento, os especialistas têm muitas divergênciasquanto à forma mais justa de fazer essa seleção. Há consensode que a seleção é inevitável. Um aumento muito grande nonúmero de vagas nos cursos das universidades públicas sairiamuito caro para os governos estaduais e federal e provavelmen-te a qualidade de ensino não poderia ser mantida.

Para tentar enfrentar o problema do número limitado devagas, o Ministério da Educação vem aceitando desde o anopassado outras formas de seleção. Cada uma pode ser usadacom exclusividade ou misturada a outras.

1) Vestibular tradicional - Exames com questões escri-tas ou em forma de testes de múltipla escolha, realizados emuma ou duas fases, sendo a primeira delas eliminatória ou não.É um exame que exige principalmente domínio de conteúdos.Por isso, enquanto ele existir, sempre existirão cursinhos. Se vocêtem autodisciplina e boa memorização, esse ainda é o melhorcaminho.

2) Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) - Criado peloMinistério da Educação, feito optativamente por estudantes queestejam terminando ou já terminaram o Ensino Médio. É consi-derado por alguns especialistas um exame que exige mais raci-ocínio do que acúmulo de conteúdo. Se o seu forte é pensar,mas odeia o decoreba, valorize o Enem.

3) Exames seriados - O Ministério da Educação jáadmite aplicar um exame anual ao final de cada uma das sériesdo Ensino Médio. O aluno que se submeter a esse exame eobtiver boa média poderá, em alguns casos, garantir vaga noEnsino Superior, ou, em outros casos, usá-la juntamente com osresultados do Enem e/ou do vestibular tradicional. Se você querapostar em várias frentes, esse é um bom caminho.

Estão proibidas: a análise do histórico escolar doaluno, cartas de recomendação, comprovação de experi-ência profissional ou reserva de vaga para alunos já apro-vados em determinado exame, mas que estejam ainda cur-sando a 1a. ou 2a. séries do Ensino Médio.

Além da diversificação nas formas de seleção, estão sur-gindo instituições de ensino vinculadas a empresas, cujos diri-gentes precisam selecionar pessoas com especialização masperderam completamente as esperanças de encontrar essesrecursos no mercado, dadas as limitações do sistema educa-cional atual. Não se trata propriamente de "universidades",embora volta e meia se escute expressões como a "universida-de do hamburguer" ou sistemas de certificação de técnicos emdeterminado software. Há também cursos técnicos de alto ní-vel, com processos de seleção tão ou mais difíceis que o vesti-bular: isso é comum na indústria do turismo, do audiovisual ouda gastronomia.

O sistema educacional brasileiro vive uma grande contradição que já tem pelo menostrês décadas de vida, sem que os especialistas saibam o que fazer com ela.

Conseguem entrar em universidades públicas do Brasil, em grande maioria, aquelesque estudaram em escolas particulares ou que no mínimo fizeram cursinho durante um oudois anos. Ou seja, ocupam vagas gratuitas exatamente os que teriam como pagar asmensalidades de uma faculdade particular.

Por isso, aqueles que sempre estudaram em escolas públicas e tentam entrar numauniversidade gratuita acabam em desvantagem; abandonam os estudos ou custeiam, comdificuldades, uma faculdade particular.

No Brasil, o Ensino Médio público - que atende a grande parte da população adoles-cente matriculada em alguma escola - é muito fraco; e a qualidade de ensino nas universi-dades públicas ainda é bem superior à das faculdades particulares. Portanto, quem podeinveste na formação para chegar às universidades públicas.

Mas a procura por vagas no Ensino Superior público como um todo continua crescen-do. O resultado dramático dessa demanda quase explosiva por vagas é que milhares dealunos que concluíram o Ensino Médio em escolas particulares já não conseguem entrarnas universidades públicas. E não dá para esperar que USP, Unicamp, Unesp, Uerj e fede-rais aumentem significativamente o número de vagas: isso custaria muito caro para elas,uma vez que são bancadas pelos governos (estaduais ou federal), e estes estão com ascontas no vermelho.

Comece a fazer planos pensando nas seguintes hipóteses nada improváveis:

1a) a de você não conseguir vaga nas universidades públicas;2a) a de você conseguir essa vaga, mas descobrir que também lá a formação oferecida não

é grande coisa - muito ao contrário (e essa constatação tem sido cada vez maisfreqüente);

3a) a de você ingressar em faculdades particulares, gastar muito e provavelmente receberpouco; e...

4a) a de você não querer fazer curso superior... (por que não?). Está crescendo o número deindivíduos formados em universidades públicas que não encontram colocaçãoprofissional. Também aparecem com mais freqüência casos em que o indivíduo entendeque a universidade não é o seu caminho e que sua formação não deverá ocorrer em umlugar, mas em vários (pela Internet, por exemplo) e ininterruptamente (no trabalho e aolongo da carreira).

O círculo vicioso do ensino superior

Prepare o seu coração ... e o bolso

a) Ter diploma universitário é, para muita gente, algo semelhante a consumir umproduto de grife. Parece que a “marca” tem mais importância e valor do que o produto ouserviço propriamente dito. Os cursos técnicos infelizmente sempre foram consideradosuma opção apenas para quem não consegue entrar na faculdade ou não tem aptidõesintelectuais. Isso é uma grande bobagem. Profissões técnicas exigem, sim, inteligência ecriatividade. Por isso, deixando os preconceitos de lado, são uma opção que você nãodeve descartar. É verdade que os cursos técnicos no Brasil são em geral de nível muitobaixo. Mas os do SENAC ainda representam uma referência importantíssima no país emtermos de qualidade. Uma navegação pelo site http://www.senac.br/ poderá ser muitoinspiradora.

b) Não deixe de estudar o inglês. O momento de parar é quando você sente que:1 - Sua leitura é fluente (isto é, você usa o dicionário para três ou quatro palavras no

máximo por página);2 - Sua escrita lhe permite redigir uma carta ou requerimento sem maiores embara-

ços;3 - Sua conversação é algo mais do que simplesmente “entender mais ou menos o

que eles falam”, ou seja, passou a ser um instrumento de troca de informações e reflexões.Mas atenção: não abandone a língua pátria! Escrever semanalmente, em português, tex-tos sobre assuntos de seu interesse permite ao mesmo tempo aprofundar conhecimentospor meio de pesquisas e desenvolver a linguagem escrita.

c) Faça navegação dirigida pela Internet durante um mínimo de duas horas diárias.Por que “dirigida”? Porque deve ser direcionada a um tema que seja de seu interesseprofissional e a links muito próximos a ele. Antigamente se perdia muito tempo nas bibli-otecas, no telefone, nas filas do correio e nas entrevistas. A Internet eliminou esse proble-ma, mas criou outro: ela oferece, ao mesmo tempo, tantos assuntos de interesse, que adispersão é quase inevitável. Pé no freio! Se sua navegação puder ser acompanhada poroutras pessoas, melhor ainda. Para isso existe e cresce cada vez mais a Educação àDistância (tema da edição passada do “Que Fazer?”). Profissionais especializadospodem acompanhar sua pesquisa e ajudar a diminuir essa dispersão. Acompanhe atenta-mente o crescimento dos projetos de Educação à Distância no Brasil e as centenas que jáexistem fora do Brasil.

d) Procure regularmente profissionais da área que interessa a você, manifeste a elesseu desejo de fazer estágios em sua empresa, seja ela privada ou pública. Procure jovensque também estão atrás de alternativas e que participem de grupos de discussão voltadosao aprendizado profissional. Busque informações sobre cursos de curta duração (de um adoze meses), muitos deles oferecidos gratuitamente ou a baixo custo por instituições públi-cas. Ao buscar essas alternativas, você estará construindo sua formação, registrada num“curriculum vitae”.

Diversas habilidades demandadas pelo mercado de trabalho nem sempre sãodesenvolvidas na universidade. Por isso, esteja você onde estiver, fique de olhos nes-sas dicas:

Habilidades, vocação e diplomas

setembro 99

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Expediente

Editor: Gilson Schwartze-mail: schwartz@uol.com.br

Consultor: Luiz Paulo Labriola e-mail: aiclabri@uol.com.brPesquisa: Knowware ConsultoriaProjeto gráfico: Wladimir Senise

Que fazer?■ tecnologia ■ vocação ■ emprego ■

é um suplemento dos boletinsMundo

Geografia e Política Internacional eTexto & Cultura

■ interpretar ■ escrever ■Não pode ser vendido ou distribuído

separadamente.

Hora de decidirJá tem faculdade que entrega, para cada aluno, em

seu primeiro dia de aula, um computador portátil. Quantamodernidade! O que o diretor da escola não diz é que opreço desse computador está inteirinho nas mensalidadescobradas...

É o novo mundo, ou melhor, mercado da educação noBrasil. Como em outros mercados em nosso país, a defesado consumidor (no caso, o aluno) ainda é incipiente. Oscritérios de avaliação ainda estão sendo testados.

Um dos grandes empresários do setor, numa entrevistarecente para uma das maiores revistas do país, saiu-se demodo curioso. Questionado sobre o frágil equilíbrio entrebuscar lucros ou garantir boa educação nas faculdades desua rede, ele respondeu indignado: "eu não preciso ganhardinheiro nas minhas faculdades, para isso eu tenho os cursi-nhos e os colégios!".

Mesmo nas universidades públicas, nem tudo é o queparece. Nos últimos anos, para driblar a falta de verbas,surgiram inúmeros cursos de extensão e especialização, pós-graduações "lato sensu" e cursos de férias. Tudo pago.

Ou seja, mesmo quem não passa no vestibular parauma USP ou Unicamp, por exemplo, poderá complementarsua formação fazendo cursos de especialização nas gran-des universidades públicas. Se tiver conseguido poupar osuficiente para pagar por mais esses cursos, claro.

Nada mais oportuno, nesse ambiente ainda em evolu-ção, do que conhecer as diferenças entre as novas institui-ções privadas de ensino:

Camaleões – são faculdades e universidades que sur-giram nos anos 70, como instituições de baixo nível, masque agora tentam ganhar legitimidade, investindo em pes-quisa e na contratação de professores de qualidade, queem muitos casos abandonaram as universidades públicas;

Novo mercado – surgem faculdades ligadas a gru-pos econômicos de peso, que cobram alto e pretendem trans-formar-se em centros de excelência, mais comuns em áreascomo administração, negócios internacionais e economia,em alguns casos apostando em conexões com instituiçõesde ensino no exterior;

Topa-tudo por dinheiro – Faculdades de nível du-vidoso, muitas vezes abertas por colégios ou empresas, compouquíssima estrutura, apenas para aproveitar as facilida-des garantidas pelo governo ou para testar a demanda deuma região. Sua grande vantagem é o preço mais acessí-vel;

Especialização total – algumas descobriram nichosinexplorados. Recentemente, uma novíssima faculdade deSão Paulo descobriu que não havia cursos de Agronomiana maior metrópole da América do Sul. E foi por aí que eladecidiu começar. Há cursos voltados para publicidade oucomércio exterior. Em Arujá, na Grande São Paulo, um gru-po de empresários descobriu que o incremento das ativida-des turísticas poderia levar à criação de demanda por umcurso de Hotelaria. E optou investir.

O ideal, para quem vai prestar o vestibular ou optarpor outra forma de ingresso, é, então, analisar com cuidadoas instituições que o interessaram. Algumas providências sãoessenciais, tais como conhecer as instalações, o corpo deprofessores, checar o reconhecimento dos cursos, convênioscom hospitais, clínicas ou outras instituições, descobrir se háuma conexão com sistemas de colocação em estágios.

A faculdade pode ser um passaporte para a futura co-locação num bom emprego. Mas é também um serviço comooutro qualquer: assim como um hotel, um restaurante ou umbanco podem oferecer atendimento e qualidade muito dife-renciados, o mercado do ensino está em mutação e é preci-so estar atento para separar o joio do trigo.