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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA – GRADUAÇÃO PLENA
VIVIAN DE SOUSA FURTADO FONSÊCA
O DISCURSO E A PRÁTICA NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: MITOS E DESAFIOS
NATAL/RN
2009
VIVIAN DE SOUSA FURTADO FONSÊCA
DISCURSO E A PRÁTICA NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: MITOS E DESAFIOS
Trabalho de Intervenção Sócio-Escolar apresentado à Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Pedagogia. ORIENTADOR: Profº. Esp. José Rodrigues da Silva Filho
NATAL/RN 2009
F676d Fonsêca, Vivian de Sousa Furtado.
O Discurso e a prática na avaliação da aprendizagem escolar: mitos e desafios. / Vivian de Sousa Furtado Fonsêca. – Natal, 2009.
40f.
Orientador: Prof. Esp. José Rodrigues da Silva Filho.
Trabalho de Intervenção Socioescolar apresentado à Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, como requisito parcial para obtenção do título de Graduado (a) em Pedagogia. Natal, 2009.
1. Ensino-aprendizagem. 2. Avaliação. 3. Professor mediador. I. Título.
IBRAPES/UVA CDU 37.013
VIVIAN DE SOUSA FURTADO FONSÊCA
O DISCURSO E A PRÁTICA NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: MITOS E DESAFIOS
Trabalho de Intervenção Sócio-Escolar apresentado à Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), como requisito parcial para obtenção do título de licenciada em Pedagogia.
Aprovada em ___________ de _________.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________ Profº. Esp. José Rodrigues da Silva Filho
Universidade Estadual Vale do Acaraú - Natal
____________________________________________________ Profª. Ms. Soliana de Araújo Silva
Universidade Estadual Vale do Acaraú - Natal
____________________________________________________ Profª. Ms. Silvana Lúcia Nogueira de Moura
Universidade Estadual Vale do Acaraú - Natal
NATAL/RN 2009
Dedico este trabalho aos meus futuros alunos, aos quais dispenso inteira disposição a fim de conduzi-los à construção de uma sociedade menos excludente.
AGRADECIMENTOS
Com todo o meu ser a Deus por Sua Santa providência e fidelidade que por
Seus insondáveis desígnios me conduziu até aqui.
Ao meu querido esposo Marcus Vinícius que com especial dedicação e
paciência me possibilitou enveredar por este caminho.
À minha estimada mãe Maria do Carmo cuja ajuda e apoio me foram de
grande importância, muito obrigada.
Às minhas autoridades comunitárias que com cuidado materno me
compreendeu nos momentos em que precisei estar ausente.
Ao meu professor orientador José Rodrigues, cujo auxílio acadêmico e
profissional me possibilitou o desenvolvimento e conclusão deste trabalho, obrigada.
“[...] Em todas as circunstâncias pautemos nossa conduta pela verdade e valores inalienáveis do Evangelho. Vivendo o trabalho nesta perspectiva de doação e de serviço sejamos dignificados como homens, dignifiquemos o nosso trabalho e nos realizemos como construtores de um mundo novo”.
ECCSh
RESUMO
O presente o trabalho tem como objetivo apresentar um estudo comparativo entre as avaliações tradicional, classificatória e normativa e a avaliação mediadora, bem como mostrar uma proposta de intervenção sócio escolar, que mescla teoria e prática, visando o aprimoramento da prática pedagógica e o aperfeiçoamento profissional do docente. O locus para observação e análise foi uma escola municipal, localizada em um bairro da periferia da cidade de Natal. Para tanto, acompanhou-se, por três dias, uma turma de 4º ano do Ensino Fundamental I. Sua rotina escolar e atividades avaliativas foram analisadas e, posteriormente confrontadas com referencial teórico, a fim de se apresentar um diagnóstico sobre a avaliação dentro do processo de ensino-aprendizagem local. Também se observou a prática do professor, o qual tem demonstrado dificuldade em fazer a transição do discurso em relação aos objetivos que a educação precisa atingir na atualidade e sua prática neste processo. Constatou-se, então, que a maneira tradicional de avaliar os alunos tem gerado apenas a reprodução do modelo vigente de seleção e exclusão social. Também se concluiu que o professor, como mediador do conhecimento, é o principal responsável pela mudança, diante da necessidade de se formar cidadãos críticos, autônomos e atuantes na sociedade. Como parte prática, elaborou-se uma proposta de intervenção para a melhora desse perfil, cujo foco é a conscientização do professor, diante da necessidade de se substituir o modelo tradicional de avaliação vigente, pela avaliação mediadora, componente mais favorável à aprendizagem do aluno. PALAVRAS-CHAVE: Ensino-aprendizagem. Avaliação. Professor Mediador.
ABSTRACT
This work aims to show a comparative study among the traditional, the classificatory and standard and also the evaluation mediator assessments, as well as to show a proposal for a school intervention partner, which blend theory and practice, to improve the teacher’s teaching and training. The locus for observation and analysis was a municipal school, located in a neighborhood on the outskirts of the city of Natal. Thus, it was necessary to observe during three days, a group of 4th year of elementary school I. The school routine and evaluative activities were analyzed and then compared with theoretical reference in order to make a diagnosis on the assessment within the teaching-learning place. The teacher’s practice was also observed, which has demonstrated difficulty in making the transition from the discourse on the education goals that meet the current needs and its practice in this process. It was concluded that the traditional way of assessing the students have just shown the current model of selection and exclusion. It also concluded that the teacher as a facilitator, is the main responsible for the changing process, given the need to train citizens in a critical and independent way, as well as active in society. As a practical part, it was elaborated an intervention proposal to improve the profile, whose focus is the teacher's awareness, given the need to replace the traditional model of assessment for the evaluation facilitator, which is the most favorable component to the student’s learning. KEY-WORDS: teaching. Learning. Assessment. Teacher Mediator.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11 2 O QUE SIGNIFICA AVALIAR? ........................................................................ 14 2.1 A PRÁTICA DOCENTE E O PROCESSO AVALIATIVO: como e por que avaliamos ....................................................................................................................
17
3 A PRÁTICA DOCENTE E OS NOVOS PARADIGMAS SOCIAIS: AVALIAÇÃO X APRENDIZAGEM? .........................................................................
21
3.1 O PROTAGONISMO DOCENTE FRENTE AOS ANSEIOS EDUCACIONAIS 26 4 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO SÓCIO ESCOLAR: CONSTRUINDO CAMINHOS PARA A UTILIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO MEDIADORA/EMANCIPATÓRIA..................................................................................
33 4.1 PRIMEIRA ETAPA DA FORMAÇÃO............................................................... 34 4.2 SEGUNDA ETAPA DA FORMAÇÃO ................................................................ 35 4.3 TERCEIRA ETAPA DA FORMAÇÃO ................................................................ 36 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 37 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39 APÊNDICES ANEXOS
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo apresentar uma
Proposta de Intervenção Sócio escolar. Pretende, também, proporcionar a análise
da rotina pedagógica de uma instituição da rede pública escolar e a interação entre
teoria e prática da avaliação educacional, para posteriormente culminar com a
formulação de um plano de ação que será apresentado como sugestão, visando
favorecer o enriquecimento da prática docente como também o aprimoramento das
competências profissionais.
Portanto, essa pesquisa está estruturada em quatro capítulos, através dos
quais são discutidos o real objetivo da avaliação escolar com diversos conceitos
abordados pelos teóricos sobre a mesma. Em seguida, dialoga-se a respeito do uso,
muitas vezes abusivo, com que professores e escolas têm abordado esta prática.
Também é exposta a realidade que se vê hoje nas escolas a respeito da prática
avaliativa e principalmente a importância de se esclarecer os objetivos da avaliação.
No capítulo seguinte debate-se a diferenciação que vem sendo realizada
entre ensinar e avaliar, entendendo-se que, se trata de um processo contínuo e
ainda a necessidade de um novo tipo de cidadão crítico e autônomo que a
sociedade precisa formar, e, por conseqüência, as novas posturas que o professor
precisa assumir para colaborar nesta construção, entendendo que se trata de um
grande desafio, e que a ele não cabe se eximir deste compromisso.
Posteriormente, ainda com base nessa discussão teórica, parte-se, então,
para a elaboração de um plano de trabalho que servirá como sugestão para a escola
aqui observada auxiliar o professor na análise de sua prática em primeiro lugar, na
busca do aprimoramento profissional, como também auxiliá-lo no ensino-
aprendizagem e na forma de avaliar seu aluno.
E, por fim, diante de toda a análise realizada, compreende-se que para o
professor fazer a transição da avaliação punitiva para uma avaliação que enriquece
a aprendizagem do aluno, precisa assumir uma postura de mediador do
conhecimento, na perspectiva de que ambos, tanto o aluno como o professor estão
em processo de construção de aprendizagens que precisam ser significativas para
os dois. Assim, não convém mais ao educador uma postura de único detentor do
saber, mas um mediador que colabora para o desenvolvimento de seu aluno.
12
Nesse contexto, o locus dessa pesquisa foi uma Escola Municipal situada no
Bairro Nossa Senhora de Nazaré, bairro periférico da cidade do Natal. A mesma foi
inaugurada no dia 29 de Agosto de 1988, sob o Decreto Lei nº 3.747, da Prefeitura
Municipal da cidade do Natal (NATAL..., 1988). Trata-se de uma escola de grande
porte que possui treze salas de aula, uma biblioteca ampla e bem iluminada que
contém um bom acervo de livros como também mesas e cadeiras para os alunos
estudarem. Nela também há um laboratório de informática com vinte computadores
em bom estado de conservação, que é utilizado pelas turmas de todas as séries
com uma grade de horários pré-determinados, uma sala de vídeo, uma sala de
artes, uma ampla quadra de esportes coberta, uma cozinha, um refeitório amplo com
seis mesas grandes, dois banheiros para os alunos: um para os meninos e outro
para as meninas com seis vasos sanitários cada um, os quais não se encontram em
bom estado de conservação, uma sala da secretaria, uma sala para os professores
e uma sala para a coordenação pedagógica, uma sala para a direção, uma sala do
grêmio estudantil, como também uma sala designada aos guardas municipais, um
pátio coberto e uma grande área livre para os alunos brincarem na hora do intervalo.
Hoje, este espaço livre necessita de cuidados, pois se encontra com aglomeração
de lixo e também muito mato crescendo em volta da escola. De maneia geral, as
salas são bem iluminadas e ventiladas, mas observou-se que mesmo no horário
matutino elas encontravam-se sujas e as carteiras não apresentam um bom estado
de conservação.
A escola tinha como concepção inicial a finalidade de atender em tempo
integral, crianças e adolescente do bairro que estivessem fora da escola. Atualmente
atende em horário parcial, ou seja, divididos em três turnos, 973 alunos do 2º ao 9º
ano do Ensino Fundamental nos turnos matutino e vespertino e no noturno com
educação de jovens e adultos. O bairro onde a escola está inserida faz parte da
periferia da cidade do Natal que fica próximo à Estação Rodoviária da cidade. Em
seu entorno encontram-se avenidas de grande fluxo de automóveis com um grande
número de estabelecimentos comerciais. As crianças e adolescentes atendidos pela
escola são de classe carente, em sua maioria, residentes no próprio bairro, mas
também algumas oriundas dos bairros vizinhos como Dix Sept Rosado, Cidade da
Esperança, Felipe Camarão, Bom Pastor e outros.
A instituição em referência, possui em sua proposta educativa uma visão
progressista do ensino-aprendizagem, visando promover o desenvolvimento não só
13
cognitivo de seus estudantes como também o crescimento pessoal de suas
capacidades.
Como requisito para a composição desse trabalho, observou-se a rotina de
uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental I. Esta etapa da pesquisa durou três
dias consecutivos, durante os quais, além da observação e acompanhamento das
atividades propostas em sala, pela professora titular, responsável pelo grupo,
realizou-se também uma entrevista com ela e a coordenadora pedagógica
responsável pelo turno. Com base nessa experiência, observou-se que, em alguns
casos, ainda há uma diferença entre a prática pedagógica exercida na aplicação de
avaliações e os referenciais teóricos que abordam esse assunto.
Os critérios de avaliação e os objetivos de aprendizagem propostos nas
avaliações parecem não favorecer o pleno desenvolvimento do aluno. A forma como
o professor conduz sua prática e soluciona as dificuldades do aprendiz também
apresenta grande influência para que ocorra a aprendizagem. Entende-se que para
o processo de ensino-aprendizagem se concretizar de forma a promover o pleno
desenvolvimento do indivíduo é necessário que este seja inserido como sujeito do
processo. Ou seja, é imprescindível que o educador explique para seu aluno os reais
objetivos que ele quer atingir ao aplicar as atividades propostas e a utilidade desse
novo conhecimento para a sua vida social, para que ele também se responsabilize
por seu aprendizado, sinta-se motivado a aprender. Como resultado dessa prática, o
professor pode e deve avaliar o resultado do ensino-aprendizagem e redirecionar
sua prática, mudar sua metodologia, inovar com aulas dinâmicas e atrativas visando
o melhor desenvolvimento do mesmo.
Diante do exposto, faz-se necessária a elaboração de uma proposta de
intervenção para se trabalhar com os professores da instituição citada, com o
objetivo de prepará-los para atuar com mais segurança e conscientização, pois às
vezes o profissional não conhece os conceitos indicados pelos teóricos na área de
avaliação adequados e exerce sua função no dia-a-dia achando que está agindo
certo. Se isso ocorrer, com certeza os professores daquela escola passarão a
promover uma postura mediadora de avaliação, objetivando, em primeiro lugar, a
aprendizagem do aluno em detrimento da punição que é aplicada com a avaliação
tradicional e que apenas tem contribuído com o crescente número de reprovação e
evasão escolar.
14
2 O QUE SIGNIFICA AVALIAR?
Tendo em vista as inúmeras formas, tipos e instrumentos de avaliação,
nesse capítulo pretende-se expor alguns conceitos e compreensões do que significa
avaliar para que posteriormente se possa abordar, com maior clareza, alguns
questionamentos. Essencialmente, entende-se que avaliar significa verificar, por
meio de algumas informações, o quanto uma pessoa conseguiu se apropriar de
determinados conteúdos que serviram como base na elaboração de alternativas, em
vista de um melhor desenvolvimento do trabalho de acordo com as especificidades e
necessidades de cada um.
De início, serão expostos conceitos sobre a Avaliação Classificatória,
conhecida também como avaliação tradicional. Essa se trata da avaliação
quantitativa, que leva em consideração o mérito do aluno, ou seja, medem-se os
conhecimentos adquiridos validando-os por uma nota. Neste método de avaliação
encontra-se embutida uma prática excludente, como menciona a pesquisadora Ferraz (2008, p. 17-18),
A prática da avaliação, que pretende medir o conhecimento para classificar os (as) estudantes, apresenta-se como uma dinâmica que isola os sujeitos, dificulta o diálogo, reduz os espaços de solidariedade e de cooperação e estimula a competição.
Mesmo com estas características, esse tipo de avaliação é o que vem se
perpetuando nos ambientes escolares em toda a história da educação, sendo
aplicada até os dias atuais.
Entre os diferentes tipos de avaliação, encontra-se, ainda, a Avaliação
Normativa, que essencialmente conduz a prática educativa à competitividade e por
consequência à seleção, pois “[...] toma como referência, ou compara, as
realizações dos sujeitos que pertencem ao mesmo grupo” (SCRIVEN apud AFONSO,
2005, p. 34). Essa avaliação é regida por normas estabelecidas, que precisam ser
seguidas corretamente. Quando os objetivos estão diretamente relacionados à
competição e a comparação, esta é, portanto a melhor ferramenta de avaliação
(AFONSO, 2005).
15
A Avaliação Criterial, por sua vez, é o oposto da avaliação Normativa, tendo
em vista que ela se dá em função da aprendizagem individual de cada aluno sem
compará-lo com os demais. O que se leva em conta aqui são os objetivos de ensino
pré-estabelecidos, “[...] o que coloca esta modalidade de avaliação como facilitadora
do diagnóstico das dificuldades” (ARBEO apud AFONSO, 2005, p. 35). Ao utilizá-la, o
professor terá acesso às necessidades específicas de cada aluno.
Pode-se, também, mencionar a Avaliação Formativa como também, em
parte, um tipo de avaliação Criterial, entendendo que também se baseia em testes
criteriosos de coleta de dados e informações, mas não unicamente neste tipo de
instrumento (AFONSO, 2005). A modalidade Formativa da avaliação pressupõe um
acompanhamento gradativo do desenvolvimento do aluno. Quer dizer, se vai
acumulando ao longo das aulas, dados, e informações de cada aluno em particular.
Cabe ao professor, como mediador do conhecimento, propor novos desafios, sem
orientação de alguém que tenha maturidade para tal, “[...] é altamente improvável
que os alunos venham a adquirir, da maneira mais significativa possível, os
conhecimentos necessários” (HOFFMANN, 2007, p. 21). Utilizada de forma
contínua, a Avaliação Formativa pode se tornar um meio eficaz de averiguação da
aprendizagem dos alunos, mas, em contra partida, em se tratando da retenção ou
promoção, pode se transformar em um meio de controle “[...] mais opressivo que a
avaliação pontual. Isto é, a avaliação tradicional” (FERNÁNDEZ apud AFONSO,
2005, p. 39).
É preciso se entender que a avaliação classificatória, sempre fez e faz parte
do cotidiano escolar, mas é preciso considerar que esta prática, durante muito
tempo, foi apenas um meio de o professor manter uma postura autoritária sobre seu
aluno, utilizando-a muito mais como uma arma para conseguir do mesmo algo que
alguns considerariam atenção ou dedicação. Na verdade, o contexto classificatório
da avaliação é intrínseco ao seu processo, pois reflete os contratos sociais
existentes que constantemente estão classificando a tudo e a todos (DEMO, 1999),
mas cabe ao professor usar de maneira pedagógica este aspecto do processo
ensino-aprendizagem, porque também é papel da escola contribuir para a formação
de cidadãos, que não podem ser encarados apenas como produtos de um grande
mercado, onde uns valem mais, outros menos, mas pessoas que consigam conviver
cordialmente com solidariedade, pois “[...] avaliações que exacerbam o efeito
classificatório facilmente deturpam a relação pedagógica, chegando às raias da
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humilhação sistemática. Em vez da inclusão, aperfeiçoam a exclusão” (DEMO, 1999,
p. 48).
A avaliação, na perspectiva Mediadora serve como subsídio ao professor
para analisar suas práticas, com o intuito de promover da melhor forma o
aprendizado dos alunos. Quer dizer, ela não possui um fim em si mesma. Seu
objetivo maior é sempre o máximo de aproveitamento do aluno, o aprimoramento de
suas capacidades (HOFFMANN, 2007). Por se tratar de uma nova forma de avaliar,
nova nem tanto em sua concepção, mas mais na utilização desta prática por parte
dos professores e/ou escolas, ela pode até gerar questionamentos por requerer do
docente um pouco mais de empenho e por que não dizer de trabalho, mas
fundamentalmente o processo avaliativo aqui tem por pressuposto que o docente
esteja sempre reavaliando também a sua prática para propiciar e construir
momentos e ambientes adequados de real aprendizado do educando. Ou seja, o
intuito maior é saber em que ponto o aluno está, como chegou até ali e como o
professor o ajudará a progredir daí para frente.
Há, ainda, a chamada Avaliação Autêntica que tenta implantar juntamente
com o conceito de avaliação Mediadora, alternativas de avaliação que tendem a
melhorar a qualidade das aprendizagens. Tem por prerrogativa o entendimento de
que a avaliação é um aspecto integrante do processo de ensino e aprendizagem. Ou
seja, ela não é um dado a mais que serve apenas para medir e quantificar os
conhecimentos dos alunos, mas é também ferramenta na construção desses. Logo,
[...] mais do que medir ou julgar uma experiência de aprendizagem, permite intervir a tempo para assegurar que as estratégias e os meios utilizados na formação respondam aos objetivos propostos, às características dos alunos e ao contexto no qual ocorre a aprendizagem, para que a experiência seja bem sucedida (ALLAL apud CONDEMARÍN; MEDINA, 1998, p. 13).
Ressalta-se que a sistematização dos vários tipos e formas de avaliação não
se esgotaram, mas estes são os modelos mais abordados pelos pesquisadores na
atualidade. Diante da tamanha pluralidade, entende-se que a avaliação não pode ser
considerada um componente de fácil compreensão, nem tampouco de fácil
transformação na educação. Logo, a partir de agora serão discutidas suas várias
formulações ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Suas contribuições
e/ou prejuízos, como também os inúmeros desafios que se enfrenta para tirar da
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avaliação este estigma de vilã da escola, tendo em vista que mudança e
crescimento são inerentes a todo e qualquer processo que envolva o ser humano,
sobretudo num aspecto tão importante que é a educação e o desenvolvimento
cognitivo do indivíduo.
2.1 A PRÁTICA DOCENTE E O PROCESSO AVALIATIVO: como e por que avaliamos
A sociedade atual muito tem questionado o processo de ensino-
aprendizagem e sua evolução na história da humanidade, e, por consequência, os
modos como ele está sendo avaliado. Entretanto, é importante se observar que se
trata de um processo lento e de constante transformação. Que se dá de maneira real
e concreta dentro da sala de aula, no dia-a-dia do fazer pedagógico, nas interações
e observações que o cotidiano escolar proporciona aos docentes que concretamente
estão comprometidos com a real evolução da educação.
Muito se tem falado de teorias libertadoras, de ações que produzam
indivíduos críticos e pensantes, porque não dizer autônomos, mas o que se
considera aqui é a concretude do cotidiano escolar, onde são encontradas inúmeras
carências, tanto materiais quanto humanas. Isso ocorre, principalmente, na escola
pública, a qual serve como ponto de partida para a elaboração deste trabalho. Será
que no dia-a-dia dessa realidade escolar são encontradas práticas eficazes de
intermediação e, por conseguinte de avaliação do desenvolvimento das capacidades
do aluno? Há profissionais realmente comprometidos com a aprendizagem, que não
seja mera decoreba, mas geradora de cidadãos críticos e transformadores das
realidades vigentes?
Essas são questões muito amplas que não serão esgotadas aqui, mas que
servirão como pano de fundo para esse diálogo a respeito do que se encontra hoje
nos ambientes escolares, como também acerca da postura do profissional que
assumiu o compromisso de contribuir com a emancipação do ser humano. Sim,
avaliar significa também dizer “contribuir com a emancipação do ser humano”, tendo
em vista que se entende a avaliação como subsídio para o professor analisar não só
o quanto o aluno aprende ao final de um período ou ao final de um conteúdo, mas
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todas as interações que ele pode experimentar dentro do cotidiano escolar. Sua
evolução cognitiva, claro, mas também seu crescimento humano-afetivo, e como
não falar da avaliação também como termômetro para a prática do professor
enquanto formador e mediador do conhecimento.
Mas ao se observar os ambientes escolares atuais, o que se percebe é que
a única forma de avaliar ainda é recorrer aos instrumentos tradicionais para
quantificar o que o aluno sabe ou não. Pode-se dizer que se está “coisificando” o
conhecimento, as trocas, as experiências únicas e irrepetíveis que são
testemunhadas na riqueza da sala de aula, sem levar em conta que as
individualidades de cada ser, de cada criança que ali se transforma e transforma o
ambiente a sua volta devem ser respeitadas. Mas é importante que se observe que
“[...] a diferença enriquece o processo de avaliação e estimula a cooperação e a
solidariedade, tantas vezes negada neste processo” (FERRAZ; MACEDO, 2008, p.
141).
Durante muito tempo a avaliação tem permanecido estigmatizada como uma
ferramenta de poder, da qual o professor se utiliza como instrumento de punição, tão
temido por nossos alunos e alunas. Então, observa-se que a postura do professor
como detentor do saber continua intocável, enquanto seu aluno é visto como um réu
a ser julgado: de acordo com a nota obtida, condenado a mais um ano de repetência
ou absolvido, para que no próximo ano enfrente novamente mais uma gama de
testes e provas. Assim, constata-se que:
Nem sempre se leva em consideração o que foi ensinado. Mais importante do que ser uma oportunidade de aprendizagem significativa, a avaliação tem sido uma oportunidade de prova de resistência do aluno aos ataques do professor (LUCKESI, 2006, p. 23).
Isso quer dizer que nenhum modelo avaliativo obtém êxito quando não se
está estreitamente comprometido com o produto final, que é o aprendizado do aluno.
Ressalta-se, ainda, a falta de estímulo e motivação para aprender que
jovens e crianças têm apresentado. Não se promove mais o aprender pelo prazer da
descoberta, pelo fato de que será enriquecido de alguma forma, ou ao menos pelo
fato de que a sociedade não comporta mais o indivíduo que não consegue fazer
uma leitura dos códigos sociais. Mas o que se vê é um processo repetitivo da
ansiedade do aluno em simplesmente responder às expectativas do professor, da
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família e da sociedade. O educando precisa provar que internalizou determinado
conteúdo, nem que para isso decore todo o assunto que será abordado na avaliação
do dia seguinte. Isto significa nada mais do que uma consequência da avaliação
punitiva a qual foi abordada anteriormente, que gera o medo do erro. Que gera, de
certa forma, esta mecanização da educação. Ter na avaliação um instrumento de
medição e/ou mérito “[...] exclui do processo ações indispensáveis para um contexto
pedagógico favorável” (ESTEBAN, 2008, p. 17-18).
Existem, também, nos ambientes escolares atuais, profissionais que não
possuem conhecimentos muito claros acerca dos objetivos de aprendizagem, e, por
conseguinte, os critérios de avaliação não estão muito bem especificados.
Confunde-se muitas vezes bom comportamento com aprendizado significativo. Quer
dizer, vem se atribuindo nota apenas pelos conceitos atitudinais do aluno, sem levar
em consideração que o fato de ele ser assíduo às aulas, ou não conversar com o
colega dentro de sala, não garantem seu desenvolvimento cognitivo o que é
profundamente prejudicial: o educando pode se cristalizar numa postura de querer
agradar ao professor sabendo que, de uma forma ou de outra, por isso lhe serão
conferidas boas notas.
Nem tampouco para favorecer a aprendizagem do estudante são
necessárias práticas intermináveis de repetição sem atribuir sentido ao que se está
fazendo, “[...] repetir simplesmente, [...] não é suficiente para a compreensão do
educando. É necessária a tomada de consciência sobre o que se executa”
HOFFMANN, 2003, p. 61). Ou seja, a avaliação vem se estabelecendo apenas como
um dado a mais pelo qual o professor precisa responder aos seus superiores, às
famílias dos alunos. Limita-se a avaliação aos seus instrumentos, que são inúmeros,
o que não contribui de maneira nenhuma com a promoção do desenvolvimento do
aluno. Pode-se afirmar que aquilo que não é expresso no papel, ou que não pode
ser representado em respostas objetivas dos intermináveis testes tem permanecido
oculto diante de práticas mecanizadas de aferição de notas. Avaliar é muito mais do
que verificar erros e acertos e valorar um conhecimento novo adquirido. É dever
também do professor estar atento e viabilizar meios que ajudem ao aluno dar voz e
corpo ao que é silenciado, ao que é escondido, mesmo sabendo que está
convivendo com pessoas de diferentes formas de ser e de se comportar, mas que
com um olhar um pouco mais aguçado, um pouco mais envolvido, atento e sensível,
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é impossível não perceber o crescimento e desenvolvimento do aprendizado nas
suas múltiplas formas (ESTEBAN, 2008).
Entende-se que o ponto central dessa discussão é o sentido que se deve
destinar à prática educativa: seu significado. Qual o objetivo dos mais variados
modelos educacionais? É formar cidadãos, é formar curiosos e inquietos pelo saber,
pela descoberta, é formar pessoas no sentido pleno da palavra? Então é preciso se
reformular este modelo engessado de educar e, por conseguinte de avaliar. A
prática docente precisa ser reconstruída, para que ela realmente passe a responder
às expectativas e aos anseios globais da sociedade.
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3 A PRÁTICA DOCENTE E OS NOVOS PARADIGMAS SOCIAIS: AVALIAÇÃO X APRENDIZAGEM?
A partir desse capítulo, analisar-se-á a prática que vem sendo desenvolvida
nas salas de aula, na atualidade e o posicionamento do professor em relação às
novas necessidades da sociedade, tomando como ponto inicial o que recomendam
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s):
A avaliação [...] é compreendida como: elemento integrador entre a aprendizagem e o ensino; conjunto de ações cujo objetivo é o ajuste e a orientação da intervenção pedagógica para que o aluno aprenda da melhor forma; conjunto de ações que busca obter informações sobre o que foi aprendido e como; elemento de reflexão contínua para o professor sobre sua prática educativa; instrumento que possibilita ao aluno tomar consciência de seus avanços, dificuldades e possibilidades; ação que ocorre durante todo processo de ensino e aprendizagem e não apenas em momentos específicos caracterizados como fechamento de grandes etapas de trabalho (1997, p. 56).
Ao se compreender os paradgmas da avaliação expostos por esse
documento que rege os conceitos da educação básica nacional e também as
orientações da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, em
seu artigo 24, inciso V, alínea A, que diz:
A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.
Após o entendimento desse posicionamento e um retorno à realidade das
salas de aula atuais, surgem alguns questionamentos. O maior deles é, sem dúvida,
sobre a contradição existente entre a prática que se encontra no cotidiano das
escolas e toda a teoria que orienta e especifica a avaliação escolar, bem como as
abordagens que existem acerca das inúmeras e novas possibilidades de
desenvolvimento cognitivo. O que se vê constantemente é o que se chama de perda
de sentido, perda de rumo. Na saída da teorização para a prática, parece que as
informações se perdem no meio do caminho e não se consegue fazer com que o
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que é elaborado como fundamentação teórica se torne prática eficaz, promovendo
de forma exitosa o avanço da educação básica, sobretudo nas camadas mais
necessitadas da sociedade.
Ao longo do tempo avanços metodológicos e educacionais vêm tentando
responder aos novos anseios da sociedade. Mas no mesmo instante em que a
educação parece caminhar, verificam-se também alguns empecilhos que tentam
paralisar esse desenvolvimento. Sem dúvida, um deles é o meio pelo qual a
avaliação vem sendo utilizada. Cada vez mais é constatada uma fragmentação na
maneira de se pensar a educação. Na medida em que há uma disparidade entre
educar e avaliar, o fato de se considerar esse processo como dois momentos
distintos, não contribui para a formação do cidadão crítico e participativo de que
tanto a sociedade precisa. Na educação se reflete o modelo vigente de política, que
se instalou ao longo dos anos, de segregação e discriminação que separa e
classifica os indivíduos em camadas, não para enaltecer as diferenças num
processo de complementaridade, mas prescinde destas, num discurso falso de
igualdade de oportunidades que não respeita a heterogeneidade da clientela da
escola. “Desconsidera, dessa forma, a especificidade de cada um, o ritmo de
aprendizagem próprio de cada aluno. Com isso [...] decide trajetórias de vida
baseadas em reprovação e aprovação” (DEPRESBITERIS, 2008, p.129). Ou seja, não
se dá oportunidade para que as diferenças sejam caminho de crescimento unificado,
nem tampouco se favorece o desenvolvimento de maneira igual para todos. É uma
política de igualdade de direitos que amplia ainda mais as diferenças de
possibilidades: aquela já conhecida história de muitos com pouco e poucos com
muito. Com este tipo de discurso o fracasso escolar se perpetua sendo atribuído
unicamente “[...] a características individuais [do aluno], mascarando-se as
desigualdades sociais” (SOUSA, S., 2008, p. 105).
Se as pessoas falam tanto que a educação é meio, e sabe-se que o é, para
o real desenvolvimento dos indivíduos e consequentemente para a melhoria das
condições de vida, de modo geral, por que não se consegue fazer das escolas
verdadeiros celeiros de cidadãos conscientes e autônomos?
Não se quer, aqui, unicamente culpar a maneira como a avaliação vem
sendo utilizada, por toda a situação negativa em que se encontra a educação, “[...]
ela é, [...] um sintoma e espelha os conflitos do processo ensino-aprendizagem”
(SOUSA, C., 2008, p. 127). Difunde-se muito uma prática, até folclórica, de que não
23
é o professor que reprova o aluno, mas ele mesmo é quem busca sua reprovação.
Será que ainda se está fadado a creditar somente ao aluno a responsabilidade de
seu fracasso escolar e por consequência responsabilizar nenhuma culpa ao
professor? Isto está tão intrinsecamente internalizado na cultura da classificação
escolar que os alunos aceitam a conceituação do professor tranquilamente como
uma sentença real e fidedigna, conforme constata-se no exemplo que Santos apud
Sousa, S. (2008, p. 102) dá: “[...] os resultados, quando negativos, mas
considerados legítimos são racionalizados: ‘fui reprovado porque não estudei como
devia’”, até mesmo os pais, em determinadas realidades apoiam essa postura do
aluno. Quer dizer, uma cultura profundamente arraigada de que realmente o
professor é o dono do saber, sua postura mesmo que autoritária não pode e não
deve ser questionada em nenhum momento. Assim, concorda-se com Sousa, S.
(2008) quando acrescenta,
[...] de todos os elementos integrantes do processo escolar, só o aluno é sistematicamente avaliado e essa avaliação concretiza-se exclusivamente pelo julgamento que o professor faz do aluno. Ao professor cabe apreciar o desempenho do aluno e emitir julgamento sobre sua competência, sendo ausente um papel mais ativo do aluno, [...] a ação avaliativa assim vista decorre de como é concebido o processo de ensino, no qual há o professor que domina determinados conhecimentos a serem repassados aos alunos (p. 99).
Percebe-se que a avaliação, da maneira que está sendo desenvolvida, tem
contribuído, e muito, para a realidade a qual se encontram atualmente as escolas.
Observe-se o grande número de reprovação e de repetência, os processos de
recuperação, que, em muitos casos, correm o risco de simbolizar apenas a
recuperação de notas, e dificilmente de conteúdos, tampouco de conhecimentos,
pois se confunde avaliar com atribuição de conceitos, fazendo o aluno não se
comprometer com a aquisição de conhecimentos, mas apenas adquirir determinado
conceito e/ou nota (SOUSA, S., 2008). Assim, conclui-se que alguns alunos “[...]
hegam até a não ver sentido em ir à escola quando já atingiram o conceito
necessário para aprovação” (SOUSA, S., 2008, p. 96).
O que se espera quando o professor, enquanto avaliador, estabelece que
determinado aluno precisa permanecer no ano seguinte cursando a mesma seriação
24
escolar? Qual é o sentido da repetência escolar? Seria continuar o processo de
aprendizagem dos conteúdos que ele não conseguiu internalizar no ano anterior?
Concretamente, observa-se que não é este o trabalho que atualmente se
realizam nas escolas, pois parece que a criança acaba por se deparar diante dos
mesmos conteúdos, com outro professor que desconhece suas dificuldades. Se for o
mesmo professor, diante das mesmas metodologias, sem nenhum
acompanhamento mais específico adequado às suas necessidades. Essa postura
pode acarretar uma carga de significados profundamente negativos de incapacidade
que a criança vai internalizando sobre si mesma até desembocar na famigerada
evasão escolar.
Não se deseja, aqui, promover algum tipo de facilitador para a aprovação
que junta com a reprovação não reduzem o fracasso escolar, diante de realidades
nas quais são testemunhados problemas graves na aprendizagem dos alunos. É o
caso da alfabetização, hoje 1º ano do Ensino Fundamental I. Sabe-se que nessa
série crianças não alfabetizadas continuam a ser promovidas para as séries
seguintes sem que suas dificuldades sejam superadas. Assim, é impossível se
afirmar que tais dificuldades não foram percebidas nos anos anteriores de ensino.
“Um nível de exigência menor como meio de evitar o abandono da escola é um
dissimulador do fracasso escolar” (SOUSA, S., 2008, p.105). A criança sem nenhum
estímulo acaba abandonando a escola por não encontrar nela um meio para superar
suas dificuldades. Em função disso, às vezes sofre discriminação: bullyng (apelidos
grosseiros) por parte dos colegas, torna-se agressiva, perde o interesse pelo
aprender porque se percebe incapaz, se isola do grupo, entre outros. Diante desses
fatos, a avaliação não cumpre sua função de ser “[...] um momento de observação
de um processo dinâmico e não-linear de construção de conhecimento” (BRASIL...,
1997, p. 56).
O que se vê na educação brasileira hoje é que a avaliação é uma via de mão
dupla respaldada pelos documentos oficias da educação nacional, mas que o
professor continua com uma postura tradicional de detentor do saber, que enxerga
seu aluno como um objeto que depende unicamente de seu parecer como requisito
para a avaliação de seu desenvolvimento. Hoje não se vê nas salas de aulas a
prática da auto-avaliação realizada pelo aluno. Ou seja, uma prática que o faça
responsabilizar-se por seu próprio desenvolvimento. É preciso fazê-lo refletir sobre
os aspectos que precisa melhorar no processo de aprendizagem (CONDEMARÍN;
25
MEDINA, 2005). A avaliação da forma como está sendo aplicada não favorece na
construção de estudantes inquietos pelo aprender, apenas verifica-se que:
Inutilmente, a avaliação classificatória busca tornar o aprender um objeto concreto, palpável, colecionando dados objetivos, precisos, mensuráveis. Mas esse aprender/objeto não revela a criança, o jovem em processo de desenvolvimento, porque, para revelá-los, é preciso entrar em relação com a pessoa/aprendiz, relações mais amplas e intensas, não apenas pedagógicas, mas afetivas nas quais se fazem presentes valores (HOFFMANN, 2007, p. 33).
Ao exercer a profissão de educador, o indivíduo se relaciona com seu
semelhante, se expõe enquanto pessoa. Espontaneamente deixa transparecer seu
jeito de ser, de pensa, de agir, suas emoções afloram. Ou seja, quando o professor
encontra-se em uma sala de aula está se relacionando com pessoas numa troca de
experiências e saberes. Essa não é uma profissão mecanizada onde a pessoa é
responsável apenas por uma tarefa específica a qual não pede nenhum tipo de
envolvimento. Pelo contrário, hoje para exercer a atividade docente ele precisa
possuir autocontrole, demonstrar tolerância, ser muito paciente e procurar entender
as diferenças de cada aluno.
Ao lecionar e avaliar, o professor mostra seu próprio jeito de conceber a
vida, traz consigo toda uma bagagem de valores e posturas adquiridas em suas
vivências, e precisa levar em conta que também seu aluno está ali com uma história
não acabada, que ainda está em formação, o que exige do professor um cuidado e
dedicação especiais, tendo em vista que pode ocorrer um choque de culturas
professor/aluno, contribuindo para e/ou reproduzindo as desigualdades sociais, pois
o docente pode exigir do aluno muito mais do que ele está apto a oferecer diante de
uma visão de mundo diferente.
Ou pior ainda, nas concepções pessoais do professor pode vir embutida
uma carga de pré-conceitos e com certeza no momento do ensino/avaliação ele será
influenciado por essas ideias internalizadas não permitindo ao aluno ser quem ele é
ou está querendo ser, assim os critérios do processo avaliativo precisam estar muito
bem explicitados, não podem estar simplesmente sujeitos à subjetividade do
professor, do seu humor naquele dia (LUCKESI apud DEPRESBITERIS, 2008). Isso
é o que alguns autores chamam de ideologia do dom, dom no sentido de ser dotado
de algo positivo, apreciável, “[...] dessa maneira, se o aluno possui determinadas
26
características que são do agrado do professor, será mais bem ensinado e avaliado
em seu desempenho e certamente cumprirá as expectativas nele depositadas”
(DEPRESBITERIS, 2008, p. 71).
Sendo assim, conclui-se que o critério da avaliação não é o desenvolvimento
cognitivo do aluno, mas uma forte influência subjetiva do professor quanto às suas
preferências ideológicas e sociais.
Esse modelo de aferição de notas é uma prática há muito explorada no
processo educativo e de difícil substituição, mas é preciso considerar que por trás
das notas são necessárias análises pedagógicas visando uma releitura da prática,
para que a aprendizagem seja beneficiada, pois é a isso que ela se destina
essencialmente.
A avaliação precisa ser encarada como ferramenta a serviço da
aprendizagem e não um momento isolado de controle de qualidade. Da maneira que
ela vem sendo trabalhada, simplesmente contribui para colocar em evidência as
dificuldades e lacunas de aprendizagem dos alunos sem, contudo, dar ao professor
o retorno necessário para rever sua prática, sua postura, seus referenciais.
3.1 O PROTAGONISMO DOCENTE FRENTE AOS ANSEIOS EDUCACIONAIS
O que se vê na sociedade atual é uma grande mudança do papel da
educação escolar. Faz-se cada vez mais necessária a preparação de cidadãos
autônomos capazes de construir seu próprio desenvolvimento. Ou seja, capazes de
assumir novas competências, entendendo que ser competente significa lançar mão
de várias informações, aptidões, posturas e conhecimentos a fim de possibilitar
meios de resolver problemas e contribuir para as soluções, em diferentes
circunstâncias. A rapidez com que acontece a evolução da sociedade e, sobretudo
das mais variadas formas de transmissão de informações, faz com que seja
imprescindível o indivíduo manter-se constantemente informado e apto a usar essas
informações da melhor maneira possível. Ou seja, ter uma postura crítica frente às
inúmeras possibilidades que se apresentam. Não se concebe mais uma educação
que seja simplesmente mecanicista, nem tampouco reprodutiva da realidade vigente
sem nenhuma perspectiva de mudança. Logo, conclui-se que:
27
A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro [...]. Nesta visão prospectiva, uma resposta puramente quantitativa à necessidade insaciável de educação _uma bagagem escolar cada vez mais pesada_ já não é possível nem mesmo adequada. Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente (DELORS, 2001, p. 89).
Entende-se com isso que a necessidade da formação passa a ser contínua e
faz parte de toda a vida do indivíduo. Diante deste novo modelo de cidadão que a
escola precisa formar, o que se vê é uma enorme contradição, já abordada
anteriormente, que é o meio pelo qual a avaliação é utilizada. É impossível conceber
que para formar este cidadão dotado destas novas aptidões básicas que são o
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, que
são apresentadas pelo Relatório para a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI (DELORS, 2001), se faça uso ainda, na maioria das
escolas do país, desta avaliação tradicional, que é completamente contrária às
novas expectativas em relação à educação. De acordo com as novas mudanças
pedagógicas, a escola não pode e não deve mais tratar seu aluno na perspectiva
ultrapassada de que ele é um recipiente vazio e cabe ao professor enchê-lo de
conhecimentos, conforme afirma Paulo Freire. É necessário ver o aprendiz como
alguém que faz uso de suas aptidões para aprender em todos os estágios da vida,
consciente de que todas as ocasiões são momentos para aprender e desenvolver
seus talentos e por isso são autônomos. Assim, o papel do professor é
imprescindível para que ocorra esse processo:
O trabalho do professor não consiste simplesmente em transmitir informações ou conhecimentos, mas em apresentá-los sob a forma de problemas a resolver, situando-os num contexto e colocando-os em perspectivas de modo que o aluno possa estabelecer a ligação entre a sua produção e outras interrogações mais abrangentes (DELORS, 2001, p. 157).
Ou seja, para que o professor possa formar este indivíduo dotado de novas
competências também ele precisa assumir a verdade de que se faz necessário
28
desenvolver em si mesmo novas competências para o ato de educar, sem prescindir
de toda a história construída em termo de metodologias e desenvolvimento
cognitivo, mas necessariamente se abrindo às novas formas de educar, assumindo
a responsabilidade por seu aprimoramento profissional.
Sem dúvida, sabe-se que os desafios para o professor são inúmeros:
existem instituições de ensino em condições precárias, com espaço físico
deteriorado, sem recursos como uma biblioteca equipada, um laboratório de
informática... Com crianças que muitas vezes vão à escola apenas por causa da
merenda. Há, também a falta de material acadêmico como livros didáticos e
paradidáticos. Na maioria dos casos, não existe apoio e subsídio das instâncias
oficiais (Secretarias de Educação) para capacitação dos educadores, também o
descompromisso por parte do gestor da escola que não motiva e incentiva sua
equipe, salários baixos.
Nada pode justificar a falta de compromisso de todos os envolvidos no
processo ensino-aprendizagem. Inclusive o professor com seu aluno, porque no dia
a dia escolar é esta relação professor/aluno que realmente constroi um ambiente
favorável de desenvolvimento cognitivo. O professor precisa tomar consciência de
que mesmo sozinho, com seus pequenos esforços, deve assumir esta luta que não
é infrutífera apesar de ser contra um inimigo tão grande que é este modelo de
sociedade que busca atender somente aos anseios da classe dominante. Se faz
necessário ter a percepção de que mesmo os pequenos passos são válidos e
precisam ser valorizados (VASCONCELLOS, 2008).
É interessante imaginar que os governantes e as instâncias oficiais
responsáveis pela educação nacional estabelecem, de certa forma, metas e
objetivos para a avaliação. Claro, tudo isso com o intuito maior de contribuir para
uma educação de qualidade, mas o grande responsável é o professor dentro da sala
de aula. Ele está todos os dias com seus alunos acompanhando suas dificuldades,
desafios, temores e conquistas. É ele o primeiro e principal responsável por elaborar
seus planos de avaliação, tendo em vista não simplesmente medir, aferir o que seu
aluno sabe ou aprendeu naquele ciclo, mas contribuir na formação de seu
aprendizado. Os Parâmetros Curriculares e as Referências oficiais são um
direcionamento geral, mas o professor precisa assumir que é dele a
responsabilidade para que realmente a avaliação assuma seu aspecto participativo.
Quer dizer, o docente, juntamente com seus alunos podem e devem, desenvolver
29
seu próprio sistema de avaliação com finalidades específicas que respaldem seus
anseios de aprendizagens, como também as experiências consideradas adequadas
(CONDEMARÍN; MEDINA, 2005).
Não é prudente simplesmente se colocar a culpa nos professores, no que diz
respeito à avaliação. Conforme abordagens anteriores, este problema é muito mais
complexo, entendendo que a escola reflete os modelos sociais da política capitalista,
mas eles possuem alternativas de luta que sem dúvida podem contribuir com a
transformação desta realidade, tendo em vista que a avaliação vem sendo causa de
traumas educacionais que não possibilitam momentos adequados de tranquilidade e
de segurança para o aluno, onde ele pode errar sem ter medo de ser punido, onde
ele tem, junto com os colegas, espaço de construção de suas concepções sabendo
que poderá contar com o apoio esclarecedor de seu professor, como declara
Hoffmann:
A avaliação é essencial à docência, no seu sentido de constante inquietação, de dúvida. Um professor que não problematiza as situações do cotidiano, que não reflete passo a passo sobre suas ações e as manifestações dos alunos, instala sua docência em verdades prontas, adquiridas, pré-fabricadas (2003, p. 90).
Ao se deparar e defender esta nova concepção de educação que deve se
desenrolar ao longo de toda a vida, cabe ao professor a responsabilidade de gerar
em seu aluno esta inquietação positiva do aprender constante que não se encerra
no final de um curso/período escolar. Para isso, o primeiro que necessita mudar sua
postura, é, sem dúvida, o professor. Inicialmente, revendo sua maneira de conceber
a avaliação, lançando sobre o aluno não um olhar negativo como se ele já entrasse
no início do ano letivo como um devedor, dando destaque apenas ao não-feito, ao
não-alcançado, ao não-sido, mas numa perspectiva positiva “[...] um olhar confiante
das várias potencialidades dos alunos em termos de seus múltiplos fazeres e
saberes” (HOFFMANN, 2007, p. 29).
É importante que o professor tenha a consciência de que é preciso resgatar
no aluno o encantamento pelo aprender, não simplesmente aprender por ter que
atingir um conceito, porque tem que passar de ano ou pior ainda pela competição
que se gera em torno das vivências escolares. Mas o aprender no sentido do
enriquecimento, de conquista e desenvolvimento pessoal, que o capacitará ao longo
de toda a vida a estar constantemente aprendendo, aprendendo a ser uma pessoa
30
melhor, aprendendo a relacionar-se, aprendendo a resolver seus problemas, mas
para isso é preciso que o professor perca o temor do envolvimento com o aluno,
numa compreensão falsa de autoridade, entendendo que para ter autoridade não se
faz necessário ser autoritário e amedrontar os estudantes numa perspectiva
enganosa de ganho educacional, quando se tem como meta uma nota.
Outro desafio a ser vencido pelo professor são as expectativas que tanto a
família como a equipe gestora da escola impõe sobre sua prática, decorrente deste
modelo engessado de avaliar, mesmo que o professor se utilize de novas técnicas
metodológicas, novas abordagens dos conteúdos escolares num esforço de atrair o
envolvimento de seu aluno, mas quando se dirige à avaliação de certa forma até se
exige que ele faça uso de provas meritórias. Ou seja, retorne ao estilo tradicional, e
mesmo o próprio professor se sente perdido quando o assunto é avaliar, tendo em
vista que não lhe são apresentadas novas possibilidades, nem pelos cursos de
graduação, que na maioria das vezes ele consegue terminar com muito custo, nem
pela equipe pedagógica da escola que, pelo contrário, não ajuda e só joga sobre o
professor toda uma carga de cobrança.
Dando continuidade ao assunto desse trabalho, por que não se consegue
trazer toda esta enorme gama de possibilidades teóricas que estão à disposição
para enriquecer o processo educacional? Para ser prática construtiva de todos os
momentos que envolvem tal processo, inclusive na avaliação?
Diante de todos os pontos abordados, compreende-se que essa questão
não é tão simples de ser respondida, mas concretamente aos professores cabe
abraçar essa causa. Eles “[...] devem despertar a curiosidade, desenvolver a
autonomia, estimular o rigor intelectual e criar as condições necessárias para o
sucesso da educação formal e da educação permanente” (DELORS, 2001, p.153).
É preciso desmistificar a avaliação encarando-a como uma oportunidade de
aprendizagem. Os estudantes necessitam ser vistos numa perspectiva ampla de
possibilidades, pois “[...] momentos estanques ou esporádicos não respondem sobre
desenvolvimento” (HOFFMANN, 2007, p. 32), como se dá no uso simplesmente de
testes e tarefas escritas. Pelo contrário, através de uma análise que busque
conhecer os processos em que acontece a aprendizagem.
Os meios para isso podem ser os mais diversos, o que essencialmente
muda o jeito de avaliar é a maneira de pensar a educação. É a maneira de se
posicionar frente a esta enorme possibilidade de mudança social, seja com
31
anotações constantes a respeito dos progressos e desafios de seus alunos, com
novas posturas, com novas concepções de aprendizagem, até mesmo utilizando-se
provas escritas, porque ainda vai demorar muito tempo para que elas sejam
substituídas, mas necessariamente é preciso ter em mente a responsabilidade que
se tem sobre a construção de um sujeito que está fora. Alguém sobre o qual o
professor influi sobremaneira.
Assim, é perceptível que uma grande aliada neste caminho em busca de
mudança é o uso de uma postura mediadora de avaliar, a qual foi abordada no início
desse estudo e que possui como premissas básicas o princípio da provisoriedade,
onde toda a análise do professor sobre seu aluno deve ser impulso para o
encaminhamento de novas questões. Ou seja, desafios para o professor no intuito
de promover o desenvolvimento, como também o princípio da complementaridade
em que o acompanhamento ao educando precisa acontecer ao longo do processo e
através de diversas atividades, a fim de fazê-lo superar seus limites, tanto em
aspectos intelectuais como afetivos (HOFFMANN, 2007). Como ainda acrescenta
Delors:
O professor deve estabelecer uma nova relação com quem está aprendendo, passar do papel de ‘solista’ ao de ‘acompanhante’, tornando-se não mais alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda seus alunos a encontrar, organizar e gerir o saber, guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida (2001, p.155).
Numa perspectiva de que não são os instrumentos ou os modelos de
avaliação que importam, mas as expectativas, o olhar do professor sobre seu aluno
e sobretudo sobre sua prática, livrando o educando de toda a responsabilidade de
se educar, de aprender. Não se defende aqui o estímulo ao espontaneísmo que
muitas vezes tenta justificar uma prática sob a abordagem construtivista mal
utilizada, mas esse compromisso entre pessoas, entre indivíduos que estão ali para
se enriquecerem juntos, num ambiente todo especial que é a escola. Nesse
contexto, cabe ao professor a grande responsabilidade, a qual ele não pode se
eximir.
Sabe-se que muitas pessoas assumem a profissão docente, pensando
apenas no retorno profissional, mesmo sabendo que ela é uma profissão que não
32
oferece a remuneração adequada e merecida, mas é de rápida absorção pelo
mercado, visualizando a situação sócio-econômica negativa da grande parte da
população, ou mesmo pela necessidade de um diploma de graduação exigido pela
sociedade e até pela bagagem cultural de que qualquer pessoa poderia ser
professor pois estaria ali apenas para cuidar da criança sem nenhuma pretensão
maior, mas o que se vê no desenrolar da história da educação é que ela foi
assumindo um papel de grande importância dentro da sociedade e para isso foi se
exigindo cada vez mais profissionais preparados.
Infelizmente, ainda hoje o que se vê é um número crescente de pessoas
assumirem a profissão docente sem nenhuma perspectiva de envolvimento e
compromisso real, o que contribui, e muito, para o quadro de fracasso que que é
visto. Há, também, profissionais que há muito estão atuando nesta área e já se
encontram cansados, desmotivados e usam isto como justificativa da resistência às
mudanças. Felizmente, existem educadores que acreditam numa educação de
qualidade e demonstram uma postura de total envolvimento e compromisso, não
como numa relação de pais sobre seus filhos, mas numa determinação própria e
acreditando que seu papel é ajudar na formação e na promoção do outro, enquanto
cidadão aprendiz.
33
4 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO SÓCIO ESCOLAR: construindo caminhos para a utilização da avaliação mediadora/emancipatória
A última parte deste trabalho consiste na elaboração de uma Proposta de
Intervenção sócio escolar, algo complexo e desafiador, porém gratificante, uma vez
que possibilita o exercício teórico/prático, fortalece a profissionalização e a melhoria
da prática dos futuros educadores (as), pois proporciona uma reflexão a respeito da
função da avaliação no processo educativo. O referido documento é dirigido à escola
campo da observação, mesmo sabendo-se que para mudanças tão estruturais virem
a acontecer é necessário o envolvimento das mais variadas instâncias educativas,
tanto no aspecto macro-estrutural, que envolve as Secretarias de Educação, o
desenvolvimento e aplicação de políticas públicas voltadas para a formação
continuada do professor e de toda a equipe pedagógica, quanto micro-estrutural
buscando o envolvimento do gestor, como também de toda a comunidade escolar e
do professor propriamente dito, neste processo de releitura da avaliação escolar.
Ao se analisar algumas das facetas da prática avaliativa, à luz dos
referenciais teóricos que defendem e acreditam neste aspecto da educação como
um meio de transformação da qualidade escolar, vê-se que é necessária, a partir de
agora, a aplicação de uma avaliação mediadora e emancipatória capaz de formar o
cidadão aprendente. Para que isso ocorra, são necessárias novas estratégias de
ação, tendo em vista a capacitação e o aperfeiçoamento dos professores, com o
intuito de auxiliá-los na implementação de práticas que, efetivamente, contribuam no
dia-a-dia escolar, tendo como principal foco o processo de ensino-aprendizagem.
Para isso, serão retomados alguns conceitos básicos, apresentados na fase
anterior desse trabalho, sobretudo a respeito da avaliação mediadora/emancipatória,
com o intuito de promover uma formação mais consistente do educador, haja vista a
necessidade desta postura mediadora que o professor necessita assumir em toda a
sua prática, incluindo sua forma de avaliar. É preciso que se invista na formação
continuada desse profissional, com o oferecimento de cursos de pós-graduação,
seminários, encontros, apoio dos gestores e um bom assessoramento por parte dos
coordenadores pedagógicos proporcionando palestras, leituras, reflexões,
discussões, oficinas, planejamentos e o estudo de todo o referencial teórico que
34
apoia e fortalece as estratégias de trabalho do docente. Assim, esse estudo está
dividido em três etapas que são as seguintes:
4.1 PRIMEIRA ETAPA DA FORMAÇÃO
Inicialmente, o ideal é realizar um encontro com os professores da escola
para se discutir os princípios ancoradores da avaliação, nas perspectivas tradicional
e progressista. O encontro terá dois dias de duração. O primeiro dia será dividido em
duas partes: na primeira, será ministrada uma palestra por um professor universitário
com especialidade na área, lançando questionamentos, conceituando os vários tipos
e instrumentos avaliativos e também buscando o enfoque transformador a respeito
de uma avaliação que visa reformular o processo de ensino-aprendizagem no
sentido de colaborar positivamente para o aprendizado do aluno e não simplesmente
como medição deste.
No segundo momento, será realizado um debate entre os professores e o
palestrante. Esta discussão objetiva proporcionar aos docentes algumas uma
reflexões a respeito das diferenças entre as ideias expostas anteriormente pelo
palestrante, tendo em vista analisar as consequências geradas pelo modelo
tradicional de avaliar e as perspectivas que a avaliação mediadora/emancipatória
aponta, como também as novas perspectivas da sociedade em relação à formação
de um cidadão crítico e transformador das realidades à sua volta. Também se
abordará o quanto a avaliação classificatória tem contribuído apenas para a geração
de estudantes cada vez mais reprimidos em sua forma de pensar e agir, observando
que não há espaço para os erros.
Para o segundo momento deste dia, serão distribuídas cópias de uma
entrevista realizada com a professora Jussara Hoffmann na qual ela explicita de
forma simples e objetiva os princípios norteadores da visão mediadora da avaliação,
propiciando assim, aos professores uma melhor compreensão desta perspectiva.
Para tanto, eles serão divididos em pequenos grupos, para que, ao término da
leitura realizem reflexões entre si, e posteriormente apresentem alternativas que
propiciem a implementação desta prática avaliativa na escola, tanto em relação à
sua própria ação, quanto em relação às mudanças estruturais do funcionamento da
35
instituição, compreendendo que não basta se colocar como ouvinte em
determinadas situações para que seja motivada a mudança. Ao término desta
atividade, considera-se este primeiro dia de curso encerrado.
4.2 SEGUNDA ETAPA DA FORMAÇÃO
Para o segundo e último dia de curso, é importante reunir os grupos
novamente para que juntos relembrem o que foi planejado no dia anterior e se
preparem para apresentação em plenária de suas sugestões.
Concluída a apresentação dos grupos e uma breve discussão sobre o
enriquecimento das perspectivas de trabalho, serão validadas conjuntamente as
propostas que podem ser aplicadas no dia-a-dia escolar, partindo sempre do
pressuposto que não importam tanto os instrumentos avaliativos. Ou seja, provas
escritas, anotações diárias, propostas de exercícios, observação do professor em
relação ao progresso do aluno nas aulas e até mesmo o uso da nota/conceito,
sabendo-se que sua substituição acontece de maneira lenta e gradativa, mas a
postura do professor que de posse destas informações assumirá o compromisso de
reavaliar sua prática visando atingir o aluno e conduzi-lo a superar suas dificuldades,
tendo muito claro o objetivo ao qual pretende conduzir o aprendiz, propondo novos
meios, novas questões, novos desafios, sempre numa postura de mediador do
conhecimento. Assim a primeira parte do segundo dia dá-se por encerrada.
Para a segunda e última parte deste pequeno curso, que não pretende
unicamente a capacitação do docente, mas também um estímulo para sua tomada
de consciência a respeito da sua responsabilidade na formação do cidadão
consciente de suas potencialidades.
Como início, será realizada uma grande oficina com professores
universitários, para, junto aos professores da escola, elaborar planos de trabalho
para serem utilizados na semana seguinte, visando sempre esta postura de
acompanhante do desenvolvimento do aluno, onde os docentes universitários
estarão ali exatamente para auxiliarem e retirarem as possíveis dúvidas, e assim
num ambiente de crescimento humano-profissional, se possa enriquecer todo o
36
processo de ensino-aprendizagem. Tendo-se concluído esta etapa do trabalho, o
curso será encerrado.
4.3 TERCEIRA ETAPA DA FORMAÇÃO
Durante a semana seguinte, após o curso será feito um acompanhamento
junto à equipe pedagógica e também aos professores da escola, visando auxiliar
este início de tentativa de mudança de comportamento em relação à avaliação.
Sugere-se, também, que nos dias dedicados ao planejamento escolar, os
professores sejam motivados pela equipe pedagógica a expor, em diálogo, suas
percepções acerca do trabalho desenvolvido, suas dificuldades e possíveis ganhos
para juntos buscarem alternativas de estudo e de trabalho, a fim de que, cada vez
mais, as dificuldades sejam superadas.
Assim, conclui-se essa alternativa de trabalho com o desejo de
implementação de uma prática avaliativa mais favorável à aprendizagem do aluno.
37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível, através desse estudo se perceber o quanto a avaliação é
importante na formação das pessoas. Para que ela sirva à aprendizagem é
essencial que se conheça cada aluno e suas necessidades. Avaliações que
realmente levam em conta a singularidade dos alunos, as habilidades e
conhecimentos necessários ao funcionamento do estudante na sociedade podem
ajudá-los a identificar e entender o que precisam para ser bem sucedidos sem
desmoralizar suas noções de indivíduos. Por isso, é necessário que o professor
continue assessorando o estudante em seus anos de formação e a base para isso é
uma boa avaliação.
Tendo em vista o até aqui exposto, constata-se que os questionamentos
realizados durante a elaboração desse trabalho, acerca da teoria e da prática no
processo de ensino-aprendizagem, são válidos, sobretudo em se tratando da
avaliação. Torna-se claro que nem a escola, nem tampouco o professor estão
conseguindo responder a este anseio de mudança num aspecto tão relevante que é
a avaliação escolar. Ambos permanecem reproduzindo as desigualdades sociais
quando se utilizam de práticas avaliativas que levam em conta apenas o mérito do
aluno, classificando e selecionando os bons dos não tão bons. Constata-se, então,
que a prática do professor está muito distante do que os teóricos defendem como
ideal em relação à avaliação, ao se verificar, por exemplo, as abordagens dos
Parâmetros Curriculares Nacionais quando declaram que:
A concepção de avaliação [...] vai além da visão tradicional, [...] [é] compreendida como parte integrante e intrínseca ao processo educacional, [ou seja,] um conjunto de atuações que tem a função de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica (1997, p. 55).
Assim, ao professor cabe a conscientização acerca de seu compromisso
com o aluno, sem prescindir dos desafios que irá enfrentar, mas lançando-se nesta
luta que não é inglória, numa postura de mediador do conhecimento que a cada
instante está também reavaliando sua prática com o intuito de contribuir para a
formação deste cidadão crítico e autônomo de que a sociedade anseia. O educador
não pode exercer o magistério de forma que quantifica o conhecimento e o traduz
38
em notas. Não deve atribuir um rótulo ao aluno que não tirou o conceito que seria
atribuído ao sistema educativo.
Diante de todo o processo e aspectos vivenciados no decorrer dessa
pesquisa, surgiu a ideia de sugerir uma proposta de intervenção sócio escolar
visando a capacitação do professor, com o desejo de que ele assuma uma postura
de alguém que não somente ensine, mas proponha desafios ao seu aluno para que
esse, com seu apoio, possa se desenvolver. Aqui tratamos de alguns princípios da
avaliação humanizada. Se exercermos o magistério em uma sociedade que
quantifica o conhecimento e o traduz em notas, não podemos atribuir um rótulo ao
aluno que não tirou o conceito que seria atribuído ao sistema educativo.
Dessa forma, conclui-se que a avaliação da aprendizagem não tradicional
auxilia o educador e o educando na sua viagem comum de crescimento, e a escola
na sua responsabilidade social.
39
REFERÊNCIAS
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação educacional, regulação e emancipação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. AVALIAÇÃO. Disponível em: <http://www.dn.senai.br/src/contextualização/Célia>. Acesso em: 04 jul. 2009. FERRAZ, Maria Cláudia Reis; MACEDO,Stella Maris Moura. As Afluências de um rio chamado avaliação escolar. In: ESTEBAN, Maria Teresa (Org.). Escola, currículo e avaliação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução. Brasília/DF: MEC, SEF, 1997. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União. Seção I, 1996. CONDEMARÍN, Mabel; MEDINA, Alejandra. Avaliação autêntica: um meio para melhorar as competências em linguagem e comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2005. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa: polêmicas do nosso tempo. 6.ed. Campinas/SP: Autores Associados, 1999. DEPRESBITERIS, Lea. Avaliação da aprendizagem: revendo conceitos e posições. In: SOUSA, Clarilza Prado de (Org.). Avaliação do rendimento escolar. 15. ed. Campinas/SP: Papirus, 2008. ESTEBAN, Maria Tereza (Org.). Escola, currículo e avaliação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio, uma perspectiva construtiva. 32. ed. Porto Alegre: Mediação, 2003.
40
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APÊNDICES
APÊNDICE A – RELATÓRIO DE OBSERVAÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
A presente observação foi realizada em uma Escola Municipal, situada no
Bairro Nossa Senhora de Nazaré, em Natal. Foi criada no dia 29 de Agosto de 1988
sob o decreto nº 3.747 da Prefeitura Municipal da cidade do Natal. Trata-se de uma
escola de grande porte que possui treze salas de aula, uma biblioteca ampla e bem
iluminada que contém um bom acervo de livros como também mesas e cadeiras
para os alunos estudarem, um laboratório de informática com vinte computadores
em bom estado de conservação, que é utilizado pelas turmas de todas as séries
com uma grade de horários pré-determinados, uma sala de vídeo, uma sala de
artes, uma ampla quadra de esportes coberta, uma cozinha, um refeitório amplo com
seis mesas grandes, dois banheiros para os alunos um para os meninos e outro
para as meninas com seis vasos sanitários cada um, os quais não se encontram em
um estado muito bom de conservação, uma sala da secretaria, uma sala para os
professores e uma sala para a coordenação pedagógica, uma sala para a direção,
uma sala do grêmio estudantil, como também uma sala designada aos guardas
municipais, um pátio coberto e uma grande área livre para os alunos brincarem na
hora do intervalo, hoje este espaço livre se encontra mal conservado, com
aglomeração de lixo como também muito mato crescendo em volta da escola. De
maneia geral, as salas são bem iluminadas e ventiladas, mas se observou que
mesmo no horário matutino elas estavam sujas e as carteiras não apresentam um
bom estado de conservação.
A escola tinha como concepção inicial a finalidade de atender em tempo
integral, crianças e adolescente do bairro que estivessem fora da escola. Atualmente
atende em horário parcial, ou seja, dividido em três turnos, 973 alunos do 2º ao 9º
ano do ensino fundamental nos turnos matutino e vespertino e no turno noturno com
Educação de Jovens e Adultos. O bairro onde a escola está inserida faz parte da
periferia da cidade do Natal que fica próximo à estação Rodoviária da cidade. Em
seu entorno encontram-se avenidas de grande fluxo de automóveis com um grande
número de estabelecimentos comerciais. As crianças atendidas pela escola são
carentes. Em sua maioria, residentes no próprio bairro, mas também oriundas dos
bairros vizinhos como Dix Sept Rosado, Cidade da Esperança, Felipe Camarão,
Bom Pastor e outros.
APÊNDICE B – ENTREVISTA COM A COORDENADORA PEDAGÓGICA
ENTREVISTADORA: Que abordagem teórica é utilizada pela escola no processo educacional?
COORDENADORA: Não trabalhamos com uma teoria específica, por algum tempo
tentou-se implantar o construtivismo, mas diante de algumas dificuldades
relacionadas aos professores não foi possível. Buscamos explorar sempre as
questões humanistas e progressistas, tendo em vista as necessidades dos alunos
que são de baixa renda, trabalhamos numa perspectiva social, a valorização do ser,
o desenvolvimento do sujeito, utiliza-se muito o pensamento teórico de Paulo Freire. ENTREVISTADORA: Como é o processo avaliativo? A coordenação pedagógica interfere neste aspecto?
COORDENADORA: De acordo com determinação da Secretaria Municipal de
Educação, hoje são utilizadas provas que valem nota para os 4° e 5° anos visando
um melhor rendimento escolar para que a escola obtenha um bom índice no IDEB.
Por causa disso percebemos que houve um envolvimento maior dos pais e da
comunidade escolar no processo de aprendizado dos alunos, ou seja, por valer uma
“nota” os pais colocam seus filhos em aulas de reforço, etc., e para que as provas
aconteçam são estipulados períodos de prova que ficam a cargo de cada
professora. (isto é visto como positivo pela coordenação). No que diz respeito à
elaboração e formulação das avaliações a participação da coordenação pedagógica
se dá apenas na medida da necessidade do professor como orientação e ajuda a
possíveis dúvidas.
ENTREVISTADORA: Como e quando acontece o planejamento geral?
COORDENADORA: A coordenação pedagógica se reúne semanalmente com os
professores para em grupo planejarem e organizarem as ações da escola naquela
semana.
APÊNDICE C – ENTREVISTA COM A PROFESSORA TITULAR DA TURMA
ENTREVISTADORA: Como e quando você faz seu planejamento? PROFESSORA: Planejo individualmente durante a semana, mas a coordenadora
pedagógica especificou um dia para que eu planeje aqui na escola, mas não me
sinto muito a vontade por causa das conversas e do barulho, então neste dia que é
às quintas-feiras, trago as atividades que já organizei durante a semana para fazer
cópias se for preciso, de textos, etc. Também faço um trabalho diferenciado com
alguns alunos que ainda não estão alfabetizados, fiz questão de mantê-los em
cadeiras marcadas mais próximos de mim, mas de maneira que eles não percebam
que é por causa disso.
ENTREVISTADORA: Você leva a avaliação em consideração em seu
planejamento? Quais os critérios e instrumentos utilizados?
PROFESSORA: A avaliação é contínua, não gosto de realizar testes ou provas
escritas valendo notas, até porque a turma está desnivelada, mas como a
coordenação pedagógica exige que se faça pelo menos uma “prova” valendo nota,
eu tento deixar o menor valor possível para isto, observo a assiduidade, o bom
comportamento, a organização do material escolar, pesquisas, trabalhos escritos
que recebo.
A professora titular me cedeu uma ficha contendo todos os critérios e
instrumentos que ela utiliza para avaliar, ela comentou ainda que a coordenação
pedagógica ao perceber seus métodos de avaliação achou interessante e sugeriu
para os demais professores, mas fica a critério de cada um de acordo com a
realidade de cada turma.
APÊNDICE D – 1° DIA DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA (12/05)
Turma: 4º “C” (28 alunos) Início-08h11min Término-10h40min
TOM COLOQUIAL:
Como a coordenadora havia mencionado as avaliações valem nota: “coloquem o n°
de vocês da chamada, por que fica mais fácil de colocar a nota”.
1º ATIVIDADE: A primeira atividade que pude observar quando cheguei já estava
em andamento, era uma lista de palavras com 25 palavras. Pelo que posso perceber
os alunos estão transcrevendo as palavras anteriormente listadas no caderno numa
folha à parte para posteriormente entregarem a professora.
2º ATIVIDADE: A professora orientou uma atividade que denominou “produção de
texto”, para isso cada um possui um caderno específico que ela guarda em seu
armário e distribui quando necessário, para que esta atividade aconteça a
professora conduziu a turma para a biblioteca, chegando lá dividiu a turma em
grupos de três alunos em cada mesinha, apenas para uma boa organização. Em
seguida com a ajuda da bibliotecária fez uma seleção prévia de livros infantis
enquanto as crianças esperavam sentadas em seus lugares, posteriormente cada
uma das crianças pegou o livro que mais lhe agradava e começaram o trabalho que
era fazer a leitura do livro e coletar as informações técnicas do mesmo, nome do
autor, título do livro, editora, ano de publicação, ilustrador e por fim fazer um
pequeno resumo da história do livro, a atividade transcorreu de maneira tranqüila, a
medida que ia sendo solicitada pelos alunos a professora ia retirando suas dúvidas,
em um dado momento percebendo que havia alguns alunos com mais dificuldades
ela os trouxe para sua mesa onde os ajudou de maneira individualizada. Ao que
parece as crianças já estão bastante habituadas com visitas à biblioteca, pois a
atividade transcorre de maneira tranqüila e relativamente silenciosa. Num período de
30 min. A tarefa na biblioteca estava concluída, a professora conduz a turma de
volta à sala, chegando lá introduz outro assunto em forma de conversa que é a
confecção das lembrancinhas para a festa das mães que será no próximo sábado,
em seguida ainda como conversa ela dá início a novo assunto que é a data
comemorativa 13/05, dia da abolição da escravatura, as crianças vão interagindo e
ampliando a conversa, posteriormente a professora orienta atividade a respeito do
conteúdo, que inicialmente será uma pesquisa individual para ser explorada semana
que vem ao qual ela intitulou de “A influência dos negros na cultura brasileira”, na
matéria de história ela orienta que eles copiem no caderno, mas que posteriormente
será entregue em folha separada, a pergunta foi a seguinte: 1. Pesquise em jornais, livros, revistas, internet, entre outros, sobre a escravidão dos negros no Brasil e sua influência para a nossa cultura.
APÊNDICE E – 2º DIA DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA (18/05)
Início- 07h e 30 min. Término- 10h e 40min.
1º ATIVIDADE: Ao chegar à sala de aula a tarefa já estava em andamento, um
aluno previamente escolhido estava fazendo a leitura de um livro em voz alta para
toda a turma, os demais alunos ouviam a história atenciosamente. Logo em seguida
a professora prossegue fazendo a leitura dando continuidade à história, ela
simplesmente lê o livro sem nenhuma entonação diferente e nenhum atrativo de
contação de histórias, o livro se chama “O feitiço do sapo”, ao que parece o intuito é
mesmo uma leitura inicial de um texto sem nenhum propósito específico, o que
prossegue sem nenhuma interação com os alunos, percebe-se que eles estão
habituados com esta atividade, pois ouvem de maneira silenciosa. Ao terminar a
leitura do livro a professora conversa com os alunos sobre a história, pede que
façam comentários sobre o que cada um mais gostou etc., esta conversa tem a
duração de cinco minutos.
Em seguida a professora introduz um novo tema, a data de hoje em que é
marcada como o dia nacional de combate ao abuso sexual de crianças e
adolescentes, por se tratar de um assunto polêmico gera-se muitos comentários por
parte dos alunos, fazendo questionamentos, tirando duvidas, etc., me parece que foi
apenas uma chamada de atenção por parte da professora para que as crianças
estejam atentas por onde andam, com quem conversam para não correrem o risco
de serem vitimas deste tipo de violência tão em alta neste momento de nossa
sociedade.
2º ATIVIDADE: Neste momento é feita a distribuição de um texto a respeito da
escravidão de negros no Brasil e suas contribuições na cultura brasileira, o intuito da
professora é retomar e dar continuidade ao assunto iniciado na aula anterior, ela
orienta que a turma faça uma leitura silenciosa do texto, os que não estão
alfabetizados aguardam o momento em que será afeita a leitura oral do texto. A
leitura coletiva é iniciada pela própria professora, mas devido a interferência de um
aluno ela sugere que ele mesmo faça a leitura, ele inicia, mas vendo que não é
adequada pela dificuldade do texto ela mesma continua e ao mesmo tempo vai
lançando informações complementares, o texto trata da abolição da escravatura e a
posição dos negros na sociedade atual. Após esta leitura é feita toda uma
exploração oral do tema, mas a conversa se desenrola a respeito dos pré-conceitos
de maneira geral. É notória a maior participação de alguns alunos, o que é normal,
tendo em vista que alguns são mais tímidos do que outros, mas seria interessante
também que ela os provocasse mais para participarem ativamente das conversas
em geral e entenderem melhor os assuntos, tanto que sua postura física está mais
voltada para os alunos que “falam” mais, por assim dizer, esta atividade teve uma
duração de trinta minutos entre leitura e conversa.
Em seguida foram distribuídas folhas com atividade individual, intitulada produção
de texto: Como você acha que o mundo deveria ser para que todos tivessem uma vida decente e feliz? Após a construção do texto faça uma ilustração.
Passados cinco minutos da orientação da tarefa não é dado nenhum tipo de
auxílio aos alunos com dificuldade escrita, após quinze minutos do início da tarefa a
professora não faz nenhum tipo de observação individual nas carteiras dos alunos,
posteriormente tendo passado vinte e cinco minutos da atividade em andamento a
professora chama um a um os alunos com maior dificuldade em sua mesa para que
ela os oriente e ajude.
OBS. na última aula a professora havia orientado uma pesquisa a respeito do tema
explorado no momento, mas até agora ela não fez nenhuma menção a este respeito,
como também não recolheu o trabalho, já que havia dito que era para entregar
separadamente.
Considero esta atividade relativamente simples, mas está tomando um tempo
muito longo da aula, percebo que a professora deixa as crianças muito livres não os
estimula para que sejam mais ágeis com a tarefa, a turma voltou do intervalo às
9:20, neste momento são 10h e eles continuam fazendo a mesma atividade, que
começou com uma orientação de pesquisa a respeito da escravidão e a influência
negra na cultura brasileira e se desenvolveu com uma “proposta de um mundo
melhor para todos” (?). Finalmente após duas horas a professora propõe um
fechamento (?) para a tarefa, distribuiu revistas e tesouras para que os alunos
individualmente escolham uma imagem que possa representar a liberdade de um
modo geral, para ser colada em um único cartaz formando uma espécie de mural.
Após dez minutos nenhuma imagem foi colada no mural, o que posso perceber é
que as crianças não compreenderam muito bem o sentido da tarefa, é sobre o negro
e sua influência na cultura nacional? Sobre a igualdade de direitos? Sobre a
liberdade? Sobre a violência? Tendo em vista que a professora mesclou o tema do
abuso sexual de crianças e adolescentes com escravidão, com pré-conceito... (qual
é o objetivo desta atividade?). Passaram-se vinte minutos e seis crianças colaram
suas imagens no cartaz...
APÊNDICE F – 3º DIA DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA (19/05)
Início-07h e 30min. Término- 09h
1º ATIVIDADE: Ao chegar à escola as atividades já haviam começado, a turma
estava no laboratório de informática, a tarefa consiste em digitar um texto
previamente escolhido pela professora no computador, apesar de ser uma tarefa
simples as crianças estão gostando muito, a professora circula pela sala auxiliando
àqueles que não têm muita habilidade com a máquina, como também a monitora da
sala faz o mesmo. Às 7h e 55 min., a turma retorna à sua sala de aula, pois as
visitas ao laboratório de informática têm um tempo estipulado, chegando lá uma das
alunas dá continuidade à leitura de um livro que foi iniciada no final da aula do dia
anterior, ao término da leitura é feita uma pequena abordagem do texto pela
professora onde ela pergunta aos alunos se eles gostaram.
2º ATIVDADE: Terminado o primeiro momento a professora orienta a atividade de
produção textual, a mesma que presenciei no primeiro dia de observação em sala,
ou seja, os alunos irão à biblioteca escolhem um livro, lêem e anotam as
informações técnicas do mesmo, autor, editora, ano de edição, título do livro, e
ilustrador, como também escrevem um pequeno resumo da história do livro, a
professora esclarece para a turma que estas idas à biblioteca servirão para que no
futuro eles construam o livro da turma com o resumo de um livro que cada um mais
gostou.
ANEXOS
ANEXO A: ENTREVISTA COM JUSSARA HOFFMAN (texto editado)
AVALIAÇÃO
ENTREVISTADOR: O que o professor precisa mudar na sua concepção de
avaliação para desenvolver uma prática avaliativa mediadora?
JUSSARA HOFFMAN: As transformações de avaliação são multidimensionais. Uma
grande questão é que avaliar envolve valor, e valor envolve pessoa. Nós somos o
que sabemos em múltiplas dimensões. Quando avaliamos uma pessoa, nos
envolvemos por inteiro - o que sabemos, o que sentimos, o que conhecemos desta
pessoa, a relação que nós temos com ela. E é esta relação que o professor acaba
criando com seu aluno. Então, para que ele transforme essa sua prática, algumas
concepções são extremamente necessárias. Em primeiro lugar, o sentimento de
compromisso em relação àquela pessoa com quem está se relacionando. Avaliar é
muito mais que conhecer o aluno, é reconhecê-lo como uma pessoa digna de
respeito e de interesse. Em segundo lugar, o professor precisa estar preocupado
com a aprendizagem desse aluno. Nesse sentido, o professor se torna um aprendiz
do processo, pois se aprofunda nas estratégias de pensamento do aluno, nas
formas como ele age, pensa e realiza essas atividades educativas. Só assim é que o
professor pode intervir, ajudar e orientar esse aluno. É um comprometimento do
professor com a sua aprendizagem - tornar-se um permanente aprendiz. Aprendiz
da sua disciplina e dos próprios processos de aprendizagem. Por isso a avaliação é
um terreno bastante arenoso, complexo e difícil. Eu mudo como pessoa quando
passo a perceber o enorme comprometimento que tenho como educador ao avaliar
um aluno.
ENTREVISTADOR: O entendimento do professor sobre a aprendizagem interfere no
seu modo de avaliar?
JUSSARA HOFFMAN: Eu avalio o aprender. Então, a resposta mais complexa que
eu tenho que responder é o que é aprender. A avaliação tradicional se centrou
basicamente no "aprender que". Por exemplo, eu aprendo que as palavras oxítonas
terminadas em "a", "e" e "o" são acentuadas, e muitos professores ainda estão
centrados nesses "ques". A aprendizagem é muito mais ampla do que o "aprender
que". O aprender envolve o desenvolvimento, o interesse e a curiosidade do aluno, a
sua autoria como pesquisador, como escritor, como leitor. Envolve o seu
desenvolvimento pleno. É preciso perceber a aprendizagem nessas múltiplas
dimensões. Não posso somar essas múltiplas dimensões - atribuir pontos por
participação, por tarefas, pelo interesse do aluno. Não há como somá-las. A análise
da aprendizagem é uma análise de conjunto de saberes e de fazeres. Esse aprender
é um aprender muito mais amplo do que muitos professores hoje concebem.
ENTREVISTADOR: Em muitas escolas, por mais que se tenha uma concepção de
educação e de avaliação mais "avançada", elas acabam sendo obrigadas a
transformar todos esses conceitos em nota. Como é que o professor pode medir o
desempenho de seus alunos se, em nenhum momento, deve ser feita essa medição
de um somatório?
JUSSARA HOFFMAN: Um dia desses um professor me perguntou: - Jussara, como
eu transformo toda essa minha prática interativa, mediadora, que tenho com meus
alunos, em uma nota? E eu devolvi a pergunta de uma outra forma: - Como você
traduz uma pessoa em números? Eu não teria a resposta para essa pergunta do
professor, a não ser a minha pergunta. Como posso acompanhar um aluno, ao longo
de dois meses, e depois dizer que ele é um 8, um 7 ou um 6? Algumas outras
questões se colocam. Algumas práticas vigentes nas escolas ainda são camisas-de-
força para os professores. Por que se gasta tanta energia em fórmulas, receitas,
registros e regimentos de avaliação, enquanto poderia estar se investindo nos
professores, na melhoria dessa aprendizagem? A minha grande busca é
desenvolver estudos no sentido de avaliar para promover. Não uma promoção
burocrática, mas uma avaliação para promover o desenvolvimento moral e
intelectual. Avaliar para promover a cidadania do aluno, como um sujeito digno de
respeito, ciente de seus direitos e que tenha acesso a todas as oportunidades que a
vida social possa lhe oferecer. E sem promover a aprendizagem, isso não
acontecerá. Portanto, as fórmulas, as receitas e as inúmeras metodologias e
práticas vigentes precisam ser questionadas sobre os princípios a que se destinam.
Elas agem em benefício do aluno? Elas, de fato, estão centradas nessa promoção?
Elas estão investindo numa aprendizagem significativa, que busque a formação de
um aluno pesquisador, autor, autônomo? Ou estão centradas nas necessidades
burocráticas de uma escola, ou, até mesmo, na comodidade de alguns professores,
que, às vezes, se escondem atrás de um número. Um número, como um valor
arbitrário, esconde o professor, que pode atribuir uma nota qualquer a qualquer
aluno. Mas se esse aluno questionar o porquê de ter tirado um 8, um 7 ou um 6, o
professor terá que explicar os seus parâmetros avaliativos.Então, essa prática de
conceitos, notas, pareceres, o investimento da escola em processos de registro,
esse grande gasto de energia, tudo isso acaba por desvirtuar o próprio sentido do
processo avaliativo, que está no cotidiano da escola, que está, sim, na realização de
testes e tarefas, mas com a finalidade de auxiliar e orientar o aluno para uma
aprendizagem cada vez mais significativa.
ENTREVISTADOR: Por que ainda persiste, em algumas escolas, o culto à
reprovação?
JUSSARA HOFFMAN: O mito que ainda persiste é de que uma escola que não
reprova não é uma escola de qualidade. A grande resistência dos professores em,
ainda, manter a aprovação e a reprovação, e mesmo criticar novas estratégias,
como regimes seriados e escolaridade por ciclos, se explica pela necessidade
natural de uma sociedade em desenvolvimento de perceber a sua escola como uma
escola de qualidade. E a escola de qualidade que se conhece é aquela
conservadora, tradicional, a que os pais tiveram e que as famílias conhecem. Por
outro lado, nesse processo de mudança, muitas escolas e professores entenderam o
processo de não-reprovação como um processo de não-avaliação. Uma das
questões que ouço freqüentemente é as professoras dizerem que agora não fazem
mais provas, que, então, estão seguindo o processo de avaliação mediadora. Isso é
um sério equívoco, por que, mesmo que o termo prova possa nos agredir, pelo seu
significado de uma prova terminal, o teste, a tarefa e o exercício são extremamente
necessários para o acompanhamento do aluno. Países como Itália, Suíça,
Alemanha, que desenvolvem processos de avaliação formativa há muito anos,
realizam muitos teste com seus alunos e professores. A diferença é que o resultado
desses testes serve como subsídio para novos projetos, tanto para a melhoria da
aprendizagem dos alunos quanto para o aperfeiçoamento dos professores. E nós,
muitas vezes, utilizamos esses testes - e esse é o grande problema de uma
avaliação tradicional - para simplesmente classificar, sem fazer nada a respeito.
Dessa forma, sabemos que o aluno não sabe alguma coisa, mas não sabemos por
que ele não sabe e nem desenvolvemos processos para que ele venha a aprender.
O grande problema com a não-reprovação é, de fato, que esse aluno seja
abandonado, que não tenha mais suas tarefas lidas, seus exercícios
acompanhados, e que o professor o deixe de lado, esperando que ele aprenda por si
só. Isso é um sério equívoco e que, muitas vezes, acaba acontecendo.
ENTREVISTADOR: O que uma escola precisa desenvolver para construir uma
cultura avaliativa mediadora?
JUSSARA HOFFMAN: Em primeiro lugar, é preciso que se fundamente princípios,
muito mais do que se transforme metodologias. As metodologias são decorrentes da
clareza dos princípios avaliativos. Hoje, eu defendo três princípios para essa prática
avaliativa mediadora. O primeiro princípio é o de uma avaliação a serviço da ação.
Toda investigação sobre a aprendizagem do aluno é feita com a preocupação de
agir e de melhorar a sua situação. Uma avaliação que prevê a melhoria da
aprendizagem. O segundo princípio é o da avaliação como projeto de futuro. A
avaliação tradicional justifica a não-aprendizagem. Ela olha para o passado e não se
preocupa com futuro. Em uma cultura avaliativa mediadora, por exemplo, 20% do
tempo em que os professores estiverem reunidos em conselho de classe, eles irão
discutir o que vem acontecendo com seus alunos e, no restante do tempo, vão
encaminhar propostas pedagógicas para auxiliar os alunos em suas necessidades.
Essa é uma avaliação como um projeto de futuro - o professor interpreta a prova não
para saber o que o aluno não sabe, mas para pensar em quais estratégias
pedagógicas ele deverá desenvolver para atender esse aluno. De que forma ele
poderá agir com o grupo, ou com um aluno, para resolver essas questões e dar
continuidade ao seu planejamento, para que os alunos sejam mais coerentes, mais
precisos e tenham maior riqueza de idéias. O terceiro princípio que fundamenta essa
metodologia é o princípio ético. A avaliação, muito mais do que o conhecimento de
um aluno, é o reconhecimento desse aluno. As estatísticas são cruéis: não basta um
professor obter uma aprendizagem satisfatória com 70% dos seus alunos, por que,
30% de uma turma de 30 alunos, representa nove alunos que deixam de ser
atendidos. Portanto, cada aluno é importante em suas necessidades, em sua
vivência, em seu conhecimento. Estou desenvolvendo um programa de assessoria
com um grupo de supervisores de uma rede escolar, e o que se percebe é que,
justamente, os alunos que têm mais dificuldade em aprender, podem ser os mais
desatendidos em uma sala de aula. Isso por que não se acredita em seu futuro.
Essa prática avaliativa mediadora é, portanto, fundamentada por esses princípios.
Não há regras gerais e nem normas que valham para todas as situações. Alunos
com necessidades especiais precisam de atendimento especial. Não há tempos
padronizados para todos, mas há, sim, clareza de princípios, parâmetros de
qualidade estabelecidos em consenso pelos professores, uma proposta político-
pedagógica clara para que a prática avaliativa seja coerente com o que a escola
pretende.
ENTREVISTADOR: Como transformar uma prática de avaliação tradicional,
centrada nas provas finais, na recuperação com hora marcada, de forma a se
alcançar um processo de avaliação contínua mediadora?
JUSSARA HOFFMAN: Experiências comprovam que algumas práticas precisam ser
garantidas. Em primeiro lugar, uma avaliação contínua exige muitas tarefas com
oportunidades de expressão do aluno. A primeira sugestão é que o aluno tenha
várias oportunidades de expressar os seus conhecimentos a respeito de um estudo
ou noção, e que essas várias expressões sejam observadas pelo professor, durante
a sua evolução. Essa é uma questão básica. A segunda prática é a da mediação a
partir de atividades interativas. Todo o conhecimento que o aluno desenvolve é
construído na relação consigo, com os outros e com o objeto do conhecimento - tudo
ao mesmo tempo. Ou seja, o aluno nunca aprende sozinho. O professor pode,
então, lançar em um grupo as questões que ele considera pertinentes para que, na
heterogeneidade da sala de aula, na diversidade de pensamentos, de fazeres e de
saberes, seus alunos possam discutir essas questões, refazer exercícios, trocar
idéias uns com os outros e, de fato, formar um grupo com a possibilidade de ampliar
suas idéias. Essas tarefas são observadas e interpretadas, e se transformam em
estratégias pedagógicas interativas. Portanto, em primeiro lugar, a interpretação de
muitas tarefas de aprendizagem, sejam elas orais, escritas ou fruto da interação dos
alunos; e segundo, a mediação, por meio de atividades interativas, questionadoras e
desafiadoras, e não apenas por meio de uma nova explicação do professor ou de
um estudo individual do aluno. Uma terceira questão é a atenção do professor às
quatro dimensões que envolvem o processo avaliativo. A primeira dimensão é o
contexto sócio-cultural do aluno - quem é esse aluno, de onde vem, como e com
quem ele vive. A segunda dimensão se refere aos saberes significativos. Que
saberes estão sendo desenvolvidos? Que sabor têm os saberes que estão sendo
propostos a esses alunos? Buscam a formação de um aluno pesquisador, autor de
suas próprias idéias? Os temas propostos são adequados ao seu contexto sócio-
cultural? A terceira dimensão diz respeito às questões epistemológicas, que hoje me
preocupam muito. Como se aprende? Em que idade, tempo e momento? O que é
possível um aluno aprender e entender? A gênese do conhecimento e as teorias de
aprendizagem - as questões epistemológicas envolvidas no processo. É preciso que
o professor conheça profundamente a sua disciplina para poder lidar com essas
questões. A quarta dimensão, que também está articulada aos saberes
significativos, é a questão do cenário educativo/avaliativo. Por que não há um
cenário educativo e outro cenário avaliativo. O cenário avaliativo se constitui no
próprio cenário educativo. Eu não posso saber se o meu aluno é autor de suas
próprias idéias se apresento uma tarefa onde as perguntas são minhas e ele apenas
responde com cruzinhas ou poucas palavras. Se o professor quer que seu aluno
seja pesquisador, esse cenário avaliativo precisa envolver muitos livros, muitos
autores e várias fontes de informação. Portanto, o cenário educativo se constitui na
própria oportunidade do professor de observar o aluno em todas essas dimensões.
Se esses quatro eixos não estiverem articulados, o processo avaliativo mediador
não se constitui. Na forma de um esquema: o professor articula tarefas, com a
mediação no intervalo entre elas, analisando e trabalhando nessas múltiplas
dimensões e, principalmente, acompanhando a evolução. Avaliação é sinônimo de
evolução. Eu respondo sobre a evolução de um aluno de uma tarefa a outra, de um
fazer a outro, de um momento de convivência a outro. Avaliação é, basicamente,
acompanhamento da evolução do aluno no processo de construção do
conhecimento. E para responder sobre essa evolução eu preciso caminhar junto
com ele, passo a passo. Eu não posso me postar no final do caminho e dizer se o
aluno chegou lá. É preciso acompanhá-lo durante todo o caminho.
ENTREVISTADOR: De acordo com sua experiência, poderia citar três dos principais
motivos responsáveis pela resistência dos professores em relação às mudanças nas
formas de avaliação?
JUSSARA HOFFMAN: Um desses motivos é a questão da formação dos
professores. Na verdade, os cursos de licenciatura não formam professores para o
exercício cotidiano docente, que os obriga a lidar com muitos alunos e suas
diferenças. Também, o professor nem sempre é bem preparado para o exercício do
magistério da sua disciplina. Mesmo conhecendo bem a sua matéria, não consegue
ensinar e nem acompanhar o processo de aprendizagem. Outra reclamação
freqüente dos professores é em relação ao acompanhamento individual de muitos
alunos. De fato, nós temos nas escolas, e isso é um problema muito sério, cada vez
um maior número de alunos, e muitos desatendidos socialmente. E o professor
acaba assumindo muitas funções. Hoje, não se pode dizer que se é apenas um
professor, mas sim um educador, num sentido muito mais amplo, onde é preciso
também lidar com as questões afetivas. Ao mesmo tempo, a questão que se faz é
que toda avaliação é individual - não existe uma avaliação de grupo. Mesmo se
avaliando coletivamente, os reflexos dessa prática irão recair sobre cada um dos
alunos. Essa é uma grande preocupação. As escolas que desenvolvem experiências
de avaliação mediadora significativas são as que diminuíram o número de alunos em
sala de aula e ofereceram um espaço de estudo para os professores. Não
acompanhei nenhuma escola que pudesse, de fato, evoluir nessa questão, sem que
abrisse aos professores momentos e espaços de estudo, salas de leitura,
bibliotecas, leituras compartilhadas, para estimular a reconstrução do conhecimento
pedagógico a partir da própria realidade escolar.Um dos grandes compromissos que
vejo para este milênio é a formação continuada dos professores nas escolas. A
dinâmica da vida social nos traz, diariamente, muitas questões para resolver com
esses jovens que ingressam na escola. Toda essa crise social que vive nosso país,
exige que, a cada dia, repensemos os nossos princípios e, principalmente,
trabalhemos em conjunto. O professor vai se sentir muito mais amparado se tiver um
espaço para discutir com seu colega e colocar na mesa todas as suas questões,
para serem pensadas em conjunto. Vários olhares avaliativos compõem essa
multidimensionalidade da avaliação.
ENTREVISTADOR: O professor dá nota por que recebe orientação da direção da
escola, que por sua vez recebe orientação da Secretaria de Educação. O que fazer
para fugir desse dilema?
JUSSARA HOFFMAN: Um dos principais dilemas enfrentados pelos professores é a
questão das notas. Eles atribuem notas por determinação das escolas, que
justificam que agem de acordo com determinação do sistema.De fato, uma questão
muito grave, uma vez que temos uma Lei de Diretrizes e Bases, cujo pressuposto
básico em avaliação é o privilégio dos aspectos qualitativos em relação aos
quantitativos. E essa qualidade também não é muito entendida nas escolas.Nós
percebemos, ainda, uma divisão muito séria: o qualitativo se refere ao interesse, à
participação, ao comprometimento, à obediência do aluno; o quantitativo se refere à
atribuição de notas sobre tarefas, testes e provas. Estabelece-se uma média do
quantitativo e o qualitativo se transforma em um parecer. Ora, qualidade é dimensão
e conjunto de conhecimento. O qualitativo se refere propriamente à aprendizagem. É
preciso que se considere a qualidade em uma dimensão muito mais ampla. Quando
a LDB estabelece que o caráter qualitativo na escola deve prevalecer sobre o
quantitativo, ela está determinando justamente um repensar sobre a questão de
atribuição de notas e de médias aritméticas. Por que a média aritmética centra-se no
quantitativo, e isso anula o processo avaliativo. Um exemplo clássico, que eu repito
há muitos anos: em um sistema de média aritmética, 3 + 4 + 8 se transformam em
uma média 5, e 8 + 4 + 3, também se transformam em uma média 5. Então, como
pode a escola dizer que é obrigada, ou que há uma necessidade de seguir com um
sistema de atribuição de notas se a própria LDB estabelece que o qualitativo deve
prevalecer sobre o quantitativo, e esse qualitativo não pode ser expresso em
números, mas sim em relatórios e notas - termo este, que se refere à anotações.O
aluno precisa ser acompanhado a partir de muitos registros, que representam a
memória de sua aprendizagem. Nós precisamos compor um conjunto de
instrumentos de avaliação, que permita interpretar a evolução de aprendizagem do
aluno. Mas isso é muito difícil, por que o professor se denuncia quando faz um relato
sobre o seu aluno. Ele denuncia suas concepções, o que ele sabe e o que deixa de
saber sobre esse aluno. De uma certa forma, existe uma resistência muito grande na
evolução desses processos de registro por também não se ter condições de
acompanhar um grande número de alunos. Por a avaliação ser, de fato, muito
complexa, acabamos por reduzir todo esse processo, e isso para responder aos
pais, ao sistema e à escola, em processos quantitativos arbitrários. Mesmo que toda
a legislação encaminhe, justamente, para outras formas de registro. E este é o
avanço que precisamos vir a fazer nas escolas.
ENTREVISTADOR: E a relação com a comunidade dos pais?
JUSSARA HOFFMAN: Os pais resistem também à outras formas de registro na
avaliação. Tanto os pais quanto os alunos, muitas vezes, pedem que sejam
atribuídas notas. Nada mais justificável, por que nessa transição, passamos por
algumas experiências um tanto quanto questionáveis. Por exemplo, uma professora,
em um seminário, comentou comigo: "- Minha filha chegou com seu parecer
descritivo em casa. Eu li o parecer e gostei muito, elogiando o seu aprendizado
naquele período. Ela sorriu e disse: - Mãe, eu vi o de todos os meus amigos e
amigas e todos eram iguais." Ou seja, um relato inconsistente e que não se refere às
questões de aprendizagem. Outras formas de registro, como conceitos, que na
verdade não são tão explicados e nem têm significado para os interessados nesse
processo avaliativo, que são os alunos, os pais, os outros professores e a escola.
Então, relatos, pareceres, relatórios de avaliação ou dossiês estão a serviço de uma
concepção. Não se mudam esses registros. O que se muda é a prática que resulta
nesses registros.Portanto, esse questionamento da família e da escola se revela em
uma preocupação com uma forma de avaliar que não descreva a aprendizagem.
Uma preocupação com o professor que esteja muito mais interessado em atender
afetivamente seu aluno, mas que possa não estar observando a aprendizagem
propriamente dita.
ENTREVISTADOR: Para terminarmos, eu gostaria que você respondesse sobre
alguns termos que são característicos da avaliação tradicional. Classificatória?
JUSSARA HOFFMAN: Se classifica o que, quem, em lugares, em ordens e
hierarquias. Por que classificar o aprendizado de várias crianças por ordem?
ENTREVISTADOR: Seletivo?
JUSSARA HOFFMAN: Exclusão, excluir. O vestibular é obrigatoriamente seletivo - é
uma prova classificatória, que tem por premissa básica excluir, por que não há lugar
para todos. A escola deve selecionar da mesma forma? É também excludente ou é
um ambiente de educação?
ENTREVISTADOR: Punitiva?
JUSSARA HOFFMAN: Há muitas questões punitivas na avaliação: exigências além
do que o aluno pode responder, tempos não respeitados, ordens mal compreendidas
e que são motivos de punição. A avaliação possui muitos ranços de punição.
ENTREVISTADOR: Julgadora?
JUSSARA HOFFMAN: O professor, na função de avaliador, foi durante muito tempo
um julgador e, de uma certa forma ainda permanece como tal. A avaliação é
julgamento? É, mas não é só julgamento. É julgar o valor do que se viu para o quê.
A avaliação é julgamento, mas é, fundamentalmente, ação.
ENTREVISTADOR: Erro?
JUSSARA HOFFMAN: O que é o erro? Erro é o que não se aprendeu ou o que não
ainda não se aprendeu? Se nós considerarmos que o erro é o que ainda não se
aprendeu, ele é muito mais valorizado, importante, fecundo e positivo para o
processo avaliativo.
ENTREVISTADOR: Recuperação?
JUSSARA HOFFMAN: Recuperação não é repetição. Ninguém se recupera
repetindo o processo. A vida não se passa a limpo. A gente anda para a frente.
Então, a recuperação tem que corresponder a um projeto de futuro - novas
estratégias pedagógicas, explicações diferenciadas, ações interativas. Recuperar
não é repetir, não é olhar para trás, não é fazer de novo. É fazer melhor, é caminhar
para a frente, é fazer diferente.
ENTREVISTADOR: Mesmo percebendo que as duas coisas são interligadas,
gostaria de saber, na sua opinião, o que é pior: ter uma concepção de educação
conservadora ou uma política de avaliação tradicional? Por que em muitas escolas
percebemos uma grande diferença entre a proposta educativa e a prática de
avaliação.
JUSSARA HOFFMAN: As duas coisas são piores. Não é possível que uma escola
seja conservadora nas suas práticas pedagógicas e mediadora na avaliação, ou o
inverso. Não existe a dicotomia avaliação e educação, por que avaliamos para
educar, e as nossas concepções de educação se traduzem nos nossos processos
de avaliação. Nós somos o que sabemos em múltiplas dimensões e nos revelamos
em nossos processos avaliativos. Portanto, uma escola não pode ser conservadora
em avaliação e progressista em seus processos educativos. No conflito entre essas
práticas deve haver alguma questão a ser analisada. A prática educativa é a própria
prática avaliativa. A prática avaliativa revela toda a concepção políticopedagógica de
uma escola.