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Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Maria Nunes Henriques Depoimento de Ismair Zaghetto Juiz de Fora 01/10/2013 Depoimento MAMM_01_Ismair Zaghetto Transcrito por Rogéria Nunes Henriques
P/1 – Boa tarde Ismair, para a gente começar eu gostaria que o senhor falasse
para nós aonde o senhor nasceu, a data do seu nascimento e o seu nome
completo.
R – Bom, meu nome é Ismair Zaghetto, como foi mostrado, eu nasci no bairro
de São Mateus, minha família morava no Alto dos Passos, a Rua Moraes e
Castro, e eu nasci na maternidade Terezinha de Jesus, hoje ela é lá na
Independência, lá perto do Cascatinha, mas naquele tempo era na Rua São
Mateus, perto da Rua Padre Café, eu nasci ali, mas foi só o meu nascimento,
mais para a zona sul da cidade, porque logo em seguida eu passei a ser
mesmo moleque do Centro da cidade, fui criado aqui bem pertinho aqui do
MAMM, a ex-reitoria, a Rua São Sebastião, passei toda a minha infância ali.
P/1 – Em que ano foi isso? A data do seu nascimento.
R – Trinta de agosto de 1933, tem exatamente duas semanas que eu fiz 80
anos, eu fiz 80 anos dia 30 de agosto de 2013, estou razoavelmente apanhado,
não é? Para 80 anos.
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe, o nome completo.
R – Meu pai João Zaghetto, sapateiro, que tinha, assim, um imenso orgulho de
fazer sapatos a mão, naquele tempo já se começava alguma coisa mais
automatizada, meu pai tinha um orgulho imenso de fazer sapatos femininos,
sapato Luís XV todo a mão, aquilo era um orgulho imenso para ele. Do meu pai
eu herdei sobre tudo o gosto pelo trabalho, papai um homem pobre, talvez do
ponto de vista socioeconômico a minha família tivesse contado uma outra
história, porque o meu avô, italiano, Camilo Zaghetto, ele teve uma situação
econômica muito boa, era praticamente dono de boa parte do Alto dos Passos,
para você ter uma ideia, ele tinha uma olaria, falava-se mais olaria, parte
cerâmica, onde ele produzia tijolos, telha francesa, foi o primeiro produtor de
telha francesa aqui da região, mas o vovô profundamente mão aberta,
folgazão, gostava do traguinho dele, reunia nos fins de semana todos os
italianos da cidade, que ele pudesse reunir e fazia aquilo a mão abertas, foi
esgotando tudo na verdade tem um limite, onde você tira constantemente e não
repõe, eu sei que ele acabou, volta ainda a falar do ponto de vista
socioeconômico vazio de bolso, sabe? E os filhos desde cedo começaram,
mesmo aqueles que trabalhavam com ele, tiveram que buscar outros
caminhos, meu pai buscou o caminho da sapataria, meu pai foi um bom
sapateiro, sabre Christina? Um grande sapateiro e um grande trabalhador,
sabe? Eu acho que esse gosto pelo trabalho, eu não consigo ficar parado, eu
herdei não só dele como também da minha mãe. Minha mãe, Maria Moreira
Zaghetto, minha mãe viveu sempre com muita dificuldade, minha mãe perdeu o
pai com três anos e a mãe com seis, órfã, ela foi criada no Colégio Sion de
Petrópolis, mas não na condição de uma família internou lá, ela foi criada
como, digamos, como favor é tanto que a partir de certa altura ela tinha que
trabalhar, ela trabalha lá no Colégio Sion de Petrópolis, para custear a estadia
dela lá. Então, ela sempre trabalho muito, criou a todos nós, eu e mais quatro
irmãos sempre com muita dificuldade, lavou roupa para fora, carreguei muita
roupa para minha mãe. Então, o trabalho, como eu estou dizendo aqui que
herdei do meu pai e da minha mãe, foi sempre uma constante na minha vida.
Eu fui, como eu falei, moleque aqui da Rua São Sebastião, São Sebastião é
pertinho aqui do MAMM, tempo em que eu fiz de tudo que você possa
imaginar, que pudesse produzir algum tido de renda, eu engraxei sapato, eu
carreguei cesta, eu trabalhei em quitanda, essa foi a minha vida de infância,
quando eu fui fazer o curso, estudei, no Grupo Central, fiz o primário, hoje a
denominação já não é mais essa, o ensino fundamental, que agrupa o primário
o antigo ginásio, então, eu fiz o primário no Grupo Central, os grupos centrais,
o da manhã José Rangel, o da tarde Delfim Moreira e o da noite Estevam de
Oliveira, eu estudava de manhã no Grupo Central. Uma boa lembrança que eu
tenho do Grupo Central, tinha que cantar o hino nacional e o hino da cidade
todo o santo dia, eu ficava aflito, ansioso para terminar o cântico ali do hino,
porque os pés doíam no pátio, descalço no pátio do Grupo Central, doido para
entrar para a sala para aquecer um pouco os pés, claro que eu não estou
contando isso como auto piedade, ou trazer algum tipo de simpatia, longe
disso, estou contando uma realidade, até porque os tempos mudaram muito, as
pessoas, eu diria que os pobres hoje são muito menos pobres, hoje há infinitas
oportunidades, que não existiam naquele tempo. Eu sou de um tempo, minha
amiga Christina, em que as oportunidades eram poucas, então, para estudar,
estudar um pouco além do primário na época, eu há pouco tempo eu contei
essa história falando sobre esse meu livro, a biografia de Machado Sobrinho,
eu falo muito sobre Fernando Paiva Mattos, você talvez tenha conhecido, que
foi genro de Machado Sobrinho e foi o diretor da Fundação Educacional
Machado Sobrinho durante muito tempo, uma pessoa muito caridosa, então, eu
contei isso para uma pessoa, em algum lugar que eu estava que assisti uma
cena de uma forma muito especial, uma lavadeira com um menino pela mão,
pedindo o professor Paiva Mattos se podia deixar o filho dela estudar a noite,
porque ele tinha, assim, uma vontade muito grande de estudar, mas que ela
não podia pagar, porque ela não tinha recurso para pagar e ele conseguiu a
bolsa, não se usava essa expressão bolsa não, mas que poderia estudar de
graça, que aquele menino poderia estudar de graça lá, então, esse menino na
mão dessa mulher era exatamente eu. Então, eu já desde cedo eu enfrentei
essa justa posição com a sociedade, entre os que têm mais facilidade e quem
tem menos facilidade, estou justificando isso para falar porque a sociedade
mudou, os pobres de hoje são diferentes dos pobres de ontem. Há pouco
tempo eu encontrei com ex-professor meu de Sociologia da Universidade
Federal, que você certamente conhece, o professor Cruz, já aposentado há
bastante tempo, o Cruz foi um grande professor de Sociologia, eu fiz todas as
Sociologias com ele, eu admiro de mais como professor, ele perguntou assim:
“Zaghetto deixa eu ver se você está afiado: a vida hoje está melhor ou não?” eu
falei: “meu amigo professor, você não me venha com essa pegadinha, a vida
hoje é infinitamente melhor,” a vida melhorou muito, sabe Christina? Por isso
que eu digo que os pobres de hoje não são como os pobres de ontem, mas eu
acho que eu dei um retrato do que foi a minha infância, sabe Christina?
P/1 – Agora eu queria saber um pouquinho mais sobre os seus irmãos, mais
quatros irmãos, o senhor era o mais velho?
R – Eu sou digamos, eu sou o terceiro, a mais velha Isota Zaghetto, ela já
morreu já uns 20 anos, a segunda ainda é viva, ela está com 91 anos, aí vem o
meu irmão, ainda tem um irmão mais velho que eu ainda, Itamar Zaghetto,
sofrendo atualmente, padecendo com o mau de Alzheimer, já não me conhece,
não conhece os filhos, que é o terceiro, aí venho eu Ismair, e tem a caçula, que
morreu, faleceu recentemente, recentemente mais força de expressão, era
mais nova, morreu em novembro do ano passado.
P/1 – O convívio em casa com os irmãos, pai, mãe, mesmo com todas essas
obrigações de ter que trabalhar, ajudar a engraxar sapato, levar trouxa de
roupa da mãe, sobrava tempo para algum tipo de diversão? Qual era a
diversão de vocês?
R – Sobra, era o futebol, nós chamávamos de aterro onde está hoje a sede do
Tupi, na parte baixa da Rua São Sebastião, aquela região era muito diferente
do que é hoje, ali está agrupado hoje Terreirão do Samba, sede do Tupi, ali era
um grande aterro, esse nome aterro vem exatamente do aterro hidráulico, eu
tive a oportunidade de assistir a um aterro hidráulico, onde está a montante a
esquerda, a esquerda do Rio Paraibuna, onde está hoje o Hospital João
Felício, aquele morro ali foi desmontado e trazido por força hidráulica para
essa região, para esse, digamos esse quadrilátero, digamos assim, formado
pelos trilhos da Central do Brasil, Rua São Sebastião, Rua Benjamim Constant,
está dando para fixar? Central do Brasil, São Sebastião, Benjamim Constant e
Avenida Brasil, esse quadrilátero, aquilo era um brejão, era um imenso brejo,
foi desaterrado do lado de lá do rio, e a terra foi transportada hidraulicamente
por uma imensa armação de madeira, compressores pressionavam o morro, o
morro foi desaterrado e passado para lado de cá.
P/1 – Vocês jogam bola aí?
R – Jogamos bola nesse aterro, eu acho que prestamos um bom serviço à
municipalidade de tanta pelada que eu batia ali à tarde, assim que eu me
desculpava das obrigações, aterro, estava eu lá batendo a minha peladinha,
sempre eu gostei muito de futebol. Sempre fui perna-de-pau, eu gostaria muito
de ser bom de bola, mas nunca fui, sabe? Fui um perna-de-pau terrível, nas
peladas eu era o último a ser escolhido, não sei se você conhece a mecânica
de pelada, tem aquele agrupamento assim, os dois melhores batem o par ou
ímpar e começa a escolha: eu quero Pedro, eu quero João, eu quero
Francisco, eu quero o Manoel, o Ismair era o último, porque era muito ruim de
bola, sabe? Magricelo e ruim de bola.
P/1 – Sobrava tempo além da pelada para outro tipo de atividade, assim, que o
senhor já gostasse? Por exemplo, leitura, porque o senhor se transformou num
jornalista?
R – Sobrava, eu sempre li muito, eu digo sempre, eu quando tenho a
oportunidade de falar às vezes falo em escolas estaduais ou municipais sobre
tudo sobre esse meu livro, esse meu livro Itamar e o Bando de Sonhador, me
levou a fazer muitas palestras, eu falou para as professoras a importância de
incutir nas crianças o gosto pela leitura, eu tive uma professora do Grupo
Central, no José Rangel, nos Grupos Centrais, que insistia de forma assim.
(Fim do vídeo 1)
R – De forma assim, quase que obsessiva, leiam, leiam, leiam, vocês só serão
alguém se lerem na vida, só vão escrever se leem, se não tiver nada para ler,
leia jornal que embrulhou compra, que foi para casa, leia. E eu lia tudo que
você podia imaginar e sobretudo gibi, quando tinha oportunidade, ganhava
algum, ou até mesmo comprava, dentro das figurinhas jogar bafinho na rua.
P/1 – Tinha algum herói em especial entre esses heróis de gibi? Algum que
povoava os seus sonhos?
R – Ah! Príncipe Submarino, Capitão Marvel, o Marvel Junior, que isso aí tem
um apelo com a tua alma, porque ele era um pobre jornaleiro e ele só se
transformava em super-herói quando levava um tabefe qualquer ou se via
numa situação delicada de risco, ele se transformava no Marvel Junior. Eu
acho que sobretudo para o garoto pobre, sem muitas oportunidades, a figura
do super-herói é sempre uma forma de descompletar alguma coisa, né,
Christina? Eu acho, eu imagino isso e eu adorava esses super-heróis todos, li
muito X9, era revista policial, o que diferenciava o X9 dos gibis, das várias
formas dos gibis era que os gibis eram ilustrados, e X9 não eram só contos
policiais sem figuras, sem gravuras.
P/1 – E no cinema alguma coisa?
R – Pertinho de casa cinema popular, cinema popular ficava na Avenida
Getúlio Vargas exatamente em frente onde hoje é a Rua Afonso Pinto da Mota,
ali ficava o cinema Popular de propriedade de uma figura que ficaria super
histórica na nossa vida, João Carriço, João Carriço era o dono do cinema
Popular. Então, eu tinha um colega, vizinho lá, que o pai era o porteiro do
cinema, então, quando o senhor Carlos, que Deus o tenha, assisti muito filme
de graça lá. É curioso que a gente lembra de detalhes, parece até piada, mas
só não podia entrar descalço, mas um pé só podia, machucado, eu já entrei
com o sapato de um e o colega com o sapato de outro, até porque a região ali,
era uma região de garoto, não só a minha casa, mas de garotos muitos pobres,
porque do outro lado da rua, morava na Rua São Sebastião, 457, hoje é um
prédio alto, do outro lado da rua era uma avenida de viúvas, mantida pela
sociedade São Vicente de Paula, então os filhos dessa viúvas eram todos
colegas nossos e já naquela ocasião exatamente por essa avenida das viúvas
eu imaginei que, eu passei a perceber que os homens morrem mais cedo.
Passei a perceber que os homens morrem mais cedo, porque eu já naquela
época eu já indagava assim: por que não tem uma avenida de viúvos, tinha vila
de viúva, assistência à viúva, e nada de viúvo, porque os homens partiam mais
cedo mesmo, isso é sociologicamente, estatisticamente comprovado, a luta. Eu
acredito que se avançarmos hoje numa pesquisa sobre livros de mortalidade,
que isso já tenha diferenciado um pouco, porque também mudou muito a vida
da mulher daquela época para agora, a mulher daquele tempo apenas cuidava
da casa, hoje ela tem essa dupla jornada de mãe de família e também
profissional, desde que eu parei com as minhas pesquisas o sociólogo ficou
mais na história, mas até o tempo em que eu desenvolvi muito, isso é uma
coisa bem mais lá na frente, preocupava com mais frequência, estatísticas e
números e levantamentos eu verificava isso, os homens tinham uma vida
menor.
P/1 – E a sua casa? Essa casa na Rua São Sebastião, 457?
R – Era um beco menina, era um beco, oh! Saudade desse beco, saudade até
dos momentos de pavor, porque ele tinha uns 50 metros, uns 60 metros talvez,
entre o portão da rua e a entrada da minha casa lá no fim do beco, onde tinha
mais casas, e de noite era pavoroso, eu não pouca vezes eu bati em casas do
lado ali de amigas das minhas irmãs, colegas das minhas irmãs pedindo que
elas me olhassem entrar em casa, então elas iam lá me olhar: “estou te
olhando Ismair medroso”, enquanto eu corria, porque era escuro, eu tinha que
caminhar desse portão que era exatamente 457 da São Sebastião até na
entrada na minha casa, eu zarrapiava.
P/1 – Tinha medo de quê?
R – Sei lá, da escuridão, depois então que a minha irmã falou que viu a mulher
que morava, que morreu, já tinha morrido, ela falou assim comigo: “eu não
quero te por medo não Ismair, mas ontem eu vi a dona Clarinda” dona Clarinda
já tinha morrido há um ano, eu lembrava da dona Clarinda, que medo
desgraçado. Bons tempos, eu não estou querendo parafrasear o Ataulfo Alves
que eu era feliz e não sabia, eu era feliz e eu acho que com todas essas
dificuldades eu tinha a consciência de que era feliz.
P/2 – Era uma espécie de uma vila esse beco?
R – Não era bem uma vila não, tinha três moradas, sabe? Lá no fundo,
moravam nós e mais duas famílias, eu morei nessa casa desde que eu me
entendi por gente, não nasci lá, nasci no Altos Passos, na Moraes e Castro,
como eu te falei, mas a minha família mudou para lá comigo pequeno, lá
permaneci até o ano de 1962, quando eu mudei para a Rua do Carmelo, aí a
minha vida mudou muito a partir daí. Quando você me perguntar por que é que
mudou muito eu te explico, aquele menino engraxate, carregador de cesta na
feira, carregador de almoço para pessoas que trabalhavam em algum lugar,
levador de marmita, aquele menino que foi entregador da madame Elisabeth,
Elisabeth era uma loja extremamente chique, acho que aqui ninguém lembra
da madame Elisabeth mais, não tem ninguém que vá lembrar, Elisabeth
Modas, Galeria Pio X, 46, eu passei um pedacinho da minha infância como
entregador dessa loja, era uma loja só vendia artigos femininos sobre
encomenda, só mulheres da alta sociedade que comprava lá, e o marido da
madame Elisabeth se tornaria uma figura histórica aqui em Juiz de Fora, o
maestro Max Gifter, primeiro maestro da orquestra filarmônica de Juiz de Fora,
há pouco tempo alguém falando lá na academia juiz-forana de letras, sobre
coisas da cidade falou sobre Max Gifter, falou, falou, falou, quando ele terminou
eu surpreendi falando tanto sobre Max Gifter, quase tanto quando ele, que foi
falar sobre Max Gifter, porque eu vivi parte dessa intimidade dele, porque era
marido da minha patroa, que era dona da loja. Mas esse menino aprendeu o
ofício de serralheiro, esse menino aprendeu a fazer janela de correr, janela de
abrir, janela de fechar, basculante, quando esse menino chamado Ismair
Zaghetto, eu sempre fui muito empreendedor, sabe Christina? Só não tinha
oportunidade, eu criei essa minha oportunidade aprendendo o ofício, e
montando uma pequena oficina, se transformou até numa microempresa.
Então, aí eu já comecei a ganhar o dinheirinho, assumi as contas da casa,
papai já estava aposentado a esta altura, comprei um terreno, comprei um lote
na Rua do Carmelo, 36, aí eu construí uma casa lá, que foi a primeira casa que
eu fiz, e quando eu falo que esse menino empreendedor, Christina, eu lembro
que esse menino acabou que aquela acabou sendo a primeira de 18 casas, é
claro que eu não sou proprietário dessas 18 casas, eu só tenho a casa que eu
moro, mas até chegar na minha casa, na casa que eu moro hoje, Rua do
Carmelo, 115, eu passei por 18 casas que eu fiz antes, cada uma melhor do
que a outra, lugar melhor do que o outro.
P/1 – Mas eram para uso próprio ou não?
R – Para uso próprio.
P/1 – Dezoito casas?
R – Até que finalmente eu comprei um lote na Rua Coronel Vaz de Melo no
Bom Pastor, construí a minha casa, a casa que eu moro hoje ela é
infinitamente diferente da casa que eu construí, depois eu reformei ela toda,
mas essa jornada de tanta casa, eu sei tudo sobre construção, embora não
seja pedreiro e nem engenheiro. Isso mostra também esse lado, que eu
sempre fui empreendedor, porque eu não tive, a pessoa que herda uma coisa,
ou que nasce num lar já solidamente, bem assentado do ponto de vista
socioeconômico, ele não tem tanto essa dificuldade, eu tive que criar esse
lastro, eu para mim ter uma casa própria eu tive que criar esse lastro, o
aprender um ofício, trabalhar e ganhar dinheiro.
P/1 – E o interesse pelo estudo, porque depois fazer uma faculdade, porque o
senhor já tinha, por exemplo, uma certa autonomia inclusive financeira com o
trabalho de serralheiro?
R – Nós vamos chegar lá, eu já era um bom serralheiro e tinha um amigo
advogado, Élcio Valério, depois ele foi promotor em Porteirinha, esse meu
amigo Élcio Valério, ele era redator de esporte do Diário da Tarde, ele falou um
dia, conversando comigo: “Ismair eu vejo que você escreve bem, a gente teve
pouca oportunidade, mas o que eu vejo, você me mostra coisas que você
escreve, você não tinha vontade de escrever para o jornal não?” eu falei: “Isso
seria um sonho para mim Élcio, se eu tivesse essa oportunidade eu gostaria
muito,” contei até ele que quando garoto ainda no grupo escolar, eu fazia
pequeno jornalzinho em casa, duas folhas de papel almaço, eu escrevia um
jornal todo a mão, uma espécie de um jornal da família, então, eu falei: “Élcio
eu tinha muita vontade” ele falou comigo assim: “vamos fazer uma experiência
para ver se você tem, de repente você gostaria mas não tem aptidão, não está
qualificado para isso, você faz uma experiência?” eu falei: “faço” ele falou:
“domingo tem um jogo de futebol lá no Francisco Bernardino, Benfica e
Bonsucesso, jogo de futebol amador, Benfica e Bonsucesso, você vai lá
assiste, anota e volta encontra comigo na redação do Diário da Tarde,” que era
na Rua Halfeld. A redação do Diário da Tarde era na Rua Halfeld esquina com
Batista de Oliveira, onde está hoje a Drogaria Dia e Noite embaixo, em cima eu
não me lembro o que é hoje, nem sei se tem alguma coisa ali por cima, eu
passo sempre embaixo não me lembro de olhar para cima ali, embaixo onde
hoje é a Drogaria Dia e Noite, tinha uma loja chamada Ao Jardim das Noivas,
só vendia coisas, artigos de noivas, em cima era a redação do Diário Mercantil
e do Diário da Tarde.
P/1 – Que ano isso Ismair?
R – Isso em 1960. Eu atingi esse desafio, que era também uma oportunidade
imensa, imagina! Alguém que lutou dos mais diferentes modos, ter aquela
oportunidade e eu fui.
(Fim do vídeo 2)
R – Assisti o jogo e voltei e como o Élcio Valério já estava esperando lá às seis
horas da tarde, lusco fusco da tarde, ele falou senta ali, mostrou uma mesa lá,
tem laudas de papel lá em cima da mesa, você escreve o que você viu do jogo.
Aí eu escrevi, quando eu acabei de escrever ele me mandou entregar aquilo
que eu acabei de escrever, ele falou: “eu não quero ver não, você vai entregar
aquele homem ali, lá no fim” tinha um homem lá gordo, óculos no nariz assim,
eu estava longe de imaginar que eu ia travar contato com a pessoa que seria,
assim, de uma importância capital na história de Juiz de Fora, Paulino de
Oliveira, o cara que primeiro escreveu a história de Juiz de Fora, ainda hoje
muito compulsada, me tornei, o tempo me fez tornar muito amigo do Paulino de
Oliveira e foi assim o grande incentivo, porque eu entreguei e sentei lá perto do
Élcio Valério conversando de olho lá no Paulino, Paulino baixou os óculos,
quando o Paulino acabou ele levantou os óculos: “psiu, vem cá” eu fui lá com
medo, sabe? Ali, como diz o outro, não passava nem um grãozinho de açúcar
cristal, ele falou assim: “rapaz, você sabe escrever” foi exatamente assim,
Rosali, “rapaz, você sabe escrever, você sabe que escrever é uma arte?”
Paulino de Oliveira falou isso comigo, “escrever é uma arte, você tem essa arte
dentro de você” falou comigo assim, agora, já apontando para o Élcio Valério,
“se ele for te dar mais incumbência eu vou te falar uma coisa eu só nunca mais
emendo matéria sua,” ele falou assim: “escrita à mão, a mão nunca mais” aí
que eu fui saber depois, que eu fui talvez uma das últimas pessoas a escrever
alguma coisa manuscrito, sem ser datilografado, aí o Élcio Valério virou para
mim e falou: “pois é nós estamos aí,” “que bom”, ”aliás, não é surpresa
nenhuma para mim, você escreve muito bem Ismair, precisávamos de um teste
igual a esse que fizemos aqui agora, agora isso te trás um problema, eu vou
querer que domingo você assiste outro jogo, faça a mesma matéria, mas você
acabou de ouvir o homem falar, escrita a mão ele não emenda mais, quer
dizer, você só vai ter oportunidade se escrever a máquina”. Eu acho que eu
sempre gostei também de desafio, sabe Christina? Porque eu falei com ele
assim: “Élcio, como é que eu faço, como que eu vou fazer? Se eu for aprender”
naquela ocasião tinha uma ou mais Escola Remington, exatamente com esse,
nome de máquina de escrever, Escola Remington, ainda que eu fosse para um
lugar desse eu não vou aprender escrever em uma semana, ele falou: “Ismair,
você faz o seguinte, você vai lá para a casa eu tenho mais uma máquina lá
bate lá” e viu lá uma mesa do jornal “você se vier para cá à tarde, depois de
quatro horas, vem antes não que está tudo ocupado, depois as pessoas vão
terminando aí você pode também” minha amiga Christina, eu não aprendi a
escrever datilograficamente não, mas aprendi a fazer uma matéria ali com dois
dedos, com dedo médio da mão direita e da mão esquerda, vício que
atravessou a minha vida, me transformei num datilógrafo espetacular, uma
velocidade imensa sempre com dois dedos, como até hoje eu utilizo o
computador com dois dedos apenas, esse vício ficou. Eu fiz a matéria do outro
jogo que ele me indicou, e quando eu entrei a matéria a ele no outro domingo,
ele falou: “agora nós vamos ampliar um pouco Ismair, você já vai vim de tarde
aqui, você tem tempo?” eu falei: “tenho, eu trabalho até uma certa hora e venho
para cá” eu já vislumbrei ali um outro mundo “então você vem umas cinco e
meia para cá e faz matérias, eu venho de noite aqui, dez e meia, 11 horas olho
tudo que você escreveu, vejo o que a gente aproveita”. Ali eu comecei a contar
história do campeonato amador, e vai nisso, Christina, um orgulho muito
grande, porque você percebe que é um início muito de início mesmo, para
quem chegou a ser editor geral desse jornal e do Diário Mercantil. O Diário da
Tarde tinha uma outra, o Diário da Tarde esses jornais digamos “nanicos” que
nós temos hoje, nós vemos muito em banca, que são feitos, principalmente, do
Rio de Janeiro, a gente lembra muito o Diário da Tarde, matou a mulher a tiro,
degolou a criança, esse era o Diário da Tarde, em justa posição, em contra
posição ao Diário Mercantil, que era um jornal conservador. Eu passei, assim,
um bom tempo imaginando quando é que eu alcançaria o estágio de fazer uma
matéria para o Diário Mercantil, sabe? O Diário Mercantil era um jornal que
todo mundo assinava em Juiz de Fora, todo mundo assinava, eu já em fim de
carreira, eu às vezes observava entregador de Diário Mercantil de manhã, em
ruas e bairros, como por exemplo, Bom Pastor, como o bairro Santa Helena, e
outros bairros um pouco socialmente um pouco mais avançado, praticamente
era rara a casa que o entregador não entregava, quase tanto quanto a Tribuna
de Minas hoje, eu não conheço essa realidade da Tribuna, mas provavelmente
isso mesmo.
P/1 – E o Diário da Tarde era lido por quem nessa época? Como que era a
distribuição? Quem lia?
R – Isso é interessante, essa indagação, porque o Diário da Tarde não tinha
assinante, o Diário da Tarde era exclusivamente venda avulsa, e os jornaleiros
não vendiam em banca também não, o Diário Mercantil tinha assinante e era
vendido em banca, o Diário da Tarde a venda dele se fazia, a venda avulsa
dele se fazia através de jornaleiros que apregoavam, que faz bem lembrar,
esse arquétipo que todos nós temos de jornaleiros de filmes do cinema
americano, dos meninos gritando manchetes, esse era o tipo de venda do
Diário da Tarde, jornal muito popular, extremamente popular.
P/1 – Popular era essa mistura de polícia, esporte?
R – Basicamente polícia e esporte, tinha pouca coisa de política, só o essencial
mesmo. O Diário Mercantil não, o Diário Mercantil fazia bem o estilo da Tribuna
de Minas hoje, mas não tanto, era mais conservador ainda, tanto que
raramente o Diário Mercantil tinha manchetes locais, essa foi uma coisa que,
foi uma modesta contribuição que a gente trabalhou muito nisso, para se
transformar efetivamente num jornal local. O Diário Mercantil as manchetes
principais dele cobria bem a cidade, mas as manchetes principais dele eram
manchetes nacionais, internacionais do tempo da guerra.
P/1 – Como que foi a sua trajetória? Você começou em 1960 convidado para
cobrir os jogos que aconteciam finais de semana...
R – Futebol amador.
P/1 – Futebol amador, depois você foi começando a cobrir, você recebia um
salário mensal? Tinha um horário de trabalho?
R – Isso levou algum tempo, menina, levou por aí por um ou dois anos até que
eu passasse a receber alguma coisa. O chefe geral do esporte do jornal, era
uma outra figura histórica do jornalismo de Juiz de Fora, Arides Braga, você
conheceu Arides? A senhora dele dona Maria José Fortes Braga está aí até
hoje, mãe do Laerte Braga, que tem um dos belos textos de Juiz de Fora. Ali
comecei a minha rota em pouco tempo, porque eu escrevia bem, desculpe a
falta de modéstia, mas eu escrevia realmente bem, tanto para época, como
modestamente acho que ainda escrevo hoje, não levou muito tempo para que
eu começasse a cobrir esporte profissional.
(Fim do vídeo 3)
R – Digamos profissional entre aspas, nós tínhamos na primeira divisão de
futebol nós tínhamos três times, Tupi, Tupinambás e Sport, dos quais só resta
o Tupi, disputando, como clube taí o Tupinambás, o Sport, Sport que estão
tentando por sinal transformar a arquibancada, onde está a arquibancada do
Sport, o campo, transformar em um shopping, tenho acompanhado isso no
Tribuna. Então, comecei a trabalhar também futebol profissional, nem tão
profissional, mas chamava de primeira divisão, ali não foi difícil, nem levou
muito tempo para que eu começasse a escrever sobre outras coisas que não o
esporte, nisso aí contribuiu muito um grande amigo que eu tive, já falecido
Nello Gervason, que era o redator chefe do Diário da Tarde, ele: “Zaghetto
começa a fazer alguma coisa aí,” ele me dava uma materiazinha para fazer,
nessa altura já catando, eu já escrevia, já fazia a máquina, aí dessa altura a
redação do Diário Mercantil, Diário da Tarde mudou para a Rio Branco.
P/1 – Isso quando?
R – Rio Branco, 1906, exatamente em frente ao Excelsior, você apanhou a
redação ali Christina? Você é muito menina para ter apanhado.
P/1 – Mas eu conheci a redação ali, mas isso foi em que ano em que eles
mudaram?
R – Isso aí nos anos 70 por aí.
P/1 – Então, durante todos os anos 60...
R – Foi no início dos anos 60, o que está me fazendo lembrar que foi no início
dos anos 60, porque quando o golpe militar o jornal já funcionava na Rio
Branco, eu já não era repórter de esporte não nessa altura, eu estava lá do
lado do General Mourão Filho, quando ele assinou, eu estava longe, mas
aquilo ali era uma coisa tão trágica, manifestou colocando as tropas em regime
revolucionário, que então os detentores do golpe responsável por este,
chamava de revolução democrática.
P/1 – Como é que foi esse episódio? Você consegue se lembrar o que é que
aconteceu na véspera do golpe? Dia 30, ou no dia 31, dia primeiro de abril,
você acompanhou isso de perto?
R – Acompanhei um pouco, Christina, estava muito tenso, o clima na cidade
pesado, porque aqui nós tínhamos uma liderança sindical forte, representada
pelo Clodesmidt Riani, que felizmente está aí, vivo até hoje com os seus 90 e
qualquer coisa, que a meu exemplo, caiu também a semana passada numa rua
aí, isso eu vi na Tribuna de Minas, machucou. E ele era o presidente da CGT,
deram um nome mais revolucionário, Comando Geral dos Trabalhadores, que
agregava, uma espécie de CUT da época, vários sindicatos. Então, Juiz de
Fora estava muito tensa, Juiz de Fora recebeu Miguel Arraes uma semana ou
duas antes do golpe, Miguel Arraes era inimigo terrível da chamada revolução
democrática, porque era ali uma liderança popular lá do nordeste, Miguel
Arraes veio aqui saudado pelo Mello Reis, que era presidente do DCE, olha
como as coisas se entrelaçam, eu estava longe de imaginar, que pelas mãos
dele eu ia ser secretário de cultura da cidade. Então, a vinda do Miguel Arraes
foi muito, tinha veículos militares na porta do Cinema Popular, palestra do
Miguel Arraes, uns caras estranhos já tirando fotografia das pessoas, a coisa
estava caminhando para o 64. Eu naquela semana fiz uma entrevista com
Magalhães Pinto em Belo Horizonte, enviado aqui pelo jornal, ele que foi
chamado na época do comandante civil da revolução, depois seria um dos,
esses processos muito fortes eles são autofágicos, a exemplo de ___ e de
tantos outros lá, Robespierre acabam vítimas do mesmo processo. Então, o
clima era muito tenso, no dia 31 de março, então, o golpe, né, e a gente estava
longe de imaginar que duraria tanto tempo, né, Christina. Aí, nós jornalistas, eu
fui ver o que é uma redação, ter um censor dentro dela, nós trabalhamos ali na
redação da Avenida Rio Branco com o Segundo Tenente, rapaz muito jovem,
muito moço, devia ter saído de aspirante há pouco tempo, as matérias
passavam por ele, as matérias para descer para a oficina do Diário Mercantil
tinha que ter a assinatura dele, e não tinha como se tentar qualquer outra
coisa, até porque a própria direção do jornal também amedrontada, ou
conservador não tinha nenhum lance audacioso de fazer qualquer coisa fora
dos ditames. Aí, nós passamos a viver um momento muito opresso, o clima
pesado.
P/1 – Isso começou logo após o golpe essa presença de um oficial militar do
Exército Brasileiro dentro da redação?
R – Começou logo após o golpe.
P/1 – E isso permaneceu até...
R – Permaneceu um bom tempo, depois o sistema criou um método ainda mais
cruel, Christina, passou a tarefa de censor para o editor geral do jornal, imagina
como a autocensura passou a funcionar, porque o sujeito ficava com medo, aí
desapareceu a figura do censor, o jornal se responsabilizou na figura do
redator chefe, esse nome editor veio pouco depois, o redator chefe se
responsabilizava pelo que o jornal fazia, e o Diário Mercantil, o Diário da Tarde
pela própria natureza dele não se aventurava a nenhum outro gesto. Juiz de
Fora sempre foi uma cidade, apesar dos lampejos que ocorrem, os lampejos
ocasionais, mais situados em figuras brilhantes de determinados momentos,
mas ela é conservadora no seu modo de ser.
P/1 – Ismair, nessa época você não era mais apenas um repórter apenas do
Diário da Tarde e não apenas de esportes...
R – Esporte eu não trabalhava mais, aí a parte do Mário Helênio, que você
conheceu, o próprio Arides Braga, nesta altura essa pessoa que me levou para
o jornal, Élcio Valério, já tinha ido embora, porque como eu disse ele era
advogado, fez um concurso para promotor, coitado viveu pouco como
promotor, porque ele comprou um carro, segunda ou terceira vez que ele
comprou teve um acidente e morreu, ficou em coma, ficou um morto-vivo, viveu
ainda no estado vegetativo por quase 20 anos, eu ia visita-lo em Belo
Horizonte, onde ele morava, ele já residia lá quando era promotor e teve esse
acidente, e eu visitava lá, o alimento era colocado por sonda, ele ainda viveu
muito tempo, a mulher dele uma santa de paciência, até que ele partisse. Bom,
aí, Christina.
P/1 – Eu queria muito saber como era essa redação? Como é que ela
funcionava essa redação?
R – Essa redação, Christina, eu adoro falar para repórter, sabe por quê? Eu
digo assim, se vocês conhecem alguma redação do jornal hoje, esquece tudo,
não tem nada a ver com aquela redação, aquela redação toda é cantada por
Nelson Rodrigues nas suas crônicas, aquela redação boêmia, do fim de noite,
do papo, da saideira do botequim do lado, aquela redação romântica, alegre,
boêmia essa era a redação daquele tempo. Depois eu acabaria, nessa altura já
fazendo matéria para o Diário Mercantil, Diário da Tarde, nesse meio tempo
quem era o diretor geral Renato Dias Filho, esse você não conheceu, né? Ele
entrou a Belo Horizonte a direção dos diários associados locais, é bom lembrar
que Diário Mercantil e Diário da Tarde pertencia a uma cadeia nacional, uma
cadeia nacional chamada Diários e Associados, era uma instituição tão
vigorosa, que eu diria que se você pudesse fazer uma avaliação daquela época
com hoje, era uma organização com tanto poder quanto tem hoje uma
instituição como a Globo, Diários Associados era um negócio, assim, imenso,
grande, e Diário Mercantil e Diário da Tarde e a Rádio PRB3, hoje Rádio Solar,
pertencia a organização nossa que chamava Diários e Emissoras Associados,
você chegou pegar esse nome aqui, Christina?
P/1 – Peguei, quando eu vim para cá ainda tinha Diário Mercantil.
R – Desculpe essa insistência, você pegou? Você pegou? Você é tão menina,
eu acho tão estranho. Então, nessa altura eu já fazia matéria também para o
Diário Mercantil, um dia o senhor Renato Dias Filho, que era diretor geral desse
conglomerado entregou a Belo Horizonte, por qualquer razão ele achou,
entregou para Belo Horizonte. Então, Belo Horizonte mandava, recebíamos
aqui diretor geral senhor Octávio Alckmin, foi um deles, Vandeli Pinheiro
Alvarenga foi outro, Antônio Soares foi outro, um deles José Octávio Alckmin,
eu era repórter do Diário Mercantil ele me chamou no gabinete dele e falou:
“Ismair eu vou te entregar a editoria do Diário da Tarde, editoria geral, você
aceita? Eu quero fazer uma recomposição no Diário Mercantil e quero levar o
editor geral do Diário da Tarde para o Diário Mercantil para coordenar essa
área de cidade, política e economia, vou levar o Eloísio Furtado”, falecido,
saudoso, amigo do coração, falo com muita saudade do meu amigo, você
conheceu o Eloísio? Eloísio Furtado, grande alma, que acabaria sendo depois
sendo editor geral do Tribuna de Minas. Então, o Eloísio Furtado foi para a
editoria de cidade do Diário Mercantil e eu assumi a editoria do Diário da Tarde,
editoria geral do Diário da Tarde. E eu passei um sufoco no meu primeiro dia,
porque o Diário da Tarde não tinha essa organização estrutural de uma
redação de jornal, era um bando de jovens entusiasmados, ótimos, mas assim
folgazões, boêmios, e isso era uma sexta-feira, o primeiro dia que eu editei o
jornal.
P/1 – De que ano?
R – De 1975, 74, era uma sexta-feira, eu fui em casa jantar, lanchar, jantar,
quando eu voltei eu encontrei minha mesa repleta, entulhada de matéria até
em cima, quase que me sufocando, sabe? Quem era de esporte, quem era de,
aí eu tive uma grande tarefa minha, foi uma modesta contribuição que deu, foi
estabelecer editorias, todo mundo fazia tudo, sabe? No Diário da Tarde. Então,
aí criamos as editorias, editoria de cidade, editoria de política, porque o Diário
da Tarde era uma espécie de patinho feio, chegou até num determinado ponto
de ter uma certa animosidade dentro da redação, entre quem trabalhava no
Diário Mercantil e Diário da Tarde, eu lutei muito para terminar, gente estamos
todo mundo ganhando pão aqui na mesma casa, se o Diário Mercantil for bem,
tudo bem, Diário da Tarde, todo mundo lucra com isso etc., etc. E nesse meio
tempo...
(Fim do vídeo 4)
R – O jornalista já começava ter outras ambições, por volta dos anos 70, de
1970, pouco mais ou pouco menos, eu consegui o meu registro de jornalista
profissional, uma das juntas militares que presidia o Brasil, um decreto lá criava
essa figura do jornalista profissional, ainda como parte do instrumento de
acreditação do jornalista formado em faculdade, para que aquele jornalista que
não tivesse formação universitária, a formação dos cursos de comunicação,
deu essa oportunidade a quem já escrevia há cinco anos e comprovasse com
matérias escritas por cinco anos, que obteria do Ministério do Trabalho o
certificado de jornalista, nesta altura eu já tinha providenciado tinha matéria até
de mais de cinco anos, tinha matéria de muito tempo, mais de dez anos. Já
tinha uma vida totalmente ligada à vida jornalística, 1967 eu assumi a
presidência do sindicato de jornalistas num momento muito complicado, porque
o golpe militar estava muito aceso, para se ter uma ideia do que era um
sindicato de jornalista naquela época, você não podia mais reunir não, você
para ter uma reunião de diretoria você tinha que fazer um ofício para o
Ministério do Trabalho pedindo autorização para reunir o sindicato e nesse
ofício pedindo autorização você tinha que especificar os assuntos, a pauta da
reunião não podia ter assuntos gerais, a primeira saída que todo mundo
arrumou para driblar o cerco político opressor policial da época, eleição disso,
designação disso etc., b, c, d, e, f, assuntos gerais, não podia ter assuntos
gerais. Eu tentei bem, um dos primeiros pedidos de reunião eu coloquei um
item assuntos gerais, eu fui chamado lá no Ministério do Trabalho e pediram
que eu refizesse o pedido e depois você tinha que mostrar a ata da reunião,
sabe? Foi um negócio muito complicado, tão complicado, Christina e Rosali,
que toda essa atrocidade que advém de uma ditadura militar ela toda foi feita
sem que nada fosse escrito, você não encontra numa redação de jornal
nenhum embargo de matéria escrito, nenhuma orientação, não há nenhuma
orientação. Quando morreu, aí eu já era editor de jornal, no domingo em que
morreu o Juscelino Kubitschek eles telefonaram da polícia federal: “Zaghetto...”
vocês que são jovens prestem atenção nisso “Zaghetto a morte do Juscelino só
pode ser dada com meia emoção” só pode ser dada com meia emoção, nessa
altura dirigia a polícia federal em Juiz de Fora um cidadão que deixou saudade
pela bondade dele, sabe? Como é que era o nome dele? Cabeleira branca,
sem nenhuma lembrança da minha, porque a cabeleira dele era bonita, não era
esse capacete meu aqui não, vou lembrar o nome dele daqui a pouco, ele era
poeta, graças a Deus veio para cá um policial que tinha uma alma
extremamente sensível, eu que só recebia sempre telefonema: olha não pode
dar isso, não pode dar aquilo, não pode dar aquilo outro, isso já era todo dia,
olha notícia lá de ameaça de greve não pode ser dada, essa aí eu me rebelei
um pouco, passei a mão no paletó corri lá na polícia federal, como eu já tinha
uma certa intimidade com esse cidadão eu vou lembrar o nome daqui a pouco,
falei: “meu amigo você vai ter que me dar uma aula,” já entrei direto na sala
dele, a polícia federal hoje tem uma delegacia, mas era na galeria do edifício
Sálvia, esse edifício é na Rio Branco onde na esquina tem a Flamingo, Banca
do Vasco, é lá no fundo, Galeria Sálvia, Galeria Carmelo Sirimarco, acho que é
ali também no fundo da Carmelo Sirimarco, era lá no fundo da Carmelo
Simarco, perto de onde funcionou também colado a sociedade de Belas Artes
Antônio Parreiras, entrei direto lá, falei: “meu amigo você vai me dar uma aula,
eu vou sentar aqui” imagina se eu falasse isso em 64, é que eu tinha uma certa
intimidade, “você vai ter que me ensinar como é que dosa emoção, eu acabei
de receber o telefonema da sua secretária dizendo que a morte do Juscelino
Kubitschek tem que ser dada com meia emoção, eu quero aprende, vai ser,
apesar de eu ser uma cara que não sou muito jovem, mas eu quero aprender
como que se dosa emoção, vou ser um cara super bajulado, um cara que
aprende a dosar emoção, imagina!” “Oh! Zaghetto você, o que é que eu vou
fazer com você meu filho! Você sabe o que quis dizer você tem que segurar a
mão” “então escreve” “Zaghetto, você já recebeu alguma coisa escrita lá?”
como ninguém desse Brasil do Oiapoque ao Chuí não tem um, quando eu me
vejo diante de matérias sobre esse assunto eu me debruço, porque eu vivi isso,
não há um papel, Christina, isso foi do ponto de vista deles, um planejamento
de gênio, se proibiu tudo, mas sem nunca escrever qualquer coisa censurando
ou proibindo, foi uma manchete: morre JK e a notícia pura e simples. Mas aí
como eu falei que o engraxate, que o entregador, o serralheiro depois jornalista
foi sempre empreendedor e ambicioso, eu passei a me sentir, isso foi um
sentimento muito curioso para a época, aquela ideia de ser um profissional de
segunda classe, sabe? Eu apaziguei muitos ânimos dentro de redação, porque
tinha todo um contingente remanescente do tempo em que jornalismo não se
formava profissionais em jornalismo, em Juiz de Fora isso era recente até
então, começou com a Fafile, isso mesmo a Fafile já tinha, eu tenho amigos
formados na Fafile, vou te falar o nome famoso pelo fato de depois ser mulher
de um Presidente da República, Ana Elisa Surerus Franco, jornalista formada
na Fafile, depois que a Facom, Faculdade de Comunicação, veio todo naquele
processo de criação da universidade etc. etc. e eu diria, Christina, que pouca
gente conhece tanto intestinamente a universidade federal como eu conheço.
P/1 – Agora essa velha geração de jornalistas e a nova geração que a partir
dos anos 60 passou a invadir as redações ouve algum tipo, vamos dizer,
disputa de território? Estranhamento?
R – Certamente, falar que não ouve uma disputa de território é uma tolice, é
mascarar a realidade, ainda que isso não fosse ostensivo, mas isso era latente,
isso viveu, e aquela coisa apaziguando disputa dentro de redação: “eu sei
escrever, como é que você vai aprender a escrever num curso?” coisa dessa
natureza, aliás, de certo modo é uma discussão, não uma disputa, uma
discussão que não se encerrou, alguns veículos ainda admitem profissionais
sem a exigência, Folha de São Paulo e a Veja eram duas publicações que eu vi
matéria falando sobre isso nesses próprios veículos, no fundo tudo uma tolice
muito grande, sabe, Christina? Mas retomando se sentia um profissional de
segunda classe, eu senti que me cairia bem um curso universitário, sentia
necessidade, sempre pensei, por conhecer, por descobrir, sobretudo conhecer,
e a sociologia já fazia os meus devaneios, eu fui conhecer uma socióloga até
com alguma intimidade assim, uma boa amizade com ela, eu me lembro que
falei isso com ela no gabinete do Itamar Franco, chefe do gabinete do Itamar
Maria Andrea Loyola, você conheceu Maria Andrea? Maria Andrea Rios Loyola,
eu sempre troquei Rios e Loyola, nesse livro que eu escrevi sobre Itamar e um
bando de sonhadores eu cheguei a trocar o Rios com o Loyola, a posição,
quem prefaciou o livro para mim e que também foi companheira nossa nessa
época até me chamou a atenção.
(Fim do vídeo 5)
R – Me chamou atenção para esse detalhe, que eu estava invertendo o nome
da Maria Andrea, mas foi assim digamos a primeira... Lucy Brandão, esposa do
professor Murilo Hingel, que prefaciou esse livro para mim, ela então me
chamou atenção para isso, e eu me lembro que eu falei isso para Maria
Andrea: “Maria Andrea você é a primeira socióloga que eu converso, vejo muito
falar em sociologia, gostaria muito de conhecer melhor o mundo que a gente
vive,” e ela me incentivou muito a fazer o curso de Sociologia. E aí, em 1970
trabalhando em jornal fiz o vestibular para a universidade, vestibular
imensamente disputado e eu fiquei muito feliz, porque eu fui o terceiro colocado
de uma turma de 40 alunos, fui o terceiro colocado no vestibular e o primeiro
em todo o ICHL, que hoje não tem o ‘L’ mais, a melhor redação, a nota mais
alta em redação. Ali começava a surgir o sociólogo, as aulas na universidade
eram de manhã e eventualmente tinha alguma matéria a tarde, e a tarde eu
trabalhava no jornal. Na universidade eu fui conhecer uma outra figura que ia
fazer assim parte muito próxima da minha vida, porque os quatro anos do
curso, aliás, duas pessoas, mas uma muito popular, os quatro anos do curso
eu o levei cada dia de aula, eu e o Paulo Delgado, ex-deputado Paulo Delgado,
toda a manhã, estava tentando lembrar aqui a rua do Paulo Delgado, Rua Belo
Horizonte, toda a manhã eu desci, subia Bom Pastor entrava em São Mateus
pegava a Rua Cândido Tostes ia lá em cima pegar o Paulinho, de lá já entrava
lá por cima e ia para a universidade, só que o período era maior, hoje nós
vamos a Universidade Federal vamos de um modo geral vamos pelo trevo da
Independência, mas não tinha o trevo ainda, o trevo veio depois, o trevo é
posterior. Eu se você pegou o tempo que só passava pelo Cristo, nessa altura
tinha um fusquinha, um fusquinha importado alemão caixa seca, quando ele
morria na subida do Cristo ele só saía em primeira, era um desastre, sabe,
Christina? Então, cheguei a universidade já bem mais maduro, então eu era o
coroa da universidade, o Paulino Delgado já não muito atrás, porque o
Paulinho Delgado tinha passado por vários cursos que ele não concluiu Direito
é um deles, História é outro, até que ele também se encontrou na Sociologia. E
o Paulinho Delgado até hoje conta casos, assim, muito interessantes, ele
contou um publicamente: em 2005 eu me filiei ao PT, a inscrição foi assim um
pouco festiva, não pela minha importância é que junto comigo tinha pessoas
mais importantes incluindo a ex-reitora Margarida Salomão, que naquele dia
também estava se inscrevendo no PT, outros professores da universidade e o
Paulinho Delgado saudando os novos integrantes do partido ele falou assim:
“pois é esta aí o meu amigo Zaghetto, que até não sei quando eu tive que ouvir
do meu pai, quando falava muita coisa em casa meu pai meu pai falava comigo
assim: ‘você está com essa história toda aí rapaz, se não fosse aquele seu
amigo do fusquinha branco você não tinha se formado’” ele estava se referindo
as caronas diárias e a imensa amizade que me une ao Paulinho, sabe? Nós
fizemos cada matéria, não só as matérias obrigatórias, como as matérias
opcionais isso inclui entre as matérias opcionais, do outro lado do campus da
universidade que é a Faculdade de Educação, onde está hoje ali a Faculdade
de Direito, Faculdade de Educação continua lá, então nós fazíamos matérias lá
no então ICHL e tínhamos que atravessar o outro lado, falava-se outro lado
com uma, até porque era meio escuro e como tinha matérias mais tarde, hoje o
campus é totalmente diferente, lá faria grandes amizades também lá na
Faculdade de Educação, fazendo as matérias de didática, porque eu não só fiz
bacharelado, como fiz também a licenciatura, porque eu tinha já planejado
coisas na licenciatura, era importante para mim.
P/1 – Antes de entrar na sua vida como professor eu queria saber alguns
outros detalhes da sua vida na redação. Rotina de repórter nos anos 60, como
é que era? Vocês faziam matéria a pé? Iam com fotógrafo?
R – Christina você está me fazendo lembrar de coisas terríveis, menina, com
essa pergunta, eu quando encontro com Jorge Curi, que vocês conhecem
muito bem, nós damos boas gargalhadas, porque uma das últimas matérias
que nós fizemos, nós fomos de bonde, Christina, fomos de bonde, depois o
jornal cresceu tinha muito veículo.
P/1 – Conta um pouquinho essa rotina do bonde aí. Como é que era isso?
R – Pega um bonde no Parque Halfeld, a redação já era na Rio Branco, fomos
lá entrevistar alguém lá na fábrica São Vicente, que é hoje onde está lá o
Bahamas, mas cujo o imóvel ainda pertence a Fábrica São Vicente,
Companhia Fiação e Tecelagem São Vicente, que loca o espaço lá, mas fomos
lá entrevistar qualquer coisa relacionada com ausência de matéria-prima.
Então, quando eu encontro hoje com Jorge Curi e conversamos, nós falamos:
“Jorge pouca gente pode se dar ao privilégio de falar que foi fazer uma
reportagem de bonde” nós tivemos esse privilégio.
P/1 – E a relação que vocês tinham com os gráficos?
R – A redação de certo modo, eu acho que a rotina de algum tipo de rotina
permaneceu, como por exemplo, o repórter fazer três matérias, essa foi a rotina
que nós estabelecemos como razoável lá ainda no Diário Mercantil, Diário da
Tarde.
P/1 – O repórter ia para a rua mesmo, não ficava apurando só pela redação
não né? Ia para a rua, gastava a sola de sapato.
R – Esse aconchego de sentar não, você tinha que ir, ninguém dava entrevista
pelo telefone também não, era muito difícil, a não ser que a pessoa te
conhecesse muito e a sociedade mudou muito, né Christina? Juiz de Fora, não
apenas Juiz de Fora, mas a sociedade como um todo, nós estamos falando de
um tempo de Juiz de Fora com 250 mil habitantes, eu quando converso com
companheiros nossos desse tempo na prefeitura, não estamos falando sobre
isso aqui, vê como mudou a cidade, falávamos de uma cidade de 250 mil
habitantes, hoje nós falamos de uma cidade que tem uma população oficial de
pouco menos que 600 mil, mas que provavelmente tem uma população
flutuante de um milhão, quem quiser comprovar isso vai no shopping, vai no
Carrefour olhar placa de carro, eu tenho muita, esse é um vício que ficou do
pesquisador de olhar placa de carro, ver como é grande a população flutuante
de Juiz de Fora.
P/1 – Uma cidade de 250 mil habitantes como é que vocês preenchiam tantas
páginas de jornal? Onde é que vocês encontrava material de pauta para todos
os dias colocar novidade?
R – Pois é Christina, o tempo também era muito menos profissional do que
hoje, tanto que até que você tivesse, até que a faculdade, hoje Facom, até que
a universidade pudesse produzir tantos jornalistas, os jornalistas eram
jornalistas, digamos assim, bem diletantes, o jornalista era advogado, era
professor, era advogado, até médico, já teve trabalhando na redação.
P/1 – Até serralheiro.
R – Até serralheiro, isso mesmo.
P/1 – Quando que você deixou a atividade de serralheiro?
R – A atividade de serralheria ela ficou para trás, essa é uma boa indagação,
porque ela marca uma outra coisa na minha vida, definitivamente por volta de
67, 68, não antes, ela ficou para trás em 65, em 65 eu passei a serralheria para
o meu irmão, coitado, que hoje eu já mencionei ele aqui o meu irmão Itamar,
meu querido irmão Itamar, sofrendo do mau de Alzheimer e ele continuou, no
meu tempo a partir daí já era todo consagrado ao jornal. Então, esse tempo de
editor de Diário Mercantil, Diário da Tarde, mesmo como editor do Diário da
Tarde eu fazia matéria também para o Diário Mercantil, houve um tempo que
os editoriais do Diário Mercantil eram feitos por três pessoas, três pessoas
faziam os editoriais tinha escala, sabe? Eu estou tentando lembrar aqui do
terceiro, mas dois eram eu e o senhor Cid que revezávamos, tinha o terceiro
Ivan Cavalieri, Ivan Cavalieri que foi editor geral do Diário Mercantil, professor
da Facom, não era Facom? O curso de comunicação ele foi nômade, eu a
distância eu acompanhava muito pelos amigos e companheiros e por cobrir,
uma das incumbências que eu tinha como repórter do Diário Mercantil era
cobrir a Universidade Federal, então, por isso que quando eu falo que conheço
bem a história da universidade, porque eu estava presente quando o Juscelino
assinou a lei criando a Universidade Federal, quando ela foi instalada, eu fiz a
entrevista com o primeiro reitor, essa entrevista esse ano está rendendo muito,
Moacyr Borges de Matos, que Deus o tenha, o meu ex-companheiro de
conselho, Museu Mariano Procópio, que nós até pouco tempo antes da morte
dele, lembrávamos da primeira entrevista que ele deu como primeiro reitor da
Universidade Federal, porque toda Universidade Federal de Juiz de Fora, no
seu aspecto administrativo era apenas uma sala no Edifício Banco Mineiro da
Produção, Rua Halfeld, 440, cedida pelo governador Magalhães Pinto a Juiz de
Fora para que sediasse a Universidade Federal, o professor Moacyr estava
naquele momento ele estava enfrentando aquela problemática de agrupar as
unidades, a Fafile foi um embrião do ICHL, tanto que o primeiro diretor do ICHL
foi exatamente o professor Cruz, que eu já mencionei nessa entrevista aqui,
que veio, lecionava na Fafile, como lecionava na Fafile também o professor
Juracy Neves, diretor da Esdeva, e que foi o meu professor de Antropologia,
uma ocasião numa solenidade: “vocês estão percebendo que eu estou
mencionando aqui o professor Juracy chamando, quando toda a cidade chama
só de doutor Juracy e que eu insisto em chamar de professor, porque na
verdade ele foi meu professor, mas para não imaginem que o Juracy seja muito
mais velho do que eu fui tarde para a universidade” ele riu e lembra disso até
hoje com muito bom humor.
(Fim do vídeo 6)
R – Então, eu e o professor Moacyr Borges de Matos lembrávamos muito
nessa primeira entrevista quando toda a universidade no seu aparato
administrativo funcionava numa sala. E a universidade começou, assim, com
muito entusiasmo o professor Moacyr falava: “essa vai ser uma das grandes
universidades do país Zaghetto,” exatamente por ser o responsável pela
cobertura, tudo que se relacionasse a universidade era eu quem produzia, há
muitos sonhos que ele tinha para a universidade, e essa entrevista eu estou
dizendo que ela está rendendo muito, rendendo, assim, no sentido de uma
alegria muito grande, poder hoje tantos anos depois está transmitindo para
jovens, eu já dei provavelmente umas 20 entrevistas para alunos e pessoas
que estão fazendo trabalho, monografias etc. etc. especificamente sobre essa
entrevista com o professor Moacyr Borges de Matos, nesse ano do centenário
dele, do centenário de nascimento, que foi agora em setembro. Houve uma
solenidade muito bonita aqui no MAMM, na sede do MAMM.
P/1 – Eu tenho que te perguntar qual foi o grande furo que você deu na sua
vida? Você teve um furo, uma matéria daquelas assim que abriu manchete,
que causou?
R – Eu fiz uma matéria, que como eu disse, os Diários Associados eram a
Globo da época, era uma cadeia de cento e tantos jornais, o que diferenciou o
dono dos Diários Associados e o dono da Globo era que o outro era muito
idealista, e o que cá, eu não estou falando que ele não seja idealista, ele foi
empresário, Roberto Marinho foi empresário. Então, a cadeia associada ela se
compunha de cento e tantos jornais, todas as capitais, Juiz de Fora tem coisas
curiosas, era a única cidade não capital que tinha um órgão dos Diários
Associados, era Juiz de Fora, em todo o Brasil só Juiz de Fora tinha órgãos
dos Diários Associados, aliás, há coisas aqui que só existem fora de capitais, o
que é que eu vou lembra? O que é que pode me lembrar? O espaço cultural
dos Correios, há pouco tempo tomando lá um cafezinho lá com aquela menina
que veio dirigir aqui ela me falava exatamente isso, que a única cidade não
capital que o Correio tem um espaço cultural é Juiz de Fora, então, Juiz de
Fora tem essas coisas, por isso que Juiz de Fora é uma cidade muito singular,
nós temos coisas aqui, quando a gente passar se é que vai passar por outras
coisas, falar dessa singularidade de Juiz de Fora, você vê, por exemplo,
nessas tantas singularidades as três figuras mais importantes na história de
Juiz de Fora, da grande história, temos outros, dezenas de outros importantes,
mas os três grandes nomes da história de Juiz de Fora, que são Bernardo
Mascarenhas, Henrique Halfeld e Mariano Procópio Ferreira Lage não eram de
Juiz de Fora, nas singularidades, Mariano Procópio era da região de
Barbacena, Barbacena, mas aquela região do Alto do Rio Doce, Bernardo
Mascarenhas eletricidade, União Indústria etc. etc. era de Curvelo, natural de
Curvelo, e o terceiro Halfeld alemão, engenheiro alemão, veio contratado pelo
governo brasileiro para balizar o Rio São Francisco, esse cara acabou hoje
sendo hoje o fundador de Juiz de Fora, olha as singularidades Rosali que Juiz
de Fora tem, esses três monumentos da nossa grande história não são daqui.
Às vezes as pessoas me perguntam: Ismair você insiste muito que Juiz de Fora
é conservadora, então aí me leva a falar nessas singularidades, porque ela
teve em determinados momentos figuras tais que nos projetaram, assim,
imensamente, duas dessas figuras eu as servi, o Itamar Franco, que foi
Presidente da República fui amigo íntimo de Itamar, e o Mello Reis que acabou
deixando uma obra muito boa do ponto de vista da metropolização de Juiz de
Fora, através de quem eu seria, receberia a incumbência de implantar a
Funalfa. Então, quando me levam a falar nessas singularidades eu busco as
origens de Juiz de Fora, busco as singularidades lá nas origens, no tempo em
que o grande passo, no tempo em que a arte predominava, a arte só
predominaria de forma intensa, de forma histórica, de forma influente se ela
fosse barroca aqui em Minas Gerais, Juiz de Fora simplesmente deu as costa
para o Barroco e foi para o litoral, é mesmo, demos as costas para o Barroco
no tempo, nós não temos nada de Barroco, podemos ter alguma coisa aí
excepcional, temos aí talvez uma meia dúzia de expressões barrocas, mas por
que? Aí vem mais uma singularidade em cima de singularidade, nós tínhamos
como ir para o litoral, porque tínhamos a União Indústria, que um gênio
extraordinário de um Mariano Procópio Ferreira Lage fez com macadame,
pouca gente se dá conta de que não foi só a primeira rodovia pavimentada do
Brasil não, da América Latina é a primeira rodovia pavimentada da América
Latina, uma dessas singularidades tínhamos o trem de ferro, estrada de ferro
Dom Pedro II. Então, Juiz de Fora tinha uma vocação cosmopolita, não nos
interessava por qualquer razão o Barroco, nos interessava o litoral, daí os
‘cariocas do brejo’, tão bem trabalhado no livro aí pela nossa Cristininha, que
foi minha repórter, ela não aposentou ainda não né? Cristina tanto quanto você
é muito menina, a Cristininha fez história comigo dentro do Diário da Tarde,
porque eu me rebelava, rebelava é uma expressão muito forte, eu não me
rebelo contra nada, eu achava até quase que injusto tolamente, ingenuamente
injusto o Diário Mercantil ter um suplemento, e teve um suplemento bom viu
Christina, suplemento literário, era bom literário do Diário Mercantil era muito
bom, e o Diário da Tarde só porque, aí era a minha guerrinha particular dentro
da redação para ter, eu consegui convencer a diretoria a fazer o suplemento,
então o Diário da Tarde criou o suplemento e eu entreguei essa tarefa à
Cristina, Cristina Brandão, a Cristininha, boa amiga, grande companheira de
redação, Christina, Tuca, Malu, Malu mulher do Cacá, ambos jornalistas, todos
daquela época, Eloísio Furtado, o Carlos Henrique Ângelo, o grande, que
depois foi secretário de estado da comunicação em Rondônia, no estado de
Rondônia, foi o período. O suplemento foi rodado ainda por dois ou três anos,
aí eu já não participei da história dele ter encerrado a vida dele, desse
suplemento, que circulava as segundas-feiras, era um suplemento de quatro
páginas com matérias de cultura artística, matérias especiais.
P/1 – Qual foi o grande furo?
R – Pois é o grande furo, eu rodei, rodei e não te respondi. Então eu comecei a
falar do grande furo quando ia lembrar que a cadeia era tão grande, eu vou
lembrar um outro detalhe daqui a pouco que é interessante para esse papo
nosso, de como era grande e importante a cadeia. Eu descobri aqui, por acaso,
eu não sei porque alguém me levou no pátio ali da Estação do Mariano
Procópio, ali para dentro era cheio de pátios, cheio de galhos de trens, alguém
me falou: “tem um vagão lá muito curioso, vale a pena você ver” alguém me
falou sabendo que eu era repórter eu fui lá Christina, era o vagão do imperador,
descobri o vagão do imperador, o imperador quando viajava na estrada de ferro
e que tinha o nome dele, Estrada de Ferro Dom Pedro II, com a queda da
monarquia é que mudou para Central do Brasil, era deslumbrante. Eu fiz uma
reportagem para o Diário Mercantil para o suplemento literário do Diário
Mercantil, e os Diários Associados tinha agência meridional que fazia o
entrelaçamento entre todos os jornais da cadeia dos Diários Associados, que
tinha uma matéria de interesse nacional, mandava para a agência nacional, a
meridional, a meridional distribuía, e eu mandei essa reportagem do vagão do
imperador, então essa reportagem do vagão do imperador ela foi publicada em
todo o Brasil essa matéria, eu até um certo tempo eu guardava os recortes de
jornal, eu tinha tudo isso, então aquilo me dava assim muito entusiasmo de
lembrar que eu fiz uma matéria que foi lida em Pernambuco, foi lida em
Manaus, foi lida no Rio de Janeiro, e foi condensada para uma matéria e citada
com crédito para Seleções do Reader’s Digest, fiz muitas matérias boas, mas
digamos assim uma matéria que ultrapassasse, deixasse as fronteiras do
município eu acho que foi essa Christina, o vagão do imperador, sabe? Todo
de cetim, lindo, tinha dormitório, espécie de sala de jantar, escarradeira.
P/1 – E algum museu ficou com esse vagão? Restaurou? Você sabe?
R – Pois é eu tinha muita vontade de saber onde está esse vagão, tai uma
pauta interessante, levantar o arquivo. Aliás, o arquivo do Diário Mercantil e do
Diário da Tarde essa é uma boa notícia, Christina, as coleções estão em ótimo
estado, atualmente elas estão no arquivo público, lá na Avenida Sete, o arquivo
público municipal, eu para esse livro do Itamar e do Machado Sobrinho, não do
Machado Sobrinho tentando...
P/1 – Vamos falar dos livros. Tem que falar dos livros.
R – Eu tive que confirmar algumas informações eu fui e fiquei muito feliz,
porque aquelas coleções, como todo historiador se preocupava muito com o
destino delas, medo de, por exemplo, com a venda do jornal ou encerramento
das atividades se aquilo fosse vendido, mas elas estão guardadas. Quando eu
fui Secretário de Cultura, que no caso aqui em Juiz de Fora corresponde a ser
Superintendente da Funalfa, eu tentei comprar essas coleções, fui em Belo
Horizonte conversar Camilo da Costa, que era o diretor geral do Diários
Associados de Minas Gerais, eu falei: “doutor Camilo eu vir aqui como
superintendente da Fundação de Cultura de Juiz de Fora, em nome do prefeito
manifestar o nosso interesse em comprar essas coleções, nós queremos
manter essas coleções na Biblioteca Municipal de Juiz de Fora,” ele não
vendeu não, depois, isso é coisas de bastidores, eu soube que comentaram
dessa forma em Belo Horizonte de forma assim até um pouco cruel: “esse cara
aí ele é amigo do Juracy, ele quer comprar essas coleções para passar para o
Juracy Neves” olha que tolice, pessoa a distância e sem nenhum
conhecimento, mas felizmente passou alguém por lá de bom senso, essas
coleções vieram para Juiz de Fora, vieram através da TV Alterosa, que eu acho
que ainda pertence ao Diários e Associados, ela é o SBT de Minas Gerais e
pertence ainda ao Diários e Associados, tiveram aqui as coleções e daqui, eu
não acredito que tenha sido compradas, eu acredito que tenha sido doadas à
prefeitura, eu fiquei muito feliz, e aconteceu até um fato muito engraçado.
P/1 – Você poderia então falar dos livros Ismair? Contando aí, tem o primeiro
que foi do Machado Sobrinho, que é uma biografia. Né?
(Fim do vídeo 7)
R – Estou preocupado, não estou preso em nada não né.
(Fim do vídeo 8)
P/1 – Ismair nós queríamos saber um pouco sobre a história dos seus livros,
porque todo jornalista no fundo é um escritor, você sempre teve isso na sua
alma desde a época do colégio, depois normalista, você também foi normalista,
né?
R – Pois é muito curiosa a minha passagem pelo que nós chamávamos
segundo grau, a minha formação do segundo grau foi muito curiosa, enquanto
todo mundo fazia científico, de modo geral científico, clássico, alguns poucos
clássicos, eu tentei fazer curso normal, mas foi uma dificuldade para fazer
curso normal, porque eu tentei me matricular no colégio São José, que tinha
um curso normal extraordinário, era tradicionalíssimo, muita gente, professoras
antigas formadas no colégio São José. Então, fui lá matricular com o meu
documento de primeiro grau, a secretária não aceitou ela falou: “eu não posso,
o senhor me desculpa eu não posso matricular o senhor, porque o senhor é
homem, o curso normal só é feito por mulheres” eu falei: “minha jovem a lei
especifica isso?” eu falei com ela: “isso é puramente uma convenção” falei com
ela: “tanto que no Rio de Janeiro 60%” eu fui lá bem armado “60% dos
professores da rede pública são homens, aqui por questões culturais,
eminentemente culturais as professoras do curso primário são mulheres”, mas
ela falou assim: “de todo modo eu não posso, mas dada a sua insistência eu
vou levar isso para a diretoria, amanhã o senhor volta aqui nesse mesmo
horário cinco e meia, seis horas da tarde” nessa altura eu já tinha colocado
para ela assim em termos um pouco mais incisivos se a lei determinava isso,
então, acho que ela conversando lá com a diretoria ficaram um pouco, então
cheguei lá cinco e meia da tarde, a direção autorizou que o senhor faça o curso
normal, então era eu e 39 mulheres, foi muito curioso. Então, eu me formei no
curso normal, a minha formação antes do terceiro grau, minha formação de
segundo grau é uma formação de magistério, e aí a mulher falou: “mas por que
é que o senhor que fazer? Nós temos aqui clássico, temos científico, por que é
que o senhor não faz?” eu falei: “porque eu pretendo lecionar, minha senhora,
pretendo lecionar e já quero fazer o segundo grau onde tem matérias ligadas a
área pedagógica, só por isso”, mas felizmente autorizaram. E ainda voltando, aí
só um detalhe, voltando lá ainda na impressa ainda, quando eu falei da rede
grande dos Diários Associados, que os Diários Associados era a Rede Globo
daquela época, ela era tão importante, Chateaubriand talvez tenha sido na
época dele, para o contexto da época, se pudéssemos aquilatar mais
importante que foi Roberto Marinho, para se ter uma ideia Chateaubriand não
levava mala, ele corria, visitava as unidades sucursais dos inúmeros jornais
dele e a cidade que ele fosse visitar é que se incumbia de comprar pijama para
ele, simplesmente não levava mala, então eu vi o Chateaubriand uma vez e via
as aflições do senhor Renato Dias Filho com mais as auxiliares dele lá da área
administrativa sobre tudo a Joana D’Arc Amaral, que vem a ser irmã da
Imaculada que é secretária do Cabelinho, correndo lá durante o dia para
comprar o pijama, imaginando e telefonando: “que número tem que ser o
pijama?” porque o Chateaubriand vinha a Juiz de Fora visitar o Diário Mercantil.
Olha! Só para se ter uma ideia da grandeza, ele tinha isso com ele não levava
mala, e quando eu falo que ele foi menos empresário, foi mais idealista do que
o Roberto Marinho, é porque ele desenvolvia as campanhas dele eram
campanhas comunitárias, a campanha, por exemplo, dos cafés finos, o Brasil
ganhou uma outra dimensão no mundo exportado de café, graças a ele, a
campanha dos cafés finos, porque produzíamos um café de baixa qualidade,
era um cara virado. A campanha dos aeroclubes, o Brasil precisa voar mais, ter
mais aviões essa imensidão continental, o nosso aeroclube é uma das
heranças dessa preocupação que ele tinha com a comunidade. Esses dois
adendos que eu queria fazer. Falando sobre os livros, bom! Eu escrevi três
livros, na verdade eu escrevi o quarto, está na forma, dois ligados à área
memorialística, que é a biografia do Machado Sobrinho, Machado Sobrinho foi
um cara fantástico para a época dele, e nesse livro aqui eu conto coisas
curiosas sobre Juiz de Fora, da época, o mundo fabuloso que ele viveu, ele
viveu em dois mundos fabulosos, é um dos capítulos aqui desse livro, que é
Vassouras e Juiz de Fora. Vassouras, Christina, tem uma história fantástica,
ninguém imagina, nós passamos aqui indo para São Paulo ou para aquela
região ali do estado do Rio, passamos aqui na rodovia RJ não sei que número
que é, e vemos aquelas palmeirinhas, aquilo ali é um repositório de história
brasileira fantástico, era o mundo dos barões do café, o Brasil respirava
Vassouras, uma coisa que repercutisse lá no Rio Grande do Sul, Pernambuco
etc. etc. a pergunta que se fazia: Vassouras sabe disso? Não perguntava sobre
lá na sede, porque os barões do café, a imensidão econômica, a força cultura,
política de Vassouras, que era um povo extremamente orgulhoso, era um tipo
de fluminense espremido entre paulistas e cariocas e que não dava bola para
nenhum dos dois, porque ninguém viveu mais a sombra da família imperial do
que Vassouras. Então, é nesse mundo curioso que Machado Sobrinho viveu,
onde ele nasceu, Juiz de Fora que ele adotou como meu segundo berço, ele
falava isso com muito orgulho, e eu achei que Juiz de Fora precisava conhecer
um pouco mais de Machado Sobrinho. Em 2009, por ocasião do centenário de
fundação do colégio Machado Sobrinho, hoje Fundação Educacional Machado
Sobrinho, eu lancei esse livro, exatamente outubro de 2009. Itamar Franco,
outro livro na área de memória, Itamar Franco dispensa apresentação, mas há
muitas coisas que Juiz de Fora desconhece sobre Itamar Franco que eu
imaginei que era importante falar sobre isso, eu tenho um amigo, está aí até
hoje, Ivan Vaz de Melo, que foi secretário de saúde de Itamar Franco, ele
falava: “Ismair que você escreve, você tem que escrever isso, porque quando
nós morrermos ninguém vai saber disso,” então, eu conto muita coisa aqui que
eu acho que realmente no dia que eu partir se isso aqui não ficar eternizado
muita gente provavelmente iria desconhecer, como o azarão que foi o Itamar
ter ganho a eleição de 1967, ter sido pioneiro de fazer pesquisa de intensão de
voto, há uma Juiz de Fora, eu falo isso aqui nesse livro, acho que digamos,
com propriedade, que há uma Juiz de Fora antes e uma outra Juiz de Fora
depois de Itamar Franco. Eu achei que já era o tempo de eu tentar ficção, sabe,
Christina? Nesse meio tempo foram acontecendo as coisas em 2001 o convite
para ingressar na Academia de Letras, Academia Juiz-forana de Letras, na
verdade o segundo convite, o primeiro eu tive que recusar por razões simples
de se explicar, o fundador da Academia Juiz-forana de Letras o professor
Wilson de Lima Bastos me convidou para ingressar na academia, por conta da
criação dessa academia criou-se uma outra academia, Academia Manchester
de Letras, então o presidente lá da outra academia não sei se sabendo ou não
me convidou também, há uma palavra minha amiga Rosali, que raramente
povoa o meu vocabulário a palavra ‘não’ sabe? Raramente povoa o meu
vocabulário, eu estou sempre pronto, nunca falo não, então, para não falar não
eu preferi não entrar, não aceitei o convido do professor Wilson de Lima Bastos
para entrar para a academia, quando da fundação dela, aí em 2001 já
professor Wilson de Lima Bastos morto, já há algum tempo, também sociólogo
e professor, veio o segundo convite então da academia, e dessa vez eu deixei
de lado esses aspectos, porque já não havia convite também simultâneo de
mais alguém, eu ingressei na academia de letras, em 2001. Então, eu achei
que estava na hora, depois de lidar só com realidade, sempre lidei com
realidade escrevendo, como jornalista, como memorialista, estava na hora de
tentar uma ficção, até porque alguns dos contos que fazem parte dessa
coletânea eu já os tinha mostrado na academia de letras, dois deles eu contei,
eu li o conto lá na academia, e recebi assim, muito incentivo no sentido de
transforma isso, de torna-lo palatável o acesso a mais pessoas, então, eu tentei
a ficção além desses dois contos, eu escrevi mais 13 contos, fiz essa coletânea
aqui foi lançado ano passado, num momento, assim, muito dolorido para mim,
porque essa minha irmã a caçula do grupo tinha falecido, todo o lançamento já
preparado, no dia do lançamento desse livro aqui a Ilva Maria Zaghetto, lá
embaixo aqui no saguão aqui do prédio do MAMM eu não sabia se agradecia
as pessoas por estarem ali no lançamento do livro ou se ainda agradecia por
dois dias antes ter estado no sepultamento dela, sabe? Eu não tinha como
cancelar, até porque o pró-reitor de cultura, até então, o professor José Alberto,
ele tomou a si a incumbência de não só de franquear o espaço aqui, como
oferecer um coquetel, a impressão dos convites, não tinha como, se fosse uma
coisa ainda para iniciar a preparação eu não tinha condições emocionais para
fazer uma coisa dessa natureza, mas não tinha jeito. Então, saiu a ficção, e os
comentários sobre os contos foram assim muito bons, é uma sensação muito
agradável as pessoas comentarem com você sobre personalidade, sobre
personagens das suas histórias, então, conversam comigo, falam muito que
gostaram da professora Márcia, gostou de dona coisa, de fulano, sicrano, isso
me animou a tentar uma ficção de um curso um pouco maior, que é um
romance, e eu fiz esse romance ‘O Almirante e a Bailarina’ é o título do
romance, duas pessoas o leram, mas não suspeitos para falar, porque é a
minha mulher e a minha filha, acharam muito bom, mas eu quero crer que ele
tenha algum valor, realmente o romance, porque ele passou no primeiro
estágio Lei Murilo Mendes desse ano e nós sabemos que esse primeiro estágio
é feito por pessoas alheias ao processo da cidade, eventualmente profissionais
contratados para esse mister, então, eu quero crer que tenha, e se tudo correr
bem ou até o fim desse ano, ou talvez no primeiro semestre do ano que vem já
estaremos lançando, sabe, Christina? ‘O Almirante e a Bailarina’ seria no caso
o nosso quarto livro, a segunda ficção e o primeiro romance, vamos ver até
aonde a gente chega, né, Christina?
P/1 – Ismair acho que a gente já vai finalizando, mas antes de finalizar eu só
queria que você lembrasse, você é casado há quanto anos? Nome da sua
esposa?
R – Eu sou casado com Esmeralda de Assis Zaghetto, na intimidade da família
ela é chamada por Dadinha, eu a conheci em 1955 na festa de São Pedro, na
Grama, onde eu fui tocar, olha! Eu também sou músico, uma das coisas que eu
lamento foi ter parado de tocar, hoje não tem como você retomar, há duas
coisas no músico, pelo menos no músico de sopro que ele não pode parar,
quem toca trompete, trombone, estou falando dos instrumentos bocais como
era o sax tenor, que era o instrumento que eu tocava na banda, banda de
música e orquestra, eu não devia ter parado, sabe? Porque você perde duas
coisas: você perde a embocadura, embocadura é o calejamento dos lábios e
outro é a capacidade torácica do exercício, eu toquei música, fui músico de
banda de música, que história controvertida, né?
(Fim do vídeo 9)
R – Então eu conheci lá na festa de São Pedro, eu fui lá como músico, ela foi
como cantora da igreja, cantava em coro de igreja, nos casamos um ano e
meio depois, dia cinco de janeiro de 1957. Aí, nasceram, aí veio pela
sequência, Jane a filha mais velha, veio em seguida a Eliane, a Jane é
funcionária do estado, está em processo de aposentadoria, ter filho
aposentando é uma parada, eu tenho uma amiga que bateu na filha dela,
porque teve um filho e ela passou a qualidade de avó, para você ter uma ideia,
deixa para lá. Aí, veio a Eliane, a Eliane é professora de educação física
também formada aqui na universidade federal, leciona numa das escolas
públicas da cidade, aí vem a Denise de Assis Zaghetto, que é produtora
cultural, foi colunista da Tribuna, está administrando um site que ela está
fazendo atualmente, do qual ela está esperando que eu tenha uma brecha para
fazer uma crônica semanal, e por fim o Vinícius, que provavelmente talvez
vocês conheçam, porque o Vinícius é muito ligado ao meio, Vinícius é
publicitário, formado em Administração de Empresas, se apaixonou pelo
mundo do marketing e se transformou num grande diretor de criação,
premiado, ele tem prêmios no estado, tem prêmios nacionais, todas essas
capas aqui foram criadas por ele, e quando eu mostro essa capa aqui, tem uma
outra história essa foto com Procópio Ferreira, mas não dá nem para contar,
porque é muita coisa, o sentido aqui é outro. Tenho sete netos, três filhos da
filha mais velha, da Jane, que é a Roberta, a Melina e o Ramon, que é o caçula
da minha filha; a minha segunda filha tem duas filhas: Suzana e Clarice,
Suzana formada em Administração de Empresas, Clarice fazendo Direito na
federal. Então são sete netos, desses netos aqui que é a Melina, filha da Jane
tem dois filhos, que são os dois bisnetos que eu tenho: Fernando e Laura, por
sinal nesse momento ambos com catapora, a Melina, que é coordenadora da
Alma Viva, está maluca para cuidar das crianças, eu falei: “minha filha isso é
doença infantil, isso é vacina, minha filha.”
P/1 – Faltaram dois netos, mas depois eu pergunto a conta, mas acho bom
fazer a última pergunta, né, Rosali?
P/2 – A gente faz uma pergunta no Museu da Pessoa que é: se o senhor
pudesse mudar uma coisa na sua vida o senhor mudaria? E se o senhor ainda
tem algum sonho para ser realizado?
R – Sonhos, minha filha, eu tenho muitos, até porque eu tenho uma filosofia de
vida Rosali muito vivo, um sonho muito vivo, é uma concepção muito viva de
vida, eu acho que nós morremos a partir do instante que você deixa de sonhar,
eu estou esperando para lançar um livro agora, está sempre, você é
doutoranda está concluindo, assim é a vida de todos nós, nós morremos no
instante em que deixamos de sonhar. Mas não mudaria não, eu agradeço a
Deus muito, eu quando amanheço eu agradeço a Deus por duas coisas, uma
por estar vivo, e outra por ter a família que eu tenho, que é um suporte, a
família ela tem na sociedade uma função extraordinária, tão importante e o que
é mais importante na nossa vida são aquelas coisas que a gente presta menos
atenção, como o ar que nós respiramos, por exemplo, mas quase sempre nós
nos demos conta de que a família é o primeiro grupo social de que a gente
participa. Eu sempre lembrei muito isso para os meus alunos, primeiro os
alunos iniciantes de Sociologia e de Antropologia, que eu lecionou por um bom
tempo também, é isso aí.
P/2 – A gente queria agradecer. Muito obrigada.
R – Eu que agradeço, minha filha, eu acho que tudo que se relaciona a
Universidade Federal ela me toca muito, exatamente, estou remontando ali o
professor Moacyr Borges de Matos, ainda agora, longe de tudo, ainda tem um
compromisso de uma vez por mês ir ao campus da Universidade Federal, aliás,
depois de amanhã é dia, dia três de outubro, que são as reuniões do Comitê de
Ética e Pesquisa Humana, do qual eu faço parte, já faço parte há dois anos.
Esse convite me alegrou muito, pode parecer, mas eu estou dizendo isso com
toda sinceridade, o que me agrada muito é ser um trabalho voluntário,
exatamente por ser um comitê de ética os seus membros não são
remunerados, e é trabalhoso ser membro do comitê de ética da Universidade
Federal, do comitê de ética e pesquisa, por que é que é trabalhoso? Não é por
causa da reunião mensal, é porque cada membro é relator de três projetos
mensais, engraçado, mas isso não tem nada a ver com a entrevista aqui. Eu
nem sei se quando a Edelvais, você conhece a professora Edelvais? Grande
alma, era coordenadora do curso de psicologia é uma londrinense fabulosa,
quando ela me fez esse convite ela me falou duas coisas, eu brinco muito com
ela quando encontro com ela, raramente agora, porque ela não é mais a
coordenadora, ela me falou que tinha que relatar esse processo e que isso
demanda conhecimento de computador, foi bom que eu aprendi mil coisas para
poder ser relator de processo do comitê, e só aceitei, e aceitei com muita
alegria por ser não remunerado, eu acho que eu pertenço a tantas instituições.
Eu tenho um amigo que já tem uma visão um pouco mais mercantilista da vida,
ele fala assim: “você se entrega, você já com 80 anos, reunião da academia de
letras, reunião do conselho do museu, reunião da cidade, você não ganha nada
para isso?” “mas você está esquecendo uma coisa meu amigo, a força
emocional de se ver comunidade” sem falsa modéstia, eu faço isso com muita
alegria, o que é voluntário para a comunidade. Ainda hoje mesmo eu levantei
cinco e meia da manhã, como levanto todos os dias, mas hoje especificamente,
porque é dia que eu vou para uma das coisas que eu criei também, que é o
café da manhã para a população de rua do grupo de estudo espírita Garcia,
então eu ia me sentir muito mal se eu falasse nisso aqui, num dia que eu não
fui nesse trabalho, que eu já não vou com a mesma frequência que eu ia, até
porque eu já criei isso a muito tempo e o tempo foi passando, aí vem tombos,
vem doença. Eu que agradeço a oportunidade, mais uma oportunidade que a
universidade me deu, obrigado.