Post on 08-Jul-2020
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Fundação OswalFundação OswalFundação OswalFundação Oswaldo Cruzdo Cruzdo Cruzdo Cruz
Centro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu MagalhãesCentro de Pesquisa Aggeu Magalhães
Departamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletivaDepartamento de Saúde coletiva
Mestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde PúblicaMestrado em Saúde Pública
P rograma rograma rograma rograma Saúde da aúde da aúde da aúde da F amília:amília:amília:amília:
uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus uma contribuição à análise de seus
princípios e práticaprincípios e práticaprincípios e práticaprincípios e prática
Naíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois SantosNaíde Teodósio Valois Santos
Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.
Recife, 2005Recife, 2005Recife, 2005Recife, 2005
ii
Fundação Oswaldo Cruz
Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães
Departamento de Saúde coletiva
Programa de Mestrado em Saúde Pública
P rograma Saúde da F amília: uma contribuição à análise de seus
princípios e prática
Naíde Teodósio Valois Santos
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Pública junto ao Departamento de saúde Coletiva/ Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz/ Ministério da Saúde, sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.
Recife, 2005
iii
Naíde Teodósio Valois Santos
P rograma Saúde da F amília: uma contribuição à análise de seus
princípios e prática
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre no Curso de
Mestrado em Saúde Pública do Departamento de Saúde Coletiva do Centro de Pesquisa
Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz/ Ministério da Saúde, pela comissão formada
pelos Professores:
Orientador: ___________________________________________________________
Prof. Dr. José Luiz do Amaral C. Araújo Jr.
Departamento de Saúde Coletiva/ CPqAM/ FIOCRUZ
Debatedor: ____________________________________________________________
Prof. Dr. André Monteiro
Departamento de Saúde Coletiva/ CPqAM/ FIOCRUZ
Debatedor: ____________________________________________________________
Prof. Dr. Russel Parry Scott
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/ UFPE
Recife, 2005
iv
D edicatória
À memória de meus queridos avós, voinha Naíde e voinho Bianor, cujos exemplos de vida e
de dedicação à ciência e às causas do povo estão sempre a me guiar.
Saudades...
v
A gradecimentos
Ao Prof. José Luiz Araújo Jr., pela orientação de cada etapa deste trabalho e pela
disponibilidade de transmitir sua experiência.
A Marta, mãe muito querida e sempre presente, pelo apoio incondicional, sugestões e revisão
do trabalho.
À filhota Mariá, pela compreensão nas tantas horas sem a companhia da mãe e pelo carinho e
tantos bilhetinhos que embelezam minha vida... te amo, beijos, corações, borboletinhas,
florzinhas, fadinhas...
Ao meu pai Dionísio, pelo exemplo de ética e pessoa humana e por tão ricas e proveitosas
discussões sobre as coisas da vida em sociedade.
À minha irmã Marion, pela amizade e sugestões na elaboração do Projeto.
Ao meu irmão Eduardo, que apesar da distância, sempre “aquece” meu coração com sua
doçura.
Ao Professor Russel Parry Scott, pelas contribuições na qualificação do Projeto.
À Coordenação da Pós-Graduação do Departamento de Saúde Coletiva/CPqAM, pelas
condições favoráveis que propiciam ao desenvolvimento da pós graduação e da pesquisa, em
especial ao Prof. Dr. Eduardo Freese de Carvalho, pela atenção em todas as fases do Curso.
Aos colegas da Secretaria de Saúde do Cabo de Santo Agostinho, em especial a Gessyanne,
Janaína e Equipe de Coordenação do Programa Saúde em Casa, pelo apoio ao longo do
Mestrado.
À Equipe Gestora da Secretaria de Saúde do Recife, pela compreensão demonstrada no
momento de conclusão deste trabalho.
Aos colegas do Mestrado, pela amizade e sempre agradável e valiosa companhia.
A todos os entrevistados pela participação, sem a qual não seria possível a realização do
presente estudo.
vi
R esumo
O presente trabalho aborda o Programa Saúde da Família (PSF) enquanto estratégia política
de mudança do modelo de atenção e da prática de saúde, analisando-a em relação aos seus
princípios emancipadores: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e
a promoção da cidadania. Considerando que a tradução da política em um dado modo de
trabalhar e modo técnico de intervir é condicionada e determinada no cotidiano dos serviços
de saúde, discute-se como as unidades de saúde da família têm se constituído em espaços de
promoção da saúde e da cidadania. Para o desenvolvimento do estudo, optou-se pela pesquisa
qualitativa no campo das políticas de saúde, utilizando a estratégia de estudo de casos para
analisar a política de reorientação da atenção básica, a partir de um modelo multicausal,
considerando as categorias contexto, conteúdo, atores e processo. Tendo em vista a
diversidade de processos de implementação e uma melhor abrangência da análise de sua
proposta emancipadora, realizou-se uma seleção intencional da amostra, a partir de contextos
municipais e locais favoráveis ao seu desenvolvimento. Desse modo, o estudo prosseguiu em
duas unidades do PSF, uma no município do Cabo de Santo Agostinho e outra no Recife/PE.
Inicialmente, discute-se o contexto da reorientação da Política de Atenção Básica no Brasil,
centrada no PSF, e o conteúdo emancipador contido nas diretrizes do Programa. Em seguida,
observa-se como os atores sociais envolvidos diretamente na rotina de seu funcionamento
compreendem e atuam em relação a este conteúdo. A análise aponta que apesar da presença
ainda marcante da cultura do modelo biomédico, o PSF vem propiciando o olhar e a atuação
dos profissionais de saúde voltados para a realidade de vida das comunidades que estão sob
sua responsabilidade sanitária e o estabelecimento de vínculos com os usuários. Esta
aproximação, por sua vez, tem favorecido o reconhecimento da saúde enquanto direito de
cidadania e a relação com os usuários não apenas como objetos, mas também como sujeitos
das ações; despertado o interesse no cuidar da saúde como bem essencial à qualidade de vida;
permitido o estabelecimento de diálogo e cooperação entre os atores sociais e fortalecido
canais para a participação social. As inovações na prática de saúde parecem emergir do
conflito e dificuldades enfrentados no encontro entre “velhas” e “novas” concepções,
indicando o movimento em direção a mudança de foco, que começa a deixar de ser a doença e
a passar a ser os determinantes da saúde, os sujeitos e seus coletivos.
Palavras-Chave: Programa Saúde da Família; Análise da Política de Atenção Básica; Reforço da Ação Comunitária; Participação e Controle Social; Promoção da Cidadania.
vii
A bstract
This piece of work approaches the Brazilian Family's Health Program (FHP) which has
become a policy strategy in order to induces changes on the health systems’ organization. The
study focus on its empowerment principles such as: the reinforcement of the community
action, the community participation and social control and the health promotion and
citizenship. Understanding a policy as an agenda for changes, it is conditioned by the
everyday life in the health services. Therefore the Family Health Units (FHU) are assessed in
terms of the role they play in strengthening citizenship and health promotion. For the
development of the study, the option made was by the qualitative research in the field of the
health policies, using the case study strategy to analyze the policy reorientation of the basic
health assistance. It uses a comprehensive model that considers the categories of, context,
content, actors and process. Having in mind the diversity of distinct experiences of policy
implementation in various FHU, the option was for an intentional sample, in order to assure a
most developed situation in terms of the empowerment policy principles. Thus, the study was
conducted in two FHU, one in the municipal district of the Cabo de Santo Agostinho-PE and
another in Recife-PE. Initially, it discusses the context of the reorientation of basic health
assistance in Brazil, centered in the FHP and the possible empowerment content inside the
program guidelines. Soon after, it observes how the actors directly involved in the routine of
its operation understand and act regarding that content. The analysis points out that besides
the still imposing presence of a model based on the biomedical culture, the FHP facilitates a
new approach by the heath professionals enrolled in those teams. They seem to perform more
guided towards life reality of the communities under their responsibility and also they
establish links with the FHU users. This approach has been favoring the recognition of health
as a citizenship right and also it set up a new relation with the members of the community.
Instead of object of their actions, they are now seen more like partners and active subjects in
achieving health as a public good essential to the quality of life. This has allowed the dialog
and cooperation among social actors and established channels for community participation.
The innovations in the health practices seem to emerge from the conflict and difficulties faced
in the encounter between old and new conceptions, indicating a movement towards a focus
change, once on diseases and now increasingly more placed on the health determinants, the
people and society.
Words-key: Family Health Program; Policy Analysis of Basic Health Attention; Community
Action, Community Participation and Social Control; Health Promotion and Citizenship.
viii
L ista de A nexos
Anexo 1 - Guia para realização das entrevistas............................................................................. 163
Anexo 2 - Termo de consentimento livre e esclarecido................................................................. 164
Anexo 3 - Relação dos documentos coletados............................................................................... 165
Anexo 4 - Relação das atividades acompanhadas......................................................................... 166
Anexo 5 - Relação das entrevista................................................................................................... 167
ix
L ista de F iguras
Figura 1 - População (%) coberta pelo Programa Saúde da Família, Cabo de Santo
Agostinho, 1999 a 2004.............................................................................................
69
Figura 2 - População (%) coberta pelo Programa Saúde da Família, Cabo de Santo
Agostinho, 1999 a 2004.............................................................................................
112
x
L ista de Q uadros
Quadro 1 - Distribuição dos recursos federais transferidos para o Piso de Atenção Básica
(PAB) dos estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004..............................................
29
Quadro 2 - Distribuição dos recursos transferidos do Fundo Nacional de Saúde para os
estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004................................................................
29
Quadro 3 - Modelo de condensação de significados e variáveis de estudo................................. 62
Quadro 4 - Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Cabo de
Santo Agostinho, 1998 a 2004...................................................................................
69
Quadro 5 - Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB)
municipal. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004..................................................
69
Quadro 6 - Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Recife,
1998 a 2004...............................................................................................................
113
Quadro 7 - Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB)
municipal. Recife, 1998 a 2004.................................................................................
113
xi
L ista de S iglas
ACS Agente Comunitário de Saúde
CLS Conselho Local de Saúde
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
FNS Fundação Nacional de Saúde
GAB Gerência de Atenção Básica
MS Ministério da Saúde
NOAS/SUS Norma Operacional da Assistência à Saúde do Sistema Único de Saúde
NOB/SUS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
PAB Piso de Atenção Básica
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PCCV Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos
PSF Programa Saúde da Família
SARTE Projeto Saúde, Arte e Educação
SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica
SUS Sistema Único de Saúde
xii
S umário
Resumo............................................................................................................................................. vi
Abstract............................................................................................................................................. vii
Lista de anexos.................................................................................................................................. viii
Lista de figuras.................................................................................................................................. ix
Lista de quadros................................................................................................................................ x
Lista de siglas.................................................................................................................................... ix
Introdução....................................................................................................................................... 1
Capítulo 1 - Análise de Políticas Públicas: algumas considerações do método......................... 8
1.1. Análise de políticas no Sistema Único de Saúde....................................................................... 13
1.1.1. Análise da Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde....................................... 16
Capítulo 2 - Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde......................................... 20
2.1. Contexto da reorientação da atenção básica pela Estratégia Saúde da Família......................... 32
2.2. Conteúdo emancipador da proposta de mudança do modelo de atenção à saúde...................... 40
2.2.1. Reforço da ação comunitária.................................................................................................. 41
2.2.2. Participação e controle social.................................................................................................. 44
2.2.3. Promoção da cidadania........................................................................................................... 48
Capítulo 3 - Procedimentos Metodológicos.................................................................................. 50
3.1. Desenho do Estudo.................................................................................................................... 51
3.2. Área de Estudo........................................................................................................................... 52
3.3. Seleção da amostra intencional do Estudo................................................................................. 53
3.4. Técnicas de coleta e fontes de dados......................................................................................... 56
3.5. Plano de análise.......................................................................................................................... 60
xiii
Capítulo 4 – O conteúdo emancipador na implementação municipal da Política de Atenção
Básica: resultados e discussão.................................................................................
64
4.1. Cabo de Santo Agostinho........................................................................................................ 65
O lugar e suas condições de vida............................................................................................... 65
O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão.............................................................................. 66
O Programa Saúde da Família................................................................................................... 68
4.1.1. Contexto e atores locais.......................................................................................................... 73
4.1.2. O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família: concepções e
práticas....................................................................................................................................
78
4.1.3. Discutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador................................................ 103
4.2. Recife......................................................................................................................................... 103
O lugar e suas condições de vida............................................................................................... 109
O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão.............................................................................. 110
O Programa Saúde da Família................................................................................................... 112
4.2.1. Contexto e atores locais.......................................................................................................... 116
4.2.2. O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família: concepções e
práticas....................................................................................................................................
122
4.2.3. Discutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador................................................ 141
Capítulo 5 - Considerações Finais & Recomendações................................................................. 149
Referências....................................................................................................................................... 156
1
Introdução
O Brasil construiu historicamente um sistema de saúde caracterizado pela centralização
federal, desigualdade de acesso, dicotomia entre ações curativas e preventivas, concentração
dos recursos nas atividades médico-hospitalares, utilização irracional dos recursos
tecnológicos e pela prática dissociada do contexto de vida dos sujeitos, objetos da atenção,
acarretando baixa resolutividade dos problemas de saúde e gerando alto grau de insatisfação
tanto na população, como nos gestores e profissionais de saúde (BARROS, 1997; BRASIL,
2000a; SOUZA, 2000).
O movimento pela defesa de uma profunda reforma desse sistema, que colaborava com a
acentuação das iniqüidades sociais, culminou com a realização em 1986 da 8a Conferência
Nacional de Saúde e com a incorporação no texto constitucional, em 1988, de seus princípios
fundamentais: universalidade do direito à saúde; exigibilidade da ação do Estado para garantir
este direito; multideterminação das condições de saúde; ação multisetorial para compreender e
assegurar a saúde; integralidade e eqüidade na atenção à saúde e a participação e o controle
social, mecanismos regulamentados na Lei Orgânica da Saúde nº. 8142 de 1990.
A luta pela inscrição desses preceitos em um arcabouço teórico-legal, como pontua a autora,
desemboca em outros esforços: a construção de um novo modelo de atenção1 e de práticas de
saúde, orientados pelos pressupostos do SUS, o que envolve, segundo Mendes (1999), as
seguintes mudanças:
1. Concepção do processo saúde-doença: negativa � positiva;
2. Paradigma sanitário: flexeneriano � produção social da saúde;
1 Modelo de Atenção é o modo como o Estado e os serviços de saúde se organizam, produzem e distribuem as ações de saúde (CAMPOS, 1997).
2
3. Prática sanitária2: atenção médica � vigilância à saúde;
4. Ordem governativa da cidade: gestão médica � gestão social.
O conceito positivo da saúde refere-se à sua concepção como (presença de) bem estar físico,
mental e social, não mais considerada como ausência (conceito negativo) de doença. A saúde
passa a ser considerada como um recurso fundamental para a qualidade de vida e a realização
dos sujeitos sociais. O paradigma da produção social da saúde, baseado na teoria da produção
social3, considera a saúde como um produto resultante de fatores econômicos, políticos,
ideológicos e cognitivos; inserindo-a, enquanto campo do conhecimento, na ordem da
interdisciplinaridade e, como prática social, na ordem da intersetorialidade (MENDES, 1999).
A prática sanitária, orientada pelo conceito de vigilância à saúde, amplia a atenção centrada
no ato médico curativo e adota a combinação de três grandes tipos de ações: a promoção da
saúde, a prevenção de doenças e acidentes e a atenção curativa, proporcionando uma atuação
integral sobre as diferentes dimensões do processo saúde-doença. A proposta da gestão social
se centra na idéia da intersetorialidade, deslocando o lócus da governabilidade da saúde da
secretaria municipal para a prefeitura e na articulação da ação de governo para o
enfrentamento dos problemas de saúde da sua população, sendo papel fundamental do setor
saúde a orientação e integração das ações (MENDES, 1999).
Na construção deste novo modelo de atenção, a implementação do Programa Saúde da
Família (PSF) vem sendo considerada como o primeiro passo significativo para a reorientação
do sistema de saúde, a partir da atenção básica, sendo caracterizado pelo Ministério da Saúde
2 Segundo Mendes (1999, p.241), “a prática sanitária é a forma como uma sociedade, num dado momento, a partir do conceito de saúde vigente e do paradigma sanitário hegemônico, estrutura as respostas sociais organizadas ante os problemas de saúde.” 3 Segundo Matus (1993), a teoria da produção social afirma que, salvo a natureza intocada, tudo o que existe é produto da ação humana na sociedade: tudo o que o ser humano cria a partir de suas capacidades políticas, ideológicas, cognitivas, econômicas, organizativas e culturais.
3
como uma estratégia de reformulação do modelo de atenção (BRASIL, 1997a; PAIM, 1999a;
SOUSA, 1999).
O PSF propõe inovações no modo de cuidar da saúde que abarcam os eixos apresentados por
Mendes (1999), com mudança do objeto de atenção e da forma de organização do serviço e
das ações: o foco de atenção passa a ser o indivíduo, a família e seu ambiente físico e social e
a atenção à saúde orientada pelo princípio da vigilância à saúde, combinando ações de
promoção, prevenção e cura, desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar com
responsabilização sanitária sobre um território definido. A esta equipe cabe realizar amplo
diagnóstico da situação de saúde da população adstrita, é essencial para o planejamento do
enfrentamento dos problemas priorizados, processo no qual a participação popular deve ser
garantida e incentivada (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).
Afirmando o conceito ampliado do processo saúde-doença, ou seja, considerando como seus
determinantes os fatores sociais, econômicos, político, culturais, subjetivos e biológicos, o
Programa propõe uma prática caracterizada pela alta complexidade tecnológica nos campos
do conhecimento e do desenvolvimento de habilidades e mudanças de atitude, exigindo
modificações significativas na abordagem do indivíduo, da família e da comunidade, bem
como uma atuação integrada dos diversos setores da gestão pública municipal (BRASIL,
1997a, 2000a, 2001b).
Contudo, como argumentado por Schraiber (1997), a passagem de uma intervenção enquanto
“plano” para sua forma “prática/tecnologia” ocorre em dois campos de condicionantes e
determinações, que se expressam e são experimentados na realidade cotidiana: o do trabalho,
que realiza a intervenção proposta com um dado modo de trabalhar e modo técnico de
intervir, produzindo cuidados; o da organização social da produção e distribuição dos
serviços, que se conformam em determinados modelos assistenciais.De acordo com
4
Vasconcelos (1999a), a mudança do desenho sob o qual opera o serviço não é suficiente para
assegurar transformações práticas, ou seja, mesmo com a introdução de mudanças na
organização do serviço a partir da implantação do PSF, como o trabalho em equipe, a
territorialização e adscrição de clientela, o planejamento local das ações e as atividades com
grupos, são necessárias mudanças no processo de trabalho e na forma de atuar dos
profissionais. Neste sentido, Souza (2000) aponta para a preocupação em relação ao “fazer
diferente”, pois muitas vezes é confundido com a ênfase dada na prescrição de mudanças de
comportamentos e hábitos.
A qualificação dos recursos humanos tem sido um grande desafio para a consolidação do SUS
e do PSF, pois, historicamente, a formação na área da saúde esteve predominantemente
voltada para a doença enquanto objeto de atenção e para o hospital enquanto local de atuação.
Uma formação distante do olhar da saúde como qualidade de vida, com abordagens
descoladas do cotidiano e da realidade das comunidades, considerando apenas como objeto de
atenção os fatores fisiopatológicos do processo saúde-doença, desconhecendo seus
determinantes mais amplos (CAMPOS, 1997).
O redirecionamento da atenção básica, centrado no Programa Saúde da Família, bem como a
proposição de sua indução na reorientação dos demais níveis de atenção, exige um processo
de transformação política e cultural dos atores sociais na arena da saúde, com mudanças de
visão, posturas e práticas, bem como um processo de construção coletiva, o que diz respeito a
espaços de integração de diferentes setores, atores e saberes (SANTOS, 2001).
Considerando o desafio dessas transformações, bem como o entendimento de que os
contextos e processos de implementação das políticas alteram o planejado, são de grande
importância análises que qualifiquem as mudanças e inovações deflagradas a partir do
conjunto de medidas e de normas que conformam a Política Nacional de Atenção Básica, que
5
vem sendo adotada pelos municípios, no sentido de identificar e explicar possíveis
contradições existentes entre sua teoria e prática.
Soma-se ainda a necessidade de avançar em relação à prática avaliativa que vem sendo
adotada através das normas ministeriais do Pacto de Atenção Básica, que apesar de induzir o
planejamento e o acompanhamento das ações, bem como a articulação intrasetorial para o
cumprimento das metas pactuadas, não aborda questões fundamentais para a análise das
transformações necessárias à construção do modelo de atenção desejado: participativo,
democrático e empoderador.
Desse modo, com o intuito de contribuir para a reflexão acerca da condução da Política de
Atenção Básica e contribuir para o seu aperfeiçoamento, o presente estudo tem o propósito de
analisar aspectos referentes à prática de saúde nas unidades do PSF, em relação aos seus
princípios emancipadores: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e
a promoção da cidadania.
O reforço da ação comunitária é entendido como o campo prático da promoção da saúde, ou
seja, o “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de
vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo (OMS, 1986, p.1)”.
A participação e o controle social são direitos constitucionais, fundamentais neste processo,
que estão, como colocado por Bosi (1994), intrinsecamente ligados à tomada de consciência
de que a saúde é um direito da pessoa e um interesse da comunidade.
A promoção da cidadania é entendida, no contexto deste estudo, como o estímulo à
conscientização e ao exercício do direito à saúde, um exercício de cidadania participativa que
se relaciona à prática individual e coletiva de conquista de melhores condições de saúde como
bem essencial à qualidade de vida.
6
A escolha pelo espaço das relações cotidianas que se estabelecem nas unidades de saúde tem
como objetivo a análise da relação dialética compreensão/prática. Para Bosi, este cotidiano
traz elementos através dos quais os atores sociais constroem suas percepções, ao mesmo
tempo em que representa um espaço de luta e de exercício do poder. Desse modo, e para além
da dimensão técnica, revela a dimensão política das práticas de saúde, fundamental na
apreensão de como as questões relacionadas à promoção da saúde e da cidadania vêm de fato
moldando um novo modelo de atenção, no qual espera-se que os cidadãos sejam sujeitos e
não apenas objeto da ação governamental, ou seja, do fazer política de saúde.
Assim, a investigação em tela tem como objetivo analisar o Programa Saúde da Família
(PSF) enquanto estratégia política de reorganização da atenção básica à saúde, centrada
na mudança do modelo de atenção e da prática de saúde, que traduza seus princípios de
reforço da ação comunitária, de participação e controle social e de promoção da
cidadania. Para realização da análise, tomou-se como objetivos específicos:
���� Analisar como os atores envolvidos com o funcionamento do PSF compreendem e
priorizam práticas voltadas para o reforço da ação comunitária, participação e controle
social e promoção da cidadania;
���� Compreender como gestões municipais do SUS têm se estruturado e atuado no
gerenciamento do PSF, observando a institucionalização de seus princípios de reforço da
ação comunitária, participação e controle social e promoção da cidadania;
���� Comparar a relação da prática do PSF com seus pressupostos teóricos, em especial seu
conteúdo emancipador;
���� Identificar e explicar possíveis distorções entre a prática observada e os pressupostos
teóricos do PSF relacionados ao reforço da ação comunitária, participação e controle
social e promoção da cidadania.
7
O estudo, desenvolvido em cinco capítulos, aborda no primeiro capítulo questões
relacionadas ao campo da análise de políticas públicas, especificamente políticas de saúde,
tecendo considerações a respeito dos objetivos e métodos empregados, bem como
observações quanto às avaliações da Política de Atenção Básica.
No segundo capítulo é contextualizada a reorientação da Política de Atenção Básica no
Sistema Único de Saúde a partir da implantação do Programa Saúde da Família, destacando o
conteúdo de sua proposta emancipadora e discutindo questões relativas às unidades tomadas
para análise: o reforço da ação comunitária, a participação e o controle social e a promoção
da cidadania.
O terceiro capítulo expõe os procedimentos metodológicos adotados, sendo em seguida
apresentados no quarto capítulo os resultados e discussão da análise do material empírico, no
que diz respeito à compreensão e prática dos atores sociais que moldam as relações cotidianas
nas unidades de saúde da família, em relação ao conteúdo emancipador do PSF, abordando os
avanços e as dificuldades por eles enunciados na promoção da saúde e da cidadania, bem
como suas sugestões para melhoria do Programa.
Por fim, no quinto capítulo, são tecidas as considerações finais acerca da análise da proposta
emancipadora do PSF e seu funcionamento prático e feitas recomendações para sua
implementação.
8
Capítulo 1111
A nálise de Políticas Públicas: algumas considerações do método
O modo de operar de um Estado se traduz no ato de “fazer” políticas públicas, que segundo
Lemieux (1994, apud VIANA, 1997), são tentativas de regular situações que apresentam
problemas públicos, afloradas no interior de uma coletividade ou entre coletividades, que
interfere na repartição de meios entre os atores sociais. O autor utiliza o termo tentativa (de
regulação) para demarcar que o ato de normatizar uma situação pode ser visto de diferentes
formas pelos atores sociais envolvidos com uma determinada política. Essas tentativas
comportam inúmeras decisões, com alto grau de interdependência, podendo ser agrupadas em
três processos distintos (etapas da política): emergência, formulação e implementação.
Viana (1996), em resenha acerca de estudos sobre análise de políticas, cita autores que
incluem em suas fases a avaliação e o reajuste e acrescenta que “[...] em cada uma destas
fases, os atores sociais, presentes em cada política, vão intervir de forma diferenciada e com
pesos específicos, assim como a própria máquina estatal e os critérios e estilos de decisão
também se comportarão de forma diversa.”
A autora destaca que a diversificação da natureza metodológica dos recentes estudos sobre
políticas públicas, nos quais identifica três eixos: o conceito de políticas públicas, as teorias
explicativas sobre os sistemas de proteção social onde essas políticas estão inseridas e o
desenvolvimento particular de uma política; representou um avanço em relação às abordagens
mais descritivas e funcionalistas das políticas, padrão vigente há algumas décadas, permitindo
análises que levaram a uma maior percepção dos elementos que interferem na política, bem
9
como do grau, tipo e peso da participação dos diferentes atores na sua formação e suas
estratégias de interação em cada um dos momentos da ação estatal (VIANA, 1997).
Viana (1996) ainda pontua que na análise do desenvolvimento de cada uma das fases das
políticas públicas, modelos explicativos buscaram apreender a dinâmica que as articula,
elaborando-se, em alguns casos, modelos de causalidade entre as diversas variáveis que
interferem no processo: o meio social e político; os atores participantes; as agências estatais e
os conteúdos das políticas – princípios, metas e objetivos.
Na fase de avaliação da política, foram desenvolvidos dois tipos de estudo: a avaliação de
processo e a de impacto. A primeira analisa a implementação de determinada política,
aferindo a adequação entre meios e fins, considerando o contexto em que a política está sendo
implementada: seus aspectos organizacional e institucional, social, econômico e político. Seu
objetivo é permitir correções no modelo de causalidade, visando reorientá-la em função dos
objetivos propostos, possibilitando uma escolha racional entre alternativas que aumentem a
eficiência da política. A avaliação de impacto tem como objetivo medir os resultados dos
efeitos de uma política: determinar se houve modificações e sua magnitude, quais os
segmentos afetados e em que medida e quais foram as contribuições dos distintos
componentes da política na realização de seus objetivos (VIANA, 1996).
No campo de análise das políticas sociais4, dentre elas as de saúde, identifica-se atualmente
três fontes explicativas: a contextualista, a institucionalista e a política. Na primeira, onde se
inserem as abordagens pluralistas e marxistas, a análise centrou-se no contexto externo,
particularmente na estrutura socioeconômica; a institucionalista buscou explicações nos
processos decisionais e organizacionais do aparato público e no ambiente cultural e
4 Segundo Viana (1997) as políticas sociais são expressões de um tipo específico de intervenção estatal, cuja finalidade é proteger os indivíduos contra os riscos inerentes à vida individual e social e (citando a definição de Maingón, 1992) expressam a distribuição e redistribuição de serviços e recursos.
10
institucional da política; as que se aproximaram das análises políticas, tentaram esclarecer a
formação dos sistemas de proteção social pelo sistema político através da análise das relações
de poder, do papel dos partidos políticos e da relação capital/trabalho (VIANA, 1997).
A autora assinala que os estudos mais ricos, porém escassos, foram os que combinaram vários
elementos explicativos em um determinado período histórico, utilizando um modelo
multicausal, sendo os estudos de políticas de saúde, que se intensificaram na América Latina a
partir da década de 1980, os que mais avançaram na utilização deste enfoque para explicar as
formulações e implementações de determinadas políticas, identificando questões de ordem
econômica, política, institucional e cultural. Alguns destes estudos procuraram superar a visão
das fases de formulação e implementação apenas como tradução das atividades de decidir e
executar, bem como a dicotomia entre estas duas etapas: ação política�ação administrativa,
respectivamente. Em alguns casos também buscaram superar a tendência de considerar que os
sujeitos da ação governamental são apenas os atores governamentais e os cidadãos objetos
destas ações, centrando-se na identificação dos processos de interação entre estes atores.
Com base no entendimento de Viana (1997), identificamos as proposições de Araújo Jr.
(2000, 2001) no bojo dos modelos multicausais de análise das políticas de saúde. De acordo
com o autor, a análise abrangente das políticas de saúde, resultando no conhecimento e
explicação de sua globalidade, contribui para o aperfeiçoamento da política em questão. Nesta
perspectiva, pontua que devem ser considerados seus discursos oficiais e não oficiais,
explícitos e implícitos e observados seus diversos determinantes, que podem ser de ordem
política, ideológica ou social, ou estarem no âmbito das evidenciais epidemiológicas ou
mesmo de interesses pessoais (ARAÚJO Jr., 2001).
Argumenta ainda que o desenvolvimento de análises de políticas públicas deve permitir o
fortalecimento teórico do campo e o desenvolvimento e aprimoramento no âmbito das
11
intervenções públicas do setor. A análise, durante ou após sua implementação da política,
deve ter por objetivo intervir no sentido de formulá-las ou propor políticas diferentes. Desse
modo, o fortalecimento da cultura de análise irá, por sua vez, contribuir para o incremento da
prática de formular políticas baseadas em evidências (ARAÚJO Jr., 2001).
De acordo com esse entendimento, Araújo (2001) propõe trabalhar a análise de políticas
públicas a partir das categorias contexto, conteúdo, atores e processo, propostas por Walt e
Gilson, contribuindo na especificação das mesmas, ou seja, explicitando suas definições e
identificando sub-categorias de análise:
(a) a partir do contexto, caracteriza-se o ambiente social, político e econômico em que a
política é proposta e implementada, entendendo que é histórica e comprometida com
estes contextos, no sentido de modificá-lo ou perpetuá-lo. Esta categoria é
operacionalizada a partir das subcategorias: macro contexto, entendido como os
aspectos políticos, econômicos e sociais da realidade em que se insere e micro contexto,
aspectos do setor aos qual se destina – jurídicos, financeiros, estruturais, organizacionais
(ARAÚJO, 2001);
(b) de acordo com seu conteúdo, significantes que sustentam a política (normas e diretrizes
operacionais), busca-se compreender sua perspectiva e suas possibilidade de impacto,
identificando elementos que apontam, ou não, para mudanças. Nesta perspectiva, pode-
se evidenciar o perfil da política – neoliberal, conservadora, social democrata, socialista,
entre outros (ARAÚJO Jr., 2000, 2001);
(c) quanto aos atores, estes são as pessoas, organizações e instituições de alguma forma
envolvidos no processo da política, desde a sua formulação até sua implementação,
aliados ou opositores. Procura-se então identificar os principais atores, suas posições
12
frente à política, como estão mobilizados e suas correlações de forças (ARAÚJO Jr.,
2001);
(d) a análise do processo de uma política pública deve levar em conta, de acordo com
Araújo Jr. (2001) e Viana (1996), a dinamicidade e relações dialéticas inerentes às suas
diversas fases – emergência, formulação, implementação, avaliação e reajuste, que
muitas vezes se dão de forma paralela e articulada. Araújo Jr. argumenta que este
processo pode se dar de diversas formas:
� a depender da distribuição do poder de decisão e controle sobre a política, esta pode
ser pluralista , caso seja compartilhado entre os diversos atores ou elitista, se este
poder de decisão concentrar-se em poucos atores;
� em relação à abertura para o envolvimento dos grupos interessados, a política pode
ser caracterizada como tradicional , se considera apenas os gestores de primeiro
escalão ou participativa , se houver o envolvimento dos implementadores e atores
responsáveis por sua execução em última instância;
� de acordo com sua abrangência, pode ser categorizada como uma política
sistêmica, caso requeira grandes investimentos financeiros e atinja macro estruturas
da sociedade ou setorial, se requer investimentos menores e afeta apenas alguns
setores sociais;
� a depender da forma de contribuição para seu financiamento e distribuição dos bens
e serviços, a política pode ser redistributiva , se há contribuições de valores
distintos e/ou prestação de serviços ou benefícios de modo a remanejar recursos
entre os beneficiários, caso contrário, será distributiva .
� se regular o sistema privado, é caracterizada como regulatória e no caso do poder
público regular suas próprias ações, será uma política auto-regulatória;
13
� com relação ao modelo no qual são concebidos seus processos e procedimentos,
este pode ser racional, quando são largamente controlados por técnicos específicos;
incremental, se o processo é adaptativo, encontrando a cada dificuldade novas
estratégias; de miragem mista, caso a política sistêmica atenda ao modelo
incremental e a política setorial ao racional; estratégico, se é centrado em sua
viabilização, com ênfase em pequenas mudanças que possam provocar grandes
transformações.
Ainda na análise do processo, pode-se identificar as estratégias adotadas pelos diferentes
atores para assegurar a viabilidade da política: cooperação, cooptação ou conflito entre
os atores.
1.1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 . A nálise de políticas no Sistema Único de Saúde
No Brasil, o processo de análise das políticas de saúde torna-se bastante complexo,
considerando a implementação do SUS, que rompe com a lógica e o modelo do sistema de
saúde pública adotado até então e requer verdadeiras transformações para sua consolidação.
Barros (1997) enfatiza que a conquista pela inscrição jurídica dos pressupostos do SUS
representa apenas o início de novos movimentos e esforços para implementá-los
concretamente, pois sua constituição efetiva implica em profundas transformações das formas
organizacionais e das práticas cristalizadas através de décadas de vigência de um modelo de
atenção orientado por uma lógica diametralmente oposta.
Segundo Mendes (1999), essa mudança, de um sistema de crenças vigente por um outro
emergente, implica num processo de longa maturação, incidindo em planos político,
ideológico e cognitivo-tecnológico. Tal processo será ainda mais lento se ocorrer em ambiente
democrático, pela negociação entre diferentes atores presentes na arena política da saúde.
14
A mudança será política porque envolve distintos atores sociais em situação,
portadores de diferentes projetos devendo, para hegemonizar-se, acumular
capital político. Tem, também, uma dimensão ideológica, uma vez que ao se
estruturar na lógica da atenção às necessidades de saúde da população,
implicitamente opta por uma nova concepção de processo saúde-doença e
por novo paradigma sanitário, cuja implantação tem nítido caráter de
mudança cultural. Por fim, apresenta uma dimensão cognitivo-tecnológica
que exige a produção e utilização de conhecimentos e técnicas coerentes
com os supostos políticos e ideológicos do projeto da produção social da
saúde (Mendes, 1999, p. 241).
Barros (1997) e Bodstein (1997), assinalam que as abordagens realizadas sobre as políticas de
saúde no Brasil, em grande parte, têm se ocupado da crise no sistema de saúde e outros fatos,
que podem sinalizar mudanças na direção da construção efetiva do SUS, estão sendo
esquecidos. Lembram que crise financeira do setor e a problemática da manutenção da rede de
serviços do SUS foram os temas que prevaleceram no debate público, ficando em segundo
plano as lutas pelas transformações mais relevantes: a do modelo de atenção e das práticas
assistenciais.
Bodstein (1997) afirma a necessidade de se recuperar a análise da potencialidade de ações
inovadoras e aponta uma outra preocupação: a tendência ao reducionismo dos discursos
ideológicos, principalmente em um contexto como o brasileiro, de deterioração do alcance e
do sentido da intervenção estatal e das políticas sociais, que muitas vezes aumentam a
desigualdade social, que atribuem, apressadamente, apressadamente, à férrea lógica neoliberal
para a explicação de qualquer fenômeno sócio-político.
Ainda para Bodstein, as análises das políticas de saúde devem considerar os efeitos do
processo de descentralização do SUS, como a redefinição das arenas decisórias e dos
principais atores envolvidos, bem como a capacidade destes atores de formulação de
propostas inovadoras de construção de modelos assistenciais e de modificação no perfil do
atendimento.
15
Desse modo, é relevante realizar análises a partir de pesquisas empíricas, que procurem
reconstruir a capilaridade do sistema de saúde, compreendendo as organizações coletivas e a
influência dos interesses que moldam cotidianamente a ação dos sujeitos políticos envolvidos
no processo. Repensar atores, instituições e a forma como determinada política é absorvida e
implementada pela rede de saúde, bem como compreender a diversidade das relações vividas
no dia-a-dia dos profissionais de saúde, da burocracia planejadora e da população usuária, que
consolidam interesses específicos e moldam, na prática, o atendimento e a gestão dos serviços
(Bodstein, 1997).
Barros (1997) assinala que a forma com que as políticas de saúde são adotadas e
implementadas nos diversos e desiguais cenários (social, econômico, político, e cultural) dos
municípios brasileiros, envolve dimensões técnicas, institucionais, econômico-financeiras e
políticas, sendo o ritmo e a natureza das transformações preconizadas pelo SUS, dependentes
das variáveis associadas a cada uma destas dimensões.
Para Barros, a municipalização e a heterogeneidade de situações encontradas nos diversos
municípios brasileiros torna qualquer esforço comparativo das experiências concretas
extremamente complexo e limitado. Já Bodstein (1997) considera que analisar e comparar
experiências gerenciais locais pode revelar mecanismos inéditos de adesão e compromisso
dos funcionários e das organizações populares coletivas.
No campo de investigação das políticas de saúde adotadas pelo Brasil, a adoção do Programa
Saúde da Família (PSF) como estratégia política de reorganização do sistema de saúde, a
partir da Atenção Básica, rompendo com o “esquecimento” da luta por transformações do
modelo de atenção e das práticas assistenciais, torna imperativo o desenvolvimento de estudos
16
que contemplem a implementação desta política, enquanto tentativa5 de fazer avançar este
aspecto essencial na construção do SUS.
Entretanto, apesar do Governo Federal vir reforçando seu papel na determinação da política a
ser adotada, através do uso de mecanismos de financiamento e de normas, regulações e
protocolos para implantação e acompanhamento da Política de Atenção Básica6, ainda se tem
um processo avaliativo centrando no impacto de indicadores epidemiológicos ou de produção
de serviços, sem analisar de fato se a prática estabelecida no cumprimento das metas estão
atendendo aos princípios e diretrizes do SUS e da Estratégia Saúde da Família.
1.1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 .1 . A nálise da Política de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde
O Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o Pacto de Indicadores da Atenção
Básica (PPI_AB) têm sido os principais instrumentos de abrangência nacional utilizados para
acompanhamento e avaliação da atenção básica. Conforme exposto por Medina, Aquino &
Carvalho (2000), o Pacto da Atenção Básica, estabelecido através de negociações entre
Secretarias Municipais, Secretarias Estaduais e Ministério da Saúde, representa a intenção dos
gestores em melhorar a qualidade da atenção, bem como inaugura, no cotidiano da gestão do
SUS, uma nova prática: vincula a organização das ações e serviços de saúde à análise do
desempenho de indicadores de saúde, articulando práticas e percepções das distintas áreas
5 O termo tentativa (de regulação) é utilizado para demarcar que o ato de normatizar uma situação, através de uma política pública, pode ser visto de diferentes formas pelos atores sociais envolvidos com uma determinada política (Viana, 1997). 6 Podemos citar dentre eles o Manual para Organização da Atenção Básica (1998), o Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB (1998), o Pacto dos Indicadores da Atenção Básica – PPI_AB (1999), bem como uma série de manuais técnicos que tratam de temas como a implantação da unidade de saúde da família; o treinamento introdutório para o PSF;a educação permanente para as equipes de saúde a família; a saúde do idoso; a saúde do trabalhador; o controle da tuberculose, hanseníase, hipertensão e diabetes; a dermatologia na atenção básica e a saúde da criança.
17
técnicas das secretarias de saúde, resultando num esforço coletivo em torno de um mesmo
objetivo.
Por outro lado, como assinalado por Hartz (2000), o monitoramento da reorganização da
Atenção Básica por metas pactuadas com indicadores de morbi-mortalidade e de produção de
serviços, mesmo que necessário, apresenta-se insuficiente para apreender as mudanças
desejáveis e para análise dos componentes inovadores do modelo, como a promoção da saúde
e participação social. Neste sentido, a autora pontua a afirmativa de Greene (1999, apud
Hartz, 2000) que a qualidade de uma intervenção não pode ser captada adequadamente por
um sistema de metas, sem que haja preocupação com os meios para obtê-las e considera a
importância da institucionalização de análises que abordem tais características nas diferentes
instâncias promotoras, coordenadoras e operadoras da Atenção Básica no País.
Schraiber (1997) pontua que o plano ao tornar-se ação e passar para prática, ganha vida social
e submete-se às tensões dos interesses, pontos de vista e valores que estão interagindo no dia-
a-dia de sua realização. Assim, inscreve-se em dois campos de condicionantes que se
expressam e são experimentados na realidade cotidiana: o do trabalho e o da organização
social da produção e distribuição dos serviços, que determinam, respectivamente, sua
execução com um dado modo de trabalhar e de intervir e o desenho do modelo assistencial.
A autora também ressalta em relação à passagem de plano para a prática que “[...] a
articulação teórica de uma dada técnica com certos princípios éticos e políticos, mostrará suas
insuficiências, limites e impropriedades, tanto para realizar-se ética e politicamente como
previsto, quanto para ser competente em garantir a articulação técnica-ética-política
pressuposta (Schraiber, 1997, p.11).”
Desse modo, considerando que os contextos e os atores sociais configuram a política
enquanto prática, a reorganização da atenção básica requer uma análise preocupada com o
18
processo de mudança da prática de saúde nos serviços, revelando o rumo das inovações
preconizadas pela Estratégia Saúde da Família .
Reconhecendo a necessidade de qualificar e institucionalizar o processo de avaliação da
atenção básica e de responder à demanda dos municípios por uma melhor integração dos
processos, instrumentos e enorme elenco de indicadores que hoje são produzidos no âmbito
da atenção básica, o Ministério da Saúde criou em 2003 a Comissão de Avaliação da Atenção
Básica (BRASIL, 2003a).
Em seu Relatório Final, publicado em outubro de 2003, a Comissão destaca a pluralidade de
conceitos na literatura e na prática avaliativa, ainda muito incipiente e de caráter mais
prescritivo, burocrático e punitivo que subsidiário do planejamento e gestão. Ressalta que as
avaliações não têm se moldado em processos de negociação, nem se constituem em
instrumentos de suporte ao processo decisório ou de formação dos sujeitos que compartilham
co-responsabilidades e deveriam estar envolvidos: os profissionais de saúde, gestores e
usuários do sistema de saúde (BRASIL, 2003a).
Em relação ao Pacto da Atenção Básica, a Comissão considera que seus indicadores de
resultado não discriminam os efeitos em relação às subdimensões promoção, prevenção e
cura; não expressam a qualidade das práticas gerenciais ou sanitárias, nem revelam a natureza
do trabalho em equipe; são insuficientes para avaliar a necessidade de ampliação do elenco
das ações básicas, como, por exemplo, saúde mental, saúde ambiental e ações intersetoriais de
combate à violência; não avaliam a coerência das práticas desenvolvidas pela atenção básica
com os princípios do SUS, nem revelam experiências exitosas de mudança nos modelos de
atenção e gestão, no sentido da promoção da saúde e qualidade de vida (BRASIL, 2003a).
Assim, diante dos limites do Pacto, a Comissão agrega à proposta de avaliação da atenção
básica estratégias como a elaboração de estudos e pesquisas de abordagem qualitativa, que
19
contemplem aspectos relacionados à organização do sistema e serviços e às práticas
desenvolvidas pelos trabalhadores de saúde, com o objetivo de analisar a coerência entre as
práticas implementadas e os princípios da atenção básica, destacando a humanização, a
interdisciplinaridade, o estabelecimento de vínculo e a participação social (BRASIL, 2003a).
Tendo em vista as considerações tecidas a respeito da análise de políticas públicas de saúde e
do atual processo de avaliação da atenção básica, a presente análise tem como objeto a prática
de saúde, buscando compreendê-la a partir de um enfoque multicausal, identificando questões
de ordem econômica, política, institucional e cultural enquanto fonte explicativa, bem como
considerando como sujeitos da ação governamental os atores governamentais e os cidadãos.
Centra-se na identificação dos contextos e processos de interação entre estes atores em relação
ao conteúdo emancipador proposto pelo PSF, procurando desvendar aspectos que apontem
processos de mudança7 que precisem ser explicitados para sua consolidação e/ou reorientação
em função de seus pressupostos.
7 As mudanças são aqui entendidas como mudanças da concepção negativa da saúde, para sua concepção positiva e ampliada; do paradigma sanitário biologicista/flexeriano, para a produção social da saúde; da prática de saúde centrada no médico, na clínica e na cura, para a integralidade entre promoção, prevenção, cura e reabilitação. A mudança da prática com base na concepção da vigilância à saúde não significa negar a importância da clínica médica e da atenção individual curativa, mas sua insuficiência na abordagem do processo saúde-doença e na promoção da autonomia e da qualidade de vida.
20
Capítulo 2222
P olítica de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS)
A Atenção Primária vem sendo amplamente difundida pela Organização Mundial de Saúde a
partir da realização da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em
1978, com o estabelecimento de seus princípios e diretrizes na Declaração de Alma Ata, que
defende a atenção primária como o primeiro nível de contato dos indivíduos, família e
comunidade com o sistema de saúde, a definindo como:
[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias
práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis,
colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade,
mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país
podem manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de
autoconfiança e autodeterminação (OMS, 1978, p.35).
Desde o final da década de 1960, o Brasil já vinha experimentando programas voltados para
expansão da atenção primária à saúde, refletindo o movimento internacional de valorização e
ampliação destes serviços, baseados nos modelos da medicina preventiva e comunitária e nas
proposições racionalizadoras da Organização Panamericana de Saúde, experiências
decorrentes, em grande parte, da iniciativa dos Departamentos de Medicina Preventiva de
Universidades Públicas (Rio Grande do Sul, Paraná, Brasília, Minas Gerais, São Paulo,
Pernambuco). Ao mesmo tempo em que eram vistas como uma adaptação barata e sem
qualidade da medicina para os pobres, que ajudava o Estado a justificar os poucos
investimentos no setor, se conformaram em modelos alternativos que serviram de embrião
para o movimento pela reforma sanitária (TEIXEIRA, 1988; VILAÇA, 1993).
As experiências foram focais e marginais ao Sistema Nacional de Saúde, que vinha
consolidando um modelo assistencial centrado na atenção médica previdenciária,
21
especializada, curativa e hospitalar, de alto custo e baixo impacto na resolução dos problemas
de saúde da população. A necessidade de mudança deste modelo foi um dos focos do
movimento pela reforma sanitária brasileira, que apontava sua baixa resolutividade e a
necessidade de utilização racional dos recursos tecnológicos disponíveis, de melhoria do
acesso aos serviços de saúde e de continuidade do atendimento (COSTA, 1998; SOUZA,
2000).
Com a eclosão da crise na Previdência Social, no início da década de 1980, surge a proposta
de um Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE), que abordava
temas como a hierarquização, regionalização, integralidade das ações, participação
comunitária, utilização de pessoal auxiliar. Entretanto, o PREV-SAÚDE não saiu do papel,
sendo então implementado o Plano de Racionalização Ambulatorial, que, segundo Mendes
(1993), se limitou a um programa de atenção médica com claro objetivo político de reduzir, a
baixo custo, as filas da assistência médica previdenciária.
Vasconcelos (1999a) pontua que a idéia de unidades básicas de saúde ofertando assistência
em clínica médica, pediatria e ginecologia-obstetrícia, integradas à rede de serviços de saúde
de média e alta complexidade, tornou-se hegemônica junto aos profissionais envolvidos com a
reforma sanitária, que valorizavam mais as reformas políticas no âmbito das instâncias
administrativas das instituições de saúde, do que a transformação da prática sanitária
tradicional. Apesar de ser impulsionada, na década de 1980, pelas Ações Integradas de Saúde
e, posteriormente, pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, Souza (2000) coloca
que a rede básica tornou-se acessória e desqualificada, devido aos poucos investimentos no
setor e o hospital transformou-se em porta de entrada de um sistema caro, ineficiente e
desumano.
22
Para Mendes (1993, p.50), durante a década de 1980 consolidou-se um projeto neoliberal na
saúde, “uma reciclagem da proposta conservadora do modelo médico-assistencial privatista”,
que aparece com clareza nas diversas propostas de atenção primária seletiva, especialmente na
medicina simplificada e nas estratégias de sobrevivência de grupos de risco; bem como na
expansão da universalização do sistema de saúde acompanhada de mecanismos de
racionamento, com queda de qualidade dos serviços, conformando um movimento de
universalismo excludente: incorporação de segmentos sociais mais pobres – que não
conseguem se antepor aos mecanismos de racionamento – e “expulsão” das camadas mais
privilegiadas para o sistema privado da medicina suplementar.
Após a criação do SUS, o Ministério da Saúde lançou em 1991 o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS), com base no corpo doutrinário da atenção primária à saúde
disposto na Declaração de Alma-Ata8, respaldando-se nos resultados alcançados em várias
regiões do país com as experiências de prática de saúde com agentes comunitários. O
Programa propunha-se a funcionar como elo de ligação entre a população e os serviços de
saúde, desenvolver ações básicas através de atividades de promoção da saúde e de prevenção
de doenças, identificando fatores determinantes do processo saúde-doença e a contribuir com
a comunidade no aprender e ensinar a cuidar de sua saúde (BRASIL, 1994).
Entretanto, no entendimento de Paim (1999) o PACS se aproximava de uma reedição da
atenção primária confinada ao “SUS para os pobres”, contemplando basicamente o grupo
materno-infantil e concentrando-se no aleitamento materno e na redução da mortalidade de
menores de 1 ano por doenças infecciosas. A proposta se identificaria com as recomendações
de cunho neoliberal difundidas por agências internacionais, onde as políticas sociais de
8 Declaração da I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, realizada em Alma Ata, na União Soviética, em 1978. Estabeleceu a meta “Saúde para Todos no Ano 2000”, divulgou a proposta de atenção primária à saúde e teceu recomendações que vieram reforçar as idéias emergentes de promoção da saúde (OMS, 1978).
23
natureza pública devem estar voltadas para as populações pobres e para as despesas de maior
custo-efetividade, como mecanismo compensatório para manutenção da ordem social,
enquanto os grupos integrados à economia viabilizam suas necessidades através do mercado.
Apesar da identificação do PACS com as propostas neoliberais racionalizadoras, Viana & Dal
Poz (1998) argumentam que o Programa introduziu o enfoque na unidade família e na
intervenção não médica, constituiu-se num instrumento de organização da demanda e
contribuiu para a descentralização e municipalização do sistema de saúde ao exigir alguns
requisitos para a adesão dos municípios, como o funcionamento do Conselho e do Fundo
Municipal de Saúde e a existência de uma unidade básica de referência para o Programa.
Mesmo introduzindo algumas influências na prática e organização dos serviços de saúde, o
PACS, assim como o Programa Saúde da Família (PSF), lançado pelo Ministério da Saúde em
1994, apresentam inicialmente uma forte característica de programas compensatórios para
populações de baixa renda e com alto risco de morte e adoecimento. Os Programas, que eram
gerenciados pela Fundação Nacional de Saúde (FNS), foram prioritariamente implantados na
Região Nordeste, em áreas situadas abaixo da linha da pobreza, incluídas no Mapa da Fome
elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com elevadas taxas de
mortalidade infantil e com difícil acesso aos serviços de saúde. Na priorização dos
municípios, também foi adotado o critério de serem integrantes do Programa Comunidade
Solidária e do Programa de Redução da Mortalidade Infantil, bem como do Polígono da Seca
(GUEDES, 2001).
Albuquerque (2003) lembra que neste período o Banco Mundial divulga o Relatório para o
Desenvolvimento Mundial - “Investindo em saúde”, no qual critica o princípio da
universalidade e da eqüidade como inviáveis diante do necessário ajuste macro-econômico e
propõe que os governos dos países em desenvolvimento reduzam pelo menos à metade os
24
gastos com intervenções menos eficazes em termos de custos e dupliquem, ou tripliquem, os
gastos com programas básicos de saúde pública: serviços de assistência à gestante, de
planejamento familiar, controle da tuberculose e das DST e de atendimento a doenças graves
comuns na infância.
Apesar das semelhanças, o Ministério da Saúde nunca assumiu a influência das propostas do
Banco Mundial na formulação do PSF, sendo que, como referido por Albuquerque, é preciso
ter claro que os movimentos não ocorrem isoladamente e sem conflitos, ou seja, nem a
política de saúde no Brasil foi totalmente induzida, nem o Governo Brasileiro implantou o
SUS alheio às discussões colocadas internacionalmente.
Costa (2002) considera relevante a preocupação com a hipótese de que a agenda social
brasileira tenha sido constrangida pelo alinhamento do desenvolvimento nacional à agenda de
internacionalização da economia na década de 1990, que apresentou dentre seus temas
dominantes, a adoção de políticas focalizadas e de proteção seletiva aos grupos mais
vulneráveis aos processos de ajuste no modelo de desenvolvimento.
Na década anterior, essa agenda foi pautada pelos interesses domésticos, expandido o gasto
público e adotando critérios universalistas para a definição de direitos, formalizados na
Constituição de 1988. Entretanto, no decorrer dos anos de 1990, se observou constrangimento
à determinação universalista dos direitos e ao financiamento em áreas sociais de menor poder
de mobilização de interesses, como saneamento, habitação, educação e assistência social,
respaldado pela aceitação equivocada da baixa efetividade do sistema de proteção social
construído na década passada (COSTA, 2002).
Contudo, na arena da saúde, a coalizão de interesses teve capacidade de mobilização e
intermediação, sem alterar os fundamentos da proposta de universalização pela
descentralização. O Governo Brasileiro afirma que vem investindo na construção de um
25
modelo de atenção à saúde com identidade institucional própria, denominando de atenção
básica a proposta que corresponderia aos Cuidados Primários em Saúde, na perspectiva de
romper com a visão redutora que se tem da atenção primária enquanto “[...] prestação de
cuidados de saúde a parcelas excluídas da população, apoiadas num padrão de assistência
médica (primária) de limitado alcance, baixa densidade tecnológica e pouca efetividade na
resolução dos problemas de saúde das populações” (BRASIL, 2003, p.7; COSTA, 2002).
Na identificação desse modelo, a atenção básica é definida como “[...] um conjunto de ações
de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde,
voltadas para a promoção, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação”, sendo
pontuado a necessidade de avanço nesta definição (BRASIL, 1999, p.10). O PSF é tido
enquanto estratégia prioritária para construção da identidade do modelo de atenção, como
mecanismo de estruturação da lógica assistencial, de acordo com os princípios e diretrizes do
SUS.
O Programa tem como base a idéia de porta de entrada ordenadora e racionalizadora do
sistema, sintonizada com a realidade e cultura local, bem como a democratização da saúde
(BRASIL, 1997a). Este poder indutor, para dentro do sistema de saúde, é entendido por
Starfield (2002) a partir do potencial da atenção primária em organizar e racionalizar o uso
dos recursos em saúde, tanto básicos como especializados, coordenando a atenção oferecida
por outros serviços e permitindo a entrada no sistema de novas necessidades, por ser mais
adaptável e capaz de responder às necessidades sociais de saúde em constante mudança.
A idéia de uma ampla reorganização do sistema de saúde a partir da adequada estruturação da
atenção básica é reforçada pela afirmação, em publicações do Ministério da Saúde, de que
este nível de atenção é capaz de resolver 80% dos problemas de saúde da população, sendo
que dos atendimentos restantes, a maior parte destina-se aos ambulatórios de especialidades e
26
apenas um pequeno percentual necessita do atendimento hospitalar. Deste modo, a atenção
básica organizaria a demanda, criando um fluxo adequado para os demais níveis de atenção,
racionalizando os custos e o uso da tecnologia, possibilitando a melhoria do acesso aos
serviços básicos e de média e alta complexidade, de forma mais equânime e integral
(BRASIL, 2000b, 2001b; SOUZA, 2000).
A partir da Norma Operacional Básica do SUS de 1996 (NOB 96), a atenção básica é
impulsionada no âmbito nacional, com a definição do Piso de Atenção Básica (PAB), o
estabelecimento do PSF como estratégia prioritária da Política Nacional de Saúde para
reestruturação do modelo assistencial e a criação de incentivos para sua ampliação. Até então,
as NOB/SUS anteriores (1991 e1993) não definiam claramente nenhuma proposta de modelo
assistencial e o PACS e PSF eram mantidos através de convênios entre os municípios e a
FNS. Em 2000, a atenção básica passa a constituir um departamento do Ministério da Saúde,
ligado à Secretária de Políticas de Saúde, englobando o PACS e o PSF, que haviam sido
transferidos em 1995 das FNS para a Secretaria de Assistência à Saúde (BRASIL, 1997a;
CONILL, 2002; JORGE, 2003; VIANA; DAL POZ, 1998).
O PAB é formado por uma parte fixa e outra variável: o PAB-Fixo, determinado a partir de
valor estipulado por habitante/ano, possibilitou que os municípios estruturassem seus serviços
de Atenção Básica; ao passo que o PAB-Variável estimulou diversos programas através de
incentivos financeiros para implantação do PACS e do PSF, de assistência farmacêutica
básica e de ações de vigilância sanitária, de vigilância epidemiológica e controle de doenças e
de combate a carências nutricionais. As ações e serviços de saúde, principalmente de Atenção
Básica, passam a ser financiados na lógica per capta e não mais por prestação de serviço,
desvinculando o recebimento de recursos da realização de procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, o que amplia as possibilidades de investimentos neste setor por parte dos
27
municípios, bem como o desenvolvimento de ações de prevenção de doenças e de promoção
da saúde (BRASIL, 1997b).
No que diz respeito à atuação do Ministério da Saúde para expansão da atenção básica através
do PSF, Marques & Mendes (2002; 2003) argumentam que esta tem se dado através de sua
política de financiamento, vinculando recursos às ações e serviços de Atenção Básica e
priorizando o PSF com incentivos financeiros adicionais, caracterizando a vinculação cada
vez maior dos recursos a programas e ações específicas. Lembram que a Emenda
Constitucional 29 estabelece que, no mínimo 15% do recurso federal destinado à saúde deve
ser aplicado nos municípios, segundo critério populacional, em ações e serviços básicos de
saúde. Segundo os autores, o crescimento percentual do recurso destinado ao PSF foi cerca de
9 vezes maior do que o percentual observado para atenção básica, no período de 1998 a 2001.
Analisando a NOB/SUS-96, Bueno & Merhy (1997) consideram que a política de
financiamento federal para saúde, seguida inclusive por alguns estados, inibiu a autonomia
das Secretarias Municipais na formulação da política de saúde, visto que, diante da escassez
de recursos para a saúde, muitos adotaram programas que lhes acrescentassem recursos
federais (e estaduais), mesmo que não fosse prioridade para a gestão local. Marques &
Mendes (2003) também pontuam que o aumento das transferências para os fundos municipais
e a desvinculação do recebimento dos recursos por procedimento realizado, não foi
acompanhado pela autonomia dos municípios na determinação dos gastos. É interessante
enfatizar que atualmente os municípios recebem cerca de 1/3 dos recursos para custeio do
PSF e acabam por financiarem, em parte, as políticas formuladas na esfera federal (BRASIL
2001b; 2003b).
Contudo, os autores assinalam que o PSF, assim como as NOB e as Normas Operacionais da
Assistência à Saúde no SUS (NOAS), foram processos amplamente debatidos na Comissão
28
Intergestores Tripartite, no Conselho Nacional de Saúde e nos Conselhos Nacionais de
Secretários Estaduais de Saúde e de Secretários Municipais de Saúde (CONASS e
CONASEMS, respectivamente), podendo se considerar que estas instâncias de representação
são partícipes da atual política de saúde, mesmo que parte delas tenham discordância, em
algum momento, sobre seu encaminhamento.
De fato, como nos mostra o quadro 1, em 2004 o total de incentivos do PAB-Variável para o
PSF, PACS e Saúde Bucal representou um aumento de 15 vezes do valor repassado para
estados e municípios em 1998. Observa-se também a crescente vinculação dos recursos para a
atenção básica. O PAB-Fixo, que representava em 1998 84,8% do PAB, passou para 39,9% e
o PAB-Variável, que representava 15,2%, em 2004 passou a constituir 60,1% do PAB. Dentre
os incentivos do PAB-Variável, àqueles destinados ao PSF, PACS e Saúde Bucal passaram de
10,4% do PAB em 1998 para 40,9% em 2004.
Em relação ao total de transferências realizadas fundo a fundo, observa-se a crescente
descentralização dos recursos do SUS para estados e municípios, que passou de 3,3 bilhões de
reais em 1998 para 18,2 bilhões em 2004. Nota-se, conforme o quadro 2, que o percentual em
relação ao total de recursos repassados aos fundos estaduais e municipais de saúde, destinado
à atenção básica, vem reduzindo paulatinamente no período de 1998 a 2003, com uma certa
acentuação no ritmo em 2004, período em que foram realizados reajustes para consultas
especializadas e para procedimentos da média e alta complexidade. Paralelamente, observa-se
aumento do percentual em relação ao total de recursos transferidos para a média e alta
complexidade (ambulatorial e hospitalar) e para as ações estratégicas.
29
Quadro 1 – Distribuição dos recursos federais transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) dos estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004.
Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao
PSF, PACS e SB9
PAB-Variável outros incentivos10
PAB (total)
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 1.172.966.920,34 84,8 143.763.058,42 10,4 66.781.755,40 4,8 1.383.511.734,16 100
1999 1.694.775.150,66 72,8 306.590.509,50 13,2 326.823.125,06 14,0 2.328.188.785,22 100
2000 1.742.012.435,28 57,0 655.043.329,14 21,4 657.161.020,47 21,5 3.054.216.784,89 100
2001 1.759.759.555,12 48,6 893.938.793,64 24,7 970.405.314,93 26,8 3.624.103.663,69 100
2002 1.722.673.340,21 43,2 1.266.918.379,80 31,7 1.001.012.323,05 25,1 3.990.604.043,06 100
2003 1.889.362.825,25 41,8 1.686.837.003,28 37,3 944.051.281,98 20,9 4.520.251.110,51 100
2004 2.129.298.533,05 39,9 2.182.496.934,50 40,9 1.023.998.494,21 19,2 5.335.793.961,76 100
PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
Quadro 2 – Distribuição dos recursos transferidos do Fundo Nacional de Saúde para os estados e municípios. Brasil, 1998 a 2004.
Média e Alta Complexidade
ambulatorial/hospitalar
Atenção Básica Ações Estratégicas
Total de repasses fundo a fundo
Ano
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 1.829.541.333,24 56,94 1.383.511.734,16 43,06 0,0 0,00 3.213.053.067,40 100
1999 3.574.175.964,74 60,55 2.328.188.785,22 39,44 15.342,09 0,00 5.902.380.092,05 100
2000 4.520.065.416,57 59,68 3.054.216.784,89 40,32 2.372,00 0,00 7.574.284.573,46 100
2001 5.865.457.055,17 60,94 3.624.103.663,69 37,65 135.113.574,09 1,40 9.624.674.292,95 100
2002 6.291.542.311,48 57,77 3.990.604.043,06 36,64 608.049.126,57 5,58 10.890.195.481,11 100
2003 8.341.162.350,87 59,15 4.520.251.110,51 32,06 1.239.330.286,00 8,79 14.100.743.747,38 100
2004 11.559.213.962,51 61,38 5.335.793.961,76 28,33 1.937.628.238,83 10,29 18.832.636.163,10 100
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
9 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PSF estadual e municipal; PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família); PACS estadual e municipal; Adicional PACS; SB; Projeto Similar ao PSF; Adicional PITS (Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde). 10 Para o cálculo foram considerados os demais incentivos que compõem o PAB-Variável: Ações Básicas Vigilância Sanitária; Farmácia Básica; Medicamentos Saúde Mental; Apoio à População Indígena; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; ANVISA - Taxa de Fiscalização; Descentralização Unidades Saúde FUNASA; TFECD-Adicional; Financiamento Centros Referência Saúde do Trabalhador; Vacinação Contra o Tétano Neonatal; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Saúde no Sistema Penitenciário; Desenvolvimento Ações Contingenciais da Malária; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Ações de Eliminação da Doença de Chagas; Desenvolvimento Atividades Inquérito Nacional Prevalência do Tracoma; Implantação dos Sistemas SIM e SINASC; Intensificação Ações de Controle da Filariose; Programa Farmácia Popular do Brasil; Farmácia Popular do Brasil; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase.
30
No que pese a “imposição” do financiamento para a atenção básica e para o “formato” PSF,
há que se ponderar até que ponto a política adotada pelo Ministério da Saúde é adequada ou
não para atender as necessidades locais de saúde, parecendo o problema não ser a indução
para universalização da atenção básica, mas sim o SUS ser confundido com este nível de
atenção, ferindo o princípio da integralidade e acarretando queda de investimento na média e
alta complexidade. Contudo, é preciso refletir acerca da necessidade de uma maior
flexibilidade do financiamento para iniciativas locais, que necessariamente não atendam às
normas estabelecidas para o PSF, mas sejam mais adequadas para determinadas realidades. O
“Incentivo a Projetos Similares ao PSF”, implantado em 2001, representou 0,01% do
montante de recursos vinculados à aplicação no âmbito do PSF e PACS em 2004.
Em relação aos investimentos para ampliação e qualificação da média e alta complexidade,
foram publicadas duas portarias, NOAS/SUS 01/2001 e NOAS/SUS 01/2002, voltadas à
descentralização regionalizada e hierarquizada das ações e serviços de saúde, com vistas a
garantir acesso mais equânime a estes níveis de atenção. O movimento para a implementação
das NOAS, bem como a integração do Departamento de Atenção Básica à Secretaria de
Assistência à Saúde, em 2003, reunindo a gestão nacional da atenção básica à de média e alta
complexidade, podem indicar a possibilidade de avanços no atendimento ao direito de acesso
de forma organizada e articulada a todos os níveis de atenção, visto que a expansão da rede
básica não foi acompanhada pela ampliação do acesso aos demais serviços.
No âmbito da atenção básica, a NOAS/SUS 01/2001 define as atribuições mínimas11 que
deverão ser realizadas pelos municípios em Gestão Plena da Atenção Básica e estabelece o
elenco de procedimentos que constituem a Atenção Básica Ampliada, criando o PAB-
Ampliado (BRASIL, 2001a).
11 Ações de Saúde da Criança; Ações de Saúde da Mulher; Controle da Hipertensão; Controle da Diabetes Melittus; Controle da Tuberculose; Eliminação da Hanseníase; Ações de Saúde Bucal (BRASIL, 2001a).
31
De acordo com o balanço das ações realizado pelo Ministério da Saúde, no período 2003 e
2004, ao mesmo tempo em que se fez o reajuste do valor do PAB, foram realizados
investimentos específicos para ampliação do acesso e da qualidade da média e alta
complexidade. Procedimentos da média e alta complexidade, ambulatoriais e hospitalares
tiveram aumento e houve expansão para as unidades públicas do reajuste das consultas
especializadas, que havia sido concedido em 2001 apenas para os prestadores privados. O
acesso aos procedimentos cirúrgicos eletivos de média complexidade foi também ampliado
através do recebimento de projetos para realização das cirurgias, a partir da identificação das
filas de espera. Ressalta-se que desde 1994 os valores dos procedimentos de média
complexidade não eram modificados (BRASIL, 2004).
Neste balanço, são destacados programas e ações para ampliação e qualificação de serviços de
média e alta complexidade em emergência, saúde mental e odontologia. São também
pontuados investimentos na área de transplantes de órgãos e tecidos, que colocam o SUS
como o maior programa público de transplantes de órgãos sólidos do mundo, respondendo por
92% dos procedimentos realizados no país, sendo também responsável por cerca de 36,7%
dos transplantes de medula óssea realizados anualmente no país (cerca de 3 mil). Segundo o
Ministério da Saúde, o processo de criação da primeira rede de bancos públicos de sangue de
cordão umbilical e placentário (Brasilcord), irá permitir redução das filas de espera, economia
de recursos públicos e auxilio no desenvolvimento de pesquisas de ponta (BRASIL, 2004).
Diante do exposto não é possível afirmar que o Brasil vem tomando medidas efetivas para a
construção de um modelo integral de atenção à saúde, que ofereça, a todos, acesso aos
diferentes níveis de atenção. Para tanto, faz-se necessário para uma melhor reflexão, o
aprofundamento na discussão a respeito da relação entre atenção básica e média e alta
complexidade, bem como entre setor público e privado na prestação destes serviços e da
distribuição dos serviços no espaço nacional. Contudo, pode-se observar que a Política
32
Nacional de Saúde vem buscando transformar o modelo de atenção, fortalecendo a atenção
básica e o PSF, implantado nos últimos dez anos em mais de 5.500 municípios, investindo em
sua institucionalização, normatização e financiamento.
Acompanhando o número de equipes após uma década de implantação do PSF, observa-se um
crescimento de 328 para 3.083 equipes entre 1994 e 1998, ano em que efetivamente foi
implantado o PAB, chegando a 2004 com 22.335 equipes de saúde da família, prestando
atenção básica a 77 milhões de pessoas, cerca de 43,5% da população brasileira. A
programação até 2006 é ampliar sua cobertura para 100 milhões de pessoas, elevando o total
de equipes de 22 mil para 30 mil. (BRASIL 2001b; 2004).
É importante ressaltar que além da ampliação dos serviços, a Política de Atenção Básica,
através do PSF, propõe ,e vem realizando, mudanças no modelo de atenção, diferentemente
das propostas de valorização da atenção básica na década de 1980, como referido por Paim
(1999) e Vasconcelos (1999a). A prática sanitária preconizada orienta-se pelo conceito de
vigilância à saúde, ou seja, centra-se no território, nos problemas de saúde e na atuação
intersetorial, e recomenda a combinação de ações de promoção da saúde, de prevenção de
doenças e acidentes e da cura e reabilitação, resultando, de acordo com Mendes (1999), numa
atuação integral sobre as diferentes dimensões do processo saúde-doença: determinantes,
riscos e danos. Cabe pontuar, neste momento, que é no âmbito das reflexões acerca do campo
da promoção da saúde que o presente estudo irá abordar a Política de Atenção Básica.
2.1 . 2 .1 . 2 .1 . 2 .1 . C ontexto da reorientação da atenção básica pela Estratégia Saúde da Família
Ao completar sua primeira década de existência, afirma-se que o PSF promoveu uma
expansão significativa do acesso à saúde no Brasil, descentralizou os serviços e vem
33
propiciando a prevenção e o tratamento de doenças numa abordagem humanizada, que
considera o contexto familiar e comunitário e a realidade regional, analisando as condições de
risco à saúde e definindo planos terapêuticos (BRASIL, 2004).
Com a implementação do Programa, pretende-se não apenas introduzir novas práticas,
centradas nas propostas de promoção da saúde e de atenção primária, mas superar o modo
historicamente predominante no Brasil de organizar, produzir e distribuir as ações e serviços
de saúde, que esteve orientado pelo paradigma flexeriano e biologicista, centrado na doença,
no hospital e na atenção médica curativa e individual.
O resultado de tal modelo foi um sistema de saúde inadequado para resolução dos problemas
relevantes para a população, oferecendo serviços desvinculados de sua realidade social,
cultural e sanitária. Seu financiamento por prestação de serviços levava ao uso indiscriminado
do arsenal diagnóstico e terapêutico, assim como a fraudes, acrescentando custos crescentes
para sua manutenção, sem garantir a continuidade da atenção, nem o acesso aos exames e
medicamentos solicitados (BRASIL, 2000a; CAMPOS, 1997; SOUZA, 2000).
Além de um modelo caro e pouco resolutivo, sua cultura de enfoque positivista, biologicista e
mecanicista, que tem como fonte básica de explicação a história natural das doenças, exclui,
na abordagem do sujeito e de seu processo de adoecimento, as dimensões do social e do
subjetivo, pois não seriam passíveis de explicação científica por parte da medicina. O
indivíduo é quase sempre tomado como um objeto passivo e dócil às ações de um potente
agente que trata da cura, do qual, por sua vez, é esperada uma suposta neutralidade em relação
às ações e aos procedimentos adotados (CAMPOS, 1997).
Desse modo, é preciso também superar a imagem do sujeito passivo diante de seu estado de
saúde, reduzida a um processo mórbido e desvinculada de sua dimensão social, bem como a
34
postura do profissional de saúde alheia aos determinantes sociais do processo saúde-doença e
ao planejamento das ações necessárias para seu enfrentamento.
A denúncia desse quadro e a premência de sua transformação foram questões levantadas pelo
movimento da reforma sanitária brasileira, apoiada nas propostas da atenção primária à saúde
e da promoção da saúde12, movimentos que internacionalmente vêm se consolidando a partir
da década de 1970, que indicam questões importantes na discussão sobre um novo modelo de
atenção para o sistema de saúde.
O entendimento da saúde em sua positividade foi ponto primordial para estes movimentos,
que passam a tê-la como o resultado de um processo de produção social que expressa a
qualidade de vida de uma população. A saúde não é mais vista como um fim, mas sim como
recurso fundamental para a construção de uma vida produtiva e prazerosa, passando a ser
considerada direito do indivíduo e dever do Estado, que é responsável por seus determinantes
mais amplos, a partir da repercussão das políticas públicas que adota sobre a qualidade de
vida (MENDES, 1999; MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).
Como contribuições importantes da Declaração de Alma Ata identificamos a ampliação do
conceito de saúde, relacionando-a com a qualidade de vida; a responsabilização dos governos
com a saúde de seus povos; a afirmação da importância da intersetorialidade na determinação
da situação de saúde e da necessidade da participação comunitária e individual no
planejamento, organização, operação e controle dos cuidados primários de saúde (OMS,
1978).
12 Na construção do delineamento teórico e metodológico destas propostas, destacam-se os documentos (Declarações e Cartas) elaborados na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata–1978, que serviu de base e impulsionou o movimento emergente em torno da promoção da saúde; nas Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde realizadas em Otawa–1986, Adelaide–1988, Sundsvall–1991, Jacarta–1997, Cidade do México-2000 e São Paulo-2002 e na Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde na Região das Américas, realizada em Santa Fé de Bogotá–1992, que tratou o tema no contexto da América Latina.
35
O movimento internacional em torno da promoção da saúde também levantou importantes
questões teóricas e metodológicas, considerando que este campo vai além do setor saúde,
constituindo-se numa atividade eminentemente intersetorial e recomenda cinco campos
centrais de ação para sua realização: elaboração de políticas públicas saudáveis; criação de
ambientes favoráveis à saúde; reforço da ação comunitária; desenvolvimento de habilidades e
atitudes pessoais favoráveis à saúde e reorientação do sistema de saúde na direção da
concepção da promoção da saúde (OMS, 1986).
O documento pontua a importância das estratégias de promoção da saúde se adaptarem às
realidades locais, tendo como referencial seus diversos sistemas sociais, culturais e
econômicos. Para a reorientação do sistema de saúde, enfatiza a importância de superar o
modelo biomédico, centrado na doença e na assistência médica curativa e individual, bem
como os serviços serem sensíveis às necessidades culturais do indivíduo e respeitá-las,
considerando-o integralmente e estabelecendo meios de comunicação com os demais setores –
sociais, políticos e econômicos. São fundamentais transformações profundas que envolvem a
formação e a prática dos profissionais e a organização e financiamento dos sistemas e serviços
de saúde. Contudo, a responsabilidade pela promoção da saúde é de todos: dos próprios
indivíduos, dos grupos comunitários, dos profissionais de saúde, das instituições e serviços
sanitários e dos governos (OMS, 1986).
No Brasil, a necessidade do Ministério da Saúde em elaborar um projeto nacional de
reorientação da Atenção Básica, impulsionada, segundo Viana & Dal Poz (1998), pelas
demandas de secretários municipais de saúde por apoio financeiro para efetuar mudanças na
forma de operação da rede básica, como a expansão do PACS para outros tipos de
profissionais, culminou na formulação da proposta do PSF que tem no seu ideário os
princípios e recomendações dos cuidados primários em saúde e da promoção da saúde.
36
Em 1994, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o “Ano Internacional
da Família”, é apresentado o PSF com o objetivo de “contribuir para a reorientação do modelo
assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único
de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação da unidade básica de saúde, com
definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população” (BRASIL, 1997a, p.
10). O Programa foi posteriormente tido como estratégia política “[...] plenamente sintonizada
com os princípios da universalidade e da eqüidade da atenção e da integralidade das ações e,
acima de tudo, voltada à permanente defesa da vida do cidadão” (BRASIL, 2000a, p. 9).
De acordo com Viana & Dal Poz (1998), o PSF é considerado por vários autores como uma
estratégia de reforma incremental13 do SUS, por apontar mudanças importantes nas formas de
alocação de recursos e remuneração das ações de saúde e de organização dos serviços e das
práticas assistenciais no plano local.
Quanto ao financiamento do Programa, que inicialmente se deu através de convênios com
repasses baseados na produção de serviços, com a NOB/SUS-98 passou a ser realizado
através de incentivos, repassados fundo a fundo, para a implantação e manutenção das equipes
de saúde da família, valor que varia de acordo com a faixa de cobertura populacional do
Programa. As contradições geradas entre sua forma inicial de financiamento, que privilegia a
doença, e a concepção do PSF, que adota a saúde enquanto qualidade de vida e a integralidade
das ações para promovê-la, fortaleceram o debate em torno das modalidades de financiamento
do setor saúde, que refletiram nas formulações da NOB/SUS-96 (BRASIL, 2001b; 2003b).
13 Reforma incremental, ou reforma da reforma, é definido por Viana & Dal Poz (1998) como um conjunto de modificações no desenho e operação da política, podendo ocorrer, separada ou simultaneamente, nas formas de organização dos serviços (mudanças no sistema e nas unidades prestadoras), nas modalidades de alocação de recursos e formas de remuneração das ações ou, ainda, no modelo de prestação de serviços. Ressaltamos neste desenho e operação da política a prática de saúde, que será, dentre outros aspectos, determinada pela formação e educação permanente dos recursos humanos e pelas condições das relações de trabalho.
37
Para o município ser qualificado e receber os incentivos financeiros, faz-se necessário a
elaboração da proposta de implantação ou expansão do Programa, que é submetido à
apreciação da Secretaria Estadual de Saúde, Comissão Intergestores Bipartite e Ministério da
Saúde, bem como vincula-se a alimentação mensal do SIAB e ao atendimento das normas e
diretrizes para organização e funcionamento do Programa (BRASIL, 2001b).
Em relação à organização do serviço, o PSF enfatiza seu caráter substitutivo, enquanto opção
de modelo de atenção, substituindo as unidades básicas tradicionais pelas unidades de saúde
da família. Recomenda-se que não deve ser adotado como um programa especial para
clientelas específicas. Suas unidades devem compor o sistema local de saúde, atendendo aos
princípios da integralidade e da hierarquização, como componentes articulados com todos os
níveis, inseridas num fluxo de referência e contra-referência com as unidades de maior
complexidade, a fim de garantir a integralidade e a resolutividade da atenção (BRASIL,
1997a; 2000a).
Estabelece o trabalho em equipe multidisciplinar, com equipe mínima formada por médico,
enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde, vinculados a uma
unidade básica de saúde e atuando numa área de abrangência definida, com clientela adstrita,
trabalhando 8 horas diárias e 40 horas semanais (BRASIL 1997a; 2000a; 2001b).
Quanto à mudança de prática, o PSF requer dos profissionais repensar valores e
conhecimentos, bem como desenvolver novas habilidades, de forma a ampliar a complexidade
das ações e aumentar suas possibilidades de atuação. Suas atribuições fundamentais envolvem
o planejamento das ações; a vigilância à saúde, isto é, as ações de promoção da saúde e de
prevenção, cura e reabilitação de doenças e outros agravos; trabalho interdisciplinar em
equipe e abordagem integral à família. Destaca ainda que a atuação das equipes deve estar
pautada, dentre outras, nas seguintes diretrizes:
38
� Família e espaço social como núcleo básico de abordagem;
� Humanização da prática de saúde com o estabelecimento de vínculo entre os profissionais
de saúde e população;
� Atuação dos profissionais fora dos muros da unidade de saúde;
� Responsabilização sanitária pelo território de abrangência;
� Estabelecimento de prioridades a partir da realização do diagnóstico sanitário local e
definição de estratégias e metas para sua superação;
� Democratização do conhecimento do processo saúde-doença, da organização dos serviços
e da produção social da saúde;
� Coordenação, participação e/ou organização de grupos de educação para saúde;
� Estímulo à participação da comunidade no planejamento, execução e avaliação das ações;
� Fomento à participação e controle social, através de trabalho educativo com a comunidade
envolvendo os conceitos de cidadania, de direito à saúde e as suas bases legais;
� Incentivo à organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social;
� Reconhecimento da saúde como um direito de cidadania e expressão da qualidade de vida;
� Desenvolvimento de ações intersetoriais e estabelecimento de parcerias com organizações
formais e informais existentes na comunidade para o enfrentamento conjunto dos
problemas de saúde (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).
Este é o nível de atenção, como entendido por Mendes (1999), de menor densidade e maior
complexidade tecnológica no sistema de saúde, pois deve utilizar poucos recursos no que se
refere a equipamentos diagnósticos e terapêuticos, ao mesmo tempo em que incorpora
instrumentos tecnológicos vindos das ciências sociais e humanas na compreensão do processo
saúde-doença e na intervenção coletiva e individual.
Considerando que as orientações pospostas no PSF são capazes de induzir a estruturação do
SUS, a partir da organização da atenção básica nos sistemas municipais de saúde e do
fortalecimento dos princípios de universalidade, acessibilidade, integralidade e eqüidade, o
Ministério da Saúde o vem denominando de Estratégia Saúde da Família, considerando-o
39
como o principal eixo de indução da identidade do modelo de atenção que se busca construir
no SUS. A mudança de denominação para Estratégia Saúde da Família relaciona-se à
necessidade de afirmação de sua proposta de gestão, organização e práticas de saúde como
modos de operar os princípios e diretrizes do SUS, superando a idéia de programa, ou seja, de
ações com tempo determinado para iniciar e finalizar (BRASIL, 2003b)
A incorporação de diretrizes da Estratégia Saúde da Família na definição da atenção básica é
observada no Documento Final da Comissão de Avaliação da Atenção Básica, publicado em
outubro de 2003, quando sua conceituação é ampliada no intuito de “oferecer bases explícitas
para a formulação e implementação de propostas” para sua expansão e qualificação, bem
como para seu monitoramento e avaliação:
Atenção básica é um conjunto de ações de saúde que englobam promoção,
prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida através do
exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas,
sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios
(território-processo) bem delimitados, pelas quais assumem
responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa
densidade, que devem resolver os problemas de saúde das populações de
maior freqüência e relevância. É o contato preferencial dos usurários com o
sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios de universalidade,
acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização,
humanização, vínculo, eqüidade e participação social. A atenção básica deve
considerar o sujeito em sua singularidade, complexidade, inteireza e inserção
sócio-cultural, além de buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e
tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam
estar comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável
(BRASIL, 2003, p.7).
Podemos considerar que o PSF, nas suas dimensões atuais, é uma experiência singular na
história da saúde pública brasileira, que após uma década de existência se firmou como
estratégia permanente do SUS, na perspectiva de influir em todo o sistema a partir da
reorganização da atenção básica, organizando-o para melhor atender, de forma integral, às
necessidades de saúde da população. Contudo é preciso ter claro quais as dificuldades
40
vivenciadas em sua implementação, identificando os nós críticos a serem enfrentados. Entre
os pontos críticos levantados durante a realização da II Mostra Nacional de Saúde da Família,
realizada em junho de 2004, podemos destacar: a melhoria e adequação da formação
profissional; a desprecarização das relações de trabalho; a criação de equipes matriciais de
apoio, com a inclusão de outras categorias profissionais e a institucionalização da avaliação e
do monitoramento (RADIS, 2004). De fato, é preciso compreender como esta proposta está
sendo caracterizada na prática cotidiana das equipes de saúde e em que medida os
mecanismos utilizados para sua implantação e implementação tem induzido, ou não, o
estabelecimento de uma nova prática de saúde.
2.2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 . C onteúdo emancipador da proposta de mudança do modelo de atenção à saúde
Como pilares orientadores da Estratégia Saúde da Família, e, por conseguinte, da atenção
básica, identificamos o paradigma da determinação social da saúde, o conceito de vigilância à
saúde e as propostas de atenção primária e de promoção da saúde. Neste ideário em que vem
sendo formulada, destacamos o reforço da ação comunitária como um eixo transversal, que se
comunica e estrutura com os demais.
Esse eixo é a concepção central da promoção da saúde e tem como perspectiva a constituição
dos serviços e ações de saúde em espaços de construção de sujeitos ativos na busca por
melhores condições de saúde para realização de seus projetos de vida. Precisam, para tanto,
reconhecer o que lhes afeta e a capacidade de ter acesso ao poder para transformar sua
realidade. Para Donato & Mendes (2003), tornar-se sujeito significa tomar consciência de sua
prática social, do que fazem, vivem, aprendem e sentem no seu dia-a-dia.
41
Poderíamos também destacar como campos igualmente estruturantes para o desenho do
modelo de atenção que se pretende estruturar com a implementação da Estratégia Saúde da
Família, a integralidade e a intersetorialidade. Todavia, reconhecemos que o ponto de partida
desse desenho está na abertura democrática dos espaços dos equipamentos de saúde para as
famílias e comunidades, proporcionando o apoio necessário para o desempenho de suas
responsabilidades e desenvolvimento de suas potencialidades, fortalecendo-as, sem substituí-
las (Brasil, 2000a; CONASEMS, 2004).
Optamos, assim, por eleger o reforço da ação comunitária como categoria a ser investigada no
presente estudo, reconhecendo seu papel nuclear e diferenciador na Política de Atenção
Básica. Por sua vez, o fortalecimento dos indivíduos e seus coletivos na busca por melhores
condições de saúde e de vida, implica, dentre outras questões, na participação e controle da
comunidade no setor saúde e, por conseguinte, no estabelecimento de espaços de cidadania.
2.2 .1 .2 .2 .1 .2 .2 .1 .2 .2 .1 . R eforço da ação comunitária
Na Carta de Ottawa14, a promoção da saúde é definida como o “processo de capacitação da
comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior
participação no controle deste processo”, que se dá através de ações comunitárias concretas e
efetivas na identificação das prioridades, na tomada de decisão e na construção e
implementação de estratégias. O centro deste processo é o “incremento do poder das
comunidades – a posse e o controle dos seus próprios esforços e destino”, o que vem sendo
denominado de empowerment (OMS, 1986, p. 1 e 3).
14 A Carta de Ottawa é o documento da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, realizada em 1986, em Ottawa, Canadá.
42
A Declaração de Jacarta15 (OMS, 1997, p.3) afirma que a “promoção da saúde efetua-se pelo
e com o povo, e não sobre e para o povo”, ressaltando a importância do direito de voz e do
fortalecimento da habilidade das pessoas para agir, como da capacidade de grupos ou
comunidades para influenciar os determinantes da saúde. Além do reforço da atuação
individual, Martins Jr. (2003) ressalta como fundamental a intensificação do apoio social na
conquista por melhores condições de saúde, que requer a capacidade de aglutinar pessoas com
a mesma visão de mundo, aspirações e motivações.
O autor, em reflexão a respeito do termo empoderamento, neologismo da língua portuguesa
para empowerment, considera o desconforto ideológico da idéia de empoderar – “dar poder
a”, visto a tendência histórica à dominação na sociedade. Sendo assim, uma pessoa concede
seu poder a outra, sendo, então, factível de “tirar o poder” concedido, bem como delimitar seu
espaço – concessão sob controle.
Defende o “[...] reconhecimento do poder existente, mas ainda não exercido, disseminado na
estrutura social [...]”, concepção mais alinhada ao que se vem desenvolvendo no campo da
promoção e à compreensão, aqui trabalhada, da saúde relacionada a valores como
solidariedade, cidadania, participação e revalorização ética da vida. Sugere então o termo
“apoderamento” – “ad-poderamento”, ou seja, “trazer o poder mais próximo de si”, dinâmica
que só poderá ser compreendida com base na dialética consenso/conflito, competência
profissional/sabedoria leiga, instituições hierárquicas/círculos comunitários (MARTINS Jr.,
2003, p.27).
O reforço da ação comunitária, ou o “apoderamento” coletivo, como refere, implica na
transformação do relacionamento tradicional e hierárquico entre profissionais e indivíduos, de
15 A Declaração de Jacarta é o documento da IV Conferência Internacional de Promoção da Saúde – Novos Protagonistas para uma Nova Era: Orientando a Promoção da Saúde no Século XXI, realizada em Jacarta, na Indonésia, em 1997.
43
fornecedor/cliente. Requer, como colocado por Donato & Mendes (2003), o reconhecimento
da insuficiência do paradigma biomédico para a resolução dos problemas de saúde e o
estabelecimento de uma relação educativa, que supere o modelo de transmissão de
conhecimentos, pautado em concepções de projetos sociais que tendem à manutenção e
alienação.
Em contraposição a essa compreensão, está o projeto educativo dialógico, onde os distintos
conhecimentos, dos profissionais e da comunidade, sejam transformados em novos
conhecimentos e em estratégias de superação dos problemas. Uma educação para a
transformação, pela construção coletiva de novos conhecimentos, pela conscientização e pela
libertação. Isso requer o acesso contínuo à informação e às oportunidades de aprendizagem
sobre as questões de saúde, bem como o estabelecimento de sistemas flexíveis de reforço da
participação popular na gestão da saúde (DONATO & MENDES, 2003).
Em torno do reforço da ação comunitária, a Estratégia Saúde da Família ressalta a importância
do relacionamento equipe de saúde/comunidade com base no diálogo permanente entre
distintos saberes, técnico e popular, e o estabelecimento de vínculos de confiança e de co-
responsabilidade no cuidar da saúde. As equipes de saúde são responsabilizadas em
democratizar o conhecimento acerca da produção social da saúde, do processo saúde-doença e
da organização dos serviços, trabalhando a saúde como direito dos cidadãos e em estimular a
participação da comunidade no planejamento, execução e avaliação das ações, bem como sua
organização para o efetivo exercício do controle social. Enquanto atividades, dentre outras,
lhes são atribuídas a realização de reuniões com a comunidade para discussão de assuntos
relacionados a sua situação de saúde e de grupos de educação em saúde voltados à
recuperação da autoestima, troca de experiências, apoio mútuo e melhoria do autocuidado,
utilizando-se da simbologia da cultura local (BRASIL, 1997a, 2000a, 2001b).
44
Como entendido por Bosi (1994) no que tange à construção do direito à saúde, o reforço da
ação comunitária se dará pela tomada de consciência de que a saúde é um direito do cidadão e
um interesse da comunidade e pela participação popular como mecanismo fundamental neste
processo de conscientização e de “apoderamento”.
2.2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 .2 . P articipação e controle social
O SUS foi a primeira política pública no Brasil que adotou constitucionalmente a participação
social como um de seus princípios, sendo institucionalizada, em seu arcabouço jurídico, com
a implantação dos Conselhos de Saúde, órgãos deliberativos do SUS, que se inscrevem no
movimento de reforma democrática do Estado, na busca do controle das políticas de saúde
pelos diversos segmentos sociais. Como nos mostra Carvalho (1995), a idéia de participação
social, se associa a de controle social, sendo na atualidade entendida como o controle do
Estado pela sociedade.
Em seu trabalho sobre participação cidadã e controle social, o autor apresenta as diferentes
concepções acerca da participação na saúde, desde as primeiras intervenções estatais no
campo sanitário, no século XVII. Neste período, o controle social designava o controle do
Estado sobre a sociedade e desta sobre os indivíduos. O objetivo era o fortalecimento do
próprio Estado moderno, sendo os indivíduos tomados como alvos passivos, sujeitos a
intervenções de caráter compulsório e o Estado o detentor exclusivo da verdade técnica e do
poder decisório e executivo. É com este perfil teórico que se desenvolve no Brasil o
sanitarismo campanhista.
No início do século XIX, o poder de coerção foi substituído pela capacidade de provocar
adesão dos indivíduos às ações, no sentido do autocuidado e do cuidado voluntário com o
45
próximo. Eram as propostas norte-americanas de combate à pobreza e às doenças, que se
deram com base no desenvolvimento comunitário. Entretanto, Carvalho ressalta que os fatores
determinantes dos riscos sanitários são encarados como questões de natureza técnica, e não
política, e o social aparece como variável, mas não como determinante do processo de
produção e distribuição dos riscos à saúde. No Brasil, as experiências focais da proposta da
Medicina Comunitária foram criticadas pelo movimento da reforma sanitária, pois se
mostravam extremamente frágeis no momento em que ameaçavam a manutenção do status
quo ou representavam reivindicações organizadas para instituições governamentais.
A partir do referencial teórico marxista, a participação transcende o caráter instrumental em
prol de objetivos técnico-sanitários, para um objetivo em si mesmo, voltado para organização
e fortalecimento popular no enfrentamento do Estado, sendo cada vez mais valorizada no
nível das decisões, e não apenas das ações. O Estado é tido como representante dos interesses
da burguesia, atuando para manutenção de sua ordem de mercado e a segmentação social é
vista como determinante do processo de adoecimento. A categoria comunidade, grupamento
considerado, teoricamente, homogêneo e portador de uma identidade comum e espírito
solidário, é substituída pela categoria povo, referida a parcela da população excluída do
acesso a bens e serviços (CARVALHO, 1995).
A proposta de participação popular, dominante no período autoritário, vai sendo requalificada
com o processo de democratização do Estado, deixando de ser referida apenas aos setores
sociais excluídos pelo sistema, passando a reconhecer a diversidade de atores e interesses
colocados na arena social. Carvalho pontua que a participação começa a utilizar-se da
categoria sociedade e ter como base a universalização dos direitos e a ampliação da
concepção de cidadania e de Estado, considerado como arena política de interesses
contraditórios que lutam por prevalecer sobre questões socialmente relevantes.
46
Na Estratégia Saúde da Família, a noção de participação apresenta tanto a característica
pedagógica, para a comunidade e profissionais de saúde, como a dimensão de facilitadora da
organização social e do controle sobre as políticas públicas. Observa-se a ênfase dada a
participação não apenas em nível das ações, como também das decisões, a participação não
apenas para contestação, mas também para construção de propostas de melhoria das
condições de saúde e de vida (BRASIL, 2001a).
A Estratégia, em conformidade com a NOB/SUS-96, ressalta a criação de vínculos dos
serviços com os seus usuários, privilegiando os núcleos familiares e comunitários, para uma
efetiva participação e controle social. Atribui às equipes de saúde da família garantir espaços
para o efetivo controle e participação da comunidade em todas as etapas do trabalho – do
diagnóstico de área e identificação de prioridades, ao planejamento, execução e avaliação das
ações (BRASIL, 1997a, 1997b, 2000a, 2001b).
A descentralização da gestão do SUS para os municípios, bem como a lógica de organizar e
operar os serviços de saúde mais próximos das realidades locais, envolvendo seus diversos
atores sociais, são passos importantes, visto que oferecem condições à participação, como
colocado por Goya (2003, p.53), torna-se um “instrumento básico do poder local, através do
qual os indivíduos manifestam-se enquanto sujeitos do espaço em que vivem, planejando e
decidindo”. Para além do campo das decisões, a participação da comunidade pode também se
conformar em mecanismo de indução e regulação das políticas públicas e suas ações.
No que tange a indução e regulação das políticas públicas, Carvalho (1995) alerta que no caso
brasileiro, a realidade da exclusão social e de um Estado historicamente clientelista e
privatizado, o controle social termina por adquirir um enfoque altamente fiscalizador, onde
parece ser mais importante vigiar e impedir as transgressões por parte do Estado, do que
induzi-lo a agir. Por outro lado, Jacobi (2002) e Valla (1992) argumentam que a participação
47
popular também pode ser concebida como garantia de execução eficiente de programas de
compensação social, no contexto neoliberal de ajuste estrutural, contrariamente à sua
concepção de organização e fortalecimento popular no enfrentamento do Estado para
conquista de direitos sociais.
Para a constituição da participação social enquanto possibilidade de ampliação da cidadania,
de acordo com Jacobi, é preciso superar os padrões de relação clientelista, meritocrático e de
interesses, criados historicamente no Estado brasileiro, que se relaciona à fragilidade do
tecido associativo, onde a visão imediatista do benefício predomina em detrimento de uma
concepção abrangente de indução de políticas públicas. Irá depender do acesso às
informações, do estímulo à participação ativa, baseada na construção coletiva de estratégias e
na co-responsabilização, bem como da permeabilidade das propostas populares junto à
administração pública. É necessário transformações qualitativas na relação Estado/sociedade
civil, o fortalecimento do espaço público e a abertura da gestão pública à participação social
na elaboração de suas políticas.
Para Goya (2003), os conselhos municipais e locais de saúde, estruturas formais do poder
local, assumem neste contexto um papel relevante, que podem vir a ser espaços de formação
de consensos e pactuação, não “puramente” de decisão, que passaria a ser realizada de forma
compartilhada, co-responsabilizada, entre as diferentes forças que atuam no território.
Para além dessas estruturas formais, a Estratégia Saúde da Família enfatiza a
institucionalização de espaços de participação da comunidade no cotidiano do serviço de
saúde, através da garantia da participação no planejamento, execução e avaliação das ações e
do estabelecimento de uma relação educativa, com responsabilidade pela democratização do
conhecimento. Segundo Vasconcelos (1999b), a relação educativa entre os serviços de saúde
48
e a população se dá por duas interfaces: os grandes meios de comunicação de massa e a
convivência cotidiana nos serviços de atenção primária à saúde.
È no cotidiano dos serviços de atenção básica que o presente estudo se debruça, observando
como as unidades de saúde da família têm se constituído, ou não, em espaços de
fortalecimento da ação comunitária e de promoção da cidadania, através do reconhecimento
da saúde enquanto direito do cidadão, do estabelecimento de diálogo e mediação entre os
sujeitos que vivem e atuam no território e da garantia de canais para a participação e controle
social.
2.2 .3 .2 .2 .3 .2 .2 .3 .2 .2 .3 . P romoção da cidadania
A promoção da cidadania na proposta da Estratégia Saúde da Família é considerada uma
atribuição das equipes de saúde, responsabilizadas pelo reconhecimento da saúde como um
direito de cidadania e expressão da qualidade de vida, sendo seu papel discutir de forma
permanente com a comunidade, e na própria equipe, o conceito de cidadania e das bases
legais que legitimam os direitos de saúde (BRASIL, 1997b, 2000a).
Considerando que a Estratégia propõe, para conquista do direito a melhores condições de
saúde, o reforço da ação comunitária e, diretamente ligado a este processo, como mecanismo
fundamental para seu desenvolvimento, a participação da comunidade em todas as etapas do
trabalho da equipe de saúde, entendemos que a promoção da cidadania será, antes de tudo,
conseqüência do reforço da capacidade técnica e política dos indivíduos e seus coletivos,
através da troca horizontal de informações e conhecimentos entre profissionais e comunidade,
a respeito de questões de saúde e de cidadania, e da pactuação e co-responsabilização na
perspectiva da construção de soluções no enfrentamento de seus problemas de saúde.
49
Assim como entendido por Bosi (1994), ressaltamos que a construção de uma consciência do
direito a saúde e desta como recurso fundamental para realização dos projetos de vida,
portanto objeto de luta e conquista, ela é gradual e alimenta-se de experiências vivenciadas na
realidade cotidiana. A autora argumenta que o espaço micro da prática participativa,
representado por relações cotidianas, como as que se estabelecem nas unidades de saúde,
torna-se estratégico para o desenvolvimento da relação dialética conscientização/participação,
pois representa um espaço de luta, de exercício de poder.
Trabalhar a saúde como direito do cidadão e enquanto produto de uma construção social,
recurso essencial para qualidade de vida e realização dos atores sociais, requer o compromisso
com o exercício da cidadania, bem como o estabelecimento de uma relação de trocas e de
confiança entre profissionais e comunidade. Segundo Ferraz (1998), ao se tratar a saúde como
qualidade de vida, a mudança do olhar e do agir são inevitáveis na construção desse novo
paradigma e conseqüentemente uma nova cultura será também construída a partir dele.
Entretanto, temos que questionar como se dará esse movimento, considerando, como
colocado por Jacobi (2002), o complexo processo de construção da cidadania no Brasil, num
contexto de grandes desigualdades, perpassado pela cultura da dominação, da tutela, do
clientelismo e da manipulação, herdada dos quatro séculos de regime colonial escravagista e
reforçada pela repressão ao exercício da cidadania durante o regime de ditadura militar. Neste
cenário, o autor argumenta que é necessário, para a constituição dos sujeitos sociais ativos, a
transformação destas práticas sociais, tendo na participação um componente essencial, bem
como o acesso às informações técnicas necessárias para subsidiar suas reivindicações, ponto
primordial no entendimento de Valla (1992).
Consideramos que a proposta da Estratégia Saúde da Família tem um grande potencial de
“despertar” os cidadãos, apoiada na concepção de ampla mobilização em prol da saúde, com
50
base na autonomia dos sujeitos e seus coletivos. Para tanto, exige novos valores e posturas dos
profissionais, que vão de encontro à formação e à prática dominante. Requer uma atuação que
tem como base a escolha política pelo enfrentamento dos determinantes mais amplos da saúde
e de contribuição para o reforço da ação comunitária, mediando o estabelecimento de
parcerias entre organizações formais e informais existentes na comunidade e de ações
intersetoriais no enfrentamento conjunto dos problemas de saúde.
Para Bosi (1994, p. 447), “o papel dos profissionais de saúde na relação cotidiana com os
usuários [...], longe de se revestir de um significado meramente técnico (assistencial) se
inscreve numa prática pluridimensional, dentre as quais se destaca a dimensão política”.
A respeito de uma nova cultura na saúde, orientada pelo seu entendimento positivo e sua
determinação social, temos que considerar o desafio de construir uma prática transformadora
e emancipadora num contexto de orientação da formação dos profissionais de saúde na
concepção biologicista, que não questiona a medicalização e individualização dos problemas
de saúde coletiva e que concebe os pacientes como sujeitos que foram incapazes de cuidar de
sua saúde, sendo necessário, para ajudá-los, prescrever medicações e condutas saudáveis.
Desse modo, espera-se a contraposição da abordagem que tradicionalmente vem se
desenvolvendo, que “privilegia conselhos e normas para o indivíduo, fazendo com que o
acesso à saúde seja um esforço individual e, conseqüentemente, uma responsabilidade
individual”, atuando com base na proposta de relacionar o processo saúde-doença da
população com as suas condições de vida e trabalho (VALLA, 1992, p.31).
Diante da cultura e das práticas hegemônicas em nosso país, a proposta de um modelo de
atenção básica, comprometido com a promoção da cidadania e orientado pelos princípios do
reforço da ação comunitária e da participação e controle social, é bastante audaciosa e requer
um acompanhamento voltado para a qualidade das inovações por ela desencadeada.
51
Capítulo 3333
P rocedimentos M etodológicos
3.1 .3 .1 .3 .1 .3 .1 . D esenho do Estudo
Pelo fato do objeto de estudo, a mudança16 da prática de saúde em relação ao conteúdo
emancipador do PSF, referir-se a um fenômeno social complexo e dinâmico, que requer a
análise da interação de diferentes variáveis na compreensão de seu processo, que envolve
mudança de valores, de habilidades e da cultura dos serviços, a escolha foi pelo método
qualitativo. Por se tratar de uma investigação empírica sobre um fenômeno que não pode ser
dissociado de seu contexto e que requer a observação de vários elementos simultaneamente,
emprega a estratégia do estudo de caso, indicado por Yin (1994) e Víctora (2000) para
questões de como ou por que ocorre um determinado fenômeno contemporâneo da vida real e
para quando o investigador tem pouco controle sobre os eventos.
De acordo com Yin, a validade do estudo de casos se dá pelo modelo teórico e não pelo
processo amostral, ou, como colocado por Denis & Champagne (1997), sua potência
explicativa encontra-se na profundidade de sua análise, não no número de unidades
analisadas, apoiando-se na coerência da estrutura das relações entre seus componentes.
Pontuam que o estudo de múltiplos casos oferece maior confiança aos resultados da pesquisa,
sendo cada caso considerado como uma entidade única submetida a uma análise particular.
16 As mudanças são aqui entendidas como mudanças da concepção negativa da saúde, para sua concepção positiva e ampliada; do paradigma sanitário biologicista/flexeriano, para a produção social da saúde; da prática de saúde centrada no médico, na clínica e na cura, para a integralidade entre promoção, prevenção, cura e reabilitação. A mudança da prática com base na concepção da vigilância à saúde não significa negar a importância da clínica médica e da atenção individual curativa, mas sua insuficiência na abordagem do processo saúde-doença e na promoção da autonomia e da qualidade de vida.
52
Optou-se por realizar a investigação em dois municípios, considerando que diferentes
experiências locais podem revelar a diversidade de mecanismos de compromisso com a
política, mas, devido à heterogeneidade de situações encontradas, comparar as mesmas
poderia tornar a análise complexa e, ao mesmo tempo, limitada, considerando, contudo,
interessante realizar observações transversais que possam revelar aspectos a serem
considerados na avaliação/reajuste da política em nível federal, estadual e/ou municipal.
Desse modo, o estudo em tela refere-se a uma pesquisa qualitativa no campo das políticas de
saúde, que utiliza a estratégia de estudo de casos para analisar o processo de implementação
da Política de reorientação da Atenção Básica
3.2 .3 .2 .3 .2 .3 .2 . Á rea de Estudo
Tendo em vista que a diversidade de contextos poderá enriquecer a análise proposta, optou-se
por desenvolvê-lo em dois municípios de Pernambuco: Cabo de Santo Agostinho e Recife. A
escolha para a pesquisa de campo levou em conta a aproximação previa da pesquisadora com
o funcionamento do PSF nos municípios, bem como alguns aspectos que, previamente,
indicavam um contexto favorável ao seu desenvolvimento: entre 7 e 10 anos de experiência
na sua implementação; o PSF (enquanto opção por modelo de atenção) e a participação social
como prioridades das gestões municipais; o desenvolvimento de propostas de educação em
saúde voltadas para o fortalecimento da cidadania e a localização dos municípios na Região
Metropolitana do Recife, apresentando, assim, maior facilidade em relação à disponibilidade e
qualificação de recursos humanos.
Ao mesmo tempo, trata-se de municípios de diferente porte, que apresentam características
distintas na organização da gestão do Programa, bem como em sua própria organização social,
possibilitando diferentes cenários e, assim, o enriquecimento da análise.
53
A escolha dos municípios buscou identificar situações favoráveis à reorientação do modelo de
atenção à saúde, especificamente às práticas de saúde preconizadas, com vistas a reduzir
aspectos que sabidamente dificultam sua implementação, como seu emprego focalizado e
voltado primordialmente para a captação de recursos e não para mudança de modelo de
atenção ou a dificuldades em relação à disponibilidade de profissionais de nível universitário.
Assim, permite uma análise mais aprofundada de questões consideradas fundamentais para as
mudança desejadas: reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da
cidadania.
Considerando a opção explícita da Política de Atenção Básica pela participação ativa dos
sujeitos envolvidos em sua operacionalização nos serviços de atenção básica, entendemos que
os espaços de negociação entre estes sujeitos – as unidades de saúde da família – são lócus
privilegiados para análise de sua implementação, na perspectiva da relação dialética entre
diretrizes político-ideológicas/práticas cotidianas.
3.3 .3 .3 .3 .3 .3 .3 . S eleção da amostra intencional do Estudo
A seleção da amostra buscou atender, como colocado por Minayo (1994), os critérios de uma
abordagem qualitativa, que deve preocupar-se com o aprofundamento e abrangência da
compreensão da política, definir claramente o grupo social mais relevante para a pesquisa e
privilegiar os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer, de
modo que a escolha do lócus e do grupo de observação e informação contenha o conjunto
das experiências e expressões que se pretende objetivar com a pesquisa.
54
O lócus da pesquisa de campo
As unidades de saúde da família e suas áreas de abrangência foram selecionadas como lócus
da pesquisa de campo, considerando, como argumentado por Schraiber (1997), que a
passagem de uma intervenção enquanto “plano” para sua forma “prática/tecnologia” a
inscreve em dois campos de condicionantes – o do trabalho e o da organização social da
produção e distribuição dos serviços, que se expressam e são experimentados na realidade
cotidiana. Dessa forma, o espaço onde se dão as relações cotidianas na execução da Política
de Atenção Básica é estratégico para análise da sua implementação.
Em cada município foi identificada uma equipe de saúde que, de acordo com a coordenação
municipal do PSF, apresentava aspectos favoráveis para o desenvolvimento da proposta junto
à comunidade. A escolha junto às coordenações municipais se deu devido a sua maior
aproximação com as equipes de saúde, pela vivência do dia-a-dia da implementação do
Programa. Para a seleção, foi solicitado que identificassem contextos e sujeitos “supostamente
favoráveis” ao desenvolvimento da proposta, de modo a permitir um melhor aprofundamento
e análise da potencialidade das estratégias adotadas em provocar mudanças no modelo de
atenção, especificamente na prática de saúde.
Foram assim identificadas pelas coordenações as equipes de saúde da família que, dentro de
cada contexto, melhor representava a política adotada pelo município, atendendo aos aspectos
priorizados pelo gestor. Foi também considerado o tempo de atuação dos profissionais no
Programa e na localidade selecionada, tendo em vista que permite inferir sobre o grau de
consolidação e aprimoramento de novos conhecimentos e habilidades, bem como o grau de
conhecimento e entrosamento com a comunidade.
55
O grupo de observação e informação: os sujeitos da pesquisa
Considerando a necessidade de compreensão das práticas e atitudes dos diversos sujeitos
presentes nos espaços da Política de Atenção Básica, configuraram enquanto grupo de
observação e informação os coordenadores do PSF, os profissionais das equipes de saúde da
família e a população por elas atendida. A análise procurou apreender suas concepções e
práticas, ambigüidades e potencialidades, quanto aos aspectos aqui ressaltados para a
reorientação da atenção básica através da Estratégia Saúde da Família.
Em busca de representar a diversidade dos sujeitos envolvidos na formulação e
desenvolvimento local da Política, foram identificados em cada município:
� O gestor diretamente responsável pelo gerenciamento do PSF, no caso a coordenação do
Programa, que vivencia no dia-a-dia os conflitos decorrentes das dificuldades em
estabelecer as diretrizes políticas do Programa diante das demandas por atendimento nos
serviços de saúde e dos recursos disponíveis para a mudança da organização e da operação
dos serviços;
� Um representante de cada categoria profissional da equipe de saúde da família
selecionada, considerando a equipe mínima preconizada pelo Ministério da Saúde:
médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS). A
inclusão dessas categorias visa aprofundar em que medida cada profissional, diante de
suas atribuições na equipe, compreende e prioriza práticas voltadas para o reforço da ação
comunitária, participação e controle social e promoção da cidadania. A escolha do agente
de saúde se deu a partir da observação direta do trabalho desenvolvido pela equipe e teve
como critério a percepção, pela pesquisadora, de seu envolvimento com o Programa e com
a mobilização da comunidade;
� Um usuário da unidade de saúde da família selecionada, integrante de alguma
organização da comunidade ou do Conselho Local de Saúde (CLS). A identificação foi
56
realizada durante o trabalho de campo, tendo como critério ser atuante na comunidade e
participar das atividades realizadas pela equipe de saúde. Esses critérios foram
considerados com vistas a identificar o grau de envolvimento de lideranças comunitárias
com o Programa, indicativo da atuação dos profissionais de saúde no território de sua
responsabilidade.
3.43.43.43.4 . T écnicas de coleta e fontes de dados
A pesquisa de campo utilizou-se de dados primários e secundários, coletados no período de
julho a dezembro de 2004, trabalhados da seguinte forma:
Dados primários
a. Observação direta
A utilização desta técnica teve por finalidade apreender como as unidades de análise estão
sendo incorporadas e trabalhadas no cotidiano do PSF, ou seja, o entendimento de como os
princípios de reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da
cidadania se concretizam neste cotidiano.
Foram realizadas visitas às unidades de saúde da família e comunidades, buscando
compreender a diversidade das relações vividas no cotidiano dos profissionais de saúde e da
população usuária, que consolidam interesses específicos e moldam, na prática, o atendimento
e a gestão dos serviços. As impressões acerca das motivações, posições, interesses e conflitos
dos sujeitos foram registradas no diário de campo, sendo posteriormente organizadas
conforme as variáveis e unidades de análise.
57
Inicialmente, foram feitos em cada unidade a observação de sua rotina e o reconhecimento de
sua área de abrangência. Num segundo momento, se prosseguiu com a identificação do agente
comunitário e do usuário para realização das entrevistas e com o acompanhamento das
atividades coletivas realizadas pela equipe na unidade de saúde e na comunidade, conforme a
relação abaixo descriminada:
Cabo de Santo Agostinho
� Reunião do Conselho Local de Saúde;
� Reunião da equipe com a comunidade;
� Reunião para educação continuada dos ACS;
� Reunião para educação continuada da equipe;
� Grupo de mulheres - educação em saúde;
� 1 turno de visita domiciliar com ACS 1;
� 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2;
� 1 turno de visita domiciliar com médica;
� 2 turnos de visitas domiciliares com enfermeira.
Recife
� Reconhecimento de área e visitas domiciliares com grupo de ACS;
� Reunião de equipe – rotina semanal;
� Reunião da equipe PSF com equipe local de Saúde Ambiental;
� Grupo de adolescente – educação em saúde;
� Grupo de idosos – educação em saúde;
� 1 turno de visita domiciliar com ACS 1;
� 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2;
� 1 turno de visita domiciliar com médica.
b. Entrevistas semi-estruturadas
A entrevista é uma técnica importante que permite a troca de informações, subsidiando a
compreensão das concepções dos sujeitos da pesquisa acerca dos temas investigados. O
pesquisador deve conhecer previamente os aspectos que deseja investigar (categorias) e a
58
partir deles formular pontos a serem tratados na entrevista (variáveis). Foi empregada a
técnica da entrevista semi-estrutura, ou guiada, que combina perguntas estruturadas e abertas,
onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, utilizada
particularmente para descobrir aspectos de uma determinada experiência que produzem
mudanças nas pessoas expostas a ela (MINAYO, 1994; RICHARDSON, 1989).
Segundo Minayo (1994, p.99), visando apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos
nos objetivos da pesquisa, o roteiro de entrevista deve conter poucas questões, servindo como
um instrumento para orientar uma “conversa com finalidade”, funcionando como um
facilitador de abertura da comunicação. O roteiro deve contribuir para ampliar e aprofundar a
comunicação, e não cerceá-la, e para “emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito
dos fatos e das relações que compõem o objeto, do ponto de vista dos interlocutores”, enfim,
suas atitudes, valores e opiniões.
Desse modo, as entrevistas tiveram por finalidade apreender como os sujeitos sociais, que
realizam a passagem da Política enquanto princípios e diretrizes para sua forma prática-
tecnologia, compreendem e priorizam práticas voltadas para o reforço da ação comunitária,
participação e controle social e promoção da cidadania, ou seja, como realizam a intervenção
proposta com um dado modo de trabalhar e modo técnico de intervir, produzindo e
distribuindo cuidados.
As entrevistas foram registradas em fitas de audio e posteriormente transcritas, sendo
utilizado para o seu desenvolvimento um guia com temas (anexo 1). Em cada município
configurou entre os entrevistados o coordenador, os profissionais das equipes de saúde da
família por eles selecionada e os usuários do PSF identificados pela pesquisadora, conforme a
relação abaixo:
59
Cabo de Santo Agostinho
� Coordenadora do PSF;
� Médica;
� Enfermeira;
� Agente comunitária de saúde;
� Usuária (Conselheira do CLS).
Recife
� Coordenadora da Atenção Básica;
� Médica;
� Enfermeira;
� Auxiliar de enfermagem;
� Agente comunitária de saúde;
� Usuária (Presidente da Associação de Moradores).
No município do Cabo de Santo Agostinho não foi possível realizar entrevista coma a auxiliar
de enfermagem, pois se encontrava de licença médica. É interessante mencionar o fato, não
programado, que todos os sujeitos entrevistados foram do sexo feminino.
Dados secundários
c. Documentos de gestão
Com vistas a apreender como os temas centrais da pesquisa estão inseridos no discurso
institucional e quais as estratégias gerenciais a eles relacionados, foi realizada coleta e análise
de conteúdo de documentos municipais que abordam a Política de Atenção Básica, tais como:
Planos Municipais de Saúde, Relatórios de Gestão e Relatórios de Conferências Municipais
de Saúde, descritos no anexo 3.
d. Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB)
Foi feita coleta e análise quantitativa de dados dos relatórios do SIAB, utilizados para
caracterizar o perfil do PSF municipal e da equipe de saúde selecionada, bem como observar
60
como algumas atividades importantes para as estratégias de reforço da ação comunitária e de
promoção da cidadania estão configurando as agendas de trabalho dos profissionais de saúde:
as atividades de educação em saúde com grupos, de visitas domiciliares por categoria
profissional e reuniões realizadas pelos agentes comunitários de saúde com a comunidade.
Optou-se, desse modo, pelo estudo de caso pautado na triangulação de métodos, fontes e
dados, visando uma melhor apreensão do objeto de pesquisa, pela compreensão de vários
pontos de vista sobre a realidade estudada, como colocado por Hartz (1999), não por sua
justaposição, mas pela integração realizada pelo pesquisador em torno da lógica de um
referente comum.
3.5 .3 .5 .3 .5 .3 .5 . P lano de Análise
Segundo Minayo (1994), a expressão mais comumente usada para referir-se ao tratamento dos
dados de uma pesquisa qualitativa é análise de conteúdo, que segundo Bardin (1979, p.42)
pode ser definida como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção e recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. Para a autora, consiste em
explicitar e sistematizar o conteúdo das mensagens e de sua expressão, a partir de um
conjunto de técnicas.
Nesse momento de tratamento e análise do material da pesquisa qualitativa, Minayo (1994)
alerta que os pesquisadores costumam enfrentar três grandes obstáculos: a “ilusão da
transparência”, ou seja, o perigo da compreensão espontânea; a magia dos métodos e das
técnicas, esquecendo-se da fidedignidade às significações presentes no material e a
61
dificuldade no momento da articulação entre teorias e conceitos e os dados coletados na
pesquisa de campo.
O entendimento das inovações induzidas pela atual Política de Atenção Básica teve como
objeto de análise a compreensão e atuação dos atores envolvidos na mudança de prática em
relação aos seguintes princípios da Estratégia Saúde da Família, tomados como unidades de
observação: reforço da ação comunitária, participação e controle social e promoção da
cidadania. Princípios interdependentes, que se articulam para a abertura democrática dos
serviços e conquista de melhores condições de saúde pela comunidade.
Para a operacionalização da análise do material da pesquisa, as informações do diário de
campo, das entrevistas individuais e dos documentos de gestão foram sistematizados a partir
da análise temática de seu conteúdo, organizadas e apresentadas de acordo com as variáveis
abaixo descritas e discutidas em torno das unidades de observação:
� características da gestão municipal do PSF;
� aspectos destacados como questões relevantes do modelo de atenção proposto pelo PSF;
� o enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo PSF;
� comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade;
� o controle social no programa saúde da família;
� relação entre PSF e cidadania;
� dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo programa saúde da família;
� sugestões para melhoria do PSF.
Para o desenvolvimento da análise temática, foi empregado o modelo de condensação de
significados proposto por Kvale (1938):
62
Quadro 3 –.Modelo de condensação de significados e variáveis de estudo
Identificação
� Município
� Fonte de dados (diário de campo, entrevista ou documento)
� Pergunta de pesquisa
Unidades Naturais
� trechos do material de pesquisa: fala,
registro de campo, documento
Temas/assuntos centrais
� análises do pesquisador sobre o discurso
do entrevistado
Descrições essenciais para responder a pergunta de pesquisa
� interpretação realizada pelo pesquisador acerca das questões comentadas pelo
entrevistado
Fonte: adaptado de Kvale (1938).
No modelo exposto acima, as unidades naturais são relativas a trechos da fala do
entrevistado, que respondem às perguntas da pesquisa. Os temas centrais dizem respeito à
definição do assunto pelo pesquisador acerca das variáveis de pesquisa e as descrições
essenciais para responder a pergunta de pesquisa se referem à interpretação do pesquisador
acerca da resposta dada pelo entrevistado.
Considerações éticas
Na presente pesquisa foi mantido o anonimato dos sujeitos selecionados para a realização do
trabalho de campo, bem como o sigilo dos dados. Preliminarmente à realização das
entrevistas, foi apresentado aos entrevistados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(anexo 2) e explicitado a natureza e o objetivo do estudo, os motivos da escolha do segmento
e do sujeito para a entrevista, bem como informado que a qualquer momento poderiam ser
solicitados esclarecimentos. Para a gravação dos depoimentos, foi solicitada a autorização do
entrevistado.
63
Etapas do estudo
A investigação consistiu nas seguintes etapas:
� Realização de levantamento bibliográfico para construção do referencial teórico;
� Elaboração dos instrumentos de coleta dos dados;
� Seleção da amostra intencional do estudo;
� Realização da pesquisa de campo: observação direta, entrevistas semi-estruturadas e
coleta de dados secundários (documentos municipais e dados do SIAB):
� Apresentação da pesquisa para os gestores municipais (objeto, objetivos e forma de
participação dos atores no estudo) e sondagem do interesse em participar do estudo;
� Definição, em conjunto com os gestores diretamente responsáveis pelo PSF, da
equipe de saúde da família para a realização da observação e das entrevistas, a partir
dos aspectos levantados no estudo;
� Deslocamento aos locais selecionados para a realização da observação direta e das
entrevistas. A observação do cotidiano da equipe de saúde da família de cada
município se deu em duas etapas:
- Visita para observação geral do cotidiano das equipes e unidades de saúde;
- Visitas direcionadas para observação de atividades com grupos e de atividades
realizadas fora da unidade de saúde, durante o período de 4 semanas;
���� Realização da análise dos dados coletados conforme as categorias e plano de análise.
64
Capítulo 4444
O conteúdo emancipador na implementação municipal da Política de
Atenção Básica: resultados e discussão
Neste capítulo serão apresentados aspectos relacionados ao contexto, conteúdo, atores e
processo de implementação da Política de Atenção Básica nos municípios selecionados para a
pesquisa, que possam revelar como a proposta emancipadora da Estratégia Saúde da Família
está se dando no cotidiano dos serviços de atenção básica.
As considerações partiram da pesquisa documental, de acordo com os textos constantes no
anexo 3, da observação realizada junto às equipes de saúde da família identificadas para a
pesquisa de campo, conforme atividades listadas no anexo 4, e das entrevistas semi-
estruturadas com os atores selecionados (anexo 5).
Para cada um dos municípios, são descritas algumas características do lugar e de suas
condições de vida, bem como do sistema municipal de saúde e de sua gestão. Quanto às
equipes de saúde da família identificadas para a pesquisa de campo, são apresentados aspectos
do contexto de sua área de abrangência e dos atores locais entrevistados, sendo, em seguida,
expostas suas idéias e como se colocam em relação aos conteúdos frisados como indutores da
proposta emancipadora do PSF: o reforço da ação comunitária, a participação e controle
social e a promoção da cidadania.
Desse modo, como descrito nos procedimentos metodológicos, as informações obtidas
durante a pesquisa de campo tiveram por objetivo analisar a prática relacionada ao conteúdo
emancipador da política adotada para a reorganização da atenção básica, buscando-se
65
compreender o entendimento e a atuação de sujeitos que no seu cotidiano modelam a atenção
à saúde nas unidades do PSF.
4.1 .4 .1 .4 .1 .4 .1 . C abo de Santo Agostinho
O lugar e suas condições de vida
O Cabo de Santo Agostinho localiza-se na Mesorregião Metropolitana do Recife,
Microrregião de Suape. Corresponde a 20% da área da Região Metropolitana do Recife e
abarca a maior parte do Complexo Industrial e Portuário de Suape. Está entre os dez
municípios mais populosos do estado de Pernambuco, com estimativa para 2004 de 163.493
habitantes, sendo 88% urbana e 12% rural16.
De acordo com os dados do censo IBGE_2000, apresenta 20% da população maior de 15 anos
analfabeta. Contudo, possui atualmente 89 escolas municipais de ensino fundamental I e II e
segundo a Secretaria Municipal de Educação, todas as crianças de 7 a 14 anos estão na escola.
Setenta e quatro porcento da população vivem com até 2 salários mínimos e 4% declara não
ter rendimentos. A Esperança de Vida ao Nascer é de 69 anos, o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é 0,706 e a medida de desigualdade da distribuição de renda, o Índice de
GINI, é de 0,523517 (documento 7).
No território coberto pelo PSF, cerca de 90% dos domicílios são de tijolos e têm acesso à rede
de energia elétrica, 83% estão ligados à rede geral de abastecimento de água e 88% têm
16 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2004. 17 Os índices variam de 0 a 1, quanto mais próximos de 0, indicam melhor qualidade de vida da população
66
acesso à coleta pública do lixo. Contudo, em 17% dos domicílios o destino das fezes e urinas
é a céu aberto e em 30% não há tratamento da água para consumo humano18.
Para melhor compreender e administrar as diferenças, o Governo Municipal dividiu o
território em nove áreas político-administrativas, que foram agrupadas em quatro regiões para
facilitar a integração, a intersetorialidade e o controle social, instituindo-se uma Secretaria
Regional para cada uma, destinada a coordenar as políticas públicas no território, adequando-
as às necessidades locais, bem como facilitando a participação social (diário de campo 1).
O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão
O município implantou o PSF em 1997, localmente denominado de Programa Saúde em Casa,
e habilitou-se em Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde em 1998, que no momento
deste estudo era composto, na atenção básica, por 33 unidades com 34 equipes de saúde da
família e 8 equipes de saúde bucal, 3 equipes do PACS, 3 unidades básicas tradicionais e 2
centros de saúde (documento 7).
A atenção especializada opera através de dois centros de referência em saúde da mulher; dois
centros de apoio psicossocial (infantil e adulto); um centro de referência em IST/AIDS; uma
policlínica com urgência e emergência 24 horas; uma maternidade e um hospital geral. Esses
serviços oferecem, através da central de marcação de consultas, diversas especialidades.
Possui laboratório de análises clínicas (24 horas), laboratório de citopatologia e de
baciloscopia, serviço de radiologia e ultrassonografia e assistência farmacêutica. O centro de
vigilância ambiental conta com laboratório de entomologia e realiza exames para
esquistossomose e filariose (documento 7).
18 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.
67
Dentre os objetivos explicitados pela gestão, pode-se destacar “contribuir para a
implementação das ações do Plano de Governo, que buscam melhorar a qualidade de vida,
garantindo os direitos do cidadão através de um novo modelo de desenvolvimento
autosustentável, com justiça social apoiada por uma política de saúde coerente com os
princípios e diretrizes do SUS”; implantar ações voltadas para a promoção da saúde e
contribuir para o aperfeiçoamento do efetivo controle social. Para tanto, elegeu prioridades
como a adoção do PSF, o desenvolvimento e implantação de uma política de recursos
humanos, a contribuição para a elevação da consciência sanitária e o aprimoramento da
participação social ao nível de conselhos de saúde (documento 1, p. 4, grifo nosso).
Em relação à participação e ao controle social, o Município apresenta como avanços na gestão
da saúde o aumento de 162,5% no número de reuniões do Conselho Municipal de Saúde e a
implantação de 17 Conselhos Locais de Saúde (documento 2). As Conferências Municipais de
Saúde também estão se dando de forma descentralizada, com plenárias por Regional,
possibilitando uma participação mais abrangente e o aprofundamento das discussões em cada
território. Além das Conferências, a Secretaria de Saúde vem ampliando a incorporação das
deliberações da população, discutindo aspectos da saúde em reuniões temáticas do Orçamento
Participativo e adotando seus indicativos como prioridade de gestão(diário de campo 1).
No que diz respeito aos aspectos financeiros, pontua que o Fundo Municipal de Saúde recebe
atualmente 16% do orçamento do Tesouro Municipal, bem como destaca o incremento de
27% nas transferências do Fundo Nacional de Saúde no período 1997 a 2003 (documento 8).
A respeito do modelo municipal de saúde, ressalta que os avanços alcançados foram
construídos a partir de um “jeito novo de caminhar”, com a participação popular através dos
Conselhos Locais e Municipal de Saúde e de comitês municipais, bem como com das ações
articuladas e integradas com: Educação; Cultura e Turismo; Programas Sociais; Imprensa;
68
Limpeza Urbana; Meio Ambiente; Desenvolvimento Econômico e Secretarias Regionais, que
periodicamente coordenam colegiados regionais para articulação política entre lideranças
comunitárias e representantes dos diversos setores dos serviços públicos municipais, incluindo
as equipes e supervisores do PSF(documento 8).
A articulação intersetorial também acontece formalmente nos Conselhos de Assistência Social
e de Direitos da Criança e do Adolescente; Comitês da Agenda 21 e de Combate ao Trabalho
Infantil e na Câmara Temática sócio-cultural do Plano Estratégico de Desenvolvimento
Sustentável – Cabo 2010 (documento 8).
O Programa Saúde da Família
Conforme documentos da Secretaria Municipal de Saúde, o PSF foi adotado em 1997 com o
objetivo de reorganizar o modelo de atenção básica, revertendo a lógica hospitalocêntrica e
promovendo a inclusão de grupos populacionais sem acesso aos serviços do SUS, realizando
uma discriminação positiva e atingindo grupos submetidos a um maior risco de adoecimento e
morte, relacionado às precárias condições de vida. O reordenamento do modelo teve como
diretrizes a ampliação do acesso e da resolutividade das ações, a revalorização da
integralidade na atenção, a mobilização da comunidade para o autocuidado e elevação da
consciência sanitária, bem como o desenvolvimento de ações intersetoriais para a promoção
da saúde (documentos 2 e 3).
As equipes de saúde da família encontram-se distribuídas em 7 das 9 áreas político-
administrativas do município e cobrem 82,3% da população (134.528 pessoas/34.820
famílias)19. A figura 1 apresenta a expansão do PSF no Município.
19 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.
69
Figura 1
População (%) coberta pelo Programa Saúde
da Família no Cabo de Santo Agostinho, 1999 a
2004. Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.
Em relação ao total de recursos repassados ao Fundo Municipal no período de 1998 a 2004
(quadro 4), o maior aumento percentual do montante destinado à atenção básica ocorreu entre
2000 e 2002, coincidindo com o período de expansão mais acentuada (figura 1). Nos anos
seguintes (2003 e 2004) observa-se que foram feitos investimentos também na expansão da
média e alta complexidade.
Quadro 4 – Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004.
Média e Alta Complexidade
ambulatorial/hospitalar
Atenção Básica Ações Estratégicas
Total de repasses fundo a fundo
Ano
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 3.592.953,25 66,10 1.842.760,65 33,90 0,00 0,00 5.435.713,90 100,00
1999 4.440.863,86 60,11 2.947.490,41 39,89 0,00 0,00 7.388.354,27 100,00
2000 4.259.460,73 51,86 3.954.318,68 48,14 0,00 0,00 8.213.779,41 100,00
2001 4.751.127,59 51,31 4.457.722,10 48,14 51.508,31 0,56 9.260.358,00 100,00
2002 4.933.682,49 50,32 4.547.097,20 46,38 324.197,91 3,31 9.804.977,60 100,00
2003 6.169.976,16 52,38 5.209.912,16 44,23 398.842,89 3,39 11.778.731,21 100,00
2004 7.098.460,03 53,38 5.737.749,72 43,15 461.881,02 3,47 13.298.090,77 100,00
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
Quanto às partes fixa e variável do PAB (quadro 5), houve entre 1998 e 2004 um acréscimo
de 5,3 vezes no valor do PAB-Variável para o PSF/PACS/Saúde Bucal, representando cerca
da metade do PAB a partir de 2000.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, no período de 1997 a 2004 ampliou-se em
1.700% o número de consultas nas especialidades básicas, tendo os investimentos em apoio
diagnóstico ampliado em 1.418% o quantitativo de exames de análises clinicas. Dentre outros
avanços apresentados, destaca-se a redução das internações hospitalares em crianças e adultos
12,6
82,379,080,2
56,0
36,9
1999 2000 2001 2002 2003 2004
70
(38% e 27%, respectivamente), sendo de 61% a redução nas internações por acidente vascular
cerebral e de 34% por diabetes. Houve queda de 62% na taxa de mortalidade infantil e de
11,8% de partos em adolescentes e aumento nas taxas de detecção de tuberculose (81%) e de
hanseníase (130%), acompanhado de redução de cerca de 80% nas taxas de abandono do
tratamento (documentos 7 e 8).
Quadro 5 – Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) municipal. Cabo de Santo Agostinho, 1998 a 2004.
Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao PSF, PACS e SB20
PAB-Variável outros incentivos21
PAB (total)
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 1.201.558,30 65,20 572.283,35 31,06 68.919,00 3,74 1.842.760,65 100,00
1999 1.475.567,49 50,06 1.102.499,98 37,40 369.422,94 12,53 2.947.490,41 100,00
2000 1.499.640,00 37,92 1.950.713,66 49,33 503.965,02 12,74 3.954.318,68 100,00
2001 1.536.486,00 34,47 2.189.997,90 49,13 731.238,20 16,40 4.457.722,10 100,00
2002 1.560.048,00 34,31 2.371.066,68 52,14 615.982,52 13,55 4.547.097,20 100,00
2003 1.789.521,00 34,35 2.771.792,00 53,20 648.599,16 12,45 5.209.912,16 100,00
2004 1.975.140,00 34,42 3.016.480,00 52,57 746.129,72 13,00 5.737.749,72 100,00
PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
No âmbito da gestão, o PSF compõe a Gerência de Atenção Básica e agrega uma
coordenadora, quatro supervisoras, uma apoiadora em medicina clínica e uma equipe de
educadores (assistente social, psicóloga, educadora física e educador popular) que executam o
Projeto Saúde, Arte e Educação (SARTE), junto às equipes e comunidades (documento 5 e 6).
Este grupo é responsável pelo acompanhamento e monitoramento sistemático das equipes e
por sua articulação com demais instâncias da Secretaria de Saúde, coordenando, juntamente
20 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PACS, adicional PACS, PSF, SB, PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família). 21 Ações Básicas Vigilância Sanitária; Ações Combate Carências Nutricionais; Farmácia Básica; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; TFECD - Adicional; Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase.
71
com a Gerência de Vigilância à Saúde, o fórum de discussão e acompanhamento do Pacto
Municipal de Atenção Básica22 (diário de campo 1).
Ainda entre as atribuições apresentadas para a equipe de coordenação do Programa, podemos
referir a articulação e realização de ações intersetoriais com demais secretarias municipais
para promoção da saúde e o estímulo à participação comunitária através do apoio e
acompanhamento das reuniões das equipes de saúde da família com a comunidade e da
formação dos Conselhos Locais de Saúde (documento 5).
Em relação ao SARTE, observa-se que suas atividades estão dirigidas, principalmente, à
educação permanente das equipes de saúde da família, no que diz respeito à execução de
atividades coletivas, como: diagnóstico dos equipamentos e atores sociais locais, bem como
da relação da equipe com os mesmos; comunicação equipe/comunidade; discussão e
planejamento de grupos, reuniões e mobilizações com a comunidade; trabalho que vem sendo
orientado pela concepção da educação popular em saúde (documento 6 e diário de campo 1).
De acordo com a agenda padrão dos profissionais do PSF, utilizada como base para o
planejamento das atividades em cada localidade, de acordo com o perfil da área, estão
contemplados: 1 reunião mensal com a comunidade; de 2 a 4 turnos semanais por profissional
para visitas programadas (exceto o agente de saúde que realiza visitas diariamente) e cerca de
16 atividades com grupos por equipe/mês (documento 6).
No que diz respeito aos indicadores de produção relacionados a tais atividades em 2004, a
média mensal de visitas por família é 1,1; de visitas registradas pelos médicos e enfermeiros é
25; registradas pelos auxiliares de enfermagem é 22 e pelos agentes comunitários de saúde é
185. A média mensal de atividades educativas com grupos registradas pela equipe de
22 O termo “Municipal” foi adotado pelo fato de incluir, ao leque de indicadores pactuados junto à Secretaria Estadual e Ministério da Saúde, outros indicadores pactuados ao nível municipal.
72
profissionais de nível universitário e médio é de 4,6 e pela equipe de agentes comunitários de
saúde é de 3,9, ou seja, cerca da metade do esperado a partir das agendas de trabalho23.
Como contraponto e indicativos da necessidade de investimentos na implementação do PSF,
vale registrar alguns aspectos relativos às deliberações aprovadas na V Conferência Municipal
de Saúde “Saúde, qualidade de vida, participação democrática, com inclusão social – Desafios
para o fortalecimento do SUS”, realizada em fevereiro de 2003. Ao mesmo tempo em que
apontam a necessidade de ampliação do Programa no município, bem como de algumas ações
desenvolvidas, como o SARTE, também revela a necessidade de maior fiscalização e
melhoria da qualidade da atenção, da integração dentro do sistema municipal, das relações e
condições de trabalho, da comunicação e divulgação de informações e da mobilização da
comunidade:
� Ampliação das equipes de saúde da família e de saúde bucal;
� Estabelecimento de ações intersetoriais para fortalecimento das ações de saúde e melhoria
da qualidade vida (lazer, educação, infra-estrutura urbana, etc.);
� Melhoria da qualidade e resolutividade da assistência;
� Melhoria da humanização do atendimento;
� Melhoria da integração entre os serviços e profissionais de saúde da rede municipal;
� Implantação de Política de Recursos Humanos para desprecarização das relações e
condições de trabalho;
� Elaboração de plano de capacitação para os profissionais (incluindo o SARTE para todas
as equipes de saúde do PSF);
� Maior autonomia do Conselho Municipal de Saúde;
� Ampliação e capacitação dos Conselhos Locais de Saúde (com maior comprometimento
das Secretarias Regionais na sua implantação);
� Fiscalização do PSF; 23 Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. Para cálculo das médias mensais foi dividido o total do procedimento pelo número de equipe e por 11 meses, devido às férias anuais de 30 dias.
73
� Melhoria da divulgação e da informação sobre os serviços de saúde prestados pelo
Município e das ações do Conselho Municipal de Saúde;
� Melhoria do material e método de divulgação de temas de saúde junto à população;
� Adequação das unidades de saúde da família para o desenvolvimento de trabalho com
grupos;
� Melhoria da interação entre lideranças e profissionais do PSF e PACS;
� Mobilização da comunidade para participação mais ativa no novo modelo de atenção, no
que se refere à prevenção de doenças e promoção da saúde, potencializando as ações do
PSF (documento 4).
4.1 .1 .4 .1 .1 .4 .1 .1 .4 .1 .1 .C ontexto e atores locais
A coordenação do PSF é exercida por uma enfermeira com pós-graduação e experiência de
assistência e de supervisão em Saúde da Família. A coordenadora considera como ações
fundamentais para o desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família, sem prejuízo para os
aspectos curativos e de reabilitação, a prevenção de doenças e a promoção da saúde. Na
identificação da equipe de saúde da família para a pesquisa de campo, a mesma considerou as
ações de mobilização e a integração com a comunidade, o trabalho em equipe e seu tempo de
implantação (entrevista 1 e diário de campo 1).
A localidade identificada compreende 1.072 famílias. São 3.940 pessoas cadastradas, sendo
92,9 % usuárias do SUS (sem plano privado de saúde). Das pessoas maiores de 15 anos,
83,6% são alfabetizadas e 83,2% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola. Quanto à
situação de moradia e saneamento, 99,7% dos domicílios são de tijolos, 99,4% tem acesso ao
abastecimento de água pela rede pública, sendo que 22,7% apresentam o despejo de fezes e
urina a céu aberto. Trinta e cinco porcento das famílias não realizam tratamento de água no
74
domicílio, 99,2% têm acesso à coleta pública de lixo e 96,2% à energia elétrica (documento
10).
O perfil de infra-estrutura urbana apresenta-se um pouco melhor do que a média municipal,
com exceção do esgotamento sanitário, apresentando extensas áreas com caneletas a céu
aberto. Chama atenção o dado de 16,8% de crianças de 7 a 14 anos fora da escola, se
compararmos com a informação da Secretaria Municipal de Educação de que todas as
crianças nesta faixa etária estão na escola. Contudo, este fato pode estar associado ao registro
inadequado feito pela equipe ou a problemas no processo de informatização dos dados
(SIAB), o que, em ambos os casos, indica que esta não é uma informação que vem sendo
priorizada pela equipe ou pela gestão, o que compromete a visão ampla da saúde e da
cidadania.
Em 2004, no que diz respeito aos indicadores de produção relacionados às visitas
domiciliares, observa-se que a equipe registrou, em média, 1,06 visitas/família/mês; a médica
registrou 38,6 visitas/mês; a enfermeira 15,3; a auxiliar de enfermagem 15,8 e as agentes
comunitárias de saúde 182. Em relação às atividades com grupos, o registro de reuniões das
agentes de saúde apresentou dados inconsistentes, sendo registrado pelos profissionais de
nível universitário e médio uma média de 3 atividades/mês (documentos 11 e 12). Este perfil
revela que a médica apresenta uma média de visitas acima da municipal, sendo que a
enfermeira e a auxiliar de enfermagem apresentam médias inferiores. Quanto ás atividades
com grupos, o registro encontrado também foi inferior à média municipal.
A equipe atua na área há cerca de 6 anos, sendo oriunda do PACS, implantado há 10 anos. É
composta por médica, enfermeira, auxiliar de enfermagem e 7 agentes comunitárias de saúde,
sendo há cerca de 2 anos incorporada a equipe de saúde bucal, com odontólogo e auxiliar de
consultório e mais recentemente uma auxiliar administrativa. Durante o período de
75
observação, a auxiliar de enfermagem encontrava-se de licença, não configurando, portanto,
entre os atores entrevistados (diário de campo 1).
A médica tem experiência anterior em unidade básica tradicional e iniciou sua atuação no PSF
há 5 anos, nessa equipe. Fez curso introdutório para o Programa, mas considera insuficiente
para compreender a Política de Saúde (entrevista 2). A enfermeira iniciou sua atuação
profissional no PACS, há 7 anos, nessa mesma localidade. Refere ter decidido trabalhar na
saúde pública durante sua formação, influenciada pela reforma sanitária, com a implantação
do SUS e do PSF (entrevista 3).
A agente comunitária de saúde, identificada para a realização da entrevista e
acompanhamento das visitas domiciliares, iniciou sua experiência no PACS há 10 anos e
considera seu trabalho “complexo por lidar com pessoas”. Recentemente foi eleita como
presidente do Conselho Local de Saúde, mas considera que ainda precisa acumular muitos
conhecimentos para desenvolver tal função. A enfermeira (ex-presidente) foi a principal
incentivadora, pois acredita no seu potencial para mobilizar as pessoas e buscar medidas para
qualificar o Conselho (entrevista 4 e diário de campo 1).
A usuária entrevistada é viúva, 77 anos, hipertensa, diabética e gosta de freqüentar e se
colocar durante as atividades coletivas desenvolvidas pela equipe. Está sendo convidada para
ser conselheira e foi a única comunitária que participou da reunião do Conselho Local para
discutir a necessidade de sua reestruturação, que hoje só conta com os representantes do
governo e dos trabalhadores (entrevista 5).
Dentre seus equipamentos sociais, observa-se uma escola municipal de ensino fundamental,
creche, abrigo de idosos, igreja evangélica e associação de moradores, bem como a existência
do Conselho Local de Saúde. Em relação às lideranças e movimentos locais, não se observou
nenhuma articulação mais sistemática, com exceção da creche, que foi reaberta com
76
influência de ações desenvolvidas pela equipe. Também há integração com a Secretaria
Regional, que por sua vez articula no território as ações com as demais Secretarias Municipais
(diário de campo 1).
Quanto ao abrigo de idosos e à associação de moradores, a interação se dá basicamente na
utilização de seus espaços para atividades com grupos. A igreja evangélica nunca foi
procurada para parcerias e, segundo a equipe, a ausência da participação da associação de
moradores é devida ao desinteresse de seu presidente pelo trabalho do PSF, tendo sido
convidado diversas vezes, inclusive para as discussões e composição do Conselho Local de
Saúde (diário de campo 1).
Nas visitas domiciliares observou-se boa integração da comunidade com as profissionais e,
apesar da médica e da enfermeira realizarem visitas direcionadas por problemas trazidos pelas
agentes de saúde, procuram, a partir da compreensão da dinâmica das famílias, orientar suas
intervenções. A agente comunitária de saúde consegue realizar um acompanhamento mais
integral, abordando tanto questões relativas à prevenção de doenças como à promoção da
saúde, como, por exemplo, educação, drogas no ambiente escolar, alimentação, atenção e
cuidado com idosos, sendo marcante a demanda por escuta de problemas de ordem
emocional, bem como o cuidado com que trata dessas questões (diário de campo 1).
A agente de saúde também coordena atividades educativas com a comunidade, como as ações
de promoção nutricional com crianças e mães beneficiadas ou candidatas à Bolsa
Alimentação. As atividades envolvem tanto questões relacionadas à aquisição de alimentos
saudáveis com os recursos que as famílias dispõem, bem como o preparo e aceitação de
alimentos: “elas dizem que os meninos não comem isso, não comem aquilo... e aqui, tanto
eles como elas comem! [...] fazemos o grupo do chuchu, o grupo da batatinha... e aí
preparamos junto a sopa e todos gostam”. Apesar da desenvoltura das agentes, a que foi
77
selecionada para a entrevista verbaliza que é preciso todas assumirem essas atividades, pois
sempre fica ao seu encargo planejar e organizar sua execução (diário de campo 1).
De fato, notou-se diferença na qualidade das visitas realizadas por outra agente de saúde, que
atua há cerca de 1 ano no Programa, direcionadas para procedimentos específicos, como
tomada de medicação, marcação de consultas, pesagem de crianças, sem abordar a família, ou
mesmo o indivíduo, de forma mais integral (diário de campo 1).
A médica e a enfermeira também desenvolvem atividades coletivas e educativas, sempre
estimulando a discussão a respeito de questões relacionadas à prevenção e à promoção, pois
muitos participantes tendem a direcionar a fala para consultas individuais ou centrarem em
aspectos curativos. Também utilizam o lúdico como estratégia facilitadora, para descontração
e maior envolvimento, bem como para demonstrar que é possível e prazeroso brincar e rir
juntos, estimulando o lazer (diário de campo 1).
Durante atividade com um grupo de mulheres, a maioria idosas, foi interessante observar a
preocupação da médica em refletir sobre a importância de enfrentar algumas dificuldades por
elas colocadas, para melhoria da sua qualidade de vida. No caso da insatisfação de algumas
em não saber ler, discute a possibilidade de freqüentarem o curso de alfabetização para
adultos, oferecido nas escolas municipais (diário de campo 1).
Também vale ressaltar a fala da enfermeira, durante atividade de educação continuada para as
agentes de saúde, a respeito de mulheres da comunidade, com condições financeiras e
familiares precárias que não utilizam métodos contraceptivos disponíveis. Diante da
colocação de algumas agentes de se tratar de “desleixo” ou irresponsabilidade, pondera a
respeito do direito reprodutivo, que deve ser de todos, independente da classe social, e da
necessidade de estimular as pessoas a refletirem sobre suas condições, desejos e projetos de
vida, no lugar de culpá-las (diário de campo 1).
78
Apesar da preocupação explicitada pela equipe de saúde a respeito da qualidade da
comunicação e de seu desprendimento no preparo das atividades com a comunidade,
observou-se durante a realização de reunião para discutir modelo de atenção e prioridades do
PSF, que as agentes comunitárias utilizam muitos termos técnicos e até abreviações, bem
como produzem cartazes com textos longos e imagens pequenas, que não são exploradas nas
falas (diário de campo 1).
A melhoria da comunicação estava sendo trabalhada com o apoio do SARTE, discutindo-se
os motivos e as angustias trazidas pela equipe em relação à dificuldade de se fazer entender e
de facilitar a compreensão acerca do modelo de atenção proposto pelo PSF. No processo de
reflexão e descobertas, a técnica do SARTE pontua que tanto a comunidade como a equipe
estão enfrentando um processo de mudanças (diário de campo 1).
4 .1 .2 .4 .1 .2 .4 .1 .2 .4 .1 .2 . O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família:
concepções e práticas
Neste item são apresentadas as idéias expressas nas falas da coordenadora e das profissionais
da equipe de saúde da família, a partir da análise das entrevistas e do diário de campo,
relacionadas ao entendimento das diretrizes políticas e operacionais do PSF e à tradução, em
modos de operar, do conteúdo de sua proposta emancipadora. Do mesmo modo, são expostas
as idéias que revelam a percepção e a relação da usuária com este novo modelo de atenção à
saúde.
São descritos os aspectos que destacaram em relação às características da gestão municipal do
PSF e do modelo de atenção à saúde proposto pelo Programa; ao enfrentamento dos
problemas de saúde pela comunidade atendida; à comunicação e integração entre equipe de
saúde da família e comunidade; ao controle social e relação entre PSF e cidadania. Por fim,
79
são apresentadas as questões que pontuaram enquanto dificuldades e desafios do modelo
proposto, bem como as sugestões para melhoria de sua implementação.
Características da gestão municipal do Programa Saúde da Família
A coordenadora refere que a gestão municipal tem investido no acompanhamento das equipes
de saúde da família, tanto no monitoramento, como na sensibilização e apoio aos
profissionais. Afirma que esse trabalho de aproximação do nível central com as equipes e
comunidades tem tido um impacto muito forte, pois ao mesmo tempo em que os profissionais
conseguem reconhecer os avanços e as limitações, se sentem estimulados e com segurança a
desenvolverem as ações preconizadas (entrevista 1).
Por sua vez, a médica e a enfermeira pontuam que a gestão investe na capacitação dos
profissionais e no acompanhamento sistemático das equipes, com discussões acerca dos
processos e agendas de trabalho e da avaliação dos indicadores de saúde, bem como com
reuniões colegiadas, espaços onde se trocam informações e experiências, o que estimula a
busca por soluções de problemas comuns (entrevistas 2 e 3).
Estas profissionais consideram que o município vem trabalhando o crescimento e a
qualificação do PSF, tanto das atividades individuais como das coletivas, o que acham
positivo, pois revela a importância dada à participação da comunidade no Programa.
Ressaltam que as equipes são apoiadas na construção da relação com a comunidade, através
da supervisão e do SARTE, o que tem ajudado as reuniões e os grupos, bem como as próprias
consultas, pois muitos profissionais não sabem como atuar, desenvolver projetos ou mesmo se
comunicar com a comunidade (entrevistas 2 e 3).
[...] nem todo mundo nasceu pra fazer grupo [...] atuar junto à comunidade,
pra você passar as informações de uma forma mais entendível [...] de repente
eu me vejo com muita dificuldade quando abro um livro de medicina,
procurando um tema pra passar pra eles [...] de repente esse facilitador [...]
80
ele minimiza esse problema [...] nessa parte ele tem chegado, me facilitado o
chegar junto a comunidade, tanto na reunião, até na consulta mesmo
(entrevista 2).
A enfermeira menciona a importância da instituição da supervisão, que no município vem
desenvolvendo um acompanhamento sistemático das equipes, fazendo a ponte com a
Secretaria de Saúde, pois o retorno de questões da rotina através de seu núcleo gestor ficaria
comprometido. Além desse aspecto, ressalta sua importância na melhoria da qualidade da
atenção, pois estimula a reflexão acerca do trabalho em equipe, da prática adotada e dos
resultados alcançados:
[...] porque às vezes eu acho que a gente está muito centrado no trabalho do
dia-a-dia, que não para pra refletir [...]. Trabalhando, eu sei que eu estou,
mas “Para onde é que eu vou?”. Então, essa parte da supervisão vir, discutir
com a gente, parar... “O que é que eu estou fazendo?”, “Será que realmente
vai ter um fruto ou eu estou trabalhando só pra dar conta de uma demanda?”
(entrevista 3).
Contudo, refere-se ao distanciamento do núcleo gestor do cotidiano das equipes, à medida que
o Programa vem crescendo, como um ponto negativo, pois provoca um clima de insegurança
entre os profissionais, que não sabem se realmente é conhecida a realidade que vivenciam no
dia-a-dia do serviço (entrevista 3). Também aponta como dificuldades, juntamente com a
médica, as falhas no abastecimento de insumos e a rotatividade de profissionais, que
terminam por comprometer o vínculo que vem sendo construído com a comunidade
(entrevistas 2 e 3).
Aspectos relevantes do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da Família
Para a coordenadora, o PSF impulsiona as ações de promoção e de educação em saúde, que
praticamente inexistiam, bem como o planejamento, monitoramento e avaliação das ações de
saúde. Considera que a delimitação da clientela e a proximidade e vínculo com a comunidade
vem permitindo e favorecendo o olhar para além da doença, a percepção da realidade de vida
81
dos indivíduos e de seu sentimento de cidadania, ao mesmo tempo em que vêm possibilitando
aos profissionais planejar suas intervenções e trabalhar a mobilização social e a cidadania:
[...] levar informações, estimular as pessoas exercerem a sua cidadania. Eu
acho que essa questão da mobilização social, que é uma das características
da Estratégia Saúde da Família, eu acho que é fundamental, na hora que você
tem uma população adscrita – porque nenhum outro modelo ia conseguir
fazer isso, se você não tem um vínculo, se você não consegue dar
seguimento às suas ações. [...] o papel da equipe do Saúde da Família é
muito mais do que dar aquele estalo” (entrevista 1).
Também é referido pela coordenadora que a comunidade que dispõe de uma equipe de saúde
que trabalhe a mobilização e a cidadania, vai ser muito mais orientada. No entanto, acredita
que mesmo as equipes cujos profissionais não possuem um perfil adequado, beneficiam de
certa forma a comunidade, atendendo a algumas de suas necessidades nunca antes
trabalhadas: “[...] principalmente o ouvir, o respeitar, o conhecer pelo nome – que parece ser
tão simples, mas que é tão importante... Se sentir gente mesmo! (entrevista 1)”.
A médica e a enfermeira mencionam pontos semelhantes em relação à prática de saúde,
destacando que o PSF trouxe para os profissionais de saúde a possibilidade de conhecer os
determinantes sociais do processo saúde-doença e desenvolver uma abordagem intersetorial,
envolvendo, por exemplo, saneamento, lixo e encostas. Também pontuam o vínculo entre
profissionais e comunidade, que permite o conhecimento do contexto e da história das
pessoas, a priorização dos problemas a partir de suas necessidades e o estabelecimento de uma
relação de confiança (entrevistas 2 e 3):
[...] porque de repente você começa a chamar o seu paciente de fulano de tal!
[...] começa a conhecê-lo profundamente, assim... na sua totalidade, assim...
familiar, como pessoa [...] como vinculado a outras pessoas da casa [...] você
começa a conhecer a família profundamente [...] é uma porta que se abre
para ele [...] sabe que vai ser bem recebido, ele sabe que ele vai ser
priorizado, quando houver necessidade realmente dele procurar o serviço [...]
uma maior facilidade ao acesso, tanto à unidade de saúde da família, como
aos [outros] serviços (entrevista 2).
82
Em relação ao vínculo, a médica e a enfermeira ressaltam que permite a realização de ações
voltadas para a descoberta e incentivo dos potenciais dos sujeitos da comunidade e de sua
autovalorização:
Esse ano eu disse: “não!... vamos fazer uma coisa diferente”. [...] fez sorteio
para fazer escova [...] unhas. [...] a gente fazia palestras de câncer de mama,
câncer de colo de útero e... pegou fez diferente. [...] veio um pessoal daqui
do bairro mesmo, que sabia fazer limpeza de pele, apresentou seus produtos
[...] mostrou qual era o seu trabalho [...] da própria comunidade. [...] e a
Feira de Talentos [...] que mexeu com eles. Trouxe os talentos do próprio
bairro, quem sabia bordar... Então a gente olhou as mulheres. [...] fez umas
brincadeirinhas pra elas pagarem prendas. Elas acharam o máximo [..] eu
acho que mexeu com elas. [...] deixou de pensar só na doença e mexeu com
essa parte dela do se cuidar, que a gente... a gente só se preocupa com a
mulher, de fazer a prevenção [...] ver se a pressão está boa. [...] e a gente
mudou, fez um encontro diferente pra ela se cuidar, olhar pro espelho e
poder se ver no espelho. [....] de início, a idéia [da feira de talentos] era
trabalhar com os adolescentes [...] a gente viu outras pessoas muito felizes
também, podendo mostrar aquilo que eles sabiam fazer. [...] a gente [...] tão
preocupada com a Área de Saúde, que a gente não tem jeito! Olha pra
pessoa, primeiro vê se o geral dela está... [se o corpo está bem], pra poder
ver o “dentro” dela (entrevista 3).
[...] a feira de talentos foi pra trazer o jovem [...] fazer com que ele olhasse
pra dentro de si e procurasse alguma outra coisa, um brilho [...] mostrar pra
ele, que ele tem o seu valor, tirá-los da ociosidade [...] mostrar outros
caminhos [...] esse é outro espaço [...] que a gente trabalha [...] tanto na
escola, como o jovem, assim, de uma forma em geral (entrevista 2).
A proximidade com a comunidade também é tida para a enfermeira como um facilitador da
comunicação, devido ao conhecimento que se tem da história de vida e familiar das pessoas:
Aqui, a gente quando olha o prontuário dele [...] você já tem uma historinha.
[...] você sabe mais ou menos como é a vida dele. E você visita. Então [...]
é... como se a gente não tivesse um padrão pra dar informação. Acho que
numa assistência lá [em uma unidade tradicional], você tem um padrão de
dar uma informação. Quando você chega aqui, você não tem um padrão. Pra
cada paciente que você está atendendo, você tem uma comunicação
diferente. [...] então, essa é a diferença, de eu saber a situação que aquela
pessoa vive em casa e não... não só socialmente, não só financeiramente, às
vezes até a parte da convivência, lá da família (entrevista 3).
83
A equipe24 pontua que o PSF conseguiu incentivar as pessoas a cuidarem mais da saúde, pois
“[...] depois que a gente começou a trabalhar no Programa [...] começou a conversar com as
pessoas [...] começou a ver a mudança delas, porque eram pessoas que [...] não é que não
tinham nem condições... mas não tinham interesse [...] (entrevista 3)”. Ao mesmo tempo,
refere que a unidade tradicional não dava conta das ações básicas e não era referência nem
para o PACS, nem para a população de seu entorno, que esperava agravar um quadro de saúde
para ir a uma emergência (entrevistas 2, 3 e 4).
[...] mesmo tendo uma unidade de saúde, ela era muito falha [...]. As crianças
só vinham fazer vacina na campanha [...] a porta do Posto fechava com um
monte de gente, tudo angustiada e a gente dizendo: “Venham amanhã,
durante a semana, que a gente faz”. Só que não era uma garantia, porque...
aqui não funcionava. [...] e na campanha quem trabalhava eram justamente
as duas auxiliares que trabalhavam de segunda à sexta feira [...] (entrevsita
3).
Para a agente de saúde o PSF foi essencial na sua formação e autoestima enquanto
profissional, pois foi delineando seu papel de:
[...] mobilizar a comunidade, acompanhar os doentes, orientar as famílias
[...] proteger a saúde [...] perceber o ambiente [...] saber de cada pessoa,
aquele problema, que chegue na casa e vá se preocupar desde o cachorro até
outra coisa qualquer. [ Desse modo, as pessoas] passaram a valorizar o
agente de saúde, porque eles sabiam que estávamos capacitados pra entrar na
sua casa, dividindo com ele tudo que lhes afeta, seja um problema de
doença, afetivo ou outro (entrevista 4).
Também destaca que o PSF aproximou o serviço das pessoas, que passou a vê-las não apenas
como doentes, mas como cidadãos, na perspectiva de promover a saúde:
[...] não se preocupa só com quem vai medicar ou [...] fazer exame, a gente
se preocupa também com o lado psicológico de todo mundo, até porque a
gente cria uma certa afinidade. [...] esse lado humano de tratar as pessoas, de
estar querendo sempre resgatar essa cidadania, de estar olhando a pessoa
24 Quando as falas da médica, da enfermeira e da agente comunitária de saúde apresentaram as mesmas idéias centrais, estas foram referidas no texto como da equipe de saúde da família, mesmo as entrevistas tendo sido realizadas individualmente, pois revelam concepções que dão identidade a equipe.
84
como uma ‘pessoa’ e não como uma doença. [...] de trazer uma qualidade de
vida, de trazer um certo alento [...] (entrevista 4).”
A agente de saúde ainda ressalta como avanços: o trabalho em equipe, o acompanhamento
das pessoas, a melhoria da qualidade da assistência e o acesso da comunidade à informação
sobre saúde. Afirma que a Gestão Municipal vem tendo a preocupação em responsabilizar-se
pela qualidade do acompanhamento e do cuidado com as famílias e que, mesmo a situação
não sendo perfeita, houve muitos avanços e a população foi bastante beneficiada (entrevista
4).
A usuária reforça a colocação da equipe quanto ao falta de identificação e de interesse da
comunidade pela unidade de saúde quando funcionava com o modelo tradicional. Afirma que
anteriormente ao PSF nunca havia ido ao Posto de Saúde da comunidade, que fica perto de
sua casa:
Porque antes, naquele Posto eu nunca fui [apesar de ser muito perto de sua
casa]. Mas eu não achava que aquele Posto era um posto! Está entendendo?
[...] Tudo meu era na Mista [hospital] ou na Cohab [policlínica]. Aí quando
chegou, pronto. Aí foi outra coisa. Vinha logo nas portas, puxando a gente
tudinho pra lá... Eu sou vou pra Cohab ou pra Mista quando a doutora
manda. Agora eu não preciso ir lá. Faz tempo que... Deixei de ir (entrevista
5).
Também pontua a melhoria da qualidade na relação com os profissionais de saúde,
principalmente o médico:
Porque naquele tempo, a gente ia pro médico, tudo bem, a gente falava no
médico. [...] eu ficava até nervosa [...] me dava vontade até de chorar [...]. E
agora, pra mim, o médico é um amigo meu. [...] já passei por muitas
doenças, muitos médicos, muitos hospitais, por tudo. [...] pra mim, o Posto
hoje é uma coisa que... Deus o livre, Meu Deus, que nunca venha a fechar
esse Posto (entrevista 5).
85
Considera que o ‘posto’ hoje é uma referência e deseja que nunca venha a fechar, pois o
identifica como sendo da comunidade e que atende bem às pessoas, que devem “[...] procurar
o lugar da gente. [...] Porque no lugar da gente, a gente tem mais fôlego (entrevista 5)”.
O enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo Programa
Saúde da Família
A coordenação e a equipe de saúde referem que a comunidade começa a perceber que cada
pessoa tem responsabilidade com sua saúde e não apenas o governo ou o profissional, bem
como a reconhecer seus direitos enquanto cidadãos e, por exemplo, não mais encarar a morte
de um filho por asfixia ou diarréia como uma coisa “natural”. Estão mais ativas no cuidado
cotidiano com a saúde, demonstrando maior interesse “de nos chamar para falar ou ver algo”,
de realizar uma consulta ou pegar uma medicação, bem como aceitando melhor o trabalho
educativo: “hoje as mães que não saem com uma receita, aceitam as orientações!” (entrevistas
1, 2, 3 e 4)
A agente de saúde relaciona esta mudança ao fato de passarem a ter acesso a informações e
serviços de saúde de qualidade, pois antes não havia conhecimento sobre cuidados básicos e
direitos relacionados à saúde e quando se conseguia atendimento, era de má qualidade
(entrevistas 4).
Com relação à co-responsabilização no cuidado com a saúde, a agente pontua que passaram
um bom tempo marcando consultas e levando medicação, “era aquela coisa, as pessoas
estavam se acomodando demais... demais” e não queriam enfrentar nenhum obstáculo para se
cuidar. Assim, a equipe passou a restringir essas atividades para as pessoas que realmente têm
dificuldade de acesso e a colocar seus limites, pois há as que ainda depositam toda a
responsabilidade nos profissionais (entrevista 4)”.
86
Tem um [idoso] que todo dia aqui de manhã, vem tomar o remédio. A
pressão dele nunca mais descontrolou. [...] a equipe sentou, reuniu, falou
com a família, mas não teve jeito. Então se teve a idéia [...] ele realmente
vem, quer dizer, ele estava preocupado com a saúde dele, só que ele não
tinha aquela pessoa que chegasse juntinho. [...] a gente tenta realmente [...]
tirar essa dependência, mas não é fácil. [...] porque eles se agarram... Eu não
sei se é o social deles, que eles estão assim... desacostumados com as
pessoas cuidando deles, que quando ele encontra alguém que se preocupa
com a saúde deles, aí eles vão e... é um apoio, não sei se é essa a visão que
eles têm (entrevista 3).
A enfermeira também refere que a equipe está trabalhando para diminuir essa dependência,
oferecendo o serviço, mas também cobrando a participação dos indivíduos como pegar a
medicação na data correta ou freqüentar atividades de educação em saúde. Também realiza
reuniões para discutir a questão junto às famílias e cria mecanismos que possam facilitar as
orientações, como, por exemplo, cartazes instrutivos para tomada correta da medicação
(entrevista, 3).
A usuária coloca que anteriormente ao PSF as pessoas só procuravam o médico “[...] era
porque já estava quase morto e hoje ninguém pode sentir mais uma dorzinha no dedo que já
chega lá onde está a doutora, e a doutora já vai atender. Às vezes é coisa que nem precisa, faz
um chazinho e fica bom. Mas não, corre pro médico!”. Assim, retrata bem a situação
apresentada pelas profissionais: ao mesmo tempo em que há um melhor acesso aos serviços e
uma maior preocupação com o cuidar da saúde, há também uma transferência da
responsabilidade do cuidado para a equipe de saúde da família (entrevista 5).
Quanto ao acesso a informação e a forma como as pessoas estão encarando as questões de
saúde, a usuária refere que:
Mudou, porque... quer dizer, a gente vivendo com quem sabe é outra coisa”.
É mesmo que estar estudando. Porque se eu estou conversando com você
[...] eu estou aprendendo. Mesmo assim é com a doutora e com o Posto. [...]
Na minha casa, tudo mudou [...]. Eu sou outra coisa, que já estou com 77
anos e sou uma velha. [...] minha família é outra coisa. [...] pode vir outro
87
tempo melhor, viu, mas eu não tenho o que dizer de hoje não. Eu aprendi no
Posto e fico ligada aqui, ó [na tv]! Quando vejo passando lá, vejo passando
aqui... eu digo: ‘eu já vi isso no Posto já’. [...] eu sabia lá o que era saúde
nem nada! Nem eu me interessava quando tinha saúde... (entrevista 5).
Comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade
A coordenadora pontua que a proposta do PSF tem como base a troca de informações entre
os diferentes atores, imprimindo uma visão de que o usuário e os profissionais não são
indivíduos tão distantes. Entretanto, essa comunicação com a comunidade ainda não está
suficiente para intervir no processo saúde-doença e a intervenção das equipes ainda se dá de
forma muito individual, refletindo a visão que os profissionais têm, que no lugar da família,
enxergam apenas seus membro:
[...] essa comunicação entre... a comunidade, ao meu ver ela ainda é
individual. Embora hoje, se formos avaliar até pelos próprios indicadores
que temos, [...] eles também estão sendo voltados ao individual. Individual,
quando eu coloco é: como é que é esse relacionamento com a família? [...]
embora seja cadastrada aquela família, naquela rua, a visão é muito
individualista; em vez de ‘família’, é de ‘a criança que tem lá’, ‘a gestante
que tem lá’, ‘o idoso que tem lá’ [...] visão individual – que eu considero
extremamente importante, [...] mas essa visão mesmo ‘dessa família’, o que
é essa família, o que é que esse contexto familiar vai representar nisso
(entrevista 1).
Expõe que a relação com alguns desses grupos (crianças, gestantes, idososo) se dá de maneira
mais aprofundada, enquanto que há outros que o PSF ainda não conseguiu se aproximar,
como os alcoolistas. Desse modo, como também colocado pela agente de saúde, não são
todos da comunidade que entendem o trabalho da equipe e a comunicação se dá melhor com
os que freqüentam mais o serviço (entrevista 1).
A coordenadora refere ainda que há equipes que conseguem ter um olhar diferenciado e
tentam ampliar as ações, envolvendo, por exemplo, os homens. Contudo, também pontua ser
88
necessário que a aproximação também se dê no coletivo da comunidade e entre seus
membros:
Que não é só uma aproximação de uma consulta, dentro de um consultório,
de uma visita, mas uma aproximação mais coletiva, onde todos vão poder
contribuir; não só a equipe, mas também tem a contribuição daquele vizinho,
que sempre também via de uma forma diferente aquele outro, e que também
pode contribuir [...] (entrevista 1)
A equipe coloca que as agentes comunitárias são a principal ponte com a comunidade, pois
estão diariamente nas casas, mas que os canais de comunicação se dão desde o atendimento
no consultório, pois existe a liberdade de conversar com o profissional para “além das queixas
físicas”, até o próprio contato com as pessoas na rua e acontece de forma mais coletiva nas
atividades com grupos, nas reuniões e no Conselho Local de Saúde (entrevistas 2, 3 e4).
As profissionais da equipe também ressaltam que estes espaços coletivos são pontos de
partida para se organizar e discutir os problemas, onde se incentiva o olhar crítico, a reflexão
e a fala. Por terem esta importância, têm procurado algumas estratégias para aumentar o
interesse da comunidade em participar, como reduzir a duração das reuniões para que não
fiquem cansativas (entrevistas 2, 3 e4).
A agente de saúde pontua que a equipe tem procurado abordar durantes suas atividades a
organização da rede de saúde e seus níveis de atenção, bem como aumentar a participação da
comunidade em seu processo de trabalho, facilitando um melhor conhecimento do PSF,
inclusive de suas limitações, e a contribuição na superação das dificuldades, pois percebem
que parte das insatisfações é devida ao não entendimento do Programa e do papel dos
profissionais (entrevista 4).
Menciona ainda que a resolução de problemas relacionados ao atendimento à comunidade
depende, em grande parte, do acolhimento feito pela equipe, pois muitas vezes o que tem
maior importância é o esclarecimento da situação, pois as pessoas se sentem respeitadas:
89
Naquele momento... se não tem... Ave Maria! [...] diz que a gente não fez
nada, “o Posto não presta, o Posto não tem nada”. Aí a gente volta
novamente. Vamos ver o que foi que aconteceu [...]. A gente começou a
perceber que esse “não fazer nada” para as pessoas era a falta de
entendimento do que é nossa função.[...] a gente passou sempre a querer
esclarecer [...] do PSF, urgência, emergência, o que é o serviço de saúde, o
que é do enfermeiro, o que é do médico [...] sempre dizendo que eles têm
essa abertura pra falar, [...] mudar, [...] participar [...] como a pessoa está de
fora, é muito fácil dizer o que faria e acontecia. [...] a gente trouxe algumas
pessoas para fazerem parte desse processo e realmente elas viram [...] a
gente fazia uma coisa, aí mudava, “não é assim”, aí mudava, “não é assim”,
aí mudava [...] então percebeu que realmente não dava pra agradar todo
mundo e que a gente estava tentando. Mas tinha que vir alguém de lá pra ver
isso aqui dentro (entrevista 4).
Entretanto, na fala da médica ainda aparece com contradição a concepção de que as
dificuldades em relação à compreensão do Programa e à aceitação das ações de prevenção e
de promoção por parte da comunidade, se dão por conta de suas limitações de entendimento
(entrevista 2). Estas dificuldade já são focadas pela enfermeira e pela agente de saúde, e em
alguns momentos pela própria médica, como conseqüência da cultura do modelo hegemônico
centrado no médico, na cura e no hospital (entrevistas 2, 3 e4).
Contudo, a médica pontua que para o enfrentamento da situação é importante trabalhar a
comunicação, utilizando, por exemplo, o teatro de rua, pois considera que através do lúdico a
informação é transmitida com maior facilidade. Refere que a equipe já encenou algumas
peças e tiveram um impacto muito bom, pois a população verbalizou “como é bom entender
como as coisas se dão (entrevista 2)”.
A usuária revela que se sente a vontade para falar com os profissionais da equipe, não tendo
mais o nervosismo e medo que tinha antes para falar com um médico. Refere não saber se há
um caminho certo para falar, mas que, independente disto, nas reuniões coloca o que está
bom, o que está ruim e como acha que deveria ser:
90
Olha menina, vou te ser bem franca, visse... Caminho eu não sei se tem.
Agora, quando eu quero falar, eu falo. Quando tá faltando, quando tá alguma
coisa, eu digo mesmo na reunião: “não podia ser assim”, “não dava pra ser
assim, não?” (entrevista 5).
O controle social no Programa Saúde da Família
Para a agente de saúde, as pessoas “hoje elas têm mais consciência daquilo que é oferecido e
quando falta, elas têm é que reclamar e estão reclamando porque sabem que tinha (entervista
4)”. A coordenadora acredita que se um gestor resolver acabar com o PSF, terá uma pressão
contrária da comunidade, que está mais crítica em relação ao serviço de saúde, pois já tem, de
alguma forma, um canal para verbalizar, o que não havia anteriormente. Mesmo acreditando
que o PSF é um ótimo caminho para o controle social, expõe sua preocupação com sua
sustentabilidade:
Estamos no processo inicial de construção mesmo. [...] Isso está me
preocupando muito [...] eu posso dizer até angustiada com isso, com a
sustentabilidade disso. Quando você coloca do controle social, é... eu sinto
que o caminho é esse. Mas que... eu considero que ainda estamos um pouco
distante disso [...]. Mas assim, existem alguns desafios, algumas etapas que a
gente precisa resolver [...]. Eu acredito que estamos... eu sou muito positiva,
eu tenho certeza que estamos no caminho certo [..] (entrevista 1).
Assim, expõe que o controle social ainda é incipiente e se dará lentamente, pois as
transformações efetivas nos serviços de saúde são muito recentes e apenas a Estratégia Saúde
da Família não será suficiente para modificá-lo. Considera que esse é um dos desafios para a
sustentação da proposta e que uma das etapas que precisam ser superadas “[...] é a
identificação e adaptação do profissional à Estratégia”:
[...] me incomoda um pouco, sempre as pessoas colocarem como
justificativa a formação, eu considero que tem uma importância muito forte,
mas tem outro fator que pra mim é extremamente importante, que é se
identificar com esse tipo de trabalho. [...] hoje você está dentro de uma
equipe do Saúde da Família, você até sabe suas atribuições, mas você ainda
não percebeu o desafio do objetivo que você tem ali. [...] É óbvio que estou
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generalizando, existem outras situações diferentes, de que já... a visão já está
muito mais ampla [...]. Quando eu coloco essa questão do profissional, é que
eu entendo que ele é quem vai poder estimular essa comunidade... E na hora
que esse profissional, ele não se identifica com aquilo, o processo é muito
mais lento, até que aquela comunidade [...] consiga exercer esse controle
social (entrevista 1).
A equipe, por sua vez, coloca que têm estimulado a comunidade a participar do trabalho
desenvolvido, avaliando e sugerindo reajustes para sua melhoraria (entrevistas 2, 3 e 4).
É tudo o que a gente quer, que as pessoas usem essa abertura, que usem
esses direitos adquiridos por eles, que realmente venham falar, mas não pra
seu vizinho, para a equipe, que atua aqui como Saúde, que a gente que vai,
realmente, fazer o reajuste, ver o que é que dá pra mudar, o que dá pra
melhorar realmente (entrevista 4).
Para a médica, a comunidade de alguma forma tem se colocado durante as reuniões, o que é
um avanço “[...] essa postura da comunidade [...] ela busca, ela vem resolver, ela vem discutir
[...] mesmo que ela venha pedir a ambulância, mais ela chega [...] nem que seja para ouvir a
explicação [...] (entrevsita 2)”. Entretanto, a participação ainda é pequena, o que frustra a
equipe, bem como a dificuldade de compreensão da comunidade acerca do controle social
(entrevistas 2, 3 e 4 e diário de campo1).
A enfermeira credita essa dificuldade ao fato de não compreenderem o Programa:
[...] então, na parte do Conselho Local de Saúde eu vejo uma dificuldade
muito grande [...] acham que participar do Conselho de Saúde é fiscalizar o
Posto [...] se resumisse só nisso. Isso também faz parte [...] mas essa parte do
participar eu acho que tem falhas [...] acho que o Programa foi jogado [...]
eles tinham um tipo de assistência e de uma hora pra outra mudou e a cabeça
deles ficou com aquele outro lado ainda: a parte de hospital, a parte da
medicina realmente curativa. Então essa parte de Controle Social fica difícil
[...] a gente não via esse outro lado de estar cobrando, de ver assim: “Por quê
são tantas consultas?”, “Por quê são tantos exames de prevenção?”, “O que
foi que aconteceu?”. Quer dizer... essa parte deles realmente participarem
[...] até do próprio interesse de estar sabendo o que foi feito no Posto o ano
todinho. Eu sei que eu vejo a médica chegar, a enfermeira, de 8 horas já está
aqui, ás 5 horas vão embora, mas o que foi que eles fizeram? Então eu acho
que essa participação deveria, assim, existir da parte deles (entrevista 3).
92
Desse modo, sente que a equipe tem mais preocupação de mostrar o que fez, do que a
comunidade em tomar conhecimento e debater ou indagar sobre o PSF. Quanto a isso faz a
seguinte reflexão:
Eu acho que é a miséria, tira um pouco, eu acho, que a esperança das
pessoas... de ver aquela mesmice. Às vezes... A própria vida que elas
tiveram, política. Vivem abaixo da politicagem, atrás de um... de um pão.
Atrás de uma cesta básica [...] as pessoas se acomodaram com esse nível e a
gente está tendo uma mudança e eles não estão percebendo essa mudança
todinha. Continuam do mesmo jeitinho [...] Eu acho que eles ficaram meio
perdidos. Devido ao... como eles foram englobados na sociedade. Eles foram
tão esquecidos, tão machucados, foi...tão pisados, que [...] assim, deixa eles
pararem de viver. Se tiver comida está bom, se não tiver... também está bom.
Se os meninos estiverem em casa, maravilha, mas se tiver na rua também
não tem problema não. Então, se estão na escola, ótimo. Mas também, se não
tão na escola, não tem... Então, essa falta de perspectiva, sabe? Eu mesmo eu
fico assim, às vezes eu digo, “eu acho que a miséria tirou um pouco isso das
pessoas, a esperança” (entrevista 3).
Em relação ao Conselho Local de Saúde, a equipe refere estar havendo dificuldades em
preencher as vagas destinadas aos usuários, bem como em conseguir uma participação mais
ampliada, pois apenas um grupo se interessa. Considera que o Conselho ainda não entende
seu papel e que focaliza sua atuação fiscalizadora, sem conseguir realmente avaliar e ser
propositivo (entrevistas 2, 3 e 4 e diário de campo 1).
As profissionais apontam que é preciso maior envolvimento do Conselho Municipal de Saúde,
no sentido de expor para a comunidade o que é o Conselho Local, para que possa discutir e
enfrentar os problemas de saúde. A agente de saúde ainda pontua que é preciso capacitar os
conselheiros, para que possam entender seu papel e seu valor para a comunidade, pois “se eu
não sei o que eu estou fazendo ali, por que eu vou querer estar ali?! Né?!” (entrevistas 2, 3 e 4
e diário de campo 1).
A usuária reforça a fala da equipe de saúde ao referir que se coloca nas reuniões, quando quer
reclamar ou fazer sugestões, mas também coloca que “tem gente que fala, mas você sabe, tem
93
gente que, quando chega num lugar, não tem boca pra falar. [...] Só fala por detrás (entrevista
5)” e acha melhor se acomodar com os problemas do que tentar mudar. Entretanto, ao mesmo
tempo em que:
Acho esse Posto daí bem controlado. [...] quando a gente fala, sempre eles
prestam atenção ao que a gente está falando, pra ver se eles conseguem fazer
de outro jeito, que a gente quer. [...] explica o que está acontecendo, o que é
que está faltando, o que é que estão pensando em fazer... [refere que] “já
tentei falar pra mudar muitas coisas, nada acontece” (entrevista 5).
Acredita que se a comunidade se unisse e fosse procurar os gestores, conseguiria alguma
solução para os problemas, como por exemplo, para o horário da coleta de sangue:
Eu acho que dava pra todo mundo que precisa, ir atrás dos maiores pra
mudar esse horário. [...] os chefes da Saúde, os administradores da Saúde.
[...] É porque tem gente que está ‘morrendo com o peso’ e está achando
‘maneiro’. [...] E você sabe que uma andorinha só não faz verão. Se eu for
só, só eu falar, aí vai todo mundo fazer o que? Quando não der uma vaia –
que não é um comício, mas vai ficar falando: ‘aquela fulana só quer ser’. [...]
Eu vejo muito isso. [...] se fosse uma maioria – porque uma minoria você
sabe que é o mais fraco, não é? – que fosse lá e fosse pedir pra ter uma
solução nesse problema, eu acho que tinha (entrevista 5).
Quanto ao Conselho Local de Saúde, sabe que existe e que já se falou dele em reunião com a
comunidade, entretanto, não deu atenção ao assunto e não sabe como funciona, nem para que
serve.
O Programa Saúde da Família e a cidadania
A coordenadora considera que a vinculação da clientela e a responsabilização sanitária
imprimem um papel fundamental à Estratégia Saúde da Família: possibilitar à equipe de
profissionais, a partir de um olhar diferenciado sobre os problemas de saúde, desenvolver um
leque diversificado de ações e atividades com a comunidade, voltadas para a cidadania e para
os direitos e deveres dos cidadãos, incluindo sua co-responsabilidade com a saúde (entrevista
1).
94
Entende que o tema da mobilização social precisa ser trabalhado junto às equipes, seja através
de momentos de discussão com os profissionais, abordando como têm percebido o movimento
da comunidade e como têm trabalhado a questão da cidadania, seja na garantia e
monitoramento de espaço para atividades coletivas em suas agendas de trabalho:
[...] dentro da própria agenda do profissional, proporcionar um espaço que,
aqui no município, a gente dá o nome de reunião com comunidade [...].
Então toda equipe, ela tem garantido nessa agenda [...] a gente considera
importante e a gente monitora e faz com que realmente funcione. A gente
acredita que essa questão da mobilização da comunidade, ela tanto pode ser
feita estimulando numa consulta, num atendimento domiciliar, mas, mais
ainda, num momento mais coletivo, num momento onde a comunidade está
participando. Que aí também a gente entende que esse espaço que hoje é
proporcionado, que inclusive a gente estimula e a gente monitora, é um
espaço de construção mesmo, que a proposta não é a equipe sentar, falar de
cidadania [...], mas sim, abrir uma problematização mesmo, deixar com que
a comunidade possa evoluir (entrevista 1).
Por outro lado, é realizada através do SARTE uma ação de educação continuada com as
equipes de saúde, abordando-se questões como educação popular, cultura, comunicação,
grupos e trabalho em equipe, a partir de um processo de reflexão de sua vivência, sendo
estimuladas, orientadas e apoiadas para o desenvolvimento de atividades coletivas (diário de
campo 1).
Para a médica, o PSF, por facilitar o acesso a uma política pública, estimula que o cidadão
lute pelo direito à sua saúde. Além disso, considera que:
Você mostrar ao cidadão que ele tem direitos e que ele também tem deveres,
é isso que a gente faz aqui também, acho que alguma coisa deve ficar...
nessas reuniões que a gente sempre está teclando [...] o quanto é importante
ele ter essa preocupação, avançar, ter uma melhor qualidade de vida e fazer
uso do direito que tem, enquanto comunidade, enquanto cidadão [...] o
direito a uma vida melhor [...] à saúde, à escola, ao atendimento no posto, à
saúde de um modo geral [...] até ao lazer, ao social mesmo, à comunicação
[...] (entrevista 2).
95
Destaca o trabalho que desenvolvem com os idosos, pessoas que se acostumaram "[...] a ter
pouquinho, a ser roubado durante a vida todinha e quando ele chega no final da vida, ele
chega com tão pouco, que com aquele pouco ele se conforma”. Assim, a preocupação é que
possam viver experiências diferentes, como uma tarde de lazer, onde “agente estimula
justamente o contrário, que ele tem que lutar [...] ganhar seu espaço [...] procurar outras
alternativas de vida, isso tanto na alimentação, como na saúde, como no esporte, existem os
limites, a gente mostra isso (entrevista 2)”.
A enfermeira menciona que as pessoas ainda precisam acordar para a cidadania e que o PSF
estimula a cidadania ao despertar nas pessoas o prazer de se cuidar, desenvolvendo um
processo educativo, de reflexão acerca da responsabilidade de cada um no cuidar de si, de
como se dão os problemas, o que cabe à própria pessoa e ao coletivo dos moradores, o que
cabe ao governo e o que já se conseguiu mudar, “porque às vezes, as pessoas chegam... ‘está
do mesmo jeito como era!’ e eu faço ‘mas, espere aí, faz 6 anos que eu estou aqui e eu já vejo
tanta coisa diferente (entrevista 3)”.
Coloca ainda que este seria um primeiro patamar, “você indiretamente fala com ele sobre o
cidadão, de ele se cuidar [...]”, para depois abordar a questão da cidadania diretamente, não
mais apenas através da saúde, mostrando “olhe, você é cidadão, você tem direito, você tem o
dever – não é nem mais o direito – de modificar a situação onde você vive” e não apenas
reclamar ou até mesmo contribuir para degradá-la:
Tem um canal, que quando começa a entupir, o pessoal [da prefeitura] está
trabalhando pra tirar as sujeiras que a própria comunidade coloca lá e ela
mesma reclama porque está entupido. [...] Teve uma época que a gente teve
um Conselho que realmente estava bem atuante e a gente chegou a conversar
com eles, justamente essa parte do canal. Eles mesmos vão colocando, a
própria comunidade, que tinha até cadeira dentro do canal. Quem foi que
jogou a cadeira? O vizinho [...] “Eu não faço, mas o meu vizinho faz”. Aí
tem aquela coisa de atrito. Como é que vai conversar com o vizinho? Então
foram coisas que a gente já colocou, eles já colocaram , então a gente já teve
96
esse espaço [...] eles sabendo que realmente a culpa não é exclusivamente do
sistema (entrevista 3).
A agente de saúde considera que no PSF as pessoas estão exercitando sua cidadania:
Porque existe uma democracia, existe porque cada pessoa, ele tem assim... o
seu espaço pra falar, pra se expor [...] você pode optar e opinar como esse
serviço vai ser passado pra você. Então, se eu tenho esse poder, eu estou
sendo cidadão, eu estou tendo consciência de que eu posso interferir
indiretamente ou diretamente no processo que está existindo dentro da minha
comunidade (entrevsita 4)”.
Menciona ainda que a equipe de saúde procura incentivar a participação efetiva da
comunidade e olhar para os indivíduos como cidadãos, despertar nas pessoas seus direitos e
também deveres, mostrando que eles podem e devem ter responsabilidades com eles mesmos
e com seus familiares.
A gente dá as orientações [...] o instrumento, cada pessoa tem que saber usar
em seu próprio benefício e não esperar que a gente faça tudo sozinha [...]
tem que ver os direitos e deveres das pessoas e não carregar elas no braço
[...] esclarecer que a gente sozinha não pode fazer muita coisa não
(entrevista 4).
A usuária coloca que já conversou sobre o SUS nas reuniões com a equipe de saúde, mas não
entende como é, só sabe que é o que a comunidade tem. A respeito de cidadania refere que
“[...] eu conheço pouco, mas só o jeito da gente ser atendido, já se considera a gente ser uma
cidadã. [...] você se deslocar da sua casa e vir pra gente conversar, já estou me sentindo uma
cidadã. [..] se chega um agente de saúde na minha porta, eu já estou me sentindo uma cidadã
(entrevista 5)”.
Algumas dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da
Família
Mesmo considerando que a formação na área da saúde é um obstáculo para o
desenvolvimento da proposta do PSF, pois está centrada na técnica do procedimento clínico, a
97
coordenadora aponta que as mudanças proporcionadas pelo Programa já causaram um grande
impacto na qualidade dos serviços prestados à comunidade. Entretanto, enfatiza que é preciso
ter consciência do grande desafio que é trabalhar a demanda reprimida e ao mesmo tempo a
escuta e a mobilização (entrevista 1).
Lembra que “[...] o nosso país, a nossa cultura não é de mobilização” e que alguns
profissionais ao chegarem na comunidade sentem um impacto tão forte, que pensam em
desistir do trabalho:
[...] se fala tanto em formação do profissional [...] que tem um grande peso,
mas não é só isso. [...] o que é ter perfil pra estar no Saúde da Família? [...]
como é que hoje eu vou estar estimulando uma comunidade pra realizar isso,
onde a minha prática não é essa? [...] esse é um primeiro desafio: tentar fazer
com que os profissionais não só se sensibilizem quanto a essa prática, mas
que possam incorporá-la realmente. Então assim... a minha preocupação...
claramente é que na prática a gente ainda tem uma distância [...] no sentido
de mobilização da comunidade [...] de estimular a população a exercer a sua
cidadania (entrevista 1).
A médica refere-se ao número elevado de famílias e de pessoas com problemas de saúde, o
que dificulta o estabelecimento de vínculo com todos, bem como a dificuldade da comunidade
em aceitar e aderir às atividades de prevenção e de promoção. Correlaciona esta dificuldade
ao “nível intelectual” da comunidade que, acostumada com o modelo tradicional, não
compreende as diretrizes do Programa, sendo preciso falar continuamente para ver se “infiltra
a informação”, procurando estabelecer uma linguagem que a comunidade compreenda
(entrevista 2).
[...] eu me lembro que chegou o final de ano, que a gente trabalhou,
trabalhou o ano inteiro, a gente olhou pra trás e a comunidade perguntava:
“E a ambulância?” “E a emergência?” “E a injeção no Posto?”. Quer dizer,
eles não entendiam que medicina a gente estava fazendo. Não entendiam
porque a gente fazia aquelas reuniões de grupos, pra atender ao hipertenso,
ao diabético, pra fazer uma cobertura à mulher [...]. Isso aí fez a gente sentir
muito [...]. O que a gente tentou fazer diferente foi enfocar justamente o que
era o Programa [...] (entrevita 2).
98
A coordenadora, a enfermeira e a agente de saúde pontuam com mais ênfase que essa
dificuldade se dá devido ao modelo de atenção historicamente baseado na medicina curativa e
nas policlínicas e hospitais, tendo que se entender que não será de uma hora para outra que a
população irá compreender o PSF, pois as mudanças foram muitas (entrevistas 1, 3 e 4).
Considerando que as pessoas que freqüentam mais a unidade de saúde da família já percebem
que a preocupação não é apenas em fornecer uma medicação, mas também em melhorar sua
qualidade de vida, como, por exemplo, maior acesso à informação; apontam como solução o
estabelecimento de discussões com a comunidade a respeito do sistema de saúde, o que está
diferente e o que avançou (entrevistas 1, 3 e 4).
Entretanto, ressaltam que há dificuldade em conseguir participação da comunidade nos grupos
e nas reuniões e que são sempre as mesmas pessoas que freqüentam estes espaços. Em relação
a esta questão, a médica refere que talvez o problema esteja na falta de interesse da
comunidade ou no poder de persuasão dos agentes comunitários de saúde na hora do convite,
e, assim como a enfermeira, acredita ser necessário trabalhar mais no processo educativo, que
é longo e difícil.
[...] estar chamando a comunidade, estar se reunindo com ela [...] é difícil, a
gente chama, mas não vêm. [...] o caminho é esse mesmo: estar conversando
com eles e insistindo realmente, mostrando [...] o que a gente já ganhou. [...]
me doeu... a pessoa chegar e dizer assim: “Mas a Saúde está do mesmo jeito
que foi há não sei quantos anos atrás”. Olhei assim... e disse: “Não é. Eu
cheguei estava desse jeito e hoje em dia já está dessa forma”, quer dizer, as
pessoas não enxergavam. Mas o caminho é esse [...] estar falando, falando,
mostrando (entrevista 3).
A enfermeira também menciona a dificuldade em relação à articulação com outros setores,
pois a equipe de saúde da família propicia uma abertura para se falar dos diversos problemas
enfrentados no território, mas não há a segurança do retorno de algum encaminhamento
necessário, o que termina desacreditando a própria equipe perante a comunidade:
99
[...]o canal entope, mas não tem aquela preocupação de procurar “Qual é o
setor que eu vou fazer uma queixa que realmente vai dar resposta aquilo ali
pra mim?”. Aí chega numa reunião daqui com a gente, ele pega e coloca.
Então a gente... bom, mas é uma abertura. Eles já estão colocando alguma
situação que não é da... só da área do Posto. [...] É uma porta que foi aberta,
mas ela não é totalmente aberta. Porque foge também do controle da gente,
porque a partir do momento que a gente chamou o outro setor pra vir, a
gente está entregando a esse setor e a gente não tem essa... esse retorno desse
outro setor pra poder dar resposta. Então eu acho que de um... de um jeitinho
a gente também fica desacreditado perante eles (entrevista 3).
A agente de saúde também aponta como dificuldade, apesar do reconhecimento por parte
Governo e da comunidade de sua importância, o fato de não ser recompensada do ponto de
vista salarial pelas responsabilidades que lhe são atribuídas (entrevista 4).
As dificuldades colocadas pela usuária referem-se à demora na substituição dos médicos, à
irregularidade no fornecimento de alguns medicamentos e ao horário de funcionamento da
coleta de sangue (entrevista 5).
Sugestões para melhoria do Programa Saúde da Família
A coordenadora expõe que a sustentabilidade da Estratégia Saúde da Família está relacionada
ao esforço de oferecer uma clínica de maior resolutividade, sem deixar a mobilização e o
controle social para segundo plano, pois para realmente haver uma melhoria da qualidade da
atenção à saúde, estes precisam ser processos paralelos e não gradativos (entrevista 1).
Também considera que as competências dos profissionais das equipes de saúde da família
precisam ser melhor discutidas, principalmente as do agente comunitário de saúde, e que boa
parte do sentimento de sobrecarga está relacionada à deficiência na organização do serviço.
Desse modo, afirma ser necessário maior investimento na questão gerencial, tanto para os
profissionais como para os gestores, bem como um olhar diferenciado quanto à capacitação
dos profissionais como única solução para melhoria do processo de trabalho (entrevista 1).
100
A coordenadora pontua ainda que os níveis federal e estadual deveriam estar mais junto dos
municípios, contribuindo não apenas na implantação do PSF, mas fundamentalmente na sua
sustentação. Todavia, ressalta que é preciso compreender que um maior apoio dessas
instancias não pode significar que o município fique a espera por demandas, pelo contrário,
que ouse a traçar novos caminhos, novas estratégias de enfrentamento dos problemas, sem
perder de vista as diretrizes do Programa e envolvendo nesta construção os profissionais da
ponta, que não estão apenas para executar, mas sim para construir junto (entrevista 1).
Nesse aspecto, considera que o acompanhamento mais próximo das equipes de saúde da
família contribui não apenas para a viabilização de novas estratégias de trabalho em seus
territórios, mas também contribui para a construção de estratégias ao nível municipal:
[...] é o que a gente vem tentando fazer. Tudo o que é inclusive planejado pra
ser discutido mais amiúde, mais próximo das equipes, isso é planejado em
conjunto com a equipe. Então, na hora que... tudo vai ser abordado, que vai
ser discutido, inclusive o que se traz como produto, ela serve como... de
subsídio inclusive pra elaboração de estratégias que não sejam só locais, só
equipe a equipe, mas gerais (entrevista 1).
Pontua ser fundamental apoiar, divulgar e estimular a troca de experiências de promoção da
saúde desenvolvidas pelas equipes, pois considera essencial estar trazendo algo novo “[...] é
altamente mobilizador pra equipe, quanto praquela comunidade [...] se não existe esse apoio e
esse estímulo, a tendência é virar rotina [...] de acordo com a rotina, nós não conseguimos
enxergar impactos e a proposta principal da Estratégia é a gente identificar sim, impactos
(entrevista 1)”.
Para a médica, são necessários cursos de especialização para que os profissionais entendam
mais da política de saúde e dos pactos de indicadores, através não apenas de “pinceladas”. A
sugestão é uma escola de saúde pública para os profissionais do próprio município e dos
municípios vizinhos. Também comenta a importância de reforçar os colegiados com os
101
profissionais, para uma maior troca de informação e um melhor debate das questões
(entrevista 2).
A enfermeira lembra a importância do trabalho voltado para a própria equipe, pois os
profissionais precisam também se enxergar e serem considerados como cidadãos e como seres
humanos com anseios e limites, inclusive de responsabilidade sobre o que acontece na área:
Teve uma coisa na área... aí a gente já se vê apontada. “Quem foi o
culpado?”, “Quem pegou no paciente?”, “Quem tratou?”. Então essa parte
aí, da gente se trabalhar. [...] Aqui tinha muito problema com álcool [...] e
uma vez chegamos angustiadas pra uma colega... “Meninas, sentem aí!”,
“Vocês não são Deus!”. Quer dizer, mas aquela preocupação, essa parte
realmente precisa se trabalhar o cidadão na gente, o ser humano, o ser
pessoa, mesmo sendo profissional a gente é gente, a gente é pessoa humana.
Então, essa parte aí, ela poderia ser melhor trabalhada (entrevista 3).
Considera que o tema da cidadania precisa ser melhor desenvolvido junto aos profissionais de
saúde, que terminam limitando sua abordagem aos serviços oferecidos e ao estímulo à
responsabilização de cada pessoa no cuidado com a saúde, o que considera insuficiente.
Refere ser “[...] muito importante a gente passar um pouquinho dessa fase e trabalhar de
forma mais direta”, das pessoas saberem que para as coisas acontecerem também é preciso de
sua ação, que “[...] depende dele muita coisa [...]. Tem que dizer suas necessidades e tem que
também dar algumas soluções”. Nesse sentido, aponta que é preciso “[...] jogar a pergunta pra
outra pessoa, para ela parar e refletir: o que é que eu posso fazer? (entrevista 3)”.
Para tanto, também coloca ser fundamental os profissionais terem “[...] uma preparação pra
passar isso pra eles, pra eles despertarem realmente [...]. Porque não é chegar... você tem o
direito!”, mas também o que fazer diante dele. Pontua ainda a importância de amadurecer o
trabalho educativo com os grupos, para que se possa alcançar resultados positivos:
[...] saber trabalhar com o grupo pra chegar no ponto. Eu vejo essa
necessidade. [...] se eu for trabalhar, vai ser na intuição [...] aí você vai ter
aquele receio, de não ter a parte técnica. Aí você dá um deslize, e termina...
102
mesmo querendo ajudar, pode ser que você termine atrapalhando, não é?
(entrevista 3).
A agente de saúde coloca a necessidade dos profissionais aprenderem melhor a escutar e
abordar questões ligadas à angústia, a relações humanas, pois a comunidade precisa e pede
um agente de saúde que não fale e veja apenas questões de doença:
[...] eu queria que tivesse uma capacitação específica, pra gente entender
melhor esses problemas pessoais que as pessoas têm, essa ansiedade [...].
Desse desabafo, essas coisas todas [...] às vezes a gente assim, “Pôxa, será
que realmente eu posso falar isso assim?" [...] uma capacitação dirigida
assim, para as relações humanas [...] problemas que todo mundo tem e todo
mundo joga pra gente, sempre espera que a gente vá lá e diga [...] ou que a
gente simplesmente escute (entrevista 4).
Também ressalta ser preciso aprofundar sobre o SUS e a política de saúde, bem como sobre as
responsabilidades de cada esfera de governo, para que se possa entender suas possibilidades e
limites, “[...] é uma coisa que eu gostaria de ter conhecimento: o SUS, o que é que o SUS
paga? [...] Por que acontece assim? [...] Por que a gente não pode ter mais especialista?
(entrevista 4)”.
Assim como a enfermeira, aponta que é preciso o PSF estar ligado a outros setores do
Governo para que se possa abordar questões como, por exemplo, a desnutrição, dando suporte
com os recursos existentes, pois há programas sociais que nem sempre chegam em quem de
fato precisa (entrevistas 3 e 4).
[...] tem gente que eu fiquei até pensando: não sei por quê está querendo,
porque realmente tem condições [...] e ela tem esse benefício?! Outras
pessoas... esse menino mesmo que eu fui lá ver [...] ele não tem benefício
nenhum [...] eu estou tentando conseguir uma cesta básica através de outros
contatos, que eu sei a necessidade, como aquele outro que eu acabei de vir
de lá. São pessoas que... ela não tem emprego, tem uma filha que tem
problemas mentais, não tem um marido, não tem uma renda fixa, vive de
ajuda dos familiares. [...] eles não têm renda nenhuma. [...] Mas meu Deus
do céu! Por que essas pessoas não estão sendo beneficiadas? Elas realmente
precisam, eu sei disso, eu sei! Elas não precisam me dizer isso não
(entrevista 4).
103
Se não há uma melhor articulação entre os setores do Governo, questiona seu papel de apenas
ficar registrando, por exemplo, que há uma criança desnutrida na comunidade:
“eu realmente não me conformo de estar pesando uma criança que eu sei que
ela está de baixo peso [...]. E aí? O que é que eu vou fazer por essa criança
que não tem o que comer? Aí eu vou continuar pesando? Vou continuar
avisando? [...] eu acho que isso também é um papel do PSF” [ter de fato
alguma resolutividade sobre o problema] (entrevsta 4).
Para a usuária o que poderia melhorar no PSF seria o espaço da unidade de saúde, que
deveria ser ampliado para que não fosse preciso arrumar ou alugar outros locais para fazer
reuniões ou festas. Também refere que o salário dos profissionais da equipe deveria melhorar,
pois considera que é muito baixo (entrevista 5).
4.1 .3 .4 .1 .3 .4 .1 .3 .4 .1 .3 . D iscutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador
A responsabilização sanitária por um território definido, que vem possibilitando a
aproximação dos profissionais com a realidade vivida pela população e a criação de vínculos
com a comunidade, bem como o estabelecimento da co-responsabilização pelo cuidado com a
saúde, são ressaltados pelas entrevistadas como pontos fundamentais para a construção de um
modelo de atenção democrático, empoderador e resolutivo.
Os esforços do governo municipal para a implementação de tal modelo puderam ser
observados tanto na expansão como na qualificação do PSF, que vem envolvendo ações
direcionadas a operacionalização de seu conteúdo emancipador. O acompanhamento das
equipes de saúde tem procurado institucionalizar canais de participação e controle social,
através de espaços de integração entre comunidade, profissionais e gestores, tais como:
reuniões da equipe de saúde e/ou gestores com a comunidade; grupos de convivência;
reuniões colegiadas dos gestores com profissionais do PSF; implantação dos Conselhos
104
Locais de Saúde; descentralização das plenárias da Conferência de Saúde por Regional;
colegiados das Secretarias Regionais; Plenárias do Orçamento Participativo.
Através das atividades de educação continuada, o acompanhamento das equipes de saúde da
família também envolve questões como a relação com a comunidade e seus equipamentos
sociais, a comunicação, a formação e planejamento de grupos e reuniões, bem como o
desenvolvimento do próprio trabalho em equipe, que também requer o respeito à diversidade
e a construção coletiva das ações.
Porém, ainda que tomadas como prioridades de gestão, a democratização dos serviços, a
mobilização da sociedade e a elevação da consciência sanitária, através da melhoria do acesso
à informação e da comunicação em saúde, aparecem na Conferência Municipal de Saúde
como pontos ainda frágeis do PSF. Esta fragilidade é revelada pela equipe de saúde da
família, que mesmo empenhada, enfrenta dificuldades no estabelecimento dessa nova prática
de saúde, tanto relacionadas à cultura historicamente predominante nas relações entre
governo, serviços de saúde e sociedade, como às suas próprias limitações técnicas.
Contudo, o enfrentamento das dificuldades vem estimulando a equipe, até mesmo exigindo, o
questionamento a respeito de sua prática e de suas contribuições efetivas na melhoria da
qualidade de vida da comunidade, possibilitando a adoção de novas e diferentes posturas.
Quanto ao reforço da ação comunitária, observa-se que as profissionais entrevistadas vêm
investindo em proporcionar maior acesso à informação e melhor entendimento dos
determinantes do processo saúde-doença. Destaca-se ainda o incentivo da autoestima dos
sujeitos e da comunidade, conforme recomendações da Carta de Ottawa25 e da Declaração de
25 OMS (1986).
105
Jacarta26, investimentos que segundo Bosi (1994) são fundamentais para a conscientização e
construção da saúde enquanto direito de cidadania.
Também têm procurado romper com o padrão paternalista na relação com a comunidade,
pautando a co-responsabilização com a saúde, de cada um e do coletivo, ao expor os limites
da equipe no cuidado com a saúde, ao trabalhar as ações de prevenção e de promoção, bem
como ao estabelecer espaços de participação social na gestão do serviço de saúde.
Assim, pode-se entender que caminham em direção a aspectos fundamentais no
estabelecimento de um novo modelo de atenção, como mencionado por Donato & Mendes
(2003) e Jacobi (2002): acesso a oportunidades de aprendizagem; estabelecimento de espaços
para participação social na gestão do serviço; co-responsabilização e construção coletiva de
estratégias.
Apesar das colocações da usuária espelharem os esforços aqui mencionados e o fato de haver
uma maior preocupação da comunidade com a saúde e um melhor conhecimento de seus
direitos, indicando a real possibilidade do PSF resultar em melhorias na qualidade de vida das
pessoas, observou-se, tanto no acompanhamento do cotidiano da equipe, como nas
entrevistas, que a cultura do modelo centrado no médico e na atenção curativa ainda está bem
presente, principalmente nas pessoas que acessam com menor freqüência a unidade de saúde
da família.
As falas da coordenadora e das profissionais da equipe apontam para o desafio de avançar na
mobilização em prol da saúde, diante do enfrentamento da cultura paternalista e fisiologista
bem como das precárias condições de vida da população, conforme exposto por Jacobi
(2002). Apontam, dessa forma, que para o reforço da ação comunitária é preciso intervir de
forma articulada com outros setores e desenvolver habilidades técnicas que demandam
26 OMS (1997)
106
aproximação com temas como mobilização e comunicação social, cultura, cidadania, políticas
públicas e SUS.
Dessa forma, expõem as fragilidades da Estratégia Saúde da Família, quanto à formação e
identificação dos profissionais de saúde para atuar nesta proposta emancipadora, que por sua
vez requer a mudança da ordem governativa da cidade, da gestão médica para a gestão social,
como apontado por Mendes (1999), ou seja, é imprescindível o estabelecimento da
intersetorialidade no enfrentamento dos problemas de saúde da população, um outro grande
desafio para a gestão das políticas públicas.
Ainda é importante pontuar a fragilidade no estabelecimento de sistemas flexíveis de
participação social na gestão da saúde e de permeabilidade às propostas populares junto à
administração pública, questões indicadas por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002) como
fundamentais na constituição dos sujeitos sociais.
Tais processos ainda são incipientes, visto que a abertura de espaços de participação social
pela equipe do PSF parece estar limitada às questões específicas da área da saúde e, mais
ainda, da unidade de saúde da família. Esta limitação pode ser relacionada à própria
dificuldade dos profissionais em incorporar novos conhecimentos e habilidades, bem como
em estabelecer articulações intersetoriais e discutir o SUS de uma forma mais sistêmica,
ressaltando em suas falas a necessidade de enfocar o PSF quando a comunidade quer discutir
o direito à ambulância, à emergência ou à medicação.
Embora as profissionais entrevistadas assinalem o entendimento de que mobilizar de forma
mais abrangente a comunidade significa transformar a cultura da
“ambulância/hospital/remédio” e de submissão à qual historicamente esteve submetida, assim
como pontuado por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002), há o sentimento de que falar
destas necessidades indica o desinteresse ou descaso em relação ao trabalho do PSF, ou
107
mesmo que a falta de compreensão do modelo proposto se deve à incapacidade intelectual da
população.
Por outro lado, se considerarmos os aspectos levantados por Carvalho (1995), mesmo que de
forma limitada, a equipe de saúde vem procurando qualificar os espaços de interação com a
comunidade, incentivando sua participação não apenas na reivindicação de melhorias no
acesso à atenção individual, mas também refletindo a respeito de suas condições de saúde e da
importância de agir para sua melhoria, seja contribuindo com sugestões para a qualidade dos
serviços prestados, seja através de seu envolvimento na prevenção de doenças e na promoção
da saúde, incentivando a ação coletiva para conquista de melhores condições de vida.
Entretanto, outro aspecto a ser destacado é que a participação da comunidade não vem se
dando através de suas lideranças ou grupos representativos, o que identificamos como mais
um obstáculo que se soma para a realização de uma melhor mobilização social, visto que,
como lembrado por Martins Jr. (2003), além do reforço da atuação individual, é fundamental
a intensificação do apoio social na conquista por melhores condições de saúde.
Como mencionado pelas entrevistadas, o controle social aparece ainda incipiente, apesar da
maior consciência do direito à saúde e dos canais para reivindicações e propostas. Consideram
que isto se deve e ao fato das mudanças serem muito recentes e pouco discutidas com a
sociedade.
A dificuldade da atuação mais propositiva do Conselho Local de Saúde e de preenchimento
das vagas destinadas aos usuários, remete à situação exposta por Carvalho (1995), que na
realidade social e política brasileira o controle social termina adquirindo um enfoque
altamente fiscalizador, onde parece ser mais importante vigiar e impedir as transgressões por
parte do Estado, do que induzi-lo a agir. Nesse sentido a usuária refere que as pessoas
parecem não acreditar que podem modificar alguma coisa, já a equipe expõe sua impressão de
108
que há mais interesse dos profissionais e do governo em compartilhar, do que da comunidade
em tomar conhecimento e participar.
Quanto à promoção da cidadania, é reforçada a idéia de que o PSF tem favorecido aos
profissionais o olhar através do paradigma da produção social da saúde, percebendo como as
condições de vida e o sentimento de cidadania interferem na sua determinação.
Conseqüentemente, como posto por Ferraz (1998), tem induzido a uma atuação direcionada
aos indivíduos, e não à doença, considerando suas histórias de vida e valorizando a
importância da adoção de uma atitude mais ativa na conquista de melhores condições de
saúde e de uma vida prazerosa.
Como exposto nos discursos das entrevistadas, a cidadania vem sendo estimulada ao se
qualificar o acesso à política de saúde, ao despertar a responsabilidade e o prazer de se cuidar
e ao possibilitar canais onde se possa participar e opinar a respeito dos serviços prestados.
Para a usuária, o exercício da cidadania já se estabelece quando há espaços de troca com os
profissionais de saúde, através dos quais, cada indivíduo pode expor suas idéias e se sentir
respeitado e acolhido.
Entretanto, a promoção da saúde e da cidadania parece ainda estar moldada, como posto por
Valla (1992), pela abordagem tradicional que privilegia orientações para o autocuidado, ou o
cuidado com o familiar, o que termina reforçando que a saúde é um esforço individual,
limitando a concepção a respeito da cidadania.
Contudo, é importante mencionar que mesmo diante dos esforços e dos avanços descritos
pelas entrevistadas, as mesmas reconhecem que ainda é preciso “falar e fazer diferente” para
conseguir, de fato, realizar uma mobilização ampla em prol da saúde e avançar na promoção
da cidadania, com participação e controle social.
109
Em relação ao apoio necessário à implementação do PSF, além da necessidade da Secretaria
Estadual e do Ministério da Saúde estarem mais próximos dos municípios, contribuindo para
a qualificação e sustentação do Programa, é colocada a importância da qualificação
profissional e principalmente de sua escolha política em construir um novo modelo de
atenção, que implica no convívio e na troca com “o diferente”, no enfrentamento da cultura
paternalista e não participativa e no desempenho de um papel educador e emancipador.
Ainda é referido que a superação das dificuldades não está limitada ao PSF ou ao setor saúde,
sendo pontuada a importância do governo municipal avançar na ação integrada entre seus
diversos setores, para que se possa melhor utilizar os recursos existentes na resolução de
problemas que afetam diretamente a saúde, pois nem sempre são bem empregados, devido à
desarticulação dentro da gestão.
Está claro que a superação das dificuldades não está limitada à própria Estratégia ou ao setor
saúde, como também nem depende apenas da formação dos profissionais, mas principalmente
de sua escolha política em construir um novo modelo de atenção, que implica, inicialmente,
no convívio e na troca com “o diferente”, no enfrentamento da cultura paternalista e não
participativa e no desempenho de um papel educador e emancipador.
4.2 .4 .2 .4 .2 .4 .2 . R ecife
O lugar e suas condições de vida
O Recife tem cerca de 1,5 milhões de habitantes (estimativa IBGE 2004) e aproximadamente
490 favelas, representando 15% de sua área total e 25% de sua área ocupada. Nesse contexto
urbano, destacam-se as Zonas Especiais de Interesse Social, que agregam cerca de 80% dessas
110
favelas e 40% da população recifense, proporcionando estabilidade no que se refere à posse
da terra e assegurando a implantação de infra-estrutura e serviços urbanos (documento 13).
De acordo com os dados do censo IBGE_2000, o município apresenta 10% da população
maior de 15 anos analfabeta e 11% dos chefes de família declaram não ter rendimentos. No
território atendido pelo PSF, cerca de 92% dos domicílios são de tijolos, 99% têm acesso à
rede de energia elétrica e 95% estão ligados à rede geral de abastecimento de água e têm
acesso à coleta pública do lixo. No entanto, 14% apresentam destino de fezes e urinas a céu
aberto e 52% das famílias não realizam tratamento da água no domicílio27.
O Sistema Municipal de Saúde e sua gestão
O município habilitou-se na Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde em 1998, tendo
implantado o PSF em 1994. Está dividido em 6 Distritos Sanitários, com autonomia
administrativa e características específicas quanto à organização política e da rede de serviços,
que vem sendo ampliada com as equipes de saúde da família e de saúde bucal e com a
implantação e implementação das policlínicas e serviços de pronto-atendimento por Distrito,
visando, além da expansão da oferta, a melhoria do acesso aos serviços e a integralidade do
processo de reorganização do sistema municipal (documentos 13 e 15).
No que diz respeito aos aspectos financeiros, vem sendo garantido um aumento do repasse do
orçamento municipal para saúde, que cresceu de menos de 5% em 2000 para 15% em 2004
(documento 16).
O Sistema Municipal de Saúde encontra-se constituído por 199 equipes de saúde da família e
88 equipes de saúde bucal, distribuídas em 91 unidades do PSF; 28 unidades básicas
tradicionais; 107 equipes do PACS; 11 policlínicas, 12 unidades especializadas de referência,
27 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.
111
2 maternidades; 2 hospitais municipais pediátricos; 13 unidades da rede hospitalar
complementar, sendo 7 hospitais psiquiátricos; 13 centros de apoio psicossocial; 1
Laboratório Municipal de Análises Clínicas; 1 Centro de Vigilância Ambiental e 9 pólos do
Programa Academia da Cidade.
A Secretaria de Saúde apresenta como diretriz política a implantação de um modelo de
atenção à saúde, com base na cidadania e voltado para a construção de uma cidade saudável:
integrada, democrática, com espaços comuns de inclusão social, em que todos possam ter
acesso aos serviços básicos e solidária, que valorize a vida de seus habitantes e a oportunidade
de desenvolver suas habilidades (documento 15).
Dentre as propostas para uma efetiva defesa da cidadania, aponta a reorganização e
transformação da prática de saúde para além da assistência, tendo como eixos norteadores a
integralidade das ações e a responsabilidade sanitária com os seus munícipes, bem como a
reorganização da rede de atenção básica, a partir de equipes de saúde da família, trabalhando
com a Vigilância e a Promoção da Saúde (documento 15).
A Gestão Participativa também é apresentada como marca da gestão, pois considera que para
as mudanças serem legítimas e consistentes, é fundamental a consolidação de uma forma
democrática de governar, com efetivo controle social sobre a gestão pública, através de
mecanismos de participação popular, como as Conferências Municipais de Saúde e os canais
de participação dos vários níveis de governo na discussão e implementação das políticas de
saúde, com a descentralização do planejamento e da gerência dos serviços (documento 15).
Os investimentos nos espaços de participação e controle social vêm se dando por meio da
garantia das reuniões periódicas do Conselho Municipal de Saúde; da capacitação dos
conselheiros; da realização das plenárias da Conferência Municipal de Saúde por
microrregiões e Distritos Sanitários e da criação dos Conselhos de Saúde Distritais e de
112
Unidades de Saúde, buscando capilarizar a articulação com os atores sociais e a integração
das ações no território. Para ampliar a incorporação das deliberações da população, vem
buscando fortalecer outros espaços de participação direta, como o Orçamento Participativo,
incluindo seus pleitos na pauta de planejamento das ações (documentos 15 e 16).
A gestão também aponta importantes ações voltadas para a qualificação da atenção a saúde,
como o Curso de Especialização em Saúde da Família, em parceria com as Universidades
Federal e Estadual de Pernambuco e a implementação do Programa de Humanização. Na área
da gestão de pessoal, destaca o processo de implantação do Plano de Cargos, Carreiras e
Vencimentos (PCCV), a Mesa Permanente de Negociação para Desprecarização do Trabalho
e a realização de Concurso Público (documento 15).
O Programa Saúde da Família
As equipes de saúde da família cobrem 36,2% da população (533.844 pessoas/121.865
famílias)28, com cobertura diferenciada nos 6 Distritos Sanitários, variando de pouco mais de
30% a cerca de 62%29. A figura 2 apresenta a expansão do PSF no Município.
Figura 2
População (%) coberta pelo Programa Saúde
da Família no Recife, 1999 a 2004.
Fonte: Ministério da saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004.
Em relação ao total de recursos repassados ao Fundo Municipal de Saúde (quadro 6),
observa-se que no período de 1998 a 2004 houve uma inversão na programação dos recursos
para os diversos níveis de atenção: a ligeira predominância para a atenção básica em 1998,
passa a ser observada na média e alta complexidade em 2004.
28:Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. 29 Fonte: Secretaria de Saúde do Recife/Diretoria Executiva de Atenção Básica, 2004.
2,0
36,2
21,118,5
14,6
5,5
1999 2000 2001 2002 2003 2004
113
Quanto aos recursos do PAB (quadro 7), observa-se que os incentivos para ampliação da rede
básica através do PSF/PACS/Saúde Bucal, entre 1998 e 2004, apresentaram um acréscimo de
11,6 vezes, tendo o valor percentual do PAB-Fixo, que representava mais de 90% do PAB em
1998, reduzido pela metade em 2004.
Quadro 6 – Distribuição dos recursos transferidos para o Fundo Municipal de Saúde. Recife, 1998 a 2004.
Média e Alta Complexidade
Atenção Básica Ações Estratégicas
Total de repasses fundo a fundo
Ano
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 20.130.510,87 45,99 23.638.893,13 54,01 0,00 0,00 43.769.404,00 100,00
1999 36.566.589,67 55,86 28.897.181,15 44,14 0,00 0,00 65.463.770,82 100,00
2000 35.079.706,54 53,15 30.920.541,84 46,85 0,00 0,00 66.000.248,38 100,00
2001 39.323.700,46 50,90 36.373.056,62 47,08 1.561.546,84 2,02 77.258.303,92 100,00
2002 40.938.707,22 48,50 39.693.453,99 47,02 3.778.643,71 4,48 84.410.804,92 100,00
2003 49.570.218,65 51,63 43.415.566,79 45,22 3.032.356,50 3,16 96.018.141,94 100,00
2004 61.377.781,94 52,75 51.840.533,45 44,55 3.145.576,68 2,70 116.363.892,07 100,00
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
Quadro 7 – Distribuição dos recursos transferidos para o Piso de Atenção Básica (PAB) municipal. Recife, 1998 a 2004.
Ano PAB-Fixo PAB-Variável incentivos vinculados ao
PSF, PACS e SB30
PAB-Variável outros incentivos31
PAB (total)
R$ % R$ % R$ % R$ %
1998 21.768.356,28 92,09 1.672.499,99 7,08 198.036,86 0,84 23.638.893,13 100,00
1999 23.747.300,44 82,18 3.136.031,96 10,85 2.013.848,75 6,97 28.897.181,15 100,00
2000 23.747.304,00 76,80 3.391.140,78 10,97 3.782.097,06 12,23 30.920.541,84 100,00
2001 23.747.304,00 65,29 5.821.817,49 16,01 6.803.935,13 18,71 36.373.056,62 100,00
2002 23.556.724,40 59,35 8.739.003,31 22,02 7.397.726,28 18,64 39.693.453,99 100,00
2003 23.891.610,00 55,03 12.240.695,33 28,19 7.283.261,46 16,78 43.415.566,79 100,00
30 Para o cálculo foram considerados os seguintes incentivos, vinculados à aplicação no âmbito do PSF e do PACS: PACS, adicional PACS, PSF, SB, PROESF (Programa de Expansão da Saúde da Família). 31 Ações Básicas Vigilância Sanitária; Ações Combate Carências Nutricionais; Farmácia Básica; Epidemiologia e Controle de Doenças; Vacinação Poliomielite; Cadastro Nacional de Usuários do SUS; TFECD - Adicional; Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose; Intensificação Vigilância e Controle da Tuberculose; Campanha de Vacinação - Tríplice Viral; Intensificação Ações Vigilância Controle Hanseníase; ANVISA - Taxa de Fiscalização; Financiamento Centros Referência Saúde do Trabalhador; Vacinação Contra Tétano Neonatal; Realização Levantamento Índice Rápido - AEDES AEGYPTI.
114
2004 24.073.908,24 46,44 19.408.716,00 37,44 8.357.909,21 16,12 51.840.533,45 100,00
PSF= Programa Saúde da Família; PACS= Programa de Agentes Comunitários de Saúde; SB= Saúde Bucal.
Fonte: Ministério da Saúde, 2004.
Na estrutura organizacional da Secretaria de Saúde, o PSF compõe a Diretoria Executiva de
Atenção Básica no nível central, também correspondendo às diretorias que gerenciam a
atenção básica nos Distritos Sanitários, responsáveis pela coordenação das demais unidades e
programas no âmbito da atenção básica. A Diretoria Executiva de Atenção Básica agrega as
Coordenações de Controle da Tuberculose, Controle da Hanseníase, Saúde Bucal, Vigilância
Nutricional, Reabilitação Baseada na Comunidade, Educação Popular em Saúde e Ações
Intersetoriais, sendo que esta conformação nos Distritos se dá de maneira variada (diário de
campo 2).
A Diretoria encontra-se ligada à Diretoria Geral de Atenção à Saúde, a qual agrega outras
coordenações que também gerenciam ações no PSF, como Saúde Mental, Saúde da Criança e
do Adolescente, Saúde do Idoso e Saúde da Mulher. Entretanto, não estão estabelecidos
espaços sistemáticos de articulação, planejamento e avaliação da Política Municipal de
Atenção Básica entre as instâncias centrais da Secretaria de Saúde, nem entre estas e os
Distritos Sanitários, bem como fóruns para discutir o Pacto Municipal da Atenção Básica
(diário de campo 2).
No que diz respeito ao acompanhamento e suporte às equipes de saúde da família, o
município vem investindo na implantação dos gerentes de território no nível distrital,
responsáveis em monitorar, acompanhar e articular todas as unidades de saúde de uma
determinada área, mas que além de estarem em processo de definição de funções e processos
de trabalho, vêm atuando de maneira diferenciada em cada Distrito (diário de campo 2).
O município também vem discutindo a implantação de equipes de retaguarda para o PSF, com
a proposta de estabelecer 1 para cada 10 equipes de saúde da família, composta por
115
nutricionista, fisioterapeuta, psiquiatra/psicólogo, sanitarista e educador popular. No entanto,
sua implantação de fato não ocorreu, tanto pela falta de pessoal, como pela desarticulação
referida anteriormente, havendo a atuação de alguns profissionais nos Distritos, ou para
algumas poucas equipes, de maneira isolada, sem constituir equipe. Também observa-se a
deficiência de intervenções conjuntas do PSF e do Programa Academia da Cidade na
promoção de atividades físicas (diário de campo 2).
No que diz respeito às atividades das equipes de saúde da família fora do consultório ou da
unidade de saúde, observa-se que em 2004 foi registrado uma média mensal de 1 visita
domiciliar por família, sendo que os médicos registraram 19,7 vistas/mês, o enfermeiro 18,9,
o auxiliar de enfermagem 13,4 e o agente comunitário de saúde 120. A média mensal de
atividades educativas com grupos, registrada pela equipe de profissionais de nível
universitário e médio é de 7,6 e pela equipe de agentes comunitários de saúde é de 3,2, ou
seja, foram registradas por equipe, em média, 11 atividades mensais com grupos32.
No entanto, Albuquerque (2003) pontua que a gestão não vem valorizando de fato as ações de
promoção da saúde e termina por incorporar, na prática, o modelo assistencialista, com ênfase
no cumprimento de metas de produção de visitas, consultas e coleta de exames. Dentre as
deliberações da VI Conferência Municipal de Saúde “Recife Saudável: o desafio da
integralidade e do comando único do sistema de saúde”, realizada em agosto de 2003,
também podemos observar a necessidade de maior qualificação, acompanhamento e
monitoramento do PSF, inclusive no que diz respeito às ações educativas, bem como de
democratizar a informação e os serviços e melhorar a comunicação e a humanização:
� Ampliar a cobertura do PSF;
32 Fonte: Ministério da Saúde/Sistema de Informação da Atenção Básica, 2004. Para cálculo das médias mensais foi dividido o total do procedimento pelo número de equipes de saúde da família e por 11 meses, devido às férias anuais de 30 dias.
116
� Realizar concurso público para os profissionais do Programa;
� Qualificar e monitorar as equipes do PSF e criar fóruns periódicos de discussão com os
profissionais;
� Garantir estrutura das unidades do PSF que permita atividades de prevenção e promoção;
� Capacitar profissionais para desenvolvimento de ações educativas, individuais e coletivas;
� Implementar o Programa de Educação Popular em Saúde, ampliando espaços de
articulação entre profissionais e movimentos sociais;
� Garantir que a marcação de consultas seja discutida entre equipe de saúde e comunidade;
� Fortalecer o Projeto de Humanização e sensibilizar os profissionais para o acolhimento e
abordagem humanizada das famílias;
� Criar mecanismos de divulgação do SUS e da Política Municipal de Saúde, ampliando os
espaços de democratização da informação;
� Implementar os Conselhos de Saúde Distritais, garantindo espaço físico, informação
territorializada e outros recursos necessários ao seu funcionamento;
� Implementar o controle social na programação e prestação de contas dos recursos
financeiros da saúde;
� Implantar Ouvidorias de Saúde e garantir caixas de sugestões em todas as unidades de
saúde, com fluxo estabelecido entre conselho gestor e/ou distrital, unidade de saúde e
comunidade;
� Fortalecer o papel do profissional de saúde como divulgador do controle social;
� Fortalecer as parcerias com entidades e instituições da sociedade civil para prevenção de
doenças e promoção da saúde (documento 14).
4.2 .1 .4 .2 .1 .4 .2 .1 .4 .2 .1 . C ontexto e atores locais
A escolha do Distrito Sanitário para a pesquisa de campo levou em consideração sua história
de organização dos movimentos populares, além de ser uma das localidades onde foram
implantadas as primeiras equipes de saúde da família no município, atualmente apresentando
117
uma cobertura de cerca de 43% de sua populaçãol33. Ainda considerou o fato do gestor
distrital ter experiência anterior em gerência direta do PSF e em educação popular em saúde,
o que representa um fator favorável à implementação do Programa (diário de campo 2).
A coordenação distrital do PSF é exercida por uma assistente social, com experiência de
atendimento de ponta e gerência em atenção básica, anterior à implantação do Programa. Na
escolha da equipe de saúde da família para a pesquisa de campo, levou em consideração o
desenvolvimento de atividades coletivas de mobilização e promoção da saúde e sua interação
com as organizações comunitárias (entrevista 6 e diário de campo 2).
O território identificado abrange 4 comunidades e 783 famílias, são 3.313 pessoas
cadastradas, sendo 96,3% usuárias do SUS (sem plano privado de saúde). Dos maiores de 15
anos, 91,2% são alfabetizadas e 89,2% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola. Quanto à
situação de moradia e saneamento, 93,2% dos domicílios são de tijolos, 99,4% tem acesso ao
abastecimento de água pela rede pública, 99,2% têm acesso à coleta pública de lixo e 99,7% à
energia elétrica. Cerca de 55,2% das famílias não realizam tratamento de água no domicílio.
O perfil é semelhante ao observado para as demais áreas cobertas pelo PSF, com exceção do
destino dos dejetos, que apresentou aproximadamente o dobro (22,4%) de casas com despejo
de fezes e urina a céu aberto (documento 17 e diário de campo 2).
No que diz respeito aos indicadores de produção relacionados às visitas domiciliares, observa-
se que a equipe registrou em 2004 uma média de 1 visita/família/mês; a médica registrou 20,2
visitas/mês, a enfermeira 14,5, a auxiliar de enfermagem.20,4 e as agentes comunitárias de
saúde 106,3 vistas/mês. Em relação às atividades com grupos, a equipe apresenta uma média
de 9,2 atividades/mês, sendo 4,9 registradas pelas agentes comunitárias de saúde. O registro
de visitas domiciliares pela enfermeira e agentes de saúde apresentou-se inferior ao observado
33 Fonte: Secretaria de Saúde do Recife/Diretoria Executiva de Atenção Básica, 2004.
118
para o município, contudo, a média mensal de vistas por família é a mesma. Em relação aos
grupos realizados pela equipe, também se observou registro inferior à média municipal
(documentos 18 e 19).
A equipe de saúde da família, implantada há 10 anos, oriunda do PACS, é composta por
médica, enfermeira, auxiliar de enfermagem, 6 agentes comunitárias de saúde, auxiliar de
serviços gerais, sendo incorporada, mais recentemente, uma auxiliar administrativa (diário de
campo 2).
A médica atua na equipe há pouco mais de 1 ano, tem pós-graduação a nível de mestrado, é
docente em saúde pública e está cursando a Especialização em Saúde da Família.
Anteriormente ao PSF, atuou como médica geral comunitária, atendendo a famílias,
realizando visitas domiciliares e trabalho com grupos e lideranças locais, tem experiência em
gestão pública na área de promoção social (entrevista 7).
A enfermeira compõe a equipe há 7 anos e está cursando a Especialização em Saúde da
Família. Sua formação foi voltada para área hospitalar, na qual ainda trabalha (entrevista8). A
auxiliar de enfermagem iniciou sua atuação profissional na equipe de saúde da família, desde
a sua implantação. Os cursos que realizou foram a respeito de questões técnicas de sua área,
nunca tendo participado de nenhum sobre política de saúde ou PSF (entrevista 9).
A agente comunitária de saúde, identificada para a realização da entrevista e
acompanhamento das visitas domiciliares, está na equipe há 3 anos e cobre famílias das duas
localidades mais afastadas da unidade de saúde. Quando era usuária utilizava pouco a unidade
de saúde, devido à distância, tomando conhecimento do que realmente era o Programa quando
passou a vivenciá-lo no dia-a-dia, como integrante da equipe (entrevista 10).
119
A usuária entrevistada é funcionária pública municipal e já exerceu diversas vezes a
presidência da associação de moradores da comunidade onde se localiza a unidade de saúde
da família. Tomou conhecimento do PSF há 10 anos, quando, no papel de liderança
comunitária, coordenou a mobilização para solicitar a implantação do Programa, que até 2001
funcionava numa unidade móvel e atendia a localidades mais distantes, onde atualmente
existe outra unidade de saúde da família (entrevista 11).
Dentre os equipamentos sociais presentes no território, observamos uma escola municipal de
ensino fundamental e médio, uma igreja católica, três associações de moradores, bem como a
existência, na localidade onde se situa a unidade de saúde da família, de duas associações
organizadas pela classe média e de intelectuais, que desenvolvem trabalhos sociais e culturais
(diário de campo 2).
Apesar da equipe desenvolver ações junto às organizações locais, estas são mais freqüentes na
comunidade onde se localiza a unidade de saúde, tanto pela proximidade física, quanto pelo
fato de sua associação de moradores ter sido responsável pela mobilização para implantação
do PSF e sempre ter acompanhado seu cotidiano. A enfermeira também pontua o grave
problema da violência e falta de segurança nas demais localidades, que às vezes leva a equipe
a freqüentá-las menos (diário de campo 2 e entrevistas 8, 9, 10).
Já a agente comunitária de saúde, identificada para a entrevista, considera que o PSF precisa
dar mais atenção às comunidades que tem sua organização mais frágil: “[...] aqui eu tenho um
líder comunitário, mas que não tem associação, o que dificulta muito a ajuda social, então eu
vejo aqui como a mais carente, a que precisa de mais atenção (entrevista 10)”.
Observou-se que algumas profissionais se articulam mais freqüentemente com as lideranças
locais, mas a equipe de saúde, mesmo atuando na área há 10 anos, não realiza reuniões
periódicas com a comunidade. Recentemente, com a chegada da médica, foram planejadas
120
reuniões por microárea, mas que não vêm ocorrendo com a freqüência desejada (diário de
campo 2).
Nas visitas domiciliares, notou-se que a médica procura abordar a família de forma mais
integral, não apenas problema de saúde que a levou, e estabelecer compromissos de cuidado
entre familiares. Durante todo o período de observação desta pesquisa, não ocorreu visita
programada pela enfermeira. As visitas realizadas pela auxiliar de enfermagem são
basicamente direcionadas a procedimentos técnicos, como curativos. Entre os agentes de
saúde, pôde-se notar diferenças quanto à integralidade da abordagem, que pareceu relacionar-
se com sua interação com os movimentos comunitários (diário de campo 2).
Quanto às atividades com grupos, observou-se que a médica vem planejando e realizando
atividades com diferentes grupos etários, envolvendo trabalhos manuais e cuidados com o
meio ambiente. Também vem procurando articular os agentes de saúde ambiental e as
diferentes organizações locais no seu desenvolvimento, bem como instituições formadoras,
através de campo de estágio para alunos da área da saúde. São exemplos desse movimento o
Projeto de Educação Popular em Saúde e Meio Ambiente e as Feiras de Saúde e Cultura,
tendo estas, além do aspecto educativo, o objetivo de valorizar o potencial histórico, artístico
e culinário do bairro, bem como o aspecto da geração de renda, estimulando a estruturação de
uma “feirinha típica” (diário de campo 2 e entrevista 7).
O Distrito Sanitário vem incentivando e apoiando a coordenação de grupos de convivência
pelos agentes de saúde, que têm registrado mais atividades coletivas com a comunidade do
que a média municipal. Este apoio é dado através de capacitação e planejamento do trabalho
com grupos de idosos e adolescentes, na perspectiva da educação popular em saúde,
estimulando a reflexão a respeito dos problemas de saúde e da necessidade de sua organização
121
para o enfrentamento destes problemas, o que envolve a atuação deste grupo como
multiplicadores de informação na comunidade (diário de campo 2 e entrevista 10).
Contudo, o trabalho é recente e necessita de um maior amadurecimento, inclusive da postura
dos agentes de saúde, que ainda ocupam muito tempo de fala, tecendo comentários e
explicações, sem conseguir estabelecer uma dinâmica que facilite as trocas entre o grupo
(diário de campo 2).
Em relação ao trabalho em equipe, percebe-se um certo conflito entre seus membros, sendo
colocado por alguns agentes a importância de estar com o “coração aberto à sabedoria dos
outros”, pois sempre as duas partes que interagem precisam aprender, se referindo tanto à
relação com a comunidade, como entre a equipe (diário de campo 2 e entrevista 10).
Consideram que há idéias interessantes trazidas pelo grupo, mas que precisam ser
amadurecidas e construídas no seu coletivo, para que não gerem o trabalho alienado e tenham
continuidade e resultados; ou mesmo que se comprometa ações já iniciadas, implantando-se
outras, sem consolidá-las (diário de campo 2 e entrevista 10)
No que diz respeito à articulação intersetorial, mesmo considerando que os agentes
comunitários de saúde têm conseguido impactar em questões como registro civil, crianças na
escola, voto consciente, resgate da história do bairro, solidariedade no cuidado com o
próximo, etc., uma agente ressalta a necessidade de uma melhor articulação do PSF com
outros setores do governo e da sociedade (diário de campo 2).
Por conta da atuação do Programa envolver aspectos como cidadania, trabalho, educação e
violência, e outros setores não conseguirem garantir o acesso a serviços essenciais, ou mesmo
por fazerem uma abordagem inadequada junto à comunidade, pontua que terminam criando
122
resistência ao trabalho desenvolvido pelos agentes de saúde, citando, por exemplo, o caso do
Conselho Tutelar (diário de campo 2).
4.2 .2 .4 .2 .2 .4 .2 .2 .4 .2 .2 . O conteúdo emancipador no cotidiano da unidade de saúde da família:
concepções e práticas
Características da gestão municipal do Programa Saúde da Família
A coordenadora, a médica e a enfermeira pontuam que a gestão municipal vem investindo na
ampliação e qualificação do PSF, na perspectiva de promover uma abordagem integral do
cidadão em seu contexto e nos diferentes níveis de atenção (entrevistas 6,7 e 8). A agente de
saúde também pontua o investimento na qualificação profissional, inclusive em relação às
ações de saúde coletiva, mas expõe que não há garantia de resolutividade dos problemas
quando estes precisam de outro nível de atenção, pois além da sobrecarga do próprio
município, este ainda atende a demanda de outros (entrevista 10).
A enfermeira menciona que os agentes de saúde estão com um número de famílias apropriado
para se realizar um bom acompanhamento, entretanto, a médica refere diferenças na
organização do serviço entre Distritos Sanitários e Diretorias. Pontuam deficiências na
garantia de adequada infra-estrutura para as unidades de saúde – estrutura física, insumos,
equipamentos e manutenção, bem como apoio insuficiente para se trabalhar a mobilização da
comunidade ou atividades educativas, quer seja material ou informação, atividades que
exigem formação e habilidade: “a gente vê muito o colega se esforçando para fazer o máximo
que pode, mas continua aquele albinho seriado, aquela reunião formal (entrevistas 7 e 8).”
Embora a médica considere que a gestão tem oferecido suporte em relação ao
desenvolvimento do trabalho em equipe, observou-se que este se dá mais ao nível individual,
123
do que no coletivo da equipe (entrevista 7 e diário de campo 2). A agente de saúde também
menciona melhorias no suporte à realização de grupos pelos agentes de saúde, investimento
do Distrito Sanitário em projetos de capacitação que vem possibilitando o crescimento do seu
papel enquanto profissional, “[..] no grupo está crescendo, porque a gente era um pouco
restrito, tinham os grupos, mas não com a visão que a gente tem hoje. Então este é um apoio,
[..] (entrevista 10)”.
Com relação à articulação para o enfrentamento de problemas que dizem respeito a outros
setores do governo, a médica, assim como mencionado por uma agente de saúde, refere que
não se tem integração, nem garantia de que a equipe de saúde será escutada e respaldada:
Passei ontem, estavam drenando o esgoto na água pluvial. Está errado. Eu
me coloquei enquanto médica do Saúde da Família, coloquei todo o absurdo
que estava sendo feito ali e pedi que eles parassem e eles pararam. Só que
hoje vem a resposta da liderança que fez o contato [...] vai ter que continuar,
porque não tem outra alternativa, senão pára a obra. E aí? O que a gente vai
fazer? Eu tenho que conversar, inclusive com os agentes de saúde ambiental,
porque acho que isso deve ser levado à Vigilância à Saúde. [...] Eu não
concebo a gente não parar esta obra e continuar fazendo mal... [...] eu vou
ser escutada pelo Distrito... agora se vai haver o respaldo para parar a obra e
a Secretaria de Saneamento para dar a solução... é difícil responder... eu não
sei realmente (entrevista 7).
A usuária, por sua vez, faz referência à importância de se investir na interação da Secretaria
de Saúde com a comunidade:
Eu acho que poderia ser bem melhor. Porque os moradores não sabem nem
que tem o Distrito. Eu acho isso uma falha muito grande, os moradores não
terem conhecimento do Distrito... tem quando a gente diz: “qualquer coisa
vá ao Distrito, se não resolver”... é uma orientação nossa! Mas dele ter
conhecimento, numa unidade que já existe há quase onze anos! Não tem!
Como também o pessoal do Distrito, os funcionários, não conhecem as
comunidades. Eu acho isso uma falha muito grande. Eu acho que se tivesse
esse contato, eu acho que até mesmo o Programa melhorava (entrevista 11).
124
Aspectos relevantes do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da Família
A coordenadora refere que o PSF trouxe a real aproximação do serviço de saúde da
comunidade, a responsabilização da equipe de profissionais pelo território, a intervenção a
partir do diagnóstico de sua realidade e a organização da rede (entrevista 6). Além destes
aspectos, a enfermeira menciona que “[...] não tem aquela necessidade de ter quantidade e sim
qualidade”, permitindo uma atenção diferenciada, com continuidade e estabelecimento de
vínculos entre profissionais e comunitários, o que traz mais confiança, ajudando na
compreensão dos problemas e contribuindo para uma melhor intervenção:
Eu acho que neste sentido as pessoas ficam mais abertas, até para contar seus
problemas e a confiança é muito importante [...] às vezes seu problema não
precisa nem de uma medicação, às vezes só uma conversa, um momento que
você dedica a essa pessoa, já resolve o problema dela (entrevista 8).
A enfermeira e a agente de saúde consideram que a aproximação com a comunidade tem
permitido ao PSF responder à necessidade de escuta das pessoas, pois a equipe atua como um
assistente social ou psicólogo, sendo considerada como uma “mãe”, que ouve e procura ajudar
(entrevistas 8 e 10). Entretanto, a auxiliar de enfermagem restringe esta aproximação à
relação médico�paciente:
É bem melhor, né? Porque assim, é bom pro paciente como para o médico
também, o acompanhamento é bem melhor para os pacientes, porque a gente
vai num posto normal, um dia é um médico outro dia é outro médico, no PSF
não, é o mesmo médico, que já te conhece sabe sua história (entrevista 9).
A agente refere que “está se humanizando mais, trabalhando com mais dedicação, com mais
amor... coisa que a gente via assim, individual, aquele profissional era dedicado, mas não era
um trabalho conjunto e hoje a gente vê como um trabalho conjunto”. Relaciona bastante o
PSF à solidariedade, “vejo desta forma, eu vejo porque estou vivenciando a cada dia... de
ajudar... agora mesmo eu estava pedindo para arrecadar roupas para poder doar para uma
família”, mas considera que o Programa ainda tem muito o que desenvolver (entrevista 10).
125
Apesar da agente de saúde pontuar que o Programa tem possibilitado o acesso de muita gente
aos médicos e mudado a vida de algumas pessoas, a coordenadora faz a ressalva de que a
população não tem a oportunidade de escolha do profissional que irá atendê-la, mas, por outro
lado, considera que os problemas podem ser superados com a mobilização junto aos gestores:
[...] aquela comunidade... suas lideranças... elas saberem que aquela equipe
está ali e... pode não estar... a equipe tem que ter clareza também dessa...
linha de mão dupla... de que ela está numa comunidade e aquela comunidade
se mobiliza, aquela comunidade está organizada. A organização daquela
comunidade tem que ser considerada, saber que a comunidade está ali pra
estar atenta realmente ao que está acontecendo [...] (entrevista 6).
Para a médica, o PSF oferece “[...] o embasamento que você precisa para dizer: ‘não, essa
doutora não está fazendo... blá, blá, blá.... numa sala de recepção da unidade’. Então ele
permite que a gente veja a saúde como a gente acredita, como um todo” e possibilita a
ampliação das atividades coletivas (entrevista 7).
Em relação a essa ampliação, a auxiliar de enfermagem menciona que a diversificação dos
grupos e da temática abordada é importante para esclarecer sobre questões de saúde,
principalmente informações para prevenção (entrevista 9). Já a médica faz referência às
atividades para implantação da unidade de saúde – as reuniões para discutir com a
comunidade o modelo de atenção proposto, bem como o planejamento de sua chegada, pois
quando bem desenvolvidas, o PSF funciona bem. Nas áreas onde anteriormente havia uma
unidade tradicional e o Programa não é bem debatido com a comunidade existe maior
dificuldade de compreendê-lo, inclusive pelos profissionais da equipe, a ansiedade pela
consulta permanece e as atividades de educação em saúde ficam em segundo plano (entrevista
7).
A usuária, assim como a agente de saúde, pontua a importância do PSF para pessoas de baixa
renda:
126
[...] teria visitas nas casas e eu achei muito interessante pras pessoas de baixa
renda [...] o atendimento ao povo, porque é muito difícil você conseguir uma
vaga lá fora para um médico e facilitou muito na questão do atendimento, na
marcação [...] de ter acesso ao médico, até porque a gente mesmo se
acomodava e não ia ao médico. Ia mesmo quando tinha crise renal ou pra ter
nenê, só mesmo, não procurava a prevenção, nada, nada (entrevista 11).
Considera que o acesso é facilitado também pelo fato de haver o atendimento de outros
profissionais, não sendo tudo centrado no médico, como em outras unidades e ressalta a
qualidade da atenção:
[...] embora a estrutura não fosse de primeira [quando a unidade funcionava
na unidade móvel], mas o atendimento era muito bom [...] bem melhor,
porque ela se identifica com as famílias, passa a conhecer melhor [...] cada
um tem um problema, tem suas ignorâncias, a dificuldade de fazer um
tratamento e ela conhece e trata mesmo como se fosse da família [...] e se
torna uma pessoa da família (entrevista 11).
O enfrentamento dos problemas de saúde pela comunidade atendida pelo Programa
Saúde da Família
A coordenadora e a médica acreditam que as pessoas percebem, e faz diferença, quando a
equipe do PSF trabalha a saúde de forma ampliada, esclarece seus direitos e deveres, as trata
com humanidade, compreendendo suas histórias de vida: passam a adoecer menos e a cuidar
da saúde de uma forma mais integral (entrevistas 6 e 7).
Eu acho que eles se cuidam melhor [...] os pacientes que têm acesso ao
Programa Saúde da Família, onde estão sendo trabalhadas outras questões
[...] passam a ver a saúde de outra forma e buscam outras coisas para o
equilíbrio [...] faz um diferencial... eu acredito demais! Por isso que eu luto
para que a gente qualifique cada vez mais a atenção que é dada no PSF,
porque [...] muda a forma do pensar [...] do viver [...] de abordagem de
problemas e adoece menos, quando você tem esta ligação direta com o PSF
funcionando direitinho. [...] de você ser visto como um ser humano,
holisticamente, com seus defeitos e suas qualidades, seus dramas, suas
vivências... [...] aquele que está inserido num Programa como esse aqui, ele
vem com milhões de outras questões e o outro não, vem só para o remédio,
vem só para aquela assistência e quem está inserido sabe que ali ele vai
127
encontrar outras respostas, ele trabalha a família de outra forma... eu acho
que é muito diferente (entrevista 7).
Contudo, a coordenadora pontua que grande parte das queixas feitas ao Distrito Sanitário
continua a ser em relação à ausência dos profissionais e ainda se valoriza muito a consulta
médica, pois é um processo compreender que o atendimento às suas necessidades de saúde
não está apenas dentro do consultório médico (entrevista 6).
A enfermeira, a auxiliar de enfermagem e a agente de saúde enfatizam que a mudança no
cuidado é devida ao acesso à informação sobre saúde (entrevistas 8, 9 e 10).
[...] porque a gente tem um processo de prevenção contínua. A informação
chega a ele diariamente. Ele não vai saber daquela informação só ao nível de
rádio e televisão, recebe a informação diariamente na sua casa [...] e outra
vantagem também é que alguma dúvida que ele venha a ter, ele pode vir a
nós e também tirar essa dúvida em relação á saúde, ao saneamento, ao que
faz com uma doença “x” [...] a gente nota as mudanças, mas se for levantar a
nível geral, ainda são pequenas e [o que se propõe] é uma mudança enorme,
não é? [...] as mudanças ainda foram poucas, foram muito gratificante, mas
poucas. Porque o caminho é muito longo. Já se vê as pessoas se preocupando
mais com a saúde, procurando logo atendimento quando há algum problema,
famílias cuidando da água parada, dos entulhos, do local de colocar o lixo,
pois sabem o que isto pode acarretar (entrevista 8).
O descuido de alguns é visto pela agente de saúde como conseqüência das preocupações com
a vida, principalmente as mulheres, que são geralmente as provedoras e cuidadoras da família.
Também destaca o aspecto cultural, pois é muito difícil conscientizar, “[...] um dia ela chegar
e entender, aquilo entrar dentro dela e ela começar a fazer [...] acho que a melhor forma da
gente educar é a gente demonstrar no dia-a-dia (entrevista 10)”. Por outro lado, a auxiliar
pontua que “[...] com tanto esclarecimento do agente de saúde, do médico, enfermeiro, do
próprio auxiliar também, tem uns que não ligam, não estão nem ai (entrevista 9)”.
128
A usuária afirma que há um melhor cuidado com a saúde por parte da comunidade, tanto pelo
maior conhecimento acerca dos cuidados e dos direitos, quer seja em relação à consulta, ao
exame ou ao medicamento, bem como por um melhor acesso ao serviço de saúde.
Mudou e muito! Porque antigamente dava um chá, ficava apelando pra não ir
pro hospital, até por conta da dificuldade. Hoje as mães cuidam de fazer a
prevenção, seja em vacina, seja em prevenções no colo do útero.... É em
todos os sentidos a prevenção.... mais cuidados. Hoje, quando os meninos
adoecem, correm de imediato pro posto, porque sabem que tem um médico
de plantão, tem um enfermeiro, tem um auxiliar de enfermagem, tem um
agente de saúde que ajudam (entrevista 11).
Comunicação e integração entre equipe de saúde da família e comunidade
A coordenadora menciona que “[...] em algumas unidades do Saúde da Família, a gente vê
claramente essa relação mais próxima da comunidade com a equipe, em reuniões periódicas,
na formação dos grupos [...] reunião com o conselho de moradores”, mas que em outras isto é
mais frágil. Refere ser necessário investir nos profissionais, que muitas vezes se sentem:
[...] perdidos na comunidade, com medo da comunidade, porque eles não
têm essa formação, minha gente! Não têm! Ele saiu de um consultório pra
ser colocado dentro do PSF e achar que pode fazer a mesma coisa. [...] Não
consegue a articulação que tem que ter com a equipe... é um grande desafio...
conseguir trabalhar em equipe... se não consegue compartilhar conhecimento
enfermeiro, médico, auxiliar, ACS... todos com suas ignorâncias e saberes,
como é que vai conseguir com a comunidade? É muito complicado, sabe? A
gente não consegue isso de uma hora pra outra não (entrevista 6).
Entretanto, percebe que mesmo sendo competente em realizar um diagnóstico participativo, o
profissional pode considerar a comunidade “[...] num nível inferior... alguém que está
precisando dos ‘seus’ conhecimentos e não está respeitando nunca o conhecimento daquela
população... a famosa troca de saberes”. Assim, enfatiza que “é uma questão de concepção
política... por mais que a gente capacite, se ele não tiver essa opção de trabalhar com saúde
pública, ele não vai conseguir ser o profissional [...] dentro da proposta do Programa
(entrevista 6)”.
129
A agente de saúde e a médica referem que os agentes comunitários são o principal canal de
comunicação. Mas também mencionam que são necessários investimentos para melhoria da
comunicação entre equipe e comunidade:
[...] nem todo mundo tem coragem de expressar o que sente. Então eu acho
que o problema maior está aí. Enquanto eu dou abertura pra ele chegar pra
mim e falar alguma coisa, eu acho que essa abertura... eu acho que ele não
tem pra chegar a outras pessoas e falar. [...] mas esse espaço eles vão
conquistar (entrevista 10).
A caixa de sugestões é lembrada pela agente, para que as pessoas possam demonstrar o que
pensam sobre os profissionais, se estão atingindo suas expectativas e a médica cita a
importância de se buscar aliados para fortalecer os canais com a comunidade, reportando-se
às representações comunitárias como importantes parceiras (entrevistas 7 e 10).
A médica ainda enfatiza que em todos os espaços deve-se falar sobre o modelo proposto pelo
PSF, que funcionará de fato quando todos perceberem sua missão:
[...] enquanto esta missão não estiver clara e a gente que trabalha nela se
fizer entender por todos os veículos que tiver na área... eu acho que o
Programa não vai funcionar bem, tem que ser a população entendendo, saber
o que vai buscar, o que vai cobrar... (entrevista 7).
Para a auxiliar de enfermagem, os espaços para a equipe discutir o PSF com a comunidade
não acontecem mais porque a maioria já tem conhecimento:
[...] acontecia antes, mas como a maioria da população já tem o
conhecimento do que é o PSF, como é o Programa... aí hoje não tem esse
contato. [...] A gente fazia palestras, para falar do programa nas
comunidades. [...] eles falavam...faziam perguntas, davam as opiniões deles
(entrevista 9).
Mas pontua a interação com as associações comunitárias, principalmente com a do local onde
se situa a unidade de saúde, que ajuda a organizar reuniões, bazares e outras atividades, bem
como convida a equipe para fazer palestras sobre saúde em cursos que oferece (entrevista 9).
130
São tidos pela enfermeira como os principais espaços de comunicação entre equipe e
comunidade, as visitas domiciliares e principalmente os grupos. As trocas nestes espaços
dizem respeito a questões preventivas, onde se procura trabalhar na perspectiva de serem
multiplicadores de informação: "[...] até mesmo porque palestra não funciona legal... [...] é
uma palestra, mas ao mesmo tempo não fica só a gente falando, mas que tenha aquela troca de
informação, o que é que todos acham... e tirando as dúvidas deles (entrevista 8)”.
A respeito da postura da comunidade, a usuária considera que “[...] antigamente cada um era
consciente do que estava recebendo, de que estava bem melhor, dos seus direitos, mas eram
mais acomodados, eles faziam mais receber [...]” e atualmente, por conta do modo como as
ações vêm sendo desenvolvidas, estão participando mais das atividades promovidas pela
equipe de saúde.
Hoje, de um ano e meio pra cá, eu percebo que a comunidade está
participando mais das ações do posto [...] antes participava menos, mas tinha
tudo que tem hoje, é como se ficasse em casa esperando, recebia, mas não se
mobilizava, não participava de nada, dos planejamentos. Hoje eu percebo
assim, que a unidade está trazendo mais aprendizado pra dentro da unidade,
seja criança, adolescente, idoso [...] acho que é mais por conta da médica [...]
conversando, atraindo... fez uma reunião aqui uma vez, eu acho que a turma
se agradou e começou a freqüentar. Ela trouxe uma pessoa pra fazer
trabalhos manuais e as senhoras daqui, muito ociosas... e eu acho que daí
começou a chamar atenção (entrevista 11).
A usuária, presidente de uma das associações comunitárias, refere que vem ocorrendo maior
envolvimento da demais associações comunitárias, tanto na elaboração de estratégias de ação,
como no apoio à sua execução, a exemplo do bazar e da biblioteca da unidade de saúde da
família, bem como das Feiras de Saúde e Cultura:
Antigamente as comunidades dos bairros vizinhos que eram atendidos no
posto de saúde se articulavam muito [...] hoje a coisa se estendeu, as pessoas
de classe média alta procuram ajudar, as entidades formadas, hoje são mais
de três... procuram colaborar. Antigamente não [...] era apenas a associação
de moradores [...] e a unidade que trabalhavam em prol da comunidade. Hoje
não, melhorou bastante, hoje tem muitos voluntários (entrevista 11).
131
O controle social no Programa Saúde da Família
A coordenadora menciona que no Distrito Sanitário tem apenas uma unidade do PSF com
Conselho Local de Saúde e pondera que não existe controle social formal, mas que há um
controle na medida em que a comunidade se organiza para cobrar algumas questões, seja na
unidade de saúde ou no Distrito. Considera que este é um processo de aprendizado tanto para
a comunidade como para as equipes de saúde, sendo necessário oferecer subsídios a ambos:
[...] eu acho que cabe à gente... que está na gestão...estar trabalhando com
essas equipes...trabalhando a própria população [...] fazer a articulação[...]
identificar... na comunidade quem pode estar puxando essa discussão...
porque se a gente for esperar que isso surja do profissional, da grande
maioria... isso não vai acontecer. Eu acho que muitas vezes ela vem do outro
lado, ela vem como exigência da comunidade (entrevista 6).
Entretanto, expõe que a participação social “muitas vezes ela vem do outro lado, ela vem
como exigência da comunidade”, quando esta é politizada, mobilizada, inclusive para solicitar
o PSF, o que acontece muitas vezes através do Orçamento Participativo. Porém, quando a
comunidade não é organizada, a colaboração da equipe no fortalecimento de sua autonomia
dependerá muito da formação e da concepção política dos profissionais da equipe de saúde
(entrevista 6).
Para a médica, “[...] a população precisa acordar mais para o poder que ela tem de estar dentro
de uma unidade”:
[o controle social acontece] muito pouco, porque passa ainda por essa
questão do entendimento. Na hora que a população perceber... a gente está
tentando isso aqui... na hora que a gente cria reuniões e fóruns mensais para
se discutir, para fazer o planejamento conjunto, pra que se fiscalize... eu acho
que é um caminho pra isso [...] (entrevista 7).
Menciona que a equipe convidou as distintas lideranças comunitárias para participarem do
planejamento das ações, com o objetivo de incorporar seus valores e as necessidades que
consideram prioritárias, bem como facilitar o entendimento e monitoramento das ações.
132
Apesar das disputas por espaços de poder, pontua que pela primeira vez estas lideranças
sentaram para construir juntas um projeto de enfrentamento dos problemas para melhoria da
qualidade de vida (entrevista 7).
A enfermeira considera o controle social ainda precário, sendo necessário um melhor
entendimento do PSF e maior interação entre equipe e comunidade. Aponta que ainda se foca
o atendimento curativo, e, por outro lado, reclama-se de problemas gerenciados por outros
setores, como lixo e esgoto, sendo seu encaminhamento geralmente um processo lento
(entrevista 8).
Pondera, contudo, que apesar de terem feito reuniões por microrregiões “para esclarecer o
Programa, a minha função, a função da médica, a função da agente de saúde [...] o que temos
para oferecer, o que podemos e o que não podemos fazer, nossos limites”, elas não têm uma
freqüência, o que considera importante, pois as pessoas que mais criticam não participam
destas discussões e geralmente são problemas que surgem pela falta de informação (entrevista
9).
Por outro lado, a auxiliar de enfermagem menciona que nunca conversou na equipe sobre
Conselho de Saúde e assim como a agente de saúde, expõe que a comunidade não fala o que
pensa das ações desenvolvidas, nem dá sugestões, o que considera que seria muito bom.
Juntamente com a enfermeira, referem que as reclamações são geralmente feitas à liderança
local, às vezes às agentes de saúde, mas raramente à enfermeira ou à médica, ou em espaços
de reunião e de grupos (entrevistas 8, 9 e 10).
Um outro aspecto levantado pela agente de saúde é a dificuldade que os moradores que
residem mais distantes têm para freqüentar a unidade de saúde, o que compromete a
participação nas ações e no exercício do controle social (entrevista 10).
133
A usuária, liderança comunitária, afirma atuar como ponte entre profissionais e comunidade.
Refere funcionar como um “comunicador” dos elogios e reclamações, encaminhando as
questões colocadas pela comunidade e retornando com alguma informação da equipe de
saúde. Também menciona que orienta a procurarem o Distrito Sanitário, caso não consigam
resolver o problema com a equipe de saúde (entrevista 11).
O Programa Saúde da Família e a cidadania
A médica acredita que o PSF pode ser “[...] uma estratégia libertadora, de dar autonomia, das
pessoas perceberem a saúde de outra forma”. Para tanto, refere ser preciso construir um
modelo de atenção à saúde onde:
[...] você vai discutir com as pessoas uma visão mais ampla de mundo, de
autonomia, de cidadania, quais são os determinantes de saúde e de doença e
onde é que a gente, juntos, equipe de saúde e comunidade, podemos estar
interferindo para que isso mude. Esse é o modelo que eu acredito! (entrevista
7)
Considera que incentivar a cidadania envolve o reconhecimento da história e habilidades da
comunidade, elevar sua autoestima e criar espaços para geração de renda.
[...] esse potencial da comunidade precisa ser entendido, para que ela aflore
sua identidade cultural. [...] pra mim essa é a grande missão do PSF, estar
junto, cuidando das pessoas e deixando com que elas aflorem enquanto
cidadãs, que têm direito a um espaço, respeitando a sua identidade. [...] é
muito bonito e gratificante você ver que senhoras que eram tidas como
bichinhos do mato na comunidade, estão vindo dizer: “Doutora, não sabia
que podia fazer tanta coisa e ainda ganhar meu dinheirinho”. Isso liberta!
[...] esta é a grande missão: cuidar das pessoas, qualificando a vida, dando
independência e respeitando o perfil de cada comunidade (entrevista 7).
Contudo, pontua mais uma vez que "[...] para isso, as pessoas que estão na ponta têm que ser
extremamente qualificadas e terem claro essa missão... que eu acho que hoje é a grande
dificuldade”, ter esta clareza, ter criatividade e gostar do que faz.
134
É por isso que a gente aqui inventa tanta coisa, porque a gente tem uma coisa
criadora de cidadania, de libertação e de construção de um modelo com uma
qualidade de vida [...] se eu não acreditasse nisso, se fosse meramente uma
pessoa que fosse enquadrada num modelo que limita, eu não estaria aqui
(entrevista 7).
Para a enfermeira, “[...] como tudo na vida da gente, a gente tem que ter consciência da nossa
cidadania. A gente como profissional, o comunitário como paciente, porque se não, não
funciona não”. Coloca que muitas pessoas desconhecem o significado da cidadania, tema que
vem sendo trabalhado nas atividades coletivas, discutindo-se direitos e também deveres,
direito a decidir as melhorias para sua comunidade, a escolher, a votar, bem como a ter a
equipe de saúde na comunidade, ajudando, orientando, educando e prevenindo (entrevista 8).
A agente de saúde pontua que começou a perceber melhor a relação entre o PSF e cidadania a
partir da capacitação para se trabalhar com grupos de adolescentes e idosos, feita pelo Distrito
Sanitário. Agora sabe da importância de abordar este tema, de conhecer os deveres e também
os direitos dos cidadãos.
Eu conversava muito pra que eles buscassem o que fosse melhor pra
comunidade, se eles não estavam satisfeitos [com as ações da associação de
moradores e seu presidente], eles tinham que lutar pelos objetivos que eles
queriam para comunidade. Então essa foi a minha interferência,
conscientizar eles que eles tinham direitos, que tinham poder de voto, poder
de modificar e falar, que eles realmente poderiam ir muito mais além. Essa
foi minha contribuição [para uma nova eleição de presidente da associação
de moradores], independente da minha amizade com a liderança, eu passei
isso para as pessoas, que eles tinham que lutar e batalhar (entrevista 10).
Para a auxiliar de enfermagem o PSF favorece a cidadania quando as pessoas sabem a quem
se dirigir para cobrar seus direitos, o que não acontece em uma unidade tradicional, pois não
se sabe quem são seus responsáveis. Entretanto, não considera que a consciência desses
direitos está relacionada às ações desenvolvidas pela equipe de saúde (entrevista 9). A
coordenadora, por sua vez, acredita que a população, independente do PSF, reconhece seu
135
direito à saúde e cobra do profissional se este “não contribuir para efetivar sua cidadania”
(entrevista 6).
A usuária relaciona cidadania a organizar os documentos e “orientar e ajudar a pessoa a ter
seus direitos”. Expõe sua dificuldade em compreender sua relação com o serviço de saúde e,
deste modo, algumas atividades desenvolvidas pela equipe. No entanto, vem tentando estar
aberta para este novo olhar.
Sou um pouquinho cafona, da antiga, acho que devia ser assim: saúde,
saúde! Cuidar da saúde! Mas ao mesmo tempo eu estou [...] querendo mudar
de opinião. É que vejo que [cidadania] faz parte também da saúde [...] mas
ainda não está muito claro na minha cabeça [...] porque sou um pouco
resistente à mudança, mas eu também tenho consciência lá no fundo que isso
faz parte também [...]. Para mim saúde é estar bem com a cabeça, bem com
você mesmo [...] mas o que é mais preciso hoje [...] é haver um respeito...
[...] quando você tem o respeito um pelo outro, quando procurar a união, um
ajudar o outro, assim a cabeça começa a funcionar melhor (entrevista 11).
Concorda que existe essa relação, mas expõe a dificuldade, também colocada pela médica, de
conciliar atividades coletivas com a demanda por consultas, ponderando que:
[...] deveria caprichar no lado da saúde mesmo, deveria ter a médica e algum
grupo que fizesse esse trabalho. Agora, a médica seria pra consultar, pra
tratar... e depois podia estar reunindo com esse grupo [...] eu acho que o
médico tem que fazer parte [...] mas teria que ter um grupo para ajudá-la,
porque deveria ter mais consultas [...] a demanda é muito grande e se a
médica fica sentada oito horas no consultório, vai ter paciente sim! Porque
acho que não é só curar uma dor no estomago, uma dor nos rins, uma dor de
cabeça... até mesmo conversar com o médico... eu acho que faz a gente ter
saúde, pela questão da confiança que a gente deposita no médico [..] e esse
da Família a gente tem um envolvimento maior... às vezes a gente precisa até
conversar mesmo... um problema... é como se ele fosse não só médico de
curar só a dor... é também um tipo psicólogo. Eu acho que o médico da
família deveria ter este preparo... e que acho que já tem... pelo
desenvolvimento aqui da coisa como está crescendo, eu acho já tem
(entrevista 11).
136
Algumas dificuldades e desafios do modelo de atenção proposto pelo Programa Saúde da
Família
A coordenadora considera que já houve avanços e que o PSF “[...] vem incrementando a
discussão acerca da relação dos profissionais com a comunidade [...]”, mas pondera que a
mudança de atitude “[...] não se dará apenas pela entrada no Programa, mas se dará enquanto
um processo a partir da compreensão de sua proposta”. Pontua que “[...] ainda há muitas
queixas do atendimento, que o profissional não olhou para o indivíduo na hora da consulta.
Ele ainda vê a doença e não o cidadão que está sofrendo naquele momento (entrevista 6)”.
Essa mudança miúda, ela não acontece de uma hora pra outra... e não vai
acontecer por vontade só daquele profissional. Porque eu estou no PSF hoje,
minha relação com a comunidade é diferente. [...] Agora, eu acho que a
gente vem conseguindo conquistar, a gente vem conseguindo fazer uma
discussão com os profissionais pra que, exatamente, essa relação se
modifique. Se você tem a compreensão da proposta do PSF, essa relação, ela
se modifica ao longo de sua entrada, mas eu acho que, de imediato, não
(entrevista 6).
Aponta ainda a autogestão das equipes de saúde da família como um grande desafio, tanto nas
questões administrativas, quanto nas de trabalho em equipe, dificultada ainda por uma postura
muito corporativa. Para seu enfrentamento, menciona que os Distritos Sanitários vêm
estruturando gerências por microrregiões, que têm por objetivo orientar e apoiar as equipes, e
articular Distrito Sanitário, unidades de saúde, organizações governamentais e não-
governamentais e lideranças locais. Também se espera que tenham um grande papel na
discussão do controle social, tanto com as equipes de saúde, como com a comunidade
(entrevista 6).
A médica também pontua o problema da formação e da mudança de atitude dos profissionais,
inclusive do agente de saúde, que têm dificuldade em trabalhar os determinantes mais amplos
do processo saúde e doença, não compreendem como se consegue realizar atividades para
137
mobilização e permanecem com a preocupação da produção de consultas, o que não irá mudar
a situação de saúde da comunidade, que sofre com doenças psicossomáticas devido ao
estresse, consumo de álcool na família, tristeza, desemprego etc., sendo necessário
desenvolver uma nova abordagem (entrevista 7).
Afirma ser preciso trabalhar o desenvolvimento de habilidades, atividades corporais,
estimular o lazer e a autoestima, ajudando as pessoas a se sentirem melhor e enfrentarem os
problemas com menos sofrimento – práticas aceitas pela comunidade, que verbaliza a
satisfação em ser ouvida e bem recebida (entrevista 7).
A médica sente-se respaldada pelo Distrito para desenvolver tais ações, mas refere ser
complicado se toda equipe não incorporar uma nova prática, bem como conciliar a
necessidade efetiva que a comunidade tem hoje de consultas, com a formação de espaços de
discussão para identificação conjunta de problemas e soluções, processo lento, mas
verdadeiro, de construção de um modelo de atenção à saúde participativo e empoderador
(entrevista 7).
Para a enfermeira, trabalhar com a comunidade é difícil, muitos ainda têm resistência em ir à
unidade, além da dificuldade que ainda existe em abordar alguns grupos, como os portadores
de transtornos mentais e alcoolistas. Por outro lado:
[...] acham que como a gente está aqui sempre, a gente está sempre a
disposição [...] nós temos nossos limites [...] geralmente, devido até a ligação
tão forte com a gente, eles acham que a gente tem que resolver tudo da vida
deles (entrevista 8).
Considera que um dos grandes perigos do PSF “[...] é criar o paternalismo, porque a gente
fica muito próximo, a unidade é deles [...] a gente está aqui por causa deles [...]eu acho que é
falta até de conhecimento realmente da própria comunidade do que é o Programa em si”,
questão que deve ser trabalhada nas atividades de educação em saúde (entrevista 8).
138
Uma das dificuldade pontudas pela agente de saúde refere-se à questão salarial:
[...] não é nem por causa do salário, porque eu acredito assim... que muitos...
como eu, estou porque... tem crescido e a gente se apega muito ao que faz, a
gente tem amor, porque na realidade eu tenho que fazer faxina no final de
semana para poder completar minha renda [...] no lugar de estar me
divertindo, me distraindo [...] para no começo da semana estar na batalha de
novo [...] (entrevista 10).
A agente também expõe o problema da garantia da continuidade do atendimento na atenção
especializada, assim como a usuária, que coloca a demora para marcação da consulta, bem
como para entrega de resultados de exame, estando mais fácil obter uma medicação ou marcar
uma cirurgia, o que “[...] está assim... mesmo tirando o sentido do povo de fazer os exames...
eu acho que isso está sendo muito ruim pra unidade (entrevista 11)”.
Sugestões para melhoria do Programa Saúde da Família
Para implementar o PSF, a coordenadora refere a necessidade de protocolos clínicos e de
definição dos fluxos e parâmetros de atendimento, bem como a realização de planejamento, a
construção de indicadores e a avaliação das ações junto com a comunidade (entrevista 6).
A médica menciona que a gestão precisa ter muita atenção em relação ao perfil dos
profissionais, além de sua qualificação, e aponta a necessidade de “fazer uma revisada no
papel do agente comunitário de saúde [...] ele entrou na rede por um caminho, se perdeu no
meio do caminho e hoje está tentando se resgatar [...] precisa se qualificar mesmo (entrevista
7)”.
Em relação ao trabalho de mobilização da comunidade, a médica considera ser preciso
esclarecer os padrões de produção que se espera de uma equipe de saúde da família, inclusive
das atividades de saúde coletiva, legitimando-as para que sejam incorporadas de fato:
Eu acho que o PSF não tem isso muito bem definido... Produção é consulta?
Produção é atividade educativa? Produção é reunião com grupo? [...] já
139
participei de ‘N’ reuniões à noite... E isso não conta nada? E ai? Eu faço
porque eu gosto muito desse trabalho, outro profissional vai dizer “eu dou
plantão à noite, não vou poder”. Então, porque esse espaço não pode ser
colocado na dinâmica da implantação do Programa? [...] E tem que ser uma
coisa porque a doutora gosta, porque a doutora se dispõe [...] eu tenho tido
todo respaldo, mas tem pessoas que [...] se sentem tolhidos e cobrados se não
fizerem aquele cronogramazinho fechado. Como resolver isso? Eu não sei.
Eu acredito que vem muito de formação (entrevista 7).
Apesar de enfatizar a necessidade de padronizar e legitimar atividades de saúde coletiva,
ressalta que não pode haver o estabelecimento de cronogramas rígidos:
[...] na verdade eu acredito muito no Programa, não no modelinho fechado,
que está no papel [...] mas ele como um lócus de cidadania. [...] já estou
interferindo no saneamento, na escola, na nutrição... tem um monte de
coisas.... na relação com as lideranças. Então hoje a gente está permeando
em tudo que permeia na comunidade (entrevista 7).
Pontua, assim, a importância das instituições formadoras ampliarem o olhar para a saúde e
incentivar os profissionais a se posicionarem diante dos desafios que irão enfrentar. Para esse
aprendizado, as vivências na comunidade são extremamente interessantes, pois estimulam a
percepção para além da patologia, bem como a criatividade na resolução de problemas
(entrevista 7).
A médica refere ainda a necessidade de melhoria da infra-estrutura para as unidades de saúde,
pois algumas chegam a ser insalubres e é preciso cuidar para que o PSF seja o “cantinho da
saúde” da comunidade, o mais humano e harmônico possível, bem como do fortalecimento da
articulação dos profissionais da rede de atenção básica à de referência:
[...] eles não têm a menor noção do que é o PSF, isso é muito ruim, porque a
gente perde o elo de ligação. [...] ainda é comum chegar para gente e dizer:
‘eu voltei para senhora porque lá o médico disse que o PSF não entende
nada, mas eu confio na senhora’... e volta pra gente (entrevista 7).
Outra questão que levanta para se pensar é a lotação dos profissionais de nível universitário,
quando possível, perto do seu local de residência, pois considera que interfere na percepção e
140
na relação com a comunidade, na sua qualidade de vida e, portanto, interfere positivamente
em seu trabalho (entrevista 7).
A sugestão feita pela enfermeira para melhoria do PSF refere-se a necessidade de um melhor
apoio de retaguarda às equipes de saúde da família, tanto no que diz respeito ao suporte
técnico, como ao atendimento nas áreas de assistência social, psicologia e fisioterapia, bem
como o apoio ao próprio trabalho em equipe (entrevista 8). Neste sentido a auxiliar de
enfermagem refere a incorporação de um odontólogo, bem como de mais um médico para que
as consultas não se acumulem por conta das ausências deste profissional durante cursos e
reuniões (entrevista 9).
Além do atendimento odontológico, agente de saúde pontua que os gestores devem
administrar melhor os recursos para que os municípios tenham condições de garantir a
continuidade do atendimento à sua população, sem sobrecarregar outros. Lembra que ainda
hoje, nos grandes hospitais, as pessoas precisam ir de madrugada, ou mesmo dormir, para
tentar um atendimento: “eu acho que o Governo Federal deveria pensar bastante nisso, pra
poder melhorar mais ainda, porque eu acho que um está ligado ao outro. Aí o Programa da
Família vai, faz sua parte, mas não tem... ali parou, porque não tem a outra continuidade
(entrevista 10)”.
Também enfatiza que “[...] na seleção de profissionais deveria ter critérios mais sérios, mais
rigorosos [...] tem ainda muito o que crescer e ainda falta assim... a humanização e o amor à
profissão [...] só vai dar mais frutos se colocarem mais profissionais dedicados e com amor”.
Refere que muitas vezes o problema que se coloca não é especificamente de saúde, mas
social, e o profissional precisa estar preparado para enfrentar questões como a fome e as
drogas. Se for para ser humanizado, é preciso apoiar as pessoas, quer seja no campo
141
emocional e moral ou mesmo material, através de recursos como alimento e roupa, pois
muitas vezes não se pode ficar a espera da ajuda do Governo (entrevista 10).
A usuária considera que a Prefeitura deveria utilizar seus terrenos para construir unidades de
saúde próprias e melhores, bem como oferecer mais serviços, como psicologia, odontologia e
assistência social. Menciona que os próprios funcionários da sede da Prefeitura, que “são
muitos e com desvio de função”, poderiam ir para as unidades, inclusive para ajudar a
desenvolver “o trabalho de cidadania” (entrevista 11).
Sabe que não é fácil, mas quando é melhor para o povo, tem que ser feito, “[...] porque é
muito difícil e a gente não tem condições pra bancar [...] encaminha, mas a gente não tem
antes de seis meses a consulta [...] tudo com muita dificuldade. A gente sabe que pode ser
melhor. Pelo menos eu tenho consciência [...] a Prefeitura hoje pode dar melhor a gente
(entrevista 11)”.
4.2 .3 .4 .2 .3 .4 .2 .3 .4 .2 .3 . D iscutindo a implementação à luz do conteúdo emancipador
A construção de um modelo de atenção à saúde que valorize a vida dos cidadãos e a
oportunidade de desenvolver suas habilidades é adotada como diretriz política pela Secretaria
de Saúde, que apresenta a reorganização da atenção básica a partir do PSF e a gestão
participativa dentre as estratégias para a defesa da cidadania.
A gestão vem investindo na ampliação da atenção básica através do PSF, havendo contudo
significativas variações na cobertura do Programa entre os Distritos Sanitários, bem como
dificuldades na garantia de continuidade do atendimento na rede especializada. Também tem
feito investimentos na qualificação da atenção, como o Curso de Especialização em Saúde da
Família para todos os profissionais de nível universitário e, no Distrito Sanitário selecionado,
142
a capacitação dos agentes comunitários para a formação de grupos de convivência com idosos
e adolescentes.
Embora a qualidade da atenção também esteja sendo incrementada com a melhoria das
condições de trabalho, a partir do estabelecimento do fórum permanente de negociação com
os trabalhadores e da implantação do PCCV, a realização de Concurso Público não abrangeu
cargos para o PSF e são mencionadas deficiências na garantia de infra-estrutura para o
funcionamento das unidades de saúde.
Em relação ao acompanhamento sistemático das equipes de saúde da família, apesar da
coordenadora apontar que tem se discutido com os profissionais do PSF questões relativas à
necessidade de transformação da relação entre profissionais/serviços de saúde �
usuários/comunidade, não aparecem nas falas das entrevistadas a orientação ou apoio
sistemático da gestão ao desenvolvimento das atividades de saúde coletiva e de mobilização
social. Também chama atenção as colocações a respeito da necessidade da gestão legitimar
tais atividades, mesmo a equipe se sentindo respaldada pelo Distrito Sanitário para
desenvolvê-las.
Quanto à gestão participativa, aponta-se o fortalecimento dos mecanismos de participação
popular para o controle social através da garantia das reuniões periódicas do Conselho
Municipal de Saúde, da capacitação dos conselheiros de saúde e da capilarização da
articulação com os atores sociais, a partir da descentralização das plenárias da Conferência de
Saúde por microrregiões dos Distritos Sanitários, da criação dos Conselhos de Saúde
Distritais e de unidades de saúde, bem como da incorporação das deliberações do Orçamento
Participativo na pauta de planejamento das ações.
Entretanto, a implantação de conselhos nas unidades do PSF não foi adotada como prioridade,
existindo no Distrito estudado apenas uma unidade com Conselho Local. Também não foi
143
contextualizada nos depoimentos a existência de fóruns periódicos para discussão da Política
de Atenção Básica entre os Distritos Sanitários ou entre gestores e profissionais de saúde, nem
a existência de espaços de integração da Saúde com demais áreas do governo e da sociedade.
As dificuldades e obstáculos levantados nas falas também aparecem nas deliberações da
Conferência Municipal de Saúde como questões que ainda precisam de maiores
investimentos, como a qualificação, acompanhamento e monitoramento do PSF, destacando-
se as ações educativas; o estabelecimento de fóruns com profissionais do PSF; a
democratização da informação e dos serviços, bem como o fortalecimento de parcerias com a
sociedade para prevenção de doenças e promoção da saúde.
No que diz respeito às diretrizes da Estratégia Saúde da Família, são mencionadas como
fundamentais para a transformação do modelo de atenção a responsabilização por um
território definido e a intervenção a partir do diagnóstico de sua realidade, possibilitando uma
atenção de qualidade, com continuidade e estabelecimento de vínculos de confiança entre
profissionais e usuários, permitindo a real aproximação entre serviço de saúde e comunidade.
A usuária também destaca a melhoria do acesso ao serviço, que é facilitado pelo fato do
atendimento não ser centrado no médico, havendo a efetiva atuação de outros profissionais.
Em relação ao reforço da ação comunitária, a equipe de saúde da família tem conseguido
envolver diferentes grupos sociais (idosos, adolescentes, mulheres) e entidades comunitárias
em ações de promoção da saúde, que buscam no coletivo a reflexão acerca dos determinantes
dos problemas de saúde. Estas ações visam a organização e articulação destes grupos na
identificação de soluções para o enfrentamento dos problemas, bem como potencializar, ou
mesmo aflorar, suas habilidades. Também têm sido feitos investimentos para atuarem como
multiplicadores de informações e mobilizadores da comunidade, onde o cuidado com o meio
ambiente aparece com ênfase.
144
A usuária menciona que a equipe (destacando a atuação da médica) tem conseguido atrair as
pessoas e proporcionar mais aprendizado nas atividades de saúde que desenvolve, o que tem
levado a assumirem uma postura mais participativa, inclusive tirando algumas da ociosidade,
pois mesmo conscientes de seus direitos e tendo acesso ao que tem hoje, estavam muito
acomodadas.
Parece que esta equipe tem conseguido atuar no reforço da ação não apenas dos indivíduos,
mas também de seus coletivos, bem como ampliado as discussões para além das orientações
com o autocuidado, reforçando a articulação e o apoio social, questões destacadas por Martins
Jr. (2003) e Valla (1992) como fundamentais no “apoderamento” da comunidade para
conquista de melhores condições de saúde.
Entretanto, observa-se que há na equipe visões e atuações bem diferenciadas e mesmo
contraditórias em relação às atividades coletivas. Estas, em alguns momentos, são tidas como
espaços para discussão a respeito da mudança do modelo de atenção, do planejamento e
avaliação das ações e dos direitos e deveres dos cidadãos; em outros, como espaços
destinados a “explicar” à comunidade o funcionamento do PSF e como cuidar melhor de sua
saúde, lembrando as dificuldade mencionadas por Donato & Mendes (2003) no
estabelecimento de trocas e parcerias verdadeiras com a comunidade, bem como o aspecto
levantado por Valla (1992) de enfocar a saúde como uma conquista particular, substituindo
problemas coletivos por individuais.
Contudo, a usuária afirma que está havendo uma maior preocupação com a saúde por parte da
comunidade, tanto pelo melhor conhecimento acerca dos direitos e dos cuidados, bem como
por um melhor acesso e acolhimento do serviço de saúde. Nas falas de algumas profissionais
é colocado que essa preocupação vem se ampliando para além do remédio, pois começam a
mudar a forma de ver a saúde e de enfrentar os problemas.
145
As contradições e diferenças no entendimento das ações coletivas refletem-se também na
compreensão da mudança de postura da comunidade: por um lado, e de acordo com o
entendimento de Donato & Mendes (2003) e de Jacobi (20020, percebe-se que este é um
processo lento e difícil, tanto pelas questões culturais em relação à supervalorização da
consulta e do atendimento médico curativo, como pelas preocupações do dia-a-dia com a
própria sobrevivência; por outro, há o sentimento de que as pessoas não mudam porque não
valorizam as informações que são passadas pelos profissionais de saúde.
Além do trabalho com os grupos de educação em saúde, os canais de comunicação com a
comunidade se dão mais através de suas lideranças. Se por um lado este é um aspecto
importante na mobilização social, por outro parece haver uma fragilidade no estabelecimento
de espaços mais ampliados da participação comunitária, como reuniões ou a formação do
Conselho Local de Saúde, para discussões a respeito do sistema e dos problemas de saúde.
É provável que a interação com as lideranças locais esteja relacionada com a própria história
de mobilização da comunidade para a implantação do PSF, que imprime uma dinâmica
diferenciada, inclusive entre as quatro comunidades de sua área de abrangência: a articulação
com as entidades comunitárias para o planejamento e desenvolvimento de ações é mais
intensa na localidade onde surgiu o movimento em prol do PSF, do que nas demais. É
interessante frisar que essa localidade conta com três entidades representativas atuantes e que,
como pontuado pela coordenadora, a participação social muitas vezes vem como exigência da
comunidade.
Mas observa-se que a equipe, primordialmente na figura da médica, vem estimulando a
colaboração e cobrando a co-responsabilização dessas lideranças no desenvolvimento das
ações de saúde coletiva, pois as considera importantes parceiras no fortalecimento de canais
de comunicação e participação da comunidade, o que vem, inclusive, estabelecendo uma
146
relação de cooperação entre elas, que representam distintas classes e grupos sociais e que
disputam espaço de poder no território.
No que diz respeito ao controle social, mesmo o Conselho Distrital de Saúde tendo sido
mencionado apenas pela gestora e sem a instituição do controle formal na unidade de saúde da
família, este vem de alguma forma acontecendo através de uma das lideranças comunitárias,
que assume um papel de mediadora entre comunidade, equipe de saúde e Distrito Sanitário.
Chama atenção o destaque dado ao fato das pessoas não verbalizarem suas opiniões
diretamente à equipe de saúde, e quando isso acontece, se dá mais com as agentes de saúde;
bem como a fala de que estas batalham um espaço nas reuniões de equipe para defenderem os
interesses da comunidade junto à médica e à enfermeira.
As entrevistadas reconhecem essa fragilidade, mas centram sua superação na melhoria da
compreensão dos profissionais e da comunidade acerca da proposta do PSF. Também há o
entendimento de que as críticas ao trabalho da equipe de saúde são devidas ao
desconhecimento do funcionamento do Programa, o que pode limitar a abertura dos espaços
para discutir a saúde de uma forma mais ampla e sistêmica. Contudo, mencionam a
importância de melhoria da articulação entre os serviços básicos e as unidades de referência,
bem como dos diversos setores do governo, visto a necessidade de responder a problemas de
saúde cuja resolução não está sob a gestão da saúde.
O exercício do controle social, como pontuado pela coordenadora, é um processo de
aprendizado para ambos os lados, no qual a gestão deve investir, tanto oferecendo subsídios à
comunidade e favorecendo articulações e mobilizações, como discutindo a questão junto às
equipes de saúde. No entanto a usuária menciona que apesar da descentralização da estrutura
organizativa da Secretaria de Saúde, a comunidade desconhece o Distrito Sanitário, bem
como seus técnicos desconhecem a realidade das comunidades, o que considera um obstáculo
147
para o avanço da participação e do controle social, bem como para melhoria dos serviços
prestados.
Essas observações evidenciam a fragilidade no estabelecimento de espaços de participação
social e de permeabilidade das propostas populares junto à administração pública, questões
relevantes como exposto por Donato & Mendes (2003) e Jacobi (2002). Também demonstram
os obstáculos ao estabelecimento de canais de comunicação e de formação de consensos entre
os atores que atuam no território, aspecto importante destacado por Goya (2003), que parece
associar-se à questão da luta entre classes sociais.
Quanto à promoção da cidadania, apesar das dificuldades apontadas, pode-se mencionar que
vem acontecendo ao se trabalhar junto à comunidade seus deveres e direitos, tanto em relação
aos serviços de saúde, como ao direito a decidir as melhorias para sua comunidade, inclusive
através do voto. Também é colocado pelas profissionais a incorporação dos valores e
prioridades da comunidade no planejamento das ações, através de suas lideranças e a resposta
que o PSF vem dando à necessidade das pessoas serem ouvidas, reconhecendo suas vivências
e compreendendo suas qualidades e limitações.
Ainda se pode mencionar o destaque dado pela médica à promoção da autonomia dos sujeitos,
ao se discutir a saúde de uma forma mais ampla, identificando seus determinantes e como a
equipe de saúde e a comunidade podem atuar conjuntamente para melhoria das condições de
saúde. Destaca ainda, como de fundamental importância, as ações dirigidas para o estímulo da
autoestima da comunidade, valorizando o desenvolvimento de suas habilidades e de seu
potencial cultural, inclusive para geração de renda.
É interessante a repercussão desse trabalho na liderança comunitária, que expõe seu dilema
em aceitar a participação dos profissionais de saúde em atividades de mobilização social.
Dilema que relaciona à necessidade de melhor compreender a relação entre saúde e cidadania,
148
mas principalmente à dificuldade da equipe em atender à demanda por consultas. Considera
que deveria haver outros profissionais, como assistentes sociais, para ajudar a realizar as
atividades de mobilização, sem comprometer o tempo dedicado às consultas, pois a demanda
não é apenas para cuidar da dor física, mas também da mente.
De um modo geral, os discursos para implementação do PSF apontam a importância da
adequada formação dos profissionais e de sua postura política junto à comunidade na
superação da cultura do modelo biomédico e paternalista, o que requer o desenvolvimento de
habilidades no que diz respeito a atividades de saúde coletiva e de promoção da saúde, como
ao enfrentamento de situações como a fome e as drogas.
Desse modo, colocam que as instituições formadoras precisam ampliar o olhar para a saúde e
incentivar os profissionais a se posicionarem diante dos desafios que irão enfrentar, sendo
fundamental a vivência de experiências nas comunidades. Também é ressaltada a necessidade
da gestão estar atenta ao perfil profissional e de rever suas atribuições, inclusive as do agente
de saúde, bem como o incremento da capacidade de autogestão das equipes do PSF.
Em relação às melhorias necessárias para qualificar a atenção à saúde, ainda se menciona que
é preciso garantir infra-estrutura para os serviços e implantar os protocolos e parâmetros de
atendimento, inclusive das atividades de saúde coletiva, legitimando-as. Também se refere um
melhor apoio de retaguarda às equipes, tanto em relação ao atendimento nas áreas de
assistência social, psicologia, fisioterapia e odontologia, bem como ao fortalecimento da
articulação com os demais serviços do sistema de saúde.
Nesse ponto, levanta-se a responsabilidade dos gestores, inclusive federais, em investir na
garantia da integralidade e continuidade do atendimento, pois apenas o PSF não atende às
necessidades da população. A usuária acredita não ser um processo fácil, mas considera que é
preciso, bem como possível, o governo municipal oferecer um serviço de melhor qualidade.
149
Capítulo 5555
C onsiderações F inais & R ecomendações
... a percepção que em mim se acumulava a respeito da trajetória do PSF... poderia resumir essas transformações, qualificando-as como autênticos saltos de qualidade; como passagens do sonhado ao concreto, do normativo-duro à dialética do possível; da teorização ao empirismo; do movimento para a realidade para o movimento a partir da realidade; da construção técnico-política à construção social.
Flávio de Andrade Goulart (Experiências em Saúde da Família: cada caso é um caso?, 2002)34
O presente estudo teve como propósito analisar, no cotidiano das unidades de saúde da
família, como os atores compreendem e produzem práticas de promoção da saúde e da
cidadania, observando os pressupostos teóricos do Programa. Cabe lembrar que, ciente da
heterogeneidade entre profissionais e serviços, a seleção intencional da amostra considerou
contextos favoráveis à implementação da proposta emancipadora do PSF, como a adoção da
promoção da cidadania e da reestruturação da atenção básica através do PSF como prioridades
de governo, bem como a identificação de equipes do Programa que venham desenvolvendo
ações voltadas para a mobilização da comunidade. Tal escolha teve como propósito permitir,
no âmbito da abordagem qualitativa, um melhor aprofundamento e abrangência da análise a
respeito de suas possibilidades e entraves.
Ainda é importante mencionar que o estudo dos dois casos não teve por objetivo
comparações, mas sim ampliar o leque de experiências que podem revelar a diversidade de
mecanismos de compromisso com a política de reorientação do modelo de atenção à saúde,
34 GOULART, Flávio A. de Andrade. Experiências em Saúde da Família: cada caso é um caso ? Tese de Doutorado apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, Rio de Janeiro/RJ, 2002. 387 p.
150
considerando, contudo, interessante realizar observações transversais que possam revelar
aspectos a serem considerados na avaliação-reajuste da política.
Serão pontuados inicialmente os obstáculos à reorientação das práticas de saúde, que foram de
certa forma identificados de maneira semelhante pelos sujeitos da pesquisa nos dois
municípios. Um dos principais desafios colocados é a necessidade de desenvolvimento de
pessoal para atuar no PSF, pois mesmo modificando as estruturas e diretrizes operacionais, é
preciso mudar convicções e posturas diante do prestar serviços de saúde.
Assim, destaca-se a premência da incorporação dos “novos” paradigmas da saúde pelas
instituições de ensino e serviços no processo de formação e qualificação dos profissionais,
para que estes possam, não apenas de maneira intuitiva, desenvolver novas práticas e relações
com os usuários e outros profissionais na produção do cuidado em saúde, voltado para sua
defesa como um direito de cidadania e bem essencial à qualidade de vida.
Mesmo se identificando o desenvolvimento de ações voltadas para a promoção da saúde e da
cidadania, por parte das profissionais entrevistadas, a necessidade de qualificação técnica para
se avançar no estabelecimento de uma nova forma de atuar é exposta como uma limitação,
visto o desafio de se trabalhar autonomia, participação e cidadania num contexto marcado por
precárias condições de sobrevivência, pela desmobilização social e pela cultura paternalista e
fisiologista historicamente presente na relação entre Estado e Sociedade.
Pode-se acrescentar os obstáculos ao estabelecimento de espaços flexíveis para participação
comunitária e da permeabilidade do PSF, e do setor saúde, às suas reivindicações e propostas,
devido à ênfase dada pelas equipes de saúde à necessidade de focar as discussões em torno
dos aspectos relacionados ao âmbito da unidade de saúde da família, que estão sob sua gestão,
de maneira contraditória ao discurso da necessidade de abordar integralmente a saúde.
151
Ainda há entraves que dizem respeito à permeabilidade das reivindicações da comunidade e
da equipe de saúde junto aos demais setores governamentais, bem como ao desenvolvimento
de intervenções intersetoriais, mesmo onde há espaços instituídos para esta articulação. Para
de fato haver a co-responsabilização por melhores condições de saúde é preciso a adequação
de fluxos que permitam que as informações de saúde sirvam de critérios de decisão para
intervenções conjuntas.
Faz-se necessário que o setor saúde se responsabilize em ampliar a discussão a respeito da
produção social da saúde junto às demais instâncias governamentais, bem como estabeleça
problemas prioritários a serem discutidos e enfrentados em conjunto, possibilitando a criação
e fortalecimento de mecanismos de integração – questão que também precisa ser estabelecida
como prioridade de gestão.
Além dos aspectos levantados, identifica-se a importância de aprimorar o acompanhamento
das equipes de saúde da família, tanto no que diz respeito à organização do processo de
trabalho (agendas de trabalho, padronização de procedimentos coletivos etc.) e ao
monitoramento e avaliação das ações, como à sua educação permanente, de modo a agregar
conhecimento formal às práticas do trabalho cotidiano, através de sua reflexão crítica.
Este também foi um ponto no qual observaram-se diferenças entre os casos analisados. Onde
o acompanhamento das equipes é mais estruturado, notou-se uma melhor organização do
processo de trabalho e amadurecimento da atuação em equipe, com as intervenções e
avaliações partindo do coletivo dos profissionais, aspecto que por sua vez tem seus reflexos
na sustentabilidade de suas ações.
O fortalecimento da gestão participativa com a inclusão de técnicos da Secretaria de Saúde e
profissionais do PSF na avaliação e implementação da Política de Atenção Básica também
vem acontecendo de forma distinta nos dois municípios. Onde esta participação estava mais
152
presente, observou-se seu reflexo na importância dada à riqueza da influência recíproca em
relação a criatividade nas intervenções das equipes e da gestão.
É neste cenário desafiador, com diferentes níveis de organização do PSF e de atuação em
equipe, que afirmamos a presença de discursos e práticas inovadoras no campo da promoção
da saúde e da cidadania no cotidiano das unidades de saúde da família, que apesar dos
obstáculos e limitações mencionados, parecem trilhar um caminho possível para a
transformação da cultura hegemônica do modelo centrado no atendimento médico e na visão
biologicista do processo saúde-doença, ainda marcadamente presente no seu dia-a-dia.
Um aspecto fundamental que se pode ressaltar é a decisão política, por parte dos atores
sociais, em atuar na Estratégia Saúde da Família com a perspectiva de mudar sua prática e
contribuir para melhoria da situação de saúde das comunidades. A inovação parece emergir da
vontade de superar as dificuldades que afloram do encontro entre “velhas” e “novas”
concepções no campo das relações entre profissionais�usuários, serviço�comunidade e
saúde�gestão municipal, como no âmbito do trabalho em equipe, ou seja, das relações entre
as diferentes categorias profissionais.
Ou seja, os conflitos resultantes dos esforços de gestores, profissionais e usuários em traduzir
o conceito positivo e ampliado do processo saúde-doença, o paradigma da sua produção social
e da gestão social da saúde, vêm levando à reflexão a respeito do impacto de suas práticas nas
condições de saúde e na felicidade dos indivíduos, propiciando sua transformação.
Tais concepções não aparecem com a mesma clareza, nem com igual profundidade e
intensidade entre os atores sociais ou entre os serviços de saúde, bem como os processos de
reflexão crítica e de inovação de suas práticas. Mas é inegável que a implantação das unidades
de saúde da família vem induzindo movimentos de transformações do cuidar da saúde
153
influenciados por este ideário e favorecidos pela aproximação dos profissionais com os
usuários e a vida da comunidade.
De alguma maneira é evidente nos depoimentos a presença de conceitos e práticas que podem
ser relacionados ao conteúdo emancipador do PSF:
� reforço da ação comunitária – importância dada à necessidade de proporcionar maior
acesso à informação, subsidiando a comunidade no pensar o processo saúde-doença a
partir de seus determinantes mais amplos, identificando as responsabilidades dos diversos
sujeitos sociais neste processo (indivíduo/comunidade/profissional/gestor); discutir o
modelo de atenção à saúde com a comunidade, tanto para compreensão da proposta do
PSF e mudança de prática por parte dos usuários como dos profissionais, técnicos e
gestores; do cuidar da saúde extrapolando a medicação ou os procedimentos preventivos,
desenvolvendo ações de promoção da saúde;
� participação e controle social – preocupação em romper com o padrão paternalista na
relação com a comunidade, através do estabelecimento de co-responsabilidades no cuidar
da saúde; incentivar a organização da comunidade para o enfrentamento dos problemas de
saúde, bem como estabelecer e qualificar espaços de participação no serviço de saúde, não
apenas fiscalizadora, mas também propositiva; capilarização dos espaços de participação e
controle social;
� promoção da cidadania – agir direcionado aos indivíduos e suas histórias de vida, não à
doença, e de modo a despertar a responsabilidade e o prazer de se cuidar; valorizar a
escuta e a fala; possibilitar canais onde se possa participar e opinar a respeito dos serviços
prestados pela equipe; incentivar a auto-estima dos indivíduos e da comunidade, a partir
do reconhecimento e desenvolvimento de suas habilidades, inclusive na geração de renda;
estimular a solidariedade.
154
Estas concepções e práticas, mesmo que operacionalizadas com limitações e contradições,
parecem indicar que essas equipes de saúde da família começam a interagir com os usuários
entendendo que estes não são apenas os que procuram por atendimento na unidade de saúde,
mas todos aqueles que vivem na sua área de abrangência sanitária; na perspectiva de lhes
oferecer o cuidado à saúde como um direito de cidadania; considerando-os não apenas como
objetos, mas também como sujeitos das ações de saúde.
Vale registrar as dificuldades no estabelecimento de canais de comunicação e troca com a
comunidade e entre a própria equipe, o que em alguns momentos parece estar relacionado ao
conflito entre classes sociais, como na idéia da dificuldade intelectual da comunidade para
assimilar ou aceitar novos conhecimentos e práticas; na fala de que as agentes de saúde
batalham espaços junto à médica e à enfermeira para defenderem os interesses da comunidade
e na dificuldade da população fazer reivindicações ou reclamações junto a estas categorias
profissionais.
Além da superação das dificuldades, já mencionadas, e da necessidade de melhor apoio das
esferas estadual e federal na sustentabilidade do PSF, através do estímulo ao desenvolvimento
de novas práticas assistenciais e gerenciais, avançar na implementação da proposta
emancipadora da Estratégia Saúde da Família requer a revisão de suas diretrizes operacionais
quanto à incorporação dos distintos saberes necessários a uma atenção integral, tanto da área
da saúde como de ciências humanas e sociais, a exemplo da psicologia, assistência social,
antropologia, sociologia, educação, comunicação e artes.
Produzir novas práticas para uma atenção multi e interdisciplinar na promoção da saúde e na
prevenção/cura/reabilitação de doenças e agravos, voltadas para a autonomia e cidadania dos
sujeitos, demanda a colaboração entre profissionais dessas distintas áreas e das equipes de
saúde da família no enfrentamento dos problemas identificados; tanto através do apoio técnico
155
e educação continuada, como de intervenções junto à comunidade, famílias e indivíduos e do
apoio ao estabelecimento de parcerias governamentais e não-governamentais para
desenvolvimento de intervenções intersetoriais.
156
R eferências
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163
A nexo 1
GUIA PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Procedimentos preliminares:
� Agendamento e confirmação da data, horário e local da entrevista;
� Checagem do material necessário: gravador de audio, fitas cassete devidamente rotuladas e identificadas, roteiro da entrevista, cópia do Projeto de Pesquisa, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, diário de campo, caneta esferográfica.
� Explicação para o entrevistado de como será conduzida a entrevista, informando que a qualquer momento pode ser solicitado esclarecimentos;
� Explicação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
� Solicitação de autorização para gravar a entrevista.
Temas e perguntas para desenvolvimento das entrevistas:
1. Experiência do entrevistado com o PSF;
2. Melhorias e problemas que o PSF trouxe para o modelo de atenção à saúde;
3. Prática cotidiana da atenção à saúde no PSF: características, melhorias e problemas;
4. Forma como as pessoas enfrentam seus problemas de saúde, comparando o atendimento na unidade de saúde tradicional e no PSF;
5. Relação entre o PSF e a comunidade: canais de comunicação existentes, facilidades e dificuldades de comunicação entre equipe de saúde e comunidade;
6. Controle social sobre as ações do PSF: manifestações, Conselhos Locais de Saúde;
7. Relação entre PSF e cidadania;
8. PSF e Gestão Municipal: características, dificuldades e facilidades;
9. Sugestões para melhoria do PSF (a nível federal, estadual, municipal e local);
Os temas funcionarão como guia para a entrevista e se adequarão ao perfil do entrevistado
(gestor, profissional de saúde ou usuário), bem como ao andamento da entrevista e alguns
temas poderão ser mais aprofundados de acordo com a receptividade do entrevistado. Todos
os temas estarão contidos nas entrevistas, sendo que os 3 últimos estão mais dirigidos aos
gestores e profissionais de saúde.
164
A nexo 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO *
Eu, ___________________________________________________________________,
declaro estar de acordo com minha participação no estudo sobre o tema Programa Saúde da
Família (PSF) e ciente de que tal participação poderá consistir em responder a perguntas em
uma entrevista e/ou disponibilizar documentos e/ou acompanhar a equipe de pesquisa em
visita à instituição gestora do PSF ou a unidades do PSF. Tais procedimentos têm por objetivo
levantar informações necessárias ao estudo e colaborar com a análise da Política de Saúde
adotada pelo Governo Brasileiro. Estou informado de que poderei ter acesso prévio aos temas
que serão abordados durante a entrevista, bem como da apresentação pública dos resultados
desta pesquisa, sendo meu nome ou qualquer outra forma de identificação mantidos em total
sigilo. Minha participação é voluntária e poderei deixar de participar a qualquer momento,
sem que isto acarrete qualquer prejuízo a minha pessoa.
Qualquer esclarecimento será realizado através do contato com Naíde Teodósio Valois
Santos, pelo endereço Av. Moraes Rego, s/n, Campus da Universidade Federal de
Pernambuco, caixa postal nº 7472, Recife, Pernambuco, cep: 50670-420, tel: (81) 21012617;
endereço eletrônico: naidet@ig.com.br.
_______________________________ , _____ de _________________ de 2004
_______________________________
Assinatura do Participante
* O presente documento consta de duas vias, a primeira ficará em posse da pesquisadora e a segunda
em posse do participante.
FIOCRUZ
Ministério da SaúdeCentro de Pesquisas
AGGEU MAGALHÃES
165
A nexo 3
RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS COLETADOS
Os quadros abaixo apresentam a documentação coletada na pesquisa de campo. Alguns documentos
do Município do Cabo de Santo Agostinho referem-se a apresentações, em meio eletrônico (Microsoft
PowerPoint), destinadas a seminários e/ou reuniões de Governo ou do Conselho Municipal de Saúde,
que foram consideradas de interesse para o levantamento e a análise de informações.
Documentos Cabo Título
Documento 1 Plano Municipal de Saúde, 1997.
Documento 2 Programa Saúde em Casa: saúde para todos. Uma estratégia para melhoria da qualidade da atenção básica de saúde, 1997.
Documento 3 O PSC passo a passo, 1998.
Documento 4 Relatório da V Conferência Municipal de Saúde. Saúde, qualidade de vida, participação democrática, com inclusão social – Desafios para o fortalecimento do SUS, 2003.
Documento 5 Atribuições da equipe de coordenação do Programa Saúde me Casa e Programa de Agentes Comunitários de Saúde, 2003. Documento do Microsoft PowerPoint.
Documento 6 Relatório de gestão: Gerência de Atenção Básica, 2003.
Documento 7 Modelo de Atenção do SUS-Cabo, 2004. Documento do Microsoft PowerPoint.
Documento 8 Sistematização Modelo de Atenção, 2004. Documento do Microsoft PowerPoint.
Documento 9 Relatório de gestão: Gerência de Atenção Básica, 2004
Documento 10 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: consolidado das famílias cadastradas, 2004.
Documento 11 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: série histórica da produção, 2004
Documento 12 Relatório SIAB-Cabo/USF 1: série histórica das informações de saúde, 2004.
Documentos Recife Título
Documento 13 Plano Municipal de Saúde, 2002.
Documento 14 Relatório Final da 6ª Conferência Municipal de Saúde. Recife saudável: o desafio da integralidade e do comando único do sistema de saúde. 2003.
Documento 15 Relatório de Gestão da Secretaria Municipal de Saúde, 2003..
Documento 16 Marcas da Gestão. Balanço 2003.
Documento 17 Relatório SIAB-Recife/USF 2: consolidado das famílias cadastradas, 2004.
Documento 18 Relatório SIAB-Recife/USF 2: série histórica da produção, 2004.
Documento 19 Relatório SIAB-Recife/USF 2: série histórica das informações de saúde, 2004.
166
A nexo 4
RELAÇÃO DAS ATIVIDADES ACOMPANHADAS
Durante a pesquisa de campo foram realizadas, inicialmente, visitas às localidades selecionadas para
observação da rotina das unidades de saúde da família e reconhecimento de sua área de abrangência,
num segundo momento, acompanhado algumas atividades coletivas desenvolvidas na unidade de
saúde e na comunidade, conforme os quadros abaixo:
Diário de campo 1 Cabo
Descrição
Atividade 1 Observação livre da rotina da USF 1
Atividade 2 Reconhecimento de área de abrangência da USF 1
Atividade 3 Reunião do Conselho Local de Saúde
Atividade 4 Reunião da equipe com a comunidade
Atividade 5 Reunião para educação continuada dos ACS
Atividade 6 Reunião para educação continuada da equipe
Atividade 7 Grupo de mulheres - educação em saúde
Atividade 8 1 turno de visita domiciliar com médica
Atividade 9 2 turnos de visita domiciliar com enfermeira
Atividade 10 1 turno de visita domiciliar com ACS 1
Atividade 11 2 turnos de visita domiciliar com ACS 2
Diário de campo 2 Recife
Descrição
Atividade 12 Observação livre da rotina da USF 2
Atividade 13 Reconhecimento de área de abrangência da USF 2
Atividade 14 Reconhecimento de área e visitas domiciliares com grupo de ACS
Atividade 15 Reunião de equipe – rotina semanal
Atividade 16 Reunião da equipe PSF com equipe local de Saúde Ambiental;
Atividade 15 Grupo de adolescente – educação em saúde
Atividade 16 Grupo de idosos – educação em saúde
Atividade 17 2 turnos de visitas domiciliares com ACS 2
Atividade 18 1 turno de visita domiciliar com ACS 1
Atividade 19 1 turno de visita domiciliar com médica
167
A nexo 5
RELAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Durante a pesquisa de campo foram identificados os atores locais para realização das entrevistas,
conforme os quadros abaixo:
Entrevistas Cabo* Descrição
Entrevista 1 Coordenadora PSF
Entrevista 2 Médica USF 1
Entrevista 3 Enfermeira USF 1
Entrevista 4 Agente Comunitária de Saúde USF 1 (Presidente do CLS)
Entrevista 5 Usuária USF 1 (conselheira do CLS)
* Não foi possível realizar entrevista com auxiliar de enfermagem, pois se encontrava de licença médica
Entrevistas Recife Descrição
Entrevista 6 Coordenadora Atenção Básica
Entrevista 7 Médica USF 2
Entrevista 8 Enfermeira USF 2
Entrevista 9 Auxiliar de Enfermagem USF 2
Entrevista 10 Agente Comunitária de Saúde USF 2
Entrevista 11 Usuária USF 2 (liderança formal da comunidade)