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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013
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Programa Carpe Diem: Uma nova esperança para os presos provisórios e para a sociedade
Edmara de Oliveira
Janaina Ferreira Silva
Maria Isabel de Faria
Nádia Campanha Almagro1
Fernanda dos Santos Ueda2
Sumário: Introdução. 1. A execução penal. 2. Carpe Diem. 2.1 O programa. 2.2 Quem é atendido. 2.3 Como funciona. 2.4 A custódia detentiva alternativa. 2.5 Os Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade. 3. Reincidência. 4. Ressocialização.Considerações Finais. Referências.
Resumo Este artigo tem como objetivo analisar a ressocialização e a reincidência dos presos atendidos pelo programa de custódia detentiva alternativa Carpe Diem, desenvolvido no Centro de Detenção Provisória de Sorocaba/SP. Institutos da Execução Penal e do Direito Penal foram estudados, além de dados estatísticos acerca do programa. Pôde-se inferir, diante apenas dos dados estatísticos fornecidos pelo próprio programa, já que ausentes outros dados, que houve diminuição da reincidência após a implantação do programa.
Palavras-chave: Ressocialização. Reincidência. Execução penal. Preso provisório. Custódia detentiva alternativa.
Introdução
A execução penal cuida de diversos aspectos referentes ao cumprimento da pena e ao
preso, entre eles, o tratamento aos presos provisórios. Estes são os atendidos pelo programa
Carpe Diem, um programa de custódia detentiva alternativa desenvolvido pioneiramente no
Centro de Detenção Provisória (CDP) de Sorocaba, São Paulo.
O objetivo deste artigo foi averiguar se há ocorrência e efetividade da ressocialização,
além de apurar a eficácia desse programa quanto ao combate à reincidência dos presos
atendidos.
Primeiramente, os institutos da Execução Penal foram estudados, com uma abordagem
peculiar nos presos provisórios, que são os presos atendidos pelo programa Carpe Diem. Em
1 Graduandas em Direito pela Universidade de Sorocaba – UNISO, 2013. 2 Professora orientadora. Mestre em Educação na Linha do Cotidiano Escolar pela UNISO, 2011. Graduada em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – Bauru, 1996. Professora da Universidade de Sorocaba - UNISO desde 2007 e da Academia Coriolano Nogueira Cobra – ACADEPOL/SP desde 2001. Delegada de Polícia do Estado de São Paulo.
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seguida, o programa Carpe Diem foi analisado quanto ao que se trata, quem é atendido e
como funciona. Da mesma forma, a reincidência e ressocialização foram estudadas, de
maneira genérica e, após, como estes institutos são trabalhados no programa Carpe Diem.
Dados estatísticos acerca do programa, oriundos do Centro de Detenção Provisória de
Sorocaba, também foram utilizados, em especial os dados relativos ao percentual de
reincidência antes e após a implementação do programa.
1 A execução penal
A execução penal é o procedimento no qual se dá a aplicação da pena ou medida de
segurança fixada na sentença (TÁVORA; ALENCAR, 2011). Em nosso país, a execução
penal é regulada pela Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal - LEP) 3 e
disposições do Código de Processo Penal. Além disso, há de serem observadas as disposições
dos principais documentos internacionais sobre o assunto, tais como as Regras Mínimas para
o Tratamento dos Reclusos, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas (14-12-
1990), a Resoluçãon. 45/110 da Assembleia Geral das Nações Unidas (14-12-1990), que
aprovou as Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade
(Regras de Tóquio), e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecido como
Pacto de San José da Costa Rica(1969). (MARCÃO, 2011)
A Lei de Execução Penal possui duas finalidades, consubstanciadas em seu artigo 1º e
melhor explicadas no item 13 da Exposição de Motivos dela. São elas a correta efetivação dos
mandamentos existentes na sentença ou na decisão judicial, destinada a reprimir e a prevenir a
prática criminosa, e a harmoniosa reinclusão social do condenado e do internado (SILVA, H.,
2001). Desse modo, “objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar” (MARCÃO,
2011, p. 32).
Quanto à natureza jurídica da execução penal (administrativa, jurisdicional ou mista),
há divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência (JULIOTTI, 2011). Prevalece o
entendimento que prepondera a natureza jurisdicional, tendo ainda índole administrativa de
forma residual (TÁVORA; ALENCAR, 2011).
Contudo, a aplicação da Lei de Execução Penal não ocorre somente com a existência
de sentença criminal que tenha aplicado pena ou medida de segurança (MARCÃO, 2011), ou
3 A resolução nº 113, de 20-04-2010, do Conselho Nacional de Justiça dispõe sobre o procedimento da execução de pena privativa de liberdade e medida de segurança; no Estado de São Paulo o Provimento nº 58/89, Capítulo V, Seção VIII, itens 126 a 129, disciplina o procedimento da execução penal. (JULIOTTI, 2011).
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seja, aos condenados (pela justiça comum ou especializada), mas também se aplica aos presos
provisórios, conforme prevê o parágrafo único do seu artigo 2º. Dessa forma, todos
(condenados e presos provisórios) têm os mesmos direitos e deveres. (SILVA, H., 2001).
Presos provisórios são aqueles privados de liberdade por medida que não é decorrente
de uma sentença penal condenatória definitiva (SILVA, C. [2012 ou 2013]). Também
chamada de prisão sem pena, cautelar ou prisão processual, a prisão provisória tem natureza
processual e é imposta com finalidade cautelar, a fim de assegurar o desempenho da
investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, bem como para evitar que
solto o sujeito continue praticando delitos (CAPEZ, 2011b).
São espécies de prisão provisória: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão
temporária. As outras duas modalidades: prisão por sentença condenatória recorrível e prisão
por pronúncia encontram-se extintas, posto a alteração decorrente das Leis nº 11.689/2008 e
nº 11.719/2008. Nesse sentido apontam vários doutrinadores, incluindo, ainda, a Lei nº
12.404/11 como regramento de carga processual e penal, portanto mista. Assim o Supremo
Tribunal Federal já firmou entendimento pela irretroatividade (art. 5º, XL, da Constituição da
República) já que é inconcebível a cisão do diploma (SILVA; FREITAS, 2012).
Conforme dispõe o artigo 42 do Código Penal4, o tempo de prisão provisória será
computado na pena privativa de liberdade, descontando-se esse tempo da pena ou da medida
de segurança a ser cumprida. Esse cômputo é chamado de detração. Com a recente alteração
no artigo 387 do Código de Processo Penal, instituída pela Lei nº 12.736, de 30 de novembro
de 20125, a detração, que antes era reconhecida pelo Juízo das Execuções Criminais (o qual
cuida da execução penal), passa a ser reconhecida e considerada pelo juiz que proferir a
sentença condenatória. Assim, agora a detração interfere na determinação do regime inicial de
cumprimento de pena privativa de liberdade, uma vez que a pena obtida após o cálculo da
detração é a que será levada em consideração para a fixação do regime inicial de seu
cumprimento (SILVA, C. [2012 ou 2013]).
No Brasil, segundo mais recentes dados do Departamento Penitenciário
4 “Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo da prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.” 5 “Art. 387 – (...) § 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
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Nacional(Depen)6, os presos provisórios equivalem a aproximadamente 38% da população
carcerária. Inobstante divergências apontadas pelo Conselho Nacional de Justiça com o
Depen, ainda nos idos de 2010, houve um incremento de 143,9% de encarcerados em apenas
uma década, entre 1995 e 2005 (SILVA; FREITAS, 2012).
O processo de execução penal está sujeito aos princípios e garantias constitucionais
tais como legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade
do juiz, persuasão racional, iniciativa das partes, oficialidade, humanização da pena,
personalidade ou intranscendência (MARCÃO, 2011), contraditório, igualdade das partes,
ampla defesa, publicidade e duplo grau de jurisdição (JULIOTTI, 2011).
Desse modo, o Estado, com objetivo de prevenir o crime e proporcionar condições
para o retorno do preso e internado ao convívio social, deve prestar assistência ao preso, ao
internado e ao egresso (MARCÃO, 2011), cumprindo-se o desiderato da Lei de Execução
Penal, qual seja a prevenção específica do sujeito.
Conforme prevê o Capítulo II da Lei de Execução Penal, tal assistência será material
(fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas), à saúde (atendimento
médico, farmacêutico e odontológico), educacional (instrução escolar e formação
profissional), jurídica (para presos e internados sem condições financeiras de constituir
advogado, a ser realizada pela Defensoria Pública7), social (conhecer os resultados dos
diagnósticos e exames do assistido; relatar os problema e dificuldades do assistido;
acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; promover a
recreação; promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do
liberando, para facilitar seu retorno à liberdade; providenciar a obtenção de documentos,
benefícios da previdência social e seguro por acidente de trabalho; e orientar e amparar a
família do preso, internado e vítima) e religiosa (participação nos cultos, os quais têm local
garantido no estabelecimento penal, e posse de livros religiosos).
Ao egresso (que, nos termos do artigo 26 da Lei de Execução Penal, é o liberado
definitivo, por um ano a partir da saída do estabelecimento penal, bem como o liberado
condicional, durante o período de prova do livramento condicional) são garantidos a
orientação e apoio para integrá-lo à vida em liberdade e a concessão, quando necessária, de
6 Informações disponíveis em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896}&Team=¶ms=itemID={C37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C};&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>. Acesso em 02/03/2013 7No Estado de São Paulo, a assistência jurídica aos presos hipossuficientes também é prestada pelos advogados da FUNAP – Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso. (JULIOTTI, 2011).
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alojamento e alimentação por dois meses, em estabelecimento adequado, além da colaboração
do serviço de assistência social para a aquisição de trabalho.
Mas não é só o Estado que possui deveres. Os presos (condenados ou provisórios) e os
internados possuem deveres, assim como diversos direitos.
São direitos deles, conforme artigo 41 da Lei de Execução Penal - sem prejuízo de
outros não atingidos pela sentença ou pela lei (SILVA, H., 2001)-: alimentação suficiente e
vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de
pecúlio; o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência
material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de
sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; chamamento nominal;
igualdade de tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência
especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade em
defesa de direito; e atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da
responsabilidade da autoridade judiciária competente; proporcionalidade na distribuição do
tempo para o trabalho; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e
de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes, sendo que
os três últimos poderão ser suspensos ou restringidos através de ato motivado do diretor do
estabelecimento (TÁVORA; ALENCAR, 2011).
Quanto ao preso provisório8
aplicam-se todas as regras previstas no art. 41 da Lei de Execução Penal, ressalvando-se que, não estando ele obrigado ao trabalho, não terá os direitos dele decorrentes se não desempenhar a atividade laborativa (art. 31, parágrafo único) e que, por ficar separado do condenado, poderá não ter o tratamento igualitário ao deste (art. 84). (MIRABETE, 2004, p. 131)
Por outro lado, “além das obrigações legais inerentes ao seu particular estado, o
condenado deve submeter-se a um conjunto de normas de execução da pena” (MARCÃO,
2011, p. 66). Para tanto, “submetido à prisão, definitiva ou provisória, o encarcerado deverá
ser cientificado das normas disciplinares do estabelecimento” (MARCÃO, 2011, p. 67).
8 A Resolução nº 12, de 18 de Dezembro de 2009, do Conselho Nacional de política Criminal e Penitenciário (CNPCP), recomenda que aos presos provisórios sejam reconhecidos antecipadamente os direitos previstos na Lei de Execução Penal, a qualquer tempo, pelo juízo onde se encontra o feito. (JULIOTTI, 2011).
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De acordo com o artigo 39 da Lei de Execução Penal, são deveres do condenado, além
das obrigações legais inerentes ao seu estado: comportamento disciplinado e fiel cumprimento
da sentença; obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-
se; urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos movimentos
individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; execução do
trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar imposta;
indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção,
mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela
ou alojamento; e conservação dos objetos de uso pessoal.
Aos presos provisórios se aplicam no que couber, o disposto no artigo 39 acima citado.
Dessa forma
embora não esteja sujeito às obrigações de uma sentença condenatória transitada em julgado, o preso provisório deve permanecer recolhido em decorrência de circunstâncias previstas especialmente na lei processual, impondo-se a ele os deveres que não decorrem exclusivamente da condenação. Excetuando-se, portanto, os deveres ao cumprimento fiel da sentença (inciso I, segunda parte), a execução do trabalho, que é nessa hipótese facultativa (art. 39, V), e as indenizações à vítima e ao Estado (incisos VIII e IX), além de não se empenhar em fuga ou evasão, deve o preso provisório cumprir com os demais deveres, estando sujeito às mesmas sanções disciplinares do condenado (art. 41, parágrafo único). (MIRABETE, 2004, p. 116)
Se descumprido qualquer dever estabelecido nesse artigo, ainda que não constitua falta
disciplinar, o fato constará no prontuário do preso, de modo que este terá classificação
negativa de seu comportamento prisional. Se caracterizada a falta disciplinar, será instaurado
procedimento para a imposição da respectiva sanção (SILVA, H., 2001). Para a imposição da
penalidade não é despiciendo lembrar que aqui também imperam os princípios da reserva
legal e da anterioridade da norma (art. 5º, XXXIX, da Constituição da República e art. 1º do
Código Penal).
Aos presos provisórios, assim como aos condenados, aos submetidos à medida de
segurança e aos egressos, são destinados os estabelecimentos penais, conforme dispõe o art.
82 da Lei de Execução Penal. Os estabelecimentos penais compreendem a penitenciária (para
os condenados à reclusão em regime fechado); a colônia agrícola, industrial ou similar (para
pena de reclusão ou detenção em regime semiaberto); a casa do albergado (para condenados à
pena privativa de liberdade em regime aberto e à pena de limitação de fim de semana); o
centro de observação (local onde se realizam exames gerais e criminológicos); o hospital de
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custódia e tratamento psiquiátrico (para os doentes mentais, os portadores de desenvolvimento
mental incompleto ou retardado e os que manifestam perturbação das faculdades mentais); e a
cadeia pública (para os presos provisórios9 e os condenados enquanto não transitar em julgado
a sentença). (MARCÃO, 2011)
No Estado de São Paulo, os presos provisórios também poderão encontrar-se
recolhidos nos Centros de Detenção Provisória (CDP), sob hierarquiada Secretaria de
Administração Penitenciária (SAP). Atualmente10 há quarenta Centros de Detenção Provisória
no Estado de São Paulo.
A separação entre presos provisórios e os condenados definitivos, conforme explica
Mirabete (2004, p. 285).
é necessária, pois a finalidade da prisão provisória é apenas a custódia daquele a quem se imputa a prática do crime a fim de que fique à disposição da autoridade judicial durante o inquérito ou a ação penal e não para o cumprimento da pena, que não foi imposta ou que não é definitiva. Como a execução penal somente pode ser iniciada após o trânsito em julgado da sentença, a prisão provisória não deve ter outras limitações se não as determinadas pela necessidade da custódia e pela segurança e ordem dos estabelecimentos. Evita-se, com a separação do preso irrecorrivelmente condenado, a influência negativa que este possa ter em relação ao preso provisório.
2º programa Carpe Diem11
2.1 O programa
De acordo com o Infopedia, Carpe Diem é uma expressão em latim, escrita pelo poeta
Horácio, que significa “aproveite o momento”.
Oprograma Carpe Diem é um programa pioneiro de custódia detentiva alternativa,
idealizado pelo diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Sorocaba, Marcio
Coutinho.
Em funcionamento desde 19 de junho de 2009, por enquanto somente no Centro de
Detenção Provisória de Sorocaba, aliás, local onde é desenvolvido, o programa conta com o
9 Os presos provisórios, por força do art. 84 da Lei de Execução Penal, bem como pelo exposto no art. 5º, inciso 4 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), devem permanecer obrigatoriamente separados dos detentos condenados por sentença transitada em julgado. (JULIOTTI, 2011). 10 Conforme informações disponíveis em <http://www.sap.sp.gov.br>. Acesso em 02/05/2013. 11 Informações retiradas dos sites <www.premiomariocovas.sp.gov.br/2011/arquivos_m7/P10184projeto_carpe_diem_cdp_sorocabafinalizado.doc>, <http://www.funap.sp.gov.br/projeto_carpediem.htm>, <http://www.sap.sp.gov.br/common/noticias/0400-0499/not450.html> e <http://cdpsorocaba-programacarpediem.blogspot.com.br/>, todos acessados em 22 de setembro de 2012.
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apoio da Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania (SAP), da Fundação Professor
Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (Funap), das Prefeituras deSorocaba,
Votorantim, Itu, Salto de Pirapora, Tietê e Salto, da AME - Amor Exigente, do AA –
Alcoólicos Anônimos, do NA – Narcóticos Anônimos, do GRASA – Grupo de Apoio contra
Álcool e Drogas Santo Antônio, da ACAP – Associação Cristã de Assistência Plena, da FADI
– Faculdade de Direito de Sorocaba, da UNIP – Universidade Paulista – Sorocaba, do SOS –
Serviços de Obras Sociais,e da VERIS – Grupo IBMEC Educacional de Serviço Social.
Os municípios atendidos são Sorocaba, Votorantim, Itu, Tietê, Salto, Salto de
Pirapora, Porto Feliz, Araçoiaba da Serra, Iperó, Boituva, Piedade, Cesário Lange, Tatuí,
Mairinque, Itapetininga e Itaporanga.
O programa foi criado pautando-se na Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210/84, mais
especificamente no artigo 84, o qual deixa expresso que o preso provisório deverá ficar em
espaço separado ao do preso condenado.
2.2 Quem é atendido
São atendidos os presos de “baixo” potencial ofensivo em custódia detentiva
provisória que são recolhidos ao Centro de Detenção Provisória de Sorocaba.
Na verdade, doutrinaria e legalmente não existe delito de baixo potencial ofensivo, e
sim de menor, médio e grande potencial ofensivo. Delitos de menor potencial ofensivo são
aqueles punidos com pena máxima de até dois anos de prisão e todas as contravenções penais,
cumuladas ou não com multa, conforme define o artigo 61 da Lei nº 9.099/95. Tais infrações
são submetidas ao Juizado Especial Criminal (JECrim). (CAPEZ, 2011a) Para a devida
adequação, há que se sublinhar que o artigo 90-A da Lei nº 9.099/95, introduzido pela Lei nº
9.839/99, estabeleceu a exclusão das disposições no âmbito da Justiça Militar. Ademais,
também é vedadaa aplicação da Lei nº 9.099/95 quando tratar-se de delito que envolva
violência doméstica ou familiar contra mulher, com fulcro no artigo 41 da Lei nº 11.340/06
(Lei Maria da Penha). Desta feita, uma infração penal de ameaça (no âmbito da Lei Maria da
Penha) incidirá no rito sumário e não no sumaríssimo da lei em comento (Lei nº 9.099).
Inobstante a ampla discussão doutrinária e jurisprudencial acerca dos efeitos e extensão da Lei
Maria da Penha, o Supremo Tribunal Federal encerrou qualquer celeuma com as decisões
sobre a constitucionalidade do tópico nos termos da ADI 4424.
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Assim, delito de baixo potencial ofensivo foi uma criação do programa Carpe Diem
para selecionar os presos que podem ser atendidos pelo programa. O programa considera
crimes de baixo potencial ofensivo aqueles praticados sem violência ou grave ameaça à
pessoa. Contudo, foi feita uma exceção quanto aos presos pelo crime do artigo 129 do Código
Penal (lesão corporal) e inclusive aos presos pela Lei Maria da Penha, os quais também são
atendidos.
Para participar do programa, há requisitos de ordem objetiva e subjetiva a serem
cumpridos. São requisitos objetivos:o acusado ser primário ou, se for reincidente, ter sido
condenado em delito considerado de menor ou “baixo” potencial ofensivo;atender aos
requisitos previstos nos incisos I (aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro
anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo) e III (a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem
que essa substituição seja suficiente) do artigo 44 do Código Penal, que regula as penas
restritivas de direitos;e, por fim, não ter sido antes recolhido a estabelecimento carcerário12.
Os requisitos subjetivos serão verificados pelos psicólogos e assistentes sociais, que
analisarão as características pessoais e comportamento condizentes com o programa.
Haverá desligamento do programa nos casos em que haja a alteração do tipo penal ao
que foi incurso, se o novo artigo for incompatível com os critérios objetivos; por qualquer ato
de insubordinação consistente em falta média ou grave; por desinteresse nos cursos da Funap
ou aos atendimentos psicológicos ou sociais; e havendo informações sobre risco de fuga ou
resgate bem como sobre o alinhamento com facções criminosas.
Segundo estatística13 realizada pelos coordenadores do programa, já foram atendidas
1.014 (um mil e quatorze) pessoas, o que corresponde a 7,74% (sete vírgula setenta e quatro
por cento) dos 13.106 (treze mil cento e seis) presos que transitaram no Centro de Detenção
Provisória de Sorocaba durante o funcionamento do programa.
Em ordem decrescente de percentual de incidência dos crimes atendidos pelo
programa, estão: furto (43,29%), Lei Maria da Penha (20,91%), porte de arma (11,44%),
receptação (8,88%), embriaguez ao volante (6,90%), descaminho (2,27%), estelionato
(1,97%), falsificação de documentos (1,38%), desobediência (0,69%), incêndio (0,59%),
falsificação de moeda (0,39%), omissão de socorro (0,30%), corrupção ativa (0,20%), dano
12 Não são atendidos pelo Programa os delitos tipificados na Lei de Crimes Hediondos e na Lei de Drogas. 13 Estatística fornecida pelo Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, atualizada até 01/03/2013.
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(0,20%), abandono de incapaz (0,10%), cárcere privado (0,10%), falso testemunho (0,10%),
homicídio culposo - Código de Trânsito Brasileiro (0,10%), violação de direito autoral
(0,10%) e violação de domicílio (0,10%).
2.3 Como funciona
Ao chegarem no Centro de Detenção Provisória, os presos provisórios são analisados
objetiva e subjetivamente, a fim de serem verificados os requisitos para inclusão no programa
Carpe Diem. Se aprovado, o preso é encaminhado ao Alojamento de Observação, local onde
ficará enquanto permanecer detido, bem como serão comunicadas as autoridades judiciárias e
policiais. Após, são elaborados dois pareceres: um técnico (análise psicossocial do preso) e
um de segurança (apuração da viabilidade da manutenção do acusado no alojamento local).
Do período em que o preso permanecer no programa é elaborado um extrato
avaliativo, o qual conterá informações sobre sua disciplina, aproveitamento das terapias e as
demandas necessárias dos Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade, documento a ser
realizado pela equipe de condução (formada por psicóloga, assistente social, estagiários e
representantes da Funap, Estabelecimento Prisional e da Comunidade).
2.4 A custódia detentiva alternativa
A custódia alternativa consiste em um alojamento próprio, separado do restante da
unidade prisional, mas ligado a esta, onde, com a supervisão dos agentes de segurança
penitenciária do Centro de Detenção Provisória, os presos atendidos pelo programa são
submetidos a consultas e terapias psicossociais diárias (atendimento psicológico individual e
em grupo, atendimento social, grupo de orientação e tratamento ou curso de
toxicodependência), bem como desenvolvem atividades laborterápicas, por meio de oficinas
de trabalho, além de realizarem a limpeza e conservação do alojamento.
2.5 Os Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade
Contudo, o atendimento do programa Carpe Diem não se resume ao estabelecimento
prisional.Mesmo com a soltura, são empregadas certas medidas para auxiliarem o retorno do
interno à sociedade, medidas as quais visam ainda coibir a nova prática delituosa: são os
Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade (MDVs).
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Dessa forma, ao ser solto, o acusado é encaminhado ao Fórum para a audiência
admonitória (advertência) e outras providências legais. Junto irá o extrato avaliativo, no qual
constarão informações sobre o aproveitamento do acusado durante o período de internação e
as demandas necessárias para atuação dos Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade.
Então, o acusado é encaminhado com atendimento prioritário aos órgãos de apoio
social, de saúde ou outros serviços do Poder Público Municipal, de organizações não
governamentais ou à Central de Penas e Medidas Alternativas da Coordenadoria de
Reintegração Social e Cidadania (aplicação dos Mecanismos de Diminuição de
Vulnerabilidade), de acordo com a demanda necessária, onde será amparado por um período
de até seis meses.
3 Reincidência
A reincidência, que está disciplinada no artigo 63 do Código Penal14, é conceituada
por Nucci (2009, p. 422) como “o cometimento de uma infração penal após já ter sido o
agente condenado definitivamente, no Brasil ou no exterior, por crime anterior”.
Sua natureza jurídica é de circunstância agravante genérica, que, portanto, aumenta a
pena, sendo aplicada na segunda fase da dosimetria da pena. Por ter caráter subjetivo, não se
comunica ao partícipe ou coautor, ou seja, só diz respeito ao autor do crime (CAPEZ, 2011a).
Em caso de concurso de circunstâncias atenuantes e agravantes, a reincidência prepondera,
conforme dispõe o artigo 67 do Código Penal.
A reincidência estará configurada, independente da natureza dos crimes, quando da
ocorrência entre dois crimes dolosos ou culposos, entre crime doloso e culposo e culposo e
doloso, entre crime consumado e tentado e tentado e consumado, entre dois crimes tentados, e
entre dois crimes consumados. Não incidirá, entretanto, entre os crimes militares próprios
(previstos somente no Código Penal Militar) e os crimes políticos, por força do artigo 64,
inciso II, do Código Penal (CAPEZ, 2011a).
A doutrina distingue a reincidência em real, que para ocorrer depende do cumprimento
da pena corresponde ao crime anterior, e ficta, para a qual independe o cumprimento de pena,
bastando a simples condenação anterior. Nosso ordenamento jurídico penal adotou a segunda,
uma vez que, a teor do artigo 63 do nosso estatuto repressor, é necessário apenas que já tenha
transitado em julgado a sentença condenatória proferida no país ou estrangeiro, relativa ao
14Nos termos do artigo 63 do Código Penal “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”
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crime antecedente, sendo indiferente o cumprimento da pena anterior. Contudo, esse trânsito
em julgado tem que ocorrer antes da prática do segundo crime (MIRABETE; FABBRINI,
2010).
Originalmente, o nosso Código Penal, de 1940, trazia como circunstância agravante
não só a reincidência genérica, mas também a específica (que exige que o novo delito
praticado seja da mesma natureza do delito praticado anteriormente), bem como tratava a
reincidência como perpétua. Contudo, a Lei nº 6.416/1977 excluiu a reincidência específica,
além de ter limitado no tempo os efeitos da condenação anterior, justamente para não
estigmatizar para sempre o condenado, adotando-se assim o sistema da temporariedade ou da
transitoriedade (PRADO, 2010).
Desta forma, possível a prescrição da reincidência, não prevalecendo a anterior
condenação se tiver decorrido, da data do cumprimento ou extinção da pena e a nova infração
penal, período superior a cinco anos, o chamado período depurador, computado o período de
prova da suspensão ou livramento condicional, desde que não haja revogação destes. Passado
esse período depurador, o agente readquire a condição de primário (CAPEZ, 2011a).
É comum o uso do termo primariedade técnica pela jurisprudência, que é utilizado no
caso do agente que já sofreu diversas condenações, porém não é consideradoreincidente
porque não praticou nenhum delito após ter sido condenadodefinitivamente (CAPEZ, 2011a).
A reincidência, além de ser circunstância agravante e, consequentemente, influir na
medida da culpabilidade, tem outros efeitos, quais sejam: impedir a concessão da suspensão
condicional da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de
direito ou multa, quando o crime for doloso; aumentar o prazo de cumprimento da pena para
obtenção do livramento condicional, em caso de crime doloso; obstar que o regime inicial de
cumprimento da pena seja aberto ou semiaberto, exceto no caso de pena detentiva;produzir a
revogação obrigatória da suspensão condicional da pena, quando a condenação for por crime
doloso, e a revogação facultativa, quando há condenação por crime culposo, ou por
contravenção; gerar a revogação obrigatória do livramento condicional, sobrevindo
condenação a pena privativa de liberdade, ou a revogação facultativa, em caso de crime de
contravenção, mas que não seja imposta pena privativa de liberdade; revogar a reabilitação, se
sobrevier condenação a pena que não seja de multa; aumentar de um terço o prazo
prescricional da pretensão executória; interromper a prescrição; e impedir a incidência de
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algumas causas de diminuição de pena, e a prestação de fiança, em caso de condenação por
delito doloso (PRADO, 2010).
Comprova-se a reincidência com a certidão cartorária que contenha a condenação
anterior (NUCCI, 2009).
No Brasil não há dados oficiais sobre os índices de reincidência, contudosabe-seque é
alta. Em setembro de 2011, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso,
chegou a declarar15 que nosso país tem uma das maiores taxas de reincidência criminal
mundial, na faixa de 70%.
Em março de 2012, o Conselho Nacional de Justiça anunciou16 que o Departamento de
Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça iria fazer o primeiro estudo técnico
para determinar a taxa de reincidência criminal em nosso país.
A falta de estudos específicos sobre a reincidência criminal brasileira também dificulta
uma melhor análise sobre o assunto, bem como embaraça a determinação de políticas
criminais e públicas na sua prevenção. A respeito disso, Bitencourt (2012, p. 587 e 588)
ressalta que:
Os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento ressocializador. As estatísticas de diferentes países, dos mais variados parâmetros políticos, econômicos e culturais, são pouco animadoras, e embora os países latino-americanos não apresentem índices estatísticos confiáveis (quando não, inexistente), é este um dos fatores que dificultam a realização de uma verdadeira política criminal. Apesar da deficiência dos dados estatísticos é inquestionável que a delinquência não diminui em toda a América Latina e que o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém, ao contrário, constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores negativos do condenado. [...] Na verdade, as causas responsáveis pelos índices alarmantes de reincidência não são estudadas cientificamente. O progresso obtido em outros campos do conhecimento humano ocorre exatamente mediante o estudo criterioso dos fracassos e das suas causas, algo que não acontece no campo penitenciário. Não são realizados estudos que possibilitem deslindar os aspectos que podem ter influência sobre a reincidência, isto é, não há pesquisas científicas que permitam estabelecer se a reincidência pode não ser considerada como um ou o mais importante indicador da falência da prisão, ou se esta pode ser considerada um resultado atribuível aos acontecimentos posteriores à libertação do interno.
15 Conforme notícia disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/15703-ministro-peluso-destaca-importancia-do-programa-comecar-de-novo>. Acesso em 02/03/2013. 16 Conforme notícia disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18527-ipea-pesquisara-reincidencia-criminal-no-brasil>. Acesso em 02/03/2013.
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Além disso, o nosso atual sistema prisional é alvo de infinitas críticas, entre as quais
de que ao invés de evitar a reincidência, acaba por estimulá-la. Para Bitencourt (2012, p. 588):
A prisão, em vez de conter a delinquência, tem-lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em exemplos dos efeitos
criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que domina a vida carcerária imprime a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica, as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos reclusos. Mas, apesar dessas condições altamente criminógenas das prisões clássicas, tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou.
Nesse sentido é também a crítica de Leonardo Isaac Yarochewsky (2012):
O aprisionamento, ao invés de possibilitar o retorno deste indivíduo, praticamente torna esse objetivo inviável, sobretudo se considerarmos que as instituições de custódia acabam por ser as efetivadoras do fenômeno da prisionização, ou seja, desencadeiam um processo de aculturação, o qual consiste na assimilação pelo detento dos valores e métodos criminais dos demais reclusos... [...]Diante deste sistema penal perverso, degradante, desumano, torpe e cruel, soma-se a hipocrisia do Estado em ocultar os verdadeiros fins da pena, é necessário buscarmos alternativas que, embora longe de solucionar os problemas, possam, ao menos, amenizá-los. Mas, para isso, urge que admitamos o fracasso da pena de prisão e a falácia do atual sistema. É preciso reconhecer que este sistema tem produzido mais criminosos, além de se constituir, nunca é demais dizer, um verdadeiro incremento da reincidência.
Contudo, não se pode atribuir somente ao atual sistema prisional a elevada
reincidência criminal; há outros elementos a serem considerados. Nesse sentido Bitencourt
conclui que (2012, p. 589):
As cifras de reincidência têm um valor relativo. O índice de reincidência é um indicador insuficiente, visto que a recaída do delinquente produz-se não só pelo fato de a prisão ter fracassado, mas também por contar com a contribuição de outros fatores pessoais e sociais. Na verdade, o condenado encarcerado é o menos culpado
pela recaída na prática criminosa. Por derradeiro, a despeito de tudo, os altos índices de reincidência também não podem levar à conclusão radical de que o sistema penal fracassou totalmente, a ponto de tornar-se necessária a extinção da prisão.
De qualquer forma,o que não se pode deixar de consideraré o que a realidade prisional
brasileira tem demonstrado: a influência maléfica da prisão, que “como principal e uniforme
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resposta punitiva, alimenta a ineficiência e atenta contra as garantias individuais, colaborando
para a ruína do sistema prisional” (SICA, 2002, p. 50).
Acabar com a reincidência é fundamental para a diminuição da criminalidade, tendo
em vista que
as estatísticas revelam que o aumento da criminalidade deriva, em boa parte, da multiplicidade das infrações dos reincidentes. Por isso, a eliminação da reincidência é a grande preocupação da Política Criminal contemporânea, e não pode deixar de ser um dos objetivos basilares do Direito Penal. (FERNANDES, N.; FERNANDES, V., 1995, p. 301)
E para isso, o apoio ao preso, bem como o apoio ao que deixa a prisão, é fundamental
para a recuperação do infrator e para a prevenção de novos crimes.
Sobre isso, não nos faltam dispositivos normativos atinentes à proteção, assistência e
cuidados que o preso deve receber. Contudo, o mundo do “dever ser” é bem diferente da
nossa realidade. Infelizmente a lei é “maravilhosa”, mas de nada adianta se o Estado não se
empenha e não a “faz valer”. A digressão, o abismo entre o ideário e o mundo real tem levado
a grandes flancos na real imposição da medida preventiva da sanção penal. Agiganta-se o
caráter repressivo da pena em detrimento de efetivas medidas preventivas que a longo prazo
demonstram maior ganho para a Sociedade. Assim, programas de assistência ao preso, como
o Carpe Diem, são essenciais para a efetividade dessas normas, já que o sistema prisional
comum não é capaz de proporcionar uma verdadeira ressocialização do preso e consequente
redução da reincidência, muito pelo contrário.
No caso específico do programa Carpe Diem, que atende aos presos provisórios
detidos no Centro de Detenção Provisória (os presos provisórios detidos em Cadeias Públicas
não são atendidos já que o plano é circunscrito ao Centro de Detenção Provisória de
Sorocaba), relevante a seguinte consideração:
O problema no processo penal é que, ao contrário do juízo cível, no qual a execução provisória é precedida de garantia real ou fidejussória, a execução provisória penal não contempla semelhante possibilidade. Uma vez executada, o provimento do recurso ou a concessão de habeas corpus (que, aliás, são muito frequentes) nada poderá fazer em relação ao tempo de encarceramento provisório. Nesses casos, como diria o ilustre poeta lusitano, Inês é morta. E a liberdade, idem. (OLIVEIRA, 2011, p. 592)
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Deste modo, fundamental esse trabalho com os presos provisórios desenvolvido pelo
programa Carpe Diem, de forma a não tornar em vão o período em que passam enclausurados.
Para Augusto de Sá (1987, p. 105), psicólogo com larga experiência no sistema
penitenciário:
o período de cumprimento de pena deveria de fato ser reeducativo. Ou seja, deveria se constituir de programas de prevenção destinados a: investigar, reconhecer, preservar e fortalecer os núcleos de adaptação saudável remanescentes, prevenir contra os vícios e riscos da vida carcerária (análogos à “contaminação hospitalar”), preparar para o retorno à liberdade (prevenindo contra crises), promover um retorno progressivo ao convívio social livre.
E é isso que o programa Carpe Diem faz, através dos acompanhamentos psicossociais,
atividades laborterápicas e a aplicação dos Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade.
De acordo com os dados estatísticos17 do programa, a média de reincidência dos
presos no Centro de Detenção Provisória de Sorocaba antes do programa Carpe Diem era de
35% (trinta e cinco por cento). Depois da implantação deste programa de custodia detentiva
alternativa, a média de reincidência, apurada de junho de 2009 (início do programa) até março
de 2013 (último levantamento), caiu para 6,31% (seis vírgula trinta e um por cento).
Em 2009, dos 122 (cento e vinte e dois) presos atendidos, 05 (cinco) reincidiram, ou
seja, 4,10% (quatro vírgula dez por cento). Em 2010, de 207 (duzentos e sete), 13 (treze)
atendidos reincidiram, perfazendo 6,28% (seis vírgula vinte e oito por cento). Em 2011, 19
(dezenove) dos 291 (duzentos e noventa e um) presos que passaram pelo programa
reincidiram, totalizando 6,53% (seis vírgula cinquenta e três por cento). Em 2012, de 339
(trezentos e trinta e nove) presos 26 (vinte e seis) reincidiram, importando em 7,67% (sete
vírgula sessenta e sete por cento). Por fim, de 55 (cinquenta e cinco) atendidos em 2013, 01
(um) reincidiu, o que equivale a 1,82 (um vírgula oitenta e dois por cento).
Como se pode perceber, houve um pequeno aumento do percentual de reincidentes de
um ano a outro. Por outro lado, também houve um aumento em números absolutos de presos
atendidos.
4 Ressocialização
17 Estatística fornecida pelo Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, atualizada até 01/03/2013.
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De uma maneira genérica o dicionário Priberamdescreve a ressocialização como ato
ou efeito de ressocializar ou de se ressocializar, ou seja, é o ato ou efeito de socializar ou
socializar-se novamente a pessoa à sociedade.
Nas palavras de Santos (1987, p. 135), em criminologia, ressocialização é “a
reintegração do delinquente na sociedade, presumivelmente recuperado.”.
O artigo 1º da Lei de Execução Penal18 dispõe que um dos objetivos da execução penal
é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Evidentemente, uma vez que é possível a execução provisória, esse objetivo não se restringe
ao condenado e ao internado, atingindo também o preso provisório ainda não condenado.
Outrossim,
a Reforma Penal de 1984 trouxe, com a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), em seus artigos 4º e 61, VII, uma alusão à finalidade ressocializadora da execução penal ao convocar a sociedade para uma efetiva participação e cooperação no processo de execução da pena criminal. Essa ressocialização como reinserção social é denominada como processo de diálogo entre o Estado e o delinquente, à medida que a sociedade passa a fazer parte e acompanhar a execução da pena. (Shecaira; Junior, 2002, p. 147)
Sendo um dos objetivos da execução penal, a ressocialização abrange a assistência e
ajuda na conquista de meios capazes de permitir o retorno do aprisionado ao meio social em
condições que propiciem sua integração (MIRABETE, 2004). Assim, a ressocialização do
preso não é uma opção, mas sim um dever.
Desse modo,
o presidiário tem direito a que o Estado atue para reformá-lo moral e intelectualmente, devolvendo ao curado e recuperado o convívio coletivo. Malgrado as pressões coercitivas inerentes ao próprio recinto prisional, incumbe ao Estado orientar, corrigir e reeducar o preso, evitando que se desfigure de vez e sobre como frágil embarcação no oceano revolto. (FERNANDES, N.; FERNANDES, V., 1995, p. 301)
Albergaria (1996, p. 139) tem a concepção de que:
a ressocialização é um dos direitos fundamentais do preso e está vinculada ao Welfare State (estado social de direto), que [...] se empenha por assegurar o bem-estar material a todos os indivíduos, para ajudá-los fisicamente, economicamente e socialmente. O delinquente como indivíduo em situação difícil e como cidadão, tem
18 Art. 1º - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
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direito à sua reincorporação social. Essa concepção tem o mérito de socializar e exigir a cooperação de todos os especialistas em ciências do homem para uma missão eminentemente humana e que pode contribuir para o bem-estar da humanidade.
Nesse contexto, o programa foi idealizado visando “aprimorar a ressocialização dos
presos primários acusados de crime de pequeno potencial ofensivo”19.
E, de acordo com Albergaria (1978, p. 173) “A readaptação social do condenado nos
estabelecimentos fechados realiza-se principalmente pelo trabalho e a reeducação (escolar,
profissional e social).”
No programa Carpe Diem, esse trabalho de ressocialização é feito com o apoio de
psicólogos, assistentes sociais e agentes de segurança, além da cooperação da Coordenadoria
de Reintegração Social e Cidadania (CRSC), Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel
de Amparo ao Preso (FUNAP), dos Narcóticos Anônimos (NA), dos Alcoólicos Anônimos
(AA), e do suporte de Prefeituras Municipais da região, entre vários outros colaboradores.
Também são aplicadas diariamente laborterapias e terapias multidisciplinares (como
atendimentos em grupo, atendimentos individuais, videoterapia, musicoterapia, palestras e
etc.), com psicólogos, professores, advogados, assistentes sociais, entre outros, tudo visando a
reintegração social do interno.
Ao deixar o Programa Carpe Diem o interno recebe um encaminhamento feito
conforme sua necessidade, para que se possa dar andamento ao processo de ressocialização
fora do estabelecimento prisional, tendo o auxílio de órgãos de apoio social, de saúde, entre
outros serviços oferecidos pelo poder público municipal e organizações não governamentais,
durante o período de seis meses.
Essa inserção social do infrator deve ser feita pelo Estado, contando com o apoio e
cooperação de profissionais especializados como: psicólogos, assistentes sociais, professores,
advogados entre muitos outros, para que o direito fundamental do infrator de ressocializar-se
não seja lesado. Nesse ponto, “Devemos entender que, mais que um simples problema de
Direito Penal, a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado.
Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel.”
(GRECO, 2008, p. 493)
19Conforme notícia disponível em <http: //www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=202181&c=5000>. Acesso em 16 mar. 2012.
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Mas isso não é um problema só do Estado. Bitencourt (2012, p. 592), citando as
sugestões docriminólogo italiano Alessandro Baratta para o combate à delinquência, lembra
que:
Todos os segmentos sociais devem conscientizar-se de que a criminalidade é um problema de todos e que não será resolvido com o simples lema “Lei e Ordem”, que representa uma política criminal repressiva e defensora intransigente da ordem (geralmente injusta) estabelecida. [...] É indispensável uma transformação radical da opinião pública e da atitude dos cidadãos em relação ao delinquente se se pretende oportunizar-lhe a possibilidade de ressocializar-se. Se isso não ocorrer, será muito difícil a reincorporação ao sistema social de uma pessoa que sofre processo de marginalização e de estigmatização.
Neste passo, tem-se que é fundamental a participação da sociedade, além da atuação
do poder público, para que a ressocialização do preso seja efetivamente concretizada, já que
“a ressocialização do delinquente implica um processo comunicacional e interativo entre
indivíduo e sociedade” (BITENCOURT, 2004, p. 152).
No programa Carpe Diem, essa participação da sociedade se dá especificamente com a
aplicação dos Mecanismos de Diminuição de Vulnerabilidade, quando, ao ser solto, o
participante do programa é atendido, entre outros, por organizações não governamentais.
Além disso, o programa conta com apoiadores como a AME - Amor Exigente, o AA –
Alcoólicos Anônimos, o NA – Narcóticos Anônimos, o GRASA – Grupo de Apoio contra
Álcool e Drogas Santo Antônio, a ACAP – Associação Cristã de Assistência Plena, a FADI –
Faculdade de Direito de Sorocaba, a UNIP – Universidade Paulista – Sorocaba, o SOS –
Serviços de Obras Sociais, e a VERIS – Grupo IBMEC Educacional de Serviço Social.
Também há a participação da família do preso.
Sobre isso, é essencial compreender que
não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade exclusiva de conseguir a completa ressocialização do delinquente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social de que o Estado e a sociedade devem dispor com objetivo ressocializador, como são a família, a escola, a Igreja, etc. (BITENCOURT, 2012, p. 598).
Para todo esse trabalho de ressocialização do preso também
é imprescindível acreditar na viabilidade da reforma ou emenda do delinquente, que não pode ser visto como um monstro sinistro e malsão, de perversidade total e incurável. [...] O criminoso deve ser entendido como um doente que pode ser recuperado e readaptado à vida social. [...] Admitir que todo preso é passível de
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regeneração não é devaneio humanitário. Todo homem pode ser recuperado através de aprendizado moral e intelectivo, conquanto possa ser uma criatura controvertida, incoerente e paradoxal. O preso evidentemente não é um anjo, mas todas as tentativas devem ser feitas para que ele se conserve humano ou, decaído, torne a ser útil aos seus semelhantes. (FERNANDES, N.; FERNANDES, V., 1995,p. 301 e 302)
A reintegração dos infratores à sociedade é um trabalho complexo e árduo, mas que ao
alcançar seu objetivo propicia uma grande melhoria na qualidade de vida de toda sociedade, e
não apenas na vida do indivíduo infrator, uma vez que ao se integrar o indivíduo novamente à
sociedade, com a sua devida reestruturação psicossocial, ele terá maiores chances de se
enquadrar nos padrões da moral e dos bons costumes, valorizando os meios de vida e
profissões lícitas. E consequentemente, o número de incidências criminais diminuirá,
juntamente com os números da reincidência.
Portanto, com a ressocialização todos ganham: o preso e o egresso, assim como o
restante da sociedade.
Considerações finais
O nosso sistema prisional é sabidamente ineficaz, especialmente quanto à sua
finalidade de prevenção e ressocialização. Desse modo, práticas que auxiliem o alcance
dessas finalidades, como propõe o Programa Carpe Diem, são fundamentais, e para toda a
sociedade.
Analisando somente os dados disponibilizados pelo Programa Carpe Diem, há fortes
indícios de que houve significativa redução da reincidência após a implantação desse
programa e, consequentemente, que há sinais de eficácia do programa para conter novos casos
de criminalidade.
Além disso, também há prenúncios de que a expectativa do programa, de ressocializar
os infratores presos provisoriamente, foi alcançada, tendo em vista a redução dos índices de
reincidência no Centro de Detenção Provisória de Sorocaba, observando-se os integrantes do
programa que foram atingidos pela atividade.
Embora a análise dos dados ter indicado a efetividade do Programa, é preciso ressaltar
que não é possível afirmar que realmente houve uma eficaz ressocialização dos presos
atendidos e uma consequente diminuição da reincidência. Primeiro porque somente puderam
ser estudados os dados fornecidos pelo próprio Centro de Detenção Provisória em que é
desenvolvido o programa, já que não há informações de outros órgãos, bem como não foram
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localizados dados de outros Centros de Detenção Provisória, para que pudesse ser feita uma
comparação com um estabelecimento prisional em que não é aplicado o Programa. Em suma,
inobstante os esforços caminharem no sentido da efetividade do trabalho, não existiu um
grupo de controle que pudesse estar sujeito a condições de experiência similares, garantindo
um parâmetro de dados resultantes da observação dos integrantes desta pesquisa.
Apesar disso, nós entendemos que toda tentativa de auxílio ao preso, como se dispõe o
Programa Carpe Diem, é sempre bem vinda. É claro que há muito a ser feito e melhorado, a
começar por uma estatística realizada por um órgão distinto do Centro de Detenção Provisória
de Sorocaba.
A par disso, seria interessante a implantação desse Programa em outros Centros de
Detenção Provisória, não só para possibilitar o auxílio na ressocialização do preso e na
prevenção da reincidência em outros locais, como também para propiciar uma melhor análise
acerca da eficácia e do desenvolvimento do Programa Carpe Diem.
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