Post on 30-Sep-2020
1
Professora Prazeres, dia 2 de Maio de 2011
Entrevista Professora A
Entrevistadora – Em relação a este tema Escola‐Família, o que diria a um jovem professor
acerca da utilidade e importância acerca da relação escola‐família?
Entrevistada A – Fundamental.
E – Em que aspectos é que acha fundamental?
A – Havendo uma boa relação escola‐família é meio caminho andado para a aprendizagem.
E – Portanto, aqui no ponto de vista dos alunos. Então, e para os professores, vê alguma
importância, alguns ganho?
A – Mais segurança, ganhamos à vontade até para que possamos trabalhar com determinada
criança. Mãe ausente, nós nunca chegamos a conhecer a parte de lá, certo…. Eu acho que é
importante conhecer um bocadinho da história do lado de lá, a história, portanto digamos, da
família, para depois também conseguirmos tratar melhor, ou lidar melhor com as situações.
Porque muitas vezes podem nos ocultar determinadas situações: ou divórcios, de… que estão
a interferir nas aprendizagens, e que nós até nem sabemos que há ali qualquer coisa que não
está bem, que não conseguimos descortinar. Eu, por acaso, este ano tive uma experiência
bastante interessante de uma senhora, que no início do ano, logo na primeira reunião, chegou
ao pé de mim e disse‐me: “Eu gostava de lhe dar uma palavrinha no final”. E a senhora disse‐
me: “É para lhe dizer que o meu neto me foi entregue, está entregue aos avós portanto, vive
comigo e com o avô, pelo tribunal. Foi fundamental, era uma informação que eu não tinha,
que a senhora por acaso teve o arrojo, que nem toda a gente tem de me dizer, e eu acho que é
fundamental. Porque eu, a partir daí, portanto, eu pedia insistir com a mãe… e só o estava a
fazer sofrer, e com o pai. Quando afinal ele tem um pai que não sabe quem é, tem uma mãe
que sabe quem é mas que vive com não sei quem e não sei quem e assim eu, ainda agora no
dia da mãe, eu disse: “A quem é que vais a prendinha?” “À avó! Dou sempre à avó e ao avô!
Eles é que tratam de mim.” Portanto… muitas vezes, conhecendo o lado de lá portanto
havendo uma relação… que é óptimo. Que é a maneira, às vezes, de nós entrarmos… quem me
dera a mim, com dois ou três alunos que tenho aí, que soubesse o que é que está por trás, se
calhar eu dava melhor a volta para entrar no mundo deles, que eu ainda não sei qual é o
mundo deles.
E – E, no caso dos pais? Como é que vê que esta relação vá ajudar os pais?
A – (…)
E – Como disse, os alunos ganham com isso, aprendem melhor, ou aprendem mais… mas como
é que os pais podem ganhar com a relação?
2
A – Também ganham. Eu digo‐lhe, eu, principalmente no primeiro ano, faço questão, e digo
logo isso no início do ano, aos meus encarregados de educação, é que, à medida que estes
encontros que temos, mensais, que não são praticamente nada, mas que são muito… quem
vier, sabe mais ou menos, acompanha as matérias, as temáticas, as coisas como são
abordadas. Se houver dúvidas, mesmo em questões de … toda a gente aprender um p e um a,
pa e um t e um a, ta… agora já não há p e um a pa é o pa. Na medida em que nós
transmitirmos isto, ganhamos. Ganhamos porquê? Estamos a ganhar porque eles não vão mais
em casa continuar. Aliás eu fiz um exercício no quadro, enquanto estamos ali… o raciocínio
lógico de uma criança ao fazer um p e um a, um , dois, para chegar ao pa já fez o terceiro, mais
o t, quarto mais o o, cinco, o to, seis… mais, para chegar à palavra, fez oito ou nove raciocínios,
enquanto que se for silábico… dois raciocínios e chegam lá. Na medida em que os pais, os
encarregados de educação, estiverem informados destas temáticas, destas… no fundo,
destas….
E ‐ … actualizações
A ‐ … exactamente, destas actualizações que foram feitas, ao nível da Matemática… e não sei o
quê. Mas, que eles podem acompanhar melhor, sem grande receios. Sem terem receio de
estarem a errar, e não sei o quê… “Oh professora, eu faço assim” já disse à professora “Eu
agora já estou a fazer ditadinhos por sílabas”… “É isso que deve fazer”. Portanto, eu acho que
há sempre a ganhar. Também, às vezes também é importante nós olharmo‐nos nos olhos uns
dos outros… até para termos confiança nas pessoas. Porque isso de não nos sabermos olhar de
frente, de olharmos nos olhos, bem uns nos outros, traz outras coisas… parece que andamos
sempre na desconfiança. Na medida em que, quando estamos aqui juntos, seja pouco, seja
muito, se transmitirmos confiança, se transmitirmos segurança no trabalho, nós, como
profissionais, transmitirmos segurança, transparência e lhe pusermos os dossiers à disposição,
sem medos, sem receios… eles também pensam duas vezes. “A professora está em clique” “A
professora sabe o que está a fazer”. Não sei se me estou a fazer entender?
E – Sim, sim… completamente. Falou à pouco que, mensalmente reúne com os pais…
A – Sim, sim… está calendarizado.
E – Foi combinado com eles logo no início do ano? Como é que combinaram isso?
A – É calendarizado logo no início do ano, a nível de agrupamento. A nível de ano.
E – Sim, sim…
A ‐ E cada pessoa… a nível de ano, escolhemos um dia. E depois, cada um adapta ao seu
horário como quiser.
E – Normalmente todos os pais aderem a este tipo de reuniões?
A – eu, tenho quase sempre… na sala, portanto, mais de cinquenta por cento. E esta reunião
não tem carácter obrigatório.
E – Exacto.
3
A – Tá a ver…
E – Hum, hum… E aqui aproveita pra fazer…
A – Aqui aproveito para fazer…
E – Como estava a dizer, explicar o modo como trabalha com os alunos…
E – Aproveito pra fazer uma análise dos conhecimentos que estamos a fazer, dos conteúdos
que estão a trabalhar, dos comportamentos, atitudes… que muitas vezes. E portanto, vêem as
“fichinhas” mensais que se fazem, portanto que todos os meses fazem, assinam‐nas. Estas por
acaso são trimestrais, mas é uma ficha do género. Esta é trimestral… esta é uma ficha
sumativa. As outras são formativas, é uma ficha do género desta… vêem‐nas, assinam‐nas.
Vêem os dossiers, vêem os livros, vêem o que querem, fazem as perguntas. Tanto quanto
possível tento responder, é evidente, é o meu…
E – Mas, vê vantagem nestas reuniões mensalmente? Sempre fez assim?
A – (abana a cabeça, negativamente)
E – Não. É uma prática nova?
A – Não foi sempre assim.
E – Mas vê vantagem em relação ao que era feito?
A – Vejo, vejo… vejo vantagens. Por um lado… é assim, também à uns anos a esta parte as
pessoas também tinham mais disponibilidade e, cada vez mais portanto, sei lá, eu estou a
pensar… aqui há dez anos as mães, muitas não trabalhavam e vinham à escola de vez em
quando (…) hoje, com a vida que se tem, se não for assim, ninguém vem à escola. Então fecha‐
se, isto aqui assim torna‐se numa “coisinha” fechada. Eu acho que nós não nos podemos
fechar. A escola tem de estar aberta.
E – Estes contactos que faz, que são prática comum do Agrupamento, ajudam a que os pais
sintam maior aproximação da escola e como diz, sintam a escola mais disponível, mais aberta e
portanto, também participam mais. Os pais geralmente participam em actividades que não
sejam só as reuniões formais, outro tipo de actividades?
A – Outro tipo de actividades não temos, sinceramente, não temos feito. Porquê? Porque a
escola também não tem condições. Repare, nós para fazer uma festa de Natal, onde é que a
vamos fazer? Conhece a escola?
E – Sim.
A – Onde é que vamos fazer uma festa de Natal? Com plano A ou plano B? Na sala? Nós por
exemplo, aqui nos pavilhões, eu já estou… este ano é o quinto ano aqui… portanto já estive
aqui quatro anos seguidos com alunos que já foram este ano para o segundo Ciclo. Aqui tem
sido prática, chove, não chove…. Vamos todos para aqui fazemos aqui um “bocadinho”
comum. Agora, nesse aspecto, não. Está a ver as actas, quase todos aparecem e depois eles
4
ainda fazem este registo, das vezes que aparecem e não aparecem. É um registo dos assuntos
que são tratados, que é um por aluno. Isto não é obrigatório. É trabalho…
E – Mas, eu julgo, nesta situação de reunião, se não é um a situação formal, não é... se não é
obrigatório para os pais virem, se eles vêm … pode‐se considerar que se trata de uma
actividade promovida pela escola…
A – Não é de carácter obrigatório, é facultativo. Mas, como lhe disse, são calendarizadas logo
no início do ano. Eles são informados logo no princípio do ano.
E – Não tem outras actividades? Mesmo sendo actividade de sala?
A – Actividade de sala já tive e tive experiências positivas. Por acaso foi pouco tempo… as duas
actividades que já tive na sala de aula… foram por pouco tempo, infelizmente, para mim ou
felizmente, não sei…. Mas, foi quando apareceu a história dos Magalhães, houve um pai… eu
manifestei‐me que gostava que, se alguém se voluntariasse, que alguém viesse dar umas
luzes… e houve um pai que, sim senhora, disse que vinha às sextas‐feiras e não sei o quê…
depois informei‐me junto do Agrupamento, a ver se podia. O Agrupamento disse que sim, sim
senhora podia. O senhor, o encarregado de educação veio aí, depois por motivos de trabalho,
dele só veio, penso eu, aí umas quatro semanas. Mas, por acaso estava a resultar. Para os
miúdos, para mim, pessoalmente e, esse encarregado de educação também se apercebeu das
dificuldades do que era trabalhar com vinte e três crianças.
Outra também foi na área da expressão plástica, uma mãe se voluntariou para vir dar umas
“aulinhas”. Foi interessante mas, também foi pouco tempo… começou assim no final.
Agora, é o que eu digo, eu acho que devia haver mais mas… com carácter… não é ir à escola
por ir, com um carácter de responsabilidade. Porque se não for com carácter de
responsabilidade de responsabilidade, não vale a pena.
E – Nesse sentido de depois não terem tempo?
A – Exactamente. Ou virem quando apetece. Devia ser com um carácter, como nós definimos
no início do ano estes encontros, no fundo as reuniões mensais, eu acho que também devia
estar programado. A gente adere a tantos projectos no início do ano, que muitas vezes, na
prática, não são realizados… porque não também fazer estes encontros, essa interacção com a
comunidade. E não há, realmente não há. Mas é pena. Mas, também talvez pela sociedade em
que vivemos… repare que ninguém tem tempo para… A escola está quase a funcionar como
um despejo. Como viu, á pouco, a dificuldade que há, em agora, em dois dias, alterar um
horário.. tá a ver? Apercebeu‐se?
A – Hum, hum…
E – Isto é das provas de aferição… Alteram‐se os horários, os meninos só vêm de tarde, já é
uma problemática! Portanto, a sociedade, os pais, não têm vida para, se calhar, estar mais
tempo na escola. E nós notamos isto, há colegas que fazem este atendimento à hora de
almoço e, não vem ninguém. Ou, se o fazem logo às quatro horas, também quase ninguém
5
vem. Aqui, a esta hora (17h 30m) sou só eu mais duas ou três, que estamos a fazer a essa hora,
e apanha‐se mais gente. A gente já tem por experiência que, a partir dessa hora ainda
apanhamos… sujeitamo‐nos é a sair daqui às oito horas da noite. Porque há muitos que
chegam aqui às seis, que é quando a acabam o trabalho deles… e nós, ainda cá estamos e
temos de os receber. Temos de os receber mas, é claro, também é do nosso interesse.
E – porque é que acha que, agora se fala tanto nesta questão da relação escola‐família?
A ‐ … Eu acho que esta questão… porque que se fala?... Porque é que se fala nisto?
É por isso mesmo, é porque, porque… se não houver esta relação tudo falha. E, até aqui, já
digo até à uns anos atrás, havia sempre o acompanhamento dos pais. Eu lembro‐me, eu
andava na escola e, quando eu não fazia as coisas, o meu pai obrigava‐me a fazer. E, se me ia
para queixar ao meu pai, que eu tinha dito isto e aquilo… ainda levava uma chapada. E agora
acontece a situação contrária. Portanto, eu acho que é importante para cativar os pais, para
cativarmos os filhos. Porque caso contrário, isto é apenas um despejo, não importa… acho que
já não importa se a criança está a fazer aprendizagens, ou não está a fazer aprendizagens…
importa é se a criança anda bem disposta ou maldisposta… e não pode ser assim. A escola não
pode ser vista como isso, na minha perspectiva enquanto profissional, eu não me demito da
ambição que tenho, que é: ser professora, ensiná‐los e educá‐los. Se alguma coisa não têm.. .
já a doutor Inês Sim Sim, disse publicamente que se chegarem à faculdade e não souberem o
que é um adjectivo que ainda estão muto a tempo de aprender. Já lhe ouvi muitas vezes isso..
e é a Dr.ª Inês Sim Sim. E, para nós chegarmos aí, mais vale a gente se ir encontrando, e isso
era fundamental, de vez em quando, porque assim, até os pais sabem o que é um adjectivo.
E – Então, para si, o que é a essência, fundamental e que devia ser a relação, ser uma relação
ideal seria os pais participarem cada vez mais na escola e, sobretudo, como dizia, perceberem
que a função da escola não passa só por tomar conta dos filhos? A função passa pela vinda dos
pais mas numa vinda com sentido, com…
A ‐ … de formarmos os filhos. Em conjunto, formarmos em plenitude, uma criança. Ajudá‐la a
crescer na plenitude, não deve ser só em aprendizagens… é crescer na plenitude, é prepará‐la
para a sociedade. No sentido de, em conjunto, prepararmos uma criança para a vida da
sociedade.
E – Acha que os seus colegas, os que com quem tem mais relação, sejam aqui da escola ou
não, mas os colegas em geral, pensam da mesma forma?
A – Hum… Há alguns que não pensam, há outros que pensam. Eu respeito quem não pensa,
mas eu penso…
E – Mas acha que pensam de outra forma porque valorizam outras coisas? Ou não valorizam a
relação com os pais?
6
A – Porque acham… Talvez seja por isso. Eu, mesmo que estejam cá vinte e três, se vinte não
ouvirem, mas três ouçam… eu já acho bom. Pode ser que estes três sejam aqueles que
precisam de ouvir. A gente nunca sabe.
E – Exacto.
A – As colegas dizem: eu falo, falo, falo e chego à conclusão que ninguém me ouve. Eu se
calhar, às vezes, também chego a essa conclusão… eu também já expliquei na outra reunião
que as provas de aferição era não sei o quê… e agora, ainda me vêm perguntar, mas porquê…
Mas pronto, se não ouviram três.. . Olha, hoje ouviram três, noutro encontro ouvem quatro, já
são sete, noutro ouvem sete, já são catorze… à medida que nos formos encontrando, alguma
coisa lá fica e, pelo menos conhecem a professora… vão conhecendo a professora. Talvez,
conhecendo‐nos também um bocadinho a nós, talvez também façam depois, em casa… passar
essa mensagem aos filhos. “A professora é vossa amiga” se calhar até “quer que vocês
aprendam”… e não sei o quê. Uma coisa que eu digo aos pais é, em relação aos filhos: “se
quiserem dizer alguma coisa em menosprezo da professora, que o podem fazer, nunca o façam
ao pé dos vossos filhos. Façam com o marido, façam com o companheiro, façam‐no com uma
vizinha, façam‐no com quem quiserem. Nunca perto dos vossos filhos, porque perdem os
vossos filhos”. “Perdem as aprendizagens e eles não têm mais confiança no profissional que
têm à vossa frente”. Porque estas coisas têm de ser ditas, se não forem hoje têm de ser
amanhã. Porque no fundo, com estas reuniões, quase que arranjamos um bocadinho, um a
“escapadelazinha” para ir bater no mesmo.
A – E como é que, normalmente, os pais reagem a essa situação de… quando lhes pede que
sejam frontais, como dizia, que peçam… nesse caso, lhes pede ajuda para evitar certas
situações, mesmo com os alunos. Tem alguma reacção de imediato dos pais ou, normalmente,
não se manifestam?
A – Não, há alguns que não se manifestam mas, nem para o positivo nem para o negativo.
Portanto, não se manifestam. Mas, há quem se manifesta… há quem se manifeste. Portanto, já
este ano, com o primeiro ano, tenho aí pessoas a manifestarem‐se, muito bem, sim senhora…
Em relação aos quatro anos que deixei, eram pais muito participativos agora estes… lá está, é
preciso nós nos darmos a conhecer… à medida que os conquistamos, à medida que
conquistamos os pais, conquistamos cada vez melhor os filhos.
E – Sente que com os outros pais já tinha uma relação muito próxima e que agora, ainda está a
construir a relação com estes pais?
A – Ah, sim… é isso, a relação constrói‐se, não tenha dúvida.
E – Possivelmente, no próximo ano, poderá pensar nos tais projectos, ou não é assim uma
coisa que a preocupe?
A – É assim, eu, os projectos, estou envolvida num, já há … desde que estou aqui nesta escola,
há seis anos, tenho estado sempre no projecto do Clube da Floresta (…). A única actividade em
7
que nós envolvemos a comunidade escolar abrangente, aos encarregados de educação, é um
passeio pedestre que fazemos no final do ano. E as pessoas têm aderido, quer dizer, não
aderem a cem por cento mas, aderem, vão vindo, vamos conquistando. De resto, eu acho que,
o espaço em si limita‐nos, nós queremos fazer… ainda no ano passado, queríamos fazer a
entrega dos diplomas… por exemplo, eu acho que era uma coisa interessante, fazer‐se os
outros, estes pequeninos verem mas não é possível, nós não temos espaço que nos permita
isso. Para já não temos um palco em que os outros possam ver, não é… e não vendo, dispersa‐
se tudo. A gente vê pelas pequenas festas que fazemos aí, o Magusto… portanto…
E ‐ .. o espaço em si condiciona, e depois é também a questão do tempo dos pais perdido…
A – Sim, também o tempo. A nossa sociedade, a nossa vida.. a vida social, profissional não
permite esta aproximação… eu acho.
E – Onde… se eu lhe perguntar onde é que aprendeu a lidar assim com os pais, onde é que
aprendeu essa forma de aproximação aos pais, do que acha que é a relação ideal com eles?
A – É assim, já dizia Sebastião da Gama, só se aprende com quem se ama e, na medida em que
eu conquistar a criança, há dificuldades, mas se eu conquistar a criança mais facilmente… se eu
conquistar a criança aprendem mais e depois, por acréscimo, os pais.
E – Mas aprendeu essa forma de agir, por experiência…
A – Também.
E ‐ … por outras colegas…
A – Também. A experiência… os melhores ensinamentos são as experiências, sem dúvida. Nós
podemos trazer muitos ensinamentos, mas depois a prática, no dia‐a‐dia, de constatarmos as
realidades tão diferentes, nós…. Esta turma, é tão diferente da outra realidade/turma que tive,
tão diferente… a outra era uma turma homogénea em termos familiares, de estrutura
familiar… era muito homogénea. Esta turma, por exemplo, em termos familiares é uma turma
completamente desestruturada, completamente desestruturada. Ora, se nós não
conquistamos então muito menos.
E – Pegando nas suas palavras, acha mais difícil a relação (quer dizer, já passou), achou mais
simples, mais fácil a relação com os outros pais, por serem de famílias mais estruturadas, acha
que isso condiciona de alguma maneira, ou sente só que precisa de aproximá‐los de qualquer
das maneiras?
A – Isto tem a sua influência, a estruturação familiar tem a sua influência. Mas eu, neste
momento, não lhe sei dizer… Sei‐lhe dizer que isso é importante e outra coisa que lhe posso
dizer é que em vinte e seis anos de trabalho nunca tive o que me fizeram o ano passado… que,
sem eu saber onde é que eu ia, marcaram‐me um jantar onde estavam os vinte e três alunos,
8
onde estavam as vinte e três famílias, estruturadas e desestruturadas, mas estavam lá todas….
Desde bebés, a velhotes… estava tudo.
E – Foi uma despedida?
A – Foi. Que eu, nem pouco mais ou menos sonhava… eu ia jantar com o meu marido e um
amigo do meu marido. Portanto, acho que vale a pena investir… e, eu acho que muitas vezes,
não é preciso envolver, envolvê‐los… vamos lá… há outra coisa em que os envolvemos, por
exemplo, nas tasquinhas…
E – Sim, sim.
A – A minha turma, do ano anterior, foi muito participativa, foi muito activa sempre, nas
tasquinhas. Aliás nos quatro anos, fui quase sempre empurrada, aqui por… havia aqui duas ou
três mães… uma delas também é nossa colega. Talvez também por isso empurrasse um
bocadinho mais, sabia o que isto custava, estava assim de que lado e dava um
empurrãozinho… mas, eu acho que era importante aproximá‐los mais. Mas quando os
aproximar saber como os aproximar… e isso aí também não lhe sei dizer muito, o que lhe sei
dizer é que é muito importante, diria fundamental uma boa relação com a comunidade,
comunidade familiar, da turma.
E – Sente que é importante essa aproximação. Vê onde é que fica a fronteira entre os
assuntos, ou os temas que podem ser … ou entre a função do professor e depois a função dos
pais?
A – Tento fazer... Tento criar essa linha.
E – Mas onde é que ela fica, em termos práticos, como é que conseguimos vê‐la?
A – Ahhhh… também não a sei ver muito bem. Mas, digo‐lhe uma coisa, portanto, agora
tenho aí uns pais mais novos que eu, não é. Quando eu digo, “Dona Margarida! Dona Elsa!”,
respondem “ Ai, não me faça ainda mais velha.” Desculpe, mas é a minha maneira de ser… não
sei o quê, não sei que mais…” “Não entendam isto como um distanciamento mas fui educada
assim e sempre serei assim, já não é agora, com esta idade que eu também vou mudar.
Também tenho os meus direitos. Portanto, tento rematar porque, como se costuma dizer,
quando a gente dá a mão, muitas vezes nos tomam o pé, tomam a outra mão, e às tantas
estamos todas: é tu cá, tu lá… E aí não. Não, não como distanciamento mas mantendo sempre
uma distância. Não é distanciar os pais, atenção! Os pais sempre próximos, mas criar ali… Eu
sou na turma, eu sou responsável pela turma, portanto aqui, quem manda sou eu. Tenho a
minha planificação , as minha coisas… como pais têm outras funções. No ano passado, no ano
passado não, há dois ou três: “o meu pai também manda aqui, trabalha na Câmara”. “Ah?! O
teu pai?!”, “É engenheiro na Câmara!” . Eu farta de saber. “O tu pai é como eu, se eu quiser ir
ao gabinete do teu pai tenho de bater à porta, e o teu pai, se quiser entrar aqui na sala
também tem de bater à porta. Mas quem é que te disse isso?” “O meu pai disse‐me!” “Mas
9
onde está o teu pai?” “O meu pai foi‐se agora embora”. “Então vai lá chamá‐lo!” E o senhor
estava ali à porta. E veio, e eu disse: “Olha, agora diz lá ao teu pai o que disseste à
professora?” É importante às vezes confrontá‐los com esta realidade.
Olhe, em relação às asneiras… um miúdo aqui… ah! Era “alhos” e “bogalhos”por todo o lado…
e não sei quê…. Quer dizer… E um dia disse‐lhe. “Ah, mas o meu pai também diz, porque é que
eu não posso dizer!?” “Vais escrever, não sei quantas vezes, que não se dizem asneiras na
escola.” “Mas eu digo ao meu pai, e não sei quê…” “Então diz ao teu pai que escreva o dobro
das vezes, é maior.” Nesse dia o miúdo caiu, o senhor veio aí, veio… “Mas olhe lá, o que é que
o senhor quer do seu filho? Não quer que ele leve que escreva asneiras mas ele diz que o
senhor as diz ao telemóvel.” “Ah, o cabrão! É professora é verdade, e não sei quê… a gente vai
ao telemóvel e tal, até se esquece, até se esquece… e às tantas isto, às tantas aquilo…” “Pois é,
pois é… e depois, não quer as diga?!” Às vezes é preciso haver este confronto mesmo… e,
facilmente se apanha.
E – O que é que achava, dada a sua experiência, na sua opinião, o que é que achava que seria
importante ensinar, em relação a este assunto, relação escola‐família, a um professor que
esteja a tirar a licenciatura? O que é que achava importante abordar, sobre o tema escola‐
família?
A – A… portanto… a uma pessoa que estivesse a tirar o curso?
E – Sim, o curso de professor. O que acha que seria importante dizer‐lhe sobre este assunto, a
relação escola‐família? O que é que ele devia aprender antes de vir para uma escola, para uma
sala de aula, lidar com…?
A – Saber ser e saber estar. Saber ser profissional e o saber estar, como profissional. Acho que
era fundamental. E, muitas vezes nós não sabemos estar, nem sabemos ser. Semeamos mal
depois colhemos mal. Porque eu acho que, às vezes, também temos que nós… saber fazer a
sementeira, para depois podermos colher bons frutos. E acho, que nesse aspecto, tal como…
Eu agora não estou muito a par dos currículos, conteúdos e objectivos da (formação)…
E – Independentemente disso…
A – Tal como aqui à alguns anos, há bastantes anos, vinte cinco anos, havia uma parte da
legislação que nos ensina a legislação, na altura aplicável …. E como se fazia isto, e como se
fazia aquilo. Mas acho que na parte da família também havia de haver um trabalho a fazer, da
família. Mas, não sei até que ponto, a escola, sozinha, pode fazer isso. Porque isto é muito
envolvente, eu acho que a parte social, a sociedade, em si, também não permite. A vida, a
nossa vida … como é que eu hei‐de dizer… as vidas profissionais. Hoje, toda a gente vive
ocupada, acho que não temos tempo para nada… passamos o tempo a correr.
E – Sente bastante isso com os pais?
10
A – É notório, bastante notório. Cada vez mais os pais têm menos tempo para os filhos. Outros,
também dizem que não têm tempo, que não têm tempo para os filhos, mas depois também
têm tempo para outras coisas. São opções.
E – Acha que será a forma como a sociedade, agora se organiza, não é?!
A – Exactamente. Porque hoje a sociedade pensa que é bom andar em tudo. É bom andar no
karaté, é bom andar no ginásio, é bom andar na dança, é bom andar nisto, é bom andar
naquilo… depois vieram as actividades de enriquecimento curricular… é bom estar na escola
até às cinco e meia e depois até ainda há o CAF. E isso deixa‐me disponibilidade para eu ir ao
ginásio, para deu poder ir à praia sem o filho atrás. Portanto eu acho que aí, a escola não sei de
que modo poderia intervir. Devia intervir. Mas a outros níveis… haver uma escola paralela para
pais. Como agora está muito na moda, estas conversas com pais. Porque não conversas com os
professores.
E – A forma como está a falar, nunca tinha pensado nisso, não dessa forma, mas leva a pensar
que os professores é que não se actualizaram juntamente com a sociedade toda… ou que nós
como professores é que nos temos de ir adaptando ao que os pais nos trazem, aos que os
pais…
A – Mas isso já nós fazemos. Repare, que nesse aspecto, nós já fazemos. Eu, por exemplo, há
colegas que dizem: “Eu, dar o meu contacto pessoal? Não.” Os meus encarregados de
educação têm o meu contacto pessoal, têm os meus contactos pessoais, fixo, rede móvel. Sim,
senhora, há qualquer problema, eu sou responsável. Não tenho problemas, os meus
encarregados de educação, todos têm o contacto, o meu contacto. E acho isso fundamental.
Enquanto que há pessoas que dizem, há pessoas que, determinantemente, não dão os
contactos. Estão no seu direito.
E – Mas sente que, uma vez que abre as portas e que partilhe com eles o que os meninos
fazem na sala e o modo como os ensina, também sente, de alguma forma deve abrir, neste
caso, facultar os contactos para qualquer coisa que seja importante. Ou seja, não abrir as
portas e depois voltar a fechar, no sentido de não lhes facultar isso?
A – Não, não. E aliás, eu digo sempre: “Senão puderem vir nestes dias, dão um toquezinho,
que eu tenho muito gosto em atender noutro dia.” Nunca fecho as portas aos pais. Pode não
ser por muito tempo, uma conversa muito alongada. Mas acho que é importante, até porque
os miúdos, e se calhar agora vou‐me repetir, os miúdos sentem isso: “A minha mãe nunca vem
à escola”; “A minha mãe nunca tem tempo para vir à escola”. Portanto, e choram. Mesmo para
os miúdos, é importante que, de vez em quando, sintam que a mãe vem à escola. Se os pais
soubessem a importância que os filhos manifestam, para nós, o quanto é importante para eles,
a vinda deles (pais) à escola, eu tenho a certeza que, se calhar, vinham mais vezes. A não ser
que não sejam mães ou que não sejam pais.
11
E – Neste caso estava a falar no plano afectivo, aqui da questão da relação, não é?! No caso
dos alunos perceberem quando os pais participam, ou que vêm das coisas deles e que sentem
essa ligação também com a professora. Porque os meninos têm essa ligação, e sempre vão ter,
essa ligação especial com a professora. E isso torna os pais também próximos da professora e
também facilita a relação deles com a escola e com a professora e, mais a mais, tratando‐se de
meninos de primeiro ano e que vêm à escola, pela primeira vez neste modo mais formal, não
se sentem tão sozinhos, não é?! Ainda há uma relação bastante próxima com os pais mas
criam uma ligação maior com a professora. Em termos educativos, como falava à pouco,
mesmo com a questão das asneiras, com o menino que dizia asneiras, sente que os pais lhe
dão esse, não diria poder, mas essa aproximação. Não só curriculares, como também a nível de
situações de recreio... como é que os pais falam consigo sobre?
A – Falam, falam… para já há um mapa de comportamentos. Quando chegam aqui, porque o
encontro é sempre na última quarta‐feira do mês. Chegam ali, olham para o mapa, vêm o
panorama… e perguntam: “E porquê!?” “É por isto, por aquilo…” E depois a gente diz o que é
que se está a passar. Tenho aqui um miúdo que tem um péssimo comportamento, mas é um
óptimo aluno. É penalizado depois na avaliação final do período, porque na parte do
comportamento ele tem zero ou tem um por cento, é penalizado. Tenho de penalizar.
E – Os pais pedem a sua colaboração, nessas situações?
A – Pedem, pedem. E o mau comportamento, vamos lá ver, eu não estou aqui a dizer mau
comportamento no sentido de … este miúdo é muito irrequieto, perto da hiperactividade, tem
de ser controlado. E como é que é controlado? Olhe, é por sinais vermelhos que são
controlados. Portanto, e nesse aspecto, portanto os pais reagem bem. Não tenho, por
enquanto não tenho, de todo, razão de queixa.
E – estava a recordar‐me da situação anterior, em que a mãe dizia que não sabia o que é que
havia de fazer. Em relação a esses meninos que têm comportamentos mais agitados, acontece‐
lhe haver algum…
A – Eu costumo dizer: “Se a senhora não sabe gerir essa situação”… “Ai professora, eu já não
sei que volta é que lhe hei‐de dar?”… “Então se a senhora, como mãe…” mas eu digo isto assim
muito calmo, muito tranquila, e depois com o ar de graça… “ É engraçado, Oh Dona não sei
quantos, então se a senhora não consegue dar a volta a um, como é que eu consigo dar a volta
a vinte e três?! É uma chatice!”… “Ai veja se faz alguma coisa dele, que eu não faço nada dele”.
“Olhe que é uma chatice, já pensou!? Veja lá!?”
E – E isso acontece com mais frequência, de alguns anos para cá ou não nota isso?
A – Ah.. há alguns para cá, quer dizer, porque também não se levantavam tantas questões. Os
miúdos eram mais dóceis, mais obedientes. Também não havia aquela história de, hoje se
12
“encosta” mais a uma criança e, vai logo para o Agrupamento e… as inspecções e não sei
quê… tá a ver?! E depois criou‐se essa linha directa para a inspecção, essa … sinceramente, eu
acho que de vez em quando, não sou apologista… eu acho que o nosso país é um país de
extremos, ou oito ou oitenta… passámos do oito para o oitenta, em que nada era permitido e
agora tudo é permitido. E não é assim, não devia ser assim. E depois as coisas tornam‐se
banais. E depois, temos o país que temos e a educação que temos. Porque, e a colega é muito
mais nova do que eu e, com certeza, ainda teve algumas regras. Então imagine as minhas. E
agora veja as que, as dos alunos que recebe. Eu costumo dizer: cada fornada é pior que a
outra, cada fornada que entra é pior que a outra.
E – E dessa maneira sente que aproximar dos pais, pode de alguma forma, a superar isso.
A – Disso, disso, eu não tenho dúvida. Tem de haver uma conquista. Mas acho que isso, em
tudo na vida. Acho que em tudo na vida.
E – Mas acha que dificulta… eu queria que agora, de uma maneira geral, identificarmos as
dificuldades que foi dizendo ao longo desta nossa conversa… as dificuldades que foram sendo
ditas sobre esta relação. Uma delas será a disponibilidade dos pais, o tempo, mas agora
falávamos da questão da ligação, da abertura aos pais da… que haja essa ligação dos pais, essa
disponibilidade não só física mas também de atitude para com a escola… ou sente que parte só
dos professores?
A – A escola está mal vista pela sociedade em geral e, a partir daí está tudo dito, acho eu. O
que é que a colega sente? Não acha que a escola estão, de uma maneira geral, mal vistas? O
ensino está descredibilizado.
E – Mas assim, dessa forma, a atitude do professor pode ajudar a mudar a forma como isso
acontece.
A – Nós tentamos… e eu quero, com os meus encarregados de educação, dar mais
credibilidade, aproximá‐los o mais possível mas, no geral, no geral, no geral, a gente sente que
a escola cada vez ter menos… mais, está a ser mais…. Portanto desacreditada.
E – Mas tendo noção dessa dificuldade… age dessa forma para evitar…
A – Acho, acho, acho… uma aproximação com toda a comunidade educativa: pais,
encarregados de educação… acho importante esta relação, essa proximidade. Acho que sim.
Com essa proximidade podemos mudar muita coisa. Na medida em que nós nos conhecermos,
de parte a parte, melhor podemos lidar com as situações.
E – Então, para finalizar, acha que há, pensou em mais alguma coisa, que acha que pode
melhorar essa relação? Ao longo desta nossa conversa falámos muitos assuntos, sobre coisas
que faz e que sabe que desse modo aproxima os pais e que cria uma boa relação com eles
13
mas, há mais alguma coisa que gostava de fazer ou que pensa que poderá ajudar mas que
ainda não …
A – Eu acho que havia muita coisa para fazer…
E – Assim, em termos práticos, o que é que acha que devia?
A – Sei lá… de vez em quando vir uma avó contar uma história, achava giro. O problema é que
muitas vezes (se esta coisa aqui não estivesse) …
E – Mas pode falar à vontade…
A – É que muitas vezes, as pessoas não vêm aqui com o espírito de dizer assim: “venho … vou‐
me dar, vou‐me e entregar! Vou contar uma história para os meus netos!” Como eu digo,
vocês são os meus filhos aqui, e constituímos uma família. Pronto, eu com eles, aqui faço
questão…. Nós somos a família, aqui eu sou a pessoa mais velha. Se a pessoa que venha para
aqui, vier com esse espírito, tudo bem. Agora, se vem com o espírito de ver tudo… e mais
alguma coisa, menos com o espírito interiorizado… lá está, daquilo que quer transmitir, depois
não consegue transmitir… não sei se me fiz entender.
A – Sim, sim. Mas imaginando… com estes encarregados de educação consegue, de alguma
forma, que eles vão entendendo que tenha essa postura e, uma vez que têm facilidade em
recorrer a si, verificar todos os trabalhos que estão a ser feitos. Acha que pode chegar a uma
altura em que eles podem vir, realmente, com essa postura? Ou sente que eles vêm sempre
para poder controlar?
A – Não, eu não tenho medo do controlar. Atenção, atenção, eu quando digo no sentido de ver
outras coisas, não é no sentido controlar. Porque eu não me importo de ser controlada.
E – Mas eu não falo de controlar a professora, falo de controlar no geral.
A – Sim. Porque aquela miúda é mais certa… aquela não sei que mais… a mim podem controlar
à vontade.
E – A postura de abrir a sala, por si só, mostra que não há essa questão do controlo. O controlo
no sentido de vir ver como é que as coisas acontecem.
A – Abrir a sala, não há problema nenhum, com quem quer que seja. Não tenho problemas de
abrir a sala a ninguém. E digo‐lhe mais uma coisa colega, não sei se a colega tem muito tempo
de serviço, se não?
E – Alguns, alguns… perto de dez.
A – Eu acho que… já teve alguma inspecção na sala?
E – Já.
A – E qual foi a impressão?
14
E – As pessoas que vieram, não vieram com ar de inspecção, como nós achamos, não é?!
Vieram com uma postura de ver o que é que está a ser feito.
A – E portanto, com que ideia é que ficou?
E – Na altura não…
A – Faz‐lhe impressão vir a inspecção?
E – Não, de maneira nenhuma.
A – Então está como eu. Eu já tive três, já fui inspeccionada três vezes.
E – Eu acho que, quando as pessoas sabem o que estão a fazer…
A – E sabe o que é que, uma vez, me disse um inspector: “Para ver o que se vai na sala basta
entrar e sair”. Portanto, não tenho medo de abrir a sala a ninguém. Tudo o que aqui está…
E – A minha questão é mais no sentido … se acha que quando os pais perceberem melhor
aquilo que a professora pretende, se mais facilmente eles virão com o objectivo de dar alguma
coisa aos seus alunos… no sentido de contribuir para uma aprendizagem?
A – Eu penso que os pais também estão, como é que eu hei‐de dizer… os pais têm medo, acho
que têm algum receio. Criaram, acho que tal como nós para com a inspecção, criámos receios,
não é?! Criámos receios.. que para mim não são receios nenhuns, eu não os tenho… Ai e não
sei o quê… aulas assistidas. Eu já não preciso de aulas assistidas, mas pronto. Mas as aulas
assistidas, eu acho que se as pessoas trabalharem naturalmente não têm problemas. Agora,
em relação aos pais, também acho que têm esses receios. “Porque eu vou… e se falho?” Acho
que em relação aos pais também há essa postura.
E – Nunca tinha pensado nessa possibilidade.
A – Porque a gente pergunta, por exemplo, no ano passado tinha ali três abóboras… É pá, eu
queria fazer disto um presépio. Alguém aí tem jeito para a costura para fazermos daqui um
presépio? Ninguém se ofereceu. “Não me digam, que diante de vinte e um, ou vinte e dois pais
que tenho aqui, tenho de ser eu, que não tenho jeito nenhum para a costura, a fazer umas
vestes para o S. José e para a Nossa Senhora? As abóboras trouxe‐as, foi um desafio numa
reunião… “Não me digam que eu, que não tenho jeito nenhum para a costura, aqui com vinte
e três… e aqui com pessoas que eu tenho a certeza que até trabalham nesta parte da
decoração… e tenho que eu ir fazer isto?” “Ah professora! A professora já sabe tão bem dar a
volta… deixe cá ver, eu levo o S. José.” Eu acho que às vezes é preciso isto… porque os pais
também têm receios, também têm receios. Acho que havia de… não sei… não sei o que é que
devia ser feito para que os pais tivessem mais confiança na escola. Eram dois pilares, eu acho
eu, muito importantes. Eram os pais terem mais confiança na escola e, interessarem‐se mais
pelas… intervir mais na parte da escola. Mesmo nas Associações de pais a gente vê com
dificuldade. Aida agora se fizeram uma recolha de inquéritos para a associação de pais e, em
vinte e três alunos, têm três, eu recebi três papéis assinados. Há receios! Mas para quê, para
quê?! Isto era importante. Eu desafiei‐os aqui: “vocês têm tudo na mão, vocês os pais têm
15
tudo na mão. Na medida em que vocês (oh pá… essa coisa) … na medida em que vocês… hoje
nós, com os pais podíamos fazer muita coisa, sem eles… não fazemos nada. Mas eram os pais
todos, não pais de uma turma. Eu falo por esta escola, esta escola, se fossem com outros pais,
se calhar já tínhamos um palco. Porque não se admite (“gravador”) … não se admite, não se
percebe, não se percebe… Faz‐me uma confusão cá na minha cabeça. Uma escola de cidade,
paredes meias com a Câmara Municipal, com quem eu não tenho nenhuma antipatia… nem
simpatia, nem antipatia… paredes meias, no meio da cidade?! Quando são feitos
investimentos aí em escolas que vão fechar?! E temos esta a cair aos bocados?! As casa de
banho que nem uma criança que parte uma perna… tive aí uma criança com uma perna
partida, durante um ano, andei eu a despejar o chichi na garrafa… o miúdo estava a crescer,
nem rampas havia, nem nada… o miúdo fazia chichi para uma garrafa. Virava‐o ao contrário,
porque nem eu tinha braços, para o levar. Fazia chichi para a garrafa, virava‐o ao contrário… e
lá ia eu deitar ou então mandava outra criança… porque nem uma empregada aqui temos. As
condições de trabalho que nós temos! Olhe, eu costumo dizer assim: Para as condições que
temos, muito bem trabalhamos nós. E, para os pais que temos… muito boas são as crianças!
Professora Marta, dia 3 de Maio de 2011
Entrevista Professora B – 3º ano
Entrevistada B – (…) em casa (…) Porque depois também é giro… Não tem piada nenhuma. Mas
depois é assim, também não ajudam, mas também não há aquela relação “família”. Porque
também não querem, porque também estão cansados, estão fartos e não sei o quê….
Entrevistadora – Por isso é que a professora dizia: Já que não fazem o trabalho (de casa)… ao
menos estejam em família.
B – Que convivam, olha, que convivam todos… Mas não?! Faz‐me isto uma confusão porque
eles estão a perder valores, a todos os níveis, porque mesmo a educação, a postura, tudo…
que se, não for a família inicialmente, aqui (na escola) já é um bocadinho complicado. Eu tenho
pessoas, que mesmo tendo esses valores e havendo essas regras e sendo persistentes já é
difícil, às vezes, com certas idades… estes são assim e estão a fugir, parece que estão a fugir…
até já tenho mães que me dizem: “Eu já não consigo fazer nada dele” (…) Olhe, este grande, “
já não sei o que fazer dele, em casa já me chama nomes”. “Uma palmada!” “Ai não posso!”
Porque é separada. “Depois o meu marido vira‐me a história” Olhe se calhar isso era bom para
si e era bom para ele, para aprender.” Porque uma coisa é ir ao pai ao fim de semana, e outra
coisa é viver com o pai. Porque depois o pai percebia que também tinha que impor regras.
Porque isto de ser pai ao fim de semana, é excelente, não é?! Vai‐se ao Mac Donalds, ao
cinema mais um filmezito e uma passeata e tá feito o fim‐de‐semana.
E – Mas nota esse problema mais nestes miúdos que tem essa família desajustada ou …
B – Ah, é. Depois em famílias juntas é o “não há tempo, não há tempo”. Agora também já
começo “ Não me venham com essa do não há tempo, porque também tenho dois filhos e
tenho de me virar, ou levanto‐me mais cedo ou deito‐me mais tarde, porque depois já sei que
vai ser um dia de cão, porque estamos cansados, e depois, as coisas não aparecem feitas. É pá,
temos de nos organizar. Depois é assim, o que vejo é que as pessoas querem ganhar muito
dinheiro para poder ter tudo e, não prescindem. Uma vez até disse a um pai: “Mas porque é
que a mãe não vem trabalhar para mais perto?” “Ah, mas é que aquela aqui mais perto não
ganha o que ganha lá. Portanto, o trabalho, a carreira, tá sempre em função… de tudo, é o
principal. Por isso é que eu digo “É pá, não tenham filhos. Não têm tempo, não têm paciência,
não tenham filhos.”
E – E nessas reuniões que faz, faz mensalmente, não é? Pelo que eu percebi, a nível de
agrupamento, ficou combinado?
B – É, é uma hora, das seis às sete. Mas é assim, sempre que querem. Só que entretanto, como
vieram só oito, e andavam: “Oh professora quando é que eu posso?” e eram uma data deles,
e eu não posso estar aí todos os dias, durante meio hora ou um quarto de hora. Então pronto,
o melhor é marcar já uma outra reunião e assim vai indo. Mas já estou a ver que…
E – Nessas mensais, que não são propriamente de avaliação, os pais comparecem?
B – Ah, nunca vêm todos. Nem sempre. Bem, quer dizer, no ano passado vinham mais, este
ano vêm menos.
E – Mas menos de metade, ou metade?
B – É mais ou menos ela por ela, metade. Nove, dez… treze, no máximo.
E – E tem alguma explicação para eles não terem vindo a essa tal reunião de avaliação?
B – Eles também não vão às mochilas ver nada, então um pai dizia‐me: “Eu não sabia!” “Olhe,
desculpe, eu até colei com fita cola, já não fosse o papelinho não cair… tá colado com fita cola.
E – Quando é que fez, foi no início do período ou no final (do segundo período)?
B – Foi no final (do segundo período), no dia, parece‐me, 13 de Abril. Por causa destas provas
de aferição, tinha de ser antes. E os pais sabem que há sempre.
E – Queria voltar a questão mais para a descrição desta relação que existe com os pais, no
sentido de… o que é que diria a um jovem professor sobre a utilidade e a importância da
relação escola‐família, para os alunos?
B – É que os miúdos, o facto de os pais virem, e mostrarem‐se interessados… isso é
fundamental. Porque os miúdos, quando sentem que os pais estão presentes, que
acompanham, e que se ele não fizer o pai dá logo por ela… e pode, não é bem uma
repreensão, mas uma chamadinha de atenção. O pai está por cima do acontecimento, os filhos
sentem e podem pensar: “ tenho mesmo de fazer senão, tenho mesmo de fazer porque isto
afinal é importante. Mas não, a maioria, se for preciso, o que eu noto, é que os pais… a escola
agora já não é também a prioridade e, portanto, se eles não vierem cá, há alguns não faz mal …
e os meninos não têm agora a escola como uma coisa importante. Por isso é que, por um lado,
os que têm uns pais, com essa relação ainda nota que os miúdos são mais empenhados e
gostam até de mostrar ao pai, aos pais, que tiveram boas notas. Os outros não, os outros… os
pais também não ligam, tanto faz.
E – E como professora, nota que se os pais, nesse caso, têm mais proximidade consigo, e se
têm uma relação mais aberta, nota algumas vantagens, para si?
B – Só que os pais, mesmo que eles saibam que nós, se bem que os pais, já não foi nesta, foi na
outra, Março, talvez… eles nem sabiam o que é que os filhos estavam a dar. Portanto, até me
estava a dar pena, meu deus, como é que eles não sabem, não é preciso ir ao pormenor mas,
mais ou menos… “olha o miúdo tá a fazer isto”. Tanto que havia um pai, que até dizia, quer
dizer, o miúdo já está na escola, no terceiro ano, e o pai, só agora se apercebeu que as fichas
mensais eram no final do mês ou no princípio do outro. “Ah, eu agora já sei! Ele não me volta a
enganar, eu agora já sei que tenho de estudar com ele!” Sempre foi assim. “Eu não me tinha
apercebido. Pronto, claro que o miúdo enganava o pai, dizia: “Ainda não é agora, ainda não é
agora.” Porque depois os pais confiam muito nos filhos, pronto, não é, não é…
E – Mas, independentemente dessas questões, ou desses pais estaremos, mais afastados,
porque noutras experiências anteriores podem ter acontecido de outra forma… onde é que vê
a importância dessa relação, dos pais estarem próximos da escola, do trabalho dos alunos, do
trabalho da professora… que vantagens é que vê?
B – Ao nível da progressão do aluno. quer dizer, isto é tudo um bolo, não é?! Estamos todos a
trabalhar para o mesmo e, mesmo em relação a situações que se passem em casa, se houver
um, pronto… sei lá, se souber que aconteceu aquilo, ou outra coisa, eu aqui também, se calhar
sei lidar melhor, não é?! Porque este menino, por exemplo, ele ontem, ele não estava bem,
porque mal se dizia qualquer coisa, chorava logo. Ele nem é de chorar, é mais de bater e de
espernear e gritar e não si quê… portanto, eu até lhe disse: “Tu hoje não andas muito bem, tas
como o tempo!”. Portanto, ou passou‐se alguma coisa… e depois é assim, na sala nunca gosto
muito de falar sobre… porque depois eles contam coisas que não (…)
E – Sente que se tivesse havido uma palavra por parte do encarregado de educação, já
conseguiria…
B – Pois, porque depois caminhamos todos para o mesmo, não é?! De o ajudar. Os pais estão
separados, mas este miúdo depois é… a forma de ele chamar a atenção é na base da
agressividade. Mas, quer dizer, ontem estava a chorar, não estava a ser agressivo, já não
estava a ser normal.
E – Porque é que acha que se fala tanto, agora, sobre esta relação escola‐família, hoje em dia?
B – Ah, eu acho que sempre se falou. É assim, os meus pais, eram pais, sempre foram pais de
vir às reuniões e de estarem interessados… eu acho é que sempre se falou e sempre houve
pais interessados. Mas agora, cada vez há mais pais desinteressados porque, eu não sei
porquê, acho que é esta sociedade, não é?!
E – É essa questão da falta de tempo?
B – Eu acho que as pessoas também não se esforçam muito, não sei. Eu acho que isto já é uma
coisa… e depois acomodam‐se… não sei?!
E – Isto é o que existe mas, na sua opinião qual seria o ideal de relação?
B – O ideal? Eu acho que… porque é assim, nem era preciso, realmente, se eles cumprissem
um bocadinho o seu papel, não era preciso fazer nada de extraordinário. Porque a minha mãe,
portanto, ela ia às reuniões, e a nós, aos filhos que ela teve, ela só dizia. “ Têm que fazer os
trabalhos”. Eu nunca tive a minha mãe sentada, como às vezes estou com os meus filhos: “Vá
tens de fazer. Vá, muito bem! Sim, senhora!”“Porque têm de ser motivados, porque senão
ficam recalcados!” (ironia) Eu não estou recalcada! Eu se não fizesse levava e não ia brincar
para o quintal, quer dizer. Não havia hipótese, se u queria ir brincar, tinha que fazer os
trabalhos, e era assim. Agora não, se não tivermos sentados, ficam stressados, ficam
recalcados, choram muito. Até lhes digo: “Olha, chora à vontade, às vezes até faz bem.”
Porque, quer dizer, estes recalcamentos vêm de onde? É agora de repente? Porque eu acho
que a psicologia também mudou um bocado… e não se pode ralhar porque ficam
traumatizados, não se pode dar uma palmada porque ficam traumatizados. Porque acaso os
meus pais nem eram muito de bater, mas quando foi preciso… mas havia aquele respeito.
Bastava ela dizer “Não sais daí enquanto não fizeres” E pronto, eu já sabia que tinha de fazer.
Nem havia “Então fazes só um bocadinho”. Porque agora, se houver muito “Pronto, não
precisas de fazer tudo, fazes só um bocadinho”. Mas não, no nosso tempo “Tens de fazer” e
nós sabíamos que tínhamos de fazer. Agora não. É assim um bocadinho às pinguinhas. Toma
lá, eu dou‐te um bocadinho e tu fazes um bocadinho.
E – Acha que o ideal da relação seria os pais assumirem o papel deles, enquanto pais…
B – E depois, não me venham com a história “Ah, eu sou assim porque sou um pai muito amigo
dos meus filhos”; “Eu sou um pai muito amigo, que gosto…” Porque eu acho que os pais não
perceberam que pais há só um, e amigos, isso eles têm muitos, e vão e vêem. Os pais é que
são aqueles. Portanto nós não podemos ser é … são os pais, claro. E temos de nos dar bem, e
ser amigos. Mas eu não posso ter uma relação com o meu filho como se tivesse treze anos.
Porque há coisas que nós já sabemos que eles não podem fazer, não é?! Eu acho que agora
quebra‐se um bocadinho essa história do “pai é pai”, é pai mesmo. Não implica não ser amigo,
que acho que é muito bom, sermos amigos e darmo‐nos bem mas, tem de haver aquela noção
de que, quando o pai fala, e há coisas que é não, é não. Não há volta, “o pai disse que não mas
até pode.”
E – Sente que os seus colegas também pensam da mesma maneira, os colegas em geral?
B – Ah, isto é um bocado global. Há aí casos… muito complicados. E eu… os meus alunos são
assim um bocado ma comportados e barulhentos, e isso é mais ao nível de regras, porque eles
não interiorizam. Já no ano passado não interiorizaram, este ano não consigo. Ou então tenho
de andar aqui num regime militar. O que para mim também é um desgaste… chego ao fim do
dia parece que nem consigo ouvir ninguém. Tenho que andar aqui “Calado!” , “Trabalha!”. Se
eu me riu, pronto já estou desgraçada. Isto não é normal! É o que eu digo, isto não é normal.
Que isto devia ser um espaço para eles estarem contentes.
E – Mas sente essa mudança, dos alunos que teve há uns anos atrás para agora?
B – Cada vez mais, eu acho que eles assim, mais indisciplinados. E não se pode, eu pelo menos
com os alunos que tenho tido… eu também tenho tido sempre turma um bocado beras, sério.
Tinha alunos que me ameaçaram de morte e tudo. Claro que são crianças, mas o objectivo
deles era matarem‐me. E tinha um que me atirou uma vez com um saco com areia. “És mesmo
parvinho então, agora fiquei com as pernas cheias de areia?!” “Eu queria te matar.” Estes
miúdos, alguns, são muito agressivos. E depois é assim, não há psicólogos, os meios cada vez
são menos, e nós às vezes até estamos assim, com muita pedagogia, muito… mas há dias, que
é assim, o cansaço é tão grande, que eles realmente são tão complicadinhos… que há dias que
nós não conseguimos seguir… já estou como o outro, o livro, não é!? (em tom de brincadeira).
É mesmo complicado!
E – Já falámos sobre as comunicações, sobre a forma como comunica com os pais. Os pais
facilmente a procuram para outras questões, ou esperam para aquele dia em que sabem que
têm a reunião, uma vez que é mensal?
B – É assim, há pais que não gostam de partilhar no grupo. Eu já expliquei que é bom estar no
grupo. Mas há pais que têm vergonha, achas que se disserem determinadas coisas, fiquem
inferiorizados ou … eu tento dizer que não é ficar superior ou inferior, nós aprendemos muito
com as experiências das outras pessoas e, se partilharmos… eu acho que é mais importante. E,
já houve uma mãe que quis falar comigo em particular… e até foi por uma parvoíce, não tinha
nada a ver com a escola. Mas de resto, falam todos assim… há ali um menino que tem, que em
principio vai pró ensino especial mas esses pais também não gostam de falar, porque também
não aceitam. É um menino que está ao nível de um primeiro ano mas que estão sempre a
insistir “Quando é que ele vai acompanhar o grupo?”. Dá‐me vontade de dizer: “Não vê que
ele não vai acompanhar o grupo.” Porque, por mais que a pessoa faça, por mais estratégias
que faça, eu sei lá, foram mil e quinhentas já… é com os materiais… é com tudo. Depois ele
desmotiva‐se. Agora já está naquela fase que já sabe que não está a fazer o que os outros
estão a fazer, não quer fazer. E a mãe insiste em pô‐lo numa explicadora. Eu acho que é pior
porque o miúdo… a capacidade de concentração do miúdo é muito reduzida. Por isso é que eu
digo, que há pais que….
E – Há pouco falou sobre os psicólogos, de um grupo mais técnico, neste caso, em que falava,
sente que talvez os pais precisassem de uma ajuda maior, que não fosse só do próprio
professor?
B – Ah sim. Nós tínhamos uma psicóloga educacional, era do SPO. Mas nós agora já não temos
SPO aqui, era um Serviço de Psicologia e Orientação. Ela, os outros também serão, com
certeza, mas ela era muito boa, mesmo… nesse ano também tive uma turma péssima, horrível.
Ela ajudou‐me muito. Mesmo em estratégias e… pronto, com aqueles miúdos mais ou menos
específicos. E eu senti que se não fosse ela eu não sei se aguentava três anos uma turma
complicada. E se não tivéssemos, eu pelo menos recorria muito a ela… portanto, eu acho que é
bom para os pais e às vezes é mesmo bom para os professores. Porque nós precisamos de
ajuda, eu falo por mim, porque há miúdos que são muito complicados e que nós às vezes… é
assim, é a tal coisa, eu num dia, uma semana até estou capaz de estar muito bem e lido porque
me estou a esforçar… mas às vezes a pessoa está tão esgotada, tão cansada… e depois não é
só aquele aluno, são os outros todos. Se não tiver realmente alguém que nos oriente às vezes
um bocadinho, isto torna‐se mesmo complicado.
E – Os pais, estes ou os que teve anteriormente, participam em outras actividades que solicita?
B – Isto aqui também não há muitas actividades.
E – E trabalhos que peça para fazer em casa?
B – Ah isso eles (até fazem)… mas esta turma não é assim muito participativa.
E – Não?
B – Não. São vinte… sei lá. Há assim, pequenos trabalhos, que nunca são obrigações, não posso
obrigar. Mas digo‐lhes “quem quiser pode fazer”. São o quê… quatro, cinco que fazem, numa
cartolina.
E – E não fazem uma festa conjunta?
B – não, porque eu acho que nós… isto não tem espaço. E então acaba por ser um bocadinho
triste porque há uma festa, que é sempre uma festinha muito simples, depois há um lanche
partilhado mas os pais também não podem vir, porque não há espaço. Ou tinha que ser,
portanto, sei lá… nem sei onde?! Noutro sítio qualquer. O Barro, conhece a escola do Barro?
E – Não.
B – Eles fizeram a festa de fim do segundo período, parece‐me que foi à tarde ou num fim do
dia. Mas aqui não há uma sala… para já são muitos alunos, que engloba os deste edifício e os
de lá de baixo. E depois, não há um recinto. Eles também não cabem todos no Teatro Cine, por
exemplo.
E – Mas sente que talvez este tipo de actividades ajudasse a aproximar os pais?
B – Claro. Fizemos uma vez, eu parece‐me que foi a festa de Natal, lá em baixo no pavilhão da
S. Gonçalo (escola sede de Agrupamento), por acaso foi (positivo)… mas nem sei se os pais
puderam ir? Alguns apareceram. Mas mesmo para os miúdos, é diferente, porque ensaiaram
qualquer coisa, subiram ao palco, há outra dinâmica, eles empenham‐se porque sabem que é
para a Escola (Comunidade Escolar) ver.
E – Ontem soube, que no final do ano costumam fazer uma festa conjunta com todas as
escolas do agrupamento?
B ‐ …
E – Não? Percebi mal? Uma feira?
B – Ah, é o Oeste Infantil.
E – Um arraial?
B – Ah, isso?! Ah, lá em baixo na escola sede mas isso, quer dizer… por acaso esta escola até
nem participa muito, não. Porque às vezes convidam algumas escolas a participar. Aquilo é
para… dá‐me a sensação para os (alunos) mais velhos até. As miúdas dançam, as do 4º ano.
Mas depois, é assim, às vezes queremos também alguma relação com os outros professores,
para pedir ajuda, mas eles também não muito de participar, os professores das extra
curriculares. Há um ou outro, que é mais… também tem a ver com a maneira de ser. Mas não
são assim muito… a professora de Música gosta, fazer canção e… a de Ciência Divertida, já não
dá, mas também é uma pessoa muito acessível. Depois, a de Inglês, sempre tem uma
musiquinha ou assim, para eles cantarem. Mas mesmo que fosse para ensaiar uma dança, ou
assim, não são assim muito… não quer dizer que não o fizessem. Mas às vezes parece que não
são assim muito receptivos.
E – Que diferenças é que consegue lembrar‐se do início da sua carreira, desta relação com os
pais?
B – Ah, é assim, eu sempre me dei bem com os pais, acho eu. E depois é assim, no início estava
numa aldeia, que era diferente. Era diferente, era um bocado… eu sei lá… era um bocado
primitivo. Porque eu tive sempre miúdos muito complicados, eu cheguei a ter miúdos que me
batiam. Portanto isto é assim, é muito complicado. Agora eles portam‐se mal, mas pelo menos
não levo eu. Porque eu tive miúdos muito complicados, em terrinhas, que eu achava que até
nem estavam assim, no fim do mundo. Estive na Enxara do Bispo, tive um menino… esse
miúdo era uma coisa pavorosa… nem sei o que é que o miúdo tinha. Na altura também não
havia estes apoios da psicóloga, veio depois. Sei que o miúdo depois foi para a Malveira,
porque lá havia mais apoio. Mas sempre me relacionei bem com os pais, desse não… os pais
nunca apareceram, claro.
E – Nesse caso, nessas escolas da aldeia, sentia que os pais estavam mais próximos?
B – Eu acho que é igual, já! Porque depois é assim, também tem de trabalhar muito, também
tem de ir para o campo, quase que já não há aquela diferença entre os meninos da cidade e os
do campo e, entre os pais também não. Dantes, talvez os (pais) do campo estivessem por casa
mas agora também já trabalham. Mesmo os pais que não trabalham, sei lá, que trabalham só
no campo, também têm o trabalho deles. E pronto, estou a lembrar‐me que estive na
Freixofeira, à dois, três anos… e se calhar também não iam os pais todos e eram poucos, devia
ter, sei lá… catorze alunos. E também nunca iam todos (os pais).
E – Não sente grande mudança? Mesmo desde o início da carreira?
B – Não, nunca iam todos (às reuniões/escola). Eu uma vez, na Enxara… outra… “uma
bebedeira”, não é?! Fiz uma reunião às oito horas da noite. Pensei, pronto não vou… vou fazer
à noite vêm todos. (risos) Não vieram nada. É assim, se é à tarde é porque estão a trabalhar, se
é à noite é porque é o jantar… pronto há sempre uma justificação. Quem quer ir vai sempre,
quem não quer, não vai. Porque eles não estão para aí virados. Porque uma vez por mês, por
uma vez…
E – Tem alguma explicação, na sua cabeça para o afastamento dos pais?
B – Dos pais não participarem?
E – Sim, dos pais não aparecerem, não participarem?
B – Isso temos de ir um bocadinho atrás, talvez a outra geração, tenha sido uma geração…
porque isto é cíclico, não é?! Porque a outra geração, era uma geração, portanto os nossos
pais, talvez, mais cuidadosos, mais extremosos, talvez. E eles (os pais) agora, talvez, por se
terem sentido mais limitados e agora, querem dar mais espaço, não sei… dar mais espaço aos
filhos. Mesmo eles dizem “ai, que horror! Não quero ser como a minha mãe, sempre a
perguntar onde é que eu estava, sempre…” Mas eu não, eu quero saber onde andam os meus
filhos. Mas há pessoas que eu sinto isso, não são todas. Mas eu às vezes penso, eu também
não sei, não sei qual é a razão… será porque eles eram mais aperreados. Os meus pais nunca
foram assim, portanto eu nunca me senti oprimida. Eu acho que eram pessoas normais.
Portanto, haviam regras. Mas eu si que há pais que eram muito… portanto, as filhas nunca
podiam sair, aquilo ainda batiam com cinto e tudo, aquilo era assim uma coisa… do arco da
velha, não é?!
E – Que serão os pais de agora, é isso?
B – Agora esses filhos não querem fazer isso aos seus filhos… si lá eu. Eu… era tão raro os meus
pais baterem‐me, eu não percebo. Tem a ver porque os outros pais já tiveram pais assim, e
agora eles não querem.
E – Na sua formação inicial lembra‐se de abordar este assunto, da relação escola‐família?
B – Falávamos, nós até tivemos que ler um livro do… daquele psicólogo, Sampaio…
E – Sim, Daniel Sampaio.
B – Que era “Inventem‐se novos pais”. Eu por acaso até gostei muito desse livro, porque
realmente, ele aí já falava um bocado disto. Portanto isto já vem, já vem de algum tempo. Não
sei se é do Pós 25 de Abril… que os pais ficaram assim meio… não sei. Os pais descartam‐se, a
verdade é esta, descartam‐se das responsabilidades.
E – Quando saiu da formação e entrou no mundo do trabalho, na escola, sentiu que o que
tinha aprendido, na altura sobre a relação, de alguma forma a ajudou ou procurou ajuda com
outros colegas? Sentiu que aos poucos a experiência podia ajudá‐la?
B – É um bocadinho de tudo, não é. Eu acho que, pronto, realmente o que nós aprendemos (na
formação) nos ajuda, mas também se vai conversando muito com os colegas. Porque isto, nós
às vezes pensamos, se calhar sou eu que não consigo ir ao encontro dos pais ou nãos sei,
qualquer coisa… mas se nós vamos falando com os colegas e vemos que afinal, não somos nós,
são eles (os pais). E, às vezes, eu até digo coisas na reunião (com os pais) que não devo dizer,
mas eu acho que eles (os pais) têm de ser abanados.
E – Coisas relacionados com os filhos?
B – Com os miúdos, com a relação deles. Porque eu tenho uma mãe que acha que o filho é
assim uma coisinha muito pura e singela… e digo‐lhe “Olhe, não se esqueça que ele depois vai
para o 5 º ano e ele depois faz‐lhe um ninho atrás da orelha”. Porque ele engana‐a,
descaradamente, e ela acha que não. Ela achava… portanto o miúdo não fez os trabalhos,
umas coisinhas que eu mandei, dois ou três exercícios. E não fez uma vez, não fez outra, estava
sempre a esquecer‐se… tu não podes. “Olha, dá cá a tua caderneta que é para a tua mãe
perceber que …” É daquelas mães que gostam de falar dos outros, mas o filho dela .. é uma
coisinha. “Agora também levas na caderneta, eu faço aos outros, e tu não és, nem mais nem
menos.” E a mãe chamou o miúdo… eu até lhe disse “Olhe, eu não gosto de confrontar assim,
eu estou a falar consigo, isto é um bocado…” (mãe) “Olha, ó Pedro, esqueceste‐te, não foi
filho?” “Olhe mas ele esqueceu‐se ontem, e antes de ontem…” “Ah, então mas, foi sem
querer.” A desculpá‐lo, a desculpá‐lo… “Tu não sabias, não era?!” (aluno) “Ah, eu sabia, mas eu
é que não quis fazer.” A confrontar ali o miúdo… e depois também é mesmo totozinha, quer
dizer, ela não acreditou em mim, ela achava que eu ia escrever um recado só porque me
apetecia?! É mesmo totó! E a confrontar ali o miúdo, comigo e com ela. Depois o miúdo lá
disse “não, eu é que não quis fazer”. Ela “Ah, pois.” É o que eu digo, estes pais… em vez de
dizer “Então não fizeste agora ficas de castigo, pronto!” Não.
E – Eu ia‐lhe perguntar onde é se percebia a fronteira entre o que papel dos pais e o seu…
B – Mas já não há. Já não há. Eu já sou mãe dos pais deles. Eu às vezes digo‐lhes: “Olha, podes
dizer à tua mãe que se ela vier cá eu também ralho com ela.” Mas isto é normal, eu estar a
dizer ao miúdo que vou ralhar com a mãe?!
E – Então é a favor da formação para os pais.
B – Ah, eu acho que eles precisam muito. Porque eu também tenho colegas (que são mães)
minhas, que eu acho que também fazem coisas de errado. Mas eu também não lhe vou dizer,
quer dizer, têm quase a minha idade, então não sabem que é errado porem os bebés a ver
televisão. “Ah, esteve toda a tarde a ver televisão, adorou!” (risos) Um bebé de cinco meses
adorou estar a ver, o quê? Flashes para a cabeça da criança. Mas não sabe que a criança não
pode estar em frente da televisão… pessoas formadas. Por isso é que eu digo, isto está tudo de
pernas para o ar. Não sei, não percebo. E se calhar, há mães que não têm formação nenhuma
e que sabem, desde sempre que a televisão transmite radiações e portanto, não convém os
bebés estarem a ver televisão, quer dizer… por isso é que eu digo, eu não percebo estes pais.
Em de fazerem outras actividades, que dantes nem havia, nós inventávamos com aquelas
peças todas e não sei quê. Por isso é que eu digo, eu não percebo. E um bebé de cinco meses
não dá trabalho, quer dizer. Se ela acha que dá trabalho, então imagine com dois ou três que
não param, não é?! Por exemplo, esta mãe (apontando para a carteira onde se senta um dos
alunos) e, não sei o que é que se passou, que ela tinha dito que o miúdo ia à natação. “Ah, é
muito bom! Ele não foi durante o inverno porque estava muito frio.” Isso também é verdade.
Agora já escreveu um recado a dizer que não vai mais. “Mas ó Pedro, porque é que não queres
ir à natação?” “Ah, porque não, porque não.” Aquilo passou‐se alguma coisa, eu acho que ele
percebeu que não sabe nadar. E então, lá está ela, com medo que o menino se sinta inferior …
em vez de o ajudar a ultrapassar, porque ele vai ter, pela vida fora, frustrações … quer dizer,
montes delas, né?! Então ela, de o ajudar… “não senhora, fazes como sabes, agora não sabes
mas vais… e numa semana ou duas, já sabes.” Não, não sabes, então não vai, agora os meninos
vão gozar com ele e ele e sente‐se inferior. O rapaz depois, quando for grande, tem uma
frustração qualquer, desiste. Vai ser daqueles que toda a vida vai dizer “Não, não faço porque
não sou capaz!” Em vez de dizer “Olha não, vamos tentar, depois logo se vê!” E depois vê‐se os
jovens frustrados, deprimidos e angustiados porque causa disto. Por isso é que com estes
miúdos, eu tento, com eles sei lá, coisas que eu… explico ao contrário. E digo, olha é assim,
agora vocês vão‐me explicar é porque é que é assim. Vou vos dar pistas. “Ah, não sei…” “Não
me venham cá com a cantiga do não sei que isso até já dá nervos” Porque eles estão
habituados é assim, assim, assim... faz. Assim, assim, assim… faz. Mas pensar, não. Nem
conseguem… ver a estrutura da coisa. “Isto é como se fosse um puzzle, vocês agora montam as
peças”. Acha que eles fizeram puzzles quando eram bebés e pequenitos?! Não, não fazem
nada.
E – Então, sente que aqui, a escola está a desenvolver, não só as competências curriculares
mas também a parte afectiva?
B – Eu faço isso. Porque senão, já viu que crianças eles se vão tornar?!
E – Porque conhece os pais?!
B – Porque a pouco e pouco vou vendo que isto realmente, em casa… porque isto depois é
assim, os pais descartam‐se sempre… vão para a creche, o trabalho dos tais puzzles e dos jogos
já está feito. Portanto, em casa, é mesmo o baninho, a comida e a cama, pronto.
E – … as histórias? Sente que eles não têm essa aproximação?
B – Alguns, alguns (…) Eu por acaso até já devia ter começado a ler a história. Todos os
períodos lemos um livro de Sofia de Mello Breyner e agora este, no último período, é para ler
A Menina e o Mar… e o que eu achava, que eles iam achar uma seca portanto, que era eu ler e
depois rodando, portanto quer tivesse livro ler também… eles adoram! Eu até disse ao meu
marido “Eu que pensei, eles até vão adormecer!” Eu às vezes até estou cansada e digo “Vá
agora lê tu um bocadinho!” Eles gostam! Pronto, que eu fiquei parva. Olha os miúdos gostam,
portanto, têm necessidade de criar, imaginar tantas histórias.
E – Quando planeia as suas aulas já tenta pensar no…. Claro que fazemos sempre isso, pensar
no todo… mas, pensa mais nos pontos que vê mais fracos… como nas leituras?
B – É, nas leituras. Quando há textos assim mais descritivos, porque eu gosto… alguns textos
não dão para fazer isso, mas outros dão… Que eu digo sempre “Olhem, comecem a imaginar a
história. Era uma vez… estão a imaginar?! Era uma vez… Estão a imaginar… a gente não sabe
não sei o quê.” Depois vão pintando. “É como se fosse … como se estivesses a pintar, na vossa
imaginação”. Nós ainda não acabámos A Floresta, o livro A Floresta. A Floresta dá muito… para
Porque depois era a casa, uma casa muito grande, muito grande… depois é um quarto muito
grande, a sala… ia acrescentando. “É uma casa enorme, só os ricos é que têm assim uma casa!”
– dizia um. “Não, olha há pessoas que têm assim casas e nem por isso são ricas” “As casas são
mesmo muito grandes, depois um jardim…” Portanto, eu fui fazendo, conforme ia lendo… eles
ficaram encantados porque… pronto, estavam a imaginar. Eles gostam, eu acho que com esta
leitura assim, mais descritiva, conseguem ir imaginando. Porque se calhar, alguns sim, mas
muitos… e tenho aqui um menino aqui à frente… que ele adora, adora mesmo, ouvir ler e ler!
Portanto, não sei se ele não estava habituado, mas é uma coisa… que nós estamos mesmo a
acabar o outro livro. E ele dizia “mas ó professora quando é que vamos ler?” Eles pedem para
ler… se não gostassem nem… “Ó professora quando é que vamos ler, quando é que vamos
ler?” “Calma, calma” Porque temos de acabar alguns conteúdos… mas vejo que é uma coisa
que… E eu sei, que se for uma coisa, também trabalhada… e nota‐se ali num miúdo que lê
bastante, mesmo na escrita… quer dizer, não tem nada a ver. A escrita… não devia ler ou não
lhe deviam ler porque, portanto ele escreve ainda, muito mal. Depois dois ou três, que
escrevem já muito bem, o texto está muito bem organizado. Se houver diálogo já escrevem
muito bem.
E – Quando tem cá os pais, nessas reuniões mensais, aborda essa questão da leitura, dos
jogos?
B – Eu até… havia um programa, eu não sei qual é agora… como é que aquilo se chama. Eu
até… foi, parece que tinha a ver com a biblioteca. Foi distribuído, os pais tinham uma folha, e
portanto, tinham de ler o livro e dizia… aquilo dizia mais ou menos assim “Quando li, com
quem li e o que gostei mais”. Já nem sei, era um projecto qualquer. Eles tinham de anotar… já
não tenho ali nenhum. E, houve uma mãe, agora há pouco tempo “Ah, já nem sei onde é que
tenho essa folha!” Mas podia anotar numa folha qualquer. Eu pensei cá para mim “Deves ler
muito, deves”. Não lêem nada. Mas eu acho piada, porque os meus filhos são miúdos que
ainda gostam que eu lhes leia. Eu, por acaso, no outro dia, fiz ao contrário, o meu filho é que
leu para mim. Porque, se não formos nós a mostrar que gostamos de ler e a ler, para eles
perceberem. Eles não sabem que é bom, não sei, também não conhecem.
E – Mas assim, quando nota essa falta em casa tenta colmatar aqui na sala de aula? Como foi a
questão da leitura, Como a questão da indisciplina e do conversar com eles?
B – sim, também converso muito com eles aqui. Eu às vezes também tenho de pensar assim
“Eu não sou mãe deles. Eu não sou mãe deles, eu sou professora.” Digo para mim mesma. Mas
eu, às vezes, quando penso “Caramba, tenho tantos filhos e eles não entendem?!” porque isto
depois… são miúdos. Que se eu for a pensar, penso assim “os meus filhos, são mesmo meus
filhos mas estes quantos, que estão aqui, eu não os trato pior como se não fossem os meus
filhos. Ralho, como ralharia e, castigo… quer dizer “Não vais ao intervalo, pronto”, “Olha, se
fosses meu filho ainda levavas era uma palmada no rabo. Assim como não és, não levas. Se
fosses meu filho levavas.” Estes pais… “mas se eu fizer isso, depois ele não gosta de mim”,
“Não gosta de si?!” Com medo de… não sei?! Mas, o que é giro é que, este matulão, ele gosta
de fazer frente… que ele é quase do meu tamanho! Eu já lhe disse “Olha…” Que ele faz‐me
assim, põe o sobrolho para cima… “Olha, deixa estar, se eu me levantou ainda te dou dois
estalos, passa‐te logo a mania das grandezas! Não fica nada chateado, porque depois é uma
melga… porque depois está sempre de volta de mim. “Ai, oh professora tenho uns ténis!” “Ó
pá, cala‐te! Quero lá saber dos ténis!” porque se eu for ainda mais atenciosa, ou não sei o
quê… é pior ainda. É mesmo como se fosse um “cola”, não se “vira”… ele quer é atenção. Mas
parece que “Quanto mais lhe bato, mais ele gosta de mim!” Porque também noto que eles não
têm regras e, eu acho que já li isso em algum sítio, eles têm de saber que as regras têm de ser
cumpridas. Eles precisam de alguém que se preocupa com isso. Pronto… eu também não
quero ser nenhuma super modelo de professora, nem de coisa nenhuma mas, eu quero dizer…
isto é o mínimo, é o básico.
E – Fala no básico, para o profissional?!
B – Pois, qualquer pessoa sabe que os miúdos têm que ter regras, quer dizer… têm de ser
educados, temos de chamar a atenção. Mas é o dia‐a‐dia, eu não sei…
E – Hoje em dia, já faz parte da instituição, não é?! A questão das regras. Se lhe pedisse para
projectar um plano do que seria importante para um professor que esteja agora no final do
curso, aprender sobre esta relação… questões chave, o que é que lhe diria?
B – Em relação aos alunos ou aos pais?
E – Em relação aos professores.
E – Os professores estão a terminar o curso, acerca da relação dos professores com os pais.
B – Eu acho que é assim, nós não podemos ter medo dos pais e temos de tratar os pais… há
colegas minhas que “Ah, tu vais fazer isso? Vê lá…” “Desculpa lá, eles são os filhos deles”.
Portanto, eles têm de saber e nós, temos de falar com eles no sentido de explicar o que se
passa aqui mas também, para eles nos falarem de coisas que aconteçam do outro lado, para
funcionarmos todos. Porque nós somos um grupo. Nós temos de funcionar todos em conjunto.
Eles, do lado deles, e nós. Portanto, eu não posso dizer “Não, não, aquele pai manda lá na
casinha dele e eu mando aqui. Não, não é assim, quer queiramos, quer não, isto está tudo
interligado. E eu acho que, se houver uma boa relação, a coisa funciona melhor, mesmo com
os miúdos. Porque estes, às vezes, não contam coisas e eu digo “Olha, é assim, tu podes não
contar mas eu, quando vir a tua mãe, podes ter a certeza que eu conto‐lhe.” Porque eles
acham que eu não conto porque eu posso ter medo… do que eles vão pensar. É assim, ter
medo do quê?! Eu não ando aqui a bater em ninguém, não é?! Temos de contar para os pais
perceberem o que é que se passa aqui. Porque há pais que também não percebem, uma coisa
é terem o filho sozinho em casa e, outra coisa, é ter num grupo. Tenho filho, eu sei como é que
é. E olhe, os meus acabam por ser prejudicados por isso, porque eu sou daquelas mães que
não os desculpo. Eu às vezes digo “Eu sabia perfeitamente que ias fazer isso, estava na cara.
Não havia hipótese.” Eu nisso, os meus coitados, acabam por não terem muita margem de
manobra. E eu aqui tento, realmente… e acho que em relação a esses professores, é isso,
manter uma boa relação mas também não é deixar‐se rebaixar, porque há professores que
parece que… eu já tive pais com um nível social assim, mais elevado, mas eu não tenho de ser
nem superior, nem inferior, na sala, são “os pais”. Portanto, a profissão não tem nada a ver
com … nada, são pais. Eu digo sempre “Os meus alunos…” e até agora tenho tido sorte nisso
“tratar todos de igual.” Pronto, às vezes há uma empatia, alguém com quem simpatizamos
mais. Porque nós sabemos, as pessoas são diferentes e, pode haver uma empatia, ou mais ou
menos, com um, ou outro. Mas pronto, tento sempre contrariar que eu não quero cá
confusões… porque eles, coitadinhos, não têm culpa. Mas é assim, são todos miúdos e, os pais,
são todos pais. Portanto, o facto de ser o homem do lixo, ou ser, não sei quem… e, graças a
deus, esses pais também nunca… acho que souberam sempre, somos pais, somos pais. Nunca
tive assim confusão nenhuma.
E – Assim, em linhas gerais e, porque já estamos quase a terminar, como é que identifica uma
boa relação entre os pais e os professores, ou entre professores e os encarregados de
educação?
B – Nós não podemos ser muito amigos dos pais (risos). Por isso é que eu digo, eu já tive até
uma colega minha que era encarregada de educação mas é assim, há pais que depois acham
que, porque nós os conhecemos que “Ah, isto vai ser canha, não é?!” Eu não gosto… eu separo
logo. Porque é assim, professor … “na sala eu sou professor e tu és encarregada de educação lá
fora, podemos ser amigas”, mas é assim, quer se queira, quer não tem de haver alguma
distância porque… Eu tinha aqui uma mãe, quer dizer, conheci‐a, não éramos amigas, ela até
tem um diminutivo que eu agora nem me lembro do nome. E, ela queria que eu a tratasse pelo
diminutivo… mas quer dizer, por amor de deus, eu nem na rua a trato assim porque nem
tenho uma relação tão íntima que me permita isso, quanto mais na sala, não é?! É sempre a
dona qualquer coisa… há aqueles pais que percebem, aqueles que não percebem a gente tem
de insistir um bocadinho, para eles perceberem que tem de haver… porque senão há pais, que
são como as crianças, a gente dá a mão e eles apanham o braço. E tem de haver… porque nós
depois temos de ter a frieza de dizer certas coisas e, se houver aquela grande amizade é uma
chatice. Porque depois chateiam‐se as pessoas todas. E portanto, tanto que eu tinha uma
colega minha, que o filho vem para cá, e eu disse‐lhe: “Graças a deus não vou ser professora
do teu filho, senão a gente chateava‐se logo. Tu és toda complicadinha!” porque, há mães que
também são muito complicadas, encarregados de educação. Porque depois é a tal coisa, a
culpa nunca é dos filhos. É sempre do professor.
E – Falámos de algumas questões que podiam dificultar, e esta será a última questão, esta
relação. Assim, mais resumidamente, quais são as razões que aponta? Falámos do tempo dos
pais?
B – Sei lá, outros factores… eu depois tenho outras experiências, que não foram comigo, mas
que eu conheço… que é, os pais não aceitarem as limitações dos filhos e descartarem‐se do
seu papel, e depois o filho não consegue… “A culpa é da professora que não explica bem!” Eu
acho que essas, para mim, de exemplos que eu tenho… são o fundamental. Porque nunca era a
culpa do miúdo. Depois, o mais giro, os miúdos até sabem que a culpa é deles mas… Não,
não… fazem aquele choradinho com as mães, não percebo, e os pais aceitam, sim senhor.
“Coitadinho! Daqui a nada já está traumatizado, e tudo!” A culpa é sempre da professora. Eu
acho que é isso, é os pais não perceberem que os miúdos são pequeninos… têm que confiar, às
vezes, nos professores.
E – Sente que há falta de confiança, assim, no geral?
B – No geral, não sei. Numa situação que me estou a lembrar, eu penso que é um bocadinho
falta de confiança. Porque depois é assim, há colegas que eu conheço como colegas, não sei
como é que eles são na vida privada. E há outras, que até conheço mais… eu conheço‐a porque
é minha colega, bebemos café, ou não sei o quê… mas nem sei como é que é o trabalho dela
na sala . mas acho que essa colega até era, por aquilo que eu ouvi falar, e era uma colega já
antiga portanto, as colegas antigas…
E – Protegem‐se mais…
B – Não, mas essa mãe achava que essa colega portanto, não dava conta do recado, que o filho
era posto de parte… e eu acho que isso é, comentava com essa mãe “Se calhar é porque ele…”
Como professora eu também posso ver mais ou menos o que é que se podia estar a passar na
sala… Mas, não estava a ver essa colega a fazer o que a mãe dizia que ela fazia. Porque, é
daquelas colegas que são boazinhas demais. Protegem muito os seus alunos, estão sempre…
sei lá, gostam de os apaparicar. Sei que essa mãe não teve uma boa relação com a colega e até
tirou o menino da escola e tudo.
E – Mas acha que havia aí alguma coisa que a colega podia ter feito e não fez’
B – Não, porque depois é assim, isto era complicado… porque eram pais que não cumpriam as
regras. E então, para se afirmarem, por exemplo, nós entramos às oito e meia “Oito e meia é
muito cedo, onde é que já se viu uma criança entrar às oito e meia?!” e eu dizia‐lhe “Mas olha,
tens o miúdo na escola, tens de o meter”, “Quem manda no meu filho sou eu, e portanto, ele
passa a entrar a um quarto para as nove, nove horas!” Isto é verídico, isto acontecia. Então o
que é que a colega à vezes dizia: “Ele chega sempre atrasado. Quando ele entra já a gente está
a dar a matéria, qualquer coisa, uma actividade”. Quem é que ficou prejudicado? Foi o miúdo.
Mas estes pais (risos) eu pergunto: “Que pais são assim!?” Não sei?! O que é que os pais
ganharam em se afirmarem “Não, não, eu acho que ele tem de entrar a um quarto para as
nove, portanto…” Há pais assim, ainda.
E – Acha que eles se esqueceram de pensar no aluno, no filho?
B – Eu nem consigo perceber muito bem.
E – Acha que os professores pensam mais nos alunos enquanto pessoas, do que os pais
enquanto filhos? “O meu filho precisa de entrar a esta hora, eu vou fazer o esforço para o
levar.”
B – Pois, porque aquilo ali era… um bocado “finca pé”… mas para quê? Não percebo. Até me
faz confusão pensar nisso. Como é que um adulto… um adulto que, à partida… “há adultos
com trinta e quarenta anos que parecem uns bebés. Vocês são crianças mas já podem ser
responsáveis, já podem ter obrigações… e têm obrigações que já… “ Há adultos que nunca são
adultos, quer dizer, com uns pais assim… Por isso é que eu digo, eu não sei… nem sei que diga.
O meu marido também professor, ele às vezes conta coisas… eu não entendo estes pais.
Professora Cristina, dia 4 de Maio de 2011
Entrevista Professora C –
Entrevistadora – Para começar, gostava a saber a sua opinião em relação ao que é que diria a
um jovem professor acerca da utilidade e da importância da relação escola‐família para os
alunos?
Entrevistada C – Eu acho que quanto mais… isto basicamente por aquilo que vejo da
importância destas duas entidades, vamos lá, é que… como é que lhe hei‐de de explicar… a
partir do momento em que haja uma ligação entre professor e família, a criança acaba por
sempre beneficiar. Há um maior apoio, os pais estão mais conscientes do que se passa na
escola, participam mais, interessam‐se mais e, logo à partida são benéficos às crianças.
E – Fala isso em relação ao sucesso escolar…?
C – Basicamente a nível do sucesso escolar. Porque hoje, eu considero eu a escola… nós não
podemos deixar de pensar que a escola está cá para isso. E temos, cada vez mais de pensar,
que as crianças passam pela escola para adquirirem conhecimentos, melhorarem, crescerem,
todos esses aspectos relacionados com as aprendizagens, mais basicamente isso.
E – E em relação aos professores, que vantagens é que vê que os professores possam ter com
essa relação?
C – Um maior conhecimento das crianças, dos comportamentos em casa. Pode beneficiar‐nos.
Se nós conhecermos as crianças mais facilmente as podemos ajudar, mais facilmente podemos
direccionar o nosso modo de ensinar.
E – E para os pais?
C – Para os pais também, também tem vantagens…. Bem, para os pais interessados, depois
depende do grau de interesse dos pais, não é?! Mas os pais que vêm à escola também estão
interessados em ajudar na construção dos novos seres que ali estão em aprendizagem e das
personalidades que se estão a formar, também os ajuda. Também a compreender o que é que
fazem na escola. Que etapas é que estão a desenvolver para os poder ajudar em casa.
E – Nessa óptica, qual seria a relação ideal, a manter entre os professores e os pais?
C – (risos) Não lhe sei dizer. Ideal? Mas de que forma?
E – Sim, a sua opinião. Nesse sentido, de ajudar os alunos a desenvolverem‐se, qual seria a
relação ideal?
C – Não… acho que actualmente, com os nossos encontros mensais, embora que… os
professores do 1º ciclo, quando saem ali do portão, é muito comum conversarmos, vamos um
bocadinho a pé e vamos conversando pelo caminho. Mas eu acho que os encontros que nós
temos…
E – Mas acha importante essas duas situações, conversar um bocadinho se os pais a
abordarem e …?
C – Eu acho importante em nos encontramos uma vez por mês, falamos e vamos falando do
que é que se passa, de como é que a turma, em geral, vai agindo.
E – Tem boa aceitação por parte dos pais nessas reuniões?
C – Sim, porque a maioria vem, e conversamos. Eles, para além de saberem dos filhos, sabem
também da turma em geral, sabem das outras crianças. Porque ao fim ao cabo nós estamos,
noutros graus de ensino isso às vezes não acontece, mas aqui eles sabem que durante quatro
anos estão comigo, estarão todos juntos. Acabamos por ser assim, quase que uma segunda
família. Eles interessam‐se e vêm. Embora, os mais problemáticos, umas vezes vêm outras
vezes não. Mas, a maioria vem.
E – Porque é que acha que se fala tanto da relação escola‐família, hoje?
C – Eu, pelo minha experiência, se calhar porque os pais estão mais afastados da escola. Eu
não sinto isso, não tenho sentido isso nas turmas que tenho tido. Geralmente, consigo reunir
um grande número de pais e fazer coisas em conjunto, mesmo extra escola, quando há assim,
visitas mais… alguns até se oferecem para ir. Por isso, embora se fale, eu acho que no primeiro
ciclo ainda permanece sempre mantido (a colaboração)...
E – Eu perguntava isto m relação aos meios de comunicação tornou‐se um assunto mais
abordado…
C – Sim, eu acabo por … isto é uma pescadinha de rabo na boca, quer dizer que, se fala nos
meios de comunicação, os pais acabam por falar mas, geralmente, é pelo aspecto negativo,
não muito pelo aspecto positivo. Porque eu não me lembro de ter visto nenhuma notícia, nos
meios de comunicação, que valorizasse o aspecto positivo. É sempre quando há problemas
com os professores, quando há queixas, quando algum professor puxa uma orelha… é sempre
pelo aspecto negativo.
E – Na sua opinião como é que acha que devia ser – à pouco perguntei em termos de ideal –
como é que acha que devia ser essa relação? Repare, eu não conheço a vossa realidade de
escola, as reuniões mensais parecem ser uma mais valia para a relação…
C – Por exemplo, para além das reuniões mensais, quando é por exemplo, temos a semana da
leitura, vem sempre uma mãe. É muito fácil arranjar alguém que se disponibilize. Lembro‐me,
por exemplo, no dia do pai, também arranjámos um pai para vir à escola. No dia da mãe não
dá porque é ao fim de semana. Mas há sempre, se eu, numa reunião peço alguma colaboração
da parte deles, eles estão sempre prontos. Não é só nas reuniões, pronto. Nós temos coisas, os
pais acabam por vir à escola. Eu aproveito sempre um que toque um instrumento, ou quando
é preciso alguém para contar uma história, ou quando se fala das profissões, se há alguma
profissão que eles gostassem de saber mais, então convidamos. E pronto…
E – Para si acha que o ideal será esta colaboração mais estreita?
C – Sim, sim. Até porque para eles, que ficam muito contentes dos pais virem à escola e terem
tempo para virem. Eles próprios oferecem os pais, quando eu digo que é preciso pensar em
qualquer coisa, depois eles próprios dizem: “A minha mãe ou o meu pai pode vir.” Muitas
vezes são eles próprios que levam o recado para casa e os pais colaboram nesse sentido.
E – Há outras iniciativas a nível de escola, em que os pais participem?
C – Há as caminhadas do Clube da Floresta, deixe‐me cá ver… eu acho que foi, inicialmente tive
essa colaboração dos pais foi nessa. Há alguns, há também… estou cá, este é o segundo ano,
tenho de estar a pensar bem o que é que há cá (agrupamento). Há também as tasquinhas,
porque é na altura do S. Pedro ou S. João, são as tasquinhas do Agrupamento, sei que é uma
das alturas em que os pais também colaboram. Embora eles, tirando… fora da turma e com a
professora, nem todos participam. Há alguns que participam, mas são muito poucos. Quando é
na turma, isso sim, eles participam mais e são mais activos. Fora, seja uma actividade de
agrupamento ou mesmo uma actividade do Clube da Floresta, nem tanto, não são
cooperativos.
E – Que tipo de assuntos é que os pais procuram abordar nessas reuniões mensais?
C – Eu começo a reunião por de, pronto… deixe‐me cá ver… de algumas informações. É assim,
temos um momento em que eu dou as informações, falo sobre a turma. E depois, há outra
parte em que os pais… acabamos por estarmos meia hora a conversar sobre qualquer coisa
que tenha acontecido ou… ou sobre alguma criança, ou sobre… mas é assim uma conversa
mais informal. Falamos um pouco de tudo.
E – Mas os pais têm assim, alguma preocupação em especial?
C – Não, depende muito de como tem andado o seu filho durante esse tempo.
E – Mais o filho?
C – Lembro‐me por exemplo, na última reunião acabámos por falar um pouco de como eles já
estão crescidos. Começámos a associar a chegada da Primavera com os namorados. Os rapazes
a quererem apalpar as raparigas. Vamos falando sobre comportamentos. Ou qualquer coisa
que eles tenham visto, ou uma visita onde tenham ido e que tenham referido em casa. E
falamos… e acabamos por falar de outras coisas… numa conversa mais informal. Geralmente
há sempre quem fique, depois já não ficam todos, não é. Mas há sempre uns pais que ficam e
que gostam de estar a conversar.
E – Em relação a esta proximidade, a este “o que devia ser a relação”, sente que, em geral,
todos os colegas pensam da mesma forma ou têm opiniões diferentes?
C – Não sei, (risos) sinceramente, não temos falado assim muito sobre isso. Há quem… depois
isto depende também, de escola para escola. Há dois anos atrás, não tinha estes encontros
mensais, porque até os pais achavam que não… eu estava a dar aulas em Lisboa, não tinham
tanta disponibilidade para ir à escola. Estavam mais preocupados em ir buscá‐los e levá‐los
para casa, não tínhamos estes encontros. Mas eram pessoas que, por exemplo, telefonavam e
se tivessem alguma dúvida mas, também estavam lá sempre, se fosse preciso alguma coisa. Ou
manavam bilhetes, com alguma coisa que se passasse. E, geralmente telefonavam. E não quer
dizer que não houvesse… não iam tanto à escola. Acho que depois depende muito, não de
colega para colega mas, sim da escola onde se está.
E – Nessas escolas, com realidade diferente, quando a questionava acerca dos colegas não
queria dizer que fosse desta escola.
C – Ah.
E – Falava no geral, com as outras vivências que já teve.
C – Há colegas que não gostam muito de ter de receber pais dos miúdos. Acham que, portanto,
têm de se justificar, às vezes têm dificuldade em arranjar assunto para falar com os pais… sei
lá… depois depende muito de colega para colega e da forma de estar. Mas não, quer dizer, não
há assim nenhum caso mais drástico.
E – Quando há esses colegas que têm mais dificuldade nessa relação, acha que se deve a não
valorizar… ?
C – Insegurança, talvez. Geralmente são professores mais novos, talvez… e acho que tem
muito a ver com insegurança e do estar exposto aos pais. É uma situação de defesa, é um
pouco isso. Estão pouco à vontade, sei lá.
E – E, nesse caso, e pegando nas suas palavras, quando falou dos colegas mais novos, que
conselhos é que acha que podia dar‐lhes para eles ganharem maior à vontade?
C – Eu acho que depende das pessoas. Uma pessoa que tenha, mesmo sejam os mais novos,
desde que tenham à vontade e que … porque isto passa um pouco pela maneira de ser. E, em
relação às reuniões com os pais, a única coisa que eu acho é que, os professores não devem
considerar os pais como um bicho papão que está ali, que vai ali para lhe pedir justificação. É
para estar à vontade e falar de… desde falar do que faz, o que fez e do que irá fazer, e tentar
aproximar os pais, essencialmente tentar aproximar os pais à escola.
E – Acha que passa só pela questão do feitio, da personalidade do professor ou pode ser uma
coisa que pode ser trabalhada, em formação, por exemplo? Seja na formação inicial, quando
está em início a tirar a licenciatura…
C – Claro que sim. Uma pessoa quando está a tirar um curso… uma reunião com os pais é uma
realidade por vezes estranha, não é?! Eu acho que sim, que deve ser trabalhada… porque há
uma série de coisas que devem ser… não é o treino… vamos lá, algum conhecimento de
diversas realidades para se poder saber como é que deve agir…
E – Algum conhecimento para a aproximação dos pais, ou como melhorar essa relação?
C – Desde melhorar a relação, fazer com que os pais se aproximem, até mesmo como lidar
com eles e como é que… da melhor forma, sei lá… porque não há receitas… Mas há situações
que acontecem e, como é que poderá sair delas de uma forma (ligeira)…
E – Lembra‐se, na sua formação inicial, se teve alguma disciplina relacionada com este tema?
C – Eu acho que... quando saí da minha formação tive a sensação de que estive ali como
estivesse no ensino secundário, a aprender matérias…
E – Lembra‐se como é que aprendeu?
C – Experiência, praticamente pela experiência.
E – Houve alguns colegas que a ajudaram? Foi olhando para os outros colegas?
C – Quando comecei, fui para um colégio trabalhar e, parecendo que não, somos muito…
pronto, há aquele cuidado de nos darem dicas, é um colégio particular, não é?! E eu acho, que
nesse aspecto, e por ser a instituição que era que… mas nunca me deram, vamos lá… deram‐
me conselhos. Foi pela experiência.
E – Que diferenças é que consegue ver dessa altura em que começou a trabalhar, do início da
carreira e agora?
C – Há uma maior abertura e, não ter aquele receio: “Hoje é dia de receber pais”. Não. Faz
parte. Faz parte, assim como venho dar aulas, sei que nesse dia, recebo os pais.
E – Com o tempo foi ganhando maior segurança…
C – Sim, mesmo a nível profissional, em relação às crianças.
E – Em relação a este tema, sente que poderia mudar alguma coisa para fazer uma maior
aproximação ou acha que já faz bem este papel?
C – Ah, eu sinceramente, acho que sim, que se deveria fazer mais, que… Eu acho, para ficar
correctamente, eu acho que sim, deveria ter feito mais. Mas, sinceramente, em relação…
E – Eu pergunto se haveria alguma coisa que pudesse, ainda fazer, melhorar para haver uma
melhor relação. Mas, se nota que já há…
C – Eu acho que a que temos chega. Porque depois há… o que eu às vezes sinto é que depois,
quando há demais, depois é um bocadinho… depois temos, como é que eu lhe hei‐de dizer
isto… não é termos os pais o tempo todo na escola, porque não temos, depois não há limites.
Não quer dizer que seja necessário haver limites mas, para certas pessoas é necessário mesmo
haver limites. Nós temos esta relação de escola, escola e professora com a família e alunos…
para mim a que está, está óptima. Se tenho alguma coisa a dizer, alguma coisa a pedir, alguma
coisa a fazer, sei que consigo fazer.
E – Onde é que sente essa fronteira entre?
C – Eu não sei, sinceramente. Depois, depende das pessoas.
E – A nível de tratamento, a forma como fala com os pais, tenta criar alguma fronteira, alguma
barreira?
C – Não, não. Eu costumo dizer, eu aqui dentro, para eles eu sou professora, para eles também
sou uma pessoa que também tem filhos e que também está preocupada com a educação dos
filhos e que pronto, estou com os filhos deles durante o dia todo. Mas depois, não há barreiras
nesse aspecto. O que me preocupa às vezes é a invasão depois, do espaço que é nosso, que é
meu e dos alunos, não é?! Que os pais podem realmente participar, podem fazer, podem fazer
parte mas que, depois chega ali a uma altura em que… “pronto, agora tudo bem mas, agora os
pais estão em casa, porque as crianças estão na escola e é aqui que eles passam a maior parte
do tempo. Eu, por exemplo, só um exemplo pequeno, para ver se me consegue compreender
melhor, houve um aluno que andou aí à tareia com outro, e ele é problemático,
constantemente tem estes comportamentos. De tal maneira que lhe disse “esta semana não
tens, até ao fim do mês – faltava uma semana para o fim do mês – “não vais ao recreio porque
vamos ver se te acalmas. Tens um livro para ler, vais lendo um bocadinho todos os dias. Assim,
pelo menos sabes que o recreio tem outras actividades que não sejam bater.” Então, a mãe
achou muito mal o castigo e disse‐lhe a ele que a partir desse dia ia ao recreio. Foi o que tentei
explicar numa reunião, as regras… nós não temos nem pai, nem mãe, nem o tio, nem a avó…
mas temos de conviver desde as oito e meio às cinco e meia da tarde, temos de conviver com
regras. É nesse aspecto, depois há pais que acham que as regras de sala não são bem assim, e
o filho dele não participa nelas embora cá esteja.
E – E nesse caso os pais não falaram consigo antes de falar com o aluno?
C – Não, não. Porque como vinham à reunião, deram a ordem, de manhã, à criança, como à
tarde vinham à reunião e, como nós… tudo o que se passa na escola, seja particular ou seja em
conjunto falamos todos. Mas a regra foi… “Não, essa regra não é para cumprir”. E é nesse
aspecto que às vezes… há a invasão dos pais, tal como acham que, hoje em dia a escola… há
esta – que eu acho que bem, que eles podem participar na vida escolar – mas depois
intrometem‐se (…) às vezes é preciso pôr‐se um travãozinho.
E – Há as regras da instituição, da própria sala de aula. Essa questão dos pais quererem… já
percebi que sente essa invasão… mas a sua…
C – Não é essa invasão..
E – É na questão do aluno, não é?! O aluno tinha aquela regra, que é para todos igual, e que
ele devia cumprir mas depois sentiu que os pais não valorizaram isso. Como é que ficou o
aluno?
C – Não é, não valorizaram. Não, porque eles ficam muito – porque o problema é esse – eles
ficam muito aflitos. Ele realmente foi para o recreio mas, assim que o mandei chamar veio logo
e disse “Eu sei que não devia ter saído”. Porque eles depois, coitados, estão ali num dilema
que não sabem como fazer. Ou respeitam a professora que está na sala, se respeitam as
ordens do pai, ou neste caso da mãe, que ficou em casa. Porque depois eles, coitados, andam
ali um bocadinho… mas isso tem a ver também com os pais. Há uns que realmente não…
podem não concordar com qualquer coisa que seja feito mas, eles próprios dizem “Olhe, eu
não concordo, por isto assim, assim… mas vinha falar consigo para ver se pudemos arranjar
aqui um meio termo”. Porque também passa um pouco por isso, os pais participarem na
escola, estarem na escola, mas também, aprenderem a estar na escola.
E – Sente que, se o bem comum for para os alunos, que os pais conseguem perceber melhor
essa questão de escola é escola e casa é casa?
C – Sim, a maioria dos pais tem essa noção, a maioria dos pais consegue fazer uma boa
convivência. Depois há, como em tudo, como há bons e maus professores, há pais que são
mais… participam melhor que outros, que interagem melhor.
E – Nós já falámos em diversos aspectos desta relação mas, por exemplo, no plano afectivo dos
alunos, até que ponto é que os pais e os professores conversam sobre este aspecto? Por
exemplo, quando há uma situação em que o aluno não está bem em casa, como é passada
essa informação para a escola?
C – Sim, há alguns pais que se preocupam em dizer, então nesta (…), há muito o caso de
divórcio dos pais, em que eles avisam se há alguma coisa mais importante, que tenha
acontecido na família, eles avisam. Geralmente começam por perguntar se tem andado bem,
se notou alguma coisa. Se nós notamos também, eu pelo menos, e as minhas colegas também
temos esse cuidado, de informar, se alguma coisa se está a passar, porque o aluno apresenta
este ou aquele comportamento. Por isso, eu acho que sim. Porque eles, nestas idades, ainda
são tratados, e continuam a ser tratados como os bebezinhos lá de casa. É um pouco isso, no
primeiro ciclo.
E – Que idade têm eles?
C – Tem sete, oito. Pois estão no segundo ano.
E – e em termos curriculares, os pais quando têm dúvidas sobre algum assunto ou na forma de
como trabalhar com os filhos
C – Sim, por exemplo, eu geralmente nas reuniões mensais digo, neste momento estamos a
aprender isto, digo‐lhes quais são os progressos que estamos a fazer, quais os que iremos fazer
no mês seguinte e eles, por acaso, perguntam como é que eu ensino determinada coisa. Até
porque alguns… depois eles [os alunos] chegam a casa têm dúvidas e eles [pais] não sabem qual
é a melhor… porque eu tenho esse cuidado de dar‐lhes… por exemplo no primeiro ano eu
comecei com o método diferente do que eles [pais]… do que era habitual nas restantes
turmas. E expliquei‐lhes, eles aderiram, correu muito bem, participam e acompanham. Agora
com as operações das subtracções por empréstimo, tiveram o cuidado de perguntar “Oh
professora, explique‐os lá como é que faz para nós sabermos”. Pronto, são pais interessados.
E – O que é que dificulta esta relação? Quando há algum problema na relação com os pais,
parece não ser o seu caso com estes pais, mas em experiências anteriores, ou com outros
colegas, o que é que acha que dificulta a relação?
C – Eu estive a dar aulas dois anos, na Musgueira, foi horrível. Apesar de eu ter uma boa
relação com alguns pais, aparecia sempre alguém, que parecia estar de mal com a vida então a
escola era o local… e a professora era para descarregar. Foi assim o sítio onde eu me senti
assim, mais…. Onde era mais difícil lidar com os pais. Eu acho que tem muito a ver com o meio,
com as… sei lá, com a vontade das pessoas. Porque depois tem a ver com o meio e a
Musgueira é um sítio assim, muito peculiar.
E – E qual a imagem que os pais tinham da escola?
C – A escola, eu costumo dizer, há poucas escolas que têm as infra‐estruturas que aquela
escola tem como edifício. Mas, para além disso, eles, apesar de acharem que a escola era
deles, e têm toda a razão que é deles. A escola estava lá simplesmente para os servir, não
interessa… como é que lhe hei‐de dizer…
E – Os deveres para com… ?!
C – Os deveres, nem os cuidados a ter para a conservar. Está lá para servir as crianças. Mas é
como lhe disse, é um meio muito específico, com muitos problemas a nível social. Mas tem
umas óptimas instalações… era uma escola que tinha tudo mas, depois não há aquela… o
cuidado.
E – E aqui, no meio de cidade, quais acha que são as dificuldades para se manter uma boa
relação?
C ‐ …
E – Há pouco falou de alguns pais não participarem tanto por questões de…
C – Também tem a ver, um bocadinho mais com… não tem tanto a ver com o meio
socioeconómico. Mas tem, sei lá, com disponibilidade, com a ocupação dos pais. Porque nem
tem a ver com os estudos que possam ter… eu estou a tentar visualizar os casos extremos,
porque aqui não, aqui não vêm mesmo porque, não vêm. E eu até, tenho uma aluna que a
irmã anda na turma da minha filha e eu pensei “Bem, deixa‐me ver, como não vão è reunião,
se vêm à reunião da outra filha?” Mas não, também não vão.
E – Mas não sabe explicar porquê?
C – É falta de disponibilidade, é o que os pais dizem. Têm o cuidado de, de vez em quando,
mandarem um email a dizer “Não posso estar, sei que a reunião é algures por estes dias”…
porque depois não sabem muito bem ou porque a miúda diz em casa “Oh mãe, tens reunião”.
Porque eu digo a eles “Olhem, lembrem os vosso pais que amanhã há reunião”. E eles têm
esse cuidado de enviar. Depois há alguns que mandam um email a dizer que, realmente não
podem estar e, esses pais, em particular, porque até têm cursos superiores, mas estão
mesmo… não têm disponibilidade.
E – Mas procuram‐na noutro dia, outra hora?
C – Quando eu, de vez em quando, mando um email a dizer que tem uma série de coisas para
assinar, lá vêm. E depois estão mais outros seis meses em aparecer.
E – Como é que os alunos desses pais lidam com essa situação?
C – Eu acho que eles já estão muito habituados. Esse é o caso mais… porque depois os miúdos
acabam por ganhar aqui uma camuflagem, protegem‐se muito bem… desse aspecto. Tirando
esse caso… não tenho assim casos extremos, não vêm, porque não vêm. Só vêm quando
apetece, pergunta como está e não sei o quê… não há assim, uma razão, para explicar “Olhe,
aqui não aparecem por isto, ou têm alguma dificuldade…”
E – E consegue notar alguma diferença a nível das aprendizagens no global, entre aqueles pais
que estão mais próximos e os outros?
C – Não. O que se nota é quando não são apoiados em casa. Aí noto, agora que venham às
reuniões ou não.
E – Sente assim, esse apoio da maioria dos pais?
C – sim.
E – Na realização dos trabalhos de casa…
C – Eles esforçam‐se. Podem não se forçar assim por muito tempo. Porque depois são pais…
alguns deles são pais que têm uma vida complicada e que a nível de trabalho, ou não
trabalham aqui… e têm alguma dificuldade. E também muitos pais separados, em que eles só
estão com as mães… mas que vão apoiando, não aí nota‐se sim, aqueles que apoiam mais e
aqueles que apoiam menos. Agora, em relação a virem ou não mas, isso também, ao fim ao
cabo, a comunidade escolar… uma das coisas, um dever, é depois também acompanhar o
aluno mesmo nas aprendizagens.
E – Consigo perceber que essas reuniões podem fazer com que, agora consiga estar a falar
dessas várias situações, ou seja, consegue reconhecer ou conhecer bem os alunos que tem
dentro da sala porque os pais partilham algumas informações…
C – Sim, sim. Eles vêm… pronto e quando estamos na sala e quando falamos, eles acabam por
colaborar e vão contando “Olhe com o meu [filho] aconteceu isto ou não sei o quê”. E se
algum pai diz: “Ai o meu anda…” – agora na altura de Março “Não que vir para a escola e não
sei quê” e outro diz ”Ah, o meu também não”. Acabam por partilhar um bocadinho o que se
passa, como eles estão cansados, porque este período também foi muito longo. E, eles acabam
por, mesmo entre eles… E, acho engraçado quando algum diz “Ah, o meu agora tem esta
dificuldade”; “Olhe, com a minha [filha] resultou assim…”
E – Isso também aproxima os pais uns dos outros.
C – E acho que também tem a ver com a forma como se conduz a reunião. Porque as reuniões
seriam para ter atendimento individualizado aos pais. Eu não sou muito de acordo porque
acho que a turma se gere por si, como um conjunto, ao fim ao cabo não estamos ali
individualmente e eles também não são individualmente, embora cada um tenha as suas
características próprias. Mas é um…. Para eles se conhecerem como turma é muito mais fácil,
no terceiro e quarto ano, em que às vezes é possível fazer outro tipo de actividades, em que os
pais possam participar também mais vezes. É mais fácil, eles se conhecerem e as coisas
acabam por resultar muito bem.
E – Utiliza essas informações, essas dificuldades, essas questões que os pais vão colocando,
utiliza‐as no seu dia a dia com os alunos. Sente isso? Não tenho assim mais nenhuma questão,
porque depois acabámos por focar todos os temas. Fomos falando sobre os vários. Em relação
às actividades nomeou algumas de escola e algumas da própria turma. E era a questão da
iniciativa, uma vez que tem essas reuniões marcadas, os pais vêem e não há tanta necessidade
de um pedido especial para uma reunião. Se bem, que os vai encontrando à porta.
C – E, de vez em quando, [os pais] também telefonam, porque andam preocupados com isto,
ou com aquilo. Depois vêem e eu fico um bocadinho mais, combinamos um diazinho que nos
convém aos dois. Tirando isso, geralmente vêem nas reuniões [mensais]. Eles são vinte, estão
sempre dezasseis, dezassete… quando não vem o pai e a mãe, às vezes vêem os dois. (risos)
E – Para finalizar, ainda voltando ao tema da formação, que tem a ver com este trabalho de
investigação, acha que seria importante haver, na formação contínua, alguma abordagem a
este tema?
C – Se quer.. sinceramente, se calhar é capaz de haver quem esteja interessado. Eu,
sinceramente, não. Porque eu acho que há coisas a nível prático que é muito mais proveitoso
para nós, na sala de aula. Porque depois há mais tendência para cair na rotina e, com
formações mais específicas, mais centradas para a nossa prática, acho que é muito mais
[produtivo]. Eu, dificilmente aceitaria, me inscreveria numa formação que tivesse a ver com a
relação família‐escola. Mas acho que sim, que deve haver porque haverá pessoas que tenham
essa dificuldade e que gostassem de aprender mais. Eu, para mim, não. Mas, como tenho uma
boa relação com eles, bem ou mal, vamos conseguindo dar a volta…
E – Mas, como também falou que, na sua opinião, [esta questão] também passa muito pela
experiência, que não seria a saída.
C – Como já lá vão vinte e poucos anos, vinte e quatro anos.
Professora Rita, dia de Maio de 2011
Entrevista Professora D –
O gravador ficou cheio… na altura não consegui precisar, mas julgo que perdi cerca de 15
minutos de entrevista.
Entrevistadora – Então, recapitulando, em relação à sua opinião de como devia ser a relação
dos professores com os encarregados de educação. Falava na proximidade, das reuniões e das
actividades que os pais possam desenvolver na escola ou em casa com os filhos. Nessas
reuniões, estava a explicar como é que aconteciam, os pais, como disse, participam bastante.
De que assunto é que costumam, os pais, por iniciativa deles, que assuntos é que costumam
abordar?
D – Estava a dizer que atendia, portanto, em simultâneo [nas reuniões mensais, marcadas com
os pais no início do ano lectivo]. Faço um balanço da turma, em termos de comportamento e
em termos de aproveitamento, os dois pontos, assim fundamentais. [Os pais fazem a]
observação de trabalhos e de fichas de avaliação, quando é caso e, muitas vezes, temos de
abordar assuntos relacionados com o plano anual de actividades; os pontos são estes
normalmente. Informo também que actividades vamos ter do PAA [nesse mês], as saídas
mensais e… os conteúdos programáticos que eu vou abordar naquele mês... no seguinte,
porque é sempre no fim do mês [a reunião]; os conteúdos programáticos que vou abordar no
mês seguinte. Normalmente são estes pontos [da reunião], se for reunião de avaliação, como é
óbvio, já é um pouco diferente, mas mensalmente são estes os que nós tratamos. Depois,
surgem dúvidas, por vezes dos pais, relativamente a algum tipo de exercício, que eu explico no
quadro. Às vezes brincamos porque parece que estão nas aulas outra vez (risos). Que eles
adoram! “Ah, ainda bem professora!” Eles adoram isso! Porque eu percebo que os pais
gostam muito de saber a estratégia que eu utilizo para abordar determinado assunto,
porque alguns já não se recordam e gostam de saber por que caminho é que eu vou
para em casa eles reforçarem por aí também. Para não explicarem de modo diferente.
Pronto, lá está, são pais muito interessados, muito preocupados em saber.
E – E, dessa forma, acha que existe um entendimento…
D – Existe [um entendimento]. E depois, nas reuniões, mostro‐me sempre disponível
para, se houver alguma dúvida, ou relacionado com o seu educando, que eu possa
esclarecer.
E – Quais são as preocupações dos pais, para além dessa questão dos conteúdos e de
como é que podem ajudar os filhos?
D – Esta turma não tem registos de mau comportamento, são meninos bem
comportados, conversadores sim, têm muitas experiências e gostam muito de partilhá‐
las, acabam por se tornar conversadores. Mas, não tem… não há mau comportamento
em nenhum aluno aqui. Portanto, a questão do comportamento, eles [os pais]
preocupam‐se imenso de ver o cartaz das bolinhas, qual é a bolinha atribuída, não é?!
Gostam de saber. Mas, como sabem que não há, por norma, esse tipo de
incumprimento de regras é um assunto que não [surge] … ah, também abordo muito a
questão das Actividades de Enriquecimento Curricular. Apelo para a pontualidade,
assiduidade – também não há registo – mas a pontualidade, como é a primeira hora da
manhã acabam por, nem sempre, cumprirem e comportamento. Não digo que seja
mau, mas especialmente na [actividade] física, a professora diz que para “arrancar” a
aula, iniciar a aula demora o seu tempo, par os manter calmos depois, a partir daí tudo
bem mas, no início… e, portanto, vou mantendo os pais ao corrente… do intervalo, a
mesma coisa, portanto, há um grande “feedback” entre nós, que eu acho que é
fundamental. Lá está, para os alunos perceberem também, e não só, com a monitora
também... eles sabem perfeitamente que aquilo que se passa no intervalo, a monitora
vêm‐me dizer, as professoras das AEC’s vêm‐me dizer. Nas reuniões mensais, nós
fazemos também os conselhos de anos e, sempre que possível, as professoras das
AEC’s estão presentes, nem sempre mas… portanto, há sempre um diálogo. E eu faço
questão que eles [os alunos] saibam que existe este diálogo para perceberem que
estamos todos juntos, apelando a um bom comportamento.
E – Em relação a essa sua opinião do que é que deveria ser a relação ideal com os pais.
Tem noção se os colegas, em geral, pensam da mesma forma?
D – Quer dizer, eu acho que sim. Não digo… bem, pormenores, nós acabamos por não
saber, não é?! Mas eu acho que, hoje em dia, toda a gente… quer dizer, há colegas que
não… por exemplo, se há uma festa de aniversário na sala de aula, eu acho muito bem
que os pais venham à sala de aula, acho muito bem. Há colegas que não acham. Eu
compreendo, eu compreendo atenção, nem estou a dizer que estou certa ou que elas
é que estão certas, são maneiras de pensar. Eu prefiro perder uma meia hora de aula
e, naquele dia, porque a criança faz anos, e o dia é um dia importante para ela. E, lá
está, uma vez mais perceber que a professora e a mãe comunicam e a mãe está
presente, para também conhecer os colegas dos seus filhos. Eu acho que também é
bom para os pais saberem onde é que os filhos estão diariamente, com quem estão,
em que ambiente estão, não é?! Eu acho que é importante e, portanto, eu gosto que
os pais venham à sala de aula no dia do seu aniversário.
E – Vêm os pais dos meninos que fazem anos, é isso?
D – Sim, sim. Normalmente vêm, trazem o bolo e eu gosto que eles entrem na sala,
pronto. Chegou a haver uma polémica cá na escola: podiam entrar, não podiam
entrar… vão destabilizar, a aula é interrompida… nós sabemos que sim, mas eu acho
que é uma interrupção válida. (risos) Não é?! Não sei?! Eu também, gosto muito de
dialogar com os meus alunos, lá está, os pais têm essa função, de explicar uma série de
coisas aos filhos, dúvidas que lhes surgem mas, as crianças também gostam de saber a
nossa opinião, muitas das vezes [da professora]. E, quando surge uma dúvida
qualquer, de algum aluno eu gosto, que em grande grupo, aja um diálogo e que
partilhemos opiniões e por vezes, esclarecer dúvidas. Depende muito dos temas, para
poderá até haver receio de abordar os pais sobre esse assunto e eu, aqui, depende do
assunto, não é?! Mas se eu puder ajudar, eu gosto de ajudar… e, às vezes perdemos
um bocadinho [da aula] mas esses bocadinhos perdidos são ganhos no final.
E – Já falámos de como é que acontecem essas comunicações e, uma vez que há essa
abertura das reuniões mensais significa que não haverá tanto a iniciativa dos pais de,
outro dia qualquer, a procurar?
D – É raro. Pode acontecer, já aconteceu mas para tratar de um assunto específico.
Agora, em termos de questões relacionadas com comportamento ou aproveitamento
é muito raro abordarem‐me além dos atendimentos mensais.
E – Para além dessas actividades em que os alunos fazem pesquisa em casa com os
pais, que outras actividades, sejam a nível de escola, de agrupamento, de sala em que
os pais participem?
D – Participar… olhe, este ano participaram… eu andei numa formação de educação
sexual e portanto, implementámos um projecto, eu e umas outras colegas aqui da
escola e os pais participaram. Por exemplo, na confecção do boneco, uma das
actividades era confeccionar um boneco de pano. Os pais participaram. Na reunião, lá
está, divulguei o projecto, no que é que consistia, quais eram as actividades que eu
pretendia desenvolver e apelei à colaboração deles. No Carnaval, por exemplo,
também apelámos à participação os pais, em actividades de pesquisa, como já lhe
disse. Há ali [trabalhos sobre] das famílias, dos animais – eles pesquisaram cada um,
um animal. Também houve um, um trabalho que fizeram sobre o centro histórico,
foram a uma visita de estudo, e depois fizeram uma pesquisa de monumentos. Lá está,
pesquisas, quando há aniversários os pais deslocam‐se à escola, nos atendimentos.
E – A nível de escola?
D – A nível de escola… a nossa escola, fisicamente, não tem condições para ter muita
gente aqui, infelizmente, não é!?
Portanto, estamos um pouco limitadas relativamente às festas. Há actividades do PAA
em que os pais são convidados, no final do ano lectivo, são as tasquinhas na S. Gonçalo
[escola sede de agrupamento] a actividade é a nível de agrupamento. Por exemplo,
agora para a semana, quinta‐feira, temos um torneio de futebol que os pais podem ir
assistir.
E – Também lá em baixo [escola sede]?
D – No parque Verde da Várzea. Portanto… agora assim, ao longo do ano…
E – São assim, só actividades mais pontuais.
D – Sim.
E – E, na escola, no final do período, o que é que costumam fazer? Fazem alguma
actividade conjunta?
D – Depende. Tentamos fazer a nível de escola mas depois temos um grave problema,
a nossa escola é dividida entre dois edifícios, são trezentos e tal alunos, os dois
edifícios. Se está a chover, nós não temos qualquer hipótese. Temos as arcadas
cobertas [da escola] única e exclusivamente. Organizamos, quando não está a chover,
organizamos espaços lá fora com jogos tradicionais ou música, dividimos mesmo, por
alguns temas, no recinto exterior e acabamos por fazer algumas actividades na sala de
aula e depois expomos lá fora, todos, um trabalho colectivo, por exemplo. E, depois
então, seguimos para um lanche colectivo, isso também fazemos com frequência. Para
o lanche colectivo juntamos duas salas. E, infelizmente, nesta escola, não dá para fazer
muito mais, fisicamente é complicado. Porque não temos aqui nenhum espaço
associado. Nas aldeias é mais fácil porque há sempre o clube, ou uma associação que
tem palco e que dá para fazer algum tipo de festa. Cá não dá. Nós não temos qualquer
hipótese.
E – Que diferenças é que nota, desde o início da sua carreira, para agora, ao nível das
formas de agir perante os pais? Na sua prestação, o que é que acha que mudou?
Aquilo que fazia antes?
D – Ah, mudou. Eu antes não fazia nada disto. (risos) Não fazia, não envolvia os pais
com tanta frequência. Mas não porque não era habitual. Lá está, a sociedade, às
tantas, evoluiu e, sem tomar consciência, talvez pela experiência comecei a perceber
que de facto era importante que isto acontecesse. Porque no início, de facto, não… o
envolvimento dos pais era menor. E posso dizer, neste ano, concretamente, noto que
os pais envolvem‐se na vida escolar dos filhos mais, muito mais.
E – Dadas as condições que foram sugeridas, como as reuniões mensais…
D – Eu acho que também parte um bocadinho de nós apelarmos para. Começa logo pela
divulgação das reuniões mensais. Eu faço questão de entregar um desdobrável e é uma das
informações que consta neste desdobrável; data de início e de termo do ano lectivo, esse tipo
de coisas…. Pronto, eu faço questão que os dias de atendimento venham nesse desdobrável
para que os pais tenham sempre um registo, porque uns escrevem, os outros não, e assim é
entregue aqui o registo. E apelo, na primeira reunião logo, para a presença deles. Porque, lá
está, pelos motivos que já disse. Apelo para que eles venham.
E – Sente que se eles vêem à primeira se acabam por envolver e alguma actividade, começam
a ficar mais entusiasmados?
D – Também (…) eu acho que isso também tem influência. Eles virem e verem que só vêem
dois ou três, às tantas acabam por praticamente não virem. Eu sei porque há situações dessas
aqui na escola, há salas em que vêem só três ou quatro mensalmente. E há turmas que vêem
quase [todos].
E – Qual é a explicação para isso?
D – Eu acho que tem um bocado a ver com isso, precisamente. Se vêem que costumam vir
então, eles aparecem “Não me posso esquecer, a reunião do meu filho, a sala costuma estar
cheia”. E, portanto, eles sentem mais essa obrigação. O horário também é um factor
fundamental, o horário dos atendimentos.
E – A que horas é que costuma fazer as reuniões?
D – Portanto, eu fazia às 16 horas. Sabe, nós não temos a chave da escola, nem dos portões,
nem do código do alarme, nem nada. Portanto, estamos condicionadas à auxiliar. E a auxiliar
queixava‐se que às vezes perdia o autocarro e era muito aborrecido. No ano passado houve
esse problema. Que era às seis, no ano passado e, entretanto, saiamos daqui oito e tal, às
vezes, pronto. E então, este ano, propus na reunião [na primeira] ser às 16h 15m. Quinze
minutos após saírem os alunos e expliquei porquê. Os pais não se opuseram mas “Professora,
vamos ver… complica”. Eles sabem que têm direito a faltar para estarem presentes e
acompanhar a vida escolar dos filhos. Mas chegou a meio do ano e pediram‐me para alterar o
horário, porque lhes dificultava a vida e assim passou para as 17h 30m. Portanto, nas últimas
terças‐feiras do mês. O que eu notava também é que fazendo às dezasseis saía de cá muito
mais tarde, não era sair mais tarde, era a reunião demorar muito mais tempo. Porque, como já
tinham tirado a tarde, a reunião prolongava‐se, prolongava‐se porque eles ficam a questionar‐
me sobre alguns assuntos… depois aproximava‐se a hora do jantar e tinham de sair mesmo.
E – Mas, realmente, sente que o grupo de pais sugerir que houvesse essa mudança de horário
é porque realmente se sentem envolvidos?
D – Sim, sim [os pais sentem‐se envolvidos e por isso sugeriram a mudança de horário]. Eu
gosto… eles mesmo vêem com imensa vontade, porque são muito interessados e querem
saber como é que está… saber as notas, as percentagens… adoram saber as percentagens.
Uma vez mostrei, por acaso, já nem me lembro porquê… Quando elas perceberam que havia
percentagens “Deixe‐me ver, deixe‐me ver…” ; “Não vou passar a folha porque é aborrecido
verem as notas, podem haver pais que não querem que saibam dos filhos deles.” Começaram
“Ai, professora, por amor de deus! Nós não nos importamos nada, diga lá quanto é que é”.
Depois, a partir daí começaram a ver… são pais, lá está, como é que eu posso dizer,
interessados, não põem problemas nenhuns, antes pelo contrário, tentam ao máximo ajudar.
Se eu proponho actividades não se opõem a nada, nada. Gostam de participar, claro que não
podemos é abusar, como é óbvio. Não posso estar a mandar pesquisas todas as semanas,
senão às tantas não ganham para… e também facilito. Do género, se há uma criança que não
tem tinteiro, ou impressora “Oh professora!” e digo‐lhe: “Vais ali à biblioteca num instante ou
então fazes um desenho, em vez de imprimir.” Também não exijo que todos tragam, como é
óbvio, cada um tem as suas possibilidades, as oportunidades que têm e, portanto, não vou ser
rígida a ponto de… acho que temos de saber ponderar, não é?! Saber equilibrar dentro desta
realidade.
E – Já que os pais não colocam grandes problemas, julga que esse facto tem a ver com a sua
postura nestas reuniões… a que se deve? Sente que se deve a este diálogo intenso entre a
professora e os pais?
D – Eu acho que sim, acho que sim [que se deve ao diálogo entre a professora e os pais].
E – Portanto, é tudo mais desmistificado?
D – É, talvez, sim [é tudo mais desmistificado]. Eu tenho, não sei se é defeito (risos)… eu ligo
muito aos pormenores e portanto, explico‐lhes tudo. O porquê… se houver dúvidas aqui e ali,
eu explico porquê e como é que podemos, então, tentar melhorar. Há um grande diálogo e os
pais percebem isso e vêem porque gostam de estar a par, às tantas se eu fosse muito vaga nas
reuniões, os pais… porque, cada um tem a sua realidade, se não tem experiência (eu peguei
nesta turma no segundo ano) acabam por não ter termo de comparação. “Ah é normal, se a
professora só diz isto é porque é só isto que tem para dizer.” Enquanto que, se perceberem
que vamos ao fundo da questão e são abordados todos os assuntos, desde as AEC’s, à sala de
aula, às monitoras, ao recreio, tudo... não é!? Às tantas também começam a ficar mais
despertos para todas a realidades e querer saber, ao certo, todas as questões que envolvem os
filhos, para estarem ao corrente delas.
E – No meio dessas estratégias que utiliza e das coisas que faz para ter uma melhor relação
com os pais, há alguma coisa que ainda acha que não faz mas que gostaria de fazer?
D – Assim, assim, de caras… em relação aos pais?
E – Sim.
D – Eu tenho pena de esta escola não ter, lá está, algum espaço físico para podermos fazer
festas e envolver os pais nas festas, por exemplo. Acho que é assim, a grande falha aqui.
Porque de resto, lá está, não podemos exagerar nos trabalhos. Envolver os pais, mantê‐los
aqui mais presentes… as festas são a falha aqui na escola.
E – Onde é que aprendeu a fazer, recorda‐se onde é que aprendeu a fazer, a ter esta relação
com os pais, a mantê‐los mais próximos, os assuntos que há‐de abordar… onde é que
aprendeu?
D ‐Isto é a minha opinião, eu acho que tem muito a ver com o feitio das pessoas, eu atribuo
um bocado à maneira de ser. E, eu acho, que estou a desenvolver um trabalho com crianças,
essas crianças são filhas de pais e portanto, eu acho que é importante eles estarem ao
corrente daquilo que se passa na sala de aula. Não só na maneira… na primeira reunião eu
gosto de explicar aos pais a dinâmica de sala porque eu acho que é importante eles saberem
que os seus filhos têm tarefas portanto, eles têm de se aperceber do dia‐a‐dia. Não é só
aprender “A professora está ali para transmitir conhecimentos e eles têm de estudar para
aprender e fazer no final”. Não, nós fazemos muito mais coisas, não colocando de parte a
transmissão do conhecimento mas tudo o resto: respeitar regras na sala de aula, as tarefas
semanais, sei lá… tanta coisa, que não consigo agora dizer tudo. Lá está, por isso é que cada
pessoa tem a sua maneira de trabalhar. Se um miúdo for transferido nota‐se uma diferença
grande, porque cada uma tem a sua maneira de trabalhar, a sua dinâmica. Por isso eu acho
que os pais devem sempre estar ao corrente daquilo que é feito, da dinâmica de sala. Os
meninos não estão aqui só para fazer os exercícios que a professora propõe, se estão certos ou
se estão errados… de que formas é que nós… a forma de correcção, por exemplo, porque há
pais que dizem “Ah, a professora não corrigiu”. Temos de explicar como é que corrigimos,
como é que fazemos… não sei, eu acho que isso é importante. E explicar as vantagens, agora
lembrei‐me da correcção. Eu corrijo os trabalhos dos meus alunos com caneta, está certo ou
está errado, alguns faço desse modo; e eu, também falei com os pais sobre isso, e não só.
Correcção oral e correcção no quadro. Porque eles estão no primeiro ciclo e há muito o certo e
o errado e, por vezes pomos um errado e aquilo é arrumado e aquele errado não serviu para
nada. A ideia é, se errou, vamos melhorar. E, então, eu considero que a correcção oral, e
especialmente no quadro é muito importante. Porque eles vão para o segundo ciclo e, no
segundo ciclo fazem correcção e eles têm de aprender a corrigir em grande grupo e, eu acho
que eles aprendem muito ao corrigir no quadro e oralmente. Agora, temos é que ter a
vigilância e apercebermo‐nos se essa correcção é feita devidamente. Mando‐os assinalar que
corrigiram no quadro, porque por vezes a criança corrigiu mal… pode acontecer. Mas aí o erro
é dela, é mais uma coisa a avaliar, o facto de ter corrigido mal. Na primeira reunião eu explico
todos estes parâmetros aos pais.
E – Nesta questão, onde aprendeu, lembra‐se de alguma cadeira, alguma disciplina que tenha
tido sobre [relação escola‐família]?
D – Aliás, no meu curso, o meu curso é matemática e ciências do segundo ciclo mas, eu sempre
quis o primeiro ciclo e eu até acho que foi na altura… portanto, eu acabei em noventa e sete e
foi na altura que surgiram as variantes. Estava no primeiro ano e o curso era só bacharelato e
dava para o primeiro ciclo, que era o que eu queria. Entretanto, estando no primeiro ano, acho
que já estava no segundo ano, percebi que podia fazer mais um ano, ficava com variante em
mais uma área e podia leccionar ao primeiro e ao segundo. Eu sempre quis o primeiro mas
pus‐me a pensar: “Vamos supor que não arranjo emprego no primeiro, sempre tenho mais
uma hipótese” e, foi por isso, que eu fui para Matemática e Ciências. Mas portanto, só tive
estágio no segundo ciclo no quarto ano, de facto acho que a minha formação, apesar de o
curso ser do segundo ciclo, acho que está mais direccionada para o primeiro ciclo. E era o que
eu queria, portanto, tudo bem. Mas eu acho que isto [a relação com os pais] parte muito de
nós e da nossa experiência. No meu curso… eu digo isto vivamente… ninguém me ensinou
como é que eu punha os meninos a ler (risos) … não sei, falam muito que no Magistério, na
ESE, explicavam … no meu curso eu acho que… aprendi começando a trabalhar.
E – Falava da personalidade mas, esta relação da escola‐família, não passará por uma questão
de profissionalidade? De postura profissional?
D – Sim, talvez. Posso ter falado nisso, em alguma cadeira (risos) mas eu acho que isso parte
muito de nós, da nossa forma de estar e do modo profissional de agir, também.
E – Vê alguma fronteira entre o que é o lado dos pais e o lado dos professores?
D – Às vezes sim. Às vezes vemos ali um entrave. Por vezes os pais não compreendem, os pais
dizem que somos nós e nós dizemos que são os pais (risos) a empurrar para cada um dos
lados. Mas, como digo, eu não tenho essa realidade, este ano. E, posso dizer que ao longo da
na minha vida profissional não tenho tido assim problemas, mas existem e eu, ouço muito os
colegas, sei que sim. Por vezes os pais não questionam se ouvem dizer ou se o filho chega a
casa e conta qualquer coisa, antes de abordar a professora ou a auxiliar, quem quer que seja
que envolve a escola, antes de abordar já vêm, como se diz, com sete pedras na mão e temos
que aprofundar, temos que saber concretamente o que é que aconteceu. E, é por isso que é
importante o diálogo entre todos.
E – Faz questão, nessas conversas, de manter algum limite? Há algum assunto em que os pais,
algum assunto que não aborde directamente com os pais? O que eu queria tentar perceber é
se vê, no seu modo de trabalhar, alguma fronteira entre as questões que são do professor e as
questões que são dos pais?
D – Eu tento ao máximo que os pais percebam… eu não sou mãe deles, como é óbvio, mas
todos os assuntos que por vezes, como eu já disse, não têm nada a ver com os conteúdos
programáticos, são abordados na sala de aula porque surgem, partindo dos alunos, não estou
a dizer de mim, partindo dos alunos. E portanto, eu acho que os pais têm de saber, eu falo
disso das reuniões “Olhe surgiu qualquer coisa, falámos disto porque…” Nós temos de explicar,
não é… eu acho que é impensável uma criança ter uma dúvida e abordar‐nos e nós contornar‐
nos e fugir à questão, não é?! E eu acho que os pais têm de estar ao corrente que podem
surgir determinados assuntos na sala de aula, com temas que não são concretamente
relacionados com o programa…
E – Neste caso, falava em relação ao programa, é o terreno dos professores, faz essa distinção?
D – Eu acho que os pais vão se apercebendo, a pouco e pouco. Eu considero que os pais já me
conhecem um pouco, dois anos, este é o segundo ano que estou com eles, os pais já me
conhecem minimamente para saberem que eu dou resposta a uma série de preocupações que
não passam apenas pela minha função de transmitir conhecimentos. E eu acho que os pais se
sentem confortáveis com isso.
E – O que é que ensinaria a um professor recém formado que chegasse à escola, em relação a
este assunto, relação escola‐família?
D – Bem, eu acho que, nós temos de ter, acima de tudo, alguma ponderação com os
encarregados de educação: da forma como falamos, como é eu hei‐de explicar, temos que
mostrar qual é o nosso papel – lá está, não é “eu faço isto e tu fazes aquilo”, não é nada disso
– o nosso modo de trabalhar, explicar‐lhes para eles compreenderem. Como ponto de partida
é muito importante que eles tenham a consciência e depois, também saber aquilo que se diz e,
quando estamos na sala de aula, acho que é muito importante sermos correctas a falar com os
alunos porque os alunos dizem – não digo todos, há meninos que se calhar nem divulgam nada
do que se passa na sala de aula, alguns pais são os próprios a dizer, mas outros dizem tudo e
mais alguma coisa – e portanto, nós temos que ser o mais correctas possível a abordar, a falar,
a manter um diálogo com os nossos alunos. Eu acho que isso também, no início… outra coisa é
– como é que eu hei‐de explicar – lá está, saber que a criança pode ir transmitir tudo isto para
casa, portanto a partir daí “isto que eu estou a dizer pode ser dito e só posso dizer aquilo que
devo dizer, ponto final.” (risos) Tento ao máximo ter cuidado naquilo que digo, quer dizer, não
vou ali dizer nenhum disparate, mas se surgir uma palavra, depende muito do contexto, e de
como é que dizemos, mas esse contexto em casa, não é transmitido. Mais vale então ponderar
e ver o que é que estamos a dizer porque pode ser dito dentro de outro contexto, é isso que
eu quero dizer.
E – O que é que, em termos gerais, acha que dificulta a relação escola‐família?
D – Olhe, por exemplo, o espaço físico aqui, eu acho que dificulta. Eu não gosto de ver os
encarregados de educação ali atrás do portão, com as grades. Não gosto de ver. Mas
compreendo que é uma escola grande e tem de ter essa medida. Eu compreendo. Acho que os
pais deviam ser recebidos dentro da escola. Lá está, não fazemos milagres e o espaço físico é
este e há‐de ser por muitos anos e como ele está, é impossível, é inviável fazer. Mas eu acho
que as escolas todas deviam uma entrada, em que os pais entrassem e depois, a partir de
determinado sítio não. A partir dali é trabalho, são as salas de aula, não vamos perturbar, não
é?! Porque eu acho que tem de ser respeitado [o espaço]. Agora, o facto de largarem a criança
aqui e não poderem entrar, eu… incomoda‐me, incomoda‐me, não gosto de ver. Na escola do
meu filho mais velho não tenho essa realidade, eu entro e gosto de entrar. Porque gosto de ter
contacto com aquilo que ele tem diariamente. Porque parece que é um bocado tabu…
porquê? Conhecer as pessoas com quem o filho está durante o dia. Eu acho que é
importantíssimo. Funcionárias da escola, conhece‐se a monitora que está relacionada com a
turma mas, não é só... no almoço pode estar com outra e pode pedir um recado a outra. Há
diálogo entre todos. Eu não acho confortável um pai ouvir “A não sei quantas disse‐me isto” e
o pai “Mas quem é a não sei quantas?”, “O meu filho esteve a falar com quem, quem é?”
“Quem é que disse isso?” “Foi uma senhora lá da escola” “Mas quem é essa senhora?”. Eu
acho que os pais devem conhecer todos os funcionários da escola, eu acho que o facto de não
entrarem na escola impossibilita um pouco isso. Eu acho que, um dos entraves é esse.
E – Há pouco também falava do tempo… o horário pode ser um entrave?
D – Também, também. Porque, no meu caso não, mas tenho o exemplo de uma turma daqui
que os pais quando mudaram o horário para as 18 horas, começaram a vir com maior
frequência aos atendimentos. Portanto o horário pode ser um entrave.
E – E a questão do espaço, para não estar a repetir, mas o facto de não conseguir fazer uma
festa, uma actividade global também pode ser um entrave?
D – Sim, sim [o espaço físico condiciona algumas actividades que permitiram uma maior
relação entre a escola e a família]. E a forma como nós os recebemos.
E – Pode ser um entrave?
D – Eu acho que sim. Se eu vou à sala do meu filho e vejo a professora que pouco tem para
dizer, ter de ser eu a fazer perguntas, questionar para ter um feedback, a pessoa às tantas
desmotiva‐se um pouco, não é?! Eu também – não estou a valorizar o meu trabalho, por amor
de deus – mas o facto de eu falar dos mais diversos assuntos é um dos motivos que os faz ter
dúvidas e que desperta curiosidade e quererem saber mais e mais sobre [os filhos].
E – Sente que se der mais eles também podem… [dar mais]?
D – Exactamente, sim.
E – Falava à pouco da questão curricular, do que é que torna a relação mais próxima. A nível
educativo, quando falava das AEC’s, de todo o envolvimento, de todas as pessoas que
trabalham na escola com os alunos. A nível afectivo, a nível deste plano, como é que identifica
uma boa relação dos pais com os professores?
D – A nível afectivo, como?
E – Os assuntos que estejam mais voltados para o plano afectivo, relacionados com o
crescimento ou com a postura da criança na sala de aula, ou com algum problema que seja
familiar, por exemplo. O que é que faz que nesse plano haja uma boa relação?
D – A boa relação… eu acho que se nós, na sala de aula nos apercebermos que algo não se está
a passar correctamente – quer dizer, depende muito da natureza da situação – devemos ficar
logo despertos e dar conhecimento aos encarregados de educação, eu acho que é importante.
E – Mas acha que, também da mesma forma, do lado de lá deve funcionar de igual modo?
D – Sim, sem dúvida, de ambas as partes. Porque nós estamos aqui muito tempo com eles e
conhecemos muito bem os nossos alunos, muito bem. E portanto, nós conseguimos ter essa
percepção. Eu sou abordada frequentemente: “Oh professora, acha que … está tudo bem…
não notou qualquer coisa?”. E portanto, eu depois dou o meu parecer e a mãe, ou o pai,
explica‐me o porquê dessa pergunta. Eu acho que é extremamente importante, sem dúvida.
E – Nota que eles contam consigo para…
D – Sim, sim, sem dúvida. Às vezes até pode trazer problemas, este ano, tenho um a situação…
uma mãe foi viver para Moçambique.. é complicado, levou uma filha e deixou cá o filho. Ela
quer‐se manter encarregada de educação e ficou com o meu email para eu lhe divulgar
quando houver alguma coisa, uma reunião extraordinário, fosse o que fosse. E portanto, às
tantas, tem surgido algumas questões por email. E eu penso assim “Será que é minha função
responder a estas questões?” . Complicado, quando há divórcio, não é?! É um bocadinho
complicado, por vezes, porque se ausentou, isto é um exemplo. Não foi má vontade, isto aqui
já foi a parte emocional a mexer comigo. Pus‐me no lugar, imaginei‐me ir embora e deixar os
meus filhos e pensei “Coitada desta mãe, não é?!”. Por vezes termos de ser flexíveis e não
pensar “Não está no meu horário e por isso não vou fazer, ponto final!”, este é outro factor.
Porque, esta mãe, por exemplo, não estava cá no dia do atendimento e eu, por email, escrevi‐
lhe, marcámos um dia e uma hora e eu vim cá, na semana da interrupção vim cá à escola e
atendia‐a e portanto, eu acho que é importante. Se eu não me mostrasse disponível, a mãe
não vinha e depois ia novamente embora. Não sei se faço bem, se faço mal (risos). Quando as
colegas dizem: “Mas não tens de o fazer. Não veio naquele dia, aquela hora”. Mas eu não sou
capaz, não sou capaz porque sinto que ficou tudo a perder por ter essa postura… perdia uma
reunião com a encarregada de educação, perdia um diálogo sobre um aluno, que é meu, que é
filho, que devemos favorece‐lo e não o faço.
E – Normalmente, nestas questões pensa mais em quem: nos pais, no professor ou nos
alunos?
D – Eu penso… em todos. Penso em todos porque gosto de ter … não quero ter um registo de
avaliação por assinar, porque acho que profissionalmente não está correcto. Porque a mãe,
que é a encarregada de educação tem de estar ao corrente da vida escolar do filho e porque,
se calhar até baixou o rendimento escolar, e a mãe tem de estar ao corrente para que, lá está,
num trabalho de equipa casa/escola haver um reforço dos dois lados para a criança perceber
que não é só dali, nem dali, mas dos dois lados e que assim vai conseguir recuperar. O aluno
vai tirar vantagens, se assim for.
Professora Matilde, dia de Maio de 2011
Entrevista Professora F –
Entrevistadora – (…) O que é que diria a um jovem professor que se iniciasse agora no ensino,
acerca da utilidade e da importância da relação escola‐família para os alunos?
F – Da relação escola‐família para os alunos… eu acho que é importante, dado um bom
desenvolvimento global do aluno está integrado num relacionamento entre escola‐família. Eu
acho que actualmente é muito complicado. Aliás, é complicadíssimo porque, não só há muitas
famílias monoparentais… é muito difícil haver contactos… é muito difícil os meninos…
actualmente as famílias estão desagregadas, que nota‐se perfeitamente isso na nossa relação
com o aluno, no dia‐a‐dia. Por exemplo, os pais contactam muito pouco connosco porque
também não têm tempo. Os meninos não são acompanhados porque os pais também não têm
tempo. O que eu acho é que há uma grande desresponsabilização das famílias, actualmente,
perante os alunos. A escola actualmente é onde metem os meninos… actualmente, então,
óptima porque ainda tem CAF e ainda tem as AEC’s, é óptimo, óptimo. Não têm a mínima
noção se as crianças têm ou não têm dificuldades, não têm a mínima noção se tiram tempo
para os seus filhos, se o tempo é de qualidade, não. Também têm uma vida muito agitada, eu
percebo isso. Mas, não têm essa noção. Actualmente, eu acho que as famílias, principalmente
as famílias só constituídas por um só elemento, constituídas pela mãe praticamente, não têm
essa noção. Eu vejo isso na minha turma, por exemplo.
F – Como é que se lembra do antes? Como era o antes?
E – Eu dou aulas há pouco tempo no primeiro ciclo. Eu sou professora de segundo e terceiro
ciclo. Aliás eu tive três filhos, e a minha formação vem do curso de medicina que estava a tirar,
depois fiquei em casa. Tive três filhos. Depois eles eram pequeninos eu fiquei em casa. Não
havia… não tinha o estágio (…) Até que depois, a mais nova tinha cinco ou seis anos, e decidi ir
trabalhar e fui dar aulas no terceiro ciclo. Terceiro, no décimo e décimo primeiro, a dar
socorrismo, noções básicas de saúde e energia e pronto, fiquei a dar aulas aí. No primeiro ciclo
estou há muito pouco tempo. Depois, tirei outro curso, o tal curso de formação inicial de
professores em Matemática e Ciências da Natureza, do 2º Ciclo, sou professora do 2º Ciclo.
depois tirei mais umas disciplinas que me davam acesso ao primeiro ciclo e então, tirei esse
curso à noite e pronto, fui dando explicações, continuei com os meus filhos. E depois, comecei
a trabalhar, sempre no primeiro ciclo. Porque entretanto, eu não morava aqui, não sou de cá,
sou de Sintra e, abriu uma escola em frente à minha casa e como os miúdos eram pequenitos
eu então concorri aquela escola. Concorri aquela escola e fiquei no primeiro ciclo. Ainda
concorri ao segundo ciclo, porque eu gosto do segundo e do terceiro ciclo, porque eu acho que
é muito mais complicado, sou muito avessa ao primeiro ciclo. Mas, como era mais complicado
[o concurso]… e depois, eu dei aulas ao terceiro ciclo e ao décimo ano só que é sempre assim,
acabava por apanhar sempre horário incompleto, que era aquilo que eu tinha, dei aulas cinco
anos e no fim ficou reduzido a um ano e tal, dois anos, porque depois aquilo desconta e não
sei o quê. E eu então, no primeiro ciclo tinha sempre horário completo. Então eu optei, no
primeiro ciclo, porque tinha horário completo, apesar de não ser… pessoalmente… se pudesse
escolher… exactamente porquê? Porque eu não gosto de … para mim, entre família e alunos e
família e professores há sempre um risco que eu não gosto nunca de atravessar. Dentro
daquele risco eu não atravesso para lá nem admito que atravessem para cá. Porque eu acho
que há situações que eu própria posso ter conhecimento, que os miúdos dizem‐me tudo,
porque eles não têm atenção em casa e começam “Oh professora….” Então, eu às vezes sei
muitas coisas, mas eu não gosto… nem sou daquelas professoras que convidam os pais, são
muito amigos… não. Sou amiga dos pais, nunca tive problemas mas, eu cá e os pais lá.
E – Em que assuntos é que não gosta que os pais…
F – Por exemplo, os pais comigo podem falar de tudo, só que… por exemplo… há assuntos, por
exemplo, o comer dos meninos. Nós vimos que o lanche dos meninos não é o mais adequado.
Posso avisar numa reunião, no geral, mas nunca digo a uma mãe: “Olhe, você manda este
lanche?” Não digo. Posso avisar no geral. E posso dizer ao menino, dar uma aula … “Opá…
Trazes muitos bolicaos, tens de dizer à mamã para não trazeres tantos bolicaos, faz‐te mal!”
Mas, nunca entro naquele domínio dos pais. Eu acho que não tenho, quer dizer, eu acho que
não é da minha competência, apesar de eu ver, posso avisar, ensinar, posso numa reunião
dizer “Cuidado, eu noto que os meninos trazem muitos bolicaos”. Mas não entro num
confronto nunca digo… eu sei que há meninos que não jantam, na minha turma… só jantam se
há restos de jantar do dia anterior. Eu não vou, nunca dizer aos pais “Olhe o menino não janta,
tem de ter cuidado com a alimentação do menino.” Nunca entro nesse campo. E há coisas que
eu não gosto de saber. Porque eu acho que depois nós entramos numa relação muito grande,
é mau para nós, porque uma pessoa depois fica um bocado aborrecida, é mau para nós, e eu
acho que não nos leva a lado nenhum. Eu trabalho, sou paga para ensinar e educar. Porque
eles estão na formação de personalidade, portanto, eu sou paga para ensinar e para educar
também. Mas o que eu acho é que os meninos só começam a ser educados quando entram
para a escola e eu costumo dizer: “E os outros seis anos?!”… isso eu digo aos pais. Eu também
digo assim algumas coisas aos pais mas no geral “Ah professora… ele entrou na escola…” e eu
digo: “E educação?! Ele quando entro para a escola tinha seis anos. Tiveram seis anos e eu não
vejo regras nenhumas” Digo muito no geral, portanto. Durante os seis anos as regras não
existem. Na escola eles estão cinco horas, o dia te vinte e quatro. Portanto, o resto do dia,
quem lhes dá educação?! Porque os pais actualmente desresponsabilizam‐se tremendamente
da educação dos filhos, das regras dos filhos... porquê? Porque não têm tempo.
E – Acha que o tempo é o único factor que dificulta este acompanhamento dos pais?
F – É. Portanto, as mães não têm tempo porque trabalham o dia todo, porque quando é
famílias monoparentais, é só a mãe, portanto, não tem tempo para os vir buscar, não tem
tempo para os vir pôr, de manhã vem deixá‐los às sete e meia porque vão trabalhar para
Lisboa. Porque não tem tempo. Não acompanha o menino porque chega cansada, e eu
compreendo, porque tem de fazer as lides de casa: “Oh professora eu não tenho mais
ninguém, os meus pais moram longe, sou sozinha. Depois, às vezes, ao domingo querem
descansar, vão pôr os meninos aos avós. Muitos vão pô‐los aos avós porque também, também
têm de descansar, têm de ter um tempinho para elas. Não são todas, mas a grande parte. E
depois, quando uma mãe me disse a semana passada: “Oh professora eu dou o máximo de
mim!”. Aí eu sou um pouco rígida, disse: “Eu compreendo que tenha dado o máximo de si mas
não foi no acompanhamento do seu filho. Deu o máximo de si porque trabalha em Lisboa,
porque não tem ninguém, porque se desdobra em duas, eu compreendo. Mas agora pergunto,
acompanhou o seu filho de uma forma sistemática? ”, “Oh professora…” “Eu só quero que
tenha consciência que não o acompanhou. Ao sábado e ao domingo, está com o menino?”
“Vou pô‐los aos avós e depois vou buscá‐lo”. Passa um pouco por falta de responsabilidade…
Porque eu tenho três filhos e ainda hoje, quando têm testes, eu não saio. E são crescidos, já
andam os três na universidade, e depois é assim… e tenho dois a tirar o mestrado. Portanto, é
assim, ainda hoje, eu não saio, porque eles têm teste. Eu podia sair com o meu marido mas,
eles estão ali [por casa]. Eu vou às compras, venho… cada um está no seu computador, vou
andando… depois é o jantar, depois é o almoço.
E – Sente que isto foi acontecendo pelas mudanças favorecido pelas mudanças sucessivas da
sociedade?
F – Sim, sim. Com as mudanças sucessivas na sociedade, actualmente para os pais, a escola é
um depósito. E ficam muito alarmados quando alguém diz que as AEC’s vão acabar. Quando
eles, quando estas crianças só vêm às AEC’s da parte da tarde, porque a minha turma começa
as AEC’s às oito e meia e, às oito e meia ninguém vem, porque é muito cedo. Vêm na parte da
tarde.
E – E para os professores, se houver uma relação próxima com os pais, o que é que os
professores ganham com isso?
F – É assim, eu tenho pais que eu vejo que acompanham muito os filhos. Mas outros, quer
dizer, a relação que eu tenho boa… eu tenho relação boa com todos os pais. Portanto, esta
mãe, que lhe estou a contar isto, chamei‐a eu porque o menino tem muitas dificuldades e a
senhora disse‐me isto. Eu disse‐lhe: “Eu compreendo a senhora, eu acho que a senhora…
pronto eu compreendo‐a”. agora, o que nós ganhamos é haver uma maior… uma inter‐relação
no processo ensino‐aprendizagem dos filhos. Por exemplo, u mando trabalhos de casa, mando
poucos, porque é assim, não vale a pena mandar muitos porque eu como costumo ver os
trabalhos, não vou mandar muitos e eu não corrijo na aula, raramente corrijo, levo para casa,
corrijo e dou o feedback. Às vezes corrijo na aula. Há pais, na reunião, que me disseram: “ Ah
professora, a professora marca muitos trabalhos.” E outros pais dizem: “Oh professora, a
professora marca poucos trabalhos.” Eu disse: “Vamos lá chegar a um acordo! Marco muitos
ou marco poucos? É que se quiserem que não marque, eu não marco nenhuns. É que foi
mesmo assim, eu costumo vê‐los à noite, quando estou a ver televisão. Portanto, se não
quiserem que eu os passe eu não passo.” Mas depois há os pais que dizem logo “Mas nós
queremos que passe.” “Então, é assim, faz quem quer!” E, na minha turma, é mesmo assim,
faz quem quer. Na minha sala a conversa é outra, na minha sala de aula eu, é assim: “Ah eu
não fiz os trabalhos.” “Então porquê?” “Ah, pois é …. Então também não podes brincar no
intervalo.” Isto no primeiro ano, fui habituando‐os. Agora, no segundo, já ninguém diz se
marco muitos ou poucos trabalhos. E comecei então, para ganhar pé: “Não há intervalo para
quem não fizer, quem não faz não tem intervalo.” (…) É a responsabilidade. Actualmente, a
minha turma faz os trabalhos todos. E é um assunto que, eu marco aquilo que quero. Ainda
ontem, por causa das provas de aferição, anteontem disse: “Vocês vão levar Matemática, três
folhas.” Mas expliquei‐lhes porquê “Temos de estudar antes do teste, não é depois. Depois
não interessa estudar. Temos é de estudar antes. Como nós temos de estudar antes, a gente
vai fazer três folhas depois, no resto da semana já não fazem.” “Ah professora tudo bem.”
Claro… e eles fizeram. Agora, há pais complicados, porque também há uma grande falta de
valores. O ensino não é importante, a educação não é importante. É uma área que está muito,
não está com prioridade actualmente na nossa sociedade. O discurso é: “Oh professora passe
o meu filho que eu para o ano vou mudar a minha vida.” “Já me disse isso há três anos antes!”
E – (risos) Está com estes alunos há quatro anos?
F – Há três.
E – Porque que é que acha que hoje em dia se fala tanto desta relação escola‐família? Falou‐
me que nota essas alterações…
F – É porque talvez… é toda uma evolução do conceito de educação. Antigamente era só o
aluno, a professora e a família estava muito afastada. Actualmente, o que é que acontece dá‐
se muita importância à família, eu acho bem, desde que a família dê importância ao que se
passa na sala de aula. “Diz à professora que não fizeste porque fomos passear, mas se a
professora, dizer isso… (eu nunca bati num aluno, não sou a favor, eu apanhava, mas não sou a
favor)… eu às vezes conto‐lhes, e um perguntou: “E o pai da professora não foi fazer queixa?”
(risos) “Não, olha querido sabes o que me aconteceu? Eu cheguei a casa e levei a dobrar.”
Verdade, o meu pai perguntou‐me: “Levaste porquê?”. “Sabes, em minha casa, levava da
professora e levava do meu pai, a dobrar.” “Pois… e vê lá se a professora não está aqui sã e
escorreita?!” Porque há crianças agora que já crescem naquilo, se fizer alguma coisa… “A
professora não manada, e eu é que sei e eu é que mando…” e depois o que é que nós vimos?
Vimos, um decréscimo de valores, e para mim, o que eu acho mais, é uma falta de
responsabilidade. É a desresponsabilização da família, de algumas famílias, em relação ao seu
educando face à escola.
E – Na sua opinião, como é que acha que devia ser essa relação? Há pouco falou‐me de uma
fronteira…
F ‐ Mas isso sou eu… há colegas minhas que não. Elas até me dizem “Ah, vê‐se logo que não és
professora do primeiro ciclo!” Por exemplo, os alunos a mim não me tratam por tu. Dizem‐me
logo que eles vêm habituados do infantário. Mas eu digo, “tu não, professora”. Depois alguns
enganam‐se, não é, tratam por mãe, avó. Mas por tu, não. Não é uma questão de… acho que
tem de haver uma certa fronteira. E eu costumo dizer, “Ah, professora porquê?”, “Pst, quem
manda aqui sou eu! E eu é que mando aqui e tu fazes aquilo que eu quero!” a minha turma, a
minha turma era muito complicada, era e é. Mas eu digo: “Calou!” e eles calam‐se. Tem de ser
assim, tipo, um bocado…. “É assim, é assim, e pronto.” Essa fronteira… o que é que você me
perguntou?
E – Perguntei, qual seria o ideal da relação.
F – O ideal da relação, os pais respeitarem o trabalho dos professores e os professores… no
fundo acho que o recíproco… mas eu nunca ouvi… eu acho que os professores respeitam os
pais.
E – O que estava a dizer, o ideal também seria haver essa vinda.
F – Sim. Eu tenho pais que dizem, nós notamos qualquer coisa no menino e pergunto “Olhe o
que é que se passa?” Pronto, e às vezes eu chamo os pais. Por exemplo, tenho uma menina
que teve um problema familiar, começou a gaguejar, anda no psicólogo… há uma interacção.
Eu sei que ela às sextas‐feiras não vem, vai ao psicólogo, interage‐se. Tem de haver uma
interacção, uma inter‐relação, pronto. E acho que é benéfico. Agora, não é benéfico quando os
pais começam a ser… também é assim, não gosto que falem à porta da escola. Dirijam‐se a
mim, peçam‐me, pronto… conversem. Tem de haver esse tipo de relação. Agora, no meu caso,
existe sempre uma fronteira que eu nunca ultrapasso.
E – Quando diz que as colegas, reparam “Ah, vê‐se logo que não és do 1º Ciclo”.
F – Por exemplo, há colegas minhas que é “beijinhos”… estão no primeiro ano. Eu não gosto do
primeiro ano, aliás. “Ah, beijinhos?!”. Por exemplo, “Ah, coitadinhos não têm tempo…”, “Não
têm de ter tempo, eles estão aqui para fazer no tempo devido”. E marco sempre tempos, eu
sou amiga deles. Eu costumo dizer “Eu sou vossa amiga, mas primeiro sou professora e depois
sou amiga. Sou amiga e professora.” Mas quando é para ralhar, tem de se ralhar. Quando é
para dizer as coisas, sou muito bruta às vezes a dizer as coisas. Tenho alunas minhas, que às
vezes tenho mesmo de ser. Com os pais às vezes também sou um pouco bruta, porque há
coisas que eu tenho mesmo de dizer. Porque eu costumo dizer que é tal e qual como uma
mãe, a mãe é mãe e amiga, mas primeiro é mãe e depois é amiga, porque a mãe não pode ser
amiga a cem por cento. É como um professor, eu sou professora sou amiga deles, sou muito
amiga deles e preocupo‐me muito… com os testes de aferição e ia para casa, corrigia, para dar
o feedback enfim, gosto muito deles. Mas, quando é para portar bem e para trabalhar, eles já
sabem... é para trabalhar “bico calado, não quero ouvir nada”. Quando é para brincar, vamos
brincar.
E – Acha que se infantiliza demasiado essa... no primeiro ano…
F – Sim, o primeiro ano festa muito infantilizado ainda.
E – Mas, quer dizer, não é nada que se traga da formação inicial.
F – Você, com certeza que já contactou com professores do primeiro ciclo e com do segundo e
terceiro. Não nota uma diferença.
E – Sim. Mas estava a tentar, nunca tinha pensado nesta questão, dos beijinhos e… onde é que
se aprende isso?
F – Porque as professoras do primeiro ciclo são mais, têm muito o aspecto de, eu acho que
preenchem uma lacuna maternal. Porque, portanto, eu tenho meninos que falam mais comigo
do que com a mãe, de certeza absoluta. Às vezes digo assim… eu tenho uma aluna “Oh,
professora…” Eu digo assim, “Isso não se diz a ninguém. Tens de ter atenção. Dizes‐me a mim,
pronto acabou. Mas não contes isso às pessoas.” Porque eles contam o que se passa com eles.
Porquê? Ninguém os ouve. Eu às vezes digo‐lhe: “Isso é chato, é aborrecido. Porque é que
alguém tem de saber da vida do teu pai e da tua mãe? Isso não se conta.” Mas há a
necessidade de falar. E depois, há uma certa… eu acho que há, as professoras têm aquele lado
mais maternal que passam… “Coitadinhos dos meninos!” Por isso eu não gosto do primeiro
nem do segundo ano. Gosto mais do terceiro e quarto anos, porque já são mais... têm outra
autonomia. E acho que os professores não devem ser permissivos e facilitadores, e é o que se
está a passar. Claro que a culpa não é dos professores, muitas das vezes, a culpa é de todo o
sistema.
E – O que é que acha que, em geral, não sou a sua opinião, mas o que sente dos outros, o que
é que os professores valorizam mais nesta relação escola‐família?
F – Os meus colegas… talvez o empenho dos pais em acompanharem os filhos, que é também
o que eu mais valorizo. Porque para mim isso é o mais importante, isso é eu saber que os pais
acompanham os filhos, pronto… que eu mando fazer os trabalhos e eles ajudam‐nos. Agora,
virem trabalhos todos errados. Às vezes dá vontade de dizer: “Então não vale a pena
marcar.””A mamã ajudou?”, “Não!”, “Porquê?”, “Não teve tempo”.
E – Muitas vezes manda esses trabalhos mais para sentir que os pais sabem o que eles estão a
fazer ou no sentido de eles treinarem?
F – Não, eu nunca penso nos pais. É no sentido de eles [os alunos] ganharem responsabilidade
e no sentido de eles treinarem. E também, se eles sentirem dificuldade pedem aos pais. Eu às
vezes pergunto “Então o pai ajudou‐te, a mãe ajudou‐te?”, “Ah, não tiveram tempo.” Mas há
uns que ajudam. Portanto, eu conheço bem, na minha turma, eu sei os pais que acompanham
os meninos, os pais que não acompanham, eu sei.
E – Mas nota diferença no sucesso deles na sala de aula?
F – Claro, claro, é óbvio. Costuma‐se dizer, excepto alguns casos, o reflexo dos alunos no fundo
são o reflexo de uma família e do interesse da família, e da importância que dão à escola.
Porque há muitas famílias que não dão importância e respondem‐me “Oh, professora, eu
também já era má a Matemática”, “Eu também era assim, eu também não fiz isto.” Portanto
eles acham que é normal fazerem [os alunos] aquilo que eles fizeram. Portanto, eu acho que
há muitos pais que, já a eles não foram transmitidos esses valores. Portanto eles estão a
transmitir aos filhos os valores que lhes foram transmitidos… “Que tanto faz”, “Eu não pude
estudar no fim de semana porque não pude, porque tive de sair.” Depois, a partir daí, eles
estão aqui, nós temos de fazer tudo. Eles ainda não perceberam que temos vinte meninos.
Ora, é o que eu costumo dizer “se vocês, com os vossos filhos (como tenho uma mãe que me
diz que não faz nada da filha, isto disse‐me ela quando a filha tinha sete anos)…” Eu fico a
pensar… é estranho! Quando ela comigo porta‐se esplendidamente bem. Porta‐se
optimamente. “Oh professora, se eu não ouvisse não acreditava”. Nunca tive
problemas com aquela criança. A mãe manda‐lhe fazer o trabalho… e não faz mesmo,
e vira‐se à mãe. Comigo… se calhar tentou uma vez… nem me lembro. “Mas estamos
aonde? Pensas que eu sou quem? Comigo aqui obedeces‐me, porque eu mando!”
Quer dizer, eu nem me lembro de ter dito isto, mas devo ter dito no princípio. Mas
quando a senhora me veio dizer, porque os trabalhos não vinham feitos. “Oh
professora, eu não sou capaz de sentar a menina a fazer nada, não tenho mão nela.”
Eu até fixo assim… pasma. Agora, também… se vêem os pais a fazer cada coisa… às
vezes trabalho muito bem com os filhos e às vezes tenho uma certa dificuldade
também [de trabalhar com os pais]… por exemplo, numa reunião, entram os filhos,
entram os pais… eu começo a olhar… depois falam, depois os filhos gritam. Há uns
anos eu tive de dizer aos pais, e os filhos ao pé dos pais… nessa altura eu acho que
tenho de me remeter ao papel de professora e disse‐lhe: “Olha, vê lá se tas quieta!”
Que os filhos pareciam sei lá o quê… “Oh meninos então, o que é isso?! Então vocês
comigo não se portam assim na aula… acabou.” E depois também tive vontade de dizer
assim aos pais: “E também acabou, que eu quero começar a reunião!” (risos). Pronto,
claro que não são todos mas, que se reflecte… que toda uma família se reflecte na
educação e na valorização que dão à educação, na responsabilidade dos meninos, eu
acho que sim.
E – Como e quando é que contacta com os pais?
F – Nas reuniões mensais, nunca vêem. Só vêem os dos bons alunos. A minha turma tem um
pequeno defeito, nas reuniões de avaliação também vêem quase todos, mas não vêem muitos.
E eu contacto, às vezes, como na reunião mensal é à hora do almoço e muitos não podem vir
geralmente, eu digo que, se mandarem um recado na caderneta eu recebo‐os, à hora que
combinar. Às vezes eu combino e eles esquecem‐se. É uma coisa que eu deixei de fazer a
algumas pessoas porque combinei várias vezes… “Olhe desculpe lá, já combinei várias vezes
consigo, não apareceu. Agora, vem à reunião…”
E – Mas sente que é passada aí uma questão…
F – Eu estava à espera e ela não aparecia. “Ah professora aconteceu…”, “Ok, teve um
problema, tudo bem…” Mas eu dou essa chance, se as pessoas não puderem, vêm e marcam
uma hora comigo.
E – Normalmente eles têm essa iniciativa, se precisarem de alguma coisa procuram‐na?
F – Às vezes, sim. Geralmente eu convoco, é mais é o contrário.
E – E nessas reuniões mensais, habitualmente, falam sobre o quê?
F – Aprendizagem e comportamento dos alunos.
E – No geral?
F – No geral, falo sempre no geral. Se depois, tiver algum caso particular, geralmente, eu
convoco os pais. Nunca falo de um aluno em particular numa reunião. Falo se for um assunto
trivial agora, se há algum problema mais grave, mais pessoal, eu depois chamo os pais. Chamo
a mãe, ou o pai, e pergunto a que horas o encarregado de educação pode vir falar comigo, à
escola, depois do horário lectivo. Quando é um assunto que requer uma certa privacidade.
E – Em relação às aprendizagens, os pais fazem algumas questões? Como é que trabalha
determinado conteúdo? Ou aparecem na reunião só porque está marcada e não querem
faltar?
F – Ah, aparecem na reunião porque está marcada. Há alguns pais que vêem os testes… é
assim, os miúdos também dizem. Nós pensamos que os pais não reparam, mas os pais
reparam. Eu às vezes faço coisa na aula, sei lá… actividades… e depois os pais: “Ah, eles
gostaram tanto da actividade… ah, ele está tão entusiasmado. A professora fez…” Geralmente
eu tenho este feedback que eles gostaram. Porque depois os meninos contam. Há esse
intercâmbio de informação nas reuniões. Esse intercâmbio há.
E – Olhando para a sua prática considera que faz o que é possível, que o faz bem para que haja
essa boa relação. Onde é que aprendeu a fazer?
F – Senso comum. Eu vou muito pelo senso comum. Não aprendi a fazer nada e há até colegas
minhas que fazem de outra maneira. Eu… pronto, é o senso comum. Há coisas que eu não
digo, há coisas que eu digo de uma maneira diferente, tento não… eu costumo dizer, tento me
pôr no lugar dos pais dos meus alunos. E então, há coisas que eu acho que também não têm a
nada a ver. Eu acho que há uma certa privacidade… que eu posso dizer de uma maneira
diferente, porque há perspectivas diferentes de ver as coisas. Portanto, também as temos de
respeitar, não é?! E então, eu vou muito pelo senso comum. Como chamar [aos alunos] “Tu és
assim” Eu nunca digo não disso “Tu és distraído, mas vais conseguir” Tenho meninos com
muitas dificuldades de aprendizagem. Mas digo sempre “Tu vais conseguir, vais conseguir” e
aos pais também digo. Por isso eu noto que os pais não trabalham com os filhos. Porque um
pai, ou uma mãe, que trabalhe com o filho, não me vai dizer que o menino faz tudo. Que eu
digo “Oh pai, não trabalha com o seu filho, com certeza. Ele tem tanta dificuldade a
Matemática, dá tantos erros.” “Ah pois professora, eu realmente não tenho muito tempo.” Eu
às vezes noto, quero dizer, não acompanha o menino. O menino faz os trabalhos no ATL e
depois, pronto… porque não têm a noção, às vezes, do que é que eles sabem, do que é que
eles são capazes. Mas há pais que não, há pais que é o contrário.
E – Há bocadinho falava sobre a fronteira. Falou sobre alguns assuntos que…
F – Mas, repare isso é pessoal, é uma opinião pessoal.
E – Sim, sim, mas é isso pretendemos, o que cada um de vós considera essa tal fronteira. Falou
na fronteira que ao agir com os pais faz questão de manter e que eles mantenham. Em termos
da sua prática, ao nível pedagógico, alguma vez sentiu essa intromissão dos pais?
F – Não, porque isso aí não me incomoda. Eles podem dizer, a nível pedagógico “Oh
professora…” pronto…
E – Mas como é que faz?
F – Eu dou as minhas aulas. Se eles perguntarem como é que eu faço, eu digo como é que faço.
Se ninguém me perguntar como é que faço [não digo]. [Explico] “Faço desta forma, por isto… “
Porque na sala nós nunca trabalhamos da mesma maneira com todos, não é. E digo: “Fiz isto e
isto com estes.” “Olhe ele é assim.”, “Ele tem de estar sempre ocupado.” Agora, nesse
aspecto, a nível pedagógico, a nível do meu trabalho, os pais podem‐me questionar que eu
justifico. Não nunca senti isso [a intromissão por parte dos pais], nem “Ah os pais fizeram
queixa de uma professora”. Também não. Acho que, quer os pais, quer os professores de dar,
de ter a sua opinião. Eu já tive, por exemplo um pai que eu chumbei o menino e o pai fez
queixa minha… e pensei “Mais problemas”, mas chumbei‐o, está chumbado, chumbei‐o
mesmo. Mas achei que o pai tinha esse direito. Depois foi para a DREL… Mas achei que o pai
tinha esse direito. Depois, até achei estranho, estava tudo super justificado, com os planos de
recuperação e tudo. Depois o pai, no ano seguinte veio falar comigo e veio‐me dizer, até me
veio pedir desculpa e porquê? Tinha sido apanhada num processo de divórcio litigioso. E quem
apanhou por tabela foi o menino. E então, acho que já estavam num processo de divórcio, a
mãe nunca vinha às reuniões, eu tinha vários recados na caderneta, o pai não falava com a
mãe e conclusão, quando eu disse “O menino vai ficar retido.” Aquela gente acordou… então
depois acharam que quem tinha de pagar era eu. Enganaram‐se porque eu tinha tudo bem
feito. Mas por exemplo, está a ver, depois essa criança foi apanhada no meio de um processo e
eu também. Já está a ver… às vezes é muito complicado isto, não é. Pronto, e depois o pai
disse: “Oh professora desculpe realmente…” Depois ele explicou‐me o porquê. Eu disse: “Pois,
porque ninguém veio às reuniões, fartei‐me de os chamar… e isso tudo”. O miúdo muito
malcriado, mas coitado, lá está… Foi tudo um conjunto de situações que conduziram a… Mas
os pais fizeram queixa de mim à DREL, conduziram‐me um processo. Mas pronto, depois
estava tudo direitinho, os planos, as actas e tudo… Mas quer dizer, os pais também não
pensaram… Eu tive duas reacções que foi: se eu tiver feito alguma coisa mal vou aprender, e o
menino passe ou não passe o problema não é meu, ele não é meu filho; se for para ficar e eu
fiz tudo bem, se me dão razão, pois o menino fica que é o que eu acho que deve ser a situação.
Foi o quê? Os pais levaram um ano a discutir um com o outro, depois chegaram ao fim e ainda
houve esse problema. Às vezes os pais misturam tudo. Na minha opinião pessoal, tem de
haver sempre uma fronteira. Por exemplo, eu nunca digo a um menino que cheira mal, eu sou
incapaz de fazer isso.
E ‐ O que é que acha que seria importante ensinar, hoje em dia a um recém formado, em
relação a este tema?
F – Eu acho que sim [que este tema deve ser falado]. Há uma grande necessidade das
pessoas… primeiro acho que se deve fomentar este tipo de intercâmbio, entre família e escola,
acho que se deve fomentar sempre. Daí é que o sucesso do aluno não é só… não depende só
da escola. Também vai depender muito do acompanhamento em casa. Porque na escola eu
estou com os alunos cinco horas, são vinte alunos. E, em casa, tem de haver um
acompanhamento. Ora se nós fomentarmos a noção, nos pais, que tem de haver
acompanhamento, que nós não conseguimos tudo, que eles têm de acompanhar a criança, e
se isso se vai conseguindo, é bom, para o professor e, para o sucesso dos alunos e da
professora. Porque uma turma é o reflexo da professora e, a professora reflecte‐se na turma. É
verdade, eu acho que deve ser. Agora, é uma relação difícil. Eu acho que é muito difícil porque
sou um profissional, estou a exercer a minha função e depois vamos falar com encarregados
de educação e é como eu a ralhar com os meninos. Chegam atrasados… ralho, ralho mas,
termino a dizer “Eu sei que não tens culpa, tens é de ajudar a mãe a levantar‐se mais cedo.
Porque a criança não tem culpa. A minha turma nunca vinha ao apoio ao estudo, desde o
primeiro ano que dou o apoio ao estudo às oito e meia da manhã. Eu chegava aqui, para mim
até era óptimo, tinha quatro meninos. Mas é assim, se começo com os meninos, levo logo
todos todo o dia, não é. Os pais diziam: “Oh professora mas é muito cedo.” Os miúdos diziam:
“A minha mãe é que não acorda.” “Olha tens de ajudar a mãe a acordar mais cedo”. E ra
mesmo verdade, depois chegavam cá e diziam: “Oh professora, eu hoje acordei a minha mãe e
obriguei a minha mãe a vir pôr‐me no apoio ao estudo.” E depois a mãe dizia que ela é que não
se queria levantar. E sabem em quem eu acredito? Na criança. Porque às vezes também não
me apetece levantar. Só que a miúda já sabia que eu queria dar coisas importantes e eram as
contas de dividir.
E – Os pais da turma costumam participar em algumas actividades dentro da sala de aula? Em
actividades de Agrupamento?
F – Ahhh… poucas. Por exemplo nos anos, alguns vêm com os filhos. Nas festas é difícil, porque
tem de haver um sítio... é difícil. Mas sempre que há oportunidade eles gostam de participar.
A professora Matilde tinha reunião de docentes e foi‐se embora nesta fase da entrevista.
Professora Isabel, dia 16 de Junho de 2011
Entrevista Professora G – Isabel Fiúza
Entrevistadora – iria começar por lhe pedir a opinião sobre a utilidade e importância que vê
nesta relação entre a escola e a família.
G – É sempre um benefício, não é. Os miúdos vêm à escola, nós debitamos de formas variadas,
mas matéria, do primeiro ciclo, conteúdos básicos. E o tempo em que o fazemos é muito
escasso para depois colhermos o bom aproveitamento. Se houver um empenho e uma
motivação da parte de casa, às vezes tão simples como “Deixa‐me ver o teu caderno, ver os
teus trabalhos de casa. Fizeste bem? Não fizeste? Olha, erraste aqui.” Eles sentem‐se
apoiados, e esse apoio é quase como vinte por cento de lucro na aprendizagem deles. Quando
eles vêm que o aprender, aquilo que eles conseguiram ganhar, as poucas conquistas, boas
conquistas ou muitas conquistas, em alguns casos, que vão fazendo, não são reconhecidas lá
em casa, deixam de ter, para eles, tanto mérito. Eu penso que é importante é eles sentirem‐se,
sentem‐se mais motivados se tiverem um parceiro familiar que os apoie, que os motive, e de
alguma forma os corrija, quando é para corrigir.
E – E para os professores, vê alguns benefícios nessa relação?
G – Também, porque se eles beneficiam com isso em termos de aprendizagem, ficam mais
motivados, portanto… são meninos que gostam de agradar em casa e, agradam em dois lados,
não é. E nota‐se que tentam melhorar. São melhores alunos quando têm algum apoio. E muito
apoio não significa muitas horas, basta um estímulo positivo em casa, em dez minutos, um
trabalho de casa, ou uma pesquisa que foram fazer em conjunto. Que até em termos
emocionais e familiares eu acho que é… um bom empenho solidifica as relações familiares
entre pais e alunos. Depois nós beneficiamos com isso, porque são meninos com uma
estrutura familiar sólida, em termos afectivos, emocionais e cognitivos.
E – E nessa óptica, qual é a importância da relação directa entre os professores e os
encarregados de educação?
G – Quando as coisas correm a cem por cento essa relação é sempre de carácter prioritário,
quando as coisas correm cem por cento para os dois lados, [os alunos] têm facilidade em
aprender e têm bons resultados, é bom, mesmo assim é bom que o pai ou a mãe tenham um
intercâmbio com a escola. Que a escola não seja só a professora, mas vejam que o que eu
explico aqui é válido lá em casa, ou como é que eu explico, ou como eu posso ajudar. Pode
sempre ajudar a ser sempre melhor. Portanto, é importante virem à reunião, participarem em
pesquisas, nos trabalhos de casa, é benéfico. Quando as coisas correm muito bem nós não
sentimos tanta a falta dos pais permanentemente na escola mas, quando existem problemas
cognitivos, ou problemas que às vezes se prendem com problemas emocionais, para nós, era
uma mais valia se os pais nos viessem contar (…) portanto, todos os problemas familiares
recaem depois nas aprendizagens deles, eles são radares apanham as coisas todas. E esse
intercâmbio é muito bom para às vezes sabermos que… em vinte e cinco, temos de dar um
estímulo maior [aquele menino] naquela altura porque está a ser difícil lá em casa. Este
intercâmbio é necessário.
E – Porque que é que acha que se fala tanto na relação escola‐família, hoje em dia?
G – Porque não existe. Porque as pessoas não valorizam e porque a escola, cada vez mais é o
depósito do menino. Portanto ele está num sítio onde alguém trata dele, onde se aleijar há um
seguro, onde lhe dão de comer, atenção e até vai aprendendo umas coisas. Chegam a casa…
muitas vezes entram aqui às sete e meia da manhã, saem às sete e meia da noite, com a
história do CAF e das actividades extra curriculares – das quais eu tenho uma opinião particular
– e portanto, isto acabou por ser um depósito. Em que as aprendizagens não são valorizadas
porque não há tempo lá em casa para perguntar “Então, como é que foi o teu dia?” Em que se
cometem erros atrozes, como por exemplo, alimentares – para que é que eu vou estar aqui a
discutir se quer sopa ou não quer, dou‐lhe já um hambúrguer da MacDonals que é mais rápido
– em que às vezes vem ou não a chuveirada no final do dia, porque amanhã tenho de me
despachar para às sete e meia estar na escola. E os pais cada vez vão tendo menos tempo para
os filhos e, a escola começou a ver que não há pais presentes lá em casa e nós, então temos
que estimular os pais para saberem ser pais para aqueles filhos. Não só em termos cognitivos
[a falta que se nota do lado dos pais] em termos familiares também. Muitas vezes, e muitas
vezes mesmo, naquelas reuniões de atendimento com os encarregados de educação eu
solicito a presença daquele encarregado, por achar que aquele miúdo está mais hiperactivo,
ou mais desinteressado ou constantemente chega atrasado, eu gosto de saber o motivo
daquele distúrbio no meu processo de ensino aprendizagem pode ser ou não factor lá de casa,
e às vezes é, tem sido. E então, quando dou por mim, já estou a falar do divórcio que não está
a correr da melhor maneira porque a criancinha já está a ser alvo desta situação, e não deve,
não é. E de uma forma, aí já passo de professora, a padre ou daqueles conselheiros
matrimoniais e digo: “Mas não pode ser, vocês têm de fazer as coisas mais suave, para ver se a
criança. (…) outra situação a criança ficava sozinha, a mãe trabalhava à noite. (…) Isto são todas
situações pontuais, sociais, que nós às vezes, sem querer, temos também de dar uma achega a
esse lado para que depois possamos ter uma criança com uma estrutura mais ou menos
familiar equilibrada e depois, aí, vem a aprendizagem. Porque isto depois é uma pirâmide, sem
a base sólida não se consegue construir.
E – Como é que acha que seria a relação ideal entre os professores e os encarregados de
educação?
G – O ideal era que, pelo menos naquelas reuniões de entrega dos registos de avaliação, os
pais estivessem presentes e que a criança soubesse que, a prestação que teve ao longo
daqueles meses que chegou a altura de a partilhar e que viessem a alguns atendimentos
sempre que houvessem situações que suscitassem essa necessidade, não é. Ou, por exemplo,
fizessem tão simples quanto isso, eu cedo o meu telemóvel pessoal para aqueles que as
pessoas que não têm tempo possam ter uma conversa comigo sobre algum aspectos que
queiram, ou que telefonassem quando a criança está a fazer uma medicação, ou tão
simplesmente avisassem que estão a faltar porque estão doentes. Porque nós, enquanto
gostamos, gostamos, e não percebemos porque é que a aquela criança está a faltar naquele
dia. Isto era o mínimo dos mínimos. O ideal seria que estes mínimos existissem e que houvesse
uma continuidade e o tal estímulo e a tal motivação em casa. “Então diz lá o que é que
aprendeste hoje, o que é que fizeste?” Às vezes nem é preciso ir ver o caderno em casa, passa‐
se que se mandarmos algum trabalho que eles têm alguma autonomia para o fazer [sozinhos],
porque temos de pensar nos que têm apoio e nos que não têm apoio. Mas, o interesse, não é…
o interesse, o tempo útil com aquela criança, a relação, exacto.
E – Acha que os colegas, no geral, pensam da mesma forma, que o ideal da relação seria esse
modelo?
G – Ora bem, na hora do intervalo ou nos conselhos de docentes, nós vamo‐nos debatendo
que este sistema de actividades extra curriculares, em vez de contribuírem de forma positiva
para o ensino aprendizagem, vieram‐nos complicar um bocadinho a vida. As mais horas de
permanência na escola, não revertem a favor da criança. É o tal depósito que eu chamo. Nem
sempre o que é praticado tem muita qualidade. É assim que eu vejo as coisas. Esta troca
constante entre nós [professores], monitoras… são muitas as empregadas da cantina, as
auxiliares, são muitas horas, sempre de regras incutidas. (…) são muitas horas. Eu percebo que
os pais estejam a trabalhar mas nós vemos a relação pai, mãe, às vezes um avô, uma avó…
eram umas figuras de uma mais valia muito grande, e há ali um conjunto de testemunhos
muito grande, não é, e até em termos de laços afectivos e até dos avós se conhecem melhor os
pais, essas relações perderam‐se. Os avós, agora nesta altura, na sociedade, são avós activos
que trabalham, que estão ainda a trabalhar e estarão. E estas crianças estão, portanto, num
sistema educativo e naquilo que pode ser oferecido, nas suas limitações – uma delas espaço –
acho que é muita permanência no mesmo espaço muitas horas e deixou de haver essas mais
valias que não se aprendem nos livros. E que, às vezes, eu como mãe ainda posso ir um
bocadinho para lá do livro e explicar uma coisa ou outra, porque acho que eles estão aqui
muito tempo. Mas, como por exemplo, desde as regras básicas sociais, “Olhe, não tira os
sapatos no meio da aula, quando espirra diz…, quando arrota… diz com licença, se faz favor.”
Qualquer coisa deste género já ultrapassa… porque as pessoas não têm tempo para explicar
aos meninos, os afectos. É uma sociedade que as pessoas continuam a ter cada vez menos
filhos, talvez por causa disso, não há tempo para dedicar, não há tempo para ler uma história à
noite ou pouco. Porque depois da criança adormecer a gente já sabe que tem de ir fazer o
trabalho que não fez até aquela hora. Porque no outro dia exigem‐nos, é uma sociedade
exigente em termos de trabalho. (…) Há muitas pessoas que eu acredito que não façam isso
[ler o livro ao deitar] e que retira qualidade ao crescimento daquela criança. E é isso que
basicamente nós sentimos no café, são muitas horas de permanência e os miúdos não…
sentimos que eles estão desestruturados dessa parte afectiva. E somos nós que às vezes ainda
temos de lá chegar de alguma maneira.
E – O que é que os colegas valorizam mais nesta relação?
G – Muito, muito [valorizado a vinda dos pais à escola]. Eu peço sempre aos pais que venham á
escola. Quando trabalhei com as profissões solicitei várias vezes para que cada um viesse falar
da sua, para eles sentirem que é um ganha pão e que é o motivo para que os pais estejam
muitas vezes ausentes. Quando abordei o que é um livro, ou li histórias pela primeira vez,
eram eles pequeninos, pedi que viesse uma avó contar a história ou uma mãe mas, também
não tive grandes contributos porque… os tais limites dos empregos, impostos. Neste
momento, estas prestações, esta relação [são factores que contribuem para a valorização da
relação]. De eles [alunos] perceberem que os pais já foram como eles que, quando nascem não
trazem um livro de instruções e que são uma caixinha fechada e que ser pai também não é
fácil. Mas que os pais saibam que este espaço existe e gostam de ajudar e que acham que é
importante ele estar na escola e que, o vir para a escola é importante. É importante ele saber
que está aqui e que participou com ele numa actividade. Eu acho que passa muito pelo lado
afectivo. Quando se consegue conquistar esse lado afectivo, o outro [aluno] parece uma seta.
Porque há toda uma predisposição para isso… para a aprendizagem.
E – Como é que acontecem as comunicações entre a professora e os encarregados de
educação?
G – Esta turma é uma turma que, desde o início do ano, as cinco pessoas que vêm ao
atendimento, mensal… são sempre as mesmas cinco. Tenho vinte alunos. Depois, nas entregas
dos registos, são três reuniões por ano, vêm em massa. Mas ainda há três pais que eu vi no
primeiro dia de aula e não vi nunca mais. Eu contacto telefonicamente “Olhe, não sei se
esqueceu, eu estou disponível noutra hora, veja lá”, “Mas é que eu estou a trabalhar, pode ir o
meu marido” (…) “Então eu, para vocês terem uma noção, vou mandar uma fotocópia para
casa, vai na caderneta dele, perceba que não posso mandar o original porque tem de deixar
uma rubrica. Mas portanto, não há aqui um espaço para …
E – Entende que seja apenas a falta de tempo ou…
G – Entendo que seja a falta de tempo. São pessoas que trabalham, às vezes, muito longe, em
Lisboa, com horários incompatíveis com esta situação toda [escola]. Às vezes temos aqueles
encontros casuais, tipo numa loja ou no talho, em que eu, como sinto que aquela pessoa tem
necessidade de saber daquele filho, então eu presto o máximo de informações que consigo,
naquela altura. Eu não sei se faço bem, se faço mal. De facto não comparecem nem me
procuram noutra altura… mas depois [aproveito] e naquele dia “Olhe ele está bem mas
precisava de uma ajuda na matemática”. Veja lá quando puder liga. Às vezes sinto eu que
tenho mais necessidade de passar aquela informação do que aquela pessoa tem necessidade
de me ouvir. Mas eu faz‐me imensa impressão. E este é o terceiro ano, e tem sido assim desde
o primeiro ano. E agora, em Junho, vou marcar reunião para Junho e vou andar atrás,
incansavelmente destas três pessoas, duas talvez, a outra é capaz de vir(…) Veja lá se aparece,
eu gostava de chegar ao final do ano com as coisas todas arquivadas.
E – Nas reuniões mensais, que faz, que tipo de assuntos é que aborda com os encarregados de
educação?
G – Tudo o que possa estar relacionado com os alunos. Começo com os pontos previstos para
a reunião mas depois vamos ao “Por favor tragam o chapéu porque está muito sol; para poder
dar o antibiótico não se esqueçam de enviar as horas e a prescrição médica”, aproveitamento
e comportamento. Falo muito dos projectos, às vezes nem está na listagem mas mostro os
trabalhos que fizemos [apontando para o placard]. Porque às vezes noto que eles entram e
sentam‐se e não olham. Têm aí o dossier e o caderno para ver, muitas vezes tenho de ser eu a
chamar a atenção a pequenos factos que lhes passa ao lado. E coisas mais pequenininhas,
minhas… eu passo muitas horas com eles, “Olhe ele tem a franja enorme, tem de lhe cortar a
franja (…)” Falo de tudo, eu aproveito e falo de tudo.
E – fala também das dificuldades que os meninos possam ter?
G – Falo sim, isso é o prioritário. Quando tenho mesmo de falar com [os pais] por causa de
dificuldades eu marco mesmo uma hora para eles. É um grupinho que em termos de
aprendizagem não tem grandes dificuldades… e se aquela pessoa eu sei que só aparece
naquela reunião. Então eu digo “Olhe tem cinco minutinhos para mim?” E então faço, mas
individualmente. No caso de uma NEE (…) e explicar, bem explicado às pessoas porque que é
que nós temos de tomar aquela medida e o porquê de assinar aquele papel. As pessoas
entendem e percebem que não é uma imposição simplesmente para rotular uma criança mas
é uma necessidade nossa para termos mais umas horas de apoio, para conseguirmos levar um
barco a bom porto. E muitas vezes eu digo assim, “São meus alunos, mas são vossos filhos”,
“Eu passo muitas horas com eles, gosto muito deles, mas são meus alunos e são vossos
filhos!”. Eu estou no mesmo barco e portanto, vamos fazer isto a dois. Eu neste momento
tenho duas crianças que não sei se vou reter, se vou passar e já combinei com as mães, que
ainda não me deram resposta, para virem … (…) se vou passar ou não vou passar, mas tenho
de pôr as cartas na mesa, vamos analisar as duas porque isto é um processo a dois. Eu já
trabalho à vinte e três anos e faço sempre assim. Nunca chumbei ninguém que o pai e a mãe
percebessem porque é que ia ser assim a situação. Porque, quando não percebem, para além
das medidas que possam tomar [reclamação de notas], se um pai não percebe porque que é
que o filho reprova que condições terá para fazer ultrapassar ao filho porque é que vai ter de
repetir aquele assunto, não é. E se, eu não tiver o pai do mesmo lado do meu, e eu com ele, e
nós os dois a puxar das coisas, com naturalidade, é um acto natural, pensado pelos dois,
aquela criança pode sofrer com o processo. E eu não sei o que é que é mais benéfico nestas
situações e tudo mais, não é?! [os pais às vezes culpam os miúdos e chamam‐lhes nomes
pejorativos por este ter dificuldade e reprovar o ano]. E portanto, não é o reprovar, é preciso
crescer, é preciso deixar passar uns tempos sobre a matéria. Ou por exemplo, não tem
capacidade para aguentar um horário daqueles, apanhar um autocarro e ainda estudar
aquelas matérias todas [transição para o quinto ano] sobretudo quando não tem muito apoio
ou já tem dificuldades. Portanto isto tem de ser muito bem pensado. Eu penso que a dois o
processo faz‐se muito melhor. Se eles aceitarem e se lhes for explicada a situação… neste caso,
por exemplo, eu tenho dúvidas. Eu vou precisar que eles me expliquem e que me ajudem a
perceber o que é que será melhor para aquela criança. Às vezes não me explicam nada, às
vezes ainda saio mais confundida da reunião mas pronto, acho que devo fazer isso.
E – Mas acha que isso também os responsabiliza enquanto parceiros?
G – Claro, claro [também os responsabiliza enquanto parceiros].
E – Há iniciativa dos pais de a procurarem quando têm problemas?
G – Eles telefonam‐me, telefonam‐me, os outros todos que não vêm porque não podem,
telefonam‐me muito. Com questões de saúde, com questões de aprendizagem. Com questões
tão simples como “Oh professora mande‐me, por email, três ou quatro fichas (…) porque ele
deixou os trabalhos na escola [nas férias].
E – também tenho os emails e troca emails com os pais?
G – Sim, às vezes. Às vezes não é sobre a escola já, mas isso… (risos) mas quando é para a
escola também. Porque a maior parte das fichas deles eu tenho em suporte informático e é
muito fácil fazer isto. Acaba por ser outro modo de comunicação “Olhe, ele não percebe nada
disto, mande‐me outra ficha”, estes [pais] que dominam. Outras não, continua a ser o
recadinho na caderneta, muito limitados, com falta de tempo.
E – E em outras actividades que solicita, de que modo os encarregados de educação
participam?
G – Uma vez veio uma avó ler um livro. Por acaso ela é educadora e fez uma prestação
espectacular. Explicou‐lhes desde o que era uma lombada, autor, uma pessoa que ilustra… um
espectáculo. E na altura em que tive mais pais foi na semana das profissões, pedi‐lhes que
dentro deste horário que podiam vir. Já solicitei, uma vez lembrei‐me de no Natal, em vez de
serem os meninos a fazer qualquer coisa para os pais, serem os pais… mas não tive grande
saída. Depois houve uma altura em que inventei que havia o dia dos avós, a pensar que
vinham os avós à escola… mas não vieram. Só depois das cinco e tal… Mas nós saímos às
quatro.
E – E actividade com os outros meninos da escola?
G – Trabalhamos em par e em equipas, muito, ao longo do ano.
E – Com a vinda dos pais?
G – É assim, nós não temos um espaço físico que consigo comportar um espectáculo de Natal,
como eu vi sempre nas escolas das minhas filhas. Gosto muito (…) isso tem um valor enorme,
para os dois lados, para os meninos e para os pais. Nós não temos esse espaço físico. E
também, na boa da verdade, isso era ultrapassável, porque eu já tenho muitos anos de serviço
e já se fizeram aqui marchas populares, já se assaram aqui bifanas nesta escola, já se fizeram…
arredavam‐se mesas e faziam‐se cada turma fazia uma mini festa. Não é um hábito comum da
escola. Eu sou muito “festivaleira”, muito de teatros e nessas coisas não tenho grande
resposta, a nível da totalidade. E essa história de não querermos todos fazer isso, inibe um
bocado quem quer. Sinto‐me um bocado às vezes… (…) Pais e alunos não cabem [no espaço
físico da escola]. Esta escola tem muito pouco espaço físico… são quatrocentos alunos que é o
que nós temos, se juntarmos os lá de baixo com os de cá de cima, este recreio fica
completamente cheio. (…) É insustentável. Tanto que as reuniões que fazemos com
encarregados de educação são desfasadas porque não há hall, nem espaços comuns que
comportem… o dia de recepção ao primeiro ano é um dia isolado, não dá para receber todos.
Em termos de espaço físico é incomportável. Nada que não se resolvesse com uma ida lá a
baixo ao agrupamento, como eu já fiz uma vez, no quarto ano (…) falei com as colegas e
fizemos um espectáculo de entrega de diplomas de frequência, em que pedimos a colaboração
das AEC’s, de Inglês... fizemos um teatro… tudo é possível. Com os cabides fizemos os
cenários… deu trabalho, deu… fui para lá um sábado atar mesas para fazer um estrado para
fazer de conta que era um palco. Mas foi muito, muito bom. Tenciono, para o ano, quarto ano,
ver se consigo motivar um bocadinho mais os pares, não é. Porque sozinha com tantos é
impensável, não é. Fazer só uma turma é… os outros [alunos] todos que não participam
sentem “Porque é que não participaram. Não é?!” (…) se tiver que fazer sozinha paciência,
mas essa vou fazer. Bolas, temos equipa para isso. Mas o agrupamento também promove
muitas situações destas por exemplo eles têm as corridas de velocidades, em que o espaço
alberga, de facto, as escolas do agrupamento de primeiro ciclo e da s. Gonçalo, lá de baixo. È
uma altura em que estamos todos juntos, vai ser agora, na quarta‐feira, que é o último dia de
aulas, umas tasquinhas, promovidas por nós e pela associação de pais… eu penso que é o dia
de mais intercâmbio escolar que temos e que não acabe tão depressa. E cada grupo, cada
turma, tem um stand com comidas variadíssimas, há espectáculos e há muitos pais a ajudar e a
ajudar também monetariamente o agrupamento… também é preciso. Mas aquele espaço é um
espaço em que o professor se senta ao lado da mãe, da avó, de tio, primo e os miúdos
circulam, todos juntos. É um dia… pelo menos um por ano. Por exemplo no Natal acho que
havia de haver. Não temos festa de Natal. Mas já se fez, já se fez nesta escola.
E – que diferenças é que consegue encontrar, no âmbito desta relação, com os pais,
encarregados de educação, o que fazia no início da sua carreira e o que faz agora. O que é que
mudou?
G – O meu apelo. Eu penso que há vinte e três anos, quando comecei, atrás os pais iam à
escola, ou a avó ia levar e ia buscar, portanto não havia ATL, não havia nada. E aquela troca
diária fazia‐se. “Olhe atenção, ele caiu leva o joelho magoado”, “Olhe ele hoje deu mais erros
no ditado, está um bocadinho triste, mas não tem importância nenhuma, isso resolve‐se.” (…)
Fazia esta troca do dia‐a‐dia, era bom, era muito bom. E eles [os miúdos] sentiam que – eles
são muito pegados a nós e mimados às vezes – e às vezes é uma entrega, saem das minhas
mãos e entregava a outra pessoa. Às vezes sinto que nestas entrelinhas, eles acabam por
arranjar estratégias e brincam todos, são muito solidários aqui na turma, mas eu acho que
ficam um bocadinho desprotegidos, não é, e deixou de haver o tal intercâmbio. (…) Opto muito
por telefonar à hora do jantar que é quando eu sei que eles ou estão em casa, ou estão a
chegar. Ligo mesmo “Ele hoje (…)”. É a passagem do testemunho. Eu recebo‐o de manhã mas
já não vi a mãe e recebo um recado. Depois entrego o recado à monitora que o vai entregar à
mãe. (…)
E – O que tinha mudado? Teve de apelar mais aos pais. No inicio era natural mas esse apelo
mudou, teve de o fazer porque sentiu que já não havia esse contacto com os pais, é isso?
G – É, é.
E – O que é que acha que faz bem, que contribui para esta relação, em termos práticos?
G – Sermos muito tolerantes. É preciso muita tolerância e termos a capacidade de nos
colocarmos no papel da outra pessoa. Porque às vezes quando um pai vem (…)
E – Que coisas práticas, acha que faz bem, que contribua para chamar os pais à escola?
G ‐ As festas, às vezes com uma prestação mais lúdica, mas também os conhecimentos que
têm na área do Inglês, dizer uma poesia, fazerem uma peça de teatro que eles até construíram
em Língua Portuguesa, fazer uma exposição de expressão plástica dos trabalhos que forma
feitos ao longo do ano. Mostrarem um vídeo de uma visita de estudo que fizeram e maquetas,
e faze‐los vir à escola ver essas coisas todas. Há muitas maneiras de os chamar cá. Se eu já fiz
isso algumas vezes? Já, já fiz isso. Eu tenho esta turma há três anos e já tentei fazer a festa do
Natal, a festa disto e daquilo, por exemplo, um dia ir fazer um piquenique ali à Várzea com os
pais, avós… mas a receptividade é muito pouca. Dentro do horário que a gente tem a resposta
não é [positiva] e nem sábados, nem domingos… fizemos aí um apelo a um passeio pedestre
no âmbito de um projecto que temos do Clube da Floresta, e não veio quase ninguém. Não
vão.
E – Mas porquê?
G – Ou não se interessam, ou pode até ser uma falha nossa, não é… de não os conseguirmos
estimular a que participem também nas actividades dos filhos. Era importante que os filhos
vissem… “Ok, eu sei que é sábado e que é suposto fazermos compras, mas se calhar era giro
irmos lá. Portanto, pode ser falha nossa… em não insistirmos mais. Agora, o que eu noto em
relação aos colegas é, como eu disse, eu tenho tido sorte e nunca tive assim nenhuma
contenda com os pais dos alunos. Mas muitas vezes, o que eu oiço às vezes, é que os pais, as
poucas vezes que vêem, ainda é para alvitrar qualquer coisa que não está correcto… e vêm de
questionar. Às vezes saem daqui com o rabo entre as pernas porque de facto as coisas não são
assim e, nós aproveitamos para dizer também o que pensamos e eles às vezes não gostam,
não é. Muitas vezes as colegas dizem que “Olha, vê lá tu que rectifiquei que o miúdo não podia
comer chocolate todos os dias, está obeso, e a resposta que veio por escrito foi: “Quem manda
na alimentação do meu filho sou eu.” Portanto é errada, ainda tem o aval do menino… as
poucas vezes que vêm, vêm defender a cria, com uma força, como se nós estivéssemos aqui
para fazer mal a terceiros, não é. No primeiro ano tive uma situação dessas, em que a mãe,
sem me conhecer de lado nenhum, insurgiu contra mim na reunião, e depois com calma
[expliquei]: “Olhe, não foi assim, não foi nada disso que aconteceu”. Às vezes também nos
custa a nós depois a ver essa pessoa com outros olhos, naquele contexto foi desagradável.
Como tendo miúdos a meio, é bom que isso passe depressa, ultrapassar isso, temos de ser
adultos, engolir… ultrapassar essa contenda e portanto, não passamos a amizade, talvez tão
próxima (…) como outros, tem de ser algo verdadeiro. Muitas vezes, tirando o espaço físico e
tirando n reuniões e papeladas que surgiram ao longo destes anos – também nos deixam falta
de tempo para preparar [as festas]. Para se preparar qualquer coisa também é preciso haver
tempo, para além da motivação, as coisas não nascem do nada, não é… e estamos muito
sobrecarregadas com papéis, fazemos muitos papéis que se vão meter num dossier. E pronto,
já tenho feito algumas coisas… mas a resposta é muito fraca. Dentro do nosso horário lectivo,
é muito fraca. Já tivemos situações ao sábado e ao domingo, as pessoas continuam a não ir.
E – Onde é que aprendeu a fazer, a lidar assim com os pais? Lembra‐se se houve alguma
disciplina específica na formação inicial, já teve formação sobre o assunto?
G ‐ Dei, lembro‐me de ter uma cadeira de antropologia, pronto… fala de espécies e de… na
altura era Magistério Primário e não tinha formação nesse nível e portanto, é no campo, é no
campo que se aprende. É no dia‐a‐dia. É na maneira, às vezes, de expormos as nossas ideias …
e depois vemos que daquela maneira não vai lá e tem de ser outra. E, o ser mãe também me
ajudou, ir às reuniões da minha filha e ver que havia o outro lado, e às vezes aprendia com as
professoras da minha filha. Olha, a postura é a correcta… portanto, vendo, fazendo,
experimentando, porque não houve cadeira nenhuma que desse e, penso que não deve haver
cadeira nenhuma que fale do facto, de que é lidar com os encarregados de educação. Há muita
coisa no meio: pais, avós…
E – O que acha que era importante os jovens professores saberem sobre [os encarregados de
educação]?
G – Ah, por exemplo, uma ideia, poderem assistir, por exemplo, a uma reunião de pais, ver
como são os pais e o que é que eles dizem. Fazerem este tipo de entrevistas a quem já lidou
com muitos pais. Nem sempre é fácil. Muitas vezes até se pegam uns com os outros, a pessoa
tem de pôr água na fervura. Porque “aquele bate no meu e o meu não bate”. Eu penso que, o
campo, fazer reuniões… porque depois… e sem grandes … só estarem lá pacatamente, como se
tratassem de um encarregado de educação, sem grandes… “Olhe eu estou aqui para ver”,
porque aí as pessoas alteram logo a postura toda. Mas ver, como as pessoas são capazes, às
vezes, de dizerem e de dominarem determinadas situações vindas do nada. Como é que se
consegue dar a volta ao texto, “aquele quer assinar os papéis todos e nem os leu”, “Tenho
coisas para dizer aquele pai, ver se ele não se vai embora”, “o outro, eu preciso de falar com
ele mas ele não vem”, a maneira como as pessoas encaram o ensino dos filhos… que é uma
coisa espectacular (ironia)… há uns que: “Pronto, pronto, [já chega]… não tenho de assinar
nada?! Vou‐me embora. Outros… depois há o posto, aqueles andam à procura da vírgula… é
no campo. É ir à escola e ver. Ver uma festa, ver uma actividade em que estejam pais e
crianças envolvidas, e perguntar o que é que a gente, ao fim destes anos todos, que andamos
aqui, pensamos destas situações.
E – Onde é que percebe a fronteira entre o papel dos pais, a intervenção dos pais e a
intervenção do professor?
G – Passa muito pelo respeito mútuo. Quando há uma falta de respeito, é uma barreira que foi
incondicionalmente transposta, quer de um lado, quer do outro. e quando, estamos a
trabalhar em campos opostos. Eu penso que, estar um barco a remar para um lado e outro
para o outro lado, e o desgraçado do aluno está ali no meio. Não vamos longe. Aí há uma falta
de responsabilidade por parte dos pares, não é. Se no meu caso, se achar que estou a agir
condignamente e que aquela pessoa está a trabalhar em campos opostos, e que está a
desautorizar, dada aquela situação, então aí eu acho que a barreira está a ser passada. E
portanto, tenho que, sem ser à frente dos pais, nem de ninguém dizer “Há um limite. Eu passo
o tempo a dizer‐lhe para não fazer isso e você continua a dizer para fazer”. Daquela porta para
dentro… há uma coisa que eu sei, que sempre soube durante estes vinte e três anos, é que
daquela porta para dentro, mando eu. Os pais mandam daquela porta para fora, eu mando
para dentro.
E – Já alguma vez teve de dizer isso aos pais?
G – Disse, disse. Digo muitas vezes na reunião. Na reunião de primeiro ano digo: “Olha vocês
agora vocês vão‐me emprestar por umas horas os vossos filhos. Há alturas em que eu vou
sentir que mos deram, mesmo, porque estou muitas horas com eles. Nós para convivermos...
uma coisa é ter um lá em casa, ele bate uma, duas e três vezes e vocês não dizem nada. Outra
coisa é ter vinte e três a fazer a mesma coisa. Vai haver regras, regras que eles às vezes não
querem cumprir porque não estão habituados a cumpri‐las em casa. Eu espero que vocês
tenham feito os trabalhinhos de casa, bem feitinhos, e que eles venham a aprender a cumprir
a regra mas se não o fizerem, eu vou trabalhar para isso. Eu vou‐vos chamar muitas vezes à
atenção para que vocês me ajudem a fazê‐lo. Realmente vocês têm n situações em que podem
fazer queixa de mim, podem falar comigo, para eu rectificar que não sou perfeita.. já o fizeram
“Oh professora não marque trabalhos no dia da natação que eles vêm de rastos” Óptimo, não
marquei. Foi uma sugestão, e eu aceitei “Olhe, boa ideia, não tinha pensado nisso, peço
desculpa, e peço‐lhes muitas vezes. A melhor maneira das coisas correrem bem é exactamente
havendo essa parceria mas, há ali um limitezinho… quando eu acho que já estou, que já me
estão a ultrapassar a minha responsabilidade e autoridade dentro da sala de aula então ali,
com uma maneira “soft” tenho de dizer “Olhe não pode ser assim, eu sei que ele gosta de
comer gomas, mas aqui dentro não pode. Senão podíamos todos. Mas, como não podemos, o
seu filho também não pode.” E nunca tive assim uma situação que não percebessem, ou
questionassem. Faço um reparo… há muitos anos já… aprendi “Eles são meus alunos mas são
vossos filhos! Também sou mãe, sei que não é fácil. E há aqui uma coisa que vocês tem de
perceber… cada um tens as suas regras, um vai para a cama às nove e meia, outro (…) Quando
eu disser, sentaste‐te. Portanto, daquela porta para dentro quem manda sou eu! E o que eu
pretendo com isto, pretendo que se em alguma situação os corrigi que por favor lá em casa
não me desautorizem também. E isso é já da porta para fora, lá em casa. “Mas a mãe disse que
eu podia!”, “Ma eu disse‐te que não podias riscar no caderno!” Portanto aquilo (…) Já têm
vindo ter comigo e então eu digo: “Olhe, não deve…!” Nunca me aconteceu (…) Eu tenho essa
coisa, da porta para dentro mando eu. “Se quiseres chegar aos vossos filhos, da porta para
dentro, primeiro falam comigo.” A maneira como eu disse isto não foi ostensiva e, portanto, as
pessoas têm me ajudado muito. Aquilo que eu penso que temos de procurar nos pais, é
mesmo ajuda. Isto não está fácil, eles estão muito mimados, estão muito abandonados, com
os MP3… muita net, poucos livros. Eu sou muito apologista que um livro é um amigo, um
objecto palpável é diferente e depois puxa muito pelo imaginário, e isso também tem de ser.
Ou que nos leiam, que também é muito bom.
E – Os pais pedem a sua colaboração?
G – Pedem. Às vezes até em coisas lá de casa, em que eu não tenho nada a ver. Por exemplo,
tenho aí um miúdo que era sempre o bobo da corte e houve alturas em que eu disse na sala –
eu falo com os meus alunos não é nham, nham, nham… eu falo, eles percebem – e disse: Olha,
é assim, se os teus colegas não percebem que não podem bater em ti (…) é pá, vais passar a
fazer “olho por olho, dente por dente”, quer dizer se eles não percebem que é bom, então vais
passar a pagar na mesma moeda para ver se eles gostam. (…) Nesse caso, a mãe perguntou‐me
o que é que eu achava, se podia fazer … e estivemos as duas a ver e disse‐lhe: “Ponha‐o no
judo!” Ele tem de fazer uma actividade, tem de estar ocupado, já lhe falou no Judo. Eu acho
que é boa ideia. E foi. (…) Portanto a mãe ajudou‐me e eu ajudei‐a nesse aspecto. (…)
E – Nós falámos da questão da boa relação entre os professores e os encarregados de
educação, também a nível do plano afectivo, educativo (Nas questões da alimentação) … na
parte curricular, os pais pedem ajuda para algumas situações? Nas tais reuniões, perguntam‐
lhe como se faz determinado exercício?
G – Em todas [as reuniões os pais pedem para explicar como se faz determinada coisa, acerca
dos conteúdos]. Eles aprenderam com metodologias diferentes, e os novos programas
apontam para outras metodologias. A última que expliquei no quadro, para toda a gente,
foram as contas de dividir por subtracções sucessivas. (…) Se tiverem dúvidas, não expliquem,
deixem para mim, para o outro dia de manhã, não há problema nenhum. (…) Explico muitas
vezes, alguns é falta de cultura, muitas vezes… mas não se inibem de perguntar, é bom! (…) E
gostam, depois estão ali montes de tempo a ver como se faz. Perguntam. Perguntaram‐me
isso, perguntaram das fracções que também não percebiam (…)
E – Agora só uma última questão, ao longo da nossa conversa foram surgindo alguns destes
entraves, mas resumindo, o que é que dificulta esta relação?
G – Eu acho que é a necessidade que as pessoas têm de, às vezes não têm só um emprego,
têm vários, estamos numa sociedade consumista. Estamos numa sociedade em que, graças a
deus a mulher começou a trabalhar. Já não há avós em casa. A situação dos pais quando não
está um sozinho – muitos divórcios, não sei quê… ‐ as situações familiares estão complicadas.
A necessidade de consumo aumentou, e a necessidade de produzir aumentou também. E o
facto de terem de trabalhar mais horas, às vezes para comprar um ipod ou um Mp3, pagam de
outra maneira. O que é que surgem? Surgem duas ou três escassas horas, num dia para passar
a mão no pêlo, ao filho, não é… e é isso, um excesso de tempo fora de casa, de contacto com a
criança impossibilita a relação de pais. E, às vezes, ainda se agrava mais, porque ao sábado e
ao domingo, ou estão a trabalhar ou se têm necessidade, porque têm uma vida de cão, de ir
dar umas voltinhas e então, aí, entregam os a alguém, a uma amiga, a uma avó. E portanto, a
relação mãe, pai e filho, está a perder‐se. E há coisas, que por mais que se leia… [são
consequência disso, a relação com] a escola. Não há tempo. Essa é a primeira. Depois, (…) O
tempo é o que a gente fizer dele, podiam ler um livro dez minutos, por vezes não há
predisposição, agora aqui é que se coloca uma questão: somos nós [professores] que não
sabemos sensibilizar os pais para virem à escola, em quantidade que queríamos, ou são eles,
que de facto, que acham que aqueles dez minutos são bem aproveitados noutra área. Eu
própria não lhe sei muito bem responder a esta questão. Há aqui uma incógnita muito grande.
A gente manda a convocatória, são criadas as condições, mudamos a hora da reunião, dou o
meu telemóvel, marco para outro dia, as pessoas sabem que eu disposta a isso… porque isso
facilita‐nos … por exemplo, eu ando à procura de saber, junto destas mães, o que é que eu hei‐
de (sobre a retenção) escrever naqueles dois registos. Que eu tenho de fazer aquele trabalho e
eu própria não sei. (…) É a falta de tempo…. Mas eu tenho telemóvel… espaço físico não tenho
porque a escola fecha às sete e meia. (…) Muitas vezes sou eu, que no talho, quando vejo a
mãe, “Olhe, não s e importa…”. Ou o facilitismo com que, por exemplo, eles passam de ano, eu
acho que a exigência curricular não é nada que não se faça e o estigma criado do processo
escolar é quase como uma garantia para os pais, de que é automática, não é… Que, mal será
que ele não passe. (…) e também a desautorização que nos fizeram da parte do Ministério da
Educação, basta u processo que a DREL cobre‐os de razão. Tudo isto faz com que isto seja
garantido. É claro que depois, paga caro. Em termos afectivos e em termos da construção
daquela pessoa, um dia pagam caro.
Professora Isabel, dia 17 de Junho de 2011
Entrevista Professora H – Clarisse Verino
Entrevistadora – Começava por pedir a sua opinião acerca da pertinência que há na relação
escola‐família.
H – Para mim faz todo o sentido. Porque escola e família (…) não podem sentido caminhar em
sentidos opostos, tem de haver uma grande proximidade entre a escola e a família. Coisa que,
infelizmente, cada vez há menos, os pais vêem muito a escola, neste momento, como um
armazém. Põem‐nos de manhã, com a história de fazer o escape, com as AEC’s e não sei o
quê… põem as crianças de manhã e vêm buscá‐las à tarde. Eu tenho alunos, que normalmente
os pais moram cá, vão almoçar a casa, mas os alunos almoçam na cantina. Portanto, não será
esta a relação ideal entre da escola e da família. Depositam‐nos, é o termo na escola (…) somos
os guardadores de meninos praticamente, e isso depois vai ter repercussões. Eu na minha
turma, não é uma turma especial mas eu tento envolver os pais assim o mais possível. Mesmo
assim, noto, que com o passar dos anos, que cada vez é mais difícil que as pessoas cada vez
mais, se demitem da parte de ser pais. Tento trinta e três anos de serviço, era meio rural,
outeiro da Cabeça, aí também não havia grande proximidade escola e família porque as
pessoas todas trabalhavam, estavam nas cerâmicas, havia essa necessidade, mãe, pai, e os
miúdos começavam a trabalhar muito cedo. Era o chamado tipo preparatória na altura mas era
telescola. (…) Fui depois para Ribeira de Matacães e aí, talvez se dá alguma ligação com a
família porque as pessoas… eu era… era o padre e a professora, porque era uma aldeia
extremamente pequena, lá perdida. (…) Eu comecei a almoçar na escola porque não tinha
funcionária (…) e não era digno, os meninos [que vinham de aldeias próximas] almoçarem ali
no alpendre. Portanto, aí as coisas funcionaram de outra maneira porque realmente criou‐se
uma boa relação, porque eu ficava lá por causa dos miúdos, dava‐lhes comida, aos mais
pequeninos (…) Depois daí, fui para o Sarge, outra realidade, completamente diferente, em
que , eu na minha sala – não era muito política da escola mas talvez eu já viesse moldada de
outra maneira – eu tive muito boa relação com a maioria dos pais. Estive lá três anos, desde
servir de padre ou de psicóloga, ou não sei o quê… quando havia divórcios… portanto num
regime já normal (…) mas pronto, sempre tive boa relação com os pais e tento envolve‐los o
mais possível nas aprendizagens e na vida dos filhos enquanto escola. Depois tive uma
experiência muito má, numa terra aqui muito próxima, porquê? Porque as mães não
trabalhavam, então a funcionária de lá era da terra… tudo se sabia e portanto, foram mal
dizer… estive lá seis meses e foi muito complicado. Depois fui convidada para elencar uma
outra situação, eu estive na CAE do Oeste, como inspector técnico‐pedagógico e aí percebi o
outro lado. Percebi realmente… recebi formação, dei formação, estive do outro lado da
barricada. Se me perguntarem se esse outro lado da barricada é mais bonito ou melhor, não é.
Tanto que, quando eu achei … eu hoje penso que deveria ter saído muito mais cedo. Que
deveria ter vindo para a escola muito mais cedo. Estive fora muitos anos, a fazer outras coisas
mas deixe‐me lá estar muitos anos. Depois quando vim para a escola vinha com muito medo,
porque passados doze anos, foi o tempo que eu lá estive, era uma realidade que me assustava
e vim para a escola, eu já era titular desta escola, já estava aqui assim, efectivei‐me com
dezanove anos de carreira, esta foi a segunda escola que [escolhi], eu gosto de escolas
problemáticas. (…) como alguém mais classificado que eu saiu, eu acabei por ficar aqui em
Torres. E portanto, eu já estava aqui no quadro à cerca de dois anos (…) e foi a altura de vir
experimentar depois de estar do outro lado da barricada. E, fui muito mal recebida pelas
colegas, eram pessoas que tinham na altura a idade que tenho hoje. Mas, o facto de ter estado
no ministério da educação, nos serviços, no ministério da educação – somos todos – mas foi
um estigma, trataram‐me abaixo de cão, foi mesmo… foi muito complicado. Mas depois tive
uma compensação óptima que foi, comecei com um projecto – na altura ainda não havia nada
a nível de legislação nem nada do género que desse apoio a crianças que a língua materna não
era o Português – que agora tanto se fala. E, entretanto, eu implementei um projecto desses,
com a ajuda de uma colega da Escola Henriques Nogueira, em que tentei delinear, em traços
muito largos, aquilo que se pretendia, o que é que me pediam. Porque a ideia principal desse
conselho de docentes era pegar nas crianças e pô‐las ao molho e fé em deus, num pavilhão,
independentemente da personalidade, do escalão etário, de falavam ou não falavam,
percebiam ou não percebiam… e foi um desafio muito grande. E comecei a fazer o apoio
dentro da sala de aula e a ter uma relação muito estreita com a família. Porque, antes de
começar o projecto, fiz uma entrevista com todas as pessoas (…) com pai e mãe (…) saber o
contexto onde vinham e como é que tinham vindo aqui parar. Aí, foi talvez, onde estive mais
próxima (…) eu era professora de apoio (..) foi um projecto muito engraçado, que eu agora
penso, que na altura já nós tínhamos ideias assim. (…) Aí, tentei gerir algumas situações, a nível
familiar (…) Pronto, estes pais são muito diferentes, estou com um segundo ano. Tive outra
turma antes desta que realmente, os pais além de serem pais eram pais mas também eram
cúmplices, muitas vezes, havia uma cumplicidade muito grande entre eles e entre mim.
Portanto, conseguimos fazer coisas muito gratificantes e sempre em favor dos alunos, dos
filhos deles. Porque realmente, se havia algum sarilho, alguma coisa menos… eu relatava‐lhes
e tomávamos uma decisão conjunta. E, realmente, isto funcionava lindamente. Eu lembro‐me
de uma situação menos agradável, que foi em Educação Física, em que eles fizeram uma
declaração em que, enquanto isso não estivesse solucionado que os filhos não iam à Física.
Também lhes relatava, pedia muito a ajuda deles. Estes [actuais] são uns pais um bocadinho
diferentes… mas cá está, tinham pais, a quem eu chamo já pais velhos, quase do mesmo
escalão etário que eu. Só com um único filho e não sei o quê… mas pais muito cuidadosos, não
os mimavam, protegiam‐nos mas sem mimo. Agora com este novo grupo que recebi noto, que
no espaço de quatro anos eles vêem cada vez mais imaturos. E os pais então, são filhos únicos,
não têm mão neles. E é preciso nós conversarmos muito com os pais. É uma coisa em que eu
insisto muito mas às vezes não é bem recebida pelo resto da comunidade educativa, pela
comunidade escolar… este meio mais próximo, nem até pelas chefias, o facto de falar muito
informalmente com os pais, sem ser nas reuniões. Procurar fazer‐lhes ver que as coisas não
são sempre assim… e tenho conseguido mudar alguns comportamentos. Agora, que é sempre
um pau de dois bicos porque não podemos agradar a gregos e a troianos. Somos mais rudes
com alguns para se dizer as coisas… eu tenho aí uma questão, por exemplo, que só consegui
que este ano, a mãe viesse à escola quando a ameacei com a CPCJ. Porque realmente isto
pareça o armazém daquela criança. Uma criança cheia de problemas e tentar encaminhá‐la…
lógico que não fiz a queixa. Mas pronto só funciona assim. Outros, é ao contrário, “ah, mas o
meu filho é um anjo!” Eu digo: “São todos iguais e juntos funcionam todos da mesma
maneira.” E portanto, a turma, os pais… e estes não consegui criar a cumplicidade que os
outros tinham. Cá está, de grupo para grupo mudam as crianças, mudam os pais, mas acho
que é essencial o contacto com os pais, continuo a achar que é essencial. Não sei se foi de
trabalhar em meio rural, nós paramos, falamos no meio da rua… se realmente foram muitos
anos no meio rural. Eu acho que é essencial, não pode acontecer nunca esta história dos pais
ficarem ao portão. Eu sei que é uma questão de segurança mas, e os pais não serem bem
vistos virem à escola e terem de pedir autorização, entrarem dentro da sala. E também se
criam legislações e normas legais que travam a relação entre os pais e professor. Há
professores que não querem e não gostam que [os pais entrem na sua sala], é o mundo deles,
são as coisas deles. E se as crianças passam tanto, ou mais tempo, comigo do que com os pais
portanto, eu moldo‐os muito à minha maneira mas tento ter a ajuda dos pais e vice‐versa. E ao
longo deste segundo ano tem havido filhos de pais a mudarem completamente de opinião em
relação aos filhos e a pedirem já para os endireitarem porque em casa já fazem tanto disparate
(…) peço que em casa lhes cortem também certas coisas quando eles não se portam tão bem
porque, realmente nós estamos a prepará‐los para uma sociedade que cada vez vai ser mais
madrasta e se eles tiverem muito maus hábitos eles não vão de forma nenhuma conseguir
produzir algo de bom. Eu trabalho muito com os sentimentos e portanto é tudo muito a nível
afectivo… eu não tenho por hábito gritar, eles sabem… eu trabalho muito com olhares. E os
próprios pais ficam admirados, muitas vezes, quando eu falto, por algum motivo, de eles não
quererem vir, porque notam a diferença e a realidade é outra. (…) noto‐os cada vez mais
imaturos mas porque os pais fazem deles uns bebés.
E – E que ganhos, vê mais para os alunos, nesta relação com da escola com os pais?
H – (…) No aproveitamento escolar e no desenvolvimento social. O tempo em que a escola
era… o papel da escola era ensinar a ler a escrever e a contar já era. Muitas vezes eu digo‐lhes
isso, eles são muito pequeninos mas eu digo‐lhes isso, a escola tem de ensinar a pensar. E já
hoje tenho, numas fichas de estudo do meio e há meninos que já colocam na função da escola:
aprender a ler, escrever, a contar e a pensar. Pôr a funcionar mais qualquer coisa. Às vezes é
mais difícil convencer os pais que eu tenho de tomar determinadas atitudes porque, enquanto
cidadãos eles têm de ser sensibilizados e criados com uma sensibilidade muito grande (…) que
temos de ser solidários, que temos de estar atentos a determinadas situações, que não
podemos fazer determinado tipo de palermices, porque também não gostamos que nos façam
a nós… eu trabalho muito nesse sentido, e os pais às vezes não percebem. Ainda tenho pais
que não percebem, pensam sempre… e então depois são filhos únicos, é muito difícil. Eu sou
filha única (…) mas pensam sempre que têm um anjo em casa (…) Aqui eu tento, o mais
possível, tratá‐los da mesma forma, que eles sintam que são… e eu tenho desde… tenho aqui
uma sala especial muito variada, os próprios pais que têm um nível social mais elevado
pensam que eu vou criar diferenças e eu faço questão em que eles vejam que não.
E – Porque que é que acha que se fala tanto, hoje em dia, da relação escola‐família?
H – Porque acho, cada vez mais, que os pais se demitem desse papel que têm. Eu acho que as
coisa também foram apresentadas aos pais de tal forma… se me perguntassem: “Eu sou a
favor das AEC’s?” Não sou, não sou. Não tenho nada... mas funcionava tudo melhor. “se sou a
favor do horário normal?” Não sou. Não é por mim, é por eles. Eu já funcionei das duas
maneiras, e sei como é que é. Eu preferia … fazer a actividade expressiva à física, ia eu e uma
funcionária, eles faziam‐na na mesma. Porque as outras coisas nem sequer desapareceram do
nosso currículo também. Acaba por ser complicado uma duplicação de papéis, há uma série de
coisas e que os pais acham que desde que haja CAF e haja [AEC’S] eles estão todo o dia na
escola… eu vejo, eu tenho aí crianças, não são todas, em vinte e quatro alunos tenho aí uns
cinco que, os pais andam… estão desempregados, podiam dar muito mais atenção aquela
criança e que, não dão porque é muito mais fácil mete‐los aqui, almoçarem aqui e estarem
aqui. Nem é por questões económicas, não tem a ver com o almoço gratuito, nada disso. Tem
a ver sim, com a organização deles que é… acaba por ser assim desorganizada. Quanto a mim,
que também sou mãe e sei como é que criei os meus.
E – Na sua opinião qual seria a relação ideal?
H – Uma escola muito mais… em que os pais participassem mais ou fossem chamados a
participar duma forma mais aberta e também educá‐los um bocadinho nesse aspecto. Tentar
educar os pais… aqui há uns anos havia aquela história da escola de pais, depois caiu… (risos)
porque realmente se calhar não os conseguíamos educar, nem um bocadinho… havia aquela
filosofia de escola de pais… mas realmente, eu acho que, eles, os pais têm de ter noção que
nós dentro da escola somos os professores mas que eles, enquanto pais, eles têm de ser
nossos parceiros, tem de haver uma parceria muito, muito [estreita]…
E – Isso a nível de actividades, de desenvolvimento com…
H – Sim, por exemplo, sim até mesmo o facto de eles virem quando têm hipótese de vir
contarem uma história, falar sobre um assunto qualquer específico ou não sei quê… por
exemplo, hoje, a nível de legislação eu tenho de pedir licença para, não é… para entrar alguém
estranho ao serviço… e é um pai. Pronto, não faz sentido, quando nós queremos que eles
participem também fechamos os portões e dizemos: “Agora também não podem entrar, não
é?!” Há assim, uma certa incoerência entre aquilo que [é pretendido e o que está legislado]…
eu faço parte do conselho geral e vejo (…)
Houve mudança de sala… os alunos saíram da sala e nós deixamos o corredor e fomos para a
sala de aula.
E – Estávamos a falar… eu pedi‐lhe para me dizer qual o ideal da relação entre a escola e a
família?
H – Eu acho que ideais não há, nem há receitas mágicas, nem poções mágicas. Acho que o
ideal é tentarmos, nós professores, fazer com que os pais compreendam que realmente são
nossos parceiros e que não estamos uns de um lado e outros de outro. Embora os muros da
escola assim o delimitem, mas que não é por aí o caminho, tem de haver muita cumplicidade,
e como já lhe tinha dito, pronto… tenho aqui pais de crianças com comportamentos mais
desajustados e que tem de haver grandes conversas e que surja entre nós grande
cumplicidade mesmo… por exemplo, eu não espero pelas aquelas reuniões de atendimento.
Eu se tenho qualquer coisa, telefono, marco com a pessoa e a pessoa vem falar comigo,
independentemente da reunião de atendimento. Tanto que, nas reuniões de atendimento,
quem quer falar em privado, ou eu quero falar em privado, é sempre o último ponto da
reunião. Porque tento generalizada, até por vezes… se eles sentem que os miúdos fazem parte
de uma turma, de um grupo, e que todos eles contribuem para o bom ou para o mau. Para o
mau funcionamento dentro da sala, comportamento e inerentemente aproveitamento.
Portanto, eu acho que tem muito a ver com a nossa postura enquanto professores. Acho que
não há receitas, não há panaceias universais porque obrigá‐los também não… Estávamos a
falar com conselho geral e, por exemplo, eu vejo que nem as pessoas da associação de pais
que tomam o compromisso, e quando se é voluntário, têm mais obrigação ainda (…) eu vejo,
que por exemplo, que até os próprios elementos dos pais têm vindo, neste processo em que
foram integrados, têm vindo a diminuir de número de reunião para reunião, são sempre os
mesmos e mesmo assim, com a alteração que houve, até mesmo a associação de pais, já foi
mais colaborante e participativa. Nós aqui quase que não damos pela associação de pais, não
damos por isso. Pedem‐nos agora ajuda para distribuir umas coisas para as tasquinhas e não
sei o quê e frito e cozido mas realmente, haver um contacto, até mesmo da parte dos pais
virem à escola, ver o que é que é preciso… a outra associação de pais fazia isto, às vezes até
resolvia situações de carácter económico (…) porque nós não temos dinheiro, dependemos das
autarquias, não é. E portanto, resolviam‐nos situações materiais [entre outros] aliás, se a
escola pintada está foi porque foi a associação de pais, a este edifício de baixo, que ofereceu a
tinta. A escola está assim [interior pintado] porque foram os pais que arranjaram a tinta,
depois a Câmara deu a mão‐de‐obra. (…) Portanto, eu acho que tudo o que se faz
voluntariamente (…) porque depois há pessoas que acham muito engraçado ir para a
associação de pais mas depois chegam lá e vêem que aquilo dá um bocadinho de trabalho. Eu
própria já fiz parte de uma associação de pais e realmente é trabalhoso, ou nós trabalhamos
ou não trabalhamos … as pessoas pensam que é só dizer que “eu sou da associação de pais e
quero”... Porque eu acho que há muita gente, neste momento ainda convencida, que vão para
a associação de pais para defender os direitos do seu filho, ou da sua filho, ou do seu
educando… no individual, não pensam muito no geral. Não têm grande conhecimento das
coisas pronto…. Realmente, se calhar a outra associação habituou‐nos a nós, professores,
muito mal. Eu digo isto estando na cidade mas, se for perguntar a uma colega que esteja na
aldeia, ela dir‐lhe‐á o mesmo. Diz‐lhe o mesmo… se bem que se notava uma presença muito
constante das pessoas. Agora, é a tal coisa, obrigados não vêem. Eu tenho um sistema, que
este ano deixei de implementar por, não foi… e acho que se notava muito bem, que era…
embora seja dada, no início do ano lectivo, aos pais, um calendário com as datas das reuniões
de atendimento, eu fazia, há muitos anos já, naquele fim de semana… no fim‐de‐semana
entregava um convite a lembrar que no dia x havia reunião de pais, dava a ordem de trabalhos
e pedia para estarem presentes e, tinha um destacável em que eu tinha a certeza se os miúdos
tinham, ou não, entregue. Porque as pessoas às vezes esquecem‐se, não é. E funcionava.
Funcionava lindamente. Este ano as directrizes foram que não haviam papéis para ninguém,
portanto o único papel que iria ser feito e impresso, iria ser feito para estabelecer contacto
com os pais e encarregados de educação, seria uniformizado … ainda estou à espera dele.
Logicamente que não me proíbe de, por exemplo, vamos agora ter uma visita de estudo, de
fazer um papel às quatro turmas, a explicar a hora da chegada, a autorização, até por uma
questão de segurança e por estar legislado que nós precisamos de ter a autorização, por
escrito dos pais. (…) Mas penso que, realmente o que está disposto, não é [de alguma maneira
foge ao que é suposto]… o registo de participação que é entregue em todas as reuniões de
atendimento, o registo de avaliação participada dos pais e que realmente, aí vê‐se os que
vêem e os que não vêem. Eles põem a ordem de trabalhos e… agora, eu pergunto‐me “é só
naquela altura? E depois o resto do mês? Quando há que falar?” Ou nós dispomos do nosso
tempo para falar com os pais ou, para trazermos um pai para dentro da sala... já a coisa não é
muito bem aceite [pela legislação, superiores].
E – Acha portanto que estas reuniões mensais acabam por ser muito limitativas?
H – São, são. E as pessoas sabem que vêem… comigo sabem sempre, aliás, as reuniões mensais
são de uma hora, não é, eu nunca as faço numa hora. Não sou melhor ou pior mas eu gosto de
falar e gosto de, de… eu não crio barreiras com os pais. Há pessoas que criam barreiras, sei
pôr‐me no meu lugar quando é necessário e quando os pais precisam de ser chamados à
atenção… de resto, é a tal história, eu gosto muito de ter a família enquanto parceira. Estamos
todos a trabalhar no mesmo sentido, que é realmente a construção de cidadãos melhores e
que, realmente, futuramente a sociedade… possa ser – eu e as minhas filosofias – um
bocadinho melhor do que é agora. No entanto, uma coisa que, por exemplo, aposto é na
cumplicidade. Embora, sei que cada um deles tem (…) mas acho que pode fazer melhor. Uma
frase que aqui, e espero que os pais já saibam, que aqui não é permitida dizer e em casa era
bom que não fosse também é: “Eu não consigo!”. Essa frase, portanto, eu vou tentar… quando
eles próprios começam: “Eu...”, “O quê…. Ah, hum… ai, uma palavra proibida… Pensa lá como
é que me vais tornar a dizer isto.” E os pais, isso, reconhecem, tanto que há a tentativa de
contornar a situação, das apreciações que são feitas, eu tento não as fazer pela negativa.
Portanto, os registos de avaliação demoram‐me algum tempo a fazer porque tento construir
aquilo de outra maneira para não dizer “não consegue”, “não, não…” O não. Agora, realmente
envolvê‐los mais, também acho que era benéfico mas, é a tal coisa, se os pais não querem vir à
escola nós não os podemos obrigar a vir, só mesmo ameaçados. Àqueles que querem vir acho
que a escola devia abrir mais as portas a esses pais. A tal fórmula? Não lhe sei dizer. E, aquilo
que é verdade para mim, ali para a minha colega do lado não é, temos tipo de trabalho e de
personalidades completamente diferentes.
E – Acha que as suas colegas valorizam outras coisas na relação que não seja essa
aproximação?
H – Não, eu estou a dar o exemplo.
E – Mas em geral, o que é que sente?
H – Eu acho que ainda está enraizada que quem manda dentro da sala de aula é o professor e
o professor fica dentro da sala portanto, aqui ainda não se mudaram muito as mentalidades.
Não se mudaram mentalidades, não … os pais virem à escola e serem tidos quase como…
quase como não, serem tidos como parceiros, muitas vezes, até superiormente mal visto.
Portanto, ainda é essa mudança de mentalidades… ainda não foi. Enquanto… nós não… é a tal
história, se eles forem envolvidos neste processo, se eles se sentirem envolvidos, eles acabam
por ajudar. Agora se não há envolvência, é como em tudo, como acontece connosco…
impõem‐nos as regras e nós acabamos por fazer porque somos obrigados. Mas se nos
perguntassem, se nos pedissem a opinião para um determinado número de coisas, a escola
funcionaria de outra maneira. Porque nós não nos sentimos envolvidos, porque nós… não nos
foi perguntado o que é que nós pretendíamos. E aqui, eu acho que com os pais é um
bocadinho isto. Se os tentarmos envolver, em determinado tipo de situações e faze‐los sentir
que também são um grupo e que também têm força eles, pronto, sentirão isto de outra
maneira.
E – Nas reuniões mensais tem o total dos pais?
H – Tenho, eu uma adesão muito… acima dos cinquenta por cento. Na generalidade vêem e,
quando não vêem têm o cuidado de avisarem, mesmo não indo agora o papel para casa, têm o
cuidado de avisar que não vêem ou, telefonam a avisar que não vêem. Na generalidade,
depois faltam dois ou três, que são sempre os mesmos, que são aqueles que mais deveriam vir
à escola e que não vêem. Mas consigo ter assim, uma casinha cheia, como costumo dizer.
E – Que tipo de assuntos é que coloca à disposição dos pais?
H – Nós temos uma ordem de trabalhos, os pontos são limitados também. Existe uma ordem
de trabalhos que parte da coordenação de ano. Cada uma de nós depois trabalha… não é uma
ordem de trabalhos fixa, vamos lá… vamos conversando umas, dentro do mesmo ano… há as
mais variadas coisas, há sempre a parte das informações, que são sempre informações que
chegam pontualmente e que às vezes convém que eles saibam, sejam elas o carácter, para o
bem ou para o mal. Depois há sempre o aproveitamento e o comportamento. Eu, em todas as
reuniões, como trabalho com dossier e folhas, dou‐lhes o dossier para eles [os pais] verem
trabalho a trabalho, que é feito diariamente, que é esse que valorizo. Pode eventualmente ser
uma altura para eles assinarem alguma ficha formativa ou sumativa, aí recaímos mais sobre
esse tipo de aprendizagens. Fazemos a análise, se desceram, se subiram, isto na generalidade,
a análise do aproveitamento. Porquê? Porque à umas semanas foram a baixo a matemática, e
eu aí, admiti aos pais que a ficha estava longa, nós quisemos tirar uma página. Mas, ao
tirarmos uma página a cotação ficou pesada. E por ficar pesada, eles acabaram por baixar [as
notas]. (…) Isso depois é conversado, “Mas ele sabe fazer, ou ainda não sabe fazer?!” Já eles
próprios perguntam muitas vezes à frente, até dos outros. Isto não era viável pensar no
princípio. Nas reuniões eu pergunto, por exemplo, este final de período, quando se entregam
os registos de avaliação, eu pergunto sempre se querem que faça [atendimento]
individualizado e eles geralmente não querem. Eu faria um de cada vez, estaríamos aqui não
sei quantas horas mas eu faria. Mas este ano já estão mais abertos para que haja uma partilha,
tendo o cuidado para não nomear crianças. Se tem algum problema pede para ficar e o
problema é tratado em privado. Agora, eles já sentem que podem partilhar os problemas dos
seus filhos com os outros (…) Isto já é partilhado com eles, têm vindo a trabalhar… mas é difícil
às vezes, trabalhar este tipo de mentalidades ainda, porque realmente eles também se sentem
à parte. É uma vez por mês, eles sabem… estão muito à vontade, desde o início, porque eu dou
o número de telefone (…) assim como eu, se tiver uma situação, também já lhes liguei à noite
para casa (…) “Olhe passa isto, assim e assim, e o melhor é ir ter comigo à escola.” Às vezes
falamos só ao telefone mas, se for assim, alguma coisa… não há nada como falarmos olhos,
nos olhos e em sítio próprio, que é aqui dentro da sala. E arranjo um bocadinho e no pavilhão
ou aqui [sala de aula] para conversar com esse encarregado de educação e resolvermos as
coisas. Uma coisa que lhes digo sempre é, a primeira pessoa que devem procurar é a mim,
para não haver males entendidos. Agora, realmente, que há pessoas que tentam passar por
cima dos professores, pensando que ir ao órgão de gestão, tentam resolver as coisas de outra
maneira e invertem as situações e também nos criam situações complicadas, isso é uma
maneira também de eles conseguirem perceber e se for preciso puxo pelos galões e digo:
“Não, eu aqui sou a professora, sou eu que estabeleço as regras dentro da sala. Portanto, eu
quero que seja assim e, é assim. (…) que têm de trabalhar para ter resultados, que aqui há
regras… realmente esta turma, graças a deus é uma turma que tem regras, mas isso implica
muito trabalho da minha parte. E fazer passar que essas regras têm de ser também cumpridas
em casa, pelos pais, é um bocado… às vezes pensam que eu sou demasiado… castradora. Mas
não (…) a relação que eles têm comigo, eles sabem muito bem quando é que estou a brincar…
que há tempo para brincar, que há tempo para trabalhar… e são extremamente afectivos e
afectuosos. (…)
E – À pouco falamos acerca de algumas medidas legislativas que supostamente eram mediadas
para aproximar os pais da escola…
H – Mas depois, também se criaram outras que surtiram o efeito contrário. Porque quando se
diz que os pais têm um papel importante (…) quando foi da avaliação dos professores, em que
os pais nos iriam avaliar… foi muito contestada essa situação, como se aquilo tivesse qualquer
peso. Eu dizia sempre: “Eu não tenho problema algum em ser avaliada por um pai”. Embora
não acho correcto, porque não é técnico, eu também não concordo com a avaliação de
professores por par, pelos nossos pares, portanto. (…) E, de repente passam a faltar 17 anos
para me reformar [com 65 anos] e, os próprios pais e miúdos não gostam de pessoas de idade.
É muito mais atractivo para uma criança ter um professor mais jovem do que ter um velho ou
uma velha. (…) já digo aos pais, que já não sou aquilo que era. Eu própria já faço um esforço
acrescido para fazer algumas coisas que fazia com uma perninha às costas. Cada vez nos
pedem mais, a nível administrativo, e eu passo isso muitas vezes aos pais, que nos pedem
muito a nível administrativo, e a nível pedagógico, às vezes esquecem‐se que nós somos
professores. E, cada vez mais, e esta mensagem passo‐as muitas vezes, e com muito rigor aos
pais, querem que nós sejamos funcionários públicos, o que lhe pode acontecer a eles [pais] é
que, se nós professores, interiorizarmos, integrarmos seriamente que somos funcionários
públicos faremos como qualquer funcionário público e aqui é que a diferença se faz… quem
trabalha nas finanças, quem …. Fecha a porta e acabou. E, um dia qualquer, que eu me
compenetre que sou funcionária pública e vem um pai e pergunta‐me: “E não corrigiu?!” “Não,
não, não tive tempo durante o horário de expediente.” Mas eu digo isto aos meus pais na boa,
para eles perceberem que realmente há muito trabalho também, da minha parte, em casa. Daí
eu também pedir que haja trabalho da parte deles. Por exemplo, é muito raro passar trabalhos
para casa. Ao fim de semana passo assim uma coisinha que é simbólico, porque acho que
depois se tenho aqui gente que consegue trabalhar com os filhos, tenho gente que trabalha
até muito tarde. (…) Estou, neste momento, a tenra capacitar os pais, de que é preferível eles
lerem, escreverem, estudarem (…) que o terceiro ano já tem conteúdos programáticos mais
complicados e aí eles vão ter de aprender a estudar e os pais devem estar com eles para os
ajudar a estudar… não é a estudar por eles (…) portanto até nisso os pais têm de ser alertados
[choque da transição do 2º para o 3º ano]. Tenho aqui muita gente em que são os filhos mais
velhos, ou seja ainda não houve ninguém que passasse por esta situação. Tenho outros, tenho
duas crianças (…) uma delas é o terceiro membro da família que tenho, já sabem como é que
eu funciono. E noutro, é o segundo membro, daquela família que eu tenho. Sabem
perfeitamente como é que eu funciono e como é que eu sou. (…) não sou chapa cinco para
tudo, não… não alinho em grandes… eu já só faço aquilo que gosto e aquilo que me apetece. Já
não entro em projectos, só por dizer que entrei. E faço para os pais perceberem que não é por
eles [os alunos] estarem neste clube ou naquele que eles sabem menos. Que os vou
sobrecarregar na hora de almoço e que, não é justo também… pronto. Estas coisas é tudo
muito giro mas depois também, funciona é nos intervalinhos. Mas dentro da sala tento sempre
dar o meu melhor e que eles também desempenham um bom trabalho e que os pais tenham
noção disso.
E – O que é que ensinaria a um professor recém formado, o que é que lhe diria para que esta
relação escola‐família funcionasse melhor?
H – Como eu lhe disse não há receitas e não há panaceias mas para ser extremamente… se
calhar diria para terem muita atenção, para já cada um deles, cada criança é diferente da
outra, logicamente os pais também. O tipo de relação que pode estabelecer com um pai não
poderá, de forma alguma estabelecer com o outro. Isto não pode ser… não há matrizes,
porque as próprias pessoa também… para já nós somos constantemente avaliados pelos pais e
portanto tem de haver alguma disponibilidades, eles perceberem que há disponibilidade da
nossa parte, não só para as colegas mas para estar com eles, para depois conseguirmos ter o
feed back em contrário. Portanto, eles perceberem que se há reunião é porque é importante
vir, e isso é muito trabalhado no primeiro ano. Nós só podemos colher aquilo que semeamos
e, se não o fizermos, não… é em tudo, assim na vida. Tentar cativar os pais e criar laços, como
no principezinho. Mas muito, na base da nossa relação com a criança. Para eles perceberem
que nós somos mais um elemento que entra no percurso da criança e que não estamos lá para
complicar, antes pelo contrário, precisamos de ajuda, e precisamos que nos expliquem como é
que é, para que, se houver algum problema nós sabermos como é que devemos agir, como um
parceiro, essencialmente como uma parceria.
E – Como é que sente que aprendeu a melhorar esta relação?
H – É complicado, acho que aprendi muito, engraçadamente, porque passei pelos meios rurais.
Tem a ver com a experiência de vida que a pessoa vai tendo. Tem a ver também, com o feitio
da pessoa. É mais lógico, eu já passei por escolas de aldeia, em que as minhas colegas
entravam e saiam da escola e nem falavam com ninguém... da comunidade, não é.
E – Mas isto não devia ser uma questão profissional?
H – Eu acho que as pessoas, é a tal história, essas pessoas, de certeza absoluta, não tinham
aquilo que eu tinha depois dos pais da minha turma. Daí eu dizer que não me encaixo muito
dentro daquele parâmetro professor, professor. Graças a deus já há muita gente como eu e,
nesta escola já há gente assim. Mas, aquele… na aldeia, por exemplo, o professor chega no seu
carro, entra na escola, dá as aulas e sai e, pronto parou por aí. E eu não pronto, tentava, e
porque queria… e não era directora de escola, era titular de turma só… se queria alguma coisa
em troca, envolver os pais, também tinha de dar. E, portanto... é complicado, não se aprende
nos livros. Só se aprende, levando algumas cabeçadas, levando alguns pontapés no traseiro,
reaprendendo, ajustando o nosso comportamento também… nunca agradando a gregos e a
troianos. Eu não posso dizer que todos os pais me amem. Se calhar também não tenho a
mesma afinidade com todos, nem sinto o mesmo carinho ou a mesma cumplicidade com
todos. Pronto, isto é a mesma coisa com os alunos. Quando tento realmente que eles se
unam, que pensem que todos juntos conseguimos levar o barco avante. Mas realmente, não
há… eu acho que tem muito a ver com o ser, a maneira de ser, a maneira de estar da pessoa, o
grau de envolvimento da pessoa… nós agora… vamos aprendendo, eu agora já sou mais
velhota, vou aprendendo. Há coisas em que eu investia e, já não invisto, invisto noutras. Há
coisas em que me faço de parva, porque é preferível, do que estar a mexer em águas
passadas… e portanto, não vale a pena, há coisa que é preciso… pronto, é o aprender. Eu acho
que aprendo todos os dias, levo bofetadas todos os dias, mas aprendo.
E – Já falámos de algumas dificuldades que entravam esta relação, podia nomear algumas das
que sente aqui na escola, ou que sente da parte de lá, dos pais, em relação à escola?
H – Eu acho que se a legislação permitisse que os pais viessem à escola quando lhes apetece…
porque é muito engraçado ouvir‐se dizer assim – num programa de televisão, no outro dia,
ouvia dizer em relação às amas se deveria ir em diferentes alturas do dia – eu acho que à
escola, é precisamente a mesma coisa. Porque realmente, se querem criar afinidades e
realmente saber como funciona, apareçam aqui de repente. E o facto de aparecem de repente,
por exemplo, vêm interromper a aula, mas eu acho que um professor que saiba dar a volta à
questão… se aparece uma mãe a vir buscar a criança, geralmente fica ao portão, porque não
vir aqui à porta e dizer: “Olá, então, estão bons?!” Realmente, no outro grupo era muito
diferente, eles agora aqui já começam também a perceber. Porque como é que eles tratam os
pais das outras? Pelo nome, mas pelo nome não tem de ser porque não são todos colegas, não
é?! Depois para ser o sr. Não sei quê… não é… assim, achámos a relação do tio. Porque se
estamos assim em grupo… e estes já estão a começar a chamar tios. (…) Não é snobismo, é
porque realmente eles têm de criar… têm de chamar os pais dos amiguinhos… (…) A questão
da segurança, tanto se interrogou a questão da segurança que parte da participação mais
activa – porque há pessoas [professores] que ainda querem, há outras que não querem, e
fazem disto um armazém. Mas há, ainda pessoas que querem mas, que se sentem limitadas,
exactamente porque temos de pedir autorização, temos que fazer um determinado número de
requisitos legais para ter um pai dentro de uma sala a contar uma história, por exemplo. Acho
que, o que se ganhou em segurança, perdeu‐se em participação, em convívio. Realmente, na
aldeia, é tudo um bocadinho para… é diferente. Aqui a escola é muito grande também.
Também não seria lógico, os pais entrarem todos e isto é uma coisa que é defendida, não
podem … por exemplo, as festas de anos, criaram‐nos alguns embaraços, há colegas que não
se importam, outros não querem… depende de nós. E as pessoas têm de se assumir e também
não se assumem muitas vezes. Porque é mais fácil dizer: “Não porque os pais... isto não é o
sempre em festa… mas na verdade, não é isso, é uma chatice. Ter uma festa de anos é uma
chatice, dá‐nos mais trabalho a nós… mas eu acho que se o pai e a mãe tiverem presentes é
mais agradável para a criança, porque se calhar aquela criança que traz o bolo feito em casa
(…) se calhar aquela criança não vai ter outra festa de anos (…) há situações em que, se não for
assim, não há outra situação com os coleguinhas e amigos a cantarem‐lhe os parabéns. No
entanto foi uma das situações em que este ano nos deparámos. (…) Há pessoas [professores]
que acham que é uma chatice.
E – Essa questão, da festa ou da vinda de um pai, mesmo que seja vir buscar o menino à sala,
acabam por dar oportunidade a outros temas de conversa entre os alunos, outras
aprendizagens que, hoje em dia, já não fazem lá fora. Seja o cumprimentar do adulto (…)
H – (…) Eu partilho muitas coisas minhas com eles [os alunos] (…) Eu nunca falo com os pais do
lado de lá a secretária. Eu falo com os pais sem fronteiras… sem estabelecer limites, [sem
nenhum obstáculo]. Portanto, quando falo com algum pai, geralmente, faço‐o nestas
condições, como eu estou a falar consigo. Portanto, sem que haja nada no meio, em que
percebam que não há nada a interferir. Mas isto, também se vai aprendendo, vai‐se estudando
e vai‐se… porque é muito aprendendo. Acho que tem muito a ver com o nosso
amadurecimento também, enquanto pessoas. Lógico que eu comecei a trabalhar aos vinte
anos e não tinha esta postura, tinha uma postura mais destravada. (…) faz‐se caminhando.
Professora Teresa, dia 20 de Junho de 2011
Entrevista Professora I – Teresa Teodoro
Entrevistadora – Eu ia começar por lhe pedir a sua opinião em relação à pertinência da relação
escola‐família para o aluno?
I – Eu acho que é extremamente pertinente. Uma boa relação escola‐família é meio caminho
andado para o sucesso, claro, do aluno. Quer queiramos, quer não, portanto, se o aluno sentir
que a escola e a família andam de mãos dadas, eu acho que o resultado é outro.
E – E para os professores?
I – É assim, pertinente para os professores também acho que sim. Pode ser uma mais‐valia ter
o encarregado de educação, a família, serve de apoio. Penso que sim, é uma ajudinha. Às vezes
mais ao nível dos comportamentos mas, em termos de aprendizagem acho que também pode
ser. Sem dúvida, acho que tem de haver esse laço em todos os sentidos escola, família.
Estando cada vez mais próximas e, ao longo da minha carreira, quase com vinte e seis anos de
serviço, claro que essa aproximação cada vez é maior. Quando iniciei, a família quase não ia à
escola. Também comecei em aldeia, às vezes é diferente, as pessoas têm outros horários. Mas
quando comecei a família quase não colaborava.
E – Mas sente que são os professores que aproximam mais a família?
I – Sim, eu acho que é o professor que tenta agarrar, que os tenta motivar mais, pronto. De
qualquer maneira, as famílias mais jovens, acho que já estão despertas para vir à escola e há
uma continuidade de Jardim [de Infância]. Nota‐se que há uma diferença grande.
Pessoalmente, eu tive uma turma quatro anos e quase que formávamos uma família.
Acabámos os quatro anos e ainda hoje nos encontramos, esta é agora, primeiro ano, ainda
está a começar, ainda não há aquela proximidade tão grande. Mas eu também senti o mesmo
com a outra [no início]. Aquele primeiro ano foi para a gente se conhecer e com a continuação
acabámos quase como uma família.
E – E a importância que pode ter essa relação para os pais? O que é que os pais podem ganhar
com isto?
I – Eles aí podem (…) deviam ser eles a dar essa opinião. Mas eu aí acho que o pai, por um lado
sente que o professor está próximo, não é. (…) Estes pais agora… também já não há… é
diferente, temos de recuar no tempo. Os pais já não sentem tanto este afastamento [dos
professores]. Mas, eu acho, que para os pais também pode ser bom. Até porque os meninos
têm comportamentos na escola que não têm em casa, e vice‐versa. Em termos de
aprendizagem, acho que os pais chegam mais facilmente até eles se sentirem à vontade para
perceber o que fez, não fez… eu acho que no fundo temos todos a ganhar, os três: alunos,
professores e pais. Penso que seria o ideal.
E – Porque é que acha que hoje em dia se fala tanto nesta relação escola‐família?
I – Faz parte da evolução dos tempos… talvez, não sei. Porque, se calhar, começou‐se a dar a
volta num sentido diferente. Deixe‐me lembrar, quando era aluna não tinha nada a ver, a
minha mãe ia à escola uma vez por ano, ou no início ou no final do ano lectivo. Não havia essa
proximidade, se calhar, a própria escola caminhou nesse sentido de se abrir mais à
comunidade, em geral.
E – Como é que acha que devia ser essa relação, em termos práticos, entre o professor e os
encarregados de educação?
I – É assim, eu penso que também não podemos cair muito no exagero [a solicitar]. Senão o
que era bom passa a ser muito mau. Eu, por enquanto, sinto que as reuniões, os encontros são
suficientes. Até porque, se há qualquer coisa, basta telefonar. Não há assim grandes… há uma
ou duas situações pontuais em que as pessoas não se aproximam tanto da escola. Portanto
pais com horários complicados, com turnos. De resto, temos uma vez por [mês], eu penso que
é suficiente uma vez por mês, essa proximidade. Depois há trimestralmente a entrega das
avaliações, há a situação em que nós estamos com todos mas depois podemos ficar só com as
situações mais pontuais. Não há propriamente ali um cumprir de horários, porque nós
chegamos aqui às cinco e meia e às vezes é até às oito, não há um limite. Acho que também
não podemos cair no exagero de estar constantemente a solicitar, a querer a presença dos pais
na escola. Não sei se depois será uma mais‐valia.
E – Acha que os outros colegas pensam da mesma maneira?
I – Nós, em reunião de ano, estamos mais próximas, mais ou menos achamos que sim. Eu… há
aqui uma certa preocupação em escolher, por exemplo, horários de atendimentos… fazemos
com que sejam mais ou menos compatíveis com os dos pais. Agora vamos entregar as
avaliações, entregamos num período de manha, mas também entregamos num período ao
final do dia. Há essa flexibilidade.
E – Falou‐me que fazem as reuniões mensais?
I – Sim, sim, chamado atendimento, que nunca é atendimento, acaba sempre por cair numa
reunião. Só haverá atendimento no final, quando há situações mais complexas, aí não vamos
falar de A, B ou C na frente de… falamos de tudo o que é geral, e depois acabamos por ficar
[com os outros].
E – Tem muitos pais a vir à reunião?
I – Na outra tinha [turma que deixou no ano anterior], nesta tenho um bocadinho menos. Mas
também, começou assim no primeiro ano. Eu nesta tenho para aí… setenta por cento, talvez.
Na outra, havia reuniões, de quase cem por cento. Era uma turma realmente muito
preocupada. Agora, também tenho encarregados de educação, com horários de trabalho muto
diferentes.
E –E acha que influencia?
I – Eu acho que sim [que os horários de trabalho influenciam]. Até porque, muitos dos que não
vêem telefonam depois, há sempre a preocupação. E depois combino com eles, vêem à hora
do almoço, vêem ao intervalo. Estes que não vêem às reuniões. Há lá dois ou três que não
vêem, só vêem mesmo à trimestral… têm problemas e não vêm sempre. Trabalham em
Lisboa. Mas à trimestral vêem sempre. Há mensal, os que não vêm, a maior parte vêm,
marcamos. Vêm aqui às oito, às quatro, depois marcamos, é um bocadinho. Às vezes digo, não
há necessidade, fica para o próximo.
E – De que assuntos é que costumam falar?
I – Normalmente é o aproveitamento e o comportamento. Às vezes preocupa‐me mais o
comportamento que o aproveitamento. Há uns mais “reguilotas” e é mais por aí. Se há
acontecimentos na escola, como as tasquinhas, aí aproveita‐se e tem mesmo de se dar as
orientações. Caso contrário, é realmente o comportamento e o aproveitamento. Vêem os
trabalhinhos deles, o dossier… ficam mais ou menos a par, não é.
E – Eles normalmente trazem questões?
I – Nem todos. Nem todos. Às vezes é mais aqueles que têm filhotes que sabem que são
reguilas, não é… “Professora como é que ele se está a portar?” e, outras vezes, é em questões
relacionadas com os trabalhos de casa. Como é que corre, se conseguiu ou não conseguiu. É
assim acabo por estar a dar um bocadinho de aula para eles. “Ó professora explique lá como é
que (…) um bocadinho…” Pedem a minha ajuda. Não são todos mas, tenho ali um grupinho…
que controlam. Tem de ser, tem de haver algum controlo, senão… Porque eu tenho ali alguns
miúdos que, se as mães ou os pais, nem sempre vêm os dois, a maior parte só vêm o
encarregado de educação. Mas alguns casos, eles [os miúdos] cobram, se entretanto os pais
faltarem. Depois tenho de lhes dizer: “A mãe não veio mas telefonou…” Os alunos sentem‐se
(…) e depois quando começo a falar “depois a professora fala na reunião, depois a professora
dá o recado” e há a reunião e, eles próprios, acabam por lembrar a mãe.
E – Os pais costumam participar em algumas actividades, dentro da sala de aula?
I – Este ano ainda não. No ano passado tive alguns que vieram até aqui à biblioteca, contar
histórias. Este ano lectivo, ainda não tive ninguém [a participar] mas, pronto… é o segundo
ano.
E – Mas que tipo de actividades?
I – Foi só contar histórias, aqui não tivemos…
E – Mas ocorre‐lhe mais algumas, que tipo de actividades é que pretende?
I – Não, tive a ideia de pedir ajuda por causa da informática, do Magalhães, mas depois não se
proporcionou porque a pessoa em questão deixou de ter tempo livre. Eu na aldeia tinha muito
isso, porque era uma escolinha pequenina, com poucos alunos, aqui é um bocadinho
diferente, é um mundo…
E – Que actividades é que fazia, era só ao nível da leitura?
I – Era, era em termos de leitura. Fizemos também [actividades] de culinária. Fizemos, com as
avós também, houve um ano que fizemos chazinho mas porque era aldeia, aqui já não é tão
fácil… aqui ficou‐se só pelo ler e contar histórias. Tínhamos combinado com a mãe de uma
menina vir contar uma história [mas teve vergonha] e acabou por não vir. Assim acabámos por
não fazer, indirectamente não… agora, indirectamente, eles acabam por participar, quando há
festa.
E – E pede aos pais para colaborar em alguns trabalhos que pede aos meninos para fazer em
casa?
I – Sim, sim, mais em termos de trabalhos de casa.
E – Mesmo com a outra turma, anterior, como eram mais velhos?
I – Na outra turma sim, tivemos trabalhos de modelagem. Tinha um pai que era professor de
Educação Visual… trabalhámos a mina do mar e eles fizeram (…) houve essa colaboração. Em
termos de profissões, temos a mãe de um menino que trabalha ali na Henriques Nogueira
[escola secundário] que já nos disse que qualquer dia nos leva ao laboratório aberto. Em
termos de vir à escola, fazer na escola, ainda não. Mas não tenho problemas e gosto, é de
certeza uma mais valia, se dúvida. E os miúdos gostam muito de ver os pais na escola, sentem
[orgulhosos]…
E – Em relação a actividades do agrupamento?
I – Com os pais são mais as tasquinhas, agora no final do ano [lectivo].
E – E a nível de escola, que são vocês e o edifício de baixo não têm por hábito convidar o
encarregado de educação a participar?
I – eu não. Mas há aqui algumas turmas que têm, acho que sim. Até têm um projecto virado
para a terceira idade também. Há aqui um grupo que faz e, então (…) e pode vir a acontecer,
porque não?! Depois também depende dos projectos…
E – E da abertura dos pais, não?!
I – (…) setenta por cento dos pais dos meus alunos viriam, sem grandes problemas, pela
frequência com que vêem às reuniões, eu penso que sim. E sei que, se for preciso… por
exemplo para as reuniões das tasquinhas eu sei que foram alguns e nós não estamos ali
directamente ligados, porque é mais com a associação de pais. Nós também tentamos que isso
aconteça (…) e em termos de associação, eu acho que se deviam envolver todas as mães. Mas
eu entendo que as pessoas têm um horário (…) portanto, não é fácil.
E – Há pouco falava sobre a relação com os pais, à uns anos atrás, quando começou a carreira
e agora? Em termos práticos onde é que vê essas diferenças?
I – Eu acho que eles não vinham tanto à escola, os meninos …. Eu também falo porque estive
em aldeia, os meninos vinham para a escola sozinhos, não era como aqui que vêem sempre
acompanhados. Os pais raramente… aqui não, se for preciso à entrada nós estamos ali com
eles... há uma ligação, uma proximidade muito maior. Nós acabamos por, vê‐los quase todos
os dias, na aldeia não, era diferente. Eles iam às reuniões, muito bem, acabava muitas vezes,
por fazer reuniões ao sábado, porque era a maneira de os ter…. eu também principiante, não
é… o trabalho deles… era a maneira de os ter [na escola]. Era [importante] porque, se fosse
durante a semana era complicado. Depois a aldeia tem muito o trabalho no campo, são
horários assim também complexos, enquanto houver luz… mais por aí. Mas não noto grande
diferença… talvez por aí, a escola não estava tão aberta, não os puxava tanto. Damos mais,
andamos todos numa de escola‐família e família‐escola ainda bem que é mas, mesmo assim
como é primeiro ano não tenho muito por onde me queixar, justamente mas, mesmo assim é
mesmo necessário para controlar os comportamentos, que por vezes nem é suficiente.
E – Esses comportamentos que vê como não dependendo só da escola?
I – Não, não [não dependem só da escola] pelo contrário, eu acho que a maior parte deles vêm
de trás. Eles, quando chegam aqui, já têm seis anos portanto, não nos podemos esquecer
disso. As regras, às vezes, ficam lá muito escondidinhas.
E – Quando fala com os pais sobre o assunto fala mais no geral?
I – Sim, sim. E, se tiver situações, não tenho situações de comportamento, primeiro ano, não
é… mas se tivesse não [iria falar em frente a todos] mas, no geral digo aos pais que são uma
turma faladora, irrequieta, das AEC’s… isso é geral porque é a turma, não é A, nem B, nem C,
da turma. Sim, sim [alerto os pais para esses comportamentos]. Eles, pelo menos dizem que
sim, que em casa vão insistindo com eles. Às vezes digo‐lhes: “Quando acontece na minha
presença, sou em quem os castigo, isso aí é ponto assente. Com vocês [pais] também mas às
vezes não é suficiente, temos de nos juntar, temos de ralhar quando é necessário. Porque eles,
por exemplo, nas AEC’s, eles extravasam completamente. Porquê? Porque não encaram como
uma disciplina, acham que é brincar e pronto. Não pode ser só a professora, os pais em casa
têm de os avisar. Têm de ouvir, se não ouvirem não conseguem depois cumprir, não é. E, o
saber ouvir está a ser cada vez mais difícil, é o que eu noto nos novos meninos, é o saber ouvir.
E – Olhando para a sua prática fale‐me das coisas que acha que faz bem para que haja esta
vinda dos pais.
I – Não sei se faço bem, é assim, tem resultado, em vinte e seis anos de trabalho e nunca tive
complicações, por isso não devo fazer assim tão mal. Mas, se calhar faço muitas vezes
determinadas coisas quase instintivamente. Normalmente, sou uma pessoa que gosta de se
relacionar bem com toda a gente, goste que impere o bom senso, para as coisas resultares. E
realmente, defendo que havendo um bom relacionamento entre a escola e a família, os
alunos, o resto, de certeza vai melhorar. Com conflitos também não conseguia viver. (…)
Normalmente tento ser simpática pronto, convido‐os para vir à escola. Acho que também
passa muito por, quando falo com eles, começar por dizer as coisas boas dos alunos, só
depois… porque logo aí começamos por afastá‐los da escola, não é… passa muito pelos
reforços positivos que dou aos alunos… porque se começamos logo numa de dizer mal, só
dizer coisas negativas, se calhar, da próxima vez só temos metade e depois muito menos, não
é… mas de resto não faço assim nada de especial para que eles venham à escola.
E – Mas sente que há alguma coisa em que pode melhorar ainda?
I – sim, sim, isso de certeza, em quê? Isso melhorar podemos sempre, de certeza. Se calhar, no
próximo ano tentar aproximá‐los mais um bocadinho da sala de aula mesmo, de eles virem
mais à sala. Porque este ano, sinceramente, não o fiz, não se proporcionou e depois, parece
que isto corre… tentar, se calhar, mais da sala em si, do espaço. Eu acho que há ali dois ou três
que eu acho que é importante que eles [os alunos] sintam a presença dos pais na sala, talvez.
(…)
E – Estas coisas que fala, de actividades práticas para aproximar os pais à escola, onde é que
aprendeu a fazer?
I – Não foi propriamente um aprender mas, com o passar dos anos a pessoa vai ouvindo, não
é. A pessoa vai‐se informando e vai ouvindo, junto dos colegas e em reuniões e em colóquios.
Sem dúvida que o relacionamento com os encarregados de educação é (…) por acaso, isso do
começar por salientar os pontos positivos do aluno, isso é uma questão prática, porque
também sou mãe e sei que sabe bem, como encarregada de educação, ouvir as coisas boas. E,
também senti, muitas vezes como encarregada de educação, um ambiente às vezes assim – eu
jamais faria aquilo – pronto, porque depois, quando estamos no outro lado, temos de nos pôr
um bocadinho no papel do encarregado de educação. (…) Mesmo com os colegas, aprende‐se
muito, principalmente com os mais jovens, já vêem com outras ideias, e nós que já estamos
um bocadinho cotas… (risos)
E – Onde é que percebe a fronteira entre o papel dos pais ou, o limite, se há um limite, onde é
que ele está?
I – Sabe, eu às vezes não percebo e, às vezes peco por isso… às vezes penso: “Não devia ter
dado tanta confiança”, porque sou um bocadinho ingénua, nesse aspecto, porque na tentativa
de que tudo corra bem (…) Também, por vezes, quando vejo que não resultou, aí depois tento
não fazer o mesmo erro. Porque às vezes, se calhar, abro demais, por exemplo, eu dou o meu
telemóvel, na primeira reunião costumo dar. Porque, se houver alguma coisa quero que me
telefonem e avisem. Eu gosto de saber, se o aluno falta, liguem‐me primeiro. (…) Eu sei que é
pessoal mas há contactos que eu queria que fossem directamente comigo. Eu preciso de saber
logo, porque até chegar a informação… mas também depois, quando eu sinto que… no tempo
lectivo não… mas, nem sempre é fácil, se fomos longe, às vezes só com a prática, falhando é
que aprendo. (…) Eu até hoje, felizmente, não tive complicações. Sempre senti da parte deles,
pronto, sempre me senti bem. Mas agora, também a velhice é um posto e acaba por… também
há erros que também já não vai cometer.
E – Acha que leva assim a relação mais de ânimo leve? Não vê tanta tensão nessa relação?
I – Não, eu acho que até... penso, por aquilo que me apercebo que até consigo pô‐los também
um bocadinho à vontade, no sentido de, quando quiserem, quando precisarem… para virem
eles, para tomarem a iniciativa de… porque eu digo muitas vezes, há situações que o professor
só se apercebe se os pais disseram… ligam, venham à escola e combinamos… realmente é
aquela hora e meia que nunca é muito… mas não tem de ser. Porque há assuntos importantes,
têm sentido serem discutidos na altura, depois de passar não é… passou, já está fora do
contexto, já não tem… e, se for logo, evita‐se complicações. Até mesmo entre os miúdos “Ah, o
não sei quantos” “Fale, diga…” porque é preciso ver porque é que aconteceu. Porque é que o
colega brigou, porque por vezes a história não é bem aquela, é outra. Mas, se nós
conseguirmos acalmar, antes de o encarregado de educação começar a pôr [problemas] e aí é
que começam as complicações (…) não se pode começar logo na defesa, tem de se gerir
situação. Mais ou menos tenho conseguido. (risos)
E – Que conselhos é que daria, ou o que acharia importante ensinar a um professor recém
licenciado sobre o assunto?
I – Eu penso que deve ponderar sempre o bom senso (…) e é como digo, se falares com
educando, falar sempre tendo em conta que o encarregado de educação, se calhar, também…
não ir numa de afastamento. O primeiro passo é aproximá‐los de nós… é como com os alunos,
assim que os sentimos deste lado, já podemos ralhar com eles… e eles entendem, os
encarregados de educação. Têm de sentir que o professor é professor, é amigo, está ali para
ensinar, para educar e também para castigar, quando é necessário… mas é preciso que o
encarregado de educação entenda e não pense, “Ah, este professor está a embirrar com o
meu filho!”. Agora, um colega, quando vem de novo tem de passar por conhece‐los, conhecer
os encarregados de educação dos alunos, com calma. Simpatia, também acho que deve
ponderar. O que é que eu posso dizer mais…
E – Nós falamos aqui deste lado afectivo, dos pais poderem transmitir, ou nós aos pais, sobre
os alunos e que acabem por serem bons para o funcionamento da relação, em termos
curriculares, como é que acha que será esse ideal de boa relação? Dos pais acompanharem os
trabalhos dos meninos…
I – Não, não, isso é indispensável. Eu também acho que sim, que é importante o
acompanhamento. Agora, também penso, que há uma primeira fase que tem de ser o
professor, o resto é um complemento. Parte realmente do professor, até porque é o professor
(…) se vir que a família precisa de uma pequenina explicação, porque há alguns que não
precisam nada. “Ah, professora como é que ensina isto?” os pais podem contribuir para o
currículo mas têm de estar dentro da mesma linha, para não se confundir aquelas cabecitas.
Mas penso que o papel deles, sem dúvida… até porque cada vez mais, através dos manuais,
eles têm acesso ao que eles dão e à planificação, e portanto, eles têm instrumentos de
trabalho para poder complementar.
E – O que é que acha, em termos gerais, que dificulta esta relação?
I – Se houver um distanciamento entre a escola e a família, se sentirmos de parte a parte…
muitas vezes é a família que se fecha… eu acho que se houver um certo distanciamento, aí se
calhar… agora, se a família sentir que há compreensão na escola, (…) consegue trabalhar no
mesmo sentido. Fecharmos a porta da escola, “Agora não posso!”, é preciso um certo cuidado
“Olhe, agora não posso porque…” (…) Temos de ser um bocadinho flexíveis.
E – À pouco falava sobre a questão do tempo, dos pais não terem tempo ou disponibilidade
para estarem.
I – Também é um factor que pode condicionar muito. Porque os horários são… esta turma, eu
vejo outra grande diferença em termos de… tenho mães a trabalhar por turnos, muitas… o que
é complicado. Mas pronto, não é por isso que deixam de vir… temos de combinar, às vezes
vêm quinze dias depois, que é quando o turno vai rodando., vêem, ou telefonam. Aí eu acho
que as coisas… a escola não pode fechar, tem de abrir… o professor tem de ser flexível nesse
[campo]. Se o que o que pretende é o bem dos alunos, o sucesso, também tem de ser um bom
professor. Por exemplo, este ano, o nosso atendimento é às cinco e meia, e há dois anos era
das seis e meia, e era o melhor horário. Era o horário em que vinha toda a gente [por causa
dos funcionários]. (…) Há hora de almoço eu estou, ao intervalo também tiro um bocadinho, se
for necessário. Mas, o horário melhor era depois das oito e aí, toda a gente, quase… quase,
porque há sempre uns… mas quase todos vêem. Este ano, por causa dos funcionários, do
horário dos funcionários, é outro factor.