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ANLISE ENTONACIONAL DE ENUNCIADOS ASSERTIVOS,
CONTINUATIVOS E INTERROGATIVOS LIDOS
EM PIADAS: ESPANHOL/LE E ESPANHOL/LM
por
PRISCILA CRISTINA FERREIRA DE S
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)
FACULDADE DE LETRAS
1 SEMESTRE DE 2008
1
DEFESA DA DISSERTAO
DE S, Priscila Cristina Ferreira. Anlise entonacional de enunciados assertivos,
continuativos e interrogativos lidos em piadas: espanhol/LE e espanhol/LM. Rio de
Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2008. Dissertao de Mestrado do Programa de
Letras Neolatinas.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Orientadora: Leticia Rebollo Couto (UFRJ)
___________________________________________________________________________
Co-orientador: Joo A. de Moraes (UFRJ)
___________________________________________________________________________
Cludia Souza Cunha (UFRJ)
___________________________________________________________________________
Jussara Abraado (UFF)
___________________________________________________________________________
Ulrich Gnther Reisch (Universitt zu Kln)
___________________________________________________________________________
Dinah Isensee Callou (UFRJ)
Defendida a dissertao:
Em: 27/02/2008
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ANLISE ENTONACIONAL DE ENUNCIADOS ASSERTIVOS,
CONTINUATIVOS E INTERROGATIVOS LIDOS
EM PIADAS ESPANHOL/LE E ESPANHOL/LM
por
PRISCILA CRISTINA FERREIRA DE S
Programa de Letras Neolatinas
Dissertao de mestrado em Letras Neolatinas, rea
de Concentrao Lngua Espanhola a ser apresentada
Coordenao dos Cursos de Ps-Graduao da
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Orientadora: Prof. Dr.Leticia Rebollo Couto.
Co-orientador: Prof. Dr. Joo A. de Moraes.
UFRJ / FACULDADE DE LETRAS
Rio de Janeiro, 1 semestre de 2008.
3
Agradecimentos
minha me, Maria, que me ajudou a chegar at aqui.
Ao meu irmo, Carlos, e cunhada, Franciane, que sempre me
ajudaram com palavras de estmulo.
s minhas quase irms Graziela e Giselle que sempre me apoiaram
ao longo desse perodo.
minha orientadora Leticia Rebollo Couto pelo incentivo para
ingressar no Mestrado e pela orientao cuidadosa. A quem agradeo
por toda dedicao e ajuda no perodo de elaborao desta
dissertao.
Ao meu co-orientador Joo A. de Moraes pelas reunies interesantes
e esclarecedoras.
Ao funcionrio Paulo, do Laboratrio de Fontica Acstica da UFRJ,
que me auxiliou nas gravaes do corpus desta dissertao.
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RESUMO
Esta pesquisa uma anlise acstica e fonolgica da variao da freqncia
fundamental e dos valores de durao e intensidade em contornos entonacionais de
enunciados lidos em piadas em espanhol/LE e espanhol/LM. Analisamos, em termos de
contornos entonacionais e padres de durao, a transferncia no nvel prosdico da lngua
materna (portugus) para a lngua estrangeira (espanhol) na leitura de dois aprendizes de
E/LE.
Participaram das gravaes dos dados trs informantes do sexo masculino, sendo um
de Madri (Espanha) e dois do Rio de Janeiro (Brasil), na faixa etria dos 22 aos 32 anos.
Cada informante leu 20 piadas integralmente e, posteriormente, selecionamos 5 enunciados de
cada uma das quatro modalidades (enunciado assertivo, continuativo, interrogativo total e
interrogativo parcial) que analisamos em nosso trabalho. Para a escolha dos enunciados
consideramos apenas enunciados com tonema (ltimo vocbulo) paroxtono. Considerando a
entoao e o ritmo, analisamos a slaba tnica e a slaba ps-tnica do tonema e do pr-
tonema (primeiro vocbulo) de um total de 60 enunciados, sendo 20 enunciados por
informante.
Neste trabalho discutimos qual a funo de cada uma das quatro modalidades
estudadas, considerando o esquema humorstico, a estrutura narrativa da piada e a funo do
foco contrastivo na interpretao da piada. Verificamos tambm as estratgias de leitura
utilizadas em E/LM e E/LE para orientar as inferncias na leitura de piadas em espanhol, e
sua relao com as estratgias prosdicas de oralizao das piadas.
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RESUMEN
Esta investigacin consiste en un anlisis acstico y fonolgico de la variacin de la
frecuencia fundamental y de los valores de duracin e intensidad en contornos entonacionales
de enunciados ledos en chistes en espaol/LE y espaol/LM. Analizamos cuanto a los
contornos de entonacin y a los patrones de duracin, la transferencia en el nivel prosdico de
la lengua materna (portugus) a la lengua extranjera (espaol) en la lectura de dos aprendices
de E/LE.
Participaron de las grabaciones de los datos tres informantes del sexo masculino,
uno de Madrid (Espaa) y dos de Ro de Janeiro (Brasil), con edad entre 22 y 32 aos. Cada
informante ley 20 chistes integralmente y, tras eso, seleccionamos 5 enunciados de cada una
de las cuatro modalidades (enunciado asertivo, continuativo, interrogativo total e interrogativo
parcial) que analizamos en nuestro trabajo. Para la eleccin de los enunciados consideramos
slo enunciados con tonema (ltimo vocablo) paroxtono. Considerando entonacin y ritmo,
analizamos la slaba tnica y la ps-tnica del tonema y del pr-tonema (primer vocablo) de
un total de 60 enunciados, o sea, 20 enunciados por informante.
En este trabajo discutimos la funcin de cada una de las modalidades dentro del
esquema humorstico y de la estructura narrativa del chiste y cul es la funcin del foco
contrastivo en la interpretacin del chiste. Verificamos tambin cules son las estrategias de
lectura utilizadas en E/LM y E/LE para orientar las inferencias en la lectura de chistes en
espaol, y su relacin con las estrategias prosdicas de oralizacin de los chistes.
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SUMRIO
Introduo ..................................................................................................................................9
1. A Entoao: definies, funes e notaes ........................................................................12
1.1. Um pequeno panorama ..........................................................................................13
1.2. As funes da entoao..........................................................................................16
1.3. Primeiros estudos entonacionais em espanhol ......................................................18
1.4. A teoria de Pierrehumbert .....................................................................................19
1.5. A adaptao de Sosa do modelo de Pierrehumbert ao espanhol ...........................22
1.6. Estudos entonacionais em portugus .....................................................................27
1.7. Concluses.............................................................................................................29
2. Gnero humorstico e aquisio de lngua estrangeira ........................................................30
2.1. O gnero piada: estrutura narrativa e esquema de humor .....................................30
2.2. A interpretao da piada: dimenso pragmtica do humor ...................................33
2.3. A leitura em voz alta de piadas: oralizao do texto escrito..................................37
2.4. Foco contrastivo na leitura oralizada de piadas ....................................................39
2.5. A interferncia prosdica na aquisio da segunda lngua ...................................40
2.6. Concluses ............................................................................................................43
3. Metodologia .........................................................................................................................44
3.1. Coleta de dados .....................................................................................................44
3.2. Informantes ............................................................................................................46
3.3. O corpus obtido .....................................................................................................47
3.3.1. Enunciados assertivos .............................................................................48
3.3.2. Enunciados continuativos .......................................................................50
3.3.3. Enunciados interrogativos totais .............................................................51
3.3.4. Enunciados interrogativos parciais .........................................................53
3.4. Critrios para anlise .............................................................................................54
7
4. Enunciados asertivos lidos em piadas: anlise e resultados .................................................56
4.1. Anlise da configurao tonal e da F0 de enunciados assertivos ...........................57
4.1.1. Padres tonais assertivos no pr-tonema e no tonema ..........................57
4.1.2. Discusso da atribuio de tons por enunciado ......................................60
4.1.3. Expressividade e interpretao da piada .................................................74
4.2. Anlise da durao ................................................................................................75
4.2.1. Durao no pr-tonema ..........................................................................75
4.2.2. Durao no tonema .................................................................................76
4.3. Anlise da intensidade............................................................................................77
4.3.1. Intensidade no pr-tonema .....................................................................78
4.3.2. Intensidade no tonema ............................................................................79
4.4. Concluso sobre os enunciados assertivos.............................................................80
5. Enunciados continuativos lidos em piadas: anlise e resultados .........................................81
5.1. Anlise da configurao tonal e da F0 de enunciados continuativos .....................82
5.1.1. Padres tonais continuativos no pr-tonema e no tonema ......................82
5.1.2. Discusso da atribuio de tons por enunciado ......................................84
5.1.3. Expressividade e interpretao da piada .................................................94
5.2. Anlise da durao ................................................................................................96
5.2.1. Durao no pr-tonema ..........................................................................96
5.2.2. Durao no tonema .................................................................................97
5.3. Anlise da intensidade ...........................................................................................98
5.3.1. Intensidade no pr-tonema .....................................................................98
5.3.2. Intensidade no tonema ............................................................................99
5.4. Concluses sobre os enunciados continuativos ...................................................100
8
6. Enunciados interrogativos totais lidos em piadas: anlise e resultados .............................101
6.1. Anlise da configurao tonal e da F0 de enunciados interrogativos totais .........102
6.1.1. Padres tonais interrogativos totais no pr-tonema e no tonema .........102
6.1.2. Discusso da atribuio de tons por enunciado ....................................105
6.1.3. Expressividade e interpretao da piada ...............................................117
6.2. Anlise da durao ..............................................................................................118
6.2.1. Durao no pr-tonema ........................................................................119
6.2.2. Durao no tonema ...............................................................................120
6.3. Anlise da intensidade .........................................................................................121
6.3.1. Intensidade no pr-tonema ...................................................................121
6.3.2. Intensidade no tonema ..........................................................................122
6.4. Concluses sobre os enunciados interrogativos totais.........................................123
7. Enunciados interrogativos parciais lidos em piadas: anlise e resultados .........................124
7.1.Anlise da configurao tonal e da F0 de enunciados interrogativos parciais ......125
7.1.1. Padres tonais interrogativos parciais no pr-tonema e no tonema .....125
7.1.2. Discusso da atribuio de tons por enunciado ....................................127
7.1.3. Expressividade e interpretao da piada ...............................................139
7.2. Anlise da durao ..............................................................................................140
7.2.1. Durao no pr-tonema ........................................................................140
7.2.2. Durao no tonema ...............................................................................141
7.3. Anlise da intensidade .........................................................................................142
7.3.1. Intensidade no pr-tonema ...................................................................143
7.3.2- Intensidade no tonema ..........................................................................144
7.4 Concluses sobre os enunciados interrogativos parciais.......................................145
8. Concluso ...........................................................................................................................146
Bibliografia ............................................................................................................................153
Anexos ...................................................................................................................................158
9
INTRODUO
Este trabalho consiste em um estudo entonacional de enunciados assertivos,
continuativos, interrogativos totais e interrogativos parciais em espanhol a partir da leitura
oralizada de piadas por um informante nativo madrilenho (espanhol/LM) e por dois
informantes aprendizes cariocas (espanhol/LE).
O corpus desse trabalho composto por piadas porque a piada um texto curto, com
a estrutura fechada e que pode ser lida em voz alta com vrias modalidades entonacionais
dentro do mesmo texto. Alm disso, a piada exige interpretao, o que nos possibilita
observar as nuances atitudinais de cada informante em cada uma das modalidades analisadas.
Para a coleta de dados participaram das gravaes trs informantes do sexo
masculino, sendo um de Madri (Espanha) e dois do Rio de Janeiro (Brasil), na faixa etria dos
22 aos 32 anos. Cada um dos trs informantes leu 20 piadas integralmente e, posteriormente,
foi feita a seleo dos 5 enunciados de cada uma das modalidades (assertivo, continuativo,
interrogativo total e interrogativo parcial) que analisamos em nosso trabalho. Analisamos um
total de 60 enunciados, sendo 20 enunciados por informante. Alm do tipo de modalidade,
para a escolha dos enunciados tambm foi considerado o vocbulo final, analisamos somente
os enunciados com tonema (ltimo vocbulo) paroxtono.
Aps a gravao com o programa Sound Forge, o corpus digitalizado foi rodado no
PRAAT para a anlise, considerando a slaba tnica e a ps-tnica, do tonema (ltimo
vocbulo) e do pr-tonema (primeiro vocbulo). A anlise dessas duas slabas no tonema e no
pr-tonema no PRAAT se fez em trs bandas, linhas ou tiers no programa de anlise: na
primeira linha anotamos a segmentao das slabas, na segunda linha realizamos a
segmentao das vogais e na terceira linha fizemos a notao fonolgica, ou seja, a atribuio
de tons. Posteriormente, rodamos os resultados no Prosogram, que nos forneceu a curva
estilizada de F0, possibilitando a confirmao da atribuio fonolgica de tons que fizemos a
partir da curva do PRAAT.
Do ponto de vista fontico, levamos em considerao como parmetro principal o
valor da freqncia fundamental (F0), observamos o comportamento da F0 (Hz) em cada tipo
de enunciado. Foram tambm medidos e comparados os valores da durao (ms) e intensidade
(dB) das slabas do tonema e do pr-tonema dos enunciados, consideranto tambm, a slaba
tnica e a ps-tnica.
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Do ponto de vista fonolgico, seguimos o modelo de notao proposto por
Pierrehumbert (1980). Este modelo sustenta que os contornos meldicos esto configurados
por seqncias de dois tipos de tons, alto (H) e baixo (L), que constituem acentos tonais
associados s slabas tnicas e que podem ser simples (L) ou duplos (L+H).
Sosa (1999) segue o modelo de Pierrehumbert no estudo que realiza do espanhol de
Madrid e Moraes (2003) tambm o segue em seu estudo do portugus do Brasil. Nosso
objetivo referendar os dados de Sosa e Moraes num gnero textual especfico (piada).
Em nosso estudo analisamos tambm quais as estratgias de leitura utilizadas em
E/LM e E/LE para orientar as inferncias na leitura de piadas em espanhol. No que diz
respeito leitura oralizada de piadas, discutimos qual a funo de cada uma das modalidades
dentro do esquema humorstico e da estrutura narrativa da piada.
Alm disso, verificamos qual o tratamento prosdico na leitura oralizada dos itens
lexicais, dos elementos da narrativa ou dos componentes do esquema de humor e qual o papel
da proeminncia prosdica na interpretao da piada. Analisamos ainda os problemas de
aquisio de lngua estrangeira e como ocorre a transferncia no nvel prosdico da LM
(portugus) para a LE (espanhol) na leitura oralizada dos aprendizes de E/LE.
Nosso trabalho est dividido em 8 captulos. Nos dois primeiros captulos fazemos
uma reviso bibliogrfica a fim de fundamentar teoricamente nossa anlise.
No captulo 1, discutimos um dos fenmenos prosdicos mais relevantes, a
entoao, analisamos as suas funes e expomos os principais estudos entonacionais sobre o
espanhol e sobre o portugus.
No captulo 2, definimos o gnero piada, tratamos da leitura oralizada de piadas e
dos recursos para a sua oralizao e interpretao, em particular as questes referentes ao foco
contrastivo.
No captulo 3, expomos a metodologia e o corpus do nosso trabalho, tratando dos
critrios para a seleo dos enunciados e dos informantes, as condies e os instrumentos para
a gravao e a anlise e classificao dos enunciados.
Aps a apresentao do quadro terico que fundamenta este estudo, desenvolvemos
a anlise dos enunciados assertivos, continuativos, interrogativos totais e interrogativos
parcias.
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No captulo 4, apresentamos a anlise acstica dos enunciados assertivos, no
captulo 5, dos enunciados continuativos, no captulo 6, dos enunciados interrogativos totais e
no captulo 7, dos enunciados interrogativos parciais. Em cada um dos quatro captulos
comparamos a leitura feita pelo nativo madrilenho E/LE e pelos dois aprendizes cariocas
E/LE
No captulo 8, expomos as concluses e os principais resultados de nosso estudo
atravs de quadros sinpticos da representao subjacente da entoao do E/LM e do E/LE,
Sintetizamos como se comportam os enunciados assertivos, continuativos, interrogativos
totais e interrogativos parciais analisados, procurando sistematizar as diferenas entre o nativo
e os aprendizes cariocas no que diz respeito aos contornos especficos de cada uma das quatro
modalidades de enunciados e leitura oralizada de piadas, ou seja s estratgias de leitura
oralizada relacionadas ao contar a piada bem como interpretao da piada, sinalizando o
estilo narrativo lido ou a orientao de inferncias.
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CAPTULO 1
A ENTOAO: DEFINIES, FUNES E NOTAES
A entoao, objeto de estudo do nosso trabalho, uma categoria lingstica
realizvel em cada sistema de acordo com um conjunto especfico de traos supra-segmentais
ou prosdicos. A entoao e o acento so, segundo Corts (2000) os dois fenmenos
prosdicos ou supra-segmentais da lngua espanhola.
Como afirma Moraes (2003), a entoao, ao migrar em fins do sculo XVIII do
campo semntico musical para o lingstico, referia-se, na expresso vaga e potica de ento,
mudana do pensamento e estados da alma, funo que vista hoje como secundria,
restrita esfera da expressividade. A partir do sculo XX, o termo passa a ser utilizado de
maneira mais sistemtica e consistente, referindo-se ao que atualmente entendemos como
entoao propriamente dita: modulaes meldicas no nvel da frase.
A entoao um dos elementos de maior importncia no uso oral da lngua, seja na
produo lingstica, seja no emprego da lngua numa situao comunicativa ou num contexto
social determinados. Em algumas situaes de uso social, a entoao se revela um fator de
grande valia em dimenses scio comunicativas, pode funcionar como marca de identificao
de um grupo dialetal, como marca de expresso de intenes comunicativas e como marca de
orientao para inferncias.
Nesse captulo definimos a entoao, suas funes e suas notaes, para isso
dividimos nossa apresentao em 6 sees.
Na seo 1.1 fazemos uma reviso bibliogrfica sobre os estudos de prosdia.
Na seo 1.2 determinamos e analisamos as funes da entoao.
Na seo 1.3 apresentamos os primeiros estudos entonacionais em espanhol.
Na seo 1.4 descrevemos a teoria de Pierrehumbert (1980).
Na seo 1.5 discutimos a adaptao feita para o espanhol por Sosa (1999) do
modelo de Pierrehumbert (1980).
Na seo 1.6 apresentamos o estudo entonacional do portugus feito Moraes (2003).
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1.1. Um pequeno panorama
Na lingstica atual, o termo prosdia refere-se parte da fontica / fonologia que
se ocupa de elementos comuns msica e linguagem, ou seja, elementos que acompanham a
sucesso de sons (fonemas) que so habitualmente transcritos pelos grafemas na ortografia
(Moraes, 1999). Os fenmenos estudados pela prosdia tambm so chamados de fenmenos
supra-segmentais, termo que veio de Hockett (1942).
Como afirma Corts (2000), a prosdia estuda os fenmenos fnicos que afetam a
unidades superiores ao fonema. Estes fenmenos so chamados supra-segmentais porque
abrangem mais de um segmento, ou seja, se estendem em mais de um segmento. No caso do
espanhol, os fenmenos prosdicos ou supra-segmentais mais relevantes so a entoao e o
acento. Considera-se que a entoao e o acento so categorias lingsticas realizveis em cada
sistema de acordo com um conjunto especfico de traos supra-segmentais ou prosdicos.
Nos estudos realizados sobre prosdia, o termo entoao j foi definido de vrias
maneiras. Jones (1909) define a entoao como variao no tom da voz do falante, que se
manifesta nas variaes da freqncia fundamental. Navarro Toms (1944) utiliza o termo
para referir-se s inflexes meldicas da voz. Gili y Gaya (1966), na mesma linha, define a
entoao como curva meldica que a voz descreve ao pronunciar as palavras, as frases e as
oraes.
Atualmente o termo entoao refere-se s modulaes meldicas ao longo da frase.
Para Aguilar (2000) a entoao a sensao perceptiva das variaes de tom, durao e
intensidade ao longo do enunciado. A entoao um dos elementos de maior importncia no
uso oral da lngua, seja na produo lingstica, seja no emprego da lngua numa situao
comunicativa ou num contexto social determinado.
Nos estudos de prosdia h um predomnio da caracterizao tonal da entoao,
sendo a freqncia fundamental (F0) o nico parmetro observado. No entanto, existem
alguns autores que levam em conta outros fatores prosdicos tais como a durao e a
intensidade, no nvel acstico, e o acento, no nvel lingstico. Como afirma Quilis (1999), a
entoao a funo lingstica significativa, socialmente representativa e individualmente
expressiva de freqncia fundamental (F0) no nvel da orao.
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Hirst e Di Cristo (1998) afirmam que a entoao, em termos fsicos, usada para
referir-se s variaes de um ou mais parmetros acsticos. Destes, a freqncia fundamental
universalmente reconhecida como parmetro primrio. Cantero (2002) afirma que a
entoao um fenmeno lingstico produto de uma abstrao terica importante: a sucesso
de variaes relevantes da F0 em uma emisso de voz.
Moraes (1980) segue o ponto de vista pluriparamtrico de Crystal (1969) e considera
a entoao como sendo basicamente manifestada por modulaes da freqncia fundamental,
da intensidade e da durao, sendo as variaes de freqncia as mais importantes. Neste
trabalho faremos um estudo pluriparamtrico e analisaremos a freqncia fundamental, a
intensidade e a durao de cada enunciado estudado.
A Freqncia Fundamental (F0) um parmetro acstico e, como afirma Cantero
(2002), a F0 determinada pela freqncia de vibrao das cordas vocais. Do ponto de vista
acstico, a freqncia fundamental corresponde ao nmero de movimentos completos que
cada molcula de ar realiza numa determinada unidade de tempo. Cada movimento recebe o
nome de ciclo e medido na unidade Hertz (Hz), que equivale a ciclos de onda por segundo.
A Intensidade, segundo Corts (2000), possui um correlato acstico que a
amplitude. A intensidade depende da amplitude da vibrao total, ou seja, da soma das
amplitudes de todos os harmnicos. A amplitude o mximo distanciamento que a onda
sonora alcana com relao ao ponto de repouso das partculas. Na fala est relacionada
fora ou energia que o falante usa para produzir o som, esta se mede em decibis (dB).
A Durao, cujo correlato acstico a quantidade, permite distinguir entre vogais
longas e breves em diferentes lnguas, por exemplo. Para isso, necessrio que ocorram dois
eventos acsticos associados. Trata-se, como afirma Cantero (1995), de um parmetro de
segundo grau: medimos a durao de um determinado som, de uma determinada intensidade,
por exemplo. Isso significa que a F0 e a intensidade concorrero para a percepo da durao.
Moraes (1980) afirma que existe hierarquizao dos correlatos fsicos entonacionais
e que esta varia de acordo com a funo entonacional em questo. A F0 seria o parmetro
central, constante, e os outros parmetros seriam marginais e alternariam em importncia.
Moraes (1980) apresenta esquematicamente esses traos:
I- Variaes de F0 (melodia)
II- Variaes de intensidade sonora
III- Variaes de temporais:
i) durao total do enunciado
ii) durao parcial das unidades segmentais
15
iii) pausas
iv) ritmo (repetio regular das proeminncias)
No que diz respeito percepo, Moraes (1980) afirma que as modulaes da
freqncia fundamental so responsveis pela percepo da altura meldica, ou seja, um tom
mais agudo ou grave; e as mudulaoes da intensidade se relacionam com o volume sonoro,
forte ou fraco.
No que diz respeito produo, a freqncia fundamental se relaciona diretamente
com a freqncia de vibrao das cordas vocais. A amplitude ou intensidade da onda decorre,
da mesma forma, da amplitude de vibrao das cordas vocais, que varia com a presso do ar.
Segundo Moraes (1980), no nvel fonolgico h trs fenmenos prosdicos ou
supra-segmentais:
(i) a entoao, que se manifesta basicamente pelas modulaes da F0
(ii) a quantidade, expressa pela durao
(iii) o acento, nas lnguas romnicas tradicionalmente relacionado com a
intensidade, mas que pode ser realizado por qualquer um dos trs parmetros mencionados ou
pela combinao de mais de um deles.
Do ponto de vista fontico, Moraes (1993) afirma que a entoao manifestada por
modulaes da freqncia fundamental (o nmero de movimentos completos que cada
molcula de ar realiza numa determinada unidade de tempo) que, no plano da percepo,
corresponde altura ou melodia; por modulaes da intensidade; e por modulaes da
durao.
No quadro abaixo, extrado de Moraes (2000), observamos a correspondncia
proposta pelo autor entre esses parmetros no nvel fontico (sub-nvel da produo, sub-nvel
acstico e sub-nvel perceptivo) e no nvel fonolgico:
Quadro 1: Correspondncia entre parmetros (Moraes, 2000)
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Moraes (1993) afirma que as variaes de freqncia fundamental so as mais
importantes, mas no devemos deixar de lado os demais fatores, cuja relevncia varia, alis,
com as diferentes funes da entoao. A entoao deve ser definida por desempenhar
determinadas funes, atuando num nvel superior ao da palavra.
Nosso estudo de enunciados assertivos, continuativos e interrogativos em espanhol,
ser feito em dois nveis: fontico (sub-nvel acstico) e fonolgico. No sub-nvel acstico, o
parmetro central ser a freqncia fundamental (F0) e os parmetros marginais intensidade
e a durao das slabas tnica e ps-tnica. No nvel fonolgico, o parmetro central ser o
tom (H-alto ou L-baixo), atribudo em funo da slaba tnica, seguindo a proposta de
Pierrehumbert (1980).
1.2. As funes da entoao
As funes da entoao cobrem as mais variadas reas da linguagem, e podem ser
agrupadas em: funes sintticas (se contribuem para a estruturao sinttica do enunciado),
semnticas (se contribuem para a construo do seu sentido referencial), e/ou, pragmtica (se
contribuem para as manifestaes das relaes existentes entre os signos e seus intrpretes).
Vrios autores tm tratado das diferentes funes da entoao, organizando-as em
classificaes complementares.
Segundo Moraes (1980), a entoao est diretamente vinculada subjetividade do
falante e desempenha funes lingsticas e identificadoras incontestveis em diversos
aspectos do uso social da lngua. As funes da entoao so mltiplas e, ainda que se
manifestem simultaneamente, se referem a fatos pertencentes a diferentes nveis, tendo em
comum apenas o seu suporte: a frase.
Como afirma Pietro (2003), nas lnguas entonativas se usam as variaes meldicas
para manifestar uma srie de sentidos pragmticos que afetam geralmente todo o enunciado.
O carter lingstico da entoao se evidencia no fato de que os padres meldicos so
modelos definidos que se usam para expressar as intenes comunicativas do falante.
Aguilar (2000) afirma que a entoao possui funes numerosas, difceis de
categorizar: a entoao distingue perguntas de declaraes; reflete o estado de nimo do
falante; mostra o ncleo sinttico da frase, mas tambm pode realar os fragmentos de
interesse em benefcio do falante ou do ouvinte; indica tanto a procedncia geogrfica e social
dos falantes quanto o tipo de gnero discursivo.
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Para Sosa (1999), a entoao possui trs funes importantes:
(i) significativa: enunciados que se diferenciam unicamente pela entoao podem se
diferenciar tambm na sua significao, semntica ou pragmtica.
(ii) sistemtica: existe um nmero limitado de padres entonacionais em cada lngua,
que so usados para produzir efeitos semnticos definidos.
(iii) caracterstica: os padres entonacionais do espanhol no so necessariamente os
de outras lnguas, nem produzem o mesmo efeito.
Pietro (2003) aponta trs funes para a entoao:
(i) Funo expressiva o falante manifesta sua atitude subjetiva respeito ao
contedo do enunciado: o modus. A expresso do modus essencial nos processos de
interao comunicativa, j que muitas vezes o ouvinte no est interessado em saber o que foi
dito, mas como foi dito.
(ii) Funo focalizadora o falante seleciona a informao central da mensagem ou
a informao que deseja enfatizar e lhe atribui uma proeminncia entonativa.
(iii) Funo demarcativa o emissor divide o discurso em unidades tonais para que
o ouvinte possa segment-lo e interpret-lo com maior facilidade.
Para Moraes (1980), as funes da entoao seriam cinco:
(i) Funo comunicativa integrar e segmentar as unidades.
(ii) Funo organizadora de mensagem organiza a informao em tema
(informao j conhecida) e rema (informao nova).
(iii) Funo modal distingue um enunciado assertivo de um enunciado
interrogativo.
(iv) Funo expressiva exterioriza as emoes e atitudes do locutor.
(v) Funo identificadora caracteriza a rea dialetal, o nvel sociolingstico e o
registro do locutor.
Segundo Moraes (1980), as funes da entoao tambm podem ser reunidas em
dois grandes grupos: as de carter lingstico, que englobam as funes: comunicativa,
organizadora e a modal e as de carter identificador, que englobam as funes: expressiva e
identificadora.
18
As funes de carter lingstico apresentam um grau de motivao varivel,
seguramente mais tnue que o das de carter identificador. Para Moraes (1984) as funes de
carter lingstico so as funes distintivas da lngua, ou seja, aquelas que permitem
distinguir um enunciado assertivo de um interrogativo e de outro exclamativo. J as de carter
identificador compreenderiam a exteriorizao tanto das emoes e sentimentos do falante
quanto de suas atitudes de apelo, ou seja, atitudes que visam provocar certos efeitos no
ouvinte.
Para nosso estudo prosdico de enunciados assertivos, continuativos e interrogativos
em espanhol, lidos em piadas por um falante nativo (LM) e por dois falantes no-nativos
(LE), consideraremos trs funes da entoao: a funo identificadora, de carter
identificador, bem como a funo organizadora e a funo modal, ambas de carter
lingstico.
Do ponto de vista da funo identificadora nos perguntamos: quais so as diferenas
prosdicas na leitura de piadas que identificam o falante nativo (LM) ou o falante no-nativo
(LE) de espanhol, cuja lngua materna o portugus brasileiro (PB)?
Do ponto de vista da funo modal, nos perguntamos: quais as diferenas de
contorno meldico de enunciados assertivos, continuativos, interrogativos totais e
interrogativos parciais em espanhol, na variante madrilenha?
E finalmente, do ponto de vista da organizao informacional, nos perguntamos,
quais so as estratgias de leitura utilizadas em LM e em LE para orientar as inferncias na
leitura de piadas em espanhol?
1.3. Primeiros estudos entonacionais em espanhol
Os primeiros estudos sobre entoao em lngua espanhola foram de Navarro Toms
(1939) que definiu algumas categorias vigentes at os dias atuais. Desde Navarro Toms at
Quilis (1999), os estudos entonacionais do espanhol tm seguido uma orientao
predominantemente estruturalista.
Navarro Toms (1948) afirma que a unidade meldica a poro menor do
discurso com sentido prprio e forma entonativa especfica. Segundo Navarro Toms (1948),
a unidade meldica pode ser dividida em trs partes: rama inicial, corpo e rama final.
19
A rama inicial formada por toda as slabas at o primeiro acento; o corpo da
unidade constitudo pela primeira slaba acentuada mais o resto das slabas at a anterior ao
ltimo acento; e a rama final est integrada pela ltima slaba tnica e as seguintes a ela, se
existirem.
Outro conceito importante o de tonema, pois consiste na direo que adquire a
inflexo meldica final. Para Navarro Toms (1948) existem diversos tipos de tonema:
cadncia ( ) e semicadncia ( ) (tonemas descendentes), anticadncia ( ) e
semianticadncia ( ) (tonemas ascendentes) e suspenso ( ).
A cadncia e a anticadncia so os tonemas de contraste mximo e marcam a
oposio entre duas ramificaes, tensiva anticadncia e distensiva cadncia.
Semicadncia e semianticadncia so tonemas de contraste menor e no costumam ser
utilizados ao final das ramificaes. A semicadncia aparece, em geral, na ramificao
tensiva, antes da anticadncia, enquanto que a semianticadncia costuma aparecer na
apdosis, antes da cadncia. A suspenso indica sentido incompleto.
Navarro Toms (1948) e seus seguidores procuraram descrever a estrutura meldica
da frase. Nosso estudo dos enunciados assertivos, continuativos, interrogativos totais e
interrogativos parciais est centrado na inflexo meldica final, no comportamento do tonema
e do pr-tonema de cada enunciado. O conceito de tonema ser fundamental para nossa
anlise, mesmo que optemos, como Sosa (1999), por uma linha mais gerativa de anlise da
entoao, baseada no modelo proposto por Pierrehumbert (1980).
1.4. A teoria de Pierrehumbert
Como descreve Sosa (1999), o modelo de Pierrehumbert (1980) um modelo
gerativo concebido com o objetivo de dar conta das caractersticas fonolgicas da entoao do
ingls. Para isso desenvolve uma representao abstrata que permite caracterizar que tipos de
melodias so possveis (tunes) e de que maneira essas melodias se alinham com textos de
diferentes tamanhos e configurao acentual. Em outras palavras, elabora uma representao
subjacente da entoao, e prope a srie de regras que transformam essas representaes em
realizaes fonticas.
20
Este modelo prope uma verso radical de anlise por nveis e defende que podemos
representar os contornos adequadamente utilizando somente dois nveis tonais: o alto (H-high)
e o baixo (L-low). Ou seja, as diferentes melodias se descrevem em seqncias de tons de
somente dois tipos (H e L). As seqncias de sons consistem em um ou mais acentos tonais
(pitch accents) que se alinham com as slabas acentuadas, mais dois tipos de tons adicionais
que caracterizam a entoao final das frases. Os acentos tonais podem ser tons simples ou
duplos.
Os dois tipos de tons adicionais so o tom de juntura ou de fronteira (boundary
tone), situado ao extremo da frase, independente da estrutura mtrica do texto; e o acento de
frase (phrase accent), situado imediatamente depois do acento tonal nuclear, que controla a
entoao desde este ponto at o tom de juntura. Nem o acento de frase nem o tom de juntura
podem ser bitonais, nem devem alinhar-se necessariamente com slabas acentuadas, como os
acentos tonais fazem.
A utilizao de somente dois nveis possvel por duas razes: por um lado, a
verso de Pierrehumbert (1980) incorpora a regra do escalonamento descendente que gera a
declinao dos picos ao longo da frase; por outro lado, a variao no campo tonal das
excurses meldicas se atribui a variaes graduais (no fonolgicas) que refletem o nvel de
nfase do enunciado.
Outra inovao do modelo de Pirrehumbert (1980) que prope que as realizaes
fonticas sejam expressas quantitativamente, em forma do contorno da Fo (freqncia
fundamental) obtida por meios experimentais, e no por meio de uma transcrio fontica
estreita, ao ouvido, como se fazia tradicionalmente.
As seqncias de tons L e H so geradas por uma gramtica de estado finito (finite-
state) que define as melodias possveis. As regras de implementao fontica do valores
numricos aos tons e produzem a freqncia fundamental, determinando tambm a forma do
contorno entre tom e tom.
Cada melodia, contida dentro de uma frase entonacional (ou grupo meldico),
consiste em seqncias de tons L e H, que integram os trs tipos de entidades tonais que
definimos anteriormente.
O repertrio tonal para o ingls seria:
a) Um tom de fronteira inicial (optativo): H%, L%.
b) Uma seqncia de um ou mais acentos tonais: H*, L*, L*+H, H*+L, L+H*,
H+L*, H*+H.
21
c) Um acento de frase: H?, L?.
d) Um tom de fronteira final: H%, L%.
O tom do acento tonal seguido de asterisco indica que o centro do acento, que se
associa slaba de maior acentuao da palavra; o outro tom que pode aparecer nos acentos
tonais bitonais se associa com o material segmental que precede ou segue slaba acentuada.
O acento de frase se associa com o final da palavra que contm o ltimo acento tonal, porm
no a uma slaba em particular. Os tons de fronteira se associam com a slaba situada a cada
extremo da frase entonacional (Sosa,1999).
Na sua teoria, Pierrehumbert d um tratamento especial s terminaes possveis das
frases entonacionais. De acordo com seu sistema especfico paro o ingls, depois do ltimo
acento tonal (ou ncleo), existem quatro combinaes possveis entre o acento de frase e o
tom de fronteira.
As quatro combinaes possveis do ingls seriam:
I- H?H%
II- L?H%
III- H?L%
IV- L?L%
Cada uma dessas quatro combinaes possveis implica uma configurao meldica
diferente. Como so estes os tons finais os que governam a direo do contorno tonal, se
pode dizer que incidem na interpretao semntica do contorno.
Em geral, se pode dizer que os contornos que terminam com o tom H% sero sempre
ascendentes e que os contornos que terminam com o tom L% sero descendentes, se
precedidos por um acento de frase baixo, como L?, ou nivelados, se precedidos por um acento
de frase alto, como H?.
Em nossa anlise entonacional de enunciados assertivos, continuativos,
interrogativos totais e interrogativos parciais em espanhol, utilizamos o modelo de notao
proposto por Pierrehumbert (1980), basicamente por duas razes. Em primeiro lugar, pela
quantidade de trabalhos de descrio lingstica que so realizados segundo esse modelo, sua
grande aceitao e sua difuso internacional. Em segundo lugar, porque existem propostas de
descrio dos tipos de enunciados que estamos estudando para o espanhol de Madri (Sosa,
1999) e para o portugus brasileiro (Moraes, 2003) que seguem esse modelo, como veremos a
seguir.
22
1.5. A adaptao de Sosa do modelo de Pierrehumbert ao espanhol
Sobre as diferentes realizaes entonacionais nas diferentes comunidades hispnicas
de fala cabe destacar os trabalhos de Sosa (1999). A tese de doutorado de Sosa (1999)
significativa para a lingstica espanhola, porque abriu esta rea da lingstica e foi o primeiro
a adotar para o espanhol o modelo de Pierrehumbert.
Segundo Sosa (1999), o sistema abstrato das representaes subjacentes consiste,
tambm para o espanhol, de somente dois tons, o tom alto e o tom baixo. A notao em
termos de H e L representa a composio dos enunciados no estrato tonal, ao que tambm
esto integradas estruturalmente as categorias tonais maiores. Estas categorias so de dois
tipos, os acentos tonais e os tons de juntura.
Os tons H e L, individualmente ou conjugados, integram os chamados acentos
tonais, que se associam unicamente com as slabas acentuadas do texto. Todas as seqncias
tonais e padres entonacionais que se produzem em espanhol associados s slabas
proeminentes do discurso se descrevem a partir destes elementos.
Somente as slabas acentuadas, representadas por L* e H* e os extremos de frase
(L% e H%) tm valores tonais, pois so estes que fazem oposio entre os enunciados;
enquanto que, as slabas inacentuadas no tm nenhuma marca tonal.
Os contornos terminais dos grupos so os tonemas (ltimo vocbulo), que tambm
se descrevem a partir dos acentos tonais, nesta notao se representa a slaba tnica por um
tom seguido de (*), que aparece com um tom extra, o tom de juntura, que se representa
seguido de (%). A funo dos tons de juntura, tambm chamados de tons de fronteira, de
dar conta do comportamento do tom nas slabas situadas nas margens dos grupos fnicos,
independente do status acentual (oxtona, paroxtona, proparoxtona) que tenha.
Para Sosa (1999), as representaes subjacentes mais freqentes dos tonemas do
espanhol (acentos tonais nucleares e tons de juntura) seriam:
a) Descendentes:
H*L% L*L% H+L*+L% L+H*L% H+H*L%
b) Ascendentes:
H*H% L*H% H+L*H% L+H*H% L*+HH%
c) Suspensivo:
H*+HL%
23
Os contornos iniciais dos grupos so os pr-tonemas (primeiro vocbulo), que se
descrevem a partir de acentos bitonais, nesta notao se representa a slaba tnica por um tom
seguido de (*), que se liga ao outro tom atravs de um (+).
De acordo com o repertrio tonemtico, a lista exaustiva de acentos tonais para o
espanhol seria:
H*, L*, H* + L, H + L*, L* + H, L + H*, H* + H, H + H*
No seu estudo do espanhol, Sosa (1999) postula para o espanhol de Madri as
seguintes representaes subjacentes para o tonema e o pr-tonema de enunciados assertivos,
interrogativos totais, interrogativos parciais. Os enunciados continuativos, dos quais
trataremos posteriormente, no so descritos por Sosa, e os consideramos uma variante dos
enunciados assertivos.
Quadro 2: Representaes subjacentes para o espanhol (Sosa, 1999)
ENUNCIADOS ASSERTIVOS L*+H_________________________L*L%
(pr-tonema rebotado)
ENUNCIADOS INTERROGATIVOS TOTAIS L*+H ___________________________ L*H%
ENUNCIADOS INTERROGATIVOS PARCIAIS H*+H_________________________H*L%
O tonema de um enunciado assertivo seria representado pelo acento tonal L*L% e o
pr-tonema pelo acento bitonal L*+H. O tonema de um enunciado interrogativo total seria
representado pelo acento tonal L*H% e o pr-tonema pelo acento bitonal L*+H. O tonema de
um enunciado interrogativo parcial seria representado pelo acento tonal H*L% e o pr-tonema
pelo acento bitonal H*+H.
24
Os trs exemplos a seguir esto em Sosa (1999) para o espanhol de Madrid.
(i) Enunciado assertivo: observamos que no enunciado assertivo o tonema vuelo
descendente L*L% e o pr-tonema dieron ascendente L*+H
Figura 1: Anlise de enunciado assertivo para o espanhol de Madri (Sosa, 1999:195)
Le dieron el nmero del vuelo.
(ii) Enunciado interrogativo total: observamos que no enunciados interrogativo total
o tonema vuelo ascendente L*H% e o pr-tonema dieron ascendente L*+H.
Figura 2: Anlise de enunciado interrogativo total para o espanhol de Madri (Sosa, 1999:211)
Le dieron el nmero del vuelo?
(iii) Enunciado interrogativo parcial: observamos que no enunciados interrogativo
parcial o tonema fuera descendente H*L% e o pr-tonema cuando ascendente H*+H.
25
Figura 3: Anlise de enunciado interrogativo parcial para o espanhol de Madri (Sosa, 1999:219)
Desde cundo est fuera?
Sosa (1999) no considerava o escalonamento ascendente (upstep) e o
escalonamento descendente (dowstep). J Sosa (2003), utilizando o modelo SP-Tobi
(Spanish- Tones and Break Indices), passa a consider-lo e afirma que o escalonamento uma
vantagem do modelo Sp-ToBi em relao ao modelo Sosa (1999).
Segundo Sosa (2003), o modelo Sp-ToBI um tipo estandarizado de etiquetagem
prosdico criado para transcrever as bases de dados digitalizados. Consiste de vrios estratos
ou nveis smbolos colocados ao longo do oscilograma e do traado da curva dos enunciados,
sendo o mais importante o dos tons e o de ndices de disjuno. Foi o primeiro sistema de
transcrio deste tipo e se estabeleceu como o modelo corrente para etiquetar extensas
amostras de fala.
Tradicionalmente, as lnguas tonais distinguem dois tipos de descida tonal:
(i) Escalonamento descendente (downstep) cada pico mais baixo que o pico
anterior.
(ii) Escalonamento ascendente (upstep) descida tonal de menor magnitude
(declinao).
O escalonamento implica que cada pico escalonado seja mais alto que o anterior
(ascendente), representado com o smbolo // ou mais baixo que o anterior, representado com
o smbolo /!/. Ao considerar o escalonamento, possvel reduzir o nmero de unidades e de
regras de implementao, capturando melhor essas regularidades entonativas e, assim,
conseguir ser mais fonolgico, ou seja, ter uma viso geral (Sosa, 2003).
26
Em Sosa (1999), encontramos o seguinte enunciado:
Figura 4: Anlise de enunciado interrogativo parcial sem escalonamento para o espanhol de Madri (Sosa, 1999:108)
De dnde salieron ustedes?
O enunciado foi analisado com apenas dois acentos tonais, o associado com a
palavra dnde e o nuclear em ustedes. Como no havia uma maneira de expressar
notacionalmente que a palavra salieron possuia um pico reduzido na sua slaba acentuada,
esta foi considerada desacentuada.
Em Sosa (2003), o enunciado foi revisto:
Figura 5: Anlise de enunciado interrogativo parcial com escalonamento para o espanhol de Madri (Sosa, 2003:192)
De dnde salieron ustedes?
A slaba acentuada de salieron possui um acento tonal alto com escalonamento
descendente, pois apresenta um pico reduzido em relao ao pico dnde.
27
Segundo Sosa (2003), o escalonamento pode afetar significativamente a
configurao dos enunciados, j que demonstra se a seqncia de picos ascendente ou
descendente.
Em nosso estudo de enunciados assertivos, continuativos e interrogativos,
consideramos os padres propostos por Sosa (1999) para os enunciados assertivos,
interrogativos totais e interrogativos parciais no espanhol de Madri. Os enunciados
continuativos, como j mencionamos antes, no so descritos por Sosa e os consideramos
uma variante dos enunciados assertivos, atribuindo-lhes os mesmos padres postulados para
os enunciados assertivos em espanhol.
Analisamos o pr-tonema, primeiro vocbulo tnico, e o tonema, ltimo vocbulo
tnico, de cada enunciado, fazendo a atribuio de tons na slaba tnica e na slaba ps-tnica.
Nossas perguntas de pesquisa so: i) O falante nativo E/LM realiza os padres descritos por
Sosa (1999) para a variante madrilenha? ii) Os falantes no-nativos EL/E realizam os padres
do espanhol ou realizam os padres prosdicos descritos por Moraes (1983) para o portugus
brasileiro, fala carioca?
1.6. Estudos entonacionais em portugus
Do ponto de vista fonolgico, Moraes (2003), em seu estudo entonacional do
portugus, tambm utiliza o modelo autosegmental e mtrico proposto por Pierrehumbert
(1980). O modelo prope basicamente uma representao subjacente da entoao e regras
para transformar as representaes fonolgicas em realizaes fonticas. Mais
especificamente, pretende caracterizar os contornos (tunes) possveis da lngua indicando
como a camada tonal se alinha com textos de diferentes extenses e estruturas acentuais.
Os contornos so compostos de seqncias de tons de apenas dois tipos, tom alto (H)
e tom baixo (L), que se apresentam sob trs formas, caracterizando trs distintivos elementos
estruturias: acentos tonais, tons de fronteira e acentos de frase.
Os acentos tonais afetam necessariamente slabas acentuadas do ponto de vista
lexical e podem ser simples ou complexos; os tons de fronteira caracterizam a modulao
meldica no fim de um domnio prosdico e os acentos de frase se localizam tambm na
poro terminal do domnio, entre o acento nuclear e sua fronteira.
28
Os tons de fronteira inicial e o acento de frase foram excludos da anlise de Moraes
(2003), como fez Sosa (1999) para o espanhol, pois estes no geram contrastes no portugus
do Brasil (PB). Em portugus, como em espanhol, estando o acento nuclear prximo do final
do domnio, no se faz necessrio o acento frasal.
No estudo de Moraes (2003), no h tambm acentos bitonais subjacentes no interior
de uma mesma slaba, as variaes meldicas ascendentes e descendentes se definem e
manifestam atravs de acentos bitonais que se localizam em duas slabas adjacentes.
Moraes (2003) considera, portanto, dois nveis de representao subjacente: o tom
alto (H) e o tom baixo (L), tons esses que integram dois tipos de categorias tonais: os acentos
tonais (que podem ser mono ou bitonais) e os tons de juntura.
Para Moraes (2003), considerando o tonema e o pr-tonema as representaes
subjacentes de enunciados assertivos e interrogativos do PB seriam:
Quadro 3: Representaes subjacentes para o portugus (Moraes, 2003)
ENUNCIADOS ASSERTIVOS
L*+H________________________________L*L%
(ataque alto e descida contnua)
ENUNCIADOS INTERROGATIVOS TOTAIS
L*+H ___________________________ L+H*L%
ENUNCIADOS INTERROGATIVOS PARCIAIS
H*_________________________________L*L%
O tonema de um enunciado assertivo seria representado pelo acento tonal L*L% e o
pr-tonema pelo acento bitonal L*+H. O tonema de um enunciado interrogativo total seria
representado pelo acento tonal L+H*L% e o pr-tonema pelo acento bitonal L*+H. O tonema
de um enunciado interrogativo parcial seria representado pelo acento tonal L*L% e o pr-
tonema pelo acento bitonal H*. Moraes (2003), como Sosa (1999), no descreve os
enunciados continuativos, por isso, os consideramos uma variante dos enunciados assertivos,
atribuindo-lhes os mesmos padres postulados para os enunciados assertivos em portugus.
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Em nosso estudo de enunciados continuativos, assertivos e interrogativos,
consideramos os padres propostos por Moraes (2003) para os enunciados assertivos e
interrogativos em portugus como contraste aos padres postulados para o espanhool por Sosa
(1999). A partir da atribuio de tons que faremos de cada enunciado que foi lido pelo
informante nativo E/LM e pelos dois informantes cariocas aprendizes E/LE verificaremos se a
notao que atribumos para cada enunciado corresponde ao padro postulado para o espanhol
por Sosa (1999) ou ao padro postulado para o portugus por Moraes (2003).
1.7. Concluso
O nosso estudo consiste em uma anlise fontica e fonolgica de 20 piadas que
foram lidas em voz alta por um informante madrilenho E/LM e dois informantes cariocas
E/LE. Analisamos o comportamento da slaba tnica e da slaba ps-tnica do pr-tonema
(primeiro vocbulo tnico) e do tonema (ltimo vocbulo tnico) de 20 enunciados retirados
destas piadas, sendo 5 assertivos, 5 continuativos, 5 interrogativos totais e 5 interrogativos
parciais.
Utilizamos o modelo proposto por Pierrehumbert (1980) j que este o mesmo
modelo usado por Sosa (1999) e por Moraes (2003), que se ocuparam em descrever o
espanhol e o portugus, respectivamente. Consideramos os padres propostos por Sosa
(1999) para a variante madrilenha e os propostos por Moraes (2003) para a variante carioca,
dessa maneira, verificaremos se o falante nativo madrilenho realiza esses padres descritos
por Sosa (1999) e se os aprendizes cariocas realizam os padres do espanhol ou os descritos
para o portugus do Brasil por Moraes (2003) ao oralizar cada enunciado em E/LE.
Verificaremos tambm qual o recurso utilizado pelo informante ao ler o enunciado para
contrastar as informaes importantes e relacionar diferentes partes do enunciado de um
modo coerente.
Em suma, na nossa anlise descreveremos i) quais as diferenas prosdicas na
leitura de piadas se comparamos um falante nativo de espanhol e um no nativo que tem
como lngua materna o portugus do Brasil; ii) quais as diferenas no contorno meldico dos
enunciados assertivos, continuativos, interrogativos totais e interrogativos parciais lidos em
E/LM na variante madrilenha e no espanhol como lngua estrangeira; iii) e quais as estratgias
de leitura utilizadas em E/LM e E/LE para orientar as inferncias na leitura de piadas em
espanhol.
30
CAPTULO 2
A LEITURA ORALIZADA DE PIADAS EM ESPANHOL:
GNERO HUMORSTICO E AQUISIO DE LNGUA ESTRANGEIRA (LE)
Antes de tratar dos procedimentos que adotamos para nossa anlise fontica e
fonolgica dos 20 enunciados retirados das 20 piadas que foram lidas em voz alta por um
informante madrilenho E/LM e dois informantes cariocas E/LE, devemos refletir acerca das
caractersticas e especificidades do tipo de corpus que escolhemos.
Neste captulo definimos o gnero piada, sua estrutura narrativa e humorstica bem
como as possveis estratgias de sua oralizao, para isso dividimos nossa anlise em 5
sees.
Na seo 2.1, definimos o gnero piada.
Na seo 2.2, apresentamos os recursos para a interpretao da piada.
Na seo 2.3, tratamos sobre a leitura de piadas em voz alta.
Na seo 2.4, descrevemos foco contrastivo e sua importncia na leitura oralizada de
piadas.
Na seo 2.5, discutimos sobre a interferncia prosdica da lngua materna na
aquisio da lngua estrangeira.
2.1. O gnero piada: estrutura narrativa e esquema de humor
A piada um gnero que se estrutura em torno de um fato ou uma historinha muito
breve que contm um jogo verbal ou conceitual cujo objetivo produzir risos no ouvinte
(Gmez, 1981).
A estrutura narrativa (historinha) se caracteriza, segundo Kleiman (2004:17) pela
marcao temporal cronolgica e pela causalidade. Causa e tempo esto ligados pois muitas
aes so contingentes de outras aes prvias. Outra caracterstica da narrativa o destaque
dado aos agentes (actantes) das aes.
Segundo Kleiman (2004:17), a narrativa padro teria pelo menos as seguintes partes
essenciais: cenrio ou orientao, que onde so apresentados os personagens e acontecem
os fatos, o pano de fundo para a histria; complicao, que o incio da trama propriamente
dita, e resoluo, que o desenrolar da trama at o seu final.
31
Gmez (1981) aponta trs requisitos mnimos que a piada deve preencher:
i) situar-se num terreno inter-individual, ou seja, deve ser contada;
ii) falante e ouvinte devem dividir um certo conhecimento do mundo em que atuam;
iii) falante e ouvinte devem usar o mesmo cdigo, dividir um registro em seu
repertrio lingstico.
Vigara (1994) afirma que a piada um subgnero humorstico e pseudo-literrio,
que se move no terreno da fico e que se define pela sua funo ldica, sua intencionalidade
cmica, sua brevidade, seu efeito surpresa e seu final.
O conjunto de todas essas caractersticas faz da piada algo diferente de qualquer um
dos outros subgneros humorsticos ou cmicos que existem, e o principal responsvel pelo
seu sucesso social e sua presena cada vez maior nos meios de comunicao.
Corts Parazuelos (1995) define a piada como um ato comunicativo (ilocucionrio)
que tem como inteno produzir um efeito concreto: causar graa e provocar risos, ou melhor,
o riso (ato perlocucionrio). Segundo Corts (1995), tambm devemos considerar os
componentes prosdicos e pragmalingsticos, dada a importncia dos gestos, da entonao,
etc. O autor fala das tcnicas da piada oral e divide as piadas em trs tipos: intelectual ou de
contedo, verbal ou de forma e fronteiria.
A piada uma estrutura informativamente muito marcada, j que no respeita a
gradao prpria dos outros textos, pois obriga um salto informao previa em direo ao
golpe de efeito (Giora, 1988). A presena do golpe de efeito obriga a recuperar certos
elementos implcitos e o humor permite descobrir associaes entre palavras e objetos que,
por estar presentes implicitamente, antes no se viam.
O modelo de Raskin (1985) e sua teoria esquemtica se aproxima da noo de
inferncia pragmtica. Pretende construir uma teoria semntica do humor verbal / lingstica e
por meio desta formular as condies necessrias e suficientes para que um texto seja
humorstico, divertido e cmico.
Raskin (1985) pretende se situar na corrente gerativista e tenta aplicar ao humor o
conceito de competncia de Chomsky (1965), segundo o qual competncia significa
conhecimento da lngua, isto , das suas estruturas e regras. Com isso, Raskin (1985) quer
construir um modelo formal da teoria do humor. neste ponto que est a possibilidade de se
estabelecer um paralelismo entre a Teoria Gerativista e a Teoria do Humor: assim como um
individuo possui a competncia gramatical para identificar os elementos que pertencem ou
no lngua, tambm se intui que h uma espcie de competncia para entender e desfrutar
uma piada.
32
Rosas (2002) afirma que ainda que se possa estabelecer um paralelismo, aplicar ao
humor um termo demasiado tcnico como o de competncia perigoso j que a
gramaticalidade das construes lingsticas so reconhecidas sempre e de forma automtica,
enquanto que a suposta competncia humorstica falha em muitas ocasies pois nem sempre
se identifica ou se entende uma piada. A competncia gramatical absolutamente
independente da capacidade de entender/reconhecer piadas e por tanto, a capacidade
lingstica est totalmente dissociada da capacidade humorstica.
Raskin (1985) pratica a semntica de scripts (esquemas), ou seja, no distingue entre
dicionrios e enciclopdia e aceita que a teoria semntica tem que se ocupar tambm de coisas
muito complicadas como por exemplo a variao do significado das palavras em
determinados contextos. A idia de Raskin (1985) que necessrio uma teoria semntica
que inclua a informao enciclopdica e a explique de forma coerente.
Um esquema uma grande quantidade de informao semntica associada ou
invocada por uma palavra. uma estrutura cognitiva interiorizada que faz parte do
conhecimento de mundo do falante. H esquemas prototpicos como, por exemplo, ir ao
cinema: uma pessoa compra a entrada, entra, compra pipoca, se dirige sala de projeo, etc.
Segundo Kleiman (2004: 23), o esquema determina em grande parte nossas expectativas sobre
a ordem natural das coisas e tambm nos permite economia na comunicao, pois podemos
deixar implcito aquilo que tpico de determinda situao.
Kleiman (2004:23) afirma ainda que o esquema permite economia e seletividade na
codificao de nossas experincias, isto , no uso das palavras com as quais temos que
descrever para outro as nossas experincias; podemos lexicalizar uma srie de impresses,
eventos discretos atravs de caractersticas lexicais mais abrangentes e gerais e ficar
relativamente certos de que nosso interlocutor nos compreender.
De acordo com Raskin (1985), para estudar os efeitos humorsticos necessrio uma
teoria semntica de carter conceitual. Sua principal hiptese a de que um texto pode ser
caracterizado como uma piada se cumpre/satisfaz duas condies: i) ser compatvel parcial ou
plenamente com dois esquemas diferentes; ii) os dois esquemas devem se opor em um sentido
especial.
Os esquemas costumam conter informaes esteriotipadas / prototpicas e a relao
que deve haver entre os dois esquemas a de antonmia local com respeito relao descrita
na piada. Desta forma, oposies possveis podem ser:
- real x no existente;
- estado de coisas normal x estado de coisas anormal;
33
- possvel x impossvel.
Seria possvel, ento, reduzir todas as piadas de acordo com as possveis oposies
semnticas (sexual, tnica, poltica...)
No entanto, fazer uma lista de coisas que podem se opor, no explica porque
determinadas coisas so engraadas. O primeiro esquema o que ativa a informao da
primeira parte do texto (piada). Um esquema um marco conceitual que d sentido a uma
ao e as oposies so as fundamentais pertencentes ao conceito de mundo do indivduo:
vida/morte; bom/mal; verdadeiro/falso, etc.
As 20 piadas que compes o corpus desse trabalho possuem a mesma estrutura: so
dilogos entre homens (pai-filho, amigo-amigo, vendedor-cliente, advogado-testemunha) e
sempre h uma pergunta que guia o participante ao golpe de efeito. Como j foi dito antes, o
golpe de efeito obriga o participante a recuperar elementos implcitos, esses elementos podem
ser referentes ao processo ou s circunstncias e vo resultar no humor da piada. Nossa
pergunta de pesquisa, no que diz respeito aos enunciados assertivos, continuativos,
interrogativos totais e parciais : qual a funo de cada uma destas modalidades de enunciado
dentro do esquema humorstico e da estrutura narrativa da piada?
2.2. A interpretao da piada: dimenso pragmtica do humor
Quando o emissor e o receptor esto ambos empenhados no modo de comunicao
humorstico, ou seja, quando o primeiro procede deliberadamente produo, ou
transmisso, de uma piada (no sendo o caso, por exemplo, das ambigidades acidentais e
involuntrias) e quando o segundo est conscientemente receptivo face a ela, diz Raskin
(1985) que esto envolvidos num especfico princpio de cooperao, cujas mximas, em
contraponto com a teoria griceana rezam assim:
oferea somente a informao necessria piada
diga somente o que compatvel com o mundo associado com a piada.
diga somente o que relevante para a piada.
diga a piada de maneira eficiente (contar adequadamente)
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O que estabelece Raskin (1985) o chamado PCH (princpio de colaborao
humortico), que estaria por cima do PC (princpio de cooperao) de Grice (1989),. Assim,
ainda que no se estabelea o PC, spode-se interpretar uma piada porque se obedece o PCH e
partir da, se possibilita a comunicao. Ou seja, o PCH se relaciona ao sistema non bona
fide (no srio) de comunicao enquanto que o PC ao bona fide (srio).
Curc (1995) concentra como objetivo de pesquisa os mecanismos cognitivos
associados ao humor e em suas propriedades formais. O que estuda est na interao entre os
falantes e o contexto j que considera o humor verbal intencional como forma de
comunicao.
Opondo-se s consideraes de muitos autores, afirma que h um modo de
comunicao diferente, que no h nenhum desvio e que os mecanismos que so usados para
interpretar as pidas so os mesmos que em outras situaes. Ou seja, defende a idia de que
no necessrio uma teoria dos textos humorsticos, mas uma teoria sobre como os ouvintes
chegam a interpretar os textos humorsticos.
A teoria de Curc (1995) se aplica a todas as piadas que apresentam incongruncia e
resoluo de incongruncia. Retomada a forma de pensar a incongruncia de Forabosco
(1992): um estmulo incongruente quando difere do modelo cognitivo de referncia. Tal
modelo cognitivo uma representao ou mini teoria que o sujeito emprega na sua relao
com a realidade; um esquema que conceitualiza o que o rodeia. Quando um estmulo difere
de determinado modelo o esquema, surge a incongruncia.
Dessa forma, tal teoria se baseia na relao do estmulo com a relao mental do
indivduo. Mas, que efeitos tem a incongruncia sobre a interpretao humorstica? Se supe
que a incongruncia no est nos estmulos mas no processo de interpretao quando duas
incongruncias possuem a mesma fora e se chocam.
A autora afirma ter identificado trs mecanismos pragmticos que habitualmente
atuam nas representaes humorsticas: o falante dirige o ouvinte em direo recuperao de
formas proposicionais que entram em conflito (surge a incongruncia); normalmente a
contradio se d explicitamente e o suposto enciclopdico sempre est presente na
caracterizao do falante com mais ou menos fora.
Em outras palavras, partir da contradio que se observa, o que conta a piada faz
com que o ouvinte recupere uma premissa implcita a partir do princpio de relevncia e o
obriga a recuperar um suposto implcito que gera outro suposto implcito contraditrio e da a
incongruncia.
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O humor manipula o implcito e em grande parte, o prazer resulta em recuperar o
implcito. Deve se resolver a incongruncia apresentada pela piada e se h resoluo de
incongruncia, porque o princpio de relevncia nos arrasta a isso. A resoluo da
incongruncia consiste em supor que o interlocutor resolve a contradio se dissociando de
um dos supostos, atribuindo tal suposto a outros possveis falantes / pessoas. um mecanismo
absolutamente natural que se pratica todos os dias.
No entanto, Curc (1995) diz que a pesar do importante papel que desempenha a
incongruncia nas piadas, essa no a noo crtica na explicao do humor verbal. Ou seja,
ainda cr nos efeitos humorsticos, na realidade, os tipos de efeitos presentes nas piadas
derivam da busca da relevncia. Ao forar ao falante ao tratar o incongruente, os falantes
facilitam a recuperao do conjunto de supostos implicados e deste ponto de vista, para
Curc, a incongruncia um meio para transmitir uma atitude implcita de dissociao, mas
no a essncia do humor.
Attardo (1993) desenvolve uma anlise do humor desde uma perspectiva inferencial
e segue a teoria das mximas conversacionais de Grice (1989). Admite que h ambigidade
na piada e define que a teoria do processamento de piadas deve distinguir dois momentos na
desambiguao do mesmo. No inicio do processo, se estabelece uma primeira isotopia/
sentido (S), at que o receptor se encontre com um elemento que causa a passagem do
primeiro sentido ao segundo (S), que contradiz o primeiro. A passagem de S para S deve ser
inesperada, por um lado , e imediata, por outro, para no supor um esforo mental muito
grande.
A teoria do processamento das piadas de Attardo (1993) defende que os enunciados
humorsticos so especiais no porque exploram as mximas conversacionais de Grice (1989),
mas porque as violam. Apresenta exemplos de como podem surgir efeitos humorsticos da
violao de cada uma das mximas e afirma que nenhuma derivao das implicaturas
restaurar o suposto de que se est respeitando o princpio de coorperao (Torres Snchez,
1999).
O que se viola, portanto, o princpio de cooperao e, segundo Attardo (1993), isto
gera um problema j que como poderiam os falantes conseguir uma comunicao atravs das
piadas se estas no seguem o princpio de cooperao? Nos exemplos expostos pelo autor
aparecem casos de comportamento no cooperativo e apesar disso, ainda assim tem sentido
porque se interpretam e se reconhecem como piadas.
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Em outras palavras, a aplicao da mencionada teoria das piadas, baseada nas
mximas de Grice (1989), na realidade no se viola porque o falante ainda que aparentemente
viole umas das mximas, cooperativo. O problema consiste em explicar o paradoxo de uma
inteno exitosa que viola os princpios nos quais tal interao se baseia.
Attardo (1993) no considera a possibilidade do ouvinte fazer interpretaes
alternativas das piadas (como algo rude, grosseiro, etc) porque acredita que h um princpio
de cooperao diferente que, aplicado piada, se encarrega de estabelecer a comunicao no
modo non bona fide (no srio) que o que se utiliza na hora de contar as piadas.
No modo de comunicao non bona fide, violar uma mxima no significa que o
falante vai seguir outra diferente, mas sim, que ao violar a mxima, segue um princpio de
cooperao diferente. A princpio, a inteno humorstica inferida por defeito e as outras
alternativas possveis ao contexto as piada somente surgiriam quando aquela falhasse.
O que Attardo (1993) discute no seu artigo que, na realidade, as piadas no violam
o PC (Princpio de Cooperao) e estabelece que a verdadeira violao, de pelo menos uma
das mximas de cooperao bona fide (de Grice), faz o narrador ou os personagens da piada.
No entanto, as piadas possuem sucesso como elemento comunicativo se trabalham segundo
suas prprias regras.
Ou seja, se a piada tem sucesso, a pesar de estar violando uma mxima, est claro
que seu texto leva informao positiva e os falantes o utilizam para se aproveitar dessa
capacidade e ao mesmo tempo conseguir muitos outros propsitos.
As piadas podem ter dois tipos de interpretao:
- o ouvinte percebe a violao das normas propostas por Grice (1989) e devido a
incongruncia no consegue entender a mensagem;
- o ouvinte percebe a violao das normas propostas por Grice (1989) mas
reinterpreta o texto e o percebe como uma piada, conseguindo assimilar e entender a
informao transmitida.
Segundo Kleiman (2004), a compreenso de um texto um processo que se
caracteriza pela utilizao de conhecimento prvio: o leitor usa na leitura o que ele j sabe.
atravs da interao de diferentes nveis de conhecimento que o leitor consegue construir o
sentido do texto.
No que diz respeito aos aspectos cognitivos da interpretao da piada, fundamental
a interao dos conhecimentos lingsticos, textuais e de mundo ativados no processamento
do texto. Segundo Kleiman (2004), para haver compreenso durante a leitura 3 fatores so
importantes:
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i) os referentes devem ser identificados e o texto deve ser fragmentado ou fatiado de
acordo com base no conhecimento gramatical de constituintes, esse conhecimento permite a
identificao de categorias e as funes desses segmentos ou frases;
ii) o conjunto de noes e conceitos sobre o texto e o tipo de interao devem ser
ativados;
iii) o conhecimento de mundo relevante para o esquema apresentado deve estar
ativado, ou seja, deve estar num nvel ciente, e no perdido no fundo da memria.
A leitura interpretao a primeira etapa da experincia de leitura que
desenvolvemos com nativos e no nativos. A segunda etapa a leitura oralizada da piada.
Trata-se de dois procedimentos distintos: a interpretao do texto escrito e a oralizao do
texto escrito. Na gravao das 20 piadas do nosso corpus era importante que o informante,
nativo ou no nativo, reconhecesse a incongruncia e conseguisse assimilar e entender a piada
porque, dessa maneira, ele poderia oralizar o texto escrito priorizando os elementos relevantes
de cada piada e fazendo uma melhor planificao dos fenmenos prosdicos.
2.3. A leitura em voz alta de piadas: oralizao de um texto escrito
A leitura e a fala espontnea so dois fenmenos da oralidade que se diferenciam
facilmente pelo seu modo de produo. A leitura em voz alta est condicionada pelo
contedo do texto interpretado, em funo das indicaes explcitas ou implcitas. A fala
espontnea est condicionada pelo processo cognitivo de conceitualizao (Len, 1993).
Durante o processo de leitura, o locutor no precisa gerar as frases, o que lhe permite
uma planificao dos fenmenos prosdicos, que resulta do domnio de um cdigo de
oralizao, ou seja de uma relao preestabelecida entre elementos da lngua escrita e a
realizao oral (Vaissire, 1997). A aprendizagem da prosdia da leitura independente da
aprendizagem da prosdia da fala (Guaitella, 1991).
A leitura oralizada implica na apreenso perceptual das estruturas escritas e na
oralizao dessas estruturas graas cdigos de oralizao. O ritmo visual da decodificao
est determinado pela dimenso espacial do texto e de sua pontuao. Desde a etapa inicial da
conceitualizao do texto at sua oralizao, h vrias fases de codificao. No momento da
oralizao da leitura, dispe-se necessariamente de um material escrito que passou por
estruturaes, modificaes, em vista da elaborao do texto definitivo.
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Ao contrrio na fala espontnea, a conceitualizao e a oralizao do texto so quase
simultneas. Trata-se de um modo de produo oral marcado por um racioconio que est em
vias de elaborao. O ritmo determinado pela atividade de conceitualizao em si, pela
planificao do discurso, pelos diversos nveis de comunicao e pelo acesso ao lxico.
Portanto, os mecanismos cognitivos que esto em jogo na leitura oralizada e na fala
espontnea so diferentes. Guaitella (1991) assinala que na fala espontnea h uma aparente
liberdade, mas que esta liberdade est sempre limitada pelas restries da situao sem
preparo, improvisada.
Na fontica experimental, a fala de laboratorio e fala contnua, respresentam um tipo
de corpus dominante. A concepo base a lngua escrita que trate da leitura de textos em
continuo ou de unidades criadas em funo da pesquisa realizada: frases palavras ou
logatomos. Essas modalidades correspondem uma situao muito especfica de leitura com
relao um grande nmero de possibilidades, tais quais a aula de leitura na escola, a
leitura radiofonica de uma noticia, uma exposicao oral ou a oralizao teatral de um texto
dramatizado por um ator (Guaitella, 1991).
A leitura em situao experimental de palavras ou de frases isoladas (fala de
laboratorio) permite medir, com tcnicas acsticas e articulatrias, vrios elementos da
durao segmental. A leitura de textos (fala contnua) est na origem dos primeiros estudos e
modelos prosdicos, ainda muito ligados no comeo a estrutura e a sintaxe da lngua escrita.
Depois disso, as questes que concernem a prosdia foram se dirigindo pouco a pouco ao uso
puramente oral da lngua e da gramtica especfica. A leitura vai cedendo lugar a fala em
termos de anlise.
No nosso trabalho h dois tipos de leitura: a leitura interpretao das piadas
masculinas que circulam pela internet (so piadas feitas para circular visualmente pela rede,
de consumo rpido e que raramente so oralizadas, a no ser quando fazemos o outro ouvir o
que estamos lendo. ou quando as usamos em uma situao didtica, por exemplo, em aulas de
LE ou LM) e a leitura oralizada dessas piadas em situao experimental (pedimos aos
informantes que lessem essas piadas e parte delas vrias vezes em voz alta, gravando sua
performance de interpretao oral).
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Na leitura interpretao, segundo Kleiman (2004:25): a ativao do conhecimento
prvio , ento, essencial compreenso, pois o conhecimento que o leitor tem sobre o
assunto que lhe permite fazer as inferncias necessrias para relacionar diferentes partes
discretas do texto num todo coerente. Este tipo de inferncia, que se d como decorrncia do
conhecimento e mundo e que motivado pelos itens lexicais no texto um processo
inconsciente do leitor proficiente.
A leitura humorstica se instaura por meio de uma bissociao: no explcito ou no
implcito. Suas concluses evidenciam que o humor tem a bissociao que o funda realizada
sempre num nvel implcito, mas com uma remisso sempre ao metaplcito de uma regra ou
valor do grupo social. Certamente isto tem implicaes na leitura do texto humorstico do
gnero piada: as partes consideradas relevantes na oposio do Esquema S1 ao esquema S2,
tem algum tipo de destaque ou proeminncia prosdica na oralizao do texto escrito? Qual o
tratamento prosdico na leitura oralizada dos itens lexicais, dos elementos da narrativa ou dos
componentes do esquema de humor, relevantes para a interpretao da piada?
2.4. Foco contrastivo na leitura oralizada de piadas.
Zubizarreta (1999), seguindo Chomsky (1976) define o foco em termos da noo
discursiva de pressuposio: o foco a parte no-pressuposta da orao. A parte
pressuposta da orao a informao compartilhada e a parte no-pressuposta aquela no
compartilhada pelo falante e pelo ouvinte no momento em que se emite a orao em um dado
discurso. O discurso um processo dinmico e um ato de comunicao que cria, tipicamente,
um incremento ou modificao na informao compartilhada.
Segundo Zubizarreta (1999), podemos distinguir dois tipos de foco: o foco neutro e
o foco contrastivo. O foco neutro aquele que se identifica por meio de uma pergunta e o
foco contrastivo aquele que se identifica por meio de uma assero. No foco neutro, na
medida em que a pergunta e a resposta correspondente compartilham a mesma pressuposio,
possvel identificar o foco de uma assero como a parte da assero que substitui ao
pronome interrogativo no pergunta correspondente. No foco contrastivo, se nega uma o valor
atribudo pela pressuposio uma certa varivel, e se atribui um valor alternativo a essa
varivel.
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Em espanhol, como em muitas outras lnguas, a proeminncia prosdica
desempenha um papel fundamental na identificao do foco. Todo enunciado vai
acompanhado de uma melodia ou entoao, a qual se pode descrever, no nvel abstrato, como
uma seqncia de acentos tonais. A melodia pode estar constituda por um ou mais grupos
meldicos ou constituintes prosdicos. Dentro do grupo meldico, uma das palavras se
destaca como mais proeminente.
Segundo Sosa (1999), destacar certas palavras de um enunciado denominado
focalizao e um modo muito comum de fazer isso simplesmente variar o tipo de acento
tonal associado com a palavra a ser destacada.
O acento tonal associado palavra de maior proeminncia pode ser chamado de
acento nuclear neutro, quando o foco neutro, e acento nuclear constrastivo (ou enftico),
quando o foco contrastivo. O acento nuclear neutro se coloca sobre a ltima palavra do
grupo meldico e o acento nuclear enftico aparece nas outras posies, sobre qualquer
morfema acentuvel, como, por exemplo, sobre o sujeito.
Quais so os parmetros acsticos da proeminncia correspondem ao foco
contrastivo na oralizao das piadas? Qual a funo que essas proeminncias relativas ao
foco contrastivo tem na orientao de inferncias no que diz respeito interpetao da piada,
opondo o esquema S1 ao esquema S2 e ao conhecimento de mundo implicitamente ativado
pela orientao ou cenrio da piada?
2.5. A interferncia prosdica na aquisio da segunda lngua
Um aprendiz brasileiro de E/LE, devido ao fato do portugus e do espanhol serem
consideradas lnguas prximas, pode ter acelerado alguns aspectos na aprendizagem do
espanhol e, ao mesmo tempo, pode ter intesificado o grau da transferncia em nveis lexicais e
prosdicos.
O termo interferncia pode ser definido como sinnimo de transferncia, sendo a
incorporao de elementos de uma lngua na produo em outra lngua. No caso da
aprendizagem de lngua estrangeira (LE), elementos da lngua materna (LM) de um aprendiz
aparecem em sua produo na LE.
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Segundo hipteses behavioristas sobre a aprendizagem, a interao entre LM e a LE
na aquisio de segundas lnguas se daria de maneira a facilitar a aprendizagem da LE
naqueles pontos em que o par lingstico LM e LE apresentasse semelhanas, ao passo que as
diferenas entre as lnguas implicariam dificuldade de aprendizagem e maior concentrao
dos erros dos aprendizes.
Desse ponto, parte a proposta de estratgias de ensino de LE baseadas em estudos
contrastivos detalhados: seria desejvel arrolar exaustivamente diferenas entre LM e LE, e
dirigir o trabalho pedaggico especialmente para essas diferenas. Objees a essa viso vo
principalmente no sentido de apontar a sua fundamentao numa concepo taxonomista da
aquisio de LE como um processo linear de progressivo acmulo mecnico de um repertrio
de palavras e estruturas.
Em um importante trabalho sobre o papel da LM na aquisio de LE, Corder (1993)
manifestou desacordo com o ponto de vista bahaviorista das relaes entre LM e LE na
aquisio de LE, por considerar a existncia de vrias evidncias empricas de sua
inadequao. Ele rejeita o conceito de interferncia, por seus vnculos com vises
bahavioristas e taxonomistas de aquisio de LE e recomenda cuidado no uso da palavra
transferncia.
Para Corder (1993), o processo de aquisio consistiria na criao de um corpo de
conhecimentos implcitos sobre o qual o aprendiz constri seus enunciados na LE. Adquirir
uma lngua um processo criativo no qual os aprendizes, em interao com o meio, vo
construindo uma representao internalizada das regularidades percebidas nos dados
lingsticos a que so expostos.
O processo de aquisio, segundo Corder (1993), seria dinmico j que os
aprendizes passam por fases continuadas de aprendizagem, com a chamada interlngua se
refazendo e se reestruturando constantemente e sistematicamente no contato com material
lingstico novo (input) que reforce ou desestabilize hipteses j construdas sobre o
funcionamento da LE.
Sobre o papel da LM nesse proceso, Corder (1993) aponta que h uma relao clara
entre a velocidade da aquisio e a chamada distncia lingstica, de modo que quanto mais
parecida a LM e a LE aprendida, maior a ajuda que a LM poderia dar na aquisio da LE, e,
quanto menos similares, menor essa ajuda. Assim, entre lnguas prximas, o processo de
aquisio costuma ser mais acelerado.
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O papel da LM na aquisio de uma LE seria ento um papel heurstico e facilitador:
auxiliaria no processo de descoberta e criao de representaes da nova lngua. No caso de
lnguas distantes, no teramos interferncia como inibio causada pelo hbito da LM
sobre o processo de aquisio da LE, mas apenas ausncia ou falha do componente
facilitador.
O fenmeno do emprstimo explicaria a interferncia, quando entendida como o
aparecimento na produo em LE de caractersticas da LM. Corder (1993) define o
emprstimo como um fenmeno prprio do desempenho, uma estratgia cominucativa
caracterizada pelo uso temporrio ou permanente de um elemento de uma lngua na produo
em outra.
Corder (1993) sustenta ainda que no seria apropriado falar de interferncia ou
transferncia no caso de um uso temporrio ou permanente, pois o falante simplesmente usa
sua LM para expressar certo estado de coisas por no ter, em sua interlngua, meios para faz-
lo, e, assim como no dizemos que uma pessoa est realizando transferncia quando usa sua
lngua materna em outro contexto, tambm no deveramos faz-lo neste caso. Em situaes
em que uma presso comunicativa excede o conhecimento, o emprstimo aparece mais
acentuadamente. Essa uma estratgia que perde fora medida que se conhece melhor a LE.
A freqncia do recurso ao emprstimo como estratgia comunicativa uma funo
da percepo que o f