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ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON
PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS
EM SERVIDORES DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA
DE MATO GROSSO DO SUL
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE - MS
2014
ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON
PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS
EM SERVIDORES DE UMA UNIVERSIDADE PUBLICA
DE MATO GROSSO DO SUL
Dissertao apresentada ao Programa de
Mestrado e Doutorado em Psicologia da
Universidade Catlica Dom Bosco, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de
Mestre em Psicologia, rea de concentrao:
Psicologia da Sade, sob a orientao da Prof.
Dr. Liliana Andolpho Magalhes Guimares.
UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE - MS
2014
Ficha catalogrfica
Alarcon, Andria de Cssia Rodrigues Soares
A321p Prevalncia de transtornos mentais comuns em servidores de uma
universidade pblica de Mato Grosso do Sul./ Andria de Cssia Rodrigues
Soares Alarcon; orientao Liliana Andolpho Magalhes Guimares. 2014.
95 f.+ anexos
Dissertao (mestrado em psicologia) Universidade Catlica Dom
Bosco, Campo Grande, 2014.
1. Transtornos mentais 2. Sade mental 3. Sade do trabalhador
I. Guimares, Liliana Andolpho Magalhes II. Ttulo
CDD 616.89
A dissertao apresentada por ANDRIA DE CSSIA RODRIGUES SOARES ALARCON,
intitulada PREVALNCIA DE TRANSTORNOS MENTAIS EM SERVIDORES DE UMA
UNIVERSIDADE PBLICA DE MATO GROSSO DO SUL como exigncia parcial para
obteno do ttulo de Mestre em PSICOLOGIA Banca Examinadora da Universidade
Catlica Dom Bosco (UCDB), foi .......................................
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares - UCDB
(Orientadora)
_________________________________________________
Prof Dr Helosa Bruna Grubits - UCDB
___________________________________________
Prof Dr Flavins Rebolo - UCDB
_________________________________________________
Prof Dr Edelvais Keller- UFJF
Campo Grande/MS, _____ de _________________ de 2014.
Aos meus filhos Joo Victor e Natlia
Maria, razo da minha vida, meu amor
mais puro.
Ao meu esposo Joo Bosco, meu amor
verdadeiro.
AGRADECIMENTOS
A Deus por me proporcionar a vida e me permitir momentos maravilhosos de
crescimento e realizao de sonhos, debaixo de suas poderosas mos.
Aos meus pais, por sempre me mostrarem a importncia do conhecimento,
acreditando nos meus anseios e ideais. Em especial, agradeo minha me, Alzerina, que foi o
colo para os meus filhos nos momentos de minha ausncia e minha sogra Elvira, que
tambm me ajudou com as crianas em vrios momentos desta trajetria. A ambas, agradeo
o incentivo desde o incio, o apoio e a segurana de ter com quem contar e deixar meus filhos
com tranquilidade, pelo incentivo e confiana em todos os momentos, para a realizao deste
trabalho.
Ao meu esposo Joo Bosco, pelo incentivo, carinho, amor, por acreditar no meu
potencial ao longo de toda essa trajetria, sem jamais perder a calma nas horas difceis e ser
pe dos nossos filhos nesses tempos de ausncia.
Aos meus filhos Joo Victor e Natlia Maria, pela compreenso da minha
ausncia e falta de tempo em todos os momentos e por serem meu maior incentivo para
continuar galgando degraus mais altos em minha carreira.
Aos meus irmos, Wania, Alessandra, Adilson e Arley, meus cunhados, meus
queridos sobrinhos, pelo incentivo, amor e carinho a mim dedicados e por entenderem todos
os momentos da minha ausncia.
Agradeo de corao a toda a minha famlia, pela torcida, carinho, compreenso e
principalmente pelas oraes ao longo dessa jornada.
Profa Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares, pela orientao segura e
paciente, pelo apoio, a mo estendida e o carinho ao longo de todo o curso. Seu estmulo e sua
dedicao constantes foram primordiais para a concretizao desse trabalho.
Aos colegas de turma no Mestrado, principalmente, Aline, Iris, Leciana e
Rodrigo, pela troca afetiva e intelectual nessa jornada, que se tornaram alm de amigos,
irmos de caminhada.
A minha amiga mestra Juliana Cestari, que sempre me estendeu a mo no
momento certo, colaborando de maneira incansvel para a realizao desse sonho.
Luciana, secretria do Programa de Ps-Graduao Mestrado e Doutorado em
Psicologia da UCDB, pela ateno permanente s minhas solicitaes.
Aos integrantes do Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida do
Trabalhador, que por meio das discusses dos temas abordados, ajudaram muito na minha
pesquisa.
Aos meus chefes e amigos do Hospital Universitrio, que acreditaram no meu
sonho e capacidade, proporcionando-me momentos de aprendizado e principalmente de
solidariedade, em especial ao enfermeiro Eleandro Almeida, amigo, companheiro, que sempre
esteve pronto para me substituir nas ausncias, cobrindo meu setor com amor e
companheirismo, tendo o cuidado para no deixar nada faltar.
UFMS, por acreditar no meu potencial e consequentemente no deste estudo e
abrir as portas para realizao desta pesquisa.
A todos os servidores da UFMS, que participaram deste estudo, que facilitaram os
estafantes dias de coleta de dados em campo, recebendo-me com carinho, e tambm com um
cafezinho, tornando possvel sua realizao.
UCDB, por meio do Programa de ps-graduao Mestrado e Doutorado em
Psicologia, por proporcionar-me um curso de qualidade para a realizao deste sonho.
A UFMS, sucessora da Universidade Estadual de Mato Grosso,
aqui evidenciada em suas duas histrias, precisa deste trabalho
irresistvel (nada se constri sem trabalho) e de todos, para no
fenecer, nem se estiolar e no passarmos a fazer parte dos
povos dispensveis. Mas isto no acontecer porque a
Universidade tem o sentido de formar e fazer crescer as
pessoas, os reitores, professores, alunos e servidores, com a
dignidade dos que trabalham num templo do saber,
redobraro seus esforos, assumindo responsabilidades que
lhes so devidas, para no buscarem no arrependimento de
amanh o consolo para as omisses de hoje. (Joo Pereira da
Rosa, 1 Reitor, 25 de novembro de 1970).
Sem a curiosidade que me move, que me inquieta,
que me insere na busca, no aprendo nem ensino.
(FREIRE, 1996, p. 85)
RESUMO
Introduo- O adoecimento psquico um dos grandes problemas enfrentados na atualidade,
comprometendo a sade da populao trabalhadora e, representando um elevado nus para a
sade pblica. Os Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho
representam a segunda causa para afastamentos, colocando em pauta a questo da sade
mental do trabalhador, que neste estudo ser acessada por meio dos Transtornos Mentais
Comuns (TMC) dos servidores tcnico-administrativos e docentes de uma universidade
pblica de Mato Grosso do Sul. Os TMC so um conjunto de sintomas no psicticos
caracterizados pela presena de insnia, fadiga, dificuldade de concentrao, esquecimento,
ansiedade, queixas somticas e irritabilidade, entre outros. Objetivos- Estimar a prevalncia
de Transtornos Mentais Comuns e fatores associados em servidores de uma universidade
pblica federal. Mtodo- Trata-se de um estudo epidemiolgico, de corte transversal, cujo
indicador de escolha foi a prevalncia de Transtornos Mentais Comuns. De um universo de
1545 servidores e uma populao de N=863, foi investigada uma amostra por convenincia,
composta por n=315 servidores (36,50%), no perodo de outubro a dezembro de 2013. Para
acesso aos dados, foram aplicados dois instrumentos de forma individualizada e assistida: (i)
o Questionrio scio demogrfico e ocupacional (QSDO) e (ii) o Self Reporting
Questionnaire (SRQ-20), um instrumento rastreador de suspeio para TMC, de auto-relato.
A anlise estatstica foi realizada com nvel de significncia p < 0,05, clculo da razo de
prevalncia e intervalos de confiana de 95%. Resultados- A prevalncia de Transtornos
Mentais Comuns foi de 18,4%, considerada alta quando comparada da populao geral (20 a
25%). Como fatores associados maior prevalncia de TMC destacaram-se, em ordem
decrescente: ter tido problemas de sade relacionados ao trabalho nos ltimos 12 meses, ser
do sexo feminino, ter o doutorado como maior titulao acadmica, estar na faixa etria entre
33 e 40 anos e considerar sua qualidade de vida como regular. Concluso- A prevalncia de
Transtornos Mentais Comuns pode ser considerada alta, em se tratando de populao
economicamente ativa. Foram identificados fatores associados aos TMC que podem interferir
na sade mental da amostra. Os resultados deste estudo indicam que parte dos fatores
relacionados aos Transtornos Mentais Comuns, passvel de interveno preventiva.
Palavras-chave: Transtornos Mentais Comuns. Servidores Pblicos Federais. SRQ -20.
Universidade. Sade mental.
ABSTRACT
Introduction- The mental disorder is one of the major problems faced today, compromising
the health of the working populations, representing a high burden to public health. The mental
and behavior disorders related to work are the second cause for sick leaves, putting on the
agenda the issue of mental health workers, that in this study with the technical-administrative
staff and teachers of a public university of Mato Grosso do Sul, will be accessed by the
Common Mental Disorders (CMD). CMD are a set of non-psychotic symptoms characterized
by the presence of insomnia, fatigue, difficulty concentrating, forgetfulness, anxiety, somatic
complaints and irritability, among others. Aims- To determine the prevalence of Common
Mental Disorders and associated factors in a university public federal workers Method- This
is an epidemiological and cross-sectional study, whose indicator of choice was the prevalence
of Common Mental Disorders. From a universe of 1545 servers and a population of N = 863, was investigated a convenience sample consisting of n=315 servers (36.50 %), in the period
between October-December of 2013. To access the data, were applied two instruments
individually and assisted: (i) a demographic and socio occupational questionnaire (QSDO)
and (ii) the Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), a screening for CMD suspicion, self-
report. Statistical analysis was performed with a significance level p
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AET Anlise Ergonmica do Trabalho
CAGE Teste de triagem de alcoolismo
CAPS Centro de Ateno Psicossocial
CAT Comunicao de Acidente no Trabalho
CF Constituio Federal
CFP Conselho Federal de Psicologia
CLT Consolidao das Leis Trabalhistas
CPDO Campus de Dourados
DM Doenas Mentais
ES Esprito Santo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
MG Minas Gerais
MS Mato Grosso do Sul
NIN Ncleo de Informtica
OIT Organizao Internacional do Trabalho
OMS Organizao Mundial de Sade
PCCTAE Plano de Carreira dos Cargos Tcnico-Administrativo em Educao
PE Pernambuco
PROGEP Pr-reitoria de Gesto de Pessoas
PST Programa de Sade do Trabalhador
QMPA Questionrio de Morbidade Psiquitrica em adultos
QSDO Questionrio Sociodemogrfico - Ocupacional
RS Rio Grande do Sul
SRQ Self Reporting Questionnaire
STM Suspeio para Transtorno Mental
SUS Sistema nico de Sade
SP So Paulo
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TM Transtornos Mentais
TMC Transtornos Mentais Comuns
TMM Transtornos Mentais Menores
UCDB Universidade Catlica Dom Bosco
UEMT Universidade Estadual de Mato Grosso
UFB Universidade Federal do Bolso
UFES Universidade Federal do Esprito Santo
UFGD Universidade Federal da Grande Dourados
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UFPAN Universidade Federal do Pantanal
UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Prevalncia de Transtornos Mentais Comuns na amostra, com suspeitos e no
suspeitos no SRQ-20 ............................................................................................ 66
Tabela 2 - Correlao do fator sexo com suspeio para TMC ............................................. 67
Tabela 3 - Correlao do fator faixa etria, com suspeio para TMC ................................. 67
Tabela 4 - Correlao do fator problema de sade relacionado ao trabalho nos ltimos 12
meses e suspeio para TMC ................................................................................ 68
Tabela 5 - Correlao do fator qualidade de vida com suspeio para TMC ........................ 68
Tabela 6 - Correlao do fato fazer uso de medicao com suspeio para TMC ............. 69
Tabela 7 - Correlao do fator avaliao do ambiente de trabalho, com suspeio para
TMC ...................................................................................................................... 69
Tabela 8 - Regresso logstica para variveis sociodemogrficas e ocupacionais ................ 70
Tabela 9 - Regresso logstica para os dados sociodemogrficos e ocupacionais mais
significativos da amostra ...................................................................................... 71
SUMRIO
I INTRODUO ................................................................................................................... 14
II REFERENCIAL TERICO ............................................................................................ 19
2.1 O SERVIDOR PBLICO FEDERAL: CONJUNTURA SOCIAL E SOFRIMENTO
PSQUICO ......................................................................................................................... 20
2.1.1 Breves notas sobre a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul ................. 24
2.2 SADE DO TRABALHADOR ........................................................................................ 27
2.2.1 Breve histrico ........................................................................................................ 27
2.3 SADE MENTAL E TRABALHO .................................................................................. 33
2.3.1 Abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental do trabalhador ............... 40
2.4 EPIDEMIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS E IMPACTOS SOCIAIS ........ 43
2.5 SOBRE OS TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ..................................................... 46
III OBJETIVOS ..................................................................................................................... 50
3.1 OBJETIVO GERAL ..................................................................................................... 51
3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS ....................................................................................... 51
IV HIPTESES ..................................................................................................................... 52
V CASUSTICA E MTODO .............................................................................................. 54
5.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO .................................................................................... 55
5.2 POPULAO DO ESTUDO ............................................................................................ 55
5.3 CRITRIOS DE INCLUSO E EXCLUSO ................................................................. 55
5.4 DEFINIO DAS VARIVEIS ...................................................................................... 55
5.5 LCUS DA PESQUISA ................................................................................................... 56
5.6 RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS ....................................................................... 56
5.7 INSTRUMENTOS DA PESQUISA ................................................................................. 56
5.7.1 Questionrio Sciodemogrfico e Ocupacional (QSDO) .................................... 57
5.7.2 Self Reporting Questionnaire SRQ-20 ................................................................... 57
5.8 PROCEDIMENTOS E COLETA DE DADOS ................................................................ 58
5.8.1 Preparao para a coleta de dados ....................................................................... 58
5.8.2 Estudo piloto ........................................................................................................... 59
5.8.3 Coleta de dados ....................................................................................................... 59
5.8.4 Construo do banco de dados .............................................................................. 62
5.8.5 Anlise dos dados .................................................................................................... 62
5.8.6 Aspectos ticos da pesquisa ................................................................................... 63
VI RESULTADOS ................................................................................................................. 64
6.1 INFORMAES SOCIODEMOGRFICAS DOS SERVIDORES ESTUDADOS ...... 65
6.2 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ......................................................................... 66
6.3 CORRELAES ENTRE AS VARIVEIS SOCIODEMOGRFICAS E
OCUPACIONAIS E OS TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ................................. 66
VII DISCUSSO ................................................................................................................... 72
7.1 DADOS SOCIODEMOGRFICOS E OCUPACIONAIS .............................................. 73
7.2 TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ......................................................................... 78
7.3 VARIVEIS SOCIODEMOGRFICAS OCUPACIONAIS E A SUSPEIO PARA
TMC .................................................................................................................................. 78
VIII CONCLUSES ............................................................................................................. 81
REFERNCIAS .................................................................................................................... 84
APNDICES .......................................................................................................................... 96
ANEXOS ................................................................................................................................ 126
I INTRODUO
15
As mudanas na organizao e no funcionamento do trabalho tm implicado em
grande aumento das cargas cognitiva, psquica e emocional do trabalhador, levando a
repercusses importantes na sade mental da populao ativa, destacando-se o aumento da
prevalncia dos Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho, que levam a prejuzos ao
indivduo, a organizao, famlia e sociedade (GUIMARES et al., 2014).
Embora o conjunto dos Transtornos Mentais represente, cerca de 13% a 14% da
carga total de doenas, menos de 1% dos gastos totais em sade so investidos em sade
mental, produzindo uma importante lacuna entre a demanda e a oferta dos servios. Em
decorrncia desse descompasso, apenas parte dos casos existentes identificada e tratada,
elevando os custos sociais e econmicos (SHANKAR; SARAVANAN; JACOB, 2006). Esses
transtornos constituem causa relevante para os dias perdidos de trabalho, o que acarreta
indiretamente um aumento da demanda nos servios de sade.
Apesar das poucas estimativas disponveis indicarem a relevncia dos Transtornos
Mentais, os dados sobre a situao de sade mental em grupos de trabalhadores ainda so
escassos, ocasionando uma carncia de informaes sobre os indicadores de morbidade
psquica. A ausncia ou insuficincia de informaes sobre a situao da sade mental nos
trabalhadores, tambm em nosso meio, fator contribuinte para a ateno ainda precria ou
inexistente em sade mental, tanto no que se refere oferta de servios, quanto elaborao
de polticas de proteo e promoo sade.
Para a Organizao Internacional do Trabalho (OIT, 2013), anualmente surgem
mais de 160 milhes de casos de doenas relacionadas ao trabalho, o que significa que 2% da
populao mundial, a cada ano acometida por alguma forma de enfermidade, associada
atividade que exerce profissionalmente. Entre as doenas que mais geram mortes de
trabalhadores esto aquelas que afetam os pulmes, os msculos, os ossos e os transtornos
mentais.
Por sua crescente significncia social e epidemiolgica, os Transtornos Mentais
Comuns representam uma morbidade psquica com prevalncias significativas nas sociedades,
independentemente da localizao territorial e faixa etria, correspondendo a um desafio
sade pblica (ROCHA et al., 2002). Os TMC so considerados como de grande prevalncia
e importncia nas mais diversas classes trabalhadoras, sendo responsveis por um grande
nmero de afastamentos dos trabalhadores, gerando custos elevados para o trabalhador, sua
famlia, empresas e para o pas, o que representa um gasto de R$ 2,2 bilhes por ano aos
cofres pblicos (ARAJO; CARVALHO, 2009).
16
A Organizao Mundial de Sade (OMS, 2011) estima que cerca de 30,0% dos
trabalhadores so acometidos por Transtornos Mentais Comuns e que 5,0 a 10,0% por
Transtornos Mentais graves. Estes transtornos so responsveis por estados incapacitantes em
adultos e por absentesmo laboral, e no mundo, por cerca de um tero dos dias de trabalho
perdidos (WHO, 2001). Segundo dados da OMS (2000), aproximadamente 30% dos
trabalhadores empregados sofrem de Transtornos Mentais Comuns (TMC)1 e 10% de
Transtornos Mentais Graves (GUIMARES et al., 2006).
No Brasil, de acordo com dados estatsticos do Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS), somente, computando-se aqueles trabalhadores com registro formal, os
Transtornos Mentais ocupam a terceira posio entre as causas de concesso de benefcios
previdencirios, com auxlio-doena, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e
aposentadorias por invalidez (BRASIL, 2001; GASPARINI; BARRETO; ASSUNO,
2005). Nesta direo, a OIT (2013) relata que no pas, dos 166.4 mil auxlios-doena
concedidos pelo INSS, cerca de 15.2 mil so por Transtornos Mentais ou do Comportamento,
e que , entre esses, a depresso ocupa o primeiro lugar da lista.
O conceito de absentesmo caracterizado como o perodo de ausncia laboral
que se aceita como atribuvel a uma incapacidade do indivduo, exceo para aquela derivada
de gravidez normal ou priso, entendendo-se por ausncia laboral o perodo ininterrupto de
falta ao trabalho, desde seu comeo, independentemente da durao (SILVA; PINHEIRO;
SAKURAI, 2007; OIT, 2012).
Dado o acima exposto, faz-se importante desenvolver mais estudos, visando
diminuio das consequncias que so geradas no s pelo absentesmo, mas tambm pelo
presentesmo2 que at podem causar mais perda de produtividade do que o absentesmo
(ANDRADE et al., 2008).
Para a realizao da presente pesquisa, foram realizadas buscas nos seguintes
Bancos de Dados: Scielo, Lilacs, Portal CAPES, BIREME, utilizando-se os descritores:
Sade/Doena Mental; Sade Mental e Trabalho; Transtornos Mentais Menores (TMM),
1 Transtornos Mentais Comuns (TMC) - De acordo com Santos (2002 apud MARAGNO et al, 2006), se
referem situao de sade de uma populao, com indivduos que no preenchem os critrios formais para
diagnsticos de depresso e/ou ansiedade, segundo as classificaes do DSM-IV (Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders Fourth Edition) e da CID-10 (Classificao Internacional de Doenas- 10
Reviso), mas que apresentam sintomas proeminentes que trazem uma incapacitao funcional comparvel ou
at mais grave que quadros crnicos j bem estabelecidos. 2 Presentesmo: se refere presena fsica do trabalhador no ambiente de trabalho, sem que o mesmo esteja
conectado, causando repercusses pessoais, profissionais, organizacionais e sociais.
17
Transtornos Mentais Comuns (TMC), Minor Psychiatrics Disorders (MPD). Observou-se
que, estudos avaliando os TMC dos servidores pblicos federais, no so muitos,
constituindo-se esta, uma das justificativas para sua realizao. Optou-se por conhecer a sade
mental do servidor pblico federal ora estudado, pelo vis dos TMC.
Existem duas lacunas na literatura cientfica nacional. A primeira oferecer
pesquisas e reflexes sobre questes conceituais e novos aportes tericos, alm de analisar a
questo da sade emocional nas mais diferentes ocupaes, como policiais, bancrios,
funcionrios pblicos, trabalhadores rurais, da rea de servios, entre outros. A segunda
oferecer propostas prticas de abordagens, particularmente, no que se refere ao estresse
ocupacional e nova realidade dos contextos de trabalho.
Como interesses de ordem pessoal da pesquisadora pela temtica a ser estudada
nessa investigao, tem-se que: a mesma graduou-se na instituio, enfermeira de formao
e trabalha no Ncleo do Hospital desta Universidade, funcionria pblica federal em
exerccio. Em paralelo com seu trabalho de chefia de enfermagem da Enfermaria de clnica
mdica, desenvolve a funo de Preceptora da Residncia Multiprofissional de Sade em
Ateno ao Paciente Crtico do NHU/UFMS, desde 2010, composta por enfermeiros,
odontlogos, fisioterapeutas, nutricionistas e farmacutico-bioqumicos, o que a habilita a
transitar em teoria e prtica por diferentes reas do conhecimento, incluindo-se noes sobre o
campo da psicologia.
Em seu cotidiano de trabalho, a investigadora que chefe de enfermagem no
hospital onde trabalha, pode perceber como os servidores que trabalham sob seu comando,
apresentavam uma importante desgaste profissional e elevado nmero de atestados mdicos
por problemas fsicos, mas principalmente por problemas psquicos e emocionais, talvez por
conta do tipo de trabalho, pelo excesso de burocracia, por uma no preocupao com a
ergonomia, falta de materiais, pela organizao do trabalho, entre outros. Passou ento, a
interessar-se por conhecer mais profundamente se o adoecimento mental nos servidores da
UFMS estaria associado ao trabalho. Sua aprovao no Programa de Ps-Graduao,
Mestrado em Psicologia em 2012, na Universidade Catlica Dom Bosco - UCDB, as
discusses durante as aulas, as reunies no Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida
no Trabalho, coordenado pela Prof Dr Liliana Andolpho Magalhes Guimares,
aprofundaram mais ainda seu interesse pelo tema, abordado pelo ento projeto Prevalncia
de Transtornos Mentais Comuns em servidores de uma universidade pblica de Mato Grosso
do Sul, hoje sua dissertao de mestrado.
18
Para interpretar os achados obtidos nesta pesquisa, ser utilizada a abordagem
psicossociolgica em sade mental e trabalho e foram considerados os aspectos individuais do
servidor (micro), da instituio (meso) e em que se supe a influncia do meio externo
(macro), e.g., o mercado de trabalho, as polticas pblicas, entre outros, levando-se em conta a
percepo do trabalhador sobre o seu sofrimento e a sade mental, as interferncias do local
de trabalho e suas caractersticas socioeconmicas demogrficas e ocupacionais
(GUIMARES, 2013).
Espera-se com esse estudo dar visibilidade face indiferenciada desse servidor,
por meio de sua caracterizao sociodemogrfica e ocupacional, identificando se existe ou
no a prevalncia para TMC e dos fatores associados, relacionando, por meio do mtodo
epidemiolgico. Tal visibilidade poder contribuir para a elaborao de programas
institucionais de promoo e preveno que se reflitam em uma melhor sade geral e mental
destes profissionais, bem como para que os mesmos possam apresentar uma atuao e
execuo de um trabalho com mais qualidade de vida na instituio.
A seguir, na seo II, o estudo apresenta o referencial terico utilizado para
embas-lo contendo os seguintes tpicos: o servidor pblico federal: conjuntura social e
sofrimento psquico, breves notas sobre o lcus de pesquisa, sade do trabalhador, sade
mental e trabalho, epidemiologia dos Transtornos Mentais e impactos sociais e Transtornos
Mentais Comuns. Na seo III, so expostos os objetivos da pesquisa e na IV as hipteses de
estudo. Na seo V so apresentados a Casustica e Mtodo em que se justifica e explica o
passo a passo do desenvolvimento da pesquisa; a seo VI traz os resultados; na seo VII so
discutidos e interpretados os resultados encontrados e na seo VIII, so feitas as
consideraes finais e as concluses.
II REFERENCIAL TERICO
20
2.1 O SERVIDOR PBLICO FEDERAL: CONJUNTURA SOCIAL E SOFRIMENTO
PSQUICO
O contingente de servidores pblicos ativos do Executivo Civil Federal do Brasil
de aproximadamente 528.000 servidores ativos, distribudos pelos 27 estados da Federao.
O Rio de Janeiro, antiga capital da Repblica, o estado com o maior nmero de servidores
pblicos federais, com mais de 110.000 servidores, o que corresponde ao dobro de servidores
da atual capital, Braslia (CARNEIRO, 2008).
A denominao servidor pblico utilizada, segundo Di Pietro (2003 apud
ARAJO; CARVALHO, 2009), para designar, em sentido amplo, as pessoas fsicas que
prestam servios ao Estado e s entidades da Administrao Indireta, com vnculo
empregatcio e mediante remunerao paga pelos cofres pblicos. Assim, so considerados
servidores pblicos: os servidores estatutrios, ocupantes de cargos pblicos providos por
concurso pblico e que so regidos por um estatuto definidor de direitos e obrigaes; os
empregados ou funcionrios pblicos, ocupantes de emprego pblico tambm provido por
concurso pblico, contratados sob o regime da CLT (TAVARES BENETTI; FERREIRA DE
ARAJO, 2008).
Para Ribeiro e Mancebo (2013), servidores pblicos so todos aqueles ocupantes
de cargo do poder pblico. No conceito de servidor, segundo Di Pietro e Ribeiro (2010)
existem trs grupamentos distintos: (1) servidores estatutrios, que so titulares de cargos
pblicos, so submetidos em Lei a regulamentos estabelecidos e pelas unidades da Federao;
(2) grupamento composto por empregados pblicos, subordinados s normas da Consolidao
das Leis Trabalhistas (CLT) e que so ocupantes de cargo pblico e os (3) servidores
temporrios contratados por prazo determinado para o exerccio de certas funes.
A Constituio Brasileira, assim define o funcionrio ou servidor pblico
(BRASIL, 1990, p. 245).
Art. 327 - Considera-se funcionrio ou servidor pblico, para os efeitos
penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunerao, exerce cargo,
emprego, serventia ou funo pblica. 1 - Equipara-se a funcionrio
pblico, quem exerce cargo, emprego ou funo em entidade paraestatal e
quem trabalha para empresa prestadora de servio, contratada ou conveniada
para a execuo de atividade tpica da Administrao Pblica
A expresso funcionrio pblico no empregada na Constituio Federal de
1988, devido ao regime contratual celetista que o assemelha ao empregado privado, que
21
emprega a designao servidor pblico (grifo nosso) e agente pblico para se referir aos
trabalhadores do Estado. Agente Pblico a designao mais abrangente: alcana os agentes
polticos, os servidores pblicos e os particulares, em atuao colaboradora. Os servidores
pblicos so referidos como categoria de agentes pblicos: so os agentes permanentes,
profissionais, a servio da Administrao Pblica (BRASIL, 1994).
O cargo em comisso, antigamente chamado cargo de confiana, destinado a
funes de direo, chefia ou assessoramento. O servidor pode ser efetivo (de carreira) ou
algum de fora da administrao; o provimento no se d por concurso, a nomeao livre e,
como no possui estabilidade, o servidor pode ser exonerado a qualquer tempo. Nesse caso, se
um servidor efetivo, volta para o cargo normal e, se uma pessoa anteriormente estranha ao
servio pblico, perde o vnculo com a administrao pblica. O servidor comissionado no
possui os mesmos direitos do efetivo, principalmente a previdncia prpria, filiado ao INSS.
Existe tambm a funo de confiana, que uma funo sem cargo prprio, isto , o servidor
efetivo sai da sua funo normal e assume a funo que seria do cargo em comisso.
Permanece, ento, com seu cargo normal e uma funo especial (BRASIL, 1988).
Como possvel observar, existem diferentes formas de vinculao formal ao
trabalho do servidor pblico, o que certamente repercute em condies de trabalho desiguais,
muitas vezes, com a mesma funo e cargos, submetidos a diferentes normas e estatutos,
podendo gerar conflitos.
Os servidores estudados na presente pesquisa so servidores estatutrios, titulares
de cargos pblicos, so submetidos em Lei a regulamentos estabelecidos e pelas unidades da
Federao, ou seja, so titulares de cargo pblico, que aps concurso pblico, passam a ser
regidos pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispe sobre o Regime Jurdico dos
Servidores Pblicos Civis da Unio, das Autarquias e das Fundaes Pblicas Federais, que
aps tomarem posse e passarem por trs anos de estgio probatrio, adquirem estabilidade.
So tambm adquiridos o direito ao recolhimento da previdncia social, uma remunerao
conforme a classe, a funo pelo poder pblico Federal e a oportunidade de continuar se
qualificando e capacitando, com o incentivo de Plano de Carreira dos Cargos Tcnico-
Administrativos em Educao (PCCTAE).
A maioria dos servidores presta um servio do tipo intelectual (caracterizado no
processamento de informaes, negociaes, fiscalizao, ensino, pesquisa, policiamento,
entre outras) e no-braal (tpico das lavouras ou das atividades repetitivas das linhas de
montagem das indstrias). Por mais que as rotinas sejam fragmentadas e estruturadas em ritos
22
processuais rgidos, elas esto ainda aliceradas sobre normas jurdicas complexas, por vezes
contraditrias (PORTO, 2006).
Caracteristicamente, o modelo tcnico-burocrtico nas organizaes, derivado da
adoo do modelo weberiano, corresponde basicamente existncia de normas escritas, da
estrutura hierrquica, da diviso horizontal e vertical do trabalho e, finalmente, da
impessoalidade do recrutamento de pessoal. Assim, os trabalhadores que se vem
mergulhados no modo de gesto burocrtico so influenciados, tomando para si caractersticas
especficas, como morosidade e extrema regulamentao na dinmica do trabalho.
Na atualidade, os sujeitos que trabalham em empresas estatais vivem os reflexos
das transformaes, as exigncias do novo mercado de trabalho formal, e so impelidos a
buscar outro perfil mais flexvel. A demanda de estar empregvel real nessas empresas,
porque ali se observa o movimento do Estado para enxugar e reduzir o quadro de vagas de
trabalho (NUNES; LINS, 2009).
Lancman et al. (2007) pontua que, apesar de vivenciarem relaes menos
instveis de trabalho (menor exposio ao risco de demisso sumria), os profissionais do
setor pblico esto expostos a outras formas de instabilidade e precarizao do trabalho, tais
como: privatizao de empresas pblicas seguidas de demisses, terceirizao de setores
dentro da empresa, deteriorao das condies de trabalho e da imagem do trabalhador do
servio pblico, e responsabilizao deles pelas deficincias dos servios e por possveis
crises das instituies pblicas, entre outros. A estabilidade no emprego, que era prerrogativa
do setor pblico, retirada pela alterao da sua legislao, e a poltica de desvalorizao do
sujeito visvel atravs do achatamento dos salrios e das precrias condies de trabalho,
evidenciadas na diminuio da quantidade e da qualidade dos materiais de consumo, da
manuteno e compra de equipamentos, o que leva muitos a procurarem outras empresas para
trabalhar (RODRIGUES; IMAI; FERREIRA, 2001).
Segundo Nunes e Lins (2009) as empresas estatais apresentam, em sua estrutura,
uma especificidade que lhes confere uma ntida distino das empresas privadas. Elas, como
outras quaisquer, possuem sua funo produtiva, mas assumem contornos do Estado. Sua
estruturao sempre ser regida pelos planos polticos e econmicos do governo a que esto
vinculadas. As adaptaes das prticas gerenciais oriundas da iniciativa privada e introduzidas
no setor pblico brasileiro, em conjunto com a grande mudana produzida pela revoluo da
informtica e a necessidade de absoro rpida desses novos modelos de gesto, o que muitas
23
vezes acarretou choques para as culturas organizacionais, tm modificado o panorama da
sade ocupacional e da qualidade de vida do servidor pblico.
Apesar desses avanos na esfera nacional da categoria, pouco se tem estudado
sobre a figura do trabalhador do servio pblico por sua caracterizao primordial: a ligao
com o Estado e o modo de gesto peculiar que utilizado em toda essa rede. Tal formatao
demanda um olhar diferenciado por parte dos estudiosos da categoria profissional. A viso
quanto ao servidor pblico vem sendo modificada pela necessidade do mercado atual, do
aperfeioamento, e tambm pela perda do antigo "emprego vitalcio", sempre to exaltado
como referncia ao funcionalismo pblico (NUNES; LINS, 2009).
Quanto aos cuidados com esse tipo de servidor diferenciado, segundo Carneiro
(2008), especificamente, na rea da seguridade social do servidor pblico federal, o governo
poca, fez alguns avanos, no s na esfera normativa, que permite a operacionalizao das
diretrizes polticas nessa rea especfica de atuao, mas, fundamentalmente, comprometeu-se
na implementao de aes interventivas que impliquem na melhoria da qualidade de vida e
trabalho, com influncia direta na realidade da administrao pblica federal, sobretudo no
que tange a assistncia sade suplementar e sade ocupacional do servidor pblico.
Sugere- se, como feito nesta investigao, que em primeiro lugar, seja cotejado o
diagnstico epidemiolgico dos agravos sade mental.
Cabe destacar que o sofrimento mental ligado ao trabalho, cada vez mais, tem
sido objeto de estudos, pela alta incidncia e prevalncia dessa ocorrncia nos ambientes de
trabalho, o que gera prejuzos ao desempenho profissional do trabalhador e perdas
econmicas para o empregador (GUIMARES; GRUBITS, 2004).
Nunes e Lins (2009) estudaram a relao do prazer e sofrimento no trabalho dos
servidores de uma instituio federal, em que foi possvel detectar que as maiores causas de
sofrimento so as dificuldades impostas pelo servio pblico, ou seja, um modo de gesto
altamente hierarquizado e tomado pela racionalizao burocrtica e, como fator de prazer,
quando percebem o sucesso ao atingirem metas, apesar dos obstculos, expressando a
ambiguidade que os mesmos vivenciam no ambiente laboral.
Nessa mesma direo, Figueiredo e Alevato (2012), citam que os servidores
tcnico-administrativos de uma instituio de ensino superior, entre outras demandas, lidam
diariamente com novas formas de explorao como a precarizao, intensificao e a
flexibilizao do trabalho (SEGNINI, 1999; ANTUNES, 2008; SENNETT, 2008;
24
WOLLECK, 2011). O estudo de Figueiredo e Alevato (2012) conclui que a maior parte dos
servidores que foram afastados do servio teve como causa os Transtornos Mentais e do
Comportamento, includas a depresso, a sndrome do pnico e a esquizofrenia, entre outros,
bem como foram responsveis pela maioria dos dias de afastamento.
A literatura em sade mental no trabalho do servidor pblico federal sugere,
portanto, a amplitude e a relevncia do problema a ser enfrentado em todo o territrio
nacional, indicando a necessidade do estabelecimento de uma poltica em sade mental
incorporada s gestes, levando em conta as dificuldades estruturais da Administrao
Pblica Federal, at mesmo pela inexistncia de dados fidedignos sobre as os fatores
psicossociais de risco no servio pblico federal em universidades. Tal providncia
possibilitaria um real dimensionamento do adoecimento mental, aliado a uma diversidade de
fatores organizacionais associados (BRASIL, 2010).
2.1.1 Breves notas sobre a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
A Universidade Federal de (UFMS) uma instituio pblica de ensino, sediada
na cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul. Conforme consultas ao
site da Universidade (UFMS) sua histria teve inicio da no ano de 1962, ano em que foi
criada a Faculdade de Farmcia e Odontologia, na cidade de Campo Grande, onde seria o
primeiro centro de ensino superior pblico, no ento estado de Mato Grosso.
Em 1966, foi criado o Instituto de Cincias Biolgicas de Campo Grande, que
absorveu os dois cursos j existentes e instituiu e criou o curso de medicina. Em 1967, foram
instalados o Instituto Superior de Pedagogia em Corumb e o Instituto de Cincias Humanas e
Letras em Trs Lagoas. Em 16 de setembro de 1969, fundou-se ento a Universidade Estadual
de Mato Grosso (UEMT), em 1970 a UEMT em Dourados, em 05 de julho de 1979 a UFMS,
por meio da Lei Federal n 6.674, de 05 de julho de 1979, a partir da federalizao da ento
Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT).
Foram agregadas, portanto, todas as unidades educacionais integrantes desta
Instituio (UFMS, 2011): o Instituto de Cincias Biolgicas de Campo Grande, criado em
1966, formado pelas Faculdades de Farmcia, Odontologia e Medicina, o Instituto Superior
de Pedagogia de Corumb, criado em 1967; o Instituto de Cincias Humanas e Letras de Trs
25
Lagoas, criado em 1967; o Centro Pedaggico de Aquidauana, criado em 1970 e o Centro
Pedaggico de Dourados, criado em 1970.
Santos (1995) ressalta uma caracterstica especfica da UFMS, [...] [ela] j
nasceu geograficamente descentralizada., o que facilitou o acesso e beneficiou a populao
sul-mato-grossense, os estados e pases vizinhos.
Atualmente, a UFMS composta por nove unidades setoriais acadmicas, sendo
trs Centros, cinco Faculdades e uma Coordenadoria, mantidas na sede, em Campo Grande, e
outras 10 unidades setoriais no interior do estado (UFMS, 2012). Aps essa expanso, em
2001, criou-se o Campus de Coxim; em 2005 foi desmembrado o Campus de Dourados
(CPDO) para ser criada a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em 2008 foi
criado o Campus de Chapado do Sul, em 2009, o de Nova Andradina, as Faculdades de
Direito e Computao e em 2010, os campi3 de Bonito, Navira e Ponta Por.
Assim sendo, devido extenso territorial da UFMS, a mesma atende
educacionalmente vrias cidades, estados e at pases vizinhos, como Paraguai e Bolvia.
A unidade setorial acadmica cidade sede (que foram contempladas alm de outras nesta
investigao) assim composta: Centro de Cincias Biolgicas e da Sade (CCBS); Centro
de Cincias Exatas e Tecnologia (CCET); Centro de Cincias Sociais (CCHS); Faculdade de
Computao (FACOM); Faculdade de Direito (FADIR); Faculdade de Medicina (FAMED);
Faculdade de Medicina Veterinria e Zootecnia (FAMEZ); Faculdade de Odontologia
(FAODO) e Coordenadoria de Educao Aberta e Distncia (CED/PREG).
Alm destas unidades acadmicas, a UFMS possui os seguintes rgos e unidades
suplementares que no foram contemplados nesta investigao: Ncleo de Hospital
Universitrio, Ncleo de Informtica, Base de Estudos do Pantanal, Hospital Veterinrio,
Fazenda Escola, piscinas, quadras, ginsios, Estdio Pedro Pedrossian, Teatro Glauce Rocha
(UFMS, 2011), Museu Arqueolgico (MUARQ), Pantanal Incubadora Mista de Empresas,
Empresa Jnior, Agncia de Propriedade Intelectual e Transferncia de Tecnologia (APITT),
e Escola de Conselhos (UFMS, 2012). Nesta pesquisa, ser visado estritamente o campus
localizado na cidade de Campo Grande, onde funcionam oito unidades setoriais, Reitoria, Pr-
Reitorias e Coordenadorias.
3 Campi: o plural de campus em sua forma tradicional (latim), segundo a Assessoria de Comunicao do
Ministrio da Educao, em seu manual de redao (BRASIL. MEC, 2012).
26
Com relao oferta de cursos, dados apresentados no Plano de Desenvolvimento
Institucional 2010-2014, indicam que a UFMS oferecia, poca de sua publicao, cento e
dois cursos de graduao, dos quais noventa e quatro presenciais e oito distncia e trinta
cursos de ps-graduao, sendo vinte e dois de mestrado e oito de doutorado (UFMS, 2011).
Na cidade universitria de Campo Grande, so ofertados atualmente 58 cursos de graduao
distribudos nos Centros e Faculdades, dos quais apenas 18 so licenciaturas.
A estrutura organizacional da universidade tambm acompanhou o processo de
fragmentao do conhecimento, adotando em sua composio setores e agregando reas
especficas e afins, por meio de departamentos e faculdades.
A UFMS oferece cursos de graduao e ps-graduao, ambos presenciais e
distncia. Os cursos de ps-graduao comportam os cursos de especializao e os programas
de mestrado e doutorado.
Para o futuro, existe o projeto de criao da Universidade Federal do Pantanal-
UFPAN, com sede em Corumb e a Universidade Federal do Bolso-UFB em Trs Lagoas,
unindo-se ao campus de Paranaba, ambas desmembrando-se da UFMS.
Exposto o cenrio de criao da UFMS, local em que os servidores aqui estudados
desempenham sua funo, passa-se a abordar a sade do trabalhador, campo de estudos em
expanso, sendo esta derivada dos inmeros problemas relacionados sade fsica e mental
que o trabalhador brasileiro vem apresentando, refletindo-se em custos humanos e
econmicos para os servidores, para a prpria instituio e para a sociedade.
27
2.2 SADE DO TRABALHADOR
2.2.1 Breve histrico
Impossvel tecer a fundamentao terica de um estudo onde se contemplam as
relaes entre Sade Mental e Trabalho, sem referenciar seu incio no sculo XVII. Para
tanto, esta parte da dissertao tratar de suas origens, onde se encontra a contribuio
fundamental de Bernardo Ramazzini, considerado na atualidade, o pai da Medicina do
Trabalho e referncia para todos aqueles que trabalham com sade do trabalhador.
Bernardo Ramazzini inicia no curso mdico de Mdena, Itlia, suas aulas sobre a
matria que denominou Artificum- As doenas dos trabalhadores. Suas observaes foram
registradas no livro que intitulou De Morbis Artificum Diatriba (1700) e resultou da amalgama
de uma slida bagagem de erudio na literatura histrica, filosfica e mdica disponvel -
como se ver adiante, com as observaes colhidas em visitas aos locais de trabalho e
entrevistas com trabalhadores. Ressalte-se importncia de Ramazzini para o incio da
sistematizao do campo de estudos e prticas em sade, que mais tarde seria relacionado com
as origens da Higiene Ocupacional, depois denominada Sade Ocupacional, importante at os
dias de hoje.
Figura 1- Capas: antiga e atual do livro de Ramazzini As doenas dos trabalhadores
Fonte: ANAMT (2014)
Conforme relato feito pelo prprio Ramazzini, o despertar do seu interesse pelas
doenas dos trabalhadores e pela elaborao de um texto voltado para este tema deu-se a
partir da observao do trabalho dos cloaqueiros, em sua prpria casa, em Mdena, Itlia.
http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&docid=asPYrGACKIz74M&tbnid=u6EnEPxuZN8FAM:&ved=0CAUQjRw&url=http://s-trabalho.webnode.com.br/news/as "doen%C3%A7as dos trabalhadores":/&ei=aEuDU7CEHJOlsQSXl4GgDw&psig=AFQjCNEVEcnN5ORQoxkIYtaAOzH4fKE7yQ&ust=1401199715385306
28
Esses trabalhadores tinham a tarefa de esvaziar as cloacas fossas negras que
armazenavam fezes e outros dejetos, como, alis, ainda era feito rotineiramente, h at no
muito tempo atrs, em diversas cidades brasileiras, e excepcionalmente por trabalhadores de
empresas de saneamento bsico.
Ramazzini (1992, p. 47-48), em uma rica descrio, que aqui se mantm na
ntegra, dada sua riqueza de contedo e narrativa, baseada em sua incomum e singular
capacidade de observao relata,
Observei que um dos operrios, naquele antro de Caronte, trabalhava
aodadamente, ansioso por terminar; apiedado de seu labor imprprio,
interroguei-o porqu trabalhava to afanosamente e no agia com menos
pressa, para que no se cansasse demasiadamente, com o excessivo esforo.
Ento, o miservel, levantando a vista e olhando-me desse antro, respondeu:
ningum que no tenha experimentado poder imaginar quanto custaria
permanecer neste lugar durante mais de quatro horas, pois ficaria cego.
Depois que ele saiu da cloaca, examinei seus olhos com ateno e os notei
bastante inflamados e enevoados; em seguida procurei saber que remdio os
cloaqueiros usavam para essas afeces, o qual me respondeu que usaria o
nico remdio, que era ir imediatamente para casa, fechar-se em quarto
escuro, permanecendo at o dia seguinte, e banhando constantemente os
olhos com gua morna, como nico meio de aliviar a dor dos olhos.
Perguntei-lhe ainda se sofria de algum ardor na garganta e de certa
dificuldade para respirar, se doa a cabea enquanto aquele odor irritava as
narinas, e se sentia nuseas. Nada disso, respondeu ele, somente os olhos so
atacados e se quisesse prosseguir neste trabalho muito tempo, sem demora
perderia a vista, como tem acontecido aos outros. Assim, atendendo-me,
cobriu os olhos com as mos e seguiu para casa. Depois observei muitos
operrios dessa classe, quase cegos ou cegos completamente, mendigando
pela cidade [...].
Segundo Mendes (2000, p. 48), Ramazzini tinha uma preocupao e o
compromisso com uma classe de pessoas habitualmente esquecida e menosprezada pela
Medicina. O prprio Ramazzini (1992, p. 15 e 16) reconhece no prefcio de seu tratado, que,
[...] ningum que eu saiba ps o p nesse campo [doenas dos
operrios]. [...] , certamente um dever para com a msera condio de
artesos, cujo labor manual muitas vezes considerado vil e srdido,
contudo necessrio e proporciona comodidades sociedade humana
[...].
Ramazzini (1992, p. 16) entendera que,
os governos bem constitudos tm criado leis para conseguirem um bom
regime de trabalho, pelo que justo que a arte mdica se movimente em
favor daqueles que a jurisprudncia considera com tanta importncia, e
29
empenhe-se [...] em cuidar da sade dos operrios, para que possam, com a
segurana possvel, praticar o ofcio a que se destinaram.
Os passos de abordagem utilizados e ensinados por Ramazzini seguem-se pelas
visitas ao local de trabalho e pelas entrevistas com trabalhadores. Alis, como antes visto, foi
o impacto da observao do trabalho e a das conversas com os trabalhadores que levou
Ramazzini a se dedicar ao tema das doenas dos trabalhadores.
Mais tarde, com a sistematizao de seus estudos sobre as doenas dos
trabalhadores, Ramazzini (1992, p. 16-17) pode afirmar com a autoridade dos mestres:
[...] eu, quanto pude, fiz o que estava ao meu alcance, e no me considerei
diminudo visitando, de quando em quando, sujas oficinas a fim de observar
segredos da arte mecnica. [...] Das oficinas dos artfices, portanto, que so
antes escolas de onde sa mais instrudo, tudo fiz para descobrir o que
melhor poderia satisfazer o paladar dos curiosos, mas, sobretudo, o que
mais importante, saber aquilo que se pode sugerir de prescries mdicas
preventivas ou curativas, contra as doenas dos operrios.
abordagem clnico-individual, cujos fundamentos foram ensinados por
Hipcrates (460-375 a.C.), Ramazzini agregou a prtica da histria ou anamnese
ocupacional. Assim, ele dizia algo, que no se aplica somente ao mdico, mas a todos os
profissionais da sade que atuam no contexto do Trabalho (MENDES, 2000, p. 50)
[...] Um mdico que atende um doente deve informar-se de muita coisa a seu
respeito pelo prprio e por seus acompanhantes [...]. A estas interrogaes
devia acrescentar-se outra: e que arte exerce? . Tal pergunta, considero
oportuno e mesmo necessrio lembrar ao mdico que trata um homem do
povo, que dela se vale chegar s causas ocasionais do mal, a qual quase
nunca posta em prtica, ainda que o mdico a conhea. Entretanto, se a
houvesse observado, poderia obter uma cura mais feliz.
Ampliando a abordagem clnico-individual, Ramazzini introduziu, tambm, a
anlise coletiva ou epidemiolgica, categorizando-a segundo ocupao ou profisso (cerca de
54) o que lhe permitiu construir e analisar perfis epidemiolgicos de adoecimento,
incapacidade ou morte, como at ento no feitos. Com justia, portanto, Ramazzini
tambm respeitado pelo campo da Epidemiologia, por haver introduzido esta categoria de
anlise no estudo da distribuio das doenas, o que para esta investigao reproduz quando
busca estimar a prevalncia de transtornos mentais comuns em trabalhadores.
Outra rea para a qual Ramazzini deixou sua contribuio foi a da sistematizao
e classificao das doenas, segundo a natureza e o grau de nexo com o trabalho. Com efeito,
30
ao descrever as doenas dos mineiros, Ramazzini (apud MENDES, 2000, p.19) entendeu
que:
[...] o mltiplo e variado campo semeado de doenas para aqueles que
necessitam ganhar salrio e, portanto, tero de sofrer males terrveis em
conseqncia do ofcio que exercem, prolifera, [...] devido a duas causas
principais: a primeira, e a mais importante, a natureza nociva da substncia
manipulada, o que pode produzir doenas especiais pelas exalaes danosas,
e poeiras irritantes que afetam o organismo humano; a segunda a violncia
que se faz estrutura natural da mquina vital, com posies foradas e
inadequadas do corpo, o que pouco a pouco pode produzir grave
enfermidade.
A propsito das doenas dos que trabalham em p assim se expressa Ramazzini
(1992, p. 107):
[...] at agora falei daqueles artfices que contraem doenas em virtude da
nocividade da matria manipulada; agrada-me, aqui, tratar de outros
operrios que por outras causas, como sejam a posio dos membros, dos
movimentos corporais inadequados, que, enquanto trabalham, apresentam
distrbios mrbidos, tais como os operrios que passam o dia de p,
sentados, inclinados, encurvados, correndo, andando a cavalo ou fatigando
seu corpo por qualquer outra forma.
De fato, deste critrio de classificao emprica utilizado por Ramazzini,
possvel pegar as bases para uma sistematizao da Patologia do Trabalho, onde, no primeiro
grupo estariam as doenas profissionais ou tecnopatias, e, no segundo, as doenas
adquiridas pelas condies especiais em que o trabalho realizado, ou as mesopatias -
classificao at hoje utilizada para fins mdico-legais e previdencirios em muitos pases,
inclusive no Brasil.
Muitas outras contribuies poderiam ser aqui identificadas, tais como sua viso
das inter-relaes entre a Patologia do Trabalho e o Meio-Ambiente, quando Ramazzini
estuda as doenas dos qumicos (RAMAZZINI, 1992, p. 110) e a nfase na preveno
primria das doenas dos trabalhadores, o que ele faz no interior de inmeras sees de seu
livro. Ainda no estudo das doenas dos qumicos que ele descreve a utilizao potencial
de registros de bito para o estudo dos impactos da poluio ambiental sobre a sade das
comunidades - estratgia metodolgica que at hoje se utiliza.
As relaes entre Trabalho, Sade e Doena dos trabalhadores so cada vez mais
reconhecidas e as prticas da Sade Ocupacional tm se transformado, incorporando novos
enfoques e instrumentos de trabalho, em uma perspectiva interdisciplinar. relativamente
recente uma produo mais sistemtica sobre a Sade mental do trabalhador.
31
As propores epidmicas das afeces emocionais e mentais exigem a adoo de
estratgias adequadas e cientificamente comprovadas, compatveis com a cultura de nosso
pas. Por meio das estatsticas de afastamentos e acidentes no trabalho pelos profissionais da
rea e diagnsticos feitos pelo Cdigo Internacional de Doenas (CID), os Transtornos
Mentais relacionados ao trabalho, emergem como os de maior prevalncia e incidncia, no
mundo e em nosso pas.
Neste contexto, urge que os profissionais e pesquisadores de sade ocupacional se
encaminhem para alm dos riscos ambientais, buscando entender e abordar os fatores
psicossociais de risco relacionados ao trabalho. emblemtica a insero deste pilar, no
modelo de ambiente de trabalho saudvel proposto pela Organizao Mundial da Sade
(OMS, 2010).
Para Borsoi (2007), durante muitos anos, o fato de o ser humano trabalhar para
sobreviver no era pensado como parte integrante do conjunto de aspectos significativos da
vida das pessoas, de um modo a ser um fator importante na constituio de sofrimento
psquico, pois a histria familiar, os aspectos orgnicos e afetivos dos indivduos, com
frequncia eram vistos como as principais causas explicativas para os problemas encontrados
neste campo. Atualmente, este conceito ainda permanece, pois, segundo o autor, estudos tm
relatado que ainda se percebe nos comportamentos de mdicos, uma no preocupao em
saber o que seus pacientes fazem para sobreviver, que profisso exercem, quantas horas
trabalham por dia, se tiram frias regularmente, entre outros.
Ogata (2014) refere que uma pesquisa realizada com mais de um milho de
participantes em todo o mundo, constatou que o trabalho o elemento mais importante do
bem-estar, em relao aos outros domnios da vida, tais como o como financeiro, social,
comunitrio e fsico. O bem estar estaria relacionado primordialmente realizao e ao
sentido do trabalho (RATH, 2010). A abordagem unicamente individual, em geral, no
efetiva, se no forem abordadas as questes psicossociais relacionadas ao trabalho.
Os gestores dos programas de promoo de sade e qualidade de vida reconhecem
que a questo emocional e o estresse so fatores muito importantes, pois esto relacionados ao
adoecimento precoce, absentesmo e presentesmo, ao aumento dos custos de assistncia
mdica e doenas ocupacionais. No entanto, frequentemente, as abordagens so pontuais,
como palestras, feiras de sade, Semana Interna de Preveno de Acidentes do Trabalho
(SIPATs) ou sesses de massagem, o dia da fruta, entre outros, o que no modifica a
estrutura e a dinmica do trabalho, funcionando mais como um apagar de incndios, do que
32
como promoo e preveno. A abordagem dos fatores emocionais exige conhecimento
terico e a elaborao de programas de Sade Mental que propiciem resultados efetivos e
sustentveis (OGATA, 2014).
Lacaz (2007) acrescenta que para no adoecer pelo processo de trabalho,
importante desvendar a nocividade que se encontra no processo de trabalho sob o capitalismo
e suas implicaes, as quais so: alienao, sobrecarga e/ou subcarga, pela interao dinmica
de carga sobre os corpos que trabalham, conformando um nexo biopsquico que expressa o
desgaste, que impede as potencialidades de fluir e a criatividade dos trabalhadores.
Para Gomez e Lacaz (2005), evidenciam-se, na atualidade, trs pontos cruciais no
campo da sade do trabalhador:
1. a ausncia de uma Poltica Nacional de Sade do Trabalhador Intersetorial e
capaz de propor linhas de ao, formas de implementao e de avaliao
efetivas e adequadas s necessidades reais do conjunto dos trabalhadores;
2. a fragmentao da rea de conhecimento denominada campo de sade do
trabalhador, o que impede uma colaborao estratgica e orgnica com as
necessidades diversificadas, complexas e cambiantes dessa populao e;
3. o enfraquecimento dos movimentos sociais e sindicais dificultando presses
necessria, tanto para a rea acadmica, como para os sucessivos governos.
A preocupao com a sade mental do trabalhador ganha impulso com o incio da
Medicina do Trabalho, abordagem que se restringe a uma viso individual e biolgica do
trabalho. O conceito de Medicina do Trabalho foi aos poucos substitudo pelo de Sade
Ocupacional, em que o ambiente do qual esse trabalhador faz parte, passa a ser considerado
na relao sade/doena, iniciando-se assim a preocupao com o movimento de preveno
As maiores conquistas no mbito da Sade do Trabalhador se devem luta
histrica e cotidiana da classe trabalhadora, como atestam os registros da Histria. Voltar-se,
hoje, para as relaes entre Sade Mental e Trabalho o novo desafio a ser coletivamente
assumido. Para tanto, faz-se necessrio demandar sustentao terica, estudos empricos,
pactos com diversos segmentos sociais, posies polticas e um trabalho de militncia,
trabalho este potencialmente promotor de sade.
Embora existam lacunas, estudos que abordem a sade mental e as implicaes do
trabalho esto aumentando significativamente, principalmente pela deteco da alta
prevalncia dos Transtornos Mentais, problemas emocionais de ordem somtica, distrbios do
33
comportamento e do que isto representa para a sade pblica (GASPARINI; BARRETO e
ASSUNO, 2005).
Ser enfocado a seguir, o campo de estudos da Sade Mental e Trabalho, tema
nuclear desta pesquisa.
2.3 SADE MENTAL E TRABALHO
O termo Trabalho deriva do latim Tripalium, que na Antiguidade era um
instrumento de trs pontas de ferro utilizado para a ceifa dos cereais. No entanto, com o
decorrer do tempo, o termo Tripalium passa para a histria como instrumento de tortura
associado ao sofrimento. O termo Tripaliare significa torturar algum. Atualmente,
Trabalho tem um duplo significado: prazer e sofrimento. H pessoas que percebem o trabalho,
predominantemente, como sofrimento e outras, como prazer, embora se saiba que, prazer e
sofrimento sempre coexistem, variando os graus.
A Sade Mental definida pela Organizao Mundial da Sade (OMS, 2000, p.
44) como o estado de bem-estar no qual o indivduo realiza as suas capacidades, pode fazer
face ao estresse normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutfera e contribuir para a
comunidade em que se insere e pode ser promovida por meio de programas adequados, da
melhoria das condies sociais e da preveno do estresse entre outros fatores, e da luta
contra o estigma, segundo o Secretariado Nacional para Reabilitao e Integrao das pessoas
com Deficincia (SNRIPD, 2006).
Cabe reafirmar que a Organizao Mundial de Sade (OMS, 2000), embora diga
no existir definio oficial sobre sade mental, definindo-a, diz que diferenas culturais,
julgamentos subjetivos, e teorias relacionadas concorrentes a afetam o modo como a sade
mental definida. Portanto, a Sade mental um termo usado para descrever o nvel de
qualidade de vida cognitiva e/ou emocional e pode incluir tambm a capacidade de um
indivduo de apreciar a vida e procurar um equilbrio entre as atividades e os esforos para
atingir a resilincia psicolgica. Admite-se, entretanto, que o conceito de Sade Mental mais
amplo que a ausncia de Transtornos Mentais.
O conceito de Sade Mental deve envolver o homem no seu todo biopsicossocial,
o contexto social em que est inserido, assim como a fase de desenvolvimento em que se
encontra. Neste sentido, pode-se considerar a Sade Mental como um equilbrio dinmico que
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resulta da interao do indivduo com os seus vrios ecossistemas: o seu meio interno e
externo, a suas caractersticas orgnicas e os seus antecedentes pessoais e familiares
(FONSECA, 1985).
O Ministrio da Sade (BRASIL, 2011, p. 161) em decorrncia do importante
lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas, sendo fonte de subsistncia e de posio
social, a falta de trabalho ou mesmo ameaa de perda do emprego geram sofrimento psquico,
pois ameaam a subsistncia e a vida material do trabalhador e de sua famlia. O Ministrio
da Sade vai dizer que o trabalho ao mesmo tempo abala o valor subjetivo que a pessoa se
atribui gerando sentimentos de menos-valia, angstia, insegurana, desnimo e desespero,
caracterizando quadros ansiosos e depressivos. Marques, Martins e Sobrinho (2011) afirmam
que o trabalho est carregado de sentidos e refere que em nossa cultura, o mesmo um
organizador social que investe os atores sociais de identidade e, por meio dele, o sujeito se
reconhece e reconhecido na sua atividade profissional. Maggi e Tersac (2004) ressaltam que
o trabalho uma necessidade e um desejo e este mesmo trabalho que permite a
sobrevivncia e que tambm contribui para o adoecimento dos trabalhadores.
As transformaes introduzidas nos contextos laborais, nos ltimos anos, tm
oportunizado, em geral, melhores condies de trabalho, com ambientes mais limpos, menos
insalubres, com menos riscos de acidentes e doenas. Por outro lado, tais transformaes nos
processos de trabalho tm suscitado novas formas de sofrimento e/ou doena, vinculadas,
preferencialmente ao funcionamento psquico dos trabalhadores e disseminadas pelos mais
diferentes espaos de trabalho. As estatsticas de auxlio-doena e aposentadoria por invalidez
refletem este novo perfil.
Cabe ressaltar que as pesquisas em Sade Mental e Trabalho no se constituem
como novas e, de acordo com Codo (1988), j em 1917, Freud publicava Noes
Introdutrias sobre Psicanlise, o primeiro nmero de um jornal conhecido como Higiene
Mental, no qual um artigo j trazia um alerta sobre o fato de que pacientes desempregados
apresentavam srios problemas, que se agrupavam em trs classificaes: instabilidade
emocional, personalidades inadequadas e personalidades paranides. Dois anos aps,
Southard (1919) foi indicado pela Engineering Foundations of New York, para investigar os
problemas emocionais entre os trabalhadores e, em 1933, foi aprovada a jornada de seis horas
para os bancrios, com argumento baseado na psiconeurose bancria essencial. Entre vrios
autores que contriburam para o avano do conhecimento neste campo de estudos, pode ser
citado Le Guillant que descreveu A neurose das telefonistas (LE GUILLANT et al.,1956),
35
que considerava o trabalho apenas como desencadeante de sintomas, em pessoas j portadoras
de uma neurose latente.
Como no objetivo desta investigao detalhar a histria da Sade Mental do
Trabalhador, faz-se um salto, assinalando que, foi na dcada de 1980, que no Brasil, se
iniciaram os estudos sobre as relaes entre Sade Mental e Trabalho, com a pioneira Edith
Seligmann-Silva seguida por outros importantes pesquisadores, tais como Wanderley Codo,
Ione Vasquez Menezes, Lvia de Oliveira Borges, Liliana Guimares, entre outros.
Para Areias e Guimares (1999, p. 23), o campo da Sade Mental do trabalhador
se dedica ao estudo da dinmica, da organizao e dos processos de trabalho, visando a
promoo da Sade Mental do trabalhador, por meio de aes diagnsticas, preventivas e
teraputicas eficazes, enfatizando o importante papel do trabalho, tanto na promoo de
sade mental quanto na contribuio para a ocorrncia da doena mental.
De acordo com Jacques (2003) ocorreram alteraes no mbito interno da
psicologia, que permitiram um novo olhar sobre a dimenso do trabalho, uma releitura das
teorias clssicas sobre a constituio do psiquismo. Essa releitura de teorias vem reafirmando
a importncia do trabalho na constituio do sujeito e na sua insero social, como estratgia
de sade e como associado ao adoecimento mental.
Codo (1988) postula que o trabalho tem funo determinante, embora no
exclusiva, nos Transtornos Mentais. De acordo com Heloani e Capito (2003), a forma de
organizao do trabalho no ir criar doenas mentais especficas, pois os surtos psicticos e a
formao das neuroses dependem da estrutura da personalidade que a pessoa desenvolve
desde o incio de sua vida, na adolescncia, antes mesmo de entrar no processo produtivo.
Jardim, Ramos e Glina (2010) dizem que o trabalho ocupa um valor nico,
singular, na vida das pessoas, pois, fonte de subsistncia e posio social para o trabalhador
e sua famlia. Essas mesmas autoras pontuam que a ociosidade gera sofrimento psquico, no
apenas para o trabalhador, mas consequentemente tambm para sua famlia, e o trabalho
ocupa um lugar importante no psquico das pessoas, ou seja, se for satisfatrio proporcionar
sade, prazer, alegria e, ao contrrio, sendo que um trabalho sem reconhecimento propicia
ameaa fsica e mental para a sade do trabalhador, gerando sofrimento e levando a doenas
tanto fsicas como psquicas.
certo que o sofrimento faz parte da vida de qualquer ser humano, na rea social
ou do trabalho, e, pode levar a uma trajetria patolgica, fato este que vem preocupando
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especialistas do mundo inteiro, pois os impactos da globalizao na organizao do mundo do
trabalho tm causado os mais diversos efeitos sobre a sade mental do trabalhador, exigncias
crescentes de maior qualificao profissional, competitividade, precarizao do emprego e a
ameaa de perder o emprego, que se tornam cada vez mais constantes nos postos de trabalho
(FLECK et al., 2000).
Estas posies quanto relao sade mental e trabalho remetem necessria
caracterizao do seu nexo causal. A seguir, so comentadas as dificuldades para esta tarefa e
alguns dados derivados da mesma, relacionados a grupos ocupacionais semelhantes ao
estudado nesta investigao.
Glina et al. (2001) citam que a caracterizao do nexo causal entre trabalho e
sade mental , no um processo simples, uma vez que este se desenvolve de maneira nica
em cada indivduo, envolvendo toda a sua histria de trabalho e de vida. Ento, para
estabelecer esse nexo, fundamental a descrio pontual da situao de trabalho, no que tange
organizao, ao ambiente e percepo da influncia que o trabalho exerce, no processo de
doena. As autoras acrescentam que a evoluo dos quadros clnicos encontrados, mantm-se
intimamente relacionada com o fornecimento de suporte pelos servios de sade, pela
empresa, familiares, sindicatos e instituies, enfatizando que esse conjunto de suportes deve
ser fundido a um conjunto de aes para o resgate da identidade profissional e social desses
trabalhadores.
Siano et al. (2009) fizeram uma anlise descritiva de exames periciais de
segurados do Instituto Nacional do Seguro Social, sobre Transtornos Mentais, que mostrou
que o diagnstico mais frequente entre os mesmos foram os transtorno do humor, (39,6%).
Outro problema no menos importante foi exposto por Marques, Martins e
Sobrinho (2011), que tiveram como objetivo mapear as licenas mdicas apresentadas pelos
servidores da Universidade Federal do Esprito Santo - UFES que justificaram ausncias ao
trabalho. Os dados obtidos indicaram que no se dissociou adoecimento do trabalhador e a
ausncia ao trabalho. Os adoecimentos mais prevalentes foram os Transtornos Mentais e
comportamentais e as doenas do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, que juntas
representaram 59,2% das ausncias que predominaram na amostra pesquisada, resultantes do
contexto de trabalho, em interao com o corpo e o aparelho psquico dos trabalhadores.
Silva, Pinheiro e Sakurai (2007) relatam que os Transtornos Mentais e
Comportamentais foram responsveis por 19,28% do total de dias de afastamentos de
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bancrios de um banco estatal de Minas Gerais, em que os transtornos do humor foram
responsveis por aproximadamente 55% do nmero de dias de afastamento e os transtornos
neurticos com relao ao estresse e transtornos somatoformes por 32%, mostrando que essas
doenas esto intimamente vinculadas organizao do trabalho. O que ocorre, no entanto,
neste ambiente laboral, que estas doenas no so reconhecidas como tal, portanto no
emitem CAT (Comunicao de Acidente no Trabalho). No estudo, os autores detectaram uma
tendncia na mudana do perfil de absentesmo no setor bancrio, com os distrbios
osteomusculares sendo superados pelos Transtornos Mentais e do Comportamento.
Na idade adulta, aparecem grandes diferenas entre homens e mulheres, em
relao aos Transtornos Mentais, pois a mulher apresenta maior vulnerabilidade para sintomas
depressivos e ansiosos, que esto em especial ligados ao perodo reprodutivo (ANDRADE;
VIANA; SILVEIRA, 2006). Segundo esses autores, a depresso a doena que mais causa
impacto nas mulheres, tanto em pases em desenvolvimento, como em pases desenvolvidos,
mostrando que o suicdio a segunda causa de morte em mulheres na faixa etria dos 15 a 44
anos de idade no mundo, precedida apenas por tuberculose. Para os autores acima citados, as
mulheres apresentam maior comorbidade entre depresso e transtornos de ansiedade,
particularmente com os transtornos do pnico e fobias simples. Os homens apresentam maior
comorbidade entre problemas relacionados ao uso de substncias (mais comumente o lcool)
e transtornos de conduta. Ressalte-se que os esterides sexuais femininos, particularmente o
estrgeno, agem na modulao do humor, o que, em parte, poderia explicar a maior
prevalncia dos transtornos do humor e da ansiedade na mulher, pois a flutuao dos
hormnios gonodais teria alguma influncia na modulao do sistema neuroendcrino
feminino, desde a menarca at a menopausa.
Foi realizado por Tavares et al. (2012) um estudo epidemiolgico, de corte
seccional, com 130 docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRS para
investigar a demanda psicolgica e o controle sobre o trabalho (Modelo demanda-controle de
Karasek) e a associao destes com distrbios psquicos menores e a prevalncia global de
suspeio de distrbios psiquitricos nesta populao foi de 20,1%. Concluram que os
enfermeiros docentes que desenvolvem as atividades em ambientes de alta exigncia tm mais
chances de desenvolver distrbios psquicos menores, e que docentes em trabalho ativo
(considerado negativo para Karasek), apresentam mais chances de adoecimento mental,
comparados aos que tm baixa exigncia no ambiente laboral.
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Para caracterizar o perfil sociodemogrfico e as condies de Sade e Trabalho
dos professores de escolas estaduais paulistas, Vedovato e Monteiro (2008) realizaram um
estudo epidemiolgico, de corte transversal, feito em duas cidades, uma de grande e outra de
mdio porte do interior do estado de So Paulo. Concluram que as doenas com diagnsticos
mais citadas foram as msculo-esquelticas e respiratrias (27,1%), os acidentes e doenas
digestivas (22,1%) e os Transtornos Mentais (20,9%).
Investigando os Transtornos Mentais e Comportamentais e o perfil dos
afastamentos de servidores pblicos estaduais em Alagoas, Silva et al. (2012) concluram que
os Transtornos Mentais so uma causa importante de afastamentos dos servidores pblicos do
estado e que esta informao indica a necessidade urgente de planejamento, desenvolvimento
e implementao de aes voltadas melhoria das condies de trabalho, emprego e
segurana para os servidores pblicos.
Com as mesmas caractersticas dos servidores aqui estudados, em uma
universidade pblica do estado de So Paulo, Areias e Guimares (2004) realizaram um
estudo com 400 trabalhadores que objetivou identificar a sade mental e os fatores
psicossociais de risco em trabalhadores de uma universidade pblica, segundo o gnero e
concluram que o gnero feminino apresentou mais fatores de risco para o estresse no
trabalho, estresse social e estresse pessoal do que o masculino, mostrando tambm que a
sade mental e os fatores de apoio esto interligados.
Pesquisas em pases desenvolvidos e em desenvolvimento tm mostrado que os
Transtornos Mentais so mais comuns entre os socialmente desfavorecidos, em pessoas que j
tenham sido casadas e mulheres, sendo que estes fatores associados educao, renda e classe
social (ARAYA; ROJAS; FRITSCH, 2001). Para Ludermir e Melo Filho (2002) a ocorrncia
de Transtornos Mentais tem associao direta com a estrutura ocupacional, escolaridade,
condies de moradia e insero no processo produtivo e renda. Assim, conhecidos os fatores
associados s caractersticas ocupacionais dos indivduos, possvel afirmar que a maioria das
doenas mentais sofre influncia de diversos fatores biolgicos, psicolgicos e sociais, que
afetam todas as faixas etrias, causando sofrimento s famlias e comunidades e, sobretudo,
ao indivduo (OMS, 2002).
Em outro aspecto, as modificaes ocorridas na dinmica do trabalho, como
aspectos gerenciais, novos mtodos e tcnicas organizacionais, tal como evidenciam
Gasparini; Barreto e Assuno (2006) levaram a consequncias significativas para a vida e
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para a sade dos trabalhadores a partir das novas exigncias do mercado, reproduzindo um
contexto de aumento de doenas mentais, psicossomticas, cardiovasculares entre outras.
Os indivduos acometidos por Transtornos Mentais, de forma geral, so
gerenciados quase que exclusivamente na ateno primria (LLOYD, 2009, p. 342).
Consequentemente, a falta de acesso a tratamentos adequados, o no conhecimento das
providncias cabveis e a descontinuidade do tratamento, so quesitos preocupantes. Ainda, a
subnotificao em sade mental prejudica o conhecimento dos indicadores, repercutindo na
falta de ateno e orientao do cuidado para estes indivduos. Segundo o Relatrio Mundial
da Sade Mental da OMS (2002, p. 27) uma pequena minoria das 450 milhes de pessoas
que apresenta perturbaes mentais no mundo, recebem tratamento.
Goulart Jnior, Cneo e Lunardelli (2009) mostram como se tornam ineficazes
somente as possveis mediaes usadas pelo trabalhador para se manter saudvel e afastar um
possvel adoecimento no trabalho, que pode advir de vrias condies que predispe a
situaes de sofrimento no ambiente laboral. Todas estas condies, fatores relacionados ao
ritmo e ao tempo de execuo das tarefas, jornadas longas e com poucos intervalos, trabalho
em turnos (principalmente noite), presses de chefia por maior produtividade, entre outras
podem levar ao adoecimento fsico e mental. Este resultado remete ao compromisso que a
organizao tem com o adoecimento do trabalhador, implicada em que est com as formas de
gesto do trabalho adoecedor.
As aes de promoo da sade tm sido implementadas, ainda timidamente, na
UFMS, e a diviso de Medicina do Trabalho realizou um projeto denominado
Compartilhando o mundo com a pessoa especial feito com os servidores da instituio,
visando melhorar a qualidade das relaes intrapessoais e interpessoais destes, obtendo-se
como resultado uma significativa humanizao do ambiente de trabalho. O projeto foi
publicado no manual dos Princpios, Diretrizes e aes em sade mental na administrao
pblica federal, no ano de 2010.
A seguir, sero apresentadas e discutidas as principais abordagens terico-
metodolgicas utilizadas em Sade Mental do trabalhador, segundo alguns estudiosos da rea:
40
2.3.1 Abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental do trabalhador
Entre os modelos explicativos das relaes entre Sade Mental e Trabalho podem
ser definidas duas principais correntes: (i) a Psicopatologia do trabalho - denominada
Psicodinmica do Trabalho, a partir dos estudos de Dejours, e os estudos que tratam da (ii)
Relao entre estresse e trabalho (Work Stress) (GLINA; ROCHA, 2006). A
Psicodinmica do Trabalho entende o trabalho como vrtice do indivduo e refere que a
diviso de tarefas e diviso dos homens norteia conflitos psquicos. Enfatiza a centralidade do
trabalho na vida dos trabalhadores, analisando os aspectos dessa atividade que podem
favorecer a sade ou a doena. Ao analisar a inter-relao entre Sade Mental e Trabalho,
Dejours (1986), seu principal expoente, acentua o papel da organizao do trabalho no que
tange aos efeitos negativos ou positivos que aquela possa exercer sobre o funcionamento
psquico e vida mental do trabalhador. Este autor conceitua a organizao do trabalho como
a diviso das tarefas e a diviso dos homens. A diviso das tarefas engloba o contedo das
tarefas, o modo operatrio e tudo o que prescrito pela organizao do trabalho. Mais
recentemente, Dejours et al. (1994) passaram a acentuar o fato de que a relao entre a
organizao do trabalho e o ser humano encontra-se em constante movimento. Do ponto de
vista da ergonomia, a anlise da organizao do trabalho deve levar em conta: a organizao
do trabalho prescrita (formalizada pela empresa) e a organizao do trabalho real (o modo
operatrio dos trabalhadores). Segundo o autor, o descompasso entre as duas, favoreceria o
aparecimento do sofrimento mental, uma vez que levaria o trabalhador necessidade de
transgredir para poder executar a tarefa.
A segunda corrente de anlise dedicada ao estudo da Sade Mental e Trabalho a
que privilegia a relao entre estresse e trabalho. O estudo da relao entre estresse
trabalho (tambm denominado Work stress) afere o desequilbrio entre as demandas do
trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores. Nesta abordagem, vrios modelos
terico-metodolgicos foram construdos, a comear por uma ampla variao do conceito de
estresse, que apresenta um alto grau de complexidade. Destacam-se, nesse campo, os autores
escandinavos (FRANKENHAEUSER; GARDELL, 1976; KALIMO, 1980; LEVI, 1988),
entre outros, que tm em comum em sua definio de estresse o desequilbrio entre as
demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores.
Nesta vertente, observa-se a preocupao com a determinao dos fatores
potencialmente estressantes em uma situao de trabalho. No objetivo deste estudo,
41
detalhar os diferentes modelos terico-metodolgicos sobre o estresse ocupacional, mas como
exemplo, Karasek e Theorell (1990) propem um modelo com abordagem tridimensional,
contemplando os seguintes aspectos: exigncia/controle (demand/control); tenso/
aprendizagem (strain/learning) e suporte social. Este modelo denominado D/C, um dos
mais utilizado no mundo e a situao saudvel de trabalho seria aquela que permitisse o
desenvolvimento do indivduo, alternando exigncias e perodos de repouso, com o
trabalhador tendo controle sobre o processo de trabalho.
No entanto, diferentes autores nacionais classificam as abordagens terico-metodolgicas em
Sade Mental e trabalho de diferentes maneiras, explicitadas na seqncia.
Edith Seligmann-Silva (1995 apud JACQUES, 2003) apresenta trs diferentes
abordagens terico-metodolgicas em Sade Mental e Trabalho:
(i) As teorias sobre estresse (work stress),
(ii) A Psicodinmica do Trabalho;
(iii) O Desgaste mental.
Para Jacques (2003) existem quatro (4) amplas abordagens em Sade Mental:
(i) As teorias sobre estresse,
(ii) A Psicodinmica do Trabalho;
(iii) As abordagens de base epidemiolgica ou diagnstica,
(iv) Os estudos e pesquisas em subjetividade e trabalho.
Borges, Guimares e Silva (2013), classificam em trs as abordagens terico-
metodolgicas:
1. As abordagens individualistas: que se caracterizam por buscar explicaes,
principalmente nas caractersticas das prprias pessoas e no na relao destas
com o trabalho e suas condies. Mesmo que haja reconhecimento do nexo
entre sade psquica e trabalho, nessas abordagens, ele mais enfraquecido. A
subjetividade levada em conta na forma de crenas, percepes, atitudes,
motivaes, esteretipos, preconceitos, etc. e no impacto que tais cognies e
afetos esto relacionados e/ou imbricados no processo de sade/doena. O
trabalho aparece como categoria social secundarizada, tanto na construo de
tais cognies, quanto na etiologia do processo de sade/doena. Tal
pensamento est relacionado diretamente ao posicionamento dos psiclogos de
42
tal abordagem, apontando na direo que tende mais a uma aproximao de
uma psicologia abstrata, que explica o processo de sade-doena
prioritariamente com base em processos psquicos.
2. A Psicodinmica do Trabalho: j descrita na pgina 40 e 41.
3. As abordagens psicossociolgicas, descritas por vrios autores (e.g.,
LVARO, 1995; MONTERO, 2000; SANDOVAL, 2000; PRADO, 2002;
LVARO et al., 2007).
Nas abordagens psicossociolgicas, assume-se abertamente a categoria trabalho
como estruturante, tanto do ponto de vista das sociedades, como da vida concreta dos grupos e
das pessoas. Assim, a posio dos psiclogos sobre o nexo entre sade psquica e trabalho
abrange a considerao ao papel do trabalho no desenvolvimento de identidade (CHANLAT,
2011). por isso que nessa abordagem, h uma busca da explicao do processo
sade/adoecimento diretamente nas condies de trabalho. Diferentemente das abordagens
anteriores, o trabalho concreto o foco principal (grifo nosso). As caractersticas pessoais
(humanas) so consideradas, mas ora como elementos facilitadores do processo, ora mediando