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Centro Novas Oportunidades da
Escola Secundária de Lousada
Maria José Sousa Lopes
Novembro, 2009
CNO da Escola Secundária de Lousada
Maria José Sousa Lopes
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… há quem lhe chame portefólio,
… eu chamo-lhe uma vida!
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Eu sou Maria José de Sousa Lopes, tenho 58 anos, um filho, uma neta,
funcionária do serviço informativo da Segurança Social de Lousada com a
categoria de assistente administrativa especialista.
Nos tempos livres ocupo-me com os meus amigos nas horas boas para
dar-mos boas gargalhadas e nas más tentar dar-lhes o apoio sempre que
necessitem. Amo cultivar as minhas amizades assim como amo cultivar o meu
jardim e as minhas flores porque para mim a amizade é como uma flor, tem
que ser cuidada com amor senão morre.
Ao longo das horas vagas ouço música, leio e gosto pesquisar sobre
vários assuntos e há dois meses a maior parte das horas vagas foi tentar
acabar este quebra-cabeças com a ajuda de um amigo na parte técnica mas
deu para ter momentos de agradáveis gargalhadas e ele ter conhecido um
pouco da cultura do meu país natal, só por isso valeu a pena o portefólio.
Sonhando, gostaria de um dia poder usufruir muito mais da minha neta,
passeando pelas ruas de Trier, exercitar a mente para que se conserve jovem
a fim de poder acompanhar a mentalidade da minha neta até ao fim dos meus
dias.
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“ O meu país natal – Angola”
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“Províncias do meu país natal”
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“Mapa geográfico do meu país natal”
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Começar um portefólio, olhando, a estação do Caminho de Ferro de
Benguela, da minha Terra Natal, penso: “ nasci em Teixeira de Sousa, (hoje
LUAU) quem diria que um dia a bebé, a criança, a adolescente e a mulher que
viveu, metade da sua vida num País que amou, onde riu, brincou, estudou,
trabalhou, leccionou, casou, teve um filho, sofreu na carne guerras, em
simultâneo conseguiu rir, ensinar, abraçar, chorar, tremer e dar segurança a
crianças de várias raças inclusive o meu filho e o meu afilhado, debaixo de
tiroteio, rastejando com eles para que os morteiros não nos atingissem dentro
da Escola S. Luís da Bomba a 26km do Luso (hoje LUENA) onde 39 crianças
confiavam em mim e comigo começaram a aprender a língua portuguesa,
nesses momentos, aqueles olhos gentios e negros olham-me implorantes como
me pedindo não nos abandones…
Quando as luzes mortíferas deixavam de se cruzar nos céus,
levantávamo-nos e eu sorrindo (sabe Deus) dizia-lhes:
Lembram-se do que no primeiro dia de aulas, o ano passado, a
professora começou por ensinar?
─ Sim… (todos em voz trémula ainda não refeitos dos sustos)
─ Eu quero ouvir dito por vocês.
─ Bom dia
─ E a canção?
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─ Vê como eu faço vê lá ó José levanto o braço levanto o pé. (e todos
levantavam o braço e o pé e riam).
Assim ensinei durante 2 anos a língua portuguesa a quem sabia só 4 ou
5 palavras em português, isto é amor! Sim… racismo? Quando o entrelaçar das
mãos, numa roda, se confundiam em 5 cores: o branco, o negro, o mulato o
cafuso e o cabrito? Ensinando, rindo chorando também? Onde todos nos
banhávamos no rio ao meio da tarde e nos secamos ao sol? Ou racismo é…?
Chegar a um País da mesma língua e raça, num célebre dia 4 de Agosto
de 1975 com uma criança de 44 meses…
Ser insultada, escorraçada e marginalizada? Eu e o meu filho, não
éramos retornados mas sim refugiados, meus amigos…
Será racismo ver 39 crianças de várias raças e os seus pais no meu
ultimo dia de aulas, em princípios de Julho
de 1975, quando lhes disse que ia partir,
chorarem abraçados a mim e pedirem para
nos os deixar?
Ou racismo será? Vens da terra dos
pretos eles até te lavavam o …volta para lá.
Será racismo ver o companheiro do
meu filho que se sentava com o seu menino à
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“Menina negra”
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mesa, a nossa lavadeira e os seus filhos a chorarem na despedida e a
pedirem para voltarmos?
“Amor sem olhar à cor da pele!”
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“Racismo?”
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Ou racismo será?
Entre 150 concorrentes a um concurso
para emprego, ter ficado em 1º lugar e
chegar ao local de trabalho, ser apontada e
ouvir é retornada não pode tirar o lugar a
um português e muitos menos à sobrinha
do sr. abade e ser sujeita a mais 2 exames
feitos à maneira deles com mais 3
concorrentes e vitória tirada a ferros e
lágrimas…
Será racismo ter pertencido ao MUP em
73-74 e 74-75, movimento de professores
negros?
“Eu e o meu irmão no Lumege”
NUNCA SOUBE O SIGNIFICADO DA
PALAVRA RAÇISMO ANTES DO 25 ABRIL
DE 1974
Liberdade, sou totalmente a favor, mas com
responsabilidade.
Libertinagem, irresponsabilidade, grosseria
e falta de princípios sou contra. “Seria racismo?”
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Direitos da criança
Em 20 de Novembro de 1959, a ONU fez a Declaração dos Direitos da Criança, com 10 artigos:
• A criança deve ter condições para se desenvolver física, mental, moral,
espiritual e socialmente, com liberdade e dignidade.
• Toda criança tem direito a um nome e a uma nacionalidade e, tanto
quanto possível, o direito de conhecer os pais e de ser educada por
eles.
• A criança tem direito à alimentação, lazer, moradia e serviços médicos
adequados.
• A criança deve crescer amparada pelos pais e sob sua
responsabilidade, num ambiente de afecto e de segurança.
• A criança prejudicada física ou mentalmente deve receber tratamento,
educação e cuidados especiais.
• A criança tem direito a educação gratuita e obrigatória, ao menos nas
etapas elementares.
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• A criança, em todas as circunstâncias, deve estar entre os primeiros a
receber protecção e socorro.
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• A criança deve ser protegida contra toda forma de abandono e
exploração. Não deverá trabalhar antes de uma idade adequada.
• As crianças devem ser protegidas contra prática de discriminação racial,
religiosa, ou de qualquer índole.
• A criança deve ser educada num espírito de compreensão, tolerância,
amizade, fraternidade e paz.
Torno a afirmar: amo crianças e sempre fiz para pôr em prática o atrás citado
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“Eu com 1 ano e meio”
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A minha vivência
Meu avô emigrou para Angola durante a guerra 14-18. Estabeleceu-se
como comerciante numa pequena vila do interior. Anos mais tarde, minha avó,
que tinha ficado sem mãe aos 13 anos de idade, também partiu para Angola na
companhia de um irmão e esposa.
Conheceu o meu avô… e aos 15 anos casou. O meu avô era mais velho
30 anos, tiveram 3 filhos um dos quais a minha mãe. O meu pai tinha
conseguido carta de chamada para Angola e recém-saído do seminário
embarcou e estabeleceu-se como industrial de madeiras para exportação.
Conheceu a minha mãe que na aldeia estudava e casaram.
Quando a minha mãe fez 18 anos e ele 30, casaram. Tiveram 2 filhos.
Um dos quais eu. Tinha eu 6 anos de idade meus pais e meu irmão foram viver
para outra cidade e eu fiquei com a minha avó, já viúva e um tio solteiro.
Tive uma educação muito austera pois meu tio embora me adorasse era
um homem demasiado rígido.
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“Eu com 3 anos”
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Educação austera, vou tentar comparar com a educação de hoje mais
subtil. Embora algumas vezes… quase libertina… Tenho experiencia de como
fui educada e como eduquei meu filho, falo com experiencia própria no terreno.
Meu tio Fernando, frio, (mas que me adorava) educou-me a saber respeitar,
agradecer, saber ouvir, e cumprir, tinha mesmo de cumprir, senão “caldo
entornado” uma frase dele, que anunciava” trovão”, minha avó um “ arroz doce”.
Educação de meus pais: minha mãe, professora, dialogo sem!!!... não sei como
diga….Meu pai 4º ano de teologia rígido em horários. Puxava a cadeira a uma
senhora, abria a porta do carro para uma senhora entrar… “visitas em casa,
crianças boca calada… era preciso saber ouvir”. O meu pai era o verdadeiro
paradoxo rígido e doce. A educação do meu filho, não vou comentar… houve
divórcio, tinha ele tenra idade fui mãe, pai, amiga, companheira e confidente. A
educação actual? Maravilhosa!!! Mas algumas delas… péssimas!!! A meu ver…
Em alguns jovens (amo crianças, jovens e idosos) que são educados de forma
simples que riem comigo que desabafam de forma saudável, sinto pela
experiencia que tenho… por vezes, julgamos a juventude … Não devemos
faze-lo! Cada caso é um caso. Mas cito alguns exemplos negros com os quais
convivo diariamente. Jovens delinquentes, por deficiência de educação cujos
pais, têm diversos problemas a vários níveis, (alcoolismo, deficiências físicas e
intelectuais, violência domestica, carências económicas, violações,
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incestos…geram deficiências educacionais) cujos filhos poderiam ser Grandes
Homens, como diz o poeta (que me dá força, Rudyard Kipling no seu SE ),
mas que a adversa vida marginaliza… Professor quem sou eu? Para definir
problemas e diferenças???
Vivo-as de forma tão intensa … que entendo a minha diferença. Tente
sentir como a sinto… e terá a resposta da minha diferença vou citar, mais
alguns exemplos…
Estava eu sentada, à minha secretária de trabalho na Segurança Social,
chegou um utente. Após o bom dia; por favor sente-se, perguntei:
─ O que o traz cá qual o seu problema?
─ A minha mulher já recebeu o abono do meu filho, o meu sobrinho que
nasceu um dia depois, ainda não e sou eu o recebedor do abono.
─ Se fizer o favor de me facultar o recibo da entrega dos documentos do seu
sobrinho tentarei ajudar. “Na verdade o filho tinha nascido a 30 de Maio o
sobrinho a 31 (mês e dia que não esquecerei) consultei o sistema e estava no
estado de pendente!!! Estranho pensei” senhor B vou ligar ao Porto a ver o
que se passa…
Dialogo entre mim e a colega da Secção:
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─ Colega bom dia, tenho uma duvida, por favor ajude-me, o tio da criança está
aqui e o processo está pendente…O numero é 1260000000000
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─ Olá colega, sim está já oficiamos ao beneficiário e não tivemos resposta,
ele é pai de 2 crianças com diferença de um dia…não entendemos e
aguardamos a resposta, a colega pergunte-lhe “quando me apercebi, do facto,
perdi a cor, tive vontade de o matar, mas educação e sigilo profissional a
quanto obriga…”
─ Sr. B… desculpe deve haver engano o seu sobrinho está registado como seu
filho…
─ Senhora… sim é meu sobrinho e meu filho e da irmã da C dormíamos os 3 e
aconteceu…
─ Desculpe o Sr. dormia com a sua esposa e a irmã? A revolta, tanta pobreza
mental, pensei!... a seguir ao atendimento ir falar a uma Assistente
social…novamente o telefone”
─ Colega, desculpe, não há engano, pode deferir o processo, agoniante sim, é
pai e tio…
─ Ok colega (f d p) sim vou já tratar.
─ Sr. B em breve receberá o abono do seu filho e sobrinho “matava-te” pode ir.
Outro exemplo:
Algumas classes sociais mais favorecidas economicamente:
Os pais demasiadamente atarefados com eventos sociais…
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Filhos com amas, mais amas… diurnas e nocturnas… mas que
importa?... No dia seguinte, de prenda a roupa de marca e tudo bem, (pensam
eles… que as marcas substituem o amor…) Mas a marca, nestas crianças,
cresce com elas, quando homens e mulheres, não “a marca da roupa” mas sim
a marca do afecto ausente. É fácil entender uma criança… è preciso rir,
conversar, explicar, descer até ela … e não pôr os bens materiais acima do
amor. É preciso sentir o que eu e tantas mães e pais sentiram e sentem…
Diálogo com meu filho, no início da sua adolescência, passo a citar:
─ “Mãe vem cá, por favor, tive um problema preciso do teu conselho… quero
iniciar minha vida sexual explicas?
─ Sim filho, queres que mãe te explique ou queres perguntar?
─ Explicas e pergunto, pode ser?
─ Anda senta-te aqui: vamos dialogar como se estivéssemos numa batalha
naval de sexologia aceitas?
─ Aceito…como vou dizer que sou virgem, sou homem e já tenho 15 anos?
─ Fácil (sabe Deus…como começar) filho, respondes:
─ Ser virgem nada tem a ver em ser-se homem ou mulher, a nossa idade
mental e a certeza que queremos iniciar com consciência é fundamental. Tens
a certeza que queres? Consciente?
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─ Sim mãe. Como faço?
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“Ser-se mãe, pai, confidente, amiga chamar-lhe-ei, para mim, (uma lança
em África)”, filho em primeiro lugar tens de ler tudo sobre doenças sexualmente
transmitidas e como preveni-las.
─ Mãe? Sabes isso tudo? Como fizeste? Quem te ensinou? Que idade tinhas?
“Como explicar que foi meu pai e não minha mãe quem, me explicou?
Como explicar que no meu tempo ser virgem até ao casamento era quase
obrigatório?
Como explicar que tudo era tabu? E que tive um pai diferente”
─ Sei filho… teu avô tinha a tua mãe 11 anos, ouviu-a gemer durante a noite,
senti-o levantar e poucos minutos depois estava sentado ao lado da minha
cama.
─ “Perguntou? Que tens MªJosé?
─ Dói-me a barriga…
─ Onde filha?
─ No fundo…
Levantou-se…”Henriqueta! Chamou o meu pai (nome da minha mãe), a
menina tem febre, deve ser a menstruação!!! Já explicaste?”
Resposta da minha mãe:
─ É muito nova… não cries problemas onde não existem, deve ter andado ao
sol…
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O meu pai passou a sua mão forte e sapuda, na minha testa e disse:
─ “Filha descansa…Amanhã falamos”.
─ No dia seguinte meu filho, a tua mãe foi tomar banho e começou a gritar…a
tua avó veio… ralhou com a mãe, deu-lhe um penso e disse: teu pai logo fala
contigo. Sabes filho, a mãe tinha tido a sua primeira menstruação
─ Menstruação? Dói?
─ Estou a tentar explicar-te o que é a sexualidade de forma simples para que
entendas. Comecei pela a sexualidade feminina, a menstruação, após a
primeira pode haver uma gravidez, porque na mulher existe no interior do corpo
o aparelho feminino, assim como no homem, o masculino já te explico. Na
mulher existem 2 ovários um do lado esquerdo e outro do lado direito do útero.
Útero é um órgão feminino onde são gerados os bebes e criados até nascerem.
O vosso aparelho é diferente é formado pelo pénis e de cada lado deste os
testículos que contêm espermatozóides. Mas a mãe vai ensinar-te pelo livro,
para veres as figuras…e saberes e pormenor.
─ Está bem mãe. Obrigado.
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“Assim consegui, não ter de responder a algumas perguntas directas”. Mas,
nessa noite, os 2 sentados no sofá, com o livro de Masters and Johns, comecei
as aulas… (estive em dúvida entre Freud e estes preferi estes). Hoje tenho a
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consciência que fiz o melhor que pude acertei em quase todos os
submarinos batalha naval ganha”
Sentir ser avô
Diálogo de ternura:
─ Te amo vovó…conta aquela história… vamos passear… ensina vovó… conta
à Luna vovó (a minha neta tem 32 meses é Luxemburguesa).
─ E eu explico… o verde dá oxigénio sabes para quê? Para a Luna
respirar…Respira fundo… é oxigénio. Vês aquele carro?
─ Sim vovó. Tirou um pouco o ar bom que a Luna respirou…
─ E não deixa a Luna respirar? Vovó – disse - sem ar bom Luna morre…
─ Sim…
─ Mas vês as arvores? Os montes (olha ali ao lado da casa da vovó, são
pinheiros e eucaliptos, vem… vovó vai ensinar…
─ Sim vovó eu quero.
─ Luna esta árvore chama-se eucalipto e esta pinheiro, ajudam a dar à menina
ar bom para respirar, as arvores os verdes ajudam-nos a viver.
─ Sim vovó. Olha lá longe tem lume, queima vovó vamos.
“Como tentar explicar um incêndio?”
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─ Luna está arder porque está muito calor…é muito mau, para o ar bom.
─ Quem fez vovó?
─ Não sei, mas não esqueças as árvores a arder não é bom é muito mau… Um
dia a vovó explica melhor.
─ Vamos vovó tenho medo. Vem contar histórias.
─ Sim! Vamos…
”Senti-me pequenina de não conseguir explicar melhor…mas sei que não
entenderia…”
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Como comecei a contar… vivi com minha avó viúva e com o meu tio,
solteiro, que trabalhava nos Caminhos-de-ferro de Angola, na bilheteira. Uma
vez por mês vinha o então comboio para colaboradores (chamado comboio
pagador), pois pagavam os salários aos colaboradores, e vinha uma carruagem
onde eram vendidos artigos da melhor qualidade. Bem cedo eu, ele e minha
avó íamos às compras ao Comboio. Aí sentia o carinho que ele nutria por mim.
Para onde eu olhasse com olhos de interesse e brilho ele mandava embrulhar.
Nada dizia. Quando chegávamos a casa dizia: “Estes embrulhos são teus.
Gosto de ti”. Mais um mês quase sem dialogo com um olhar frio escondendo o
carinho que me tinha. “Aulas? Deveres? Portaste-te Bem?”. Diálogo ao fim do
dia quando chegava a casa eram as perguntas. De seguida abria a minha
pasta da escola e aquele olhar cor do mar quando se avizinha a tempestade
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percorria meus cadernos folha a folha. Minha avó olhava com a sua
meiguice de mãe e avó à espera do veredicto final. Eu criança de caracóis
loiros, olhava. Aguardava… Finalmente beijava-me a testa e dizia para a minha
avó: “Vamos jantar”
Havia mais 3 comboios, os quais conheci com o meu tio e num dos
quais viajei muitas vezes, (eram movidos a carvão).
O comboio da Mala para passageiros, com carruagens para dormir
durante a noite em viagens longas, nessas carruagens à noite, vinham os
copeiros, levantavam o espaldar dos assentos e assim ficavam 4 camas,
faziam-nas e fechavam o camarote. Dormia-se agradavelmente ao som do
pouca terra pouca terra e de quando em vez um piuuuupiuuu a avisar as
paragens, o barulho dos carris e das rodas ao travar…
“Imagem do comboio da mala” “Vista das carruagens e de
uma cabine”
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“Comboio Camacouve”
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Conforme a imagem, que tive a sorte de pesquisar e encontrar, era o
comboio de mercadorias, que percorria as linhas dos Caminhos-de-ferro de
Benguela, transportava o correio e vários materiais inclusive.
“Jangada, outro meio de
transporte que utilizei”
“A canoa, onde tantas vezes andei … Que saudades Deus meu!”
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“Os navios nos quais viajei, Angola – Portugal – Angola, para vir conhecer a
«Metrópole».” Nesta imagem o navio “Vera Cruz”.
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Começou a Guerra no Quénia, tinha eu 6 anos. Denominada Revolta do
Mau Mau. Cerco redobrado. Antes de ir para a a escola minha avó e meu tio
olhavam-me e diziam:
“Vai direitinha, não fales com ninguém”.
Dizia o meu tio:
“Tens rebuçados em casa não aceites de ninguém”.
“Navio Príncipe Perfeito”
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“Transporte de feridos numa avioneta, na qual também viajei”
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Nada agradável a minha vivencia… em tempo de guerra!!! Vivi a revolta Mau
Mau , também na carne a Guerra Colonial e a guerra do Congo ex-belga
A Inglaterra deu-lhes a independência e tudo sossegou, mas , eu, vivia
a GUERRA COLONIAL, não sei o dia, mas recordo ouvir na rádio o primeiro
ataque, feito com catanas e lanças tendo à frente um muquixe e um feiticeiro,
foi em vila Teixeira de Sousa onde eu nasci, fronteira com o Zaíre ex-Congo
belga, assim começou a guerra, que duraria até ao 25 de Abril, com 3 grupos,
tribalistas entre si, MPL, UNITA e FNLA, Dirigidos, respectivamente, por:
Agostinho Neto, Savimbi e Holden Roberto
Peço desculpa” só soube o que era o racismo após o 25 de Abril,
leccionei crianças, pretas, mulatas, fulas, cabritas e brancas e ria e brincava
com elas, inclusive, meu filho, sem sentir as diferentes raças, aprendi a língua
deles e ensinei a nossa” Acerca de GUERRAS vividas e amar o próximo
escreveria um portfolio sem fim.
…
Sim!.Vivi senti ainda hoje sinto. Como senti o apartide na África do Sul,
falo, discuto, afirmo, com tenacidade porque vivi!!! Não é romance de ficção.
Antes fosse.
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“Transporte de feridos durante a guerra” “Transporte de feridos durante a guerra”
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A revolta Mau Mau começou no Quénia. Era então, colónia inglesa.
Grupos de etnia africana, fizeram uma revolta, para libertação do “do seu País,”
“tudo que sejam ex-colónias é um tema vasto e controverso.” Andava eu na 4ª
classe e admissão ao Liceu. De manha antes de ir para a escola, meu tio e
minha avó alertavam, pois eles raptavam crianças e matavam, tinham-se
infiltrado também em Angola, eram tribalistas, cortavam os dentes da frente
em forma de V, “sonhei muitas vezes que ia ser raptada acordava a gritar e
suada” (anos mais tarde, muitos mais, na Guerra Colonial, meu filho e meu
afilhado devem ter sentido o que senti, tiroteio, morteiros, nós deitados no chão
as crianças diziam: temos medo se eles entram madrinha.. quero chá, mãe
quero leitinho, o acompanhante do meu filho, negro, patroa quero leitinho como
o meu menino, agarra minha mão e do menino, se eles entram matam… terror
e eu dizia: nada disso… vou buscar leite, bolachas e chá, não se levantem,
vamos comer deitados, no corredor, vai ser bonito, não tenham medo, vamos
fazer um pic-nick, de joelhos, sem luz ia até à cozinha, e trazia o MENU… a
fome era tanta que as 3 crianças ainda riam de satisfação, seu pequeno
estômago, vazio, diria talvez… que manjar aguento mais umas horitas… O
coração não dói… a alma sangra…seria que passadas as horitas estaríamos
vivos?
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Passados 2 anos acabou também a Guerra do Congo ex-belga.
Continuava a Guerra colonial.
Aos 8 anos de idade passei para a antiga 4ª classe. Coube-me para
meu infortúnio a professora que namorava meu tio. Fim-de-
semana que se zangassem eu era o bode expiratório. Tinha de responder em
sapatina (sapatina era um circulo de alunos em que a professora no meio
perguntava sobre a matéria e a resposta mais rápida e certa não apanhava
cinco palmatórias na mão).
“ Exemplo da palmatória”
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“Exemplos de Muquixe”
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Comecei a gaguejar quando me apercebi que professora zangada com o
namorado, que por azar era meu tio, Misé… pagava. Era a primeira a
responder mas a primeira palavra saia, a segunda não saía da primeira sílaba.
Repetia-a e nada articulava. Ainda hoje comento com ela, pois casou com meu
tio.
“Minha Avó”
Uma tarde em que cheguei a casa com as palmas das mãos roxas e a sangrar
necessário foi minha avó passar a noite a pôr-me gelo e eu a gemer toda a
noite. Valeu-me até hoje não precisar de máquina de calcular, ter os rios de
cabeça e seu afluentes. Recordar o episódio de Inês de Castro e quando do
meu exame de admissão ao liceu ser a única a resolver em prova oral o
problema de matemática. Vivências que a meu ver seriam simplesmente
vulgares.
-Direi, apesar da Guerra,
tive uma infância, puberdade e
adolescência felizes. A
palmatória da qual fiz desenho,
era o nosso terror, enorme,
castanha, e a seguir ao bom dia
da professora, ela saía da mala,
horrenda, com 5 olhos
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arregalados, negros e ameaçadores. Meu coraçãozito quando a via “dizia
calma Misé, hoje não vais gaguejar, estudaste sabes, não encornaste,
entendeste, tentava mentalizar-me” A palmatória era a rainha das aulas “no
pior sentido” tabuada errada, erros ortográficos, perguntas erradas, no mínimo
ela descia e subia 5 vezes, olhos arregalados e sequiosos de dor “chegávamos
a pôr saliva nas mãos porque psicologicamente doía menos”. Era uma dor
horrível, sentida na mão. coração e cérebro. Sim traumatizante de tal forma
que, enquanto leccionei, fiz jura, a mim própria, nada de dor no ensino. No
Liceu, pelos padres, também as palmatórias eram usadas.
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“O meu colégio antes da guerra”
“O meu colégio destruído após a guerra”
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“Anne Frank” “Anne Frank”
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Hoje conto e lembro o Diário de Anne Frank que li era adolescente.
Li o Diário de Anne Frank teria 15, 16 anos de idade, em plena Guerra Colonial,
revive-me nela, era eu adolescente, imaginativa, também um pouco receosa.
Citei o Diário de Anne, porque também tinha o meu Diário, branco com
fechadura “dizia-me sim escreve sou a tua alma gémea” e sim… nele me
retratei, diariamente, mais divertida, mais triste, sabem? Um diário, é um
verdadeiro porte folio, sem subterfúgios, sem demagogismos, é sim a nossa
vivencia nua e crua. Choros, sorrisos, tentações, realizações frustrações, mas
nossa privacidade, só num Diário nunca num porte fólio.
Também o meu pai teria eu 16 de idade, não posso precisar. Disse:”Maria José
lê o livro Crime do padre Amaro, proibido na altura. Hoje já vi o filme, nada
igual. Na altura o livro arrepiou.
Hoje sei o porquê de o meu pai me pedir para o ler. Havia cumplicidade entre nós…
“No primeiro de Outubro de 1960, parte com destino a Angola, iniciando a sua
actividade de missionário como professor de francês do Colégio de S. Bento,
no Luso (hoje Luena), sendo transferido, dois anos depois, para a Missão do
Moxico Velho, onde sempre permaneceu.
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“D. Frei Paulo António de Oliveira Dias, O.S.B. -
10/10/1917 - 17/9/2008”
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Depois de uma autêntica odisseia, para fugir à sanha dos pseudo-
libertadores de Angola, calcorreando as matas do sul do território angolano e
de zonas da Zâmbia, onde esteve num campo de refugiados, conseguiu chegar
a Portugal, exausto, a 15 de Março de 1976.
Em Singeverga, retomou o fabrico do licor, até que, em 1978, foi
transferido para a Cela de Nossa Senhora da Graça.”
Após a admissão ao liceu despedi-me da minha avó e do meu tio e fui
para junto dos meus pais e meu irmão. Vi o meu tio chorar como uma criança.
E terminou assim mais uma etapa da minha vida. Só voltava à aldeia nas
férias. LUMEGE querida aldeia…
O meu tio faleceu com 66 anos de idade. Não fui ao funeral, pois ele
manteve-se em Angola e eu já lá não estava.
A minha avó morreu aos 55 anos com um maldito cancro num seio. Tinha eu
15 anos. Um horror! Foi também enterrada em Angola.
Entrei no LUSO para o Colégio de S. Bento (Franciscanos) onde
permaneci até ao antigo 7º ano. Mais uma etapa de estudos rígidos. Meninas
de bata. A cor das golas das batas indicava o ano que frequentávamos. Só tive
nesses anos 4 professores que não eram padres. A professora de Físico-
química, o professor de Matemática, o de História e a de inglês.
CNO da Escola Secundária de Lousada
O meu professor de ciências naturais e geografia marginalizava as
raparigas. Ele era o director responsável pelo Internato dos rapazes do colégio.
Por coincidência no meu último ano de liceu, namorei um colega que era
interno e explicou-me que eram vítimas de assédio sexual. Foi chamado pelo
padre quando sobe que nós namorávamos e proibiu-o de falar comigo. No dia
seguinte fui chamada ao gabinete do referido padre e sem nada me dizer pôs-
se em pé e com uma mão de cada lado da minha face deu-me sete bofetadas
em simultâneo (quase que sentia a cabeça e os ouvidos rebentados) e disse-
me: já sabes porque levaste. Eu não sabia nada… só queria desaparecer. Por
infelicidade minha, logo havia de me ter apaixonado por um interno. Escusado
será dizer que nunca mais olhamos e falamos um para o outro. O meu primeiro
amor ficou marcado por esta maravilhosa experiencia.
Os outros professores nada tenho a apontar excepto o professor de
português padre também, que volta meia volta se virava para mim e dizia:
- Maria José nunca te poderia dar uma negativa excepto 8 porque este
número condiz com as curvas do teu corpo.
Eu sorria, virava as costas e pensava “que vontade de te mandar bugiar,
mas a minha mãe era lá professora, um processo disciplinar e eu ia para a rua.
Maria José Sousa Lopes
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O meu professor de francês também padre, identificado na foto da
página anterior com um excerto da sua vida, era o terror da palmatória, pessoa
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simpática, afável e bastante inteligente andava sempre com um braço
estendido porque dentro da manga da batina trazia a palmatória. Quando
entrava na sala de aulas a primeira coisa era vê-la escorregar pela manga e
ficava em cima da secretaria. Um colega meu, Óscar, um dia desmaiou, teve
por castigo pôr as mãos por baixo dos joelhos, no cimo da sala de aulas, esse
colega era o mártir dos castigos.
Comparemos ao ensino de agora… Semelhança é pura coincidência…
Os senhores professores e professoras quando chegam a sala de aula ouvem
em uníssono”BOM DIA SENHOR PROFESSOR, PODEMOS SENTAR-NOS?
OBRIGADA”
O meu professor de historia cujo apelido era “CATOTA” que não era
padre, era um filosofo maravilhoso, jamais esquecerei a lenda do rio Nilo “o
Egipto é um presente do Nilo”. Os egípcios ofereciam, uma vez por ano, uma
virgem ao Nilo para que suas águas fertilizassem as suas terras, para que as
colheitas fossem boas. Acaso as cheias fossem em demasia, os egípcios
pensavam que o rio estava zangado e sacrificavam duas virgens. As virgens
eram oferecidas vestidas de branco, flores no cabelo e a canoa também com
flores e lá iam rio a baixo tentando acalmar a ira do Nilo…Crenças…”
A educação Espartana e a Mesopotâmia, com o seu rio Eufrates que
tanto adorei “MENO SANI CORPUS SANI” corpo são numa mente Sã.
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“Escola de Regentes Agrícolas do Thivinguiro”
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O meu professor de Matemática, um lírico (ainda hoje não gosto de
Matemática!), dizia ele: A MATEMÁTICA É COMO UMA PÁ DE TROLHA. COM
CIMENTO DEITA-SE À PAREDE. É PRECISO SABER ATIRAR O CIMENTO
PARA QUE ELE NÃO CAIA E FIQUE NA PAREDE, ISTO É MATEMÁTICA….
A minha professora de inglês, irmã do Dr. António Monteiro, ex-Ministro das
Negociações com Angola, alta esguia, feia, elegante, charmosa, com um
perfume fresco e 100% profissional. Entrava na sala e dizia:”Good morning
“nem uma palavra em português”. Recordo-a com saudade e ternura.
O meu professor de Ciências Naturais e Geografia, Padre Franciscano
de Assis, era o nosso horror, em especial das raparigas. Só anos mais tarde
me apercebi porquê.
Quando acabei o Liceu, antigo sétimo ano, tive de tomar uma decisão.
Deixar o LUSO e escolher um curso. Optei por Regente Agrícola, hoje
engenheiros técnicos agrícolas. Só existia uma escola e ficava no Thivinguiro,
em SÁ DA BANDEIRA, hoje HUìLA.
O meu pai discordou. Disse-me que se havia informado de que seria a
única rapariga a frequentá-la e que só rapazes escolhiam esse curso. Sem
direito a resposta, tive de escolher outro curso. Decidi, então, tirar um curso de
Secretariado e disse ao meu pai: “Ou aceita ou não quero outro e vou para
freira.” (Idade dos impulsos e chantagem psicológica…) Acordo total. Teria que
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ir para Luanda a 1600 quilómetros a residência dos meus pais. Questionaram-
se de onde ficaria alojada e decidiram alojar-me num LAR DE FREIRAS, mas
DOMINICANAS OU DOROTEIAS?!! O mais rígido claro… DOROTEIAS!
Regras do Lar:
- Saídas ao fim de semana, só com pessoas que tivessem Cartão dos
meus pais a autorizar;
- Ir ao fim de semana à praia, só de fato de banho (meninas das
DOROTEIAS… não mostram o corpo);
- Almoço e jantar sem um minuto de atraso, excepto por doença;
- Nos WCs, nunca duas a tomar banho;
- À noite, caminha às 22 horas, pois uma madre ia deitar agua benta em
cada uma de nós para tirar os diabinhos, (como diziam),
- Missa ao fim de semana.
Conclusão: regime militar. Mas, mesmo assim, recordo momentos
inesquecíveis que lá vivi, até ao fim do curso. Vou citar alguns:
Maria José Sousa Lopes
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Como os meus pais em LUANDA (nós vivíamos no MOXICO) só tinham
2 casais amigos, telefonaram-lhes e combinaram entre eles que iriam buscar-
me ao aeroporto e eu entregar-lhes-ia os cartões de autorização, devidamente
assinados. Tudo decidido e a Maria José (eu) de sorriso nos lábios a
contemplar como se decide um futuro de uma filha!!! Pensei “com meus
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botões”… (Monólogo): não foste tida nem achada mas não te incomodes,
vais sair das saias e calças dos papás e vais enfrentar uma nova fase da tua
vida. Força catraia: vais conseguir e ainda vais conhecer coisas lindas e
também vivê-las. (Monologo terminado).
Finalmente chegou o dia do embarque. O meu pai chamou-me e disse-
me (eu adorava meu pai):
Maria José sabes como te amo e quão grande é o sacrifício de te ver
partir e as dificuldades que vamos ter para poderes ir para esse Lar. A minha
doença (cancro no intestino mais adiante falarei como foi e como lidei com a
doença), a tua mãe a trabalhar… não te digo nada mais, entendes o resto, eu
sei. “Minha Lanterna de Aristóteles” (assim me tratava o meu pai quando
estava mais sensibilizado): vou sentir falta das tuas palhaçadas, do teu riso,
das tuas gargalhadas, de me cortares as unhas dos pés e de quando eu à noite
adormecia a ler tu me tiravas o livro e os óculos e se eu acordasse perguntavas:
o pai porque adormece com os óculos? Filha estava a sonhar e não os tirei
porque não estava reconhecer as pessoas e com eles foi mais fácil (o meu pai
tinha sentido de humor apurado). Sorri com vontade de chorar e disse:
Nas férias pai, voltarei (beijei-o com um sussurro de até breve fui ter com a
minha mãe para seguir para o aeroporto).
Já dentro do carro leiam o nosso diálogo:
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“Meus pais”
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Zé estás muito bem, não amarrotes o casaco e o vestido, os senhores que
te esperam reparam muito, “meu pensamento lá vou eu de vestido e casaco
amarelo torrado, sapatos e carteira preta, recordei o livro As Senhorinhas,
quando preferia, uns calções e uma blusa, enfim…”, continuou… no Lar porta-
te bem, arruma tudo, anda sempre arranjada, não queremos queixas.
Vejam a diferença de diálogo do meu pai e da minha mãe.
Só que ninguém perguntou se eu teria medo de andar de avião!
Chegados ao aeroporto, de mala e bilhete na mão para embarcar,
minhas pernas tremiam, meus pés pesados, pensei:”anda, segue, senão ficas
em terra”. Levantei o pescoço muito convencida e com ar de tudo meu “só
aparência… por dentro só me apetecia fugir” e subi para o avião. Lá dentro a
hospedeira levou-me ao lugar, sentei-me, sorri, agradeci e pensei “se sentisses
o que sinto perdias esse charme todo”. Agora o levantar voo, pois teve de ser…
fechei os olhos, agarrei-me à cadeira e Santo António aí vou eu…Engraçado,
hoje é o meio de transporte de que mais gosto.
Chegada a Luanda desembarquei e pensei: “quem serão os fulanos?”
Não foi difícil perceber… dois casais muito bem postos dirigiram-se a mim e
disseram ao mesmo tempo:
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“Minha mãe, meu irmão e eu”
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És a Misé, dá cá um beijo. “Na verdade eu nesse dia devia ter cara de
pateta, pela certa, sorri beijei e agradeci. Parecia uma menina estúpida. Nada
me ocorria, só sorria e agradecia, “fazemos cada figura por vezes”!
Bem-vinda à capital, vais gostar. Eu sorri e disse: sim obrigada. Nem me
perguntem qual foi a conversa que tiveram dentro do carro ate ao Lar, só me
lembro de dizer sim e obrigada.
Quando chegámos disseram:
Ficas aqui muito bem, os teus pais pediram um Lar em condições e nós
vimos buscar-te ao fim de semana. Agradeci e pensei “”serão poucos fins-de-
semana”.
O Lar era uma vivenda de dois andares, situado no bairro de Alvalade,
em Luanda. Batemos o batente, a porta abriu-se e aparece uma freira e um dos
casais perguntou “ A Madre Superiora? É a nova interna”. “Vou anunciar”, disse
a freira e entrámos para uma sala enorme. Alguns minutos depois, um
“comboio” de freiras aparece com uma gorda à frente, a Madre Superiora. Fui
apresentada, levaram-me a conhecer o meu quarto e deram-me a conhecer as
regras que anteriormente referi.
Eu era das poucas internas que não namorava. As madres pediam-me
para ir com as colegas que namoravam com autorização dos pais, para não
irem sozinhas com os namorados. Eles levavam um amigo, sem as madres
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“O meu primeiro baile”
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saberem. Assim, enquanto eles namoravam eu ia comer um gelado com o
amigo, andar de canoa, ver os Flamingos, (aves lindas com penas cor de rosa)
dançar, pela primeira vez fui a uma discoteca. Por volta da meia- noite íamos
para ao Lar.
Chegadas ao Lar, a madre de serviço da noite, abria a porta e dizia: ZÉ,
que era eu, vem, tenho um recado para ti. Eu sorria e ia ao escritório.
Interrogatório:
Como foi? Estiveste sempre com eles? Que fizeram?
Resposta da Zé:
Sim, estive sempre com eles, comemos um gelado e passeámos à beira mar.
Conclusão: angariei amigas saudáveis, presentes e ainda hoje a minha
melhor amiga do LAR é a LALITA, que é médica no HOSPITAL DE S.JOÂO, e
é casada com o RUI, o namorado de então. Sempre que nos encontramos
rimos a recordar…
As madres gostavam muito de mim, as colegas também, pelo meu sentido de
humor. Tive a certeza, quando um dia à hora de almoço, ao descer para o
refeitório, caí e desci de uma só vez 20 a 23 degraus. Senti um carinho enorme
demonstrado por todas: colegas, empregadas e freiras. A minha coluna ainda
hoje, em certos dias, lembra-se de dar sinal desse momento na cervical e
lombar.
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“Ilha do Mussulo”
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Quando acabei o curso de Secretariado e me despedi com lágrimas nos
olhos, as freiras tinham para mim uma oferta, uma NOSSA SENHORA DE
FÁTIMA em marfim e a Superiora disse: Maria José uma lembrança nossa para
que não nos esqueças e te acompanhe em toda a vida. Continua com essa
alegria contagiante.
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“Areal das praias do Mussulo”
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Praias lindas tem LUANDA!
Eu vivia no interior e não as conhecia. Bem cedo, de chapéu e toalha
íamos para a praia. A ilha do Mussulo muitas vezes escolhida por nós para
visita era de uma beleza sem igual, uma praia numa Ilha paradisíaca, com
palmeiras, coqueiros num areal sem fim, a água de um azul-turquesa,
transmitia serenidade. Apanhávamos um pequeno barco a motor que
transportava 20 pessoas de cada vez, pois fazia várias travessias durante o dia.
Rumávamos até à ilha durante 30 minutos duração da travessia. Ao fim da
tarde rumávamos de novo Luanda.
Angola tem um clima tropical com 2 estações no ano: ESTAÇÃO DAS
CHUVAS, 6 meses e ESTAÇÃO SECA ou ESTAÇÃO DO CACIMBO, outros 6
meses. As duas tinham o seu encanto! Nas chuvas, sentia-se um calor
abrasador com 45 graus à sombra, de repente as nuvens escureciam, os
relâmpagos e trovoadas escondiam o sol e as chuvas torrenciais começavam a
cair. Passados alguns minutos um sol radiante um cheiro a terra molhada
(ainda hoje, nas minhas narinas sinto esse cheiro!) Que saudades enquanto
descrevo. As minhas lágrimas silenciosamente molham a minha face, salgadas
como a água do mar do meu País Natal… A ESTAÇÃO SECA OU DO
CACIMBO, era mais fresca, orvalhadas como as que chamam aqui de S.JOÃO.
Época da queimada, preparar o terreno para as caçadas. Outro odor sem igual,
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“Pôr do Sol”
“Nascer do Sol”
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cheiro a resina queimada, pôr-do-sol de um laranja vivo com mistura de
amarelo e vermelho. Ao longe o cantar dos queimadores do mato, o cheiro, a
sensação de sentir e viver ÁFRICA, mais uma vez os meus lábios recebem as
minhas lágrimas salgadas com sabor, desta vez, a resina.
O meu pai e o meu avô também eram caçadores. Desde tenra idade fui
habituada, a conhecer os animais selvagens pela cor dos olhos, à noite, meu
pai e meu avô ensinaram-me. Em criança via à noite leões, tigres e hienas a
passear em frente a casa de meus avós, o seu uivar de longe a longe ainda me
parece ouvi-los. Estas fotografias são reais do tempo da minha infância, devo
dizer que as fotografias a preto e branco são algo que considero a minha
vivencia de vida.
Recordo os elefantes, os tigres, os guelengues, os zebus, as gazelas, os
cacus, as pacaças, os javalis, os jacarés, os crocodilos, as jibóias, os
hipópotamos os búfalos e muitos mais…
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“Meu pai e meu avô com mais um leão”
“Leão morto em frente de casa dos meus avós”
“O meu pai na caça às perdizes”
“Final de uma caçada de meu pai com o seu velho Ford”
“Meu pai, dois amigos e uma pacaça morta”
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O lince e a pantera assim como a jibóia faziam-me sentir tão arrepiada
como se estivesse numa noite de inverno. Mas as zebras e as girafas
encantavam-me. As caçadas, algumas, eram à noite, fazíamos uma fogueira e
café de cafeteira “feito pelo Jamba nosso cozinheiro, casado com a Cristina a
nossa Lavadeira, com 3 filhos lindos, eram um casal fantástico, ele faleceu com
gangrena numa perna enquanto aguardávamos a hora da caçada, tomavam
café e conversávamos.
Quando chegava a hora de começar a caçar AS CARTUXEIRAS ERAM
NOVAMENTE revistas, as espingardas de 2 canos e um cano eram postas em
ordem, os farolins ajustados à cabeça, as facas de mato bem presas aos cintos,
apagada a fogueira, tudo a posto o silencio obrigatório de “cortar à faca”
aparecia o primeiro animal… adrenalina penso, era transpirada por mim. Olhos
vermelhos na noite, “ sussurrei ao meu pai “feroz?”
Sim… vou ligar o. farolin e verás ou onça ou leão.
Farolin bem focado nos olhos, o rei da selva ficou quieto, se houvesse
um descuido e o farolin se desviasse, poderia ser a nossa morte, o meu pai pôs
a arma ao ombro e poompoom acertou bem no meio dos olhos e o animal caiu
“ que ninguém se aproxime já do bicho, disse o meu pai (o meu pai foi durante
muitos anos considerado o melhor atirador de Angola), pode não estar bem
morto e atacar”, eu de olhos bem abertos, encostada ao meu pai aguardava
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ordens…então o meu pai de arma em punho, não fosse o bicho atacar,
começou a dirigir-se ao animal a pouco mais de 1 metro fazia um som com a
boca, aproximava-se mais… tocava o animal com a cano da arma para ter a
certeza que a sua presa estava bem morta e o mesmo olhar de sempre
naqueles olhos, triunfo, vitória e eu olhava e dizia-lhe “tenho orgulho de ti” via a
pele do animal se valia a pena conservar ou se fosse demasiado velho o
animal, ficava ali para matar a fome a outros animais. Com o meu pai fiz
centenas de caçadas todas diferentes, quer diurnas quer nocturnas.
“Uma das últimas caçadas com o meu pai na Chana”
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Ainda recordo uma das ultimas, ele já
com um ânus contranatura, ao volante de um
Land Rover de caixa aberta, ao fim da tarde,
desta vez, íamos caçar cabras do mato ou
veados para consumo de casa “delicia de
carne saudade” fim de tarde, céu vermelho, o
sol a pôr-se, os 2 olhávamos, esperávamos…e
vinham as cabras do mato pastar… o meu pai
disse encosta o teu ombro à janela (já não
tinha forças nem agilidade para sair fora do
jeep e suportar o peso da arma no ombro), vou
mirar a mais velha, espera… mais ao lado filha,
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assim fica quieta, ( punha a arma sobre o meu ombro e atirava, acertava,
as outras fugiam), já temos bifes, Jamba (nosso cozinheiro) vai buscar e vamos
embora.
Regresso melancólico, o animal do cancro minava o corpo do meu pai,
não como aqueles animais que ela abatia, de forma segura e rápida, o que do
meu pai fez sua presa agia lentamente, comia, saboreava, fazia sofrer e aquele
homem forte, seguro de 120 quilos faleceu com 45 quilos, em 6 de Agosto de
1970. Uma lápide que talvez não exista. Ficam as recordações…
No fim da caçada ao nascer do dia, devo dizer que, o amanhecer em
África tem a mesma beleza que o pôr do sol, as tonalidades é que diferem, os
tons terra dão lugar aos tons pastel rosa e amarelo muito claros, uma sensação
única quando no meio da chana, cheirava a verde, sentíamos necessidade de
saboreá-lo quase sentir o seu gosto nas glândulas gustativas. Eram conferidas
as peças de caça e postas em cima do carro. Reacendíamos a fogueira,
fazíamos café, tomávamos, comentávamos a caçada e rumávamos a casa.
Enfim divaguei. Professores, peço desculpa. Eu disse minha vivencia
ser muito vulgar. Um dia em que estive a sós com a professora Cristina numa
aula, ela incentivou-me se não tivesse essa aula teria desistido. Obrigado.
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Outro desporto que eu gostava de acompanhar o meu pai, era O TIRO AOS
PRATOS.
Dia de torneiro, bem cedo, o meu pai acordava-me com um beijo e dizia:
-Filha vens com o pai?
-Sim pai vou com o senhor.
-Então vai tomar banho eu vou preparar tudo para irmos.
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De calções e blusa bem fresca, ia ter com o meu pai. O mesmo cenário
de sempre, lindo, vivido, sentido. (até à chegada da maldita doença, que entrou
sem pedir licença, sorrateiramente de tentáculos estendidos ávida de produzir
dor e morte e saudade o maldito CANCER). Revejo a imagem gravada na
minhas retinas Cartucheiras, com cartuxos calibre 12, cores azul, verde e
vermelho, a cor dizia a grossura do chumbo, canos das espingardas bem
luzidios com óleo finíssimo próprio para canos de armas, (não sei se ame ou
odeie o portefólio, tenho rido mas as lágrimas de dor e saudade superam tudo).
Chegados ao campo de tiro aos pratos, o meu pai ia ver qual era a sua prancha,
dirigíamo-nos para ela (eram mais ou menos sete as pranchas, uma para cada
atirador) e ao fundo, no imenso campo térreo, um buraco onde ficava colocada
a máquina de atirar os pratos de dois braços, encontrava-se o homem que a
manejava. Tudo a postos, iniciava o torneio. Eu com uma arma, meu pai com
outra. Chegou a vez dele. O homem da máquina perguntava: “Está pronto?”. O
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meu pai respondia: “Abra!” Cinco pratos eram soltos nesse momento.
Todos partidos, o meu pai abria o cano da espingarda, soprava para sair o
fumo dos canos, entregava-me aquela e pegava na que estava comigo para
atirar á próxima rodada. No final havia a entrega dos prémios. Subitamente
anunciavam o vencedor e, até me arrepiava, quando ouvia, “Manuel Lopes
Martins, 1º Prémio”, o nome do meu pai, que me pegava pela mão para o
acompanhar ao pódio.
Curso acabado, retornei ao Luso (Luena Moxico).
Decorria o ano de 1969.Nas agências bancárias só eram admitidos
homens, mas nesse ano houve a abertura de concurso sem descriminação de
sexo. Concorri sem conhecimento dos meus pais. Fui a concurso. Pânico. Só
homens. Psicotécnicos, preenchimento de cheques, razão, balancetes,
facturação, estenografia, dactilografia, escrituração comercial e ofícios. Hoje se
contasse chamar-me-iam lunática. 5 Horas de testes. Decorridos 2 meses:
resultados. Sim! Senhores professores, fui a primeira funcionária bancária no
BANCO COMERCIAL DE ANGOLA, fiquei colocada na Dependência do Luso,
MOXICO, para trabalhar numa máquina de mecanografia.
Primeiro dia de trabalho no Banco, não se riam, por favor, cheguei às 7
horas da manhã, abríamos ao público às 8 horas. O gerente apresentou-se e
apresentou-me aos colegas. Todos homens, claro, um deles com quem estudei
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no colégio beneditino, o Valente, virou-se para mim e disse: “Misé, sabes que
quando entramos para o Banco são necessários certos requisitos, pois vais ter
de entrar no cofre-forte e precisamos das tuas impressões digitais, das mãos e
pés”.
Eu respondi:
“Sim estou pronta”. Professores imaginem-me com 18 anos à porta do
cofre-forte a tremer.
Diz o Valente:
- “Descalça-te”.
-“Descalcei-me”.
-“Entra.”
Entrei, estupefacta, nunca tinha entrado em sítio semelhante, chaves e
mais chaves, grades e mais grades em aço. Ao fim de 4 grades apareceu o
cofre, notas e notas, moedas em sacos, documentos lacrados.
O Valente disse, enquanto meus colegas olhavam:
-“Põe os teus pés nesta almofada para tirar as impressões digitais”.
Estúpida acreditei… No fim quando ouvi a gargalhada de todos,
reconheci a minha ignorância. Entra-se no cofre de sapatos.
Maria José Sousa Lopes
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Foi o meu baptismo no Banco.
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A tinta dos pés demorou 2 dias a sair, a minha mãe ficou furiosa, ao
meu pai não nada contei…
Tive que aprender a trabalhar com a máquina de mecanografia. Era uma
máquina enorme com um teclado diferente, pois teria de trabalhar com fichas
de clientes em vários grupos, clientes com plafon, que eram aqueles a quem o
Banco dava um crédito com o qual o cliente poderia trabalhar até ao montante
fixado, a ficha era escrita e contabilizada a vermelho, as entradas a azul, ao fim
do dia imprimia uma fita para confirmar
Os levantamentos e depósitos em papel se estavam certos. Separava
estes num lote.
Clientes devedores eram aqueles que tinham plafon mas por princípio só
faziam retirada de crédito no fim do ano crédito e não havia retorno, só
negativamos. (lista negra).
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“Banco Comercial de Angola em Luanda, o prédio mais alto do país, onde trabalhei até 1973”
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Clientes normais não eram tratados por mim. Clientes financeiramente
com dificuldades em investimentos e com dificuldade no recebimento dos seus
clientes, eram tratados por mim. Estes clientes que faziam transacções com
CABINDAGOLF enviavam petróleo para os ESTADOS UNIDOS DA AMERICA.
Transacções morosas, muito morosas, que demoravam a receber mas quando
recebiam, o BCA Banco Comercial de Angola, ficava no auge, financeiramente,
e bolsa subia, ainda recordo o gráfico da Bolsa feito manualmente…
Lágrimas doces e amargas.
Após sete meses a trabalhar na Agência do BCP do Luso fui convidada
por um dos Directores para ir trabalhar para a Sede em Luanda.
A reacção do meu gerente não foi agradável. Disse-me que me iria
arrepender pois ali os clientes gostavam muito de mim e eu ia secretariar o
Director Engº Escudeiro, e que não teria contacto com os clientes e iria sentir-
me sozinha, ao que respondi que ele estava ser injusto pois era minha carreira
profissional em jogo e parecia-me ser egoísta ao pensar assim. Os meus
colegas contentes deram-me os parabéns e ofereceram-me um jantar de
despedida, com direito a discursos, os quais me fizeram chorar, e dizer-lhes
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“Vista Geral da baía de Luanda”
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com ternura fui o vosso bobo da corte. Mais uma etapa finalizada. Novo
rumo…Novamente Luanda.
Lá tive que vender o meu jipe
Wills que tanto me tinha custado
comprar e com ele vivi momentos
inesquecíveis.
“O meu primeiro carro-1969”
Meu pai em fase terminal, já
tinha estado em Portugal durante um
ano no Hospital do Ultramar, foi
operado pelo Dr. Gentil Martins, não
existia quimioterapia, fez cobalto.
Retornou Angola com ânus
contranatura, sacos azuis sem serem
aderentes, o que era deveras impressionante fazer as limpezas. Quando lhe
disse que ia partir não me impediu. Sabia que talvez fosse a última vez que o
visse vivo. Faleceu a 6 de Agosto 1970 e soube do acontecido através de
telegramas que recebi a darem-me as condolências. Telefonei e minha mãe
disse que não o tinha feito pois meu pai não quis que o visse morto, queria que
eu mantivesse a imagem dele vivo.
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“O maldito cancro” “O cancro da mama que vitimou a minha avó”
“O cancro nos intestinos que vitimou o meu Pai ”
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Novamente em Luanda. Adorei o trabalho que fiz no BCA. No decorrer
dos anos que trabalhei em Luanda conheci meu ex-marido, tive o meu filho e
fui quase obrigada a despedir-me pois tinha categoria superior à do meu
marido e ele não aceitou. Despedi-me do banco. Durante meio ano secretariei
o Eng.º Geólogo Fernando David Laima (Membro da Assembleia Constituinte),
trabalho bastante interessante na medida em que secretariava a parte da
Geologia e os trabalhos que tinha de apresentar à Assembleia. Em Junho de
1973 meu ex-marido pede transferência para o Luso (actual Luena). Eu não
quis trabalhar com ele pelo que concorri ao ensino. Leccionei de 1973 a 1975 a
26 km do Luso com crianças que pouco falavam português, difícil mas deveras
interessante. Eles aprenderam a nosso língua e eu aprendi bastante com eles.
No último período de 1975, quase era impossível dar-se aulas, a maior parte do
tempo passávamos deitados no chão da sala, debaixo de tiroteio. Terminei o
ano lectivo com êxito e despedi-me do meu país natal.
Partimos em 2 de Agosto de 1975, fizemos escala em Brazzaville, onde
pernoitamos, eu, o meu filho e a minha mãe. No dia seguinte, fizemos escala
em Daomé (actual Benin), em Libreville (Gabão) até Paris onde pernoitamos.
No dia 4 de Agosto de 1975 chegamos a Lisboa.
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Maria José Sousa Lopes
“Brazzaville, Congo” “Daomé (actual Benin)” “Libreville, Gabão”
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O meu último percurso pelo continente africano.
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“O Rei da Flora – o Inbondeiro”
Mas antes de iniciar a minha vida em Portugal seria injusto se não me dedicasse à flora, usos e costumes das gentes do meu país natal:
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“O célebre gindungo” “A exótica fruta-pinha” “O agradável
caju”
Frutos que servem para compota:
“A deliciosa Goiaba” “A suculenta Pitanga” “A carismática Papaia
– que a trocam por mamão”
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As extensas plantações de Angola:
“O fruto (à esquerda) e a apanha (á direita) da cana do açúcar”
A plantação da mandioca até à “fubá” para fazer o inesquecível “pirão” para acompanhar a “moamba” e “muzangué”:
“A planta da Mandioca e a sua folhagem”
A mandioca é um tubérculo africano delicioso cujo tem várias aplicações. Começo pelas folhas com as quais fazíamos um esparregado de nome “matranca” ou “suanga”, bem temperado com alho e azeite e muito gindungo. Tinha um gosto indescritível de tão delicioso. A apanha da mandioca era como a da batata cá com apenas poucas diferenças.
A cultura da cana do açúcar é feita em grandes extensões. Tive a oportunidade de visitar uma refinaria perto de Luanda e assistir às várias transformações da cana até ao açúcar refinado, mascavado, àgua ardente de cana e mel de cana. (Chupei imensa cana do açúcar)
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Era apanhada pelas mulheres africanas com os filhos às costas enquanto os homens tocavam batuque e faziam entoar as suas vozes quentes. As enxadas não paravam, quando se deixava de ouvir as canções, fim do trabalho.
“Homens e mulher a moer a mandioca”
“O tubérculo da Mandioca”
“A mulher que vai trabalhar com o filhos ás costas”
“Pirão ou funge acompanhado de moamba de galinha”
“Esparregado da folha da mandioca – suanga”
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Processo de transformação da mandioca até à “Fubá” (Farinha): depois de descascada era seca ao sol dourado da minha terra, de seguida era moída á mão nos “pilões” com paus (como ilustra a imagem). A farinha era peneirada diversas vezes até ficar fina para se poder confeccionar o “Pirão”. A farinha mãos grossa é a chamada farinha de pau.
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Mandioca doce: Depois de apanhada a mandioca ainda com a casca era depositada em água corrente do rio durante alguns dias até ficar macia. Quando pronta, descascava-se, cortava-se aos bocados e cozia-se em água e açúcar até este ficar quase em ponto.
“Mandioca cozida doce” “Bolo de mandioca”
Falo da Palmeira de Dendê pois dos seus frutos era confeccionado o óleo de palma utilizado em vários pratos africanos como a moamba, famosa e deliciosa, o exótico feijão de óleo de palma e o inigualável muzangué, feito com peixe fresco e seco e batata doce, acompanhados sempre do nosso pirão ou funge.
“Palmeira de Dendê”
“O Dendê fruto da
palmeira”
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Vários pratos confeccionados com óleo de palma:
“Óleo de Palma” “Camarão com óleo
de palma”
“Muzongué”
“Moamba de galinha com pirão de milho”
“Feijão com óleo de palma e banana”
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Outras culturas e outras plantações de Angola feitas em grandes extensões:
O Amendoim
“A Plantação de amendoim” “Amendoim”
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“Óleo de amendoim”
“Manteiga de amendoim”
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“Sorvete artesanal de amendoim”
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A plantação de Algodão
“Uma fazenda de algodão” “A plantação de algodão ”
“O algodão pronto a ser apanhado ”
“O Algodão em pormenor”
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A plantação do café
“O fruto meio maduro, meio verde”
“Uma roça de café”
“Fruto pronto para ser colhido”
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“A secagem do café”
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“Os sacos de café depois de secos” “O café já torrado e moído”
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“O ouro negro de Angola pronto a ser consumido”
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Angola foi um dos maiores exportadores de café!
Muitas mais plantações havia em Angola, não as vou descrever todas porque se tornaria demasiado exaustivo para o leitor, cito apenas alguns exemplos: banana, caju, abacaxi, batata-doce, coco, pêra-abacate, manga, papaia, mamão, entre outros.
Para terminar a narrativa sobre o meu país natal vou descrever um costume do povo africano a que assisti, ao som do batuque e de danças guerrilheiras – a mukanda. A Mukanda era um ritual em que os rapazes na puberdade iam para um recinto fechado permanecendo durante dias, local onde ficavam com os mais velhos para serem ensinados a enfrentar a vida adulta. Nesta prática estava incluída a circuncisão dos jovens que terminava com danças guerreiras, pelo que estavam prontos para enfrentar, já como adultos, a vida fora do quimbo (palhota).
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“A festa do final da Mukanda”
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A minha homenagem à mulher angolana
Em muitos povos africanos, uma adolescente só é considerada mulher depois de ter sido excisada e, frequentemente, uma mulher só pode casar se tiver passado pela excisão. Uma prática tradicional considerada como iniciação ou integração social das jovens (entre os seis e 14 anos de idade), rito de passagem da infância à idade adulta. A semelhança da circuncisão masculina (“Mukanda”), o acto da excisão feminina é praticado normalmente fora das aldeias pelas anciãs consideradas peritas nisso, em segredo. Estas, com uma lâmina ou faca, talham ou cortam o clítoris da jovem, a sangue frio, o que por vezes, originava a morte destas e, outras vezes, ficavam mutiladas para toda a vida. A cura e cicatrização da ferida é feita com ervas ou cinzas durante quase dois meses. Alguns desses cortes são feitos com as mãos trémulas, sem normas de higiene ou em ambientes escuros e agitados com danças e cantos.
“Mulher cokwe com
escarificações”
“Lâmina de excisão”
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Na minha opinião é que nenhuma mulher deveria ser mutilada, fosse porque razão fosse. Tanto se discute no mundo coisas, por vezes, fúteis, e ninguém se debruça sobre certas práticas que entram nos usos e costumes de vários países. Quase sempre as mulheres são “a presa a abater”.
Deixo aqui a minha homenagem a todas as mulheres mutiladas porque vivi e senti a dor de quem sofreu com este ritual.
“A mutilação da jovem”
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“Moça de Angola” “Raparigas Muhila” “Moça da Huíla”
A beleza da mulher angolana de várias regiões
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Feito este pequeno aparte da fauna, flora, usos e costumes do povo do
meu país retomo o caminho da minha história.
Desembarquei em Lisboa com o meu filho e a minha mãe no dia 4 de
Agosto de 1975, como já havia referido. Quando pisei o solo de Lisboa com
uma criança pela mão e a minha mãe não imaginava qual seria o percurso da
minha vida neste país. Se eu soubesse, talvez retornasse a Angola. Ninguém
estava á minha espera, olhava para todos os lados sem saber para onde me
dirigir mas finalmente, apanhei um táxi até Santa Apolónia. A minha mãe
seguiu para o Montijo para casa dos meus ex-sogros. Eu e o meu filho fomos
para Espinho para casa de familiares do meu ex-marido.
A primeira vez que apanhei o autocarro para ir com o meu filho à cidade
de Espinho fui logo alvo de chacota por parte dos passageiros do autocarro
que diziam: “Vêm estes retornados tirar o nosso lugar”. Esqueciam-se que para
haverem retornados e refugiados de Angola era sinal que para lá tinham ido os
portugueses. Entretanto, fui a Aveiro ao Ministério Primário inscrever-me para
emprego. Uns meses passaram e nada aparecia. Tive de tomar outras
alternativas para poder, minimamente, fazer face a dois ou três mimos que o
meu filho teria direito e que não tinha por parte dos familiares do meu
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ex-marido, como por exemplo, a manteiga, o fígado de vaca e um chocolate, de
vez em quando.
“Rapei mato”
“Desfiz barbas”
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Sujeitei-me a rapar mato, coisa que nunca tinha feito na vida, para a “corte”
dos porcos dos familiares do meu ex-marido. Em pleno Inverno, no meio do
monte, em camisola interior, de enxada na mão e ancinho até as mãos se
encherem de bolhas. Dei explicações, cortei cabelos, desfiz barbas, tudo para
poder “ter alguns tostões”, pois o meu ex-marido não enviava dinheiro e vivia
em Angola com outra mulher, facto que eu desconhecia e que ninguém me
contava mesmo sabendo-o. Só voltou um ano depois.
Recebi-o porque estava em casa da família dele. Passados dois meses
foi colocado num banco em Lisboa. Valeu-me a minha mãe ter arranjado
emprego como dama de companhia de uma senhora idosa e esta ter oferecido
para que lá ficássemos até arranjarmos casa. Aí sim, fui tratada com todo o
carinho e humanidade. Entretanto, os meus familiares entraram em contacto
comigo pois tiveram conhecimento que eu cá estava, através de amigos, e
arranjaram colocação para o meu marido no Banco Português do Atlântico do
Porto.
Despedi-me de Lisboa e embarcamos para o Porto e do Porto para a
aldeia dos meus familiares.
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Um primo meu arranjou-me uma casa em que eu pagava, na altura,
3.500 escudos (uma exorbitância!) e o meu marido ganhava 8.000 escudos.
Depois de pagar a renda e todas as despesas dele eu e o meu filho ficávamos
com cerca de 800 escudos para o resto do mês. Desde sempre procurei
trabalho, encontrava-me inscrita no centro de emprego do Porto. Decorria o
ano de 1977. Numa das idas ao Porto, encontrei uns dos directores com quem
havia trabalhado num dos bancos em Angola que me convidou para sua
secretária. Feliz, fui ter com o meu ex-marido e ele recusou a ideia com o
argumento de que não tínhamos onde deixar o nosso filho. Em Maio desse
ano, fui chamada pelo centro de emprego para concorrer a uma vaga na Casa
do Povo de Bitarães.
O concurso era feito no próprio centro de emprego do Porto, e éramos
cerca de 150 candidatos. Fomos seleccionadas duas, eu com mais pontuação,
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“Bitarães”
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mas teríamos de ter entrevista com os dirigentes. Acontece que eu era
refugiada e a outra era da terra e sobrinha do senhor abade. Após a entrevista
disseram-me: “Tenha paciência mas não pode tirar o lugar a uma pessoa de cá
sendo a senhora uma refugiada.” Recorri ás instâncias do Porto e, por
resposta, novos testes ás duas, feitos pelos próprios directores das Casas do
Povo. No final, foram tão directos que me pediram desculpa e que o lugar era
meu.
Comecei a trabalhar em Agosto pois com todos estes trâmites estive três
meses à espera. Felizmente, entrei para umas instalações quase a cair num
primeiro andar de uma “casita” e passados dois anos estava a ser lançada a
primeira pedra para a construção de uma nova Casa do Povo. A “refugiada” em
dois anos conseguiu fazer renascer algo que naquela aldeia não pensavam
puder ser feito. Recorri, eu e o Presidente, ao Governo Civil do Porto e ao
então Ministro das Obras Públicas e Ministro da Segurança Social, pois as
Casas do Povo eram delegações da Segurança Social. Fiz peditórios, pedi a
colaboração de lavradores ao Sábado e com eles a obra começou a nascer.
Aquando da inauguração, já eu tinha entrada em contacto com um cantador de
rancho para me ajudar a formar um rancho infantil e juvenil.
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Depois do rancho formado pensei num salão de
convívio para a terceira idade a funcionar da parte da
tarde e recebi o consentimento da direcção. Mãos à
obra. Na parte recreativa fundei o rancho em
colaboração com o Sr. Salvador, o salão de convívio em
colaboração com um dos dirigentes da Casa do Povo,
uma equipa de futebol e, em 1992, ingressei nos
quadros da Segurança Social em Lousada. Mais uma
despedida e mais uma etapa na minha vida. Na parte dos
meus serviços administrativos na Casa do Povo, fazia
todo trabalho informativo, pagamentos, recibos e
secretariava as reuniões, fazia as actas, conta-corrente e, duas vezes por
semana, colaborava nas juntas médicas efectuadas naquelas instalações antes
de estarem centralizadas no Porto.
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“Rancho infantil”
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No decorrer de 1977 até 1995 tive um divórcio, um filho na marinha, o
falecimento da minha mãe com um enfarte do miocárdio e um incêndio em
minha casa. Para sustentar o meu filho, a minha mãe, um irmão e a mim
própria após o divórcio tirei um curso de esteticista, fiz domicílios até ter os
meus próprios salões. Em 1998, tive de os vender por mais uma desgraça ter
acontecido na minha vida.
Em 2000, o meu filho emigra. Embora contra a minha vontade, deixei
que ele seguisse o rumo escolhido por ele. Em 2006, a 6 de Dezembro, fui avó.
De 2000 até à data tenho ido imensas vezes ao Luxemburgo, Alemanha e
países vizinhos.
“O meu filho e a minha neta”
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Refiro-me em especial a Trier pois é para mim a cidade de eleição se um
dia após a minha aposentação pudesse escolher onde residir.
“Trier no natal, Alemanha”
“Eu em Trier, Alemanha”
“Eu no meio dos músicos de rua em Trier”
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Actualmente, continuo na Segurança Social em Lousada, estou no
informativo e lido, diariamente, com experiências desde a bonita até à mais
traumatizante que se possa imaginar. Amo o meu trabalho, faço-o com amor,
compreensão e considero-me uma boa profissional, trabalhando ao mesmo
tempo com o meu lado humano, sempre que necessário o for. O meu lema à
entrada dos meus serviços é “A partir de agora vais servir o teu semelhante”.
CNO da Escola Secundária de Lousada
Em jeito de conclusão, a maior dificuldade que senti na elaboração deste
portefólio foi, indiscutivelmente a falta de conhecimentos acerca do Word. Foi,
de alguma forma, digamos frustrante sem tornar o termo mais pejorativo do que
possa parecer, ter de repetir, embora de maneira diferente, o que tinha
estudado à uns anos atrás.
Embora as dificuldades, ao mesmo tempo, foi muito agradável e também
ajudou a pesquisar e encontrar coisas e locais que não imaginava poder
encontrar. Aprendi também que o trabalho em equipa continua a ser muito
importante pois além de árduo é a parte humana que também funciona.
Quero agradecer aos formadores que me incentivaram a continuar pois
devo dizer, que no início estive quase a desistir, assim como agradeço aqueles
amigos que me deram forças. Na verdade, eu pensava que a minha vivência
de vida era fútil mas depois de ler algumas passagens cheguei á conclusão
que “tudo vale a pena se a alma não é pequena” e continuarei a frisar que vale
amar para poder ser retribuído.
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Desta forma, termino o meu trabalho e parafraseando Thomas Dekker
tento definir-me neste pensamento:
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“Acordar todas as manhãs com um sorriso a iluminar-me o rosto,
saudar o dia com respeito pelas oportunidades que contém; abordar o meu
trabalho de espírito aberto. Ter sempre presente, mesmo nas pequenas
coisas, o objectiva final do meu trabalho; saudar homens e mulheres com
um sorriso nos lábios e amor no coração; ser gentil, com todos a toda a
hora; chegar à noite com o cansaço que pede o sono e a alegria do trabalho
bem feito.
È assim que quero viver sabiamente os meus dias.”
Centro Novas Oportunidades da
Escola Secundária de Lousada
Maria José Sousa Lopes
Equipa de Avaliação: - Profissional de RVCC: Marta Pacheco - Formadora CLC: Cristina Soares / Cristina Martins - Formador STC: Manuel Carvalho - Formador CP: Mário Canelas
BEING A GRANDMA
Tenderness dialogue
I love you, Grandma… tell me that story… let’s go for a walk… teach me, Grandma… tell Luna,
Grandma (my granddaughter is 32 months old and she was born in Luxembourg)
And I explain… the green gives Luna oxygen to breathe. Take a deep breath… it’s oxygen. Do
you see that car?
Yes, Grandma. It took part of the “good air” that Luna has breathed…
And it doesn’t allow Luna to breathe? Grandma told that without “good air” Luna dies…
Yes…
But, do you see the trees? The hills… look there, next to Grandma’s house… there are pine and
eucalyptus trees, come… Grandma will teach you…
Yes, Grandma… I want.
Luna, this tree is an eucalyptus tree and this one is a pine tree. They help to give you “good air”
to breathe. The trees, the green help us to live.
Yes, Grandma. Look there… there’s a fire, it burns. Let’s go!
“How can I explain to her this fire?” Luna, it’s burning, because it’s too hot… it’s very bad for the
“good air”.
Who has done it?
I don’t know, but don’t forget that trees burning is not good… it’s very bad! One day, Grandma
will explain it better.
Let’s go, Grandma. I’m afraid. Tell me stories.
Yes! Let’s go… “I felt myself small, because I couldn’t explain it better, but I know she wouldn’t
understand…”
“Foto montagem minha e da minha neta”
“A minha neta”