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CADERNOS DE
ESTUDOS
SOCIAIS Volume 28, nmero 1, janeiro/junho de 2013
Para citar este artigo: VIRGLIO, Jefferson. Por uma atualizao do mtodo da pesquisa participante nos
contextos urbanos globalizados. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.28, n. 1, p. 74-92, jan/jun, 2013
(Dossi Temtico). Disponvel em: < http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD>. Acesso em: dia ms, ano. [v. em edio].[74]
POR UMA ATUALIZAO DO MTODO DA PESQUISA
PARTICIPANTE NOS CONTEXTOS URBANOS GLOBALIZADOS
Jefferson Virglio1
Resumo
Este artigo remete a reflexes produzidas aps a realizao de trabalho de campo
sobre as manifestaes estudantis portuguesas entre 2012 e 2013. Sugere a reviso e
reconstruo de preconcepes metodolgicas durante a execuo do trabalho de campo
em antropologia. Produz reviso terica sobre a pesquisa e a militncia na antropologia
contempornea enquanto profere dilogo com o observado em campo.
Palavras-chave: Metodologia de pesquisa. Teoria antropolgica. Antropologia
reflexiva.
Towards updating the participant observation method in urban globalized settings
Abstract
This article refers to reflections produced after conducting fieldwork about
Portuguese student manifestations between 2012 and 2013. It suggests a revision and
reconstruction of methodological preconceptions while performing fieldwork in
anthropology. It puts forwards a theoretical review on research and activism in
contemporary anthropology while promoting dialogue with the observed on the field.
Keywords: Research methodology. Anthropological theory. Reflexive anthropology.
Para una actualizacin del mtodo de investigacin participativa en los contextos
urbanos globalizados
Resumen
Este artculo se refiere a las reflexiones producidas despus de la realizacin del
trabajo de campo sobre las manifestaciones estudiantiles portuguesas entre los aos
2012 y 2013. Sugiere una revisin y reconstruccin de las preconcepciones
metodolgicas durante la ejecucin del trabajo de campo en antropologa. Genera una
revisin terica de la investigacin y del activismo en la antropologa contempornea y
articula con el campo observado.
Palabras clave: Metodologa de la investigacin. Teora antropolgica. Antropologa
reflexiva.
1 Graduado em antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrando em antropologia
social pela UFSC. E-mail: jv.ufsc@gmail.com.
CADERNOS DE
ESTUDOS
SOCIAIS Volume 28, nmero 1, janeiro/junho de 2013
Para citar este artigo: VIRGLIO, Jefferson. Por uma atualizao do mtodo da pesquisa participante nos
contextos urbanos globalizados. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.28, n. 1, p. 74-92, jan/jun, 2013
(Dossi Temtico). Disponvel em: < http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD>. Acesso em: dia ms, ano. [v. em edio].[75]
INTRODUO
Vivemos em um ambiente que prima por ser globalizado, unificado,
padronizado, e ao invs de desenvolver melhores condies de vida, e situaes estveis
para a sociedade, acaba por provocar as denominadas crises, e as catstrofes.
Ambas as situaes solicitam uma ou mais anlises sociais que busquem
identificar causas, explicaes e tentativas de compreenso, e na medida do possvel
solues para tais eventos. possvel, esperado e recomendado que o antroplogo,
como cientista social que , seja utilizado como analista nestas situaes, permitindo ao
mesmo a execuo de uma de suas maiores caractersticas, que a etnografia.
No entanto, realizar etnografia pode ser bastante complicado e peculiar, como os
cenrios inseridos em contexto de violncias apresentados nas colees de Greenhouse
et al (2002) e de Nordstrom e Robben (1995), ou mesmo o observado por Marcus
(1995, p. 97-98) com a sua sugerida etnografia multissitiada, conforme o terreno onde o
antroplogo se insere. O espao assim identificado contemporaneamente, como um
dos provocadores de alteraes metodolgicas no nvel de pesquisa.
Situaes de guerras, conflitos e confrontos militares, polticos e religiosos
tendem a serem exemplos cruciais de campo onde o modelo de prtica etnogrfica
necessitou ser adaptado (NORDSTROM; ROBBEN, 1995, p.4-6), seja por questes de
sobrevivncia, seja por questes tericas de (idealizada) melhoria dos resultados em
campo. O material aqui proposto pretende apresentar algumas reflexes sobre estas
adaptaes, enquanto apresenta o observado em campo.
Os movimentos sociais de protestos estudantis lisboetas apresentam significativo
nvel de confronto com as foras policiais, sendo que, em algumas das manifestaes
observadas, o contato fsico entre as partes ocorre de fato, com perceptveis danos
corporais para os dois grupos envolvidos. Recordo ainda, que o contexto onde me
identifico como pesquisador em antropologia para parte de meus interlocutores
precedido por uma tentativa de minha expulso da manifestao pelos respectivos
manifestantes, atravs do uso de fora fsica e violncia.
Acrescento que no foram poucas as pessoas interlocutoras as quais eu acabei
por descobrir que foram presas ou hospitalizadas aps confrontos com a PSP, com
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SOCIAIS Volume 28, nmero 1, janeiro/junho de 2013
Para citar este artigo: VIRGLIO, Jefferson. Por uma atualizao do mtodo da pesquisa participante nos
contextos urbanos globalizados. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.28, n. 1, p. 74-92, jan/jun, 2013
(Dossi Temtico). Disponvel em: < http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD>. Acesso em: dia ms, ano. [v. em edio].[76]
algum destaque para as situaes que envolveram encontros em frente assembleia da
repblica.
Pretexto assim, por dissertar sobre a temtica, refletindo sobre a necessidade de
existir maleabilidade nas regras e prticas antropolgicas enquanto realizo trabalho
de campo na forma de etnografia, e principalmente, nas construes a serem
apresentadas aps a realizao do trabalho de campo, uma vez que tal reviso acabou
por ser realizada durante a minha anlise posterior dos dados construdos, sendo este
texto resultado direto desta reflexo.
No suposto sugerir a alterao em definitivo das prticas antropolgicas,
tampouco sugerir que todo o terreno necessite de alteraes drsticas de metodologia.
No entanto, alerta-se para a ocorrncia, em nvel global, de inmeros casos de conflito,
confrontos em locais onde pode ser necessria (ou convocada), a interveno (ou
participao) do antroplogo e da antroploga. Notadamente as representaes coletivas
denominadas movimentos e manifestaes sociais.
Sejam as manifestaes sociais estudantis, ou no, sejam movimentos sociais de
protesto ou de apoio, podem acabar por ser o campo do antroplogo ou da antroploga,
tanto pela sua contemporaneidade, como pela ainda existente urgncia de sua
compreenso, ou at mesmo pela sua notvel abertura para interveno por parte do
pesquisador (TOURAINE, 1990 p. 11-15).
Adami (2008, p.22-24) j havia esclarecido que, apesar de similares, podem ser
necessrias novas escolhas e usos metodolgicos, para contextos, em tese, relacionados.
E esta sim, segundo Hugo Adami, a capacidade de perceber, e fazer uso de tais
adaptaes, que de fato fazer etnografia.
As prticas clssicas ou, comumente aceitas e utilizadas podem no ser
suficientes para a plena execuo da atividade etnogrfica. E nestes casos, as alteraes
necessrias podem ser bastante contrrias a preceitos conhecidos e defendidos pelo
senso comum antropolgico.
No a proposta discutir se as crises e catstrofes mundialmente, ou
regionalmente conhecidas, como as manifestaes estudantis de Lisboa, so de fato
reais ou falsas crises, ou se a sua dimenso corresponde ao informado e divulgado.
Tampouco ser questionar tal situao entre eventuais exemplos aqui citados.
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O ambiente, assim como os seus agentes, capaz de moldar os sujeitos que com
ele interagem (BOURDIEU, 1990, p. 53). Esse sujeito, que sofre um possvel processo
de moldagem pode ser tanto o sujeito de estudo do antroplogo como o prprio
antroplogo. Ignorar essa capacidade, e possibilidade, de ser afetado do antroplogo,
pelo seu campo de estudo, j problemtico em situaes menos catastrficas de
pesquisa, e pode ser crucial em um terreno que viva o momento de crise ou de confronto
mais evidenciado.
SER AFETADO, ATIVISMO ANTROPOLGICO E TERRENOS SOB FOGO
Favret-Saada (2005, p.158-161) demonstra a urgncia do antroplogo em estar
ciente (e aberto) ao que denomina ser afetado, que pode vir a ocorrer em campo.
Alm do j proposto por Jeanne Favret-Saada, eu sugiro que o antroplogo ao definir
sua metodologia de trabalho, considere que diferentes campos podem produzir
diferentes nveis e tipos de influncia sobre o antroplogo. Apenas esperar e estar
disponvel a influncia do campo pode ser muito proveitoso como mtodo de
experincia, porm um pouco (mais) arriscado em terrenos com algum teor de
violncia. A abertura que Favret-Saada sugere pode (e deve) ser complementada por
algo que busca o mesmo fim, mas por meio diferente. Marcus (1995, p.113-114) sugere
que o antroplogo atue como ativista em determinadas situaes, se assim identificar
melhor retorno de resultados das prticas de campo.
O antroplogo, para George Marcus, ao realizar determinadas atividades de
militncia junto ao objeto de estudo, permite maior proximidade com o mesmo,
podendo obter maior diversidade e quantidade de informaes2 e novos valores de
desenvolvimento em sua pesquisa. Enquanto que para Favret-Saada a primazia pelo
inesperado, que no fundo est sendo esperado, inesperado este que pode ser utilizado
como forma de obter desenvolvimento adicional na pesquisa, ao mesmo tempo em que
se desenvolve com novos valores como profissional pesquisador.
2 Deve ser desnecessrio salientar que eventuais juzos de valor no so o escopo deste material.
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Saliento que Favret-Saada em seu texto defende que as duas aes esto
relacionadas, o desenvolvimento na pesquisa no pode ocorrer se no houver
desenvolvimento (e envolvimento) pessoal do pesquisador, sendo este realizado pelo
fato de ser afetado.
Marcus e Favret-Saada argumentam que suas prticas, que compreendo como
complementares e que podem ser utilizadas em conjunto, no so aplicveis em
qualquer local, por qualquer pesquisador, da mesma forma, e o convite prtica da
mesma ocorre mais como sugesto, do que, efetivamente uma recomendao. No se
prope mudar as prticas antropolgicas, e sim, adapt-las conforme o meio,
pesquisador e momento vivido.
Percebo como as metodologias por Marcus e Favret-Saada so fundamentais no
desenvolvimento de minhas concluses sobre a pesquisa, a abertura para um maior
envolvimento e participao junto aos manifestantes (como com todo um jogo de outros
atores sociais) permitiu acesso a uma srie de questes que eu jamais julguei, antes,
existir, e que permitiram refletir sobre as situaes vivenciadas em Lisboa. O segundo
momento desta situao, a incentivada por Marcus, militncia, pretende-se que seja
visvel aps o trmino da leitura deste material.
A compilao organizada por Nordstrom e Robben (1995) um acumulado de
situaes etnogrficas de risco, em locais e com pessoas que, supostamente, podem
ser um tanto quanto pouco seguras para o antroplogo. Quer para a sua prpria vida,
quer para a sua pesquisa. So terrenos, e com sujeitos, que no facilitam a prtica
etnogrfica, propem novos questionamentos mesma, e dessa forma permitem a
mesma se desenvolver para novas prticas, evoluir para novas aplicaes, com
metodologias, recursos e discursos que em muito podem diferenciar do esperado.
Este salto metodolgico, que se torna aceito apenas em situaes
especiais, alm de muito saudvel para a manuteno da disciplina enquanto
permanente (mas dinmica) construo do saber, ainda permite demonstrar de um modo
mais visvel, a urgncia de menor estruturao dos modos de trabalho de campo em
antropologia.
Compreender de forma adequada estes terrenos sob fogo pode ser o maior
desafio ao qual um antroplogo pode encontrar, principalmente quando o antroplogo
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externo ao meio e possui toda uma concepo daquele meio construda previamente. Eu
por exemplo acumulara as duas situaes, uma vez que as minhas preconcepes
incluam me enxergar como externo ao grupo ao qual suscitava a minha pesquisa, alm
de uma srie de percepes errneas a respeito do campo, dos sujeitos, dos interesses,
etc.
preciso, portanto, alm de desconstruir suas percepes do mundo,
desconstruir suas percepes tericas e prticas. Em determinados casos pode ocorrer
necessidade de pouca adaptao, enquanto em outros, tudo o que at ento era
conhecido, cai por terra. Como j demonstrado no captulo primeiro, os contextos de
insero ao campo podem provocar uma completa reviso terica e metodolgica. E em
contextos mais singulares, notadamente, aqueles com algum nvel de violncia, e at
onde percebo tal qual meu campo, alm do observado por outros pesquisadores
(DURO; SHORE, 2010), o discurso poltico um agravante para a situao de reviso
metodolgica, e de insero como pesquisador-participante (idem).
No , portanto, possvel, vivel, desejvel ou recomendvel realizar a tentativa
de compreenso de contextos onde a violncia est inserida de forma to intrnseca no
meio, e nos sujeitos que l se relacionam com as teorias e prticas convencionais.
Sugere-se que terrenos em um momento de crise ou em situao de catstrofe (sejam
prvios, recentes ou atuais) necessitam de condies de trabalho de campo bastante
singulares conforme cada caso.
A OBSERVAO PARTICIPANTE: UMA NOVA CONFIGURAO
A questo central no est em listar ou identificar tais situaes, ou as analisar a
fundo por terceiros, e sim, ter a percepo de que este tipo de situao ocorre, e que o
antroplogo deve estar preparado, teoricamente e metodologicamente para tal
confronto. A academia, em complemento, deve tambm ser capaz de lidar com isto.
A etnografia que realizada em terreno problemtico no se resume apenas
a coleta de dados, anlise de dados e reflexo terica. Alm disto, necessrio
adaptar, previamente e/ou on air tais momentos, e tambm perceber como os nativos
percebem o fenmeno da violncia, tanto em contextos externos, como em seus
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prprios contextos. Em alguns casos, como aqueles relatados por Nordstrom e Robben
(1995) pode ser possvel identificar que os prprios nativos se encontram
completamente desorientados quanto as suas prprias percepes do espao onde
vivem.
A situao de crise (ou catstrofe) muito mais do que mexer com os preceitos
tericos do antroplogo, transforma os valores e conhecimentos prvios dos nativos. O
quotidiano inexiste, pois foi corrompido, abalado ou destrudo devido ocorrncia da
srie de eventos. Identidades, valores, significados, esperanas e expectativas, projees
e padres so perdidos ou desconstrudos.
O antroplogo ento tem de estar ciente que no encontrar tais ndices de modo
to facilitado, exposto ou evidente. possvel que no os encontre, ou que encontre
uma verso disforme, alternativa ou inexistente em momentos prvios. uma questo
de posicionamento terico do prprio antroplogo ao decidir se estes novos valores
devem ser considerados, ou admitir que as sociedades estejam em constante
transformao, ou mesmo, buscar (o improvvel) resgate ao conhecimento dos valores
identitrios e sociais prvios3.
Mesmo conceitos e laos de unio social nos quais so naturalmente bastante
resistentes, como ligaes familiares e de parentesco, ou relaes organizadas por
questes de crena e religio, podem perder sua efetividade, funcionalidade, ou mesmo
deixar de existir ou de ser confivel em situaes de instabilidade extrema. possvel, e
esperado, que os sujeitos de estudo demonstrem que eles no sabem at quando, de que
forma, como e em quem confiar, por exemplo.
Esta barreira ao mtodo antropolgico, pode ser comparada as dificuldades na
realizao das primeiras etnografias, por tericos clssicos, como Malinowski, 1932,
porm as dificuldades identificadas dificilmente entrariam no mesmo grau de
complexidade. A situao atual est mais prxima de uma breve atualizao do que
de uma completa reviso, como j exposto nos pargrafos iniciais.
3 Eu pessoalmente no acredito na viabilidade prtica deste tipo de interveno. Percebo que na maior
parte dos casos, por uma infinidade de motivos, este tipo de resgate idealizado a suposies que
enxergam as transformaes culturais e sociais, sejam individuais ou coletivas, como um
desenvolvimento quase que linear, sem ramificaes (ou desvios), e com agentes muito bem conhecidos,
pontuais e independentes.
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Um pesquisador que no se afirme e posicione como uma parte ativa, e presente,
do grupo, nesses contextos facilmente um dos primeiros laos a serem desfeitos pelas
partes envolvidas. Uma vez que o descarte de parentes e amigos, que em suas
palavras: mais atrapalham do que ajudam, ao serem contra a participao em
manifestaes, pelos mais diversos motivos podem ocorrer, o que dir do antroplogo,
que em muitos casos quase que um aliengena, alm de infiltrado e indesejado.
Em paralelo as dvidas que as situaes de crise, ou catstrofe, podem trazer aos
grupos sociais, existem obviamente as necessidades de reconstruo, tanto dos valores e
laos sociais, como da prpria existncia de cada individuo.
A incluso (ou aceite) de agentes (em tese) externos ao grupo ocorre em
momentos pontuais, de crise, e o aproveitar desta possibilidade de entrada, pelo
antroplogo, que permitida pelos sujeitos de estudo, no deveria ser alvo de
contestao ou repudio por aqueles que ousam querer praticar antropologia,
notadamente por aqueles que no estiveram naquele campo. sim, um claro chamado
autoridade etnogrfica (CLIFFORD, 1989, p.118-119). Voc no sabe o que eu passei e
o que eu vi, ouvi ou fiz l.
Eu poderia reconstruir uma descrio mais detalhada do que eu acredito que
aconteceu, tal qual Geertz (1973) ou Evans-Pritchard (1992, p.21-28), de modo a
declarar como eu acredito que entrei em campo, mas principalmente como eu fui
aceito pelos meus sujeitos de estudo. Mas eu compreendo que no existe um entrar
em campo, ou um sair de campo. Estamos constantemente reforando e fazendo a
manuteno de nossa posio.
O etngrafo, com pouca ou nenhuma experincia em situaes de crise ou
catstrofe, pode neste tipo de terreno identificar o modo como os nativos reconstroem
seus valores, suas expectativas e seus modos de viver e saber, para orientar-se em sua
reconstruo de prticas e mtodos de trabalho de campo.
Em uma anlise de grossa comparao, ao mesmo tempo em que os nativos
perderam os seus norteadores de funcionamento social aps e durante a situao de
crise e catstrofe, o antroplogo perde os seus norteadores de orientao terica e
metodolgica para realizao de trabalho de campo. uma oportunidade nica e
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singular para desenvolver a capacidade de real adaptao e aprendizado perante o
sujeito de pesquisa e o campo de estudo realizado.
uma aplicao prtica e real da antropologia que h muito fora esquecida. O
antroplogo no deveria apenas saber como descrever o outro, tal qual uma grande
parte de antroplogos sugerem (e defendem em seus discursos e prticas). O papel do
antroplogo tentar, inutilmente, compreender os sistemas onde terceiros esto
inseridos. A descrio apenas um, dentre tantos, modos de tentar atingir esse saber.
Alguns autores (Gellner, 1999: 3-5; Reynoso, 2007:136-140; Verde, 2010:266-267) j
evidenciaram essa incapacidade dos antroplogos contemporneos, em efetivamente
praticar antropologia e na insistncia em reduzir a disciplina a quase uma prtica
literria de descrio (fabricada) do outro. O aprender o saber do outro foi perdido.
A atualizao do mtodo de pesquisa que proponho na verdade uma tentativa de
resgate deste valor.
APROXIMAO JUNTO AOS SUJEITOS DE ESTUDO
Alm de todos os fatos j apresentados, existe ainda a questo, que facilmente
pode ser tida como central por antroplogos que apoiem uma antropologia da
interveno social, sobre a ignorncia do antroplogo daquilo que pode ou no ser
realizado a favor do outro, que facilmente pode ser identificado como vulnervel ou
em situao problemtica.
questionvel se o antroplogo deve manter-se afastado e inerte a percepo
que inevitavelmente ter de indivduos inseridos em situao violenta. Se o meio for
extremamente violento, agressivo ou impe valores e prticas que agridam outros seres
humanos, papel do antroplogo, tanto como profissional, como pessoa intervir.
E poucos so os atores e agentes que possuem essa opo como realidade e no
apenas na forma de desejo ou discurso. Fica ento, a critrio do antroplogo, optar ou
no pela interveno, enquanto possvel e vivel for, quer impea ou no a realizao de
seu trabalho de campo.
Tentar entender a violncia observada no trabalho de campo como experincia
do outro, e se afastar da situao um tanto quanto conveniente e, de fato mais
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simples de ser realizado. Antes de optar por tal posio, o antroplogo deve estar
ciente dos impactos sociais que est se sujeitando, e principalmente, sujeitando terceiros
a receberem, tanto agora, como posteriormente.
Respeitar a diversidade, ser relativista e manter a distncia no se resume a
ser cego aos eventos, ignora-los ou mesmo aceitar tudo como se ocorre. No existe
observao mosca na parede, toda observao intervencionista, e se tal constatao
bvia, no faz sentido alegar que no intervm para reduzir, poupar ou eliminar o
fator intervencionista da anlise.
O que de fato ocorre , uma fraqueza e incapacidade do antroplogo, em dados
casos, de intervir por receio a crticas posteriores ou por de fato no se identificar com
os problemas dos outros. A primazia ainda pode ser para a academia, mesmo quando se
considera a existncia do outro no clculo de ponderaes do que, quando, como
e por quem fazer.
Acaba-se por enxergar o grupo analisado da mesma forma que um qumico
analisa um composto orgnico. O campo seu laboratrio. A etnografia seu mtodo.
Ignora apenas que o qumico tem cincia que sua anlise provoca interveno no
composto qumico, e tenta calcular os impactos e os reduzir, porm a posterior de seu
trabalho pode, e provavelmente tentar resolver problemas, quer seja para si, quer seja
para (a anlise de) um composto.
O antroplogo que ignora a sua capacidade e o seu poder de interveno e
influncia no passa de um garoto com um kit de qumica que brinca em sua garagem.
No um cientista, seja l, a definio que queira ter e ser do termo.
Esta interveno pode ocorrer no formato de algo mais disfarado, com
reconhecimento mais acelerado, tal qual algum retorno para as partes envolvidas, como
o trabalho de Paulo Granjo (1994; 2004), ou ocorrer como algo mais explicitado,
porem com resultados, bastante atrasados e distribudo.
Em ambos os casos, a principal preocupao dos pesquisadores remete a
determinadas situaes (indesejadas) que podem acabar por provocar nos sujeitos de
estudo no intervalo de tempo que existe entre a publicao do material e a efetiva ao
de um agente externo e superior (Estado) na causa raiz do problema. O antroplogo
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deve ter noo do tipo de impacto, e do atraso de seus efeitos, que provocar ao agir
por terceiros ou em conjunto com eles.
PERDA (OU FIM) DO CAMPO OU DOS SUJEITOS DE ESTUDO
A pesquisa realizada em campo que se encontra em situao de risco possui
outro fato, este sim, de esperado, prvio conhecimento dos antroplogos: O risco de
extino de seu objeto de estudo. Quando a discusso antropolgica poderia remeter
denominada antropologia da salvao, que de fato foi praticada por antroplogos
como Alfred Kroeber (1925) era comum chamada a possvel extino do objeto de
estudo.
O que ocorre no trabalho em terreno com situao de crise, assim como as
manifestaes sociais, que so desejadas como temporrias e idealizadas como
terminveis em sua prpria funo primria, similar, mas no limitado apenas ao
futuro objeto de estudo e sim, alargado para a pesquisa corrente.
Alm do risco iminente de a situao de crise, catstrofe, guerra, conflito ou
confronto atingir maior desenvolvimento, possibilitando a destruio total do campo de
estudo, e por consequncia de boa parte dos sujeitos de estudos, existem outros
limitadores que o antroplogo pode se deparar, desde remoo de seu acesso ao
campo, perda de contatos chave, etc.
Para evitar e contornar esses incidentes, o que realizado pelo antroplogo,
nesse tipo de ambiente, a reduo temporal, tanto de sua pesquisa, como de seu
convvio com os nativos. Uma acelerao imposta em seu mtodo de trabalho, a fim
de evitar ou reduzir a possibilidade de o mesmo ser interrompido antes de estar
finalizado.
Para o meu caso especfico, alguns atenuantes so identificados, desde sujeitos
que apenas aceitavam conversar durante as manifestaes a indivduos que eram
presos ou hospitalizados. Para o primeiro caso, h todo um conjunto de dificuldades
imposto em tentar realizar um dilogo, entrevista ou conversa durante uma
manifestao, tanto no que repercute a recursos disponveis, como a interferncias de
ordem externa (e interna). J para o caso de sujeitos presos e/ou hospitalizados, remete
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facilmente para a perda de contato, sendo que no raro a interrupo de uma
comunicao que acabara de atingir algum avano, mnimo.
E o fato do antroplogo, ainda se manter em sua situao, quer admita ou no,
posio (e status) diferenciada perante os nativos, e de fato, privilegiada, no permite ao
pesquisador obter as mesmas percepes sobre a violncia que os nativos so supostos
de possuir. Com uma ou duas ligaes telefnicas, e em poucas horas, o antroplogo
est fora do campo, e em segurana no conforto de sua academia.
Eu, se assim desejasse, abandonava a manifestao e simplesmente voltava para
casa. Para todos os efeitos, eu ainda poderia convocar a minha identidade de
estudante estrangeiro e dizer que nada sabia sobre a manifestao e que mal conhecia
Lisboa. Repare que no to somente uma questo de autoridade, e sim de alteridade no
que repercute o distanciamento antroplogo e nativo. Quase que independente do
contexto.
O nativo, no possui essa singular capacidade de deslocamento da situao de
violncia. Nos exemplos apresentados por Nordstrom & Robben, por exemplo, so
raros os autores que problematizam esta situao, porm no podem, e de fato no
abririam mo deste privilgio por uma melhor antropologia. At porque no se tem
qualquer garantia de que se obtenha uma melhor antropologia, ou qualquer
antropologia, com antroplogos mortos, presos, hospitalizados, deportados ou com risco
de morte.
A questo envolvendo a alteridade entre o antroplogo (na figura daquele que
faz a pesquisa), e o nativo (na figura daquele que a pesquisa) identificvel no
discurso crtico de alguns tericos brasileiros (RAMOS, 2007, p.8-10; RIBEIRO, 2006
p.152-154) quando expressam a preocupao sobre uma antropologia que prima pelo
estudo do extico. Compreendo que o desenvolvimento que este protagonismo de
recorte de pesquisa projeta no de todo positivo no que tange o alargamento da
perspectiva antropolgica. No somente no deve o antroplogo cair na armadilha da
tentao de pesquisar somente, ou primariamente, o extico, como deve ser capaz de
problematizar as situaes tidas como familiares.
Tanto Ramos (2007), como Ribeiro (2006) sugerem como antropologias
perifricas, no-hegemnicas, as quais, incluem aqueles realizadas por antroplogos e
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Para citar este artigo: VIRGLIO, Jefferson. Por uma atualizao do mtodo da pesquisa participante nos
contextos urbanos globalizados. Cadernos de Estudos Sociais, Recife, v.28, n. 1, p. 74-92, jan/jun, 2013
(Dossi Temtico). Disponvel em: < http://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CAD>. Acesso em: dia ms, ano. [v. em edio].[86]
antroplogas nativos emergem cada vez mais e permitem o alcanar de novas
perspectivas de anlise. Esta emancipao de uma prvia dependncia (de capacidade
de anlise crtica) do antroplogo enquanto outro4 esclarecedora sobre a pertinncia
da no reduo da metodologia a ser utilizada em campo pelo pesquisador.
No somente a metodologia do trabalho de campo no pode ser restrita a padres
cannicos (VIRGLIO, 2013, p.11-13), como o nvel de alteridade, e os interesses
pessoais, entre pesquisador e pesquisado no podem ser fixos e imutveis. Para o meu
campo especfico, tanto a metodologia que primo por defender, onde o antroplogo
parte da pesquisa, como instrumento, e como fonte de informao (em dilogo com
Wall, 2006 e Cohen, 1992), como a identificao (e posicionamento do antroplogo) se
mostram flutuantes. Saio da situao de pesquisador estrangeiro, invasor e estranho, na
manifestao para estudante militante, que parte, dita como crucial e ativa, no
movimento.
Um primeiro desenvolvimento permite sugerir que este deslocamento no deve
se reduzir ao estar em campo e estar analisando o campo, e sim remetendo a algo na
linha de ser capaz de analisar o campo a partir de mltiplas perspectivas e posies, ora
como pesquisador, ora como sujeito de estudo, ora como pesquisador que sujeito de
estudo.
Ocorre ainda, um segundo deslocamento, onde o antroplogo alm de praticar o
deslocamento epistemolgico, pratica um deslocamento de funcionalidade. preciso ter
em considerao que cada antroplogo ou antroploga atingir diferentes pontos de
vista, e diferentes pontos de contato com o campo e com os atores ali existentes.
Esses diferentes posicionamentos/pontos de vista, uma vez alternados pelo
analista social permitem traar os primeiros rascunhos de um trao de vista, que
permitir uma anlise mais ampla do observvel em campo.
O deslocamento de funcionalidade se torna perceptvel quando o pesquisador
problematiza as relaes que constri com o campo. Notadamente tendo em conta que
estas relaes so variveis com cada identidade de pesquisador ou pesquisadora.
4 A inverso de posio relativa para o outro intencional.
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Esta situao, em meu campo, se torna visvel quando questiono a singularidade
de minha situao acadmica em Portugal, visto, por exemplo, que eu assistia s aulas
em duas universidades diferentes, e parte das reflexes que atingi foram possveis aps
o contato com os docentes destas turmas adicionais.
ANTROPLOGOS NATIVOS
Um modo levemente eficaz de contornar a situao envolvendo a limitao de
acesso ao campo, pelas particularidades desse, quando o prprio antroplogo
residente ou originrio da situao, ou encontra-se em situao, em tese, prxima a do
nativo. Esclareo que ter vivido 2-3 anos da infncia, ou ser bisneto de um suposto
nativo no torna o antroplogo nativo, como alguns antroplogos nativos gostam de
se afirmar. E viver antes da situao de crise, acompanhar a mesma distncia por 2-3
anos, e depois resolver fazer campo, j com toda uma inveno histrica carregada na
mente no tampouco de grande valia.
A pertena a uma classe social (ou casta) infinitamente superior ao corpo (ou
parte do corpo) de sujeitos de estudo tambm no uma mais valia. Toda essa pr-
construo de valores e conceitos sobre o campo tem de ser removida5. Esta noo de
identidade, muito bem definida, clara, e ancorada a partir de um nmero reduzidssimo
de pontos criticada, e entendo que superada, pela noo de intelectuais cosmopolitas
de Appiah (1996), na qual o autor sugere no somente uma identidade que transcende
um eventual ponto de pertena, como permite a reflexo sobre uma pertena mltipla,
tal qual a que eu observo quando transito de pesquisador brasileiro que infiltrado
para estudante de cincias humanas que integrado.
Acreditar (previamente) que possui valores compatveis aos dos nativos somente
piora a situao. Um antroplogo externo, ciente que no possui tais valores, e que tente
os conhecer de mais valia que um antroplogo automaticamente declarado, por si,
5 Refiro-me a Mysore Narasimhachar Srinivas, Edward Said e todo o conjunto de antroplogos
autodeclarados e/ou tidos como nativos. Notadamente aqueles que utilizam de sua natividade como discurso legitimador de suas concluses. Note que, neste material, eu no critico a restrio de campo, ou
o protagonismo de pesquisa a nativos. A crtica reduz-se a avaliar determinadas concluses (da pesquisa, tidas como cientficas) por critrios tidos como de pertena e/ou identidade.
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como nativo e que deduz ser um profundo conhecedor daqueles que estuda. Alguns
exemplos podem ser encontrados na coletnea organizada por Jackson (1987),
especialmente na construo de mltiplas identidades comportamentais que
Mascarenhas-Keyes com tanto orgulho e satisfao apresenta (1987). Uma segunda
leitura que contribui neste sentido Narayan (1997), por fornecer clara crtica aos
supostos antroplogos nativos, remetendo, como mtodo paliativo, a utilizao de
reais nativos como informantes, mais ou menos nos moldes do demonstrado por
Turner com seu interlocutor Muchona (1970).
O antroplogo nativo, quando de fato o , possui alguns diferenciais perante
antroplogos externos, que tanto podem ser positivos, como negativos, e no
necessariamente esses positivos e negativos sejam universais. Cada meio propicia e
impede determinadas aes, comportamentos e anlises que no necessariamente
correspondam ao observado em outros campos ou situaes de conflito.
Para o meu caso especfico, ser estudante (e pesquisador) um valor positivo, e
reconhecido por todos. E em um contexto poltico de disputa, onde a palavra tem poder,
observei interesse de meus interlocutores em falar com algum que passasse a frente
aquelas informaes transmitidas ao pesquisador.
Observei em que a escolha das lideranas dos movimentos se dividia
basicamente entre falar com pesquisadores ou com reprteres. Percebi que eu era visto
como uma boa opo de interlocutor para muitos manifestantes porque os demais
pesquisadores que encontrei em campo eram externos faculdade, e principalmente,
mais velhos, e que reprteres eram vistos como suspeitos e sobre os quais os
manifestantes tinham srias restries sobre o que eles queriam ouvir e ao que, como
e onde publicado. Assim minha posio de antroplogo brasileiro e jovem me
permitia ter uma escuta privilegiada no campo dos movimentos sociais portugueses.
O antroplogo nativo deve ter cincia de sua situao singular, e realizar todo
o seu trabalho com tal referncia clara e definida. Alguns autores abordam essa
temtica, nomeadamente no contexto da antropologia urbana, pois o meio comum de
origem de muitos antroplogos ocidentais (e no da zona rural ou selvagem, por razes
bvias).
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Variados identificadores de dificuldade de realizao de etnografia em terreno
conhecido podem ser encontrados em Strathern (1987), os quais no se resumem a
antropologia urbana. J, no campo da antropologia urbana, especialmente para o
contexto brasileiro, porm com possibilidade real de adaptao para nativos de outros
campos, Gilberto Velho (2002), acompanhado de outros tericos (CARDOSO, 1986;
DAMATTA, 1987; DURHAM, 1984; MAGNANI, 1984; VELHO, 1979) demonstra
algumas caractersticas de tal prtica (etnografia urbana) e a pertinncia deste recorte de
pesquisa na prtica antropolgica que se evidncia na discusso da teoria antropolgica
brasileira durante as dcadas de 70 e 80.
Eu retorno que nem toda a situao de crise, ou catstrofe, pode ser deduzida
ou identificada previamente pelo antroplogo. possvel que em determinado contexto,
para determinada situao, com determinada rede de interlocutores, ocorra situao de
crise, catstrofe com o antroplogo, ou pelo fato do mesmo estar demonstrando
tentativa ou resistncia de ingresso no grupo estudado.
Uma situao muito particular deste tipo demonstrada no estudo de caso de
Adami (2008) entre os Hare Krshina, quando o pesquisador ao tentar se inserir no grupo
(no exemplo espanhol), de forma apenas parcial, no bem visto por parte do grupo,
e, portanto condicionado a determinados comportamentos por imposio e uso de
fora fsica. Curiosamente, quando realizou similar ao no Brasil, o comportamento
havia sido diferente, logo, no esperava tal comportamento no cenrio espanhol.
Para o meu caso, como j explicitado, eu nem mesmo esperava realizar esta
pesquisa, naquele momento, naquele contexto, e naquelas condies. O aparato de
suporte terico mais especializado que me acompanhava, em muito era distante do que
eu levaria para trabalhar com movimentos sociais estudantis. Tenciono afirmar que
no teria atingido as mesmas concluses, e principalmente no sei se tomaria as mesmas
posies, se tivesse chego (a campo) de outra maneira e com outro conjunto de teorias e
metodologias.
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