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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL
GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL
O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A
EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE
CURITIBA
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
ESCOLA DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL
GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL
O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A
EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná na área de concentração Direito Econômico e Desenvolvimento e linha de pesquisa Estado, Economia e Desenvolvimento. Orientador: Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves
CURITIBA
2016
Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central
Kalil, Gilberto Alexandre de Abreu K14d O direito fundamental social à educação e a tributação: a extrafiscalidade 2016 como mecanismo para a sua efetividade / Gilberto Alexandre de abreu Kalil; orientador, Oksandro Osdival Gonçalves. – 2016. 152 f. : il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2016 Bibliografia: f. 138-152 1. Direito à educação. 2. Direitos fundamentais. 3. Educação e Estado 4. Direito. I. Gonçalves, Oksandro Osdival. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III.Título. Doris 4. ed. – 340
GILBERTO ALEXANDRE DE ABREU KALIL
O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO E A TRIBUTAÇÃO: A
EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA A SUA EFETIVIDADE
Dissertação de conclusão de curso aprovada como requisito parcial à obtenção do
grau de Mestre em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
______________________________________
Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Universidade Federal do Paraná
______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Antônio Caliendo Velloso da Silveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Curitiba, 16 de março de 2016.
Para minha mãe Shirley e para minha tia Rosângela,
pelo amor e carinho que sempre me dedicaram.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado a saúde e a força necessárias nesses dois anos de muito
trabalho e dedicação, tanto na advocacia quanto no começo da minha jornada
acadêmica.
A minha mãe Shirley de Abreu pelo infinito amor que sempre me dedicou. Ao meu pai
José Gilberto Kalil, que tão cedo partiu, mas a tempo de ensinar lições para toda a
vida. A minha tia Rosângela Gonçalves de Abreu, pelo amor materno e por ter me
recebido em sua casa com tanto carinho durante a realização do mestrado. À Ana
Carolina, minha noiva, por todo amor e apoio incondicional desde o início do
mestrado.
Ao Prof. Dr. Oksandro Osdival Gonçalves, por ter me recebido como seu orientando,
por estar sempre disponível para o esclarecimento das inúmeras dúvidas e, mais do
que isso, por ser exemplo de dedicação e seriedade, que pretendo seguir na
construção da minha carreira acadêmica.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado e Doutorado da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PPGD/PUCPR, em especial Daniel
Wunder Hachem, Luiz Alberto Blanchet, Luiz Alexandre Carta Winter, Carlos Frederico
Marés de Souza Filho, Heline Sivini Ferreira, José Querino Neto e Francisco Carlos
Duarte, com os quais tive a oportunidade de cursar os créditos necessários à
conclusão do mestrado. Ao Colegiado do PPGD/PUCPR e ao Prof. Dr. Marcus
Geandré Nakano Ramiro, coordenador do curso de Direito em Maringá/PR, que
permitiram a realização do estágio de docência no campus de Maringá/PR. Ao Prof.
Dr. Paulo Roberto Veroneze, pela supervisão durante o estágio de docência.
Ao meu sócio e amigo Samir Calil Miguel, por entender as inúmeras ausências e por
trabalhar dobrado para que eu pudesse concluir esta pesquisa. Ao amigo Tiago Freire,
pelo apoio durante a realização deste trabalho. Ao amigo Gustavo Alves, pela ajuda
com a formatação dos dados mencionados no último capítulo do presente trabalho.
Aos amigos do mestrado, em especial Alcides Pinto, Bruna Alves, Vitor Borghi, Felipe
do Prado, Eloi Barreto, Joseliane Sonagli, Natália Dib, Suzana Rossetti, Carlos Dutra,
Carolina Motta e aos demais colegas que tive a oportunidade de conhecer.
À Secretaria do PPGD/PUCPR, na pessoa das secretárias Eva Curelo e Daiane
Kuster, bem como à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
CAPES e à Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC/PR pela isenção da taxa
de mensalidade.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda.
(PAULO FREIRE)
RESUMO
O direito à educação recebeu lugar de destaque na Constituição Federal de 1988. Além de ser enunciado como um direito de todos, foi elevado à categoria de direito fundamental social. Essa proteção constitucional reclama do Estado ações que visem promover a efetiva garantia do exercício desse direito pelos seus titulares em todos os seus desdobramentos, da educação básica ao ensino superior. Isso pode ser feito em colaboração com os agentes particulares, pois a Constituição Federal criou um sistema que conjuga a ação pública com a iniciativa privada. Para assegurar o direito à educação, o Estado pode utilizar as normas tributárias extrafiscais, aquelas concebidas sem a finalidade precípua de arrecadação, com objetivo de estimular os agentes econômicos privados a adotarem condutas que resultem na concretização do direito à educação. Nesse contexto, a presente pesquisa analisa quais os principais aspectos que decorrem da proteção constitucional outorgada aos direitos fundamentais sociais com especial ênfase ao direito à educação, bem como a função da tributação extrafiscal à luz dos valores, direitos e objetivos constitucionais e como ela pode colaborar na implementação do direito à educação. Com base nisso, investigou-se mais a fundo o Programa Universidade para Todos – Prouni, política pública instituída pelo governo federal no ano de 2005, que visa ampliar o acesso da população de baixa renda ao ensino superior, através da concessão de bolsas de estudo integrais e parciais pelas instituições de ensino superior privadas que, em contrapartida, são beneficiadas com a isenção de tributos federais. O resultado da pesquisa aponta para a possibilidade da utilização da tributação extrafiscal como instrumento capaz de aumentar o grau de efetividade do direito fundamental social à educação pela ampliação do acesso da população a esse bem.
Palavras-chave: Direito fundamental social à educação. Desenvolvimento. Tributação. Extrafiscalidade. Intervenção do Estado.
ABSTRACT
The right to education received prominent place in the Federal Constitution of 1988. In addition to being stated as a right for all, was elevated to the rank of fundamental social right. This constitutional protection calls for the state actions for the effective guarantee of the exercise of this right by their holders in all its ramifications, from basic education to higher education. This can be done in collaboration with the private agents, because the Federal Constitution created a system that combines public action and private initiative. To ensure the right to education, the state can use the tax rules extrafiscal, those designed without the main purpose of storage, in order to stimulate private economic agents to adopt behaviors that result in the realization of the right to education. In this context, the present study mainly analyzes what the main issues arising from the constitutional protection afforded to fundamental social rights with special emphasis on the right to education and the role of extrafiscal taxation in the light of the values, rights and constitutional objectives and how it can collaborate in implementing the right to education. Based on this, it was investigated more fully the University for All Program - Prouni, public policy instituted by the federal government in 2005, which aims to increase the access of low-income to higher education by granting scholarships full and partial by private higher education institutions that are benefiting from the exemption of federal taxes in return. The result of the research points to the possibility of using extrafiscal taxation as an instrument to increase the degree of effectiveness of the fundamental social right to education by expanding the population's access to this right.
Keywords: Fundamental social right to education. Development. Taxation. Extrafiscality. State intervention.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AED Análise Econômica do Direito
ANADEP Associação Nacional dos Defensores Públicos
CF Constituição Federal
CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CNPL Confederação Nacional de Profissionais Liberais
COFINS Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN Código Tributário Nacional
Enade Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
Enem Exame Nacional do Ensino Médio
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICT Instituição Científica e Tecnológica
IGC Índice Geral de Cursos
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IRPJ Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integração Social
PNE Plano Nacional da Educação
Promube Programa Municipal de Bolsas de Estudos
PRONIE Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita
Prouni Programa Universidade para Todos
Renavam Registro Nacional de Veículos Automotores
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
STF Supremo Tribunal Federal
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988 ......................................................................................................................... 15
2.1 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 ......................................................................................................................... 15
2.2 O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ..................................................................... 19
2.3 AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ............ 23
2.4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS .............................. 29
2.5 A DUPLA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ..................... 35
3 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 ................................................................................................. 41
3.1 OS PRINCÍPIOS E OS DESDOBRAMENTOS DO DIREITO FUNDAMENTAL
SOCIAL À EDUCAÇÃO ........................................................................................... 41
3.2 O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA ....................................................................... 45
3.3 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO ......................................... 50
3.4 O DIREITO À EDUCAÇÃO E A RESERVA DO POSSÍVEL ................................... 55
3.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO PELA VIA ADMINISTRATIVA
................................................................................................................................. 61
4 A EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA EFETIVAR O DIREITO À
EDUCAÇÃO ............................................................................................................ 68
4.1 A FUNÇÃO PROMOCIONAL DA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL .......................... 68
4.2 OS CONTORNOS CONCEITUAIS DA EXTRAFISCALIDADE ............................... 74
4.3 A SOLIDARIEDADE NA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL ........................................ 79
4.4 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA ...................................................................................................... 86
4.5 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE . 91
5 O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS - PROUNI ................................. 97
5.1 PROUNI: O DELINEAMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA ......................................... 97
5.2 PROUNI: A ISENÇÃO PARA SUPERAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL ........... 101
5.3 PROUNI: A AÇÃO AFIRMATIVA EXTRAFISCAL ................................................. 108
5.4 PROUNI: A MAXIMIZAÇÃO DO RESULTADO ..................................................... 115
5.5 PROUNI: A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES X A IGUALDADE DE
POSIÇÕES ............................................................................................................ 126
6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 134
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 138
12
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal (CF) de 1988 conferiu proteção a inúmeros direitos
fundamentais, dos clássicos direitos de liberdade aos mais recentes direitos difusos e
coletivos. Nela ganharam assento privilegiado os direitos fundamentais sociais como a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados.
Apesar disso, persiste uma realidade marcada pela desigualdade social e
econômica, que priva muitos brasileiros do acesso desses bens tão essenciais à
garantia de uma existência minimamente digna. Se já está superado o desafio inicial
de conferir proteção constitucional a um extenso catálogo de direitos fundamentais,
existe outro ainda maior e mais complexo para o Estado: concretizar todos esses
direitos, isto é, tornar possível o seu exercício por aqueles que titularizam a posição
jurídica tutelada.
A educação, objeto de estudo do presente trabalho, representa um dos
mais importantes fatores para o avanço de qualquer sociedade, pois permite aos
indivíduos o desenvolvimento de sua própria personalidade, além de estar
intimamente ligada ao desenvolvimento nacional, que não se limita apenas ao
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em números absolutos.
Quando se trata da educação, embora as obrigações também sejam
compartilhadas com toda a sociedade e com a família (art. 205 da CF), o Estado
desempenha um importante papel na sua concretização, sobretudo porque grande
parcela da população não possui condições financeiras para pagar pelo acesso a esse
bem.1 Assim, a maior parte das posições jurídicas que decorrem do direito à educação
exige do Estado a concessão de prestações materiais necessárias ao seu exercício.
1É o que ocorre com a educação básica. Segundo dados do Censo Escolar da Educação
Básica do ano de 2013, havia 190.706 estabelecimentos de educação básica no Brasil, nos quais estavam matriculados 50.042.448 alunos, sendo 41.432.416 (82,8%) em escolas públicas e 8.610.032 (17,2%) em escolas da rede privada. Além disso, naquele ano, as escolas municipais foram responsáveis por quase metade das matrículas (46,4%), o equivalente a 23.215.052 alunos, seguida pela rede estadual, que atendia 35,8% do total, com o total de 17.926.568 alunos, enquanto a rede federal respondia por 290.796 matrículas, participando com 0,6% do total. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo escolar da educação básica 2013: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2014, p. 12. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2013.pdf >. Acesso em: 20 jul. 2015.
13
Para garantir o acesso à educação em seus diversos níveis, como o
ensino superior, o Estado pode atuar de várias formas. Pode valer-se, inclusive, das
normas tributárias, que além de necessárias para arrecadação de recursos
financeiros, podem funcionar como ferramentas capazes de estimular os agentes
econômicos a realizarem certas condutas desejáveis ou até desestimular aqueles
comportamentos contrários aos interesses do Estado, o que se conhece por função
extrafiscal dos tributos.
Nesse cenário, emerge a problemática central que se pretende investigar
no presente trabalho: quais deveres a Constituição Federal endereçou ao Estado no
que diz respeito ao direito à educação e em que medida a tributação extrafiscal pode
funcionar como mecanismo capaz de promover a concretização desse direito? Para
encontrar as respostas a essas indagações, dividiu-se o trabalho em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, a investigação residirá no estudo dos direitos
fundamentais sociais e nos desdobramentos jurídicos que decorrem da sua proteção
constitucional. É preciso verificar se há alguma característica peculiar a esses direitos
capaz de diferenciá-los dos demais direitos fundamentais consagrados na
Constituição Federal de 1988, em especial no que diz respeito ao seu regime jurídico,
à sua aplicabilidade imediata e efetividade e às múltiplas funções que decorrem da
sua proteção constitucional.
No segundo recorte, a finalidade é aprofundar o estudo específico do
direito à educação, concentrando-se a análise no tratamento dado a esse direito pela
Constituição Federal de 1988. Dentre outros aspectos, pretende-se investigar os
princípios e as diretrizes que devem nortear as atividades de ensino, os
desdobramentos do direito à educação, a relação da educação com o
desenvolvimento nacional e com a reserva do possível, bem como qual a melhor
forma para o Estado garantir a implementação desse direito.
No terceiro capítulo, a abordagem terá por foco a tributação extrafiscal
analisada a partir dos valores e objetivos do Estado Social e Democrático de Direito,
que foi instituído com a Constituição Federal de 1988. Serão investigados a função
promocional da tributação, o fundamento das normas tributárias extrafiscais, o critério
que diferencia os contribuintes na extrafiscalidade e os limites para a utilização desta
forma de tributar. Simultaneamente, serão analisados alguns casos da utilização da
tributação extrafiscal para efetivação do direito à educação.
O quarto e último capítulo terá por objetivo analisar se, na prática, a
utilização da tributação extrafiscal serve para implementar o direito à educação, bem
14
como para maximizar o grau de efetividade desse direito. Para tanto, será analisado,
especificamente, o Programa Universidade para Todos (Prouni), instituído pelo
Governo Federal em 2005, que visa conceder bolsas de estudos, para alunos menos
favorecidos economicamente, em instituições privadas de ensino superior que, em
contrapartida, são beneficiadas com a isenção de tributos federais.
15
2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988
O escopo do presente capítulo reside na investigação dos direitos
fundamentais sociais a partir da Constituição federal de 1988 e dos principais
desdobramentos da proteção jurídica por ela outorgada a esses direitos.
2.1 A PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
O regime militar de exceção, imposto entre os anos de 1964-1985, ficou
marcado por uma atuação estatal repressiva e pela violação sistemática de direitos
fundamentais, muitas vezes promovida pelo próprio Estado. Com a redemocratização
do país, uma das principais reações àquelas circunstâncias residiu na promulgação da
Constituição Federal de 1988, que promoveu profundas mudanças políticas,
administrativas e jurídicas na estrutura estatal para possibilitar a instalação de um
Estado Democrático de Direito.
Edifica-se um novo Estado, fundado na proteção jurídica de um número
expressivo de direitos individuais e coletivos, marca estampada no início do texto
constitucional, que em seu art. 1o, elevou à categoria de princípios fundamentais da
República, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Preocupado com a situação socioeconômica da nova sociedade, o
constituinte elegeu como objetivos da República a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
desigualdades regionais, além da promoção do bem de todos sem qualquer forma de
discriminação (art. 3o da CF). Quando instituiu as bases da ordem econômica e
financeira (art. 170 da CF), a Constituição estabeleceu que ela é fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com objetivo de assegurar a todos
a existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Esses preceitos, embora dotados de elevado grau de generalidade,
constituem cânones para fornecer subsídios ao intérprete, porquanto apontam a
direção que deve seguir a ordem econômica.2 E, da sua interpretação conjunta, pode-
2ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos econômicos
e reflexos financeiros. Revista da PGFN, v. 1, n. 1, p. 99-123, 2011, p. 102.
16
se dizer que a Constituição consagrou uma economia de natureza capitalista,
norteada por valores de justiça social.3 Do mesmo modo, os fundamentos (art.1º da
CF) e os objetivos fundamentais da República (art.3º da CF) possuem caráter
obrigatório, constituem marcos do desenvolvimento do ordenamento jurídico e
apontam os fins perseguidos pelo Estado. Refletem, portanto, as opções ideológicas
sobre as finalidades sociais e econômicas do Estado, que impõem o dever de atuar
conforme o planejamento ditado pelo texto constitucional.4
Tais valores foram lançados no texto constitucional porque neles se
reconheceu um elevado grau de importância para o país que se esperava construir
após a instalação da nova ordem constitucional. Pelo mesmo motivo, no art. 5o, o
legislador constitucional destinou mais de 70 incisos para tratar dos direitos individuais
e coletivos, aos quais atribuiu a denominação de direitos e garantias fundamentais,
cuja aplicabilidade é imediata, nos termos do §1º do mencionado dispositivo,
característica que será melhor explorada ainda neste capítulo.
Com isso, deu-se início ao novo direito constitucional no Brasil, que tem
como um de seus marcos teóricos o reconhecimento de força normativa às
disposições constitucionais, que passaram a ostentar aplicabilidade direita e imediata.5
Isso significou um importante passo, pois a proteção dos direitos fundamentais exige
que, além do seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico, os direitos fundamentais
sejam concretizados, como também se verá ao longo deste capítulo.
Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, essa força normativa de uma
Constituição “traduz-se na vinculação, como direito superior, de todos os órgãos e
titulares dos poderes públicos”.6 Isto é, a Constituição é o principal elemento do
universo jurídico, motivo pelo qual as normas nela veiculadas servem para estabelecer
as balizas que devem ser observadas em todas as esferas de poder do Estado, aí
compreendidas as ações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Além dos direitos fundamentais mencionados em seu texto, a Constituição
não excluiu outros direitos decorrentes dos princípios por ela adotados, ou ainda dos
3 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos fiscais: uma
perspectiva da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 86.
4BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105, 110.
5BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 356-358.
6CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2001, p. 16.
17
tratados internacionais de que o Brasil seja parte (art. 5o, § 2º, da CF). Revela-se,
nessa perspectiva, a concepção materialmente aberta dos direitos fundamentais, pois
existem direitos que, por seu conteúdo e substância, pertencem ao corpo fundamental
da Constituição, ainda que não estejam expressamente previstos em seu texto.7
Isso permite que a proteção dos direitos fundamentais acompanhe a
evolução da tutela desses direitos em âmbito internacional, pondo a salvo aquelas
posições jurídicas que estiverem em consonância com o texto constitucional. Reforça,
ainda, a estrutura protetiva engendrada pela Constituição Federal o art. 60, § 4º, inc.
IV, ao prever que as normas que instituem direitos e garantias individuais (direitos
fundamentais) constituem cláusulas pétreas, o que impede a elaboração de emendas
constitucionais objetivando aboli-las.
Essas cláusulas são necessárias “para a salvaguarda de determinados
valores fundamentais, que não podem ficar expostos nem mesmo à vontade das
maiorias qualificadas capazes de editarem alterações nas constituições”.8 Criou-se um
mecanismo de segurança para preservar o âmago da ordem constitucional, evitando
retrocessos como a instalação de um Estado autoritário nos moldes daquele que havia
sido superado com a redemocratização do país. Percebe-se, então, que os direitos
fundamentais ostentam um regime jurídico diferenciado, pois sua aplicabilidade é
imediata e são imutáveis pelo exercício do poder de revisão constitucional.
Na concepção de Robert Alexy, a fundamentalidade das normas
instituidoras de direitos fundamentais resulta da fundamentalidade formal e da
fundamentalidade substancial. A primeira é consequência da posição que essas
normas ocupam, o ápice do ordenamento jurídico, o que termina por vincular a
atuação de todo o Estado, isto é, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A
segunda revela-se na medida em que, com base nessas normas, são tomadas
decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade.9
De forma semelhante, Zulmar Fachin afirma que os direitos fundamentais
têm posição de fundamentalidade em dois sentidos: primeiro porque constituem a
base axiológica vigente em uma determinada sociedade; segundo porque eles
7SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011, p. 78-79. 8SARMENTO, Daniel. Direito adquirido, emenda constitucional, democracia e justiça social.
Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, p. 6, 2008.
9ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 522-523.
18
ocupam um plano normativo especial, isto é, a Constituição.10 Com base nisso, é
possível afirmar que os direitos fundamentais, concebidos nos moldes do que fez a
atual Constituição funcionam como pilares de sustentação do Estado. Logo, permitir
sua violação, tanto pela transgressão do direito quanto pela falta de efetividade
decorrente da omissão estatal, significa caminhar no sentido do retrocesso, o que
justifica o elevado grau de proteção dado a esses direitos.
Além dos direitos alocados no art. 5o, a Constituição Federal também
agasalhou os direitos sociais, que “nas Cartas anteriores restavam pulverizados no
capítulo pertinente à ordem econômica e social”. 11 Na nova Constituição, esses
direitos foram incluídos em capítulo próprio (Capítulo II), além de também estarem
presentes em outros momentos do texto constitucional. É o que ocorre com o direito
fundamental social à educação, que tem previsão no art. 6o, mas os contornos e as
diretrizes sobre sua aplicação são dados pelos artigos 205 a 214, que estão inseridos
no Título VIII que trata da Ordem Social.
O art. 6o não se limitou ao direito fundamental social à educação. Conferiu
proteção jurídica, também, para outros direitos como a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. São direitos que
consistem em um conjunto de posições jurídicas que visa assegurar condições
materiais mínimas de sobrevivência aos indivíduos,12 o que depende, sobretudo, de
ações implementadas pelo Estado, no sentido de conceder as prestações materiais
necessárias para que os seus titulares possam exercê-los.
Operou-se, assim, uma significativa alteração na estrutura do Estado, para
impor a adoção de uma postura de intervenção na ordem social mediante a
implementação de políticas públicas com objetivo de melhorar as condições de vida da
população.13 Os direitos fundamentais sociais consistem em prestações positivas – ou
até mesmo negativas, como se verá ainda neste capítulo - proporcionadas direta ou
indiretamente pelo Estado, para possibilitar “melhores condições de vida aos mais
fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”.14
10FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 211. 11 PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Justicialidade dos direitos sociais e
econômicos no Brasil - desafios e perspectivas. Araucaria (Madrid), v. 8, p. 128-146, 2006, p. 131.
12RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 64. 13ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 19. 14SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 286.
19
Esse cenário demonstra que a Constituição Federal de 1988 inaugurou um
novo período na história do país, marcado pela consagração de um modelo de Estado
Social e Democrático de Direito, fundado na proteção de um extenso rol de direitos
fundamentais que confere aos indivíduos uma série de posições jurídico-subjetivas de
caráter social e, ao mesmo tempo, impõe ao Estado deveres da mesma natureza.15
Por isso, não obstante os direitos fundamentais sejam oponíveis a todos, o
principal destinatário do dever de implementá-los é o próprio Estado,16 que pode fazê-
lo de diversas formas, inclusive pela utilização de normas tributárias, sejam elas
arrecadatórias ou não, já que a tributação não está imune aos valores e aos objetivos
consagrados no texto constitucional, como se verá em especial no terceiro capítulo.
2.2 O REGIME JURÍDICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Embora o objetivo da presente sessão resida no estudo do regime jurídico
dos direitos fundamentais sociais à luz da Constituição brasileira, antes de fazê-lo, é
interessante analisar brevemente a Constituição de Portugal de 1976, já que ela
supostamente teria influenciado a Constituição Federal de 1988 a estabelecer um
regime jurídico para os direitos, liberdades e garantias e outro diferente para os
direitos econômicos, sociais e culturais.17
Segundo Canotilho, a Constituição daquele país estabeleceu um regime
jurídico geral para os direitos fundamentais, no qual estão incluídos os direitos, as
liberdades e as garantias, bem como os direitos econômicos, sociais e culturais. A
esse regime geral se aplicam o princípio da universalidade, o princípio da igualdade e
a garantia da tutela jurisdicional efetiva. Além disso, a Constituição portuguesa
estabeleceu um regime jurídico próprio para os direitos, liberdades e garantias,
composto por algumas características, dentre elas, a aplicabilidade direta das normas
instituidoras desses direitos e a garantia contra “leis de revisão” restritivas do seu
15 O alerta é feito por Daniel Wunder Hachem, para quem os direitos fundamentais sociais
estão submetidos ao mesmo regime jurídico dos demais direitos fundamentais. HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 345.
16BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 243.
17 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 71.
20
conteúdo, 18 traços semelhantes aos dos direitos fundamentais de acordo com a
Constituição brasileira.
De forma similar, Jorge Miranda sustenta que a Constituição portuguesa
não apresenta um regime sistemático explícito dos direitos econômicos sociais e
culturais, ao contrário do que se verifica com os direitos, liberdades e garantias.
Segundo o autor, essa ausência no texto constitucional português decorre da maior
atenção prestada aos direitos, liberdades e garantias, da heterogeneidade dos direitos
econômicos, sociais e culturais, da menor experiência jurisprudencial e da menos
desenvolvida elaboração dogmática com relação a esses últimos direitos. 19
Criticando essas posições, Jorge Reis Novais sustenta que todas as notas
supostamente identificadoras do regime específico dos direitos, liberdade e garantias,
na verdade, aplicam-se a todos os direitos fundamentais enquanto garantias
constitucionais. Por esse motivo, os traços caracterizadores dos direitos de liberdade
também são comuns aos direitos sociais, havendo uma dogmática unitária baseada na
jusfundamentalidade aplicável a todos os direitos de liberdade e aos direitos sociais.
Explica, ainda, que a distinção entre os regimes jurídicos dos direitos de liberdade dos
direitos sociais decorre, na maior parte das vezes, da ignorância ou desatenção em
relação à complexidade e à multifuncionalidade dos direitos fundamentais,20 temática
que será tratada no próximo item do presente capítulo.
A advertência feita por Novais aponta a necessidade de investigar se há
alguma característica dos direitos sociais capaz de diferenciá-los dos demais direitos
fundamentais, o que também será feito ao longo dos demais itens deste capítulo. Por
ora, é preciso investigar se há um regime jurídico diferenciado para os direitos sociais
na atual Constituição brasileira capaz de retirar desses direitos o atributo de
aplicabilidade imediata (art. 5o, §1º da CF) e a condição de cláusulas pétreas (art. 60,
§4º, inc. IV da CF).
Segundo Clèmerson Merlin Clève, ao contrário de Portugal, não há na
Constituição Federal de 1988 uma diferença de regime jurídico entre os direitos de
defesa e os direitos sociais,21 caraterística presente na Constituição portuguesa e que
deu origem ao debate entre os autores portugueses acima citados. No mesmo sentido, 18CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 407-423, 429. 19MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 383.
Tomo IV: Direitos Fundamentais. 20NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 11, 15 e 44. 21 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo
Horizonte: Fórum, 2012, p. 27.
21
aponta Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a Constituição brasileira não traça diferença
entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, inclusive no que tange à eventual
primazia dos primeiros sobre os segundos.22
Daniel Wunder Hachem explica que, no Brasil, embora seja difícil
encontrar na doutrina autores que neguem expressamente a fundamentalidade dos
direitos sociais, há posicionamentos que não estendem aos direitos sociais as
características inerentes aos demais direitos fundamentais. 23 Nesse tocante, João
Pedro Gebran Neto afirma que a aplicabilidade imediata restringe-se somente ao art.
5o e aos incisos nele mencionados, já que a boa técnica legislativa ensina que os
parágrafos se referem ao artigo no qual estão incluídos, bem como porque a
interpretação extensiva resultaria em verdadeira negativa de validade ao dispositivo
constitucional.24
Por sua vez, Otávio Bueno Magano entende que a limitação de reforma da
Constituição alcança somente os direitos e garantias individuais do art. 5º, na medida
em que o art. 60, §4º, inc. IV da Constituição Federal foi expresso ao dizer “os direitos
e garantias individuais”. 25 Todavia, essas duas posições não parecem estar em
consonância com a melhor interpretação da proteção jurídica conferida aos direitos
sociais pela atual Constituição.
A expressão “direitos e garantias fundamentais”, presente no §1º do art. 5º,
não deve conduzir a uma interpretação restritiva, pois, ao que parece, o Constituinte
não pretendeu excluir do seu âmbito de incidência os direitos políticos e de
nacionalidade, bem como os direitos sociais.26 Embora esses direitos não estejam
topograficamente incluídos no art. 5o, é equivocado o raciocínio de que simplesmente
por esse motivo não seriam imediatamente aplicáveis.
Isso porque, a interpretação da Constituição deve ser feita a partir de uma
perspectiva teleológica e sistemática, que leve em conta, além dos valores individuais,
22SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011, p. 432-433. 23 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 70.
24GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 158.
25MAGANO, Otávio Bueno. Revisão Constitucional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 7, 1994, p. 110-111.
26SARLET, ibid., p. 262.
22
outros que também são fundamentais para o Estado, como os valores sociais.27 A
propósito, já no preâmbulo do texto constitucional, o legislador constitucional advertiu
que o Estado Democrático destina-se a “assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça [...]”.
Apesar dessa enunciação não gozar de força normativa, 28 não seria
exagero concluir que os direitos sociais foram elevados ao mesmo grau de
importância dos demais direitos fundamentais. Mesmo sem ser expresso, parece
inadequado entender que o legislador tenha outorgado um regime jurídico mais
restritivo aos direitos sociais, capaz de lhes retirar o atributo da aplicabilidade imediata
e possibilitar sua extirpação do texto constitucional pelo exercício do poder
reformador.
Não se deve fazer uma interpretação restritiva do art. 60, § 4º, inc. IV.
Considerá-lo apenas em sua literalidade, que confere aos “direitos e garantias
individuais” a condição de cláusulas pétreas, além de excluir dessa esfera de proteção
os direitos sociais (art. 6o a 11), também terminaria por afastar do seu âmbito de
incidência os direitos de nacionalidade (art. 12 e 13), os direitos políticos (arts. 14 a
17) e até mesmo os direitos de expressão coletiva constantes do rol do art. 5o da CF.29
Por isso, a rigidez formal de proteção estabelecida em favor do conteúdo
mencionado no art. 60, § 4º, inc. IV também se estende aos direitos fundamentais
sociais. A observância, a prática, e a inviolável contextura formal desses direitos são
pressupostos indispensáveis para que seja eficaz o princípio dignidade da pessoa
humana,30 que constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art.
1o, inc. III da CF).
Logo, admitir a elaboração de emendas à Constituição com relação aos
direitos fundamentais sociais, visando à sua exclusão ou a mitigação da sua
27CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais.
Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 99, p. 305-325, 2004, p. 311, 313.
28Nesse sentido, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 2.076-5/AC, que entendeu que o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo a posição ideológica do constituinte, contendo proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.076-5/AC, Relator: Min. Carlos Velloso. Tribunal Pleno. DJ. 08.08.2003.
29SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p .431.
30BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 674, 676.
23
incidência, desconfiguraria o próprio sistema constitucional, já que significaria afronta
ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa linha, Jorge Reis Novais explica que os direitos sociais nos atuais
Estados de Direito “são amplamente tidos como direitos fundamentais por força da sua
relevância material, enquanto exigências concretizadoras, ou a concretizar, da
dignidade da pessoa humana”.31Ademais, a falta de proteção a bens essenciais, como
educação e saúde, também constituiria verdadeiro óbice para a realização dos
objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF). Não faz sentido falar em
desenvolvimento nacional, redução das desigualdades, construção de uma sociedade
justa e solidária se não houver proteção jurídica aos direitos fundamentais sociais e,
mais do que isso, a sua efetiva implementação.
Diante disso, a interpretação mais adequada do texto constitucional é
aquela que o enxerga de forma harmônica e sistêmica e, consequentemente, faz
concluir que os direitos sociais desfrutam do mesmo status constitucional dos demais
direitos fundamentais, sendo imediatamente aplicáveis (art. 5º, §1º, da CF) e, além
disso, blindados no que diz respeito à elaboração de emendas constitucionais com
vistas a sua abolição (art. 60, §4º, inc. IV da CF).
Além disso, conforme explica Ingo Wolfgang Sarlet, os partidários de uma
exegese restritiva, no que tange ao regime jurídico dos direitos sociais, partem da
premissa de que todos os direitos fundamentais sociais podem ser conceituados como
prestações estatais.32 Por isso, é preciso investigar se, de fato, essa característica é
exclusiva dos direitos sociais, de modo a excluí-los da incidência do regime jurídico
dos demais direitos fundamentais.
2.3 AS MÚLTIPLAS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Embora não seja um ponto central deste capítulo, para compreender os
direitos fundamentais sociais é necessário fazer um breve resgate histórico, pois a
dimensão protetiva desses direitos, assim como dos demais direitos fundamentais,
possui estreita ligação com as circunstâncias econômicas, sociais, jurídicas e culturais
do momento em que surgiram.
31NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 32-33. 32SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011, p. 432-433.
24
Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet, os direitos fundamentais de primeira
geração, frutos do pensamento liberal-burguês do século XVIII, consistem em direitos
de defesa do indivíduo frente o Estado, que delimitam uma zona de não intervenção
que visa preservar a esfera de autonomia individual em face do poder estatal. Naquele
cenário, ganharam relevo os direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade
perante a lei, que não exigiam por parte dos poderes públicos uma conduta positiva.
No século XIX, como resultado do processo de industrialização e das suas
consequências sociais e econômicas, surgiram direitos cuja principal característica
reside na outorga de prestações sociais aos indivíduos, como saúde e educação. Isto
é, são direitos cuja nota distintiva é a sua dimensão positiva, já que não cuidam mais
de evitar a intervenção do Estado na autonomia individual.33
Nessa evolução histórica, a Constituição do México de 1917 e a
Constituição de Weimar da Alemanha de 1919 significaram o marco do
constitucionalismo social, pois conferiram proteção legal aos direitos dos
trabalhadores, ao direito a saúde, ao direito à educação, dentre outros.34 A origem
desses direitos reside em apoiar aqueles que não podem sozinhos alcançar esses
bens essenciais ao desenvolvimento humano,35 o que não havia ocorrido sob a égide
do Estado liberal.
Na sequência, Sarlet anota que, em um terceiro momento histórico,
cronologicamente situado na segunda metade do século XX, eclodem os direitos de
solidariedade e fraternidade da terceira dimensão, cuja principal caraterística reside na
sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, como direito à
autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, dentre outros. 36
Além dessa divisão tripartida,37 há quem sustente a existência de uma
quarta e quinta dimensão de direitos fundamentais. Para esses autores são direitos da
33SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011, p. 46- 47. 34FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 96. 35PECES-BARBA, Gregorio. Reflexiones sobre los derechos sociales. In: ALEXY, Robert.
Derechos sociales y ponderación. 2. ed. Madrid: Fundación Coloquio Juridico Europeo, 2009, p. 85-103, p. 90.
36SARLET, Ibid., p. 48-49. 37Dentre os autores que adotam a divisão dos direitos fundamentais em três gerações, pode-se
citar: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 60; FEREIRA, Manoel Gonçalves Filho. Direitos humanos fundamentais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6; LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.860-863; TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, v. I, p. 24-25; PFAFFENSELLER, Michelli. Teoria dos direitos fundamentais. Revista Jurídica da
25
quarta dimensão o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo, sendo o direito à paz um direito de quinta geração.38
Essa clivagem que assenta os direitos fundamentais em compartimentos
estanques e com características próprias que os diferenciam uns dos outros, embora
possa ter relevância para compreendê-los como decorrência de processos históricos,
não se afigura a perspectiva mais adequada para investigá-los, em especial quando
se leva em conta o contexto em que esses direitos se encontram tutelados na
Constituição Federal de 1988.
A inclusão dos direitos fundamentais em dimensões sugere uma sucessão
de direitos, como se uma dimensão substituísse a outra. Contudo, o que se verifica é
um avanço na proteção aos direitos fundamentais em resposta às novas exigências
das pessoas e das sociedades. 39 Os direitos anteriormente surgidos não foram
suprimidos pelo surgimento de novos direitos. Parece mais adequado entender que,
ao longo do tempo, os direitos que por último surgiram somaram-se àqueles anteriores
à sua eclosão, formando um grande plexo de direitos, como ocorre com a Constituição
Federal de 1988. Em seu bojo, foram protegidos direitos de todas as chamadas
dimensões de direitos, concebidos em diferentes momentos históricos, como o direito
fundamental social à educação.
No caso dos direitos fundamentais sociais, ganhou relevância o papel
estatal na sua realização, “já que a vocação principal dos direitos sociais está na face
prestacional, enquanto a dos direitos de liberdade está na face de defesa e de
proteção”. 40 Diversamente dos chamados direitos de primeira geração, cujo principal
traço distintivo repousa na abstenção estatal, surgiu uma nova categoria de direitos
que depende, na maior parte das vezes, de uma atuação estatal positiva, mas não
estão somente a ela limitados.
Há certas posições jurídicas dos direitos fundamentais sociais que não
reclamam a atuação estatal positiva. As denominadas liberdades sociais equivalem,
Presidência, v. 9, n. 85, p. 92-107, 2007, p. 98-100; LOPES, Ana Maria D’Ávila. Hierarquização dos direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 34, 2001. p. 174-177.
38Dentre eles pode-se destacar: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 571; BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, n. 3, p. 82-93, 2008, p. 85; FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 201-206.
39MIRANDA, Jorge. O regime dos direitos sociais. Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 188, p. 23-36, out./dez. 2010, p. 24.
40BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 152-153.
26
em razão de sua função essencialmente defensiva, aos clássicos direitos de liberdade,
pois reclamam uma abstenção por parte do Estado e, em regra, não exigem a
alocação de recursos. É o que ocorre com o direito de greve, previsto no art. 9o da
Constituição Federal.41 Para que os trabalhadores possam exercitar tal direito, basta a
abstenção estatal no sentido de não impedir a manifestação, característica
comumente associada aos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão.
Do mesmo modo, se para efetivar o direito à saúde o Estado deve
possibilitar o acesso universal e igualitário a todos (art.196 da CF), como decorrência
da natureza prestacional do referido direito (o que exige recursos financeiros por parte
do Estado), por sua vez, “a dimensão defensiva do direito à saúde liga-se à obrigação
de não adoção de qualquer comportamento que possa lesar ou ameaçar a saúde do
seu titular”.42 Verifica-se aí uma posição do direito à saúde que somente se realiza se
não houver a ingerência do Estado.
Para que se realize o direito de propriedade, não basta que o Estado se
abstenha de tomar medidas que resultem em turbação do exercício pelo seu titular.
Deve, simultaneamente, manter instituições como a polícia e tipificar delitos para
criminalizar condutas que atentem contra o referido direito.43 É preciso, também, que o
Estado mantenha em funcionamento as atividades do Poder Judiciário que, em
determinadas hipóteses, pode ser chamado a prestar a tutela necessária ao exercício
desse direito. Isso põe em evidência uma faceta do direito de propriedade - cuja
proteção jurídica geralmente exige do Estado sua abstenção -, que somente se realiza
através do agir estatal.
Em interessante classificação, Robert Alexy propõe que os direitos sociais
são direitos a prestações que podem ser assim sintetizados: (i) direitos de proteção,
que podem ser compreendidos como os direitos do titular frente ao Estado para que
este o proteja de intervenções de terceiro; (ii) direitos de organização e de
procedimento, que impõem ao Estado a obrigação de instituir estruturas
organizacionais e procedimentais que permitam o exercício dos direitos sociais; (iii)
direitos a prestação em sentido estrito, que podem ser definidos como direitos do
indivíduo frente ao Estado a algo que, se o indivíduo possuísse meios financeiros
41SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 276.
42SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 335.
43CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Fórum, 2014, p. 361.
27
suficientes e encontrasse no mercado uma oferta suficiente, poderia obter de
particulares. 44
Em outra categorização, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que os
direitos fundamentais realizam quatro funções, que podem ser assim sintetizadas: (i)
função de defesa ou de liberdade, que veda a ingerência do poder público na esfera
individual e, ao mesmo tempo, assegura ao titular do direito exigir omissões dos
poderes públicos, para evitar agressões lesivas do Estado; (ii) função de prestação
social, que significa o direito do particular a obter algo através do Estado, como
acesso à educação, já que não possui meios suficientes para obter no comércio
privado; (iii) função de proteção perante terceiros, que consiste na adoção de medidas
pelo Estado destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais contra
atividades lesivas praticadas por terceiros; (iv) função de não discriminação, que visa
assegurar que o Estado trate seus cidadãos de forma igual.45
Daniel Wunder Hachem, ao explorar as funções de defesa e de prestação
do direito fundamental social à educação, faz interessante observação com relação
aos desdobramentos que decorrem da sua proteção constitucional:
o mesmo se diga em relação ao direito à educação. Na sua condição de direito fundamental como um todo, ele engloba diversas pretensões jurídicas específicas, tais como: (i) a liberdade de aprender e ensinar, sendo defesa a imposição de métodos educacionais pelo Estado (função de defesa); (ii) a prestação de atendimento educacional especializado aos deficientes (função de prestação fática); (iii) a criação de órgãos e pessoas jurídicas que ofereçam gratuitamente o serviço público de educação (função de organização); (iv) a regulamentação de como se dará o acesso igualitário aos estabelecimentos públicos de ensino, tais como as universidades (função de procedimento); (v) a criação de normas que definam critérios de padrão de qualidade, bem como a sua fiscalização pelo órgão competente, para impedir que a exploração dessa atividade pelos particulares seja realizada abaixo dos níveis adequados (função de proteção). Nos exemplos citados, cada uma dessas pretensões jurídicas pode ser identificada em um dispositivo específico da Constituição Federal (art. 206, I, II, IV, VII e art. 208, III).46
44ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Editora, 2011, p. 434, 450, 474, 499. 45CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 407-411. 46 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 33.
28
A construção teórica empreendida por Alexy e Canotilho, exemplificada por
Hachem com a abordagem do direito à educação, comprova que a implementação dos
direitos fundamentais sociais não ocorre de uma única maneira. Por vezes, pode exigir
a não ingerência do Estado, a exemplo da autonomia didático-científica, administrativa
e de gestão financeira e patrimonial, concedida às universidades para impedir a
interferência estatal (art. 207 da CF). Em outras situações, reclama do Estado a
concessão da prestação necessária à satisfação do direito, como a obrigação de
fornecer a educação básica (art. 208, inc. I da CF).
Além disso, há hipóteses nas quais os direitos fundamentais sociais
impõem ao Estado o dever de estabelecer regulamentações, sem o que o exercício do
direito não tem sentido.47 A Constituição estabelece os contornos gerais sobre a
educação nos art. 205 a 214, mas em razão das múltiplas funções que decorrem da
sua proteção jurídica, outros diplomas infraconstitucionais regulamentam a
aplicabilidade desse direito, como a Lei n.o 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, a Lei n.o 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de
Educação, dentre outras.
Por isso, está superada a tradicional tipologia baseada na dicotomia
positivos/negativos dos direitos fundamentais.48 Logo, com relação às suas múltiplas
funções, não há diferenças entre os direitos fundamentais, ainda que, no caso dos
direitos fundamentais sociais, seja mais evidente a sua dimensão prestacional. Sobre
essa característica marcante dos direitos fundamentais sociais, pontua Jorge Reis
Novais:
no entanto, apesar de importante, ou até decisiva, essa características não esgota o direito social; como um todo, ele é muito mais amplo, não se reduz a essa característica e não pode ser bem compreendido – nem, eventualmente distinguido dos direitos de liberdade – se não se der conta das diferentes dimensões, deveres, faculdades, garantias ou direitos em que se desdobra e desenvolve. Como acontece com todos os direitos fundamentais, vistos como um todo, numa compreensão própria de Estado social de Direito – que é a concepção da nossa época -, também os direitos sociais, tal como os de liberdade, impõem ao Estado deveres de respeitar, de proteger e de promover o acesso individual aos bens jusfundamentalmente protegidos, mas, e consoante as circunstâncias concretas, os diferentes titulares, as diferentes épocas e desenvolvimento económico do Estado, a tónica pode ser pontualmente colocada
47 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos
exigibles. 2. ed. Madrid: Trotta, 2004, p. 33. 48ESTEVES, João Luiz M. Direitos fundamentais sociais no Supremo Tribunal Federal.
São Paulo: Método, 2007, p. 55.
29
numa ou noutra dessas dimensões e, em cada uma delas, em termos objectivos ou subjectivos. 49
Isso demonstra o equívoco de incluir os direitos sociais em um regime
jurídico distinto dos demais direitos fundamentais, ao argumento de que somente eles
dependem de prestações estatais. A obrigação do Estado no que tange aos direitos
fundamentais sociais, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais,
deverá corresponder à posição jurídica resguardada, como demonstra a análise do
direito à educação feita por Hachem.
Essas posições jurídicas que decorrem da proteção constitucional dada
aos direitos fundamentais sociais não são estáticas. “É provável que o rápido
desenvolvimento técnico e econômico traga consigo novas demandas, que hoje não
somos capazes de prever”, 50 o que impõe à ordem constitucional o dever de evoluir
na mesma medida pondo a salvo aquelas posições jurídicas surgidas no contexto do
avanço social, mas que evidentemente não signifiquem retrocesso no que tange aos
direitos fundamentais já tutelados.
2.4 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
A inclusão dos direitos fundamentais sociais no âmbito de proteção
constitucional foi indispensável à instalação do chamado Estado Social e Democrático
de Direito, inaugurado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Contudo,
somente a proteção não é suficiente para garantir em sua essência a concretização de
um Estado que pretende ser social e democrático.
O Estado deve atuar para além da inserção dos direitos no ordenamento
jurídico. Isso exige que o estudo dos direitos fundamentais sociais não fique limitado
ao plano da eficácia,51 mas que seja simultaneamente acompanhando da investigação
49NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 43-44. 50BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 33. 51Segundo Luís Roberto Barroso, a eficácia pode ser entendida como a aptidão da norma para
produção dos seus efeitos, isto é, para a irradiação das suas consequências. No entanto, não se insere no âmbito de análise da eficácia a verificação quanto à real produção desses efeitos. De forma semelhante, José Afonso da Silva explica que a eficácia das normas jurídicas consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, ou seja, a aptidão para atingir os objetivos previamente fixados. Nesse sentido, respectivamente: BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 81; SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 66.
30
sobre a sua efetividade. A efetividade, ou eficácia social, nada mais é do que a
materialização da norma no mundo dos fatos, que aproxima o dever-ser normativo e o
ser da realidade social,52 sendo esta a finalidade última da proteção outorgada a todos
os direitos fundamentais.
Se isso não ocorre instala-se um abismo entre o ideal e a realidade, que
termina por destruir a crença no texto constitucional,53 tornando sem finalidade os
inúmeros direitos lá consagrados. De nada adianta conferir proteção constitucional ao
direito à educação se, concomitantemente, o Estado não cuidar de criar as condições
necessárias para que esse direito seja usufruído pelos seus titulares.
No plano da eficácia, a Constituição Federal endereça ao Estado o dever
de garantir a todos o acesso à educação básica (art. 208, inc. I). Todavia, segundo
pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano
de 2014, 8,5% da população brasileira ainda era analfabeta. A maior incidência de
analfabetismo ocorria entre os homens (8,8%), sobretudo entre os de cor preta ou
parda (11,5%). De acordo com a pesquisa, a taxa de analfabetismo era maior entre
aqueles que fazem parte do quinto mais pobre da população (13,9%), bem como entre
os que residem na Região Nordeste (16,9%) e entre aqueles que estavam nas áreas
rurais (20,8%).54 Esse dado revela que a norma constitucional que protege a educação
básica ainda não atingiu a efetividade que dela se espera, já que erradicar o
analfabetismo é um objetivo buscado com a proteção desse nível ensino.
No caso dos direitos fundamentais sociais, não raro a sua efetividade é
apontada como mais complexa do que a dos demais direitos fundamentais. Costuma-
se dizer que a realização desses direitos depende de prestações materiais do Poder
Executivo e providências normativas do Poder Legislativo.55 De certa forma, esse
raciocínio não está incorreto, mas não pode ser aplicado somente com relação aos
direitos fundamentais sociais.
Por exemplo, em abril de 2013, foi aprovada no Congresso Nacional a
Emenda Constitucional n. 72 que alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da
Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os
trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. No entanto, a 52BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites
e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 81-83. 53SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2004, p. 73. 54 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores
sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2014, p. 111. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91983.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2015.
55BARROSO, ibid., p. 103, 109.
31
regulamentação desses direitos, o que é essencial para que seus titulares possam
efetivamente exercitá-los, somente ocorreu em junho de 2015, com a edição da Lei
Complementar n. 150/2015.
Essa necessidade de regulamentação pelo Poder Legislativo não é
exclusiva dos direitos fundamentais sociais. Da mesma forma, que não é peculiaridade
inerente somente a esses direitos a dependência de prestações materiais por parte do
Poder Executivo para que determinadas posições jurídicas sejam concretizadas.
O exercício do direito fundamental à propriedade, comumente tratado
como um direito de primeira geração, cuja principal caraterística reside na abstenção
de ingerência estatal na esfera privada, também depende de providências legislativas.
Daniel Wunder Hachem lembra que o Código Civil cria limitações ao exercício do
direito de propriedade, além da Lei de Registros Públicos estabelecer as exigências
necessárias ao registro da propriedade. 56 Logo, o direito fundamental à propriedade
não se concretiza, na plenitude dos seus desdobramentos, se não houver essas
prestações normativas por parte do Poder Legislativo, o que demonstra a semelhança
com os direitos fundamentais sociais.
Além disso, para o exame da efetividade, é preciso entender o alcance da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5o, § 1º da CF), característica
que se estende também aos direitos fundamentais sociais, pois o seu regime jurídico é
o mesmo daqueles direitos, como já se sustentou acima. Segundo Sarlet, essa norma
possui cunho principiológico, isto é, trata-se de um mandamento de otimização (ou
maximização), que impõe aos órgãos estatais a tarefa de reconhecer a maior eficácia
possível aos direitos fundamentais.57
No entanto, isso não significa dizer que todos os direitos fundamentais são
sempre dotados de eficácia plena,58 ou ainda que esses direitos não reclamem a
56 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 146-147.
57SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 270.
58Nos termos da classificação proposta por José Afonso da Silva, as normas constitucionais podem ser classificadas em: (i) normas de eficácia plena, concebidas como aquelas que desde sua entrada em vigor produzem todos os seus efeitos essenciais; (ii) normas constitucionais de eficácia contida, que desde sua entrada em vigor produzem todos os seus efeitos essenciais, mas que podem sofrer restrições pelo legislador; (iii) normas de eficácia limitada, que não estão aptas a produzirem efeito com a simples entrada em vigor, porque o legislador constituinte não estabeleceu uma normatividade para isso bastante, relegando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 82.
32
existência de ato administrativo ou legislativo para que se consume sua efetividade,
conforme entende Eros Roberto Grau.59 Na realidade, se os direitos fundamentais
reclamam prestações legislativas para que se realizem em sua plenitude, todos eles
são restringíveis e regulamentáveis, o que faz perder o sentindo a distinção entre
normas de eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível.60
Com relação ao direito à educação não é diferente. A Lei n.o 11.096/2005,
que instituiu o Programa Universidade para Todos (Prouni), ao estabelecer a isenção
de tributos federais para instituições de ensino superior que concederem bolsa de
estudo aos alunos de baixa renda, regulamentou a imunidade tributária prevista no art.
195, §7º da Constituição Federal em favor de entidades beneficentes. 61 Isso indica
que a norma tributária extrafiscal, instituidora de um benefício fiscal, pode funcionar
como a prestação legislativa necessária para conferir um maior grau de efetividade ao
direito à educação, o que será melhor abordado no terceiro e quarto capítulos do
presente trabalho.
Do mesmo modo, o aumento da carga tributária também pode funcionar
para promover os direitos fundamentais. Segundo Marciano Buffon, a extrafiscalidade
pode se manifestar através do agravamento da imposição tributária, com vistas a
desestimular aqueles comportamentos que sejam contrários à maximização da
eficácia social (isto é, a efetividade) dos direitos fundamentais,62 como ocorre com a
tributação que incide em produtos maléficos à saúde como as bebidas alcoólicas e o
cigarro.
Voltando ao exemplo da educação. A Constituição assegura o acesso aos
níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um (art. 208, inc. V), contudo, a Lei n.o 12.771/2012, estabelece,
em seu art. 1o , que as instituições federais de educação superior reservarão, em cada
concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no
mínimo, 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham
59GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 321. 60 SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das
normas constitucionais. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, v. 4, p. 23-51, 2006, p. 47.
61 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 523.
62 BUFFON, Marciano. Tributação e direitos sociais: A extrafiscalidade instrumento de efetividade. Revista Brasileira de Direito, v. 8, n. 2, 2012, p. 46.
33
cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Isso comprova que o
direito à educação também pode ser restringível.
Há quem diga, ainda, que as normas que instituem os direitos
fundamentais sociais são programáticas, cujo conteúdo veicula diretrizes e programas
para ditar a tônica da futura atuação do Estado.63 Paulo Roberto Lyrio Pimenta
sustenta que esses direitos se enquadram na categoria de normas programáticas
enunciativas ou declaratórias porque alguns desses direitos são extremamente
complexos “exigindo para a sua satisfação a realização de um leque grande de ações
estatais, que podem ir desde prestações em dinheiro até a elaboração de normas
gerais”.64
Esse raciocínio aparentemente ignora a multifuncionalidade dos direitos
fundamentais. Como já visto anteriormente, todos os direitos fundamentais, inclusive
os sociais, dependendo da posição jurídica que se pretende ver satisfeita, podem
exigir do Estado prestações materiais ou normativas. Apesar de os direitos
fundamentais sociais possuírem uma vocação predominantemente prestacional,
outros direitos fundamentais também ostentam essa característica.
O direito fundamental à liberdade reclama mais do que apenas a não
ingerência do Estado na esfera individual dos cidadãos. Em uma dimensão positiva,
para que esse direito não sofra restrições, o Estado deve garantir níveis adequados de
segurança pública, mantendo em funcionamento as atividades policiais, o que,
evidentemente, exige recursos financeiros. No ano de 2013, o gasto da União,
Estados e Distrito Federal com polícias e segurança pública atingiu o valor de valor R$
61,1 bilhões.65
Desfaz-se, assim, o equívoco de que os gastos sejam tidos como óbices
somente no que tange à implementação dos direitos fundamentais sociais.66 Portanto,
o argumento de que esses direitos exigem recursos financeiros do Estado não justifica
a inclusão dessas normas na categoria de programáticas, já que essa é uma nota
comum a todos os direitos fundamentais, mesmo daqueles cuja principal característica
63SILVA, José Afonso da. A aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 140. 64PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do
possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20, 2012, p. 11. 65FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança
Pública 2014. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2014, p. 8. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf>. Acesso em: 21 set. 2015.
66CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v. 99, p. 305-325, 2004, p. 315.
34
reside na abstenção estatal na esfera privada. Norberto Bobbio, em análise da
Constituição italiana, fez interessante constatação que pode ser aplicada ao
ordenamento constitucional brasileiro:
o campo dos direitos do homem - ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem - aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de “programáticas”. Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos é esse que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confinados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o programa é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de “direito”? 67
Logo, não faz sentido encerrar as normas que instituem os direitos
fundamentais sociais no conceito de normas programáticas, já que os valores nelas
consagrados constituem pilares do Estado Democrático de Direito,68 que não foram
incluídos no texto constitucional para lá serem esquecidos, pois não se tratam de
meras promessas simbólicas cujo cumprimento é facultativo ao Estado.
Os direitos fundamentais sociais reclamam uma dogmática constitucional
emancipatória, marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana e com
a plena efetividade das normas constitucionais. 69 Isso porque, a própria legitimidade
do Estado também repousa na efetivação desses direitos. Sem esses direitos não
serão atingidos os objetivos fundamentais da República, tais como o desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e a promoção do bem de todos, o que é
necessário à instalação de uma sociedade mais justa, livre e solidária.
Por isso, há uma verdadeira imposição constitucional legitimadora de
transformações sociais e econômicas na medida em que elas sejam necessárias à
67BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 72. 68 ALMEIDA, Dayse Coelho de. A fundamentalidade dos direito sociais. Revista IOB
Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 17, n. 207, p. 86-96, set. 2006, p. 88. 69CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, v. 54, p. 28-39, 2006, p. 30.
35
efetivação desses direitos.70 Tanto é assim que, a Emenda Constitucional n. 59/2009,
em seu art. 6o, estabeleceu que a educação básica deverá ser progressivamente
implementada até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio
técnico e financeiro da União.
Portanto, os direitos fundamentais sociais “possuem carga de eficácia
imediata, impõem o dever de legislar para sua eficácia plena e impedem uma vez
regulamentados, retrocesso arbitrário do patamar de concretização efetivado”. 71
Nenhum argumento justifica que os direitos fundamentais sociais fiquem adstritos
somente ao plano da eficácia.
Pelo contrário, a atuação estatal deve buscar possibilitar o exercício
concreto desses direitos ao maior número possível de indivíduos, o que, inclusive,
pode ser feito pelas normas tributárias extrafiscais, como ocorre no caso do Prouni.
Logo, no que diz respeito à efetividade, os direitos fundamentais sociais reclamam do
Estado as mesmas providências normativas e materiais dos demais direitos
fundamentais.
2.5 A DUPLA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Na análise dos direitos fundamentais, inclusive os direitos fundamentais
sociais, costuma-se investigar a feição subjetiva desses direitos. Essa dimensão liga-
se à ideologia burguesa e identifica-se com o Estado Liberal do século XVIII, que
conferiu proteção jurídica aos direitos como a propriedade privada e o direito à vida,
dentre outros. Formou-se uma concepção de Estado de Direito que, partindo do
reconhecimento desses direitos individuais, considerava como dimensão determinante
da racionalização do Estado as próprias técnicas de garantia daqueles direitos.72
Naquele paradigma liberal, ganhou relevo a dimensão subjetiva dos
direitos fundamentais, como meio de defesa do indivíduo contra abusos do poder
estatal em sua esfera particular.73 Era preciso criar um mecanismo para garantir que
os titulares dos direitos fundamentais pudessem exigir do Estado o seu cumprimento.
70CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 478. 71BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 158. 72NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito: do estado de
direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2006, p.105. 73DIAS, Dhenize Maria Franco. O direito público subjetivo e a tutela dos direitos fundamentais
sociais. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 14, n. 102, p. 233-250, 2012, p. 239.
36
Essa feição “investe o seu titular na prerrogativa de exigir do destinatário da pretensão
o cumprimento de uma determinada prestação positiva ou negativa”.74
Considerando as múltiplas funções dos direitos fundamentais sociais, a
dimensão subjetiva é aquela que garante ao titular do direito a prerrogativa de exigir
do Estado o cumprimento de um dever que, em determinadas hipóteses pode ser de
abstenção, a exemplo do respeito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, inc. II, da CF), mas em outras tantas
de atuação do Estado, como o acesso à educação básica (art. 208, inc. I, da CF). Vale
dizer, a dimensão subjetiva assume a roupagem da posição jurídica que o indivíduo
pretende ver satisfeita.
Segundo Luís Roberto Barroso, cuja análise é feita a partir da Constituição
Federal de 1988, os direitos políticos, individuais, coletivos, sociais e difusos nela
consagrados geram direitos subjetivos, que investem os jurisdicionados no poder de
exigir do Estado, ou ainda de outro eventual destinatário, prestações positivas ou
negativas, que proporcionem a fruição dos bens jurídicos nela consagrados.75
Os direitos fundamentais passam a ser vistos além da clássica perspectiva
individual. Muitas vezes, a sua implementação pode ser necessária para garantir o
exercício de bens cuja titularidade não pertence somente a um indivíduo, mas sim a
uma coletividade, a exemplo do que ocorre com o meio ambiente ecologicamente
equilibrado (art. 255 da CF). No caso da educação, o art. 5o da Lei n. 9.394/1996
prevê que qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização
sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério
Público pode acionar o Poder Público para exigir o acesso à educação básica.
Sem prejuízo dessa dimensão subjetiva que, em muitos casos, é
indispensável para assegurar o exercício do direito, tanto de pretensões individuais
quanto coletivas, todos os direitos fundamentais, inclusive os sociais, devem ser
analisados também pelo prisma da sua dimensão objetiva. Isso porque os efeitos que
dela decorrem têm grande repercussão no que diz respeito às obrigações estatais.
Essa dimensão, conforme explica Ingo Wolfgang Sarlet, tem sua gênese
ligada ao caso Lüth, julgado pela Corte Federal Constitucional da Alemanha em 1958.
Naquela ocasião, entendeu-se que os direitos fundamentais não funcionam apenas
74 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. Curitiba, 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 162.
75BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 302.
37
como direitos subjetivos de defesa do indivíduo em face do Estado, mas, ao mesmo
tempo, desempenham o papel de decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da
Constituição, que influenciam todo o ordenamento jurídico.76 Isto é, trata-se de uma
dimensão objetiva de valores fundamentais, que não garante apenas direitos
subjetivos aos indivíduos.77
Rompeu-se, assim, o vínculo subjetivo cidadão-Estado, para impor a todo
Poder Público, aí compreendidas as ações do Poder Executivo, do Poder Legislativo e
do Poder Judiciário, obrigações gerais para possibilitar o exercício das pretensões
jusfundamentais de todos os cidadãos. 78 Essa dimensão não cria, diretamente,
situações jurídicas subjetivas de vantagem para o particular,79 mas a projeção dos
seus efeitos visa possibilitar a um maior número de indivíduos o exercício dos direitos
fundamentais sociais.
Por isso, fala-se em dimensão objetiva de um direito fundamental quando
se tem em vista seu significado para a coletividade, para o interesse público, para a
vida comunitária. 80 Apesar de os direitos fundamentais sociais se destinarem ao
atendimento de necessidades individuais, esses direitos possuem grande importância
coletiva, pois sem a sua implementação não se atinge o objetivo maior de construir
uma sociedade mais justa, solidária e menos desigual.
No caso do direito à educação não é diferente. Foi o seu elevado grau de
importância que justificou a sua inclusão no rol dos direitos fundamentais sociais (art.
6o da CF). Não bastasse isso, o legislador constituinte fez questão de dizer, no art.
205, que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família”, o que põe em
evidência a relevância coletiva desse direito para toda a sociedade. Assim, revela-se a
dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais, dentre eles o direito à educação,
que exerce influência sobre todo o ordenamento jurídico.
76SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 143.
77SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 235.
78 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 163.
79CLÈVE, Clèmerson Merlin. Desafio da efetividade dos direitos fundamentais sociais. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, v. 3, p. 289-300, 2003, p. 297.
80CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1256.
38
Do Poder Judiciário, a dimensão objetiva reclama “uma hermenêutica
respeitosa dos direitos fundamentais e das normas constitucionais”,81 sendo esta a
tônica que deve nortear a atuação jurisdicional.82 Ao mesmo tempo, a feição objetiva
impõe o dever da “Administração Pública de tutelar de forma espontânea, integral e
efetiva os direitos fundamentais sociais”, como destaca Daniel Wunder Hachem.
Aponta o autor que essa forma de implementação dos direitos sociais decorre em
especial de dois desdobramentos da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: (i) a
eficácia irradiante, que espalha o conteúdo valorativo dos direitos fundamentais por
todo ordenamento jurídico (constitucional e infraconstitucional), e condiciona a
interpretação do sistema normativo à observância dos valores jusfundamentais; (ii) a
imposição aos Poderes Públicos de deveres autônomos de proteção dos direitos
fundamentais.83
Portanto, essa eficácia irradiante concretiza-se na medida em que os
direitos fundamentais, inclusive os sociais, estabelecem as diretrizes que devem
nortear a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, além de apontar para
a necessidade de uma interpretação em consonância com os direitos fundamentais.84
Por isso, quando a legislação infraconstitucional for concebida de forma
individualista ou totalitária, deverá ser revista a partir da perspectiva dos direitos
fundamentais consagrados na Constituição.85 Essa produção de efeitos interpretativos
faz com que qualquer lei, anterior a Constituição de 1988 ou ainda posterior a ela,
81 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo
Horizonte: Fórum, 2012, p. 21. 82Nesse sentido, caminhou bem o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 3.330/DF), ocasião em que entendeu, por maioria de votos, pela constitucionalidade do Programa Universidade para Todos – Prouni. No acórdão, que será melhor explorado no quarto capítulo deste trabalho, a Corte Constitucional entendeu, em síntese, que a educação é um direito que deve alcançar a todos e que o valor constitucional da igualdade se concretiza pelo combate aos fatores reais de desigualdade. Por isso, o Prouni, que se operacionaliza pela concessão de bolsas aos alunos de baixa renda e adesão voluntária das instituições privadas de ensino superior estimuladas pela isenção de tributos federais, homenageia a máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.
83 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 162, 169.
84SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 147-148.
85SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 155-156.
39
deixe de ser aplicável se estiver em dissonância com os direitos fundamentais e
valores consagrados na nova ordem constitucional.
Da eficácia irradiante decorre a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, que consiste na produção de efeitos no âmbito das relações privadas,86
o que torna o conteúdo axiológico dos direitos fundamentais oponível também aos
particulares. Em outras palavras, os direitos fundamentais “limitam a autonomia dos
atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes
sociais não estatais”.87
Parece ser este o objetivo da norma prevista no art. 209 da Constituição
Federal, que preconiza que o ensino é livre à iniciativa privada, mas simultaneamente
prevê que as instituições privadas devem observar o cumprimento das normas gerais
da educação nacional, estando, ainda, sujeitas à avaliação de qualidade pelo Poder
Público, nos termos dos incisos I e II do referido dispositivo. Com isso, a eficácia
irradiante do direito à educação protege o indivíduo, mesmo na hipótese em que este
mantém uma relação somente com outro particular.
Com relação ao segundo desdobramento citado por Hachem, qual seja, a
característica das normas que instituem direitos fundamentais configurarem direitos
autônomos de proteção, explica o autor que a dimensão objetiva faz persistir a
obrigação estatal de criar as condições adequadas ao exercício do direito, ainda que
nenhum dos seus titulares o exija administrativa ou judicialmente, o que implica o
reconhecimento de uma obrigação transindividual que extrapola o vínculo subjetivo.88
Não basta prevenir a violação ou possibilitar o exercício do direito apenas pela via
judicial. A dimensão objetiva impõe mais do isso, deve o Estado antecipar-se, valendo-
se, para tanto, principalmente das ações do Poder Executivo e do Poder Legislativo
para implementar os direitos fundamentais pela via administrativa.
Isso porque, “a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais
(dimensão objetiva) é suficiente para deles exigir a adoção de políticas voltadas para o
seu cumprimento (num horizonte de tempo, evidentemente)”.89 Como consequência
86SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 147-149.
87SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 136.
88 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 173.
89 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 27.
40
disso, o legislador deve estar atento aos direitos fundamentais sociais, quando edita
normas de qualquer natureza, até mesmo as normas tributárias, tanto as concebidas
com a finalidade precípua de arrecadação quanto aquelas em que o Estado utiliza a
tributação para direcionar condutas através de estímulos e desestímulos aos
indivíduos, conhecidas como normas tributárias extrafiscais.
Significa dizer que da dimensão objetiva também decorre o dever de
atuação extrafiscal na promoção dos direitos fundamentais sociais.90 Isto é, o Estado,
quando se vale de medidas extrafiscais, não pode se distanciar dos objetivos
constitucionais, pelo contrário, deve utilizá-las como instrumentos capazes de
colaborar na implementação dos direitos caros à ordem constitucional, como o direito
fundamental social à educação.
É o que ocorre com o Prouni. Nesse caso, o Estado se vale da indução
extrafiscal para estimular a concessão de bolsas para estudantes carentes no ensino
superior privado, oferecendo para estas instituições a isenção de tributos federais
como o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido, a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e a
Contribuição para o Programa de Integração Social, o que será melhor analisado no
quarto capítulo.
Portanto, ao conferir a nota de fundamentalidade aos direitos sociais,
dentre eles a educação, a Constituição Federal de 1988 visou apenas um objetivo:
dirigir toda a atuação estatal, inclusive através das normas tributárias extrafiscais, para
tornar possível o seu exercício por todos aqueles que titularizam a posição jurídica
protegida, sendo essa a principal consequência da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais sociais.
90FOLLONI, André; PERON, Rita de Cássia Andrioli Bazila. Tributação extrafiscal e direitos
fundamentais: programa empresa cidadã e licença-maternidade. Revista Espaço Jurídico, v. 15, p. 399-420, 2014, p. 410.
41
3 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
O primeiro capítulo dedicou-se ao estudo de algumas características dos
direitos fundamentais sociais, conferindo, assim, as bases teóricas necessárias para a
análise específica de qualquer um dos direitos abarcados pelo regime jurídico dos
direitos fundamentais sociais, dentre eles, o direito à educação. As premissas teóricas
lá investigadas são comuns a todos os direitos fundamentais sociais e devem ser
levadas em conta pelo Estado para a sua adequada implementação.
Nesse segundo recorte, para aprofundar a análise específica do direito à
educação, será necessário voltar ao estudo da Constituição Federal de 1988. Embora
haja extensa regulamentação infraconstitucional sobre o referido direito, é o próprio
texto constitucional quem endereça os principais deveres ao Estado, indo muito além
da enunciação do direito à educação enquanto direito fundamental social (art. 6o).
3.1 OS PRINCÍPIOS E OS DESDOBRAMENTOS DO DIREITO FUNDAMENTAL
SOCIAL À EDUCAÇÃO
No capítulo anterior, afirmou-se que o primeiro passo rumo à concretização
de qualquer direito fundamental consiste em sua inserção no ordenamento jurídico. Na
evolução dos direitos fundamentais, costuma-se atribuir à Constituição de Weimar da
Alemanha de 1919 uma posição de destaque, pois ampliou o espectro protetivo
também para os direitos sociais, como a educação.
Aquela Constituição foi inovadora pelo conjunto de disposições sobre a
educação pública, principalmente por estabelecer a obrigação do Estado fornecer a
educação fundamental com duração de oito anos, a educação complementar até os
dezoito anos, além da gratuidade do material didático em ambos os níveis de ensino.91
Tratou-se, assim, de um importante marco jurídico para o avanço na proteção desse
direito.
Desde então, a educação já recebeu proteção jurídica em inúmeros
tratados,92 cartas de princípios e acordos internacionais que buscam estabelecer a
91COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 207. 92Sem pretensão de aprofundar a análise quanto a tutela internacional do direito à educação,
basta registrar que o direito à educação encontra-se salvaguardado pela Declaração Universal de Direitos Humanos em seu art. 26, pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em seu art. 13, pelo Protocolo Adicional à Convenção
42
pauta de direitos consagradores da dignidade da pessoa humana,93 que somente se
realiza quando os indivíduos têm acesso a bens indispensáveis, como a educação.
No Brasil, embora a educação já tivesse recebido disciplina jurídica nas
Constituições anteriores,94 nenhuma delas ocupou-se tanto do referido direito quanto a
atual, promulgada num contexto marcado, dentre tantos objetivos, pela busca da
democracia e por uma sociedade mais livre e menos desigual, o que não se atinge
sem o acesso à educação formal nos vários desdobramentos que decorrem da
proteção constitucional desse direito.
Por isso, o direito à educação foi incluído, juntamente com outros direitos,
no Capítulo II, da Constituição Federal, que trata, exclusivamente, dos direitos
fundamentais sociais (art. 6o), cujo regime jurídico é igual ao demais direitos
fundamentais, consoante já se viu no capítulo anterior. Além disso, o Capítulo III, Da
Ordem Social, trata exclusivamente do direito à educação, em seus artigos 205 a 214,
nos quais restaram delineados os contornos gerais que envolvem a aplicação do
mencionado direito.
Essas disposições, relativas ao direito à educação, constituem parâmetros
que devem nortear a atuação do legislador e do administrador público e, até mesmo,
oferecer determinados critérios ao Poder Judiciário quando invocado a julgar questões
que digam respeito à concretização do referido direito.95 Nesse caminho, pode-se citar
o art. 206, cujos incisos enunciam os princípios com base nos quais o ensino deverá
ser ministrado, tais como a igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber, a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, a garantia de
um padrão de qualidade, o atendimento aos portadores de deficiência, dentre outros.
Vale destacar, ainda, os incisos do art. 214, que estabelecem as diretrizes
que devem ser observadas pelo Estado quando institui ações relacionadas ao ensino,
tais como a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a
melhoria da qualidade do ensino, a promoção humanística, científica e tecnológica do
Americana sobre Direitos Humanos também no seu art. 13, além de outros diplomas internacionais.
93GARCIA, Emerson. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. Justitia, São Paulo, v. 64, n. 197, p. 89-119, jul./dez. 2007, p. 94.
94 Para um maior aprofundamento quanto à tutela jurídica do direito à educação nas Constituições brasileiras anteriores, recomenda-se a leitura de: VIEIRA, Sofia Lerche. A educação nas constituições brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 88, n. 219, p. 291-309, 2007.
95DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 691-713, 2007, p. 691.
43
país, dentre outros. Isso revela que o direito à educação exige o cumprimento de
determinadas pautas comuns de interesse geral, estabelecidas pelo texto
constitucional, que devem ser observadas pelo Estado.96
Nessa perspectiva, o art. 205 proclama que a educação é direito de todos
e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a
colaboração de toda sociedade, com vistas a atingir o pleno desenvolvimento da
pessoa, além do seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Além disso, tamanha é a importância desse direito que a Constituição
permitiu que também os agentes econômicos particulares sejam corresponsáveis pela
sua efetivação, nos termos do art. 209.
Criou-se, assim, um sistema ontologicamente híbrido, no qual devem
conviver a educação pública e a privada,97 o que, contudo, não afasta a obrigação
estatal de continuar investindo na ampliação da rede pública de ensino. Em razão
dessa sistemática, na qual convivem educação pública e privada, o Estado pode
lançar mão de políticas públicas como o Prouni, cujo objetivo é ampliar o acesso ao
ensino superior através da oferta de vagas em instituições privadas de ensino.
Apesar de o ensino ser livre à inciativa privada (art. 209 da CF), tal
circunstância não tem o condão de torná-lo uma atividade econômica qualquer, em
decorrência do caráter específico da educação como função pública. 98 Logo, as
diretrizes dadas pelo texto constitucional são oponíveis tanto ao sistema educacional
público quanto ao privado. Por isso, é que os incisos I e II do art. 209 estabelecem que
as instituições privadas de ensino devem observância às normas gerais da educação
nacional, além de estarem sujeitas a avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Além disso, analisando o texto constitucional, já considerando as
alterações inseridas pela Emenda Constitucional n. 59/2009,99 Ana Paula de Barcellos
96TAVARES, André Ramos. Direito fundamental à educação. SOUZA NETO, Cláudio Pereira
de. SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 5-6.
97GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 249.
98CEZNE, Andrea Nárriman. O direito à educação superior na Constituição Federal de 1988 como direito fundamental. Educação (UFSM), v. 31, n. 01, p. 115-132, 2006, p. 125.
99A Referida Emenda Constitucional acrescentou o §3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, deu nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e deu nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo do inciso VI.
44
afirma que o direito à educação se desdobra em oito direitos mais específicos, cujos
regimes jurídicos não são idênticos: (i) o direito das crianças de até 5 anos de idade
ao acesso ao ensino infantil em creche e pré-escola (art. 208, IV); (ii) o direito ao
ensino fundamental regular (art. 208, inc. I); (iii) o direito ao ensino fundamental
noturno, adequado ao atendimentos das necessidades daqueles que não tiveram
acesso na idade própria (art. 208, inc.I e VI); (iv) o direito à progressiva
universalização do ensino médio para educandos na idade própria, isto é, os
adolescentes (art. 208, inc. I, II e EC nº 59/2009, art. 6º); (v) o direito à progressiva
universalização do ensino médio para aqueles que não tiveram acesso na idade
própria (art. 208, inc. I, II, VI e EC nº 59/2009, art. 6º); (vi) o direito à programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde, que se estende aos alunos da educação básica como um todo, isto é, pré-
escola, ensino fundamental e médio (art. 208, inc. VII); (vii) o direito dos portadores de
deficiência ao acesso a atendimento educacional especializado (art. 208, III); (viii) o
direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, inc. V).100
Nesse passo, Nina Beatriz Stocco Ranieri afirma que o direito à educação
trata-se de “gênero do qual os demais direitos educacionais são ramificações”.101
Percebe-se, então, que a maior parte das posições jurídicas que decorre da sua
proteção constitucional, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais
sociais, tem sua concretização diretamente ligada à concessão de uma prestação
material por parte do Estado, o que implica a disponibilidade de recursos financeiros.
Por força dessa conjuntura, o constituinte, revelando sua preocupação com
a educação, estabeleceu patamares mínimos, resultantes da receita dos impostos,
que devem ser investidos pelos entes federativos para a manutenção e
desenvolvimento do ensino, conforme determinam os arts. 211 e 212 da Constituição
Federal.102 Com o mesmo escopo, no § 5º do art. 212, estabeleceu que a educação
básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do
salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
Esse formato de financiamento pressupõe as condições materiais
imprescindíveis para que a educação ofertada atinja certo padrão de qualidade, mas,
100 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o
princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 213-216. 101RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O direito à educação e o pleno exercício da cidadania.
ComCiência, n. 111, 2009. 102FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 304.
45
para tanto, o Estado precisa contar com os recursos mínimos decorrentes da
vinculação de receitas. Mais do que isso, essa vinculação também impede o
sucateamento dos sistemas públicos de ensino,103 pois o direcionamento de recursos
para a educação básica não ficará sujeito à discricionariedade do administrador
público ou ainda às questões de ordem política.
Por esse motivo, é que a inobservância dessa regra de dotação
orçamentária poderá dar azo à intervenção federal naqueles Estados que deixarem de
aplicar o mínimo exigido da receita resultante de impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino (art. 34, inc. VII, “e” da CF). Do mesmo modo, o não
oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular,
importará responsabilidade da autoridade competente (art. 208, § 2o da CF).104 Essas
previsões demonstram o alto nível de proteção conferido ao direito à educação pelo
ordenamento constitucional.
Fica evidenciado, portanto, que a Constituição Federal de 1988 significou
um importante marco para o direito à educação. Além de outorgar ampla proteção
jurídica, estabeleceu princípios e diretrizes que direcionam toda atuação estatal,
irradiando seus efeitos na produção legislativa infraconstitucional, na concepção de
políticas públicas educacionais (inclusive aquelas baseadas na extrafiscalidade dos
tributos), na atuação do Poder Executivo e, até mesmo, sobre o Poder Judiciário,
quando chamado a prestar tutela jurisdicional com relação ao direito à educação.
3.2 O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA
A educação básica é um direito de indiscutível relevância. Por isso, o
acesso a esse nível de ensino, com qualidade e para todos, foi lançado como um dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), com o apoio de 191 nações.105
Revela-se aí, novamente, a importância do direito à educação, enquanto meta a ser
alcançada por quase todos os países do mundo. No Brasil, não é diferente.
103 PINTO, José Marcelino de Rezende; ADRIÃO, Theresa. Noções gerais sobre o
financiamento da educação no Brasil. EccoS revista científica, v. 8, n. 1, p. 23-46, 2006. p. 41.
104Reforça, também, essa obrigação a redação do § 4º, do art. 5o da Lei 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, cujo teor é semelhante para declarar que comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
105ODM BRASIL. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. 2015. Disponível em: <http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio> Acesso em: 17 jul. 2015.
46
A Constituição Federal (art. 208, inc. I) determinou que o dever do Estado
com a educação será efetivado mediante “a garantia de educação básica obrigatória e
gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Dando
regulamentação a esse dispositivo, o art. 21, inc. I, da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei nº. 9.394/1996) preconizou que a educação básica compreende a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Segundo Nina Beatriz Stocco Ranieri, nessas parcelas, o direito à
educação é compulsório, pois não se pergunta às pessoas se desejam exercê-lo ou
não. 106 Como consequência disso, é obrigação do Estado atuar com vistas a
universalizar essas posições jurídicas relativas à educação básica. Por isso, nos
termos do art. 6o da Emenda Constitucional n. 59/2009, estabeleceu-se que a
educação básica deverá ser progressivamente implementada até 2016, nos termos do
Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União.
Desde a promulgação da Constituição, restou consignado, no § 1º do art.
208, que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo.
Segundo Luís Roberto Barroso, essa previsão não deve conduzir a uma interpretação
restritiva, pois todas as situações jurídicas constitucionais redutíveis ao esquema
direito individual - dever do Estado configuram direitos públicos subjetivos. No caso da
educação, Barroso destaca que isso “evita que a autoridade pública se furte ao dever
que lhe é imposto, atribuindo ao comando constitucional, indevidamente, caráter
programático e, pois, insusceptível de ensejar a exigibilidade de prestação positiva”.107
Dito de outra forma, apesar da feição subjetiva ser intrínseca a todos os
direitos fundamentais, no caso da educação básica, a norma constitucional,
expressamente, reforçou a obrigação estatal para permitir, sem margem para dúvidas,
que o titular do direito possa exigir o seu cumprimento. Nesse passo, o Supremo
Tribunal Federal já consolidou seu entendimento no sentido de que, em situações
excepcionais, o Poder Judiciário pode determinar ao Poder Executivo a
implementação de políticas públicas a fim de garantir o acesso à educação básica,
106RANIERI, Nina Beatriz Stocco. O direito à educação e o pleno exercício da cidadania.
ComCiência, n. 111, 2009. 107BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas:
limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2009, p. 111.
47
quando os órgãos competentes não observarem esse encargo, sem que isso implique
ofensa ao princípio da separação dos Poderes.108
Em outro caso analisado pela referida Corte, no qual se discutiu a
condenação do Munícipio de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino
infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis
legais, o Ministro Relator Celso de Mello fez importantes considerações que ajudam a
melhor compreender os desdobramentos jurídicos da proteção dada à educação
básica, como se pode depreender do trecho abaixo transcrito:
a cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.109
Com isso, não obstante a discussão quanto ao mínimo existencial esteja
reservada ao item 1 do quarto capítulo e à reserva do possível ao item 4 do presente
recorte, já se pode apontar que, ao menos com relação à educação básica, não há
escusa que legitime a omissão estatal com relação à educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio. Esse cenário demonstra que o ordenamento jurídico
108 No julgamento do Agravo Regimental n. 761.127, interposto pelo Estado do Amapá, contra
decisão monocrática que conheceu de agravo e negou seguimento ao Recurso Extraordinário interposto por aquele Estado, discutiu-se a obrigação do Estado do Amapá de oferecer condições estruturais e materiais mínimas do ambiente escolar para permitir o pleno desenvolvimento educacional das crianças e adolescentes em idade escolar na Comunidade Cojubim, no Município de Pracuúba/AM. No acórdão de relatoria do Ministro Luiz Roberto Barroso, negou-se provimento ao Agravo Regimental porque o aresto atacado pelo Estado do Amapá encontrava-se em consonância com o entendimento das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal, que permitem ao Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo que realize as providências necessárias para assegurar o exercício de direitos protegidos pela Constituição Federal, como a educação básica. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 761.127/AP. Relator Min. Roberto Barros, Primeira Turma, DJ. 18.08.2014.
109BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337/SP. Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ. 15.09.2011.
48
deu lugar de destaque à educação básica, definindo precisamente o conteúdo das
prestações que a compõem.
Não faria sentido que o Poder Público pudesse investir em níveis
superiores de ensino e não se pudesse exigir dele a oferta do ensino básico, cujo
fornecimento é obrigatório pela Constituição.110 Logo, cabe ao Poder Judiciário quando
chamado a prestar a tutela jurisdicional, na hipótese de omissão Estatal, determinar ao
Poder Público que realize as providências necessárias à efetivação das parcelas que
compõem educação básica.
Esse estabelecimento de parcelas mínimas torna mais fácil sua
justiciabilidade, já que a falta de delimitação do conteúdo dos direitos fundamentais
sociais pode dificultar a concessão da tutela jurisdicional.111Em outros termos, as
prestações estatais relativas à satisfação desse mínimo existencial, são sempre
exigíveis perante o Poder Judiciário, ainda que não haja regulamentação legislativa,
previsão orçamentária, disponibilidade e estrutura organizacional do Poder Público
para atendê-las.112
E, mesmo que determinado indivíduo não utilize os serviços públicos de
educação básica do Estado, porque pode pagar para tê-lo em instituições privadas,
essa circunstância não faz com que perca a titularidade do direito. Tanto é assim que,
o Estado tem o dever disciplinar a autorização e o funcionamento das instituições de
ensino particulares, bem como fiscalizar o cumprimento dos requisitos necessários a
assegurar o padrão de qualidade do ensino (art. 208, VII e 209, II da CF).113
Essa constatação confirma a natureza multifuncional dos direitos
fundamentais sociais, já vista no primeiro capítulo, no sentido de que esses direitos
encerram inúmeras posições jurídicas que impõem diferentes deveres ao Estado. Por
isso, ainda como desdobramento da feição subjetiva do direito à educação, torna-se
possível recorrer ao Poder Judiciário para exigir, por exemplo, que a Administração
Pública cumpra sua obrigação de fiscalizar se a oferta do ensino básico em
determinada instituição particular observa as diretrizes traçadas pela Constituição.
110 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o
princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, 309. 111 ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos
exigibles. 2. ed. Madrid: Trotta, 2004, p. 122. 112 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 153.
113HACHEM, ibid., p. 515.
49
Para efetivar o direito à educação básica, o Estado pode agir de diversas
formas, inclusive através das normas tributárias extrafiscais, aquelas cujo escopo
principal não é arrecadatório. Nesse sentido, pode-se citar o projeto de Lei nº
189/2013 de inciativa do Senador Blairo Maggi.114 A intenção legislativa é instituir o
Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (PRONIE), com o
objetivo de captar recursos privados, de pessoas físicas e jurídicas, para fomentar a
adoção de políticas públicas de ampliação dos investimentos e da melhoria da
qualidade da rede de ensino do país.115
Para alcançar essa finalidade, basicamente, o projeto de Lei permite que
pessoas físicas e jurídicas possam aplicar, a título de doação ou patrocínio, parcelas
do imposto de renda por elas devido em projetos educacionais de instituições, que
ofereçam de forma gratuita a educação básica. Em contrapartida, as pessoas físicas e
jurídicas que adotarem essa conduta poderão deduzir da base cálculo do imposto
devido os valores despendidos com doações e patrocínios a projetos educacionais,
nos termos previstos no referido projeto.116
Se aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto pode colaborar na
implementação do direito à educação básica, já que, via de regra, a possibilidade de
diminuir o valor da imposição fiscal estimula o contribuinte a adotar a conduta
pretendida pela norma que, por sua vez, visa realizar um objetivo maior do Estado,
isto é, fazer com que o contribuinte direcione mais recursos à educação básica. Assim,
manifesta-se a feição extrafiscal da tributação, que será melhor analisada no terceiro
capítulo do presente trabalho.
Com isso, percebe-se que a educação básica é prioridade para o Estado, o
que faz todo sentido, pois é o primeiro passo rumo à implementação dos demais
níveis de ensino e, como consequência, mudar a realidade de atraso educacional que
114O projeto de lei foi baseado no anteprojeto de lei elaborado pela Ordem dos Advogados do
Brasil do Estado de São Paulo. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. SECÇÃO SÃO PAULO. OAB SP entrega ao ministro da educação anteprojeto da lei Rouanet do ensino. 2009. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2009/03/09/oab-sp-entrega-ao-ministro-da-educacao-anteprojeto-da-lei-rouanet-do-ensino>. Acesso em: 25 out. 2015.
115BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de Lei do Senado nº 189, de 2013. Institui o Programa Nacional de Incentivo à Educação Escolar Básica Gratuita (PRONIE). Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=131246&tp=1>. Acesso em: 24 out. 2015.
116Art. 4o Atendendo aos critérios estabelecidos nesta Lei, as pessoas físicas ou jurídicas poderão aplicar parcelas do Imposto de Renda por elas devido, a título de doação ou patrocínio direto a projetos educacionais de instituições reconhecidas pelo órgão competente do sistema de ensino em que se enquadram, conforme o disposto na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que ofereçam de forma gratuita a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
50
o país ainda experimenta.117 O reconhecimento desse fato, contudo, não autoriza o
Estado a deixar de lado os demais níveis de ensino. A educação, em todos os
desdobramentos que decorrem da proteção constitucional, desempenha importante
papel para o desenvolvimento na perspectiva almejada pela atual Constituição.
3.3 O DIREITO À EDUCAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO
A educação e o desenvolvimento são temas imbricados. A Constituição
Federal de 1988, quando elevou a garantia do desenvolvimento nacional à categoria
de objetivo fundamental da República, impôs uma série de obrigações ao Estado que
não se limitam à busca pelo incremento do Produto Interno Bruto - PIB,118 vai muito
além disso para endereçar outros deveres ao Estado.
Emerson Gabardo sustenta que foi acertada a decisão do legislador
constitucional quando este se valeu da expressão “desenvolvimento nacional” ao invés
de utilizar a expressão “desenvolvimento econômico”, pois não existe desenvolvimento
apenas de caráter econômico.119 O desenvolvimento,120 na perspectiva constitucional,
exige um conjunto de fatores, dentre eles o avanço na implementação de direitos
fundamentais sociais, como a educação. Nessa linha aponta Luiz Carlos Bresser
117 Em 2012, segundo pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que efetua uma avaliação comparativa entre 65 países, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos de idade, o aluno brasileiro obteve, em média, 402 pontos em provas de leitura, matemática e ciências, menos que a média da OCDE de 497 pontos. Nesse sentido, ver: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Educação antecedentes. Disponível em: <http://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/quesitos/education-pt/>. Acesso em: 30 out. 2015.
118Segundo Celso Furtado, o desenvolvimento, do ponto de visa econômico, é basicamente o aumento do fluxo de renda real, que ocorre pelo incremento da quantidade de bens e serviços, por unidade de tempo, à disposição de determinada coletividade. Trata-se de um conceito relacionado a elementos quantificáveis. Explica, ainda, o autor que o desenvolvimento, na perspectiva econômica, é um processo acentuadamente desigual, pois propaga-se com maior ou menor facilidade em alguns lugares do que em outros. Isso porque o conjunto de recursos e fatores necessários a esse processo não é igual em todos os lugares. FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2009, p. 105, 111.
119GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 245.
120O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado para medir o progresso de uma nação, não considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento, mas leva em conta critérios também como saúde e educação. No caso da educação, o índice afere dados como a média de anos de educação dos adultos e a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. O que é o IDH. 2015. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH>. Acesso em: 20 out. 2015.
51
Pereira, cuja lição, a despeito de ter sido concebida antes da promulgação da atual
Constituição, dela não se distancia:
o desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e social, através da qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global, em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem contínuas e profundas transformações. Não tem sentido falar-se em desenvolvimento apenas econômico, apenas político, ou apenas social. Na verdade, não existe desenvolvimento dessa natureza, parcelado, setorializado, a não ser para fins de exposição didática. Se o desenvolvimento não trouxer consigo modificações de caráter social e político; se o desenvolvimento não for a um tempo o resultado e causa de transformações econômicas, será porque de fato não tivemos desenvolvimento.121
O desenvolvimento é um processo de longo prazo, que deve ser induzido
por políticas públicas ou programas de ação governamental em três setores
interligados: econômico, social e político. O elemento econômico se realiza com o
aumento na produção de bens e serviços. O elemento social manifesta-se pelo avanço
na igualdade de condições básicas à existência dos indivíduos, o que depende da
implementação de direitos de caráter econômico, social e cultural, como o direito ao
trabalho, o direito à educação em todos os níveis, o direito à saúde, dentre outros.
Finalmente, o elemento político implica a participação do povo na democracia,
assumindo seu papel de sujeito político, enquanto fonte legitimadora do poder e
destinatário do seu exercício.122
Indo mais além, Melina Girardi Fachin explica que os planos econômico-
social e político-democrático do desenvolvimento devem ser conjugados também com
a seara ambiental. 123 Na concepção de Carla Abrantkoski Rister, os direitos
fundamentais sociais não consistem em meios ou ferramentas para atingir o
desenvolvimento, mas no próprio desenvolvimento,124 posicionamento que confirma o
grau de importância desses direitos para atingir esse estado de coisas.
Para Daniel Wunder Hachem, o conceito de desenvolvimento deve ser
associado à noção de igualdade, que se concretiza quando o Estado atua visando
121PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento e crise no Brasil. 10. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1976, p. 21. 122COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 411-412. 123FACHIN, Melina Girardi. Direitos humanos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar,
2015, p. 227. 124RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e
consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 392, 402.
52
reduzir as distâncias entre as posições sociais para diminuir as desigualdades entres
os indivíduos, sendo este o elemento chave da ideia de desenvolvimento à luz da
atual Constituição.125 Portanto, se a atuação estatal for insuficiente para mitigar as
desigualdades sociais e econômicas entre os indivíduos pode até haver crescimento
econômico, mas não haverá desenvolvimento.
Com base nessas concepções, não se pode considerar desenvolvido um
país que, mesmo figurando entre as maiores economias do mundo,126 ainda seja
marcado pela péssima distribuição de renda e,127 além disso, por um baixo de grau de
efetividade dos direitos fundamentais sociais, que impede que todos tenham acesso a
direitos tão essenciais quanto à moradia, a saúde, a educação, dentre outros.
Por isso, o Estado, através do planejamento, deve figurar como o principal
condutor dos processos necessários ao desenvolvimento.128 Nessa linha, Emerson
Gabardo explica que o processo de desenvolvimento previsto na atual Constituição
possui caráter centralizado com competências próprias para o Estado e para cada um
dos entes, além de regulamentação específica que é direcionada à iniciativa
privada.129 Isto é, além de partícipe, o Estado coordena o processo que conduz ao
desenvolvimento.
A análise do direito à educação comprova essa constatação. A
Constituição estabelece as obrigações específicas de cada ente federativo no que diz
125HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés
econômico: reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 53, p. 133-168, jul./set. 2013, p. 150.
126Segundo dados do Banco Mundial, em 2014 o Produto Interno Bruto brasileiro atingiu o valor de US$2.346 trilhões, o que colocou o país naquele ano na posição de 7a maior economia do mundo. Informações disponíveis em: THE WORLD BANK. Brasil. Disponível em: <http://data.worldbank.org/country/brazil/portuguese>. Acesso em: 20 set. 2015; BRASIL é 7ª maior economia, e China deve passar EUA logo, diz Banco Mundial. UOL, 30 abr. 2014. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/30/ranking-do-banco-mundial-traz-brasil-como-a-7-maior-economia-do-mundo.htm>. Acesso em: 20 set. 2015.
127Segundo notícia divulgada pelo site da Globo, com base nos dados das declarações de imposto de renda divulgados pela Receita Federal do Brasil, no ano de 2013, apenas 71.440 brasileiros concentravam aproximadamente 22% das riquezas do país. Informações disponíveis em: ALVARENGA, Darlan. 71 mil brasileiros concentram 22% de toda riqueza. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/71-mil-brasileiros-concentram-22-de-toda-riqueza-veja-dados-da-receita.html>. Acesso em: 29 set. 2015; BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Grandes números IRPF anos 2007-2013. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/gn-irpf-ac-2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015.
128BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51.
129GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 246-247.
53
respeito à implementação do direito à educação. Ao fazê-lo, deixa a cargo
prioritariamente dos Estados e do Distrito Federal o ensino fundamental e médio (art.
211, § 3º), enquanto atribui aos Municípios o encargo de atuar principalmente na
educação infantil (art. 211, § 2º), o que vem confirmar a lição de Gabardo.
Na mesma linha, o art. 209, embora preceitue ser livre o ensino à iniciativa
privada, prescreve em seus incisos que as instituições devem observar o cumprimento
das normas gerais da educação nacional (art. 209, inc. I), além de estarem sujeitas a
avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, inc. II). Novamente, comprova-se
a tese de Gabardo, pois esses dispositivos nada mais fazem do que endereçar regras
aos agentes privados, que podem desenvolver as atividades de ensino, desde que
observem certos parâmetros legais.
Portanto, o Estado deve atuar no sentido de promover o acesso à
educação em todos os seus níveis, seja na rede pública ou mesmo na rede privada, o
que pode ser feito a partir da concessão de incentivos fiscais. Nesse passo, Oksandro
Osdival Gonçalves e Helena Gonçalves explicam que os tributos estão entre os
mecanismos capazes de promover o desenvolvimento, pois podem ser utilizados para
incentivar resultados nas mais variadas áreas, sejam eles econômicos, sociais,
políticos ou ambientais.130
O Estado pode criar um tratamento tributário diferenciado, que incentive a
adoção de condutas conformadoras dos direitos fundamentais sociais, como a
educação. No caso do Prouni, a isenção de tributos federais concedida em favor das
instituições de ensino superior funciona como um mecanismo que amplia o acesso ao
ensino superior e, ao fazê-lo, colabora com desenvolvimento nacional, pois realiza o
elemento social do desenvolvimento. Além disso, a educação estimula ainda o
desenvolvimento na perspectiva econômica.131
Segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos,
do biênio 2013/2014, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), somente com investimento em educação
130GONCALVES, Helena de Toledo Coelho; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Tributação,
concorrência e desenvolvimento econômico sustentável. In: GONÇALVES, Oksandro Osdival; FOLMANN, Melissa (Org.). Tributação, concorrência e desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 15-45, p. 42.
131 Segundo relatório divulgado em 2015 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o Produto Interno Bruto do Brasil pode crescer cerca de 750% até 2095 se nível o básico de educação for acessível a todos os jovens do país. PIB DO BRASIL PODERIA SER 7 VEZES MAIOR COM EDUCAÇÃO MELHOR. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-do-brasil-poderia-ser-7-vezes-maior-com-educacao-melhor >. Acesso em: 29 set.2015.
54
equitativa, isto é, garantindo-se que os mais pobres completem mais anos na escola,
os países podem alcançar o crescimento que elimina a pobreza. Destaca, ainda, o
relatório que o aumento de um ano na média educacional pela população de um país
aumenta o crescimento anual do seu PIB per capita de 2% para 2,5%. Segundo o
mesmo relatório, a educação ajuda a explicar as diferenças nas trajetórias de
crescimento regional. Nesse sentido, cita que, no ano de 1965, os adultos do Leste
Asiático e do Pacífico passavam 2,7 anos a mais na escola do que os da África
Subsaariana. Como consequência, nos 45 anos seguintes, a taxa média de
crescimento foi quatro vezes maior no Leste Asiático e no Pacífico do que na África
Subsaariana.132
Nesse contexto, o Brasil ainda é um típico exportador de produtos
primários,133 necessitando importar aqueles produtos cuja falta de tecnologia impede a
produção em território nacional. Para industrializar produtos de maior valor agregado
e, consequentemente, incrementar a produção de bens e serviços (elemento
econômico do desenvolvimento), é fundamental que o Estado adote medidas para
universalizar o acesso da população à educação, da educação básica aos mais
elevados níveis de ensino.
Por esse motivo, a pesquisa científica e tecnológica, que é um
desdobramento do direito à educação (art. 214, inc. V da CF), ocupa lugar de
destaque principalmente nos países desenvolvidos, nos quais se transformou em
sinônimo de competitividade. 134 Além disso, “a inovação tecnológica vem sendo
crescentemente invocada como estratégia para redimir empresas, regiões e nações
de suas crônicas aflições econômicas e para promover o seu desenvolvimento”,135 o
que somente é possível com investimento em educação.
Em outra perspectiva, a educação também é indispensável para que os
indivíduos consigam a capacitação educacional necessária para os melhores
132UNESCO. Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4. Paris:
Unesco, 2014, p. 23. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002256/225654por.pdf>. Acesso em: 8 nov.2015.
133É o que se pode verificar do resultado da balança comercial brasileira de fevereiro de 2015. Ver: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Balança comercial brasileira: fevereiro/2015. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1425329277.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
134SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 119.
135PLONSKI, Guilherme Ary. Bases para um movimento pela inovação tecnológica no Brasil. São Paulo em perspectiva, v. 19, n. 1, p. 25-33, 2005, p. 25.
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empregos, o que colabora na redução das desigualdades sociais e econômicas.136
Mais do que isso, a educação permite aos indivíduos um maior conhecimento dos
aspectos que envolvem o exercício da cidadania em um Estado Democrático de
Direito (elemento político do desenvolvimento), dentre eles, a importância do processo
eleitoral para a escolha de seus representantes.
Segundo Sérgio Cabral dos Reis, a concretização progressiva dos direitos
sociais, o que inclui a criação de políticas públicas educacionais, constitui pressuposto
indispensável para a consagração do conceito pós-moderno de democracia, o qual,
“superando a ideia de mera representatividade formal, pressupõe uma participação
consciente e com capacidade real de influência nas decisões políticas da
comunidade”.137
Portanto, somente haverá desenvolvimento, na concepção escolhida pela
atual Constituição Federal, quando o incremento econômico estiver acompanhado de
progresso social e político, que seja capaz de trazer consigo a redução das
desigualdades sociais e econômicas, o que exige uma distribuição mais equitativa da
renda e o acesso a bens como a educação.
3.4 O DIREITO À EDUCAÇÃO E A RESERVA DO POSSÍVEL
A concretização de qualquer direito fundamental, em sua dimensão
prestacional, implica a necessidade de recursos financeiros por parte do Estado.
Apesar de não ser esta uma exclusividade dos direitos fundamentais sociais, a maior
parte das posições jurídicas que decorrem da sua proteção constitucional depende da
concessão de prestações materiais por parte do Estado.
No caso do direito à educação não é diferente. Da educação básica ao
ensino universitário, o Estado brasileiro, mesmo sem atender a todos, precisa
direcionar grande quantidade de recursos à manutenção dos sistemas de ensino.138 E,
136 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior
completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2015.
137DOS REIS, Sérgio Cabral. Educação emancipatória, trabalho decente e desenvolvimento do Brasil no capitalismo parasitário neoliberal: para além do mínimo existencial na jurisdição constitucional democrática. Dat@ venia, v. 7, n. 10, p. 7-28, 2015, p. 9.
138Segundo dados do Ministério da Educação, na última década, o orçamento da educação cresceu 205,7% passando de R$ 33,3 bilhões em 2003 para R$ 101,86 bilhões em 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Orçamento da educação cresceu 205,7% em uma
56
se a vocação do Estado instituído pela nova ordem constitucional é superar o mínimo
existencial, 139 quanto mais se busca dar aos indivíduos, consequentemente, maior
será o gasto estatal.140
Por isso, o avanço na concretização de direitos como a educação encontra
obstáculos na capacidade orçamentária do Estado, o que torna inevitável a discussão
quanto à chamada reserva do possível.141 A reserva do possível surgiu na década de
70, quando a Corte Constitucional da Alemanha, discutia em um processo a
constitucionalidade das restrições ao direito de livre escolha da profissão, já que o
número de vagas nas universidades públicas de medicina era inferior à demanda
estudantil. Naquela ocasião, a decisão declarou que as pretensões individuais
estavam submetidas à reserva do possível, no sentido de que esses pleitos
formulados contra o Estado fossem analisados com a devida razoabilidade.142
Vale dizer, “aquilo que o indivíduo possa esperar razoavelmente da
sociedade”.143 Portanto, a reserva do possível condiciona a efetividade dos direitos
fundamentais sociais à capacidade financeira do Estado, que apesar de dispor dos
década. 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=19253>. Acesso em: 30 out. 2015.
139No caso da educação, já se disse acima que o legislador conferiu grande importância para a educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Segundo Ana Paula de Barcellos, estas são as parcelas que compõe o mínimo existencial no que tange ao direito fundamental social à educação, posição com a qual se concorda. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, 305-306.
140Embora a discussão quanto ao mínimo existencial esteja reservada para o item I do quarto capítulo, importa anotar, desde já, que a atuação estatal não deve estar limitada somente à garantia do mínimo existencial dos direitos fundamentais sociais. A atuação do Estado deve visar atingir a maximização dos direitos fundamentais sociais, no sentido de permitir aos titulares o pleno exercício das posições jurídicas que decorrem da proteção constitucional. É nesse sentido que apontam os seguintes autores: BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 118, 144; CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28; HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 370, 377, 381 e 385.
141Para um maior aprofundamento quanto ao surgimento da reserva do possível, recomenda-se a leitura de artigo escrito por Paulo Roberto Lyrio Pimental. Nele o autor explica de forma mais detalhada o processo judicial que deu origem a esse argumento na Corte Constitucional da Alemanha. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20.
142FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 141.
143LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 99.
57
recursos financeiros não está obrigado a prestar algo que extrapole os limites do
razoável.144A avaliação dessa disponibilidade financeira é uma obrigação afeta ao
Poder Legislativo, pois, sendo sua a competência para elaborar o orçamento público,
é ele quem deve decidir o que corresponde a uma razoável exigência no âmbito da
capacidade financeira do Estado.145
A reserva do possível, enquanto argumento de defesa do Estado em
demanda judiciais em face de si ajuizadas visando à satisfação de direitos sociais,
impõe que sejam levadas em conta as circunstâncias econômicas, sem deixar de
observar as escolhas feitas pelo Poder Legislativo. Em certos casos, essas escolhas
orçamentárias decorrem da própria tutela constitucional conferida ao direito.
Como já visto anteriormente, a Constituição conferiu posição privilegiada à
educação básica, pois reforçou sua dimensão subjetiva, estabeleceu competências
próprias aos entes federativos, criou um sistema de financiamento próprio, além de
estipular prazo até o ano de 2016 para que o seu acesso seja progressivamente
universalizado (art. 6o EC n. 59/2009). Nessa hipótese, quando o Estado é chamado a
conceder a prestação jurisdicional necessária a viabilizar o exercício de qualquer uma
das parcelas que compõe a educação básica, o argumento da reserva do possível não
é válido para afastar a obrigação estatal.146
Logo, a reserva do possível não pode assumir a forma de argumento para
ocultar, quando injustificada, a inoperância estatal na concessão das prestações
necessárias ao exercício de um direito fundamental. 147 Ainda que a reserva do
possível configure justo motivo para afastar a pretensão judicial de determinada
parcela do direito à educação que extrapole o mínimo existencial, tal argumento não
tem o condão de mitigar a extensão da proteção constitucional conferida ao direito.
O fato de um direito estar condicionado à existência de recursos
financeiros não destrói a qualidade jusfundamental da garantia em causa.148 Dizer que
um direito fundamental social não pode ser tutelado em determinado caso concreto 144SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo
existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 189.
145PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As normas constitucionais programáticas e a reserva do possível. Revista de Informação Legislativa, v. 49, n. 193, p. 7-20, p. 13.
146Conforme já dito acima, o Supremo Tribunal Federal entende que o Poder Judiciário pode determinar a implementação de políticas públicas com objetivo de garantir o acesso à educação básica, quando essa obrigação é inobservada pelos órgãos competentes.
147 PEREIRA, Ana Lucia Pretto. A reserva do possível na jurisdição constitucional brasileira: entre constitucionalismo e democracia. 2009. 287 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 3.
148NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 279.
58
pela via judicial não atenua a obrigação da Administração Pública de atuar com vistas
à sua efetivação. Reconhecer judicialmente que a demanda estudantil pelo curso de
medicina é superior à capacidade orçamentária do Estado de criar vagas, como fez a
Corte Constitucional da Alemanha, ou ainda que determinada parcela do direito à
educação escapa dos limites orçamentários previstos pelo Poder Legislativo, não
autoriza o Estado a deixar de lado o objetivo de atuar no sentido universalizar o
acesso àquelas posições jurídicas que extrapolam o conteúdo do mínimo existencial.
Por exigência de um constitucionalismo igualitário, torna-se imprescindível
o dever do Estado de buscar garantir a integralidade do conteúdo dos direitos
fundamentais sociais.149 A Constituição Federal, quando enunciou que a educação é
um direito de todos (art. 205), não fez outra coisa senão recorrer ao princípio da
igualdade. Mesmo que seja utópico cogitar que as prestações materiais devidas pelo
Estado com relação ao direito à educação possam ser distribuídas igualmente entre
todos os cidadãos, já que a reserva possível “não é algo artificialmente construído pela
doutrina, mas um condicionamento real”,150 tal circunstância não pode ser óbice para
que o Estado busque maximizar a satisfação das posições jurídicas que decorrem do
direito à educação, como o acesso ao ensino superior.
Em interessante posicionamento, Josué Mastrodi sustenta que, em países
como o Brasil, cuja economia é uma das maiores do mundo, a reserva do possível
nada mais é do que pretexto para justificar a negativa de intervenção estatal em
prioridades sociais, tratando-se de verdadeira reserva de injustiça.151 Todavia, não se
pode concordar integralmente com esse raciocínio.
Em certas hipóteses, a reserva do possível pode funcionar como
argumento válido para negar a prestação jurisdicional,152 a exemplo das demandas
149 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 87.
150NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 278.
151MASTRODI, Josué. Direitos sociais fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 103-104.
152Muitas vezes, o Poder Judiciário não leva em conta os efeitos econômico-financeiros de suas decisões e termina por baseá-las unicamente na compreensão da Constituição Federal e dos direitos fundamentais, como ocorre com as decisões judiciais que condenam o Poder Público ao fornecimento de prescrições médicas que não estão arroladas nos protocolos de fornecimento de medicamentos gratuitos ou cuja eficácia ainda precisa ser comprovada. Em razão disso, impõe-se custos excessivos ao Estado, o que impede que os recursos escassos sejam alocados de forma mais eficiente, isto é, em políticas públicas que visem atender os interesses coletivos. Nessas hipóteses, a atuação do Poder Judiciário termina por adentrar na competência dos demais Poderes, interferindo no orçamento estatal. Nesse
59
cujos pleitos dizem respeito a tratamentos de saúde de alto custo no exterior, muitas
vezes de eficácia não comprovada, e que não podem ser estendidos a todos os
indivíduos, terminado por prejudicar a alocação de recursos para atendimento das
necessidades coletivas.153
Todavia, do entendimento de Mastrodi extrai-se a lição de que a reserva
do possível não pode ser utilizada de forma indiscriminada para negar efetividade aos
direitos fundamentais sociais, como a educação. Entretanto, se a reserva do possível
é um tema imbricado com a capacidade orçamentária estatal, esse argumento parece
perder força na medida em que aumenta a disponibilidade financeira do Estado.
Se, por um lado, o desenvolvimento não está circunscrito somente ao
incremento em números absolutos do PIB, por outro, para que o Estado possa
avançar na concretização de direitos como a educação e aplicar os recursos públicos
de forma mais justa, é imprescindível que haja incremento econômico. Isso porque, via
de regra, é da tributação das relações econômicas privadas que o Estado retira os
recursos necessários para financiar a efetivação dos direitos fundamentais sociais.
Quanto mais cresce a atividade econômica, possivelmente maior será o
volume de tributos arrecadados e, consequentemente, maior será a quantidade de
sentido, explicam: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; HUNGARO, Luis Alberto. Ativismo do Poder Judiciário na Concessão de Medicamentos x Concretização das Políticas Públicas Constitucionais. Revista Direito, Estado e Sociedade, n. 45, p. 98-118, 2015.
153 Em abril 2008, o Supremo Tribunal Federal deu início ao julgamento do Recurso Extraordinário 368.564/DF interposto pela União. No caso, um grupo de portadores de uma rara doença ocular chamada retinose pigmetar, que causa perda progressiva da visão, havia impetrado mandado de segurança para ver assegurado o direito ao tratamento da enfermidade oftalmológica em Cuba. Na primeira sessão de julgamento, o Ministro Relator Carlos Alberto Menezes Direito destacou que o pedido de tratamento em Cuba não poderia ser deferido, votando no sentido de dar provimento ao Recurso Extraordinário da União, ao argumento de que, segundo laudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO, a doença não teria cura no Brasil e tampouco no exterior, motivo pelo qual a viagem dos portadores da doença para Cuba seria inócua causando prejuízos ao erário. No entanto, o julgamento foi adiado por indicação do Ministro Marco Aurélio Mello, que pediu vista do processo. Posteriormente, em 2011, quando do julgamento do final do recurso, a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário da União para assegurar o tratamento da doença oftalmológica em Cuba, ao argumento de que o direito à saúde é fundamental e um dever do Estado, sendo função da Suprema Corte tutelar a dignidade da pessoa humana. Entretanto, a partir da lógica protetiva da Constituição Federal que visa estender a todos o acesso aos direitos fundamentais sociais, fazem mais sentido as teses levantadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que juntamente com o Ministro Relator foram votos vencidos. Lewandowski argumentou que o Judiciário não pode definir de maneira pontual e individualizada como a Administração Pública deve distribuir os recursos públicos destinados à saúde. Explicou, ainda, que conferir a alguns indivíduos direitos que deveriam ser comtemplados de forma universal fere o princípio da isonomia, na medida em que estabelece que o tratamento da referida doença oftalmológica no exterior deve ter prioridade em relação a outras enfermidades que acometem os cidadãos. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 368.564/DF, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Primeira Turma, DJ 10.08.2011.
60
recursos disponíveis ao Estado para levar a efeito seus objetivos. Por isso, se a
reserva do possível não pode servir como escusa para o Estado furtar-se aos seus
objetivos constitucionais, do mesmo modo, o Estado deve implementar medidas para
tornar a economia mais dinâmica, criando as condições necessárias para que haja
crescimento econômico na mesma medida em que deve evoluir a concretização dos
direitos fundamentais sociais.
A propósito, por força da EC n. 59/2009, incluiu-se o inc. VI ao art. 214,
para determinar que a meta de aplicação de recursos públicos em educação seja
estabelecida em proporção do Produto Interno Bruto. Ora, se o investimento em
educação fica atrelado ao PIB, quanto maior for o crescimento da economia,
consequentemente, maior será o direcionamento de recursos às atividades de
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis.
Diante disso, apesar da reserva do possível não excluir os direitos sociais
do regime jurídico dos direitos fundamentais,154 não se pode negar que há um limite
orçamentário decorrente da natural escassez de recursos financeiros para o
atendimento de todos. Tal cenário, muitas vezes, pode ser agravado pela dificuldade
de crescimento econômico do Estado, sobretudo em períodos de crise.155
Ocorre que, se, mesmo ante essas circunstâncias, a Constituição
pretendeu dar mais do que apenas a educação básica, é preciso que o Estado
administre de forma racional os recursos públicos adotando medidas que resultem na
máxima efetivação das parcelas do direito à educação ao menor custo possível e de
modo a atingir a maior quantidade possível dos seus titulares.
Para alcançar esse objetivo, a tributação tem grande importância. Não
somente porque é fonte de recursos do Estado, mas também porque pode funcionar
como instrumento capaz de estimular os agentes econômicos a realizarem condutas
que resultem na concretização desse direito a um custo menor para o Estado.156 As
154 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 138.
155Em razão da crise econômica experimentada pelo Brasil no ano de 2015, o Governo Federal anunciou corte do orçamento destinado à educação de cerca de R$ 9 bilhões de reais. FOREQUE, Flávia; CRUZ, Valdo. Prioridade de Dilma, educação deve ter corte de R$ 9 bilhões. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 maio 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1632333-prioridade-de-dilma-educacao-deve-responder-por-13-do-corte-de-r-70-bi.shtml>. Acesso em: 2 nov. 2015.
156Em artigo publicado em coautoria com Oksandro Osdival Gonçalves, a análise preliminar de dados da renúncia fiscal do Prouni referentes aos anos de 2011 e 2012 indicou que é mais barato ao Estado ampliar o acesso ao ensino superior na rede privada de ensino do que na rede pública. Esse estudo será aprofundado no quarto capítulo do presente trabalho. KALIL,
61
políticas públicas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, não
podem ignorar o fato de que os recursos financeiros do Estado são escassos e, por
isso, devem ser adequadamente empregados no sentido de buscar o atendimento
coletivo e igualitário dos cidadãos.
3.5 A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO PELA VIA ADMINISTRATIVA
A implementação dos direitos fundamentais sociais como a educação
depende de um conjunto de medidas por parte do Estado, aí entendidas as ações dos
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Como se sabe, esses poderes têm
atribuições que lhes são típicas e outras que, embora sejam atípicas, também podem
ser desempenhadas em determinadas hipóteses.
Essa divisão das esferas do poder estatal é essencial à manutenção do
Estado Democrático de Direito cujo funcionamento é incompatível com a concentração
de poder. Para isso, é preciso impedir que apenas um Poder titularize as funções de
legislar, aplicar a lei e julgar. A Constituição Federal expressamente estabeleceu que
são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo
e o Judiciário (art. 2o), vedando, ainda, a elaboração de Emenda Constitucional com
vistas à abolição dessa divisão (art. 60, § 4º, inc. III).
Segundo Felipe de Melo Fonte, a separação dos poderes é uma técnica a
serviço de três propósitos: (i) resguardar a democracia; (ii) proteger os direitos
fundamentais; e (iii) permitir a racionalização no exercício das funções públicas. Com
relação a este último, aponta, também, que o princípio da separação dos poderes
preconiza a especialização funcional das atividades estatais, com o objetivo de
prevalecer a competência técnica. Assim, o escopo dessa separação reside em
atender ao imperativo de racionalização das atividades públicas, função extremamente
relevante em um cenário de ampliação das tarefas do Estado e escassez de recursos
para concretizá-las.157
No caso da educação, pode-se dizer que o Poder Legislativo é o
responsável por conferir proteção jurídica ao direito, regulamentar sua aplicação e,
além disso, estabelecer políticas públicas educacionais. Por sua vez, ao Poder
Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698.
157FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 169.
62
Executivo incumbe a tarefa de aplicar a lei e executar as políticas públicas, por
exemplo, universalizando o acesso da população mais pobre ao ensino superior. Ao
Poder Judiciário cabe agir quando chamado a prestar a tutela jurisdicional, naquelas
situações em que se omite o Poder Executivo, ou, até mesmo, na ausência de
regulamentação por parte do Poder Legislativo, hipótese em que se abre a via do
mandado de injunção (art. 5o, inc. LXXI da CF).
Embora a atuação de todos os Poderes deva ter em mira a realização dos
direitos fundamentais sociais, como a educação, a inversão desses papéis pode
dificultar o atendimento de forma coletiva da população. Nesse sentido, explica Luís
Roberto Barroso que o excesso de judicialização das decisões políticas conduz a não
realização prática da Constituição Federal, tratando-se da concessão de privilégios a
alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que depende,
sobretudo, das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.158
A prestação dos serviços públicos deverá ser assegurada a todos,
mediante um caráter genérico e universal. 159 Quando se trata dos direitos
fundamentais, o termo universal significa a possibilidade jurídica de qualquer cidadão
exercer o direito, desde que se encontre na situação descrita pela previsão
normativa.160 No caso do direito à educação, é bom lembrar que a Constituição, no art.
206, inc. I, quando enuncia os princípios com base nos quais o ensino será ministrado,
expressamente, prevê a igualdade de condições para o acesso e a permanência na
escola, sem excluir aqueles que não podem acessar o Poder Judiciário para reclamar
o atendimento do seu direito.
Não obstante o Estado tenha o dever de prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5o, inc. LXXIV
da CF), segundo pesquisa realizada em 2013 pela Associação Nacional dos
Defensores Públicos (ANADEP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
158BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 875-904, p. 876.
159 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Regime jurídico do serviço público: garantia fundamental do cidadão e proibição de retrocesso social. 2009. 224 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 176.
160NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 49.
63
(IPEA), ainda faltam defensores públicos em 72% das comarcas brasileiras.161 Logo, o
Poder Judiciário não é acessível para todos, sobretudo porque grande parte da
população não tem acesso à Defensoria Pública.
Em regra, quem reclama o cumprimento judicial de um direito é aquela
parcela da população economicamente mais favorecida, que pode contratar um
advogado particular e que, além disso, conta com grau de instrução suficiente para ter
conhecimento da possibilidade de exigir judicialmente a satisfação do seu direito.
Aliás, via de regra, aqueles que reúnem essas duas condições tiveram acesso à
educação formal.
A Administração Pública possui melhores condições para implementar os
direitos através da alocação racionalizada e planejada dos escassos recursos públicos
em ações que visem o atendimento universal e igualitário da população.162 Não se
pode atribuir ao Poder Judiciário essa escolha, porque sendo outro o seu encargo
técnico, não está preparado para gerenciar os recursos públicos escassos, cujo
destino correto é o atendimento das necessidades coletivas e não somente das
pretensões individuais veiculadas em demandas judiciais.163
Assim, a decisão judicial que concede o direito de forma individualizada
ultrapassa a relação cidadão-Estado para projetar efeitos sobre os outros membros da
coletividade, cujas necessidades poderão deixar de ser atendidas pelo Estado em
razão da escolha alocativa determinada judicialmente somente para aqueles que
ajuizaram a demanda.164 Isto é, se os recursos são escassos, o cumprimento de
condenações para atender a pretensões individuais pode trazer como consequência a
diminuição de recursos destinados às ações estatais que visem atender a todos, o que
não parece ser a intenção da ordem constitucional.
161INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. ANADEP e Ipea lançam Mapa da
Defensoria Pública no Brasil. 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acesso em: 19 jul. 2015.
162HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jun. 2013, p. 352.
163O caso do direito à saúde ilustra bem essa circunstância. Segundo estudo elaborado pela Advocacia Geral da União, somente no ano de 2012, para cumprimento das decisões judiciais proferidas em 18 demandas, que condenaram o Estado a fornecer medicamentos de alto custo, a União Federal necessitou desembolsar a quantia R$ 278.904.639,71, montante que beneficiou apenas 523 pacientes. Isso revela um grave desequilíbrio na distribuição dos recursos destinados à saúde, quando o atendimento ocorre pela via judicial. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Intervenção judicial na saúde pública. Disponível em: <http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/29/Panorama-da-judicializa----o---2012---modificado-em-junho-de-2013.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2015.
164WANG, Daniel Wei Liang. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Direito Sanitário, v. 10, n. 1, p. 308-318, 2009, p. 309.
64
Essas decisões judiciais isoladas lançam sobres os demais titulares dos
direitos fundamentais sociais custos de transação que não estavam previstos, 165
fazendo com que estes últimos suportem o prejuízo econômico decorrente das
decisões judiciais cumpridas individualmente pelo Estado. Esses custos de transação
são “aqueles custos em que se incorre, que de alguma forma oneram a operação,
mesmo quando não representados por dispêndios financeiros feitos pelos agentes,
mas que decorrem do conjunto de medidas tomadas para realizar uma transação”.166
Contudo, o direito pode desempenhar um papel relevante na redução
desses custos de transação. Para isso, deve funcionar como mecanismo social de
implementação de decisões políticas via políticas públicas tendentes a superar o
problema da ação coletiva no fornecimento bens públicos pela convergência de
interesses. 167 Significa dizer que, mais do que resguardar o direito à educação
daqueles que o reclamam na via judicial, deve o Estado implementar políticas públicas
para garantir o exercício dos direitos fundamentais de forma coletiva.
Nesse passo, Daniel Wunder Hachem defende que a Constituição Federal
reconhece ao cidadão o direito fundamental à tutela administrativa efetiva. Como
decorrência desse direito, torna-se incumbência da Administração Pública criar as
condições materiais e jurídicas para possibilitar o exercício dos direitos sociais em sua
integralidade, além de atender de forma igualitária a todos. Para isso, é necessário
adotar, de ofício, medidas aptas a universalizar as prestações que são concedidas
165Rafael Augusto Ferreira Zanatta explica que o conceito de custos de transação foi criado por
Ronald Coase para identificar quais fatores determinavam os tipos de transação e contratos que as partes celebravam, bem como qual o papel das leis e das instituições no desenvolvimento do mercado. Explica, ainda, que existem custos de transação gerados pelo direito. Portanto, para evitar altos custos de transação entre os agentes econômicos, o Estado deve facilitar tais transações com o objetivo de maximizar a riqueza. Para um maior aprofundamento sobre o conceito de custos de transação, recomenda-se a leitura do artigo “Desmistificando a Law & Economics: a receptividade da disciplina Direito e Economia no Brasil”, bem como do artigo “O problema do custo social” escrito por Ronald Coase, no qual o autor expõe o conceito sobre custos de transação. Nesse sentido ver: ZANATTA, Rafael Augusto Ferreira. Desmistificando a Law & Economics: a receptividade da disciplina Direito e Economia no Brasil. Revista dos Estudantes de Direito da UnB, n. 10, p. 25-53, 2012; e COASE, Ronald. O problema do custo social. Trad. Francisco Kummel e Renato Caovilla. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies, v. 3, n. 1, art. 9, 2008. Disponível em: <http://services.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1035&context=lacjls>. Acesso em: 15 dez. 2015.
166SZTAJN, Rachel. Law and economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74-83, p. 83.
167GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. A tragédia do judiciário: subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização do Judiciário. 2012. 146 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade de Brasília, Brasília, 2012, p. 11-12.
65
individualmente, sejam elas decorrentes de requerimento administrativo ou de
condenações judiciais. 168
Dessa forma, as normas instituidoras de direitos fundamentais sociais
tornam-se mais eficientes, pois a eficiência pode ser entendida como aptidão para
“obter ou visar o melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira mais
produtiva, pois a perda de recursos/esforços representa custo social”. 169 Logo,
implementar direitos sem que seja necessária a provocação judicial produz resultados
melhores, porque a ação estatal visa atender coletivamente a população.
Voltando à lição de Hachem, explica o autor que a ideia-chave do direito à
tutela administrativa efetiva reside no dever imposto à Administração Pública de
realizar de forma espontânea e, em sua máxima medida, toda a potencialidade dos
direitos fundamentais. O direito à tutela judicial é apenas a última ratio, a que os
indivíduos devem recorrer em hipóteses excepcionais, isto é, quando o direito à tutela
administrativa tiver sido inobservado.170
No mesmo sentido, aponta Clarice Seixas Duarte, para quem a
participação de todos nos bens da coletividade constitui um dos fundamentos do
Estado. Somente quando essa participação for negada, deve-se buscar a proteção
jurídica para corrigir esta situação indesejada.171 No julgamento do já citado Agravo
em Recurso Extraordinário 639.337/SP, no qual se discutiu a condenação do
Município de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas
de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, o Ministro
Relator Celso de Mello consignou importante advertência sobre a omissão estatal no
que diz respeito às suas obrigações constitucionais:
a inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à
168 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 9, 483.
169SZTAJN, Rachel. Law and economics. In: ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74-83, p. 81.
170HACHEM, ibid., p. 8. 171DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo em
Perspectiva, v. 18, n. 2, p. 113-118, 2004, p. 116.
66
conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. 172
No referido julgado, concluiu-se, ainda, que reside, primariamente, nos
Poderes Legislativo e Executivo a prerrogativa de formular políticas públicas para a
efetivação do direito à educação. Todavia, ao deixar de fazê-lo, o Estado transgride a
Constituição, o que autoriza a intervenção do Poder Judiciário para neutralizar os
efeitos provocados pela omissão estatal, motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal
manteve a sentença condenatória proferida contra o Município de São Paulo.
Embora o caso julgado pelo STF diga respeito à parcela da educação
básica (ensino infantil), a premissa parece se estender aos demais direitos
fundamentais sociais e, claro, aos demais níveis de ensino que receberam tutela
constitucional, como o acesso ao ensino superior. Tornar possível o exercício do
direito à educação somente para aqueles que podem acessar o Poder Judiciário
aprofunda ainda mais a desigualdade, pois exclui todos os indivíduos que não reúnem
as condições necessárias para bater às portas da Justiça.
Portanto, com lastro na ideia de igualdade e desenvolvimento contemplada
pela Constituição Federal, é obrigação do Estado instituir uma Administração Pública
inclusiva, que proporcione, de ofício, para todos a realização integral dos direitos
fundamentais sociais.173 A propósito, essa é uma exigência que decorre da dimensão
objetiva do direito fundamental social à educação que espalha o conteúdo axiológico
desse direito por todo o ordenamento jurídico, como já visto no primeiro capítulo.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, por força da aplicabilidade imediata dos
direitos fundamentais (art. 5o, § 1º, da CF), os órgãos estatais encontram-se na
obrigação de tudo fazer no sentido de realizá-los, isto é, devem resguardar o interesse
público, agindo como guardiões e gestores da coletividade.174 Essa força jurídica dos
direitos fundamentais sociais, que impõe ao Estado o dever de implementá-los
espontaneamente, reclama que a tributação extrafiscal também seja utilizada como
instrumento para a concepção de políticas públicas no caso do direito à educação.
172 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 639.337/SP, Relator: Min. Celso de Mello,
Segunda Turma, DJ. 15.09.2011. 173 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 65.
174SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 375, 378.
67
Oksandro Osdival Gonçalves e Marcelo Miranda Ribeiro explicam que as
normas tributárias impactam fortemente os custos de transação, pois aumentam a
complexidade do ambiente de negócios e, consequentemente, alteram a perspectiva
da tomada de decisões.175 Assim, se a extrafiscalidade for utilizada no sentido de
mitigar ou até mesmo excluir a incidência de um tributo, terminará por reduzir os
custos de transação e, como consequência, induzirá o contribuinte a praticar uma
determinada conduta, que resultará na implementação de determinado direito pela via
administrativa.
É o que se verifica com o Prouni. Nesse caso, o Estado, para estimular a
concessão de bolsas de estudo aos estudantes menos favorecidos economicamente,
oferta para as instituições de ensino superior privadas a isenção de tributos federais,
diminuindo parcela dos custos de transação desses agentes privados. Percebe-se aí a
utilização da tributação para promover o acesso ao ensino superior, sem a
necessidade de provocação judicial, o que será aprofundado no quarto capítulo.
175 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos Fiscais: uma
perspectiva da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 85-86.
68
4 A EXTRAFISCALIDADE COMO MECANISMO PARA EFETIVAR O DIREITO À
EDUCAÇÃO
No capítulo anterior, analisaram-se mais a fundo alguns aspectos do direito
fundamental social à educação, chegando-se à conclusão de que o Estado deve
direcionar esforços, sobretudo na via administrativa, isto é, sem que haja provocação
judicial, para possibilitar a todos o exercício do direito à educação. Conforme se verá,
dentre os mecanismos para fazê-lo, o Estado pode lançar mão das normas tributárias.
O estudo do Direito Tributário, comumente associado àquelas normas que
se ocupam de instituir e arrecadar tributos, deve ser feito sob novos enfoques. Mesmo
sob a égide de um Estado Fiscal, cuja principal fonte de financiamento reside na
tributação das relações econômicas privadas, os tributos podem ir além da
arrecadação de recursos para funcionar como instrumentos capazes de promover os
direitos caros à ordem constitucional, como o direito à educação.
4.1 A FUNÇÃO PROMOCIONAL DA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL
Em uma perspectiva tradicional, o Direito é concebido como um conjunto
de normas instituidoras de direitos e deveres, estes últimos entendidos como normas
que prescrevem determinados comportamentos, que, se violados, trazem como
consequência imediata a aplicação de uma sanção. A partir disso, a análise do
fenômeno jurídico fica concentrada principalmente na coatividade do ordenamento
jurídico e na própria estrutura das normas jurídicas.
Essa forma de enxergar o Direito encontra raízes na teoria pura do direito
de Hans Kelsen. Sem pretensão de aprofundar a análise da mencionada teoria, pois
não é este o objetivo do presente capítulo, pode-se apontar, com base em Norberto
Bobbio, que o significado histórico da obra kelseniana reside na análise estrutural do
direito como ordenamento normativo específico, cuja finalidade consiste no modo pelo
qual as normas estão unidas umas às outras e não nos conteúdos normativos por elas
veiculados,176 isto, é importa mais o aspecto estrutural do que o funcional das normas
jurídicas.
O Direito Tributário padece do mesmo problema. Muitas vezes, estuda-se
apenas o aspecto estrutural das normas que instituem e arrecadam tributos,
176BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:
Manole, 2007, p. 205.
69
concebidas com objetivo de que o contribuinte não deixe de destinar aos cofres
públicos parcela do seu patrimônio e renda. Ignora-se, com frequência, que as normas
tributárias escapam à mera vigência do ordenamento jurídico para produzirem efeitos
concretos. Em interessante diagnóstico sobre a ciência do Direito Tributário, André
Folloni explica que:
o imperativo reducionista prescreveu a redução do Direito Tributário a norma positiva, uma proposição sobrejacente a uma estrutura proposicional sempre idêntica, em qualquer espaço-tempo. (...) Essa forma de proceder enraíza-se no pensamento científico simplificador. (...) O resultado desse esforço simplificador foi a incompreensão do todo no qual o Direito Tributário está imerso e das permanentes alterações de sentido que as interações entre o sistema e seu meio provocam. Não se conhece o sentido e o significado das múltiplas manifestações do Direito Tributário na vida econômico-sócio-ambiental, em outputs, e desse entorno nas normas tributárias, como inputs. Não se sabe nada para além da norma posta. Fica inviabilizado o conhecimento daquilo que, de fora, condiciona o Direito Tributário e, tampouco, dos condicionamentos que o Direito Tributário devolve a seu entorno, e das significações que apenas emergem nessas interações.177
Percebe-se que, além da perspectiva estrutural e arrecadatória, as normas
tributárias produzem impactos na realidade na qual estão inseridas. Elas podem
influenciar os agentes econômicos a praticarem, ou até mesmo, se absterem de certas
condutas, de acordo com os interesses do Estado. A essa feição dos tributos costuma-
se atribuir o nome de extrafiscalidade, cujos contornos conceituais serão melhor
explorados ainda neste capítulo.
Marco Aurélio Greco explica que a Constituição Federal de 1988 inaugurou
um Estado para servir, que se concretiza quando a atuação estatal se direciona no
atendimento dos objetivos constitucionais. O Estado não está originariamente
investido de poder, ao contrário, a ele originariamente é atribuída uma função que se
qualifica como a busca de objetivos no interesse de outrem (a sociedade civil).178 Por
isso, as normas tributárias não encerram um fim e si mesmas, isto é, não existem
apenas para arrecadar. Aí ganha importância a análise do fenômeno jurídico pelo viés
promocional.
177 FOLLONI, André. Reflexões sobre complexity science no direito tributário. In: MACEI,
Demetrius Nichele et al. (Org.). Direito tributário e filosofia. 1. ed. Curitiba: Instituto Memória, 2014, p. 24-25.
178GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto. Princípios e limites da tributação: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 175.
70
Noberto Bobbio explica que o incentivo e o prêmio são as duas formas
pelas quais se manifesta a função promocional do direito. O primeiro é um expediente
para obter uma boa ação. O segundo é uma resposta positiva para aqueles que
tenham praticado uma conduta desejada pelo Estado. Segundo o autor, muitas vezes,
é difícil distinguir um prêmio de um incentivo, no entanto, somente os prêmios se
inserem na categoria de sanções positivas, já que o contrário de prêmio é a pena
(caso típico de sanção negativa). Contudo, isso não significa que o desincentivo, face
contrária do incentivo, possa ser inserido no conceito de sanção negativa.179
A natureza promocional do direito tributário manifesta-se pela criação de
situações em que o contribuinte será premiado ou penalizado, apenas
economicamente, pela prática de determinada conduta.180 A tributação extrafiscal é
prova disso. A Lei n. 9.250/1995,181 que regulamenta o imposto de renda das pessoas
físicas, permite, em seu art. 8º, inc. II, “b”, que os valores gastos com educação sejam
deduzidos da base de cálculo do imposto devido, mecanismo que, além de estimular o
contribuinte a direcionar recursos para educação, também funciona como uma espécie
de prêmio para aqueles que praticam a conduta desejável pelo Estado.
Em outro exemplo, confirma-se novamente a explicação de Bobbio. O
aumento da carga tributária em produtos nocivos à saúde, como bebidas alcoólicas e
cigarro, pode ser feito com objetivo de desestimular o consumo desses produtos.
Beber e fumar são condutas socialmente indesejáveis pelo Estado, porém, lícitas.
Logo, se um indivíduo escolhe fazê-lo, não sofrerá qualquer penalidade, apenas
pagará mais caro por esses produtos, já que essa norma não tem natureza punitiva.
Isso porque, “o desincentivo refere-se a atos lícitos, na medida em que o ilícito não
pode ser coibido pela via tributária”.182
Explica-se. A tributação extrafiscal realiza a intervenção indireta do Estado
no domínio econômico, com base no art. 174 da Constituição Federal, que permite ao
Estado exercer o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, para 179BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:
Manole, 2007, p. 71-73. 180ADAMY, Pedro Guilherme Augustin. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA,
Humberto (Org.). Fundamentos do direito tributário. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 301-330, p. 303.
181Paulo de Barros Carvalho explica que a legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico. Isto é, na composição de sua base de cálculo, seja entre as deduções ou entre abatimentos da renda bruta, inserem-se medidas que caracterizam com nitidez a extrafiscalidade, com a possibilidade de abater despesas com educação e saúde. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 287.
182LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 44.
71
desempenhar funções de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade
econômica. Ao atuar dessa forma, o Estado condiciona, externamente, a atividade
econômica privada sem assumir a posição de agente econômico.183
Essa modalidade de intervenção pode ocorrer de duas formas, por direção
ou por indução. Ocorrerá a intervenção por direção quando o Estado exercer pressão
sobre a atividade econômica, criando normas de natureza cogente que devem ser
observadas pelos sujeitos da atividade econômica,184 sob pena de sanção. No caso da
indução, o Estado atua por meio de normas dispositivas para estimular determinada
atividade econômica em detrimento de outra, através da concessão de incentivos aos
agentes,185 aí se inserem as normas tributárias extrafiscais.
Portanto, no caso da extrafiscalidade, é lícito aos agentes econômicos
aderir ou não à conduta pretendida pelo Estado, de acordo com uma ponderação de
interesses e valores.186 Ao contrário do sistema tributação fiscal (isto é, arrecadatória),
no qual a inadimplência das obrigações gera consequências negativas (como multa e
outros encargos). Isso demonstra que o desincentivo não funciona como punição
(sanção negativa), mas como mecanismo indutor para que o agente não incorra na
conduta indesejável pelo Estado.
Luiz Eduardo Schoueri,187 cuja análise é feita a partir de uma perspectiva
econômica, explica que na indução por estímulo o Estado proporciona vantagens que
não decorrem do livre funcionamento do mercado. No caso do desestímulo, o Estado
faz com que o destinatário da norma tributária incorra em custos cuja origem também
não reside no funcionamento do livre mercado.188
183 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. 2. ed., rev. e atual. Coimbra: Coimbra,
1986, p. 37. 184Como exemplo de norma cogente que impõe um direcionamento aos agentes privados,
pode-se citar a Lei n. 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo ainda sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.
185GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 147-148.
186ELALI, André de Souza Dantas. Tributação e regulação econômica: um exame da tributação como instrumento de regulação econômica na busca por redução das desigualdades regionais. São Paulo: MP, 2007, p. 99.
187SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 54.
188É o que ocorre, por exemplo, quando o Estado minora a incidência dos tributos que oneram o setor automobilístico, com vistas a induzir os contribuintes a adquirem veículos e, via de consequência, fomentar o desenvolvimento econômico. Valendo-se da mesma técnica, mas com objetivo inverso, o Estado pode majorar a imposição tributária de produtos que causam poluição, para dissuadir os indivíduos de consumi-los, em prol da proteção ao meio ambiente. A esse respeito ver: GONÇALVES, Oksandro Osdival; VOSGERAU, Douglas. A extrafiscalidade como política pública de intervenção do Estado na Economia e
72
Para Paulo Caliendo, fiscalidade e extrafiscalidade são funções dos
tributos, isto é, instrumentalizações que a ordem constitucional permite para que a
imposição tributária busque recursos para o financiamento dos direitos fundamentais
ou, então, para que promova a realização desses direitos mediante a indução de
comportamentos.189 Todavia, essas funções não são excludentes entre si.
Isso porque, “no poder de tributar se contém o poder de eximir, como o
verso e reverso de uma medalha”.190 Por exemplo, para o ano de 2015, a Lei n.o
9.250/1995,191 que regulamenta o imposto de renda das pessoas físicas, permitiu que
o contribuinte deduzisse da base de cálculo do referido tributo valores gastos com
educação, até o limite anual de R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais
e oitenta e três centavos), para o ano-calendário de 2014.
Imagine, contudo, que o limite dedutível referido tivesse sido reduzido para
um terço do valor indicado, com objetivo de aumentar a arrecadação do tributo. Essa
alteração poderia desestimular o contribuinte a investir em educação, pois seu
benefício econômico seria menor, já que a incidência do tributo se faria sentir com
mais força. Isso revela que uma norma tributária concebida com a finalidade precípua
de arrecadar, também pode gerar efeitos extrafiscais. Por outro lado, ainda que se
permitisse deduzir todos os gastos com educação da base de cálculo do imposto de
renda,192 com objetivo de estimular o contribuinte a investir mais em educação,193 a
desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, v. 13, n. 24, p. 207-221, 2014.
189CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 73.
190BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 31.
191Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: I - de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva; II - das deduções relativas: b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: 9. R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais e oitenta e três centavos) para o ano-calendário de 2014; e (Redação dada Medida Provisória nº 670, de 2015).
192No Supremo Tribunal Federal, tramita a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI 4.927/DF) ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em março de 2013. Segundo a OAB, a imposição de limites reduzidos de dedutibilidade dos gastos com educação da base de cálculo do imposto de renda viola comandos constitucionais relativos ao conceito de renda, de capacidade contributiva, de dignidade humana, da razoabilidade e o próprio direito à educação. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Supremo recebe ADI contra limites de dedução com educação no imposto de renda. 2013. Disponível em:
73
cobrança do imposto de renda das pessoas físicas tampouco deixaria de gerar
recursos ao Estado.
Por isso, não se pode ignorar o finalismo fiscal ou sequer o extrafiscal dos
tributos, porquanto ambos podem coexistir na mesma figura, havendo, em
determinadas hipóteses, maior ou menor prevalência deste ou daquele finalismo,194 o
que dependerá do objetivo estatal perseguido. Percebe-se, com isso, que as normas
tributárias não estão circunscritas apenas à finalidade arrecadatória. Elas podem e
devem ir muito além disso, em especial quando a carga tributária já consome boa
parte das riquezas do país.195
Um ordenamento jurídico protetivo-repressivo diferencia-se de um
ordenamento jurídico promocional (parece ser este o caso da Constituição Federal de
1988). Ao primeiro, interessam principalmente os comportamentos socialmente não
desejados, motivo pelo qual seu fim é impedir a prática desses atos. Ao segundo, por
sua vez, interessam as condutas socialmente desejáveis e, por isso, a finalidade
passa a ser estimular a sua realização,196 para isso, a tributação extrafiscal é um
importante instrumento.
Isso porque, o “Direito Tributário de um Estado de Direito não é Direito
técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores”. 197
Evidentemente, isso não afasta o poder de tributar do Estado com a finalidade
precípua de arrecadação ou sequer de punir aqueles contribuintes que cometem
crimes contra a ordem tributária, mas as normas tributárias podem ir além disso.
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=234353>. Acesso em: 01 nov. 2015.
193Na Câmara dos Deputados, tramita o projeto de Lei no 7.475/2010 cujo objetivo é alterar o art. 8º da Lei no 9.250/1995 para permitir ao contribuinte a dedução integral da base de cálculo do imposto de renda as despesas relacionadas com a educação. BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.475, de 2010. Dispõe sobre dedução integral das despesas de educação, na apuração da base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=778453&filename=Tramitacao PL+7475/2010>. Acesso em: 24 out. 2015.
194BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 624.
195O Brasil é detentor de uma pesada carga tributária, tanto que não raro os tributos são tratados como entraves ao crescimento econômico. Segundo dados da Receita Federal do Brasil, em 2013, a Carga Tributária Bruta (CTB) atingiu 35,95% do Produto Interno Bruto (PIB). BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Carga tributária bruta atinge 35,95% do PIB em 2013. 2014. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2014/dezembro/carga-tributaria-bruta-atinge-35-95-do-pib-em-2013>. Acesso em: 18 ago. 2015.
196BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007, p. 15.
197 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15.
74
Assim é que, o Estado pode antecipar-se por meio da tributação extrafiscal
e estimular condutas conformadoras dos objetivos que persegue, como a garantia do
exercício do direito à educação.
4.2 OS CONTORNOS CONCEITUAIS DA EXTRAFISCALIDADE
A imposição tributária não é criação recente. “O tributo é vetusta e fiel
sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se
projeta sobre o solo de sua dominação”.198 Assim, manifesta-se a feição fiscal dos
tributos199 como forma de desdobramento do próprio poder do Estado, que para
concretizar suas finalidades, necessita contar com recursos financeiros.
Não obstante o Estado tenha mudado de feição no curso do tempo, jamais
deixou de reclamar a existência de recursos financeiros à sua disposição. Contudo,
isso não significa que a tributação, enquanto forma de financiamento do Estado,200
tenha permanecido estática ao longo do tempo.201 Pelo contrário, assim como os
direitos fundamentais, sua evolução é marcada pelas circunstâncias sociais e
econômicas que permeiam a sua manifestação.
198BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 01. 199Paulo de Barros Carvalho explica que a fiscalidade manifesta-se quando a organização
jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram a sua instituição repousem no fim exclusivo de abastecimento dos cofres públicos, sem que outros interesses, políticos, sociais e econômicos interfiram no direcionamento da atividade impositiva. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 286.
200Segundo Ricardo Lobo Torres, desde o surgimento do Estado moderno, com o fim do feudalismo, é possível distinguir alguns tipos de Estados. Até o final do século XVII e início do século XVIII, desenvolveu-se o chamado Estado Patrimonial, que tinha como uma das suas principais características o patrimonialismo financeiro, que consistia em financiar a manutenção estatal principalmente das rendas provenientes do patrimônio do príncipe, apoiando-se secundariamente na receita extrapatrimonial dos tributos. No decurso do século XVIII, na fase do absolutismo esclarecido, formou-se o Estado de Polícia, que aumentou as receitas tributárias e centralizou a fiscalidade na pessoa do soberano. Posteriormente, a centralização da fiscalidade na pessoa do soberano foi se enfraquecendo e foi substituída pelo liberalismo, pelo capitalismo e pelo Estado Fiscal. TORRES. Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 1, 13 e 53.
201Em complementação ao que afirma Torres, Luís Eduardo Schoueri explica que, no Estado Patrimonial, o Estado funciona com um poderoso agente econômico, que atua ao lado do particular, na incipiente economia. No Estado de Polícia, o Estado assume características intervencionistas e deixa a posição de agente econômico, para tornar-se a autoridade que se vale de todos os meios ao seu dispor, dentre eles os tributos, para dirigir a atividade econômica. Finalmente, no Estado Fiscal, também conhecido como Estado do Imposto, não é o Estado que gera sua riqueza, mas é o particular quem se torna a fonte originária de riquezas, estando obrigado a transferir uma parcela dela para o Estado. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24-25.
75
Nessa evolução, a tributação ganhou novos contornos e, além da função
puramente arrecadatória (fiscal), passou a ser utilizada como instrumento capaz de
estimular os agentes econômicos a praticarem certas condutas ou, até mesmo, a não
praticá-las, com objetivo de atingir determinados objetivos estatais. Aí repousa a
extrafiscalidade.
Segundo James Marins e Jeferson Teodorovicz, nas primeiras
manifestações extrafiscais do século XX, tais medidas eram direcionadas à
intervenção econômica, em especial no que diz respeito à tributação alfandegária e à
proteção do mercado interno. Explicam, ainda, que a teoria da extrafiscalidade é
fundamentada em uma escolha política de tributar a atividade de certos indivíduos e
não tributar de outros,202 o que dependerá das finalidades que o Estado pretende
atingir.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo tributos com clara feição
extrafiscal, a exemplo do imposto sobre produtos industrializados e do imposto de
importação, cujas alíquotas podem ser alteradas pelo Poder Executivo justamente
para permitir o direcionamento da atividade econômica (art. 153, § 1º da CF). Contudo,
não há em seu texto e, tampouco, nas normas infraconstitucionais uma definição do
que seja o fenômeno da extrafiscalidade ou, sequer, quais fins o seu uso deve
perseguir. Por esse motivo, é preciso traçar alguns contornos conceituais da tributação
extrafiscal.
Na compreensão de José Souto Maior Borges, a teoria da extrafiscalidade
não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de
receita para o custeio das despesas estatais. Através das normas extrafiscais, o
Estado pode provocar modificações nas estruturas sociais, sendo, por isso, um
importante fator na dinâmica socioestrutural.203 Na concepção de Paulo de Barros
Carvalho:
a experiência jurídica mostra-nos, porém, que, vezes sem conta, a compreensão da legislação de um tributo vem pontilhadas de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração
202 MARINS, James; TEODOROVICZ, Jeferson. Extrafiscalidade socioambiental. Revista
Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 90, p. 73-123, jan./fev. 2010, p. 77, 83. 203BORGES, José Souto Maior. Introdução ao direito financeiro. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 97.
76
dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade. 204
Para José Casalta Nabais, a extrafiscalidade pode ser compreendida como
um conjunto de normas que, apesar de fazerem parte do Direito Fiscal, não possuem
como finalidade dominante a consecução de receitas para o Estado, mas objetivam
realizar determinada finalidade econômica ou social.205 Isto é, os tributos escapam aos
limites da arrecadação e da clássica concepção de que se tratam apenas de
prestação pecuniária entregue ao Estado (art. 3o do CTN), 206 para produzirem outros
resultados não arrecadatórios.
A extrafiscalidade é um instrumento capaz de preordenar condutas no
sentido de provocar certos resultados econômico-sociais buscados pelo Estado. Ela
pode ser utilizada, por exemplo, para promover o desenvolvimento de certas regiões,
proteger a indústria nacional, reduzir as desigualdades sociais, estimular o emprego,
proteger o meio ambiente, 207 e, até mesmo, promover a efetivação de direitos
fundamentais como a educação.
No entanto, isso não autoriza que o manejo da tributação seja feito de
forma descriteriosa pelo Estado. Por isso, a extrafiscalidade não pode ser orientada
por critérios aleatórios ou ocasionais, mas por interesses coletivos que repercutam
para toda a sociedade.208 Poderia se acrescentar, ainda, que as normas tributárias
extrafiscais encontram o seu fundamento e as finalidades para as quais devem ser
utilizadas no próprio texto constitucional, na medida em que os direitos e valores nele
consagrados influenciam todo o ordenamento jurídico.
Nessa linha, Paulo Caliendo explica que o fim a ser atingido com a
tributação extrafiscal deve estar expresso no texto constitucional. Assim, não é a
204CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 290. 205NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,
1998, p. 629. 206Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
207KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Incentivos fiscais à inovação tecnológica como estímulo ao desenvolvimento econômico: o caso das Start-ups. Revista Jurídica da Presidência, v. 17, n. 113, p. 497-520, 2016, p. 507.
208GONCALVES, Helena de Toledo Coelho; GONÇALVES, Oksandro Osdival. Tributação, concorrência e desenvolvimento econômico sustentável. In: GONÇALVES, Oksandro Osdival; FOLMANN, Melissa (Org.). Tributação, concorrência e desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2013, v. 1, p. 44.
77
destinação do recurso ou a técnica utilizada que determinará a natureza da norma
extrafiscal, mas a finalidade constitucional para qual a norma foi concebida. 209
De forma semelhante, Marciano Buffon entende que a extrafiscalidade
exige que o Estado utilize a tributação como instrumento de intervenção na sociedade,
sobretudo no campo econômico e social, para concretizar os objetivos
constitucionalmente previstos, em especial aqueles constantes do art. 1°
(fundamentos da República), art. 3º (objetivos fundamentais da República), art. 6°
(direitos fundamentais sociais, como a educação) e art. 170 (princípios gerais da
atividade econômica) da Constituição Federal.210
Dessa forma, pode-se dizer que a extrafiscalidade tem conteúdo aberto,
porém, determinado pelos objetivos e valores consagrados na Constituição. Fora
desses parâmetros, a extrafiscalidade manifesta-se de forma inconstitucional.211 Vale
dizer, “toda a tributação deve estar orientada à promoção daquele estado de coisas
cuja promoção é determinada constitucionalmente”.212 Com isso, percebe-se que a
legitimidade do uso da extrafiscalidade repousa no atendimento dos objetivos
constitucionais.
A educação, como já visto no capítulo anterior, recebeu ampla proteção
constitucional. Reconheceu-se nela um valor tão importante e homogêneo para a
comunidade, que a sua realização deve ser perseguida pelo Estado e por todos (art.
205 da CF). Isso autoriza que a tributação extrafiscal também seja utilizada com o
objetivo de alcançar a sua efetividade, inclusive como desdobramento da feição
objetiva desse direito, que faz com que as normas tributárias possam ser concebidas
com a finalidade de promover o direito à educação.
José Casalta Nabais explica que a extrafiscalidade concretiza-se em dois
grandes domínios, cada um deles representando uma técnica de intervenção ou
conformação social pela via fiscal, quais sejam: (i) os impostos extrafiscais, que são
concebidos para dissuadir ou evitar determinados comportamentos, através de
agravamentos extrafiscais de impostos fiscais; (ii) os benefícios fiscais dirigidos a
fomentar ou incentivar determinados comportamentos, para a concretização de
209CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos
fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 65. 210 BUFFON, Marciano. Tributação e direitos sociais: A extrafiscalidade instrumento de
efetividade. Revista Brasileira de Direito, v. 8, n. 2, 2012, p. 47, 53. 211GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito
tributário. Interesse Público, Porto Alegre, v. 34, p. 175-200, nov./dez. 2005, p. 185. 212FOLLONI, André. Direitos fundamentais, dignidade e sustentabilidade no constitucionalismo
contemporâneo: e o Direito Tributário com isso? In: ÁVILA, Humberto (Org.). Fundamentos do direito tributário. 1. ed. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 11-34, p. 30.
78
objetivos econômicos-sociais. É no domínio dos benefícios fiscais, que a
extrafiscalidade se revela em termos mais frequentes e significativos.213
Isto é, a extrafiscalidade repousa mais no incentivo à pratica da conduta
desejável do que no desestímulo ao comportamento reprovável. A extrafiscalidade
pode se manifestar sob diversas formas ou instrumentos, como por exemplo:
imunidades tributárias; instituição de isenções; reduções de alíquotas (inclusive a
zero); reduções da base de cálculo; concessões de créditos presumidos; postergação
do prazo de recolhimento de tributos; concessão de anistia ou moratória, dentre outras
formas. Além disso, pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento de
caráter tributário ou financeiro com o objetivo de realizar finalidades
constitucionalmente previstas através da intervenção estatal por indução. Essas
vantagens podem operar subtrações ou exclusões no conteúdo de obrigações
tributárias, ou mesmo adiar os prazos de adimplemento dessas obrigações.214
Todas essas medidas mitigam a imposição fiscal e, em algumas hipóteses,
chegam a eliminá-la, com o objetivo de direcionar condutas. Um exemplo de mitigação
da carga tributária pode ser encontrado na Lei n.o 11.487/2007 que alterou a Lei nº.
11.196/2005, conhecida como Lei do Bem,215 para modificar a redação do art. 19-A
desta última lei, permitindo que a pessoa jurídica possa excluir do lucro líquido, para
efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL), os dispêndios efetivados em projeto de pesquisa científica e
tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição Científica e
Tecnológica (ICT), cujo conceito é dado pelo inc. V do art. 2o da Lei n.o 10.973/2004.216
Nesse caso, a intenção do legislador foi criar um instrumento de estímulo à
pesquisa científica e tecnológica, mediante a instituição de um benefício fiscal em
favor de grandes empresas contribuintes do imposto de renda.217 Essa sistemática
pode colaborar na efetivação do direito à educação. Isso porque, a promoção
213NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,
1998, p. 630-632. 214 ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. Incentivos fiscais em tempos de crise: impactos
econômicos e reflexos financeiros. Revista da PGFN, v. 1, n. 1, p. 99-121, 2011, p. 106. 215A chamada Lei do Bem instituiu regimes especiais de tributação e aquisição de bens de
capital, para pessoas jurídicas que realizarem pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica.
216Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se: V - Instituição Científica e Tecnológica (ICT): órgão ou entidade da administração pública que tenha por missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico;
217DE ARAÚJO, Maria Lírida Calou; ALMEIDA, Saulo Nunes de Carvalho. A extrafiscalidade tributária como mecanismo de concretização do direito fundamental à educação. Pensar-Revista de Ciências Jurídicas, v. 16, n. 2, p. 678-704, 2012, p. 698.
79
humanística, científica e tecnológica do país fazem parte das metas do plano nacional
de educação (art. 214, inc. V da CF), além de estar em consonância com o art. 218 da
Constituição Federal, que endereça ao Estado a obrigação de incentivar o
desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a
inovação.218
Portanto, toda a tributação deve estar em sintonia com os objetivos
constitucionais. Quando isso ocorre, além dos recursos gerados serem destinados ao
financiamento de direitos fundamentais como a educação, ela também pode ser usada
como instrumento capaz de dirigir condutas que colaborem na efetivação desse
direito. Ao utilizar a tributação dessa forma, o Estado estará implementado direitos
pela via administrativa, de forma espontânea e com a colaboração dos agentes
privados, o que atende ao art. 205 da Constituição, que partilha com toda a sociedade
a responsabilidade pela concretização desse direito.
Contudo, é importante ressalvar que as normas tributárias extrafiscais são
apenas uma das vias para alcançar tal objetivo. Na realidade, como já se viu no
segundo capítulo, a implementação de direitos sociais como a educação exige um
conjunto de iniciativas estatais com caráter coletivo, sobretudo tomadas pelo Poder
Legislativo e Executivo, que tenham por objetivo assegurar ao maior número de
cidadãos o seu exercício.
4.3 A SOLIDARIEDADE NA TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL
O desejo de transformar a realidade social e econômica do país fez com
que se elevasse ao status constitucional o compromisso com a dignidade da pessoa
humana, com os direitos fundamentais (dentre eles, a educação), com a redução das
desigualdades sociais e regionais, com a erradicação da pobreza e da marginalização,
com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3, inc. I da CF), com o
desenvolvimento nacional, dentre outras prioridades.
A justiça social foi expressada com grande amplitude na Constituição
Federal de 1988, manifestando-se com maior força nos direitos sociais constantes do 218Segundo o Relatório Anual de Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação, o número de empresas que optam por participar da Lei do Bem, no que diz respeito aos incentivos fiscais concedidos, vem crescendo a cada ano. Em 2003, 130 empresas declaram ter usufruído dos incentivos fiscais, tendo atingido o número de 1158 empresas participantes no ano de 2013. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO. Relatório Anual de Atividades de P&D: Ano Base 2013. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0238/238494.pdf >. Acesso em: 20 dez. 2015.
80
art. 6o e 7o e no Título VIII sobre a Ordem Social, embora neles não se esgote. Vai
além disso, para iluminar a Constituição como um todo,219 irradiando seus efeitos
também sobre as normas tributárias, sejam ela concebidas com a finalidade precípua
de arrecadação, ou ainda, com a intenção de induzir comportamentos
(extrafiscalidade), já que todas as normas infraconstitucionais estão submetidas às
normas constitucionais.
Esse quadro alterou o fundamento último da tributação, que passa a
repousar na ideia de solidariedade ou coesão social. É a partir delas que se
identificam os objetivos buscados com a instituição e arrecadação dos tributos, o que
se materializa pelo ato de contribuir para as despesas estatais, de acordo com a
capacidade contributiva. 220 Isso tudo também influencia as normas da tributação
extrafiscal, pois “as normas tributárias não deixam de sê-lo pelo simples fato de
objetivarem alcançar fins não fiscais”.221
O direito à educação guarda em sua concepção um ideal de solidariedade
que aponta para o objetivo de possibilitar a todos o acesso a esse bem. Nesse
cenário, a tributação é indispensável para a sua implementação. Primeiro, porque é
com os recursos por ela gerados que o Estado investirá na educação pública em todos
os seus níveis. Segundo, porque o Estado pode utilizar os tributos como meio de
indução comportamental dos agentes privados, incentivando ações que visem à
implementação desse direito.
Em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva é o reflexo do
princípio da solidariedade e dos valores de justiça social. 222 É por força dele que a
imposição tributária deve se projetar com mais intensidade contra aqueles que têm
mais patrimônio e renda e, ao mesmo tempo, com menos força sobre os mais
desfavorecidos economicamente, nos termos do que determina o art. 145, § 1º, da
Constituição Federal.
Douglas Yamashita explica que há dois tipos de solidariedade. A
solidariedade de grupos sociais homogêneos, que se refere a direitos e deveres de um
219YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco
Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 57-58.
220GRECO, Marco Aurélio. Do poder à função tributária. In: FERRAZ, Roberto. Princípios e limites da tributação: os princípios da ordem econômica e a tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 174.
221VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 169.
222SCHOEURI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 285.
81
grupo social específico, a exemplo da família. Há, ainda, a solidariedade genérica, que
diz respeito à sociedade como um todo, que está prevista no art. 3o, inc. I, da
Constituição Federal, o que chama de princípio da solidariedade genérica.223 Em
interessante conceituação sobre a solidariedade, José Casalta Nabais explica que:
daí que a solidariedade, enquanto fenômeno estável ou duradouro e mais geral, se refira à relação ou sentimento de pertença a um grupo ou formação social, entre os muitos grupos ou formações sociais em que o homem manifesta e realiza atualmente a sua affectio societatis, dentre os quais sobressai naturalmente a sociedade paradigma dos tempos modernos – o Estado. Do que resulta que a solidariedade pode ser entendida em sentido objetivo, em que se alude a relação de pertença e, por conseguinte, de partilha e de co-responsabilidade que liga cada um dos indivíduos à sorte e a vicissitudes dos demais membros da comunidade, quer em sentido subjetivo e de ética social, em que a solidariedade exprime o sentimento, a consciência dessa mesma pertença à comunidade.224
Por estarem inseridos em um contexto de convívio social, os indivíduos
tornam-se, de certa forma, responsáveis uns pelos outros. Quando se trata da
comunidade por excelência, o Estado, é fácil visualizar essa circunstância. Os tributos
que incidem sobre aqueles que possuem manifestações de riqueza (renda, patrimônio
e consumo) destinam-se ao atendimento das necessidades coletivas.
Nesse aspecto, Ricardo Lodi Ribeiro explica que, sob a perspectiva da
solidariedade, uma das tarefas do Estado Social e Democrático é a garantia da
dignidade da pessoa humana. Para isso, é necessário angariar recursos daqueles cuja
sobrevivência digna não depende das prestações estatais, para atender às
necessidades daqueles que, por não possuírem recursos, necessitam das prestações
estatais.225
Por isso, o Estado Fiscal226 implica “uma cidadania de liberdade cujo preço
reside em sermos todos destinatários do dever fundamental de pagar impostos”. Esse
223YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em direito tributário. In: GRECO, Marco
Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 59-60.
224NABAIS, José Casalta. Solidariedade social, cidadania e direito fiscal. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 112.
225RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 46, p. 87-109, jul./ago. 2010, p. 93.
226Luís Eduardo Schoueri explica que, em uma primeira fase, o Estado Fiscal assume uma feição minimalista, em razão do liberalismo econômico. Por isso, não cabia ao Estado intervir na economia, não sendo admissível nenhum ato arbitrário do Estado que violasse a propriedade, o que conduzia a necessidade de aprovação dos tributos pelo parlamento. Este
82
dever constitui uma posição passiva do contribuinte face ao Estado, mas,
simultaneamente, configura-se como uma posição ativa do contribuinte, traduzida no
direito de exigir do Estado que todos os membros da comunidade sejam destinatários
desse dever fundamental, na medida da sua capacidade contributiva.227
Logo, os direitos fundamentais e o dever de pagar tributos constituem as
faces de uma mesma moeda. Sua coexistência é indissociável em um Estado que
pretenda dar aos indivíduos o máximo que a proteção jurídica dos direitos
fundamentais oferece, como ocorre no Brasil. Se aos cidadãos é legítimo exigir do
Estado a implementação dos direitos fundamentais, na mesma medida, é legítimo ao
Estado determinar aos particulares que entreguem, em tempo oportuno, parcela do
seu patrimônio e renda ao cofres públicos.
Ao lado da solidariedade engendrada pela fiscalidade, tem-se, também, a
solidariedade suportada pela extrafiscalidade, que ganhou importância com o advento
do Estado Social,228 o que faz todo sentido. Isso porque, no quadro desse Estado, as
normas tributárias não arrecadatórias também são influenciadas pelos valores e
objetivos constitucionais.
Nessa linha, Marciano Buffon explica que a solidariedade pela
extrafiscalidade se manifesta tanto pelo viés da oneração do tributo, quanto pela sua
redução (benefícios fiscais). Na primeira hipótese, aqueles que suportam uma
tributação mais elevada estão cumprindo um dever de solidariedade com o restante da
coletividade e, no segundo caso, toda sociedade reparte o ônus decorrente da
concessão do benefício fiscal, de forma solidária.229
Na Constituição Federal, um exemplo de norma que onera a incidência do
tributo com base no valor da solidariedade social, pode ser encontrado no art. 182, §
4º, inc. II, que determina a progressividade do imposto sobre a propriedade predial e
Estado Fiscal minimalista foi sucedido pelo Estado Social, que não deixou de ser Fiscal pois o particular continuou a ser fonte de financiamento do Estado. Entretanto, no Estado Social aumentam as obrigações estatais e igualmente cresce a necessidade de recursos financeiros. A carga tributária agiganta-se para sustentar o Estado Social. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 26, 29.
227NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Revista de Direito Público da Economia - RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, p. 153-181, out./dez. 2007, p. 168.
228NABAIS, ibid., p. 133. 229 BUFFON, Marciano; BASSANI, Mateus. Benefícios fiscais: uma abordagem à luz da
cidadania fiscal e da legitimação constitucional da extrafiscalidade. Revista da AJURIS, v. 40, n. 130, 2013, p. 253.
83
territorial urbana, como instrumento de política urbana.230Além disso, a solidariedade
também é o fundamento que legitima as contribuições sociais de natureza
previdenciária sobre a folha de salários, as contribuições sociais e as econômicas,231
sendo estas duas últimas espécies tributárias conhecidas como Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), previstas no art. 149 da Constituição
Federal.
Essas contribuições possuem natureza regulatória e interventiva que as
diferencia de outros tributos, cuja natureza precípua é arrecadatória, já que a
consequência pretendida com a sua instituição é desejada e calculada
antecipadamente pelo Estado. Por isso, elas são utilizadas para intervenção na ordem
econômica e social, com objetivo de induzir condutas.232Dito de outra forma, as
contribuições pretendem direcionar comportamentos úteis ao interesse coletivo, o que
faz com que sejam utilizadas como instrumento de extrafiscalidade.233 O mecanismo
pode, por exemplo, ser utilizado para estimular a pesquisa científica e tecnológica que
é um desdobramento do direito à educação.
Isso ocorre com a Lei n.o 10.168/2000, 234 que instituiu a contribuição de
intervenção no domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à
Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, também conhecida como
CIDE-Royalties. Nos termos do art. 1o da referida lei, o principal objetivo é estimular o
desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e
tecnológica entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo, motivo pelo
qual o produto da arrecadação é destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - FNDCT (art 4o). 235
230GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio;
GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 164.
231TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 201.
232LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 59. 233CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 583. 234A Lei n.o 10.168/2000 foi regulamentada pelo Decreto n.o 4.195/ 2002, que estabeleceu, a
divisão do produto da arrecadação para as regiões do país (art. 1o), quais as finalidades que os recursos arrecadados devem estimular (art. 2o), quais as finalidades compreendem o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, dentre outras providências.
235O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi criado em 1969, por meio do Decreto-Lei nº 719, como um instrumento financeiro de integração da ciência e tecnologia com a política de desenvolvimento nacional, tendo por base a experiência do Fundo de Apoio à Tecnologia – FUNTEC, constituído em 1964 e gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDES. FUNDO NACIONAL DE
84
Para alcançar essa finalidade, a lei estabeleceu que a contribuição será
devida pela pessoa jurídica, detentora de licença de uso ou adquirente de
conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem
transferência de tecnologia firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art.
2o). A contribuição incidirá à alíquota de 10% (§4o do art. 2o), sobre os valores pagos,
creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou
domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas
no caput e no § 2o do art. 2o, 236 conforme determina o § 3o do mesmo artigo.
Nesse caso, a imposição tributária é feita a partir de uma norma que atinge
apenas uma determinada categoria de contribuintes, entretanto, os resultados por ela
produzidos podem beneficiar uma coletividade mais ampla do que aqueles contra
quem a medida tributária incidiu. O direcionamento de recursos para a pesquisa
cientifica e tecnológica, em regra, visa produzir resultados que tragam benefícios para
a sociedade como um todo, o que parece indicar o ideal de solidariedade como
fundamento para instituição da referida contribuição.
No entanto, apesar da solidariedade ser aprioristicamente associada ao
aumento da carga tributária, 237 como ocorre no caso da CIDE-Royalties, o Estado
também pode realizar a solidariedade tributando menos e, em determinadas situações,
até mesmo não tributando, como ocorre com o Prouni. Nesse caso, a isenção de
tributos federais concedida em favor das instituições de ensino superior privadas
parece encontrar respaldo na ideia de solidariedade, pois o objetivo é ampliar o
acesso ao ensino superior da parcela mais carente da população, que não poderia
pagar pelo ensino privado.
No mesmo sentido, pode-se citar o caso do Programa Municipal de Bolsas
de Estudos (Promube), instituído pela n. 7.359/2006 do Município de Maringá/PR, que
visa disponibilizar bolsas parciais e integrais para cursos de graduação em instituições
privadas de ensino superior da cidade. Os beneficiados são estudantes de baixa renda
DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO (BRASIL). Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 2015. Disponível em: <http://fndct.mcti.gov.br/>. Acesso em: 10 nov. 2015.
236A Lei n.o 10.332/2001 alterou o § 2o do art. 2o da Lei n.1o10.168/2000 para determinar que, a partir de 1o de janeiro de 2002, a Cide passasse a ser devida também pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.
237 SACCHETTO, Claudio. O dever de solidariedade no direito tributário: o ordenamento italiano. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 31-32.
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egressos da rede pública de ensino, cuja renda familiar mensal seja de até um salário
mínimo e meio, por pessoa da família, para bolsa integral (art. 1o § 2º), e de, até três
salários mínimos, por pessoa da família, para bolsa parcial (art. 1o § 3º).238
Em contrapartida, a Prefeitura de Maringá mitiga a incidência do imposto
sobre serviços de qualquer natureza incidente sobre a receita proveniente do ensino
de graduação devido pelas instituições de ensino superior da cidade que estiverem
cadastradas no programa. Para isso, a lei autoriza que as instituições recolham
somente 40% do referido tributo, sendo o restante utilizado pelas instituições para
custear despesas do curso (art.4º). Durante a realização do curso, o estudante fica
obrigado a prestar serviços, na condição de voluntário, em repartições municipais ou
eventos promovidos pelo município de Maringá, quando requisitados (art. 3o).
A iniciativa do município de Maringá funciona de forma complementar ao
Prouni, pois beneficia aqueles estudantes que não foram contemplados pelo programa
do Governo Federal. Percebe-se aí, novamente, o ideal de solidariedade, tanto no que
diz respeito à instituição do incentivo fiscal com objetivo de beneficiar estudantes de
baixa renda, quanto na obrigatoriedade de prestação de serviços pelos beneficiários
em favor da comunidade como forma de retribuição, já que o custo do benefício fiscal,
de certa forma, é suportado pelos demais cidadãos do município, pois provoca
diminuição na arrecadação.
Entretanto, a solidariedade não permite que o poder de tributar seja feito à
revelia das regras que descrevem os aspectos materiais das hipóteses de incidência,
bem como da divisão de competências.239 Isso porque, além da solidariedade, há no
texto constitucional outros valores, princípios e normas que devem ser observados
pelo Estado no exercício da atividade de tributar, a exemplo da vedação de tributos
com efeitos de confisco (art. 150, inc. IV da CF). Vale dizer, o dever fundamental de
pagar tributos e também as normas tributárias extrafiscais devem observância às
garantias constitucionais dos contribuintes.
Além disso, a tributação, na sua feição fiscal ou extrafiscal, não deve
constituir óbice ao desenvolvimento do país (desenvolvimento aqui entendido, como
processo que implica avanço econômico, social e político, como já se disse no
segundo capítulo). Não deve onerar a ponto de desestimular as atividades
238MARINGÁ. Prefeitura do Município. Lei no 7.359, de 20 de dezembro de 2006. Disponível
em: <https://isse.maringa.pr.gov.br/doc/leis/LM7359_2006.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2015. 239ÁVILA, Humberto. Limites à Tributação com base na solidariedade social. In: GRECO, Marco
Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 31-32.
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econômicas privadas, porque delas é que se originam os recursos, mas, tampouco,
pode incidir de modo a não arrecadar os recursos necessários ao financiamento dos
direitos, como a educação.
Seja qual for a finalidade do tributo, fiscal ou extrafiscal, “o sistema
tributário deve ser produtivo, elástico, compatível com a renda nacional e com as
ideias de justiça da época”. 240 Por isso, o conteúdo axiológico do princípio da
solidariedade influencia a tributação como um todo. No âmbito fiscal, materializa-se
pelo princípio da capacidade contributiva e, na perspectiva extrafiscal, reclama que os
tributos sejam usados como promotores dos direitos consagrados no texto
constitucional, como a educação.
4.4 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA
A tributação implica restrição à liberdade econômica, pois incide de forma
compulsória sobre o patrimônio e a renda dos indivíduos. Por isso, foi preciso conter a
voracidade arrecadatória do Estado, o que se fez através da instituição de garantias
aos contribuintes. Essas garantias estabelecem uma zona de proteção para que o
Estado se abstenha de tributar além de certo limite. Uma delas é o princípio da
capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF), que determina que, sempre que
possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte.
Como já se disse acima, quanto mais patrimônio e renda um indivíduo
possui, mais deve destinar aos cofres públicos. Esse princípio significa a negação de
parâmetros injustos de distribuição da carga tributária que foram utilizados no período
anterior às revoluções liberais, como a classe social, a nacionalidade e a
religião.241Revela-se, portanto, como uma das marcas da evolução do próprio sistema
tributário, que aponta para uma imposição tributária mais justa, pois interessa ao
Estado tão somente a possibilidade econômica do indivíduo de pagar tributos de
acordo com sua riqueza.
240BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 15. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, p. 233. 241GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio;
GODOI, Marciano Seabra de (Org.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 155.
87
Assim, a tributação só pode produzir resultados desiguais, quando se
desigualam as capacidades contributivas individuais,242 isto é, quando um indivíduo
possui mais manifestação de riqueza do que outro. Por isso, a capacidade contributiva
é um fim interno à tributação. No sistema da tributação fiscal (arrecadatória), ela é o
critério de diferenciação dos contribuintes cujo objetivo é distribuir de forma igualitária
a carga tributária. 243
De certa forma, no sistema da tributação fiscal, a capacidade contributiva
faz as vezes do princípio da igualdade (art. 5o da CF). Sobre esse princípio aplicado à
tributação, Roque Antônio Carrazza explica que:
I – O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançados levando-se em conta a capacidade contributiva das pessoas (físicas ou jurídicas). A lei deve tratar de modo igual os fatos econômicos que exprimem igual capacidade contributiva e, por oposição, de modo diferenciado os que exprimem capacidade contributiva diversa. 244
Ocorre que, quando o Estado se vale das normas tributárias extrafiscais, o
princípio da capacidade contributiva é afetado. Por exemplo, quando o Estado majora
a imposição fiscal de produtos importados, não leva em consideração a capacidade
econômica do importador, já que objetiva realizar valores diversos da arrecadação, por
exemplo, garantir o desenvolvimento nacional ou, ainda, proteger as micro e pequenas
empresas de determinado setor.
Para José Casalta Nabais, quando um tributo é majorado, o princípio da
igualdade não se aplica, pois os agravamentos de impostos não são retiradas do
rendimento ou da riqueza para satisfazer as necessidades financeiras do Estado ou de
outras entidades públicas, mas medidas conformadoras de aspectos econômicos ou
sociais.245 Há quem diga, ainda, que “um tributo ou norma de finalidade extrafiscal é
242TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 19. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2013, p. 93. 243ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
160-161. 244CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 26. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 97. 245NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,
1998, p. 659.
88
aquele que de nenhuma forma se deixa justificar com ponderações de capacidade
contributiva”.246
No entanto, é mais razoável entender que a incidência do princípio da
capacidade contributiva fica atenuada pela perseguição de outros objetivos, que
podem ser mais facilmente alcançados, do que através da graduação dos impostos
consoante a capacidade econômica do contribuinte. 247 A capacidade contributiva,
então, passa a ser apenas um entre os vários fatores de discriminação. 248 Em
determinadas situações, mesmo na tributação extrafiscal, a capacidade contributiva é
essencial para que os destinatários da norma sigam a finalidade que ensejou a
medida.
É o que explica André Folloni. Se um tributo destinado a impedir o
desmatamento ou ainda a produção industrial poluidora puder ser suportado por
empresas com grande capacidade econômica, “será tão ineficaz quanto desigual:
apenas impedirá a conduta daqueles contribuintes menos capazes economicamente,
mas não de todos”.249 Nesse caso, seria necessário que a intensidade da medida
extrafiscal fosse graduada levando-se em conta a condição econômica daqueles
contribuintes cujo comportamento a norma visa desestimular, sob pena de ser
ineficiente o tributo extrafiscal.
Portanto, a extrafiscalidade não configura exceção absoluta ao princípio da
capacidade contributiva. Na realidade, quando o Estado se vale das normas tributárias
extrafiscais, pode ocorrer um distanciamento do ideal de igualdade, em prol da
realização de outras finalidades econômicas e sociais. A distinção é feita a partir de
elementos exteriores aos contribuintes e sem lastro na distribuição igualitária da carga
tributária, porque o Estado busca outra finalidade para validar a medida,250 como, por
exemplo, uma maior implementação do direito à educação.
A potencial violação da isonomia ocorre porque, ao utilizar a tributação
extrafiscal, o Estado termina por dividir os contribuintes em dois grupos distintos
“aqueles que já seguem a orientação finalística que a tributação extrafiscal pretende
246 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade
contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 64. 247 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 77. 248SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. 1. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 291. 249FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,
2014, p. 208, 214. 250ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
160-162.
89
atingir e, por isso, não são seus destinatários; e aqueles que não a seguem e, por isso
mesmo, são seus destinatários”. 251 Essa diferenciação somente será permitida se o
objetivo pretendido com a medida extrafiscal residir no texto constitucional.
Nesse sentido, Paulo Caliendo explica que as únicas discriminações
legítimas permitidas pela Constituição são aquelas derivadas de formas de incentivo a
determinados grupos e ao combate de desigualdades sociais e econômicas. Nesse
caso, a tributação extrafiscal “constitui um mecanismo de ajuste fino utilizado pelos
instrumentos de política fiscal para garantir o objetivo constitucional de combate às
desigualdades sociais econômicas e regionais.”252
No caso da educação, pode-se citar a Lei no 10.034/2000, que alterou a
Lei n.o 9.317/1996, que dispunha sobre o regime tributário das microempresas e das
empresas de pequeno porte para permitir que pré-escolas e estabelecimentos de
ensino fundamental pudessem fazer a opção pelo regime simples de tributação.253 O
inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 não permitia que optasse pelo simples a
pessoa jurídica que prestasse serviços de “professor”, dentre outras atividades. 254
Marcus de Freitas Gouvêa explica que há institutos que, a despeito de não
serem normas tributárias impositivas, também se classificam como benefícios fiscais
porque apresentam efeitos extrafiscais, a exemplo do Simples Nacional,255que é um
251FOLLONI, op. cit., p. 208. 252CALIENDO, Paulo. A Extrafiscalidade como Instrumento de Implementação dos Direitos
Fundamentais Sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 80-81. 253A evolução legislativa ocorreu da seguinte forma: A Lei n.o 9.317/1996 (revogada pela Lei
Complementar 123/2006, que atualmente institui o estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte), dispunha sobre o regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte. O inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 não permitia que optasse pelo simples a pessoa jurídica que prestasse serviços de “professor”, dentre inúmeras outras atividades. Essa vedação foi revogada pelo art. 1o da Lei n.o 10.034/2000, cuja redação originária previa que ficavam excetuadas das restrições que tratava o inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996 as creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino. Posteriormente, por força da Lei n.o 10.684/2003 a redação do art. 1o da Lei n.o 10.034/2000 foi alterada para estender para outras atividades a possibilidade de adoção do simples, mas mantendo-se a permissão no tange às creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino fundamental, nos termos dos incisos I e II do art. 1o. A Lei Complementar 123/2006, que é posterior às mencionadas alterações legislativas, não revogou a permissão dada a esses estabelecimentos, de modo que as creches, pré-escolas e estabelecimentos de ensino fundamental atualmente podem optar pelo regime simples de tributação.
254 Para colocar fim à discussão quanto à irretroatividade da Lei n.o 10.034/2000, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 448 cuja redação prevê que: A opção pelo Simples de estabelecimentos dedicados às atividades de creche, pré-escola e ensino fundamental é admitida somente a partir de 24/10/2000, data de vigência da Lei 10.034/2000
255GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito tributário. Interesse Público, Porto Alegre, v. 34, p. 175-200, nov./dez. 2005, p. 188.
90
regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos criado em
favor das microempresas e empresas de pequeno porte.256
O inc. XIII, do art. 9º da Lei n.o 9.317/1996, que não permitia que a pessoa
jurídica que prestasse serviços de “professor” optasse pelo simples, foi objeto da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.643-DF, proposta pela Confederação Nacional de
Profissionais Liberais (CNPL), que argumentou, em síntese, que essa restrição
ofendia o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF), pois fazia
distinção não derivada das condições econômicas, mas tão somente em razão da
profissão de quem contribuiu. Naquele julgamento, o Ministro Relator Maurício Corrêa
consignou, em seu voto, interessante análise sobre o princípio da capacidade
contributiva com relação às medidas tributárias extrafiscais:
a lei tributária - esse é o caráter da Lei nº 9.317/96 - pode discriminar por motivo extrafiscal entre ramos de atividade econômica, desde que a distinção seja razoável, como na hipótese vertente, derivada de uma finalidade objetiva e se aplique a todas as pessoas da mesma classe ou categoria. A razoabilidade da Lei nº 9.317/96 consiste em beneficiar as pessoas que não possuem habilitação profissional exigida por lei, seguramente as de menor capacidade contributiva e sem estrutura bastante para atender a complexidade burocrática comum aos empresários de maior porte e os profissionais liberais. Essa desigualdade factual justifica tratamento desigual no âmbito tributário, em favor do mais fraco, de modo a atender também à norma contida no §1º, do art. 145, da Constituição Federal, tendo-se em vista que esse favor fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, visando o interesse social. Portanto, é ato discricionário que foge ao controle do Poder Judiciário, envolvendo juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Executivo. 257
Naquela ocasião, o STF entendeu pela constitucionalidade do inc. XIII do
art. 9º da Lei n.o 9.317/1996. De certa forma, essa discussão perdeu a importância,
porque o referido dispositivo foi excluído do ordenamento jurídico pela Lei n.o
10.034/2000. No entanto, o que se quer extrair do referido julgado é a possibilidade,
constitucionalmente válida, de que a tributação extrafiscal possa causar
discriminações com objetivo de realizar a própria igualdade.
256 Para mais informações sobre a sistemática de funcionamento do Simples Nacional,
recomenda-se a leitura do site da Receita Federal. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Simples nacional. 2015. Disponível em: <http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/Default.aspx>. Acesso em: 29 set. 2015.
257BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.643/DF. Relator: Min. Maurício Corrêa. Tribunal Pleno, DJ 19.12.1997.
91
Portanto, a capacidade contributiva deve atuar ao lado de outros princípios
constitucionais, em uma relação de integração.258 Isso permite ela seja mitigada em
determinadas situações para que o Estado possa realizar outras finalidades,
sobretudo, aquelas que visem reduzir as desigualdades sociais e econômicas. É o que
ocorre, por exemplo, com o Prouni, em que a tributação extrafiscal (isenção) funciona
como fator de estímulo para que as instituições concedam bolsas de ensino aos
estudantes carentes, que, via de regra, enfrentam mais dificuldades para acessar o
ensino superior público.
Todavia, o manejo da extrafiscalidade não pode ser feito de forma
descriteriosa, isto é, sem submissão a qualquer tipo limite. O mau uso das normas
tributárias extrafiscais pode favorecer, injustamente, determinados contribuintes em
detrimento de outros, causando, por exemplo, problemas como o desequilíbrio
concorrencial entre os agentes econômico no mercado, 259 isto é, em vez realizar a
igualdade, a medida extrafiscal torna-se a causa da desigualdade. Isso faz com que a
tributação extrafiscal seja balizada por outro critério de controle, que a doutrina chama
de controle de proporcionalidade, que será explorado no item subsequente.
4.5 A TRIBUTAÇÃO EXTRAFISCAL E O CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE
Viu-se, acima, que as medidas tributárias extrafiscais provocam uma
atenuação do princípio da capacidade contributiva em prol da realização de outros
objetivos constitucionais. Por isso, o manejo da função extrafiscal dos tributos deve
estar submetido ao controle da sua constitucionalidade, à luz do princípio da
258LEÃO. Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.
106. 259 Sobre essa temática, recomenda a leitura de: GONÇALVES, Oksandro Osdival. Os
incentivos tributários na Zona Franca de Manaus e o desequilíbrio concorrencial no setor de refrigerantes. Economic Analysis of Law Review, v. 3, n. 1, p. 72-94, 2011. No referido artigo, o autor analisa os principais aspectos do desequilíbrio na concorrência do setor de bebidas, especialmente no de fabricação de refrigerantes, decorrentes de incentivos fiscais oferecidos na Zona Franca de Manaus – ZFM. Segundo sua análise, se a criação da Zona Franca de Manaus justificou-se para permitir a ocupação territorial e o desenvolvimento daquela região, atualmente a ausência de uma ampla revisão dos benefícios fiscais concedidos tem contribuído para gerar uma importante distorção na concorrência porque, a partir dos créditos gerados e sua transferência, é afetada a competitividade com reflexos diretos sobre o preço, elemento de grande sensibilidade para a concorrência no referido setor.
92
igualdade, no intuito de averiguar se as disparidades causadas pelo tributo extrafiscal
obedecem às exigências impostas pelo mandado de proporcionalidade.260
Antes de adentrar ao exame desse postulado, vale lembrar que o princípio
da capacidade contributiva é acompanhado pelo princípio da isonomia, que proíbe ao
Estado instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em
situação equivalente (art. 150, inc. II da CF). Segundo Kiyoshi Harada esse princípio
“veda o tratamento jurídico diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de
fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas
pessoas físicas ou jurídicas”. 261
É um desdobramento do princípio da igualdade, previsto no art. 5o da
Constituição Federal, que enuncia que “todos são iguais perante a lei”. Isso porque, a
igualdade é o princípio estruturante dos direitos fundamentais e, além da sua
dimensão subjetiva, ostenta uma dimensão objetiva que informa toda a ordem
jurídica.262 A força desse princípio vai muito além da previsão de igualdade perante a
lei. O seu alcance e intensidade devem ser suficientes para determinar a realização
das metas constitucionais, dentre elas, a redução das desigualdades sociais e
econômicas.
Isso faz com que, muitas vezes, a igualdade não se faça apenas com o
tratamento igual. Ao contrário do que supõe a interpretação literal da matriz
constitucional da isonomia, o princípio da igualdade, em muitas incidências, não
apenas veda o estabelecimento de desigualdades jurídicas, como impõe que o
tratamento seja desigual,263 o que ocorre, por exemplo, com a previsão contida no art.
179 da Constituição Federal.264
Além disso, o princípio da isonomia impõe que a diferenciação dos
contribuintes ocorra de forma adequada e razoável com a finalidade indutora
260VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao
controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 310. 261HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2010, p. 363. 262CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 426. 263BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 231. 264O art. 179 da Constituição Federal prevê tratamento jurídico diferenciado às microempresas
e às empresas de pequeno porte, com objetivo de incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, e até mesmo pela eliminação ou redução dessas obrigações. Logo, quando uma medida extrafiscal é instituída com base nesse dispositivo, o seu objetivo deve ser permitir que esse pequenos negócios possam concorrer em igualdade de condições no mercado com as empresas de grande porte.
93
perseguida pelo tributo extrafiscal.265 A partir do exposto, passa-se a análise do
controle de proporcionalidade da tributação extrafiscal. A tributação extrafiscal
submete-se a esse mandado, enquanto forma de controle de aplicação da própria
igualdade,266 seja quando a medida for utilizada para agravar a imposição fiscal ou,
ainda, quando o seu objetivo é atenuar a incidência do tributo.
A proporcionalidade funciona como metanorma para estruturar o modo de
aplicação dos princípios que prescrevem os fins visados pela tributação extrafiscal,
bem como das normas que prescrevem os direitos fundamentais eventualmente
restringidos pela medida extrafiscal. Colocada num plano diverso das normas objeto
de aplicação, a proporcionalidade presta-se a aferir a validade da medida extrafiscal
implementada pelo Estado, com objetivo de promover os valores constitucionais.267
Assim, quando ocorre a colisão de princípios – que podem ser entendidos
como mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas que
determinam a realização do direito em seu grau máximo – a proporcionalidade é via
para solucionar esse choque, funcionando como uma norma para regular a aplicação
de outra norma.268
Humberto Ávila explica que a proporcionalidade é aplicável somente
quando houver uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente
discerníveis, um meio e um fim concreto, no qual “fim” significa um estado de coisas
almejado. A partir disso, será possível proceder aos três exames fundamentais, quais
sejam: (i) o da adequação; (ii) o da necessidade; (iii) o da proporcionalidade em
sentido estrito.269 Se não resistir a esse teste, a medida tributária extrafiscal não estará
em consonância com o que dela se espera, isto é, ser instrumento na promoção dos
direitos, valores e objetivos constitucionalmente consagrados.
Será adequada aquela medida que ao ser realizada contribua para a
promoção gradual do escopo extrafiscal, isto é, a medida deve ser adequada ao fim
que o Estado pretende atingir. Por exemplo, se o fim da tributação é proteger o meio
ambiente, o mecanismo pelo qual ela é exteriorizada deve produzir efeitos para a
265LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.
333. 266ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
162. 267FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,
2014, p. 212. 268ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p
116-120. 269ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112-113.
94
proteção desse direito. 270 Dito de outra forma, o “remédio precisa ser adequado para
o enfretamento da doença.” Para isso, a medida extrafiscal deve realizar ou, no
mínimo, avançar na direção do propósito subjacente à lei.271
No caso do Prouni, desde sua criação, no ano de 2005, a política pública já
beneficiou mais de 2,5 milhões de estudantes com bolsas parciais e integrais, 272 o que
será melhor abordado no quarto capítulo. Houve, portanto, significativa ampliação do
acesso ao ensino superior, em especial da população mais carente, tornando mais
efetivo o direito à educação, o que aponta para a adequação da medida extrafiscal.
Isto é, a isenção dos tributos federais atingiu o resultado com ela pretendido.
Além disso, ao exame da adequação, é desnecessário que a medida
escolhida seja aquela que, dentre todas, mais promova a finalidade para a qual foi
concebida, bastando que se revele adequada à realização do direito que visa
implementar.273 Aproveitando-se do exemplo do Prouni, admitindo-se, por hipótese,
que outras modalidades de benefícios fiscais pudessem produzir um resultado melhor,
tal circunstância não afastaria a adequação da norma que instituiu a isenção, pois os
dados revelam que, de fato, o incentivo estimulou a concessão de bolsas.
Mostrando-se adequada, inicia-se a segunda fase do controle de
proporcionalidade. Para fazê-lo, o exame da necessidade demanda a aferição da
existência de meios alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Executivo
ou Poder Legislativo, e que sejam hábeis a promover igualmente o fim sem restringir,
na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados.274 Isto é, o Estado deve
escolher a medida menos restritiva relativamente ao princípio da igualdade, ainda que
existam outras medidas também adequadas para concretizar a finalidade.275
Logo, “se houver meio que promova igualmente aquela finalidade
constitucional sem restringir, ou restringindo menos, a isonomia ou a liberdade, ele
270Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 162. 271LEÃO. Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.
141. 272BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: bolsas
ofertadas por ano. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2015. BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: número de bolsas ofertadas pelo Prouni para o segundo semestre de 2015. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_segundo_semestre_2015.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2015.
273FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220, 2014, p. 212-213.
274ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 122.
275Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 162-163.
95
deverá ser adotado, em lugar do meio mais restritivo”.276 No Prouni, a isenção não
parece restringir o princípio da igualdade. Pelo contrário, dele se aproxima, na medida
em que a sistemática criada pelo programa permite o acesso dos estudantes que, em
razão de condições econômicas e sociais desfavoráveis, enfrentam mais dificuldades
para acessar o ensino superior.
O Prouni trata de forma igual os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida em que se desigualam, o que será melhor abordado no quarto capítulo. Assim,
com arrimo em José Souto Maior Borges, pode-se dizer que, no caso do Prouni, a
isenção concilia-se com a promoção do bem comum, sendo apenas aparente o
conflito com o princípio da isonomia, pois a exclusão da incidência dos tributos é
ditada pelo interesse coletivo, 277 consistente na ampliação do acesso ao ensino
superior.
Ao exame da proporcionalidade em sentido estrito interessa a comparação
entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos
fundamentais. É preciso indagar se o grau da importância do fim justifica o grau de
restrição ao direito fundamental. 278 A medida extrafiscal deve trazer mais efeitos
positivos do que negativos no que tange à promoção dos princípios constitucionais,
isto é, um conjunto de princípios deve ser realizado simultaneamente. 279 Vale dizer, é
preciso que a medida extrafiscal “traga mais vantagens do que desvantagens à
sociedade como um todo”.280
No caso do Prouni, além do direito à educação, um conjunto de metas
constitucionais parece ser atendido com o programa. A educação, como já se disse no
capítulo anterior, é essencial à garantia do desenvolvimento nacional, que é mais do
que apenas o crescimento econômico. Permitir o acesso dos mais pobres ao ensino
superior colabora, ainda que por via reflexa, na erradicação da pobreza e na redução
das desigualdades sociais e regionais, o que é essencial para a construção de uma
sociedade mais justa, livre e solidária.
Mesmo partindo da premissa de que a avaliação do grau de importância de
determinado direito pode ser subjetiva, quanto maior a relevância da finalidade
276FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,
2014, p. 214. 277BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 70-71. 278ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124. 279Id., Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 163. 280LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p.
280.
96
almejada com a tributação extrafiscal, maior poderá ser a restrição a outro direito em
rota de colisão.281 Parece inquestionável o alto grau de importância do direito à
educação, o que permite a restrição ao princípio da capacidade contributiva, pois a
isenção não leva em conta o potencial econômico das instituições de ensino superior
destinatárias da norma.
Portanto, quando se trata da indução extrafiscal, o controle de
proporcionalidade pode ser concebido como uma diretriz para harmonizar os conflitos
entre princípios constitucionais,282 razão pela qual deve ser observado quando da
elaboração de medidas extrafiscais e, até mesmo, para avaliar se determinado
benefício fiscal já concedido atende a esse critério. Em interessante análise sobre a
proporcionalidade, Paulo Caliendo alerta que:
uma tentação simplificadora seria imaginar que os tributos com função fiscal estão submetidos ao princípio da isonomia, enquanto que a extrafiscalidade é limitada pelo princípio da proporcionalidade. Este entendimento decorre da compreensão de que o princípio da proporcionalidade trata da correta adequação entre os meios escolhidos e os fins pretendidos pela norma tributária. Assim, se as finalidades são extrafiscais então a proporcionalidade indicaria os parâmetros para a correta utilização de meios e técnicas extrafiscais na promoção dos direitos fundamentais. Tal argumento é falso. Tanto a fiscalidade, quanto a extrafiscalidade se submetem inquestionavelmente ao princípio da isonomia. (...) O princípio da proporcionalidade, contudo, possui importante função de controle normativo no caso de restrições de direitos fundamentais, por meio da aplicação dos critérios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.283
Por isso, a tributação deve perseguir a realização da igualdade em
quaisquer de suas formas de manifestação. Em última análise, esse é o critério que
deve orientar a tributação fiscal e extrafiscal. Se os recursos gerados com a tributação
fiscal devem ser direcionados à ampliação do acesso aos direitos fundamentais como
a educação, com objetivo de reduzir as desigualdades sociais e econômicas, do
mesmo modo, o manejo da tributação extrafiscal deve direcionar condutas no intuito
de atingir essa finalidade.
281FOLLONI, André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista Direito GV, v. 10, p. 201-220,
2014, p. 214. 282PAPADOPOL, Marcel Davidman. A extrafiscalidade e os controles de proporcionalidade
e igualdade. 2009. 130 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, 2009, p. 64.
283CALIENDO, Paulo. A extrafiscalidade como instrumento de implementação dos direitos fundamentais sociais no Brasil. Revista Jurídica do Cesuca, v. 2, p. 62-86, 2014, p. 73-74.
97
5 O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS - PROUNI
O objetivo do presente capítulo é analisar o Prouni, política pública que
tem a isenção de tributos federais como fator de estímulo para as instituições privadas
de ensino superior. Desde já, é preciso anotar que a investigação não pretende
esgotar todos os aspectos do referido programa, mas, sobretudo, verificar, à luz dos
objetivos constitucionais, se a iniciativa confere maior efetividade ao direito
fundamental social à educação através da ampliação do acesso ao ensino superior.
5.1 PROUNI: O DELINEAMENTO DA POLÍTICA PÚBLICA
Conforme se abordou no primeiro capítulo deste trabalho, a Constituição
Federal de 1988 criou uma série de obrigações para o Estado no sentido de assegurar
os direitos fundamentais, dentre eles o direito fundamental social à educação. Nesse
contexto, as políticas públicas existem para tornar efetivos esses direitos. Segundo
Maria Paula Dallari Bucci, “o fundamento mediato das políticas públicas, o que justifica
o seu aparecimento, é a própria existência dos direitos sociais”. 284
Uma política pública é formada por um conjunto organizado de atos e
normas tendentes à realização de um objetivo determinado.285 Segundo Felipe de
Melo Fonte, no âmbito da produção legislativa, o termo política pública é usado para
designar sistemas legais “com pretensão de vasta amplitude, os quais definem
competências administrativas, estabelecem princípios, diretrizes e regras, e em alguns
casos impõem metas e preveem resultados específicos”. 286
O Prouni insere-se nesse quadro das políticas públicas.287 Foi instituído
pela Medida Provisória nº. 213/2004, 288 posteriormente convertida na Lei nº.
284 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Revista de
informação legislativa, v. 34, n. 133, p. 89-98, jan./mar. 1997, p. 90. 285COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas
públicas. Revista de Informação Legislativa, v. 35, n. 138, p. 39-48, abr./jun. 1998, p. 44. 286FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 304, p. 38. 287A definição de políticas públicas dada por Elenaldo Celso Teixeira pode ser útil para
aprofundar a análise do Prouni e dos seus efeitos. Segundo Teixeira, as políticas públicas constituem princípios norteadores da ação do Poder Público, funcionando também para regular as relações entre o Estado e os atores da sociedade. As políticas públicas são sistematizadas em leis, programas e linhas de financiamento que orientam ações que geralmente envolvem a aplicações de recursos públicos. As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, principalmente, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição do poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição dos custos e benefícios sociais. Ainda na concepção do autor, as políticas públicas podem ter os seguintes objetivos: (i) responder
98
11.096/2005, regulamentada pelo Decreto nº. 5.493/05. Nos termos do art. 1º da Lei
nº. 11.096/2005, o programa objetiva conceder bolsas de estudo integrais e parciais
para estudantes de baixa renda em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
O art. 2o da Lei nº. 11.096/2005 estabelece os requisitos para ter o direito
de ingressar no sistema, podendo participar aqueles estudantes que ainda não
possuam diploma de curso superior e que preencham um dos seguintes requisitos: (i)
ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições
privadas na condição de bolsista integral; (ii) ser portador de deficiência, nos termos
da lei; (iii) ser professor da rede pública de ensino, em cursos de licenciatura, normal
superior e pedagogia, destinados ao magistério da educação básica,
independentemente de renda.
Os estudantes que pretendem concorrer às bolsas integrais devem possuir
renda familiar bruta mensal de até um salário mínimo e meio, por pessoa (art.1º, §1º
da Lei nº. 11.096/2005), enquanto as bolsas parciais de 50% são destinadas para os
estudantes cuja renda brutal mensal seja de até três salários mínimos, por pessoa
(art.1º, § 2º da Lei nº. 11.096/2005).
O programa visa beneficiar, também, aqueles que se autodeclarem
indígenas e negros. Nesse caso, o percentual de vagas deverá ser, no mínimo, igual
ao percentual de cidadãos autodeclarados indígenas, pardos ou pretos, na respectiva
unidade da Federação, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE (art. 7º, inc. II, § 1º da Lei 11.096/2005).
Nos termos do § 4º do art. 1º do Decreto nº. 5.493/05, incumbe ao
Ministério da Educação dispor sobre os procedimentos operacionais para a adesão
as demandas dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis; (ii) ampliar e efetivar os direitos de cidadania, gestados nas lutas sociais e que passam a ser reconhecidos institucionalmente; (iii) promover o desenvolvimento, criando alternativas para a geração de empregos e renda como forma compensatória dos ajustes criados por outras políticas de viés mais econômico; (iv) regular conflitos entre os diversos atores sociais que têm contradições de interesses que não se solucionam por si mesmas ou pelo mercado e necessitam de mediação. Ao longo deste capítulo, será possível perceber que certos aspectos dessa conceituação se identificam com o Prouni, em especial no que diz respeito à melhor distribuição dos benefícios sociais, ao atendimento de setores mais excluídos da sociedade, a ampliação do acesso a direitos e a promoção do desenvolvimento. Nesse sentido, ver: TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O papel das políticas públicas no desenvolvimento local e na transformação da realidade. Salvador: AATR, 2002, p. 2-3.
288Na exposição de motivos da Medida Provisória n.o 213/2004, feita por Fernando Haddad (Ministro da Educação) e por Antonio Palocci Filho (Ministro da Fazenda), apontou-se como principal objetivo do Prouni a democratização do acesso ao ensino superior. BRASIL. Presidência da República. Exposição Interministerial nº 061/2004/MEC/MF. Diário Oficial da União, Brasília, 27 set. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Exm/EMI-061-MEC-MF-04.htm>. Acesso em: 30 nov. 2015.
99
das instituições de ensino superior ao Prouni, sobre o processo de seleção dos
bolsistas, especialmente quanto à definição de nota de corte, sobre os métodos para
preenchimento de vagas eventualmente remanescentes, inclusive aquelas oriundas do
percentual legal destinado aos portadores de deficiência e dos autodeclarados negros
e indígenas.
Durante o ano são realizadas duas seleções, uma no primeiro semestre e
a outra no segundo semestre, sendo o processo seletivo composto por duas fases,
quais sejam: (i) processo regular; e (ii) processo de ocupação das bolsas
remanescentes, isto é, aquelas que não forem ocupadas no decorrer do processo
regular do programa. Para participar dos processos, o candidato deve ter participado
do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além de obter pontuação mínima de 450
pontos na média das notas das provas do exame, bem como nota acima de zero na
redação.289
Para concretizar a adesão das instituições de ensino superior ao Prouni, a
Lei nº. 11.096/2005 oferece, em contrapartida, a isenção de tributos federais, nos
termos do art. 8º. De acordo com caput do art.8o e seu §1a, a isenção recairá sobre o
lucro nas hipóteses do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e sobre a receita auferida, nas hipóteses de
Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e
Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), decorrentes da realização
de atividades de ensino superior, proveniente de cursos de graduação ou cursos
sequenciais de formação específica.
Revela-se, neste ponto, a natureza extrafiscal da política pública,
porquanto desonera os destinatários da norma (instituições de ensino superior) para
estimulá-los a concederem bolsas. Essa sistemática foi criticada pelo Tribunal de
Contas da União que, no Relatório de Auditoria Operacional sobre o Prouni de 2009,
recomendou avaliar a conveniência de alterar o mecanismo da isenção fiscal, de modo
que ele passasse a abranger o número de bolsas efetivamente ocupadas, a fim de
que o benefício ofertado pelas instituições fosse equivalente à contrapartida recebida
do Estado.290 A recomendação foi acolhida pela Lei nº. 12.431/2011 que incluiu o §3º
289BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível
em: <http://siteprouni.mec.gov.br/tire_suas_duvidas.php#conhecendo>. Acesso em: 15 nov. 2015.
290BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: Programa Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Brasília: TCU, 2009, p. 117. Disponível em:
100
no art. 8o da Lei nº. 11.096/2005 para determinar que a isenção seja calculada na
proporção da ocupação efetiva das bolsas concedidas.
O Prouni também possui dois pontos de ligação com Financiamento
Estudantil (Fies), que visa ampliar o acesso ao ensino superior pela concessão de
financiamento a juros baixos.291 Nos termos do art. 14 da 11.096/2005, as instituições
que aderirem ao Prouni terão prioridade na distribuição dos recursos disponíveis ao
Fies. Além disso, desde 2007, existe a possibilidade dos bolsistas parciais do Prouni
contratarem junto ao Fies o financiamento de metade da parcela da mensalidade que
não é coberta pela bolsa.292
No ano de 2004, a Confederação Nacional dos Estabelecimento de
Ensino, o Partido Democratas e a Federação Nacional dos Auditores-fiscais da
Previdência Social propuseram junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 3.330/DF), tendo por objeto a Medida Provisória nº
213/2004, posteriormente convertida na Lei nº 11.096/2005 (Lei do Prouni).
Argumentaram, em síntese, que: (i) a Medida Provisória nº 213/2004 havia sido
editada sem observância aos critérios constitucionais da urgência e da relevância; (ii)
a reserva de vagas por critérios raciais desrespeita o princípio da isonomia; (iii) o
programa ofende o princípio da autonomia universitária (art. 207 da CF); (iv) a isenção
operou uma limitação ao poder estatal de tributar, motivo pelo qual o benefício seria
matéria reservada à lei complementar.293
Em março de 2012, o Supremo Tribunal Federal por maioria de votos (7
votos favoráveis, restando vencido o Ministro Marco Aurélio Mello), nos termos do voto
<http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9283C47B77D7>. Acesso em: 10 dez. 2015.
291Segundo notícia divulgada no site da Globo, com base em dados oficiais, o Fies sofreu uma redução de quase 50% no número de novos contratos entre o primeiro semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015. No primeiro semestre de 2014, foram cerca de 480 mil contratos, número que caiu para cerca de 252 mil contratos no primeiro semestre de 2015. Segundo a matéria, a queda no ritmo da expansão do programa decorreu de alguns fatores, tais como a obrigatoriedade da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que entrou em vigor em 30 de março de 2015, bem como em razão do financiamento passar a privilegiar cursos com melhor avaliação. Nesse sentido ver: MORENO, Ana Carolina. Número de novos contratos do Fies caiu quase 50% entre 2014 e 2015. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/05/numero-de-novos-contratos-do-fies-caiu-quase-50-entre-2014-e-2015.html>. Acesso em: 15 dez. 2015; PORTAL PLANALTO. Fies já obteve 252,4 mil novos financiamentos. 2015. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/noticias/2015/05/janine-fies-ja-teve-252-4-mil-novos-financiamentos>. Acesso em: 15 dez. 2015
292BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/prouni-sp-1364717183/como-funciona>. Acesso em: 15 dez. 2015.
293BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ 22.03.2013.
101
do Relator Ministro Ayres Britto, julgou improcedente a ADI 3.330/DF, reconhecendo,
portanto, a constitucionalidade do Prouni. A Corte Constitucional entendeu, em
síntese, que o Prouni é uma medida de natureza afirmativa, que consiste em tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Embora não seja objetivo central do presente capítulo analisar todos os argumentos
constantes do acórdão proferido na ADI 3.330/DF, alguns deles serão trazidos nos
itens subsequentes do presente capítulo, quando houver pertinência com a temática
neles abordada.
5.2 PROUNI: A ISENÇÃO PARA SUPERAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Conforme já dito no capítulo anterior, a incidência dos tributos pode ser
mitigada de diversas formas. No caso do Prouni, a extrafiscalidade manifesta-se
através da técnica da isenção. Nos termos dos arts. 175 e 176 do Código Tributário
Nacional (CTN), a isenção é modalidade de exclusão do crédito tributário que decorre
de lei que especifique as condições e os requisitos exigidos para a sua concessão ao
tributo a que se aplica e o seu prazo de duração. Leandro Paulsen, ao investigar a
natureza jurídica da isenção, explica que:
a isenção exclui o crédito tributário, nos termos do art. 175, caput. Ou seja, surge a obrigação, mas o respectivo crédito não será exigível; logo, o cumprimento da obrigação resta dispensado. Para Rubens Gomes de Souza, favor legal consubstanciado na dispensa do pagamento do tributo. Para Alfredo Augusto Becker e José Souto Maior Borges, hipótese de não-incidência da norma tributária. Para Paulo de Barros Carvalho, o preceito de isenção subtrai parcela do campo de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma tributária, paralisando a atuação da regra-matriz de incidência para certos e determinados casos. 294
Para Hugo de Brito Machado, a isenção é “a exclusão, por lei, de parcela
da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da
isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da
regra de tributação”. 295 Na concepção de Marco Aurélio Greco, a isenção é um
294PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e
da jurisprudência. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 1129. 295MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 231.
102
fenômeno típico dos impostos, 296 cuja função é gerar receitas para o Estado. Segundo
o autor, a extrafiscalidade não é conceito pertinente às contribuições, pois essas
espécies de tributos não existem em função da arrecadação, mas em razão da
finalidade a que se preordenam.297
No entanto, discorda-se da posição de Greco. Mesmo com relação às
contribuições que têm natureza de ingresso parafiscal, pois são arrecadadas em favor
dos órgãos paraestatais incumbidos de prestar serviços paralelos aos da
administração pública,298 parece adequado entender que a extrafiscalidade também
pode se manifestar através delas.
Isso porque, ao isentá-las, o Estado põe fim à imposição tributária e, ao
fazê-lo, induz aquele comportamento desejável que ensejou a lei que concedeu a
isenção. No caso do Prouni, o objetivo do benefício é estimular a concessão de bolsas
para alunos carentes. Se a extrafiscalidade (isenção) tivesse se limitado somente ao
imposto de renda, possivelmente a adesão das instituições ao programa seria menor,
em razão do benefício econômico menos significativo, isto é, menos estimulante.
Sem prejuízo sobre a discussão conceitual da isenção enquanto
manifestação extrafiscal, pode-se dizer que, quando o ordenamento jurídico prescinde
dos fins estritamente fiscais, a isenção converte-se em instrumento de política social e
econômica, podendo ser manejada por razões sociais para assegurar o bem estar
geral, passando a exercer função regulatória extrafiscal de setores da vida social,299
sendo útil, inclusive, para que o Estado possa fornecer mais do que o mínimo
existencial do direito à educação.
O conteúdo do mínimo existencial costuma ser atrelado aos bens
indispensáveis à proteção da vida e à garantia da dignidade da pessoa humana. 300 No
296Nos termos do art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem
por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
297GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de intervenção no domínio econômico – parâmetros para sua criação. In: GRECO, Marco Aurélio (Coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. São Paulo: Dialética, 2001, p. 25-26.
298TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 19. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 415.
299BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 70-72.
300Segundo Ana Paula de Barcellos, o mínimo existencial é formado por um “conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física — a sobrevivência e a manutenção do corpo — mas também espiritual e intelectual.” Explica, ainda, que a partir da Constituição Federal, o mínimo existencial é formado por quatro elementos, três materiais e um instrumental, quais sejam: (i) a educação básica; (ii) a saúde básica; (iii) a assistência aos desemparados; e (iv) o acesso à Justiça, como elemento instrumental. Em outra categorização, Eurico Bittencourt
103
Brasil, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, apesar de não haver um direito geral à garantia
do mínimo existencial, esse direito decorre dos princípios e objetivos da ordem
constitucional econômica (art. 170 da CF) e também dos próprios direitos sociais
específicos (art. 6o da CF), que acabam por abarcar algumas dimensões do mínimo
existencial.301
Pode-se acrescentar, ainda, que o mínimo existencial também decorre dos
fundamentos (art. 1o da CF) e objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF),
porque neles foram cristalizados valores que não toleram uma existência sem o
acesso a bens básicos como alimentação, moradia, saúde e educação. No caso da
educação, o legislador conferiu especial importância à educação básica, que
compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Segundo Ana Paula de Barcellos, estas são as parcelas que compõem o
mínimo existencial do direito fundamental social à educação,302 posição com a qual
outros autores também concordam. 303 A definição das parcelas que formam o
conteúdo mínimo de um direito fundamental social é importante na medida em que
aponta uma obrigação mínima do Estado, desde logo sindicável, 304 tanto que o
Supremo Tribunal Federal já consolidou seu entendimento no sentido de que essas
parcelas da educação são de fornecimento obrigatório pelo Estado, como já dito no
segundo capítulo.
Neto afirma que o reconhecimento do mínimo para uma existência digna assegura o respeito “ao núcleo axiológico do Estado de Direito democrático e social: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade, a socialidade e a democracia.” Nesse sentido ver, respectivamente: BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247; e BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 115-116.
301SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 25.
302 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 247, p. 305-306.
303As parcelas que compõe a educação básica também são identificadas como o núcleo que compõe o mínimo existencial por outros autores, dentre eles: FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 219-220; BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 120-121; HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 359; DA ROCHA, Enivaldo Carvalho. A educação como direito universal. Revista Direito e Política, v. 9, n. 2, p. 892-910, 2014, p. 905;
304CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 28.
104
Ao mesmo tempo, as construções teóricas do mínimo existencial impedem
que toda e qualquer prestação estatal destinada à satisfação de um direito
fundamental seja considerada parcela integrante do mínimo existencial.305 No caso do
ensino superior, embora seja um desdobramento da proteção constitucional dada ao
direito fundamental social à educação, trata-se de parcela que extrapola o mínimo
existencial desse direito. Em razão disso, há quem diga que as parcelas além do
conteúdo do mínimo existencial não estariam abarcadas pelo regime jurídico dos
direitos fundamentais.
Segundo Ricardo Lobo Torres, a jusfundamentalidade dos direitos sociais
encontra-se circunscrita às parcelas indispensáveis à garantia do mínimo existencial,
entendidas como aquelas prestações estatais individuais necessárias para a garantia
da liberdade (isto, é condições mínimas para sobreviver com dignidade). Por isso, as
políticas públicas devem garantir apenas o máximo do mínimo existencial.306 De forma
semelhante, Alceu Maurício Junior entende que os direitos sociais são exigidos em
razão do princípio da liberdade fática, pois, sem o mínimo necessário, desaparecem
as condições de liberdade.307
Ocorre que, conforme explica Daniel Wunder Hachem, essa concepção
minimalista a respeito da fundamentalidade dos direitos sociais conduz ao raciocínio
de que o Estado não estaria obrigado a instituir políticas públicas com objetivo de
assegurar o conteúdo pleno dos direitos fundamentais sociais, mas somente o mínimo
necessário para viver dignamente.308 Se assim fosse, políticas públicas como o Prouni
cujo objetivo é conferir mais do que o mínimo existencial seriam desnecessárias. Essa
não parece ser a posição mais adequada com a proteção constitucional dada aos
direitos fundamentais sociais.
Embora o mínimo existencial aponte uma obrigação mínima do Estado, na
realidade, esses direitos reclamam um horizonte eficacial progressivamente mais
305 HACHEM, Daniel Wunder. Tutela administrativa efetiva dos direitos fundamentais
sociais: por uma implementação espontânea, integral e igualitária. 2014. 614 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014, p. 94, 116.
306TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 30-40, 41-43,121-125.
307MAURÍCIO JR., Alceu. A revisão judicial das escolhas orçamentárias: a intervenção judicial em políticas públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 51, 55-56.
308HACHEM, Daniel Wunder. A noção constitucional de desenvolvimento para além do viés econômico: reflexos sobre algumas tendências do Direito Público brasileiro. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 53, p. 133- 168, jul./set. 2013, p. 147-148.
105
vasto, que indica para uma ideia de máximo possível.309 Prova disso, é que a Lei n.
9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art.
5o, § 2º, determina que o Poder Público deve assegurar, em primeiro lugar, o acesso
ao ensino obrigatório (educação básica), mas, em seguida, contemplar também os
demais níveis de ensino.
“O desenvolvimento da personalidade humana é garantido, inicialmente,
pela educação básica”.310 Todavia, a existência digna vai além da mera subsistência,
para reclamar condições que permitam o pleno desenvolvimento da personalidade. O
reconhecimento de um conteúdo mínimo para a existência digna não faz com que os
direitos sociais, naquelas parcelas que extrapolam o mínimo necessário à proteção da
dignidade, deixem de ser fundamentais.311 Isto é, o ensino superior não é mais nem
menos fundamental apenas porque o seu conteúdo supera o mínimo para viver
dignamente.
Segundo Hachem, o dever de atuação maximizada do Estado decorre de
dois fundamentos: (i) a igualdade material; e (ii) o direito ao desenvolvimento. A
concretização da igualdade material exige que, além de oferecer as condições iniciais
de vida, o Estado atue no sentido de reaproximar as posições distribuídas na
sociedade, mediante a redução das disparidades de renda e condições de vida, para o
que é necessária a melhor distribuição dos recursos. No que diz respeito ao
desenvolvimento, os objetivos fundamentais da República (art. 3o da CF) configuram
uma decisão política do constituinte cujo objetivo é compelir o Estado a otimizar a
qualidade de vida da população. Para isso, não basta eliminar as condições
miseráveis dos brasileiros, mas, também, a desigualdade social existente entre os
indivíduos.312
Daí a importância de garantir os direitos fundamentais sociais na maior
medida possível.313 Admitir que basta ao Estado fornecer aos indivíduos apenas o
mínimo para viver dignamente, distancia a atuação estatal desses dois fundamentos.
Primeiro, porque excluiria do ensino superior todos aqueles indivíduos que não podem
309CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo
Horizonte: Fórum, 2012, p. 28. 310FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 220. 311BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 118, 144. 312HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais
pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 370, 377, 381 e 385.
313PESSANHA, Érica. A eficácia dos direitos sociais prestacionais. Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 7, n. 8, p. 297-333, 2006, p. 308.
106
pagar por esse bem e que também não conseguem ingressar nas universidades
públicas, tanto pela falta de vagas para todos, quanto pela impossibilidade de
concorrer em igualdade de condições com aqueles que tiveram acesso ao ensino
básico privado.314
Não se atinge o desenvolvimento, na concepção escolhida pela
Constituição, somente garantindo o acesso à educação básica. O ensino superior é
essencial para uma melhor distribuição de renda.315 Por isso, a isenção, que é fruto de
uma escolha legislativa preordenada para o alcance de um objetivo, pode funcionar
como mecanismo para a superação do mínimo existencial do direito à educação.
Segundo dados disponíveis no site Prouni, desde a instituição do programa em 2005,
já foram concedidas mais de 2,5 milhões de bolsas parciais e integrais, como se pode
observar no gráfico abaixo:316
314Segundo dados do Ministério da Educação, em 2015 foram ofertadas somente 205.514
vagas, em 5.631 cursos de 128 instituições públicas de educação superior do Brasil. BRASIL. Ministério da Educação. Candidatos já podem consultar vagas para primeira edição de 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/busca-geral/410-noticias/sisu-535874847/21021-candidatos-ja-podem-consultar-vagas-para-primeira-edicao-de-2015-inscricoes-comecam-dia-19>. Acesso em: 15 nov. 2015.
315 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2015.
316BRASIL. Ministério da Educação. Programa Universidade para Todos – Prouni. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Representacoes_graficas/bolsas_ofertadas_ano.pdf>. < http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_primeiro_semestre_2015>. <http://prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Quadros_informativos/numero_bolsas_ofertadas_por_uf_segundo_semestre_2015.pdf >. Acesso em: 01 nov.2015
107
Gráfico 1 – Bolsas concedidas
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação, 2015.
Até o final de 2014, o programa havia formado cerca de 430 mil
profissionais em todas as áreas do conhecimento, quantia que corresponde a quatro
vezes o número de formandos nas universidades federais brasileiras, que somam 105
mil estudantes por ano.317 Portanto, o Prouni confirma a intenção constitucional de
proporcionar aos indivíduos mais do que o mínimo existencial, que, no caso, se
concretiza a partir da utilização da isenção de tributos federais.
Como decorrência da concepção de justiça social contemplada pela
Constituição Federal, o Estado deve atuar para superar o mínimo existencial, devendo
fornecer prestações maximizadas para a plena efetivação do direito à educação.318
Ora, se como um dos reflexos da injusta distribuição de renda do país o ensino
superior costumava ser mais acessível à parcela mais favorecida economicamente da
317BRASIL. Ministério da Educação. Prouni eleva nível das faculdades particulares nos
últimos dez anos. 2015. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/01/prouni-eleva-nivel-das-faculdades-particulares-nos-ultimos-dez-anos>. Acesso em: 19 nov. 2015.
318HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 345, 370 e 371.
108
população, a atuação do Estado deve visar também à inclusão do estudante de baixa
renda nesse nível de ensino.
Isso porque, para todas as normas de direitos fundamentais “há de se
outorgar a máxima eficácia e efetividade possível”.319 Daí decorre o dever do Estado
atuar visando permitir o pleno exercício dos direitos fundamentais sociais como a
educação. Claro que isso não significa ignorar o fato de que a efetividade dos direitos
fundamentais sociais encontra limite na disponibilidade financeira do Estado.
Tampouco significa dizer que o Estado deve ser provedor universal de todas as
necessidades dos indivíduos.
Trata-se, apenas, de reconhecer que as ações do Estado devem ter por
objetivo reduzir as disparidades sociais e econômicas, porque esta foi uma escolha da
ordem constitucional para que seja garantida a igualdade material e atingido o
desenvolvimento. Para isso, não basta superar a miséria. As políticas públicas devem
ter por objetivo universalizar o acesso aos direitos fundamentais sociais também
naquelas parcelas que extrapolam o mínimo existencial, ainda que, para tanto, seja
necessário contar com auxílio dos agentes privados estimulados pela concessão de
um benefício fiscal, como acontece com o Prouni.
5.3 PROUNI: A AÇÃO AFIRMATIVA EXTRAFISCAL
Dentre os inúmeros direitos consagrados na Constituição Federal de 1988,
o direito à igualdade (art. 5o da CF) ocupa posição central, sobretudo, porque se
encontra diretamente imbricado com a busca pelo desenvolvimento nacional e com a
efetivação dos direitos fundamentais. De forma simples, esse direito pode ser
compreendido como aquele que visa garantir a aplicação uniforme da lei para todos. É
o que acontece com a educação, que foi tratada como um direito de todos (art. 205 da
CF).
Todavia, essa concepção de igualdade puramente formal não basta. No
reconhecimento dos direitos fundamentais sociais é preciso levar em conta
determinadas diferenças que justificam um tratamento desigual, isto é, características
específicas que são relevantes para distinguir um grupo de indivíduos de outro grupo
de indivíduos.320 Não se pode ignorar o fato de que, em razão de certas condições
319SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo
existencial e direito à saúde: algumas aproximações. Direitos fundamentais & Justiça, n. 1, out./dez. 2007, p. 17.
320BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 65-66.
109
econômicas e sociais desfavoráveis, há indivíduos que enfrentam maiores dificuldades
do que outros para ter acesso a bens indispensáveis como a educação.
Garantir o acesso individual à educação é uma obrigação intrinsecamente
diferenciada. Apesar do dever do Estado de promover o acesso universal, a forma
como esse direito repercute em cada indivíduo está essencialmente ligada, por força
do princípio da igualdade, à necessidade diferente de ajuda estatal que cada indivíduo
apresente. 321 Disso resulta a possibilidade do Estado, na busca pela igualdade
material, instituir tratamento diferenciado para atender determinados grupos mais
desfavorecidos.
Para assegurar a igualdade material, o Estado deve adotar estratégias
promocionais que estimulem a inclusão desses grupos socialmente vulneráveis nos
espaços sociais, aí se situam as chamadas ações afirmativas.322 Elas podem ser
compreendidas como aquelas ações e políticas públicas implementadas com objetivo
de efetivação do princípio constitucional da igualdade, 323 aí entendido como a
isonomia material, que reclama a eliminação ou, ao menos, a atenuação daquelas
circunstâncias, sobretudo econômicas e sociais, que privam determinados indivíduos
do acesso a bens como a educação superior.
Ocorre que, na tentativa de concretizar a igualdade material ou
substancial, as ações afirmativas causam uma discriminação positiva, pois
proporcionam um tratamento prioritário para determinados grupos sociais.324 Parece
ser esse o caso do Prouni, porquanto seu principal objetivo é o atendimento daqueles
indivíduos que não possuem renda suficiente para pagar pelo acesso ao ensino
superior e também não conseguem ingressar na rede pública. É em favor desses
indivíduos que a política pública cria discriminações positivas.
Conforme explica Celso Antônio Bandeira de Mello, a discriminação não
pode ser gratuita ou fortuita. Ao contrário, reclama a existência de uma adequação
racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu
de supedâneo. Para isso, devem concorrer quatro elementos: (i) que a
desequiparação não atinja de modo absoluto um só indivíduo; (ii) que as pessoas
desequiparadas sejam distintas entre si, isto é, possuam características que as 321NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos
fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 49-50. 322PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.
199. 323CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., rev. atual. São Paulo:
Fórum, 2014, p. 167. 324RABELO NETO, Luiz Octavio. Direito tributário como instrumento de inclusão social: ação
afirmativa fiscal. Revista da PGFN, v. 1, p. 253-273, 2011, p. 247.
110
diferenciem; (iii) que exista uma correlação lógica entre os fatores diferenciais
existentes e a distinção de regime jurídico em função deles; (iv) que, concretamente,
essa correção lógica seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente
protegidos.325
No caso do Prouni, é possível identificar a presença desses elementos. A
diferenciação é feita em favor um grupo de pessoas economicamente desfavorecidas.
Isso faz com esses indivíduos tenham como característica comum uma maior
dificuldade para acessar o ensino superior, o que os diferencia de outros indivíduos
(isto é, aqueles que não enfrentam essas dificuldades). A renda é, portanto, o principal
fator diferencial que determina a instituição de um regime jurídico distinto que permite
o acesso ao ensino superior daqueles indivíduos economicamente desfavorecidos.
Tudo isso para aumentar o grau de efetividade do direito à educação,
protegido constitucionalmente, e cuja implementação colabora na realização de outros
objetivos constitucionais, como a igualdade material, o desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza, dentre outros. Além disso, para investigar a adequação do
Prouni, enquanto medida afirmativa extrafiscal que cria uma discriminação positiva, é
interessante analisar alguns fatos sobre o acesso ao ensino superior no país.
Desde a época colonial, a educação superior esteve voltada a uma classe
social economicamente mais favorecida, cujos filhos eram enviados para estudar nas
universidades europeias. Com a instalação da corte portuguesa no Brasil, criam-se as
primeiras escolas isoladas de educação superior, com cursos para formar os
profissionais essenciais ao funcionamento da sociedade e, também, à formação dos
quadros necessários à burocracia do Estado. No entanto, persistia o baixo acesso da
população mais pobre a esse nível de ensino.326
Essa situação não se modificou com a instalação da República em 1889.
Segundo o diagnóstico do ensino superior constante do Plano Nacional da Educação,
aprovado pela Lei n. 10.172/2001, que estabeleceu metas para a década
compreendida entre o período de 2001 a 2010, na América Latina, no ano de 2001, o
Brasil apresentava menos de 12% dos jovens entre 18 a 24 anos matriculados no
325MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 1993, p. 39, 42. 326APRILE, Maria Rita; BARONE, Rosa Elisa. Políticas públicas para acesso ao ensino superior
e inclusão no mundo do trabalho - o Programa Universidade para Todos (PROUNI) em questão. In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 6., Lisboa, 2008. Anais... Lisboa: Universidade Nova Lisboa, 2008, p. 4. v. 1, p. 1-17. Disponível em: <http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/182.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2015.
111
ensino superior. No Chile o índice era de 20,6%, na Venezuela de 26% e, na Bolívia,
de 20,6%, nessa mesma faixa etária. 327
No mesmo sentido, apontou o Censo da Educação Superior do ano de
2004, segundo a pesquisa, a taxa de escolarização líquida - que expressa as
matrículas na educação superior de estudantes na faixa etária de 18 a 24 anos-,
atingia somente 10,4% da população brasileira nessa idade naquele ano.328 Além
disso, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do ano de
2003, somente 5% dos jovens de 18 a 24 anos das famílias com renda per capta de
até um salário mínimo e 5% de não brancos (pretos, pardos e indígenas) chegavam
ao ensino superior.329
A percepção dessa desigualdade, seja no acesso ao direito à educação ou
a outros direitos fundamentais, é que deve servir de justificativa para ações como o
Prouni, que também pode ser compreendido como uma política pública
compensatória. Esse tipo de iniciativa visa equilibrar a balança que “sempre tendeu a
favorecer grupos hegemônicos no acesso aos bens sociais, conjugando assim ao
mesmo tempo, por justiça, os princípios de igualdade com o de equidade”.330
No julgamento da ADI 3.330/DF, que entendeu pela constitucionalidade do
Prouni, essa característica foi reconhecida pelo Ministro Relator Carlos Ayres Britto
quando destacou que “a lei existe para, diante dessa ou daquela desigualação que se
revele densamente perturbadora da harmonia ou do equilíbrio social, impor uma outra
desigualação compensatória. A lei como instrumento de reequilíbrio social”.331
Nesse passo, para alcançar a igualdade material, o Estado tem certa
liberdade, por meio da sua função legislativa, podendo valer-se, inclusive, da política
327BRASIL. Lei n. 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2001.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.
328Os dados do Censo da Educação Superior de 2004 não levam em conta o Programa Universidade para Todos cujos efeitos só foram registrados a partir de 2005. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/2004/censosuperior/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015.
329 Os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003 são disponibilizados pelo IGBE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2003. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2003/>. <http://dados.gov.br/dataset/microdados-do-censo-escolar >. Acesso em: 05 dez. 2015.
330CURY, Carlos Roberto Jamil. Políticas inclusivas e compensatórias na educação básica. Cadernos de Pesquisa (35), n. 124, p. 11-32, São Paulo: FCC, jan./abr. 2005, p. 24.
331 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Carlos Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.
112
fiscal, 332 sobretudo, no quadro da Constituição Federal de 1988, que consagrou
inúmeros valores e objetivos que irradiam seus efeitos sobre todo o ordenamento
jurídico. Isso faz com que as normas tributárias extrafiscais possam ser usadas para
veicular ações afirmativas, como faz o Prouni.
Assim, a ação afirmativa reflete a dinâmica do tributo em atendimento da
sua função social.333 O poder fiscal não deve aprofundar o processo de exclusão, pelo
contrário, deve servir como ferramenta para dissuadir a discriminação e estimular
comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da
discriminação de cunho histórico.334 Nesse campo, é que se inserem as iniciativas
como o Prouni, cujo estímulo extrafiscal é direcionado à iniciativa privada.
A função extrafiscal dos tributos enquanto instrumento de ação afirmativa
já foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal.335 Com o Prouni não foi diferente.
No julgamento da ADI 3.330/DF, o Ministro Joaquim Barbosa anotou que o programa
é uma ação afirmativa, pois todos conhecem a natureza elitista e excludente “do nosso
sistema educacional, se é que podemos qualificar como sistema o que era reservado
há até não muito tempo a um pequeno grupo de ungidos”. Para o Ministro Gilmar
Mendes, o Prouni “é um ótimo exemplo de política pública de ação afirmativa que
conseguiu atingir o objetivo de gerar altos índices de inclusão social. Os critérios
utilizados pela lei instituidora do PROUNI são eminentemente socioeconômicos”.336
Isso não significa que o programa não possua falhas. No ano de 2009, o
Tribunal de Contas da União, em Relatório de Auditoria Operacional sobre o Prouni,
apontou inúmeras delas. Dentre outros problemas, destacou que: (i) existiam usuários
que possuíam renda superior aos limites estabelecidos pelo programa, tanto no caso
de bolsistas parciais quanto bolsistas integrais. Havia beneficiários que auferiram
renda superior a R$ 200 mil por ano; (ii) através do cruzamento de dados do Registro
332BITTENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 106. 333VAREJÃO, José Ricardo do Nascimento. Princípio da igualdade e direito tributário. São
Paulo: MP, 2008, p. 173. 334GOMES, Joaquim B. Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo direito
constitucional brasileiro. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 38, jul./set. 2001, p. 147.
335Exemplo disso pode ser encontrado no julgamento da ADI 1.276/SP, de relatoria da Ministra Ellen Gracie. Naquela ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que ao conceder incentivos fiscais para empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembleia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular a conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1.276/SP. Relatora: Min. Ellen Gracie. Tribunal Pleno. DJ. 22.11.2002.
336BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.
113
Nacional de Veículos Automotores (Renavam), identificou-se que mais de 1.700
bolsistas (1.000 integrais e 700 parciais) possuíam veículos em seus nomes, sendo
que muitos desses veículos não estavam na categoria de populares, o que aponta
para uma incompatibilidade da renda com o programa; (iii) cerca de 1.000 bolsistas
encontravam-se cumulando bolsa no Prouni com a realização de graduação em
instituição pública e gratuita; (iv) dos 15.876 cursos ofertados pelo programa, 5.501
deles, isto é, 34,65% nunca haviam sido avaliados pelo Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes (Enade); (v) dos cursos avaliados, a quantia de 20,9%
obteve nota inferior a três no Enade, o que compromete a qualidade da formação dos
beneficiários do programa; (vi) no período de 2005 a 1º/2008, 9.496 bolsistas
evadiram-se do programa, uma média de 2,8% do número de bolsas concedidas por
semestre. No mesmo período, 54.84436 bolsas foram encerradas pelos mais diversos
motivos, tais como, rendimento acadêmico insuficiente, falsidade de documentos e
informações prestadas, substancial mudança de condição socioeconômica do bolsista,
inexistência de matrícula, dentre outros motivos.337
Falhas dessa natureza atentam contra os próprios fundamentos
socioeconômicos que levaram à instituição do programa, em especial aquelas que
permitem o ingresso de estudantes que não necessitam dos benefícios
proporcionados pelo Prouni. No entanto, a existência de certos efeitos negativos é
característica comum às políticas públicas de um modo geral. Em qualquer que seja a
sua ação, dificilmente a atuação estatal será perfeita. Por isso, as ações afirmativas
como o Prouni necessitam de aperfeiçoamento constante para reduzir ao máximo as
externalidades negativas.
O cruzamento de dados dos beneficiários com os dados do Registro
Nacional de Veículos Automotores e também com dados da Receita Federal do Brasil
podem funcionar como mecanismos para mitigar a inclusão de estudantes que não
tenham o perfil exigido pelo programa.338 Além disso, a falta de qualidade de algumas
337BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional: Programa
Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Brasília: TCU, 2009, p. 52-53, 64, 65, 92, 111, 121. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?inline=1&fileId=8A8182A14D92792C014D9283C47B77D7>. Acesso em: 10 dez. 2015.
338 O Ministério da Educação possui uma iniciativa chamada Supervisão do Programa Universidade para Todos. Trata-se de uma atividade permanente que possui dois focos: (i) No caso das instituições, a supervisão consiste na verificação da regularidade da oferta de bolsas por parte das instituições de ensino superior cadastradas no programa; (ii) No caso dos bolsistas, é feita uma verificação, a partir do cruzamento de informações com outros cadastros oficiais, do atendimento aos critérios exigidos pela legislação do programa aos estudantes beneficiados. BRASIL. Ministério da Educação. Supervisão do Programa
114
instituições de ensino, como indicou o Tribunal de Contas da União, é dos aspectos
mais críticos do programa.
No entanto, a própria lei instituidora do Prouni (Lei n.o11.906/2005) permite
que o Ministério da Educação desvincule do programa o curso considerado
insuficiente, segundo critérios de desempenho do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES), por duas avaliações consecutivas (art. 7o, § 4o).339 Com
base nessa previsão, no ano de 2014, o Ministério da Educação iniciou inúmeros
processos administrativos para aplicação de penalidade em face das instituições de
ensino superior que obtiverem resultados insatisfatórios no Índice Geral de Curso
(IGC).340
A efetiva fiscalização da qualidade de ensino nas instituições credenciadas
no programa é essencial para que a política pública não se torne inócua. Não basta
possibilitar o acesso, é preciso que esses indivíduos possuam condições profissionais
para se inserem no mercado de trabalho e concorrerem às vagas que exigem mais
qualificação, porque é justamente aí que estão os melhores salários.341Isso pode
permitir uma melhor distribuição da riqueza e, consequentemente, a redução das
desigualdades econômicas e sociais, objetivos que parecem ser as finalidades últimas
do Prouni.
Em outra crítica lançada ao programa, argumenta-se que existe dificuldade
de permanência dos estudantes nos cursos, pois é tão baixa a renda de algumas
famílias que a locomoção e os materiais mínimos para a realização da graduação
Universidade para Todos (Prouni). 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/instituicoes-credenciadas-sp-1781541355/supervisao?id=13708>. Acesso em: 15 dez. 2015.
339Para um maior aprofundamento sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e sobre o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição – IGC, recomenda-se a consulta ao site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio – INEP. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinaes. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-sinaes>. Acesso em: 18 dez. 2015; INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição - IGC. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/educacao-superior/indicadores/indice-geral-de-cursos-igc>. Acesso em: 18 dez. 2015.
340BRASIL. Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior. Portaria nº 361, de 17 de junho de 2014. Diário Oficial da União, seção 1, n. 115, 18 jun. 2014. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=15&data=18/06/2014>. Acesso em: 20 dez. 2015.
341 Segundo pesquisa do Ministério da Educação, aqueles que possuem ensino superior completo ganham, em média, 8,6 vezes mais que aqueles indivíduos que não possuem essa formação. Ver: BRASIL. Ministério da Educação. Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília: Ministério da Educação, 2006, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Pradime/cader_tex_1.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
115
tornam-se fatores que dificultam a conclusão do curso.342 Para mitigar os efeitos deste
problema, aqueles estudantes beneficiários de bolsa integral do programa,
matriculados em cursos presenciais com duração mínima de seis semestres e cuja
carga horária seja igual ou superior a seis horas diárias de aula, poderão receber
bolsa permanência para auxiliar no custeio das despesas educacionais, com o valor
máximo equivalente ao praticado na política federal de bolsas de iniciação científica,343
nos termos do que definir o edital publicado pela Secretaria de Educação Superior do
Ministério da Educação.344
Com isso, percebe-se que as ações afirmativas são uma espécie de
desdobramento que decorre do conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Isso
porque, são instituídas com vistas a favorecer grupos socialmente vulneráveis para
colocá-los em situação de igualdade material com outros grupos sociais. Por isso, as
ações afirmativas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, devem
funcionar como medidas de combate às disparidades sociais e econômicas.
5.4 PROUNI: A MAXIMIZAÇÃO DO RESULTADO
Para avaliar os efeitos de uma política pública, mesmo daquelas baseadas
na extrafiscalidade dos tributos, como é o caso do programa em análise, deve-se
recorrer à interdisciplinaridade, que pode ser compreendida como a comunicação
entre diferentes áreas do conhecimento humano com objetivo de estabelecer entre
elas uma interação. Neste campo, ganha espaço a Análise Econômica do Direito
(AED), movimento que surgiu nos Estados Unidos na segunda metade do século XX,
país onde é conhecida como “law and economics”. 345
Embora aprofundar a investigação quanto à AED não seja o objetivo
central deste capítulo, é preciso introduzir algumas premissas teóricas dessa
342CATANI, Afrânio Mendes; HEY, Ana Paula. A educação superior no Brasil e as tendências
das políticas de ampliação do acesso. Atos de pesquisa em educação, v. 2, n. 3, p. 414-429, 2007, p. 422.
343 A bolsa de iniciação científica para graduação paga pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico tem valor máximo de R$ 400,00. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO. Bolsas. 2015. Disponível em: <http://www.cnpq.br/web/guest/apresentacao13/>. Acesso em: 10 dez. 2015.
344BRASIL. Ministério da Educação. PROUNI Programa Universidade para Todos: bolsa permanência. Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/bolsa-permanencia>. Acesso em: 19 dez. 2015.
345KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698, p. 683.
116
disciplina, para que a partir disso seja possível avaliar determinados impactos
econômicos do Prouni. Segundo Bruno Salama, a AED consiste na aplicação do
instrumental analítico e empírico da economia, sobretudo da microeconomia e da
economia do bem-estar social, na tentativa de compreender, explicar e prever as
consequências fáticas das normas jurídicas.346
Para Marcia Carla Pereira Ribeiro e Irineu Galeski Junior, a AED consiste
na aplicação da teoria microeconômica, em especial, do seu método para a análise da
formação e impacto da aplicação de normas e instituições jurídicas, o que significa
trazer o método econômico para a realidade do Direito. Segundo os autores, os
princípios em torno dos quais gravita a ciência econômica são: (i) a escolha racional
ou maximização; 347 (ii) o equilíbrio; (iii) e a eficiência; eles funcionam também como
bases sobre as quais estão fixadas as premissas da AED. Esses postulados revelam
que os indivíduos tomam decisões e fazem suas escolhas, de forma racional, visando
à melhoria de sua própria condição individual, isto é, a maximização de seu bem-
estar.348
No caso do Prouni, a isenção de tributos federais desonera as instituições
privadas de ensino superior e, ao fazê-lo, estimula a concessão de bolsas, porque
esse é um comportamento que economicamente conduz à maximização dos
resultados dessas instituições. Na concepção de Paulo Caliendo, a AED possui como
principais características: (i) a rejeição da autonomia do Direito frente a realidade
social e econômica; (ii) a utilização de métodos de outras áreas do conhecimento,
como a economia; (iii) a crítica à interpretação jurídica baseada somente no direito,
sem referência ao contexto econômico e social. 349
Portanto, a AED vai além da análise isolada e dogmática do Direito para
levar em conta também os efeitos reais do ordenamento jurídico. Por isso, a AED
346SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 9.
347Ilustra bem a escolha racional o caso do veículo Ford Pinto, fabricado nos Estados Unidos na década de 70, que incendiava após colisões traseiras, em razão de problemas no tanque de combustível. Naquela ocasião, a montadora optou por não realizar os reparos estruturais nos veículos, pois os custos para fazê-lo seriam superiores ao pagamento de indenizações e despesas médico-hospitalares nos casos de ferimentos e morte dos consumidores. THE UNSW AUSTRALIA BUSINESS SCHOOL. The Pinto Case. 2015. Disponível em: <http://www.agsm.edu.au/bobm/teaching/BE/Cases_pdf/Pintocase.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2015.
348RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos: contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009, p. 71, 77.
349CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do direito: contribuições e limites. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 1, n. 7, 2009, p. 205.
117
serve para uma melhor compreensão das normas jurídicas, na medida em que fornece
instrumentos que permitem avaliar e, até mesmo tentar prever, as consequências
econômicas e sociais de uma determinada política pública. Para fazê-lo, a AED vale-
se de dois níveis epistemológicos, uma vertente chamada positiva e outra normativa.
A dimensão positiva (ou descritiva) da AED, também conhecida como
Direito e Economia Positiva, ocupa-se com das repercussões do Direito sobre o
mundo real dos fatos. A dimensão normativa (ou prescritiva), à qual se atribui o nome
de Direito e Economia Normativa, tem por objetivo investigar como as noções de
justiça se comunicam com os conceitos de eficiência econômica, maximização da
riqueza e maximização do bem-estar social. 350
Em interessante perspectiva, Ivo Teixeira Gico Junior explica que, a partir
dessas duas vertentes, os juseconomistas visam dar respostas a duas indagações: “(i)
quais as consequências de um dado arcabouço jurídico, isto é, de uma dada regra; e
(ii) que regra jurídica deveria ser adotada”. Explica, ainda, que, quando se utiliza a
AED para fazer uma análise positiva, realiza-se um exercício de prognose, isto é, uma
verificação da eficiência de determinada norma jurídica. Contudo, isso não permite
que o juseconomista seja capaz de fornecer sugestões de políticas públicas ou de
como certa decisão deve ser tomada, o que somente é possível quando o
juseconomista recorre à análise normativa, que o auxiliará a escolher dentre as
alternativas possíveis aquela que for a mais eficiente, isto é, “escolher o melhor
arranjo institucional dado um valor (vetor normativo) previamente definido”. 351
No caso do Prouni, como a política pública já foi instituída desde o ano de
2005, é possível valer-se da dimensão positiva para a investigação de alguns de seus
efeitos. Conforme explicam Oksandro Gonçalves e Douglas Vosgerau, a AED fornece
importante contribuição para a análise da tributação extrafiscal e seus efeitos a partir
de duas perspectivas distintas. A dimensão positiva investiga a norma que institui o
tributo extrafiscal e sua eficiência, enquanto a dimensão normativa visa uma análise
mais profunda da política pública a ser adotada para, caso seja necessário, propor
uma alternativa mais eficiente. 352
350SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV,
São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 9. 351GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Metodologia e epistemologia da análise econômica do direito.
Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, 2010, p. 20-21. 352GONÇALVES, Oksandro Osdival; VOSGERAU, Douglas. A extrafiscalidade como política
pública de intervenção do Estado na economia e desenvolvimento: o ICMS ecológico e o IPI de veículos automotores. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, v. 13, n. 24, p. 207-221, 2014, p. 211.
118
A eficiência costuma ser associada ao bem-estar, à diminuição de custos e
à maximização da riqueza. 353 Em termos jurídicos, “uma lei será mais eficiente que
outra se for capaz de atingir os mesmos resultados através de custos menores”.354 Por
isso, as políticas públicas, mesmo aquelas baseadas na extrafiscalidade dos tributos,
como ocorre no caso do Prouni, devem visar atingir os melhores resultados e,
simultaneamente, onerar o mínimo possível o Estado.
Para Paulo Caliendo, a eficiência é a maximização de determinados bens
sociais entendidos como de grande importância (a educação é um desses bens). Na
economia do bem-estar, existem dois importantes aspectos: a eficiência econômica
(economic efficiency) e a distribuição de renda (income distribution). A primeira visa
fazer crescer o bolo econômico, ao passo que a segunda ocupa-se de como repartir o
bolo econômico. A eficiência distributiva é a capacidade de distribuir melhor os bens
para aqueles que realmente necessitam.355 Parece ser este o caso do Prouni, na
medida em que seu objetivo é ampliar o acesso da população economicamente mais
carente ao ensino superior.
As políticas públicas formuladas com este escopo redistributivo devem ser
eficientes. Isso porque, sendo os recursos escassos e as necessidades
potencialmente ilimitadas é injusto o desperdício. 356 Por isso, a alocação dos recursos
públicos para concretizar determinado objetivo estatal deve ser feita da maneira mais
eficiente possível (isto, é maximizando seus efeitos), sob pena de ser injusta e
desviada da finalidade para a qual foi concebida a política pública.
Na AED, a eficiência costuma ser analisada sob dois enfoques. Os critérios
de eficiência de Pareto e de Kaldor-Hicks. O ótimo de Pareto se realiza quando não for
possível melhorar a situação de alguém, sem piorar a situação de outrem. Será
Pareto-eficiente uma situação que produza benefícios para um indivíduo sem que haja
prejuízos à condição de outro agente. Esse critério tem pouca aplicação prática, pois a
maioria das transações tem repercussões sobre terceiros. Por isso, ganha relevância
o critério de eficiência de Kaldor-Hicks, que parte do pressuposto de que as normas
353SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV,
São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 22. 354 GONÇALVES, Oksandro Osdival; RIBEIRO, Marcelo Miranda. Incentivos fiscais: uma
perspectiva da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 4, n. 1, p. 79-102, 2013, p. 83.
355CALIENDO, Paulo. Direitos fundamentais, direito tributário e análise econômica do direito: contribuições e limites. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 1, n. 7, 2009, p. 217-219.
356GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Metodologia e epistemologia da análise econômica do direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, 2010, p. 28.
119
devem ser planejadas visando causar o máximo de bem-estar para o maior número de
pessoas. Isto é, os ganhos totais devem compensar as eventuais perdas sofridas por
alguém. 357
O critério de Kaldor-Hicks permite que mudanças sejam implementadas
ainda que haja perdedores.358 Para atender a este critério, as normas tributárias
extrafiscais concebidas para realizar objetivos não arrecadatórios, como a
concretização do direito fundamental social à educação, devem produzir a maior
quantidade de bem-estar possível para o maior número de pessoas sem que isso
importe custos adicionais superiores aos benefícios para outros agentes
econômicos.359
Logo, o critério de Kaldor-Hicks pode ser utilizado como parâmetro para
implementação de políticas públicas baseadas na extrafiscalidade dos tributos, “pois
busca mitigar o problema da maior alocação para todos (Pareto), de forma que a
escolha seja pela alternativa que maximize a riqueza”.360 Com base nessas premissas
teóricas, é que se passa à análise de alguns aspectos econômicos do Prouni. Embora
a iniciativa tenha ampliado expressivamente o acesso ensino superior dos estudantes
de baixa renda, a isenção dos tributos federais provocou perda de arrecadação para
os cofres da União.
Essa renúncia de receitas, que funciona como a contrapartida para
estimular a adesão das instituições de ensino superior ao programa, tem sido alvo de
críticas. Embora os argumentos sejam variados, muitos deles convergem no sentido
de entender o Prouni como uma estratégia de transferência de recursos públicos para
as instituições privadas feita no interesse dos empresários do setor, promovendo,
ainda que por via reflexa, a privatização do ensino em detrimento da expansão das
vagas na rede pública de ensino superior.361
357RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; GALESKI JUNIOR, Irineu. Teoria geral dos contratos:
contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009, p. 86-87.
358SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é pesquisa em direito e economia? Cadernos Direito GV, São Paulo, v. 5, n. 2, mar. 2008, p. 24.
359KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu; GONÇALVES, Oksandro Osdival. PROUNI: estudo preliminar sobre a eficiência a partir da análise econômica do direito. In: BIER, Clerilei Aparecida; BADR, Eid; XIMENES, Julia Maurmann (Org.). Direitos sociais e políticas públicas. 1. ed. Florianópolis: CONPEDI, 2015, v. 1, p. 667-698, p. 687.
360RIBEIRO, op. cit., p. 89. 361Nesse sentido, apontam os seguintes autores: DE ALMEIDA, Sergio Campos. O avanço da
privatização na educação brasileira: o Prouni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. 2006. 123 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006, p. 85-113; SARAIVA, Luiz Alex Silva; NUNES, Adriana de Souza. A efetividade de programas sociais de acesso à educação
120
De acordo com dados oficiais, estima-se que a cifra não arrecadada pela
União desde a instituição do programa em 2005 já ultrapassou o montante de 5
bilhões de reais, como se pode observar da Tabela 1:362
superior: o caso do Prouni. Revista de Administração Pública, v. 45, n. 4, p. 941-964, 2011, p. 961; MACHADO, Antonia Rozimar. O Programa Universidade para Todos-PROUNI e a pseudodemocratização na contra-reforma da Educação Superior no Brasil. 2009. 217 f.Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009, p. 22.
362Os dados do ano de 2005 foram extraídos do Relatório de Auditoria da Controladoria Geral da União. CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Relatório de Auditoria – Exercício 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=20471-sesu-relatorio-auditoria-2006-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 29 set.2015. Os dados referentes aos anos de 2006 a 2015 foram extraídos do site da Receita Federal do Brasil. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2006. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2006/DGT2006.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2007. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2007>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários Série 2008 a 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGTEfetivoAC2010Serie2008a2012.pdf >. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2009. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2009/DGT2009.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2010. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGT%202010.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2011. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2011/DGT2011.pdf >. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2012. Disponível em:< http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2014/DGT2014.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2015>. Acesso em: 29 set. 2015.
121
Tabela 1 – Renúncia fiscal
Fonte: BRASIL. Secretaria da Receita Federal, 2015.
A divisão dos valores anuais da renúncia fiscal pela quantidade total de
bolsas parciais e integrais concedidas por ano aponta o custo anual médio para a
concessão de cada benefício. Esses dados, quando comparados com o investimento
público direito anual feito pelo Estado por estudante do ensino superior, 363 revelam um
aspecto interessante a respeito do impacto econômico do programa.
Apesar da cifra não arrecadada na primeira década de existência do
Prouni ser bastante significativa, o custo da isenção para o Estado é inferior ao
investimento anual por aluno no ensino superior público. Portanto, ao menos com
363Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –
INEP, com valores atualizados para 2013 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os dados dizem respeito aos cursos superiores em Tecnologia, demais cursos de Graduação (Presencial e a distância) (exceto cursos sequenciais) e cursos de pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado, Mestrado Profissional e Doutorado (excetuando-se as especializações Lato Sensu). INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Investimento público direto em educação por estudante em valores reais, por nível de ensino. 2015. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/indicadores-financeiros-educacionais/investimento-publico-direto-em-educacao-por-estudante-em-valores-reais-por-nivel-de-ensino>. Acesso em: 18 dez. 2015.
122
relação às atividades de ensino superior, o Prouni atende ao critério de eficiência de
Kaldor-Hicks, pois “produz a maior quantidade de resultados com a menor utilização
dos meios”, 364 colaborando, ainda, para uma melhor distribuição da educação,
enquanto bem essencial para todos.
No entanto, esse baixo custo por vaga do Prouni é alvo de críticas. Para
Nicholas Davies, apesar do custo menor, a pesquisa científica e o atendimento médico
em hospitais universitários concentram-se nas universidades públicas, pois são
atividades que pelo seu alto custo não atraem as instituições privadas, que ficam
concentradas apenas nas atividades de ensino. 365 Na perspectiva de Cristina
Carvalho, a isenção “reduz o volume de recursos vinculados ao segmento federal, na
medida em que o art. 212 da CF de 1988 determina que 18% da receita de impostos
deve ser destinada à educação pública”.366
Não se pode ignorar o fato de que ao estimular a iniciativa privada pela
isenção fiscal, o Estado deixa de incorrer em custos inevitáveis na rede pública, como
o pagamento de salários dos professores e demais servidores públicos, gastos com a
manutenção e expansão da infraestrutura das universidades públicas, o
direcionamento de verbas para pesquisa científica, dentre outros. No entanto, as
críticas acima devem ser analisadas à luz do texto constitucional.
Se por um lado, no modelo brasileiro, a pesquisa científica de ponta
encontra-se principalmente nas universidades públicas, por outro, a Constituição
Federal tratou a educação como um direito de todos (art. 205). Sendo esta a escolha
do legislador constitucional, parece adequado entender que o seu objetivo foi
endereçar ao Estado o dever de atuar no sentido de universalizar o acesso a todos os
níveis de ensino, inclusive ao ensino superior, o que pode ser feito em colaboração
com a iniciativa privada, mediante estímulo fiscal do Estado.
A expansão da rede privada de ensino, como consequência do Prouni que
custa menos ao Estado do que a expansão na rede pública, não parece estar em
dissonância com a Constituição Federal, que consagrou um sistema de ensino que
conjuga a ação pública com a privada (art. 209). E, ainda que isso acabe por favorecer
uma lógica mercadológica que concentra as atividades dessas instituições no ensino e 364CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica.
São Paulo: Elsevier, 2008, p. 70. 365DAVIES, Nicholas. O governo Lula e a educação: a deserção do Estado continua. Educação
& Sociedade, v. 25, n. 86, p. 244-252, 2004, p. 247. 366CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Uma análise crítica do financiamento do Prouni:
instrumento de estímulo à iniciativa privada e/ou democratização do acesso à educação superior? In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 34., 2011, Natal. Anais... Natal: ANPED, 2011, p. 14.
123
não em outras atividades acadêmicas mais custosas, possibilitar o acesso ao ensino
superior é um passo inicial para que, posteriormente, o país avance mais em pesquisa
científica.
Para mitigar este efeito negativo, a Lei de regência do Prouni poderia ser
aprimorada para exigir das instituições de ensino superior credenciadas o
direcionamento de recursos às atividades de pesquisa científica, o que poderia ser
feito na proporção das bolsas concedidas, pois, quanto maior o número de bolsas,
maior é o benefício econômico da instituição com a isenção. Como existem no país
mais instituições privadas do que públicas, 367 essa exigência das instituições
vinculadas ao Prouni poderia colaborar para melhorar o cenário do desenvolvimento
científico e tecnológico do país mais rapidamente.
Quanto à crítica lançada por Carvalho, no sentido de que o Prouni acarreta
a redução de recursos que seriam destinados à educação pública, é preciso destacar
que a redação do art. 212 da Constituição Federal refere-se exclusivamente à receita
resultante da arrecadação dos “impostos”. No Prouni, a extrafiscalidade incide
principalmente nas contribuições (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,
Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social e Contribuição para o
Programa de Integração Social), atingindo somente o imposto de renda das pessoas
jurídicas. Por isso, o volume não arrecadado é maior nas contribuições como indica a
Tabela 2:368
367Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2013, existem no país 2391 instituições,
sendo 301 instituições públicas e 2090 instituições privadas. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2013. 2015. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/apresentacao/2014/coletiva_censo_superior_2013.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2015.
368Os dados referentes aos anos de 2006 a 2015 foram extraídos do site da Receita Federal do Brasil. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2006. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2006/DGT2006.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Governamentais Indiretos de Natureza Tributária 2007. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2007>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários Série 2008 a 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGTEfetivoAC2010Serie2008a2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2009. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2009/DGT2009.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2010. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2010/DGT%202010.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo
124
Tabela 2 – Renúncia fiscal
Fonte: BRASIL. Secretaria da Receita Federal, 2015.
A propósito, nos termos do § 3º do art. 212 da Constituição Federal,369 os
recursos a que se refere o caput do mencionado artigo deverão “assegurar prioridade
ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório”. Isso indica que o objetivo
principal reside no direcionamento de recursos à educação básica e não ao ensino
superior. Consequentemente, parece equivocado o argumento de que o Estado deixa
de alocar verbas nas instituições públicas de ensino superior para investi-las nas
dos Gastos Tributários 2011. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EstudoTributario/BensTributarios/2011/DGT2011.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2012. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2013. Disponível em:<http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2013/DGT2013.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2014. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2014/DGT2014.pdf>. Acesso em: 29 set. 2015. BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Demonstrativo dos Gastos Tributários 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/dgt-2015>. Acesso em: 29 set. 2015.
369Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).
125
instituições privadas, mesmo porque o Prouni não funciona mediante a transferência
direta de recursos.
Do mesmo modo, o Prouni não concorre com a educação básica. Isso
porque, sendo obrigatórias as parcelas que compõem a educação básica (art. 208,
inc. I da CF), nada afasta a obrigação estatal de universalizar o seu acesso, como já
se sustentou no segundo capítulo deste trabalho. De certa forma, o Prouni pode ser
entendido como resultado de uma escolha estatal em um cenário marcado por duas
características conflitantes: (i) a escassez de recursos para permitir a todos o acesso à
educação superior; (ii) a escolha do texto constitucional por impor ao Estado
obrigações que ultrapassam o mínimo existencial (educação básica), para buscar o
desenvolvimento nacional (progresso econômico, social e político) e a igualdade
material.
Isso exige que o Estado leve em conta os efeitos de suas ações para que
seja possível escolher aquela medida capaz de produzir os resultados mais
consentâneos com o objetivo de atingir a máxima efetivação dos direitos
fundamentais.370 Para isso, a alocação dos recursos públicos escassos deve ser feita
de modo a alcançar o melhor resultado. É preciso ampliar o acesso ao ensino superior
a um número maior de indivíduos ao menor custo para o Estado, como faz o Prouni.
Essa conclusão que se forma com base na eficiência a partir da AED não é
um raciocínio puramente econômico. A eficiência decorre da própria Constituição
Federal. Emerson Gabardo e Daniel Wunder Hachem explicam que o princípio
constitucional da eficiência administrativa (art. 37 da CF) impõe à Administração
Pública o dever de: (i) exercitar sua competência com a máxima celeridade, presteza,
economicidade e produtividade; (ii) atuar para realizar a finalidade pública subjacente
às normas jurídicas às quais está submetida; (iii) utilizar os meios mais adequados ao
alcance ótimo dos objetivos previstos pelas normas; (iv) conferir a máxima efetividade
aos comandos que lhes são dirigidos pelo ordenamento público; (v) guardar
consonância com os direitos fundamentais e com os princípios que orientam a
atividade administrativa.371
370RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise econômica do
direito e a concretização dos direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 11, n. 1, p. 304-329, 2012, p. 313.
371GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. Responsabilidade civil do Estado, faute du service e o princípio constitucional da eficiência administrativa. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello; PIRES, Luis Manuel Fonseca; BENACCHIO, Marcelo (Coord.). Responsabilidade civil do Estado: desafios contemporâneos. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 245.
126
No caso do Prouni, a ampliação das vagas ocorre na rede privada, mas a
iniciativa partiu do Estado quando instituiu a política pública extrafiscal. Quando age
dessa forma, a ação estatal sofre influência desses desdobramentos que decorrem do
conteúdo jurídico do princípio da eficiência. Contudo, reconhecer o Prouni como
política pública eficiente, porque amplia vagas a um menor custo, não afasta ou
sequer mitiga o dever do Estado de investir também na ampliação das vagas na rede
pública de ensino superior.
Como já se sustentou acima, o modelo consagrado na Constituição
Federal conjuga a iniciativa privada com a pública. Claro que não basta garantir o
acesso ao ensino superior a um custo menor, a instalação de um novo cenário
educacional no país reclama um conjunto de ações como uma educação básica
universal e de qualidade, a valorização do profissional da educação em todos os
níveis de ensino, a exigência e fiscalização de um padrão mínimo de qualidade para
todos os níveis de ensino, a melhoria e a ampliação dos estabelecimentos de ensino,
dentre outras providências.
5.5 PROUNI: A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES X A IGUALDADE DE POSIÇÕES
Ao tratar dos deveres do Estado com a educação, a Constituição Federal,
no caso do ensino superior, fez a seguinte enunciação: “acesso aos níveis mais
elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
um” (art. 208, inc. V). A leitura desse dispositivo não deve ser feita de forma isolada e
literal. Quando o Estado institui políticas públicas visando ampliar o acesso da
população à educação superior, deve ter em mira não somente a previsão contida no
art. 208, inc. V, mas também outros valores e objetivos caros ao texto constitucional,
sobretudo aqueles inseridos em seu art. 3o. 372
372No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 186)
pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu pela constitucionalidade do sistema de reserva de vagas baseado em critério étnico-racial, discutiu-se o sentido da previsão contida no art. 208, inc. V da Constituição Federal. Segundo o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, o Constituinte buscou temperar o rigor da aferição do mérito dos candidatos ao ensino superior com o princípio da igualdade material. Por isso, o mérito dos concorrentes que se encontram em situação de desvantagem em relação a outros, em razão de suas condições sociais, não deve ser aferido a partir de uma ótica puramente linear, devendo ser levado em conta o princípio da igualdade material que permeia todo o texto constitucional. No mesmo sentido, o Ministro Marco Aurélio apontou em seu voto que o art. 208, inc. V deve ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais. Isso faz com que a cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente possa fazer referência à igualdade plena, quando considerada a vida pregressa e as
127
Os efeitos dessas escolhas no conteúdo jurídico do art. 208, inc. V, da
Constituição Federal podem ser melhor entendidos quando se analisa o Prouni,
enquanto estratégia de combate às disparidades econômicas e sociais, à luz da
discussão que se forma entre o modelo da igualdade de oportunidades e o modelo da
igualdade de posições.
Segundo François Dubet, os dois modelos visam reduzir a tensão que
existe nas sociedades democráticas entre a afirmação da igualdade de todos e as
desigualdades sociais decorrentes das tradições e da competição dos interesses
concorrentes. A igualdade de oportunidades consiste em oferecer a todos a
possibilidade de buscar as melhores posições em função de um princípio
meritocrático. Assim, no ponto de partida, devem ser equilibradas as desigualdades.
Depois disso, as desigualdades produzidas pelo uso dos recursos dependem somente
dos indivíduos e do seu livre-arbítrio, motivo pelo qual elas são perfeitamente justas.373
De acordo com Daniel Wunder Hachem, a igualdade de oportunidades
identifica-se com a tese que reduz a fundamentalidade dos direitos sociais ao
conteúdo do mínimo existencial. Bastaria ao Estado diminuir os fatores que figuram
como obstáculo à equitativa competição pelas posições mais elevadas na
sociedade.374 Isso pode conduzir ao raciocínio de que garantir o acesso somente à
educação básica é suficiente. A partir disso os indivíduos podem logram acessar o
ensino superior por seus próprios méritos.
Por esse viés, o Prouni pode até ser entendido como uma mera política
assistencialista para promover o acesso ao ensino superior.375 Há quem diga, também,
que o Prouni termina por excluir seus beneficiários do direito universal à educação
pública e gratuita, mantendo-se assim o processo de exclusão ao longo da história de
escolarização.376 Esses raciocínios não parecem os mais acertados. Isso porque, a
Constituição consagra o direito fundamental social à educação, que pode ser
oportunidades que a sociedade ofereceu às pessoas. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 186. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. DJ 26.04.2012.
373 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 12, 63.
374HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371, 373-374.
375CATANI, Afrânio Mendes; GILIOLI, Renato de Sousa Porto. O Prouni na encruzilhada: entre a cidadania e a privatização. Linhas críticas, v. 11, n. 20, p. 55-68, 2005, p. 65.
376ARAUJO, Edineide Jezine Mesquita; CORRÊA, Elourdiê Macena. PROUNI: Políticas de inclusão ou exclusão no contexto das aprendizagens ao longo da vida. Educação e Fronteiras On-Line, v. 1, n. 1, p. 32-47, 2011, p. 45.
128
concretizado tanto em instituições públicas quanto privadas, cujo padrão de qualidade
deve ser fiscalizado e exigido pelo Poder Público, como já se disse acima.
Além disso, na maior parte das vezes, o estudante egresso da rede pública
de ensino básico não consegue concorrer em igualdade de condições, com os
estudantes egressos da rede privada, às vagas nas universidades públicas. Prova
disso é o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio. No ano de 2014, somente 93
escolas públicas entraram no ranking das mil escolas com as melhores notas no
exame, o que equivale a menos de 10% do total.377 Esse dado é um forte indicativo da
baixa qualidade do ensino básico na rede pública.
Como consequência disso, os mais abastados que têm uma educação
básica de melhor qualidade (na rede privada), possuem mais chances de ingressar no
ensino superior público e, quando isso não ocorre, podem pagar pelo acesso a esse
bem. Por outro lado, a parcela da população mais desfavorecida economicamente e,
como uma das consequências disso, sem acesso a uma educação básica de boa
qualidade (na rede pública), enfrenta mais dificuldades de acessar o ensino superior
público e, quando isso ocorre, na maioria das vezes não pode pagar pelo acesso a
esse bem.
Na decisão proferida pelo STF na ADI 3.330/DF, o Ministro Luiz Fux
identificou esse cenário, quando declarou em seu voto que o Prouni supera o
paradoxo pátrio de que “o aluno que estuda em escola pública não ascende ao ensino
universitário público de excelência”.378 A intenção do legislador, quando estabeleceu
que o acesso ao ensino superior se dará “segundo a capacidade de cada um” (art.
208, inc. V), não parece ter sido excluir aqueles indivíduos que, em razão
determinadas circunstâncias sociais e econômicas desfavoráveis, não ostentam a
mesma “capacidade” que outros indivíduos - que desfrutam de melhores posições
sociais e econômicas - possuem para ingressar nesse nível de ensino, seja na rede
pública ou na rede privada.
Percebe-se, então, que a igualdade de oportunidades nada diz a respeito
das distâncias que separam as posições sociais. Muitas vezes, essa distância pode
377Nesse sentido ver: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS
ANÍSIO TEIXEIRA. Enem por escola. 2015. Disponível em: <http://download.inep.gov.br//educacao_basica/enem/enem_por_escola/2014/enem_escola_2014.xlsx>. Acesso em: 09 nov. 2015. MORENO, Ana Carolina; SOARES, Will. Escolas públicas são menos de 10% entre as mil com maior nota no ENEM. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/08/escolas-publicas-sao-menos-de-10-entre-mil-com-maior-nota-no-enem.html>. Acesso em: 09 nov. 2015.
378Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal Pleno. DJ. 22.03.2013.
129
ser tão grande que os indivíduos nunca chegam a superá-la, com “exceção de alguns
heróis dos quais se pergunta se não seriam a árvore da fluidez que esconde a floresta
da imobilidade, ou, para dizer rapidamente, os heróis de pura propaganda”.379 Claro
que há casos de indivíduos que, mesmo ante as condições adversas, conseguem por
seus próprios méritos acessar o ensino superior sem a necessidade de qualquer
política pública inclusiva.380
Todavia, a regra não é essa. Por isso, o Estado deve adotar políticas
públicas para reduzir a desigualdade que se forma, sobretudo em razão do critério
renda, entre aqueles que podem acessar o ensino superior e aqueles não que podem
acessá-lo, sob pena de aprofundar ainda mais o processo de exclusão, mantendo-se
estratificadas as posições sociais. Aí ganha espaço o modelo da igualdade posições.
Segundo Dubet, a igualdade de posições centra-se nas posições ocupadas
pelos indivíduos na sociedade, com objetivo de reduzir as desigualdades de renda,
das condições de vida, do acesso a serviços, dentre outros bens, que estão
associados às diferentes posições sociais, que ocupam os indivíduos. Para ilustrar,
explica o autor que, nesse modelo, a preocupação central reside em reduzir as
desigualdades entre as condições de vida e de trabalho existentes entre os operários
e os executivos.381
No modelo da igualdade de posições, a redução das distâncias entre as
posições sociais existentes torna-se prioridade para o Poder Público.382 Segundo
Clémerson Merlin Clève, isso exige a implementação de políticas públicas para assistir
ou compensar uma minoria. Para tanto, é preciso adotar meios capazes de permitir
que todos os membros de uma determinada comunidade possam ter a mesma
situação para o desenvolvimento de suas habilidades. Isto é, medidas tendentes a
379DUBET, François. Os limites da igualdade de oportunidade. Cadernos Cenpec| Nova série,
v. 2, n. 2, 2012, p. 177. 380Nesse sentido, pode-se citar o caso do estudante Wester Silva Vieira, de 19 anos da cidade
Condeúba/BA, egresso de escola pública, que foi aprovado em 4 vestibulares de medicina em faculdades pública, sem frequentar cursos pré-vestibulares. BITTENCOURT, Mário. Ex-aluno de escola pública conta como passou em 4 faculdades de medicina. UOL, 12 fev. 2015. Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/12/ex-aluno-de-escola-publica-conta-como-passou-em-4-faculdades-de-medicina.htm>. Acesso em: 09 dez. 2015.
381 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 11-12.
382HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371
130
remediar as desigualdades e impedir a perpetuação da estratificação social, que se
consolida por força de determinado arranjo desigual nas divisões de poder e renda.383
Por isso, o Prouni aproxima-se do modelo da igualdade de posições, pois
permite para a parcela mais pobre da população o acesso a um bem (ensino superior)
que, na maior parte das vezes, era acessível somente para aqueles indivíduos que
ocupavam as melhores posições na estrutura social. Isso é mais do que apenas
eliminar as desigualdades no ponto de partida. A afirmação do Ministro Joaquim
Barbosa na ADI 3.330/DF parece apontar pela consonância do Prouni com a
igualdade de posições:
como todos sabemos, a pobreza crônica, que perpassa diversas gerações e atinge um contingente considerável de famílias do nosso país, é fruto da falta de oportunidades educacionais, o que leva, por via de consequência, a uma certa inconsistência na mobilidade social. Isto caracteriza, em essência, o que poderíamos qualificar como “ciclos cumulativos de desvantagens competitivas”, elemento de bloqueio sócio-econômico que confina milhões de brasileiros a viver eternamente na pobreza. O Prouni nada mais é do que uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. Investir pontualmente, ainda que de forma gradativa, mas sempre com o intuito de abrir oportunidades educacionais a segmentos sociais mais amplos, que historicamente nunca as tiveram, constitui objetivo governamental constitucionalmente válido. O importante é que o mencionado ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados”384
Universalizar o acesso à educação básica na rede pública e melhorar a
qualidade de ensino, embora sejam medidas iniciais e necessárias, não são
suficientes para, isoladamente, modificarem o cenário de exclusão dos mais pobres do
ensino superior, sobretudo porque essas medidas surtem efeitos no médio e no longo
prazo. Aguardar até que isso ocorra, significa perpetuar o ciclo de exclusão. Por isso,
essas medidas devem ser acompanhadas de outras iniciativas que visem à
modificação do atual cenário educacional, como faz o Prouni.
Somente reduzir a distância entre as posições sociais não basta. A
igualdade de posições também reclama que essas novas posições sejam fixadas e
asseguradas.385 Se, em um primeiro momento, é necessário garantir o acesso ao
ensino superior, porque isso encurta as distâncias entre as posições sociais, na
383CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de direito constitucional. 2. ed., rev. atual. São Paulo:
Fórum, 2014, p. 159, 162. 384 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.330/DF. Relator: Min. Ayres Britto. Tribunal
Pleno. DJ 22.03.2013. 385 DUBET, François. Repensar la justicia social: contra el mito de la igualdad de
oportunidades. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 26.
131
sequência, é preciso que o aluno que ingressou pelo Prouni consiga ocupar no
mercado de trabalho os melhores empregos, por isso a importância de uma formação
de qualidade.
Quando isso ocorre, embora o Prouni tenha um custo financeiro temporário
para o Estado em razão da renúncia fiscal, cria-se, em contrapartida, um benefício
definitivo para aquele beneficiário do programa, que consegue concluir o curso de
graduação e, posteriormente, inserir-se em uma melhor posição no mercado de
trabalho. Isso faz com que se movimentem as posições sociais inferiores
anteriormente imobilizadas, aproximando-as das melhores posições na escala social.
Além disso, reconhecer no Prouni uma maior aproximação com o modelo
da igualdade de posições não significa dizer que este modelo seja absolutamente
incompatível com o modelo da igualdade de oportunidades. Segundo Dubet, a
igualdade de posições é a melhor maneira de realizar a igualdade de oportunidades.
Quanto mais se reduzem as desigualdades entre as posições sociais, mais se eleva a
igualdade de oportunidades. Isso porque é mais fácil mover-se na escala social
quando a distância entre as diferentes posições são mais curtas. 386
De certa forma, o Prouni também realiza a igualdade de oportunidade, mas
adota outro ponto de partida (o ensino superior), o que faz mais sentido com a integral
submissão do direito à educação ao regime jurídico dos direitos fundamentais, bem
como com a vocação do texto constitucional de ultrapassar o mínimo existencial
(educação básica). A partir disso, parece fazer mais sentido a ideia da meritocracia.
Segundo Hachem, a Constituição Federal contempla os dois modelos. A
igualdade de oportunidades decorre da escolha da dignidade da pessoa humana e da
livre iniciativa como fundamentos da República, bem como dos objetivos fundamentais
da República de construção de uma sociedade livre e de erradicação da pobreza e da
marginalização. Daí resulta a obrigação do Estado de garantir condições igualitárias a
todos, isto é, o mínimo existencial (educação básica). A igualdade de posições, por
sua vez, decorre dos valores sociais do trabalho como fundamento do Estado
Brasileiro (art. 1º, IV, da CF), dos objetivos fundamentais da República de construir
uma sociedade não somente livre e justa, mas também solidária (art. 3º, I da CF), da
garantia do desenvolvimento nacional (art. 3o, II da CF), aí entendido em sua
386Ibid., p. 97, 99.
132
dimensão humana e social, da redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3o,
III da CF).387
Com base nisso, pode-se dizer que a igualdade de posições exige que a
implementação de políticas públicas, ainda que por intermédio da extrafiscalidade,
tenha por objetivo beneficiar a parcela mais pobre da população, sendo orientada por
critérios de distribuição de renda. Embora já se possa notar um avanço em relação ao
cenário que antecedia a instituição do Prouni, no qual somente 10,4% dos jovens
entre 18 a 24 tinham acesso ao ensino superior,388 os desafios ainda persistem.
Nos termos do Censo da Educação Superior do ano de 2012, o percentual
de pessoas frequentando a educação superior representava 15,1% da população
brasileira na faixa etária de 18 a 24 anos. Segundo a mesma pesquisa, na parcela
20% mais rica da população, o percentual de acesso ao ensino superior sobe para
36% dos brasileiros com idade entre 18 a 24 anos. Enquanto isso, na parcela 20%
mais pobre da população, o número cai para 3,5% dos brasileiros nessa idade, o que
ainda demonstra a desigualdade de acesso à educação superior quando se considera
a renda como critério.389
O acesso dos jovens entre 18 a 24 anos ao ensino superior sequer atingiu
a meta de 30% (4.3 Objetivos e Metas) estabelecida pela Lei n. 10.172/2001, que
aprovou o Plano Nacional da Educação (PNE) para a década compreendida entre
387HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais
pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, v. 13, n. 13, p. 340-399, 2013, p. 371, 376-377.
388INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/2004/censosuperior/Resumo_tecnico-Censo_2004.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015.
389Segundo consta do Censo da Educação Superior de 2012, a taxa de escolarização na educação superior é calculada de três formas: (i) Taxa Bruta de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas que frequentam cursos de graduação na educação superior em relação à população de 18 a 24 anos (28,7% para o ano de 2012); (ii) Taxa Líquida de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam cursos de graduação na educação superior em relação à população de 18 a 24 anos (15,1% para o ano de 2012) (iii) Taxa Líquida Ajustada de Escolarização na Educação Superior: expressa o percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam cursos de graduação na educação superior ou já concluíram um curso de graduação em relação à população de 18 a 24 anos (18,8%). INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da educação superior 2004: resumo técnico. Brasília: O Instituto, 2005, p. 29. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2012/resumo_tecnico_censo_educacao_superior_2012.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2015, p. 36-37.
133
2001 a 2010. 390 Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2013 o Brasil atingiu a marca de 7,3 milhões
de estudantes na educação superior, número que embora seja expressivo, é pequeno
se comparado com a população do país que já ultrapassou 200 milhões de
pessoas.391
Mesmo sem ter atingido o objetivo anteriormente proposto, a Lei n.
13.005/2014, que aprovou o PNE para a próxima década, estabeleceu como meta
elevar para 33% a taxa líquida de matrícula no ensino superior entre os jovens de 18 a
24 anos (Meta 12).392 Trata-se de uma pretensão ambiciosa, porém adequada à
proteção constitucional dada ao ensino superior, enquanto desdobramento do direito
fundamental social à educação. O atingimento desse estado de coisas exige a
manutenção de uma agenda política voltada à discussão do problema e, mais do que
isso, a implementação de políticas públicas capazes de ampliar o acesso à educação
superior, bem como aos demais níveis de ensino.
390BRASIL. Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, 2001.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.
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134
6 CONCLUSÃO
No presente trabalho, buscou-se enfrentar a problemática central que se
formou em torno do seguinte questionamento: quais deveres a Constituição Federal
endereçou ao Estado no que diz respeito ao direito à educação e em que medida a
tributação extrafiscal pode funcionar como mecanismo capaz de promover a
concretização desse direito? Ao longo dos quatro capítulos acima estruturados, foram
apontadas as respostas possíveis para essa indagação, que podem ser sintetizadas
da seguinte forma:
1. A Constituição Federal de 1988 pode ser compreendida como um
diagnóstico da conjuntura socioeconômica do país naquele momento histórico e, mais
do que isso, como um instrumento necessário para desencadear um processo de
mudança daquela realidade. Por isso, nela foram consagrados objetivos como a
construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a
promoção do bem de todos e o desenvolvimento nacional. Além disso, receberam
lugar de destaque os direitos sociais, cujo regime jurídico é idêntico ao dos demais
direitos fundamentais, os quais possuem como principais traços distintivos a sua
aplicabilidade imediata e a vedação contra emendas abolitivas.
2. Dessa proteção constitucional, da qual o direito a educação é
destinatário, decorre a multifuncionalidade, característica comum a todos os direitos
fundamentais. Significa dizer que o pleno exercício do direito à educação, enquanto
direito fundamental social, reclama do Estado, sobretudo, obrigações de: (i) concessão
de prestações normativas necessárias ao exercício dos vários desdobramentos do
direito à educação, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Lei do Prouni;
(ii) concessão de prestações materiais, isto é, o direcionamento de recursos
financeiros para assegurar o acesso à educação em todos os seus desdobramentos,
do ensino básico ao ensino superior; (iii) e até mesmo abstenção, como ocorre com
relação à autonomia de gestão e didático-científica garantida às universidades.
3. A educação, por ser um direito fundamental social, ostenta uma dupla
dimensão subjetiva e objetiva. A primeira permite ao titular do direito exigir do Estado,
tanto pela via administrativa quanto pela via judicial, o cumprimento dos deveres que
decorrem da proteção constitucional. A segunda extrapola a perspectiva individual,
para repercutir seus efeitos em toda estrutural estatal, aí compreendidas as ações dos
Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Isso porque, os direitos fundamentais
sociais como a educação possuem um conteúdo axiológico que importa para a
135
sociedade como um todo. Logo, o legislador, quando edita normas de qualquer
natureza, inclusive as normas tributárias extrafiscais (aquelas concebidas sem a
finalidade precípua de arrecadação), deve estar atento à proteção outorgada ao direito
à educação, para que elas também colaborem na sua implementação.
4. A Constituição enunciou a educação com um direito de todos, repartindo
o dever da sua concretização com o Estado, a família e a sociedade de modo geral.
Na mesma linha, permitiu que as instituições privadas também desempenhem
atividades de ensino, desde que observem um padrão mínimo de qualidade e sob
fiscalização do Poder Público. Conferiu, ainda, tratamento privilegiado para a
educação básica (mínimo existencial), cujo fornecimento é obrigatório pelo Estado,
não estando sujeita, sequer, à reserva do possível.
5. A educação, do ensino básico ao ensino superior, é um fator essencial
ao desenvolvimento de qualquer país. O desenvolvimento, nos moldes em que foi
tratado pela Constituição Federal, é um processo sistêmico e interativo. Por isso,
implica mais do que o incremento econômico, para exigir, também, progresso político
e social. A educação impulsiona o elemento econômico, pois é essencial para o
avanço científico e tecnológico do país. Colabora, ainda, para o avanço político, na
medida em que permite aos indivíduos o conhecimento necessário à participação no
processo democrático e, além disso, realiza o elemento social, ao diminuir as
disparidades econômicas e sociais.
6. A educação, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais
sociais, é um direito tipicamente prestacional. Isso porque, a maior parte das posições
jurídicas que decorre da sua proteção constitucional depende da concessão de
prestações materiais por parte do Estado, o que exige a disponibilidade financeira.
Como os recursos estatais são escassos, a reserva do possível é uma circunstância
real que impacta o grau de efetividade do direito à educação. Se a intenção
constitucional é ampliar o acesso ao direito à educação, inclusive ao nível superior, o
Estado deve conceber políticas públicas visando atingir a maximização do resultado
com a menor utilização dos meios.
7. A implementação do direito à educação, assim como dos demais direitos
fundamentais sociais, deve ocorrer, sobretudo, pela via administrativa, isto é, sem que
haja a necessidade de provocação judicial, pois, além de nem todos terem acesso a
essa via, o cumprimento de condenações judiciais prejudica a alocação de recursos
para atendimento das necessidades coletivas. Como decorrência da dimensão
objetiva do direito à educação, é obrigação do Estado ampliar de forma espontânea,
136
igualitária e coletiva o acesso a esse direito. Para fazê-lo, as normas tributárias
também podem ser úteis.
8. A tributação é indispensável ao Estado. Pagar tributos é um dever
fundamental, sobretudo quando a ordem jurídica pretende conferir aos indivíduos o
máximo que a proteção dos direitos fundamentais oferece. No entanto, além de
arrecadar, os tributos podem ser utilizados de forma promocional, isto é, como
ferramentas capazes de promover a concretização de direitos como a educação. Para
isso, o Estado pode majorar a carga tributária, mitigar a sua incidência ou até mesmo
eliminá-la. Ao atuar desta forma, o Estado direciona o comportamento dos agentes
privados para que pratiquem uma conduta desejável ou para que deixem de praticar
um comportamento reprovável, fenômeno conhecido como extrafiscalidade dos
tributos.
9. O conteúdo axiológico veiculado no texto constitucional, sobretudo o
princípio solidariedade social (art. 3o, inc. I) e a proteção outorgada aos direitos
fundamentais sociais (art. 6o), repercute sobre a tributação. Na tributação fiscal,
reclama que os recursos arrecadados sejam utilizados para o atendimento das
necessidades de forma coletiva e igualitária. Do mesmo modo, na tributação
extrafiscal, o agravamento da imposição tributária ou a sua desoneração, não se
distanciam desses objetivos. Contudo, nessas hipóteses, o Estado conta com o auxílio
dos agentes privados na promoção de determinado direito destinatário de proteção
constitucional, como a educação. Em última análise, a indução extrafiscal somente
será legítima se o seu manejo for feito com objetivo de realizar a ordem constitucional.
10. Na tributação extrafiscal, ocorre uma mitigação do princípio da
capacidade contributiva (desdobramento do princípio da igualdade), que é o critério de
diferenciação entre os contribuintes na tributação fiscal. Isso ocorre em prol da
realização de outros objetivos econômicos e sociais. Por isso, as normas tributárias
extrafiscais devem estar submetidas ao controle da proporcionalidade, enquanto forma
de controle da própria isonomia. A medida extrafiscal deve ser simultaneamente: (i)
adequada para a promoção do objetivo extrafiscal; (ii) necessária, enquanto medida
menos restritiva a outros direitos; (iii) proporcional, ao produzir mais efeitos positivos
do que negativos no que tange à realização de outros objetivos constitucionais.
11. O Prouni atende ao postulado da proporcionalidade. Além da
expressiva inclusão da parcela mais pobre no ensino superior, seus efeitos são
positivos porque colaboram para a redução das desigualdades sociais e econômicas
e, via de consequência, para o desenvolvimento nacional. O Prouni demonstra, ainda,
137
que a tributação extrafiscal pode e deve servir para promover os direitos destinatários
de proteção constitucional. A isenção de tributos federais concedida às instituições de
ensino superior privadas, como contrapartida pela concessão de bolsas de estudo
integrais e parciais, funciona como um instrumento para maximizar o grau de
efetividade do direito fundamental social à educação.
12. O Prouni realiza, também, a igualdade material, ao estabelecer um
regime diferenciado de acesso ao ensino superior para indivíduos cuja situação é
desfavorável, sobretudo em razão da baixa renda. A discriminação positiva é feita para
igualar a situação desses indivíduos com aqueles outros, que não necessitam da
política pública, já que possuem mais condições de ingressar no ensino superior
público ou ainda pagar pelo seu acesso. Nessa perspectiva, o Prouni pode ser
compreendido como uma ação afirmativa, como reconheceu o Supremo Tribunal
Federal quando entendeu pela constitucionalidade do programa.
13. Em um cenário de recursos públicos escassos, o Prouni revela-se
como uma alternativa eficiente, porquanto maximiza o acesso ao ensino superior
custando menos ao Estado. Além disso, distribui melhor a educação para aqueles
indivíduos que mais necessitam. Isso, contudo, não desobriga o Estado de continuar
investindo na expansão da rede pública de ensino, já que o sistema escolhido pela
Constituição Federal é misto, isto é, conjuga a iniciativa pública com a privada. Não se
pode negar o fato de que o Prouni, mesmo após uma década de existência, apresenta
várias falhas, sobretudo a inclusão de beneficiários que não preenchem o perfil do
programa e a baixa qualidade de ensino de parte das instituições que ofertam as
bolsas. Por isso, é necessária a rigorosa fiscalização pelo Estado, tanto dos
beneficiários quanto das instituições cadastradas, já que a partir disso são
identificadas as falhas que podem levar ao contínuo aprimoramento do programa,
reduzindo-se ao máximo o desperdício de recursos públicos.
14. Finalmente, apesar das inúmeras críticas, é possível concluir que o
Prouni já colaborou para uma modificação do cenário do ensino superior no Brasil.
Embora ainda seja baixo o número de jovens nesse nível de ensino, permitir o acesso
da população mais pobre é passo importante para melhorar a estrutura
socioeconômica do país. Isso porque encurta a distância entre as diferentes posições
existentes na sociedade, permitindo uma maior mobilidade na escala social, o que
aproxima o Prouni do modelo da igualdade de posições, que é mais adequado ao grau
de proteção constitucional conferido ao direito fundamental social à educação.
138
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