Post on 25-Jan-2019
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Vivian Carla Bohm Rachman
Enfrentando a lógica do homogêneo:
aspectos centrais para um trabalho diversificado junto aos educandos
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Vivian Carla Bohm Rachman
Enfrentando a lógica do homogêneo:
aspectos centrais para um trabalho diversificado junto aos educandos
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de
DOUTORA em Educação: Psicologia da Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
sob a orientação da Profa. Dra. Claudia Leme
Ferreira Davis.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
__________________________
“O educador é peça-chave. Ele transmitirá os valores, as motivações, as estratégias. Ajudará a
interpretar a vida. Nós, educadores, estamos mais em jogo do que as crianças e jovens. Se não
formos capazes de ensinar, será impossível aprender.”
Reuven Feuerstein (1994)
AGRADECIMENTOS
O exercício de elaborar uma tese configura-se em um encantador, porém árduo
desafio. Muitas são as dúvidas, as contradições e as informações que temos que
administrar para elaborar um conhecimento inovador que, efetivamente contribua para
o avanço do conhecimento social e científico. De fato, tornar-se doutor significa
transitar e dominar vasta literatura e dela se apropriar – douto –, desenvolvendo
autonomia intelectual já que, daqui em diante, o que a academia espera de nós é a
condução independente de pesquisas, assim como a orientação de pesquisadores
principiantes. Considero que em muito consegui me aproximar do que se espera de um
doutor e não me resta qualquer dúvida de que chegar aqui e me aproximar de tal
condição só foi possível, por estar sempre cercada de pessoas que a todo momento me
ensinaram, me fizeram refletir, me questionaram, me apoiaram e, acima de tudo, me
acompanharam! Posto isso, dedico este espaço a todos aqueles que estiveram comigo
neste percurso.
Agradeço ao meu marido e amado Luciano que desde o início me encorajou a
enfrentar este desafio, não medindo qualquer esforço para que eu continuasse a estudar
e pudesse trabalhar com melhores qualificações.
Sou muito grata aos meus pais que sempre estiveram ao meu lado,
acompanhando-me em todas as decisões de minha vida, seja na alegria, seja na
tristeza. Estendo este agradecimento ao meu irmão e à minha cunhada, que sempre
acompanharam minhas conquistas.
Dedico especial agradecimento à minha amiga e orientadora Claudia Davis por
quem tenho imensa admiração, respeito e consideração. Além dos enormes
ensinamentos profissionais que me transmitiu como pesquisadora, construiu uma
relação preciosa da qual já sinto e sentirei muita falta. Nossos jantares, conversas e
cafés, muito mais do que simples encontros, foram momentos de ensino e muita
reflexão. Aliás, neste sentido, não poderia deixar de agradecer à grande Noêmia que,
como uma grande parceira, sempre fez questão de nos receber muito bem e conosco
conversar e transmitir suas lições de vida!
Esta pesquisa sobre formação de professores certamente não seria possível sem
a anuência da escola para colaborar com este audacioso projeto. Gostaria de expressar
minha eterna gratidão à diretora, à coordenadora, à professora que acompanhei de
perto, ao grupo de professoras que colaborou com o estudo e a todos os demais
funcionários da instituição que durante um ano e meio acolheram-me sempre com
simpatia, carinho e muito respeito.
Agradeço às professoras doutoras da banca examinadora: Zilma de Moraes
Ramos de Oliveira, Patrícia Cristina Albieri de Almeida, Wanda Maria Junqueira de
Aguiar e Mitsuko Aparecida Makino Antunes pela leitura cuidadosa e atenciosa que
fizeram de meu trabalho, assim como as preciosas contribuições que ofereceram,
contribuindo para tornar esta produção ainda mais especial.
Agradeço ao Edson, secretário do programa de Educação: Psicologia da
Educação, sempre solícito e atencioso com os alunos.
Dedico igual gratidão a TODOS meus amigos e professores que percorreram
todo este processo comigo, ensinando-me, fazendo-me refletir e que, de algum modo,
contribuíram para meu aprimoramento pessoal e profissional.
Agradeço a CAPES1 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) pelo financiamento do presente estudo durante os três primeiros anos do
curso de doutorado e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) no último ano, permitindo dedicar-me exclusivamente à pesquisa.
1 A Capes financiou o projeto de março de 2009 a fevereiro de 2012 e o CNPq, de março de 2012 a fevereiro de
2013.
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma modalidade de formação docente em conjunto com as professoras envolvidas na pesquisa e, particularmente, com uma delas. Pautada nos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica e da Pedagogia Histórico-Crítica, buscou-se contribuir para a formação de professores no Brasil, na tentativa de lhes oferecer subsídios para realizar trabalhos diversificados junto a alunos com diferentes saberes e experiências. Para tanto, foi selecionada uma escola da rede privada da cidade de São Paulo. Após conhecer as necessidades e os aspectos centrais da cultura institucional, acompanhou-se mais de perto a atividade de uma professora que lecionava para crianças do 4º ano do Ensino Fundamental I, a grande maioria com nove anos de idade. Durante um semestre, a professora recebeu auxílio para planejar atividades, realizá-las e avaliá-las. Ao final de cada um desses ciclos, aspectos frágeis e avanços conquistados eram partilhados com o grupo de docentes da Educação Infantil e Ensino Fundamental I da referida escola. Os procedimentos adotados envolveram conhecer primeiro como a professora planejava e realizava sua aula para, em seguida, fazer isso mediante auxílio da pesquisadora e, finalmente, sem nenhum ajuda, esperando conquistar um novo e melhor patamar do que o anterior. Entre os instrumentos de pesquisa, a filmagem das atividades realizadas pela docente, seguidas de discussão sobre o que tinha sido registrado, foram os mais importantes, pois possibilitaram a reflexão conjunta sobre a atividade realizada, a que deixou de ser realizada e, ainda, sobre como melhorar o que foi feito e diversificar as maneiras de fazê-lo. Os resultados sinalizaram mudanças tanto nas condições necessárias para a entrada em sala de aula, nas próprias aulas e na avaliação da aprendizagem dos alunos. No tocante ao primeiro aspecto, observou-se uma maior atenção ao planejamento, buscando respaldo teórico para conduzir a aula, além da seleção e preparo do material a ser utilizado. Em relação às aulas, notaram-se mudanças em quatro aspectos: 1) nas aulas, um deslocando o protagonismo do professor para o dos educandos; 2) na organização da atividade, o material apostilado deixou de ser exclusivamente usado, passando-se a adotar as etapas previstas na proposta da Pedagogia Histórico-Crítica; 3) nos planejamentos, passou-se a levar em conta a realidade social inicial dos educandos, oferecendo-lhes um ensino que partia de seu conhecimento prévio e de seus interesses; e, por fim 4) na situação de ensino-aprendizagem, ampliou-se o olhar para seus elementos constitutivos, que deixaram de ser vistos de modo simplista para serem apreendidos em sua dinamicidade e multiplicidade. No que concerne à avaliação, mudanças também foram observadas, sobretudo no que dizia respeito à elaboração dos instrumentos de aferição de aprendizagem, algo que se justifica em função de se ter modificado a concepção de avaliação. Além destes aspectos, professora, equipe gestora e grupo de professoras avaliaram o processo vivido como positivo, destacando, no entanto, seu caráter excessivamente trabalhoso. Outros aspectos, como a dificuldade de se manter a colaboração da pesquisadora com os professores, são também ressaltados como interessantes para aprimorar a formação docente.
Palavras-chave: Atividade docente; Pedagogia Histórico-Crítica; Psicologia Sócio-Histórica; formação de professores.
ABSTRACT
The aim of this study was to develop a collaborative method to be adopted in teachers’ professional development. Guided by the assumptions of Sociocultural Psychology and Historical-Critical Pedagogy, it was sought to offer subsidies to the teachers, helping them to perform diversified tasks with students having different knowledge and experiences. To this purpose, it was intentionally selected a private school of the city of São Paulo, SP, Brazil. After identifying the needs and key aspects of the school institutional culture, it was more closely analyzed the pedagogical activity of a 4th grade teacher. During a whole semester, she received help from the researcher in order to complete the following cycle: plan her activities, carry them out and evaluate them. At the end of these cycles, strengths and weak points were shared with the group of kindergarten and elementary school teachers working at the school. The procedures for data collection involved, firstly, just to be in the classroom in order to observe the way the teacher performed in teaching. Secondly, helping her to accomplish this task and, lastly, verify if the teacher could do it alone, but in a new and better level. In relation to teaching, it was possible to note changes in four aspects: 1) a shifting focus from the teacher to the students, 2) the old booklet material was not any more exclusively used; 3) the social reality of early learners was taken into account in the planning, offering them an education that considered their prior knowledge and interests; and, finally, 4) the constituent elements of the teaching-learning started to be seen in a more complex way. The changes in the evaluation of the pupils were also observed, particularly in the elaboration of assessment instruments, something expected since the teacher’s conception of evaluation had also been modified. Besides these aspects, the teacher, her colleagues and the management team considered the experienced training process as a positive one, despite stressing and too laborious. Other aspects, such as the difficulty of keeping the collaborative character of the teaching professional development training, were also emphasized as important to enhance the process of learning and teaching.
Keywords: Teaching activity; Historical-Critical Pedagogy; Cultural-Historical Theory in Psychology; teachers’ professional development.
RÉSUMÉ
Le but de cette étude fut celui de développer une méthode de formation des enseignants en collaboration avec les enseignants impliqués dans la recherche et, en particulier, avec l'un d'eux. Guidés par des présupposés de la psychologie socioculturelle et de la pédagogie historique-critique, nous avons cherché à offrir des apports aux enseignants, en les aidant à réaliser des tâches diversifiées avec des étudiants ayant des connaissances et des expériences différentes. En vue de cela, nous avons intentionnellement sélectionné une école privée de la ville de São Paulo, SP, Brésil. Après avoir identifié les besoins et les principaux aspects de la culture institutionnelle de l'école, nous avons analysé de plus près l'activité pédagogique d'un professeur de la 4ème année. Pour cela, pendant un semestre, elle a reçu l'aide du chercheur en vue de planifier ses activités pédagogique, les réaliser et de les évaluer. A la fin de des ces cycles, les progrès et les points faibles repérés ont été partagés avec le groupe d’enseignants de la maternelle et de l’élémentaire qui travaillaient à l’école. Les procédures de ramassage de données comportaient connaître, tout d´abord, la façon dont le professeur planifiait e mettait en oeuvre ses classes, pour ensuite, permettre qu´il puisse mener ces tâches avec l´aide du chercheur et, finalement, qu’il puisse les conduire de manière autonome et en un seuil nouveau et de meilleur performance. En ce qui concerne les classes, nous avons noté des changements au niveau de quatre aspects: 1) au niveau des classes: le déplacement du protagonisme de l'enseignant vers les élèves; 2) au niveau de l´organisation: le matériel photocopié n'a plus été utililisé de manière exclusive 3) au niveau de la planification: le professeur a passé à considérer la réalité sociale de base des élèves en leur offrant une formation qui partait de leurs connaissances et intérêts préalables; 4) au niveau du contexte enseignement-apprentissage, le professeur a pu étendre son regard vers ses éléments constitutifs en évitant qu’ils puissent être cernés de manière simple en vue d’être compris dans un contexte dynamique et multi façonnés. Des changements ont été observés en ce qui concerne les évaluations, en particulier au niveau de l'élaboration de ses instruments, ce que se justifie, finalement, en fonction de la transformation introduite au niveau de la conception de l'enseignant sur l'évaluation. Au delà de ces aspects, le professeur, l’équipe de direction et les groupes d'enseignants ont évalué le processus de formation vécu comme positif, en soulignant, cependant, son caractère trop laborieux. D'autres aspects, tels que la difficulté de maintenir le caractère collaboratif du développement de la formation professionnelle, sont également soulignés comme importants en vue d’améliorer le processus d'apprentissage et d'enseignement.
Mots-clés: Activité d'enseignement ; Pédagogie Historico-Critique; Psychologie Sociohistorique; formation professionnelle des enseignants.
Sumário
Lista de Quadros ............................................................................................................................ 13
Lista de Figuras ............................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 16
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA ...................................................................................... 29
1.1 Da literatura estrangeira sobre formação permanente de professor ...................................... 30
1.1.1 As pesquisas que destacam a dimensão individual ............................................................... 36
1.1.2 As pesquisas que destacam a dimensão colaborativa .......................................................... 51
1.2 Da literatura brasileira sobre formação permanente de professor ......................................... 57
1.3 A diversidade em sala de aula: duas dimensões a se considerar ............................................. 65
CAPÍTULO 2 – DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA ...................................................... 68
2.1 Do momento histórico da Rússia à constituição da “nova” psicologia proposta por Vygotski 68
2.2 Das categorias centrais da psicologia sócio-histórica............................................................... 73
2.3 Das concepções de desenvolvimento e aprendizagem ............................................................ 80
2.3.1 Do conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente ............................................................ 82
2.3.2 Do Ensino pautado nos pressupostos de uma Psicologia Sócio-Histórica ............................ 86
CAPÍTULO 3 – DO MÉTODO DA PESQUISA .................................................................................... 92
3.1 A abordagem preferencialmente qualitativa ........................................................................... 93
3.2 Os princípios vygotskianos sobre o método em psicologia...................................................... 95
3.3 Os principais objetivos da pesquisa .......................................................................................... 97
3.4 Dos pressupostos metodológicos da pesquisa ......................................................................... 97
3.5 A Pesquisa na e sobre a ação ................................................................................................. 102
3.6 A clínica da atividade .............................................................................................................. 111
3.7 Os procedimentos metodológicos .......................................................................................... 112
3.8 Material para análise .............................................................................................................. 117
3.9 O local de pesquisa ................................................................................................................. 119
3.9.1 A caracterização da instituição pesquisada ......................................................................... 119
3.9.1.1 Os objetivos da instituição120
3.10 A equipe gestora (diretora e coordenadora)........................................................................ 127
3.11 A professora participante da pesquisa ................................................................................. 131
3.12 O grupo de professores participantes da pesquisa .............................................................. 137
3. 13 A sala de aula pesquisada .................................................................................................... 139
3.14 O referencial de análise da pesquisa .................................................................................... 140
3.15 Cuidados éticos ..................................................................................................................... 141
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE ........................................................................................................................................ 142
4.1 Carla e o Processo de Ensino-Aprendizagem ......................................................................... 144
4.1.1 Das condições necessárias para ministrar a aula ................................................................ 145
4.1.1.1 Dos objetivos das aulas .................................................................................................... 145
4.1.1.2 Do preparo conceitual e dos materiais para realizar a atividade ..................................... 149
4.1.2 Das aulas ministradas .......................................................................................................... 158
4.1.2.1 Sala de aula: o protagonismo infantil e as novas configurações para melhor promovê-lo158
4.1.2.2 Dinâmica da aula: transcendendo as atividades previstas na apostila ............................ 167
4.1.2.3 O ensino a partir de um novo ponto de partida: a realidade social dos educandos........ 177
4.1.2.4 Ampliando o olhar sobre o conteúdo escolar não apropriado pelos alunos ................... 180
4.1.3 Da avaliação ......................................................................................................................... 183
4.1.3.1 Do instrumento de aferição da aprendizagem escolar .................................................... 186
4.2 Do processo de formação ....................................................................................................... 189
4.2.1 A apreensão da vivência proporcionada pelo projeto de pesquisa, segundo aqueles que o viveram no espaço escolar ........................................................................................................... 189
4.2.1.1 No tocante à professora ................................................................................................... 189
4.2.2 No tocante à equipe gestora ............................................................................................... 193
4.2.3 No tocante às demais professoras (colegas de trabalho) ................................................... 197
4.2.4 No tocante aos educandos de Carla .................................................................................... 198
4.2.4 No tocante à pesquisadora .................................................................................................. 199
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 203
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 210
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 219
Anexos .......................................................................................................................................... 223
Anexo 1: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da diretora ............................................ 224
Anexo 2: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da coordenadora .................................. 226
Anexo 3: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da professora ........................................ 228
Anexo 4: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos pais e responsáveis ........................ 230
Anexo 5: Parecer do Comitê de Ética ........................................................................................... 232
Anexo 6: Cronograma de atividades planejadas x atividades realizadas no decorrer do estudo 232
Anexo 7: Tabela inspirada no material apostilado adotado pela instituição escolar com a descrição do conteúdo previsto para ser ensinado no 3º bimestre ............................................ 239
Anexo 8: Tabela inspirada no material apostilado adotado pela instituição escolar com a descrição do conteúdo previsto para ser ensinado no 4º bimestre ............................................ 241
Anexo 9: Ficha de observação dos alunos para registrarem os diferentes tipos de textos observados, suas características e funções. ................................................................................. 243
Anexo 10: Roteiro de perguntas para a primeira sessão de autoconfrontação simples realizada sobre a aula filmada para identificar o nível de desenvolvimento real (NDR) da professora...... 245
Anexo 11: Roteiro de perguntas para a segunda e a terceira sessões de autoconfrontação simples realizada sobre as aulas do 1º e 2º ciclos da pesquisa em que a professora recebeu o auxílio da pesquisadora ................................................................................................................ 247
Anexo 12: Roteiro de perguntas para a quarta sessão de autoconfrontação simples realizada sobre as aulas do 3º ciclo da pesquisa em que a professora planejou e realizou a aula sem qualquer auxílio da pesquisadora – verificar o novo NDR ........................................................... 252
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Projeto de trabalho docente-discente na perspectiva histórico-crítica.............................90
Quadro 2 – Dados para a análise ........................................................................................................118
Quadro 3 – Organização curricular da instituição para o Ensino Fundamental..................................123
Quadro 4 – Plano de Atualização e Aperfeiçoamento Profissional institucional................................125
Quadro 5 – Descrição do espaço da instituição observada.................................................................127
Quadro 6 – Caracterização do grupo de professores participantes do estudo...................................138
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Ciclo individual “fechado”...................................................................................................41
Figura 2 – Ciclo coletivo “aberto”.........................................................................................................42
Figura 3 – Esquema da Comunidade de Aprendizagem Profissional inspirado em Hargreaves (2004) e
Dufour et al. (2006)...............................................................................................................................55
Figura 4 – Relação entre as dimensões da diversidade e os âmbitos do conhecimento a ser conhecida
pelo professor........................................................................................................................................67
Figura 5 – Relação entre número de alunos e desempenho acadêmico em uma sala de aula onde o
professor negligencia as diferenças entre os educandos.........................................................88
Figura 6 – A modalidade de formação continuada interativa, analítica e construtiva........................102
Figura 7 – Esquema de funcionamento da pesquisa-ação inspirado em Lewin (1948/1997).............106
Figura 8 – Esquema do fluxograma da pesquisa.................................................................................116
Figura 9 – Tempo de magistério das professoras participantes do estudo.........................................138
Figura 10 – Tempo de serviço na escola das professoras participantes do estudo.............................139
Figura 11 – Panorama geral da análise................................................................................................143
Figura 12 – Planejamento de aula realizado com o auxílio da pesquisadora e outro sozinha............149
Figura 13 – Aula sobre texto publicitário............................................................................................150
Figura 14 – Aluno buscando localizar uma reportagem na revista.....................................................155
Figura 15 – Dinâmica de aula em que os alunos se dirigem predominantemente à professora........160
Figura 16 – Alunos reunidos em grupo, mas trabalhando individualmente.......................................162
Figura 17 – Alunos reunidos em grupo, mas trabalhando individualmente.......................................162
Figura 18 – Alunos trabalhando em duplas.........................................................................................163
Figura 19 – Alunos trabalhando em duplas.........................................................................................163
Figura 20 – Alunos trabalhando em trios e pequenos grupos.............................................................163
Figura 21 – Alunos trabalhando em trios e pequenos grupos.............................................................163
Figura 22 – Educandos trabalhando em grupo no reforço sobre concordância nominal e verbal....165
Figura 23 – Educandos trabalhando em grupo no reforço sobre concordância nominal e verbal....165
Figura 24 – Educandos trabalhando em grupo no reforço sobre concordância nominal e verbal....165
Figura 25 – Educandos trabalhando em grupo no reforço sobre concordância nominal e verbal....165
Figura 26 – Exemplo de tabulação entregue à professora após a atividade realizada,
para verificar o NDR dos educandos sobre textos narrativos, informativos e publicitários
(16/08/2011).......................................................................................................................................179
Figura 27 – Exemplos de intervenções pontuais realizadas pela pesquisadora na avaliação elaborada
pela professora...................................................................................................................................187
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Fonte: http://www.biopsico.com.br/nutricao02.html
Com o objetivo de apresentar-me brevemente, convido o leitor a percorrer alguns
momentos significativos de minha trajetória, para que consiga compreender o quanto eles têm
me mobilizado na busca pelo conhecimento e, ainda, como configuro meu objeto de estudo.
Aos 16 anos, tive a oportunidade de viver uma experiência que, sem sombra de
dúvida, assumiu grande relevância na minha escolha profissional pela Educação: por um ano,
fui monitora de um grupo de crianças de 7 a 9 anos de idade, responsabilizando-me, junto
com um grupo de pessoas da minha idade, a oferecer-lhes atividades lúdicas e religiosas, uma
vez por semana, precisamente, aos sábados. A despeito de ser uma atividade voluntária, foi
minha primeira experiência com a Educação, neste caso não formal, mas, não por isso, menos
comprometida. Foi um tempo de encontros durante a semana, para planejar as atividades e
Da análise da atividade docente noprocesso de reinserção escolar de educandos com doenças crônicas.
Para a co-construção de uma modalidade de formação docente que considera a diversidade dos
educandos.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 17
providenciar os materiais que seriam necessários para sua execução. Nessa
informalidade, dei-me conta da responsabilidade de ensinar as crianças, responder a seus
anseios, esclarecer suas dúvidas, acolhê-las quando se despediam de seus pais e compartilhar
as descobertas que faziam durante as peulot2. Vale ressaltar que, entre os integrantes do
grupo, uma das crianças tinha síndrome de Down. Sendo assim, tínhamos que pensar em
adaptações para as atividades, de modo a assegurar a participação de todos. Era parte de nosso
desafio, um compromisso que mantínhamos todos com a maior seriedade. A partir dessa
vivência, confesso que, ao contrário do que vi muitos de meus amigos viverem, não tinha
dúvida quanto à graduação que desejava cursar: Pedagogia.
A graduação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo somada ao
estágio em uma escola particular na região sul da cidade possibilitaram-me não apenas uma
formação inicial consistente, como também a motivação pela incessante busca da construção
do conhecimento na Educação. Após um ano e alguns meses nessa escola, recebi um convite
para trabalhar como assistente de professor, em uma escola judaica, situada na região oeste da
capital, que havia sido inaugurada naquele mesmo ano (2000).
Concomitantemente aos estudos da graduação e às experiências profissionais, tive
oportunidade de aprender muito nos trabalhos voluntários em que me envolvi, entre eles:
atividades com crianças institucionalizadas, projeto de tutoria israelense Perach3, atividades
lúdicas para jovens com paralisia cerebral e o Projeto Felicidade4 para crianças e adolescentes
com câncer.
2 Termo que significa atividade no idioma hebraico.
3 A palavra perach significa flor em hebraico. Refere-se, também, a um programa que há mais de trinta e seis anos une jovens universitários e crianças que vivem em condições menos privilegiadas em todos os setores da sociedade israelense (judias, árabes e drusas), em uma relação de tutoria, tendo como meta oferecer-lhes não apenas atenção individualizada, mas também outros modelos de conduta, tidos como mais adequados para uma vida rica em sociedade. Idealizado por um grupo de jovens engajados nas questões sociais do Weizmann Institute of Science, notadamente no que concerne às crianças das camadas mais populares, o projeto conta, atualmente, com trinta mil tutores – alunos que frequentam o terceiro grau nas universidades israelenses, atendendo cinquenta e oito mil crianças. Disponível em:< http://www.perach.org.il/Perach/Templates/ShowPage.asp?DBID=1&LNGID=2&TMID=10000&FID=317>. Acesso em 03 de abr. 2010.
4 Projeto financiado por entidades judaicas que tem como objetivo acolher e proporcionar uma semana de atividades para crianças e jovens em tratamento oncológico ou recém-egressos dessa terapia. Ao término desse período, o vínculo estabelecido entre projeto, criança e seus familiares é mantido via correspondência.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 18
A segunda escola em que trabalhei me acolheu muito bem e minha experiência como
assistente findou no primeiro ano, quando me ofereceram uma sala de Educação Infantil, para
atuar junto a crianças de dois anos de idade. Esse ano e os cinco seguintes em que passei
naquela instituição foram extremamente frutíferos, no que concerne à experiência em si e à
minha própria formação continuada. Frequentemente, ofereciam-nos cursos de curta duração
sobre as várias áreas do conhecimento e tínhamos palestras sobre temas diversificados,
presentes em nosso cotidiano.
Em 2004, quando assumi uma sala com crianças de três anos, tive entre meus alunos
uma criança com autismo. Trabalhar com esse menino foi um grande desafio para mim e,
também, para a escola. Devido a minha pouca experiência, “tateava” muito: ora conseguia
envolvê-lo nas atividades, ora não. Minhas tentativas, acertos e erros não me levaram a um
resultado exitoso. Isso fez com que a escola propusesse aos pais que ele cursasse novamente
aquele nível de ensino. Para mim, foi um dos meus maiores fracassos: não consegui ajudar
aquele garoto! Este fato, inicialmente carregado de um sentimento doloroso, pôde, com o
decorrer do tempo, ser ressignificado, de modo que consegui superar seu caráter traumático,
retendo o que dele pude aprender. Foi assim que essa situação tão penosa deixou de ser
apenas um grande pesar, para retomar a força motivadora em busca de novos conhecimentos,
integrando um processo de mergulhar plenamente, com todo o meu ser, naquilo que a
experiência me convidava a pensar ou a sentir. Esse movimento conduziu-me, novamente, à
Universidade, especificamente para o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em
Psicopedagogia.
Tenho boas recordações tanto das disciplinas, quanto do estágio que realizei nesse
curso de Pós-Graduação. Sobre esse último, minha atenção esteve voltada, durante um ano,
para o acompanhamento de duas professoras que lecionavam em classe hospitalar, em uma
instituição de grande porte, situado na região sul da capital. Enquanto no primeiro semestre
foram privilegiadas as observações sobre o funcionamento das classes e a identificação das
demandas das docentes, nos seis meses seguintes foram realizadas algumas intervenções,
seguidas de avaliação sobre seu aproveitamento no trabalho das professoras, em seu
cotidiano. Nesse ínterim, realizei meu trabalho de conclusão de curso.
Muito próxima à realidade que investigava no estágio, a monografia teve como
objetivo delinear precisamente os contornos e o papel da classe hospitalar, dos profissionais
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 19
que lá trabalham, assim como do psicopedagogo que atua nessas circunstâncias. Como
resultado, observei, naquele momento, que apesar do engajamento governamental no sentido
de ampliar a oferta de classes hospitalares, bem como a formação inicial5 e continuada6 para
os professores que atuam neste ambiente, nada parecia avançar no sentido de melhorar as
condições de aprendizagem das crianças. Nesse mesmo sentido, o entendimento do papel da
classe hospitalar, bem como da tarefa a ser lá desempenhada, também não estava, a meu ver,
bem definido. A “lacuna” entre a formação inicial e as necessidades da demanda colocadas ao
professor era evidente, e as professoras indicaram que a relação com a perda iminente dos
educandos-pacientes era algo doloroso, para o qual não se viam preparadas. Constatei que
mesmo sem formação adequada para encarar tais doenças, na ausência de qualquer respaldo
terapêutico para suportar o processo de adoecimento e morte e, inclusive, sem receber salários
atrativos e, nem mesmo o adicional por insalubridade sendo regularmente pago, essas
professoras persistiam em sua dura jornada (RACHMAN, 2006). Mas como? Como alguém
consegue enfrentar a perda e prontamente ressignificá-la para seguir em frente e, como se não
bastasse, mantendo-se bem disposto para atender os demais educandos-pacientes? Como é
possível encarar situações tão adversas e não sucumbir a elas? Esses questionamentos
pareciam-me articular-se ao conceito de resiliência, com o qual tive um breve contato, durante
uma das reuniões em que participei – na condição de monitora da turma de estágio do curso
de Psicopedagogia – parte da formação de professoras de classe hospitalar da Diretoria de
Ensino Centro-Oeste. Desse modo, configurou-se o problema que investiguei durante o
mestrado.
Concomitantemente às experiências supradescritas, fui convidada a lecionar para três
crianças permanentemente internadas no Hospital da Faculdade de Medicina da Santa Casa.
Na condição de doentes crônicos de uma patologia que causava sucessivas degenerações
motoras, exigia alimentação endovenosa e respiração via traqueostomia7, o trabalho escolar
não poderia ser assegurado de outro modo, senão naquele local. Como esses pacientes
estavam temporariamente sem professora, aceitei o desafio por seis meses. Se, por um lado, as
conquistas pedagógicas pareciam ser muito pequenas (já que o trabalho acontecia só uma vez
5 A formação inicial predominante era Pedagogia ou Magistério. 6 Embora a Diretoria de Ensino oferecesse cursos aos professores, esses normalmente privilegiavam os temas e as questões suscitados pela maior parte dos professores, que, por sua vez, lecionam nas classes regulares e não nas hospitalares. 7 “A Traqueostomia é um procedimento cirúrgico em que, através da colocação de uma cânula na traqueia, se estabelece uma comunicação direta entre ela e o meio externo.” (FRAGA et al., 2008, p. 60).
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 20
por semana e apenas durante uma hora), por outro, esse trabalho foi extremamente
enriquecedor para me fazer pensar naquela realidade e suas limitações: as muitas interrupções
dos encontros pedagógicos por parte do corpo médico e dos enfermeiros, as incríveis
adaptações que se faziam necessárias, desde a escolha do material até sua oferta ao aluno,
passando, inclusive, pela melhor maneira de transportar meus materiais até o local da aula.
Destarte, essa experiência, com suas inúmeras descobertas e questionamentos, veio se somar à
experiência que tive durante o estágio na classe hospitalar, permitindo-me delinear meu
objetivo de pesquisa do mestrado: fazer um estudo empírico acerca de como as professoras,
que atuam nas classes hospitalares, enfrentam a ruptura de vínculos e seguem em frente, em
seu trabalho. No entanto, diante da apreensão da complexidade do conceito de resiliência,
percebida já em meu primeiro contato com a literatura, atinei que essa meta era ainda
prematura. Relutando em abandonar o estudo desse tema (RACHMAN, 2008), optei por
realizar uma pesquisa de cunho teórico, na qual procurava não apenas conhecer em maior
profundidade o conceito de resiliência, mas, também, identificar em que circunstâncias ele
tem sido pesquisado, por meio de quais métodos e, sobretudo, como os pesquisadores
nacionais nas áreas de Educação e Psicologia da Educação o têm estudado.
Ao retomar todo este percurso, faço uma analogia a uma trama de tecido que,
paulatinamente, se constitui. Cada evento, um percurso; cada experiência, um nó; cada
significado, a continuidade do tecer. Com isso, espero ter esclarecido ao leitor como chego a
produzir o tecido que agora terá como trama principal as questões relacionadas ao processo de
ensino que envolve a doença.
Ao ingressar no doutorado, tinha em mente, agora com um tempo maior para conduzir
a pesquisa, realizar o projeto inicialmente idealizado para o mestrado: conhecer como
professoras de classe hospitalar lidam com a iminente perda dos alunos-paciente com quem
estabeleceram vínculo afetivo. O estudo, por sua vez, contemplaria não apenas o aspecto
anunciado, mas se proporia a pensar, também, algumas questões de natureza pedagógica,
notadamente, o planejamento das atividades a serem ministradas em um local que tem, como
característica marcante, o fato de reunir educandos de diferentes faixas etárias, provenientes
de distintas localidades e cuja permanência no hospital é muito variável. Desse modo, o
estudo em tela, além de atender meus anseios pessoais, corresponderia também aos objetivos
do Projeto Trabalho docente e subjetividade: aspectos indissociáveis da formação do
professor, condição essa fundamental a ser respeitada já que fazia dele parte. Gostaria aqui de
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 21
fazer um parêntese para prestar alguns esclarecimentos que considero fundamental para a
compreensão das decisões que fizeram parte deste processo. Ao vincular-me a esse projeto, eu
não apenas participaria de um estudo mais abrangente conduzido por suas coordenadoras em
diferentes programas de Pós-Graduação, co-
mo também, por meio da minha pesquisa, de-
veria contribuir, junto com outros pós-gra-
duandos, para a melhoria da formação docen-
te. Daí se justifica a preocupação em conduzir
uma pesquisa que estivesse alinhada aos pres-
supostos teóricos e metodológicos da investi-
gação mais ampla. Isto posto, retomo a des-
crição do processo percorrido na presente
pesquisa.
A investigação voltada para a formação de professoras de classe hospitalar parecia
estar a contento, quando me deparei com as dificuldades que encontrei ao estudar a atividade
docente naquele ambiente. Constatei que teria de submeter meu projeto de pesquisa ao
Comitê de Ética do hospital e, portanto, estaria sujeita a ter que acatar as sugestões oferecidas,
em especial as de cunho metodológico, já que, na pesquisa, a coleta de dados envolve
procedimentos de filmagem das interações da professora com seus alunos. Esse último
aspecto, em especial, desencorajou-me muito: viabilizar a filmagem da atividade docente
implicaria ter que elucidar, a todo o momento, os objetivos da pesquisa para o aluno que seria
filmado e para seus pais ou responsáveis assim como todos os aspectos do termo de
consentimento livre e esclarecido, de forma a assegurar o cumprimento das normas éticas, em
pesquisa envolvendo seres humanos.
Adicionalmente, outro impasse se apresentava: a dificuldade em encontrar um horário
de encontro com as professoras, além daquele reservado para as filmagens das atividades, de
forma a poder realizar outros procedimentos metodológicos, entre eles, o que requeria
discussão do professor com o pesquisador e com outro colega, sobre a atividade desenvolvida
junto ao aluno. Todos esses aspectos provocaram-me a repensar o projeto. Entretanto, à
medida que verificava a inviabilidade de realizar a ideia inicial, inquietava-me também o fato
de que começava a me distanciar de meu objetivo primeiro de investigação e não queria abrir
mão de estudar e contribuir para a formação de professores que lidam com a doença. Esse
O projeto Trabalho docente e subjetividade: aspectos indissociáveis da formação do professor – financiado pela Capes via Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) – foi realizado junto com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e com a Universidade Estácio de Sá (UNISA-RJ) de 2009-20012 e tinha como principal objetivo: “elevar o padrão de qualidade da formação de profissionais em nível de pós-graduação, assim como a produção científica desses programas e contribuir com subsídios para a qualificação dos programas que materializam as Políticas Públicas de Capacitação de Professores”. (AGUIAR, no prelo, p. 18).
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 22
desconforto, decorrente da falta de clareza sobre meu percurso, permaneceu até assistir à
defesa de um trabalho que abordava a reinserção escolar de crianças com câncer.
Ao entrar em contato com o tema, o entusiasmo pelo contexto hospitalar, que estava
arrefecido, retornou com força. A ideia de contribuir para a formação do professor que tem
em sala de aula uma criança vítima de doença crônica me fascinava. Desse modo, parti para a
leitura de textos produzidos sobre o assunto. Nesse ínterim, ao dar uma aula no curso de Pós-
Graduação sobre o assunto escolhido para minha investigação, encontro, entre os alunos
ouvintes, uma diretora que tinha, no corpo discente, um educando com leucemia. Não tardou
muito para combinarmos um encontro na escola e uma conversa sobre os entraves vividos
pela docente que os tinha em sala.
De maneira muito acolhedora e receptiva, tanto a diretora dessa escola quanto a
professora do educando vítima de câncer receberam-me muito bem e transmitiram-me as
informações relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem. Passado esse primeiro
encontro, quando tornamos a nos encontrar para formalizar a pesquisa, a diretora perguntou-
me se achava que minha pesquisa realmente trataria da formação de professores com crianças
vítimas de doenças crônicas em sala, pois ela contava com uma demanda muito mais ampla:
síndrome de Asperger, problemas no processamento auditivo central, traumatismo craniano,
crises não epiléticas psicogênicas, dentre outros. Naquele momento, dei-me conta de que o
que tinha em mente era uma problemática de pesquisa idealizada e que a demanda,
efetivamente, solicitava auxílio para muitas outras crianças com necessidades educacionais
especiais.
Desse modo, solicitei à diretora a lista dos educandos que constituíam maiores
desafios à escola e – entre aqueles destacados pela diretora – escolhi os que estavam no
Ensino Fundamental I, atendendo à condição estabelecida pelo projeto Trabalho docente e
subjetividade: aspectos indissociáveis da formação do professor. No segundo semestre de
2010, comecei a observar as várias salas de aula. Neste ínterim, verifiquei que, apesar de
alertar as professoras sobre meu foco de atenção na sala – os educandos com algum tipo de
necessidade educacional especial indicado pela instituição – elas, ao conversarem comigo,
compartilhavam muitas das dificuldades que enfrentavam com outros alunos, tais como: falta
de concentração, vicissitudes no processo de alfabetização devido à diferença de idiomas ou,
ainda, por questões de ordem fonoaudiológica. Já sensibilizada à demanda apresentada pela
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 23
instituição, verifiquei que, além daqueles alunos com necessidades educacionais especiais, os
professores solicitavam meu auxílio para algo muito mais amplo: para a diversidade! Foi
nesse momento que meu problema de pesquisa assumiu sua forma mais precisa e definitiva:
como encarar a diversidade em sala de aula? Meu olhar, que até então, já havia se deslocado
das questões relacionadas ao processo de reinserção escolar de crianças com algum tipo de
doença crônica para aquelas que tivessem alguma necessidade educacional especial, passava
agora se centrar na diversidade. Ao abordá-la, considero fundamental esclarecer ao leitor que
esse termo, nesta pesquisa, refere-se às diferenças encontradas em várias esferas da vida dos
estudantes: experiências pessoais e ritmos mais lentos ou mais rápidos de aprendizagem. Se
essa variedade, aqui encarada como riqueza, não for considerada e cuidada pelos docentes, a
ela será prontamente atribuído o rótulo de “aluno com dificuldade de aprendizagem”.
De fato, Miranda (2005) esclarece que as professoras, amparadas por critérios que
sinalizam um dado “padrão de normalidade”, tendem a rotular como alunos com problemas
de aprendizagem todos aqueles que fogem do desempenho “ideal” esperado, notadamente no
que tange às atividades relacionadas à alfabetização e à matemática. Adicionalmente, a falta
de interesse pelos temas abordados em sala e as condutas agressivas podem servir, também,
de justificativas para assim enquadrar os alunos. As evidências apresentadas por Miranda não
apenas enriquecem a discussão sobre as “dificuldades de aprendizagem” como chamam a
atenção, por exemplo, para a importância de rever conceitos que fundamentam as práticas
educacionais, ampliando o olhar dos professores quanto às conquistas e possibilidades de seus
educandos e, ainda, à relevância de oferecer-lhes uma formação adequada, no próprio
contexto escolar em que atuam. Além disso, se essa conduta for adotada nos cursos de
formação de professores, contribuiremos para fortalecer a crença dos docentes em sua própria
capacidade e conhecimento, para planejar os procedimentos mais adequados para o trabalho
com seus alunos, implementá-los e avaliá-los à luz dos resultados alcançados.
A consideração das condições laborais no desenvolvimento profissional vem rebater
um modelo de formação continuada já constatado como ineficiente pela literatura
especializada (FULLAN 1982/2009; DONOVAN, BRANSFORD e PELLEGRINO, 1999).
De acordo com Fullan (1982/2009), a despeito dos elevados investimentos que representam a
oferta constante de cursos de formação continuada nos Estados Unidos, a grande maioria
deles adota o modelo de workshop ou sessões que “costumam ser intelectualmente
superficiais, desconectadas de questões profundas relacionadas com o currículo e a
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 24
aprendizagem, fragmentadas e nada cumulativas” (BALL & COHEN apud FULLAN,
1982/2009, p. 34). Desse modo, argumenta o autor, se o foco é a mudança de crenças, hábitos
e condutas docentes, incluindo aí o estilo de ensinar, recursos a utilizar etc., elas “[...] somente
podem ocorrer por meio de um processo de desenvolvimento pessoal em um contexto social”
(FULLAN, 1982/2009, p. 131 – grifos do autor). Nesta mesma direção, Miranda (2005), ao
comentar os projetos de formação continuada para os professores, afirma que:
Os projetos devem propor ações factíveis de serem efetuadas no interior da escola, ou seja, ações coerentes às reais condições da escola pública. Não resolve elaborar projetos mirabolantes que não sejam funcionais: é mais sensato, portanto, reconhecer as possibilidades de trabalho e agir de acordo com a realidade do momento. (p. 157)
Consoantes ao exposto, Gatti (2003) e Souza (2006) igualmente alertam para o baixo
impacto dos cursos de formação continuada oferecido aos professores, quando restritos à
transmissão de “informações, conteúdos, trabalhando a racionalidade dos profissionais”
(GATTI, 2003, p. 192). De acordo com essa última autora:
Os conhecimentos adquirem sentido ou não, são aceitos ou não, incorporados ou não, em função de complexos processos não apenas cognitivos, mas socioafetivos e culturais. Essa é uma das razões pelas quais tantos programas que visam a mudanças cognitivas, de práticas, de posturas, mostram-se ineficazes. Sua centralização apenas nos aspectos cognitivos individuais esbarra nas representações sociais e na cultura dos grupos. (p. 192)
Programas formativos, intervenções que visam trazer impactos e diferenciais nos modos de agir de pessoas/profissionais só mostram efetividade quando levam em consideração as condições sociopsicológicas e culturais de existência das pessoas em seus nichos de habitação e convivência, e não apenas suas condições cognitivas. (p. 197)
Nessa mesma direção, Souza (2006) reitera a necessidade de os cursos de formação
não focarem o professor individualmente e isolado de seu contexto de trabalho, simplificando
os problemas relacionados à qualidade de ensino e a má qualificação do docente, evidenciada
por seu despreparo teórico e pedagógico. A busca pela elevação da qualidade de ensino passa,
segundo a autora, por um projeto que considere as condições concretas de trabalho nas quais
os profissionais lecionam, as relações interpessoais “que dão existência à escola em termos de
reprodução, contradição, conflito ou transformação social” (p. 489), os entraves burocráticos e
administrativos da instituição, assim como a cultura escolar e docente.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 25
Além de alertar sobre a maior eficácia do processo de formação, quando ele se passa
em um contexto que é familiar ao professor, outro problema também é apontado na literatura
como merecendo atenção: a escassa contribuição das pesquisas da área da Educação para as
mudanças nas práticas educativas. De acordo com Donovan, Bransford e Pellegrino (1999), as
investigações realizadas nesse campo pouco têm contribuído para mudar as salas de aula e,
além do mais, os conhecimentos nelas produzidos não são apropriados pelos educadores. As
razões para que isso ocorra, segundo os autores, residem em três grandes questões: 1) a falta
de sintonia entre o foco dos pesquisadores ao salientar os conceitos para explicar a
aprendizagem e o foco dos educadores ao aplicá-los em sala de aula, quando um grande
número de alunos se faz presente, em um tempo restrito e com uma demanda variada; 2) a
linguagem pouco familiar aos professores dos trabalhos acadêmicos; e 3) o envolvimento dos
docentes em diversas atividades profissionais, comprometendo a disponibilidade para ter
contato com as pesquisas mais relevantes produzidas na área da Educação (p. 6).
Esse mesmo alerta é feito por Fullan (1982/2009), ao comentar a atualidade dos
resultados das pesquisas de Lortie (1975)8, Goodlad (1984/2004) e Rosenholtz (1989)9, todas
realizadas nos Estados Unidos há pelo menos duas décadas! Entre as evidências apresentadas
por esses autores, verifica-se: a) formação precária do professor, que não o prepara para a sala
de aula; b) organização “celular” das instituições escolares, que não favorecem a troca e o
desenvolvimento de uma “cultura técnica comum” entre os docentes e, sim, a construção de
um percurso solitário para enfrentar os dissabores da profissão; c) eficiência do ensino
pautada, notadamente, em observações informais dos professores, em vez de avaliações
formais e d) o fato de as principais gratificações mencionadas pelos docentes referirem-se ao
número de grupos para os quais lecionou e junto aos quais acredita ter tido sucesso em
promover a aprendizagem dos alunos. Já o segundo estudo, conduzido por Goodlad
(1984/2004), revela entre seus principais achados que: 1) o padrão de relação que predomina
em sala é o do professor com todo o grupo de alunos e os educandos trabalhando, boa parte do
tempo, sozinhos; 2) grande parte do tempo, o docente ensina situando-se na frente dos alunos,
deixando poucas oportunidades para esses últimos aprenderem uns com os outros. Com isso,
as atividades com as quais os educandos se envolvem em sala de aula restringem-se, na
8 LORTIE, Dan. School teacher: A sociological study. Chicago: University of Chicago Press, 1975.
9 ROSENHOLTZ, Susan. J. Teacher´s work place: The social organization of schools. New York: Longman, 1989.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 26
maioria das vezes, a ouvir o professor, a responder às suas perguntas ou fazer provas e testes;
3) baixo envolvimento do docente em questões relacionadas à escola ou mesmo extraclasse; e
4) escassa troca ou ajuda mútua entre os professores. No que tange a essa última observação,
Fullan (1982/ 2009) mostra que Rosenholtz (1989) também corrobora tais resultados: ao
investigar 78 instituições escolares, esse autor concluiu que 65 apresentavam ambientes
“estagnados”, ou seja, com ínfimas relações de troca e de cooperação entre os professores,
que pouco ou nada contribuíam para um ambiente enriquecedor, de aprendizagem mútua.
Diante dos resultados arrolados nos Estados Unidos, Fullan (1982/2009) não apenas se
questiona o que teria mudado ao longo destas três décadas, como ratifica a iniciativa de
pensar o significado da mudança educacional. De acordo com o autor, esse significado não se
limita às iniciativas de “reestruturação”, termo que se refere às reformas direcionadas a
questões como as estruturais, burocráticas e formais. Na verdade, trata-se de um processo de
“reculturação”, que diz respeito a transformações mais profundas e, portanto, realizadas num
período mais extenso, já que envolvem a maneira como os professores se questionam e, a
partir desse questionamento, alteram suas condutas, hábitos, ideias e concepções relacionadas
ao ensino e à aprendizagem. Desse modo, diante da lacuna observada entre as pesquisas na
área de Educação e sua contribuição para a mudança das práticas educacionais; diante da
ineficácia dos cursos de formação, quando administrados sem levar em conta as condições
sociais e históricas dos professores que os frequentam e diante dos resultados dos estudos
acima arrolados, o que se pretende, na presente investigação, é oferecer uma alternativa que
possa subsidiar a prática docente e, assim, auxiliar a construção de conhecimento na área.
Adicionalmente, além dos aspectos já elucidados, como parte do Programa Nacional
de Cooperação Acadêmica – via projeto Trabalho docente e subjetividade: aspectos
indissociáveis da formação do professor – a presente investigação busca agregar
conhecimento teórico e metodológico ao já produzido ou em produção nesse contexto por
meio das pesquisas dos discentes que integram ou integraram o referido projeto. Desse modo,
esta pesquisa tem como objetivo (co)construir uma modalidade de formação docente à luz dos
pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica, capaz de orientar a prática docente, notadamente
no que se refere a assegurar o compromisso de fazer com que todos os educandos aprendam e
permaneçam na escola com sucesso. Em termos de objetivos secundários, espera-se auxiliar o
professor a: a) reconhecer e se relacionar de modo melhor e mais confortável com a
diversidade dos alunos em termos de perfil de aprendizagem, experiências pessoais,
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 27
motivação e relação mantida com o saber etc.; b) identificar problemas na prática pedagógica,
contribuindo para que os professores inovem no planejar, analisar e avaliar sua prática
pedagógica, contemplando, nela, a diversidade dos educandos presentes em sala; e c)
divulgar, concomitantemente à modalidade de formação, a ideia de comunidade profissional
de aprendizagem10, levando os professores participantes a nela se envolver, direcionando
esforços no sentido de implementá-la e formá-la em seus ambientes de trabalho (FULLAN,
1982/2009, pp. 54-60).
Considerando que a principal meta do estudo está direcionada para o desenvolvimento
de uma modalidade de formação em parceria com os professores, o método adotado foi
inspirado na investigação-ação que, segundo Kemmis e McTaggart (1992), refere-se a uma
atividade em grupo que envolve, notadamente, quatro importantes fases: 1) reflexão inicial,
quando pesquisador e colaboradores definem o fulcro da preocupação temática; 2)
planejamento, momento em que se delineia a ação a ser investigada, considerando seu
contexto, suas possibilidades e seus limites; 3) implementação do planejamento e observação
do que nele foi bem-sucedido e do que requer ajustes; e 4) nova reflexão, quando se
contempla desde a análise da execução do plano de ação, suas conquistas e fracassos, até o
novo delineamento da ação futura. A execução dessas etapas visa ao desenvolvimento
profissional, procurando aprimorar a qualificação dos professores colaboradores para melhor
se relacionarem com a diversidade em sala de aula em suas variadas modalidades e
manifestações. Evidentemente, quando se trata de crianças com alguma necessidade
educacional especial, cabe ainda, além de planejar atividades diversificadas, considerar as
idiossincrasias dessa condição.
Pretende-se, pois, empreender um extenso estudo, cujos procedimentos sejam, a todo o
momento, negociados com os professores colaboradores e com a equipe gestora, tentando
construir um recurso que não apenas auxilie efetivamente na transformação das práticas
educacionais, como caminhe na direção da formação de:
Um corpo docente de intelectuais transformadores que possam caminhar por suas trajetórias profissionais de modo que estejam aptos a criar contextos
10 O conceito de comunidade profissional de aprendizagem (FULLAN, 1982/2009) está relacionado a um ambiente de trocas que permitem o enriquecimento profissional entre os professores e entre esses e equipe gestora. A preocupação e o engajamento com a aprendizagem, assim como o desenvolvimento dos alunos, são assumidos como metas centrais de todos. Esse conceito será mais bem tratado proximamente, neste trabalho.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 28
apropriados e socialmente adequados para proporcionar oportunidades equitativas de aprendizagem para os educandos que ensinam. (JOHNSON apud MELLO, DUTRA e JORGE, 2008, p. 516)
Posto isso, para atingir os objetivos anunciados, a investigação contemplará etapas,
envolvendo cada uma delas, momentos de reflexão, planejamento e execução e observação da
ação, novos planejamentos e nova reflexão ao final. Faz parte deste estudo, com participação
mais intensa e efetiva (envolvendo planejar as atividades com auxílio direto da pesquisadora,
como também ter suas atividades videogravadas e, posteriormente, discutidas com ela e com o
coletivo de professoras de Ensino Fundamental I e de Educação Infantil) uma única docente.
29
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES
PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE
AULA
Fonte: braziliancaravan.blogspot.com
Apresento, a seguir, alguns dos estudos conduzidos por pesquisadores brasileiros e
estrangeiros em relação à formação continuada de professores. Com isso, o que se pretende é
permitir ao leitor apreciar melhor em que medida este presente estudo contribui, diferencia-se
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 30
e possivelmente avança na construção do conhecimento relativo à formação docente em
âmbito científico e social.
1.1 DA LITERATURA ESTRANGEIRA SOBRE FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSOR
Inúmeras são as publicações eletrônicas e
impressas lançadas a todo o momento, assim como
os inesgotáveis eventos científicos sobre formação
permanente do professor. Tudo isso decorre de um
crescente interesse nesse tema, por parte dos
pesquisadores. No entanto, como será explicado a
seguir, nem sempre a formação permanente foi
encarada da forma como tem sido ultimamente. A
despeito do relato de Lourenço Filho (1953) sobre
algumas importantes experiências11 relacionadas à
formação em serviço, capacitação e aperfeiçoamento
de professores para escolas rurais, Imbernón (2009,
2010) esclarece, de modo mais abrangente, que, até
a década de 1970, o estudo da formação do
professor, como área de conhecimento, era bastante
escasso na maioria dos países latinos. Foi nessa
década que se iniciou, segundo o autor, um modelo 11 Lourenço Filho (1953) descreve a riqueza dos programas de formação, treinamento e aperfeiçoamento de professores para escolas primárias rurais, desenvolvidos na Fazenda do Rosário, em Minas Gerais, sob a direção da professora Helena Antipoff. Mobilizados por uma “nova consciência geral, em relação aos problemas da vida rural, provocada, especialmente, pelo desequilíbrio entre a produção agrícola e a produção industrial do país a Fazenda do Rosário converte-se em um grande centro de referência na preparação e aperfeiçoamento de mestres para as escolas primárias rurais, cuja grande maioria era de regentes leigos, ou desprovidos de qualquer preparação anterior em escolas normais.” (p. 83). É oportuno salientar que, ainda que a experiência descrita tivesse como função primeira sanar a problemática da vida rural, alguns pressupostos centrais da formação em serviço, hoje muito defendidos, já estavam lá presentes, como, por exemplo, a não fragmentação entre teoria e prática. Para tanto, os programas, de caráter flexível, envolviam observações e conhecimentos acerca dos problemas e projetos da criança, do lar e da comunidade. “Na medida em que esses problemas e projetos são propostos, os mestres-alunos vão reconhecendo as deficiências de sua preparação, sendo levados a supri-las, segundo um plano individual que elaboram” (p. 90). No entanto, como alertado no texto, era recorrente a descoberta, pelos alunos, de que os planos por eles elaborados não seriam vencidos ao término do curso, sendo, portanto, incentivados a manter contato com os professores mesmo quando egressos, o que, a meu ver, já promovia a concepção de formação de professor em um continuum que envolve o coletivo e o permanente refletir sobre a prática, transformando-a a todo o momento.
Para Marcelo García (1999), a formação de professores tem, paulatinamente, assumido contornos próprios de uma matriz disciplinar. Em seu entender, cinco são os fatores que corroboram essa ideia. O primeiro deles remete-se ao fato de ela contar com um objeto de estudo próprio: processos de formação, profissionalização e socialização dos professores. O segundo é dispor de uma metodologia de investigação específica para a análise dos processos de aprender e ensinar. Já o terceiro reside no fato de congregar uma comunidade de estudiosos que conta com um código de comunicação próprio. A esse, soma-se o quarto fator: promover a incorporação progressiva dos protagonistas no processo de pesquisa, permitindo que eles assumam papéis cada vez mais ativos no “desenho”, no desenvolvimento e na análise dos dados. O quinto e último fator refere-se ao crescente reconhecimento da formação de professores como condição sine qua non na qualidade da ação educativa por parte dos gestores, estudiosos e políticos (p. 25). Posto isso, a formação de professores pode ser definida para este autor como:
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 31
de busca individual pela formação permanente, ou
seja, a formação inicial deveria ser complementada
pelos docentes, “onde e como pudessem”. Desse
modo, alguns deles, ao frequentarem cursos
esporádicos – ou mesmo ao se interessarem pela
leitura de algumas revistas da área – ampliavam o
conhecimento obtido na formação inicial e, com
isso, imprimiam, ainda que de modo discreto, novo
vigor às práticas educacionais.
O decênio seguinte seria marcado, segundo o mesmo autor, pelo paradigma da
racionalidade técnica. Os pressupostos defendidos por esse paradigma indicavam ser
importante conhecer as características do bom professor para incorporá-las aos docentes em
formação, algo que se constituiu em principal interesse das investigações conduzidas no
período. Capacitações e cursos assistemáticos serviam para transmitir estratégias e técnicas
que deveriam constituir uma solução a todos os problemas enfrentados na sala de aula. A
década de 1990, por sua vez, seria palco da institucionalização da formação continuada.
Preconizava-se que sua “intenção [seria] adequar os professores aos tempos atuais, facilitando
um constante aperfeiçoamento de sua prática educativa e social para, assim, adaptá-la às
necessidades presentes e futuras” (IMBERNÓN, 2010, p. 19).
A racionalidade técnica, ainda hoje fortemente arraigada no campo educacional,
deveria ser fortalecida e institucionalizada via capacitação e cursos padronizados.
Privilegiava-se na época e, ainda hoje, a transmissão de conhecimentos e habilidades
selecionados por especialistas, uma política a ser realizada “de cima para baixo”. Ao instruir
indivíduos ou pequenos grupos de modo pontual, sem levar em conta nem seu contexto nem
mesmo suas condições de trabalho, muitas demandas e interesses dos docentes eram (e ainda
são) negligenciados. O baixo impacto dessa modalidade de formação nas práticas
educacionais em sala de aula acabou por levar o meio acadêmico a se preocupar com um
maior envolvimento dos professores, em seu próprio processo formativo. Assim, modalidades
de formação alternativas começaram a ganhar espaço, como as pesquisas-ação, aproximando
os alunos em formação com a realidade das escolas. Intensifica-se a produção de textos –
“[...] a área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didáctica e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipa, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. (p. 26)
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 32
traduzidos ou não – retratando o ocorrido em congressos, experiências bem-sucedidas,
análises teóricas, entre outras. Desse modo, ainda sem um direcionamento claro, o movimento
da formação permanente pôde, como salienta Imbernón (2010), em meio a grande
efervescência, discutir aspectos até então ignorados. Ainda consoante a esse mesmo autor:
Essa foi uma época fértil na formação continuada dos professores, já que os cursos de formação de professores se consolidaram na maioria da Espanha, e, com denominações semelhantes em muitos países latino-americanos, apareceram novas modalidades, como a formação em escolas ou em seminários permanentes, bem como a figura do assessor. (IMBERNÓN, 2010, p. 21)
É a partir dos anos 2000 que as mudanças sociais, já em andamento, ganham uma
maior dinamicidade, desencadeando profundas transformações na atividade docente. Vaillant
(2007) elucida que o papel do professor vem sofrendo alterações decorrentes de variações nos
contextos macro, micro (o da sala de aula), político e administrativo. As alterações ocorridas
no nível macro referem-se, segundo a autora, ao vertiginoso aumento de exigências que se
colocam aos docentes, entre elas: a) o domínio de métodos eficazes de ensino, capazes de
promover a aprendizagem dos alunos; b) o desenvolvimento de competências que os
habilitem a estabelecer relações bem-sucedidas com educandos, equipe gestora, colegas de
trabalho e pais; c) o conhecimento de técnicas relacionadas ao que há de mais avançado em
tecnologia; além das habilidades necessárias à postura reflexiva e investigativa envolvida no
avaliar para transformar, sempre que preciso, a prática docente. Sobre esse aspecto, Fullan
(1982/2009) descreve que esse excesso de tarefas acaba sendo responsável pela sensação da
“falta de tempo crítica para os professores, redução de oportunidades de aprendizagem
individual e conjunta de aprimoramento contínuo, com domínio de novos conceitos e
habilidades” (p. 33). Adicionalmente, Vaillant (2007), ainda que injustamente, acredita que a
redução das responsabilidades educativas dos demais atores sociais, notadamente, as das
famílias, constitui um dos aspectos que engendraram mudanças desta instância macro. No
entanto, como bem esclarece Szymanski (2000; 2010), a família é fruto de uma construção
histórica e social e, nesta condição, assume uma “missão socializadora”, que lhe foi conferida
pela sociedade da qual faz parte (SZYMANSKI, 2000, p. 16). Somado a esse fato, é
fundamental esclarecer que, a despeito de as famílias e a escola ansiarem pela preparação do
jovem e por sua inserção bem-sucedida na sociedade, cada uma delas desempenha tarefas
distintas. Enquanto as atribuições da família remetem-se, essencialmente, à transmissão de
uma herança cultural, “de saberes, práticas e hábitos sociais” (idem, 2000, p. 19) que passam
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 33
de geração em geração, à segunda compete “ensinar (bem) conteúdos específicos de áreas do
saber, escolhidos como sendo fundamentais para a instrução de novas gerações” (idem, 2010,
p. 99). Isso posto, fica clara a inadequação de responsabilizar também a família pelas
mudanças ocorridas nessa instância.
Além do contexto macro, as salas de aula e os programas curriculares sofreram
igualmente alterações. Diante de uma realidade dinâmica e com alunos tão diferentes e
protagonizando as mais diversas experiências, os professores se veem obrigados a revisar, a
todo o momento, não apenas os conteúdos selecionados para ministrar (VAILLANT, 2007;
IMBERNÓN, 2009, 2010), mas também a forma de ministrá-los, de estabelecer relações entre
o que os alunos já sabem e os conteúdos que ainda precisam aprender. Essa situação acaba por
conduzir à revisão dos métodos de ensino, das relações professor-alunos e, consequentemente,
dos contornos da autoridade docente. O contexto político e administrativo, diferente dos
demais, não parece acompanhar, na mesma velocidade, as variações sociais: as políticas que
fundamentam reformas educativas, por vezes ambíguas e pouco eficazes, têm sido muito
questionadas. De fato, são muitas as reformas, mas poucas as mudanças nas práticas
educacionais.
Além dos aspectos acima arrolados, Imbernón (2009, 2010) salienta que a educação
não é mais, atualmente, “patrimônio” exclusivo dos docentes, sendo alvo de disputa acirrada
entre diversos atores e instituições. Isso, por sua vez, acarreta novos e diferentes padrões de
relacionamentos nas práticas educacionais, em que muitas vezes a educação sistemática e
regrada tem menor repercussão do que aquela difundida em outros meios ou por outras
instituições. Nesse sentido, complementa o autor, os professores concorrem com muitas
outras instâncias socializadoras, como a comunidade, as redes sociais, a televisão, os meios de
comunicação, as redes de informática e telemática, entre outras (p. 28).
Imbernón (2009, 2010) menciona ainda que se soma
aos fatores supracitados a crescente desregulação do
Estado, que paulatinamente cede à lógica mercadológica
e neoliberal que têm delineado, cada vez mais, as
políticas educacionais. Nessa mesma esteira, Hargreaves
et al. (2002) sinalizam as repercussões dos ideais
neoliberais e mercadológicos na nova ortodoxia oficial
De acordo com Coraggio (1998), a análise econômica tem sido o método mais utilizado para orientar as políticas educativas do Banco Mundial. (continua)
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 34
das reformas educacionais que marcam os países anglo-
saxônicos e, via organizações financeiras (por exemplo,
o Banco Mundial), se estendem para as nações em
desenvolvimento. A despeito de a nova ortodoxia
defender, numa primeira mirada, elementos
interessantes, entre eles padrões de aprendizagem
elevados, aprendizado profundo, avaliações associadas
etc., outros são obnubilados. Currículos esvaziados,
ministrados apressadamente e pouco engajados, portanto,
na aprendizagem efetiva, desprestigiam as áreas artísticas
e sociais tão somente para ampliar o ensino da
alfabetização e da aritmética.
Essas são as características obliteradas nessa nova ortodoxia. Somadas a elas, o elevado
grau de prescrição para as atividades docentes que acompanha tais propostas leva ao crescente
desinteresse e à desprofissionalização dos docentes.
Ainda que os novos padrões de aprendizagem possam ser devidamente fundamentados, os professores perdem o interesse e a eficácia ao sentirem que não têm voz no desenvolvimento dos padrões, caso eles sejam prescritos de forma tão fechada que não deixem espaço verdadeiro para as suas escolhas no modo como são implementados e interpretados em suas próprias classes. (HARGREAVES et al., 2002, p. 17)
A conjuntura atual, desse modo, delineia o que Vaillant (2007) denomina “crise de
identidade docente”. Exigidos cada vez mais, porém com contrapartidas cada vez menos
interessantes e compensadoras, os docentes passam a viver uma tensão entre o papel “ideal” a
ser desempenhado e o “real”, passível de ser realizado nas atuais circunstâncias. Com vistas a
amenizar esse desencontro, ao menos no que tange à atualização profissional ou como
maneira de compensação à formação inicial frágil, Guskey e Huberman (1995) apontam que
“nunca antes na Educação houve tamanho reconhecimento da necessidade de se cuidar do
desenvolvimento profissional” (p. 1), explicando, desse modo, a valorização da formação
permanente na quase totalidade das propostas atuais de aprimoramento educacional. A
crescente valorização desse aspecto – o desenvolvimento profissional – não é, no entanto,
homogênea. Se, para alguns, tal ênfase justifica-se na necessidade de preencher lacunas
deixadas por uma formação inicial frágil e deficitária, para outros, como é o caso de Guskey e
O autor esclarece: “para enquadrar a realidade educativa em seu modelo econômico e poder aplicar-lhe seus teoremas mais gerais, o Banco Mundial estabeleceu uma correlação (algo mais do que uma analogia) entre sistema educativo e sistema de mercado, entre escola e empresa, entre pais e consumidores de serviço, entre relações pedagógicas e relações de insumo-produto, entre aprendizagem e produto, esquecendo aspectos essenciais próprios da realidade educativa” (p. 102).
Exercícios analíticos como esses poderiam, consoante ao autor, até ser produtivos no sentido de aventar hipóteses e projetar visões para enriquecer o diálogo com outras áreas do conhecimento. No entanto, reduzir-se a ela torna-se altamente prejudicial na medida em que pautará as relações entre sociedade e Estado e definirá intervenções específicas nos processos de ensino-aprendizagem. (p. 103)
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 35
Huberman (1995), a formação permanente tem como propósito ampliar o conhecimento dos
professores, atualizando-os em relação ao que é produzido no dinâmico campo da educação.
A conscientização e o reconhecimento da necessidade do desenvolvimento
profissional trazem à tona, também, as carências dos processos de ensino-aprendizagem. Na
tentativa de melhor sistematizar e organizar as soluções propostas para tais entraves, a própria
literatura acaba se deparando com muitas e variadas visões (GUSKEY e HUBERMAN,
1995). Enquanto alguns pesquisadores sugerem que o desenvolvimento profissional deve
voltar-se especificamente para a figura do professor e centrar-se nas situações de sala de aula,
outros defendem a maior eficácia do aperfeiçoamento docente quando decorrente de uma
abordagem mais ampla e sistêmica que envolva a instituição como um todo. Se para alguns
especialistas o processo de desenvolvimento profissional conta com melhores resultados
quando conduzido pelos professores e pela equipe da escola, para outros, maior sucesso pode
ser obtido nas propostas elaboradas por agentes externos, que visualizam o cenário
educacional de maneira mais ampla, indo além da sala de aula e dos muros da escola.
Para alguns estudiosos, o êxito de alguns programas voltados para a mudança
educacional reside em sua gradual implantação, uma vez que não se criam grandes
expectativas, no decorrer das várias fases desse processo. Em oposição, há os que
argumentam que a chave do sucesso dos programas de desenvolvimento profissional é,
justamente, o amplo escopo de mudanças contempladas. Para eles, “quanto mais amplo for o
espectro do programa de desenvolvimento profissional, maiores serão os esforços exigidos
dos professores, melhores as tentativas de mudança no estilo de ensino, maior a probabilidade
de o programa promover entusiasmo nos professores para sua boa implementação”12
(GUSKEY e HUBERMAN, 1995, p. 2).
A despeito das divergências apresentadas, uma leitura mais acurada da literatura
permite identificar, de acordo com Huberman e Guskey (1995), a predominância de alguns
aspectos recorrentes nessas propostas, que acabam por delinear “modelos”. Alguns estudos
salientam o desenvolvimento profissional do professor, privilegiando suas necessidades e
interesses, pregando uma abordagem “individualista”. No “modelo colaborativo”, maior
12
“[...] the broader the scope of a professional development program, the more effort required of teachers, and the greater the overall change in teaching style attempted, the more likely the program is to elicit the enthusiasm of teachers and to be implemented well.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 36
ênfase é dada ao coletivo de cada escola, buscando formas inovadoras de aprimorá-las. Ao
apontar a presença de dois modelos diferentes, a intenção não é, de modo algum, separar o
individual do colaborativo e vice-versa, até porque se trata de um par dialético. Rogoff et al.
(1995), autores que pesquisam na perspectiva vygotskiana, defendem que “esforços
individuais, assim como instituições e práticas socioculturais, são constituídos por e
constituem umas as outras, o que não permite que sejam definidas independentemente da
outra, tampouco estudadas isoladamente.”13 (p. 45). Desse modo, a pretensão é tão somente a
de salientar que os modelos priorizam aspectos distintos, ainda que, vale ressaltar, não se
encontrem modelos puros em nenhum sistema educacional.
1.1.1 AS PESQUISAS QUE DESTACAM A DIMENSÃO INDIVIDUAL
Entre os pesquisadores que, na formação continuada, centram maior atenção à figura
do professor, Goodson (1992) defende que, ao invés de expor a vulnerabilidade do professor,
ao centrar a atenção em sua prática pedagógica, “um ponto de partida mais valioso e menos
vulnerável seria observar o trabalho do professor no contexto de sua vida profissional” (p.
69). Nesse sentido, focar a trajetória profissional do docente seria uma abordagem mais
cuidadosa do que as pautada apenas nas práticas realizadas em sala, uma vez que se chamaria
a atenção, sobretudo, para:
a) a consistência dos discursos dos professores quando o assunto em pauta
é a prática ou mesmo aquilo que orienta e norteia o trabalho pedagógico,
algo que permite valorizar o “autobiográfico” de outro modo, dando
maior apreço à voz dos professores. “Ouvir a voz do professor deveria
ensinar-nos que o autobiográfico, ‘a vida’, é de grande interesse, quando
os professores falam de seu trabalho” (GOODSON, 1992, p. 71).
b) a possibilidade de ter acesso a outros fatores que participam igualmente
na opção pela docência, como o ambiente cultural e as experiências de
vida.
c) a oportunidade de identificar outras dimensões que constituem a
identidade do professor, podendo considerar, assim, nas propostas de
13 “[...] individual´s efforts and sociocultural institutions and practices are constituted by and constitute each other and thus cannot be defined independently of each other or studied in isolation.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 37
desenvolvimento profissional, não apenas o “professor-profissional”,
mas, também, o “professor-pessoa".
d) o acesso às informações mais detalhadas acerca do ciclo de vida dos
docentes, de forma a compreender melhor como ele tenciona a atividade
docente.
e) a possibilidade de conhecer como as etapas da carreira, assim como as
decisões que nelas são tomadas, assumem significado no contexto de
vida do professor. Neste sentido, incidentes críticos, que acometem o
professor, parecem ter sempre algum impacto no modo como ele encara e
realiza sua prática.
f) a ocasião de entrelaçar as histórias de vida dos professores com a
história mais ampla de sua sociedade, permitindo situar e compreender
melhor as opções, as escolhas, as experiências e os dissabores que os
docentes vivem.
Goodson (1992) também salienta que a colaboração entre professores,
pesquisadores e avaliadores externos deve se dar no contexto colaborativo,
alertando para a necessária cautela em relações que pressupõem assimetria. A vida
dos professores e, mais especificamente, seus ciclos de vida profissional são
estudados por Huberman (1992; 1995). Interessado em saber se os resultados
obtidos nos estudos “clássicos” sobre os ciclos de vida poderiam ser encontrados
também entre professores, o autor identifica vários momentos no ciclo de vida
desses profissionais (HUBERMAN, 1992, p. 35): Entrada na carreira – o início da
carreira corresponde a um período de “sobrevivência”, ou seja, aquele em que se
entra em contato com a nova atividade e com a necessidade de enfrentar as próprias
dificuldades, superar o medo de não corresponder às expectativas, relacionar-se
com a distância entre o ideal descrito nos livros e o real da sala de aula, etc. Em
contrapartida, para compensar os dissabores descritos anteriormente, essa etapa
também contempla a “descoberta” e envolve, por isso, o entusiasmo, o orgulho de
se sentir alguém com responsabilidades a serem cumpridas, a sensação de pertencer
a um grupo profissional.
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 38
1. Fase de estabilização – passada a entrada na carreira, com seus
momentos de sobrevivência e descoberta, chega o momento do
profissional comprometer-se, pelo menos por algum tempo, com uma
identidade profissional. A estabilização diz respeito ao período em que
isso se dá, quando se passa a integrar um corpo profissional e a ter mais
independência, finalizado que está o estágio “provisório” de estudante ou
mesmo de estagiário.
2. Fase da diversificação – superada certa insegurança característica dos
anos iniciais da carreira, vem o momento de ousar, que decorre,
justamente, da experiência e maior segurança. Nesse período, mudanças
na organização da sala de aula são implementadas, na busca de se
diferenciar daquilo que é proposto nos livros didáticos ou, até mesmo,
para explorar novos caminhos.
3. Pôr-se em questão – no momento quase paralelo ao movimento que se
passa na fase anterior, surgem questionamentos de toda espécie. “Os
sintomas [desta fase] podem ir desde uma ligeira sensação de rotina até
uma ‘crise’ existencial efetiva, em face à prostração da carreira.” (p. 42).
4. Serenidade e distanciamento afetivo – situado entre os vinte e cinco e
trinta e cinco anos de carreira, esse período é marcado por certa
tranquilidade por parte dos professores. Não há mais a preocupação em
provar algo aos outros e, tampouco, a si próprio. Com isso, tanto os
investimentos quanto as expectativas passam a ser mais baixas, muito
embora se observe, ao mesmo tempo, maior segurança e serenidade. Os
objetivos propostos no início da carreira são revistos, tornando-se mais
factíveis diante dos anos que se seguem.
5. Conservantismo e lamentações – passada a fase de serenidade, verifica-
se certo dogmatismo e inflexibilidade diante da mudança. O passado
tende a ser mais valorizado, aparecendo, mais comumente, queixas
relativas à falta de disciplina dos alunos, à sua atitude desinteressada, ao
pouco empenho nos estudos, etc.
6. Desinvestimento – última fase do ciclo de vida dos docentes: há nela um
recuo diante das ambições e tarefas profissionais, bem como um maior
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 39
investimento em atividades e relações externas à escola e aos demais
órgãos do sistema educativo.
Nem todos os profissionais vivenciam todas as etapas acima arroladas na ordem
proposta ou da mesma forma, e tampouco, o desenvolvimento da carreira docente deve ser
encarado como uma sucessão de acontecimentos lineares. Mesmo assim, identificar as
tendências dessa carreira permite “compreender melhor o destino profissional dos professores,
bem como os principais determinantes desse destino” (p. 34). Outro autor igualmente
interessado nessa questão é Gonçalves (1992), que conduziu um estudo cujo objetivo era
investigar a carreira dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir da
perspectiva de desenvolvimento profissional e do percurso de formação, detectando seus
traços definidores, seus momentos mais significativos e, ainda, caracterizar os momentos
identificados (p. 146). A pesquisa contou com a participação de quarenta e dois professores,
tendo a maior parte deles (69%), entre 11 e 30 anos de experiência docente.
Tal como Huberman (1992), Gonçalves (1992) identifica alguns traços ou temas que
parecem descrever melhor a carreira dos professores do Ensino Fundamental. Os melhores
anos da carreira são atribuídos, em geral, à fase inicial ou aos anos que a sucedem,
correspondendo respectivamente, à “descoberta” e à “estabilização” (HUBERMAN, 1992;
1995), algo justificado pela motivação profissional, pelos bons alunos, pela formação e a
colaboração estabelecida entre escola e família (pp. 153-154). Já os piores anos da carreira se
remetem, igualmente, aos anos iniciais da carreira – fase descrita como “sobrevivência” por
Huberman (1992; 1995) – e aos finais, caracterizados pela “lamentação” e o consequente
“desinvestimento” (HUBERMAN, 1992; 1995). As causas desse desânimo residem
notadamente na fadiga, na repetição interminável das atividades e nos entraves institucionais,
compreendendo desde animosidades com colegas de trabalho até descontentamentos com as
condições em que a docência se dá.
No que tange aos problemas sentidos no decorrer da carreira, os entrevistados
apontam aspectos relacionados à dificuldade com o transporte, à distância da família, às
condições de trabalho e, ainda, à organização do ensino, ou seja, às dificuldades de conciliar
os diferentes ritmos do processo de ensino-aprendizagem ou, inclusive, do grande número de
alunos e a falta de colaboração dos colegas. No que diz respeito às crises da carreira docente,
elas parecem ter um caráter atemporal, que não caracteriza uma etapa ou período específico
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 40
da carreira. Tais crises são justificadas das mais diversas formas, desde a dificuldade de se
relacionar com alunos difíceis até motivos de ordem particular, que podem envolver o
desinteresse pela educação e cansaço diante da rotina escolar.
Gonçalves (1992) descreve, também, os momentos de ruptura profissional, indicando
a idade crítica em que eles ocorrem, as etapas da carreira e a importância atribuída à
formação. Em relação a este último item, cabe salientar que se boa parte das docentes
considera a formação inicial “desajustada diante da realidade”, “insuficiente” e “sem preparar
para se relacionar com os alunos”, à formação permanente é atribuído papel essencial, pois
“só a formação contínua permitirá um normal desenvolvimento da carreira, uma atualização
permanente e uma resposta adequada à necessidade de inovação” (p. 162, grifos do autor).
Neste sentido, a formação contínua é privilegiada, dando-se em especial por meio da
“aprendizagem com os colegas” e por propostas que envolvem o coletivo docente, desde que
não se descartem as oportunidades de formação pontuais, oferecidas pelo estabelecimento.
Sobre este aspecto, Gonçalves (1992) salienta:
No que à formação contínua concerne, dever-se-á a mesma desenvolver ao longo da carreira, organizando-se como respostas às necessidades reais dos professores e de acordo com a perspectiva de educação permanente e, ainda, promovendo, apoiando e incentivando as iniciativas pedagógicas das escolas e dos professores [...] (p. 168)
Huberman (1995) propõe o “Ciclo Coletivo Aberto” com o propósito de discutir e,
eventualmente, fornecer uma dinâmica de desenvolvimento profissional que parta da demanda
real dos professores, superando o paradigma do “lobo solitário”. De acordo com o autor, esse
paradigma define que boa parte dos professores desempenha sozinha seu trabalho nas escolas.
Comparando-os a artesãos, os professores parecem tentar consertar a todo o momento aquilo
que não está a contento e desenvolver um repertório de condutas que responda às demandas
da sala de aula, como ilustrado no ciclo individual “fechado” (figura 1). Posto isto, Huberman
(1995) descreve como a maior parte dos professores relaciona-se com as inovações.
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 41
Figura 1 – Ciclo individual “fechado”
Uma tentativa mais interessante, porém ainda numa perspectiva solitária, é
demonstrada no ciclo individual “aberto”. Nessa modalidade o professor, ao avaliar o
problema e refletir sobre as alternativas que poderiam ser utilizadas, lança-se em uma busca,
ainda que tímida, junto a colegas, especialista ou mesmo outras fontes, experimentando-a. Em
seguida, em sua turma. Ao assim proceder, torna a seguir os mesmos passos já descritos: se
bem-sucedido, poderá utilizar a estratégia novamente; se ineficaz, ela é prontamente
descartada.
Da dinâmica acima descrita, Huberman (1992), antes de chegar a sua proposta mais
inovadora e interessante – o ciclo coletivo “aberto” –, apresenta ainda o ciclo coletivo
“fechado”. Nesse último, os professores de uma mesma área ou disciplina reúnem-se com o
propósito de pensar sobre certa dificuldade, elaborar um novo método para experimentar
estratégias diferentes, modificar o que for necessário e aplicá-las novamente. No segundo
caso – ciclo coletivo “aberto” –, o grupo de docentes não permanece restrito aos recursos e
possibilidades de que já dispõe ou que são internas à escola: o auxílio de especialistas
externos e de estudiosos no assunto é buscado para contribuir nesse processo, como ilustra a
figura 2, a seguir:
Diante de uma dificuldade
identificada em sala, o docente recorre à
aplicação de uma estratégia. Se essa
atender à necessidade em pauta, passa a
integrar seu repertório, podendo ser
empregada em situações futuras. Caso
contrário, será abandonada, cabendo a ele
buscar outras capazes de sanar o problema.
Identificação do problema
Avaliação
Experimentação
Avaliação/ Abandono
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 42
Figura 2 – Ciclo coletivo “aberto”
O ciclo apresentado parte, segundo o autor, das seguintes premissas: a) o grupo deve
ser formado por professores de instituições diferentes, que ministram uma mesma disciplina
ou desenvolvem juntos uma determinada atividade e desejam aprimorá-la; b) o ciclo é
conduzido pelo grupo, que pode, todavia, contar com o auxílio de um especialista na condição
de mediador e/ou consultor para auxiliá-lo nesse processo; c) os especialistas são de diferentes
tipos e fazem contribuições pontuais, em diferentes momentos e com propósitos distintos.
Esse ciclo inicia-se com a introdução de conceitos (item 1), etapa em que se conta com a
participação de um psicólogo da universidade familiarizado com a perspectiva
socioconstrutivista14. Seu objetivo é o de orientar os docentes a organizar os alunos em
pequenos grupos, considerando seus níveis de desenvolvimento, para que participem de certas
dinâmicas sobre como promover discussões sobre as temáticas selecionadas. Um segundo
momento seria a troca de experiências entre os integrantes do grupo de professores. Ao
viabilizar o contato entre docentes que lecionam em uma mesma disciplina, experiências
relacionadas ao seu ensino, assim como as experiências vividas por aqueles que a ministram
14
Termo utilizado pelo autor.
Elaboração de novos métodos
Experimentação
Mudanças
Experimentação
Aplicação/ Abandono
Experiência compartilhada
Orientações didáticas e
observações
1 - Introdução de conceitos
Análises pedagógicas e
coleta de informações 1
Coleta de informações 2
Ajuda nas análises 1 e 2
2 - Introdução de conceitos
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 43
são entrelaçadas, compondo um grande arcabouço de vivências materializadas na construção
de novos conhecimentos.
Após compartilharem experiências, os professores recebem um educador com
experiência na disciplina em pauta, para fornecer-lhes orientações didáticas, buscando
conciliar aspectos conceituais às experiências compartilhadas, de modo a produzir alternativas
factíveis, passíveis de serem utilizadas em salas de aula. Os docentes podem fazer
observações em salas de aulas em que as sugestões apontadas já sejam conduzidas pelos
colegas de profissão. Vencida essa etapa, os professores partem para a elaboração de novos
métodos. Agora, eles se reúnem para desenvolver materiais, recursos e propostas
diversificadas em relação ao que é proposto nos livros didáticos, buscando levar os educandos
a uma maior participação nas atividades. Os resultados atingidos nessa fase podem ser
submetidos à análise pedagógica de um especialista externo, que poderá opinar a respeito da
coerência e qualidade do que foi produzido.
Preparado o material, chega o momento de sua experimentação por parte dos
docentes, em suas próprias turmas. A esse respeito, Huberman (1995) salienta que as teorias
sobre dinâmicas de grupo elucidam que, quando há um compromisso público para mudar, há
uma maior probabilidade de ele ser mais rigorosamente cumprido. Do mesmo modo, existem
também maiores chances de os professores assumirem riscos do que quando atuam
isoladamente. O compromisso de todos amplia, portanto, as possibilidades de a mudança ser
realizada com êxito. Feitas as considerações e mudanças necessárias a partir das análises das
coletas de dados 1 e 2, solicita-se, quando necessário, o auxílio de outro especialista para
apresentar e discutir novos conceitos. Em seguida, o grupo envolve-se em nova
experimentação, novas análises e observações para, ao final (e início de um novo ciclo)
ponderar se o método e/ou material merece ser incluído entre os recursos disponíveis ou se, ao
contrário, deve ser abandonado.
A dinâmica desse ciclo conta, simultaneamente, com o engajamento do grupo de
professores de uma determinada disciplina e de agentes externos que colaboram no processo
da mudança educacional. Esse é um processo muito semelhante ao proposto na pesquisa-ação,
que começa pela identificação de um problema, seguido do planejamento, execução e
avaliação da ação a ser executada, levando às modificações necessárias para que ela seja bem-
-sucedida e volte a ser empregada. Se as sugestões de Huberman (1995) sinalizam a
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 44
articulação necessária entre professores e deles com outros atores, externos à instituição, para
o contínuo aprimoramento profissional, Hargreaves et al. (2002) fazem, igualmente,
recomendações para que os docentes venham a empreender mudanças profundas, do “ponto
de vista prático, intelectual e emocional” (p. 176) e, com isso, subverter, no que estiver ao seu
alcance, as medidas impostas pela nova ortodoxia oficial de reforma educacional.
Com vistas a promover uma mudança no ensino, organizando-o de modo interessante
para nele envolver os alunos e poder romper, assim, com padrões de difícil alteração e/ou
adaptação, cabe promover “experiências de aprendizagem rigorosas e sofisticadas,
apropriadas para os ambientes complexos e turbulentos em que os alunos vivem hoje em dia e
nos quais irão assumir atividades profissionais e responsabilidades como adultos” (p. 186). Os
autores apresentam um interessante estudo realizado no Canadá, que contou com a
participação de 29 professores que lecionavam para as 7ª e 8ª séries, escolhidos entre quatro
grandes regiões ou distritos escolares. Seu objetivo era o de:
examinar o entendimento que os professores haviam desenvolvido sobre as mudanças inseridas na nova política curricular; determinar como e até que ponto os professores eram capazes de integrar as mudanças em sua prática; identificar quais condições, apoios e processos eram necessários para que eles assim o fizessem; e, entender suas experiências acerca das mudanças envolvidas. (HARGREAVES et al., 2002, p. 22)
As mudanças incidiram, notadamente, nos aspectos relacionados aos padrões e
resultados, avaliações e integração curricular. No que tange aos dois primeiros itens, a equipe
de pesquisadores sinalizou a relevância de não simplificar os padrões de aprendizagem e, sim,
de redigi-los de forma clara. Esses padrões e seus resultados foram utilizados não apenas para
tomar consciência do progresso, mas, também, para planejar as futuras etapas. Se os padrões
devem ser ambiciosos, eles também precisam ser passíveis de serem atingidos. Ao elaborá-
los, mostrou-se importante que os professores tentassem integrar áreas que pudessem
contribuir para o desenvolvimento da criatividade, não os restringindo apenas à alfabetização
e/ou à aritmética. Os resultados obtidos precisam ser, como mostrou o estudo, claros e
precisos. Um detalhamento excessivo mostrou-se ineficaz para a promoção de “um equilíbrio
e direcionamento no currículo, estimulando diálogos construtivos sobre o aprendizado com os
alunos e com seus pais” (pp. 177).
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 45
Em relação à avaliação, o que se tornou evidente foi o compromisso que os
professores assumiram com os alunos e seus familiares, implicando-se fortemente nesse
processo. Observou-se que a avaliação de caráter mais subjetivo, que nem sempre emprega
critérios bem definidos, cedeu lugar a várias modalidades de avaliações, todas com critérios
transparentes, compartilhados com os educandos. Ainda neste sentido, Hargreaves et al.
(2002) recomendam envolver os alunos no processo avaliativo, ter cautela ao avaliar
características dos educandos, sobretudo aquelas relacionadas a comportamentos mais
passivos e, finalmente, trocar e discutir os critérios de avaliação com pares (pp. 179-181).
Apesar de a integração curricular ser recebida e realizada com empenho e prazer pelos
professores envolvidos no estudo, não é isso o que se observa em boa parte das escolas. A
extrema especialização das disciplinas, a fragilidade dos docentes ao abordarem assuntos de
outras áreas do conhecimento, ou mesmo o “apego” aos conteúdos que, com o planejamento
integrado, se conclui não mais ser preciso ministrar são alguns dos entraves que dificultam a
mencionada integração. Nesse sentido, os autores esclarecem:
A integração funciona melhor não quando se espera que cada professor, individualmente, tenha um entendimento profundo de muitas matérias e disciplinas, mas quando os professores unem suas habilidades complementares para ensinar (e não apenas para planejar) juntos, de modo que cumpram objetivos da integração e as necessidades de aprendizado dos estudantes. A integração curricular funciona melhor não quando elimina disciplinas escolares de maneira ideológica, mas quando ela une essas disciplinas e seus professores na busca de princípios educacionais superiores que as transcendam. (HARGREAVES et al., 2002, p. 182)
Nessa direção, os autores recomendam, para o processo de mudança educacional, que
se procure, de um lado, buscar a integração como uma alternativa para assegurar um ensino
interessante, contextualizado e capaz de atender aos interesses dos estudantes; e, de outro, que
a mudança educacional seja planejada em equipe, com tempo reservado para essa atividade.
Além das medidas descritas por Huberman (1995) e Hargreaves et al. (2002) – mais
relacionadas ao conhecimento e técnicas necessários ao bom desenvolvimento profissional –,
Hargreaves (1995) considera ser fundamental levar em conta os objetivos, paixões e desejos
do professor. Sob essa perspectiva, as dimensões morais, políticas e emocionais dos docentes
são aspectos centrais no campo do desenvolvimento profissional.
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 46
Em relação à dimensão moral15, um dos maiores desafios atuais é o de se trabalhar em
contextos repletos de incertezas éticas (HARGREAVES, 1995; FULLAN, 1995). Salas
povoadas pela diversidade cultural, economia globalizada, mudanças políticas, degradação
dos pressupostos da educação e da tradição judaico-cristã são alguns dos fatores que marcam
o mundo de hoje (p. 15). Desse modo, pensar a dimensão moral no âmbito do ensino implica
distinguir quais são as medidas mais adequadas a serem tomadas nessa e naquela
circunstância, em vez de julgamentos maniqueístas do tipo “certo” ou “errado”.
Adicionalmente, sem o amparo das verdades científicas ou da tradição, requer constantes
reflexões pessoais, fundamentadas em julgamentos morais. As dúvidas enfrentadas
cotidianamente exigem reflexão a partir da própria prática, da observação de colegas, de
estudo de casos semelhantes, sempre procurando elaborar princípios que possam orientar a
conduta em sala de aula. Nesse convívio, torna-se mais fácil combater preconceitos e
julgamentos pessoais precipitados.
O desenvolvimento docente pode, inclusive, ajudar a criar condições de trabalho e culturas de colaboração em que os professores possam desenvolver, precisar, rever, refletir e redefinir seus propósitos, missões e concepções juntos. Discutir com parceiros – ou com colegas orientadores – implica contar com espelhos que ajudem os docentes a ‘ver’ sua própria prática. Professores podem, ainda, solicitar ou receber a sugestão de “amigos críticos”, aqueles que conversam com eles, observam-lhes em atuação e oferecem retorno sobre o que viram, com base em outras perspectivas, sugerindo leituras que os auxiliem a aprofundar criticamente suas próprias bases morais, analisando as consequências de suas ações em sala.16 (HARGREAVES, 1995, p. 16)
A instância política, muito relacionada ao carreirismo ou à filiação partidária, remete-
se, verdadeiramente, às questões relativas ao poder. E, em Educação, o poder está por toda
15
Dimensão moral, segundo Hargreaves (1995), significa um conjunto de normas, regras de conduta ou mesmo hábitos socialmente aceitos por um grupo ou por uma pessoa. De acordo com ele, “o ensino é inerentemente uma tarefa moral” já que, por um lado, atua diretamente na formação das gerações futuras, e, por outro, ao ensinar, os docentes, em contato com os alunos e seus familiares, certamente farão pequenos, mas significativos julgamentos ao sinalizarem o que está “certo” ou “errado” ou, ainda, sobre condutas “adequadas” e “inadequadas”.
16 “Teacher development can also help create the conditions of work and cultures of collaboration in which teachers can develop, clarify, review, reflect on, and redefine their purposes, missions, and visions together. In discussion, as team partners, or as peer coaches, colleagues can serve as mirrors for teachers to view their own practice. Teachers can also find or be offered ‘critical friends’ who will talk to them, give them feedback, offer other perspectives, provide access to readings and research – all of which will help teachers probe more deeply and critically into the moral grounds and consequences of their classroom actions.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 47
parte, desde as decisões mais abrangentes das políticas e reformas nacionais educacionais, até
as mais circunscritas ao âmbito da sala de aula, como o planejamento docente do dia a dia ou,
mesmo, a maneira de transmitir novos conhecimentos, tentando (ou não) adaptá-los para que
possam ser apropriados pela diversidade de alunos presentes em sala. Dessa maneira, “ser
mais político não significa meramente ser reflexivo, mas, sim, criticamente reflexivo sobre o
trabalho de uma pessoa, sobre as condições sociais mais amplas, os contextos e consequências
de se ensinar alguém, assim como analisar as próprias habilidades e a própria eficiência, ao
desempenhar sua tarefa”17 (p. 17, grifo do autor).
Nessa direção, uma conduta mais política e, também, mais crítica e reflexiva
relaciona-se a: a) conhecer as configurações micropolíticas da escola, ou seja, ter ciência de
onde estão os poderes formais e informais, como são exercidos, saber como os recursos são
obtidos e distribuídos, bem como mediante quais critérios; b) enaltecer e auxiliar colegas
buscando atingir níveis mais elevados de competência e compromisso; c) enfrentar situações
de conflito e de divergências de opiniões, posto que impasses são necessários à mudança e ao
aprimoramento do processo de aprimoramento profissional (LIEBERMAN, DARLING-
HAMMOND e ZUCKERMAN apud HARGREAVES, 1995, p. 19); d) reconhecer que muitas
iniciativas de formação que se voltam para a transmissão de conhecimentos e de habilidades
empregam técnicas como se elas fossem universais, negligenciando as diferenças econômicas,
sociais, históricas e culturais dos alunos, dentre outras; e) refletir sobre quais são, no longo
prazo, as consequências sociais e políticas do trabalho pedagógico em sala de aula, assim
como sobre os princípios que o fundamentam, podendo, desse modo, defender-se de incursões
políticas e administrativas que sejam equivocadamente contra eles.
A terceira e última dimensão abordada pelo autor é a emocional. Segundo Hargreaves
(1995), “o que orienta o bom ensino é o desejo de ensinar, de auxiliar a configurar o mundo
do amanhã.” (p. 21). Na ausência desse desejo, o ensino torna-se árido e enfadonho. Neste
sentido, Vaillant (2007) afirma que: “[...] o ensino apaixonado tem uma função emancipadora,
que influencia os alunos, ajudando-lhes a elevar sua visão além do imediato e a aprender mais
17 “[...] being more political means being not merely reflective, but critically reflective about one´s work, about the social conditions, contexts, and consequences of one´s teaching, as well as about one´s skill, efficiency, or kindliness in performing it.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 48
sobre si próprios.”18 (p. 6). Essa instância refere-se, assim, também à necessidade de uma
maior compreensão sobre os alunos em sua multiplicidade cultural, social e econômica, tantas
vezes negligenciada em função de uma compreensão empobrecida e limitada que se apoia nos
moldes e padrões estabelecidos pela classe média. Em síntese, programas voltados para o
desenvolvimento profissional que almejam resultados exitosos devem considerar não apenas
as dimensões acima mencionadas como, também, as condições de trabalho dos professores,
suas múltiplas e contraditórias demandas, suas dificuldades e suas culturas de trabalho.
Diante dos resultados apontados por Huberman (1992, 1995), Gonçalves (1992), assim
como Hargreaves et al. (2002) e Hargreaves (1995), muitas são as medidas e os fatores que
precisam ser considerados na formação permanente do professor. Entretanto, conhecer como
eles se relacionam com as mudanças, com os processos desencadeados, com as fases ou
etapas que os constituem, assim como com suas possíveis resistências é de grande relevância
e, por isso, foram aspectos estudados por Mevarech (1995), ainda na vertente que privilegia a
figura do professor. Contrariando o entendimento predominante na literatura, a autora
esclarece, com base nos resultados encontrados em dois estudos acerca da implementação de
programas docentes de desenvolvimento profissional, que a experiência na carreira não se dá
de forma simples e linear. Ao contrário, ela é conquistada por meio de um processo cuja
forma é a de uma curva de U, envolvendo momentos negativos, de declínio no desempenho
das atividades e, também, positivos, de apropriação de novos conteúdos, que permitem aos
professores se lançarem, com mais confiança, em planejamentos inovadores. Como Mevarech
(1995) explica:
A mudança (na experiência docente), entretanto, não foi estruturada de modo linear. O estágio inicial foi caracterizado pela ansiedade, confusão e hesitação em relação à possibilidade de ensinar a todos os alunos processos mais sofisticados de raciocínio. A esta etapa sucedeu-se outra em que a ansiedade foi reduzida e o método explorado e adaptado às necessidades dos professores às situações particulares. Somente após dominar o método com mais segurança e implementá-lo com sucesso em suas turmas foi possível atingir o estágio de mudança positiva nos seus esquemas pedagógicos, habilidades e crenças.19 (MEVARECH, 1995, p. 153, grifo do autor)
18
“[...] la enseñanza apasionada tiene una función emancipadora que consiste en influir en la capacidad de los alumnos ayudándoles a elevar su mirada más allá de lo inmediato y a aprender más sobre si mismos.”
19 “The change, however, was not linearly structured. The entry stage was characterized by anxiety, confusion,
and hesitation regarding the possibility of teaching all students higher-thinking processes. The next stage in one in which anxiety was reduced and the method was explored and adapted to the needs of the teachers and their
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 49
Pautando-se nos resultados observados e à luz dos estudos sobre os ciclos de vida
profissional dos professores descritos por Huberman (1992, 1995), a autora defende o modelo
de desenvolvimento profissional que segue a curva em U, descrevendo as cinco fases
observadas para se alcançar mudanças positivas nos esquemas pedagógicos, nas crenças e
concepções dos professores. Elas serão descritas a seguir.
1) Sobrevivência – nessa primeira etapa, vivida com ansiedade, é comum ver
professores experientes agindo como noviços. Ainda inseguros em relação à
proposta de mudança educacional, eles oscilam entre permissividade e rigidez
na condução e resolução dos pequenos entraves que surgem. As mudanças são
superficiais e realizadas de forma mecânica, limitando-se, ocasionalmente, a
ligeiras modificações no mobiliário da sala de aula. Entretanto, como já
descrito por Huberman (1992), essa fase é permeada por sentimentos
contraditórios de entusiasmo com as muitas “descobertas” que o novo traz,
promovendo empolgação e audácia diante do medo de desbravar o
desconhecido.
2) Exploração – esse momento, um pouco menos desconfortável que o anterior,
caracteriza-se por um contato maior com o método inovador e provoca,
consequentemente, questionamento sobre em que ele difere em relação ao que
já se fazia anteriormente, seja no âmbito da atuação prática, seja no da
fundamentação teórica. Os docentes procuram compreender como a inovação
afetará seu dia a dia, sua organização, sua maneira de estruturar e planejar as
atividades, deixando de se preocupar em como eles podem se aprimorar e
aperfeiçoar seu ensino para que ele se coloque, efetivamente, a serviço do
aprendizado das crianças. Nessa etapa não há, ainda, um interesse significativo
em promover as alterações necessárias no programa ou em obter mais
informações sobre a inovação em andamento. Como Calderhead (1987)
argumenta, “é provável que quando a inovação for selecionada pelos
professores em vez de imposta e esses forem envolvidos na tomada de decisão
em relação à adoção da inovação, eles se sintam mais motivados para testá-la e
particular classes. Only after teachers mastered the elements of the method and implemented it successfully in their classes did they reach a stage of positive change in their pedagogical schemata, skills, and beliefs.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 50
implementá-la, assumindo os resultados com maior responsabilidade”20 (apud
MEVARECH, 1995, p. 159).
3) Adaptação – o programa passa a ser, agora, assumido com mais segurança e
numa perspectiva mais reflexiva. O novo conhecimento articula-se aos já
existentes, levando o docente a realizar, com mais tranquilidade e segurança, as
mudanças e adaptações necessárias para a aprendizagem de sua turma. As
preocupações dos professores, que até então eram todas voltadas para eles
mesmos, deslocam-se agora para os alunos: “a visão mais pontual – típica da
etapa anterior –, sobretudo no que tange ao planejamento e à condução dos
problemas, agora é substituída por uma visão orientada para objetivos em
longo prazo” (MEVARECH, 1995, p. 160).
4) Mudança conceitual – após as etapas de sobrevivência, exploração e
adaptação, a inovação é aplicada de maneira mais segura, dinâmica e reflexiva:
“os professores percebem que o aprendizado pode ser resultado de vários
processos e não apenas da ‘transmissão do conhecimento” (p. 161). Os
planejamentos em longo prazo são mais fundamentados nos eventos de sala de
aula e recorrem com mais frequência ao arsenal pedagógico que melhor se
articula à inovação. De fato, é “somente após os docentes perceberem que a
inovação é possível e fecunda, que eles conseguirão empreender
transformações em suas atitudes, em suas percepções e, inclusive, nos modelos
pedagógicos” (MEVARECH, 1995, p. 163).
5) Invenção – adquirindo domínio dos conhecimentos e das novas práticas
divulgadas pela inovação, os docentes se lançam nas atividades pedagógicas,
fazendo uso de diferentes materiais e recursos.
Ainda no que tange ao processo descrito, Mevarech (1995) esclarece que a boa
qualidade do programa depende, em grande parte, de sua fundamentação teórica e do auxílio e
amparo oferecido aos professores. Tal como Huberman (1992, 1995) e Hargreaves et al.
(2002), a autora reconhece a importância de se contar com o respaldo necessário e adequado
durante cada uma das etapas de implementação de programas de aperfeiçoamento
20 “It is possible, [...], that when innovation is self-selected rather than imposed on teachers, or when teachers are involved in making decisions regarding the adoption of the innovation, teachers are more motivated to try out the innovation and willing to take more responsibility for the outcomes.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 51
profissional, salientando que a oferta frequente de feedback para as tentativas realizadas é
aspecto fundamental.
1.1.2 AS PESQUISAS QUE DESTACAM A DIMENSÃO COLABORATIVA
Entre os estudos e propostas de formação permanente do professor que trazem mais
elementos para refletirmos a partir de numa perspectiva mais organizacional, destacam-se as
contribuições de Fullan (1982/2009; 1995), Imbernón (2009, 2010) e Hargreaves (2004).
Diante das vertiginosas transformações sociais e suas implicações para o papel do professor,
esses e outros autores têm reiterado a ineficácia de se recorrer a encontros pontuais – cursos,
palestras, oficinas e workshops – em que os assuntos abordados são selecionados por
especialistas e não com base nas necessidades dos docentes. Imbernón (2009; 2010) esclarece
que os avanços na área têm demonstrado que:
• a formação permanente requer um clima de colaboração (p. 26);
• os professores sejam envolvidos no planejamento, execução e avaliação das
propostas formativas e tenham suas opiniões consideradas (p. 7);
• os docentes contem com o respaldo de colegas e de agentes externos à
instituição (p. 27);
• o desenvolvimento profissional precisa considerar os aspectos mais salientes
da instituição escolar e do contexto mais amplo no qual ela se insere (p. 29).
Apesar de esses aspectos serem amplamente conhecidos, em muitas instituições
escolares ainda vigoram ações isoladas, individuais e pouco colaborativas. Sobre esse aspecto,
Fullan (1982/ 2009) descreve:
Os fatores que reforçam o status quo são sistêmicos. O atual sistema é sustentado de muitas maneiras. A prioridade é confrontar o isolamento dos sistemas educacionais, o que exige uma ação prolongada de muitos anos, para possibilitar, em termos físicos e de atitudes, que os professores trabalhem de um modo colaborativo no planejamento conjunto, na observação da prática dos colegas e na contínua busca, testando e revisando as estratégias de ensino. (p. 19)
Nesse sentido, Goodlad (1984/2004) expõe que, há cerca de três décadas, estrutura
semelhante foi observada em seu estudo. Ao tratar sobre os professores e as condições de
ensino, o autor descreve que a autonomia observada na maneira de trabalhar dos docentes
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 52
parecia ser decorrente muito mais de um isolamento do que de um ambiente com trocas
enriquecedoras instigadas pelos desafios educacionais. As salas de aula, comparadas a células,
recolhiam e restringiam os professores em boa parte do tempo, revelando o isolamento desses
entre si, assim como dos recursos e alternativas que extrapolavam suas práticas. Desse modo,
75% dos entrevistados afirmaram pautar-se em sua experiência e nos interesses e vivências
dos educandos para organizar o planejamento. A busca pelos recursos externos, assim como a
aprendizagem em colaboração com pares, incluindo observação de suas aulas eram práticas
bastante escassas, apesar de sinalizarem seu grande interesse nesse sentido. Complementando
os aspectos descritos, o autor também aponta baixo envolvimento dos professores com as
questões institucionais. Como Goodlad (1984/2004) descreve:
Algumas pesquisas sugerem que a escola como unidade para o efetivo aperfeiçoamento tem se mostrado muito fraca. Ainda pior, [...] os professores dominam o processo de tomada de decisões em suas salas de aula. Forte evidência sobre a importância e o potencial da unidade escolar no processo de aprimoramento educacional é um fenômeno ainda recente – e parece ainda não ter afetado significativamente as escolas estudadas. (p. 188)
Diante do exposto, Imbernón (2009, 2010) aponta que, entre as novas tendências da
formação permanente, está a necessidade de: a) considerar as situações problemáticas da
escola nos programas de formação; b) promover a reestruturação intelectual, moral e
profissional, procurando fortalecer o protagonismo docente no processo de desenvolvimento
profissional; c) adotar um posicionamento mais crítico em relação à Educação e ao processo
formativo, opondo-se, por exemplo, a programas de cunho superficial que retratem
essencialmente a perspectiva da racionalidade técnica; d) ampliar o incentivo a programas de
formação que fomentem a reflexão, a troca, a aprendizagem entre pares e a colaboração.
Sobre esse aspecto, o autor defende que: “a formação permanente deveria fomentar o
desenvolvimento pessoal, profissional e institucional do professorado, potencializando um
trabalho colaborativo para transformar a prática” (pp. 44-45).
Não obstante, diante das questões supracitadas, Fullan (1982/2009, 1995) salienta ser
essencial que a reforma educacional contemple não apenas a instância política, mas também
“as culturas das salas de aula, escolas, distritos, universidades, e assim por diante” (p. 19).
Para tanto, o processo de reculturação – diferente do de reestruturação – torna-se
fundamental. É por meio dele que professores reveem crenças, questionam concepções e
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 53
hábitos, enquanto a reestruturação remete-se a mudanças mais superficiais, normalmente
restritas a questões de natureza burocrático-administrativas.
No entanto, ressalva o teórico, a mudança não deve ser imposta e decida de “cima para
baixo”, mas, sim, conduzida coletivamente, com seu significado (co)construído e
compartilhado pelos participantes envolvidos. Nesse sentido, Fullan (1982/ 2009) recorre ao
estudo conduzido por Rosenholtz em 1989 para ratificar que “as escolas, cujos professores
têm um consenso compartilhado sobre os objetivos e a organização do seu trabalho, são mais
prováveis de incorporar novas ideias voltadas para a aprendizagem estudantil” (p. 45). Além
disso: “o significado alimenta a motivação, e o conhecimento se alimenta de si mesmo para a
continuidade da resolução de problemas. Seus opostos – a confusão, a sobrecarga e um
sentido de baixa eficácia – esgotam a energia no exato momento em que ela é mais
necessária.” (p.46). Nesse sentido, complementa o autor, ao ponderar as estratégias a serem
utilizadas, certifique-se de que tenham base social e estejam voltadas para a ação.
A mudança nos moldes acima arrolados, incluindo o processo que Fullan (1982/2009)
denominou reculturação, é traduzida na ideia de Comunidade Profissional de Aprendizagem
– CPA (DUFOUR et al., 2006; HARGREAVES, 1995; 2004; FULLAN, 1982/2009).
A proposta em pauta prioriza, essencialmente, o compromisso com o constante
aprimoramento da aprendizagem discente (FULLAN, 1982/2009). Para tanto, equipe gestora
e professores são invariavelmente incitados a refletir sobre a prática docente, seja a sua, seja a
de seus colegas, considerando que os “problemas” identificados nas relações de ensino-
aprendizagem configuram-se em desafios educacionais que merecem a atenção e a dedicação
de todos. Trata-se de oportunidades coletivas para refletir sobre a prática, buscar novos
recursos e pensar em diferentes alternativas que viabilizem processos cada vez mais bem
sucedidos no que tange à aprendizagem. Posto isso, fica claro que não se trata de “meu aluno
ou seu aluno”, mas de um objeto de estudo “nosso”. O que se delineia a partir dessas
iniciativas é uma verdadeira comunidade em que não apenas o processo de aprendizagem dos
alunos é frequentemente enriquecido, mas também o dos professores e da equipe gestora. Para
sua viabilização, Dufour et al. (2006) recomendam as seguintes ações:
• Foco e compromisso com a aprendizagem de cada aluno: nesse sentido, há uma
organização e distribuição das tarefas de cada um, assim como a promoção da
investigação coletiva, elaboração de metas a ser atingidas a partir dos resultados,
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 54
elaboração coletiva do que os alunos devem aprender, incluindo a identificação dos
auxílios necessários (p. 3).
• Cultura colaborativa com foco na aprendizagem de todos: “A colaboração representa
um processo sistemático no qual os professores trabalham juntos de modo
interdependente, com vistas a impactar a prática de sala de aula, buscando melhores
resultados para seus alunos, para o time e para toda a escola” (p. 3).
• Orientação para a ação – “aprender fazendo”.
• Orientação para os resultados – as avaliações,
que devem ser constantes e de variadas
formas, sempre com caráter formativo,
servem para acompanhar o processo de
aprendizagem dos alunos, implicando a
elaboração de ações e recursos necessários
para assegurar o sucesso na aprendizagem, se
fragilidades forem identificadas.
Não obstante, para empreender uma cultura
de trabalho nesses moldes, Fullan (1995) ressalta a
importância do compromisso ético e político do
professor, que o orienta a buscar, constantemente,
aprimorar o processo de aprendizagem discente.
Para tanto, sinaliza quatro aspectos indispensáveis
para essa busca contínua:
a) visão de crescimento pessoal; b)
investigação – já que o objeto de estudo não se
mantém estático –; c) maestria e competência não
apenas no que diz respeito aos resultados, mas
também na busca de uma compreensão mais
profunda dos fenômenos; e d) colaboração.
Hargreaves (2004) esclarece a relevância de diferenciar Comunidade Profissional de Aprendizagem (CPA), de Cooperação Produzida e de Seitas de Treinamento para o Desempenho (STD).
A cooperação produzida decorre, segundo o autor, de forçar a cooperação, tornando-a falsa ou artificial. Neste caso, as decisões, tomadas “de cima para baixo”, determinam o que será pesquisado; com quem se irá pesquisar; como deverá ser desenvolvido o planejamento e a aprendizagem. (HARGREAVES, 2004, p. 176)
No que tange à segunda modalidade mais frequentemente confundida com a CPA – as Seitas de Treinamento – elas são, segundo o autor, “um conjunto de estratégias de reforma em grande escala, que combina uma insistência forte nos padrões de desempenho e nas técnicas de sala de aula, prescritas com medidas para reconstruir, de forma mais cooperativa, a cultura dos relacionamentos de trabalho dos professores.” (pp. 186-187) Desse modo, enquanto as CPAs constroem o conhecimento de modo colaborativo, a STD transferem “dogmas” definidos por autoridades administrativas e do mundo acadêmico; e, finalmente, se a CPAs funcionam por meio de investigações compartilhadas, as STD buscam requisitos impostos (p. 195).
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 55
Ao trabalhar de modo colaborativo, Hargreaves (1995) esclarece que os professores
tendem a assumir mais riscos, comprometem-se de modo mais rigoroso com a continuidade,
desenvolvem condutas mais cuidadosas e respeitosas diante de seus colegas, e uma postura
mais crítica e assertiva em relação a programas ou políticas educacionais que não contribuam
para o avanço do processo de aprendizagem dos educandos etc.
Ainda que a presente pesquisa não tenha como pretensão fomentar diretamente cada
uma das etapas contempladas na Comunidade Profissional de Aprendizagem, considerou-se
oportuno ilustrá-las na figura 3, para que o leitor possa melhor entendê-las:
Figura 3 – Esquema da Comunidade de Aprendizagem Profissional inspirado em Hargreaves (2004) e Dufour et al. (2006)
Entretanto, apesar de a ideia de Comunidade Profissional de Aprendizagem ser
bastante interessante e profícua para o desenvolvimento profissional, Fullan (1982/2009) e
Hargreaves (2004) também alertam para possíveis entraves a serem enfrentados pelos
professores e equipes gestoras que trabalham nessa perspectiva. Falta de credibilidade na
proposta, pouca concentração e engajamento; valorização da “privacidade” da sala de aula ou,
ainda, dificuldades para mudar a cultura da instituição de ensino são alguns desses aspectos.
Adicionalmente, mencionam o risco de se vir a desenvolver um “pensamento grupal”, pouco
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 56
receptivo a novas ideias e alternativas, bem como o de estabelecer certa condescendência
coletiva, um aprovando a prática do outro, deixando de tecer a crítica que impulsiona o
aprimoramento. A colaboração de agentes exógenos à instituição, como apresentado no ciclo
coletivo “aberto” de Huberman (1995), é, pois, fundamental para romper tanto com o
“pensamento grupal”, quanto com a leniência entre pares. No que tange às dificuldades para
se trabalhar na perspectiva colaborativa, Fullan (1995) chama a atenção para a necessidade de
articulação entre formação inicial e permanente. Sobre isso, o autor diz:
[...] se as habilidades colaborativas e aprendizagem contínua são essenciais para os professores, elas devem ser incentivadas desde os programas voltados para a formação inicial, [...] considerando que esses são reconhecidos por serem individualistas e pobres em coerência e relação com a prática.21 (p. 261)
Uma última contribuição sobre o campo de desenvolvimento profissional merece ser
aqui destacada. À diferença dos estudos acima mencionados, Guskey (1995) não dá tanta
ênfase à dimensão individual ou à colaborativa. Para ele, central é rever e reavaliar as
experiências de desenvolvimento profissional vividas pelos docentes durante suas carreiras,
desenvolvendo programas que lhes permitam recuperar o entusiasmo, a esperança e o
compromisso com a educação. Entre as causas a serem combatidas, o autor indica cursos de
formação permanente que negligenciam o contexto de trabalho. Segundo Guskey (1995):
[...] a singularidade do indivíduo é algo que sempre será crítico na educação. O que funciona em uma situação pode não funcionar em outra. O ensino e a aprendizagem são processos complexos, que ocorrem em contextos muito diversos. Essa combinação de complexidade e diversidade torna difícil, senão impossível, para os pesquisadores alcançarem verdades universais.22 (p. 117)
Assim, o autor ressalta a busca pela combinação ideal entre a pluralidade de
programas de desenvolvimento profissional e as tecnologias mais adequadas para o contexto
em que os programas ocorrerão. A combinação ideal pode mudar, ao longo do tempo, em uma
21 “[...] if collaborative skills and continuous learning are essential for teachers, they must be fostered from the beginning in teacher preparation programs […] Initial teacher preparation programs are notorious for being individualistic and lacking in coherence and connectedness.”
22 “[...] the uniqueness of the individual setting will always be a critical factor in education. What works in one situation may not work in another. […] The teaching and learning process is a complex endeavor that is embedded in contexts that are highly diverse. This combination of complexity and diversity makes it difficult, if not possible, for researches to come up with universal truths.”
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 57
mesma instituição, que tanto o contexto, quanto as pessoas que o constituem são dinâmicos. A
utilização de termos como “certo” ou “errado” para avaliar as tentativas feitas deve ser
deixada de lado, privilegiando-se, ao invés, o que é ‘mais adequado (ou menos adequado)’
diante de determinadas condições. Nesse sentido, os fatores que contribuem para a
identificação da combinação ideal (ainda que ela esteja sempre em constante movimento) são
os seguintes: a) reconhecer a mudança tanto como um processo individual, quanto
organizacional; b) pensar de maneira ampla, mas começar com pequenos passos; c) trabalhar
de forma colaborativa; d) oferecer feedback sobre os resultados; e e) proporcionar respaldo
constante aos professores.
1.2 DA LITERATURA BRASILEIRA SOBRE FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSOR
Consoante a André (2010), a formação de professores no país desperta cada vez mais
o interesse dos pesquisadores. Tal fato pode ser notado não apenas pelo maior número de
pesquisas produzidas no âmbito dos programas de pós-graduação – as teses e dissertações
sobre o assunto aumentaram cerca de 30% entre os anos de 2003 e 2007 (2104 para 2810,
respectivamente) – como, também, pela maior atenção recebida por parte dos periódicos
científicos, culminando, inclusive, no recém-lançamento de uma revista voltada
exclusivamente para esse tema: Revista Brasileira de Formação Docente. Como
consequência dessa repercussão, explica a autora, os estudos sobre formação docente, que até
o final da década de 1990 costumavam corresponder ao campo da Didática, passaram,
paulatinamente, a ser organizados em um campo de pesquisa próprio, que ganha contornos
cada vez mais precisos, notadamente neste último decênio. Para melhor compreender como
vem se configurando este interesse pela formação de professores no país, apresento a seguir
um breve resgate histórico do que se passou nas últimas décadas.
Diniz-Pereira e Lacerda (2009) explicam que até o início da década de 1980, boa parte
dos estudos acerca da formação de professores tratava das práticas docentes. O professor e sua
atividade eram objetos de estudo e sobre eles pesavam, muitas vezes, avaliações negativas,
estabelecidas a partir de olhares externos e distantes de muitos pesquisadores. Muitos estudos
atribuíam ao docente, por exemplo, todas ou a maioria das grandes mazelas educacionais.
Argumentos como o da incompetência dos docentes justificavam a crescente necessidade de
se ofertar cursos de formação continuada (SOUZA, 2006).
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 58
O argumento da incompetência [...] afirma que a principal causa para a baixa qualidade do sistema educacional é, justamente, a incompetência dos professores. Em função de sua má formação inicial, os professores não saberiam como lidar com a diversidade dos alunos presentes nas escolas hoje, especialmente aqueles das camadas populares. Consequentemente, seguindo essa linha de raciocínio, a única – ou a principal ação a ser perseguida para melhorar a qualidade do sistema educacional – seria melhorar a competência dos professores. (SOUZA, 2006, p. 484, grifos do autor)
Das políticas de formação continuada de professores no país nas últimas décadas
Com o objetivo de instaurar uma base curricular nacional “capaz de consolidar a concepção da educação básica como um processo contínuo, regido pelos mesmos princípios educacionais e voltado para atender à população desde os primeiros anos de vida até os 17 anos” (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011, pp. 35-36), o MEC instituiu, entre os anos de 1997 e 1998, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Esses últimos foram estruturados a partir das áreas de conhecimento, porém com estrutura flexível para que cada unidade escolar fizesse as adaptações necessárias ao seu contexto, os referenciais representaram significativa mudança nas políticas da área, notadamente ao privilegiarem o caráter interdisciplinar e transversal do conhecimento. Como seu foco não mais residia na mera reprodução de um dado saber, mas no desenvolvimento de competências (idem), ao MEC coube a tarefa de assegurar a adequada implementação dos PCNs (DAVIS, NUNES e ALMEIDA, 2011, p. 36). Após ampla e aberta discussão sobre o assunto, propôs-se os Parâmetros Curriculares em Ação, uma nova estratégia de formação de professores, pautada agora em competências. Tal investimento tinha por meta a apropriação coletiva do conhecimento, assim como o aperfeiçoamento da atividade docente, para melhorar a qualidade do ensino ofertado aos alunos (idem). Assim como esse, outros programas de formação continuada passaram a ser oferecidos buscando, essencialmente, ampliar o quadro docente e universalizar o ensino.
No tocante ao financiamento desses programas, o Fundeb, ao substituir o Fundef em 2006, não apenas garante a continuidade do repasse que até então era feito aos governos estaduais e municipais, mas ainda, permite, segundo Gatti, Barreto e André (2011) “ampliar o escopo dos programas de formação” (p. 34). Adicionalmente, complementam as autoras, outro importante financiamento passou a apoiar, a partir da década de 2000, as ações promovidas pelo MEC em relação à educação nacional, notadamente no que tange à formação docente: o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Como as ações já mencionadas, outras se voltaram para a formação contínua de professores, como o Sistema Nacional de Certificação e Formação Continuada de Professores da Educação Básica, em 2003; a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica (REDE), em 2004; a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, em 2009 e; atualmente, vem sendo delineado um documento cuja meta é propor diretrizes nacionais para a formação continuada de professores (DAVIS, NUNES e ALMEIDA, 2011). Seu objetivo é, essencialmente, alcançar: 1) melhor articulação das ações de formação de professores das secretarias do MEC, assim como aprimorar as relações entre Instituições de Ensino Superior, Centros de formação e professores da rede pública de Educação Básica; e 2) constituir o Conselho Gestor da Rede Nacional de Formação Continuada que, por sua vez, deve contar com a participação do Conselho Nacional de Secretários de Educação e com a Confederação Nacional dos trabalhadores em Educação. (idem, p. 40)
A despeito das medidas acima arroladas e de seu progresso para a formação continuada de professores, muitos ainda são os desafios que, consoante a Davis, Nunes e Almeida (2011), precisam ser superados, tais como: a) elevar os investimentos na formação inicial; b) melhor coordenar a oferta de formação continuada com as etapas de vida profissional dos docentes; c) desenvolver políticas que fomentem e fortaleçam, em conjunto, o corpo docente e a equipe gestora; d) ampliar a oferta de formação continuada para atender a professores de todos os níveis e modalidades de ensino; e) explorar adequadamente o papel das universidades na formação continuada; f) incentivar a continuidade de programas bem-sucedidos; g) investir na socialização de experiências bem-sucedidas de formação continuada; h) desenvolver ações de formação continuada que contribuam para aumentar o capital cultural dos docentes; i) ampliar o tempo dedicado às ações de formação continuada, de modo que elas não se restrinjam apenas às reuniões pedagógicas coletivas, na escola; j) apoiar as escolas (equipe gestora e corpo docente) para que elas experimentem novas práticas educacionais e empreguem as inovações divulgadas nas ações de formação continuada; e l) avaliar os resultados dos programas de formação continuada. (pp. 104-107)
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 59
A linha de argumentação acima arrolada defende como solução para os males da
educação a oferta de cursos de formação permanente, entendendo ser ela a única alternativa
para sanar as deficiências da formação inicial. Como? Oferecendo aos docentes cursos que os
habilitem utilizar “novos métodos e novas técnicas de ensino” (SOUZA, 2006, p. 486).
Discursos como esses parecem convenientes, na medida em que suavizam os muitos e
variados entraves, todos eles severos, pelos quais a educação passa, os quais vão muito além
dos decorrentes de uma frágil formação inicial: envolvem, também, como é de se esperar,
questões de ordem política, social e econômica.
É por tais motivos que esse argumento não se sustenta, até porque os cursos
fundamentados nesse entendimento – pontuais e negligentes quanto às “condições
sociopsicológicas e culturais” (GATTI, 2003, p. 197) dos professores – pouco refletiram sobre
a mudança da atividade docente e em quase nada atenuaram os problemas identificados no dia
a dia escolar (SOUZA, 2006; GATTI, 2003). Nessa mesma conjuntura, a influência das
tendências internacionais, em especial no que tange às novas configurações do mundo do
trabalho e aliadas à percepção, em âmbito governamental, das consequências da precariedade
dos sistemas educacionais (GATTI, 2008), passou a canalizar esforços para mudanças rápidas
e imediatas, como a elaboração de ações e políticas públicas que tenham como alvo as
mudanças no currículo e nos programas de formação de professores. É nessa perspectiva que
o discurso da “atualização” ou do “desenvolvimento” (HUBERMAN & GUSKEY, 1995) no
campo profissional ganha espaço na agenda das pesquisas internacionais, defendendo a ideia
de que é necessário um constante desenvolvimento profissional do professor para que ele
possa se atualizar em relação aos avanços produzidos no campo educacional.
No Brasil, apesar da incorporação desse discurso e, consequentemente da tomada de
consciência sobre a relevância do desenvolvimento profissional, as iniciativas assumidas
neste sentido “[...] são de suprimento a uma formação precária pré-serviço, mas nem sempre
de aprofundamento ou ampliação de conhecimentos. Isso responde a uma situação particular
do país, em razão da duvidosa qualidade dos cursos de formação de professores em nível de
graduação” (GATTI, 2008, p. 58). Muitas das iniciativas assumidas como formação
permanente correspondem, efetivamente, a programas de caráter compensatório, cuja meta é
suprir a formação inicial incipiente, contrariando, desse modo, aquilo que
internacionalmente já se sabe ser importante (GATTI, 2008; DAVIS, NUNES e ALMEIDA,
2011).
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 60
O descontentamento com essa modalidade de formação continuada, bem como com a
maneira que os estudos educacionais se conduziam, avolumaram-se ao final da década de
1980 e, mais ainda, no decênio seguinte, quando grandes avanços foram alcançados por meio
de pesquisas etnográficas e de investigação-ação (ANDRÉ, 2001b; DINIZ-PEREIRA e
LACERDA, 2009; SOUZA, 2006; ROSA e SCHNETZLER, 2003). Tornava-se cada vez mais
latente “a necessidade de se olhar para dentro da escola, de se conhecer seus agentes,
objetivando alcançar e conhecer um nível da realidade que vinha sendo negligenciado”
(SOUZA, 2006, pp. 479-480). Nesse sentido, cresce a preocupação dos pesquisadores em
alertar para a necessidade de: a) direcionar as políticas educacionais para a “escola” e não
apenas para os professores (SOUZA, 2006); b) encarar o professor como produtor de
conhecimento, auxiliando-o a estabelecer novas relações com o saber, de modo que seja capaz
de transformar criticamente seu fazer docente (KRAMER, 1989; CANDAU, 1999; VEIGA e
VIANA, 2010; SILVA, 2010; FUSARI, 2009); c) considerar o contexto de trabalho dos
professores e suas particularidades (CANDAU, 1999; NASCIMENTO, 1999; DAVIS,
NUNES e ALMEIDA, 2011). Sobre esse último aspecto, Souza (2006) defende:
Um projeto de melhoria da qualidade do ensino não pode se sustentar basicamente em políticas de formação continuada de professores. Essa é uma estratégia equivocada, que restringe e simplifica a compreensão do trabalho escolar. Não desconsiderar, nem subestimar, a importância das condições concretas de trabalho sob as quais os professores realizam sua prática docente, em escolas concretas, portanto com condições variadas, [...] (considerar) as complexas relações interpessoais que dão existência concreta às escolas em termos de reprodução, contradição, conflito ou transformação social. [É igualmente importante] conhecer melhor a cultura escolar e a cultura docente, além de enfrentar a burocracia, os entraves administrativos e, ainda, repensar a formação inicial, a carreira docente e as políticas salariais. (p. 489)
Em vista dos pontos aventados, as décadas de 1990 e 2000, como era de se esperar,
são marcadas pelo crescente interesse dos pesquisadores em responder a estas questões. Se,
nos anos 1990, a quantidade de estudos sobre o tema em questão representava não mais do
que 7% do total produzido na área de educação, em 2007 este percentil atinge os 22%
(ANDRÉ, 2010).
Apesar de os estudos sinalizarem o descontentamento com as modalidades de formação continuadas que eram recorrentemente conduzidas, sinalizando a relevância de se considerar os “aspectos de dentro da escola e seus agentes”, Davis, Nunes e Almeida (2011) assim como Gatti, Barreto e André (2011) sinalizam que entre os tipos de ações de formação continuada mais frequentes sinalizados pelas Secretarias Estaduais e Municipais no país estão os cursos de curta duração, palestras, oficinas, presenciais ou a distância, realizados pelas próprias secretarias, ou ainda decorrentes de contratos estabelecidos com universidades, institutos de pesquisa ou ainda, instituições privadas. (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 198)
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 61
Além dessa elevação na quantidade dos estudos sobre o tema nesse período, outra
questão igualmente merecedora de destaque é o deslocamento do foco, nos cursos ou
programas de formação inicial (ANDRÉ et al., 1999) para docentes, de modo a “dar voz ao
professor”. O esforço de conhecer e divulgar as representações, opiniões, concepções e
práticas docentes justifica-se, segundo os autores, no pressuposto de que as conhecer permite
“descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade, que se reverta
numa aprendizagem significativa para os alunos” (ANDRÉ, 2010, pp. 278-279). Ao
estudarem-nas, sobretudo nesse último decênio, o que se tem observado é que os
pesquisadores, diferentemente da abordagem anterior, têm procurado estudá-las de modo
articulado à formação para o magistério, na tentativa de superar a dicotomia que antes
acabava sendo estabelecida entre formação e prática. Desse modo, encara-se, agora, a
formação como um continuum (ANDRÉ, 2010).
Nessa esteira, muitos são os estudos que contribuem para a elaboração de iniciativas
que levem em consideração os aspectos supracitados. Entre eles, podem-se citar, a título de
ilustração, os estudos de Longarezi e Alves (2009) e Rosa e Schnetzler (2003). Interessados
em compreender com mais clareza os processos que promovem o desenvolvimento
profissional com base nos referenciais da Atividade Orientadora de Ensino, Longarezi e Alves
(2009) desenvolveram uma modalidade de formação permanente para um grupo de
professoras de Educação Infantil. As autoras esclarecem o quão profícua para a prática
docente pode ser uma pesquisa que segue a perspectiva colaborativa. Análises de
videogravações de atividades utilizadas para se discutir diferenças entre o planejado e o
realizado serviram como recursos privilegiados para conduzir os encontros formativos entre
pesquisadoras e professoras ao longo de um ano. A possibilidade de interagir com colegas de
trabalho, trocar experiências, identificar situações-problema e discuti-las promove não apenas
o aprimoramento das relações de trabalho entre pares como, também, uma melhor
compreensão sobre como enfrentar tais situações, ampliando as possibilidades de transformá-
las. A experiência evidencia os benefícios de o processo formativo ser conduzido na escola,
desde que ele parta da realidade social, reflita sobre ela e a ela retorne, com o intuito de
transformá-la. Nesse sentido, Kramer (1989) esclarece que:
[...] é importante perceber que a efetiva formação do professor em serviço se dá através do confronto entre a reflexão sobre os conhecimentos advindos de sua prática e as teorias que explicam, questionam, lançam conflitos e indagações e permitem melhor compreender essa mesma prática. [Trata-se
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 62
de] um processo aparentemente lento e silencioso, porém mais mobilizador, crítico e ativo. Nesse processo, os profissionais da escola ocupam coletivamente os espaços de reuniões, conselhos e encontros, transformando-os em efetivos espaços de discussão pedagógica não no sentido normatizador com que o termo está empregado, mas, sim, político e cultural. (p. 204)
O coletivo da escola, como se pode ver, é precioso para identificar essas situações, elaborar
soluções adequadas e, com base nelas, inovar a prática. Rosa e Schnetzler (2003)
confirmaram os achados acima, em uma investigação-ação com professores de ciências.
Contrárias às práticas de formação voltadas para a “capacitação” ou para a “reciclagem” dos
professores, que acreditavam reproduzir a racionalidade técnica, as autoras defendem a escola
como local por excelência para que os professores produzam conhecimentos e conquistem
uma racionalidade prática, pois nele se viabiliza a reflexão, podendo-se rever ações e
esclarecer dúvidas que promovem o desenvolvimento profissional (p. 28).
A parceria colaborativa serve, novamente, como alicerce para um estudo sobre
professoras, com o objetivo e o método sendo delineados na e pela interação com as
professoras, com base na análise de suas atividades e na tentativa de incorporar a pesquisa à
prática docente. Os resultados, bastante animadores, levaram as pesquisadoras a defender o
papel de professores universitários nas escolas de educação básica, no intuito de “facilitar” o
processo de constituição de uma prática em que professores, engajados no aprimoramento do
ensino, se comprometam uns com os outros e, ainda mais, com seus alunos. De fato, a
colaboração promove segurança quanto às teorias formuladas a partir das próprias práticas e
oferece também coragem para transformá-las.
A comparação das teses e dissertações produzidas nas décadas de 1990 e 2000 revela
que, se por um lado as concepções, saberes e práticas do professor recebem maior interesse
por parte dos pesquisadores, a formação inicial, em oposição, é cada vez menos investigada,
correspondendo a apenas 18% do total de estudos em 2007 (ANDRÉ, 2010). Evidentemente,
essa constatação merece atenção, já que não é novidade as inúmeras deficiências que
acometem a formação inicial dos professores de nosso país, a qual deve ser, ainda, objeto de
muita reflexão e aprimoramento.
O método de pesquisa surge como outro ponto a ser investigado. Muitos são os
estudos que não se preocupam em oferecer informações mais detalhadas sobre o método e os
procedimentos adotados, tampouco o tipo e o número de indivíduos neles envolvidos. Entre
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 63
os que descrevem tais aspectos, nota-se que os microestudos23, os depoimentos escritos e
orais, as histórias de vida, as pesquisas-ação e as do tipo colaborativo ganham maior
repercussão (ANDRÉ, 2010; ANDRÉ et AL., 2010). Entretanto, muito pouca contribuição
pode-se esperar desses estudos caso eles não venham a articular as falas e os depoimentos
obtidos aos contextos mais amplos e circunstâncias em que foram produzidos (ANDRÉ, 2010;
ANDRÉ et AL., 1999), deixando, desse modo, de vincular, “dialeticamente, as diferentes
dimensões da profissão docente: aspectos psicopedagógicos, técnicos, científicos, político-
sociais, ideológicos, éticos e culturais” (CANDAU, 1999, p. 67). É tão somente ao se
empenhar nesse exercício que se pode vislumbrar a possibilidade de produzir um
conhecimento que não apenas revele as mediações constitutivas do professor, como também
permita contribuir para o avanço do conhecimento do campo de formação de professores, ao
pensar sobre alternativas que promovam o aperfeiçoamento profissional.
As técnicas de coleta de dados, assim como o método de pesquisa têm demonstrado,
também, novas configurações. Interessados em estudar a formação docente em seus mais
distintos e complementares aspectos, duas ou mais técnicas passaram a ser combinadas, e,
quando não se mostram suficientes, recorre-se a outras formas de coleta: a videografia, o
grupo focal, o grupo de discussão, o registro escrito e o relato autobiográfico.
Adicionalmente, observa-se que o questionário, até então tido como “vilão” das formas de se
alcançar informações e alvo de tantos preconceitos por traduzir as abordagens
preferencialmente quantitativas, volta, paulatinamente, a ser utilizado. Esse fato tem se
mostrado muito positivo ao revelar a compreensão da relevância de dados dessa natureza,
diminuindo a resistência em empregá-lo.
Para melhor ilustrar como alguns dos recursos metodológicos acima arrolados têm
sido empregados, recorro às pesquisas de Carvalho e Gonçalves (2000) e Davis e Aguiar
(2010), que empregam o recurso da filmagem entendendo que ela promove reflexão e
possíveis transformações na prática pedagógica. Carvalho e Gonçalves (2000) discutem as
filmagens das aulas dos professores de ciências do Ensino Fundamental com os próprios
docentes, verificando que elas são centrais para aguçar não apenas a observação do
desempenho do professor e do aluno como, ainda, sua discussão. Dessa maneira, as filmagens
fomentam o desenvolvimento de processos metacognitivos, “criando oportunidades de 23 Estudos de situações muito particulares que envolvem um pequeno número de participantes (3 a 15).
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 64
tomada de consciência e promovendo um salto de qualidade no curso” (CARVALHO e
GONÇALVES, p. 73). Entre os ricos resultados que alcançaram, destacam-se os seguintes: a)
as videogravações chamam a atenção para as muitas variáveis presentes no processo de ensino
e aprendizagem; b) as múltiplas facetas da aula podem ser pensadas junto ao conjunto de
professores, dinamizando a interação e a qualidade do trabalho realizado conjuntamente pelo
corpo docente da escola e os pesquisadores da universidade, além de favorecer o
desenvolvimento profissional dos dois grupos; c) a análise da conduta dos alunos e do
professor em tela leva a uma aproximação da teoria com a prática pedagógica; e d) as
oportunidades de se tomar consciência da relação aos aspectos presentes no processo de
ensino-aprendizagem aumentam, bem como as de reelaborar e reconstruir os últimos.
Já Davis e Aguiar (2010) lançam mão de história de vida, observação e filmagem, com
o duplo intuito de conhecer melhor a atividade docente e apreender os mecanismos que
fomentam seu desenvolvimento. Ao filmar algumas aulas e posteriormente conversar sobre
elas com a professora envolvida, as pesquisadoras permitem que a primeira deixe de ser
observada e passe a ser observadora de sua própria atividade (CLOT, 2006), estabelecendo,
desse modo, uma zona de desenvolvimento iminente que “impulsiona o desenvolvimento
pessoal e enriquece a atividade docente” (p. 242). Entre os resultados, fica evidente que o
medo de ser filmada e de ter sua atividade avaliada cede gradativamente lugar a sentimentos
positivos de entusiasmo e alegria diante das possibilidades de transformação, situação que
permite debater o emprego da filmagem em cursos e programas de formação de professores.
Adicionalmente, à medida que algumas das mediações constitutivas da atividade da
professora assumem contornos mais precisos no processo de análise, elas, por meio da relação
dialética parte-todo, revelam questões centrais da atividade docente que carecem ser mais bem
pensadas e cuidadas.
Ainda no tocante às técnicas de coletas de dados, André (2010) e André et al. (2010),
alertam que, apesar da riqueza dos recursos empregados e do otimismo ao se deparar com a
combinação de uma ou mais técnicas para estudar uma questão sob seus mais distintos
ângulos, há que se tomar especial atenção para verificar como esses dados, obtidos de tantas e
diversas maneiras, são tratados e analisados. Caso contrário, alertam, corre-se o risco de
produzir estudos com resultados fragmentados e pontuais, que pouco contribuem para a
melhoria da formação de professores. Não por acaso, a autora aborda esse aspecto ao final de
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 65
seu texto. Ao prosseguir na análise dos resultados do conjunto de pesquisas consideradas,
André (2010) pontua que muitos estudos se mostravam demasiadamente abrangentes, pouco
elucidando a relação dos objetivos com os métodos empregados. Além disso, menciona que
não foram poucos os que careceram de descrições mais detalhadas sobre o que foi, de fato,
atingido e em que medida dificultando precisar quais foram as contribuições do estudo para o
campo (p. 286).
Após delineamento do panorama dos estudos sobre formação docente no país, passo a
refletir sobre como aquilo que foi aqui tratado pode contribuir para um desenvolvimento
profissional que auxilie o professor a melhor se relacionar com a diversidade presente nas
salas de aula, aspecto esse que muito raramente tem merecido atenção, segundo um estado da
arte sobre formação de professores realizado por André et al. (1999).
1.3 A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA: DUAS DIMENSÕES A SE CONSIDERAR
O termo diversidade – tão amplamente difundido na literatura – vem, na grande
maioria das vezes, aludir às diferenças raciais, étnicas, culturais ou ainda de gênero presentes
na sociedade e como considerá-las na sua multiplicidade, buscando romper com o status quo
da sociedade atual que alija de oportunidades profissionais e pessoais aqueles que não
representam ou seguem a cultura hegemônica. Em se tratando do campo da Educação, o
termo ganha maior repercussão não apenas ao alertar para a relevância de se concretizarem
políticas de currículo que efetivamente promovam a igualdade de condições de acesso aos
bens sociais e culturais (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011), mas também ao considerar tal
pluralidade cultural na instituição escolar, ampliando as possibilidades de manifestação e
valorização dessas diferenças, como bem esclarece Moreira e Candau (2005). Entretanto, na
presente pesquisa outra dimensão do termo será considerada, cujo delineamento será agora
apresentado.
Ao tratar sobre a diversidade, defendo pelo menos duas dimensões do termo: uma
relacionada ao âmbito “coletivo”, remetendo-se aos aspectos étnico-raciais e culturais de um
indivíduo, mas que o conecte a um grupo ou comunidade maior e outra, complementar à
primeira, voltada à instância do “particular”, do idiossincrático. A primeira instância –
coletiva – é de fundamental importância ao cumprir a dupla função de distinguir o indivíduo
de um grupo maior e heterogêneo e, ao mesmo tempo, identificá-lo como parte de outro com
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 66
características étnico-raciais e culturais marcantes. Para melhor ilustrar esta instância, basta
pensarmos numa sala de aula em que possivelmente teremos alguns educandos
afrodescendentes, outros de origem oriental, além daqueles advindos de países latino-
americanos. Ao diferenciar, por exemplo, esses últimos dos demais integrantes do grupo, o
professor predispõe maior atenção não apenas para os aspectos de cunho étnico-religioso e
cultural ao pensar o processo de ensino-aprendizagem desses, mas, também, para possíveis
questões que podem apresentar em função desses aspectos, como àqueles relacionados ao
processo de aquisição da linguagem oral e escrita na Língua Portuguesa.
Aos aspectos acima arrolados desta “primeira” dimensão da diversidade, como assim
denomino, Dalben (2000) relaciona a um importante âmbito do conhecimento que o professor
deverá conhecer para promover uma aprendizagem significativa: o das experiências
socioculturais do grupo. Consoante à autora, a construção e a organização de um processo de
ensino e aprendizagem que, efetivamente, almeje assegurar a aprendizagem bem-sucedida de
seus alunos, passa, inevitavelmente, pela consideração das “experiências socioculturais desse
grupo, para a compreensão das relações cognitivas que podem ser estabelecidas entre o
conhecimento escolar e o conhecimento socialmente construído em suas vivências anteriores
(envolvendo valores, formas de enxergar o mundo, hierarquias, ideologias e preconceitos)” (p.
60). Além desse aspecto, a autora ainda pontua o reconhecimento das fases de
desenvolvimento dos educandos e as características pessoais desses. Esse segundo ponto será
tratado na dimensão a seguir.
À segunda dimensão da diversidade – a particular – tão relevante quanto a anterior,
cumpre a tarefa de nos fazer olhar para o que há de mais pessoal e exclusivo no indivíduo.
Mas afinal, no que isso se faz relevante? Se a instância anterior leva-nos, inevitavelmente, a
considerar o Outro a partir de uma “categoria” que o diferencie de um todo e o identifique
com outro que reúna seus semelhantes, essa dimensão suscita-nos, dialeticamente, a olhar a
pessoa sem essa “lente”, mas como a pessoa que é, na sua conjuntura histórico-social, com
suas experiências, conhecimentos e particularidades. Considerando essa dimensão no
cotidiano escolar, saliento a necessidade de o professor não perder de vista o caráter
heterogêneo de sua turma ainda que essa reúna grupos étnico-raciais, culturais e religiosos
semelhantes, pois, em cada um deles, há educandos com histórias de vida, vivências e ritmos
de aprendizagem diferentes. Posto isso, essa instância vem convocar os educadores a romper
CAPÍTULO 1 – DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES PARA MELHOR SE RELACIONAR COM A DIVERSIDADE EM SALA DE AULA 67
com os corriqueiros ideais e concepções pré-estabelecidas de alunos e ponderar o plural, o
imprevisível, o instável na sala de aula e, para tanto, ampliar o arsenal de estruturas
mediadoras que o permitam conduzir uma prática docente cada vez melhor sucedida na
medida em que tenha mais recursos para lidar com o particular, com o idiossincrático de cada
educando.
A relação entre as dimensões da diversidade supracitadas e as instâncias do
conhecimento propostas por Dalben (2000) está representada na figura 4 a seguir, buscando
melhor ilustrar os três âmbitos do conhecimento que o professor deve considerar para
conduzir um processo de ensino-aprendizagem que se pretenda bem-sucedido:
Figura 4 – Relação entre as dimensões da diversidade e os âmbitos do conhecimento a ser conhecida
pelo professor
A despeito dessa separação entre “dimensão coletiva e particular” para melhor elucidar
ao leitor o que entendo por cada uma delas, reitero aqui a necessidade de jamais considerá-las
separadamente uma da outra; uma não é sem a outra! Os aspectos coletivos e particulares
devem, a todo o momento, ser considerados numa relação parte-todo em que um contém o
outro e sobre ele revela. Posto isto, esclareço que apesar da dimensão particular da
diversidade ser mais bem iluminada no estudo em questão, esta não deixará de se articular a
outra, procurando, desse modo, assegurar que esta instância, complementar à coletiva,
igualmente seja considerada como constitutiva do processo de ensino-aprendizagem.
Dimensão coletiva
Dimensão particular
Conhecimento sobre as experiências e vivências dos
educandos
Conhecimento sobre as características pessoais dos
educandos
Conhecimento sobre as fases do desenvolvimento dos educandos
Diversidade
68
CAPÍTULO 2 – DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA
Fontes: vivercidades.org.br, jogosbrincadeiras.com.br, marista.edu.br, educacao-e-tecnologias.blogspot.com, fariasbrito.com.br, aviva.org.br, pedacos-priscilla.blogspot.com, maiferlim.wordpress.com,http://processos-aprendizagem.blogspot.com, grazielelaska.blogspot.com
2.1 DO MOMENTO HISTÓRICO DA RÚSSIA À CONSTITUIÇÃO DA “NOVA” PSICOLOGIA
PROPOSTA POR VYGOTSKI24
Para melhor compreendermos um teórico e seus objetivos, é necessário estudá-lo nas
condições sociais e históricas em que viveu, considerando-o em seu tempo, ou melhor, em seu
zeistgheist. Entretanto, ainda que extremamente relevante, essa tarefa não é simples,
24 Para facilitar para o leitor, grafaram-se as variações da palavra Vygotski sempre desta maneira.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 69
sobretudo em se tratando “daqueles que viveram e criaram em épocas de fortes turbulências
históricas e sociais, [...] como é o caso de Lev Semionovitch Vygotski” (PRESTES, 2010, p.
27), autor que viveu no final do século XIX e início do XX. Nesse momento, o Império
Russo, comparado às mais desenvolvidas nações europeias, tinha como característica central,
“a estrutura primitiva, o atraso econômico e a lentidão de sua evolução social” (CLEMESHA,
s.d., p. 14). Sob o extenso regime czarista, o desenvolvimento econômico não teve, na
burguesia, sua mola propulsora, como se deu no continente europeu; lá, o protagonismo
deveu-se essencialmente ao Estado.
Após três séculos de grande investimento no setor militar, para assegurar a
manutenção e o controle de um território de exorbitantes dimensões e diversidade de povos e
etnias, o governo czarista, ciente da necessidade de modernização, estabelece a abolição da
escravidão nos campos, visando ao desenvolvimento da agricultura e do capitalismo, ao criar
uma reserva de trabalho “livre” (CLEMESHA, s.d., p. 18). Além disso, investiu, também,
maciçamente na industrialização, na construção de ferrovias e portos, elevando em muito a
dívida pública, já que fez isso financiado, em especial, pelo capital europeu. Com a abolição
da escravidão, as condições no meio rural, ao contrário do que se esperava, tornaram-se ainda
mais precárias, com a adoção do sistema de propriedade capitalista do solo25. Observou-se,
assim, uma intensa migração urbana, elevando rapidamente o número de trabalhadores nas
indústrias que, por sua vez, não encontraram nela condições muito melhores de trabalho26:
[...] a Rússia czarista passa a ter um proletariado industrial em rápida expansão, concentrado em complexos fabris extraordinariamente grandes de poucos centros principais e, por conseguinte, ter também um começo de movimento de trabalhadores comprometidos, é claro, com a revolução social. (HOBSBAWM, 2010, p. 451)
O enriquecimento crescente das classes abastadas, decorrente da industrialização, não
foi acompanhado por uma correspondente melhoria nas condições de vida dos demais estratos
sociais, que se viram relegados à total degradação, ao analfabetismo, a uma existência
25
Após a abolição da escravidão, aos trabalhadores fora imposta a aquisição de uma terra, assim como os instrumentos necessários para produzirem sua subsistência, cabendo-lhes vender o excedente. No entanto, os lotes que lhes foram destinados eram insuficientes para sustentar suas famílias. Adicionalmente, decrescia o valor dos produtos agrícolas produzidos, ao mesmo tempo em que os dos manufaturados aumentavam. Assim, os camponeses viam-se obrigados a “trabalharem cada vez mais para manter o já precário nível de vida” (DELFINO, s.d., p. 23). 26 De maneira semelhante às condições de trabalho na indústria europeia do século XIX (BRESCIANI, 2004), o campo industrial no Império Russo também imporia jornadas de trabalhos de 14 horas diárias, multas arbitrárias por parte dos patrões, reduzindo os já miseráveis salários etc. (DELFINO, s.d., p. 23).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 70
miserável no campo ou na cidade. A esses fatos, somavam-se a corrupção do Estado, o
monopólio das carreiras de prestígio, a falta de liberdades civis e políticas, a opressão feita às
várias etnias, fatos que vincularam os pequenos burgueses eruditos e os estudantes
universitários aos primeiros movimentos revolucionários (DELFINO, s.d., p. 23).
A Rússia era tanto um país industrial importante quanto uma economia camponesa tecnologicamente medieval; uma nação imperial e uma semicolônia; uma sociedade cujas realizações intelectuais e culturais eram capazes de superar os mais avançados similares do mundo ocidental e um país cujos soldados ficaram pasmos com a modernidade dos japoneses que os capturaram em 1904-1905. [...] A Rússia czarista exemplifica todas as contradições do planeta da Era dos Impérios. (HOBSBAWM, 2010, p. 461)
Diante das condições acima arroladas, os operários, cientes da condição de exploração
a que eram submetidos, iniciaram movimentos revolucionários. De acordo com Delfino (s.d.):
“O movimento toma impulso quando as ideias socialistas lhe fornecem uma doutrina,
explicando o papel da classe operária na história, ou seja, sua condição protagonista na
superação do capitalismo e da sociedade de classes.” (p. 24). As mobilizações operárias foram
aderidas pelos estudantes, camponeses, etnias oprimidas que, após sucessivas tentativas e
revoluções contra um inimigo comum – o governo czarista – finalmente levaram a seu
término, no fim de 1917. No entanto, a queda do czarismo não representaria o fim dos
problemas políticos, econômicos e sociais de que a sociedade russa sofria. Foi justamente em
decorrência da revolução de 1917 que uma nova perspectiva de sociedade começou a se
delinear: a construção de uma sociedade socialista, como bem atesta Tuleski (2002):
Depois de outubro (de 1917), a sociedade russa se debateria mergulhada nas contradições advindas do entrelaçamento de dois processos revolucionários: o da revolução proletária e o da revolução democrática burguesa. Entre essas contradições, sobressaía a existência de classes com interesses antagônicos, mas, teoricamente, com a mesma perspectiva em relação à construção de uma sociedade socialista. (p. 53)
O advento da Revolução Socialista não foi, portanto, suficiente para modificar as
relações de produção: muitas das características capitalistas mantinham-se inalteradas na
divisão de trabalho, na separação entre trabalho intelectual e manual e, mesmo, na
preservação da moeda, do salário e do lucro (TULESKI, 2002). Superar essas situações
injustas era a meta buscada e a implementação do regime socialista era vista como uma forte
possibilidade de se estabelecer uma nação sólida e fortalecida, superando a condição de
estado “pesado, ineficiente, econômica e tecnologicamente atrasado” (HOBSBAWM, 2010,
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 71
p. 448). Foi precisamente nesse movimento de superação das contradições sociais e
instauração de um novo projeto de sociedade que a obra de Vygotski foi gestada.
Porque a nossa sociedade criará o homem novo. [...] Na futura sociedade, a psicologia será, na verdade, a ciência do homem novo. [...] No entanto, essa ciência do homem novo será também psicologia. (VYGOTSKI, 1927/2004, p. 417)
Como bem esclarece Tuleski (2002), no entender de Vygotski a disputa travada entre
as teorias idealistas e materialistas da época não se justificava por questões teóricas, mas,
notadamente, por questões ideológicas, que traziam, para o plano das ideias, a realidade
objetiva da luta de classes, os interesses antagônicos, a divisão do trabalho, etc. Posto isso,
a superação de tal dicotomia no mundo das ideias está condicionada à superação dessa dicotomia na realidade objetiva. [...] esta luta traduzida entre uma visão de homem (e de uma forma de ser do homem) antiga, que precisa ser superada, e de outra nova que surge, a qual precisa ser construída e consolidada (TULESKI, 2002, pp. 57-58).
Assim, a motivação de Vygotski para propor uma “nova psicologia” ou uma ciência
geral que superasse o embate entre materialismo e idealismo, estava intrinsecamente
relacionada ao projeto de uma nova sociedade em que o capitalismo seria superado pelo
socialismo.
A superação destas psicologias só seria possível com a elaboração de uma “nova psicologia” que tratasse a relação homem e natureza de uma perspectiva histórica, na qual o homem fosse produto e produtor de si e da própria natureza. Caberia a esta “nova psicologia” a tarefa histórica de superação deste dualismo, mas condizente com o “novo homem” que se produziria na sociedade comunista.
Esta psicologia, denominada por ele de psicologia geral, teria uma base explicativa única para os fenômenos humanos; um método que orientasse e fundamentasse a análise da realidade em toda a sua complexidade, que buscasse as explicações nas relações, nos elementos de ligação e não nas partes ou particularidades isoladas. [...] A criação desta psicologia geral não seria uma questão de acordo entre as duas tendências, mas de ruptura, de superação. Seria a criação do novo a partir e contra os elementos antigos. (TULESKI, 2002, p. 65)
A proposta de Vygotski – a “nova psicologia” – estava, pois, intimamente relacionada
com o novo projeto de sociedade comunista. Fundamentando-se nas ideias de Marx e Engels,
traz para a psicologia o método materialista, histórico e dialético proposto por esses autores e
faz dele condição para a construção de uma psicologia marxista (TULESKI, 2000). No
entender desse autor, ele oferece “condições ao cientista de encontrar uma teoria, sem
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 72
distorcer a realidade psicológica em benefício do esquema conceitual mais plausível ou
autorizado” (DAVYDOV e ZINCHENKO, 1995, p. 158). Isso implicava, no entanto, evitar a
união eclética de obras marxistas, articulando-as com teorias elaboradas nos países europeus
mais adiantados social e economicamente, para não incorrer nos mesmos erros cometidos por
aqueles que o antecederam em semelhante tentativa. Assim:
Para criar essas teorias intermediárias – ou metodologias, ou ciências gerais – será necessário desvendar a essência do grupo de fenômenos correspondentes, as leis sobre suas variações, suas características quantitativas e qualitativas, sua causalidade, criar categorias e conceitos que lhes são próprios, criar seu O capital. (VYGOTSKI, 1927/2004, p. 393 – grifos do autor)
Vygotski, ao adotar as ideias marxianas, pautada no materialismo histórico-dialético,
tem como pressuposto que o real é compreendido a partir da:
[...] tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e pelo modo de trocar os seus produtos. De conformidade com isso, as causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens nem na ideia que eles façam da verdade eterna ou da eterna justiça, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia da época de que se trata. (ENGELS, 1880/ 2005, p. 69 – grifos do autor).
No entanto, esclarece Kosik (1976), a transformação, o fenômeno, “a ‘coisa em si’ não
se manifesta imediatamente ao homem” (p. 9) e, nesse sentido, a dialética:
[...] é o pensamento crítico que se propõe a compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade. [...] O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas simples e também abstratas representações, tem de destruir a aparente independência do mundo dos contatos imediatos de cada dia. (pp. 15-16)
Vítima do autoritarismo stalinista, a obra de Vygotski, assim como de outros autores, teve sua publicação e circulação proibida por um período de 20 anos (1936-1956), na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Como bem elucida Almeida (2008), tal medida correspondeu à Resolução de 04 de julho de 1936, “adotada pelo Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética sobre os erros pedológicos dos Comissariados de Educação” (p. 84). Em decorrência do fato, não apenas a publicação, mas a leitura, citação, o ensino e/ou propagação de suas ideias tornaram-se altamente coibidas neste período, exceto quando a intenção era a de criticá-las.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 73
Assim, o caráter dialético do materialismo histórico diz respeito à maneira dinâmica de
entender a realidade, “essencialmente contraditória e em permanente transformação”
(KONDER, 1985, p. 8).
Finalizada essa introdução sobre algumas das determinações sociais e históricas
constitutivas da obra de Vygotski, assim como os sucintos esclarecimentos sobre o
materialismo histórico-dialético que a fundamentam, dedico-me, no item a seguir, a
apresentar algumas das categoriais centrais dessa teoria, uma vez que servirão de alicerce para
o presente estudo, guiando a análise de seus dados.
2.2 DAS CATEGORIAS CENTRAIS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Empenhado em elaborar uma teoria psicológica que viesse responder ao “novo projeto
de sociedade” comunista, e, portanto, às transformações históricas em curso, tornou-se
essencial a Vygotski romper com a ideia de determinismo biológico, tão difundida pela “velha
psicologia” (TULESKI, 2000). De acordo com essa concepção, o homem é essencialmente
determinado por aspectos biológicos, estando, dessa forma, subjugado a eles e contra os quais
nem a Psicologia nem a Educação conseguiam lutar. A contribuição de Vygotski reside, entre
inúmeras outras, no fato de conceber o homem como alguém que não é decorrência apenas de
determinações biológicas e, sim, como alguém que é produtor e produto de seu próprio
processo histórico. Em outras palavras, a ideia de natureza humana – de um ser biológico
geral e abstrato – foi suprimida pela de condição humana – determinada sócio e
historicamente. Esclarece Vygotski (1931/1996): “[...] la conducta no es tan sólo el producto
de la evolución biológica, [...] sino también el producto del desarrollo histórico o cultural”
(p. 53).
Se o aspecto biológico assegura ao ser humano pertença à espécie humana, sua
condição humana só lhe será assegurada nas e pelas relações sociais e históricas que
estabelece com seus pares e com sua cultura: “o homem é criado pelo homem, isto é, pelo
meio humano no qual se desenvolve [...] e deve adquirir modos de comportamento que não
são dados pelo instinto; e só pode fazê-lo graças à ação do meio humano social” (CHARLOT,
1979, p. 271). Mas como se dá essa relação entre o homem e o social? Como os seres
humanos se apropriam da cultura das gerações anteriores, dando-lhe novas configurações?
Sob o prisma da Psicologia Sócio-Histórica, a resposta para essas indagações está no fato de
homem e sociedade estabelecerem uma relação dialética entre si, na qual um constitui o outro.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 74
Bueno (2011) ressalta, entretanto, que esse homem, apesar de social, é também único e
singular em sua atividade, pois:
[...] por mais que ele reproduza as formações sociais que o circunda, possui mediação de abstrações subjetivas, abstrações estas realizadas em maior ou menor grau, dependendo das possibilidades a ele dadas de apropriação do gênero humano constituído. [...] O ser humano é também ser genérico – o conjunto das relações humanas e das objetivações por elas alcançadas no decorrer da história, desde os modos de produção da existência material desenvolvidos, até as expressões culturais mais complexas como o direito, a política, a arte e a filosofia. (p. 94)
O indivíduo não se apropria do social de modo imediato, transpondo-o para o plano
interior. Ao contrário, ele faz isso mediado por sua dimensão subjetiva, convertendo, portanto,
o social em psicológico. Sobre esse processo, Marx afirma que: “a natureza psicológica da
pessoa é o conjunto das relações sociais transferidas para dentro e que se tornaram funções da
personalidade e formas da sua estrutura” (apud VYGOSTKI, 1986/2000b, p. 27). Desse
modo, o processo de internalização implica processos de significação. Os indivíduos
significam o mundo material e social a partir de suas vivências, ou seja, de sua dimensão
subjetiva, mas isso não significa que se possa nele distinguir um mundo interno e um mundo
externo, uma vez que a apropriação da cultura e sua significação acontecem na e pela
interação, de modo que a constituição desses mundos é, de fato, simultânea: o interno é
constituído pelo social e pela história e vice-versa, permitindo afirmar que mesmo singular e
único, o indivíduo é, concomitantemente, social e histórico.
Para melhor compreender o movimento dialético que se dá entre individual e social,
ou ainda, entre parte e todo, torna-se necessário recorrer a uma categoria central da Psicologia
Sócio-Histórica: a mediação. De acordo com ela, a relação homem-mundo nunca se dá de
modo imediato: é sempre mediada. Efetivamente, só o acesso à aparência do real (ou a de
seus fenômenos) é revelado ao homem de forma imediata. A aparência, no entanto, não revela
a essência, como já dizia Marx: “toda ciência seria supérflua se a forma fenomênica e a
essência coincidissem diretamente” (apud KOSIK, 1976, p. 13). Uma compreensão que
melhor revele o fenômeno decorre de inúmeras “operações de síntese e de análise que
esclarecem não só a dimensão imediata como também, e, sobretudo, sua dimensão mediata”
(KONDER, 1985, p. 47). É tão somente por meio desse processo, que finalmente, a aparência
da “experiência empírica”, inicialmente caótica será apreendida a partir de uma “nova
inteligibilidade histórico-estrutural” (PONTES, 2010, p. 73) ou, de “una rica totalidade, com
múltiplas determinaciones y relaciones” (MARX, 1857/1973, p. 21). Daí ser possível
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 75
depreender que: “as mediações [se referem] às expressões históricas das relações que o
homem edificou com a natureza e, consequentemente, das relações sociais delas decorrentes,
nas várias formações sócio-humanas que a história registrou” (PONTES, 2010, p. 78). Reside
aí a importância teórica e metodológica da categoria mediação, pois ela permite:
[...] romper as dicotomias externo-interno, objetivo-subjetivo, significado-sentido, assim como afastar-nos das visões naturalizantes, baseadas numa concepção de homem fundada na existência de uma essência metafísica. Por outro lado, possibilita-nos uma análise das determinações inseridas num processo dialético, portanto, não causal, linear e imediato, mas no qual as determinações são entendidas como elementos constitutivos do sujeito, como mediações (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 225)
Recorrendo a esses mesmos autores, pode-se compreender que:
A categoria mediação não tem, portanto, a função de apenas ligar a singularidade e a universalidade, mas de ser o centro organizador objetivo dessa relação. Ao utilizarmos a categoria mediação, possibilitamos a utilização, a intervenção de um elemento/um processo, em uma relação que antes era vista como direta, permitindo-nos pensar em objetos/processos ausentes até então. (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 225)
Verifica-se, desse modo, que a concepção de homem da perspectiva sócio-histórica em
Psicologia só é possível quando se considera a categoria mediação. De fato, sem ela não seria
possível nem explicar nem compreender que, a despeito de o homem nascer com uma
“aptidão para desenvolver aptidões especificamente humanas” (LEONTIEV, 1978/2004, p.
292), isso só se dá quando de sua participação no mundo social, ou seja, nas e pelas relações
sociais estabelecidas com outros homens e com a cultura já acumulada pelas gerações
precedentes. Essa categoria é igualmente central para o entendimento dos processos de
ensino-aprendizagem, porque ele requer a mediação do Outro, não se dando nunca de forma
imediata. Existem duas modalidades de mediação: explícita e implícita (DAVIS e
OLIVEIRA, 2010). A primeira delas diz respeito aos instrumentos mediadores27 inseridos nas
relações pedagógicas para melhor organizá-las, viabilizando o desenvolvimento de funções
psíquicas superiores e, consequentemente, “operar em um nível intelectual superior” (idem, p.
66).
27
Podem ser citados como exemplos de instrumentos mediadores os blocos lógicos, os sólidos geométricos, ou, ainda, o alfabeto móvel. Os dois primeiros têm a função de auxiliar no ensino das formas geométricas e o segundo na apropriação do sistema alfabético pelos educandos, cumprindo uma tarefa intermediária no processo de ensino-aprendizagem, até que a criança apreenda suas características e funções sociais, podendo, a partir desse momento, dispensar o auxílio desses materiais ou mesmo as instruções do professor.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 76
A segunda modalidade – a implícita – tem como propósito tratar, essencialmente, dos
sistemas de signos, permitindo melhor compreender como se dá a constituição e
transformação dos sentidos e significados, nas relações mantidas entre educador-educandos e
desses últimos entre si. De natureza abstrata e transitória, a mediação implícita remete-se, por
exemplo, à situação em que, inesperadamente, alguém pergunta qual é o melhor caminho
para, a partir de um dado local, atingir certo destino. Prontamente e de forma involuntária, o
pensamento, a memória e outros modos de funcionamento intelectuais são acionados, com o
objetivo de atender à demanda em questão. As duas modalidades – implícita e explícita – não
devem ser vistas como estando uma em oposição à outra; ambas estão a serviço do processo
de ensino-aprendizagem – e, evidentemente, das demais relações interpessoais. Fica claro,
assim, que:
a mediação refere-se ao uso de instrumentos materiais e sígnicos que permitem a construção de novas funções psicológicas superiores, articulando a transição de momentos em que o significado das palavras é desconhecido ou incipiente, até aqueles em que sua compreensão atinge níveis mais elevados de sofisticação. (Idem, p. 69)
Além da categoria mediação, há outra de grande importância para a teoria sócio-
histórica: Historicidade. Vygotski (1986/2000b) esclarece que, para ele, o termo “história”
tem dois significados: um geral e outro restrito. Em termos gerais, história significa um
movimento marcado pela dialética geral das coisas e, nesse sentido, envolve as relações parte-
todo, essência-aparência, a unidade dos contrários, além de explicitar o fato de que “qualquer
coisa tem a sua história” (p. 23).
Em termos gerais, história significa uma abordagem dialética geral das coisas, no sentido de que cada coisa tem sua própria história [...] história não é a mera sucessão de fatos no tempo e no espaço, mas certo ordenamento significativo desses fatos, o que, necessariamente, implica a presença de certo nível de consciência e intencionalidade. (PINO, 2000, p. 34)
Já em seu sentido restrito, história refere-se à própria história do homem:
Em sentido restrito, história é a história do homem. Se no sentido anterior a história é a visão dialética da natureza, aqui ela é entendida como o próprio materialismo dialético, segundo Vygotski. [...] Desde que existe o homem, história da natureza e história do homem são inseparáveis, pois esta confere àquela um sentido histórico. (Idem, p. 35)
O indivíduo, na acepção ampla de história, é entendido como alguém constituído
historicamente pela dialética geral das coisas. A acepção restrita, por sua vez, vê o homem
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 77
como um ser cuja história pessoal é indissociável da história de sua sociedade e, portanto, da
dialética geral das coisas. Assim, na história, os sentidos geral e restrito não podem ser
entendidos como isolados um do outro, pois ambos mantêm entre si uma relação dialética. O
sentido mais restrito de história remete-se à produção da história pelo homem, na sua relação
com a natureza: ao mesmo tempo em que ele a humaniza, a natureza, humanizada, também o
modifica internamente. Esse movimento é bem descrito por Aguiar e Ozella (2006), quando
dizem que:
[...] o homem é constituído numa relação dialética com o social e com a História, sendo, ao mesmo tempo, único, singular e histórico. Esse homem, constituído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência, revela – em todas as suas expressões –, a historicidade social, a ideologia, as relações sociais, o modo de produção. (p. 224)
A categoria historicidade assume proeminência nesse estudo por dois motivos: de um
lado, o conhecimento do percurso histórico viabiliza o melhor entendimento acerca da
Educação – permitindo, neste momento, lançar as bases de uma modalidade de formação
docente pautada nos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica. De outro, ela atenta para a
possibilidade de identificar as mudanças empreendidas pelo participante da pesquisa, ao longo
de sua duração.
Duas outras categorias são igualmente relevantes para a perspectiva teórica aqui
adotada e para o estudo que se pretende desenvolver: atividade e consciência. Se a relevância
da primeira reside na possibilidade de melhor conhecer o conjunto de ações engendradas na
relação ensino-aprendizagem e em seus resultados, a segunda – consciência – evidencia como
os sujeitos envolvidos nessa atividade constituem, nesse processo, seu “mundo psicológico”.
À diferença da atividade animal, o trabalho – especificamente humano – é constituído por
inúmeras mediações, além de ser intencional e de realizar-se apenas na relação com o Outro,
sendo transmitido às futuras gerações por meio da Educação. É, pois, na e pela atividade que
o homem, ao entrar em contato com a natureza, a modifica, ao mesmo tempo em que é por ela
modificado. Na relação travada com a natureza, o homem se vale de ferramentas (fabricando-
as, se necessário), para alcançar maior controle sobre os processos naturais (LEONTIEV,
1978/2004; KOZULIN, 2002). Ao assim agir, apropria-se do conhecimento social e
historicamente construído, o qual se encontra nelas (ferramentas) cristalizado.
Concomitantemente à ação humana sobre a natureza, o homem inevitavelmente relaciona-se
com seus pares, já que:
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 78
O trabalho humano é [...] uma atividade originariamente social, assente na cooperação entre os indivíduos, que supõe uma divisão técnica, embrionária que seja, das funções de trabalho; assim, o trabalho é uma ação sobre a natureza, ligando entre si os participantes, mediatizando a sua comunicação. (LEONTIEV, 1978/2004, p. 81)
Ao interagir socialmente, a comunicação humana adquire um caráter central e tem, na
linguagem, seu principal recurso. Entretanto, em se tratando de uma relação dialética,
evidentemente, a linguagem não cumpre unicamente uma função comunicativa; “ela é,
também, um meio, uma forma da consciência e do pensamento humano” (LEONTIEV,
1978/2004, p. 93). Em outras palavras, é somente na e pela atividade, em relações sociais e
em relação com o mundo material, que o homem, em seu movimento histórico-dialético,
constitui sua consciência. Essa, por sua vez, é mediada pela linguagem em seu processo de
formação. A consciência, como representante do mundo psicológico, é determinada pelas
condições sociais e históricas que, por meio de um processo de conversão, são transformadas
em produções simbólicas, em construções singulares afetivas e cognitivas (AGUIAR, 2007).
Sobre o papel essencial da linguagem, Aguiar e Ozella (2006) esclarecem:
Os signos, entendidos como instrumentos convencionais de natureza social, são os meios de contato com o mundo exterior e também do homem consigo mesmo e com a própria consciência. (p. 225)
Signos são recursos sociais elaborados, constitutivos das próprias pessoas (VAN DER
VEER e VALSINER, 2009) e utilizados não apenas para a comunicação com o meio externo,
mas, também, nas atividades internas do homem, na condição de modos de ser, pensar e agir
do sujeito (AGUIAR e OZELLA, 2006). Esses instrumentos, os signos, são sempre plurais e
dinâmicos. Além de constituir o pensamento, eles têm como função regular as ações dos
homens sobre o próprio psiquismo e sobre o das demais pessoas (AGUIAR, 2007). A palavra,
signo por excelência, é, portanto, “a arena onde se confrontam valores sociais contraditórios,
conflitos, relações de dominação etc.” (AGUIAR, 2007, p. 101).
Vygotski (2000a) alerta que, quando se postula a íntima relação mantida entre
pensamento e linguagem, é preciso entender que “o pensamento não se exprime na palavra,
mas nela se realiza” (p. 409); pode, ainda, fracassar, justamente por não conseguir se
exteriorizar, ou seja, revestir-se de palavras. Dessa forma, compreender o pensamento é
entender que ele é sempre permeado por emoções, ou seja, trata-se de um “processo
psicológico não apenas por seu caráter cognitivo, mas por ser percebido de maneira subjetiva,
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 79
pelas significações e emoções que se articulam em sua expressão” (AGUIAR e OZELLA,
2006, p. 227).
Quando ganha forma, ao se revestir de palavras, o pensamento sofre inúmeras
modificações mediadas pelas significações ou, ainda, pela dimensão subjetiva do sujeito.
Compreender os sentidos e os significados presentes no discurso do indivíduo implica
reconhecer que o pensamento só pode se realizar por meio da linguagem. A relação entre
pensamento e linguagem, por sua vez, só pode ser entendida por intermédio das categorias
sentido e significado que, apesar de distintas e singulares, formam um par dialético. Isso
significa que sentido e significado não podem ser apreendidos isoladamente ou descolados um
do outro. De acordo com Vygotski (2000a), o sentido pode ser compreendido como:
[...] a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa que tem várias zonas de estabilidade variada. (p. 465)
Relacionado às construções individuais a partir de significados sociais, o sentido
nunca se completa: ele é inesgotável. A categoria significado, por sua vez, é definida por
Vygotski (2000a) como uma parte do sentido, como “uma dessas zonas de sentido que a
palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e
exata” (p. 465). Diferentemente do sentido, o significado diz respeito às construções sociais
compartilhadas. Como na atividade humana, o processo de transformação do natural em
cultural tem como elementos constitutivos os significados. Isso permite afirmar que “a
atividade humana é sempre significada. De fato, o homem, ao agir, realiza uma atividade que
é, concomitantemente, externa e interna, ambas operando com significados” (AGUIAR, 2006,
p. 14). Dessa maneira, é fundamental compreender que a “internalização” de um dado aspecto
do mundo material se remete a um processo que, essencialmente, é o de “(re)construir
internamente e transformar as ações e operações” (SMOLKA, 1992, p. 328), a partir das
significações (sentidos e significados). Em outras palavras, é por meio desses processos que
“aquilo que inicialmente representa a atividade externa começa a acontecer internamente, ou
seja, ocorre de forma interpessoal, transformando-se, portanto, em um processo intrapessoal; a
internalização se dá, primeiro, entre os sujeitos da atividade e, posteriormente, no plano
individual” (SCHETTINI, 2009, p. 228). Na verdade, é, efetivamente, o processo de
internalização que conduz a transformação do natural em cultural (AGUIAR e OZELLA,
2006, p. 226).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 80
Diante do exposto, podemos entender que os significados são utilizados na
comunicação e expressam conteúdos mais estáveis, que foram incorporados pelos sujeitos por
meio da vivência subjetiva de suas experiências. Já os sentidos são “mais amplos [...], pois
constituem a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma
realidade” (AGUIAR e OZELLA, 2006, p. 227). O sentido torna-se múltiplo e inesgotável no
campo subjetivo, sendo permeado por conteúdos intelectuais e afetivos do próprio sujeito.
Assim, o sentido pode conduzir ao que há de mais singular na elaboração subjetiva. No
entanto, apesar da intenção do pesquisador de caminhar em direção às zonas mais fluidas dos
sentidos, elas jamais estarão descoladas dos significados, pois um não é sem o outro – os
sentidos contêm os significados e esses, por sua vez, contêm os sentidos.
O par dialético sentido/significado cumpre importante papel nesse estudo, uma vez
que viabilizará maior inteligibilidade à constante negociação que se dará entre pesquisador e
professor, grupo participante e equipe gestora, no processo de construírem, juntos, uma nova
modalidade de formação docente.
Cabe ainda elucidar as concepções de desenvolvimento e aprendizagem que aqui
serão empregadas para entender a relação educador-educando e educando-educando, no
processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, elas devem estar em conformidade com os
pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica e da Pedagogia Histórico-Crítica28, ambas
fundamentadas no materialismo histórico dialético. É justamente isso que se fará a seguir, no
próximo tópico.
2.3 DAS CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
As concepções de desenvolvimento e aprendizagem delineadas por Vygotski devem
ser compreendidas como parte de uma proposta mais abrangente do autor, que buscava, como
já dito, atender às necessidades de um novo projeto de sociedade, que concretizasse os
princípios do comunismo. A possibilidade de se contar com uma nova escola – e com uma
nova educação – estava, portanto, em sintonia com o desejo de formar um novo homem para a
nova sociedade. Os idealizadores da nova pedagogia soviética – e Vygotski entre eles –
abraçaram, deliberadamente, princípios opostos àqueles defendidos pelas correntes burguesas.
28 De acordo com Saviani (1991), o termo vem designar o “empenho em compreender a questão educacional a partir do desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-Crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana” (p. 91).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 81
Nas palavras de Van der Veer e Valsiner (2009): “o passo na direção de outra pessoa – a
cooperação com os outros, transcendendo os limites da pedagogia individualista – era a base
vital de qualquer pedagogia especial” (p. 77). Valores como humanismo, coletivismo, respeito
às características pessoais dos alunos e instrução individualizada29 foram bravamente
defendidos pela pedagogia soviética (PRESTES, 2010).
Estudando o binômio desenvolvimento-aprendizagem, Vygotski encontraria, na
literatura da época, essencialmente, três grandes tendências. A primeira defendia a
independência dos processos de desenvolvimento em relação aos de ensino. Representada por
autores da teoria organicista, entre eles Piaget, o ensino era entendido como algo externo ao
desenvolvimento, devendo apenas pautar-se nesse para evitar a oferta de tarefas muito além
ou aquém das possibilidades dos alunos. Nessa abordagem, claro está que “os ciclos de
desenvolvimento sempre antecedem os ciclos de aprendizagem. A aprendizagem segue a
reboque do desenvolvimento, este está sempre adiante da aprendizagem” (VYGOTSKI,
1924/2004, p. 468). A segunda vertente, em oposição à anterior, defende a identidade entre
desenvolvimento e aprendizagem, como duas figuras geométricas que se sobrepõem. De
acordo com essa ideia, desenvolvimento e aprendizagem caminham de modo regular e
paralelo: a cada passo dado pelo desenvolvimento, corresponde uma mesma distância
percorrida pela aprendizagem. Não se identifica, aqui, se um precede o outro: os percursos do
desenvolvimento e da aprendizagem são coincidentes. Finalmente, uma terceira vertente tenta
superar as anteriores, propondo que a aprendizagem em muito se aproxima do
desenvolvimento, mas a ele não se iguala. O desenvolvimento mantém, assim, uma dimensão
maior, da qual a aprendizagem é parte.
Descrente de que as correntes acima pudessem explicar a relação desenvolvimento-
aprendizagem e aquela mantida com o ensino, Vygotski faz sua proposta:
Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções,
29 Prestes (2010), recorrendo a CHABAIEVA (1980), esclarece que, de acordo com a declaração emitida pela Comissão de Instrução, “um princípio muito importante de renovação da escola é a individualização da instrução. A individualização deve ser entendida, pelos professores, como a análise das capacidades e especificidades do caráter de cada aluno e a adaptação do professor às necessidades dos educandos, assim como a análise do que a escola lhes oferece e deles exige” (pp. 30-31).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 82
metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, imbricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra. (VYGOTSKI, 1979/2003, pp. 96-97)
Preocupado em conciliar o ensino com o desenvolvimento da criança e entendendo
que esse último não se restringe ao estado atual dos educando que, aliás, vê como algo em
constante mudança, Vygotski propôs o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente
(PRESTES, 2010).
2.3.1 DO CONCEITO DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO IMINENTE
A despeito de se tratar de um dos conceitos mais difundidos da obra de Vygotski,
ainda pairam muitas dúvidas sobre sua definição. As justificativas apontadas para esse estado
das coisas vão desde traduções pouco fiéis às palavras do autor (PRESTES, 2010), até
compreensões equivocadas do conceito, passando, ainda, pela falta de entendimento de como
esse conceito se situa no contexto mais amplo da obra teórica do autor (CHAIKLIN, 2003;
VEREZOV, 2004; TUDGE, 1992). De acordo com Vygotski, o desenvolvimento é
constituído por dois níveis. Um deles – o nível de desenvolvimento atual (ou real) –
corresponde às funções já plenamente desenvolvidas, referindo-se, portanto, às que são
empregadas em tarefas e habilidades facilmente realizadas pela criança, sem precisar de
nenhum auxílio. O segundo nível denomina-se nível de desenvolvimento imediato (ou
próximo) e refere-se às funções em processo de maturação, necessárias para a resolução de
tarefas que só são realizadas a contento se a criança tiver auxílio de parceiros mais
experientes. Nas palavras do autor:
Como se estabelece simultaneamente este nível [de desenvolvimento mental]? O meio ao qual se recorre são as tarefas que a criança resolve por si própria. Por meio delas conhecemos o que a criança sabe e é capaz neste momento, já que só se leva em conta as tarefas que consegue desempenhar por si próprio. É evidente que com a ajuda deste método podemos estabelecer unicamente o que já está maduro na criança e no momento atual. Determinamos tão somente seu nível de desenvolvimento atual. No entanto, o estado do desenvolvimento não se determina jamais por meio do que já está maduro. Assim como o horticultor que, desejando saber as condições de sua horta, não terá razão se limitar apenas a se as macieiras deram fruto ou cujos frutos estão maduros, senão também as árvores que estão amadurecendo, o psicólogo, ao avaliar o estado de desenvolvimento, deve ter considerar obrigatoriamente não apenas as funções maduras, mas também aquelas que estão em processo de maturação.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 83
Não apenas o nível atual, mas também a zona de desenvolvimento próximo. (VYGOTSKI, 1960/1982, p. 238 – grifos do autor)30
Ainda segundo Vygotski, a zona de desenvolvimento iminente, ou próximo, é definida31
como a:
[…] a diferença entre a idade mental e o nível de desenvolvimento atual que se determina com a ajuda das tarefas solucionadas de forma independente e o nível que a criança atinge ao resolver as tarefas, não por si próprio, senão em colaboração é o que se pode denominar de zona de desenvolvimento próximo. [...] a zona de desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da evolução intelectual e para o êxito da instrução do que o nível de desenvolvimento atual. (VYGOTSKI, 1960/1982, p. 239 – grifos do autor)32
Com isso, o autor entende que o desenvolvimento jamais pode ser reduzido às
possibilidades reais (ou atuais) do indivíduo, uma vez que contempla, igualmente, funções
que estão em vias de se realizar. Essa formulação tem a vantagem adicional de propor uma
nova maneira de encarar o desenvolvimento: a prospectiva. Compreendido o
desenvolvimento como dinâmico e, portanto, em constante modificação, a tarefa ou
habilidade para a qual a criança, hoje, precisa de assistência para realizar de modo adequado,
ela, amanhã será capaz de completar sozinha e passará a fazer parte de seu nível de
desenvolvimento atual (ou real). Desse modo, a característica essencial do aprendizado é sua
30 “¿Cómo se establece comúnmente ese nivel [de desarrollo mental]? El medio a que se recurre son las tareas
que el niño resuelve por sí mismo. A través de ellas conocemos lo que sabe el niño y de lo que es capaz en este momento, ya que sólo se tienen en cuenta las tareas que han resuelto por sí mismo. Es evidente que con ayuda de este método podemos establecer únicamente lo que ha madurado en el niño y en el momento actual. Determinamos tan sólo su nivel de desarrollo actual. Pero el estado del desarrollo no se determina nunca a través de parte ya madura del mismo únicamente. Igual que el horticultor, que deseando determinar el estado de su huerto, no tendrá razón si se limita a valorar los manzanos que ya han madurado y han dado fruto, sino que debe tener también en cuenta los árboles en maduración, el psicólogo, al valorar el estado del desarrollo, debe tener obligatoriamente en cuenta no sólo las funciones maduras, sino también las que están en trance de maduración. No sólo el nivel actual, sino también la zona de desarrollo próximo.” (VYGOTSKI, 1960/1982, p. 238 – grifos do autor) 31 A falta de um corpus mais extenso sobre a definição deste conceito (CHAIKLIN, 2003) leva a uma acirrada discussão entre os estudiosos da teoria Sócio-Histórica em Psicologia. Se para alguns (DUARTE, 1996/2001; PRESTES, 2010) o desenvolvimento compreende apenas o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento iminente, para outros (VEREZOV, 2004; TUDGE, 1992; DAVIS e OLIVEIRA, 2010), em contrapartida, não há como entender o conceito de desenvolvimento sem considerar o nível de desenvolvimento real ou atual (NDR), o nível de desenvolvimento iminente ou próximo (NDP) e, entre eles, a zona de desenvolvimento iminente. 32
“[...] divergencia entre la edad mental o el nivel de desarrollo actual, que se determina con ayuda de las tareas resueltas de forma independiente, y el nivel que alcanza el niño as resolver las tareas, no por su cuenta, si no en colaboración, es lo que determina la zona de desarrollo próximo. [...] la zona de desarrollo próximo tiene un valor más directo para la dinámica de la evolución intelectual y para el éxito de la instrucción que el nivel actual de su desarrollo.” (VYGOTSKI, 1960/1982, p. 239 – grifos do autor)
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 84
possibilidade de criar zonas de desenvolvimento iminente, já que “desperta vários processos
internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage
com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros”
(VYGOTSKI, 1979/2003, p. 118). Para esse autor, desenvolvimento e aprendizagem formam
uma unidade em que um transforma o outro: a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento e
o desenvolvimento impulsionado permite novas e mais complexas aprendizagens e assim
sucessivamente.
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, o desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. (VYGOTSKII, 2006, p. 115)
Essa concepção acerca do binômio desenvolvimento-aprendizagem pede, novamente, o
papel do Outro. Para que haja desenvolvimento das funções psíquicas superiores tipicamente
humanas não basta apenas a dimensão filogenética. É somente no contato com outros seres
humanos e com a cultura que as funções psicológicas inferiores se transformam e passam a
operar de forma mediada e intencional, adquirindo uma característica eminentemente social33.
Fica claro, portanto, como o social assegura o processo de constituição do indivíduo e vice-
versa, pois não há sociedade sem participação dos indivíduos. Daí decorre o vetor do
desenvolvimento, para Vygotski: ele vai do social para o individual, mediante o processo de
internalização ou, melhor dizendo, a “reconstrução interna de uma operação externa”
(VYGOTSKI, 1979/2003, p. 74). Sobre as características deste processo, o mesmo autor
esclarece que:
a) a representação de uma operação inicialmente externa é reconstruída e passa a
acontecer internamente;
b) um processo interpessoal converte-se em intrapessoal, uma vez que “todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível
social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológico), e,
depois, no interior da criança (intrapsicológico)” (VYGOTSKI, 1979/2003, p. 75).
33
É preciso reiterar o avanço produzido por Vygotski em relação aos seus antecessores, notadamente, no que tange à ênfase que ele atribui ao social, ao estudar os processos psicológicos humanos. Esse salto qualitativo está bem traduzido nas palavras de Schettini (2009): “ao entender que nenhuma teoria psicológica da época explicava de maneira ampla a natureza dos processos psicológicos, Vygotski, quando começou seus estudos sobre os fenômenos psicológicos, confere ao contexto social um papel importante” (p. 223).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 85
Verezov (2004) elucida que essa passagem não deve ser entendida como uma
sequência temporal, em que primeiro a função aparece entre duas pessoas e, em uma
etapa seguinte, posteriormente, surge no nível individual, mas sim
concomitantemente. Trata-se de dois planos do mesmo desenvolvimento, de modo
que ao mesmo tempo em que a função é vivida na relação interpessoal, ela também
é vivida na dimensão intraindividual, como se fossem “duas dimensões de um
mesmo evento” (p. 7).
c) a transformação de um processo interpessoal em intrapessoal não se dá de forma
imediata e, sim, a partir da sucessão de inúmeros eventos ocorridos ao longo do
desenvolvimento.
Dessa maneira, entende-se que o desenvolvimento se delineia à medida que as funções
psíquicas de um dado período social concreto são confrontadas com novas necessidades e
desejos, suscitados na relação do indivíduo com outros e com sua cultura. Superar tais
contradições leva a criança a se engajar em diferentes atividades e relações que, por sua vez,
conduzem à consolidação da nova função, até então em processo de amadurecimento34.
Chaiklin (2003) explica que a atividade per se não promove o desenvolvimento da criança;
antes, trata-se de que, para realizá-la, a criança se engaja em ações que desencadeiam o
desenvolvimento das funções psicológicas necessárias para a execução da proposta.
Diante do exposto, entender a imitação como algo prejudicial ao desenvolvimento das
funções psicológicas é algo absurdo, uma vez que ela está intrinsecamente relacionada a elas.
O envolvimento do aprendiz com parceiros mais experientes em uma dada tarefa deve-se, tão
somente, ao fato de que, de outra forma, não lhe seria possível realizar a atividade em
questão: para concretizá-la, as funções psicológicas necessárias ainda não estão plenamente
desenvolvidas (CHAIKLIN, 2003). Trata-se, portanto, de funções em processo de
amadurecimento, mais especificamente, das que se ‘encontram’, metaforicamente, na zona de
desenvolvimento iminente. Desse modo, a imitação só auxilia a criança em tarefas cujo
significado social ela já conhece. Decorre daí o encorajamento que tanto a imitação, quanto o
trabalho realizado com parceiros mais experientes recebem, em práticas pedagógicas
alicerçada nos pressupostos vygotskianos (considerando que as funções que hoje se dão no
plano interpessoal passarão a atuar no âmbito intrapessoal). Entretanto, como bem alerta 34
A palavra amadurecimento aqui, semelhante ao seu emprego por Vygotski, não tem cunho inatista, como algo previamente dado, que matura ao longo do tempo. Seu emprego, aqui, é sinônimo de desenvolvimento.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 86
Tudge (1992), em uma situação formal de educação, quando o que se pretende é assegurar o
desenvolvimento da criança, cabe atentar para a maneira como as parcerias e os grupos são
formados. De acordo com resultados de sua pesquisa, a colaboração entre pares pode exercer
tanto um impacto altamente benéfico, quanto prejudicial no desenvolvimento dos indivíduos.
Isso acontece, segundo Tudge (1992), em função de duas variáveis, essencialmente: o grau de
confiança nas próprias crenças e se o parceiro mais experiente faz uso, na interação, de um
nível mais elevado de pensamento ou raciocínio:
Uma criança pode ser mais competente que outra, como assegurado no pré-teste individual, todavia se seu nível de raciocínio não corresponder a certo grau de confiança, não há motivo para esperar que ela seja capaz de ajudar no aprimoramento do raciocínio de seu parceiro, notadamente, se não contribuir com um nível de pensamento mais elaborado no decorrer da discussão.35 (p. 165)
Diante dos aspectos acima arrolados, como pensar em um ensino pautado em tais
pressupostos? É a reflexão a esta questão que norteará a discussão do próximo tópico.
2.3.2 DO ENSINO PAUTADO NOS PRESSUPOSTOS DE UMA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Muito semelhante à ideia de um ensino fundamentado nos pressupostos da Psicologia
Sócio-Histórica está aquela defendida pela corrente da Pedagogia Histórico-Crítica. Firmada
no final da década de 1970, essa linha teórica surgiu da necessidade de responder à demanda
social por uma proposta em que fosse possível avançar em relação àquelas de cunho crítico-
reprodutivista. Essa abordagem, de acordo com Saviani (1991), muito embora tenha feito a
crítica necessária à Pedagogia tecnicista, não trouxe nada de novo para combater a reprodução
mecânica das relações sociais, ou seja, a determinação da educação pela sociedade, sem que o
contrário seja verdadeiro. Foi a necessidade de superar essa situação, com base em uma visão
crítico-dialética e histórico-crítica, que levou à elaboração da Pedagogia Histórico-Crítica. Em
seu bojo está, portanto, a “necessidade de compreender a Educação no seu desenvolvimento
histórico-objetivo, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de
referência e compromisso seja a transformação da sociedade e não a sua manutenção ou sua
perpetuação” (SAVIANI, 1991, pp. 95-96).
35 “One child may be more competent than another, as measured in an individual pretest, but if this level of thinking is not held with some degree of confidence there is no reason to expect that she will be able to aid her partner´s thinking, particularly if she does not actually introduce that higher level of thinking in the course of discussion.”
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 87
Ao refletir sobre os contornos de uma didática apropriada para tal Pedagogia, Gasparin
(2009) discute de forma aprofundada não apenas os aspectos políticos com os quais a
educação deve estar, nessa perspectiva, comprometida, mas, sobretudo, sua finalidade social
e, portanto, como a educação deveria estar organizada. Tendo na história e na dialética seus
principais pilares, o autor defende uma estrutura de ensino que privilegie “a contradição, a
dúvida e o questionamento; em que se valorize a diversidade e a divergência; que se
interroguem as certezas e incertezas, despojando os conteúdos de sua forma naturalizada,
pronta e imutável” (idem, p. 3). Para tanto, argumenta Gasparin, o ponto de partida desse
método pedagógico não reside nem na escola, tampouco na sala de aula e, sim, na realidade
social mais ampla.
A leitura crítica dessa realidade torna possível apontar um novo pensar e agir pedagógicos. Deste enfoque, defende-se o caminhar da realidade social, como um todo, para a especificidade teórica da sala de aula e desta para a totalidade social novamente, tornando possível um rico processo dialético de trabalho pedagógico. (GASPARIN, 2009, p. 3)
Assim, de acordo com o teórico em questão,
a primeira etapa de uma proposta que se
proponha histórico-crítica é conhecer a prática
social dos sujeitos da educação, ou seja, seus
níveis de desenvolvimento atuais. A este
respeito, Donovan, Bransford e Pellegrino
(1999) e Tharp et al. (2000) enaltecem a
importância de se relacionar os conteúdos a
serem ensinados na escola com as experiências
e conhecimentos que os educandos já dispõem
sobre eles, em um dado momento. Quando eles
não são considerados na elaboração do
planejamento, os educandos podem fracassar ao
tentar aprender os novos conceitos ensinados,
ou mesmo, “aprendê-los” superficialmente,
apenas para assegurar um bom desempenho em
uma avaliação; todavia, assim que os alunos
deixarem os muros da escola, tornam a utilizar
suas concepções mais primitivas e “cotidianas”.
De acordo com Vygotski (1960/1982), os conceitos denominados espontâneos ou cotidianos decorrem do próprio desempenho do pensamento infantil acerca da experiência pessoal. Em contrapartida, os conceitos tidos como não espontâneos ou científicos correspondem ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade. Esses últimos, como explica Vygotski, “no son asimilados ni aprendidos por el niño, no se adquieren a través de la memoria, sino que surgen y se forman gracias a la colosal tensión de toda la actividad de su propio pensamiento” (idem, p. 194). Apesar de submetidos a cursos de desenvolvimentos distintos, os dois tipos de conceitos não fluem de modo isolado, estando um a determinar o outro a todo o momento. Desse modo, é necessária ao conceito científico a presença do cotidiano. É a partir deles que é possível a contradição que, de modo dialético, leva à superação, produzindo “cambios estructurales en los conceptos espontáneos” (idem, p. 194).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 88
De acordo com Tharp et al. (2000), essa etapa é
fundamental para ajudar o aprendiz a
estabelecer as relações necessárias entre o que
sabe e o que deve saber, pois o que já é de
domínio do educando atua como uma “ponte”
para levar ao que deve ser conhecido. No
entanto, mais do que uma relação entre o que já
se conhece e o que se busca conhecer, o
conhecimento já conquistado serve como
mediador de um “processo ativo de seleção,
análise e interpretação” (p. 29).
Para melhor ilustrar o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, a figura
abaixo evidencia o que acontece quando o professor ignora importantes aspectos da prática
social de seus alunos, entre eles sua diversidade, suas experiências pessoais e ritmos de
aprendizagem, ensinando todo o grupo de alunos de uma mesma maneira:
Figura 5 – Relação entre número de alunos e desempenho acadêmico em uma sala de
aula na qual o professor negligencia as diferenças entre os educandos
Como é possível visualizar, as áreas riscadas “A” e “B” indicam os grupos de
educandos situados à margem do processo de ensino-aprendizagem oferecido na aula. Se os
alunos situados no primeiro grupo “A” são prejudicados pela total falta de articulação entre o
conhecimento que dispõem no momento e aqueles introduzidos pelo professor, o segundo
Na situação escolar, Gasparin (2009) explica que os conceitos científicos não são diretamente transmitidos aos educandos. É no e pelo processo dialógico-pedagógico que se dá esse encontro em que “os conceitos cotidianos são incorporados e superados pelos científicos” (p. 115).
Em outras palavras, é por meio desse
processo que os conceitos espontâneos – nível
de desenvolvimento real da criança –, são
negados e posteriormente superados, passando a incorporar àqueles que até então se encontravam, metaforicamente, na zona de desenvolvimento imediato (conceitos científicos).
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 89
grupo, o “B”, também não demonstra grande entusiasmo com o conteúdo apresentado, pois já
o domina. Em outras palavras, é como se o investimento do professor incidisse além das
possibilidades da zona de desenvolvimento iminente no primeiro grupo e aquém, no segundo.
Para atingir o primeiro objetivo – conhecer a realidade social dos sujeitos envolvidos
no ensino, Gasparin (2009) propõe que se explore não apenas a prática social imediata a
respeito do conteúdo que se pretende ministrar, mas, também, a prática social mediata, ou
seja, aquelas socialmente organizadas nas e pelas interações com pares ou adultos, como um
todo (idem, p. 13). Quando a realidade social – nível de desenvolvimento atual (ou real) dos
educandos – já é conhecida pelo professor, parte-se para o que se faz necessário saber,
atuando, metaforicamente, na zona de desenvolvimento imediato. Para tanto, três novas etapas
são sugeridas: problematização, instrumentalização e catarse. A primeira pretende identificar
e selecionar problemas cuja origem se remeta à realidade social já conhecida na fase anterior e
que mantenha relação com o conteúdo a ser ministrado. Trata-se, pois, de “ler as necessidades
sociais e, de acordo com elas, selecionar os conhecimentos historicamente produzidos que
mais adequadamente satisfaçam as exigências do grupo” (idem, p. 37). Estabelecida a relação
entre realidade social, conteúdos a serem estudados e aqueles a serem ministrados, vem a
etapa da instrumentalização, que consiste em definir como o conhecimento sócio-
historicamente construído será disponibilizado aos educandos, ou seja, identificar os modos
mais prováveis de levarem a sua apropriação pelos alunos, transformando-os em “instrumento
de construção pessoal e profissional” (idem, p. 51). Donovan, Brandsford e Pellegrino (1999)
explicam que, para desenvolver uma conduta investigativa competente, é fundamental aos
educandos: a) ter uma base consistente acerca das múltiplas situações sociais em que o
conhecimento em questão se faz necessário; b) compreender os fatos e as ideias a partir de
uma perspectiva teórica sólida; e c) organizar o conceito de modo que ele possa ser facilmente
retomado em novas situações (p. 12). Das etapas mencionadas, a terceira e última delas – a
catarse – consiste no momento em que o aprendiz expõe seu entendimento sobre o que foi
ensinado:
A catarse é a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático que o educando chegou, marcando sua nova posição em relação ao conteúdo e à forma de sua construção social e sua reconstrução na escola. É a expressão teórica dessa postura mental do aluno que evidencia a elaboração da totalidade concreta em grau intelectual mais elevado de compreensão. Significa, igualmente, a conclusão, o resumo que ele faz do conteúdo aprendido recentemente. É o novo ponto teórico de chegada; a manifestação do novo conceito adquirido. (Idem, p. 124)
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 90
Realizada a síntese, cabe retornar à prática social. O concreto observado torna-se
concreto pensado, levando o educando a olhar para a prática social de modo qualitativamente
superior. Este é o momento em que é permitido ao aluno agir de forma autônoma, já que o
trabalho realizado na ‘zona de desenvolvimento imediato’ contribuiu para o desenvolvimento
de funções que tornam viável realizar sozinho, agora, o que antes só se fazia mediante o
auxílio de outros. Com isso, Gasparin (2009) esclarece que a pretensão “é que se assuma uma
nova postura prática ante a realidade que acaba de conhecer” (p. 144). Essa nova postura, por
sua vez, traduz-se em novas atitudes práticas, assim como em propostas de ação para o curto e
médio prazo: ações possíveis e pertinentes de serem realizadas e não projetos ambiciosos e
pouco factíveis em termos do desenvolvimento atual do grupo de alunos.
Posto isso, o planejamento de uma unidade nos moldes acima arrolados seria
estruturado, a título de exemplo, da seguinte maneira:
Quadro 1 – Projeto de trabalho docente-discente na perspectiva histórico-crítica (GASPARIN, 2009, anexo 1)
PRÁTICA
Nível de Desenvolvimento
atual
TEORIA
Zona de Desenvolvimento Imediato
PRÁTICA
Novo nível de Desenvolvimento
atual
Prática Social Inicial do Conteúdo
Problematização Instrumentalização Catarse Prática Social Final do Conteúdo
1) Listagem do conteúdo e objetivos:
Unidade: objetivo geral
Tópicos objetivos específicos.
2) Vivência cotidiana do conteúdo:
a) O que o aluno já sabe: visão da totalidade empírica.
Mobilização.
b) Desafio: o que gostaria de saber a mais?
1) Identificação e discussão sobre os principais problemas postos pela prática social e pelo conteúdo.
2) Dimensões do conteúdo a serem trabalhadas.
1) Ações docentes e discentes para construção do conhecimento. Relação aluno x objeto do conhecimento pela mediação docente.
2) Recursos humanos e materiais.
1) Elaboração teórica da síntese, da nova postura mental. Construção da nova totalidade concreta.
2) Expressão prática da síntese. Avaliação: deve atender às dimensões trabalhadas e aos objetivos.
1) Intenções do aluno. Manifestação da nova postura prática, da nova atitude sobre o conteúdo e da nova forma de agir.
2) Ações do aluno. Nova prática social do conteúdo, em função da transformação social.
CAPÍTULO 2- DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA 91
Fica claro, portanto, que em um ensino pautado nas ideias de uma pedagogia histórico-
crítica, professores e alunos constroem conjuntamente o conhecimento, partilhando dúvidas,
amparando-se diante de fragilidades, conquistando novas atitudes diante da realidade social.
Para tanto, os docentes caminham no mesmo compasso de sua turma, sempre atentos a seus
interesses e necessidades. Nesta direção, atividades cada vez mais desafiadoras e complexas –
articuladas à realidade social e aos anseios dos educandos – são-lhes propostas, oferecendo,
constantemente, momentos de produção conjunta em díades, trios ou mesmo pequenos
grupos. É exatamente nos e pelos momentos de conversas sobre esses assuntos que a
linguagem pode ser mais bem desenvolvida e o pensamento melhor estruturado, aspectos que,
por sua vez, incidem diretamente na elaboração de novos e mais sofisticados significados,
conceitos e ideias sobre o mundo e seu funcionamento. O trabalho em parcerias é
extremamente importante: ele contribui para o estabelecimento de novas relações e/ou para
seu fortalecimento, bem como auxilia o desenvolvimento de condutas mais atenciosas e
respeitosas com o outro. De fato, para que haja uma boa comunicação, deve-se aprender a
escutar e, ainda, a falar esperando a vez ou os momentos adequados (THARP et al. 2000).
92
CAPÍTULO 3 – DO MÉTODO DA PESQUISA
Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/album/1010_timor_album.jhtm?abrefoto=10#fotoNav=10
Ao olhar a ilustração acima, o leitor poderia se questionar sobre o que a figura
representa assim como sua relação com o método. Esclareço, então, que se trata de um
verme, fotografado na região do Timor Leste, mas sua relação com a pesquisa só será dada
no decorrer deste capítulo, pelo próprio leitor, que terá a possibilidade de construí-la à
medida que tiver acesso às informações tratadas nesse tópico.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 93
3.1 A ABORDAGEM PREFERENCIALMENTE QUALITATIVA
As origens da abordagem qualitativa em pesquisa remetem-se ao final do século
XIX, quando investigadores das ciências sociais se mostravam descrentes com a
eficácia dos métodos empregados das ciências naturais, para estudar fenômenos sociais
(ANDRÉ, 1995). Dilthey e Weber seriam pioneiros neste movimento ao defender a
necessidade de se utilizar a hermenêutica como abordagem metodológica, valorizando a
interpretação e a compreensão dos significados atribuídos pelos participantes aos
fenômenos estudados. Investigações com tais características inaugurariam a perspectiva
idealista-subjetivista, que defende a construção do conhecimento, opondo-se, porém,
fortemente, aos moldes positivistas de ciência.
Não aceitando que a realidade seja algo externo ao sujeito, a corrente idealista-subjetivista valoriza a maneira própria de entendimento da realidade pelo indivíduo. Em oposição a uma visão empirista de ciência, busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do pesquisador. (ANDRÉ, 1995, p. 17)
Fundamentada nesses princípios, a abordagem qualitativa de pesquisa recebe
esse nome por descortinar uma nova maneira de investigar, na qual esforço é feito no
sentido de não dividir a realidade em fragmentos mensuráveis, isoladamente estudados
(ANDRÉ, 1995). Ainda consoante a essa autora, essa nova abordagem defende a
compreensão dos fenômenos na sua totalidade, ou seja, considerando seus aspectos
constitutivos e as inter-relações que mantêm entre si. Dessa postura, vários
desdobramentos surgiram, com propostas de diferentes métodos para diferentes
propósitos, como as do tipo etnográfico, estudo de caso e pesquisa-ação.
Caracterizam esse tipo de abordagem, segundo Bogdan e Biklen (1994), cinco
aspectos centrais, a saber: 1) a fonte direta dos dados é o ambiente natural e o
pesquisador tem papel fundamental em sua coleta; 2) os fenômenos são descritos
preferencialmente por meio de palavras e imagens; 3) o processo tem privilégio sobre os
produtos e resultados; 4) a análise dos dados tende a ser realizada de forma indutiva; e
5) os significados alocados aos fenômenos investigados pelos participantes do estudo
assumem significativa importância. “O processo de condução de investigação
qualitativa reflete uma espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 94
sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra” (BOGDAN
e BIKLEN, 1994, p. 61). Nem todas as pesquisas que adotam uma abordagem
qualitativa cumprem, no entanto, todos os requisitos acima descritos, como, por
exemplo, os estudos teóricos e históricos.
Com o aumento da produção de pesquisas fazendo uso da abordagem
preferencialmente qualitativa, torna-se inevitável discutir questões importantes, como a
necessidade de rigor científico, a preocupação com os procedimentos metodológicos,
com a boa qualidade dos dados e com uma análise pautada em evidências. A esse
respeito, André (2001a) indica alguns critérios que todos os pesquisadores precisam ter
claros: a) relevância social e científica do fenômeno a ser estudado; b) clareza e precisão
na definição de objetos e objetivos, bem como adequação dos procedimentos
metodológicos para produzir informações que permitam responder às questões postas; e
c) realização de uma análise densa, pautada na materialidade das evidências, para se
chegar a afirmações e conclusões, sinalizando, sobretudo, no que o conhecimento
produzido avança em relação ao que já sabia, se o confirma ou se dele se distancia.
Alves-Mazzotti (2001) esclarece que apontar relações entre os novos achados e as
informações já disponíveis – indicando se – e em que medida – eles se confirmam ou se
diferenciam constitui “condições necessárias à cumulatividade e à transferência do
conhecimento, assim como à formulação de teorias” (p. 42).
Questões relacionadas à objetividade e às possibilidades de generalização dos
resultados obtidos são objetos constantes de preocupação entre os pesquisadores,
notadamente, na área de Educação, porque, em geral, os resultados se referem a
contextos muito específicos. Nesse sentido, Alves-Mazzotti (2001) assegura que a
objetividade dos estudos produzidos nesta área reside na “tradição crítica” da
comunidade acadêmica, ou seja, toda e qualquer investigação precisa estar aberta à
crítica e ao questionamento da comunidade científica, para que graves equívocos sejam
evitados. A autora defende, também, no que tange à generalização ou aplicabilidade dos
conhecimentos produzidos, ser plenamente razoável a elaboração de modelos
explicativos a partir de estudos de fenômenos microssociais: ao fazê-lo, assim como ao
identificar padrões e relações, contribui-se de maneira salutar para a construção teórica,
algo fundamental para o acúmulo do conhecimento e para sua generalização. Entretanto,
esclarece que:
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 95
[...] a aplicabilidade dos conhecimentos da área da educação depende do desenvolvimento de teorias próprias, da seleção adequada de procedimentos e instrumentos, da análise interpretativa dos dados, de sua organização em padrões significativos, da comunicação precisa dos resultados e conclusões e da sua validação pela análise crítica da comunidade científica. (ALVES-MAZZOTTI, 2001, p. 48)
3.2 OS PRINCÍPIOS VYGOTSKIANOS SOBRE O MÉTODO EM PSICOLOGIA
Como já elucidado no referencial teórico, os problemas econômicos e sociais
que acometeram a sociedade na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
atuaram no sentido de alimentar, em sua população, o desejo de se construir um novo
projeto de organização social, no qual as contradições presentes naquele momento
seriam superadas pela adoção do socialismo. Como seria de se esperar, esse novo
projeto de sociedade não se coadunava mais com os pressupostos e com os métodos
adotados na “velha psicologia”. Cindida, à época, em dois posicionamentos antagônicos
– os idealistas e os materialistas – a antiga psicologia traduzia, no plano das ideias, a
fragmentação vivida nas relações de produção, ou seja, a divisão em classes sociais, a
organização do trabalho, os interesses sociais e individuais e, ainda, a separação entre o
fazer e o pensar (TULESKI, 2002). A instauração de um novo projeto de sociedade
passava, inevitavelmente, pela elaboração de uma “nova psicologia”, em compasso com
o futuro que se avizinhava. Esperava-se que ela:
[...] tratasse a relação homem natureza de uma perspectiva histórica, na qual o homem fosse produto e produtor de si e da própria natureza. Caberia a esta “nova psicologia” a tarefa histórica de superação deste dualismo, mais condizente com o “novo homem” que se produziria na sociedade comunista. (TULESKI, 2002, p. 66)
Estreitamente vinculada à realidade objetiva, a “nova psicologia” da sociedade
socialista deveria, em consonância com esse projeto socioeconômico e social, superar as
dicotomias das ideias psicológicas anteriores, que se entendia estar intrinsecamente
relacionadas aos “velhos” moldes sociais. Foi com este propósito que Vygotski,
fundamentando-se no método proposto por Marx e Engels, para a economia política,
elabora os princípios metodológicos da “nova psicologia”. Convencido de que a tarefa
de elaborar um novo método para a psicologia ia muito além da mera transposição das
ideias marxistas para esse campo, Vygotski desenvolveu uma abordagem inovadora
para analisar as funções psicológicas superiores. Vygotski (1979/2003) reteve, assim,
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 96
três grandes princípios que consistiam, em seu entender, a “essência” da proposta
metodológica marxiana:
1. Analisar processos e não objetos, diferenciando análise de objetos e de
processos, porque a primeira se remete a algo estável, enquanto a
segunda “requer uma exposição dinâmica dos principais pontos
constituintes da história dos processos” (p. 81). Ao priorizar a análise de
processos ao invés de objetos, busca-se retomar as múltiplas etapas
integrantes do processo.
2. Explicação versus descrição: pois a descrição do fenômeno não “revela
as relações dinâmico-causais reais subjacentes ao fenômeno” (p. 82), ou
seja, não consegue ir além das aparências, para buscar as múltiplas
determinações do fenômeno. Para tanto, é necessário reconstruir sua
gênese, sem perder de vista os movimentos dos inúmeros fatores que
constituem o fenômeno. Explicar, por sua vez, requer entender “as
ligações reais entre os estímulos externos e as respostas internas que são
a base das formas superiores de comportamento, apontadas pelas
descrições introspectivas” (p. 84)36.
3. O problema do comportamento “fossilizado”: esse princípio chama a
atenção para os processos psicológicos automatizados ou mecanizados,
que, por terem sido submetidos a extenso desenvolvimento ao longo da
história, se enrijeceram. Distanciados de sua origem, esses processos
nada revelam sobre as múltiplas determinações que o constituem, de
modo que, para compreendê-los, é preciso se debruçar sobre suas
particularidades e diferenças, recuperando sua gênese.
[...] precisamos concentrar-nos não no produto do desenvolvimento, mas no próprio processo de estabelecimento das formas superiores. Para isso, o pesquisador é frequentemente forçado a alterar o caráter automático, mecanizado e fossilizado das formas superiores de comportamento, fazendo-as retornar a sua origem através do experimento. (VYGOTSKI, 1979/2003, p. 86)
36
Ao fazer sua proposta metodológica, Vygotski distanciava-se muito do que as correntes psicológicas da época, na busca de se tornarem uma ciência objetiva, semelhante às ciências naturais, vinham propondo: a mera observação e descrição do fenômeno eram entendidas como explicações suficientes, que dispensavam interpretações, as quais eram encaradas como “subjetivas” (TULESKI, 2002).
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 97
Passado e presente complementam-se, portanto, na elucidação do processo
psicológico fossilizado em questão. É nesse aspecto que se revela o caráter histórico dos
fenômenos, pois eles são estudados em seu processo de mudança, característica central
do método dialético. Em conformidade a essa perspectiva, o método empregado no
estudo do fenômeno é, “ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, instrumento e
resultado do estudo” (p. 86).
3.3 OS PRINCIPAIS OBJETIVOS DA PESQUISA
A presente investigação teve como principal meta (co)construir uma modalidade
de formação permanente de professores que, fundamentada nos pressupostos da
Psicologia Sócio-Histórica, fosse capaz de orientar a prática pedagógica dos docentes,
favorecendo a permanência bem-sucedida dos educandos na escola. No tocante às metas
secundárias do atual estudo, pretendeu-se levar os docentes a:
a) reconhecer a diversidade dos alunos em termos de perfil de
aprendizagem, experiências pessoais, motivação e relação mantida com o
saber escolar;
b) identificar problemas no processo de ensino-aprendizagem, bem como
planejar, implementar, analisar resultados e propor trabalhos de natureza
variada, que contemplem a diversidade dos educandos em sala; e
c) formar uma ‘comunidade profissional de aprendizagem’ (FULLAN,
1982/2009, pp. 64-60), desenvolvendo condutas voltadas para a melhoria da
escola no médio e no longo prazo.
3.4 DOS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Os inúmeros desafios relacionados à formação continuada e, sobretudo, à
preparação do professor para melhor se relacionar com a diversidade particular37 de seus
educandos, motivaram-me a investir esforços nesse sentido. A despeito dos entraves que
têm levado muitas das iniciativas de formação permanente a assumir um caráter
37
Não gostaria de fragmentá-la em relação à diversidade coletiva, mas apenas melhor iluminar a dimensão da “diversidade” a que me refiro.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 98
compensatório, a pesquisa em questão teve como meta propor uma alternativa que
pudesse, efetivamente, incidir sobre o desenvolvimento profissional dos docentes
(NASCIMENTO, 1999). Para tanto, essa proposta deve ser entendida na “continuidade
da formação inicial, desenrolando-se em estreita ligação com o desempenho da prática
educativa” (ALARCÃO, 1998, p. 106; MARCELO GARCÍA, 1999), correspondendo,
efetivamente, à necessária atualização dos conhecimentos do campo educacional,
sobretudo no que se refere às mudanças que ocorrem na prática e como elas podem ser
mais bem direcionadas para atingirem os objetivos planejados (CHRISTOV, 2009).
Nesse sentido, as palavras de Nascimento (1999) tornam-se extremamente ricas para
esclarecer que a modalidade de formação continuada que aqui se desenvolveu almeja:
[...] formar alguém que seja criativo, que utilize esta criatividade em seu fazer pedagógico; que esteja consciente de seu poder de transformação e de seus limites como educador e como cidadão; um professor que saiba fazer a ligação entre o mundo exterior e o que se passa no interior da sala de aula. [...]; um professor entusiasmado, competente e comprometido como pessoa, como cidadão e como profissional. (p. 73)
Ou ainda, de modo complementar:
Preparar e emancipar profissionalmente o docente para realizar crítica, reflexiva e eficazmente um estilo de ensino que promova uma aprendizagem significativa nos alunos e consiga um pensamento-acção inovador, trabalhando em equipa com os colegas para desenvolver um projecto educativo comum. (Medina e Domínguez apud Marcelo García, 1999, p. 23)
A hipótese norteadora desse estudo foi que as alternativas para as dificuldades
identificadas na escola devem ser descobertas nas condições sociais e históricas em que
aparecem, COM as pessoas que as vivenciam. De fato, em se agindo diferente, corre-se
o risco de fornecer alternativas pontuais, descontextualizadas e, consequentemente,
pouco eficazes para solucionar os impasses vivenciados. Além disso, construir algo
junto com os professores pode levá-los a valorizar mais seus conhecimentos e
experiências, pois podem se reconhecer como competentes na tarefa de planejar,
executar, avaliar e transformar sua prática. Se os professores forem assim empoderados,
há razão para se supor, também, que buscarão, constantemente, aprimoramento
profissional. Mello, Dutra e Jorge (2008) esclarecem que uma postura autônoma por
parte dos docentes só é atingida quando, “em vez de prontamente se apropriarem da
sabedoria recebida, (eles) passarem a interpretar as ideias sobre o ensino e a
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 99
aprendizagem para si, em colaboração com outros (pares), procurando, desse modo,
torná-las ainda mais significativas para eles” (p. 616). Ou seja, mais do que se apropriar
da ideia, parece ser com seus pares, junto a seu coletivo profissional, que os professores
conquistam um entendimento mais abrangente, múltiplo, compartilhado e, portanto,
significativo para cada um e para o grupo como um todo. Diante disso, pretendeu-se que
o processo de construção dessa modalidade de formação e seus resultados contribuíssem
para mudanças positivas na atividade docente.
Assim, ao propor-me a atuar COM as professoras, é preciso evidenciar os
pressupostos nodais que subjazem a esta ideia: 1) partir da realidade social do professor;
2) respaldar as mudanças do processo de formação durante sua implementação; 3) fazer
da escola um local de ação; 4) aquilatar os saberes dos professores construídos no
decorrer do processo de formação; e 5) respeitar e adaptar o processo de formação
contínua à etapa de desenvolvimento profissional do docente.
O primeiro desses pressupostos trata da necessidade de se encarar o professor
como construtor de sua própria maneira de sentir, ser e agir profissionalmente.
Neste sentido, Alarcão (1998) e Candau (1999) fazem especial alerta para que se leve
em conta as experiências, os conhecimentos e a realidade profissional dos professores
que se pretende formar. Caso tais aspectos sejam negligenciados, os professores, que
não o vivenciem em sua própria formação, muito provavelmente não se preocuparão em
oferecer um processo de ensino-aprendizagem que seja significativo para seus
educandos. Assim, além de partir das vivências e dos aspectos constitutivos do dia a dia
dos professores, para que às inovações não sejam prontamente apresentadas resistências
e que inapelavelmente levarão ao seu abandono, elas precisam ser apoiadas, ou seja,
demandam frequente apoio e, inicialmente, constante respaldo dos formadores,
notadamente diante dos desafios e dificuldades que surgem no processo de sua
implementação.
Se as mudanças estão na ordem do dia da escola, buscando o fiel aprimoramento
dos processos de ensino e aprendizagem, a instituição escolar, reiteram as autoras, deve
deixar de ser pensada como objeto de reflexão e passar a ser encarada como local de
ação. Como lócus privilegiado de ação, mas não o único da formação continuada, a
escola deve sediar, sistematicamente, encontros entre os professores e deles com equipe
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 100
gestora, para que “reflitam sobre os problemas vividos na sua escola e organizem-se
para lhe encontrar uma solução a ser experimentada e avaliada” (ALARCÃO, 1998, p.
116). Só assim é possível transformar a prática pedagógica, situação que delineia o
terceiro pressuposto. Evidentemente, o conhecimento produzido no decorrer desse
processo deve ser a todo o momento considerado como necessário e essencial para uma
melhoria consistente da prática docente, constituindo um “saber identitário”. É
exatamente sobre esse aspecto que reside o quarto pressuposto: os professores e a
produção dos saberes profissionais docentes. A prática em sala de aula, a reflexão
sobre o que nela acontece e sobre os conhecimentos que lhe cabem transmitir devem
estar a serviço de uma atuação mais consistente, questionadora e, certamente, mais
autônoma.
Além dos princípios acima arrolados,
Candau (1999) acrescenta que, ao se pensar o
processo de formação continuada, deve-se
certamente ter em mente as distintas etapas
do desenvolvimento profissional dos
professores envolvidos. De fato, se nos
propomos a pensar um processo de ensino-
aprendizagem significativo aos educandos,
que se paute nos conhecimentos já adquiridos
e naqueles ainda a conquistar, incoerente
seria desconsiderar esses momentos no
processo de formação continuada dos
professores. Implicaria negligenciar a
experiência já adquirida em sua experiência
profissional, assim como as inquietações
características de cada um dos vários
momentos que se vive ao longo da docência.
Diante do exposto, buscou-se delinear
um método que viabilizasse a construção
conjunta de alternativas para a demanda
apresentada pela escola, cuidando para que
Além dos pressupostos mencionados ao lado, outras iniciativas conduzidas durante o estudo foram igualmente consideradas como muito positivas pela equipe gestora ao final da pesquisa. Daí ser oportuno não apenas mencioná-las, mas incorporá-las à modalidade de formação aqui delineada:
– envolver a equipe gestora e o coletivo de professoras, buscando, desse modo, pensar o processo de formação continuada como uma reculturação coletiva e significativa.
– permanência por um extenso período na instituição (um ano e meio), fato que permitiu conhecer melhor a cultura escolar, seus agentes, seu modo de funcionamento, assim como deixou que meu trabalho e compromisso fossem sobejamente conhecidos pelas professoras e pela equipe gestora.
– apresentação dos objetivos da pesquisa, assim como de todos os procedimentos metodológicos para o coletivo de professoras e equipe gestora, para não apenas melhor esclarecer a todos, mas também para verificar se estavam de acordo com o estudo e se desejavam propor mudanças ou sugestões.
(continua)
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 101
essas fossem formuladas a partir de uma
relação colaborativa entre pesquisadora e
equipe escolar. Assim, desenvolveu-se aqui
uma modalidade de formação continuada que
fosse interativa, analítica e construtiva, ou
seja, com base na interação professora-
pesquisadora na escola, identificaram-se os
problemas do processo de ensino e
aprendizagem. Esses, por sua vez, foram
cuidadosamente observados, analisados38 e
discutidos pelo par que, finalmente, sobre
eles refletiu e construiu uma alternativa que
lhes parecesse mais rica para tornar a prática
pedagógica em questão adequada às
necessidades dos alunos.
O rigor metodológico da modalidade em pauta residiu, justamente, na
identificação de indícios entre o que a professora fazia sozinha, sem ajuda nenhuma, no
início do processo (e, também, dos problemas que esse fazer apresentava), o que ela foi
capaz de fazer com o auxílio da pesquisadora e, finalmente, o que, ao final do processo,
a docente passou a realizar com segurança e sem necessitar de qualquer respaldo,
desenvolvendo uma nova e melhor prática pedagógica, que substitui aquela que,
inicialmente, parecia-lhe se não impossível, cheia de dificuldades. Com isso, o que se
verificou foi se o auxílio recebido da pesquisadora incidiu na zona de desenvolvimento
iminente, permitindo à professora passar de seu nível de desenvolvimento real para
outro, mais elevado e mais abrangente, de desenvolvimento iminente.
A figura a seguir ilustra bem como se deu a modalidade de formação em pauta:
38 A observação, análise e discussão sobre a fragilidade em questão deu-se, notadamente, por meio do procedimento de autoconfrontação simples quando a professora assistiu a uma de suas aulas videogravadas. Tal procedimento será mais bem esclarecido nos itens Clínica da atividade e Procedimentos metodológicos.
– realização de palestra e oficina, antes do início da pesquisa e em seu decorrer, oportunidades que levaram o corpo docente e os gestores a darem uma maior credibilidade ao trabalho da pesquisadora.
– presença da pesquisadora nos eventos realizados pela instituição: ao observar o envolvimento dos funcionários e da equipe gestora no processo de organização, preparação e realização dos eventos, muitos foram os aspectos que puderam ser apreendidos acerca da cultura escolar, do modo de funcionamento da instituição e, anda, das relações interpessoais.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 102
Figura 6 – A modalidade adotada nesse estudo de formação continuada de docentes: interativa, analítica e construtiva.
A decisão de elaborar uma modalidade de formação docente COM os
professores – e não PARA eles – levou-me a buscar inspiração na pesquisa-ação, já que
essa modalidade de pesquisa sempre teve, historicamente, a preocupação de solucionar
problemas específicos de uma organização, programa ou comunidade, atuando em
parceria com os sujeitos aí envolvidos e interessados na tarefa (PATTON, 2001). No
entanto, cabe fazer aqui uma ressalva: ainda que algumas das características e
pressupostos da pesquisa-ação pudessem ser aqui identificados, elas nem sempre foram
seguidas à risca, até porque, como bem acentuam Breakwell et al. (2010), não há
consenso sobre as características dessa modalidade investigativa, considerando sua
multiplicidade de raízes e campos de aplicação. Patton (2001, p. 184) faz, inclusive, um
alerta no tocante à terminologia da abordagem “qualitativa”, já que nomes como
pesquisa-ação, pesquisa participante e pesquisa colaborativa podem assumir
significados distintos e servir a diferentes propósitos.
3.5 A PESQUISA NA E SOBRE A AÇÃO
Para alcançar os objetivos do estudo em questão, algumas modalidades de
pesquisa poderiam servir como inspiração para elaborar o método aqui desenvolvido,
buscando dar respostas a uma demanda social mais próxima das necessidades de
populações menos abastadas. Pesquisas do tipo “ação”, “participante” ou mesmo
“colaborativa”, de modo geral39 implicam maior permanência e envolvimento do
39 Apesar de certa aproximação entre estes tipos de pesquisa é fundamental esclarecer que há variações nas definições, objetivos, pressupostos teóricos metodológicos e até mesmo procedimentos metodológicos entre elas e autores que as descrevem.
O que a professora passa a fazer diferente em relação à fragilidade inicial, porém com
maior segurança e autonomia
Por meio da interação professor e pesquisador
identificam uma fragilidade no processo de ensino-
aprendizagem.
A problemática no processo de ensino-
aprendizagem é observada, analisada e
discutida entre professora e pesquisadora.
Após analisada, professora e pesquisadora refletem sobre ela e constroem uma nova
alternativa para a vicissitude inicialmente apresentada.
O que a professora faz sozinha
O que a professora faz com auxílio da pesquisadora
Ponto de virada
Ponto de virada
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 103
pesquisador no e com o campo, demonstrando maior consideração pelo conhecimento
do outro, o qual, muitas vezes, se pauta pela experiência e pela tradição (FALS
BORDA, 1982), além de exigir mais disposição para, a todo o momento, planejar, agir e
refletir sobre as ações realizadas em conjunto com os atores escolares envolvidos. Desse
modo, esperava-se não apenas promover o aprimoramento da escola, mas, acima de
tudo, valorizar o conhecimento construído coletivamente, promovendo maior segurança
para implementar constantemente ações que pudessem promover a melhoria das
condições de aprendizagem. A escolha por uma modalidade de pesquisa foi motivada
basicamente pela possibilidade de melhor sistematização dos procedimentos
metodológicos descritos por Lewin (1948/1997), além de seu caráter pioneiro, ao
elucidar a pesquisa-ação em 1946.
Segundo Barbier (2007), o percurso da pesquisa-ação poderia ser dividido
essencialmente em dois períodos: 1) um primeiro, que surge nos EUA alguns anos antes
da segunda grande guerra e perdura até a década de 1960, e 2) outro, originado na
Europa e no Canadá, que se iniciou ao final dos anos 60 e perdura até os dias atuais. As
origens dessa modalidade de pesquisa não são precisas na literatura (BARBIER, 2007;
MASTERS, 1996), a despeito de serem nela indicadas várias experiências como
pioneiras nesta prática. O psicólogo alemão, naturalizado americano, Kurt Lewin,
parece ter sido, o primeiro a usar essa abordagem (KEMMIS e MCTAGGART, 1992;
BARBIER, 2007; MASTERS, 1996), ao conduzir inúmeros estudos envolvendo
comunidades abaladas pelos ideais antissemitas, inconformadas com a implantação de
usinas em regiões rurais, diante de uma mão-de-obra que não era nem adequada, nem
habituada ao tipo de serviço que agora deveria realizar (BARBIER, 2007). O mérito de
Lewin é de “permitir à pesquisa-ação apoiar-se na ação dos grupos e na necessidade de
fazer com que as pessoas participem na sua própria mudança de atitude ou de
comportamento num sistema interativo” (BARBIER, 2007, p. 29).
Poderia, neste momento, detalhar, aqui, os pressupostos históricos e filosóficos
desse tipo de pesquisa (MASTERS, 1996) ou especificar os distintos tipos de pesquisas-
ação descritos por Barbier (2007) ou Masters (1996). Entretanto, considerando que esse
método de pesquisa40 (THIOLLENT, 1996) serve apenas como inspiração para o
40
De acordo com Thiollent (1996), o método, semelhante à técnica, refere-se àquele que é empregado para a captação da informação social, enquanto a metodologia – como um metanível – é aquela que se ocupará em elucidar ou interpretar a informação colhida. Em outras palavras, essa última corresponde a
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 104
delineamento dos pressupostos metodológicos da investigação em pauta, limitar-me-ei a
introduzir apenas seus aspectos e características que são relevantes para o estudo.
Nas palavras de Thiollent (1996), a pesquisa-ação pode ser definida como:
[...] um tipo de pesquisa social com base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (p. 14)
Esse tipo de pesquisa demanda do pesquisador um papel ativo na solução das
problemáticas identificadas, assim como no acompanhamento e na avaliação das ações
desencadeadas (idem, p. 16). No entanto, apesar de exigir muito do estudioso, sua tarefa
maior é cuidar para que o processo de pesquisa se dê de maneira efetivamente
participativa, envolvendo as pessoas na situação pesquisada, algo que é tecido ao longo
da investigação. Adicionalmente, assegura o autor, é fundamental que no decorrer do
processo sejam produzidos conhecimentos e experiências que contribuam efetivamente
para avançar o debate acerca de questões cujas respostas são incertas ou precárias.
Ainda no que diz respeito às características desse tipo de pesquisa, Kemmis e
McTaggart (1992) elucidam que:
A investigação-ação é uma investigação participativa, colaborativa, que surge tipicamente da emergência de preocupações geralmente compartilhadas por um grupo [...] A preocupação temática define a área substantiva em que o grupo decide focar sua estratégia de aprimoramento. (p. 14)41
uma disciplina que se relaciona com a epistemologia ou a filosofia da ciência e tem como meta analisar as diferentes características dos métodos disponíveis, assim como ponderar suas capacidades, limitações e criticar as implicações de seu emprego. Posto isso: “[...] a pesquisa-ação não é considerada como metodologia. Trata-se de um método, ou de uma estratégia de pesquisa agregando vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com os quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa na captação de informação” (p. 25).
41 “La investigación-acción es una investigación participativa, colaboradora, que surge típicamente de la
clarificación de preocupaciones generalmente compartidas en un grupo. [...] La preocupación temática define el área sustantiva en la que el grupo decide centrar su estrategia de mejora. (p. 14) […] En la investigación-acción, nos proponemos lograr esto colectiva y colaboradoramente, considerando que se trata de un tema para la decisión consciente del individuo y del grupo. (p. 24 – grifos do autor). […] en la investigación-acción, los grupos trabajan juntos para cambiar su lenguaje, sus modos de acción y sus relaciones sociales y, de este modo, a su propia manera, prefigurar, anticipar y provocar cambios en el marco más amplio de las interacciones que caracterizan nuestra sociedad y nuestra cultura.” (p. 24 – grifos do autor)
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 105
[…] Na investigação-ação, propomo-nos a atingir [tal objetivo] coletivo e colaborativamente, considerando que se trata de um tema para a decisão consciente do indivíduo e do grupo. (p. 24 – grifos do autor)
[…] na investigação-ação, os grupos trabalham juntos para mudar sua linguagem, seus modos de agir e suas relações sociais e, deste modo, sua própria maneira, prefigurar, antecipar e provocar mudanças no marco mais amplo das interações que caracterizam nossa sociedade e nossa cultura. (p. 24 – grifos do autor)
Quando estendida para o campo educacional, Tripp (2005) descreve que a
pesquisa-ação:
[...] é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos [...]. (p. 446)
Fica claro, portanto, que de acordo com o entendimento desses autores, trata-se
de um método que, além de buscar alternativas para a solução de uma dada dificuldade,
mobiliza o trabalho colaborativo em grupo, tendo como objetivo central a
transformação. A vivência desse processo deve levar, sobretudo, a uma revisão de
conceitos, hábitos, concepções, valores e maneiras de se relacionar por parte de todos os
envolvidos, pois esses são aspectos constitutivos da cultura. A partir dessa perspectiva,
pode-se vislumbrar, em meu entender, uma possibilidade de se alcançar o processo de
reculturação42, ao qual Fullan (1982/2009) se refere.
A pesquisa-ação, tal como preconizada por Kurt Lewin (1948/1997), tem seu
desenvolvimento em forma espiralada, envolvendo basicamente cinco etapas:
• Identificar problema ou questão a ser investigada.
• Elaborar um “plano geral” para solucionar tal problemática.
• Planejar o 1º passo deste “plano geral”.
• Executar o plano.
• Avaliar os resultados.
42
Para maiores esclarecimentos, consultar página 52.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 106
Ao finalizar o primeiro ciclo, retomam-se os resultados, ponderando-se o que foi
atingido para, então, elaborar as estratégias do passo 2 ou segundo ciclo da espiral. A
figura 7 ilustra esse processo.
Figura 7 – Esquema de funcionamento da pesquisa-ação inspirado em Lewin (1948/1997).
Averiguar a realidade a ser pesquisada cumpre quatro funções: a) avaliar a ação,
revelando o que ficou além ou aquém das expectativas; b) oferecer, aos envolvidos no
processo, a oportunidade de aprender, revendo a robustez e/ou a fragilidade das técnicas
e estratégias empregadas na ação; c) servir como base para refletir e corrigir o que se
revelou ineficaz, para não se repetir os mesmos problemas, na próxima etapa; e d) atuar
como base para modificação do “plano geral”.
Ao conduzir uma pesquisa-ação no contexto de um programa de
desenvolvimento profissional de professores de Ciências, Rosa e Schnetzler (2003)
mencionam que o método empregado não apenas procura envolver as pessoas
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 107
(revelando, por exemplo, a importância de relações solidárias), como também pretende
ser uma alternativa para a “construção de uma tradição educacional de produção do
conhecimento” (p. 32). Corey (1957) já chamava a atenção para esse aspecto: há
maiores chances de êxito na mudança do comportamento do professor, quando elas
decorrem de uma investigação/trabalho conjunto, no qual ele está envolvido. Corey
especifica bem o que pretendeu dizer, no trecho abaixo:
A leitura de pesquisas tradicionais, conduzidas por uma pessoa qualquer e que descreva meninos e meninas em geral, pode ajudar se ele [professor] identificar alguma relação entre os resultados da pesquisa e os problemas que está enfrentando. De mil professores que podem ouvir sobre os resultados de um estudo básico da leitura, por exemplo, alguns, cuja experiência pessoal corrobora esses resultados, estarão prontos para aplicá-los. (...) Estas mudanças na prática, no entanto, são mais prováveis de ocorrer se decorrem de inquérito em que o professor está envolvido e são baseadas em evidências que ele ajudou a adquirir e interpretar em suas tentativas de resolver um problema importante para ele. (p. 9)
Segundo Maldaner (apud ROSA e SCHNETZLER, 2003), algumas condições
são centrais para que se estabeleça uma parceria entre pesquisador e escola, nos moldes
da perspectiva colaborativa:
1. contar com professores motivados e dispostos a participar da proposta, de
modo que lutem por momentos e espaços adequados para a condução do
processo;
2. dispor de uma produção acadêmica que, elaborada ao longo do processo, se
dê a partir das práticas e saberes no agir, tendo as teorias pedagógicas como
respaldo e não como um objetivo a ser atingido;
3. pensar e rever estratégias constantemente, no decorrer da investigação pelo
grupo;
4. manter o grupo comprometido e engajado;
5. fazer com que o processo investigativo conduzido pelo professor se torne,
paulatinamente, parte de seu fazer docente;
6. discutir as questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem
tendo, como objetivo maior, alcançar uma prática pedagógica comprometida
com um ensino de boa qualidade para os educandos, com os docentes
posicionando-se de modo crítico diante de políticas educacionais que nem
sempre proporcionam o que há de melhor para o ensino e a aprendizagem;
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 108
7. promover a necessária interlocução entre universidade e ambiente escolar,
com o currículo e as situações escolares tornando-se objetos de constante
reflexão e transformação.
Ao conduzir uma investigação nos moldes da pesquisa-ação, Rosa e Schnetzler
(2003) defendem que “[...] o sucesso da investigação educativa conduzida por agentes
externos não se avalia em função da quantidade de experiência e trabalho que os
professores conseguiriam realizar a favor da literatura, mas, sim, em função da
contribuição para a melhoria educativa nas situações reais e concretas da prática
pedagógica” (p. 31). Ainda, segundo as autoras, o pesquisador universitário não pode
perder de vista “[...] a valorização da conversão dos professores em investigadores de
suas próprias práticas” (p. 31).
No que tange à atuação do pesquisador universitário, Tripp (2005) salienta,
especificamente, a importância de uma “pesquisa-ação de primeira ordem e de segunda
ordem”. Com isso, o autor quer dizer que, ao conduzir o processo de investigação junto
com professores colaboradores, o pesquisador deve verificar, em uma primeira instância
(ou 1ª ordem), se os ciclos e ações empreendidos contribuem para a elaboração de
alternativas que “solucionem” a problemática identificada. Entretanto, como seu papel
não se esgota nessa tarefa, é igualmente importante avaliar, sistematicamente, nesse
processo, a maneira como conduz a investigação, a forma como envolve os participantes
(permitindo que eles contribuam na pesquisa e valorizando as contribuições oferecidas),
para que todos os participantes ganhem em autonomia, comprometendo-se em
modificar o status quo. Essas instâncias entrelaçam-se nesse método de pesquisa e estão
diretamente relacionadas aos resultados do estudo.
Pesam, no método acima descrito, inúmeras críticas sobre seu rigor
metodológico, indagando-se qual é a natureza da “transformação” que este tipo de
pesquisa se refere. Barbier (2007) esclarece que o rigor metodológico desse tipo de
pesquisa “repousa na coerência lógica, empírica e política das interpretações propostas
nos diferentes momentos da ação” (p. 60). Thiollent (1996), por sua vez, elucida que,
em se querendo promover transformações no real, é preciso ter muita clareza e
objetividade, no que diz respeito às inter-relações das três instâncias envolvidas: grupos
e indivíduos, instituições e sociedade global. Segundo ele, ao esclarecer como as
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 109
relações são vistas e estabelecidas, bem como com quais objetivos, ilusões grandiosas
quanto às possibilidades de se obter transformações na realidade, que negligenciem o
caráter local e histórico, bem como o envolvimento de um pequeno grupo de pessoas,
passam a ser mais bem aquilatadas.
Em síntese, considerando que sob o guarda-chuva “pesquisa-ação” abrigam-se
inúmeras vertentes e propósitos, é fundamental que a avaliação dos resultados obtidos
por meio delas leve em conta justamente este aspecto: a diversidade de correntes e
objetivos (ANDRÉ, 2001a). Adicionalmente, como esclarece Dadds (apud ANDRÉ,
2001a), investigação-ação – diferentemente de outros tipos de pesquisa – pode ser mais
bem avaliada a partir dos seguintes critérios: a) a natureza do conhecimento construído
na investigação; b) a qualidade do texto produzido; c) o impacto dos novos
conhecimentos, assim como da pesquisa, no desenvolvimento profissional do
pesquisador; d) a qualidade da colaboração alcançada no decorrer do processo e – eu
adiciono aqui mais um último item – e) o impacto do conhecimento e da pesquisa sobre
a situação problemática e sobre a prática profissional dos professores envolvidos.
Finalmente, entre os desafios de pesquisas como essas está a superação de
contraposições ou dicotomias entre objetividade e subjetividade, sendo legítimo valer-se
de ambas para orientar reflexões, ações e até mesmo análises. Nesse sentido é
importante retomar a segunda e a décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach,
respectivamente:
A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo. (MARX, 1845, pp. 69-72, grifos do autor)
Se a prática alicerça o pensamento, ela, em contrapartida, não se descola da
teoria. Desse modo, é na e pela prática que vivemos as contradições a serem superadas
e, portanto, refletidas e transformadas, algo que requer mediações teóricas, ou nas
palavras de Miranda e Resende (2006) “deve-se, [...], estar atento para que o imperativo
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 110
de transformação da realidade social não implique a perda da mediação teórica na
apreensão dessa realidade” (p. 616).
Os aspectos acima arrolados e o delineamento do método da investigação
seguido nessa pesquisa, articulam-se à solicitação da diretora da instituição.
Constantemente refletindo sobre as práticas educacionais de seus docentes e sobre como
elas poderiam atender melhor às necessidades dos educandos, a diretora reconhece na
parceria universidade/escola uma oportunidade para elaborar alternativas para as
dificuldades enfrentadas no dia a dia em sala de aula. Para ela, especialmente é a busca
e a construção conjunta de alternativas que possam aprimorar a Educação, como
sinalizado no trecho que se segue:
Diretora: Eu sinto falta das faculdades não terem... Não cursos, mas
momentos de interação, de discussão, sabe? De reflexão do ensino-
aprendizagem. Eu sinto falta dessa troca, entende? Do professor-
mediador, mas que nos trouxesse trocas. Não precisa chamar de curso,
porque infelizmente se tem que dar...
Pesquisador: [...] você diz assim... Um momento na faculdade...
Diretora: [...] na faculdade.
Pesquisador: [...] de ter uma palestra, mas assim, de ter uma palestra para
vocês participarem ou de ser um evento organizado para as equipes
gestoras da escola?
Diretora: Cursos mais específicos, no sentido dessa discutição das
relações interpessoais. O professor não tem, mas o psicólogo, por
exemplo, ele tem um orientador. Não é verdade que ele conta lá com um
psicólogo-orientador, que discute a terapia que ele faz com ele?
Pesquisador: Um supervisor!?
Diretora: Um supervisor! [...] O professor não tem! Então, ele se perde
nas questões dele, porque não tem [quem o ajude]. Ele não tem alguém
que o faça perceber que ele está no caminho certo ou que ele está no
caminho errado. Nós não temos! E, aí, a gente tenta montar isso dentro
da escola, sabe? Mas não é mesma coisa... Infelizmente, santo de casa
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 111
não faz milagre! Ajuda, mas não 100%. Então, às vezes [...] perceber que
o problema que eu passei, o outro também passou, só que eu, de repente,
tive um meio, uma experiência que vai poder ajudar o outro e o outro e o
outro... E, aí, lógico, é preciso entrar com os teóricos, nesse movimento.
Não aquela coisa assim: “Olha, você não quer? Então, tchau, vai embora!
Mas, se você quiser, você pode ficar!”. É uma questão de consciência
também, né? É muito difícil, mas eu acho que, se tivesse [algo próximo de
um supervisor], muitos iriam [consultá-lo]. Muitos iriam e se envolveriam.
Participariam. Pelo menos, eu sinto isso dos grupos que eu frequento […].
3.6 A CLÍNICA DA ATIVIDADE
Além dos procedimentos acima descritos, outro recurso que se utilizou na
presente pesquisa foi a imagem como suporte da observação. Ao gravar a execução das
atividades planejadas em diferentes momentos da pesquisa (relacionada às repetições
dos ciclos) e, posteriormente, discuti-las com a professora que as realizou, pretendeu-se
promover: 1) a reflexão sobre a atividade realizada, cotejando-a com o planejado, para
verificar se – e em que medida – os resultados corresponderam ou não às expectativas
que se tinha sobre eles; e 2) uma análise sobre outras maneiras de realizar a mesma
proposta, com a inserção de novas alternativas para auxiliar a transformação/superação
das dificuldades encontradas. Esse procedimento, no qual o professor participante e
pesquisador assistem ao conteúdo filmado e dialogam a respeito dele, denomina-se
autoconfrontação simples (ACS) (CLOT, 2006).
Ao adotar esses recursos, parte-se do
pressuposto que os sujeitos – sendo observados por
eles mesmos e pelo pesquisador ao exercer a
docência – venham a se tornar, eles mesmos,
observadores de seu próprio trabalho. Clot (2006)
acredita que é possível transformar a experiência
vivida, vivendo outras experiências. Assim, o
movimento de coletar imagens e observá-las tem
como foco proporcionar o desenvolvimento da
observação dos próprios sujeitos sobre sua atividade,
Após a filmagem das aulas contempladas
em um ciclo, a pesquisadora selecionava uma delas para comentar e a professora outra, evidentemente devendo a escolha ser justificada. Ambas assistiam às aulas, anotavam questões e comentários que seriam compartilhados na autoconfrontação simples, quando tanto uma quanto a outra teriam o controle sobre as cenas para comentar.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 112
oferecendo-lhes, ao mesmo tempo, outros recursos
ou novas condições de transformá-la. Esses são os
motivos que me levaram a adotar, entre meus
procedimentos metodológicos, a autoconfrontação
simples.
3.7 OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Diante do exposto, os procedimentos metodológicos desse estudo foram:
3.7.1 Selecionar:
3.7.1.1 – uma escola de Ensino Fundamental I preferencialmente pública,
que contasse com um coletivo de professores (grupo participante)
disposto a colaborar na pesquisa;
3.7.1.2 – um docente (professora participante) pertencente a esse grupo, que
se disponibilizasse a colaborar mais diretamente com a
pesquisadora, planejando, juntas, uma proposta de mudança na
prática pedagógica, a ser implementada e avaliada.
3.7.2 Promover um espaço de aproximação entre pesquisador, equipe gestora e
coletivo de professores que permitisse:
3.7.2.1 – realizar entrevistas com diretora e coordenadora para apreender
suas visões sobre educação e atividade docente, ficando, assim,
em melhor posição para compreender o método adotado pela
instituição e a prática pedagógica observada em sala de aula.
3.7.2.2 – realizar entrevista com o professor selecionado para apreender sua
visão sobre a prática pedagógica realizada em sala de aula, seus
méritos e entraves, de modo a alcançar subsídios que permitissem
compreender e situar melhor o problema.
3.7.2.3 – conhecer a história de vida do professor, tendo como objetivo
compreender o processo por meio do qual ele se constituiu como
docente, assim como os sentidos e significados que aloca à sua
atividade profissional;
O material não era submetido a qualquer processo de edição, tendo como hipótese que ao oferecer a oportunidade da professora apreciá-lo na íntegra poderia atentar e/ou passar a observar questões sequer aventadas pela pesquisadora.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 113
3.7.2.4 – propor um questionário de caracterização para os demais
professores integrantes do coletivo docente, para melhor
conhecer quem eram os participantes desse grupo, visto eles
também integrarem a atual pesquisa.
3.7.3 Filmagem de uma aula ministrada pela professora participante em uma
área do conhecimento a ser indicada43 por ela. Essa primeira filmagem teve
como propósito registrar como se configura essa atividade docente, quando
realizada sem qualquer auxílio, de modo a identificar seu nível de
desenvolvimento real, quanto ao exercício da docência naquele conteúdo
particular de ensino.
3.7.3.1 – professora participante e pesquisadora assistiram
individualmente44 à filmagem da atividade realizada e anotaram
os pontos que gostariam de conversar na autoconfrontação
simples (ACS).
3.7.3.2 – realização da autoconfrontação simples (1), quando pesquisadora e
professora participante discutiram os pontos selecionados.
Com professora e grupo participante
3.7.4 Ler e discutir textos sobre concepção de homem, desenvolvimento,
aprendizagem, planejamento e avaliação pautados nos pressupostos da
psicologia sócio-histórica, além de outros, nos quais se apresentou o
conceito de ‘comunidade profissional de aprendizagem’.
3.7.5 Solicitar à professora que conversasse com a turma de alunos, na tentativa
de verificar o que já sabiam sobre o conteúdo que seria ministrado no
bimestre. Essa etapa teve como objetivo identificar o nível de
desenvolvimento real dos alunos acerca da programação que lhe seria
ensinada.
Com a professora participante
43 Entre os aspectos a serem focados na mudança, Fullan (1982/2009) recomenda, entre suas estratégias, focar inicialmente nos três elementos básicos: alfabetização, matemática e bem-estar dos educandos. Daí a justificativa para propor à professora que a investigação tenha como foco uma dessas áreas do conhecimento. 44 Foi feita uma cópia em DVD e oferecida à docente.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 114
3.7.5.1 – Planejar atividades diversificadas para ensinar o conteúdo previsto.
3.7.5.2 – Concomitantemente, elaborar, em parceria com a professora, uma
avaliação na área de conhecimento que foi por ambas trabalhada,
de modo a verificar a aprendizagem dos alunos, após a realização
do conjunto de atividades.
3.7.6 Executar as atividades planejadas e filmá-las. Após realizá-las, solicitou-se
(e filmou-se) o depoimento dos educandos sobre as propostas realizadas45.
Ao término dessa etapa, foi aplicada uma avaliação para identificar o que
os alunos aprenderam. Adicionalmente, pesquisadora e professora
assistiram às aulas filmadas (individualmente) e anotaram os pontos que
gostariam de conversar na ACS 2. Essas filmagens tiveram como objetivo
registrar a atividade da professora planejada com o auxílio da
pesquisadora.
3.7.7 Realização da ACS 2 e seleção dos pontos que seriam compartilhados com
o grupo participante.
Com professora e grupo participante
3.7.7.1 Nesta oportunidade, professora expôs para o grupo como transcorreu
esse primeiro ciclo, apontando facilidades, problemas e dúvidas
surgidas em seu decorrer, com o objetivo de levar o grupo a discutir
o processo de ensino-aprendizagem. Caso surgisse a necessidade de
conhecer algum conceito que pudesse contribuir para aprimorar a
prática pedagógica, pesquisadora e professoras poderiam vir a
formar um grupo de estudo, debruçando-se sobre um determinado
assunto. Central, nessa etapa, foi o fortalecimento do grupo como
membros ativos de uma ‘comunidade profissional de aprendizagem’,
na qual todos tomaram conhecimento de questões do processo de
ensino-aprendizagem vivido por seus colegas46, refletindo e
45 Ao solicitar o depoimento dos educandos, tem-se como objetivo valorizar a opinião discente diante da proposta, vislumbrando, de alguma maneira, reduzir o hall de estudos que tratam sobre os processos de ensino-aprendizagem sem consultar uma parte importante: o aluno (FULLAN, 1982/2009). 46 Embora na comunidade profissional de aprendizagem todos expõem as questões que vivem em relação ao processo de ensino-aprendizagem, aqui o foco recaiu sobre a professora participante, por questões de tempo. Entretanto, é evidente que, em alguns momentos, ao discutir o processo de ensino-aprendizagem da docente em questão outros aspectos das colegas participantes puderam ser debatidos.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 115
construindo, em conjunto, alternativas para aprimorá-lo
constantemente.
Com a professora participante
3.7.8 A partir dos resultados apontados na ACS 2, na avaliação e no encontro
coletivo, planejou-se reforço contínuo para os alunos que não se
apropriaram do conteúdo mínimo, necessário para seguir adiante com
sucesso e, ainda, elaboramos atividades para a turma avançar na
construção do conhecimento.
3.7.9 Executar as atividades planejadas e filmá-las, obtendo, ao final de cada
uma, o depoimento dos educandos. Após realizá-las, nova avaliação foi
elaborada e proposta aos alunos. Tal como na etapa anterior, pesquisadora
e professora participante assistiram às aulas filmadas e anotaram os pontos
sobre os quais gostariam de discutir na ACS 3.
3.7.10 Realização da ACS 3 e seleção dos aspectos que foram compartilhados
com o grupo participante.
Com professora e grupo participante
3.7.11 Nessa ocasião, a professora participante apresentou para seus colegas
como se deu o segundo ciclo, comentando seus avanços, retrocessos e
dúvidas para que todos pudessem, novamente, discutir e refletir sobre
estratégias que enriquecessem o processo.
Com a professora participante
3.7.12 A partir dos resultados apontados na ACS 3, na avaliação da turma e no
encontro coletivo, planejou-se novo reforço para aqueles que não se
apropriaram do conteúdo mínimo e, concomitantemente, elaborou-se
atividades para que todos os alunos pudessem avançar na construção do
conhecimento.
3.7.13 Executar as atividades planejadas e filmá-las, obtendo, ao final de cada
uma, o depoimento dos educandos. Após realizá-las, nova avaliação foi
proposta aos alunos. Tal como na etapa anterior, pesquisadora e
professora participante assistiram às aulas filmadas e anotaram os pontos
que gostariam de discutir na ACS 4.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 116
3.7.14 Realização da ACS 4 e seleção dos aspectos compartilhados com o grupo
participante. Finalizada essa etapa, a pesquisadora conversou com a
professora, buscando conhecer como ela avaliou o processo vivido na
pesquisa, a atuação da pesquisadora e, também, dar-lhe uma devolutiva
de como ela foi percebida.
Com a professora e o grupo participante
3.7.15 Este momento teve como objetivo central a realização de uma avaliação
do processo engendrado pelo estudo, de modo que professora, grupo
participante e equipe gestora analisassem, com base nos relatos da
professora, das avaliações e depoimentos dos educandos e dos encontros
coletivos, a totalidade do processo como um recurso para a formação
continuada do grupo em questão. Apresento, a seguir, o esquema dos
procedimentos metodológicos propostos:
Figura 8: Esquema do fluxograma da pesquisa.
Fluxograma da pesquisa
1. Filmagem de aula, cujo planejamento não
teve o auxílio da pesquisadora e
realização da ACS 1.
3. Conversa com os alunos para identificar
o que sabem sobre conteúdo que será
ministrado.
4. Planejamento de atividades
diversificadas.
7. Realização de avaliação para verificar
o que os alunos aprenderam + ACS 2
2. Leitura e discussão de textos sobre: concepção de homem, de aprendizagem e
de desenvolvimento numa perspectiva Sócio-Histórica, além de planejamento, avaliação e de comunidade profissional
de aprendizagem.
5. Realização das atividades planejadas com a pesquisadora,
filmagem e depoimento dos educandos.
8. Exposição do processo para o grupo, discussão
sobre os resultados e questões que emergiram ao
realizá-lo e sobre como continuá-lo.
9. Planejar reforço contínuo e, concomitantemente, atividades para a turma
avançar na construção do conhecimento.
10. Realização das atividades planejadas,
filmagem e depoimento dos educandos.
11. Realização de nova avaliação para verificar
o que os alunos aprenderam + ACS 3
6. Elaboração de uma avaliação para identificar
a aprendizagem dos alunos sobre o conteúdo
ministrado.
12. Exposição do processo para o grupo, discussão
sobre os resultados e questões que emergiram
ao realizá-lo e sobre como continuá-lo.
13. Repetir etapas 9,10 e 11 (ACS 4)
14. Avaliação final do processo com
pesquisadora, professora, grupo participante e equipe
gestora.
LEGENDA
Encontros com o grupo participante
Encontros com a professora participante
Etapa sem filmagem
Fim do ciclo
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 117
3.8 MATERIAL PARA ANÁLISE
O quadro 2, abaixo, ilustra o conjunto de informações obtidas após a realização
dos procedimentos acima arrolados, para responder os objetivos da pesquisa. Uma vez
alcançadas essas informações, a análise buscou identificar os indícios de mudança na
atividade da professora, mapeando três momentos: 1) imediatamente antes de receber
o auxílio da pesquisadora para planejar, executar e avaliar suas atividades; 2) ao ser
auxiliada pela pesquisadora a realizar essas diferentes modalidades de sua atividade; e
3) ao realizar sozinha, de forma autônoma, uma proposta de ensino na área do
conhecimento em que foi ajudada pela pesquisadora, verificando se ela conseguiu
atingir um novo NDR, incorporando o que antes só fazia com a ajuda de outro
(pesquisador) ao seu próprio repertório. Certamente, o leitor não se deparará com um
percurso linear de análise e, sim, com um constante movimento em que estas
informações foram convocadas a materializar os indícios das mudanças buscadas e,
quiçá identificadas, nesses três momentos centrais. Nesse sentido, elas não seguem a
ordem cronológica em que se deram.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 118
Quadro 2 – Dados para a análise
Procedimentos Cronograma Foco Processo
equipe gestora (diretora e
coordenadora pedagógica)
Gravar, transcrever e submeter à apreciação dessa.
Realizar uma entrevista no início do projeto e outra no
fim
Falas, gestos e demais expressões que permitam obter mais informações sobre como pensam o processo de ensino-
aprendizagem ( início do projeto) e saber como avaliam o estudo realizado, assim como
críticas, sugestões e demais impressões (final do projeto)
Identificar elementos que contribuam para uma melhor avaliação da modalidade de
formação continuada desenvolvida durante o estudo
professora Gravar, transcrever e submeter
à apreciação dessa.
Realizar uma entrevista no início do projeto e outra no
fim
Falas, gestos e demais expressões que permitam obter mais informações sobre o que a
levou optar pela docência e como pensam o processo de
ensino-aprendizagem ( início do projeto ) e saber como avalia seu processo durante o estudo realizado, assim como críticas, sugestões e demais impressões
(final do projeto)
Identificar elementos que contribuam para uma melhor avaliação da modalidade de
formação continuada desenvolvida durante o estudo
Conversar com as crianças e filmar estes momentos
Algumas propostas e ao final do estudo
Falas, gestos e demais impressões sobre as propostas
realizadas
Verificar como os alunos vivenciaram as atividades
propostas
Videogravar os encontros e anotar seu conteúdo central no
diário de campo
Realizá-los frequentemente para: 1) planejar o que os
alunos já sabem sobre dado conteúdo; 2) elaborar as
propostas a serem realizadas em sala; 3)
planejar as avaliações e os encontros coletivos
falas que expressem sua concepção de ensino-
aprendizagem e se essa demonstra indícios de mudança
Verificar se e como a professora se apropria da
fundamentação teórica discutida com a pesquisadora; identificar possíveis indícios de mudanças
na atividade docente
Videogravar todas as propostas realizadas com os educandos que
estejam relacionadas com o projeto de pesquisa; datar as
gravações e anotar o ocorrido, dúvidas, hipóteses e demais
observações no diário de campo
Todas as aulas de Língua Portuguesa realizadas no
período da pesquisa
Falas, diálogos, interações e dinâmicas que contribuam para
melhor entender como a docente está lidando com a
diversidade de experiências e ritmos de aprendizagem no
processo de ensino-aprendizagem
Verificar se e como a professora se apropria da
fundamentação teórica discutida com a pesquisadora; identificar possíveis indícios de mudanças
na atividade docente
Videogravar todos os encontros; datá-los e anotar no diário de
campo as razões para a escolha de determinada atividade para
conversar, assim como os principais pontos destacados
nestas ocasiões - quando se vê em atividade
Realizá-los ao final de cada ciclo
Falas, expressões e sentimentos demonstrados ao se ver em
atividade, assim como ao pensar sobre a proposta
Verificar como a professora se sente diante do procedimento; as
reflexões engendradas, assim como as possíveis alternativas aventadas para a realização de
futuras propostas
Videogravar estes encontros, assim como anotar no diário de
campo os principais pontos destacados pelo grupo
(sugestões, críticas etc.) em relação ao processo desenvolvido
com a professora
Uma vez por mêsFalas, interações, diálogos e
discussões engendradas a partir do material apresentado
Averiguar se e como o grupo contribui com o processo de
formação contínua da professora voluntária e como entendem esta
modalidade como alternativa possível de formação continuada
para eles também
Encontros coletivos
Depoimentos dos educandos
Coleta Análise
Entrevistas
Planejamentos de atividades, reforços,
encontros coletivos e avaliações com a
professora
Propostas realizadas com os educandos em sala de
aula
Autoconfrontação
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 119
3.9 O LOCAL DE PESQUISA
A intenção primeira era selecionar
uma escola da rede pública, tendo em vista o
compromisso da pesquisadora não somente
com a construção do conhecimento
científico, mas, também, com a
transformação da realidade social.
Entretanto, como já previamente descrito na
introdução desse trabalho, a partir de um
encontro casual, precisamente, em uma
palestra que ministrava, tive a oportunidade
de conhecer uma diretora de escola de
educação básica que estava disposta a
acolher a pesquisa, sobretudo, em razão de
seu principal objetivo: a formação de
professores. Esse aspecto somado à aprova-
ção da gestora em relação ao método da pesquisa – principal fragilidade, já que envolve
filmagem – teve acentuada relevância sobre minha decisão de coletar os dados em uma
instituição privada.
Quando confirmada a realização da pesquisa na instituição, iniciaram-se
observações semanais no local, com início em 20 de agosto de 2010. Considerando a
alteração dos objetivos iniciais da investigação (em função da demanda apresentada
pela instituição), as observações tiveram como foco as salas de aula que contavam
com alunos indicados pela instituição. De agosto a dezembro de 2010, foram
observadas três classes diferentes, sendo elas de 1º, 3º e 4º anos. Nesse período, a
pesquisadora não permanecia em todas as salas em cada visita: concentrava-se em
apenas uma durante o mês.
3.9.1 A CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO PESQUISADA47
Inaugurada em 1993, a instituição oferecia, inicialmente, somente a Educação
Infantil. No entanto, com o aumento da demanda por vagas, paulatinamente, foi 47 Informações extraídas do Plano Anual de 2010 da instituição pesquisada.
Desde a primeira visita à instituição, tive uma impressão agradável do local. A instituição, muito cuidada e limpa, transmite, desde sua entrada, uma preocupação em valorizar os trabalhos feitos pelos alunos. Passeando pela escola, podem ser vistos retratos a carvão, elaborados pelos alunos do 6º ano; pinturas sobre caixas de pizza delineadas pelos estudantes do 7º; e, ainda, a construção de brinquedos com materiais reutilizados, por parte da turma do 3º ano do Ensino Fundamental. Aos educandos é oferecido amplo espaço para se expressarem por meio de pinturas e desenhos, poesia e teatro. Fui muitíssimo bem acolhida. Quando cheguei à escola, pela primeira vez, a diretora e a professora (que me aguardavam para a entrevista) foram extremamente gentis. Nas demais visitas, foi possível perceber que havia, na instituição, um clima de respeito e consideração, revelado pela forma educada e cordial com que todos – gestores, professores, alunos e funcionários – se tratavam.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 120
ampliando seus serviços, de sorte que oferece, atualmente, da Educação Infantil até o
primeiro ano do Ensino Médio. A escola está situada na região leste, em um bairro cuja
densidade demográfica tem expandido em função da ocupação progressiva de novas
unidades habitacionais, adquiridas, notadamente, por famílias recém-formadas, algumas
ainda sem filhos e outras com filhos em idade pré-escolar. Na população local, não se
notam conflitos entre pessoas pertencentes a diferentes classes sociais, algo que se
justifica, possivelmente, pela forma como se deu a ocupação da região que, até quarenta
anos atrás, era essencialmente rural.
Atualmente, três grupos compõem a população da região: a) uma minoria de
moradores pioneiros, habitantes da região desde quando ela era dominada por atividades
agropecuárias; b) uma considerável parcela de moradores que adquiriu lotes e construiu
neles sua residência, adotando os mais distintos moldes e padrões, a depender dos
recursos financeiros disponíveis; e, finalmente, c) os mais novos moradores, pessoas
atraídas pela oferta de novas unidades habitacionais, construídas por meio de recursos
públicos ou privados. De acordo com o plano anual de 2010, a instituição preza pela
constante preocupação e consideração às características de sua comunidade, atentando
para suas origens, necessidades, experiências, conhecimentos, linguagens e forma como
as relações familiares são estabelecidas, na tentativa de realizar um trabalho voltado
para o exercício da cidadania. Ainda nessa direção, o documento expressa que a
proposta da escola procura contemplar atividades que extrapolem o espaço da sala de
aula, oferecendo experiências variadas, relacionadas às diferentes temáticas do mundo
atual.
3.9.1.1 OS OBJETIVOS DA INSTITUIÇÃO
– Objetivos gerais
Em consonância com o artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, a
instituição tem como meta:
[...] o pleno desenvolvimento do educando nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, assegurando-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania, fornecendo-lhe os meios para progredir em estudos posteriores e no trabalho, como reza o artigo 22 da referida lei.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 121
Para tanto, anuncia no Plano Anual, sua preocupação com o prazer em aprender,
por meio de uma proposta educacional problematizadora, que valorize o pensamento e a
iniciativa própria. Esse processo é realizado por meio do diálogo crítico entre os atores
da ação pedagógica, considerando sempre as necessidades e possibilidades de ampliar e
criar novas experiências para os alunos, articular o saber organizado entre si e ainda a
teoria à prática. Consta, desse mesmo documento, que cabe à instituição o papel de
complementar o papel da família, estabelecendo com ela uma parceria na tarefa
educativa, de modo a oferecer condições que favoreçam o desenvolvimento de uma
elevada autoestima e de uma adequada socialização para os educandos.
Objetivos gerais do Ensino Fundamental
Em relação aos objetivos estabelecidos para o Ensino Fundamental, seja nas
séries iniciais ou finais, a instituição preocupa-se em garantir a aquisição do
conhecimento escolar, promovendo a possibilidade de os alunos o incorporarem em
suas experiências sociais e culturais, ampliando, desse modo, a compreensão da
realidade e as possibilidades de transformá-la. Para a realização dessa meta, defende que
se desenvolvam, junto aos alunos, os seguintes aspectos:
• compreensão da cidadania como participação social e política,
com exercício de direitos e deveres;
• posicionamento crítico diante das mais diversas situações sociais,
utilizando o diálogo como meio de resolver entraves e decisões
coletivas;
• conhecimento das características de nosso país e do mundo, em
suas dimensões sociais, culturais e materiais, para que se possa
formar, paulatinamente, a identidade como cidadão brasileiro e do
mundo;
• valorização e respeito à diversidade social, cultural, étnica e
econômica das pessoas, posicionando-se contrários a qualquer
forma de preconceito e discriminação;
• promoção do entendimento de que se é integrante e, ao mesmo
tempo, agente transformador do ambiente, contribuindo para seu
aprimoramento;
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 122
• confiança nas próprias possibilidades e um sentimento positivo
em relação a si mesmo e ao Outro, para que se formem e se
fortaleçam vínculos sólidos entre as pessoas, levando à amizade e
à busca conjunta por melhores condições de vida para todos;
importância e necessidade de conhecer e de cuidar do próprio
corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis de vida;
• emprego de diferentes linguagens – verbal, não-verbal, gráfica,
plástica, matemática e corporal – para produzir, expressar e
comunicar ideias, bem como interpretar e usufruir das produções
culturais, nos mais diversos meios e situações;
• utilização de distintas fontes de informações e recursos
tecnológicos para se apropriar do conhecimento;
• incentivos ao questionamento permanente da realidade,
formulando problemas e buscando resolvê-los pelo raciocínio
lógico, criatividade, intuição e análise crítica, selecionando
adequadamente os procedimentos necessários e avaliando se – e
em que medida – eles permitem atingir os fins esperados;
• oferta de uma prática educativa que valorize o pensamento lógico
e organizado, o posicionamento crítico, o diálogo e a conduta
autônoma para o exercício de uma cidadania responsável;
– A Organização Curricular
Em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases no 9.394/96, a organização
curricular da instituição conta, no Ensino Fundamental, com uma base comum de
disciplinas e, também, com uma parte diversificada, sendo essa segunda a critério da
escola. O quadro a seguir apresenta, de maneira sucinta, a proposta curricular:
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 123
Quadro 3 – Organização curricular da instituição para o Ensino Fundamental
De acordo com o Plano anual da instituição escolar, a avaliação é considerada
um diagnóstico da aprendizagem e do desenvolvimento dos educandos na relação com
os educadores, ferramenta importante para a reflexão para planejar ações mais eficazes
para o processo educativo. Desse modo, a avaliação tem como meta observar: a) o
desenvolvimento do educando continua e cumulativamente, prevalecendo os aspectos
qualitativos sobre os quantitativos; b) o aproveitamento concluído com êxito, quando da
transferência de escola; c) a diversificação de instrumentos de avaliação, de modo que
se possa apreender o processo de ensino-aprendizagem, sem perder de vista o
desenvolvimento de habilidades e competências. No que tange aos objetivos, espera-se,
por meio da avaliação: 1) diagnosticar a situação de aprendizagem do educando para
elaborar as metas norteadoras da ação pedagógica; 2) tomar conhecimento dos
progressos e dificuldades dos alunos em relação ao trabalho desenvolvido; 3) fornecer
aos educadores elementos para que possam refletir sobre o trabalho realizado,
tendo em vista o replanejamento; 4) permitir que o próprio educando verifique suas
conquistas e entraves, no processo de apropriação, construção e reconstrução do
conhecimento; e, finalmente, 6) fundamentar as decisões sobre a aprovação/reprovação
do educando.
Linguagem e gramática informática
Produção e entendimento de texto
musicalização criativa
Números e operaçõesOutras atividades
físicas, intelectuais ou de socialização
projeção de desenhos, dramatizações, feira cultural,
excursões, passeios a pé pelo entorno da escola, etc
Espaço e forma
Tratamento das informações
Introdução
Brasil
Geral
Disciplinas oferecidas na Parte Diversificada
Atividades integradas às
diferentes disciplinas
Disciplinas oferecidas na Base Comum
Língua Portuguesa
Matemática
Cinema na escola
História
Educação Física
Geografia
Ciências
Aulas temáticas
Arte Páscoa
Filosofia
Lingua Espanhola
Consciência negra
Lingua Inglesa
Projetos interdisciplinares
Festa da família
Festa junina
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 124
A avaliação, para a Educação Infantil e para o primeiro ano do Ensino
Fundamental, consiste em um relatório descritivo, sem objetivo de aprovar (ou não) os
alunos; seu principal intuito é apontar as principais conquistas e dificuldades
apresentadas no processo de ensino-aprendizagem. Nas demais séries do Ensino
Fundamental, as avaliações são escritas, contínuas e cumulativas, ocorrendo ao final de
cada bimestre. As notas atribuídas podem variar de 0 a 10, sendo responsabilidade do
docente que ministra a disciplina. Além dessa avaliação formal, a nota que compõe a
média final também leva em conta fatores atitudinais, procedimentais e conceituais.
Caso não atinja a média anual no valor igual ou superior a 6,0, o educando será
convocado a realizar estudos intensivos, que abrangerão todo o conteúdo ministrado no
decorrer do ano letivo.
– O Material Didático
O material didático adotado pela instituição é elaborado por um grupo de
destaque na área educacional no Brasil. O conjunto de livros adotado no Ensino
Fundamental (do 1º ao 6º ano) tem como característica a integração de todas as áreas do
conhecimento em um só livro por bimestre, ainda que cada parte do material seja
reservada a uma área do conhecimento. Desse modo, ao longo do ano, é utilizada uma
média de quatro livros por série. De acordo com informações extraídas no próprio site
desse sistema de ensino, os livros incidem em:
Fonte: site do sistema de ensino responsável pela produção do material didático adotado pela instituição. Acesso em: 12 dez. 2010.
– Os Recursos Humanos
No âmbito administrativo, a instituição é composta por 14 funcionários: diretora
pedagógica, diretor administrativo/secretário escolar, coordenadora pedagógica,
assistente de direção, coordenadora de secretaria, dois assistentes administrativos, dois
Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, Matemática, Identidade e Autonomia
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Filosofia*, Geografia, Artes e Língua Inglesa
1º ano
2º ao 5º ano
* Introduzida gradativamente ao longo dos anos.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 125
assistentes de secretaria, auxiliar administrativo, coordenador de serviços gerais,
encarregado da manutenção, 2 auxiliares de serviços gerais. No que diz respeito ao
quadro de professores, a escola conta com vinte e um docentes, distribuídos da seguinte
maneira: um professor de história e filosofia, oito professoras de 1º ao 6º ano, uma
encarregada de creche, uma recreacionista, um professor de matemática, um de
espanhol, um de arte, um de inglês, um de geografia, um de ciências, um de língua
portuguesa, um de informática, um de educação física e balé. É válido salientar que,
entre os especialistas, todos contam com licenciatura na área em que lecionam e, no
tocante às professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, todas possuem
magistério e cursam Pedagogia ou se graduaram nesse último nível de ensino.
O Plano Anual, ao apontar a necessidade de atualização e aperfeiçoamento
profissional, revela que todos os funcionários da instituição escolar, dos diretores
administrativo e pedagógico ao pessoal de apoio e administrativo, “devem interagir no
processo de implementação e manutenção da proposta pedagógica, que exige um
comportamento de reflexão, questionamento e atualização constante”. Há, ainda,
preocupação com a coerência entre discurso e prática, já que as ações são observadas
pelos educandos e, muitas vezes, acatadas por eles como modelo de conduta. Assim,
engajada na crescente importância da qualificação profissional, a instituição apresenta o
seguinte Plano de Atualização e Aperfeiçoamento Profissional:
Quadro 4 – Plano de Atualização e Aperfeiçoamento Profissional institucional48
Durante o período que permaneci na instituição, observei que, no início de cada
semestre, antes de as aulas começarem, além dos encontros para planejamento,
48 O termo institucional foi empregado para ser fidedigno ao plano diretor da instituição escolar.
atividade frequencia participantes
Reunião Pedagógica bimestral direção, coordenação e professoresDiscussões sobre textos de publicações especializadas
nas reuniões pedagógicas e durante o planejamento
direção, coordenação e professores
Palestra de profissionais da área educacional e afins
nas reuniões de pais e mestresdireção, coordenação, professores, pessoal
de apoio e pais de alunosCursos de atualização
profissionalbimestral
direção, coordenação, professores, pessoal de apoio administrativo e operacional
Participação em Congressos, Seminários, Feiras e Exposições
sempre que possível direção, coordenação e professores
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 126
encontros eram propostos aos professores para refletirem sobre questões ou dúvidas
recorrentes em suas práticas cotidianas. O planejamento e condução desses encontros
ficavam, mais frequentemente, sob a responsabilidade da coordenadora pedagógica ou
de algum profissional convidado, como foi o caso de uma fonoaudióloga, que discutiu
problemas relacionados ao processamento auditivo central. No entanto, além desses, a
equipe gestora também valorizava o conhecimento e a experiência do professor,
convidando-o seja para expor aos colegas o conhecimento adquirido em um curso, seja
para apresentar melhores estratégias para trabalhar com um dado recurso pedagógico.
Tais situações podem ser ilustradas com a exposição sobre alguns conceitos de
psicomotricidade e de material dourado, respectivamente.
Além dos encontros no início do semestre e pelo menos uma vez por mês, a
equipe gestora e o grupo de professores se encontravam. As pautas dessas reuniões
variavam conforme a demanda dos docentes, da equipe gestora, ou mesmo do
calendário escolar. Com isso, o mote destas ocasiões levava em conta desde
necessidades que os professores apresentavam até a realização de um evento que
demandasse planejamento.
– Os Recursos Materiais
Para melhor visualização dos espaços disponíveis na instituição, o quadro 5
organiza esta informação:
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 127
Quadro 5 – Descrição do espaço da instituição observada
As instalações acima arroladas distribuíam-se, essencialmente, em duas casas e
um terreno (onde funcionava a recreação da Educação Infantil e o estacionamento).
Uma das casas servia, inicialmente, de residência aos atuais diretores; a outra casa e o
terreno são alugados. Nota-se que o espaço vem sendo frequentemente submetido a
reformas, construção e/ou adaptações para atender à demanda que cresce, nestes últimos
anos. A despeito dos transtornos ocasionados pelas muitas modificações, a questão do
espaço foi, pelo menos provisoriamente, sanada, até o momento em que a pesquisadora
estava em campo, o local tinha esgotado suas possibilidades de ampliação para
acomodar o número crescente de alunos.
3.10 A EQUIPE GESTORA (DIRETORA E COORDENADORA)
Diretora e coordenadora da instituição mantêm uma relação bastante harmoniosa
entre si, com as professoras, os alunos e seus pais. Com histórias muito distintas, mas
Quantidade parcial Finalidade
quadra 1 � �
área livre
coberta1 � �
2 Recreação
2 Recreio coberto
1 Leitura
1 Estimulação
1 Recreação/ repouso
12 Aula
1 Copa/cantina
1 Laboratório de Informática
1 Sala dos professores
1 Secretaria
1 Coordenação
1 Refeitório de funcionários
1 Espaço multiuso
1 Recepção
1 Direção
1 Almoxarifado
DescriçãoEspaços
Quantidade
Total
pátios
salas
4
25
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 128
com objetivos educacionais muito semelhantes, seus caminhos se cruzaram na própria
instituição, inicialmente como diretora e professora de história respectivamente e,
posteriormente, nos papéis atuais. A diretora, atualmente com 51 anos de idade é casada
e tem três filhos. Seu marido participou, desde o início, da montagem da escola, na
posição de diretor administrativo. Vinda de família de educadores, apesar de não ter
sido encorajada a seguir essa carreira, encantou-se pela educação. Foi aprendendo sobre
o assunto com seus familiares, de modo que, mesmo após formação e carreira bem-
sucedida no secretariado de uma empresa transnacional, acabou optando por abrir a
própria escola. Preocupada em não cair em um assistencialismo ingênuo e em atuar na
mais estrita conformidade com a legislação, decidiu, em 1996, cursar Pedagogia, e,
atualmente, estuda Psicopedagogia. A diretora demonstra grande apreço pelo constante
desenvolvimento profissional, reconhecendo sua formação permanente como essencial
para que possa inspirar, em seus professores, essa mesma preocupação e com eles
dialogar. Sobre esse aspecto afirma:
Então, eu penso que na Educação não se possa, não pode existir pessoas assim [resistentes à mudança]. A gente tem que estar sempre em constante mudança e pesquisar, estudar muito! Isso é fundamental na nossa área. [...] (na formação continuada), isso precisa ser mais (presente) ainda, para que eu possa, éh... formá-los também, né? Então, na medida em que eu conheço um pouco mais, eu tenho condições de trazê-los para um conhecimento maior, também. É a troca, né? Acho importante. Tanto a minha, quanto a deles, nas reuniões, a gente, éh... ter essa troca de informações. O que eles estão vendo na formação deles, aqui ou fora e na minha, também. Então, acho que essa troca é importantíssima!
Ao interagir com sua equipe, a diretora diz que procura ouvir seus funcionários,
dedicando-lhes a atenção necessária, mesmo quando solicitada em momentos
indesejáveis. Essa atitude evidencia-se na porta sempre aberta de sua sala, facilitando o
acesso a quem deseje com ela falar. Desse modo, é nítida sua inclinação para dialogar
constantemente com funcionários administrativos e professores, o que explica a clareza
e o domínio que tem acerca das instâncias administrativa e pedagógica de sua
instituição. Ainda em relação aos professores, a diretora não apenas procura manter um
relacionamento próximo, capaz de incentivar a formação contínua, como, notadamente,
busca valorizar as experiências e os conhecimentos que cada um conquista. Essa
conduta é clara quando ela os convida para trocar ideias e, por vezes, contar o que
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 129
aprenderam a seus pares, em encontros formativos, no constante processo de repensar a
educação. Em suas palavras:
Eu fui buscando, dentro das habilidades que eles [professores] tinham, os cursos que eles poderiam dar. Então, em todas as nossas capacitações, um professor vinha e dava a sua capacitação.
E há uma troca, também, porque eles têm um pensar, eles [professores] também têm um ideal. E esse ideal tem que ser conversado, discutido: eles precisam comprar a minha ideia e eu preciso comprar a deles, também. É uma troca o tempo todo, né? Eu sou muito democrática neste sentido, porque eu penso que, éh... não se faz educação sozinha. Eu preciso deles e, aliás, eu preciso por conta dessa proposta toda, deles estarem comigo.
Ainda que o cargo de direção lhe reserve algumas tarefas burocráticas, essa
diretora envolve-se intensamente nas questões pedagógicas, frequentemente discutindo
com a coordenadora e com as professoras encaminhamentos mais adequados para os
educandos.
No que tange à coordenadora pedagógica, a instituição conta com uma
competente profissional de quarenta anos, graduada em História, solteira, com uma filha
de treze anos. Seu percurso, bem diferente do da diretora, começa na Secretaria da
Saúde, no Núcleo de Memória e Saúde Pública, especificamente, no Instituto de Saúde
da Secretaria Estadual. Apesar de se dedicar lá às tarefas administrativas, seu interesse a
impulsionou a pesquisar e a conhecer os estudos lá produzidos, de modo que, alguns
anos depois, decidiu cursar o mestrado em Ciências. Concluída a pós-graduação, pediu
transferência da Secretaria da Saúde para a de Educação, ocupando nessa última,
inicialmente, o cargo de professora e, posteriormente, de coordenadora pedagógica. Sua
experiência na escola estadual estendeu-se até ser convidada a lecionar História para
todas as séries do Ensino Fundamental II, nessa escola onde hoje trabalha. Foi muito
bem-sucedida na docência, fato que lhe rendeu uma proposta para assumir o cargo de
coordenação. Embora tenha concluído o mestrado há três anos, procura manter-se
sempre atualizada, estudando por conta própria durante todo esse tempo. No momento
em que coletava os dados para essa pesquisa, ela, considerando os desafios do cargo,
estava cursando Pedagogia:
[...] porque várias questões ficam né? E eu preciso, como coordenadora deste grupo docente... Eles exigem demais... Não posso ter dúvidas: tenho que ter, para eles, todas as soluções. E nem sempre
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 130
eu tenho. Eu costumo dizer para eles assim: “se eu tivesse a solução na minha gaveta, nós seríamos felizes. Eu não tenho”. Mas eu me preocupo muito com estas questões e eu preciso ajudá-los. Então, principalmente na Educação Infantil, que é o meu calcanhar de Aquiles, eu senti a necessidade de voltar a estudar.
Assim como a diretora, a coordenadora reconhece a importância do estudo e da
reflexão constante acerca dos desafios do dia a dia. Tal como a diretora, ela se mostra
disposta a ouvir e a auxiliar os professores que buscam respostas para seus problemas
no processo de ensino-aprendizagem. Em seu caso, não apenas a porta de sua sala,
como também a janela, fica aberta, incentivando a interlocução. É frequente vê-la
atendendo aos professores numa espécie de “guichê”, como descreve de modo
descontraído.
Então, eu tenho uma grande preocupação, como coordenadora, de estar sempre ali, com o meu professor e o apoiando. Às vezes, ele vem aqui e conta a vida. E eu ouço, porque sei que é importante para ele falar. É importante para ele dizer o que está se passando com ele, até mesmo em casa. Não que eu vá resolver os problemas dele, mas eu digo: “poxa, então esse trabalho não saiu tão bom, mas é porque ele tem um problema particular, né? Tudo bem”. Isso não deveria ser trazido para a escola, mas é. (dirigindo-se à pesquisadora) Eu não sei se você concorda com isso, mas eu sempre digo para os meus professores: “Eu não consigo vestir uma roupa de coordenadora e aí sair da escola e ser outra! Eu sou a mesma! Em casa, na escola, em qualquer ambiente”. Então, eu procuro ver o professor também de forma integral.
Em relação aos pais e demais funcionários da instituição, a coordenadora
informa que procura manter com eles uma relação igualmente tranquila e saudável. Faz
isso porque é assim que se comporta habitualmente, mas, sobretudo, por reconhecer que
seu papel é o de promover a articulação de pais, direção, professores e alunos: “então,
eu entendo assim: que eu sou o elo entre os professores, alunos, pais de alunos e
direção”. Ou, ainda, como se define de modo muito bem humorado: “eu sou a salsicha
prensada no meio do hot dog”!
A despeito de seu empenho e compromisso com a instituição, algumas tarefas a
coordenadora não conseguia cumprir como desejava, como, por exemplo, fazer visitas
mais frequentes às salas de aulas para observar as práticas dos professores e poder,
posteriormente, discutir com eles suas dúvidas, as fragilidades que tinha notado ou,
mesmo, outras possiblidades de realizar as atividades. Tal fato justificava-se,
notadamente, pelo acúmulo de tarefas dessa profissional que, no momento da pesquisa,
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 131
era responsável pela coordenação dos cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental
I, II e Ensino Médio. Com o objetivo de contornar tal situação, à época da pesquisa,
algumas professoras cumpriam parte de sua carga horária como assistente de
coordenação, procurando, desse modo, assegurar a realização das tarefas que a
coordenadora não conseguia realizar.
3.11 A PROFESSORA PARTICIPANTE DA PESQUISA
Carla49, nascida em São Paulo, tinha na época da pesquisa trinta e dois anos de
idade. Membro de uma família relativamente numerosa, aos vinte anos viu-se obrigada
a deixar a cidade natal em direção ao Recife, por motivos de segurança, já que seu
irmão foi assassinado “no lugar de outra pessoa”, um ano após a morte de seu pai. Seu
retorno à capital paulistana ocorreu cerca de cinco ou seis anos mais tarde, com o intuito
de se reencontrar com seu noivo, que se tornou seu marido. Vieram com ela a mãe e o
irmão mais novo. Entretanto, sem ainda poder contar com o pagamento da pensão do
falecido pai para custear as despesas domésticas, Carla percebeu que não havia outra
alternativa para sustentar sua família do que se lançar nas mais diversas oportunidades
de emprego.
Assim, posso falar que eu já passei por, éh... vários, várias, éh... profissões. Assim, um pouquinho, fui conhecendo, né? Até chegar à docência. Já trabalhei em escritório, já trabalhei em papelaria, supermercado – como operadora de caixa –, então, de tudo um pouquinho eu sei!
Entretanto, se por um lado, Carla reconhecia seu próprio empenho e esforço ao
desdobrar-se para assegurar pelo menos as necessidades mais básicas de sua mãe e
irmão mais jovem, não deixava de expressar o quão árduo e doloroso foi esse momento
em sua vida:
É foi muita coisa, mas assim... na época foi muito, assim, para mim foi muito revoltante... eu me questionava muito, né: “o porquê disso, o porquê daquilo, o porquê que pessoas da minha idade, meninas da minha idade podia fazer éh... ter várias coisas materiais, e eu não podia ter”. Porque eu tinha que manter a casa, né?
Nessa dura labuta, Carla, além de arcar com as despesas domésticas, pagava as
cópias dos textos e a condução para o curso de graduação em Pedagogia, formação que 49
Nome fictício.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 132
viria complementar aquela adquirida no decorrer do magistério em nível de Ensino
Médio, completado em 1998.
Sua opção sobre a docência não decorreu de nenhuma identificação com alguém
que tivesse optado por esse ofício. Ela tampouco tinha uma visão clara da carreira
profissional que seguiria. Assim, acabou acompanhando a escolha de uma prima que, na
mesma época, decidira cursar o magistério:
Bom, até então eu não sabia qual caminho seguir. Como eu tinha... Tenho uma prima, que ela atualmente é professora, também, e ela resolveu fazer magistério. Então, eu estava saindo do Fundamental I sem saber o que fazer. Aí eu falei: “Ah, eu vou tentar fazer o magistério!”.
Mesmo sem poder contar com o apoio do pai, que acreditava que a filha
ganharia um “salário de miséria” e acabaria sofrendo privações, Carla manteve-se firme
em sua decisão e dela não se arrependia: “E, até então, eu acredito que eu fiz a escolha
certa, né?”.
Ao falar sobre sua formação inicial, reconhece que tanto o curso de magistério,
quanto o de Pedagogia foram importantes em sua formação profissional, muito embora
atribua ao primeiro a aprendizagem sobre como melhor planejar e organizar a atividade
docente. Em função da dura rotina de quem é arrimo de família, circunstância vivida
durante o período do magistério e do curso de Pedagogia, reconhece que em ambos seu
aproveitamento poderia ter sido melhor:
Foi no magistério, assim... É que na época também eu era nova, assim, pretendia ser professora, mas não estava focada, não estava na área. Então, eu tinha outra visão. Graduação também. Estava iniciando, né? Estava confusa em questão... Assim, sabia o que eu queria, mas estava com problema familiar, então, assim, o foco era meio dividido. Então, assim, contribuiu, contribuiu? Contribuiu. Hoje, éh... Se eu fosse fazer o magistério e a graduação, eu iria fazer totalmente diferente. Eu iria sugar até o último. Eles [os cursos] me ajudaram em algumas coisas, mas outras eu tive que ir em busca, tive que correr atrás, porque, às vezes, me passaram a informação, só que no momento eu não dei importância, passou despercebido, né?
Em função das vicissitudes descritas, Carla contou que a formação de magistério
em nível de Ensino Médio não a levou a lecionar. Foi somente durante a graduação em
Pedagogia que ela iniciaria sua experiência como docente. Começou fazendo estágios
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 133
em escolas públicas, depois atuou como educadora social em uma instituição de
caridade; em seguida, passou a cobrir licenças maternidade e, finalmente, passou a ser
professora titular em algumas instituições particulares, até chegar à escola onde
atualmente trabalha. À época do estudo, tinha oito anos de experiência docente, dos
quais sete meses tinham sido passados na instituição escolar da pesquisa. Carla era,
portanto, novata na escola investigada.
No tocante a sua vida pessoal, tinha uma relação matrimonial mal-sucedida, já
que, além de outras questões, seu marido acabara restringindo suas funções paternas ao
cumprimento de responsabilidades financeiras, destinando pouca atenção e cuidados ao
filho de apenas dois anos e oito meses. Essa conduta acabava por levar Carla muitas
vezes à exaustão, já que ela tinha que ser “mãe, ser pai e professora”, papéis vividos ao
mesmo tempo. A saúde frágil de seu filho, que lhe demanda cuidados alimentares
especiais e sistemático acompanhamento médico, tornavam-lhe a vida mais penosa
ainda à época do estudo.
Diante das inúmeras responsabilidades assumidas no âmbito pessoal, grande era
o desafio de Carla para encontrar tempo para se dedicar às atividades profissionais, algo
que ficou evidente durante a pesquisa: atrasos em algumas aulas, encontros
desmarcados com a pesquisadora, impossibilidade de se dedicar a algumas das tarefas
planejadas e, ainda, entregas fora do prazo de avaliações e relatórios à coordenadora
pedagógica. O tempo disponível para dedicar-se ao seu desenvolvimento profissional
também era escasso. Apesar de ansiar pelo curso de Psicopedagogia, que entendia poder
atender às suas necessidades de atualização e aprofundamento de conhecimentos
pedagógicos, reconhecia que isso estava condicionado às condições de saúde do filho e,
também, às disponibilidades financeiras. Diante dessas constatações, Carla disse que,
basicamente, fazia breves buscas à internet e apoiava-se em parceiras mais experientes
para suprir necessidades pontuais, como o esclarecimento de um conceito ou sugestão
sobre uma atividade:
Eu não tenho muito tempo para parar e estudar. Então, eu vou conversando um pouquinho aqui, um pouquinho ali, fazendo essa troca com os colegas, buscando alguma coisa na internet, pesquisando alguma coisa que surge dúvida... São esses os meios que eu uso.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 134
Para a pesquisadora, Carla expressa sua disposição para aprender, afirmando: “o
que você puder me trazer vai ser gratificante”.
Ao entrar em contato com a proposta de investigação da pesquisa, no início de
2011, Carla voluntariou-se para ser a professora acompanhada mais de perto, pois via
nessa aí uma oportunidade para superar outro grande desafio: adequar-se à proposta
pedagógica do atual colégio, buscando evitar o que denominava de método
“tradicional”:
O que eu me preocupo mais é a questão do método tradicional que, às vezes, eu acabo éh... Caindo no tradicional e, aí, vêm as meninas [professoras] e falam: “Não, não é por aí”. Então, a minha preocupação é essa, né? Mas assim, eu estou aberta para todas as sugestões, opiniões... A minha preocupação é só não cair no tradicional, não viver o tradicional, né?
Como sua experiência profissional consolidou-se em instituições escolares cujas
propostas se respaldavam mais dos moldes “tradicionais”, reconhecia que, apesar de
poder contar com a colaboração e com o acolhimento de seus pares e da equipe gestora
da instituição, precisava modificar sua prática pedagógica, aproximando-a mais de uma
abordagem pautada nas ideias construtivistas50, como ficou evidente ao comentar: “Eu
espero que o nosso trabalho seja excelente. Não só entre eu e você, mas num todo, né?
E o que você puder trazer, principalmente nessa fase de transição que eu estou saindo
do tradicional – esse fantasma – para entrar no construtivismo, vai ser bom, né?”.
Esta transição de Carla da abordagem “tradicional” para aquela seguida pela
escola fazia-se muito presente em sua fala: para definir o que entendia por “método
tradicional”, para expor os anseios e as metas a serem atingidas com sua turma, para
50
Apesar de se referir à abordagem da instituição escolar como “construtivista”, acredito que essa não deva ser compreendida de modo restrito às ideias de Jean Piaget. Justifico: eram recorrentes os momentos em que tanto equipe gestora quanto as professoras buscavam enriquecer sua prática e seu processo reflexivo sobre a atividade docente abordando as ideias de outros teóricos, com Vygotski e Wallon. Adicionalmente, era exatamente em função da abordagem pedagógica da escola se fundamentar também nesses outros teóricos que a equipe gestora permitiu que eu realizasse um estudo cujos pressupostos teóricos estivessem pautados, essencialmente, nos preceitos de Vygotski e de outros pensadores do mesmo alicerce epistemológico.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 135
expressar o que mudaria em sua atividade profissional ou, ainda, o que entendia por
processo de avaliação. Parecia, a todo o momento, evidenciar o desejo de mudar,
explicitando, ao mesmo tempo, que não sabia como fazê-lo, situação que a levava a
incorrer, novamente, em práticas que se aproximavam mais daquelas pautadas no
modelo “tradicional”, como sinalizam alguns dos fragmentos a seguir:
1) Explicação da professora sobre o que entende pelo “método tradicional”
Bom, éh... Eu acredito, assim, éh... Eu vou para o mais prático, às vezes, né, o caminho mais direto. Eu não vou pelo mais longo. Na hora de questionar, na hora de contextualizar, né? Então, às vezes, eu caio no mais prático. É isso, pronto e acabou! E não é bem assim, né? Tem que questionar, tem que procurar saber o que eles acham, a opinião deles e transformar e passar o conteúdo para eles de uma forma construtiva para eles. Para que não caia no tradicional. Para que não seja “é isso, pronto e acabou!” e sem os porquês, né? Por que isso, por que aquilo, que é o construtivismo, né? O porquê disso, o porquê daquilo, faz eles pensarem, né? E, às vezes, eu acabo não deixando eles pensarem muito e vou para o mais prático, né?
No excerto acima, Carla fez uma oposição entre o mais “prático (ou mais
direto)” e o mais “longo”, correspondendo o primeiro à abordagem “tradicional” e o
segundo à “construtivista”. Ao fazê-lo, a professora anunciou, ainda que timidamente,
adotar uma prática pedagógica marcada pelos traços de uma concepção pedagógica
tradicional, que se centra, sobretudo, na figura do professor. A tarefa docente central
era, portanto, a de “transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade segundo
uma gradação lógica, cabendo aos alunos assimilar os conteúdos que lhes são
transmitidos” (SAVIANI, 2005, p. 2). Assim, caminhar de maneira “rápida” era
caminhar ao ritmo do professor, enquanto o percurso mais “longo (e mais lento)”
remetia-se àquele em que o docente procurava explorar e conhecer o que o educando
sabia e/ou gostaria de saber sobre determinado conceito para, só então, delinear as
propostas de ensino-aprendizagem. Mais adiante, ao mencionar o que precisaria fazer de
diferente para se aproximar de uma prática mais coerente com os princípios
“construtivistas”, Carla expressou a necessidade de perguntar o que os alunos achavam,
para, logo em seguida, anunciar que o objetivo de sua atividade era: passar o conteúdo
para eles, evidenciando, novamente, uma prática ainda “presa” aos preceitos
“tradicionais”. Tal preocupação foi ratificada mais adiante, quando comentou a meta
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 136
que pretendia atingir até o final do ano: “Bom, passar todo o conteúdo e um pouco mais
para eles, né?”.
2) O processo de avaliação
Então, assim, a questão da avaliação, da prova... “hoje é o dia da prova”, não! Até mesmo um dia, antes, um dia antes, ou até... dependendo, minutos antes da prova, eu faço uma brincadeira com eles, repasso o conteúdo na forma de brincar, vamos brincar! Faço um jockey pow51, faço amarelinha, faço perguntas e respostas, faço debate entre eles, né? Eu acredito, na minha opinião, que assim eles conseguem assimilar melhor, pelo menos na minha época, quando fizeram isso com a minha turma, foi a melhor forma que passaram para a gente estudar. [Melhor] do que ficar lendo ali, ali, ali, ali. Aí, fica debatendo na forma de brincar e acaba assimilando melhor. Através da brincadeira, [aprende-se] o conteúdo.
A despeito de sua cautela para fazer do processo de ensino-aprendizagem algo
prazeroso, estendendo, inclusive essa ideia para a avaliação, a atenção de Carla ainda
recaía sobre o conteúdo, procurando fazer o resgate daquilo que, em seu entender,
deveria ser memorizado pelos educandos, tornando essa tarefa difícil algo divertido.
Ficou clara a crença, explicitada por Carla, sobre o papel da memorização do conteúdo
na aprendizagem, traço típico de uma concepção pedagógica tradicional que, por sua
vez, não ganha ênfase em uma proposta de cunho construtivista, na qual os educandos,
ao “interagirem entre si e com o professor, realizam a própria aprendizagem,
construindo seus conhecimentos” (SAVIANI, 2005, p. 2).
3) Uma proposta em sala de aula
[...] a questão do mercado (refere-se à atividade realizada em sala), você viu que eu deixei à vontade: – “Resolvam”, né? Então, a maioria das coisas, eu deixo para que eles resolvam. É claro que eu auxilio aqui, ali, mas a maioria das coisas eles que resolvam. Se tiver que sair briga, vai sair... É claro que eu não vou deixar sair nos tapas e nada de ofensa, mas eles têm que resolver as situações e escolhem o representante do grupo. Eles têm autonomia para tudo isso. Eu deixo... Eu falo para eles que eu deixo a sala bem à vontade, né?
51 Brincadeira popular que envolve a disputa entre dois alunos ou dois grupos em que aleatoriamente cada um dos jogadores apresenta um símbolo (pedra, papel ou tesoura), podendo vencer ou perder a partir do símbolo adotado pelo adversário. Papel supera pedra, tesoura supera papel e a pedra supera a tesoura.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 137
Aqui, a professora deu destaque à autonomia concedida aos educandos para
resolverem “a maioria das coisas”. No entanto, essas “coisas”, diferentes de situações
problematizadoras ou suscitadas pela prática social dos educandos, que expressam uma
importante etapa do processo de ensino-aprendizagem já que têm como intenção
promover um aprendizado significativo, pareciam, aqui, remeter-se às situações em que
havia impasse entre os educandos e que deveriam contar, sim, com a mediação do
professor, a quem compete conduzir a uma resolução pacífica do conflito.
Diante do exposto, a prática docente de Carla faz com que levantemos, como
hipótese, que ela, a despeito de seu desejo pela mudança, enfrentava um duplo
problema: vencer o período de adaptação às demandas da nova escola e manter o
emprego em uma situação que não lhe permitia se dedicar a aprofundar as bases teóricas
da abordagem construtivista. Desse modo, apesar de ansiar por uma atuação em
conformidade com ela, mostrava-se, muitas vezes, presa às concepções da pedagogia
tradicional. Entretanto, a despeito das vicissitudes de sua vida pessoal, a professora não
se acomodou e se lançou ao desafio de participar da proposta de formação continuada
oferecida pela pesquisadora, em especial porque ela se dava em seu próprio local de
trabalho. Essa era, tal como Carla via, uma alternativa tanto para se desenvolver
profissionalmente e modificar sua prática docente, como, sobretudo, para “[...] mostrar
que, assim, eu quero aprender mais e que as pessoas podem... podem confiar no meu
trabalho”.
3.12 O GRUPO DE PROFESSORES PARTICIPANTES DA PESQUISA
O grupo de professores foi formado por dez integrantes que lecionavam para a
Educação Infantil e Ensino Fundamental I. A caracterização do grupo é apresentada no
quadro 6 e nas figuras 9 e 10 a seguir:
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 138
Quadro 6 – Caracterização do grupo de professores participantes do estudo
Figura 9 – Tempo de magistério das professoras participantes do estudo
Integrante IdadeEstado civil
Número de filhos
NaturalidadeFormação
(última titulação)
Local de formação
Continua estudando
Professora 1
46 ou mais casada 2 SPMagistério
EM privada
Licenciatura em pedagogia
Professora 2
26 a 30 casada 1 SPGraduação
em Pedagogia
privada
Especialização em Pedagogia
hospitalar (já concluído)
Professora 3
31 a 35 divorciada 2 SPMagistério
EM privada
Licenciatura em pedagogia
Professora 4
26 a 30 solteira 0 SPGraduação
em Pedagogia
privadanão (mas fez curso
sobre psicomotricidade)
Professora 5
20 a 25 solteira 0 SPGraduação
em Pedagogia
privadanão (mas fez curso
sobre psicomotricidade)
Professora 6
31 a 35 solteira 1 SPMagistério
EMpública
Licenciatura em pedagogia
Professora 7
31 a 35 divorciada 3 ou mais SPMagistério
EMprivada
Licenciatura em pedagogia
Professora 8
31 a 35 solteira 0 SPEspecializa
çãoprivada REDEFOR - Unesp
Professora 9
20 a 25 casada 0 SPGraduação
em Pedagogia
privadaEspecialização em
Pedagogia hospitalar
Professora 10
26 a 30 solteira 0 SPGraduação
em Pedagogia
privada
núm
ero
de p
rofe
ssor
es
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 139
Figura 10 – Tempo de serviço na escola das professoras participantes do estudo
Além do ensino formal, a experiência das docentes contempla outras atividades
relacionadas ao magistério, como: auxiliar de creche, ensino informal, aulas particulares
e auxiliar de coordenação. Ao se avaliarem profissionalmente, as professoras
reconhecem que, entre suas virtudes, estão as seguintes: paciência, afetividade,
determinação, persistência, interesse pelos estudos, companheirismo,
comprometimento, dedicação e perfeccionismo. Em relação aos defeitos que percebem
em si mesmas, sinalizam: ansiedade, insegurança, timidez, cobrança exagerada aos
alunos e organização inadequada do tempo em sala para atender aos alunos.
3. 13 A SALA DE AULA PESQUISADA
A professora que se candidatou para ser acompanhada mais de perto pela
pesquisadora lecionava para uma turma de 4º ano (antiga 3ª série) do Ensino
Fundamental I. Essa, por sua vez, era formada por apenas nove alunos, sendo oito
meninas e um menino. De acordo com as palavras da própria professora, na entrevista
realizada no início de 2011:
É [uma turma] realmente excelente! É claro que tem um ou outro que precisa de um pouquinho mais de atenção e precisa pegar um pouquinho no pé para poder caminhar. Mas, assim, analisando a turma como um todo, ela é boa. Participativa, não tem problema nenhum... Questão tem é o problema do bullying, mas estamos já trabalhando para que ele seja amenizado e até mesmo cessado, para que não tenhamos mais problemas.
núm
ero
de p
rofe
ssor
es
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 140
No primeiro semestre de 2011, uma das alunas deixou a escola, pois se mudou
para outro estado. Em contrapartida, no início do segundo semestre desse mesmo ano
outra garota passou a integrar o grupo. Vinda de escola pública, representava grande
desafio à professora já que, diferente dos demais educandos, ainda estava em processo
de alfabetização.
Ao descrever a relação professor-aluno, Carla disse que a cautela era um
importante ingrediente para tentar se aproximar da classe, já que temia que os alunos
sentissem algum receio diante de sua pessoa, por ter, eventualmente, medo dela.
3.14 O REFERENCIAL DE ANÁLISE DA PESQUISA
De acordo com os pressupostos apresentados, a análise examinou em que
medida os procedimentos empregados junto à professora participante e ao grupo de
professoras participantes viabilizou a (co)construção de uma modalidade de formação
docente capaz de lhes preparar melhor para se relacionar com a diversidade de perfis
presentes nos alunos em suas salas de aula. Para tanto, a primeira filmagem da atividade
docente e a avaliação inicial52 dos educandos serviram como parâmetros para discutir as
eventuais mudanças encontradas na prática pedagógica até o momento em que a
pesquisadora não mais precisou ajudar tendo em vista que a professora atingiu novo
nível de desenvolvimento real. Para esse propósito, utilizaram-se as unidades de análise
apresentadas previamente no quadro 253. Adicionalmente, também foi verificado se o
processo desencadeado na pesquisa contribuiu para o estreitamento dos laços
profissionais, levando à formação de uma ‘comunidade profissional de aprendizagem’.
Nesse sentido, as videogravações dos encontros coletivos, assim como a avaliação final
pela equipe gestora e professoras que participaram do processo foram centrais.
Além desses aspectos, a análise procurou verificar como o processo colaborativo
foi vivido pelos diferentes atores envolvidos no estudo: a professora, a equipe gestora, o
grupo de docentes e os educandos. Adicionalmente, a atuação da pesquisadora como
(co)construtora (ou não) dos processos acima arrolados, a maneira como se portava ao
planejar as aulas com a professora Carla, ao conduzir as sessões de autoconfrontação
simples, bem como os encontros coletivos, foram igualmente objetos de análise.
52 Conversa com os alunos para averiguar o que sabem acerca do que seria ensinado no 3º bimestre.
53 P. 118.
CAPÍTULO 3- DO MÉTODO DA PESQUISA 141
3.15 CUIDADOS ÉTICOS
Em relação aos aspectos éticos, Bogdan e Biklen (1994) mencionam que duas
são as questões éticas que dominam o panorama recente, quando se trata de investigação
com sujeitos humanos: o consentimento informado e a proteção dos participantes contra
qualquer espécie de risco ou dano. Em relação a esses aspectos, pode-se assegurar que
toda informação necessária foi transmitida, esclarecendo em que consistia o estudo,
quais eram seus objetivos, bem como o envolvimento que se esperava de cada um.
Ainda, todos os participantes deviam, por meio de consentimento livre e esclarecido54,
anuir em se envolver com o atual estudo, sempre de acordo as normas do Termo de
Compromisso (utilizado pelo pesquisador, em investigações que envolvam seres
humanos). Além disso, essas mesmas informações foram dadas, também, pessoalmente.
Os participantes foram informados de que toda e qualquer informação obtida no
decorrer da investigação tem, como único fim, a pesquisa, salientando que ela poderia
vir a ser divulgada, mas somente para fins acadêmicos, na forma de relatório de
pesquisa ou artigo científico. Segundo Bogdan e Biklen (1994) e as próprias normas do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o anonimato dos participantes foi
preservado tanto em relação ao material transcrito, quanto aos relatos verbais obtidos
durante os encontros com a pesquisadora e/ou no decorrer das observações. Como diz
Monteiro (1998):
[...] a ética é entendida em termos de sua permanente obrigação com as pessoas que tocaram suas vidas no curso de viver a vida de pesquisador qualitativo. [...] Desenvolve-se uma relação de intimidade que muitas vezes se desdobra em envolvimentos emocionais do pesquisador com o sujeito por presenciar e participar em aspectos íntimos e às vezes dolorosos da vida dos sujeitos. (p. 19)
Considerando os aspectos anunciados pelo autor e tendo conduzido a pesquisa
numa perspectiva colaborativa, procurou-se estabelecer uma relação transparente e de
confiança com todo e qualquer integrante da investigação, procurando sempre acordar
os procedimentos que foram adotados em cada etapa da pesquisa em pauta com aqueles
nela envolvidos. Ainda no tocante às normas, procurou-se segui-las e cumpri-las na
íntegra.
54 Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido da diretora, coordenadora e professores, assim como a autorização dos responsáveis pelas crianças que tiveram a sala de aula videogravada podem ser consultados nos anexos.
142
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO
ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE
Artista: Abel G. Matos (Pintor Cubano). Fonte: http://www.artistas-americanos.com/latinos/matos/pages/foto01.html
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 143
A figura acima pode novamente suscitar dúvidas ao leitor quanto à sua relação
com a análise do estudo. Em meu entender, este é o momento em que, a partir das
informações observadas no campo, começamos a organizá-las, buscando sair da
“representação caótica” do empírico para atingir o concreto abstrato, ou seja, uma “rica
totalidade com múltiplas determinações e relações” (MARX, 1857/1973, p. 21). Em
outras palavras, trata-se de propor uma possível leitura acerca da realidade, de modo a
compreendê-la nas suas múltiplas mediações, não mais reduzidas à mera aparência.
Entretanto, o esforço que aqui se empreendeu é apenas uma possível mirada sobre os
fenômenos estudados, por isso seu movimento e seus encaixes poderiam ser múltiplos e
diversos. Daí a relevância de o pesquisador deixar o mais evidente possível para o leitor
não apenas seu objeto de análise, mas toda e qualquer decisão que venha a tomar nesse
percurso.
Considerando que o estudo em questão verificou a viabilidade de se elaborar
uma modalidade de formação permanente de professores que, fundamentada nos
pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica, fosse capaz de orientar a prática pedagógica
dos docentes, favorecendo a permanência bem-sucedida dos educandos na escola, o
percurso de análise foi delineado conforme ilustra a figura11, a seguir:
Figura 11 – Panorama geral da análise
Concepção de ensino-
aprendizagem
Momento 1(AULA 1)
Momento 2(CONJUNTO DE
AULAS)
Momento 3(AULA 2)
Condições pré-ensino
Ensino
Avaliação
Percepção do processo pela professora, equipe diretiva, colegas, educandos e pesquisadora
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 144
A análise se centrou, em um primeiro momento, em retratar os indícios de
mudança55 de Carla, no tocante ao processo de ensino-aprendizagem observado no
decorrer do estudo. Para a pesquisadora, esse processo envolveu três momentos: as
condições necessárias para ministrar as aulas56, as aulas ministradas e a avaliação da
aprendizagem discente daquilo que foi ensinado ao longo das aulas. Cada uma deles
trouxe tópicos que puderam ser observados (1) antes da ajuda da pesquisadora57; (2)
durante o auxílio da pesquisadora58; e (3) após sua ajuda ter sido dada59, evidenciando
alterações no modo de proceder da docente. Além das mudanças observadas a esse
respeito – processo de ensino-aprendizagem – a maneira como a formação foi percebida
pela docente, por seus pares, professores da escola, pela equipe gestora e educandos
comporá a segunda parte da análise, contribuindo para a reflexão acerca da eficácia da
modalidade de formação aqui desenvolvida. Na sequência, foi analisada a atuação da
pesquisadora durante o processo de construção conjunta da modalidade de formação.
Aqui, o foco foi verificar se realmente prevaleceu o caráter colaborativo e em que
medida ele favoreceu a formação de uma comunidade profissional de aprendizagem.
Para tanto, cabe esclarecer que resultados obtidos por meio de diferentes procedimentos
foram empregados a serviço desse objetivo: entrevistas, videogravações das atividades,
planejamentos, autoconfrontações, encontros coletivos, avaliações, diário de campo e
depoimentos dos educandos sobre as experiências vividas60.
4.1 CARLA E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Como anunciado pela própria docente na entrevista inicial, sua maior
preocupação residia em modificar sua prática pedagógica “tradicional”, passando a
55 Os pontos de virada ou indícios de mudança serão aqui entendidos como: 1) passar a fazer algo que não fazia ou deixar de fazê-lo; 2) mudar a frequência de algo que já fazia, podendo fazer mais ou menos; e 3) ressignificar algo que já fazia (atribui um novo significado a algo que já fazia, por exemplo, avaliação dos educandos). 56
Todas as condições objetivas e subjetivas que antecipam a execução da atividade propriamente dita, como: planejamento da proposta, preparação prévia de materiais para essa, preparação do professor para ensinar com segurança o assunto em questão, reserva prévia de espaço diferenciado para a realização da atividade quando necessário, etc. 57
Este momento será aqui denominado AULA 1 que teve como objetivo identificar o NDR da docente. 58 Este momento será aqui denominado CONJUNTO DE AULAS, pois traduz as várias intervenções e atividades planejadas em conjunto com a professora. 59 Este momento será aqui denominado AULA 2, quando a professora realiza uma atividade sozinha após receber as contribuições da pesquisadora. 60
A descrição na íntegra de todo o material filmado está presente nos quadros adicionados ao final desta tese, nos anexos (CD).
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 145
adotar outra, que fosse mais próxima da abordagem “construtivista”, mais de acordo
com o que era praticado na instituição escolar onde atuava. Essa foi, de fato, a razão
alegada por Carla em sua opção por receber o auxílio da pesquisadora:
Ao observar as aulas de Carla, antes do processo formativo, ao final de 2010 –
ou mesmo no início de 2011 – evidenciavam-se condutas de ensino muito próximas às
do modelo da pedagogia tradicional, cujo ensino se centra na figura do professor, que
tem como objetivo transmitir conteúdos “determinados pela sociedade e ordenados pela
legislação” (LIBÂNEO, 2006, p. 24). Posto isso, pouco ou nenhum espaço é reservado
para temas e assuntos do interesse dos educandos, o que, por sua vez, leva a um ensino
desarticulado das experiências cotidianas dos discentes.
4.1.1 DAS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA MINISTRAR A AULA
4.1.1.1 DOS OBJETIVOS DAS AULAS
No tocante à aula 161, Carla, mesmo
informada de que teria sua aula filmada, não
apresentou qualquer planejamento à
pesquisadora, tampouco consultou um, no
decorrer da atividade. Será discutido aqui o
que diz respeito à íntegra das propostas
realizadas durante toda a aula de Língua
Portuguesa na ocasião, cuja duração foi de,
aproximadamente, uma hora e cinco minutos.
61 A descrição completa da aula 1 pode ser encontrada na tabela com a descrição das aulas realizadas, entre os arquivos anexos organizados no CD ao final da tese.
O que eu me preocupo mais é a questão do método tradicional que, às vezes, eu acabo, éh... Caindo no tradicional e, aí, vêm as meninas e falam: “Não, não é por aí”. Então, a minha preocupação é essa, né? Mas assim, eu estou aberta para todas as sugestões, opiniões, a minha preocupação é só não cair no tradicional, não viver do tradicional, né? Minha preocupação é essa. Nós aqui temos total liberdade para trabalhar da melhor maneira possível para a construção do aluno, para a aprendizagem deles, né? Minha preocupação é só essa.
(Entrevista inicial com a professora, 10/02/2011)
Em uma das aulas de matemática observadas, Carla tratava da decomposição de números. Ao deixar a sala por alguns instantes, alguns educandos, titubeantes quanto a como realizar um exercício proposto sobre o assunto, dirigem-se à pesquisadora para esclarecê-lo. Ao questionar-lhes para que servia a decomposição de números, nenhum deles se aventurou a responder.
(Diário de campo, 03/03/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 146
A AULA 1 – como é possível observar no quadro de descrição das atividades
realizadas – foi composta de cinco tarefas distintas: (1) tratar sobre textos narrativos,
como lendas e fábulas (diferenciando-as de realidade), com base em pesquisas
realizadas pelos educandos, em suas casas; (2) corrigir os exercícios da apostila sobre
vocabulário; (3) introduzir os textos informativos: reportagem; (4) identificar
reportagens em revistas; e (5) realizar os exercícios da apostila sobre os textos
informativos e corrigi-los.
Verifica-se, portanto, que para a mesma
aula tinham muitos objetivos para a professora:
verificar o que os alunos pesquisaram acerca de
lendas e fábulas e ensinar-lhes a diferenciar tais
conceitos, corrigir os exercícios realizados em
casa e, além disso, apresentar e ensinar o
conceito de reportagem.
Uma aula repleta de objetivos e informações como essa traduz a maneira como
Carla organizava o ensino que seguia, na concepção da professora, o modelo
tradicional. Vejamos como ela elucida o que entende por “tradicional”:
Esse caráter mais “prático” do ensino da professora a levava a seguir fielmente o
material apostilado adotado pela instituição e, na ânsia de garantir seu total
preenchimento, fazia com que oferecesse um ensino centrado, sobremaneira, na
transmissão de informações, acarretando, por esse motivo, uma aprendizagem
predominantemente receptiva e mecânica (LIBÂNEO, 2006). Tal conduta também pode
ser observada quando Carla buscou ensinar o conceito de lenda e fábula ou mesmo o de
reportagem, todos eles nessa mesma aula. Na primeira situação – no caso dos textos
narrativos, lendas e fábulas – ela escutou, por alguns minutos, o que os educandos
Quando questionada sobre qual era o objetivo da 1ª parte da aula – ao solicitar que os educandos expusessem o que pesquisaram sobre lendas e fábulas – Carla afirma que “o objetivo era para que eles pudessem diferenciar fábulas de lendas”.
(ACS1, 00:09:05)
Bom, éh... Eu acredito, assim, éh... Eu vou para o mais prático, às vezes, né, o caminho mais direto. Eu não vou pelo mais longo. Na hora de questionar, na hora de contextualizar, né? Então, às vezes, eu caio no mais prático. É isso, pronto e acabou! E não é bem assim, né? Tem que questionar, tem que procurar saber o que eles acham, a opinião deles e transformar e passar o conteúdo para eles de uma forma construtiva para eles. Mas sem que caia no tradicional. Para que não seja “é isso, pronto e acabou!” e sem os porquês, né? Explicar o porquê disso, por que daquilo, que é o construtivismo, né? O porquê, por que disso, o porquê daquilo, faz eles pensarem, né? E, às vezes, eu acabo não deixando eles pensarem muito e vou para o mais prático, né?
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 147
pesquisaram, para, logo em seguida, “partir para o mais prático”, oferecendo-lhes
prontamente a definição dos conceitos, sem deixar que as crianças os apreendessem via
discussão e contexto. Esse modo de proceder tornou a atividade bastante tradicional:
Em relação à reportagem, conduta semelhante à descrita acima pôde ser
igualmente notada, quando a professora solicitou que os educandos identificassem
reportagens em revistas e expressassem o que acreditavam ser este tipo de texto, antes
mesmo de construir tais conceitos com eles. Nessa ocasião, apresentou o “conceito” de
reportagem: “Então, assim, a parte de jornalismo, a parte de revista, internet, tudo tem
uma reportagem. Ou que é verdadeira ou que é falsa ou que é lenda ou fábula... é
reportagem” (AULA 1, 09/08/11, 00:45:34).
À luz dos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica e da Pedagogia Histórico
crítica, os aspectos descritos acima – ou seja, deixar de elaborar o planejamento da aula
e ter como meta uma multiplicidade de objetivos a serem alcançados em apenas uma
delas – levaram a pesquisadora a reconhecer que Carla poderia se beneficiar de uma
intervenção que contribuísse para elucidar a importância de tais questões, entre outras.
No tocante à primeira abordagem, mostrou-se à professora que a seleção e organização
dos objetivos de ensino, longe de serem aleatórias e de seguirem a ordem apresentada
na apostila, envolvem concepções variadas –- de ser humano, de mundo, de leitura e
escrita e, acima de tudo, de como todas se relacionam com a formação e o
desenvolvimento dos alunos. Assim, foi-lhe explicado que a escolha dos objetivos
educacionais deveria se dar de maneira cuidadosa e criteriosa, capaz de revelar o que é
mais importante para os educandos, quando se tem em vista o exercício da cidadania e o
– “Lendas são histórias inventadas pelas pessoas. São histórias imaginárias. Às vezes, elas misturam um pouquinho de realidade, mas bem pouquinho mesmo. E essas lendas são passadas de geração em geração, de pessoa para pessoa e vai mudando. Então, é fruto da imaginação, é algo imaginário, que não existe.”
– “Fábulas são histórias imaginárias também, contos, mas, geralmente, os personagens são animais e utilizam a fala de um ser humano, assim como a personalidade, as atitudes. Então, há uma mistura entre humanos e animais. São contos. Contos românticos, entre outros. É uma mistura de animais, só que, aí, os animais criam vida, usando as características dos humanos.”
(AULA 1, 09/08/11, 00:17:50)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 148
estabelecimento de vínculos sólidos entre alunos e objetos do conhecimento (LEITE e
TASSONI, 2002). De acordo com a Pedagogia Histórico-Crítica:
A educação escolar é valorizada, tendo o papel de garantir os conteúdos que permitam aos alunos compreender e participar da sociedade de forma crítica, tendo o diálogo com os professores e alunos, o respeito ao desenvolvimento psicológico dos educandos e superando a visão de senso comum, incorporando a experiência inicial do educando ao universal cultural acumulado historicamente pela humanidade. (MARSIGLIA, 2011, p.103)
Posto isso, a intervenção da pesquisadora teve como foco orientar a docente a
uma nova práxis que efetivamente contribuísse para que os alunos, por meio “do
processo de abstração, compreendessem a essência dos conteúdos a serem estudados, a
fim de que fossem estabelecidas as ligações internas específicas desses conteúdos com a
realidade global, com a totalidade da prática social e histórica” (GASPARIN, 2009, p.
6). Nesse sentido, as leituras dos textos e discussões incidiram não apenas sobre as
etapas que deveriam constar no planejamento – objetivos educacionais, conteúdos,
orientações didáticas, materiais e observações pessoais da professora – como, também,
trataram da maneira de conduzi-las para que a incorporação e articulação/superação
dialética dos conceitos cotidianos com/em conceitos científicos fossem possíveis,
organizando as atividades para que contemplassem os seguintes passos: observação da
realidade social do educando, problematização dos conteúdos a serem lecionados,
instrumentalização, catarse e novo retorno à prática social62, agora com um nível mais
elaborado de compreensão do fenômeno em sua totalidade (MARSIGLIA, 2011).
Assim, após planejarem juntas as propostas, Carla envia, no último ciclo do
estudo, o planejamento da atividade que realizou após receber o auxílio da pesquisadora
(AULA 2), em que diferente da AULA 1, estrutura um planejamento, contendo apenas
um objetivo:
62
Conceitos já elucidados no capítulo 2, nos pressupostos teóricos da pesquisa, na p. 89.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 149
4.1.1.2 DO PREPARO CONCEITUAL E DOS MATERIAIS PARA REALIZAR A ATIVIDADE
Ao considerarmos as múltiplas tarefas compreendidas na AULA 1, outro aspecto
evidente é a fragilidade no domínio do conteúdo a ser ministrado. Ao transitar pelas
definições de lendas, fábulas ou mesmo de reportagem, Carla não parece dominar o
assunto que pretende ensinar.
AULA SOBRE NOTÍCIA
Objetivo: conhecer o texto informativo Conteúdo: notícia – texto impresso e oral (telejornal) Orientações didáticas: (1) levar os alunos para a multimídia e
apresentar-lhes dois noticiários (breves) para observarem como as notícias são anunciadas e que esse tipo de texto não se restringe a jornais e revistas, mas está presente também nos telejornais;
(2) oferta de diversos tipos de notícia de forma que, em duplas, possam conversar sobre as características e funções deste tipo de texto.
(3) socialização com o grupo maior sobre as características e funções desta modalidade de texto informativo (uma criança escreverá a construção do grupo sobre as características e funções desta modalidade de texto);
(4) síntese individual no caderno; e (5) colar a folha com a síntese do grupo no
cartaz dos textos informativos. Materiais: reservar Multimídia, notícias
impressas, cartaz com o título TEXTOS INFORMATIVOS.
Observações:
TEXTOS INFORMATIVOS
NOTÍCIAS REPORTAGEM
Afixar folha produzida no momento de socialização
SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES 02/12/2011 Aula de reforço sobre concordância nominal e verbal a. Objetivo: Reforçar o conceito de
concordância nominal e verbal b. Conteúdo: Concordância nominal e verbal c. Orientações didáticas:
a) solicitaremos às crianças que se dividam em trios.
b) cada trio receberá algumas frases, que estarão sem sentido e elas deverão colocá-las em ordem. (concordância nominal: o substantivo estará de uma cor e o restante das palavras estará de outra cor. Concordância verbal: o verbo estará de uma cor e o restante das palavras estará de outra cor.)
c) O grupo que conseguir organizar as frases primeiro será o vencedor.
(e-mail enviado à pesquisadora em
01/12/2011)
Figura 12 – Planejamento de aula realizado com o auxílio da pesquisadora e outro sozinha. O quadro esquerdo corresponde a um planejamento feito em parceria com a pesquisadora, enquanto o direito foi elaborado apenas pela professora, após receber o auxílio da pesquisadora, remetendo-se, portanto, à AULA 2.
“Então, assim, a parte de jornalismo, a parte de revista, internet, tudo tem uma reportagem. Ou que é verdadeira ou que é falsa ou que é lenda ou fábula... É reportagem.”
(AULA 1, 09/08, 00:45:34)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 150
Diante dessa observação, foi necessário incentivá-la a estudar previamente o
conteúdo que iria lecionar, para que se sentisse mais confortável na situação de ensino.
Além disso, a oferta de material teórico sobre os assuntos que seriam lecionados tornou-
se mais frequente, com a disponibilização de materiais relativos a aspectos gramaticais
como artigos, adjetivos, advérbios, vírgulas, dentre outros.
A conduta acima descrita mostrou-se eficiente em algumas das propostas que se
sucederam, como no caso do ensino dos conceitos de reportagem, notícia ou mesmo do
texto publicitário. No entanto, não assegurou uma melhor preparação teórica da docente
para todas as propostas, como foi o caso da atividade de verificação de substantivo,
adjetivo e artigo e de concordância nominal.
No caso da primeira proposta – verificar o que os educandos sabiam sobre
substantivo, adjetivo e artigo –, Carla solicitou aos alunos a leitura de uma anedota e
pediu, em seguida, que identificassem os substantivos, adjetivos e artigos presentes no
texto. No entanto, ao corrigir a tarefa, a própria professora deparou-se com algumas
dúvidas quanto à função de determinadas palavras e, ainda, em relação a como
Figura 13 – Aula sobre texto publicitário. Carla explora o texto publicitário com a turma, levando-os a pensar sobre as características e funções deste tipo de texto (09/09/11)
“Então, pelo que vocês me disseram, o texto publicitário, as propagandas, servem para anunciar algo. É para anunciar algo que nós queremos vender. Aí, dentro desse texto, a gente anuncia, a gente fala o que este produto tem, o que oferece. Usam cores que mais chamam a atenção, que cobiça, a vontade de comprar (característica).”
(CONJUNTO DE AULAS, aula sobre texto publicitário, 09/09, 00:26:00)
Coordenadora: O que eu achei mais relevante no seu projeto foi a mudança na prática da professora com quem você esteve em sala de aula. Diretora: E você percebeu isso bem de perto, né? (comentando com a coordenadora). Coordenadora: É! Foi uma mudança muito grande. Acho que isso foi super-relevante. Diretora: É, ela (mudança) foi muito percebida, bem evidente. Eu creio que, para ela (professora), foi bastante gratificante, porque ela mesma se posicionava e falava: “Aí, é difícil! Eu tenho que pesquisar, eu tenho que [...]”. Então, eu achei que para ela, também, foi de extrema importância... Foi muito bom! E, para a escola, obviamente, é um trabalho indireto, porque ela aprendeu muito, melhorou a prática dela e, consequentemente, a escola também se beneficiou. E o mais importante: as crianças se beneficiaram muito!
(Entrevista final com a diretora e a coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 151
esclarecer o significado de alguns vocábulos, caso, por exemplo, de airbag. Durante a
terceira sessão de autoconfrontação (ACS3), a pesquisadora questionou a professora
sobre como ela se preparou para apresentar aos alunos a proposta em pauta:
Já no tocante à concordância nominal, após
solicitar a escrita de algumas sentenças aos
educandos, seguindo a dinâmica descrita no quadro
de atividades realizadas, Carla demonstra nenhum
domínio do conceito: “Quando eu não especifico e
coloco o pronome ELA, fica difícil para concordar,
na concordância, tá, para concordar com o meu
raciocínio, com o meu pensamento, com a estrutura
da frase” (CONJUNTO DE AULAS, atividade de
concordância nominal, 08/11, 00:18:20).
Mais adiante, a docente complementa que em um texto, quando o autor se refere a uma
pessoa já mencionada ou já apresentada, é possível empregar os pronomes ELE ou
ELA. No entanto, em uma frase – quando não sabemos ainda de quem se trata – é mais
adequado mencionar o nome da pessoa ou do objeto ao qual se está referindo. Na
sequência, Carla diz: “Tanto o artigo, quanto o substantivo, quanto o adjetivo, quanto o
– Como foi a sua preparação para esta aula? Então, assim, foi oferecida uma anedota para as crianças e, a partir da anedota, a gente verificaria o que eles sabiam sobre os substantivos, os adjetivos e os artigos. Como você se preparou para esta...? – indaga a pesquisadora.
– No caso, assim, eu não sentei para estudar. Eu vi alguns materiais que eu tenho. Falar que eu fui procurar na internet, falar que eu fui me aprofundar... Não. Pelo que a gente sabia, pelo que tinha estudado com eles, eu achei que era o suficiente. Até então tinha sido suficiente. Pesquisadora mostra a situação em que ela (pesquisadora) explica aos educandos o conceito de airbag e questiona à Carla o que aconteceu naquele momento.
– Eu não soube explicar referente ao airbag.
Na sequência, a pesquisadora mostra outra situação em que Carla teve dúvida sobre a função exercida por uma das palavras e pergunta para a pesquisadora qual é ela.
– E aqui, Carla? – pergunta a pesquisadora querendo saber o que teria acontecido na situação.
– Então, na verdade, eu não parei para analisar a anedota... Falar “deixa eu verificar o que é cada coisa, não”. Não fiz isso. Estava fazendo isso na hora. Por isso que acabou surgindo dúvida.
– Durante a atividade, né? – completa a pesquisadora.
– Durante a atividade. Coisa que não pode acontecer – esclarece a professora. (3ª Sessão de autoconfrontação, 22/11/2011, 00:09:40)
De acordo com as regras de concordância nominal, os termos referentes ao substantivo – adjetivo, numeral, pronome e artigo – devem concordar com ele em gênero (masculino ou feminino) e em número (singular e plural). Já a concordância verbal diz respeito à variabilidade do verbo, de modo a fazer com que ele concorde com o número e a pessoa verbal.
(CUNHA, 2007, p. 510)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 152
verbo... Tudo tem que entrar num acordo para que tenha o quê? Sentido, para que a
frase tenha sentido. Tudo tem que concordar” (CONJUNTO DE AULAS, atividade de
concordância nominal, 08/11, 00:19:25).
Sem bom domínio do conceito de concordância, Carla, apesar de oferecer
sugestões interessantes sobre como evitar repetições, apresentou de forma aligeirada e
vaga, o conceito de concordância, sem promover, antes, sua compreensão por parte dos
alunos. Essa situação foi interrompida com o sinal do intervalo, oportunidade
aproveitada pela pesquisadora para retomar o conceito com a professora e pensar sobre
como construí-lo de maneira mais simples junto aos educandos, quando retornassem à
sala. A percepção de que a oferta prévia de material acerca dos conceitos não conseguiu
assegurar, portanto, uma prática de ensino adequada levou à decisão de selecionar essa
atividade para discussão na ACS3. Nessa oportunidade, Carla foi igualmente
questionada, entre outras questões, sobre como se preparou para lidar com essa questão.
Prontamente, ela respondeu que teria se preparado mais do que para a atividade dos
substantivos (31/10), tendo lido os materiais e procurado se informar mais. Atribuiu o
pouco êxito da proposta a um imprevisto, que a teria levado a se “perder” nos
procedimentos (ACS3, 25/11, 00:16:50).
Mais adiante, no entanto, quando levada a comentar a intervenção da
pesquisadora acerca da definição de concordância nominal no intervalo da atividade e
como teria se sentido ao retomar a explicação do conceito após o intervalo, o seguinte
diálogo foi registrado:
– Como você se sentiu ao dar esta aula? – questiona a pesquisadora.
– Assim, eu me senti perdida, devido a nós termos planejado de um jeito e foi totalmente de outro, porque houve imprevisto. Planejamos de um jeito e saiu de outro... não muito legal. – responde Carla.
– E você lembra quais foram esses imprevistos?
– Foi da multimídia... Era para ter ido para lá, acabamos não indo e acabou tendo que improvisar. Então, assim, eu também acabei me atrapalhando, pois pensamos de um jeito e foi de outro. Acabou saindo assim... Não muito legal.
(ACS3, 25/11, 00:01:55)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 153
Diante das falas acima, pode-se depreender que o processo de se autoconfrontar
com suas aulas revelou-se profícuo, à medida que Carla, ao ver-se em atividade, passou
a ter consciência de que, apesar dos “imprevistos” ocorridos na ocasião, questões ainda
mais relevantes teriam dificultado sua atividade docente, como a fragilidade quanto ao
domínio do conteúdo e a precária apropriação do planejamento. Em outras palavras, a
docente deixou de atribuir única e exclusivamente a responsabilidade pelo pouco êxito
da proposta aos fatores institucionais (não poder utilizar o espaço reservado para a aula)
e passou a implicar-se nesse processo, reconhecendo sua importância e a necessidade de
se preparar com antecedência para a atividade, seja em relação a questões de natureza
teórica, seja no tocante à seleção de materiais, seja, inclusive, de realizar leitura prévia
do que ofereceria à turma. Essa situação, ao lado de outras em que a professora foi
igualmente questionada sobre como se preparou para a aula, contribuiu para fomentar
um importante processo reflexivo, em que Carla tomou consciência de quão importante
era estar constantemente atualizada e preparada para ministrar suas aulas. Esse aspecto
foi muito salientado por ela, na entrevista realizada ao final do estudo:
– Quando eles voltam do intervalo, você trabalha as frases com eles. Você acha que mesmo com aquela explicação, a aula não atingiu o objetivo? – questiona a pesquisadora.
– Não. Ficou claro. – responde Carla.
– Você acha que eles ainda não conseguiram construir o conceito? Não conseguiram se apropriar?
– Não. E eu assim, eu acabei confundindo e... eu dei uma amenizada na situação, mas ainda não ficou totalmente claro não.
– Então, Carla eu volto a fazer uma pergunta que eu fiz no começo. Além da multimídia, que você falou que abriu mão, alguma outra coisa que você acha que seria necessário fazer diferente... em termos assim... Fazer diferente para que a aula desse certo?
– Se eu me recordo, foi nesta semana que eu fiquei sem computador também. – afirma Carla.
– Eu acho que sim. – concorda a pesquisadora.
– Eu vi [o planejamento], eu vi se não me engano na lan house. Foi na lan house que eu vi. Mas eu tinha visto, mas devido ao computador também, eu acabei... Foi falha minha também.
(ACS3, 25/11, 00:19:20).
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 154
A fragilidade de Carla no que concerne à preparação teórica para ministrar as
aulas esbarra em outro ponto igualmente bastante sensível notado nesta AULA 1: o
pouco cuidado com a preparação dos materiais que seriam utilizados na aula. A oferta
de revistas para que os educandos localizassem reportagens, por exemplo, evidencia,
nessa primeira aula, que, apesar de muito bem intencionada ao procurar promover a
visualização de textos informativos pelos educandos, a seleção desse material não se
deu de maneira prévia e cuidadosa acarretando o oferecimento de revistas recortadas e
com assuntos muitas vezes inadequados (violentos, pouco relacionados ao seu
cotidiano ou, ainda, sem conter reportagens) para crianças de nove anos. Esse assunto
foi abordado durante a sessão de autoconfrontação, pela própria professora:
Pesquisadora: Depois desta experiência, deste estudo que a gente viveu, dos nossos encontros, de você se assistir em atividade... Você nota alguma diferença, alguma mudança na sua atividade como professora? Professora: Ah, sim! Em tudo. Em tudo! Dentro da sala de aula, questão de preparar atividade, avaliação... Em tudo. Hoje eu já penso bem diferente de como eu pensava no início do ano. Até mesmo [em relação] ao ano passado. Tem muito o que aprender? Tenho! Muito! Então assim..., falar para você que melhorei 100%, não; melhorei uns 5%, 10%... Nessa mesma entrevista, mais adiante: Pesquisadora: Só para finalizar... se hoje você tivesse a oportunidade de participar de uma formação de professores, uma formação inicial, professores que estão ingressando... saindo da Pedagogia, do magistério, tal, o que você recomendaria para estes professores? Professora: Sempre, sempre... Por mais que a gente tenha terminado algum curso ou a faculdade, tem que sempre estar atualizada, sempre procurando, sempre estudar e assim, algumas das vezes eu fui despreparada para dar aula. [...] E isso não é legal, né? Você acaba dando uma péssima aula. Achando que dá para passar [o conteúdo], mas não dá. Não dá para passar!
(Entrevista final, 09/12/11)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 155
Figura 14 – Aluno buscando localizar uma reportagem na revista. Aluno M. explorando um texto publicitário em vez de uma reportagem (09/08/11)
Weimer (2002) aponta ser central a preparação de um “clima” para a
aprendizagem. Para ele, a preparação das atividades, assim como a forma como elas são
apresentadas aos educandos, é um dos principais fatores63 responsáveis pela promoção
de um ambiente positivo para o aprendizado. Ao observar-se em atividade – e
63 As oportunidades de interação professor e alunos e desses entre si, a participação dos educandos nas propostas, a qualidade do relacionamento dos educandos, o prazer dos alunos ao participar das propostas, a inovação nas atividades, assim como a possibilidade de decisão que era oferecida aos alunos constituem fatores centrais quando se pretende criar um ambiente facilitador da aprendizagem.
– “Teve a parte da reportagem, também. Nós já estávamos na apostila, aonde entrou reportagem. Eu acabei me confundindo e fiquei insegura também, né? Meu deus, a gente não está falando sobre reportagem. Então, eu só dei uma pincelada, coisa que eu nem deveria ter entrado no caso, no assunto, naquela hora. [Deveria] ter esperado a atividade que nós fizemos (referindo-se à atividade que a professora e a pesquisadora planejaram juntas, após a realização da triagem com os educandos) para depois ter ido para aquela parte da apostila. Aonde eu até mesmo, na hora do M., ele falou ‘Ah, eu não achei.’ Aí, eu peguei lá uma parte sobre... Não era uma reportagem, era uma propaganda, um anúncio (o material que ela acabou mostrando para o aluno). E eu acabei nem me aprofundando. Eu não acabei pegando a apostila novamente para ver o que que é, se um anúncio ou uma propaganda, né? Aonde um dos tópicos que eu errei, também.”
(ACS1, 18/08, 00:03:00)
ATIVIDADE SOBRE GÊNERO LINGUÍSTICO – TEXTOS INFORMATIVOS (REPORTAGEM)
Objetivo: conhecer o texto informativo Conteúdo: reportagem – texto impresso e oral (telejornal) Orientações Didáticas: 1) levar os alunos para a multimídia e apresentar-lhes duas reportagens para observarem como se delineia esse tipo de texto e que não se restringe a jornais e revistas, mas também aos telejornais; 3) oferta de alguns tipos de reportagem para que, em duplas, conversem sobre as características e funções deste tipo de texto; 4) socialização com o grupo maior sobre as características e funções desta modalidade de texto informativo (uma criança escreverá a construção do grupo sobre as características e funções dessa modalidade de texto; 4) síntese individual no caderno; 5) colar a folha no cartaz dos textos informativos e, 6) informar aos alunos que após o feriado receberemos a visita de um jornalista que poderá nos contar um pouco mais sobre o processo de elaboração de uma reportagem, esclarecer dúvidas e que podemos elaborar um roteiro de perguntas.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 156
percebendo o resultado negativo de sua atuação um tanto improvisada no tocante à
preparação dos materiais –, Carla, incentivada pela pesquisadora, procurou pensar e
preparar previamente o material necessário para suas aulas, ainda que tenha contado
com o auxílio da pesquisadora, em algumas delas. As que tratavam das fábulas, bem
como de substantivo, artigo, adjetivo, verbo, reforço dos porquês, além das propostas
acerca de reportagem e notícia podem ser citadas como exemplos de atividades
preparadas com maior cuidado.
Figuras 15 e 16 – À esquerda, a aula sobre fábulas (24/08/11) e, à direita, sobre a reportagem (06/09/11). Materiais a serem empregados na realização do planejado, assim como o espaço onde ocorreram foram pensados e organizados antecipadamente.
A fragilidade ocasionalmente demonstrada no tocante ao domínio do conteúdo a
ser ensinado, assim como o preparo aligeirado dos materiais antes da realização de
algumas atividades, poderia suscitar no leitor a ideia de uma professora pouco envolvida
ou pouco comprometida com sua atividade. No entanto, não é essa a hipótese que
melhor traduz a professora em questão. Exatamente por ter se deixado afetar pelo estudo
aqui discutido, Carla viveu um intenso conflito tentando conciliar as dimensões
profissionais e pessoais de sua vida. Tanto as tarefas profissionais, quanto as domésticas
aumentaram; as primeiras, em função de sua participação no projeto, o que tomava
A primeira parte desta atividade foi realizada na sala do maternal, inclusive com a presença dessa turma. A professora preparou um teatro para contar-lhes uma fábula. Para tanto, trouxe lanternas, combinou com as professoras do maternal, arrumou o teatrinho, os fantoches e apropriou-se bem da fábula que contaria. Tudo isso levou a uma maior liberdade para dar “toques pessoais” na história, ao a narrar.
(Quadro de descrição das atividades realizadas, aula sobre fábulas, CONJUNTO DE AULAS, 28/08)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 157
ainda mais tempo para planejamentos e autoconfrontações. Já as segundas decorriam,
notadamente, da atenção que precisava dar ao filho de dois anos e meio, que necessitava
se submeter a uma série de exames e consultas médicas imprescindíveis para o
acompanhamento de sua saúde e, eventualmente, decidir por submetê-lo a uma cirurgia.
Adicionalmente, Carla não contava com um respaldo para ajudá-la nos cuidados com o
filho e nos afazeres domésticos. Não era incomum a professora comentar informalmente
sobre seu cansaço, sobre a rotina que se estendera até a madrugada, sobre seus muitos
desânimos. Ao final do estudo, ela desabafou:
A fala acima esclarece que, apesar de se entusiasmar para participar do estudo,
considerando-o como uma possibilidade de atualização profissional, Carla só poderia
beneficiar-se e dedicar-se inteiramente a ele caso contasse com maior respaldo familiar
no tocante às tarefas domésticas, notadamente, em relação ao filho. Como esse apoio
não lhe foi oferecido na medida de suas necessidades, a docente optou por não abrir
mão do trabalho, nem do estudo, honrando o compromisso assumido tanto com a
instituição escolar, quanto com os educandos, colegas de trabalho e com a pesquisadora.
Mas apenas desejo e boa vontade não foram suficientes: Carla só conseguiu participar e
cumprir parcialmente as tarefas demandadas pela escola e pela pesquisadora. Essa
situação estendeu-se até o final do ano, quando Carla, possivelmente ciente de que não
estava se dando afetiva e cognitivamente a seu trabalho como gostaria e como
considerava adequado, optou, bastante emocionada, por suspender a atividade docente
temporariamente, para dedicar-se exclusivamente ao filho, como fica claro nas falas a
seguir:
No início, foi o que eu falei para a minha mãe: “Eu tenho que aproveitar, pois é como se eu estivesse estudando novamente”. Só que para eu estudar novamente, com a pesquisadora – eu não estou diretamente numa universidade, mas eu estou... – “só que eu preciso da ajuda de vocês para que fique um pouco mais com o J.V.” (referindo-se à ajuda da mãe para cuidar do filho para que ela pudesse se dedicar à pesquisa). Assim, eu sei que poderia ter me doado mais, me dedicado mais, mas ocorreram várias coisas que impediram que isso acontecesse. Eu sei que o resultado seria bem melhor, mas foi o que eu pude...
(Entrevista final com a professora, 09/12/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 158
Esse conflito é, inclusive, percebido pela diretora, como fica claro em sua fala:
Diante do exposto, o que se observa é que Carla demonstrou algumas mudanças
importantes, ao se conscientizar de sua responsabilidade no tocante à preparação das
atividades docentes, seja no âmbito conceitual, seja em relação à preparação de
materiais. No entanto, tais alterações na prática docente foram tencionados fortemente
por questões relativas à vida pessoal da professora, possivelmente impedindo ou
inibindo um processo de mudança mais amplo.
4.1.2 DAS AULAS MINISTRADAS
4.1.2.1 SALA DE AULA: O PROTAGONISMO INFANTIL E AS NOVAS
CONFIGURAÇÕES PARA MELHOR PROMOVÊ-LO
Diferentemente da maneira como costumava organizar os educandos – sentados
em fileiras –, para a realização da AULA 1 Carla pediu-lhes que fizessem uma roda com
Professora: Eu aprendi muito, mas em primeiro lugar vem a vida do meu filho, que eu não posso abrir mão. Assim, eu tenho muito o que agradecer a você, por tudo o que eu aprendi. Não foi fácil. Teve dia que tinha vontade de largar tudo, né, que juntou muita coisa. Mas foi bom! Aí, eu vejo todo esse trabalho que a gente fez, que nós fizemos juntas e, o ano que vem, provavelmente, eu vou ter que parar de trabalhar, né? Então, assim, eu não quero que você jamais pense que eu não dei valor. [...] E para ser professora, assim, tem que ter muita dedicação. Muita, muita, muita! Não é igual que o pessoal acha que a gente ganha assim: – “Ah, você ganha bem por trabalhar meio período”. Mas eu não trabalho só meio período! Pesquisadora: É muito mais! Quem realmente está envolvido, quando você está na educação, você sabe que [meio período] é pouco. É pouco porque a gente trabalha muito mais do que a sala de aula para estudar, para planejar, para corrigir prova, para pensar no que você vai fazer... Muito mais! Professora: É bom, é gostoso, mas assim... Foi o que você falou: “Eu preciso estar bem, pelo menos em casa, para poder [trabalhar como é preciso]”.
(Entrevista final com a professora, 09/12/2012)
Diretora: [O estudo se deu] numa época que para ela, pessoalmente, estava muito difícil. Muito preocupante até. E eu acredito até que ela tenha, éh... Tido muita dificuldade e o conflito, inclusive de que se ela deveria ou não seguir a carreira. [...] Porque assim, na hora que ela viu que o [nosso] movimento era outro... Nossa... ela deu uma reviravolta. Então, esse conflito foi muito grande para ela, né?
(Entrevista final com a diretora e a coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 159
as carteiras. Inspirada na forma como observava a pesquisadora organizar os alunos, a
docente aproveitou essa primeira atividade filmada para propor algo diferente,
“afastando-se do tradicional”, como ela mesma disse. Quando questionada sobre o
porquê dessa forma de organizar os educandos, Carla esclareceu:
Na busca de distanciar-se do “tradicional” e aproximar-se do “construtivismo”,
Carla propôs uma maneira diferente de organizar os alunos. Esta conduta, ao lado de
outras que também pôde observar e experimentar nas propostas, parecia coadunar-se
bem à fase que vivia em seu ciclo de vida profissional, tal como descrito por Huberman
(1992). Nesta etapa, “as pessoas lançam-se, então, numa pequena série de experiências
pessoais, diversificando o material didáctico, os modos de avaliação, a forma de agrupar
os alunos, as sequências dos programas etc.” (p. 41). Essa nova forma de viver a
docência não se dá ao acaso, pois, segundo o autor, vem justamente depois de uma fase
de estabilização, quando tanto a insegurança, quanto o sentimento de descoberta, ambos
característicos do início da carreira, parecem já superados. Assim, quando se está mais
seguro do gênero profissional, chega o momento de lançar-se ao novo, ao diferente,
confortável que se está para imprimir e assumir ‘o próprio jeito de ser professor’.
Não obstante, apesar de propor uma nova maneira de organizar a turma, ficou
claro por meio da fala de Carla que, para ela, esse arranjo da sala de aula dependia
menos da natureza da atividade do que do comportamento dos alunos. Assim, se eles
estivessem “comportados”, poderiam se sentar de modo mais aconchegante como em
roda ou em semicírculo. Mas, se estivessem agitados, cabia fazê-los se sentar do modo
“tradicional”. À maneira como Carla expunha as condições necessárias para organizar a
“Eu acho que esta disposição – roda – ajuda, pois sai do tradicional e eles acabam visualizando todos”... Consegue escutar, visualizar, fica mais à vontade, fica mais aconchegante e todos participam. Do que sentar um aqui, o outro ali, outro lá no fundo... E talvez aquela do fundo fale um pouco mais baixo. Por mais que em roda, aquela do fundo também fale mais baixo, mas dá para... ver o que ela quer expressar, o que ela quer falar. Eu acredito que trabalhar em roda o resultado é bem melhor do que o tradicional – sentando um atrás do outro. É claro que tem momento que tem que sentar um atrás do outro, não tem como: provas, atividade individual – para ver como cada um está se saindo. Dependendo do dia em que eles estão, se estão mais agitados, tem que colocar separado mesmo para que possam ficar mais calmos e que prestem mais atenção na aula. Por mais que a aula seja aquela aula que... que precise da participação. Por mais que precise da participação, precisa ficar todo mundo separado senão eu não consigo dar aula e eles não conseguem prestar atenção, eu não consigo passar o que tem que passar para eles chegarem no objetivo que têm que chegar. Então depende. Eu falo que cada dia é um dia completamente diferente e a gente não sabe o que vai encontrar pela frente. É o momento... É o momento que vai te dizer.”
(1ª Sessão de autoconfrontação, 18/08, 00:13:20)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 160
turma foi se delineando um sistema de recompensas e punições muito próximo aos
moldes tradicionais de ensino: se comportados, mereciam se sentar de modo mais
aconchegante, próximos uns dos outros; mas, se tumultuassem, deveriam se sentar de
modo menos confortável, um atrás do outro. Condutas mais alinhadas aos moldes
“tradicionais” de ensino estavam igualmente presentes na maneira como conduziu a
proposta. Por mais que os educandos estivessem sentados em semicírculo – algo que
favoreceria uma melhor visualização e a ocorrência de mais trocas entre eles – Carla
mantinha uma dinâmica de aula em que os alunos viam-se como que obrigados a se
dirigirem predominantemente à professora, ou seja, seu ensino era ainda centrado na
figura do professor:
Figura 15 – Dinâmica de aula em que os alunos se dirigem predominantemente à professora. Apesar de sentados em semicírculo, os alunos dirigem-se predominantemente à docente (09/08/11)
Com isso, o que parece mais evidente neste primeiro movimento realizado pela
professora é que, mesmo dispondo-se a atuar de maneira diferente na forma de
organizar a turma no espaço da sala de aula, a prática docente fundamentava-se nos
pressupostos de uma Pedagogia mais tradicional, cujo protagonismo recai quase
exclusivamente na figura do professor.
Um contato mais próximo de Carla com as ideias de uma Pedagogia Histórico-
Crítica só veio a se dar a partir da formação teórica oferecida no decorrer da presente
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 161
pesquisa, nos momentos de elaboração conjunta de planejamentos e na realização das
propostas feitas com a ajuda da pesquisadora. Nestas oportunidades, a professora pôde
compreender que a organização dos alunos em semicírculo não decorre de um sistema
de recompensas e punições diretamente relacionado ao comportamento discente,
tampouco por um ensino focado na figura do professor. O que estava em pauta era a
própria prática pedagógica, notadamente sua mudança para um ensino mais interativo e
participativo. Essa organização do ensino decorre de uma concepção de ensino-
aprendizagem que acredita no benefício das trocas entre os alunos, algo que justifica
lhes oferecer mais oportunidades para se sentarem ao lado, em duplas, trios ou mesmo
em pequenos grupos. Essa questão passou a ser mais uma das intervenções realizadas
pela pesquisadora.
O ensino fundamentado nos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica está
comprometido com a transformação da sociedade (SAVIANI, 1991), o que,
inevitavelmente, está relacionado ao protagonismo discente. Preocupado em assegurar a
formação de sujeitos críticos, que participem ativamente da sociedade, estando,
inclusive, aptos a engendrarem nela mudanças, esse ensino orienta-se pelos seguintes
princípios: 1) deslocar o protagonismo do professor para o educando; 2) promover mais
momentos de descobertas realizadas pelos alunos; 3) planejar propostas de modo a levar
os alunos a articularem e/ou superarem, dialeticamente, os conceitos cotidianos,
alcançando os científicos; e 4) incentivar momentos de aprendizagem conjunta entre os
alunos, seja em duplas, trios ou grupos (WEIMER, 2002).
A professora discutiu tais orientações com a pesquisadora, quando se conversou
sobre a importância das atividades envolvendo pares. No entanto, o que se pôde
observar, como um segundo movimento da docente, em uma atividade cujo
planejamento fora elaborado com a pesquisadora, foi os alunos agrupados em círculo,
mas sem muita convicção de Carla sobre os benefícios que essa conduta traria, pois ela
duvidava da possibilidade de os alunos aprenderem uns com os outros. O conflito foi tal
que a professora não resistiu: orientou a classe a trabalhar de maneira individual. Isso se
passou na aula de contos, que previa que, após contato com textos dessa modalidade, os
educandos conversassem sobre suas características e, na sequência, socializassem seus
achados com o grupo maior. Carla pediu para que cada estudante escrevesse em seu
caderno os atributos e funções deste tipo de texto.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 162
Ao observar que, para esta atividade, Carla não estava trabalhando em grupos
conforme o esperado, a pesquisadora interviu procurando resgatar a relevância do
trabalho coletivo. Novamente, a necessidade do protagonismo infantil foi retomada,
procurando esclarecer que, além da docente, os educandos também podem atuar como
importantes mediadores na aprendizagem de seus colegas. Gradualmente, foi possível
notar que Carla passou a aceitar essa ideia, concordando com as novas formas de
organizar os educandos discutidas com a pesquisadora, como ilustram as figuras a
seguir:
Os alunos foram organizados em três grupos e cada grupo receberia um conto diferente, todavia, cada criança recebeu uma cópia do conto. Finalizada essa primeira parte, a turma se dirige a sua sala, e, ainda organizados nos mesmos grupos, as crianças discutem sobre quais são as características de um conto – a partir do que leram – e escrevem individualmente no caderno. Mesmo solicitando à professora para fazerem uma escrita coletiva – já que seria fruto de uma discussão do grupo – essa pede que cada um escreva no caderno quais as características desta modalidade de texto narrativo a partir da discussão realizada no grupo: “não é para copiar da amiga. Cada um escreve o que compreendeu em seu caderno”. Apesar de algumas trocas, os educandos acabam trabalhando de modo preferencialmente individual nessa etapa em função do registro que cada um deveria ter no caderno ao final desta etapa. (CONJUNTO DE AULAS, quadro de descrição de atividades, aula de contos, 22/08/2011)
Figura 16 e 17 – Alunos reunidos em grupo, mas trabalhando individualmente. Apesar de reunidos em grupo, os educandos trabalham individualmente.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 163
Figura 18 e 19 – Alunos trabalhando em duplas. À esquerda, alunas, trabalham em dupla para elaborar o conceito de notícia (05/09/11). A figura da direita retrata o momento da socialização, quando as duas garotas discutem sobre os diferentes entendimentos do que vem a ser noticia.
Paulatinamente se apropriando dos pressupostos de uma Pedagogia Histórico-
Crítica, a professora, também incentivada pela pesquisadora, passou a promover, cada
vez mais, oportunidades para os alunos trabalharem também em trios e em pequenos
grupos, como ficou evidente em propostas nas quais, por exemplo, foi necessário que
elaborassem uma reportagem e, ainda, que pensassem sobre o emprego correto dos
porquês:
Figura 20 e 21 – Alunos trabalhando em trios e pequenos grupos. À esquerda, alunos elaboram uma reportagem sobre a dengue (20/09/11). À direita, as educandas participam do reforço sobre o emprego correto dos porquês (03/10/11)
É importante mencionar, aqui, um deslize cometido na AULA 1, no tocante à
formação de parcerias entre educandos: Carla acabou unindo um aluno com pouca
fluência em leitura e escrita com uma outra em processo de alfabetização. As discussões
com a pesquisadora fizeram com que a professora ficasse atenta à composição de
díades, trios ou grupos, passando a pensar e registrar em seu planejamento – com o
auxílio da pesquisadora – como os alunos seriam agrupados:
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 164
Já ao final do estudo, quando melhor familiarizada com o referencial teórico em
questão, Carla propôs, na AULA 2, como reforço do conceito de concordância nominal
e verbal, uma proposta a ser realizada em grupo. Aqui, ela exerceu um papel mais
próximo do de mediadora, sugerindo não apenas uma atividade interessante e
envolvente, mas, sobretudo, deixou que os educandos assumissem o protagonismo, pois
interviu somente quando se fez necessário. Ao assim proceder, procurava não oferecer
prontamente as respostas, mas levantar novas questões, como ficou claro tanto na
descrição da atividade, quanto nas ilustrações que se seguem:
ATIVIDADE SOBRE GÊNERO LINGUÍSTICO – TEXTOS NARRATIVOS (CONTOS)
a. Objetivo: construir o conceito de conto. b. Conteúdo: Características e função deste tipo de texto. c. Orientações Didáticas: (1) crianças recebem um conto – avisar que estudarão diferentes tipos de textos narrativos e
que hoje será o conto - (cada trio lerá um conto, porém cada criança receberá o seu); (2) após sua leitura, discutem nos trios quais as características deste tipo de texto (escrever); (3) finalizada esta etapa, socializam com o grupo maior e com a professora o que escreveram
na etapa anterior, reunindo, em uma só folha, seu entendimento sobre o que é um conto; (4) cada criança escreve no caderno a síntese do que entendeu sobre esta modalidade de texto
narrativo; e (5) afixa a folha produzida no momento da socialização no cartaz sobre textos narrativos.
Materiais: três tipos de contos diferentes (extraídos do livro – GRIMM, Jacob. Contos dos Irmãos Grimm. Rio de Janeiro: Rocco, 2005), um conto para cada criança, folha sulfite para as crianças registrarem as características do conto e cartaz com título: textos narrativos.
d. Observações: R. (aluna em processo de alfabetização) e M. (pouca fluência em leitura e escrita) ficam com a professora na primeira parte da atividade. R. fica com os colegas L. e B. no momento dos grupos e M. (aluno com pouca fluência em leitura e escrita) fica com as alunas G., P. e RL. (outro grupo: G. dos A., G. N. e Y.) Ajudar a R. no momento da síntese.
TEXTOS NARRATIVOS CONTOS LENDAS FÁBULAS
Afixar folha produzida no momento de socialização
(CONJUNTO DE AULAS, planejamento da atividade sobre contos, realizada em 22/08/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 165
Figuras 22, 23, 24 e 25 – Educandos trabalhando em grupo no reforço sobre concordância nominal e verbal
Ao distribuir o material, os alunos ficam 11 minutos bastante envolvidos com a proposta: pensam sobre como elaborar as frases, deslocam-se à lousa para colar as sentenças, retornam ao lugar e, inclusive, discutem situações-problema como, por exemplo, a falta de um verbo ou adjetivo para completar a oração que tinham em mente. Ao observar este movimento da turma, Carla diz: “Gostei!”, ainda que em alguns momentos os alunos dirijam algumas questões para a professora, ela não as responde de pronto, deixando que pensem e discutam sobre o que consideraram mais adequado. A tarefa desenrola-se até os educandos não mais conseguirem elaborar frases, deixando algumas palavras sem usar, sobre a carteira. Nesse momento, Carla oferece-lhes uma nova oportunidade: rever as frases elaboradas, verificar se estão corretas e se desejam modificá-las, aproveitando as palavras que sobraram. Essa possibilidade parece ter levado os alunos a se envolvem ainda mais, seja dirigindo-se à lousa para rever o que colaram, seja para reavaliar se fizeram o melhor aproveitamento das palavras. Concluído esse momento, a professora parte para a análise de cada uma das frases da lousa juntamente com a turma, deixando que eles apontem a concordância entre as palavras ou mesmo se falta nas frases algum vocábulo.
(AULA 2, 02/12/11, quadro de descrição de atividades.)
REALIZAÇÃO DO REFORÇO DE CONCORDÂNCIA NOMINAL E VERBAL Conteúdo: Concordância nominal e verbal Orientações Didáticas: 1) Solicitaremos às crianças que se dividam em trios; 2) Cada trio receberá algumas frases, que estarão sem sentido e eles deverão colocá-las em ordem. (Concordância nominal: o substantivo estará de uma cor e o restante das palavras estão de outra cor. Concordância verbal: o verbo estará de uma cor e o restante das palavras estará de outra cor); 3) O trio que conseguir organizar as frases primeiro será vencedor. Material: Preparar as tiras com as frases para os dois grupos, durex
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 166
As duas figuras superiores e a esquerda inferior retratam os educandos
trabalhando em grupo, empenhados na tarefa de elaborar sentenças que respeitassem as
normas de concordância nominal e verbal. Já a figura inferior, à direita, mostra o
momento em que Carla corrige com a turma as frases elaboradas, incentivando-a a
opinar sobre sua adequação (ou não).
Ao promover mais oportunidades para os educandos se envolverem em
propostas colaborativas, a docente proporcionou boas condições para o processo de
ensino-aprendizagem, tais como: 1) uma base empírica de experiências que permitiram
aos educandos relacionar os conceitos científicos com os cotidianos; 2) uma maneira
crítica de assistência – dialógica – para o desenvolvimento do pensamento, da resolução
de problemas, de elaboração, expressão e, até mesmo, de negociação de diferentes
ideias, ao falar e escrever; 3) uma orientação clara aos educandos sobre como participar
das propostas por meio do questionamento e compartilhamento de ideias e
conhecimentos (THARP ET AL., 2000).
Cabe também comentar que, além da professora, os educandos também se
entusiasmaram ao trabalhar em duplas, trios ou grupos. Esse fato foi observado nas
atividades de reforço sobre os conceitos de reportagem e notícia (20/10/11). Na
proposta, as parcerias foram cuidadosamente pensadas, procurando unir um aluno mais
experiente nesses conceitos com outro que estivesse neles titubeando, conforme
verificado na última avaliação realizada antes dessa atividade. Na ocasião, uma das
duplas formadas reunia educandas que obedeciam não apenas a essas condições, mas
também a outra, agora de cunho interpessoal, envolvendo um caso de bullying64:
agressora e vítima formavam um mesmo par. O interessante nessa situação era que a
vítima detinha maior domínio do conceito, o que levava a agressora a demandar seu
auxílio. Após a conclusão da proposta as garotas relataram:
64 Neste caso a agressão se dava predominantemente de modo verbal e por meio de algumas atitudes de exclusão, não envolvendo agressividade física.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 167
4.1.2.2 DINÂMICA DA AULA: TRANSCENDENDO AS ATIVIDADES PREVISTAS NA
APOSTILA
A instituição escolar onde a pesquisa foi realizada adota, como muitas outras,
material apostilado. Na maioria das vezes, são materiais extensos, com informações
pouco contextualizadas à realidade social dos educandos, cuja sequência de tarefas deve
ser fielmente seguida e preenchida, por exigência tanto da equipe gestora, quanto dos
pais que, diga-se de passagem, pagaram caro por esse material! No caso da escola onde
a pesquisa foi realizada, diretora e coordenadora procuraram deixar muito claro que a
apostila deveria ser utilizada apenas como apoio para a atividade docente, devendo a
preparação da aula e sua realização fazer uso de outras fontes e recursos. Assim, a aula
deveria ir muito além desse material, ficando as tarefas propostas pela apostila
basicamente como lição de casa.
Pesquisadora: Como foi para esta dupla trabalhar junto? Aluna G. do N: Foi melhor porque a gente não se entendia muito aí a gente acabou se divertindo. Quando a gente estava rindo de nós mesmas porque a gente estava meio ‘confundida’. Houve alguns conflitos que a gente não sabia como que era, um negócio ou outro, mas aí foi e a gente conseguiu. Pesquisadora: E aí B., o que você achou? Aluna B.: É, eu gostei de fazer com a G do N. Eu queria mesmo fazer com a G. dos A. e com a R., mas aí no finalzinho eu gostei de fazer com ela por causa que a gente se divertiu. Aluna G. do N: É, mas como a professora escolheu a gente, a gente não sabia se a gente ia se dar bem. Mas, olha, o que a minha mãe sempre fala para mim: – “A gente tem que falar com uma pessoa primeiro, para a gente saber como ela é, porque senão você não vai saber como é que ela é. Tipo você vai brincar com um amigo, mas você não deixa – ele quer brincar com você, mas você não deixa. Você não vai saber se ele é bom nisso ou não. Pesquisadora: Você acha que conseguiu ajudar a B. hoje? Aluna G. do N: Sim. E ela também me ajudou em várias partes. Pesquisadora: E você, B.? Você acha que conseguiu ajudar a G. do N.? Aluna B.: Eu acho que eu consegui ajudar ela a fazer mais rápido a lição, por causa que ela coloca muitos detalhes, aí eu falei para ela colocar mais sucinto e eu ‘se’ diverti.
(CONJUNTO DE AULAS, reforço sobre reportagem e notícia, 20/10/11, depoimento das alunas
G. do N. e B., 00:01:50)
Diretora: Normalmente a gente manda para casa. Todo conteúdo é trabalhado aqui de ‘ n’ formas e a apostila vai para casa para lição, porque não tem sentido: “Pegue a apostila página tal, vamos lá, blá blá, responda o exercício”. Não tem esse sentido. Então, algumas questões se precisam ser trabalhadas internas, outras não. O que pode ser mandado para casa, vai para casa para lição de casa. [...] A apostila tem outra finalidade... de término de conteúdo, não de início de conteúdo. [...] Isso é passado para os professores sempre.
(Entrevista inicial com a diretora, 18/02/2011).
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 168
A despeito de tais instruções, Carla, no início do estudo, procurava seguir
fielmente o material apostilado, centrando suas aulas, essencialmente, na leitura das
informações lá contidas e na execução dos exercícios lá propostos. Preocupava-se em
preenchê-la integralmente, temendo que, caso não o fizesse, tivesse de enfrentar queixas
por parte do corpo diretivo ou mesmo dos pais e/ou responsáveis pelos educandos. Essa
preocupação vivida por Carla em muito se assemelha ao descrito por Verceze e Silvino
(2008), ao se dedicarem ao estudo do livro didático e de suas implicações na prática do
professor. De acordo com os autores, temendo desobedecer a uma exigência vinda dos
superiores, parece ser recorrente a preocupação dos docentes em realizar todo o
conteúdo do livro didático. Essa inquietação evidencia um fato bastante preocupante: o
foco crescente do ensino no material didático. Em vez de o professor assumir o
protagonismo do processo de ensino-aprendizagem, selecionando materiais e recursos
que melhor se adequem à realidade social de seus educandos, ele acaba delegando essa
tarefa ao material didático.
Para Soares (2005), isso é observado desde a década de 1950, quando as
gramáticas e antologias até então empregadas no ensino de Português, foram
substituídas por um único livro, no qual se reunia conhecimentos gramaticais, textos
para leitura, exercícios de vocabulário, de interpretação, redação e gramática. A partir
deste momento, esclarece a autora: “[...] já não se remete ao professor; como
anteriormente, a responsabilidade e a tarefa de formular exercícios e propor questões: o
autor do livro didático assume, ele mesmo, essa responsabilidade e essa tarefa, que os
próprios professores passam a esperar dele”. (s/p). Sem embargo, esclarece a autora,
múltiplas são as condições que determinaram esse fato, assumindo nele papel de grande
destaque a depreciação da função docente e a precarização de suas condições de
trabalho:
A necessidade de recrutamento mais amplo e menos seletivo de professores, resultado da multiplicação de alunos [democratização do ensino], vai conduzindo ao rebaixamento salarial e, consequentemente, a precárias condições de trabalho, o que obriga os professores a buscar estratégias de facilitação de sua atividade docente: uma delas é transferir ao livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios. Acrescente-se a isso o fato de que o rebaixamento salarial, e consequente perda de prestígio da profissão docente, muda significativamente a clientela dos cursos de Letras, que começam a atrair para o magistério indivíduos oriundos de contextos pouco letrados, com precárias práticas de leitura e de escrita. (s/p)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 169
Aos aspectos acima apontados, soma-se a experiência de Carla ter sido, até a
entrada na escola onde a pesquisa foi realizada, com um ensino pautado em ideias
próximas às da Pedagogia Tradicional, cuja preocupação central reside na transmissão
de conteúdos “determinados pela sociedade e ordenados pela legislação” (LIBÂNEO,
2006, p. 24). Decorre daí a rara adaptação do material à realidade social dos estudantes,
como ficou claro quando a professora tentou “ensinar” o que era uma reportagem, na
AULA 1. Nessa circunstância, Carla, após concluir a correção de alguns exercícios na
apostila, mudou repentinamente de assunto, partindo para os textos informativos, como
exemplos de reportagens. Questionou os educandos sobre o que acreditavam ser este
tipo de texto, ofereceu-lhes revistas para que localizassem outras reportagens e, na
sequência, como já mencionado, disse qual era a definição dessa modalidade de texto e,
ainda, posteriormente, recorreu à definição apresentada na apostila:
À medida que o estudo avançava e o planejamento das atividades era elaborado
tendo como fundamento as ideias da Pedagogia Histórico-Crítica, Carla se mostrava
bastante receptiva e envolvida com o processo. No entanto, ao entender o “seu jeito de
dar aula” – seguindo a apostila como algo paralelo ao que era proposto pela
pesquisadora – a professora começou a viver uma situação um tanto conflitiva, sem
saber se e como conseguiria ministrar “todas estas aulas” em sua rotina. Esse
questionamento ficou evidente durante o planejamento das aulas para o 3º bimestre
(20/08/2011, 01:49:43) quando, ao final, ao tratar da preparação dos materiais a serem
empregados, Carla subitamente questionou: “E essa lindinha aqui? (referindo-se à
apostila). Olha o que eu estou pensando... Mandar para casa e até mesmo como reforço
(do que foi ensinado em sala)”. Ora, essa era, realmente, a alternativa recomendada
tanto pela equipe gestora, quanto pela pesquisadora e que deveria, portanto, ser acatada.
Muito mais do que saber como “administrar” a apostila em seu dia a dia, Carla
vivia o conflito de se distanciar da maneira “tradicional” de ensinar, para aproximar-se
do modo “construtivista”. “Abandonar” a apostila como recurso central da atividade
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 170
significava, para ela, deixar para trás toda uma concepção de ensino, com tudo o que
prescrevia sobre como dar aulas, uma vez que ela não mais se adequava às expectativas
da instituição escolar e às da própria professora, que também estava em processo de se
modificar:
No entanto, apesar de desejar e de mostrar-se disposta a agir diferente, esse
processo de mudança era encarado por Carla como bastante árduo:
Em sala, esse processo trabalhoso ao qual Carla se referia devia-se, em grande
parte, à mudança na maneira de planejar e de conduzir a aula. A apostila, até então
recurso predominante de sua atividade, passou a ocupar posição secundária em sua nova
dinâmica de ensino. Inspirada nas etapas de atividade sugeridas pela Pedagogia
Histórico-Crítica, as aulas, em sua maioria, acabavam contando com fases que se
estendiam desde a prática social inicial dos conteúdos até a sua prática social final,
passando por sua problematização, instrumentalização e catarse65. É exatamente no
tocante a este aspecto que Carla realizou um importante movimento: partiu de um
grande estranhamento diante de tais etapas e acabou por incorporá-las em sua docência,
não sem muitas idas e vindas.
65 Conceitos já elucidados no capítulo 2, nos pressupostos teóricos da pesquisa, na p. 89.
É trabalhoso demais! Muito. Porque você está acostumado com um ritmo. Aí, você sai daquele seu ritmo, né, e vai para um outro totalmente diferente! Então, assim... Mas está sendo bom, pelo fato de eu já ter terminado o superior. Então, está sendo uma reciclagem. Está sendo boa. Só que assim... é puxado, é muito puxado! Porque eu venho do tradicional, para entrar no construtivismo. Assim, está sendo bom, muito bom, mas eu estou me descabelando.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 00:06:40)
Eu sei que vai demorar um pouquinho, mas eu estou aprendendo, eu estou aprendendo, éh... Como eu já te falei, eu venho de várias escolas tradicionais. Eu tenho que deixar algumas manias, algumas coisas que acaba, por mais que..., alguns costumes tradicionais. Eu tenho que mudar isso eu sei. Não é só aqui, né? Até mesmo no meu dia a dia. Aí, ontem eu estava avaliando: “Será que até mesmo em casa eu não sou muito tradicional? As coisas mudaram, né?” Então, eu acabo me questionando muito, não só aqui, no meu casamento, com o meu filho. “Será que tem que ser assim? Tem que mudar?” Então, acho que esse tradicional tem que... ser banido! (risos)
(Entrevista inicial com a professora, 10/02/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 171
O contato mais próximo da professora com as fases previstas para a atividade
docente de acordo com a concepção da Pedagogia Histórico-Crítica deu-se a partir da
formação teórica e dos momentos de planejamento, ambos realizados em parceria com a
pesquisadora. Esses momentos foram centrais para o esclarecimento da função e da
relevância de cada uma das etapas que a atividade docente deveria contemplar. Partiu-se
para a primeira aula – textos narrativos: contos – já com essa nova dinâmica
(22/08/2011). Após verificação do que os educandos já sabiam sobre contos e daquilo
que gostariam de conhecer (etapas de prática social inicial do conteúdo e de
problematização), planejou-se uma proposta que contava com os passos seguintes, ou
seja, instrumentalização, catarse e, se possível, a prática social final dos conteúdos
tratados. A relevância do conjunto das etapas reside na possibilidade de
articulação/superação dialética do conceito cotidiano ao/em científico, “transformando-
o em instrumento de construção pessoal e profissional” (GASPARIN, 2009, p. 51).
Cada uma dessas fases é central no processo de ensino-aprendizagem.
A atividade foi pensada envolvendo: 1) leitura individual do conto; 2) discussão
e registro coletivo (em trios) das características e função desse tipo de texto; 3)
socialização com o grupo maior e com a professora sobre o que foi escrito na etapa
anterior, reunindo, em uma só folha, os vários entendimentos acerca do que vinha a ser
um conto; e 4) síntese individual, registrada no caderno, sobre o que é, efetivamente, um
conto. Não obstante, apesar da participação de Carla no planejamento, que foi relido
antes da aula, sua execução contou com algumas fases não previstas, o que, nesse caso,
levou os educandos quase à exaustão.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 172
Consoante à descrição acima, a fase da instrumentalização compreendeu a
leitura do conto. Entretanto, a etapa da catarse – processo em que os alunos elaboram
sua compreensão acerca do assunto – foi marcada por um excessivo prolongamento:
discussão sobre o que compreenderam e registro individual nos trios, socialização das
descobertas realizadas no momento anterior e registro coletivo no grupo maior e, por
fim, novamente um registro individual. Em função do ocorrido e consequente exaustão
provocada nos educandos, a intervenção da pesquisadora junto à professora consistiu,
sobremaneira, na retomada de cada etapa prevista (prática social inicial do conteúdo,
problematização, instrumentalização, catarse e prática social final do conteúdo),
procurando resgatar a relevância de cada uma delas. Ênfase especial foi direcionada à
catarse que, neste caso, pode ter perdido seu caráter mágico e fascinante da descoberta
do novo, de “síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático” (GASPARIN,
Os alunos foram organizados em três grupos e cada grupo deveria receber um conto diferente. Além disso, cada criança recebeu uma cópia do conto. Finalizada essa primeira parte, a turma se dirige à sua sala e, ainda organizados nos mesmos grupos, discutem sobre quais são as características de um conto a partir do que leram e as escrevem individualmente em seus cadernos. [...] Finalizada essa etapa, a professora pede para a turma sentar-se em roda, ainda nas cadeiras, para escutar o que cada um havia escrito sobre as características de conto, podendo, inclusive, completar sua descrição, se considerasse oportuno o conteúdo mencionado pelo colega. Carla solicitou aos alunos que falassem com suas próprias palavras o que entenderam sobre conto, sem recorrer ao registro recém-feito no caderno. [...] Aos poucos, à medida que escutam as características dessa modalidade de texto anunciadas pelos colegas, a turma constrói o conceito de conto:
– uma narrativa que mistura fatos reais e imaginários;
– a maioria começa com “Era uma vez”, mas há aqueles que também se iniciam com “Em uma noite”, “Um belo dia”;
– trazem uma moral, mesmo que de modo não explícito, como as fábulas etc. Nesta etapa, Carla exerceu um papel bastante importante, ao questionar a classe, levando-a a transcender o conto que foi lido, estabelecer relações com outros contos conhecidos e, desse modo, pontuarem as características desse tipo de texto. Na sequência, a professora anunciou que uma pessoa do grupo escreveria tudo o que foi dito sobre contos (suas principais características), para ser afixada no cartaz sobre “textos narrativos”. [...] Em seguida, uma aluna foi sorteada para escrever as principais características do conto. Os alunos tornam a ler os aspectos que já tinham sido lidos e discutidos anteriormente, para que a escriba pudesse tomar nota. Nesse ínterim, a professora aproveitou para retomar e explicar mais alguns pontos. Finalizado o registro pela aluna escriba, Carla pediu que cada aluno escrevesse no seu caderno, com suas próprias palavras, o que a escriba acabara de registrar com a participação de todos. Para tanto, leu novamente o registro coletivo. Já cansados, a classe queixou-se de mais essa tarefa, mas acabaram cedendo e cumprindo-a até o final.
(CONJUNTO DE AULAS, aula sobre contos, 22/08/2011, quadro de descrição de atividades)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 173
2009 p. 124) a que o educando conquista, em função da fadiga provocada pelo número
excessivo de registros, tornando-a altamente desgostosa.
Se a proposta anterior teve como característica o prolongamento, o excesso, a
segunda atividade planejada da sequência – textos narrativos (lendas) – foi calcada pela
ausência, pela falta do registro individual da descoberta dos alunos. Após assistirem a
um filme que retratava uma lenda e explorarem textos desse tipo na biblioteca, os
educandos partem em seguida para a socialização do que observaram. Uma escriba
toma nota dos comentários gerais, mas os educandos não chegam à elaboração do
registro formal para o cartaz, tampouco para o caderno, quando cada educando faz a
síntese particular do compreendido, como fica claro a partir da descrição parcial da
proposta no excerto abaixo:
Objetivo: construir o conceito de lenda Conteúdo: características e função deste tipo de texto, salientando que as lendas são histórias originadas pelo imaginário da tradição cultural/ popular. São tipicamente regionalistas e carregam a cor local do ambiente em que foram criadas. São marcadas pela indefinição temporal “Era uma vez”, para que sejam duradouras e possam passar de geração a geração. Com elementos de fantasia e realidade, as lendas procuram explicar, de modo simples, algo que ainda não foi cientificamente solucionado. (DUMONT, 2007, p. 7) Orientações Didáticas: 1) assistir a um filme relacionado a uma lenda (Meu monstro favorito); 2) organizar os alunos em duplas e entregar a cada uma delas uma lenda brasileira para lerem e escreverem – se julgarem necessário – as características e funções desse tipo de texto; 3) socialização com o grupo maior as características e funções dessa modalidade de texto narrativo (uma criança escreverá a construção do grupo a respeito das características e funções dessa modalidade de texto; 4) síntese individual no caderno; e 5) colar a folha no cartaz dos textos narrativos. Materiais: filme “Meu monstro favorito”, TV, DVD, 4
lendas brasileiras (1 para cada dupla). Observações: Ajudar a R. no momento do registro.
(CONJUNTO DE AULAS, planejamento da atividade sobre lendas, realizada em 29/08/2011)
Diferente do planejado, os alunos apenas socializaram o conhecimento, mas não chegam a sistematizá-lo (registro formal) nem no cartaz, tampouco no caderno. Sem concluir essa etapa, a professora passou para outra atividade: reconto oral de um conto lido em casa. Em seguida, solicitou a colagem de um comunicado na agenda e a correção de um reconto, esse último também escrito como tarefa de casa.
(CONJUNTO DE AULAS, aula sobre lendas, 29/08/2011, diário
de campo)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 174
Apesar de expressarem para o grupo maior o que compreenderam sobre o
conceito de fábula (o que já constitui o princípio da catarse), Carla acabou privando-os
da sistematização coletiva (feita no cartaz) e também da individual (feita no caderno).
No caso da situação coletiva, a docente escutou os apontamentos dos alunos, a escriba
anotou-os em uma folha, mas sem atingir o registro formal no cartaz. O momento de
rever o que foi escrito “formalizando” o conhecimento e fixando-o no cartaz poderia ter
sido uma excelente oportunidade para questionar e fazer os educandos refletirem e
reverem possíveis afirmações que lá constavam, tais como: “As lendas são narrativas
fantasiosas que combinam fatos reais com os irreais. Esta narrativa dá explicações
científicas para fatos que não têm explicação”.
Em vez disso Carla acabou oferecendo à classe um panorama geral das
características e funções da lenda e das outras duas modalidades de textos narrativos
(contos e fábulas) já estudados. Além deste fato, a falta do registro individual ao final da
proposta privou os educandos de seu momento particular de síntese, quando lhes seria
possível tomar consciência do que aprenderam, das dúvidas e das fragilidades que o
conhecimento ainda apresentava. Sem este momento, o professor ficou sem
oportunidade para saber o que foi apropriado pelos alunos individualmente: suas
respostas acabaram sendo diluídas nos apontamentos oferecidos pelo grupo, durante os
momentos de socialização.
Diante do ocorrido, a pesquisadora
aproveita os momentos de planejamento para
resgatar não apenas a relevância de cada uma das
etapas, mas a ordem em que devem ser
realizadas.
As intervenções realizadas contribuíram
para a condução de atividades mais próximas ao
planejado. As etapas, agora mais apropriadas,
eram seguidas com mais tranquilidade e
segurança. As propostas sobre notícia
(05/09/2011), reportagem (06/09/2011) e texto
publicitário (09/09/2011) são exemplos do
Durante o planejamento de aulas do 3º bimestre, pesquisadora e professora estabeleceram o seguinte diálogo, enquanto elaboravam a aula sobre “notícias e reportagens”:
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 175
aprimoramento de sua conduta. Tal mudança, no
entanto, não significa necessariamente que houve
aprendizagem dos educandos, como é o caso dos
conceitos de reportagem e notícia que careceram
de reforço.
O processo vivido por Carla em muito se
assemelha ao modelo de crescimento profissional
descrito por Mevarech (1995). Conforme a
autora, a introdução de um novo método não é
vivida de modo linear pelos professores, mas
segue um curso em “U”. A primeira fase –
denominada “sobrevivência” – é marcada por
certo ceticismo, quando se questiona se o que está
se propondo cumpre, de fato, as promessas
anunciadas. Professores já experientes costumam
se comportar como noviços, sendo comum o
surgimento de frustrações e dificuldades para
lidar com o novo, caracterizando o movimento de
“queda” do U.
Tal comportamento justifica-se na medida em que o novo conhecimento interage
com aquele já existente. (ALEXANDER e JUDY apud MEVARECH, 1995). Se o novo
conhecimento estiver de acordo com as concepções do sujeito, tão mais fácil será
apropriado. No entanto, caso não exista conhecimento prévio - ou ele seja contraditório
ao novo - dificuldades poderão ser enfrentadas no processo de aquisição de
aprendizagem. Com isso, o que deve ficar claro é que o conhecimento já existente
interfere no processo de apropriação do novo, podendo causar uma queda no
desempenho profissional. Esta parece ser a explicação mais razoável para a situação de
Carla, que entrava em contato com as ideias da Pedagogia Histórico-Crítica, quando sua
prática estava fundamentada nas ideias da Pedagogia tradicional. Esse fato justifica o
desempenho da professora no decorrer das primeiras atividades realizadas, quando ora
ela excede o número de registros – levando os educandos à exaustão, ora deixa de
promover sínteses individuais, privando-os de sistematizarem o que compreenderam
sobre o assunto estudado.
(cont.) Pesquisadora: Já conhecemos a realidade social dos educandos e a problematizamos. Agora, como é que a gente vai instrumentalizar as crianças? Como que a gente faz isso, sem perder de vista que o sujeito é ativo, social... para a gente não trazer uma atividade que mais o professor fala e pouco as crianças agem, pensam, sentem. Lembrando sempre disso. Professora: Eu ainda penso deles trazerem, solicitar para eles materiais. Por mais que aqui tenha, mas que eles procurem. Podemos pedir: “traz o que vocês acham que é notícia e o que vocês acham que é reportagem.” Cada um vai trazer uma notícia e uma reportagem. Pesquisadora: A gente já investigou a realidade social (prática social inicial do conteúdo) deles e a gente ainda não promoveu a possibilidade de eles construírem o conceito de... Até então, o que a gente está vendo? Que eles estão confundindo. Eles não conseguem diferenciar notícia e reportagem. Então, a minha pergunta é: como a gente pede para eles trazerem uma reportagem e uma notícia, se eles ainda não sabem o conceito de reportagem e de notícia? Professora: Entendi.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 176
Na busca de equilíbrio, os pesquisadores argumentam que os aprendizes
procuram uma relativa homeostase entre o novo conhecimento e aquele já existente.
Posto isso, quando o sujeito da aprendizagem, seja ele adulto ou criança, é confrontado
com um ponto de vista diferente, oportunidades para engendrarem-se contradições são
criadas, podendo levar o indivíduo a mudanças conceituais (MEVARECH, 1995). Esse
pode ter sido o percurso traçado por Carla quando, diante dos questionamentos da
pesquisadora, notadamente nos momentos de planejamento e autoconfrontação, ela se
viu diante da oportunidade de começar a questionar suas concepções e construir novas.
É por meio desse processo que a professora pôde sair da fase de “sobrevivência”, para
experienciar as de exploração, adaptação, mudança conceitual e até mesmo a de
invenção, quando surge uma visão cada vez mais abrangente do novo método, uma
melhor incorporação dele e, portanto, uma maior possibilidade de se poder adaptá-lo às
diferentes necessidades dos educandos. Foi, a meu ver, o que ocorreu desde as
propostas de reportagem e notícia (CONJUNTO DE ATIVIDADES), até o reforço de
concordância nominal e verbal (ATIVIDADE 2), passando, inclusive, por propostas em
outras áreas do conhecimento – como é o caso de geografia - em que Carla relata como
esta “nova maneira” de dar aula já teria se tornado habitual:
Professora: Ontem eu solicitei o trabalho de geografia, como eu te mostrei, e eles trouxeram. De meios de transporte. “Eu preciso lançar nota e é para hoje...calma aí que nós vamos resolver este trabalho agora” [professora penso]. Era 17:10, menos de cinquenta minutos. Em dez minutos nós discutimos e em vinte minutos, menos, quinze minutos eles elaboraram o cartaz. Pesquisadora: Dos meios de transporte? Pesquisadora: Socializaram? Professora: Socializaram tudo, conversaram. Só não escreveram nada, não registraram nada. Eles mesmos conversaram: “não, mas acontece isso e aquilo.” Discutiram entre eles e, mesmo as duas R. e o M. que não trouxe [o trabalho], participaram. Pesquisadora: Você acha que foi produtivo, que eles conseguiram expressar o que leram? Professora: Porque pega como hábito. Pesquisadora: Uma coisa que eu acho legal é que a gente começou planejando para Língua Portuguesa e você já transferiu para Geografia. Professora comenta, no entanto, sobre o fato de estar um tanto atrasada no preenchimento da apostila e afirma: Professora: Nós sabemos que atrasa. Até tanto eu, quanto as crianças pegarem no ritmo, tudo isso, atrasa. É questão de organização: você está acostumada de um jeito e você vai ter que se adaptar de outro, se organizar de outro jeito.
(Preparação para o encontro coletivo de 26/09/2011, 00:06:17)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 177
É válido comentar que a ligeira mudança na dinâmica da aula, apesar de sentida
como trabalhosa por Carla, era, ao mesmo tempo, encarada por ela com bons olhos e,
também, bem aceita tanto pelos alunos como pela diretora como fica claro nos excertos
a seguir:
4.1.2.3 O ENSINO A PARTIR DE UM NOVO PONTO DE PARTIDA: A REALIDADE
SOCIAL DOS EDUCANDOS
A realização da proposta pedagógica, sem levar em consideração o
conhecimento prévio dos educandos acerca do assunto – seus conceitos cotidianos – foi
outro aspecto que chamou a atenção da pesquisadora. A AULA 1 passou por assuntos
distintos, como textos narrativos e informativos, mas sem a devida averiguação acerca
do que os educandos já sabiam ou buscavam saber sobre estes temas. Neste sentido, o
primeiro movimento de Carla pôde ser observado ao final da atividade de verificação do
conhecimento prévio dos alunos sobre textos narrativos, informativos e publicitários
(16/08/2011).
Professora: Ontem, eles (alunos) até comentaram... As meninas, no final da aula: “A aula está mais interessante. Estamos animados em vir para a escola.” Eu falei: “Por quê? Vocês não estavam antes”? “Ah, professora, antes era só muita apostila, muito caderno, muita coisa.” Eu falei: “Eh, cada mês, cada bimestre, é algo diferente... A gente vai trabalhando conforme toca a música, né? Como vai pedir na apostila, se cada dia é algo diferente? Às vezes, tem dia que vai ser repetitivo em relação ao anterior”. Eu falei: “Que bom que vocês estão gostando, né”?
(Preparação para o encontro coletivo de 26/09/2011, 00:04:36)
Diretora: Acho que o mais interessante disto tudo, acho que, para você, Carla, é que você percebeu que a apostila não tem um fim nela mesmo, né? Você não lê a apostila simplesmente e morre ali. Você está pesquisando, você está buscando... Você já buscou a professora de Língua Portuguesa, você foi pesquisar. Então, houve uma ampliação deste conteúdo. Isso é importante, porque, para a criança, enriquece muito.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 00:21:41)
Professora: Por mim, o primeiro semestre de Português foi totalmente diferente deste agora. Pela forma que eu passei substantivo, adjetivo no semestre passado até eu mesma não tinha interesse de aprender o que era. Foi completamente diferente. Realmente, o erro foi meu. Deveria ter feito algo diferente e não fiz.
(3ª Sessão de autoconfrontação, 22 e 25/11/2011, 00:36:30)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 178
Ao refletir sobre a proposta ocorrida, a professora reconheceu seus benefícios
focando, em um primeiro momento, o ponto de vista dos educandos, que acharam a
proposta positiva porque fez com que eles se dessem conta do que estava confuso, do
que não estava claro. Em seguida, nessa mesma frase, Carla afirmou: “Aí, eu achei legal
porque elas perceberam né, assim, pelo menos o ponto onde a gente tem que chegar,
principalmente, né?”. A mesma atividade que “evidenciava” aos educandos o que era
confuso e, consequentemente, necessitava ser esclarecido, permitiu que Carla tomasse
consciência da relevância desse fato, porque agora sabia não apenas o que sua turma
conhecia ou deixava de conhecer, mas, sobretudo, qual era o objetivo do seu ensino. Por
mais singela que possa parecer essa situação, ela é muito significativa quando ela se dá
com uma professora que costumava seguir as tarefas previstas pela apostila,
restringindo, muitas vezes, sua atividade à leitura de textos e realização de exercícios,
sem atentar para sua meta de ensino maior. Essa percepção foi confirmada pela
pesquisadora, mediante a tabulação das respostas dos educandos, obtida na atividade em
questão – buscando melhor delinear os fins das novas futuras propostas.
Pesquisadora: Como foi planejar a atividade, chegar aqui (na sala de aula), fazer, correr, prender tudo (os textos) na parede? Como você achou tudo? Professora: Apesar da correria, eu gostei bastante. Eu achei que foi assim... Pesquisadora: Hum... Professora: Principalmente na hora que as meninas falaram assim: “É tudo muito confuso!” Assim, acaba confundindo uma coisa com a outra, é quase a mesma coisa... Aí, eu achei legal, porque elas perceberam, né, assim, pelo menos o ponto onde a gente tem que chegar, principalmente, né? Que houve, sim, essa confusão na cabecinha delas, né, esse conflito... O que é isso e o que é aquilo? Como dá para diferenciar? Eu achei legal isso, por mais corrido que tenha sido, por mais cansativo tanto para a gente, quanto para eles. Mas eu achei que valeu a pena!
(Conversa sobre a aula para verificar o conhecimento prévio dos educandos do 3º bimestre e planejamento da avaliação bimestral do 3º bimestre, 16/08/2011, 00:00:34)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 179
Gênero textual aluno 1 aluno 2 aluno 3
características não sabe Que vem de um reporter
A reportagem dá uma informação e
normalmente vem em jornais e revistas.
função para noticiarA reportagem serve para nós
ficar sabendo de alguma coisa.Dar alguma informação.
características históriaUma coisa que não temos
certeza que existeAs lendas são histórias
que as pessoas inventão.
função não sei Serve para
É dar uma resposta para alguma coisa que as
pessoas não têm explicação
características pela novidadeFicar sabendo de algum
acontecimento.
A notícia é como a reportagem, ela dá uma informação em jornais cartazes ou revistas.
função do jeito que se fala Para nós recebermos notícias. não preencheu
características não sei Uma históriaA fábula tem ou animais
com características humanas ou humanos.
função não seiUma história como: A Pequena
sereia, Cinderela, A Bela adormecida e etc.
É alegrar as pessoas.
características contos Uma história em quadrinhos.
A tirinha sempre tem alguma coisa engraçada
ou alguma coisa importante.
função históriaHistórias como: A Turma da
Mônica, Menino Maluquinho e etc.
E alegrar as pessoas, dar uma informação para que o país precisa melhorar,
etc.
características um comercialFicar sabendo de algum
produto, comida.
Alguma informação do mundo animal, dos seres
humanos, etc.
função chamar atençãoPara que as pessoas comprem o
que está em anúncio.Dar alguma coisa nova as
pessoas.
características uma função de vendasPara comprar algum produto que passa nas propagandas.
Nas propagandas tem coisas como "oferta",
liquidação, etc.
função vender Comprar os produtos.Dar audiência para algum
lugar ou coisa.
características felicidade e sonhos Ficar sabendo de algum conto.O conto é como uma
fábula.função para ler, imaginar, pensar Ler o conto. Divertir as pessoas
Gêneros textuais - verificação do NDR dos educandos (parte 2)*
reportagem
lenda
notícia
fábula
tirinha
anúncio
propaganda
conto
* As repostas foram transcritas exatamente como as crianças as escreveram, para que se possa verificar não apenas o conteúdo, mas também a forma (ortografia).
Figura 26 - Exemplo de tabulação entregue à professora após a atividade realizada, para verificar o NDR
dos educandos sobre textos narrativos, informativos e publicitários (16/08/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 180
Com o auxílio da pesquisadora, a tabulação acima passou a ocupar papel central
na elaboração dos planejamentos. Concluídas as atividades previstas, novas avaliações
foram realizadas para verificar o que tinha sido apropriado pela classe em relação ao
conteúdo ministrado. Eram então identificados outros, novos, conceitos cotidianos,
dúvidas e fragilidades que, por sua vez, levavam a novos objetivos de ensino.
Embora Carla tivesse compreendido o emprego da tabulação nos momentos de
planejamento, era comum o fato de esse instrumento ser retomado sempre pela
pesquisadora quando ambas estavam planejando, o que poderia suscitar a hipótese de
que sua relevância não fora reconhecida e, portanto, não incorporado à sua rotina. Essa
postura, no entanto, seria revista a partir da decisão de quais conteúdos seriam
ensinados no 4º bimestre. Nesta ocasião, ao se pensar no tópico de anedotas, Carla fez a
seguinte sugestão:
Após muitas menções da pesquisadora sobre a necessidade de se levar em conta
o que os educandos já conheciam e gostariam de conhecer o que seria estudado, no
planejamento do 4º bimestre, Carla demonstrou uma melhor apropriação dessa etapa,
outro indício de mudança. Aqui, finalmente, a professora mencionou a importância de
se fazer uma triagem, etapa tida como fundamental no processo de ensino-aprendizagem
postulado pelos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica.
4.1.2.4 AMPLIANDO O OLHAR SOBRE O CONTEÚDO ESCOLAR NÃO APROPRIADO
PELOS ALUNOS
Uma das atividades que Carla assinalou como mais marcantes em seu processo
de formação continuada foi a de verificar o que os educandos sabiam sobre substantivo,
Professora: Anedota. Eu penso em buscar informações em revistas e jornais. Eu não sei se você teria outra ideia, mas eu achei muito legal daquela parte que nós deixamos em exposição os conteúdos de contos, lendas e fábulas. Eu achei aquela parte legal. [refere-se à atividade para identificar o NDR dos educandos em relação aos conteúdos do 3º bimestre] Pesquisadora: De mostrar para eles? Professora: Isso. Pesquisadora: Você pensa isso com que objetivo? Isto é a atividade ou é para verificar o que eles sabem? Professora: Verificar o que eles sabem. Para que a gente possa fazer uma triagem. Para fazer uma triagem do que eles sabem.
(Planejamento de atividades para o 4º bimestre, 18/10/2011, 00:29:36)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 181
adjetivo e artigo (26/10/2011)66. A atividade em questão, já descrita na presente
pesquisa nas páginas 150-151, sinalizou que os alunos desconheciam algumas classes
gramaticais, entre elas, os artigos. O desapontamento da professora foi grande: para sua
surpresa, sua classe não tinha dominado esse conteúdo. Diante desta descoberta,
pesquisadora e professora, no dia seguinte ao fato, durante o planejamento das
atividades do 4º bimestre, estabelecem o seguinte diálogo:
Ao refletir sobre essa situação, em que os alunos não tinham aprendido o que a
professora supunha já ter sido dominado por todos, Carla sentiu-se culpada: queria saber
em que teria falhado e, inclusive, se essa “falha” não estaria envolvendo outros
assuntos. No entanto, ao apresentar uma justificativa para esse fato, Carla não foi além
de apontar a escassa prática, que poderia ser facilmente solucionada por meio de
retomada desses aspectos gramaticais pelos educandos. Dessa maneira, o problema, a
seu ver, residia na pouca exercitação ou rememoração do assunto e com isso justificava-
se porque os alunos não tinham acertado na atividade.
Diante do exposto, ficou claro que, ao elucidar o motivo de os alunos não terem
se apropriado dos conteúdos gramaticais lecionados, a professora novamente recorria a
ideias mais próximas da Pedagogia tradicional, cujos pressupostos da aprendizagem se
apoiam, em especial, na repetição de exercícios e na recapitulação dos conteúdos
66
Esta proposta foi realizada no momento 2 – no conjunto de aulas – para direcionar sobre o que precisava ser ensinado ou não acerca das classes gramaticais anunciadas.
Pesquisadora: Ontem, quando aconteceu de você ver que não estava rolando, o que te pegou mais? O que te incomodou mais naquela situação? Professora: Onde eu falhei, se eu estou falhando em outras coisas, também! Fiquei muito preocupada. Pesquisadora: Mas você viu que o que tinha acontecido é que eles não se apropriaram [do que foi ensinado]. Professora: É. Só que assim, a G. tinha acabado de dizer o que era substantivo e, na hora da atividade, nada. E aí? Pesquisadora: Na hora da atividade e aí? E o que você acha que aconteceu? A criança falou, disse um conceito, mas na hora de lidar com o texto não conseguiu identificar o que é substantivo e o que é artigo. Professora: Eu acredito que seja estar praticando. Não todos os dias, mas pelo menos uma vez na semana. Constante. Ou que seja uma atividade ou outra, mesmo que a atividade esteja falando de verbo, mas vamos dar uma pincelada rapidinha, vamos relembrar do substantivo... Gente, ele existe, ele está aqui.[...]dar uma pincelada, retomar que ele existe, que tem... Só para não cair no esquecimento.
(Planejamento de atividades para o 4º bimestre, 27/10/2011, 00:18:10)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 182
tratados em sala de aula (LIBÂNEO, 2006). Mais adiante, no entanto, durante a terceira
sessão de autoconfrontação (22/11/2011), quando essa mesma situação voltou a ser
abordada, o seguinte diálogo foi travado:
Cerca de um mês a mais em sua participação no estudo e em razão de ter
revisitado a atividade por meio da filmagem, Carla, ao refletir novamente sobre as
razões que teriam levado os alunos a não aprender, indicou ter ampliado sua visão,
apontando alguns aspectos constitutivos desse problema. Possivelmente, a melhor
apropriação das ideias do referencial teórico, somada à reflexão desencadeada ao
assistir-se em atividade, permitiu que a crença em uma maior exercitação e em uma
periódica e sistemática retomada dos assuntos tratados cedesse lugar a razões de outra
ordem, como a maneira de transmitir o conteúdo, as condições da criança no próprio
momento do ensino, o domínio do professor sobre o que ensina. Com isso, Carla
começou a considerar a multiplicidade de aspectos envolvidos na situação de ensino-
aprendizagem, sua dinamicidade e complexidade, algo que se aproxima da concepção
de ensino-aprendizagem defendida pela Pedagogia Histórico-Crítica. Esse avanço
teórico e metodológico ganhou ainda maior impulso quando Carla pôde comparar seu
primeiro semestre de ensino ao segundo, quando estava envolvida na pesquisa,
reconhecendo que nem ela, na condição de aluna, teria vontade de aprender a partir das
aulas que ela mesma ministrava. Essa reflexão parece ter sido central para levar a
Pesquisadora: Todos [os alunos] mostraram não saber. E, aí eu te pergunto: quais hipóteses a gente pode ter, o que a gente pensa quando cem por cento dos alunos diz não saber isso que foi, supostamente, ensinado? Professora: Vai depender do momento em que a criança está, de como passaram substantivo no ano passado para ela. Às vezes, ela não estava bem; às vezes, a professora que passou não fez de uma forma legal. Quando eu passei, este ano, não passei da melhor maneira. Por isso, que eu acho que da maneira como nós fizemos, que você sugeriu, foi bom, foi ótimo, foi legal! E eu acredito que eles tenham aprendido. Aí tem tudo isso para analisar. Às vezes, eu passo de uma maneira bem simples, bem legal, mas a criança não está no momento dela. Pesquisadora: Mas aí é uma, duas, numa sala. Aí, todos estão te mostrando: “não sabemos o que é artigo”, desde o início da atividade. Professora: Eu vou falar por mim. Não sei como foi o ano passado. Por mim, o primeiro semestre de Português foi totalmente diferente desse agora. Pela forma que eu passei o substantivo, o adjetivo, no semestre passado. Até eu mesma, se fosse um deles [alunos], não tinha interesse de aprender o que era. Agora foi completamente diferente! Então, realmente, o erro foi meu. Eu deveria ter feito algo diferente, ter dado uma aula melhor, mais interessante, sei lá... E não fiz isso. Por isso que a resposta deles foi negativa.
(Terceira sessão de autoconfrontação, 22/11/2011, 00:35:30)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 183
professora a perceber a necessidade de fazer diferente, de mudar sua maneira de ensinar,
tornando-a mais embasada, mais interessante e mais motivadora!
4.1.3 DA AVALIAÇÃO
Quando questionada sobre como definia a avaliação, no início do estudo, Carla
respondeu:
Ao elucidar seu entendimento, Carla mostrou ter sobre a avaliação uma visão
contraditória: ora um documento, um mero instrumento, ora algo que não se restringia
ao dia da prova ou, melhor dizendo, aos conteúdos tratados e, sim, a todas as dimensões
do sujeito: “a partir do momento que ele coloca o pé ali no portão! Do portão para
dentro, já está avaliando, né, o comportamento, tudo!”. No entanto, ao prosseguir sua
explicação, a professora expressou procurar fazer algo que não saísse “fora do
cotidiano deles, mas que puxe o que eles sabem”. Nesse trecho, Carla voltou a focar o
instrumento de avaliação para verificar o que os alunos sabem. Mais adiante, ainda
discorrendo sobre o assunto, ela comentou:
Professora: Então, assim, a questão da avaliação, da prova... “hoje é o dia da prova”, não? Até mesmo um dia, antes, um dia antes ou até, dependendo, minutos antes da prova, eu faço uma brincadeira com eles: repasso o conteúdo na forma de brincar. Vamos brincar! Faço um jockey pow, faço amarelinha, faço perguntas e respostas, faço debate entre eles, né? Eu acredito, na minha opinião, que assim eles conseguem assimilar melhor. Pelo menos na minha época, quando fizeram isso com a minha turma, foi a melhor forma que passaram para a gente estudar. Melhor do que ficar lendo ali, ali, ali, ali. Aí se fica debatendo, na forma de brincar, acaba assimilando melhor. Através da brincadeira, aprende o conteúdo.
Pesquisadora: Pensando assim... Então, você agora parece que está com uma visão mais ampla. Mas eu ainda queria saber: para você, qual é a função da avaliação?
Professora: Bom, para mim, é só para avaliar o aluno, ver se ele está realmente aprendendo... Se, pelo menos, o contexto, o básico, ele assimilou.
(Entrevista inicial com a professora, 10/02/2011)
Então, a avaliação é meio complicada... (risos). Porque tem aluno que no dia da avaliação, você sabe que ele trava, né? Então, para mim, a avaliação é só um documento ali, só para..., porque até então, nós aqui avaliamos o aluno a partir do momento que ele coloca o pé ali no portão! Do portão para dentro, já está avaliando, né, o comportamento, tudo! Tudo, tudo, está sendo avaliado. Não só mesmo aquele dia da avaliação, né? Que é só para ter um documento, constar nota, mas assim... Procuramos fazer da melhor forma possível, não saindo fora do cotidiano deles, fora do assunto, né? Assim, nós passamos nada tão difícil, mas, é claro, puxando o que ele sabe, né?
(Entrevista inicial com a professora, 10/02/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 184
Nesse trecho, o entendimento de avaliação da professora pareceu ganhar
contornos mais precisos: avaliação era sinônimo de prova: “a questão da avaliação, da
prova”. O que pode observar, nesse momento, é que não apenas a avaliação é um
instrumento, como ele tem como objetivo verificar se houve (ou não) aquisição do
conteúdo: “é só para avaliar o aluno, ver se ele está realmente, pelo menos, o contexto,
o básico, ele assimilou”. Não deixou claro os motivos pelos quais interessa ao professor
ter esse conhecimento sobre o que os alunos sabem ou deixam de saber. Além disso, se
antes de verificar o que foi “assimilado”, porque propor brincadeiras cujo intuito era o
de “repassar o conteúdo”. Se o aluno realmente “assimilou”, se houve apropriação do
conteúdo, por que retomá-los na véspera da prova? As respostas a tais questões
envolvem, novamente, a Pedagogia Tradicional.
Segundo essa vertente teórica, é papel da escola transmitir conhecimentos
para as crianças, cuja capacidade de assimilação é vista como muito semelhante à do
adulto. Os programas de ensino são organizados de forma progressiva e linear, sem
levar em consideração as características próprias da idade ou mesmo das crianças que,
diga-se de passagem, já chegam à escola “prontas”, com suas aptidões e habilidades já
amadurecidas, cabendo apenas se esforçarem para aprender aquilo que o professor
ensina. A “aprendizagem” se dá por meio da prática de exercícios e pela recapitulação
das informações. No tocante à averiguação da aprendizagem, o que predomina são as
verificações de curto prazo (interrogatórios orais e exercícios de casa) e de longo prazo
(provas e trabalhos escritos) (LIBÂNEO, 2006).
Nessa direção, o que se observa por meio da fala de Carla é o emprego da
averiguação da aprendizagem escolar como exame, como verificação e não como
avaliação, consoante ao proposto por Luckesi (2011b):
A verificação encerra-se no momento em que o objeto ou ato de investigação chega a ser configurado, sinteticamente, no pensamento abstrato, isto é, no momento em que se chega à conclusão que tal objeto ou ato possui determinada configuração. (p. 52)
A avaliação, diferentemente da verificação, vai além da configuração do objeto,
demandando uma ação sobre o que fazer com ele. Em outras palavras, se a verificação
traduz um entendimento estático e definitivo da aprendizagem, a avaliação proporciona
uma visão dinâmica, que “qualifica e subsidia o (re)encaminhamento da ação,
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 185
possibilitando consequências no sentido da construção dos resultados que se deseja”
(LUCKESI, 2011b, p. 54). Ainda de acordo com o mesmo autor, Carla não constituía
exceção, ao restringir a aferição da aprendizagem escolar à verificação de conteúdos;
infelizmente, muitos são os professores que a empregam com esse propósito ou mesmo
para aprovar ou reprovar os estudantes (LUCKESIa, 2011). As justificativas para essa
prática são, segundo Luckesi (2011b), três: 1) a herança recebida da história da
educação; 2) o modelo de sociedade atual; e, por fim, 3) a repetição do padrão escolar
que se viveu como aluno.
No tocante ao primeiro item, o autor esclarece que a história da educação nos
aprisiona no modelo examinativo67, quando se refere ao acompanhamento da
aprendizagem escolar. Trata-se de uma prática já em exercício há pelo menos cinco
séculos, que ilustra bem a dificuldade de mudar algo que se encontra tão arraigado no
gênero docente. Essa mudança torna-se ainda mais difícil quando se leva em
consideração o modelo atual da sociedade capitalista, que funciona de modo injusto e
excludente, que faz com que convivam bem com a maneira como se emprega os exames
escolares e a maneira que rege o funcionamento da sociedade contemporânea. Além
desses motivos, assegura o autor, a experiência biográfica também exerce forte pressão
sobre a atividade docente, na medida em que provoca uma forte tendência para
reproduzir, junto aos alunos, o que os docentes viveram na escola, algo que resulta em
um importante fator de “manutenção da resistência ao trânsito do ato de examinar para o
de avaliar” (p. 70), justificando o terceiro e último item.
Com o objetivo de contribuir para o emprego da aferição da aprendizagem
escolar como avaliação, que pudesse se colocar a serviço da aprendizagem e do
desenvolvimento, buscou-se, em primeiro lugar, assegurar que a avaliação se articulasse
com o projeto pedagógico e com seu projeto de ensino. De fato, a avaliação da
aprendizagem escolar só adquire sentido quando utilizada para “subsidiar um curso de
ação que visa construir um resultado previamente definido” (LUCKESI, 2011b, p. 45).
67 “Os exames escolares, da forma como existem hoje, desde que foram sistematizados no século XVI, carregam uma carga de ameaça e castigo sobre os educandos, cujo objetivo é pressioná-los, para que disciplinadamente estudem, aprendam e assumam condutas, muitas vezes, além de externas a eles mesmos, também aversivas.” (LUCKESI, 2011b, p. 68).
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 186
Posto isso, os seguintes procedimentos foram seguidos nos encontros da pesquisadora
com a professora:
� Discutir e acordar quais seriam os conteúdos mínimos a serem ensinados no
bimestre, a partir de sugestões oferecidas pelo material apostilado (tabelas
presentes nos anexos).
� Averiguar o que os educandos sabiam e gostariam de saber sobre os
conteúdos em questão.
� Planejar as atividades a partir dos resultados alcançados por meio da
tabulação.
� Avaliar os educandos para averiguar a apropriação ou não do conteúdo, de
modo a subsidiar novas ações para assegurar a aprendizagem.
Diante do exposto, as mudanças que puderam ser observadas em Carla, no
tocante à aferição da aprendizagem escolar, recaíram, sobretudo, no instrumento de
avaliação.
4.1.3.1 DO INSTRUMENTO DE AFERIÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR
A primeira prova elaborada pela professora Carla com a qual a pesquisadora
teve contato foi a “unificada”68. Tratava-se de um instrumento que pretendia verificar a
aprendizagem dos educandos no bimestre em questão, integrando todas as áreas do
conhecimento. Com a intenção de trazer um texto que abordasse um tema trabalhado no
decorrer do bimestre, Carla optou, logo no início da prova, por um que retratava sobre a
história e os tipos de frações. Além de extenso, o texto que não considerava as
características da faixa etária dos alunos, contava com informações muito abstratas e
empregava uma linguagem pouquíssimo familiar a esse público. Essa seleção não se
deu ao acaso: ela traduzia a concepção de ensino da docente, que se respaldava na
Pedagogia tradicional, no início do estudo. Diante dessa prova e do observado, as
seguintes ações foram realizadas:
� discussão sobre algumas provas do SARESP, de modo que a professora as
pudesse tomar como referência, ao elaborar suas próprias avaliações;
68
As avaliações mencionadas neste item podem ser consultadas na pasta “avaliações” no CD ao final da tese.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 187
� seleção de alguns materiais que poderiam ser interessantes para a elaboração
dos próximos instrumentos69;
� conversas e questionamentos durante o processo de elaboração de um novo
instrumento; e, por fim,
� comentários, tecidos no próprio texto, como ilustra a figura a seguir:
Figura 27 – Exemplos de intervenções pontuais realizadas pela pesquisadora na avaliação elaborada pela professora
Cabe acrescentar que, além da pesquisadora, o auxílio do corpo diretivo
também contribuiu para a construção de uma nova visão da avaliação e de seus
instrumentos de medida. Esse conjunto de ações parece ter sido responsável para as
mudanças importantes observadas na prática avaliativa de Carla, como é possível
observar nas avaliações unificada (4º bimestre) e bimestral de Língua Portuguesa tanto
do 3º quanto do 4º bimestres. Se para a avaliação de Língua Portuguesa do 3º bimestre,
a professora necessitou de maior auxílio para selecionar os materiais e propor as
questões, nas seguintes ela já demonstrava maior autonomia, elaborando-a sozinha e só
a enviando posteriormente para a pesquisadora, de modo que essa última pudesse opinar
sobre a configuração do instrumento.
69 Neste caso, a pesquisadora oferecia algumas opções e deixava que a professora escolhesse o que
julgasse melhor e mais adequado. Exemplos desta situação podem ser citados no tocante à questão do texto publicitário, narrativo ou mesmo informativo da Prova de Língua Portuguesa do 3º bimestre. Em relação a esse último, para colocar a reportagem em questão, alguns textos extraídos de fontes que a pesquisadora considerava interessantes foram apresentados à professora que por sua vez escolheu o que acreditava ser mais oportuno para a turma, seja pelo tema abordado, seja pelo tamanho do texto ou ainda, pela familiaridade com a linguagem apresentada.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 188
Diferentemente da prova “unificada” do 3º bimestre, tanto a avaliação
bimestral, quanto a “unificada” do 4º bimestre, contavam com textos mais apropriados à
faixa etária dos educandos. Sua leitura era prazerosa e informativa, procurando
despertar o interesse do aluno. Adicionalmente, a linguagem tornou-se mais familiar, ao
abordar temas amplamente discutidos em sala, como a dengue ou mesmo a alimentação
saudável. Os textos foram bem aproveitados, na medida em que com base neles foram
propostas questões que exigiam dos alunos mais do que copiar informações e
transcrevê-las. Dessa maneira, evitando fazer do sujeito um ser passivo, as novas
questões buscavam promover a reflexão, levando os educandos a demonstrarem o
conhecimento apropriado ou exporem sua opinião sobre determinado assunto, algo que
sinaliza uma visão nova de aluno, como um sujeito essencialmente ativo. Esse fato
sugere que, mais do que a mudança na maneira de organizar o instrumento de avaliação,
Carla sinalizou uma alteração em sua própria concepção de homem e de ensino-
aprendizagem. Essa hipótese decorre do fato de que, ao avaliar, a professora não mais
estava direcionada para uma imagem pré-concebida de aluno passivo, cujo principal
papel, na escola, é o de memorizar as informações transmitidas pela docente. Ao
contrário, a natureza da prova permite inferir que Carla passou a ver seus alunos como
seres de opinião, ativamente se questionando e buscando respostas, que se modifica e
modifica a todo o momento e, nesse movimento, modifica também suas relações com
seu entorno próximo ou distante.
A percepção dessa mudança foi, inclusive, relatada pela própria professora e,
ainda, pela diretora, durante um dos encontros coletivos:
Professora: Com esta diferente forma de eu trabalhar, já houve diferença de nota do segundo bimestre para o terceiro. Esta avaliação foi mais elaborada do que as outras, na minha opinião. Bem mais! Houve uma queda, não absurda, de nota, mas houve e acho que pela diferente forma de elaborar as avaliações. Diretora: Mas, por que você acha que houve esta queda? Professora: Porque eles não estavam acostumados com este tipo de avaliação. E esta avaliação já puxou as outras também. Então, eu consegui fazer diferente, também, Matemática, História, Geografia. As outras também foram no mesmo ritmo que essa.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 00:40:48)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 189
Cabe também comentar que a maior segurança e autonomia de Carla para
elaborar as avaliações na área de Língua Portuguesa também são sentidas em relação às
outras áreas do conhecimento como Matemática, História e Geografia, segundo relato
da própria professora no excerto acima.
4.2 DO PROCESSO DE FORMAÇÃO
Tendo apresentado os sinais mais evidentes da mudança na docência de Carla
durante o estudo, esse item teve como objetivo retratar como o processo foi vivido pelos
diferentes participantes do estudo, a saber: a própria professora, a equipe gestora, as
demais professoras – colegas de trabalho de Carla – e os educandos. Em seguida, o
exercício de análise recaiu na atuação da pesquisadora ao longo do processo de
pesquisa, buscando refletir, notadamente, sobre sua postura na condução do estudo e se
ela contribuiu (ou não) para favorecer o desenvolvimento para a construção de uma
comunidade profissional de aprendizagem, na instituição estudada.
4.2.1 A APREENSÃO DA VIVÊNCIA PROPORCIONADA PELO PROJETO DE PESQUISA,
SEGUNDO AQUELES QUE O VIVERAM NO ESPAÇO ESCOLAR
4.2.1.1 NO TOCANTE À PROFESSORA
Ao comentar sobre o processo de formação do qual participou durante o
segundo encontro coletivo, Carla disse:
É trabalhoso demais! Muito, muito! Porque você está acostumado com um ritmo e, aí, você sai daquele seu ritmo, né, e vai para outro totalmente diferente. Então, assim, está sendo bom pelo fato de eu já ter terminado o superior. Então, está sendo uma reciclagem. Está sendo boa. Só que assim... É puxado, é muito puxado... Porque eu venho do tradicional, para entrar no construtivismo. Assim, está sendo bom, muito bom, mas eu estou me descabelando.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 00:06:40)
Professora: Em relação às avaliações... foram mais bem elaboradas estas (3º e 4º bimestres). As do 1º e 2º não foram. Diretora: Não é que não foram bem elaboradas. Elas tinham um outro enfoque. Professora: Isso. Diretora: Uma coisa tem que ficar definido, bem claro: todas foram bem elaboradas, mas o enfoque foi diferente. Quando vem o enfoque tradicional, é de um jeito; quando você dá um enfoque construtivista, você trabalha de outra forma. Como a escola é construtivista, então, na nossa opinião, elas foram muito mais bem elaboradas. Lógico, te deu muito mais trabalho. Então, para o tradicional, o que você fazia estava ótimo! Mas, para quem é construtivista, o tradicional acaba perdendo um pouco. Então, a gente busca o construtivismo. E aí, quando você vem com essa proposta nova, quando você consegue elaborar essa avaliação, para nós foi magnífico. Eu bati o olho na sua prova e disse: nossa, que coisa maravilhosa! É isto mesmo que a gente busca. A gente busca este aprimoramento, entendeu? Mas não que o outro estava errado, não. O enfoque é que era outro.
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 190
Ao descrever o processo de formação, seu caráter trabalhoso, difícil, foi
salientado pela professora, sobretudo, porque estava sendo demandada a não apenas
trabalhar em um “outro ritmo”, como, também, a abrir mão de uma concepção de
ensino-aprendizagem para se apropriar de outra. Esse era, inegavelmente, o maior
desafio de Carla. Mas essa fala, que marca o início do estudo, foi se modificando no
desenrolar da pesquisa, à medida que a professora passava a se familiarizar com a nova
maneira de trabalhar:
Considerando que a mudança de perspectiva teórica implicou também alteração
no ritmo do trabalho, a professora recomendou que toda formação desse tipo fosse
iniciada no começo do ano letivo. Para ela, engrenar em uma forma distinta de lecionar
no meio do ano escolar é muito difícil tanto para os docentes, quanto para os alunos:
Além dos aspectos já mencionados, a avaliação positiva que a professora faz da
formação recebida foi também justificada pelo rendimento obtido na prova de concurso
estadual para entrada no magistério público que Carla prestou. Sobre este aspecto, ela
menciona:
A formação me ajudou e me ajuda muito a passar no concurso. Referente à prova que eu fui prestar... Ali foi um ponto positivo. Eu não estudei para a prova e acertei praticamente metade da avaliação. Aconteceu o que não tinha acontecido há dois anos, quando o J.V. (filho da professora) teve uma crise alérgica muito alta, e eu fui prestar uma prova. Se eu acertei dez questões, foi muito. Eu estava na área, sabe? Dentro de sala de aula e fui péssima! Tudo bem que têm outros fatores por aí, mas e aí? Eu também fui sem estudar, agora. Agora, quanto tempo eu estou fora da faculdade, sem pegar no material que cai na prova? Só que a gente está trocando ideias todos os dias, então eu fui aprendendo, a minha visão acabou mudando!
(3ª sessão de autoconfrontação, 22/11/2011, 00:42:08)
Se fosse feito no início do ano, teria sido mais fácil. Porque eu saí da minha rotina, para me adaptar a uma outra forma de pensar. Tá sendo bom? Tá sendo bom. É legal para o ano que vem e para as novas professoras. Não sei, mas acho bom já começar desde o início do ano que começa, e vai que vai. E não (começar) no meio do ano. Aí, se você começa o trabalho no início, vai até o fim! Até as crianças não vão ter este problema, de estar saindo de um ritmo que elas têm.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 01:00:48)
E até mesmo os trabalhos, que eu solicitei de 4º bimestre, foi mais pesquisa e a discussão foi feita em sala de aula, porque eles já estavam cansados de manuscritos. Então, eu falei “vamos mudar”. Eu só deixei um manuscrito – que era o de História – e o restante foi tudo pesquisa. Pesquisa e vamos discutir aqui na sala. Então, assim, esta discussão, esta socialização, que era muito difícil e demorava muito, hoje, eles fazem em uma aula. Pega o tema, discute, já faz a socialização, se tiver que fazer cartaz, faz, ou outra construção de outra atividade... E discute tudo ali e ali mesmo fica claro para todo mundo.
(Encontro coletivo, 26/09/2011, 00:22:18)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 191
A mudança no exercício profissional da professora não foi percebida apenas por
ela, mas também pelas colegas e equipe gestora. A diretora comentou, inclusive, a
respeito do processo vivido por Carla, durante um dos encontros coletivos:
Se por um lado a formação foi descrita como positiva, viabilizando o
crescimento profissional da docente, o processo, no entanto, não se deu de maneira
agradável durante todo o tempo. Além de trabalhoso, como já descrito, Carla, ao
comparar o primeiro e o segundo ciclos da pesquisa, descreve-os como se sentiu em
cada um deles, em e-mail enviado à pesquisadora:
Como pode ser visto, a avaliação feita por Carla expressa claramente que, além
de trabalhoso, o processo envolveu sentimentos de vergonha (notadamente, em função
da presença da filmadora no início do estudo, algo que foi atenuado com o passar do
tempo, mediante familiarização com o recurso), de constrangimento por se sentir
acanhada de compartilhar as cenas videogravadas de seu trabalho com as colegas. Como
no caso anterior, esses sentimentos também foram paulatinamente reduzidos no 2º ciclo
da pesquisa, quando a professora aceitou mostrar para as demais professoras, em uma
reunião do grupo, a atividade mais significativa e dolorosa para ela: a verificação do que
seus alunos sabiam sobre substantivos, adjetivos e artigos. Esse fato representou,
1ª Fase (3º Bimestre): A princípio senti-me com muito medo, constrangida, com vergonha, insegura, pressionada, sufocada e incapaz. 2ª Fase (4º Bimestre): No segundo momento já me senti mais tranquila, com menos vergonha, pressionada e sufocada. Senti-me mais capaz e segura, mas aprendi que temos que ir com muito cuidado, pois nem sempre iremos receber as respostas que estamos esperamos e quando você menos espera leva uma bela rasteira que fica marcada pelo resto da sua vida [remetendo-se à decepção sofrida ao perceber que os educandos não sabiam o que eram os artigos quando acreditava já terem se apropriado desta classe gramatical].
Tenho muito que aprender, não sei absolutamente nada. Busco conhecimento diariamente na minha vida profissional e pessoal. Procuro oferecer aos meus alunos diariamente tudo de bom, pois não sei se existirá o amanhã e se existir que eles levem para toda vida saudades de momentos inesquecíveis do 4º ano B.
Obrigada Vivi, por você ter me mostrado caminhos novos e prazerosos aconteça o que acontecer sempre lembrarei-me de você.
Valeuuuuuuuuuuuu!!!
(E-mail enviado pela professora em 20/11/2011, às 22:04)
Na minha visão, Carla, você mudou muito. Nós que estamos de fora... a gente percebe isso claramente. Percebemos isso nas suas avaliações; elas estão completamente diferentes, dentro da proposta do colégio. Isso é bom, né? E dá para perceber o crescimento que você teve, que, às vezes, você estando dentro da situação, você não percebe. [...] De maneira geral, o trabalho que vocês duas estão fazendo, você e a pesquisadora, na minha opinião é magnífico! Parabéns para as duas.
(Encontro coletivo, 21/11/2011, 00:27:56)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 192
realmente, um grande progresso de Carla, revelando o quanto ela foi se sentindo segura
sobre o seu fazer pedagógico, a ponto mesmo de compartilhar, com os demais docentes,
uma atividade que evidenciava suas diversas fragilidades. Facilitou esse momento de
exposição das relações interpessoais mantidas com o grupo em pauta, que certamente
asseguravam à Carla cumplicidade, compreensão e acolhida diante dos problemas que
seriam apontados.
A professora também relatou se sentir pressionada, sufocada e incapaz, e
esclarece seus motivos para assim se sentir em conversa travada com a pesquisadora:
Para Carla, era como se a pesquisadora nutrisse uma expectativa em relação aos
resultados do estudo, algo que era absolutamente verdade. O que a professora
desconhecia, no entanto, era que os resultados poderiam não ser bons e, mesmo assim,
ter valor científico e social. Errar é parte do aprender, mas não é fácil chegar a essa
conclusão. Daí, portanto, o que a fez se sentir ainda mais “sufocada” e “pressionada”:
ela sentia que não podia cometer nenhum deslize, ou melhor, que qualquer deslize seria
catastrófico. Nessas circunstâncias, as responsabilidades que deveriam ser assumidas e
as tarefas que precisavam ser cumpridas devem ter sido mesmo pesadas para alguém
carregar. Infelizmente, a pesquisadora só tomou conhecimento desse fato ao final do
processo e, dessa forma, muito pouco pôde ser feito para amenizar esses sentimentos.
Foi-lhe possível, apenas, esclarecer que, em se tratando de pesquisa, não há resultados
“certos” ou “errados”, embora exista, sim, um compromisso com a realidade social e
com o rigor do conhecimento científico, de onde a importância de se realizar uma
adequada coleta de dados. Sem isso, nenhuma análise se sustenta, e não se contribui
para o desenvolvimento nem da pedagogia nem da ciência da Educação.
Pesquisadora: Eu estava perguntando para você sobre os sentimentos negativos que você disse que sentia no começo dos nossos encontros e você estava me dizendo que... Professora: Então, referente à questão de medo e tudo, eu não estava falando sobre a sala de aula, mas referente às suas expectativas, referente ao nosso trabalho na sala. Eu falei: – “Não sei se eu vou conseguir ajudar a Vivi”. Não sei se é isso mesmo que ela está buscando, entendeu? E tinha a questão do constrangimento, porque você estava filmando. Pesquisadora: Mas diminuiu isso? Professora: Ah, você entra com a máquina... (risos) e que jeito que tem se a gente não se acostuma com ela? Tem que se acostumar, né?
(Terceira sessão de autoconfrontação, 22/11/2011, 00:40:05)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 193
Em relação ao sentimento de incapacidade, mais latente no primeiro ciclo do
estudo, ele se deveu, muito provavelmente, à preocupação da professora em sair-se bem
em uma nova maneira de trabalhar, adotando uma concepção de ensino-aprendizagem
que nem de longe lhe era familiar. Essa hipótese se justifica na medida em que, já no
segundo ciclo da pesquisa, Carla sinalizou ter se sentido “mais capaz e segura”,
possivelmente em decorrência de contar com maior domínio teórico, bem como da
lógica que presidia o trabalho docente, sua forma de organizar, realizar e avaliar o
processo de ensino-aprendizagem.
4.2.2 NO TOCANTE À EQUIPE GESTORA
Diretora e coordenadora avaliaram a modalidade de formação como bastante
positiva, dando destaque às mudanças observadas em Carla, no exercício da docência:
Nesta direção, as atividades que versaram sobre textos publicitários
(09/09/2011) e a visita de um jornalista (08/09/2011), ambas planejadas pela
pesquisadora em conjunto com a professora, foram destacadas como as mais
interessantes no processo de formação da docente:
Pesquisadora: Então, pessoal, eu queria que vocês me dissessem com foi esse nosso processo formativo, aqui na escola. Coordenadora: O que eu achei mais relevante nesse projeto foi a mudança na prática da professora que esteve com você em sala de aula, a Carla. Diretora: E você percebeu isso bem de perto, né? (comentando com a coordenadora). Coordenadora: É! Foi uma mudança muito grande. Acho que isso foi surpreendente e relevante, claro, para todos nós. Diretora: É, ela (mudança) foi muito clara, deu para se perceber muito bem. Eu creio que para ela (professora) foi bastante gratificante, porque a Carla mesma se posicionava e falava: “Aí, é difícil! Eu tô tendo que pesquisar, eu tô tendo que [...]”. Então, eu achei que para ela também foi de extrema importância... Foi muito bom! E, para a escola, obviamente, é um resultado excelente e indireto, porque a professora aprendeu muito, melhorou a prática dela e, consequentemente, a escola também se beneficia. E o mais importante: as crianças se beneficiaram! Eu acredito que, do início do ano até o final do ano, eles deram um salto qualitativo muito grande. Então, foi bastante gratificante, sim.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 194
Apesar da boa apreciação da equipe gestora, elas não deixaram, no entanto, de
sinalizar certa preocupação com o “ritmo” da professora que, em alguns momentos,
atrasava a entrega de documentos solicitados, como, por exemplo, o relatório dos
alunos. Depreende-se das falas da diretora e coordenadora que a pesquisa implicou um
excesso de atividades e uma organização pessoal pouco adequada da professora, fatores
que, aparentemente, precisam ser mais bem aquilatados em novas formações nesse
modelo:
Diretora: Esse trabalho com os textos publicitários foi o mais marcante, porque foi o pico da mudança, na minha opinião. Eu acho que ali culminou, sabe, com chave de ouro, com a vinda do jornalista. Para mim, esse momento que você filmou, aquele em que eles (alunos) se expuseram e tudo mais, eu acredito que para a Carla tenha sido o máximo, algo como“– Nossa, cheguei, né? Consegui.” (referindo-se à possível percepção da professora sobre a atividade realizada). E aí, para os alunos então, foi a festa! Eles realmente vivenciaram um momento completamente diferente do que vinha sendo proposto. Então, eu acredito que esse foi o que mais me chamou a atenção. E é o que eu mais gosto, né? Coordenadora: A mim, esse momento foi muito bacana também (referindo-se à atividade mencionada pela diretora), sobretudo pela experiência, na multimídia, com o jornalista. Diretora: E é verdade!!! Coordenadora: As perguntas que os alunos fizeram... O que mais me chamou a atenção, porque assim, eles já foram com as perguntinhas lá no papel, mas eu não imaginava que fossem tantas as perguntas! E eu acho que nem o jornalista achava isso também!!! Porque, a todo momento, eles levantavam a mão e levantavam a mão e foram várias as perguntas e perguntas interessantíssimas, né? Eu achei que ele, o jornalista, ele adorou responder... Eu tenho certeza! Então, isso me chamou bastante a atenção. Gostei muito dessa atividade.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 195
Pesquisadora: E, na visão de vocês, o que poderia ser diferente, em uma próxima vez? Diretora: Uma coisa que me preocupou muito foi o ritmo. Pesquisadora: Com a professora? Diretora: Com a professora. O final foi bastante desgastante para ela. Eu senti isso. Eu não sei se é o perfil dela ou se isso aconteceria com todos os professores dessa escola. Coordenadora: Porque ela acabava não dando conta de uma parte que infelizmente é importante, que e a parte burocrática. Diretora: Na parte burocrática, a Carla falhou muito. E até mesmo a parte de conteúdo, ela teve que dar uma corrida, porque acabou ficando atrasada nas outras matérias, porque... O foco foi maior em Português e Matemática, né? Diretora: Então, as outras matérias, algumas questões acabaram ficando meio de lado. Isso preocupou um pouquinho. Pesquisador: Entendi. Diretora: Mas também é verdade que ela acabou dando conta, né, apesar das dificuldades. Coordenadora: Deu, deu sim. Coordenadora: Ou a questão de organização, mesmo. Dela se organizar melhor com as coisas que ela tinha que fazer. Porque ela tinha o projeto, mas ela tinha que dar conta não só de Língua Portuguesa, mas das outras áreas também. Então, eu acho que seria preciso prestar mais atenção na questão da organização do professor, que eu acho que aí ficou meio falho. Principalmente, como a C. falou, o último bimestre ficou bem complicado. Porque nós temos prazos... Diretora: Nossa, foi muito difícil! Coordenadora: Então, por exemplo, o relatório individual dos alunos do terceiro bimestre, ela foi a última a entregar! Diretora: E assim mesmo, né, não ficou como a gente gostaria! Coordenadora: E eu ali, né, pedindo, insistindo, sem parar. Então, eu acho que ajudar na organização seria muito útil e poderia melhorar o projeto. A organização dos professores deve receber mais atenção.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
Pesquisadora: São esses dois os pontos centrais, no entender de vocês? Diretora: Não, eu quero falar também, até mesmo para você saber de como a V. (coordenadora) e eu achamos, uma proposta dessas, um projeto desse precisa ser iniciado no início do ano. Porque ele acompanha o movimento, a dinâmica da sala de aula toda. Pesquisador: Exato! Diretora: Porque quando o projeto entra, ele atravessa, sabe? Porque a professora vem num ritmo e de repente, o projeto atravessa! Então, para ela também seria bom começar no início do 1º semestre e ir até o final do ano letivo... Pesquisador: Para ela foi muito difícil... Esse é um ponto que eu gostaria de salientar, o esforço que ela fez foi grande... Diretora: Nós sabemos o quanto foi complicado para a Carla dar conta de tudo.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 196
Diante dos problemas identificados, diretora e coordenadora, de modo
semelhante ao que foi sugerido pela própria docente, recomendaram que um projeto de
formação de professores, tal como o aqui proposto, além de começar no início do ano,
para imprimir ao trabalho docente um determinado ritmo e, também, para a
pesquisadora tomar conhecimento de como ele se passa quando estendido ao longo de
todo um ano letivo, cuide da organização dos docentes, sobretudo em momentos em que
suas certezas estão abaladas. De fato, é nessas horas que os professores mais tendem a
se perder em seu ofício, justamente por não mais saber priorizar, nem estimar bem o
tempo, nem planejar e nem mesmo, como foi aqui demonstrado, avaliar a
aprendizagem.
Adotar um novo referencial teórico e fazer com que ele ilumine os trilhos da
docência implica mudar o modo de agir, de pensar e, inclusive, o de sentir. Esse é
mesmo, como bem definiu Carla, um processo sofrido, no qual se perde o terreno
seguro em que até então se caminhava, sem tempo – e sem conhecimento – de como se
equilibrar. A pesquisadora reconhece que esse momento é, de fato, delicado, exigindo
tato e, sobretudo, uma familiaridade que não se consegue no curto prazo. Mostrar
vulnerabilidade e receber acolhimento requer maturidade do lado mais frágil e do mais
seguro, sabedoria para se colocar na pele do primeiro. A professora aprendeu, quase
sem ajuda, a se organizar; a pesquisadora, por sua vez, aprendeu que é preciso estar
atenta à organização docente (como se está lidando com as demais disciplinas que não
são tratadas na formação, quanto tempo se leva para realizar as tarefas previstas, quanto
de auxílio demanda cada uma delas, o que tem ficado de lado, o que tem sido
prioritário, discutir critérios de prioridade etc.), em toda e qualquer situação nova, mas
em especial quando se está em processo de mudar de paradigma.
Em relação aos encontros coletivos, as dirigentes mencionaram seu valor
positivo, já que esses vieram a complementar o trabalho que já vinha sendo
desenvolvido por elas, junto ao grupo de professoras. Contribuiu para isso, segundo
elas, a proximidade teórica entre a concepção teórica e metodológica da pesquisadora e
aquela seguida pela equipe gestora:
Coordenadora: Então, eu penso que as discussões que você realizou vieram acrescentar aquilo que a gente já vem discutindo, os nossos trabalhos em grupo... Diretora: Reforçaram, né?! Coordenadora: É, isso mesmo, reforçaram. Porque a sua linha é muito parecida àquela que a gente segue na escola. Vieram acrescentar e reforçar aquilo que a gente discutia. Foi produtivo também.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 197
Neste sentido, acrescenta que, diferentemente do que faziam, pretendiam, além
de levar adiante as discussões teóricas, disponibilizar mais tempo para as trocas de
experiência entre as docentes, acreditando ser por meio dessa estratégia que se dá,
prioritariamente, a colaboração entre pares e crescimento pessoal:
Ainda no tocante ao grupo, a diretora também mencionou as contribuições
pontuais da pesquisadora às outras professoras, salientando o respaldo que lhes foi
oferecido, sem as expor a situações que pudessem ensejar sentimentos de medo ou
constrangimento, como é comum ocorrer em formações ou quando se pede ajuda:
4.2.3 NO TOCANTE ÀS DEMAIS PROFESSORAS (COLEGAS DE TRABALHO)70
O processo de formação realizado durante esse estudo foi considerado “muito
bom e importante, embora, às vezes, cansativo”, como descrito pela professora T.
“Tudo, todas as propostas e os procedimentos feitos promoveram muitas reflexões em
70 As opiniões expressas neste item foram, em grande parte, obtidas no último encontro realizado com o grupo de professoras, no dia 09/12/2011, para avaliação final do estudo.
Diretora: Então, essa discussão deles, eu acho que é muito necessária. Penso que seja de suma importância, porque é nessa troca, é na troca, que eu acredito que a mudança se dá e que um ajuda o outro. E nós temos um grupo bastante coeso. Então, eu acredito que vá dar bastante resultado sim. É uma ideia que a gente já vinha praticando nos outros anos, mas, nesse ano, a gente vai focar nos vários grupos, separados. Então, por exemplo, haverá momentos em que nós vamos trabalhar somente com a Educação Infantil e o Fundamental I, outros momentos somente com o Fundamental II e outros só com o Médio. Depois juntamos todos e a gente vai trocando e progredindo nessa troca... Coordenadora: Já agora, no planejamento, nós dividimos, como a C. (diretora) falou: então, vai ter a parte teórica, mas, também, a valorização da vivência. Que é uma coisa que a gente quer construir junto com elas.
Diretora: Que eu acho que é o mais importante, né? Justamente pelas trocas... Então, assim, “– Ai, eu tenho um aluno com uma dificuldade ‘x’ e o quê eu posso fazer por ele?” [referindo-se à fala dos professores]. “– Ah, mas olha! Eu trabalhei com ele no ano passado e eu fiz isso, isso e isso e deu certo!” Então, de repente, o professor pega para ele também essa experiência e aplica, vê se dá certo, né? Ou avalia, vê que não dá no caso dele e vai encontrar novos caminhos.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
Diretora: Eu achei interessante, porque havia uma motivação entre elas, sabe? E o suporte, porque várias vezes elas vinham comentar comigo: “Eu pedi ajuda da Vivi (pesquisadora) e a Vivi veio e me orientou e me ajudou muito. Então, isso foi bem bacana!” Elas se sentiram apoiadas e não amedrontadas, porque normalmente é isso o que acontece, né? Mas não, elas se sentiram apoiadas. Então, isso é outro aspecto que eu acho que foi importante.
(Entrevista final com diretora e coordenadora, 19/01/2012)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 198
mim, que me fizeram repensar a minha prática”, comentou E. Reconheceram como
positiva a contribuição de “pessoas que veem a Educação de forma diferente”
(referindo-se à pesquisadora), para a melhoria do exercício docente, apontando como
adequado o número de encontros mensais (uma única vez), para a realização de
encontros dessa natureza, com tais profissionais: “Eu acho que uma vez por mês está
bom, por conta de toda a parte burocrática, que a gente precisa estar fazendo. Por
mais que seja bacana, às vezes a gente não consegue dar conta de tudo”, comentou
outra professora.
Nesta direção, um trabalho de formação continuada, que se dê a partir da
parceria entre universidade e escola, é visto com bons olhos pelo grupo, desde que
contribua para o processo de ensino-aprendizagem e, em especial, para a melhoria do
magistério. Nas palavras de uma das professoras:
Em relação ao principal recurso metodológico empregado – a filmagem –
uma das professoras apontou seu caráter benéfico, já que por meio dele juntam-se dois
olhares: o do outro e o do professor, sendo ambos interessantes, bastante profícuos para
promover a reflexão sobre a atividade docente e, se necessário, para juntos engendrarem
uma eventual transformação. Assim, quando questionada sobre a possibilidade de
assumir o lugar da professora que recebeu maior auxílio da pesquisadora, essa mesma
docente não demonstrou sentir nenhum incômodo, reconhecendo ser essa uma boa
oportunidade para “repensar minha prática pedagógica. Se realmente aquilo que eu
aplico em sala está atingindo os alunos. O olhar crítico seria um olhar a mais sobre o
meu trabalho. Eu não vejo como não sair lucrando dessa experiência” (professora K.).
4.2.4 NO TOCANTE AOS EDUCANDOS DE CARLA71
71
As opiniões expressas neste item foram, em grande parte, obtidas no último encontro realizado com os educandos, no dia 06/12/2011, para avaliação final do estudo.
Seria bom para ambas as partes, tanto para a universidade, quanto para os professores. Porque quando eu estava na faculdade, tinha estudantes que não sabiam nada sobre a realidade da sala de aula. Eles estavam estudando para a área de Educação, mas não tinham noção do que é a realidade de uma escola. Então, acho que seria importante tanto para a universidade, para os estudantes e para as professoras. Seria uma troca muito significativa para as todas as partes. Porque daria para ver como é a realidade de sala de aula e ajudar o professor a pesquisar o que seria melhor para ele fazer bem o trabalho dele (professora D.). Sem contar que um olhar de fora acrescenta muito: a pessoa de fora enxerga outras coisas que a gente não vê. (Professora P.)
(Encontro coletivo e avaliação final, 09/12/2011)
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 199
No tocante aos alunos, o processo de pesquisa também foi visto como algo
interessante: ele diversificou as atividades do dia a dia, quebrando a rotina que
usualmente seguiam, como também lhes assegurou uma nova fonte de atenção, pois a
pesquisadora deles se ocupava, quando Carla estava envolvida com uma criança ou com
um grupo de educandos. Ao avaliar as atividades propostas, mencionam o prazer que
elas lhes deu e, ainda, a afetividade demonstrada pela pesquisadora em sua relação com
eles. Seguem algumas de suas falas:
– Eu achei legal as atividades que a gente fez [em especial] quando a gente saiu para buscar adjetivos!
(Aluna R. L.)
– Eu achei legal as atividades. E você ter entrado nas nossas vidas foi melhor para ajudar a gente! E a atividade que eu mais gostei foi a do tesouro (por meio da qual se buscou reforçar os porquês), que eu fiquei com a B. e com o M.
(Aluna Y)
– Eu gostei do primeiro dia que você veio para cá que foi quando você ficou ensinando a gente a fazer aquele negócio lá de matemática. Eu também gostei de quando você entrou, porque você ensinou mais coisas para a gente, fez a gente ficar mais esperto, ajudou a prô Carla.
(Aluno M.)
– Eu gostei muito de todas as atividades, mas a preferida, preferida mesmo, foram todas! Não tem como descrever! Você, desde o primeiro dia que chegou aqui, foi muito bom. A gente teve muito mais ensino. Quando a professora estava atendendo uma pessoa, você atendia outra. Foi muito legal... Você gosta muito das coisas que a gente gosta... Você é legal, divertida, extrovertida.
(Aluna G. N.)
– Gostei de todas as atividades e não tem nenhuma que eu não gosto. (Aluna G. P.)
– Gostei muito de todas as atividades, mas a minha preferida foi a do caça ao tesouro.
(Aluna L.)
– Gostei das atividades e a que eu gostei mais foi a de sair [da sala] e colocar os adjetivos.
(Aluna B.)
4.2.4 NO TOCANTE À PESQUISADORA
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 200
Semelhante aos atores acima, o processo também foi vivido de forma
interessante e desafiadora para a pesquisadora. Comprometida com a construção da
modalidade de formação docente em parceria com os professores e, mais
diretamente, junto a Carla, a pesquisadora empreendeu grande esforço para ter uma
conduta colaborativa nos mais diversos momentos envolvidos nesse estudo, como
planejamentos, autoconfrontações e encontros coletivos. No entanto, essa
atuação - que buscava também alcançar uma transformação na atividade docente
pela disponibilização de uma nova perspectiva teórica para orientar a prática
docente envolveu, inevitavelmente, momentos de questionamento, desestabilização,
acolhimento e, inclusive, de orientação sobre os pressupostos teóricos da Pedagogia
Histórico-Crítica à professora. Essa atuação, ao contrário do que se poderia esperar,
mostrou-se difícil e delicada, sobretudo em razão do desnível em termos de
conhecimento dos principais atores envolvidos (pesquisadora e professora). Esse
aspecto, sem sombra de dúvida, exigiu atenção constante por parte da pesquisadora,
demandando-lhe cautela para evitar cair na diretividade, algumas vezes, sem o
sucesso esperado.
O mesmo empenho investido na relação com Carla para manter a conduta
colaborativa foi dedicado, também, ao grupo de professoras e equipe gestora, no
sentido de fomentar ações que pudessem dar origem a uma comunidade
profissional de aprendizagem, na qual fosse possível compartilhar, colaborar e
investigar o processo de ensino-aprendizagem. Como exemplo, recorro aos
encontros coletivos, quando tudo que a pesquisadora e professora construíram
juntas era apresentado para a equipe gestora e para o grupo de professoras. Nessas
oportunidades, compartilhávamos não apenas as conquistas atingidas, mas, em
especial, as fragilidades e dúvidas encontradas, procurando não só socializá-las
como receber sugestões de encaminhamentos ou, ainda, oportunidades para juntos
construirmos novas alternativas para os alunos que não haviam chegado onde se
esperava. Apesar de todas as docentes estarem envolvidas com as questões que
apresentávamos, a participação inicial do grupo foi bastante tímida, pois poucas
ousavam tecer comentários ou dar uma contribuição própria. Foi apenas
paulatinamente que o grupo conseguiu fortalecer laços de respeito, compreensão e
amizade. Evidência desse progresso pode ser reconhecida no 2º ciclo da pesquisa,
quando Carla aceitou partilhar com seus colegas um de seus momentos mais frágeis
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 201
como professora: a aula para verificar o conhecimento e uso dos substantivos,
adjetivos e artigos. Efetivamente, ao fazer isso, a professora muito provavelmente
se sentia entre pessoas nas quais aprendeu a confiar e com as quais se sentia à
vontade. Muito embora a troca de experiências e as posturas colaborativas e/ou
investigativas tenham sido incitadas inicialmente pela pesquisadora, é oportuno
comentar a identificação de iniciativas colaborativas entre as professoras e dessas
com a equipe gestora. Tal evidência pôde ser observada durante os momentos de
intervalo, quando era comum presenciar a oferta de auxílio ou sugestão de uma
docente para a outra, ou mesmo da coordenadora e da diretora para as professoras.
Em síntese, a avaliação da professora que se voluntariou para participar do
estudo foi positiva, no sentido de que lhe foi possível tanto resgatar alguns
conteúdos já estudados durante o curso de graduação como, notadamente, entrar em
contato e se apropriar das ideias centrais de um novo referencial teórico. Essa
mudança foi percebida pela própria docente ao conduzir suas aulas, elaborar suas
avaliações e conquistar melhor desempenho no concurso para ingressar no
magistério público e, também, pelas colegas de trabalho e equipe gestora: ambas
reconheceram o progresso feito por Carla. Em contraposição, alterar o “ritmo de
trabalho” ou, mais especificamente, a concepção de ensino-aprendizagem, é algo
que, em geral, não ocorre de modo tranquilo. O processo de Carla foi efetivamente
trabalhoso e difícil, envolvendo sentimentos de constrangimento em função da
filmagem de suas atividades, insegurança diante da proposta de uma nova maneira
de trabalhar (pautada em um novo referencial teórico) e pressão devido às
expectativas que acreditava serem nutridas pela pesquisadora e que a docente
acreditava ser seu dever atingir.
Avaliação semelhante foi feita pela equipe gestora, ao reconhecer o caráter
benéfico da proposta tanto para a professora quanto para os demais docentes da
escola. Se a primeira passou a estudar mais e melhor, conseguindo apropriar-se dos
fundamentos teóricos da proposta pedagógica da instituição, o segundo – o grupo de
professoras – teve a oportunidade de participar dos encontros coletivos, quando não
apenas receberam formação complementar ao que já vinha sendo desenvolvido na
escola, como também puderam trocar experiências, algo muito interessante para o
enriquecimento da prática pedagógica. Entretanto, tal como Carla, a equipe gestora
CAPÍTULO 4 – UMA POSSÍVEL MIRADA SOBRE O FENÔMENO ESTUDADO: O MOVIMENTO DE ANÁLISE 202
apontou que um processo de formação como o aqui descrito deveria começar no
início do ano, já imprimindo um modo distinto de trabalhar e de organizar as
situações de ensino-aprendizagem, situação mais difícil de ser satisfatoriamente
atingida quando se inicia na metade no ano letivo, conforme o ocorrido.
No tocante ao grupo de professoras, o processo formativo também foi
considerado pertinente, pois promoveu uma reflexão sobre a atividade docente, a
partir do olhar do Outro. O recurso da filmagem, a despeito de ter sido
constrangedor no início, tornou-se um importante aliado para repensar e aprimorar a
atividade docente. Em relação aos educandos, sentimentos de prazer em relação às
propostas desenvolvidas também foram relatados: segundo eles, elas trouxeram
novo vigor às atividades que lhes vinham sendo propostas, além de propiciar-lhes
mais atenção e acolhida ao poderem contar com mais uma “professora” em sala.
Por último, o processo também permitiu grande aprendizagem à pesquisadora ao
lhe trazer situações novas, bastante desafiadoras. A tarefa de planejar as propostas,
acompanhar sua execução e, posteriormente, avaliá-las para repensá-las e tornar a
propor novas e melhores atividades para serem discutidas com a professora revelou-
se um exercício enriquecedor para a formação da pesquisadora. Entretanto, como
destacado, quando a pretensão é seguir uma perspectiva colaborativa e os
participantes contam com níveis de conhecimento muito distintos, é preciso cuidar
constantemente para que a diretividade, embora não desejada, prepondere sobre a
colaboração.
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eduardo Iglesias, sem título
Fonte: http://www.institutoeduardoiglesias.org.br/?page_id=93
Procurando contribuir para a construção do conhecimento sobre a formação
continuada de professores, o estudo em questão buscou (co)construir uma modalidade
de formação permanente de professores que, fundamentada nos pressupostos da
Psicologia Sócio-Histórica, fosse capaz de orientar a prática pedagógica dos
docentes, favorecendo a permanência bem-sucedida dos educandos na escola. Para
tanto, os esforços analíticos aqui empreendidos foram direcionados para evidenciar
CONSIDERAÇÕES FINAIS 204
indícios de mudança ou mudanças efetivamente ocorridas na atividade docente da
professora que se voluntariou para participar da pesquisa.
Dentre os resultados apresentados no capítulo anterior, alguns merecem especial
atenção, quando o que se busca é uma formação continuada de boa qualidade para os
professores. A oferta de uma base teórica sólida, que contribua para a elaboração de
uma concepção de homem, mundo e sociedade mais consistentes e capazes de
fundamentar a ação docente, pode ser citada como um dos primeiros desses aspectos.
No caso do estudo em questão, palestras, planejamentos, encontros coletivos e com a
professora compuseram o conjunto das circunstâncias aproveitadas para atender ao
objetivo pretendido.
Outro aspecto que vale a pena salientar é o papel do formador, cuja principal
meta deve ser a de promover a autonomia da atuação docente. Esse papel pode ser
assumido pelo coordenador pedagógico, por um especialista da área ou, ainda, por um
professor-pesquisador vindo da universidade. Nesse último caso, existe a vantagem de
se contribuir para o estreitamento das relações entre universidade e escola, o que é
central para que a primeira tome conhecimento das demandas e necessidades da
segunda e essa última se familiarize com as questões e com o ambiente universitário
voltado para a pesquisa. “Quando isso ocorre, o papel da academia e as razões pelas
quais ela está sendo chamada a contribuir na Formação Continuada de professores se
esclarecem” (DAVIS, NUNES e ALMEIDA, 2011, p. 105).
De acordo com essas autoras, a aproximação entre universidade e escola
viabiliza, para a primeira, a possibilidade de: a) auxiliar a comunidade escolar, ao
promover o contato com os novos conhecimentos do campo educacional, apresentando-
lhe os debates mais atuais da área; b) propor atividades e eventos acadêmicos que sejam
capazes de familiarizar os docentes da escola com o espaço acadêmico, levando-os a
desenvolver uma visão mais objetiva, porque mais distanciada, das questões que
enfrentam; e c) promover, por meio do processo formativo, uma melhor articulação dos
docentes entre si, de modo que os problemas vividos no dia a dia escolar possam ser
discutidos, refletidos e analisados em conjunto e criticamente, evitando que propostas e
soluções prontas, elaboradas em contextos externos à realidade escolar, sejam adotadas.
Importante na relação universidade/escola é promover um trabalho que envolva
a colaboração e que possa resultar na construção de uma cultura colaborativa,
CONSIDERAÇÕES FINAIS 205
fomentando a constituição de uma comunidade profissional de aprendizagem, na qual
todos se vejam engajados nas questões e nos desafios do dia a dia, buscando o constante
aprimoramento do processo e das relações ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva, a
cooperação entre pares (professores) é fomentada, incentivando a aprendizagem mútua,
seja por meio de observação de aulas, seja pelo planejamento conjunto ou, ainda, pelas
discussões a respeito das problemáticas vividas em sala.
Cabe, aqui, fazer a ressalva de que, muito embora a postura colaborativa venha
se mostrando bastante promissora nas iniciativas de formação continuada defendidas
pela literatura da área – e, no presente trabalho, não é diferente –, implantá-la exige
cautela e muitos cuidados por parte do pesquisador, notadamente, quando se tem, entre
pesquisadores e docentes, um desnível significativo de conhecimentos e experiências,
como foi o caso nesse estudo. De fato, o risco de se incorrer em diretividade, mesmo em
não sendo ela intencional, é grande. Para tanto, algumas medidas podem ser adotadas:
1) procurar escutar atentamente às ideias e percepções do outro com quem se está
construindo novos conhecimentos, atitudes e formas de atuar na docência; 2) discutir
como o processo formativo está impactando no ritmo de trabalho daquele com quem se
trabalha e levantar alternativas para contornar os eventuais problemas; e 3) estar atento
ao desequilíbrio da prática docente, notadamente nos momentos iniciais da formação
continuada, quando novas formas de lecionar estão apenas se esboçando, de modo a
amparar aqueles que se encontram em processo de formação, auxiliando-os a superar
sentimentos de desamparo e de baixa autoestima e ajudar a se organizarem pessoal e
profissionalmente; 4) apresentar sistematicamente os resultados do processo formativo
ao coletivo de professores, ouvir o que ele tem a dizer, buscando esclarecer suas dúvidas
e estar aberto para rever posições e opiniões.
Os encontros constantes da pesquisadora com a professora, como os voltados
para o planejamento conjunto, revelaram-se um importante recurso formativo, na
medida em que viabilizaram não apenas uma melhor organização das aulas, mas,
também, o estreitamento da relação entre teoria e prática. Sempre que necessário, o
referencial teórico adotado era resgatado para fundamentar a atividade em processo de
elaboração, sem deixar de relacioná-la, evidentemente, com o objetivo maior do ensino
para aquela série. Mas encontros de planejamento, em si mesmos, não bastam: é preciso
que ele parta da análise dos erros dos educandos. É somente por meio de um olhar
atento e cuidadoso sobre o erro que o professor pode tomar conhecimento do que já foi
CONSIDERAÇÕES FINAIS 206
dominado por seus alunos ou não. O emprego desse recurso também permite que o
docente saiba como orientar suas ações, tendo ideia precisa do que carece ser retomado
e de que maneira, já que a anterior não se mostrou satisfatória. Foi, portanto, bastante
discutido com a professora, em suas reuniões com a pesquisadora, o conceito de zona de
desenvolvimento iminente, em que se busca identificar o nível de desenvolvimento real
– ou aquilo que já se conhece e daquilo que já se faz sozinho – para delinear,
intencionalmente, aonde se quer chegar – o nível de desenvolvimento iminente – que
explicita o que só se consegue conhecer ou realizar mediante o auxílio de um par mais
experiente. Nesta direção, a concepção dinâmica de avaliação passa a ser um recurso a
serviço do processo de ensino-aprendizagem, na medida em que “qualifica e subsidia o
(re)encaminhamento da ação, possibilitando consequências no sentido da construção
dos resultados que se deseja” (LUCKESI, 2011b, p. 54).
Somada à análise de erros, foi longamente discutido com a professora conceitos
como o de conhecimento da realidade e dos interesses dos educandos, pois ambos
evitam o distanciamento dos anseios dos alunos diante dos conteúdos escolares
(GASPARIN, 2009, p. 15). Como a interação humana é certamente motivadora, em sala
de aula é de grande valia para o professor trabalhar com grupos de alunos com níveis de
desenvolvimento ora similares, ora distintos. O primeiro caso permite que a professora,
percebendo a necessidade de sua mediação para um determinado grupo de crianças,
possa lhe dar uma atenção diferenciada. Nessas circunstâncias, para que os demais
alunos não se sintam secundarizados e, também, para que possam ocupar bem o tempo
escolar, convém reunir alunos com diferentes níveis de desenvolvimento real, pois os
com mais experiência e/ou conhecimentos acabam atuando como tutores dos menos
experientes.
O trabalho com grupos que reúnem alunos mais e menos experientes favorecem
a todos: os primeiros, ao tentarem explicar ou mostrar algo aos segundos, acabam por
articular melhor suas ideias e, portanto, a aprimorar seus conhecimentos e forma de
pensar (VIGOTSKI, 2000a). Os alunos menos experientes, por sua vez, contam com a
ajuda de seus colegas mais avançados, que exercem uma mediação mais simétrica do
que a da professora. Adicionalmente, é por meio do trabalho em grupo que há a
oportunidade de conhecer diferentes opiniões sobre determinado assunto, que se pode
aprender a argumentar e a ouvir, a respeitar consensos sem deixar de explicitar a própria
CONSIDERAÇÕES FINAIS 207
visão, a recuar quando fica evidente que o raciocínio não procede, a considerar erros
como hipóteses que não se mostraram verdadeiras etc.
Diante do exposto, o desenvolvimento profissional de qualidade deve ser
pensado para formar um professor que atue como mediador no processo de ensino-
aprendizagem de seus alunos, colocando seus conhecimentos e sua experiência a serviço
deles. Nesse sentido, seu olhar deve tornar-se mais atento à diversidade de experiências,
ritmos de aprendizagem e reações dos educandos, assim como mais sensível às suas
necessidades, quer sejam cognitivas, quer sejam sociais, quer sejam emocionais,
levando-os a uma melhor apreensão de si e de seu entorno.
Alguns outros importantes aspectos devem ser mais bem investigados em
pesquisas futuras, que se dediquem ao assunto:
� o tempo ótimo de realização da formação profissional, uma vez que
tanto a própria professora, quanto a equipe gestora indicaram que seis
meses representaram pouco tempo, pois, de certa forma, a formação
‘atropelou’ a docente e os alunos, ao modificar o ritmo de trabalho de
Carla, aumentar a quantidade de aspectos a ser observados, exigir
melhor qualidade e maior preparo para a docência;
� o número ideal de participantes para compor um estudo dessa natureza,
para evitar desnecessária exposição da própria imagem: se um, dois ou
mais professores podem estar simultaneamente envolvidos, alternando
entre si as atividades que serão filmadas e, posteriormente, discutidas;
� a possibilidade de se incluir, no estudo, professores que atuem como
observadores nas aulas de seus pares, com o objetivo de analisá-las e de
apresentar ao corpo docente e equipe gestora suas conclusões, investindo
na construção das habilidades de observação, análise e transformação da
atividade;
� o emprego de coordenadores pedagógicos como alvos prioritários dessa
modalidade de formação continuada, de modo a melhor prepará-los para
exercer uma função que lhes cabe por direito, explorando possibilidades
de seguir, na mesma formação, caminhos diversos, a depender da
experiência prévia desses participantes (se iniciantes ou mais
experientes);
CONSIDERAÇÕES FINAIS 208
� o recurso da tutoria e seu impacto na formação de professores recém-
ingressos no magistério, empregando, como tutores, docentes
experientes e confiantes quanto ao ensino que ministram aos alunos.
Por último, mas não menos importante, este trabalho defende a ideia de
que a colaboração, embora difícil, é a melhor forma de promover mudanças na
formação docente, em especial quando se busca alterações de ordem conceitual,
procedural e atitudinal. Nesse processo, aprendi muito: em primeiro lugar, ao
longo de meu tempo na escola e, notadamente, em interação com Carla, entendi
que aprender não implica deixar de lado um conhecimento para adotar outro e,
sim, um processo aberto e dialético, no qual um conhecimento menos amplo e
menos complexo integra-se a outro de maior amplitude e complexidade. Em
segundo lugar, notei, também, que nenhum formador de professores pode
negligenciar o fato de que vários e diferentes conhecimentos coexistem
simultaneamente, sem se encontrarem necessariamente classificados e
hierarquizados, como apregoa Vygotski.
Essa situação forçou-me a ver a docência do ponto de vista de Carla,
mostrando-me que não se consegue formar melhores professores sem entender o
que eles conhecem, ignorando a forma como eles usualmente agem no processo
de ensino-aprendizagem e menosprezando suas dúvidas – e os sentimentos
negativos que vêm com elas – levantadas pelos encontros formativos. Essa
mudança de perspectiva é valiosa para quem pretende levar os docentes a
empreender o que deles se espera: articular o velho com o novo, o senso comum
com o conhecimento erudito, as incertezas com as convicções, sem dicotomizar
esses aspectos e sem classificá-los como “bons” ou “ruins”.
Um bom formador requer, ainda, alguém que, de forma sistemática e
arguta, observe e levante questões sobre o que está sendo feito junto aos docentes,
fazendo-os pensar sobre suas razões, modos de agir, decisões tomadas e atitudes
demonstradas em sala de aula, incentivando-os a mudar o que precisa ser mudado.
Finalmente, os formadores precisam contar com um arsenal de estratégias que
promovam o desenvolvimento da criatividade e da imaginação, favorecendo
aspectos de natureza psicológica capazes de dar aos docentes, quando aliados a
novos conhecimentos, a segurança necessária sobre como conduzir o processo de
CONSIDERAÇÕES FINAIS 209
ensino-aprendizagem via práxis, vinculando o mundo concreto do cotidiano com
aquele das teorias e das abstrações.
210
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Wanda M. J. A pesquisa junto a professores: fundamentos teóricos e metodológicos. In: AGUIAR, W. M. J. (org.). Sentidos e Significados do professor na Perspectiva Sócio Histórica: Relatos de Pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
AGUIAR, Wanda M. J. Consciência e Atividade: Categorias fundamentais da Psicologia Sócio-Histórica. In: BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. da G. M.; FURTADO, O. (Orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2007.
AGUIAR, Wanda M. J. e OZELLA, Sergio. Núcleos de Significação como instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos. Psicologia. Ciência e Profissão, ano 26, n. 2, p.223-244, 2006.
ALARCÃO, Isabel. Formação continuada como instrumento de profissionalização docente. In: VEIGA, I. P. A. (Org.) Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas, SP: Papirus, 1998. p. 99-122.
ALMEIDA, Sandro H. V. Psicologia Histórico-Cultural da Memória. 2008. 262p. Tese (Doutoramento) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
ALVES-MAZZOTTI, Alda J. Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 39-50, jul. 2001.
ANDRÉ, Marli E. D. A pesquisa sobre formação de professores: contribuições à delimitação do campo. In: DALBEN, A. I. L. de F. (Org.). Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 273-287.
ANDRÉ, Marli E. D. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.
ANDRÉ, Marli E. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade. Cadernos de Pesquisa, n. 113, p. 51-64, jul. 2001. (a)
ANDRÉ, Marli E. D. Pesquisa, formação e prática docente. In: ANDRÉ, M. E. D.(org.) O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 2001.(b). p.55 – 70.
ANDRÉ, Marli E. D.; BRZEZINSKI, Iria; LÜDKE, Menga; ROLDÃO, Maria do Céu. Pesquisa sobre formação de professores: Síntese do II Simpósio de Pesquisa de grupos de pesquisa do GT 8 da ANPEd. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 152-159, ago./dez.2010.
ANDRÉ, Marli E. D.; SIMÕES, Regina, H. S.; CARVALHO, Janete M.; BRZEZINSKI, Iria. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação & Sociedade, n. 68, p. 301-309, dez. 1999.
211
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro, 2007.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994.
BREAKWELL, Glynis M.; HAMMOND, Sean; FILE-SCHAW e SMITH, Jonathan A. Métodos de pesquisa em psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2010.
BRESCIANI, Maria S. M. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.
BUENO, Juliane Z. Ética marxista e formação moral na escola. In: MARSIGLIA, A. Ca G. Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. p. 91-100.
CANDAU, Vera M. Formação Continuada de Professores: tendências atuais. In: CANDAU, V. M. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1999. p.51-68.
CARVALHO, Anna Maria P.; GONÇALVES, Maria Elisa R. Formação continuada de professores: o vídeo como tecnologia facilitadora da reflexão. Cadernos de Pesquisa, n. 111, p. 71-94, dez. 2000.
CHAIKLIN, Seth. The Zone of Proximal Development in Vygotski´s Analysis of Learning and Instruction. In: KOZULIN, A.; GINDIS, B.; AGEYEV, V. S.; MILLER, S. (orgs.). Vygotsky´s Educational Theory in Cultural Context. New York: Cambridge University Press, 2003.p. 39-64.
CHARLOT, Bernard. A Mistificação Pedagógica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
CHRISTOV, Luiza H. da S. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, A. A. (org.). O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Edições Loyola, 2009. p. 9-14.
CLEMESHA, Arlene E. A Rússia czarista. História Viva – Grandes Temas, Edição especial temática, n.18, p. 14-19, s.d.
CLOT, Yves. A Função Psicológica do Trabalho. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
CORAGGIO, José L. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção. In: TOMMASI, L. D.; WARDE, M. J.; HADDAD, S. O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1998. p. 75-123.
COREY, Stephen M. Action Research to improve school practices. New York: Teachers College Columbia University, 1957.
CUNHA, Celso. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital, 2007.
DALBEN, Ângela I. L. de F. A prática pedagógica e os ciclos de formação na escola plural. In: DALBEN, A. I. L. de F. (Org.). Singular ou plural: eis a escola em questão. Belo Horizonte: GAME/ FaE/ UFMG, 2000. p.53- 66.
212
DAVIS, Claudia L. F.; AGUIAR, Wanda M. J. Atividade docente: transformações do professor na perspectiva sócio-histórica. Psicologia Escolar e Educacional (Impresso), v. 14, p. 233-244, 2010.
DAVIS, Claudia L. F.; NUNES, Marina M. R.; ALMEIDA, Patrícia C. A. de. Formação continuada de professores: uma análise das modalidades e das práticas em estados e municípios brasileiros. Relatório final. Fundação Carlos Chagas/ Fundação Victor Civita, jun./2011.
DAVIS, Claudia L. F.; OLIVEIRA, Zilma de M. R. de. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 2010.
DAVYDOV, Vasily V.; ZINCHENKO, V. P. A contribuição de Vygotsky para o desenvolvimento da psicologia. In: DANIELS, H. Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. Campinas: Papirus, 1995, p. 151-165.
DELFINO, Daniel M. A Rússia antes da revolução. História Viva – Grandes Temas, Edição especial temática, n. 18, p. 20-25, s.d.
DINIZ-PEREIRA, Júlio E.; LACERDA, Mitsi P. Possíveis significados da pesquisa na prática docente: ideias para fomentar o debate. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 1229-1242, set./dez. 2009.
DONOVAN, Suzanne M.; BRANSFORD, John D.; PELLEGRINO, James W. How People Learn: bridging research and practice. Washington: National Academy Press, 1999.
DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vygotski. Campinas, SP: Autores Associados, 1996/2001.
DUFOUR, Richard; DUFOUR, Rebecca; EAKER, Robert; MANY, Thomas. Learning by Doing: a handbook for professional learning communities at work. Bloomington: Solution Tree, 2006.
ENGELS, Friedrich. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. São Paulo: Centauro, 1880/2005.
FALS BORDA, Orlando. Aspectos teóricos da pesquisa participante: considerações sobre o significado e o papel da ciência na participação popular. In: BRANDÃO, Carlos R. (Org.). Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1982.p.42-62.
FILHO, Lourenço. Preparação de pessoal docente para escolas primárias rurais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 20, n. 52, p. 61-104, out./dez. 1953.
FRAGA, José C.; CONTELLI, Fábio; KRUEL, Juliana; COSTA, Eduardo C.; BACKES, Ariane N. Traqueostomia Pediátrica: relato de uma série de casos. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, v.52, n. 1, p. 60-66, jan./mar. 2008.
FULLAN, Michel. O significado da mudança educacional. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1982/2009.
213
FULLAN, Michel. The limits and the potential of professional development. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 253-268.
FUSARI, José C. Formação contínua de educadores na escola e em outras situações. In: BRUNO, Eliane B. G.; ALMEIDA, Laurinda R.; CHRISTOV, Luiza Helena da S. O coordenador pedagógico e a formação docente. São Paulo: Edições Loyola, 2009. p. 17-24.
GASPARIN, João L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
GATTI, Bernardete A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, v.13, n. 37, p.57-70, jan./abr. 2008.
GATTI, Bernardete A. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 191-204, jul./2003.
GATTI, Bernardete A.; BARRETO, Elba S.; ANDRÉ, Marli E. D. A. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.
GONÇALVES, José Alberto M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, Antônio. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992. p. 141- 170.
GOODLAD, John I. A place called school. McGraw-Hill, 1984/2004.
GOODSON, Ivor F. Dar voz ao professor: as histórias de vida de professores e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, A. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992. p. 63-78.
GUSKEY, Thomas R. Professional development in Education: in search of optimal mix. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 114- 131.
GUSKEY, Thomas R.; HUBERMAN, Michael. Introduction. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 1- 6.
HARGREAVES, Andy. Development and desire: a postmodern perspective. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 9-34.
HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004.
HARGREAVES, Andy; EARL, Lorna; MOORE, Shawn; MANNING, Susan. Aprendendo a mudar: o ensino para além dos conteúdos e da padronização. Porto Alegre: Artmed, 2002.
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios, 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
214
HUBERMAN, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992. p. 31-62.
HUBERMAN, Michael. Professional careers and professional development: some intersections. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 193-224.
HUBERMAN, Michael; GUSKEY, Thomas R. The diversities of professional development. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 269 – 272.
IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.
IMBERNÓN, Francisco. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009.
KEMMIS, Stephen; McTAGGART, Robin. Cómo planificar La investigación-acción. Barcelona: Laertes, 1992.
KONDER, Leandro. O Que é Dialética. São Paulo: Brasiliense, 1985 (Coleção Primeiros Passos; 23).
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
KOZULIN, Alex. O conceito de atividade na psicologia soviética. In: DANIELS, H. (Org.). Uma introdução a Vygotski. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
KRAMER, Sônia. Melhoria da qualidade do ensino: o desafio da formação de professores em serviço. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 70, n. 165, p. 189-207, mai./ago. 1989.
LEITE, Sérgio A. S.; TASSONI, Elvira C. M. A Afetividade em Sala de Aula: as condições de ensino e a mediação do professor. In: AZZI, R.; SADALLA, A. M. F. de A. (Orgs.) Psicologia e Formação Docente: desafios e conversas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 113-141.
LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 1978/2004.
LEWIN, Kurt. Action research and minority problems. In: LEWIN, K. Resolving Social Conflicts: field theory in social science. New York: Herper and Row, 1948/1997. p.143-154.
LIBÂNEO, José C. Tendências Pedagógicas na Prática Escolar. In: LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 2006.
LONGAREZI, Andréa M; ALVES, Tamarisa de C. A psicologia como abordagem formativa: um estudo sobre formação de professores. Revista Semestral da Associação
215
Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), v. 13, n. 1, p. 125-132, jan./jun. 2009.
LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011 (a).
LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 2011 (b).
MARCELO GARCÍA, Carlos. Formação de Professores – Para uma mudança educativa. Porto, Portugal: Porto Editora, 1999. p. 18-71.
MARX, Karl. Elementos fundamentales para la crítica de la economía política. Buenos Aires: siglo ventiuno editores S.A., 1857/ 1973.
MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. Disponível em:<
http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm>. Acesso em: 26. Abr. 2011.
MARSIGLIA, Ana Carolina G. A prática pedagógica na perspectiva da pedagogia histórico-crítica. In: MARSIGLIA, A. C. G. (org.). Pedagogia Histórico-Crítica: 30 anos. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
MASTERS, Janet. The History of Action Research. In: Hughes, I. (Ed.) Action Research Electronic Reader, The University of Sydney, 1996. Disponível em: <
http://www.behs.cchs.usyd.edu.au/arow/Reader/rmasters.htm>. Acesso em: 07 fev. 2011.
MELLO, Heliana; DUTRA, Deise P.; JORGE, Miriam. Action research as a tool for teacher autonomy, D.E.L.T.A., v. 24, p. 513-528, 2008.
MEVARECH, Zemira R. Teacher´s paths on the way to and from the professional development forum. In: GUSKEY, T. R.; HUBERMAN, M. Professional Development in Education: new paradigms & practices. New York: Teacher´s College Press, 1995. p. 151-170.
MIRANDA, Maria I. Projeto de intervenção escolar para alunos com problemas de aprendizagem na alfabetização: construção, implementação e resultados. 2005. 165p. Tese (Doutoramento) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
MIRANDA, Marília G.; RESENDE, Anita C. A. Sobre a pesquisa-ação na educação e as armadilhas do praticismo. Revista Brasileira de Educação, v. 11, n. 33, p. 511-565, set.- dez, 2006.
MONTEIRO, Roberto A. Pesquisa em educação: alguns desafios da abordagem qualitativa. In: MONTEIRO, R. A. Fazendo e aprendendo pesquisa qualitativa em educação. Juiz de Fora: FEME/UFJF, 1998. p. 7-22.
MOREIRA, Antônio F. B.; CANDAU, Vera M. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. IN: BRASIL. Educação como exercício de diversidade. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD),
216
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Ministério da Educação (MEC), Associação de Pós-Graduação em Educação (ANPED). Brasília: 2005.
NASCIMENTO, Maria das G. A Formação continuada dos professores: modelos, dimensões e problemática. In: CANDAU, V. M. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 51-68.
PATTON, Michael Q. Qualitative research and evaluation methods. 3rd ed. London: Sage Publications, 2001.
PINO, Angel. A psicologia concreta de Vygotski: implicações para a educação. In: PLACCO, V. M. N. de S. (org.). Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. p. 33- 61.
PONTES, Reinaldo N. Mediação e serviço social. São Paulo: Cortez, 2010.
PRESTES, Zóia R. Quando não é quase a mesma coisa: análise de traduções de Lev Semionovitch Vygotski no Brasil – repercussões no campo educacional. 2010. 295f. Tese (doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
RACHMAN, Vivian C. B. Entre habilidades e competências: como pode ser pensada a atuação do psicopedagogo no ambiente hospitalar. 2006. 66f. Monografia (especialização). Curso de especialização em Psicopedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
RACHMAN, Vivian C. B. Resiliência: o emprego desse conceito nas áreas de Educação e Psicologia da Educação no Brasil (2002 a 2007). 2008. 260f. Dissertação (Mestrado) Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
ROGOFF, Barbara; BAKER-SENNET, Jacqueline; LACASA, Pilar; GOLDSMITH, Denise. Development Through Participation in Sociocultural Activity. In: GOODNOW, J.; MILLER, P.; KESSEL, F. Cultural Practices as Contexts for Development, n. 67, Spring, 1995.
ROSA, Maria Inês F. P. dos S.; SCHNETZLER, Roseli P. A investigação-ação na formação continuada de professores de ciências. Ciência & Educação, v. 9, n. 1, p. 27-39, 2003.
SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil”, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do Histedbr” (Historia da Educação Brasileira). Campinas, ago. 2005. Disponível em: < http://www.joinville.udesc.br/portal/professores/maria/materiais/Saviani_Concep__es_Pedag_gicas__2005.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2012.
SAVIANI, Dermeval. A Pedagogia Histórico-crítica e a Educação Escolar. In: SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1991.
217
SCHETTINI, Rosemary H. A contribuição de Vygotski para a teoria da atividade sócio-histórico-cultural. In: SCHETTINI, R. H.; DAMIANOVIC, M. C.; HAWI, Mona M.; SZUNDY, P. T. C. (Orgs.) Vygotski: uma revisita no início do século XXI. São Paulo: Andross, 2009.
SILVA, Edileuza F. As práticas pedagógicas de professores da educação básica: entre a imitação e a criação. In: VEIGA, I. P. A.; SILVA, E. F. da (Orgs.). A escola mudou. Que mude a formação de professores. Campinas, SP: Papirus, 2010.
SMOLKA, Ana Luiza B. Internalização: seu significado na dinâmica dialógica. Educação e Sociedade, v. 13, n.42, 1992, p. 328-335.
SOARES, Magda. Que professor de Português queremos formar? In: VIII Senefil (Semana Nacional de Estudos Filológicos e Linguísticos), Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: < http://www.filologia.org.br/viiisenefil/07.html> Acesso em: Acesso: 13 nov. 2012.
SOUZA, Denise T. R. Formação continuada de professores e fracasso escolar: problematizando o argumento da incompetência. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 477-492, set./dez. 2006.
SZYMANSKI, Heloisa. A família como um lócus educacional: perspectivas para um trabalho psicoeducacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 81, n. 197, p. 14-25, jan./ abr. 2000.
SZYMANSKI, Heloisa. A relação família/ escola: desafios e perspectivas. Brasília: Liber Livro, 2010.
THARP, Roland G.; ESTRADA, Peggy; DALTON, Stephanie S.; YAMAUCHI, Lois A. Teaching Transformed: achieving Excellence, Fairness, Inclusion and Harmony. Westview Press, 2000.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1996.
TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set.- dez. 2005.
TUDGE, Jonathan. Vygotski, the zone of proximal development, and peer collaboration: Implications for classroom practice. In: MOLL, L. C. Vygotski and Education. New York: Cambridge University Press, 1992.
TULESKI, Silvana C. Da revolução material à revolução psicológica – as bases da psicologia comunista de Vygotski. In: TULESKI, S. C. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Eduem, 2002. p. 45-92.
TULESKI, Silvana Calvo. Para ler Vygotski: recuperando parte da historicidade perdida. In: 23ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa Em Educação, 2000. Caxambu. Educação não é privilégio. Anais... Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, 2000. Disponível em: < http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/2024t.PDF> Acesso em: 15 abr. 2011.
218
VAILLANT, Denise. La identidad docente. I Congreso Internacional “Nuevas Tendencias en la Formación Permanente del Profesorado”. Barcelona, 5 a 7 set. 2007. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/2030599/La-identidad-docente> Acesso em: 14 mar. 2011.
VAN DER VEER, René; VALSINER, Jean. Vygotsky – uma síntese. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
VEIGA, Ilma P. A.; VIANA, Cleide M. Q. Q. Formação de professores: um campo de possibilidades inovadoras. In: VEIGA, I. P. A.; SILVA, E. F. da (Orgs.). A escola mudou. Que mude a formação de professores. Campinas, SP: Papirus, 2010.
VERCEZE, Rosa M. A. N.; SILVINO, Eliziane F. M. O livro didático e suas implicações na prática do professor nas escolas públicas de Guajará-mirim. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 4, n. 4, p. 83-102, jan./jun. 2008.
VERESOV, Nikolai. Zone of proximal development (ZPD): the hidden dimension? Language as culture – tensions in time and space, Vasa, v. 1, p. 13-30, 2004.
VYGOTSKI, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (a).
VYGOTSKI, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1979/2003.
VYGOTSKI, Lev S. Manuscritos de 1929. Educação & Sociedade, n. 71, p. 21-44, 1986/ 2000 (b).
VYGOTSKI, Lev S. O significado histórico da crise da psicologia: uma investigação metodológica. In: VYGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1927/2004.
VYGOTSKI, Lev S. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 1924/2004.
VYGOTSKII, Lev S. Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar. In: VYGOTSKII, L. S.; LEONTIEV, A. R.; LURIA, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006.
VYGOTKSI, Lev S. Estudio del desarrollo de los conceptos científicos en la edad infantil. In: VYGOTKSI, L. S. Obras escogidas. Tomo II. Madrid: Visor, 1960/1982.
VYGOTKSI, Lev S. Paidología del adolescente. In: VYGOTKSI, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1931/1996.
WEIMER, Maryellen. Learner-centered teaching: five key changes to practice. San Francisco: Jossey-Bass, 2002.
219
BIBLIOGRAFIA
ABRAHÃO, Júlia I. e PINHO, Diana L. Teoria e prática ergonômica: seus limites e possibilidades. In: PAZ, M. das G. T.; TAMAYO, A. Escola, Saúde e trabalho: estudos psicológicos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
AGUIAR, Wanda M. J. A pesquisa em Psicologia Socio-histórica: contribuições para o debate metodológico. In: BOCK, A. M. B., GONÇALVES, M. da G. M.; FURTADO, O. (Orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2009.
AGUIAR, Wanda M. J.; LIEBESNY, Brônia; MARCHESAN, Eduardo C.; SANCHEZ, Sandra G. Reflexões sobre sentido e significado. In: BOCK, A. M. B, GONÇALVES, M. da G. (Orgs.). A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2009.
AGUIAR, Wanda M. J.; DAVIS, Claudia L. F. Formação Profissional, Atividade e Subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. (no prelo).
ALVES-MAZZOTTI, Alda J.; FUMES, Neiza de L.; AGUIAR, Wanda M. J. (Orgs.). Estudos sobre a atividade docente: aspectos teóricos e metodológicos em questão. São Paulo: Educ; Edufal, 2010.
ANDRÉ, Marli E. D. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989/2008.
APPLE, Michael W. Política cultural e educação. São Paulo: Cortez, 2000.
ASBAHR, Flávia da S. F.; LOPES, Juliana S. A culpa é sua. Psicologia USP, v. 17, n.1, p. 53-73, 2006.
BELINTANE, Claudemir. Por uma ambiência de formação contínua de professores. Cadernos de Pesquisa, n. 117, p. 177-193, nov. 2002.
BOCK, Ana M. B. Aventuras do barão de Münchhausen na psicologia. São Paulo: Educ: Cortez Editora, 1999.
BONILLA, Victor D.; CASTILLO, Gonzalo; FALS BORDA, Orlando; LIBREROS, Augusto. Causa popular, ciência popular: uma metodologia do conhecimento científico através da ação. In: BRANDÃO, C. R. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.
CARVALHO, Janete M. O não – lugar dos professores nos entrelugares de formação continuada. Revista Brasileira de Educação, n. 28, p. 96-107, jan./abr. 2005.
CLOT, Yves. (org.) Avec Vygotski. Paris: La dispute, 1999.
CLOT, Yves. Editorial - Clinique de l´ativité et pouvoir de ágir. Éducation Permanente, n. 146, 2001 (a), p. 7-16.
CLOT, Yves. Curso ministrado pelo Prof. Yves Clot. Set/2004.
220
CLOT, Yves; FAÏTA, Daniel; FERNANDEZ, Gabriel e SCHELLER, Livia. Entretiens en autoconfrontation croisée: une méthode en clinique látivité. In: Éducation Permanente, v. 146, p. 17-25, 2001 (b).
CLOT, Yves. Entrevista. Cad. Psicol. Soc. Trab. [online]. São Paulo, vol. 9, n. 2, 2006 (a). Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo>. Acesso em: 22 jul. 2009.
CLOT, Yves. La santé au travail: modeles, measures et actions. Revue européenne de phychologie appliquée, v. 58, p. 297-299, 2008.
CLOT, Yves. Psycopatholoie du travail et clinique látivité. Éducation Permanente, v. 146, n. 1, p. 35-46, 2001 (b).
CUNHA, Liliana; GIL MATA, Rita; CORREIA, Fernanda. Luz, câmara, acção: orientações para a filmagem da actividade real de trabalho. Laboreal. Porto (Portugal), vol. II, n. 1, 2006.
DAVIS, Cláudia F. L.; AGUIAR, Wanda M. J. Superando a dicotomia saber-ação: uma nova proposta para a pesquisa e a formação docente (no prelo).
DAVIS, Claudia L. F.; ALMEIDA, Laurinda, RAMALHO de; RIBEIRO, Marilda P. de O.; RACHMAN, Vivian C. B. Abordagens vygotskiana, walloniana e piagetiana: diferentes olhares para a sala de aula. Artigo não publicado.
DEMO, Pedro. Elementos metodológicos da pesquisa participante. In: BRANDÃO, C. R. (org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1987/1999.
DURAND, Marc; SAURY, Jacques; VEYRUMES, Philippe. Relações fecundas entre pesquisa e formação docente: elementos para um programa. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 37-62, maio/ago. 2005.
FALSARELLA, Ana M. Formação continuada e prática de sala de aula. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
FERREIRA, Mário C. Atividade, categoria central na conceituação de trabalho em ergonomia. Revista Alethéia, v. 1, n. 11, p. 71-82, 2000.
FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989/2008. p. 69-90.
GARCIA, Carlos M. Formação de professores. Para uma mudança educativa. Porto, Porto Editora, 1999.
HORIKAWA, Alice Y. Interação pesquisador-professor: por uma relação colaborativa. In: MAGALHÃES, M. C. C. A formação do professor como um profissional crítico: linguagem e reflexão. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 89-104.
IAROCHEVSKI, M.F.; GURGUENIDZE, G. S. Epílogo. In: VYGOTSKI, Lev S. Teoria e Método em Psicologia. Trad. Claudia Berliner, São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 471-515.
221
IBIAPINA, Ivana M. L. de M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília: Liber Livro, 2008.
LUNA, Sergio V. O falso conflito entre tendências metodológicas. In: FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989/2008. p. 21-33.
LURIA, Alexander R. A atividade consciente do homem e suas raízes histórico-sociais. In: LURIA A.R. Curso de Psicologia Geral vol. 1 - Introdução evolucionista à psicologia. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979.
MAGALHÃES, Maria C. C. A etnografia colaborativa: pesquisa e formação profissional. IN: FIDALGO, S. S.; SHIMOURA, A. da S. Pesquisa crítica de colaboração: um percurso na formação docente. São Paulo: Ductor, 2006. p. 56-63.
MAGALHÃES, Maria C. C. A pesquisa colaborativa e a formação do professor alfabetizador. IN: FIDALGO, S. S.; SHIMOURA, A. da S. Pesquisa crítica de colaboração: um percurso na formação docente. São Paulo: Ductor, 2006. p. 48-55.
MAGALHÃES, Maria Cecília C. Por uma prática crítica de formação continuada de educadores. IN: FIDALGO, S. S.; SHIMOURA, A. da S. Pesquisa crítica de colaboração: um percurso na formação docente. São Paulo: Ductor, 2006. p. 88-96.
MATTOS, Carmen L. G. O conselho de classe e a construção do fracasso escolar. Educação e Pesquisa, v. 31, n. 2, p. 215-228, maio/ago. 2005.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 1981/2006.
MIRANDA, Joana D. de O. Sentidos e significados atribuídos pelo professor às “dificuldades de aprendizagem”. 2009. 130p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
MURTA, Agnes M. G. Da atividade prescrita ao real da atividade: análise da atividade docente em uma escola regular, sob a perspectiva da Psicologia Sócio- Histórica e da Análise da Atividade. 2008. 233p. Tese (Doutoramento) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
OLIVEIRA, Cynthia B. E.; ALVES, Paola B. Ensino Fundamental: papel do professor, motivação e estimulação no contexto escolar. Paidéia, v. 31, n. 15, p. 227-238, 2005.
PAIVA, Mirella L. M. F.; DEL PRETTE, Zilda A. P. Crenças docentes e implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), v. 13, n. 1, p. 75-85, jan./jun. 2009.
ROMERO, Tania. Não falamos PARA a escola, mas COM a escola. IN: FIDALGO, S S.; SHIMOURA, A. da S. Pesquisa crítica de colaboração: um percurso na formação docente. São Paulo: Ductor, 2006. p. 64-67.
222
SARTI, Flávia M. Parceria intergeracional e formação docente. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 25, n. 2, p. 133-152, ago., 2009.
SAWAYA, Sandra M. Alfabetização e fracasso escolar: problematizando alguns pressupostos da concepção construtivista. Educação e Pesquisa, v. 26, n. 1, p. 67-81, jan./jun. 2000.
SEVERINO, Antônio J. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água, 2001.
TACCA, Maria Carmen V. R.; BRANCO, Angela U. Processos de significação na relação professor-aluno: uma perspectiva sociocultural construtivista. Estudos de Psicologia, v. 13, n. 1, p. 39-48, 2008.
THIOLLENT, Michel. Notas para o debate sobre pesquisa-ação. In: BRANDÃO, C. R. (org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1987/1999. p. 82-103.
VYGOTSKI, Lev S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.
223
ANEXOS
224
ANEXO 1: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA DIRETORA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezada Diretora
O projeto de pesquisa intitulado “Enfrentando a lógica do homogêneo: aspectos centrais para um trabalho
diversificado junto aos educandos” busca não apenas avançar na produção do conhecimento, mas,
notadamente, contribuir para a formação docente. Seu foco está em (co)construir uma modalidade de
formação docente à luz dos pressupostos da Psicologia Sócio Histórica para orientar a prática docente de
modo a assegurar que todos os alunos aprendam e permaneçam na escola com sucesso. Para tanto,
reconhecer a diversidade dos alunos (idade, sexo, cultura, perfil de aprendizagem, experiências pessoais,
motivação, relação com o saber etc.) e os problemas que enfrentam para aprender, bem como as
implicações para a prática pedagógica (planejamento de trabalhos diversificados, execução,
monitoramento e avaliação) são centrais. A pesquisa envolve, ainda, certos procedimentos
metodológicos: entrevistas com o diretor e coordenador; encontros com o coletivo de professores do
Ensino Fundamental I e Educação Infantil para discussões teóricas e planejamento de atividades;
filmagem de atividades em sala de aula; discussões entre pesquisador e professor acerca de cenas
filmadas; aplicação de algumas atividades com os educandos para identificar possíveis progressos na
aprendizagem; história de vida do professor. Esclarecimentos sobre os procedimentos arrolados poderão
ser solicitados a qualquer momento. Os riscos gerados por essa pesquisa praticamente inexistem: talvez
uma situação embaraçosa ocorra, mas é muito improvável. Fica resguardado ao sujeito de pesquisa o
direito de retirar-se da pesquisa quando quiser, sem qualquer dano para si ou para seu trabalho. Garante-
se, aos participantes, sigilo sobre seus dados pessoais e anonimato em relação à escola. Agradeço
antecipadamente a oportunidade de conhecer mais de perto o trabalho que realizam e de aprender com
ele.
______________________________________________________
pesquisadora
225
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Vivian Carla Bohm Rachman – Doutoranda no Programa de Educação: Psicologia da Educação, situado à Rua Ministro Godoi, 969 - 4º andar - sala 4E07 – Perdizes - São Paulo - SP – Brasil – CEP: 05015-901 – Tel./FAX: (11) 3670-8527
O CEP – Sede Campus Monte Alegre localiza-se no andar térreo do Edifício Reitor Bandeira de Mello, sala 63-C, Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05015-001 – Tel./FAX: (11) 3670-8466
Eu, ______________________________________________, que atuo nesta escola como diretora
R.G.______________________________________declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios
de minha participação na pesquisa e concordo em dela participar.
São Paulo, ____ de _________________ de 2011.
________________________________________________
Participante da Pesquisa
226
ANEXO 2: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA COORDENADORA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezada Coordenadora
O projeto de pesquisa intitulado “Enfrentando a lógica do homogêneo: aspectos centrais para um trabalho
diversificado junto aos educandos” busca não apenas avançar na produção do conhecimento, mas,
notadamente, contribuir para a formação docente. Seu foco está em (co)construir uma modalidade de
formação docente à luz dos pressupostos da Psicologia Sócio Histórica para orientar a prática docente de
modo a assegurar que todos os alunos aprendam e permaneçam na escola com sucesso. Para tanto,
reconhecer a diversidade dos alunos (idade, sexo, cultura, perfil de aprendizagem, experiências pessoais,
motivação, relação com o saber etc.) e os problemas que enfrentam para aprender, bem como as
implicações para a prática pedagógica (planejamento de trabalhos diversificados, execução,
monitoramento e avaliação) são centrais. A pesquisa envolve, ainda, certos procedimentos
metodológicos: entrevistas com o diretor e coordenador; encontros com o coletivo de professores do
Ensino Fundamental I e Educação Infantil para discussões teóricas e planejamento de atividades;
filmagem de atividades em sala de aula; discussões entre pesquisador e professor acerca de cenas
filmadas; aplicação de algumas atividades com os educandos para identificar possíveis progressos na
aprendizagem; história de vida do professor. Esclarecimentos sobre os procedimentos arrolados poderão
ser solicitados a qualquer momento. Os riscos gerados por essa pesquisa praticamente inexistem: talvez
uma situação embaraçosa ocorra, mas é muito improvável. Fica resguardado ao sujeito de pesquisa o
direito de retirar-se da pesquisa quando quiser, sem qualquer dano para si ou para seu trabalho. Garante-
se, aos participantes, sigilo sobre seus dados pessoais e anonimato em relação à escola. Agradeço
antecipadamente a oportunidade de conhecer mais de perto o trabalho que realizam e de aprender com
ele.
______________________________________________________
pesquisadora
227
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Vivian Carla Bohm Rachman – Doutoranda no Programa de Educação: Psicologia da Educação, situado à Rua Ministro Godoi, 969 - 4º andar - sala 4E07 – Perdizes - São Paulo - SP – Brasil – CEP: 05015-901 – Tel./FAX: (11) 3670-8527
O CEP – Sede Campus Monte Alegre localiza-se no andar térreo do Edifício Reitor Bandeira de Mello, sala 63-C, Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05015-001 – Tel./FAX: (11) 3670-8466
Eu, ______________________________________________, que atuo nesta escola como coordenadora
R.G.______________________________________declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios
de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
São Paulo, ____ de _________________ de 2011.
________________________________________________
Participante da Pesquisa
228
ANEXO 3: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DA PROFESSORA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezada Professora
O projeto de pesquisa intitulado “Enfrentando a lógica do homogêneo: aspectos centrais para um trabalho
diversificado junto aos educandos” busca não apenas avançar na produção do conhecimento, mas,
notadamente, contribuir para a formação docente. Seu foco está em (co)construir uma modalidade de
formação docente à luz dos pressupostos da Psicologia Sócio Histórica para orientar a prática docente de
modo a assegurar que todos os alunos aprendam e permaneçam na escola com sucesso. Para tanto,
reconhecer a diversidade dos alunos (idade, sexo, cultura, perfil de aprendizagem, experiências pessoais,
motivação, relação com o saber etc.) e os problemas que enfrentam para aprender, bem como as
implicações para a prática pedagógica (planejamento de trabalhos diversificados, execução,
monitoramento e avaliação) são centrais. A pesquisa envolve, ainda, certos procedimentos
metodológicos: entrevistas com o diretor e coordenador; encontros com o coletivo de professores do
Ensino Fundamental I e Educação Infantil para discussões teóricas e planejamento de atividades;
filmagem de atividades em sala de aula; discussões entre pesquisador e professor acerca de cenas
filmadas; aplicação de algumas atividades com os educandos para identificar possíveis progressos na
aprendizagem; história de vida do professor. Esclarecimentos sobre os procedimentos arrolados poderão
ser solicitados a qualquer momento. Os riscos gerados por essa pesquisa praticamente inexistem: talvez
uma situação embaraçosa ocorra, mas é muito improvável. Fica resguardado ao sujeito de pesquisa o
direito de retirar-se da pesquisa quando quiser, sem qualquer dano para si ou para seu trabalho. Garante-
se, aos participantes, sigilo sobre seus dados pessoais e anonimato em relação à escola. Agradeço
antecipadamente a oportunidade de conhecer mais de perto o trabalho que realizam e de aprender com
ele.
______________________________________________________
pesquisadora
229
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Vivian Carla Bohm Rachman – Doutoranda no Programa de Educação: Psicologia da Educação, situado à Rua Ministro Godoi, 969 - 4º andar - sala 4E07 – Perdizes - São Paulo - SP – Brasil – CEP: 05015-901 – Tel./FAX: (11) 3670-8527
O CEP – Sede Campus Monte Alegre localiza-se no andar térreo do Edifício Reitor Bandeira de Mello, sala 63-C, Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05015-001 – Tel./FAX: (11) 3670-8466
Eu, ______________________________________________, que atuo nesta escola como professora
R.G.______________________________________declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios
de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
São Paulo, ____ de _________________ de 2011.
________________________________________________
Participante da Pesquisa
230
ANEXO 4: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DOS PAIS E
RESPONSÁVEIS
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado Sr.(a)
O projeto de pesquisa intitulado “Enfrentando a lógica do homogêneo: aspectos centrais para um trabalho
diversificado junto aos educandos” busca contribuir para a formação docente. A fim de alcançar tal
objetivo, algumas aulas de professores de seu filho(a) serão observadas e filmadas. O foco das filmagens
recairá sobre a atividade dos professores, de forma que os alunos só aparecerão nos vídeos quando em
interação com os docentes. Garante-se à escola - e a todo e qualquer participante do estudo - absoluto
sigilo quanto a seus dados pessoais. Na hipótese de alguém não querer participar do estudo e/ou decidir
deixar de dele participar, basta informar ao pesquisador essa decisão. Eventuais desistências não
implicam qualquer ônus para a escola ou para o participante.
A pesquisa acadêmica requer que todos aqueles que direta ou indiretamente possam participar de estudos
e investigações assinem um termo de esclarecimento livre e esclarecido, exigido pelos Comitês de Ética
das Universidades. Esse é o motivo pelo qual solicito a todos o favor de assinar esse termo. Desde já
agradeço a oportunidade de conhecer mais de perto o trabalho das professoras que atuam na escola de seu
filho. As informações coletadas serão certamente muito úteis para a construção do conhecimento
científico no que concerne à formação de professores. Atenciosamente, coloco-me à disposição para
quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários.
______________________________________________________
pesquisadora
231
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (PAIS)
Eu,...................................................................................................,, responsável pelo aluno(a)
............................................................................................, autorizo a observação e filmagem das aulas
ministradas por sua professora, em sala de aula. Estou ciente de que a identidade da escola e de todos os
participantes serão preservadas e mantidas no mais absoluto sigilo. O conteúdo das filmagens, como me
foi dito, será utilizado unicamente para fins de pesquisa sobre a formação de professores e não implica
nenhum ônus para meu filho. Caso eu ache melhor, posso retirar meu filho do estudo em qualquer
momento, fato que não implica nenhuma penalidade.
São Paulo, ____ de _______________ de 2011.
______________________________________________
Responsável pelo aluno(a) acima mencionado(a).
232
ANEXO 5: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
233
ANEXO 6: CRONOGRAMA DE ATIVIDADES PLANEJADAS X ATIVIDADES REALIZADAS NO
DECORRER DO ESTUDO
Cronograma de atividades planejadas Cronograma de atividades realizadas
Agosto Agosto
09
Filmagem da atividade realizada pela professora sem auxílio da pesquisadora
09
Filmagem da atividade realizada pela professora sem auxílio da pesquisadora
Conversa sobre os textos teóricos oferecidos pela pesquisadora
Conversa sobre os textos teóricos oferecidos pela pesquisadora
11
Planejamento com a professora sobre a roda de conversa para ver o que os alunos sabem
acerca do conteúdo do 3º bimestre
11 Continuação da conversa sobre os textos teóricos oferecidos pela pesquisadora
Planejamento da avaliação bimestral de Língua Portuguesa para verificar o que foi
apropriado pelos alunos após as intervenções
12 Conversa para decidir os conteúdos do 3º bimestre a ser ensinados e planejamento com a professora sobre a proposta para ver o que os
alunos sabem acerca desses
16 Realização da atividade para verificar o que os educandos sabem sobre o conteúdo do 3º
bimestre
16 Realização da atividade para verificar o que os educandos sabem sobre o conteúdo do 3º
bimestre e reflexão sobre esta
18 Autoconfrontação 1 (ACS1) sobre a atividade realizada pela professora sem o
auxílio da pesquisadora
18 Autoconfrontação 1 (ACS1) sobre a atividade realizada pela professora sem o auxílio da
pesquisadora
19 Planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
19 Planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
20
Continuação do planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
20 Encontro coletivo: Formação teórica (concepção de homem, desenvolvimento e
aprendizagem)
Encontro coletivo: Formação teórica (concepção de homem, desenvolvimento e aprendizagem)
22 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
22
Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: contos
23 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
Reflexão com a professora sobre a atividade realizada e planejamento da avaliação bimestral
de Língua Portuguesa
24 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
Continuação do planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
25 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
Continuação do planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
234
23 Educandos passam a levar contos para lerem em casa
26 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
24 Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: fábulas
29 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
25
Reconto oral de um conto lido em casa
30 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
Planejamento da avaliação do 3º bimestre de Língua Portuguesa
31
Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
26 Continuação do planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
29 Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: lendas
30 Reconto escrito de Chapeuzinho Vermelho
31 Atividade sobre advérbio
Atividade sobre o emprego correto dos porquês
Setembro Setembro
01 Realização de atividade planejada para o 3º bimestre
01
Elaboração de um conto a partir do início da história Revolução no formigueiro
08 ACS2 sobre as atividades realizadas pela professora com o auxílio da pesquisadora
Continuação do planejamento das atividades a serem realizadas no 3º bimestre
15 Elaboração da apresentação para encontro coletivo junto com a professora
02
Planejamento do trabalho de Dengue em Ciências (professora solicita o auxílio da
pesquisadora)
12 a 16 Realização das avaliações bimestrais Encerramento sobre os gêneros linguísticos: textos narrativos
19 a 23 Realização das avaliações bimestrais Organização das caixas de livros
26 Encontro coletivo: relato da professora sobre o 1º ciclo da pesquisa
05 Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: notícia
06 Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: reportagem
08 Visita de um jornalista à escola para conversar com os educandos
09 Realização da aula planejada sobre gênero linguístico: textos publicitários
16 Continuação do planejamento do trabalho de Dengue em Ciências
235
29
Planejamento das atividades para verificar o que os alunos já sabem sobre o conteúdo do
4º bimestre e reforço sobre o que não se apropriaram do 3º bimestre
20 Educandos socializam o que pesquisaram sobre Dengue e professora retoma as características de
uma reportagem, já que cada grupo deveria gravar uma para o trabalho de Ciências
22
Elaboração da apresentação para encontro coletivo junto com a professora
Reunião dos grupos para planejarem como seria a reportagem sobre a dengue
1ª parte da ACS2
23
Conclusão da ACS2
Gravação das reportagens sobre dengue elaboradas pelos educandos
26 Encontro coletivo: relato da professora sobre o 1º ciclo da pesquisa
27
Conselho de classe (equipe gestora e professora permitiram a presença da pesquisadora)
Filmagem dos educandos escrevendo um conto para um evento da escola
Outubro Outubro
01 Planejamento de atividades 01 Planejamento do reforço sobre o que não foi aprendido no 3º bimestre
03 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre e reforço
03 Realização da atividade de reforço do 3º bimestre: emprego adequado dos porquês
04
Realização de atividade planejada para o 4º bimestre e reforço
05 Realização dos reforços individuais, esclarecendo possíveis dúvidas
18 Conversa para decidir os conteúdos do 4º bimestre a ser ensinados e planejamento de atividade para verificar o que os educandos
sabem desse
05
Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
20
Realização do reforço sobre a diferença entre notícias e reportagem
Depoimento dos educandos sobre a atividade de reforço de reportagem e notícia
06 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Conversa com a professora sobre assuntos pessoais
07 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Planejamento de atividades para o 4º bimestre
236
10 e 11 Semana da criança72 24 Realização de proposta para verificar o que os educandos sabiam sobre anedota (conteúdo 4º
bimestre)
12 Feriado
25
Educandos contam para seus pares as anedotas que criaram em casa
13 e 14 Semana de arte Continuação do planejamento das atividades para o 4º bimestre
19 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
26
Realização de atividade para verificar o que os educandos sabiam sobre substantivo, adjetivo e
artigo
20
Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Realização de leitura e compreensão do texto sobre poluição
Planejamento da avaliação bimestral de Língua Portuguesa para verificar o que foi
apropriado pelos alunos após as intervenções
27
Continuação do planejamento das atividades para o 4º bimestre
21 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Realização de leitura de histórias em quadrinhos, procurando ampliar o repertório dos
alunos para que posteriormente criassem suas próprias histórias 24 Realização de atividade planejada para o 4º
bimestre
25 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
31
Realização de leitura de histórias em quadrinhos em sites previamente selecionados (aula de
informática)
26 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Elaboração e desenho das histórias em quadrinho pelos educandos
27 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Realização de atividade para retomar o conceito de substantivo
28 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
31 Realização de atividade planejada para o 4º bimestre
Novembro Novembro
10
ACS3
01 Realização da atividade sobre adjetivo
Continuação do planejamento das atividades para o 4º bimestre
72
Nessa semana não realizamos atividades do projeto, pois havia um cronograma temático específico para ocasião.
237
16 Avaliação bimestral
04
Realização da atividade “amigo bombom” planejada pela professora para ensinar o
conceito de adjetivo
17
Avaliação bimestral Realização da atividade sobre artigo
Elaboração da apresentação para encontro coletivo junto com a professora
07 Realização da atividade sobre verbo
18 Avaliação bimestral
08
Realização de atividade sobre concordância nominal
21 Encontro coletivo: relato da professora sobre o 2º ciclo da pesquisa
Continuação do planejamento das atividades para o 4º bimestre
22 e 23 Avaliação bimestral
09
Realização da atividade sobre concordância verbal
24
Avaliação bimestral Realização da atividade sobre acento diferencial
Planejamento das atividades de reforço do que os alunos não se apropriaram no 4º
bimestre
10
Realização da atividade sobre os 3 dos empregos da vírgula
25 Avaliação bimestral Realização da atividade sobre vocativo
28 Realização das atividades de reforço do 4º bimestre
17 Elaboração da apresentação para encontro coletivo junto com a professora
29 Realização das atividades de reforço do 4º bimestre
21 Encontro coletivo: relato da professora sobre o 2º ciclo da pesquisa
30
Realização das atividades de reforço do 4º bimestre
22 1ª parte da ACS3
25 Conclusão da ACS3
Dezembro Dezembro
01 Roda de conversa com os alunos sobre o que aprenderam no 4º bimestre após o
reforço.
02 Realização do reforço sobre concordância nominal e verbal
06 ACS3 sobre a atividade realizada pela professora sem o auxílio da pesquisadora
após o conjunto de intervenções
06 Encerramento das atividades com os educandos com a gravação dos depoimentos deles sobre
suas impressões
08 Planejamento do último encontro coletivo com a professora
09
ACS4 - atividade que a professora planejou sozinha
09 Encerramento do estudo com a professora (conversa sobre suas impressões acerca do
processo desenvolvido)
Encerramento do estudo com a professora (conversa sobre suas impressões acerca do
processo desenvolvido)
16 Encontro coletivo: relato da professora sobre o 3º ciclo da pesquisa e avaliação do
Encerramento do estudo com o grupo de professoras e avaliação do processo
238
estudo pelo grupo.
Janeiro Janeiro
10 Realização de entrevista com equipe gestora para avaliação do estudo
239
ANEXO 7: TABELA INSPIRADA NO MATERIAL APOSTILADO ADOTADO PELA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR COM A DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO PREVISTO PARA SER ENSINADO NO 3º
BIMESTRE
PRÁTICA DE LEITURA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTO
PRÁTICA DE ORALIDADE
Gêneros textuais: reportagem, notícia, propaganda, anúncio de encarte e anúncios
classificados.
Utilização dos seguintes sinais gráficos: parênteses, travessões e
aspas.
Produção de uma notícia com base em um roteiro
previamente elaborado.
Verbalização de comentários e opiniões acerca dos textos e
conteúdos trabalhados.
Outros gêneros: conto, lenda e texto científico, relato histórico e tirinha.
Uso do adjetivo e da comparação em trechos descritivos.
Criação de um conto (texto ficcional).
Identificação das características e da função dos gêneros trabalhados.
Uso dos verbos. Criação de textos de humor na forma de anúncios
classificados.
Conceito de reportagem, lenda e notícia. Identificação de verbos e de expressões que produzem efeito de verdade e efeitos de incerteza
em textos jornalísticos.
Reescrita de história em quadrinhos (tirinha) usando apenas a linguagem escrita.
Busca de informações localizadas no texto. Dados que dão credibilidade a uma notícia.
Ampliação de vocabulário via consulta ao dicionário.
Tempo verbal.
Diferenciação por comparação entre textos que têm a função de vender um produto ou um
serviço, considerando o contexto de comunicação.
Escolha do verbo em função do efeito que se quer produzir.
Identificação da função e das características dos gêneros trabalhados.
Identificação de expressões que dão ideia de tempo e de espaço.
Antecipação do conteúdo com base no título. Uso do advérbio
De olho na ortografia: palavras parônimas.
Análise das imagens em função do gênero, das características do
produto e do público-alvo.
Uso do você como forma de tratamento escolhida para produzir
clima de proximidade com o leitor, fazendo-o se sentir
importante, único.
Uso de recursos de manipulação (sedução), como forma de agir sobre o outro, para leva-lo a um
querer e/ou dever fazer algo.
Uso de adjetivos em propagandas e anúncios.
240
Repetição de palavras, como recurso para fixar a ideia de uma
marca.
Seleção vocabular em função do contexto de comunicação.
Uso de recursos gráficos (cores, tipo e intensidade de letras) para
dar destaque a determinadas informações.
Recurso linguístico usado em tabelas de preços, como forma de produzir efeito de “barateamento”.
Uso de letra maiúscula.
Uso das formas por quê, por que, porque e porquê.
241
ANEXO 8: TABELA INSPIRADA NO MATERIAL APOSTILADO ADOTADO PELA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR COM A DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO PREVISTO PARA SER ENSINADO NO 4º
BIMESTRE
PRÁTICA DE LEITURA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA
PRÁTICA DE PRODUÇÃO DE TEXTO
PRÁTICA DE ORALIDADE
Gêneros textuais: capas de revistas de histórias em quadrinhos, tiras e anedotas.
Uso das formas por que, por quê, porque e porquê.
Criação de uma capa de revista de história em quadrinhos (criar uma
história em quadrinhos com 4 quadrinhos e ao conclui-la,
criar uma capa com o objetivo de “denunciar” o que ocorrerá na história).
Verbalização de comentários e opiniões acerca dos textos e
conteúdos trabalhados.
Identificação das características e da função do suporte e dos gêneros trabalhados.
Identificação de diferentes recursos linguísticos usados em
textos humorísticos.
Pesquisa e registro de anedota.
Ampliação de vocabulário via consulta ao dicionário.
Variedade linguística (fala regional).
Escrita de um texto narrativo com base em fatos do dia a
dia (promover a criatividade, imaginação – ex.: Justin
Bieber no Shopping Center Norte).
Identificação de alguns elementos da narrativa: personagens, lugar e enredo
(retomada de conteúdo).
Uso do artigo.
Busca de informações localizadas no texto. Acento diferencial nos verbos ter e vir.
Estabelecimento de relação entre informações apresentadas em diferentes textos.
Tipos de narrador (retomada de conteúdo).
Linguagem informal em textos narrativos.
Uso dos verbos de elocução (ação).
Uso do vocativo.
Diferentes sons representados pela letra x (retomada de conteúdo).
Reconhecimento das características e da função de textos narrativos e descritivos (retomada e aprofundamento).
Identificação e uso de verbos usados para narrar.
Identificação e uso de verbos usados para descrever.
242
Adjetivos usados para descrever.
Uso de elementos de coesão.
Busca de solução para um problema localizado no texto.
Uso da vírgula (retomada com aprofundamento).
Concordância verbal e nominal.
Abreviatura das unidades de tempo.
Uso de numerais ordinais (retomada com aprofundamento).
243
ANEXO 9: FICHA DE OBSERVAÇÃO DOS ALUNOS PARA REGISTRAREM OS DIFERENTES
TIPOS DE TEXTOS OBSERVADOS, SUAS CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES73.
73 O anexo 9 corresponde a uma figura meramente ilustrativa, pois tanto o exercício 1, quanto 2 são apresentados parcialmente. A tabela, originalmente, compreendia mais linhas e os itens do segundo exercício contemplavam todos os tipos de texto (narrativo, informativo e publicitário).
244
245
ANEXO 10: ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A PRIMEIRA SESSÃO DE
AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES REALIZADA SOBRE A AULA FILMADA PARA IDENTIFICAR O
NÍVEL DE DESENVOLVIMENTO REAL (NDR) DA PROFESSORA
Atividade realizada: atividade realizada pela professora sem auxílio da pesquisadora
Data da aula: 09/08/2011
Data da autoconfrontação: 18/08/2011
1. A atividade observada pode ser dividida em duas partes (pesquisa dos alunos sobre
lendas e fábulas e atividades com o material apostilado). Em relação à primeira delas,
qual era o objetivo da aula?
2. Em sua opinião, ele foi atingido?
3. Você solicita aos alunos sentarem-se em roda. Em que esta disposição beneficia ou
atrapalha o desenvolvimento da atividade?
4. Os alunos M. e R. não fizeram a pesquisa solicitada. Como você avalia a participação
deles na proposta?
5. Ainda no que tange ao fato dos alunos que não fizeram a tarefa solicitada. Como
lidar com esta situação? (perante os demais que fizeram).
6. A instrução que você passa aos alunos: explicar o que entenderam sobre o que
pesquisaram acerca das lendas e fábulas. No entanto, observe:
7. o que a I. fez.
8. o que a G. fez.
9. o que a G. N. fez. (as alunas leram o conteúdo da pesquisa)
10. Neste momento, você leu a lição para a R. (aluna em processo de alfabetização).
Como você se sentiu ao ver que a aluna não poderia atender sua solicitação de ler a
resposta sobre o significado das palavras (exercício proposto no material apostilado)?
Como pensa que ela se sentiu? Você passa a ler a resposta para a aluna para que ela
possa se sentir participativa na atividade. Que outras alternativas acredita que
poderiam produzir efeito de competência e participação?
11. A aluna G. A. traz um significado totalmente diferente dos demais alunos em relação
à palavra FUROR. Pensando que o indivíduo é ativo, como poderíamos ajudá-la para
que, de forma independente, pudesse avaliar se o significado encontrado no
dicionário faz sentido no contexto em que foi empregado?
246
12. Ainda em relação ao fato de localizar o significado das palavras no dicionário. Qual é
o objetivo: conhecer todos os significados daquele vocábulo ou apenas aquele que se
relaciona ao texto? No que tange à palavra FRAUDE cabe mais o abuso de confiança
ou o de logro (armação, burlar). Como auxiliar os alunos a perceberem qual
significado os permite compreender melhor o texto (ou a palavra cujo significado
desconheciam)?
13. Na segunda parte da atividade (apostila), (35:25/ 51:16) – Como avalia a participação
dos alunos M. e R.?
14. Diante das respostas que as crianças apresentaram sobre reportagem, você acredita
que já construíram o conceito socialmente aceito dessa? (Em relação à p.5 da
apostila, por exemplo). Neste sentido, como avalia o fato de terem sido solicitados a
localizar reportagens nas revistas?
15. O que você faz aqui (solicita a antecipação do conteúdo da reportagem a partir do
título)? Como acredita que tal conduta contribui para o processo de ensino-
aprendizagem?
16. M. teve dificuldade em localizar uma reportagem. Você o ajuda a localizar e
identifica um texto sobre a clínica de emagrecimento. (45:25 – 45:35) Era uma
reportagem? O que é reportagem? Em seguida, afirma: “Jornalismo, revista,
internet...tudo tem uma reportagem ou que é verdadeira ou que é falso, que é lenda,
que é fábula...é reportagem.” Fica claro o que é reportagem?
17. O que o “erro” do aluno nos sinaliza?
247
ANEXO 11: ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A SEGUNDA E A TERCEIRA SESSÕES DE
AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES REALIZADA SOBRE AS AULAS DO 1º E 2º CICLOS DA
PESQUISA EM QUE A PROFESSORA RECEBEU O AUXÍLIO DA PESQUISADORA
2ª ACS
Atividade realizada selecionada pela professora: Encerramento dos textos narrativos e organização da caixa de livros
Data da aula: 02/09/2011
Data da autoconfrontação: 22 e 23/09/2011
1. Ao explicar (retomar) o conceito de fábula, você (professora) solicita que os
educandos escrevam as características desta modalidade de texto no caderno.
Gostaria de compreender melhor a razão desta solicitação se as crianças já não
cumpriram esta etapa ao sistematizarem o conceito e registrá-lo no cartaz.
2. Considero muito positiva sua atitude (falando para a professora) ao se recusar a
atender a solicitação do aluno M. para escrever as características de fábula na lousa e
encorajá-lo a escrever com as próprias palavras, promovendo a autonomia intelectual
dos educandos.
3. Observe o que ocorre com o aluno M. ao tentar sistematizar os conceitos de conto,
lenda e fábula (começa a procurar a borracha). No caso dele, como poderíamos
ajudá-lo a melhor se organizar para não se prejudicar no decorrer da proposta?
(Sugestão: Acredito que além de oferecer um tempo para que se organizasse antes da
proposta poderia ser interessante explicitar o que dele se espera durante sua
realização e ao final).
4. No caso da dúvida do aluno M. (não compreende o dito popular “quem conta um
conto, aumenta um ponto), você prontamente procura esclarecê-la, quando em
seguida, os próprios colegas dele começam a fazê-lo e o fazem de diversas maneiras
até perceberem que ele o compreendeu. O que pensa sobre este fato? Acredita nesta
possibilidade dos educandos aprenderem uns com os outros? Neste caso, a
disposição das carteiras (em fileiras) favoreceu esta troca? Em caso negativo, como
as organizaria?
5. Quando anuncia a frase: “saber interpre....” e as crianças a completam...qual é o seu
objetivo ao fazê-lo?
248
6. Em relação à fala do aluno: “O prô, sabe porque eu não estou conseguindo
acompanhar? Porque às vezes vocês me deixam para trás.” Não seria um pedido de
ajuda? E se o questionássemos o que acredita que o ajudaria? Será que no caso deste
aluno, em que a concentração é difícil, o fato de prestar atenção na sua fala, depois
na das colegas e ainda escrever a síntese no caderno enquanto algumas delas ainda
falavam realmente não é algo muito difícil para ele? (Sugestão: oferecer mais tempo
em silêncio durante a atividade ou pedir que dê uma devolutiva oral, anote os pontos
centrais e depois formule uma síntese mais completa?)
7. Em relação à organização da caixa de livros. Porque escolheu este episódio?
8. Como se sentiu no momento em que a pesquisadora fez a intervenção? (Explicar que
a sugestão oferecida poderia ter sido discutida entre pesquisadora e professora em
um momento mais oportuno e adequado: não na atividade e na presença dos
educandos).
2ª ACS
Atividade realizada selecionada pela pesquisadora: Atividade sobre gênero linguístico – textos narrativos (lendas)
Data da aula: 29/08/2011
Data da autoconfrontação: 22 e 23/09/2011
1. Qual é o objetivo desta aula?
2. Como você se preparou para esta atividade?
3. Ao definir o conceito de lenda, a aluna G. diz se tratar se explicações científicas para
o que não tem explicação, o que foi acatado pelo grupo e registrado pela aluna
escriba. Como rever esta afirmação? Qual momento considera oportuno fazê-lo? De
alguma maneira abordou novamente esta questão com os alunos para não
construírem um conceito equivocado?
4. Diante da dúvida de uma aluna sobre a relação entre lenda e conto, você prontamente
começa a responder a questão e os educandos em seguida continuam. Acredita que
eles poderiam esclarecer a questão para ela, ou seja, poderiam uns ajudar os outros
na construção do conceito em questão ou acha que este papel deve ser cumprido
apenas pelo professor?
249
5. Você encerra a atividade sem que os façam a síntese individual do conceito de lenda.
Se o tempo estava escasso como comentou no início da aula, porque não concluiu
todas as etapas da atividade em vez de partir para o reconto oral dos contos lidos em
casa?
6. Após observar-se em atividade e o que conversamos, faria algo diferente? O quê?
250
3ª ACS
Atividade realizada selecionada pela professora: atividade para verificar o que os educandos sabiam sobre substantivo, adjetivo e artigo.
Data da aula: 26/10/2011
Data da autoconfrontação: 22 e 25/11/2011
1. Qual era o objetivo desta aula? Ele foi atingido?
2. Conversar sobre os esclarecimentos que pede à pesquisadora no decorrer da
atividade.
3. Considero positivo o fato de informar aos alunos o objetivo da aula. No
entanto, ao falar sobre os artigos, os educandos expressam não saber ou não se
recordarem do que se trata. Você observou este indício?
4. Neste momento da atividade você oferece a definição de substantivo.
Considerando que o objetivo da proposta era verificar o que os educandos
sabiam sobre esta e outras categorias (adjetivo e artigo) esta conduta contribui
ou atrapalha para atingir o objetivo da proposta?
5. Em alguns momentos você questiona os alunos, mas logo em seguida começa a
responder o que perguntou. Por que não os deixa responder à questão?
6. Em relação à palavra querido, cuja classificação lhe suscitou dúvida no
decorrer da proposta, você a retomou com a turma?
7. O que você faz neste momento (conversa mais enérgica com a turma,
alertando-lhes sobre a importância de prestarem mais atenção, não brincarem
etc.)? Foi importante? Para quê?
8. Considerando o objetivo da proposta e o que observa ao final desta, como a
avalia? Faria algo diferente? O quê?
9. Ao perceber que os alunos não aprenderam as categorias em questão, o que
decide fazer? Com qual objetivo?
251
3ª ACS
Atividade realizada selecionada pela pesquisadora: Atividade sobre concordância nominal
Data da aula: 08/11/2011
Data da autoconfrontação: 22 e 25/11/2011
1. Como você se preparou para esta aula?
2. Qual era o objetivo da atividade?
3. O que você pede aos alunos?
4. Observar a postura dos educandos (são solicitados a escrever as frases, porém
estão sentados no chão).
5. O que você faz neste momento (explicação de “concordância nominal”,
esclarecendo, essencialmente que quando a pessoa a quem o autor se refere já
foi citada ou apresentada no texto, é possível mais adiante empregar o pronome
ELE ou ELA. No entanto, em uma frase – quando não sabemos ainda de quem
se trata – é mais adequado mencionar o nome da pessoa ou do objeto a qual
nos referimos).
6. Após a conversa com a pesquisadora no intervalo em que a essa resgata o
conceito de concordância nominal:
a. Como se sentiu?
b. O que percebeu neste momento?
c. Qual é a sua avaliação sobre o momento?
d. O que aconteceu da 1ª para a 2ª explicação de concordância nominal?
e. Ao final, como avalia a atividade? Atingiu o objetivo?
f. Se hoje fosse realizar uma aula, cujo objetivo fosse exatamente o
mesmo (levar os alunos a compreenderem o conceito de concordância
nominal), como a planejaria?
252
ANEXO 12: ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A QUARTA SESSÃO DE
AUTOCONFRONTAÇÃO SIMPLES REALIZADA SOBRE AS AULAS DO 3º CICLO DA PESQUISA
EM QUE A PROFESSORA PLANEJOU E REALIZOU A AULA SEM QUALQUER AUXÍLIO DA
PESQUISADORA – VERIFICAR O NOVO NDR
4ª ACS
Atividade realizada: Reforço sobre concordância nominal e verbal
Data da aula: 02/12/2011
Data da autoconfrontação: 09/12/2011
1. Como você se sentiu ao realizar esta atividade?
2. Como se preparou?
3. Por que realizá-la em grupo?
4. Qual era o objetivo da proposta?
5. Em determinado momento da atividade, os educandos se deparam com um
problema: não é possível montar frases com as palavras que restaram. O que
você fez neste momento? (perguntou se gostariam de rever as frases
elaboradas, verificar se estavam corretas ou mesmo modificá-las). Por quê?
6. Considerando esta possibilidade que ofereceu, acredita que esta contribuiu ou
não para a situação-problema que enfrentavam?
7. Ao questionar os educandos: “Qual é a conclusão de vocês sobre a atividade?”
ou ainda “Qual foi o objetivo desta atividade?” Como avalia a resposta deles?
8. Como avalia o interesse e a participação da turma na atividade?