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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
FERNANDO TADEU MARQUES
CONCURSO DE PESSOAS NO DIREITO PENAL CONTEMPORANEO
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
FERNANDO TADEU MARQUES
CONCURSO DE PESSOAS NO DIREITO PENAL CONTEMPORANEO
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, sob orientação do Professor Doutor Dirceu de Mello.
SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Antonio Marques Sobrinho e Leonor Sanches Marques,
meus amados, que sempre me incentivaram, me ensinaram e principalmente porque
me fizeram um homem melhor.
Ao meu Orientador Professor Doutor Dirceu de Mello, exemplo de vida,
pessoa a quem devo o eterno agradecimento pela oportunidade de desenvolver
meus estudos de pós-graduação nesta instituição e com o qual compreendi que o
aprendizado não tem limites e que o saber deve ser compartilhado.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pela força e proteção,
Aos meus pais, Antonio Marques Sobrinho e Leonor Sanches Marques, cuja
coragem, determinação, dedicação e honestidade construíram o exemplo que
procuro seguir em todos os dias de minha vida.
Agradeço também ao Mestre, Professor Doutor Dirceu de Mello pelos sábios
ensinamentos, pela inesgotável fonte do saber que representa e pelo homem e
profissional a quem tanto admiro e respeito.
À Caroline Leonello, amiga e companheira de estudo, pela paciência,
companhia, cumplicidade e alegrias sem os quais não seria possível desenvolver
este trabalho.
Ao amigo e companheiro de trabalho Professor Mestre Jose Carlos Viana,
pelo incentivo e compreensão.
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto o estudo do concurso de pessoas, por meio do qual, se verifica a responsabilidade de cada indivíduo na esfera penal. Neste ínterim far-se-a uma incursão na legislação penal verificando a evolução do referido instituto e das teorias que ao longo do tempo visam delimitar e definir os conceitos que envolvem a autoria e a participação bem como os critérios para atribuição da respectiva responsabilidade de cada agente que concorre para a prática do delito. Adiante, passa-se a análise do instituto nos seus mais diversos prismas, desde as ordenações filipinas até os documentos penais contemporâneos. Após a delimitação do objeto do trabalho, serão analisadas as primeiras teorias que envolvem o tema, chegando por fim à teoria do domínio do fato e as consequências de sua adoção, bem como se verifica a influência na análise do crime e consequentemente do concurso de pessoas aos questionamentos impostos pelos modernos estudos que envolvem as ações neutras e a responsabilidade por estrutura de poder.
Palavra-chave: Concurso de pessoas, teoria do domínio do fato, ações neutras e organização por estrutura de poder.
ABSTRACT
The present work has as its object the studying the concourse of people, whereby, it is responsibility of each individual in criminal cases. There will be a foray into the criminal law by checking the evolution of this institute and the theories that over time seek to delimit and define the concepts surrounding the authorship and participation and the criteria for assignment of the respective responsibilities of each agent contributing towards the offense. Ahead is the analysis of the institute in its various angles, from Philippine’s ordinations to contemporary documents. After delineating the object of labor it, will be analyzed early theories surrounding the subject, coming finally to domain theory of the fact and the consequences of its adoption, and there is the influence on the analysis of crime and therefore the services of people to questions posed by modern studies involving neutral actions and responsibility for the power structure.
Key-word: Concourse of people, domain theory of the fact, neutral actions and responsibility for the power structure.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................
1. A Evolução Histórica Legislativa do Concurso de Agentes no Brasil......
1.1. Ordenações Filipinas................................................................................
1.2. Código Criminal do Império de 1830.........................................................
1.3. Código Penal da República de 1890.........................................................
1.4. Projetos de Código Penal.........................................................................
1.4.1. Projeto Viera Araujo.............................................................................
1.4.2. Projeto Galdino Siqueira......................................................................
1.4.3. Projeto Sá Pereira................................................................................
1.4.4. Projeto Alcântara Machado..................................................................
1.5. Código Penal de 1940...............................................................................
1.6. Código Penal de 1969...............................................................................
1.7. Reforma Penal de 1984............................................................................
1.8. Anteprojeto de Código Penal de 1999......................................................
2. O Concurso de Agentes................................................................................
2.1. Espécies de Concurso de Agentes.........................................................
2.1.1. Concurso Necessário e Eventual.........................................................
2.2. Requisitos do Concurso de Agentes.........................................................
2.2.1. Pluralidade de Condutas e Agentes....................................................
2.2.2. Relação de Causalidade......................................................................
2.2.3. Homogeneidade do elemento subjetivo (Liame).................................
2.2.4. Identidade do Ilícito penal....................................................................
2.3. Teorias acerca do Concurso de Agentes..................................................
2.3.1. Teoria Unitária.....................................................................................
2.3.2. Teoria Dualista.....................................................................................
2.3.3. Teoria Pluralista...................................................................................
2.3.4. Teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro e a sua exceção...........
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3. Autoria e Coautoria........................................................................................
3.1. Teorias a cerca da Autoria........................................................................
3.1.1. Conceito unitário ou igualitário.............................................................
3.1.2. Conceito extensivo...............................................................................
3.1.3. Conceito restrito de autor.....................................................................
3.1.3.1. Teoria Formal-Objetiva...................................................................
3.1.3.2. Teoria Material-Objetiva..................................................................
3.1.3.3. Teoria Subjetiva da Participação....................................................
3.1.4. Objetivo-sujetiva ou Final-objetiva (Teoria do Domínio do
Fato).....................................................................................................................
3.2. Formas de Autoria.....................................................................................
3.2.1. Autoria direta ou imediata....................................................................
3.2.2. Autoria mediata....................................................................................
3.2.3. Coautoria.............................................................................................
3.2.4. Autoria Colateral e autoria incerta.......................................................
4. Participação....................................................................................................
4.1. Teorias acerca da Participação.................................................................
4.1.1. Teoria Causal.......................................................................................
4.1.2. Teoria da Acessoriedade.....................................................................
4.2. Formas de Participação............................................................................
4.2.1. Participação Moral...............................................................................
4.2.2. Participação Material...........................................................................
4.3. Participação de menor importância e dolosamente distinta......................
5. Concurso de Pessoas e o Direito Penal Contemporâneo..........................
5.1. Teoria do Domínio do fato.........................................................................
5.1.1 Teoria do domínio do fato e o seu desenvolvimento histórico-
doutrinário............................................................................................................
5.1.2. Teoria do domínio do fato e o concurso de pessoas...........................
5.1.2.1 Teoria do domínio do fato e uma releitura do artigo 13 do Código
Penal....................................................................................................................
5.1.2.1.1 Imputação objetiva e a teoria do domínio do fato.........................
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5.1.2.1.2 Teoria da pertinência do crime.....................................................
5.1.3. Formas de autoria, co-autoria e participação frente a teoria do
domínio do fato.....................................................................................................
5.1.3.1. Autoria propriamente dita, direta ou imediata.................................
5.1.3.2. Autoria mediata ou indireta.............................................................
5.1.3.3. Autoria Intelectual ou organizacional..............................................
5.1.4. Formas de participação.......................................................................
5.2. Concurso de Agentes e as Ações Neutras (limites da responsabilidade)
5.3. Concurso de Agentes e a responsabilidade por estrutura de poder.........
5.3.1. Crimes cometidos por aparatos organizados de poder estatais..........
5.3.2. Crimes cometidos por aparatos organizados de poder não estatais...
5.3.3. Autoria de escritório ou mediata especial ...........................................
Considerações Finais........................................................................................
Bibliografia..........................................................................................................
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INTRODUÇÃO
As formas de associação para a prática de crimes evoluem com o tempo e
se aperfeiçoam com o desenvolvimento técnico-cultural do homem. No mundo
moderno, a delinquência associada, nas suas sutilezas e nos seus requintes, desafia
a inteligência de governos, de juristas e de legisladores.
O Direito penal cada vez mais vem sendo utilizado para dirimir e remediar
problemas que muitas vezes poderiam ser sanados por outras áreas do direito.
Diante, portanto de uma significativa expansão do Direito Penal, faz-se necessário e
imprescindível que os olhos do mundo jurídico voltem-se a individualização da pena
com base de cada um dos participantes da ação criminosa, apoiando-se no grau de
contribuição de cada um deste na pratica de atividades criminosas.
O presente trabalho abordará sem a pretensão de esgotar a investigação
sobre o tema participação criminal, sem dúvida um dos temas mais intrincados e
complexos na atualidade no Direito Penal, todavia serão expostas questões
conceituais em que estão envolvidas o instituto do concurso de pessoas, mas
principalmente as teorias desenvolvidas ao longo do tempo, deste modo observando
a evolução histórica do referido instituto e as suas consequentes mudanças. Ao
longo da pesquisa será possível constatar avanços bem como retrocessos no que
concerne o concurso de pessoas na doutrina e legislação pátria.
O presente tema vem ganhando maior relevo, principalmente, devido o
crescimento das organizações criminosas, pois assim como a sociedade evolui o
crime também, e cada vez mais este se apresenta dinâmico e audaz, tornando as
ações delituosas extremamente complexas, deste modo à diferenciação entre
autores e partícipes se faz imprescindível, delimitando a responsabilidade de cada
um dos agentes integrantes dessas organizações, pelo evento danoso.
Será, sobretudo, abordada pela importância que o tema vem ganhando, a
Teoria do Domínio do Fato, bem como a questão da Cumplicidade nas Ações
Neutras e a Responsabilidade por Estrutura de Poder.
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1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA LEGISLATIVA DO CONCURSO DE AGENTES NO
BRASIL
Para entender a evolução do instituto do concurso de pessoas temos que
fazer uma incursão pela história do Direito Penal brasileiro por meio de sua
legislação e doutrina.
Dessa forma, passamos a analisar os documentos legais identificando a
trajetória do concurso de pessoas ao longo dos tempos, partindo das Ordenações
Filipinas que vigoraram de 1620 a 1829, passando pelo Código Criminal do Império,
com vigência de 1830 a 1889, Código Penal dos Estados Unidos do Brasil que
vigorou entre 1890 e 1940, e também pelos Projetos de Códigos Penais como
“Projeto Viera Araujo”, “Projeto Galdino Siqueira”, “Projeto Sá Pereira”, “Projeto
Alcântara Machado”, Código Penal Brasileiro de 1940, Código Penal de 1969,
Reforma Penal de 1984, chegando até o Anteprojeto de Código Penal de 1999.
Nesse contexto, teremos ao final, um panorama dos caminhos percorridos pelo
instituto sob a ótica legal e doutrinária.
1.1. AS ORDENAÇÕES FILIPINAS E O CONCURSO DE PESSOAS
As Ordenações Filipinas foram promulgadas em 11 de janeiro de 16031 e
vigeram no Brasil por mais de dois séculos.
Na época colonial, a legislação penal aplicada no Brasil foi o Livro V das
Ordenações Filipinas – misto feroz de despotismo e beatice, segundo afirma
ROBERTO LYRA.2
No que tange à parte penal, mais especificamente o seu Livro V, que trata
da referida matéria, esse dispositivo foi o primeiro a viger de modo positivado,
porém, não se pode ignorar a presença dos indígenas e a sua cultura, regras e
modo de convivência, que constituem também o início do pensamento penal em
terra nacional. A respeito do assunto, ROMEU FALCONI3 assim se manifesta:
1 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Pág. 57.
2 LYRA, Roberto. A Expressão mais simples do Direito Penal. P. 30.
3 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. Coleção Elementos do Direito. Pag. 37.
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“Nota-se com certa tristeza que vários autores nem sequer procuram discutir ou demonstrar a existência de um Direito Penal, pré-cabralino, indígena. Dizer que não havia é heresia. A esse propósito, Ribeiro Pontes, por exemplo, diz que nossa legislação penal tem início com as Ordenações. Não é verídica a assertiva”.
Os crimes previstos no Livro V eram de um modo geral, equiparados a
pecado, devido à forte influência da Igreja. As penas transcendiam a pessoa dos
infratores. Mas, apesar de ser uma legislação extremamente rigorosa, tinha sim seus
pontos positivos e até mesmo evoluídos para a época. Destaque-se que qualquer
legislação, ao ser analisada deve levar em conta a realidade da época bem como a
cultura desenvolvida em tal período.
Sendo um desses pontos pretendidos, a possibilidade do concurso de
agentes traz, trazendo ainda que de modo rudimentar, a figura do partícipe,
conforme podemos observar nos Títulos: VI, LXVIII, XLV, dentre outros constantes
no Livro V4 in verbis:
TÍTULO VI – Do crime de Lesa Magestade: Lesa Majestade quer dizer traição comettida contra pessoa do Rey, ou seu Real Stado, que he tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharão que o comparavão á lepra; porque assi como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que com ele conversam, polo que he apartado da communicação da gente: assi o erro da traição condena o que a comette, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa. [...] O quinto, se algum fizesse conselho e confederação contra o Rey e se Stado, ou tratasse de se levantar contra elle, ou para isso desse ajuda, conselho e favor. [...] TÍTULO XVIII - Do que dorme per força com qualquer mulher, ou se trava della, ou a leva per sua vontade:5 Todo homem, de qualquer estado e condição seja, que forçosamente dormir com qualquer mulher posto que ganhe direito por seu corpo, ou seja escrava, morra por elo . [...] E essa mesma pena haverá qualquer pessoa, que para a dita força dêr ajuda, favor ou conselho. [...] TÍTULO XLV - Dos que fazem assuada, ou quebrão portas, ou as fechão de noite por fóra: 6
4 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Pág. 100.
5 Ibidem. Pág. 109.
6 Ibidem. Pág. 125.
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Qualquer pessoa, que com ajuntamento de gente, além dos que em sua caza tiver, entrar em caza de alguem para lhe fazer mal e o ferir a elle, ou á outrem, que na dita casa stiver, morra morte natural. (Grifo nosso)
Desse modo, pode-se observar a previsão de terceiros no pólo ativo do
crime, seja ajudando, oferecendo favor ou conselho, e até mesmo reunindo-se para
a prática de um delito, como no caso descrito no Título XLV do Livro V das
Ordenações Filipinas.
Nesse sentindo, observa NILO BATISTA7:
“Quanto às Ordenações Filipinas, não possuíam – como de resto, comum nas leis de sua época – sequer um embrião de parte geral, onde se inserisse alguma norma sobre concurso de agentes. O desconhecimento – repita-se, comum para a época – da idéia de reserva legal tornava a rigor dispensável essa preocupação. Anote-se contudo, que às vezes formas de participação vinham agregadas à própria descrição da conduta principal”.
Assim, ainda que de modo embrionário, pode-se verificar a existência do
concurso de pessoas nas Ordenações Filipinas; entretanto, é certo que o Livro V
não possuía uma parte geral e, consequentemente, não definia o que era autor,
coautor e nem tão pouco partícipe.
Convém ainda lembrar que esse cenário sofreu alteração, conforme se
verificará adiante, com a chegada de um novo diploma legal – o Código Criminal do
Império em 1830.
1.2. O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DE 1830 E O COMPLICES
O período humanitário iniciou-se, entre nós, com o Código de 1830, que
resultou de projetos de José Clemente e Bernardo Pereira de Vasconcelos. Foi uma
das principais codificações de seu tempo, tendo servido de modelo à Rússia, à
Espanha e, em geral, às nações centro e sul-americanas, segundo relata ROBERTO
LYRA.8
7 BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da
Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 03. 8 LYRA, Roberto. A Expressão mais simples do Direito Penal. P. 32.
16
O Código Criminal do Império surge da necessidade advinda da
independência do Brasil, que ocorrera em 07 de setembro de 1822, às margens do
Riacho Ipiranga, quando Dom Pedro proferiu o chamado Grito do Ipiranga,
formalizando a independência de nossa nação. Em 1° de dezembro de 1822, o
príncipe regente era coroado Imperador, tornando-se Dom Pedro I, e o Brasil, enfim,
tornava-se independente.
Desse modo, em meio a tantas mudanças, já não se adequavam mais ao
Brasil as regras rigorosas, diga-se de passagem, previstas no Livro V das
Ordenações Filipinas, principalmente com as idéias liberais advindas do Iluminismo9,
que repercutiam do continente europeu até o sul das Américas. Além disso, também
já havia uma previsão expressa na Constituição de 1824 para a criação de um
Código Criminal, demonstrando assim a importância desse diploma legal e os
anseios quanto à necessária mudança.
Porém, o Código Criminal do Império, somente surge, praticamente, após
seis anos da Independência do Brasil, sendo sancionado em 16 de dezembro de
1830, tendo sido bastante elogiado e até mesmo tema de estudo por penalistas
estrangeiros, conforme leciona GALDINO SIQUEIRA10:
“O Brazil antecipava-se, com a codificação das leis penaes, a Portugal, a Hespanha e a diversas republicas americanas, e ainda salientemente, porque, atendendo á época e ao estado da sciencia, o código se destacava como um monumento legislativo, onde até originalmente se crystallisáram princípios ora patrocinados pela escola criminal italiana, ou por ella apontados como fundamento da teoria positiva de repressão, taes como a satisfação do dano ex delicto, como matéria do próprio juízo criminal (arts. 21 a 32), a co-delinquencia considerada em si mesma como agravante (art. 16, 17)”.
Pode-se verificar que a técnica legislativa do Código Criminal de 1830 era
bem mais aperfeiçoada do que as encontradas no texto das Ordenações Filipinas
em seu Livro V, pois o código era divido em quatro partes, sendo elas: Dos crimes e
9 O iluminismo é também conhecido como Ilustração, ou Época das Luzes, e, na Europa,
basicamente a França e Inglaterra, transformam-se em capitais da cultura, da filosofia, das idéias liberais, dos estudos genéricos, do desenvolvimento das artes e das letras. Criticando o Estado Absolutista e seus excessos, o ideário da Ilustração contestava o “direito divino” que os Reis afirmavam possuir. Por essa óptica, e como conseqüência, atacavam os privilégios da nobreza e do clero, defendendo uma bandeira constitucionalista. 10
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro. Vol. I, Parte Geral. Pág. 08.
17
das penas (arts. 1° ao 67); Dos crimes públicos (arts. 68 a 178); Dos crimes
particulares (arts. 179 a 275); Dos crimes policiais (arts. 276 a 313).
No que tange o concurso de agentes, este se encontrava inserido na
primeira parte, do artigo 4° ao 6°11 in verbis:
“[...] o Código Criminal do Império do Brazil, contemplava e discernia autores (art. 4°) e cúmplices (arts. 5° e 6°). Eram considerados autores aqueles que mandassem alguém cometer crimes (art.4°); eram considerados cúmplices todos os mais que diretamente concorressem para se cometer crimes (art. 5°) ou ainda, ao sabor do pensamento penal de sua época, aqueles que praticassem receptação de coisas obtidas por meios criminosos (art. 6°, § 1°) ou uma forma imperfeita de favorecimento pessoal, consiste em dar asilo ou ceder sua casa para reunião de malfeitores, com ciência de que cometem ou pretendem cometer crimes (art. 6°, § 2°)”.
Com a leitura dos referidos artigos, observa-se que o legislador da época
traçava, de fato, as primeiras linhas na legislação penal nacional, das figuras dos
autores e cúmplices, com sua subseqüente distinção.
Desse modo, o Código Criminal do Império12 entendia que os autores eram
os agentes que cometeram o crime (autoria direta), constrangeram (autoria mediata)
ou mandaram alguém cometer um crime (autoria intelectual). In verbis: “Artigo 4º -
São criminosos, como autores, os que commetterem, constrangerem, ou mandarem
alguem commetter crimes.”
Quanto ao cúmplice, este era regulado pelo artigo 5°: In verbis: “São
criminosos, como complices, todos os mais, que directamente concorrerem para se
commetter crimes.”
Considerando a importância do tema, preciso e sucinto foi o conceito
defendido por FREDERICO MARQUES PERDIGÃO13, lançado à época dos fatos:
O coautor é aquelle que, por sua participação, dá nascimento ao crime, o complice é aquelle que facilita sua execução. O Código fixa penas diversas para o autor e para o complice: aplicae uma ou outra,
11
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 03. 12
Código Criminal do Império do Brazil. Annotado pelo Juiz de Direito Luiz Ferreira Tinôco. P. 67 13
PERDIGÃO, Carlos Frederico Marques. Manual do Código Penal Brazileiro: estudos syntheticos e práticos. Rio de Janeiro: Garnier, 1882. Tomo. I, pág. 40. Apud: PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Organização Criminosa – Nova perspectiva do tipo legal. Pág. 37-38. Editora Revista dos Tribunais – São Paulo, 2009.
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segundo reconhecerdes que a participação deu nascimento ao crime, ou simplesmente o facilitou.
Eram também considerados cúmplices (artigo 6°, § 1° e 2°) respectivamente,
todos os que recebessem, ocultassem objetos obtidos por meios ilícitos, e também
os que dessem abrigo ou emprestassem a sua residência para assassinos e/ou
ladrões, de maneira que aqui também temos o nascedouro dos crimes de
favorecimento pessoal e real, hoje previstos como delitos independentes na parte
especial do Código Penal de 1940. Essas seriam formas de participação ex post
facto. In verbis:
Art. 6º Serão também considerados complices: 1º Os que receberem, occultarem ou comprarem cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabel-o em razão da qualidade, ou condição das pessoas, de quem as receberam, ou compraram. 2º Os que derem asylo, ou prestarem sua casa para reunião de assassinos, ou roubadores, tendo conhecimento de que commettem, ou pretendem commetter taes crimes.
Igualmente faz-se necessário salientar que a figura dos cúmplices, para o
legislador da época, eram também aqueles infratores que praticassem receptação
dolosa ou culposa, conforme delimita o art. 6º, § 1º e, nesse contexto, aqueles que
favorecessem ou de alguma forma encobrissem os que praticassem crimes
constantes do art. 6º, § 2º. Salienta-se, que com o avanço da sociedade, atualmente,
tais condutas não são consideradas como formas de participação, mas sim, crimes
autônomos, conforme mencionado no parágrafo anterior.
Outrossim, o Código Criminal do Império de 1830 disciplinou os crimes de
imprensa, os quais não previam a forma de cumplicidade, mas tão somente a
possibilidade de autoria, como segue in verbis:
Art. 7º Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos, são criminosos, e por isso responsaveis: 1º O impressor, gravador, ou lithographo, os quaes ficarão isentos de responsabilidade, mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no Brazil, que esteja no gozo dos Direitos Politicos; salvo quando escrever em causa propria, caso em que se não exige esta ultima qualidade.
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2º O editor, que se obrigou, o qual ficará isento de responsabilidade, mostrando obrigação, pela qual o autor se responsabilise, tendo este as mesmas qualidades exigidas no editor, para escusar o impressor. 3º O autor, que se obrigou. 4º O vendedor, e o que fizer distribuir os impressos, ou gravuras, quando não constar quem é o impressor, ou este fôr residente em paiz estrangeiro, ou quando os impressos, e gravuras já tiverem sido condemnados por abuso, e mandados supprimir. 5º Os que communicarem por mais de quinze pessoas os escriptos não impressos, senão provarem, quem é o autor, e que circularam com o seu consentimento: provando estes requesitos, será responsavel sómente o autor. Art. 8º Nestes delictos não se dá complicidade; e para o seu julgamento os escriptos, e discursos, em que forem commettidos, serão interpretados segundo as regras de boa hermeneutica, e não por phrazes isoladas, e deslocadas.
Dessa forma, verifica-se que o Código Criminal do Império excluiu a
cumplicidade no que tange aos crimes contra a imprensa, de acordo com o artigo 7°
ao 8° do referido código, uma vez que a responsabilidade nesses crimes era
sucessiva, conforme lição de ANTÔNIO SÉRGIO DE ALTIERI DE MORAES
PINTOMBO14.
Diversos autores, dentre eles NILO BATISTA15, analisaram de maneira
bastante precisa a temática ora em questão, e afirmaram que, de forma geral, o
sistema adotado era muito bem vindo, conforme segue abaixo:
Tal sistema era, de forma geral, bem visto pela doutrina da época. Paula Pessoa, referindo-se à solução do código penal francês de 1810, que parificara autores e cúmplices, dizia que “tornar responsável o cúmplice equiparando-o ao autor (...) seria confundir papéis diferentes, tornando odiosa a ação da lei. Contudo, João Vieira de Araújo considerava existir entre autores e cúmplices mera distinção quantitativa, sendo ela “puramente nominal” e não correspondendo “à realidade das cousas”.
Assim, com a aplicação da responsabilidade sucessiva, ficaria o impressor, o
gravador ou o litógrafo, isentos de responsabilidade, se mostrassem por escrito
obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no
Brasil e estando no gozo dos direitos políticos e, no mesmo contexto, seria aplicado
ao editor caso demonstrasse a obrigação pela qual se responsabilizasse o autor,
14
PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Organização Criminosa – Nova perspectiva do tipo legal. Pág. 03 e 04. 15
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 05.
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encontrando-se este nas mesmas condições dos demais. E nesse sentido, o
posicionamento de ESTHER FIGUEIREDO FERRAZ16.
O Código ainda incluiu a cumplicidade como circunstância agravante em
duas situações, a primeira descrita no art. 16 §, 11 que aduz in verbis:
Art. 16. São circumstancias agravantes: [...] 11. Ter o delinquente commettido o crime por paga, ou esperança de alguma recompensa.
Aqui, o legislador destacou como mais grave a conduta delituosa praticada
mediante o pagamento ou, tão somente, a esperança de alguma recompensa por
parte do mandante para com o mandatário. Dessa forma, seria possível a coautoria
no primeiro caso, onde houvesse a paga, havendo intenção das duas partes
(mandante e mandatário), uma vez que no segundo caso haveria a mera esperança
por parte do mandatário.
Com idéia convergente, disse GALDINO SIQUEIRA que:
A promessa de alguma recompensa, diz Eduardo Durão, juridicamente equivale à paga e suppõe a co-autoria, a esperança, não. O sicário commete o crime na persuasão de ser útil ou agradavel a determinada pessoa, e vae depois buscar a paga ou a recompensa, não promettida directamente, mas que elle tinha esperança de obter.
Fica, portanto cristalino, que seria aplicável a referida agravante quando
houvesse mandato, ou ainda sem a combinação, agindo nessa hipótese o
mandatário com apenas a esperança de obter recompensa pela prática criminosa.
Encontra-se uma outra hipótese descrita como agravante pelo Código
Imperial constante do art. 16, § 17 que diz in verbis:
Art. 16. São circumstancias agravantes: [...] 17. Ter precedido ajuste entre dous ou mais individuos para o fim de commetter-se o crime.
O legislador então destacou que, na hipótese de haver o prévio ajuste entre
dois ou mais indivíduos com o fim de cometer o crime, o delito seria agravado,
16
FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinqüência no direito no Direito Penal Brasileiro. Pág. 194.
21
possibilitando ainda afirmar que neste último considerou o nexo psicológico dos
delinquentes na prática do fato delitivo.
Previu ainda uma circunstância atenuante constante do art. 18, in verbis: §,
7º Ter o delinquente commettido o crime, atterrado de ameaças.
A inovação trazida pelo Código Criminal de 1830, quanto à cumplicidade foi
acentuada com a possibilidade de punição à tentativa, a qual o legislador definiu no
artigo 35 que diz:
Art. 35. A complicidade será punida com as penas da tentativa; e a complicidade da tentativa com as mesmas penas desta, menos a terça parte, conforme a regra estabelecida no artigo antecedente. Art. 34. A tentativa, á que não estiver imposta pena especial, será punida com as mesmas penas do crime, menos a terça parte em cada um dos gráos. Se a pena fôr de morte, impôr-se-ha ao culpado de tentativa no mesmo gráo a de galés perpetuas. Se fôr de galés perpetuas, ou de prisão perpetua com trabalho, ou sem elle, impor-se-ha a de galés por vinte annos, ou de prisão com trabalho, ou sem elle por vinte annos. Se fôr de banimento, impôr-se-ha a de desterro para fóra do Imperio por vinte annos. Se fôr de degredo, ou de desterro perpetuo, impôr-se-ha a de degredo, ou desterro por vinte annos.
Assim, punia-se a cumplicidade com as penas da tentativa, ou seja, com
uma redução de terça parte da pena imposta, salvo as hipóteses de pena de morte,
galés ou prisão perpétua, banimento, degredo e desterro perpétuo, as quais tinham
tratamento especial. Manifesta-se a respeito do tema, ANTONIO SÉRGIO ALTIERI
DE MORAES PITOMBO17.
Desse modo, conclui-se que a noção e diferenciação entre autor e cúmplice
era bastante evidente e importante para o legislador do Código Criminal do Império,
traçando na linha do tempo desta analise histórica um marco no tratamento desse
instituto de Direito Penal.
1.3. O CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DE 1890 E A CUMPLICIDADE
O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil surge pouco tempo depois da
Proclamação da República; a necessidade de um novo código era premente, uma
17
PITOMBO, Sérgio Altieri de Moraes. Organização Criminosa – Nova perspectiva do tipo legal. Pág. 36.
22
vez que o Código Criminal de 1830 continha várias disposições que se amoldavam
ao período escravista, como a previsão das penas de açoites. Conforme preconiza,
ANTONIO SÉRGIO ALTIERI DE MORAES PITOMBO18: “Deste modo, com a Lei
Áurea, de 13.05.1888, fazia-se necessária sua reforma, motivo pelo qual Joaquim
Nabuco apresentou projeto para se republicar o Código Criminal sem as disposições
atinentes à escravidão”.
Todavia, o Ministro da Justiça do Governo Provisório, Manuel Ferraz de
Campos Sales, indicou João Batista Pereira, (catedrático da Faculdade Livre do Rio
de Janeiro) com a finalidade de que elaborasse, com a máxima urgência, um novo
Código Penal.
Através do Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, foi promulgado o
Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil. Apesar de ter sofrido
severas críticas, o novo código continha minuciosa descrição de autoria e
cumplicidade, cultivando a distinção no próprio texto legal.
Com arrimo nas palavras de PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR e
FERNANDO JOSÉ DA COSTA19 o “Código de 1890 distinguia nitidamente os
autores dos cúmplices”, no mesmo sentido. Manifesta-se ANTONIO SÉRGIO
ALTIERI DE MORAES PITOMBO 20.
Porquanto, o Código Penal de 1890, expressamente estabelecia a distinção
entre a autoria e a participação do delito, mantendo o sistema anterior, notadamente,
no que se refere ao artigo 17, no qual os agentes do crime seriam autores ou
cúmplices.
O artigo 17 do Código de 1890 procedia à distinção, entendendo como
agentes do crime: os autores e os cúmplices, in verbis: “Art. 17. Os agentes do crime
são autores ou cúmplices”.
A partir da leitura do referido artigo é notório que o legislador manteve a
distinção entre autores e partícipes, mantendo a nomenclatura cúmplice para a
figura que seria conhecida, no futuro, como partícipe. Porém, o sentido de autor do
delito era um pouco mais abrangente do que a mera função de agente crime.
18
Ibidem. Pág. 38. 19
Curso de Direito Penal. 12° Edição. Pág. 183. 20
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 07.
23
OSCAR DE MACEDO SOARES21 comenta o referido artigo e diz:
O art. 17 distingue a autoria e a cumplicidade. Na cumplicidade há sempre co-delinquencia, porque não há cúmplices sem autores. Na autoria pode, ou não, haver co-delinquencia, conforme se trata da autoria singular ou collectiva. A autoria é singular quando um só individuo executa ou tenta o crime, desde a phase inicial, sem que pessoa alguma tenha-lhe prestado auxilio de qualquer espécie. Elle é o único responsável pela infracção. É collectiva quando o crime resulta da actividade de varios delinqüentes. Na autoria collectiva há co-delinquencia e co-autoria.
Assim, o artigo 18 do Código Penal de 1890, trazia as diversas hipóteses em
que o agente ativo seria considerado, literalmente, como autor da conduta delituosa.
Como segue abaixo, in verbis:
Art. 18. São autores: § 1º Os que directamente resolverem e executarem o crime; § 2º Os que, tendo resolvido a execução do crime, provocarem e determinarem outros a executal-o por meio de dadivas, promessas, mandato, ameaças, constrangimento, abuso ou influencia de superioridade hierarchica; § 3º Os que, antes e durante a execução, prestarem auxilio, sem o qual o crime não seria commettido; § 4º Os que directamente executarem o crime por outrem resolvido.
O conceito de autor, de acordo com o Código Penal dos Estados Unidos do
Brasil foi exposto na lei pelo art. 18 que considerava como tal, não somente aquele
que determinasse a prática do delito, mas também aquele que executasse a conduta
criminosa constante do § 1º. Ainda no referido artigo e parágrafo foi prevista a
situação de autoria mediata. Coadunam com esse pensamento diversos autores da
época, no sentido de que uma pessoa pode servir de mero instrumento a outra, ao
praticar um crime, quando não se trata de indivíduo capaz de ser imputado (como
ocorria na época com os menores de 9 anos ou considerados pelo código como
idiotas), ou quando se achasse coagida (nos termos do artigo 32, § 1º do Código
Penal de 1890) ou ainda para aquele que age em erro escusável, Afirmam ainda
que, em tais casos, a própria vítima pode tornar-se instrumento do crime.22
21
SOARES, Oscar de Macedo. Código Penal da república dos E. U. do Brazil Comentado por Oscar de Macedo Soares. Rio de Janeiro: Garnier, 1910, p.42, nota 18. 22
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 89.
24
Seguindo o estudo do concurso de agentes no Código de 1890 e analisando
os escritos por GALDINO SIQUEIRA23 verificar-se-á com o texto do § 2º, que o
mesmo já tratou da autoria intelectual, conhecida também como moral, ou física
onde o agente tenha resolvido o crime, provocando ou determinando que outro o
execute, por meio de ofertas, promessas, ameaças ou de constrangimento (físico ou
moral o legislador não distinguiu) ou ainda aquele que se vale de condição
superioridade hierárquica. Nesta última, o legislador brasileiro restringiu em demasia
a idéia.
Entende-se por superioridade hierárquica a relação de ordem existente entre
pessoas que desempenham certas funções públicas, civis militares ou
eclesiásticas24.
Salienta-se que o artigo traz um rol taxativo de hipóteses as quais o agente
pode praticar. Nessa esteira, encontram-se críticas, como assevera ANTONIO JOSÉ
DA COSTA E SILVA25, quanto à enumeração taxativa de condutas, apesar da
tendência, à época, em diversas outras legislações, que entendia o mesmo tratar-se
de verdadeiro casuísmo incompleto. Ele alerta ainda que surge uma tendência no
sentido que o legislador passe a utilizar uma expressão genérica como “ou por
qualquer outro meio” ou ainda “ou por outros meios” sendo certo que a tendência
geral anuncia que os últimos projetos de lei, que visam reformar a legislação penal
no mundo, apontam para o desaparecimento dos exemplos ou da mera enumeração
taxativa nos tipos penais.
Ainda, pose-se citar o posicionamento de ANTONIO JOSÉ DA COSTA E
SILVA26 que, comenta do Código Penal de 1890:
O paragrapho 2° trata da autoria intellectual ou psychica. Ella póde ser definida: - a dolosa provocação ou determinação, por um dos meios indicados na lei, de outra pessoa á execução de um crime. (...) A acção do autor intellctual ou psychico do delito deve consistir em provocar e determinar o agente material. Esses dois verbos traduzem o mesmo pensamento. (...) As ameaças constituem o terceiro dos meios de autoria intellectual mencionados pelo código. Ellas são a promessa de um mal, que o promitente realizará ou favorecerá. Esse mal póde rechair em pessoa diversa da ameaçada. Basta que esta tenha interesse na incolumidade daquela. As ameaças não precisam
23
SIQUEIRA, Galdino . Direito Penal Brasileiro. Vol. I Parte Geral. Pág. 222. 24
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 94. 25
Ibidem. Pág. 91. 26
Ibidem.Pág. 91, 93 e 94.
25
ser feitas seriamente e com proposito de effectiva realização. É sufifciente que o ameaçado acredite na seriedade delas e na possibilidade dessa realização. (...) O constrangimento, physico ou moral (o código não distingue) – outra forma de autoria intellectual ou instigação consignada no artigo que analysamos – resulta do emprego de força (vis compulsiva) ou do temor de um mal, mais ou menos grave. (...) A ultima das fórmas enumeradas pelo código é o abuso ou influencia de superioridade hierarchica.
O artigo 18 ainda traz em seu § 3º uma figura que se pode denominar por
suas características, como cúmplice necessário, ou seja, aquele agente (autor) sem
o qual o delito não seria praticado. Vejamos que o artigo já não mais prevê a figura
do agente que auxilia posteriormente como autor, como ocorreu no passado, com a
previsão descrita e já analisada no Código Criminal do Império.
Dessa forma, o auxilio que, comumente, constituiria participação acessória,
tendo em vista sua relevância para a realização do crime é considerado,
excepcionalmente, como autoria. Essa assistência material manifestava-se por
diversas formas, todavia, subordinadas, sendo necessárias e indispensáveis para o
cometimento do crime, conforme muito bem descreve GALDINO SIQUEIRA.27
Por fim, revela-se no § 4º do mesmo artigo, a última hipótese de
configuração como autor pelo legislador de 1890, o que, para alguns autores,
representou uma redação confusa. Entretanto, em interpretação literal, entende aqui
por autor, segundo o legislador de 1890, aqueles que executarem, ou seja,
praticarem os delitos por outro resolvido, esta última expressão empregada no
sentido de planejado por outrem, dessa forma sofrendo o agente a influência de
outro autor.
ANTONIO JOSÉ DA COSTA E SILVA, ao refletir sobre o artigo em análise
asseverou:
Em derradeiro lugar, na lista dos autores, coloca o artigo que comentamos os que directamente executarem o crime por outrem resolvido. O paragrapho foi mal redigido. O crime não é produto da resolução do autor intelectual exclusivamente. Tambem o autor physico (que não é simples instrumento) o resolve. Fal-o, é certo, por motivos fornecidos pelo primeiro; mas isso não lhe altera a figura
27
SIQUEIRA, Galdino . Direito Penal Brasileiro. Vol. I Parte Geral. Pág. 234.
26
Sobre a autoria physica ou material não precisamos nos alongar. O assumpto não offerece difficuldades. 28
O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil disciplinou outro importante
ponto na legislação penal, a figura do “mandante”, em seus artigos 19 e 20 e a sua
responsabilidade perante o crime, conforme disserta NILO BATISTA29:
Uma regra especial a respeito de mandato (em sentido estrito) criminal responsabilizava como autor o mandante por qualquer outro delito que fosse meio ou consequência do crime pactuado (art. 19); tal responsabilidade não prevalecia se o mandante retirasse “a tempo sua cooperação no crime” (art. 20).
Nesse sentindo também, ANTONIO SÉRGIO ALTIERI DE MORAES
PITOMBO30 diz que: “imputa-se a autoria ao mandante por qualquer outro crime
perpetrado pelo executor, em razão do crime ajustado (art. 19), cessando a
responsabilidade do mandante, “se retirar a tempo a sua cooperação no crime”
(art.20)”.
No artigo 19, do referido diploma legal, temos a figura do autor mediato, que
é aquele que se vale de outrem para a realização da prática delituosa.
O referido artigo traz consigo uma idéia, ainda que embrionária, do que se
equipararia, nos dias de hoje, à teoria do domínio do fato, segundo CÉZAR
ROBERTO BITENCOURT31. Abaixo, extrai-se o texto da lei, in verbis:
Art. 19. Aquelle que mandar, ou provocar alguem a cometter crime, é responsavel como autor: § 1º Por qualquer outro crime que o executor commetter para executar o de que se encarregou; § 2º Por qualquer outro crime que daquelle resultar.
Diferentemente do tratamento dado no código anterior (Código Criminal do
Império), o legislador foi infeliz no tratamento dado ao referido instituto conhecido
como excessus mandati.32
28
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 98 e 99. Editorial: Supremo Tribunal de Justiça - Brasília, 2004. 29
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 07. 4° edição, Lumen Juris – Rio de Janeiro, 2008. 30
PITOMBO, Antonio Sérgio Altieri de Moraes. Organização Criminosa – Nova perspectiva do tipo legal. Pág. 40. 31
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. Pág. 487.
27
Aqui ficou nítida a intenção do legislador: ele equiparou o mandante à figura
do executor, tratando este um último como um longa manus, ou seja, uma extensão
do primeiro. Todavia, no tratamento descrito nos seus parágrafos, revelou-se a sua
infelicidade no tratamento desse instituto, uma vez que ele, legislador, termina por
responsabilizar o mandante pelos crimes praticados durante a busca pelo resultado.
Em outras palavras, responde ele pelos crimes meios na busca pelo resultado
acertado anteriormente conforme consta do § 1º.
E o que nos intriga é que, no mesmo artigo, em seu § 2º, foi apontada a
possibilidade de o mandante responder por qualquer outro delito que resultar do
anteriormente ajustado.
Logo, para que seja atribuída a responsabilidade ao provocador ou executor,
não se faz necessário que o mesmo tenha desejado os demais delitos (meios ou os
resultantes do desejado) ou ainda se quer previstos os novos delitos, coexistindo
nesse sentido uma odiosa responsabilidade por presunção de culpa.
Pela teoria adotada pelo Código Penal de 1890, se o mandante determinar
que seja praticado um crime de furto, e se por ventura o mandatário, para realizá-lo
venha a ferir ou até mesmo a matar a vítima, fica sujeito a ser responsabilizado pelo
eventual excesso de meio, o que, no caso concreto, deslocaria a conduta do crime
anterior, para a mais grave constante do crime de roubo.
De forma similar e esclarecedora, o agente que manda um terceiro dar uma
surra em outrem e desta resulta a morte, o mandatário responderá não mais pelo
delito de lesões corporais que determinara, mas sim pelo delito intitulado
homicídio.33
Nesse sentido, ANTONIO JOSÉ DA COSTA E SILVA34 aduz:
Que todas as distincções que se não deparam nos escriptores entre instigação (autoria intellectual) determinada e indeterminada, excesso nos meios e excesso na execução, etc., difficilmente se harmonizariam com o texto rígido e insophismavel do artigo supra. Doutrinariamente, é indefensavel a ampla responsabilidade que o legislador patrio adotou.
32
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 100. 33
SIQUEIRA, Galdino . Direito Penal Brasileiro. Vol. I Parte Geral. 2ª ed. Correcta e augmentada. Rio de Janeiro. Livraria Jacyntho. Pág. 239. 34
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 100.
28
Fica latente a adoção pela responsabilidade penal objetiva, expressando que
a lei determinou que o agente respondesse pelo resultado, ainda que atue com
ausência de dolo ou culpa, o que contraria, dessa forma, a doutrina do Direito Penal
fundada na culpabilidade e, por sua vez, na responsabilidade pessoal.
Mais adiante, conforme disposto no artigo 20 do mesmo código,
encontramos uma regra que faz cessar a responsabilidade do autor intelectual pela
pratica criminosa in verbis:
Art. 20. Cessará a responsabilidade do mandante si retirar a tempo a sua cooperação no crime.
Dessa forma, o legislador de 1890 criou uma hipótese que nos remete a algo
próximo dos institutos conhecidos, contemporaneamente, como desistência
voluntária e do arrependimento eficaz. Expressamente prevista ficou a possibilidade
do mandante de desistir, retirando a sua participação no propósito criminoso.
OSCAR DE MACEDO SOARES35 também externou seu posicionamento a
respeito do tema, conforme segue abaixo transcrito:
A cooperação do mandante manifesta-se desde o momento em que elle provocou e determinou a execução do crime. E por isso sustentamos a doutrina em nota anterior que o autor intelectual responde como tentador, ainda que o executor não tivesse dado começo á execução do crime que deixou de consumar-se ou de ser tentado. Resta-nos, portanto, distinguir, em face do art. 20, aquella doutrina só procede quando o executor receber á tempo determinação para não executar o crime, mas esta determinação deve partir do autor intelectual, ser livre e espontanea. A condição do tempo carece ser ventilada, porque dela tambem depende a responsabilidade do mandante. O codigo não marcando o espaço de tempo, deixou ao arbítrio do julgador resolve-a”.
Assim, a mudança de intenção, manifestada em tempo hábil, faz cessar a
responsabilidade do mandante sobre o crime. Todavia, autores como Galdino
Siqueira36, à época, destacaram que a responsabilidade daquele que instiga,
somente poderia ser dirimida, quando ele fizesse tudo o quanto fosse possível para
impedir a prática criminosa, ou que ainda restasse evidente que a referida
35
SOARES, Oscar de Macedo. Código Penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil Commentado. 2° edição. Pág. 22-23. 36
SIQUEIRA, Galdino . Direito Penal Brasileiro. Vol. I Parte Geral. 2ª ed. Correcta e augmentada. Rio de Janeiro. Livraria Jacyntho. Pág. 240.
29
desistência da provocação rompeu o nexo entre a causa moral e a causa física do
delito, demonstrando que o mandatário atuou de forma independente, por conta
própria.
Sob essa ótica, é possível afirmar que haveria a impunidade do mandante,
desde que o mandatário não houvesse iniciado a execução do delito, ou ainda a
suspendesse, voluntariamente, mesmo que contra a vontade deste último. Neste
caso, somente seria punido, se os atos até então praticados por si só constituíssem
crimes autônomos. Segundo GALDINO SIQUEIRA37, esse era o posicionamento do
nosso código que sofria influência da Escola Clássica.
O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil disciplinou outro importante
ponto na legislação penal: a figura do “mandante”, em seus artigos 19 e 20 e a sua
responsabilidade perante o crime, conforme disserta NILO BATISTA38:
“Uma regra especial a respeito de mandato (em sentido estrito) criminal responsabilizava como autor o mandante por qualquer outro delito que fosse meio ou consequência do crime pactuado (art. 19); tal responsabilidade não prevalecia se o mandante retirasse “a tempo sua cooperação no crime” (art. 20)”.
Assim, se o mandante do crime viesse a desistir da sua realização, desde
que em tempo útil, faria cessar a sua responsabilidade. Apesar do código não
estipular um prazo definido, podemos entender com base nas lições de ANTONIO
JOSÉ DA COSTA E SILVA39, que o termo “tempo” significaria antes de realizados os
atos que constituem, no mínimo, o começo da execução do crime, pois praticados
atos dessa espécie, a isenção de responsabilidade não poderia mais ser completa.
Por fim, vale ressaltar que o Código de 1890 não tratou da possibilidade de
desistência por parte do mandatário.
Com relação à cumplicidade, o Código Penal da República dos Estados
Unidos do Brasil, em seu artigo 21, adotou diversas categorias de cúmplices, sendo
que estes desenvolvem um papel secundário na dinâmica do crime, e isso porque
não praticam o crime propriamente dito, nem influenciam o autor. Os cúmplices, na
37
Ibidem. Pág. 240. 38
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 07. 39
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 103.
30
verdade, encontram-se subordinados às ordens de outrem. Como podemos verificar
abaixo, in verbis:
Art. 21. Serão cumplices: § 1º Os que, não tendo resolvido ou provocado de qualquer modo o crime, fornecerem instrucções para commettel-o, e prestarem auxilio á sua execução; § 2º Os que, antes ou durante a execução, prometterem ao criminoso auxilio para evadir-se, occultar ou destruir os instrumentos do crime, ou apagar os seus vestigios; § 3º Os que receberem, occultarem, ou comprarem, cousas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabel-o, pela qualidade ou condição das pessoas de quem as houverem; § 4º Os que derem asylo ou prestarem sua casa para reunião de assassinos e roubadores, conhecendo-os como taes e o fim para que se reunem.
Comentando os dispositivos em apreço, ANTONIO JOSÉ DA COSTA E
SILVA40 assim se manifesta:
Neste artigo especifica o código as diversas categorias de cumplices. Estes desempenham um papel secundário no chamado drama do crime. A sua actividade é de somenos importância comparada á do autor, physico ou moral. Os cumplices não commettem o crime propriamente dito; não exercem também, como o instigador, influencia determinante no autor material. Subordinam a sua actividade á de outrem. Só este é que pratica a acção principal.
O referido artigo 21, § 1° traz uma das formas pela qual se exterioriza a
cumplicidade, ou algo próximo à participação, nos dias atuais. Nessa hipótese, o
referido parágrafo destaca, desde logo, que se considera cúmplice aquele que, de
modo algum, não resolveu ou provocou o crime, mas tão somente prestasse
informações ou auxílio para a execução.
Quanto ao § 2° do referido artigo, verificar-se-á outra forma de cumplicidade
elencada pelo legislador de 1890, a qual após reflexão, remete-nos diretamente a
determinados crimes autônomos da atualidade. Como exemplo, na hipótese
daqueles que ainda que antes ou durante a execução do delito prometem auxilio
para o mesmo venha a evadir-se, seria talvez o embrião da conduta típica combatida
atualmente e conhecida como favorecimento pessoal pelo artigo 348 do Código
Penal de 1940. Ainda nesse parágrafo, encontramos a conduta daqueles que, nas
40
Ibidem. Pág. 105.
31
mesmas circunstâncias, ocultam ou destroem os instrumentos do crime, ou apagam
os seus vestígios, o que poderia, eventualmente, caracterizar as condutas nos dias
atuais, respectivamente constantes dos artigos 349 o favorecimento real, e artigo
347 a fraude processual, ambos do Código Penal de 1940.
Sob o mesmo raciocínio, destaca-se que determinadas modalidades de
cumplicidade previstas, também, no referido código, constituem, atualmente, fatos
típicos próprios, como o disposto nos artigos 21, § 3° que seria algo próximo ao que
conhecemos como o delito de receptação o qual conta, atualmente, do artigo 180 do
Código Penal e 21, § 4° que seria uma descrição típica próxima à do favorecimento
pessoal, constante do artigo 348 do Código Penal. Esse posicionamento tem
amparo no pensamento de NILO BATISTA41:
Eram considerados cúmplices os que, não tendo resolvido ou provocado o crime, fornecessem instruções para a sua execução ou a ela prestassem auxílio (art. 21, § 1°); os que, antes ou durante a execução, prometessem ao autor auxílio para fugir, ocultar ou suprimir instrumentos e provas do crime (art. 21, § 2°); os receptadores (art. 21, § 3°) e “encobridores” (art. 21, § 4°). (grifo nosso)
Outro importante aspecto no que tange à cumplicidade, era o fato de que o
Código Penal de 1890 diferenciava a cooperação dos cúmplices quanto à sua
natureza, assim como à sua autoria. No caso da cumplicidade ANTONIO JOSÉ DA
COSTA E SILVA manifesta-se, ao dizer:42
A cooperação dos cumplices se distingue, quanto á natureza, em physica ou psychica (intelectual); e quanto ao tempo, em anterior, concomitante ou subsequente. Pode consistir em acção (em sentido positivo) ou em omissão. O guarda-nocturno que, sciente e voluntariamente, deixa que seja ateado um incêndio, que seja commettido um roubo, é exemplo deste ultimo caso.
Desse modo, os cúmplices, essencialmente, desenvolviam ou prestavam um
papel de auxílio junto ao autor, facilitando assim a execução do crime.
41
BASTISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 07. 42
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 105.
32
A respeito da distinção em comento, GALDINO SIQUEIRA43 assim se
posiciona:
Nestas condições, a classificação dos condelinquentes em autores, co-autores e cumplices depende, em ultima analyse, do modo por que o legislador concebe a importância do papel, que cada um deles desempenha no drama do crime, da contribuição com que cada um concorre para a produção do resultado, isto é, depende de regras positivas, fundadas em considerações abstractas e mais ou menos arbitrarias. Em definitiva, é uma distincção meramente empírica, meramente quantitativa. Caminhe um pouco mais o cumplice será autor, retraia-se este e não será mais do que um cumplice. (grifo nosso)
Havia ainda, no Código Republicano, a questão das circunstâncias
agravantes e atenuantes. No caso das agravantes, tínhamos o artigo 39, § 10, que
dispunha da seguinte forma:
Art. 39. São circumstancias aggravantes: [...] § 10. Ter o delinquente commettido o crime por paga ou promessa de recompensa;
O mesmo refere-se aos casos em que o delito fora praticado por meio de
pagamento ou promessa de eventual recompensa. A promessa de alguma
recompensa seria equivalente ao efetivo pagamento, diante do que podemos supor
necessariamente a coautoria.
Para GALDINO SIQUEIRA44 verifica-se “a circunstância, quer a paga tenha
sido fixada, quer deixada ao arbítrio do mandante, e a recompensa compreende não
só o dinheiro, como qualquer objeto de valor com que se dê ou se possa dar uma
paga”.
É necessário destacar que fica sujeito a tal circunstância agravante o
criminoso que pratica o crime recebendo o pagamento, ou na expectativa de recebê-
lo, situação que era tratada de forma diferente pelo código anterior, que não tratava
da promessa e sim da esperança de receber, pressupondo-se nesta última, a
ausência de ajuste entre mandante e mandatário.
43
SIQUEIRA, Galdino. Direito Penal Brasileiro. Vol. I, Parte Geral. Pág. 206. 44
Ibidem. Pág. 532.
33
Estudando, ainda o Código de 1890, deparamo-nos também com o artigo
39, § 13 que aduz in verbis:
Art. 39. São circumstancias aggravantes: [...] § 13. Ter sido o crime ajustado entre dous ou mais individuos;
O legislador previu como figura agravante, a possibilidade de o crime ter sido
praticado com o ajuste entre duas ou mais pessoas para a prática de um delito.
Assim, a agravante visa punir, simplesmente, a pluralidade de agentes, tendo
considerado que a coligação das forças de intenções dos agentes para a prática do
delito, diminui a possibilidade de defesa e, consequentemente, aumenta o
desconforto no grupo social. Tal condição ainda pode facilitar a impunidade e, ao
final, garantir uma melhor execução na ação delituosa.45
É necessário destacar que o ajuste somente seria objeto de agravamento
caso o delito praticado fosse classificado como de concurso facultativo. No entanto
fica afastada tal hipótese nos crimes de concurso necessário, uma vez que para este
último pressupõem como elemento essencial, uma pluralidade de agentes que
atuam na ação criminosa.
Nesse sentido GALDINO SIQUEIRA aduz:
“Mas o ajuste só se torna circumstancia aggravante em caso de concurso facultativo, e não no caso de concurso necessario de delinqüentes. Como já tivemos occasião de notar, commentado o art.: 18, dá-se o concurso de facultativo quando o crime póde ser commetido po um só individuo, sem necessidade da co-operação de outros, como o homicidio, o roubo, o furto, etc.; dá-se concurso necessario quando o crime, em seu conceito legal, pressuppõe, como elemento essencial, uma pluralidade de sujeitos participantes da acção criminosa, como a peita, o suborno, o adulterio, a bigamia, a conspiração, a sedição, o ajustamento ilícito, etc”.
Fica evidente que tais delitos, destacados no supracitado trecho, não podem
ser objeto de emprego da agravante descrita anteriormente, uma vez que a
pluralidade de agentes é elemento que constitui ou qualifica determinados tipos
penais.
45
Ibidem. Pág. 542.
34
Dentre as atenuantes, trazidas pelo Código de 1890, podemos destacar de
pronto as previstas no artigo 42 em seus parágrafos 7° e 8°, as quais dizem,
respectivamente, in verbis:
Art. 42. São circumstancias attenuantes: [...] § 7º Ter o delinquente commettido o crime impellido por ameaças ou constrangimento physico vencivel; § 8º Ter o delinquente commettido o crime em obediencia á ordem de superior hierarchico;
Essas agravantes tratavam, respectivamente, sobre ter o delinquente
cometido o crime mediante coação física vencível ou por ameaças, e por obediência
hierárquica.
De pronto, necessário faz-se traçar um paralelo com o artigo 27, § 5°, do
mesmo Código de 189046, que trata de verdadeira dirimente de responsabilidade, o
que não se confunde com as atenuantes ora em análise.
Na primeira parte, devemos ressaltar que o agente tem que ser impelido a
praticar o crime, por força de ter sido ele ameaçado. Aqui, encontraríamos o agente
que cede à simples ameaça, sob o receio de mal de pequena importância, e que
passa a obedecer à força resistível, sendo certo que a coação não é absoluta, dessa
forma sendo responsabilizado pelos atos praticados durante a intimidação. Esta
última não se confunde com a dirimente do art. 27, § 5°, onde verifica-se que as
ameaças são acompanhadas de um perigo atual.
Na segunda parte do § 7° do art. 42, destaca-se a questão do
constrangimento físico vencível. Nessa hipótese, o agente é impelido a cometer o
ato delitivo, não por força de violência irresistível, mas tão somente por violência da
qual poderia vencer, dessa forma restando ao agente responder pelo crime, ainda
que de forma reduzida.
Nesse sentido, afirma GALDINO SIQUEIRA:47 “embora podendo superar a
violência de que é objecto, o agente não age em plenitude de vontade, mas sob a
influencia dessa causa extranha, e dahi a razão da attenuante”.
46
Art. 27. Não são criminosos: [...] § 5º Os que forem impellidos a commetter o crime por violencia physica irresistivel, ou ameaças acompanhadas de perigo actual; 47
SIQUEIRA, Galdino . Direito Penal Brasileiro. Vol. I Parte Geral. Pág. 582.
35
Ressalta-se que essa atenuante constante da segunda parte do § 7° do art.
42 não deve ser confundida com a dirimente de responsabilidade, constante da
primeira parte do § 5° do art. 27 do mesmo Código de 1890. Afirma ANTONIO JOSÉ
DA COSTA E SILVA:48 “que na previsão constante da dirimente de responsabilidade
o constrangimento físico era irresistível, invencível, enquanto no caso da atenuante
ora em analise esse constrangimento é vencível, resistível”.
No que tange à atenuante prevista no § 8° do art. 42, na qual o agente
pratica o delito em atenção à ordem de um superior hierárquico, é necessário
destacar que esta última não deve ser confundida com a dirimente de
responsabilidade que consta do art. 28 do Código de 1890.49
A atenuante, de certo, será aplicada quando não ausentes os requisitos que
demonstrem a existência da justificativa do art. 28, ou seja, quando o delito for
praticado em obediência à ordem de superior legítimo, mas sem que a obediência
seja legalmente devida, ou quando houver excesso nos atos ou na forma da
execução.
Outro ponto importante era a punição imposta aos cúmplices, que era
regulada pelo artigo 64 e 65 do Código Penal de 1890, pois a cumplicidade era
punida com as penas da tentativa, e a cumplicidade, no caso de crime tentado, com
as penas desta, aplicada à redução de menos um terço. Caso a lei impusesse uma
pena especial à tentativa, nenhuma redução seria aplicada à cumplicidade. E
quando o agente que praticou a conduta delituosa fosse maior de quatorze e menor
de dezessete anos o juiz aplicar-lhe-ia as penas destinadas à cumplicidade.
Portanto, o Código Penal da República possuía punição própria para os atos
de cumplicidade, conforme consta abaixo, in verbis:
Art. 64. A cumplicidade será punida com as penas da tentativa e a cumplicidade da tentativa com as penas desta, menos a terça parte. Quando, porém, a lei impuzer á tentativa pena especial, será applicada integralmente essa pena á cumplicidade. Art. 65. Quando o delinquente for maior de 14 e menor de 17 annos, o juiz lhe a applicará as penas da cumplicidade.
48
SILVA, Antonio José da Costa e. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I - Coleção: História do Direito Brasileiro. Pág. 393. 49
Art. 28. A ordem de commetter crime não isentará da pena aquelle que o praticar, salvo si for cumprida em virtude de obediencia legalmente devida a superior legitimo e não houver excesso nos actos ou na fòrma da execução.
36
Desse modo, não se pode olvidar que a matéria era rica e diversificada,
porém não recebeu da doutrina o tratamento que em profundidade esclarecesse-a,
conforme pertinente posicionamento de NILO BATISTA.50
No entendimento de RENÉ ARIEL DOTTI51, esse diploma pretendeu
estabelecer uma relação exaustiva dos casos de autoria e participação; porém, o
elenco de hipóteses trazidas não esgotaria as modalidades vertentes do cotidiano,
uma vez que não seria possível àquele esquema abstrato aprisionar a realidade em
todos os matizes do comportamento humano dirigido à produção do delito. No
entanto, essas deliberações deixaram a desejar, o que foi objeto de críticas pela
doutrina da época: as posições do autor, do co-autor, e do cúmplice como
comportamentos peculiares e bem delineados pela realidade.
1.4. PROJETOS DE CÓDIGO PENAL
1.4.1. PROJETO JOÃO DE VIEIRA ARAUJO
Por volta de 189, foi criada na Câmara dos Deputados uma comissão para
efetuar a revisão do código de 1890. Nessa ocasião, foi nomeado como presidente,
João Vieira de Araujo, o qual, em 1893, apresentou um projeto sendo este
submetido às Faculdades de Direito e órgãos do poder judiciário, bem como ao
Instituto da Ordem dos Advogados.
O Deputado João Vieira de Araujo era um Emérito Professor de Direito
Penal da Faculdade de Recife, sendo que o mesmo apresentara seu Projeto de
Novo Código Penal, dando azo a debates de uma Comissão Especial nomeada pela
Câmara dos deputados, a qual propôs, em 1899, substitutivo ao Projeto Vieira de
Araujo afirma JOSÉ FLÁVIO BRAGA NASCIMENTO.52
Além desse novo projeto apresentado pela Comissão Especial da Câmara
como substitutivos, foi ainda apresentado outro pelo próprio João Vieira de Araujo o
qual, apesar de ter sido aprovado na Câmara dos Deputados, não logrou êxito junto
ao Senado Federal.
50
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 09. 51
DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. Forense. Rio de Janeiro. 1988. P. 77. 52
NASCIMENTO, José Flávio Braga. Concurso de Pessoas. P. 29.
37
Destaca NILO BATISTA53 que: “a contribuição de maior proeminência deste
projeto consubstancia-se no acréscimo de regras sobre a comunicabilidade das
circunstâncias do delito, confessadamente inspiradas no art. 66 do Código italiano
de 1889”.
1.4.2. PROJETO GALDINO SIQUEIRA
Em 1910, o Ministro da Justiça Esmeraldino Bandeira, afirmava ser urgente
e inadiável a reforma do CP, tendo o congresso, no ano seguinte, autorizado o
Poder Executivo a realizar um projeto de reforma. Esse ato não teve qualquer efeito.
Em 1913, Galdino Siqueira apresentou ao Governo um Projeto de Código, que nem
sequer foi objeto de estudos por parte do Poder Legislativo, segundo o que é
relatado por HELENO CLAUDIO FRAGOSO.54
No entendimento de NILO BATISTA55, o projeto de Galdino Siqueira
inauguraria em nosso ordenamento uma direção parificadora, uma vez que afirma
que a exposição de motivos procurava amarrar a teoria da participação à teoria da
equivalência dos antecedentes causais.
Influenciado pela novel legislação penal norueguesa de 1904, para a qual
autores seriam todos os participantes de um crime, Galdino Siqueira, em seu projeto
de Código Penal e consoante as suas exposições de motivos, afirma que:
A única distinção de real a admittir-se entre os agentes de um mesmo crime é a que toma em consideração a pessôa de cada um delles, sua natureza e índole, as circumstancias de ordem pessoal que possam intervir a respeito de um ou de outro, e nessa conformidade, graduar a pena”.56
Nessa esteira, é possível afirmar que o tratamento reservado ao coautor,
no projeto de Galdino Siqueira, seria o mesmo dado aos demais participantes do
crime; dessa forma, a pena aplicada a um agente da ação criminosa seria estendida
53
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 11. 54
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. P. 69 e 70. 55
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 09. 56
Projetcto de Codigo Penal Brazileiro. Organizado por Galdino Siqueira. Offs. Graphs. Do Jornal do Brasil e da Revista da Semana. 1913. P. 45.
38
aos demais, conforme o preleciona o art. 42 57, com exceção daquele que praticava
apenas a tentativa de um crime e cuja pena imposta não seria superior a dois meses
de detenção, conforme previa o art. 7º 58 ambos constantes do mesmo projeto.
Galdino Siqueira, em seu projeto, ainda descreve que agentes seriam
aqueles que tivessem determinado que outros cometessem o crime. Enumera
também como agente aquele que executa e ou que, por outro meio, tivesse
concorrido de forma consciente para sua concretização, conforme visualizamos em
sua art. 9º in verbis:
Art. 9º - São agentes do crime os que tiverem determinado outrem a commete-lo, os executores e os que por outro tiverem concorrido scientemente para sua realização.
1.4.3. PROJETO SÁ PEREIRA
Por incumbência destinada pelo Presidente Arthur Bernardes, o
Desembargador Virgilio de Sá Pereira apresentou, em 1927, um novo projeto de
Código Penal, o qual foi revisto pelo próprio Desembargador, em 1928. Todavia, o
projeto original foi objeto de uma revisão geral, realizada à época por uma comissão
composta por Evaristo de Moraes, Mário Bulhões Pedreira e também pelo projetista
Virgilio de Sá Pereira e foi reapresentado em 1931.
Esse último projeto de Código Penal, ao ser apresentado à Câmara dos
Deputados, teve parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça; todavia,
as alterações na órbita política impostas pelo novo governo de Getulio Vargas, com
a carta constitucional de 1937 e o respectivo fechamento do Congresso Nacional,
impediram que o mesmo fosse aprovado.
Segundo JOSÉ FLÁVIO BRAGA NASCIMENTO59, o projeto de Sá Pereira
foi muito combatido, destacando o instituto do concurso de agentes, o qual fora
tratado nesse projeto, após a revisão efetuada pela comissão, da seguinte forma,
nos temos do art. 29 in verbis:
57
Art. 42 – Concorrendo varios agentes no commetimento de um crime, serão punidos com a mesma pena, salvo o disposto no art. 7.º e o effeito e circumistancias pessoes. 58
Art. 7.º – Tambem não é punivel a tentativa do crime ao qual não esteja imposta maior pena que a de dous mezes de detenção. 59
NASCIMENTO, José Flávio Braga. Concurso de Pessoas. P. 30.
39
Art. 29 Responde pelo crime como se o houver cometido, quem tiver determinado ou instigado seu autor a cometê-lo, com ele concorrido ou à sua execução prestado assistência. Na co-autoria, as relações, qualidades e circunstâncias de caráter pessoal são incomunicáveis.
1.4.4. PROJETO ALCÂNTARA MACHADO
Durante o período estabelecido pela nova ordem político-administrativa, o
Presidente Getúlio Vargas delega ao então Ministro da Justiça Francisco Campos à
responsabilidade pela necessária reforma no campo do Direito Penal.
Curiosamente, apesar de todo o período político conturbado pela resistência
exercida por São Paulo frente ao novo governo, foi convidado para elaborar a novel
legislação o professor de medicina legal da Universidade de Direito de São Paulo,
José de Alcântara Machado. E o mais improvável aconteceu, o pedido foi aceito. O
anteprojeto de Código Penal foi edificado com base na legislação italiana da época,
e, segundo autores da época, é certo que o Código Rocco serviu de base para a
legislação nacional do referido projeto.
Esse documento foi produzido e posteriormente submetido a uma comissão
revisora, que o alterou significativamente e que era composta por Narcélio de
Queiroz, Vieira Braga, Nelson Hungria e Roberto Lyra. É de todo oportuno relatar
que tal projeto recebeu a colaboração de Antonio José da Costa e Silva, Ministro do
Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo.
Segundo ROMEU FALCONI60, o projeto original sofreu severas criticas
pela maneira rebuscada de escrever do seu autor, também de tendência positivista.
Esse último projeto revisado, acabou posteriormente sendo convertido em
Decreto-Lei n. 2.848/40, tornando-se o Código Penal de 1940.
1.5. CÓDIGO PENAL DE 1940
Para NILO BATISTA61, o Código Penal de 1940 foi nitidamente inspirado no
Código Italiano de 1930, o qual nos conferiu normas mais simplificadas, que nunca
regeram a matéria no desenvolvimento histórico do nosso Direito Penal.
60
FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. P. 64 e 65.
40
Todavia, a nova legislação, já em sua exposição de motivos, deixa claro que
o crime é único e indivisível, tanto no que diz respeito à autoria, quanto à
participação dos agentes. Nos dizeres de JOSÉ FLÁVIO BRAGA NASCIMENTO:62
“temos na participação criminosa uma associação de causas conscientes, uma
convergência de atividades as quais são, em seu conjunto a causa única do evento
e, portanto, cada uma das forças concorrentes deve ser atribuída solidariamente a
responsabilidade pela totalidade do crime”.
Assim, verificamos ao explorar a exposição de motivos do Código Penal de
1940 que todos os que tomam parte no crime são autores, de forma que o novo
Código, à época, abandonou a distinção entre participação principal e acessória que
esteve presente nas legislações anteriores (Código Criminal do Império de 1830 e
Código dos Estados Unidos do Brasil de 1890).
O tratamento dado à autoria guardava íntima relação com a relação de
causalidade, que era anunciada pela teoria da Conditio sine qua non, conhecida
também como Teoria da Equivalência das Condições, constante do art. 11 que dizia
in verbis:
Art. 11. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Preleciona BEATRIZ VARGAS RAMOS63 que o referido artigo não distinguia
entre causa e condições, afirmando que quem emprega qualquer atividade para a
realização do evento criminoso é considerado responsável pela totalidade dele.
Esse posicionamento é atualmente inimaginável, uma vez que, em uma
empreitada criminosa, um agente que participou contribuindo de qualquer forma
para a ocorrência do resultado responderia como todos os outros. Assim, se um
agente tem como incumbência atrapalhar o tráfego de veículos, nas proximidades de
um banco, enquanto seus comparsas entram nesse estabelecimento com a
finalidade de roubar, se, no transcorrer da ação, o vigia do banco reage e é baleado
vindo a falecer, aquele que, simplesmente atrapalhou o trânsito nas imediações,
61
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. P. 14 e 15. 62
NASCIMENTO, José Flávio Braga. Concurso de Pessoas. P. 36. 63
RAMOS, Beatriz Vargas. Do concurso de pessoas: contribuição ao estudo do tema na nova parte geral do código penal. P. 172 e 173.
41
responderia de igual forma, ou seja, como se estivesse no interior da agencia
bancária, apertando o gatilho da arma que matou o referido vigia.
Nesse sentido, posiciona-se BENTO DE FARIA64, ressaltando que: “a lei
vigente unifica todas as formas do concurso e todas as causas que concorrem para
produzir o fato criminoso estabelecendo para todas uma igual responsabilidade”.
Afirma NILO BATISTA, ao abordar também o tema em epígrafe diz:
A coluna de sustentação teórica da posição assumida pelo Código consistia no seguinte raciocínio: adotada expressamente que fora, no art. 11, a teoria da equivalência dos antecedentes, não havia como fugir, na disciplina do concurso de agentes, à inexorável parificação, que desta forma seria imperativa conseqüência lógica da posição anteriormente assumida, no tratamento legal da causalidade.
O Código Penal de 1940 tratava da matéria no Título IV sob a rubrica da
“Co-Autoria”, nos art. 25, art. 26 e art. 27, como segue in verbis:
Art. 25. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas. Circunstâncias incomunicáveis Art. 26. Não se comunicam as circunstâncias de carater pessoal, salvo quando elementares do crime. Casos de impunibilidade Art. 27. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (art. 76, parágrafo único).
Conforme se observa, o Código Penal de 1940, ao dispor que “Quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.” deixa
claro a posição pela adoção de uma teoria monística ou igualitária. Dessa forma,
ocorrendo a participação, as penas serão estendidas, também, a quem não tenha
realizado a conduta típica, independentemente da forma de participação, não
constituindo ela, assim uma forma autônoma de um eventual fato punível, sendo
certo que todos estariam subordinados à mesma escala penal.
TIAGO RIBEIRO PONTES comenta sobre o novo dispositivo, destacando
que: “o código aboliu a distinção, até há pouco consagrada, entre autores e
64
DE FARIAS, Bento. Código Penal Brasileiro. Vol II. Parte I. P. 336.
42
cúmplices. A diferença entre participação principal e participação acessória, entre
auxilio necessário e auxilio secundário, deixou de ser levada em conta.”65
Quanto à regra descrita expressamente no referido artigo 25 do Código
Penal, declara MANOEL PEDRO PIMENTEL66 que: “deve evidentemente ser esta
entendida senão restritivamente, pois a expressão „de qualquer modo‟ precisa ser
limitada, sob pena de conduzir ao absurdo”. E o autor exemplifica, entre outros
casos possíveis, com o caso do armeiro, o qual seria responsável pelo crime
praticado com a espingarda de caça, sem que ao menos tivesse tido a menor notícia
do crime, ou ainda o gerente de um hotel, sendo responsabilizado pelo estupro,
ocorrido nesse estabelecimento.
Em outra esteira, o art. 26 faz alusão à possibilidade de comunicação das
circunstâncias de caráter pessoal, sendo esta uma exceção, apenas quando as
circunstâncias constituírem elementares do crime. Essa previsão é encontrada até
os dias atuais.
Por sua vez, o art. 27 traz uma hipótese de participação impunível desde
que o ajuste, a determinação ou a instigação e o auxílio, se não houver disposição
em sentido contrário, não sejam passíveis de punição a ação criminosa que não
constituir ao menos a tentativa.
É de todo oportuno trazer à baila, que o Código Penal de 1940 ainda tratava
da codelinquência, ao prever para o concurso de pessoas, agravantes constantes
dos art. 45, I, II, II e IV que aduziam in verbis:
Agravantes no caso de concurso de agentes Art. 45. A pena é ainda agravada em relação ao agente que: I - promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguem sujeito à sua autoridade, ou não punivel em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
Previu também duas possibilidades de atenuantes, conforme prevê o art. 48,
II e parágrafo único, a seguir in verbis:
65
PONTES, Tiago Ribeiro. Código penal brasileiro; comentários revistos e atualizados. 8ª ed. Rio de Janeiro. Freitas Bastos. 1977. P. 57. 66
PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes de mera conduta. P. 98 e 99.
43
Circunstâncias atenuantes Art. 48. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: [...] II - ter sido de somenos importância sua cooperação no crime; [...] Atenuação especial da pena Parágrafo único. Se o agente quis participar de crime menos grave, a pena é diminuida de um terço até metade, não podendo, porém, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime cometido.
Muito embora o legislador não tratasse de forma distinta os agentes quando
da apuração da responsabilidade na colaboração, em relação à qual o agente era
punível não porque colaborou na ação de outrem, mas sim porque com sua ação ou
omissão, contribuiu para que o crime se cometesse, fora prevista a possibilidade de
atenuação de sua pena, se considerada de menor importância a sua cooperação, ou
ainda diminuída sua sanção penal se demonstrasse que visava participar de crime
menos grave.
1.6. CÓDIGO PENAL DE 1969
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO67 conta que, em 1961, o governo deliberou
por promover uma completa reforma na legislação brasileira, inclusive na parte
criminal. Para tanto, incumbiu Nelson Hungria da responsabilidade de elaborar um
anteprojeto de Código Penal.
Esse projeto de Código Penal foi apresentado em 1963, o mesmo seria
objeto de revisão por duas comissões, uma primeira, indicada pelo Ministro Milton
Campos e composta pelos juristas Aníbal Bruno, Heleno Cláudio Fragoso e o próprio
autor Nelson Hungria, e uma segunda comissão, indicada pelo então novo Ministro
da Justiça Luís Antonio da Gama e Silva, composta por Benjamin Moraes Filho,
Heleno Cláudio Fragoso e Ivo D‟Aquino.
Assim, tal projeto, após diversas revisões, foi encaminhando aos Ministros
Militares. Promulgado pelo Decreto-Lei n. 1.004, em 21 de outubro de 1969, tinha
como certo que entraria em vigor no inicio de janeiro de 1970. Todavia, isso não
ocorreu diante de sucessivas prorrogações e o mesmo foi revogado.
67
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. P. 73.
44
O concurso de agentes foi tratado no Código Penal de 1969 da seguinte
forma, como consta do art. 35 in verbis:
Art. 35 Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas. § 1º A punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da dos outros, determinando-se segundo a sua própria culpabilidade. Não se comunicam, outrossim as condições ou circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. § 2º A pena é agravada em relação ao agente que: I – promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa § 3º A pena é atenuada em relação ao agente cuja participação no crime é de somenos importância.
Nas palavras de JOSÉ SALGADO MARTINS:
“Não se esclarece o Código quais os sentidos e a extensão da cláusula “de qualquer modo”, deixando À doutrina penal o encargo de fazê-lo. À teoria de delito caberá determinar os atos que realmente hão-de representar a contribuição causal da ação humana ao ilícito penal, considerados todos os aspectos que ela comporta, tanto do lado objetivo da tipicidade e da antijuridicidade, quanto do
lado subjetivo da culpabilidade”.68
O legislador da época igualou as várias condutas, de forma abstrata,
diferenciando-as, entretanto, em concreto, no momento da aplicação da pena.
Dessa forma, o código traria uma grande e positiva novidade ao distinguir entre os
concorrentes, as respectivas responsabilidades a partir de suas condutas e
conseqüente culpabilidade, muito embora fosse excluída a diferenciação entre
autores e partícipes, verificando-se que esta ocorreria no momento da
individualização da pena.
68
MARTINS, José Salgado. Direito Penal: Introdução e Parte Geral. P. 271.
45
1.7. REFORMA PENAL DE 1984
Em 1984, foi promulgada a Lei 7.209, que estava sendo muito aguardada, a
qual reformou a parte geral do Código Penal de 1940. Duas observações muito
importantes a respeito das diversas mudanças efetuadas pela em epígrafe foram: a
humanização das sanções penais e a volta do sistema de dias-multa.
Contudo, no que tange ao tratamento destinado à codelinquência, não foi
diferente; o legislador, sabiamente, adequou o texto legal a uma realidade e
evolução condizente ao caminhar do Direito Penal contemporâneo.
De inicio deve-se destacar a sábia escolha do legislador no trato da
matéria uma vez que abandonou a expressão “Coautoria” para a adoção da
expressão “Concurso de Pessoas”. É certo que tal mudança não está subordinada
ao capricho do reformador, mas sim a uma verdadeira adequação à realidade, o que
se confirma com as palavras de JAIR LEONARDO LOPES69, que aduz:
“É que tecnicamente, consideram-se „co-autores‟ os que participam diretamente da ação indicada pelo verbo típico. Por exemplo, os que disparam contra a vítima. Quem empresta a arma para a prática do crime, sabendo que o empréstimo a isso se destina, não é co-autor, mas sim cúmplice, por ter concorrido, mediante ação que não é da própria esfera do verbo típico. Então, a matéria de que trata o art. 29 é o „concurso de pessoas‟ na prática do crime, compreendendo todas as modalidades de concurso e não apenas, a co-autoria. Justifica-se, assim, a mudança de nomenclatura”.
Sem dúvida, a expressão usada pela Nova Parte Geral é mais perfeita, visto
que abrange as hipóteses de participação em sentido estrito. A referida
denominação atende à necessidade de diferenciação entre autores e partícipes,
adequando-se melhor ao conceito restritivo de autor, segundo BEATRIZ VARGAS
RAMOS70.
Com a reforma, não se pode afirmar que houve, pelo legislador de 1984, a
adoção de fato do sistema diferenciador, entre coautores e partícipes; todavia, a
alteração anuncia certo abrandamento no posicionamento anterior, consequência da
adoção da teoria da conditio sine qua non. Dessa forma, a lei não diferenciou 69
LOPES, Jair Leonardo. Nova Parte Geral – Inovações comentadas. Belo Horizonte. Del Rey. 1985. P. 31. Apud. RAMOS, Beatriz Vargas. Do Concurso de Pessoas: Contribuição ao Estudo do Tema na Nova Parte Geral do Código Penal Brasileiro. Belo Horizonte. Del Rey. 1996. P. 175 e 176. 70
RAMOS, Beatriz Vargas. Do Concurso de Pessoas: Contribuição ao Estudo do Tema na Nova Parte Geral do Código Penal Brasileiro. P.176.
46
concretamente as figuras dos autores e partícipes, mas tal distinção ocorrerá no
plano da aplicação da pena.
O Código Penal, após o advento da reforma, passou a tratar o Concurso de
Pessoas nos artigos 29 §§ 1º e 2º, 30 e 31, como segue, in verbis:
Regras comuns às penas privativas de liberdade Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Circunstâncias incomunicáveis Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Casos de impunibilidade Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
Grande destaque para a reforma, no que diz respeito ao concurso de
pessoa, foi a inserção do termo “na medida de sua culpabilidade” no antigo texto,
que constava do art. 26 no texto de 1940. Essa expressão altera e muito o
tratamento destinado ao agente que participa de uma empreitada criminosa, que vai
além da mera diferenciação no momento da aplicação da pena.
Assim, por exemplo, se o agente quis participar de um crime menos grave, a
sua pena será concernente a desse crime menos grave, embora os outros – aqueles
que quiseram participar da infração realmente cometida – tenham recebido a pena
desse crime, conforme afirma JOSÉ ROBERTO BARAÚNA71.
Dessa forma, é possível dizer que em um mesmo contexto criminal poderá
ser atribuída a alguns agentes a responsabilidade pelo crime de latrocínio e, a
outros, a responsabilidade pelo delito de furto, conforme a descrição constante do
art. 29 em seu § 2º que preconiza que, se algum dos concorrentes quis participar de
crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena relativa a esse crime.
LUIZ LUISI72 acentua esse aspecto, ao dizer que, de resto, a norma do § 2º
do artigo 29 da vigente parte geral do Código Penal fazia-se necessária em um
Código que tem como um dos seus mais importantes compromissos doutrinários, o 71
BARAÚNA, José Roberto. Curso sobre a reforma penal. P. 83. 72
LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. P. 121.
47
banimento da chamada responsabilidade objetiva73 do nosso Direito Penal.
Compromisso, diga-se de passagem, que faz da nossa legislação penal, um estatuto
criminal moderno, pois ao consagrar, sem concessões, o direito penal da culpa,
revela ter atendido às exigências axiológicas que põem como fundamento e fim da
ordem jurídica, a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana.
Urge ressaltar que a responsabilidade penal é sempre pessoal, não havendo
espaço para responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva. NILO
BATISTA74 afirma que: “Não cabe em direito penal, uma responsabilidade objetiva,
derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão
ou perigo para um bem jurídico”.
Segundo o entendimento majoritário, com a reforma de 1.984, no que tange
ao concurso de agentes, rompeu-se com a estrutura da interpretação, alterando de
forma substancial a teoria monística pela teoria pluralística.
Com o acréscimo do termo “NA MEDIDA DE SUA CULPABILIDADE”,
deixamos para trás a execrável responsabilidade objetiva e partimos firmes para o
direito penal da culpa. Aqui começa a grande guinada assinada por ROMEU
FALCONI.75
1.8. ANTEPROJETO DE CÓDIGO PENAL DE 1999
Com os avanços empreendidos pela própria sociedade e o homem moderno,
faz-se necessária a atenção dos legisladores para acompanhar a criminalidade que
se coaduna às novas realidades tecnológicas e culturais e aos anseios daquele que
por eles é representado, ou seja, o povo.
Nesse azo, vem a bom tempo a reforma penal encaminhada ao Congresso
Nacional, a qual, a par de algumas reservas e ponderações que se fazem
necessárias, procurou espelhar, a critério de seu ilustres idealizadores, os anseios e
73
Neste sentido “O princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe em direito penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. (BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. P. 104) 74
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. P. 104. 75
FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. P. 243.
48
preocupações da parcela honesta da sociedade brasileira, segundo afirma
RICARDO ANTONIO ANDREUCCI.76
No que diz respeito ao concurso de pessoas, objeto de nosso estudo neste
trabalho, o legislador incluiu em seu texto sobre a reforma o art. 31-A como Causa
de aumento de pena, como segue in verbis:
Art. 31-A. A pena será aumentada de um sexto a dois terços em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
É de todo oportuno trazer á baila que tal previsão já existe em nosso
ordenamento jurídico penal, no art. 62, com as mesmas causas ilustradas no art. 31-
A do Anteprojeto de Código Penal, porém como agravantes genéricas e não como
causas de aumento de pena.
A referida modificação traria salutar retribuição penal, mais severa àqueles
que se utilizam do concurso de pessoas para cometer ou viabilizar a prática
criminosa. Com a maior organização dos criminosos, por vezes agindo em grupos
nos quais os agentes têm funções diversas, ou simplesmente, quando se valem de
inimputáveis para a prática e desenvolvimento de suas atividades, posicionou-se
bem o legislador ao atribuir maior punibilidade aos imputáveis que deles se servem.
RICARDO ANTONIO ANDREUCCI77 ainda completa a esse respeito: “o
organizador, o líder, o chefe do delito, mais perigoso por ter tomado a iniciativa do
fato e coordenado a atividade criminosa, será apenado mais severamente, com o
aumento de um sexto a dois terços da reprimenda”.
76
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Comentários ao Projeto de Código Penal: Parte Geral. P. 01. 77
Ibidem. P. 19.
49
2. O CONCURSO DE AGENTES
Tem-se, como a forma mais simples da prática de crimes, a situação em que
encontramos apenas um agente praticando determinadas condutas, sejam elas
exteriorizadas na forma comissiva ou ainda na forma omissiva, como
respectivamente, como quando alguém, mediante o emprego de arma de fogo, ceifa
a vida de terceiro, ou quando alguém deixa de prestar socorro, quando possível
fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada.
Contudo, diuturnamente, verifica-se que as infrações penais são praticadas
por mais de uma pessoa, quer seja para garantir o sucesso da execução, a
impunidade ou por outro motivo. Dividem as condutas e atuam, buscando fins
comuns e acabam concorrendo pelas mesmas penas dos delitos comuns.
Nesse caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração
penal, fala-se em co-delinquencia, concurso de agentes, co-autoria, participação, co-
participação ou concurso de delinqüentes (concursus delinquentium) conforme
afirma DAMASIO EVANGELISTA DE JESUS78.
2.1. ESPÉCIES DE CONCURSO DE AGENTES
2.1.1. CONCURSO NECESSÁRIO E EVENTUAL
Os crimes, segundo a construção doutrinária, quanto ao concurso de
pessoas, dividem-se em crimes monossubjetivos e pluressubjetivos, sendo o
primeiro, aquele que pode ser praticado por somente um indivíduo, enquanto o
segundo trata daquele delito que, para a sua prática, dependerá da conduta de mais
de um agente. Ou seja: exige-se a pluralidade de agentes. Nesse contexto, pode-se
afirmar, como forma de exemplo, que o homicídio é um crime monossubjetivo, tendo
em vista que o mesmo poderá ser praticado por somente uma pessoa, ou seja, não
há a necessidade da participação de outros delinquentes, para que o delito realize-
se. Como exemplo de crime plurissubjetivo, pode-se elencar a quadrilha ou bando,
cuja realização é necessária a presença de pelo menos quatro pessoas.
78
JESUS, Damásio Evangelista de. Da codelinqüência em face do novo código penal. P. 03.
50
Muito embora nos crimes plurissubjetivos seja necessária a presença de
mais de um colaborador para a própria existência do delito, é necessário alertar-se
que a lei, muitas vezes, não irá estender a punibilidade a todos. Pode-se
exemplificar com o que ocorre na Lei 8.069, de 1990, no Estatuto da Criança e do
adolescente em seu artigo 244-B79 que diz: corromper ou facilitar a corrupção de
menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a
praticá-la. Sendo assim, ainda que de forma consciente o menor pratique a conduta
conjuntamente com o maior, somente este último receberá a pena imposta pela lei
especial. O mesmo ocorre com ao delito de rufianismo, favorecimento à prostituição
e outros, onde não será punida a mulher ou o homem que se prostituem, mas sim
quem favorece ou tira proveito de tal atividade.
Dessa forma, costuma-se assinalar que os crimes praticados em concurso
dividem-se em dois grupos: os crimes de concurso necessário, ou plurissubjetivos ou
coletivos e os crimes de concurso eventual ou monossubjetivos ou individuais.
Crimes de concurso necessário são aqueles que somente poderão ser
praticados mediante a pluralidade de pessoas, enquanto que, nos crimes de
concurso eventual, o que é a regra, o delito pode ser praticado por uma só pessoa, o
mesmo é cometido por duas ou mais.
O crime de concurso necessário pode assumir determinados aspectos como
segue: condutas paralelas, quando a atividade dos agentes desenvolve-se na
mesma direção, visando igual resultado, como na quadrilha ou bando (artigo 288,
CP); condutas convergentes, quando as ações se dirigem uma ao encontro à outra,
a exemplo do que ocorre no aborto provocado com o consentimento da gestante
(artigo 124, CP) e na bigamia (artigo 235, CP) e por fim condutas contrapostas,
quando os agentes atuam uns contra os outros, como ocorre na rixa (artigo 137,
CP).
Para RENÉ ARIEL DOTTI: “a concorrência necessária é analisada fora do
quadro geral reservado para o concurso de pessoas (CP, art. 29 e §§ 1º e 2º) o qual
regula as diversas situações resultantes do fato que, embora possa ser praticado
individualmente, é produto de uma divisão de trabalho entre dois ou mais agentes”.80
79
O referido artigo foi inserido na legislação pela Lei 12.015 em 2009. Antes tal conduta era considerada crime, todavia presente na Lei 2.252 de 1954. 80
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. P. 362.
51
Vale ressaltar que o concurso coletivo de agentes sempre será descrito pelo
preceito primário da norma penal incriminadora, constante da parte especial do
Código Penal ou da legislação extravagante, enquanto no caso de concurso
eventual de agentes, tal previsão não se revela.81
2.2. REQUISITOS DO CONCURSO DE AGENTES
Conforme o entendimento doutrinário majoritário, faz-se indispensável a
análise de determinados requisitos para que seja constatada, no caso em concreto,
a presença do concurso de pessoas e a conseqüente atribuição de responsabilidade
aos praticantes das condutas criminosas. Dentre eles, poderíamos elencar, sem
divergência, a pluralidade de condutas, a pluralidade de agentes, a relação de
causalidade, a homogeneidade do elemento subjetivo e a identidade do ilícito penal,
as quais serão analisadas a seguir.
2.2.1. PLURALIDADE DE CONDUTAS E AGENTES
Inicia-se a análise dos requisitos pela pluralidade de agentes e consequente
pluralidade de condutas. Esse primeiro requisito é parte essencial do todo, sem o
qual não há de fato o instituto ora em análise. Esse requisito ou elemento expressa a
idéia de que todos os agentes, sejam eles autores ou partícipes, devem realizar a
mesma figura típica, ao passo que se cada indivíduo realizar uma figura criminosa
distinta, autônoma, não será possível resultar em codelinquência.
Muito embora todos os participantes desejem contribuir com sua ação na
realização de uma conduta punível, não o fazem, necessariamente, da mesma
forma e nas mesmas condições, conforme afirma CEZAR ROBERTO
BITENCOURT.82
Desse modo, é necessário que, segundo esse requisito, exista mais de uma
conduta, externada por mais de um agente que pratica o crime. Nesse contexto,
81
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. P. 448. 82
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral I. P. 483.
52
ESTHER DE FIGUEIREDO FERRAZ83, preleciona e contribui para o estudo em
questão ao dizer que:
É preciso não esquecer, porém, que no concursus delinquentinum deve cada partícipe realizar as condições fundamentais para ser sujeito ativo de delito. Eis por que só em sentido absolutamente impróprio se poderá falar em participação quando, concorrendo para a prática do ato duas ou mais pessoas, apenas uma possa se apresentar como criminosa ante a lei penal. Assim, não há concurso de agentes propriamente dito quando, de dois participantes, um é inimputável. Ou quando um dos agentes faz incidir em erro da fato o companheiro, coage-o irresistivelmente, por violência física ou grave ameaça; dá-lhe, no caso de ser seu superior hierárquico, ordem não manifestamente ilegal. Pois em todos esses casos apenas um indivíduo responde pelo crime praticado: o que se Server do inimputável, o que determina o erro, ou o autor da coação ou da ordem.
Dessa forma, deve-se observar que não deve falar-se em concurso de
pessoas, pelo simples fato de, em um caso concreto, encontrar-se na prática de
crimes mais de um agente, ainda que em colaboração, mas sem a real intenção, ou
melhor, sem que tal contribuição para o crime seja livre e consciente. Ainda,
segundo a autora, essas hipóteses configuram um pseudo concurso ou um concurso
aparente, o que de fato não se confunde com a autêntica participação.
Aqui estaria presente a figura da autoria mediata, ou seja, aquele que para
realizar a conduta delituosa como própria, utiliza-se de terceira pessoa que sabe
carecer de imputabilidade ou de culpabilidade. Destarte, JOSE SALGADO
MARTINS84 diz que: “na participação, os agentes coligam-se consciente e livremente
e são por isso, culpáveis e puníveis. Já na hipótese de autoria mediata, somente o
indutor é culpável, não obstante o resultado delituoso haver sido produzido pela
cooperação de outro, pela causação material de outro”.
Nesse sentido, VINCENSO MANZINI85 assevera que não seria possível,
juridicamente, falar-se em participação delituosa, se ao menos dois dentre os
concorrentes não forem capazes em termos de direito penal e, consequentemente,
imputáveis. Assim, quando o fato for praticado por duas pessoas, e uma delas não
83
FERRAZ, Esther de Figueiredo. A codelinqüência no direito no Direito Penal Brasileiro. Pág. 21. 84
MARTINS, José Salgado. Direito Penal: Introdução e Parte Geral. P. 275. 85
MANZINI, Vincenso. Istituzioni di Diritto Penale Italiano. Vol. I. P.148. Apud. FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito no Direito Penal Brasileiro. Pág. 22. São Paulo, Bushatsky. 1976.
53
for imputável, esta não será considerada como coparícipe da outra, mas será tão
somente considerada como um simples instrumento da primeira, a qual responde
sozinha pelo delito cometido, com aumento da pena.
2.2.2. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
Para que se forme a participação criminal, é necessário que vontades
conscientes exteriorizem-se, através de atos constitutivos da ação, para dar causa a
um evento. Essa ação deve resultar de inteligência que pensa e de vontade que
atua, segundo ANTÔNIO JOSÉ FABRÍCIO LEIRIA86.
Assim sendo, é possível afirmar que a conduta típica precisa que cada co-
autor ou partícipe deva estar integrado à corrente causal que determinou o
resultado. Tratando da questão da relevância causal, pode essa questão ser
ilustrada da seguinte forma: imagine que um cidadão deseja a morte de outro, e
assim exterioriza suas intenções por meras palavras. Caso aquele, que teve a morte
desejada, venha realmente a ser assassinado por terceira pessoa, sem qualquer
relação com a vontade daquele primeiro, que não realizara qualquer ato no sentido
de materializar sua intenção, este nunca poderá ser posto como co-autor, tendo em
vista que desígnios não se corporificaram em nenhum ato que determinasse a
relevância causal.
Para JOSÉ FREDERICO MARQUES:87 “não há participação no crime,
relevante para o direito penal, sem ato exterior que se inclua na cadeia causal”.
Assim, o art. 25 do Código Penal de 1940 e respectivamente o art. 29
também do Código Penal, porém, com redação dada pela Lei 7.209 de 11 de julho
1984, traz em sua redação a expressão “Quem de qualquer modo”, demonstrando
dessa forma que a colaboração pode ser prestada de forma pessoal, sob a forma
física ou moral, comissiva ou omissiva, ainda direta ou indireta, sendo possível ser
anterior ou concomitante à execução. O que de fato importa é que a conduta,
individualmente, influencie efetivamente na produção do resultado comum, conforme
atesta ESTHER DE FIGUEIREDO FERRAZ88.
86
LEIRIA, Antônio José Fabrício. Autoria e participação criminal. P. 48. 87
MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. Volume II (Da infração Penal). P. 313. 88
FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito no Direito Penal Brasileiro. Pág. 24.
54
2.2.3. HOMOGENEIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (LIAME)
Também conhecido como liame psicológico ou vínculo subjetivo entre os
participantes, a homogeneidade do elemento subjetivo é condição, ou melhor,
elemento necessário para que se possa atribuir a alguém a responsabilidade pela
participação.
Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários
participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum. A
ausência desse elemento psicológico desnatura o concurso eventual de pessoas,
transformando-o em condutas isoladas e autônomas, aduz CEZAR ROBERTO
BITENCOURT89.
De tal modo, para que esteja presente o fenômeno da participação
criminosa, é necessário que se apresentem todos os agentes do delito interligados
por um nexo de ordem subjetiva, ou seja, por um vínculo de natureza psicológica,
sob pena de termos à nossa frente delitos simultâneos ao invés de um delito
praticado em concurso de pessoas. Nesse sentido, posiciona-se ESTHER DE
FIGUEIREDO FERRAZ90.
Não basta que haja relevância causal, ou seja, as condutas podem interferir
para a produção do resultado lesivo, fazendo parte da cadeia de ações ou omissões,
mas necessário faz-se a presença de convergência das intenções, aliadas à vontade
livre e consciente de contribuir para o evento criminoso.
Assim, paralelo ao nexo objetivo (relação de causalidade), exige-se o vínculo
subjetivo (vontade de contribuir para o crime) segundo parecer de DAMASIO
EVANGELISTA DE JESUS91.
É de todo oportuno destacar que o mero conhecimento da prática de um
ilícito penal ou ainda a concordância psicológica, no máximo, caracterizaria
conveniência, o que a titulo de participação não seria punível, caso não constitua ao
menos uma forma de contribuição causal ou então um crime ou contravenção
autônoma.
Por fim, afirma EDGARD MAGALHÃES DE NORONHA92 que: “na co-
participação, é indispensável a homogeneidade do elemento subjetivo”.
89
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral I. P. 484. 90
FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito no Direito Penal Brasileiro. Pág. 25. 91
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. P. 464.
55
2.2.4. IDENTIDADE DO ILÍCITO PENAL
Não será possível falar em participação em crime, se no caso concreto não
houver ao menos um fato típico a punir-se. CEZAR ROBERTO BITENCOURT93
assevera: “para que o resultado da ação de vários participantes possa ser atribuído
a todos, “tem que consistir em algo juridicamente unitário”.
Dessa forma, é necessário relembrar as linhas escritas no artigo 31 do
Código Penal que diz in verbis:
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
Nesse contexto, ressalte-se ser necessária a presença de um crime único,
ou seja, que todos aqueles que estejam na atividade criminosa tenham como
objetivo a produção de um determinado resultado. Mas não se trata somente disso,
mas sim, que esses atos exteriorizem-se, significando, no mínimo, o início da
execução de um crime, ou ao menos a forma tentada.
Dessa forma, caso estejam reunidos três agentes que planejaram a
execução de um crime de furto em uma loja de departamentos, e durante a ação
típica um dos agentes, a pretexto de que vai efetuar compras nessa loja, solicita
atenção e distrai o atendente, enquanto outro comparsa subtrai as roupas e bolsas
que consegue levar, entregando ao terceiro agente o produto do furto, estando este
último encarregado de evadir-se do local com os pertences objeto do furto, é
possível afirmar que houve uma convergência nas ações, de forma que fica
cristalina a intenção e o trabalho para que haja sucesso de uma mesma atividade
ilícita. Nessa hipótese, responderiam todos os agentes pela mesma conduta típica,
por um único tipo penal.
92
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol. I. P. 213. 93
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral I. P. 484.
56
2.3. TEOARIAS ACERCA DO CONCURSO DE AGENTES
Diante da discussão em torno da questão se a conduta criminosa praticada
por algumas pessoas em concurso de agentes constitui um ou vários delitos, foram
desenvolvidas algumas teorias para tentar solucionar o problema, tal como a Teoria
Unitária, Pluralística e Dualista.
2.3.1. TEORIA UNITÁRIA
Conhecida também por Teoria Igualitária ou Monística, para tal teoria não
haveria distinção qualquer entre autor, co-autor e partícipe, dessa forma sendo
considerado como autor, qualquer um que concorra para o crime. Com origem no
Código Penal Italiano, essa teoria coloca até mesmo a figura do partícipe como
coautor respondendo este último pela totalidade do evento delituoso.
Segundo ROMEU FALCONI:94 “para a teoria monística ou unitária o delito é
único e igual para todos os concorrentes e cada conduta constitui parte integrante do
todo (fato criminoso)”.
Traçando dessa forma um conceito unitário formal de autor, ele tem como
fundamento a teoria da equivalência dos antecedentes causais, a qual determina
que toda a causa, ou seja, ação ou omissão que de alguma forma influiu ou
colaborou para a produção do resultado, leva à responsabilização do agente.
Ocorre que com a reforma da parte geral do Código Penal, em 1984, com o
advento da Lei n. 7.209 de 11 de julho, a referida teoria continuou sendo adotada,
todavia, passando a considerar a essencial diferença estabelecida entre a figura do
autor e partícipe, atenuando o rigor imposto pelo instituto encontrado em seu texto
originário de 1940.
Para PAULO JOSÉ DA COSTA95, o legislador reformador de 1984
permaneceu adotando, como regra, a Teoria Monística, de forma a determinar que
todos os participantes de uma infração penal incidem nas sanções de um único e
mesmo crime e, excepcionalmente, a Teoria Dualista, abrandada, assim distinguindo
a atuação de autores e partícipes. Com isso, permitiu uma adequada dosagem na
94
FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. P. 239. 95
COSTA JR., Paulo José. Comentários ao Código Penal. Parte Geral. P. 232.
57
aplicação da pena, de acordo com a efetiva participação e respectiva eficácia causal
da conduta de cada partícipe, na medida da culpabilidade perfeitamente
individualizada.
Dessa feita, a introdução da expressa “na medida de sua culpabilidade”
na parte final do art. 29 do Código Penal pela lei reformadora de 1984 limitou a
possibilidade, com a pura aplicação da teoria monística, de excessos que,
eventualmente, poderiam surgir com uma interpretação literal e extremada, o que
para alguns autores foi considerada a adoção de uma teoria unitária temperada96.
2.3.2. TEORIA DUALISTA
Para esta teoria, com a ocorrência de um delito, pode manifestar-se a
existência de dois delitos, estabelecendo uma distinção entre a chamada
participação primária e a participação secundária, esta última sendo punida, porém,
com menor intensidade.
Contudo, apesar dessa concepção dupla, o crime continua sendo um só, e,
muitas vezes, a ação daquele que realiza a atividade típica (o executor) é menos
importante que a do partícipe. Entretanto, a atividade consagra dois planos de
condutas, um principal, a dos autores ou co-autores, e um secundário, a dos
partícipes, conforme preleciona CEZAR ROBERTO BITENCOURT97.
2.3.3. TEORIA PLURALISTA
Com uma ótica diferente das demais, a teoria Pluralista traz uma ideia
diferente quanto ao concurso de pessoas e suas possibilidades. Ela trata a
participação como autoria, ou crime autônomo.
Segundo essa teoria, em se tratando de concurso de pessoas, não ocorre
apenas pluralidade de pessoas, mas também de crimes. Dessa forma, a cada um
dos concorrentes corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico
96
MESTIERE, João. Teoria elementar do Direito Criminal. Parte Geral. Rio de Janeiro. Editora do Autor. 1990. P. 253. Apud. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral I. 15. Ed. rev., atual., e ampl. São Paulo. Saraiva. P. 482. 97
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: Parte Geral I.P. 481.
58
próprio, um resultado próprio, devendo-se, assim, concluir que cada um responde
por delito próprio autônomo. Há pluralidade de pessoas e pluralidade de crimes.
Outrossim, considera cada um dos participantes como responsável por um delito
próprio e punível em harmonia com seu significado anti-social. É uma teoria
subjetiva, ao contrário da unitária, que é objetiva, segundo afirma DAMASIO
EVANGELISTA DE JESUS98.
Assevera no mesmo sentido EDGARD MAGALHÃES DE NORONHA99, ao
dizer que a Teoria Pluralística sustenta que cada um dos concorrentes pratica um
crime próprio, sendo eles autônomos e distintos. Não há, para essa teoria,
participação, mas sim simultaneidade de delitos.
Nesse sentido, é possível afirmar que, de acordo com essa teoria, cada
partícipe pode ser considerado de forma autônoma, na qualidade de autor,
praticante do crime ou ainda tal participação poderia resultar de delito sui generis.
Segundo alguns autores, seria possível considerar a ação do partícipe como
elemento de um crime que subsiste por si só, o qual poderia ser denominado como
delito de concurso.
2.3.4. TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E A SUA
EXCEÇÃO
As duas teorias mais festejadas são, respectivamente, a Unitária e a
Pluralística, todavia, destaca-se como a mais presente nas legislações penais e a
mais procedente a primeira.
A nossa legislação penal atual, claramente, adotou a Teoria Unitária ou
Monística, conhecida também por NELSON HUNGRIA100 como “cumplicidade-
causa” e asseverava que “o resultado é uno e indivisível e como todos os seus
antecedentes causais, considerados in concreto, se equivalem, segue-se
logicamente que é atribuível na sua totalidade”. No entanto, existem casos onde o
legislador acatou a Teoria Pluralística, na qual a conduta do agente ainda que
atuando de forma conjunta, constitui crime diverso. Dessa forma, prevê um crime
98
JESUS, Damásio Evangelista de. Da co-delinqüência em face do novo código penal. P. 16 e 17. 99
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol. I. P. 211. 100
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. Tomo 2º. Arts. 11 a 27. P. 391.
59
para o autor e outro destinado ao partícipe, descritos de forma autônoma,
independentes uns dos outros.
Como exemplos podem ser citados, respectivamente, os arts. 124 e 126 do
Código Penal, in verbis:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. [...] Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Observa-se que, no art. 124, em sua segunda parte, encontra-se a descrição
daquela que consente que com ela fosse praticado o aborto por terceiro. Por outro
lado, encontra-se no art. 126 a descrição típica da conduta daquele que pratica, ou
executa o aborto em outrem. Assim, se não existisse a descrição do art. 126, estaria
concorrendo-se às penas descritas no art. 124 do Código Penal.
Outro exemplo que constata a presença excepcional, da Teoria Pluralística
fica a cargo do art. 217-A e o art. 218, ambos descritos no Código Penal, in verbis:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. [...] Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Aquele que pratica a conjunção carnal com menor de 14 (quatorze) anos fica
sujeito ao rigor da pena imposta pelo art. 217-A enquanto que aquele o qual e
simplesmente induz o mesmo menor de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia de
outra pessoa, o que pode vir a ocorrer por meio da conjunção carnal ou outro ato
libidinoso, fica sujeito à benesse encontrada no trato pelo art. 218 do mesmo
estatuto repressivo. Nota-se que se não existisse o art. 218, o agente que levasse o
menor de 14 (quatorze) anos para ser explorada sexualmente, seria tido como co-
autor daquele que praticasse a conduta do artigo 217. Ressalta-se que existem
outros exemplos em nossa legislação, dessa forma não sendo absoluta a aplicação
da Teoria Unitária em nosso ordenamento jurídico penal.
60
3. AUTORIA E COAUTORIA
3.1. TEORIAS ACERCA DA AUTORIA
É de extrema importância para o instituto do concurso de pessoas que se
estabeleça a diferença entre o chamado autor, coautor e o partícipe, os dois últimos
em sentido estrito, estabelecendo um marco, para que se possa aferir a sua
responsabilidade e consequente punição, se for o caso.
DÉBORA MOTTA CARDOSO101, dissertando sobre o assunto disse que: “o
conceito de autor antes de ser um conceito legal, jurídico, é um conceito real,
ôntico”. Esclarece ainda que: “o conceito de autor ou partícipe é utilizado
cotidianamente, todavia é conceito pré-jurídico, ou seja, existe na realidade, de onde
é extraído e transportado para o campo do direito”.
Todavia, o conceito de autor extraído do mundo não jurídico deixa uma
grande lacuna para efeitos jurídicos, que pode gerar, no caso concreto, a
impunidade do agente que participou da ação criminosa.
Nessa esteira, CEZAR ROBERTO BITENCOURT assevera que o conceito
de autoria não pode ser reduzido àquele que pratica pessoal e de forma direta a
conduta criminosa, mas deve, notadamente, abarcar ainda quem se serve de outros
como “instrumento”, como seria o caso da conhecida autoria mediata. De toda sorte,
o autor ainda pronuncia ser possível, igualmente, que mais de uma pessoa pratique
a mesma infração penal, ignorando que colabora na ação de outrem, hipótese
conhecida por todos como autoria colateral, ou então, aquele que consciente e
voluntariamente, coopera na ação criminosa, quer seja por praticar atos de
execução que significaria a coautoria, quer induzindo, instigando, ou auxiliando, o
que restaria a participação na efetivação de uma conduta punível. Segundo esse
autor, diferentes teorias procuram definir o conceito de autor.
Para tanto, será necessário investigar as teorias desenvolvidas por alguns
doutrinadores e estudadas por inúmeros penalistas ao longo dos tempos, visando
evitar excesso e injustiças e por outro lado a impunidade, como se vê a seguir.
101
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 39.
61
3.1.1. CONCEITO UNITÁRIO OU IGUALTÁRIO
Para essa teoria, o conceito de autor pode ser extraído, levando-se em
consideração, ou melhor, adequando-se a questão do concurso de agentes com a
relação de causalidade. Nesse caso, no Brasil, adéqua-se o primeiro à Teoria da
Equivalência dos antecedentes causais, denominada também como conditio sine
qua non102. Dessa forma, será considerado como autor de um determinado fato
típico, todo aquele que intervir no fato delituoso, não se distinguindo, dessa forma,
autores de partícipes, uma vez que toda a condição considerada aqui como causa
para que o resultado realize-se, verificar-se-á com a existência de uma ação capaz
de dar causa a certo resultado.
Nesse sentido, colabora ANIBAL BRUNO103 ao dizer que foi admitida pelo
Código, na explicação do nexo causal, a equivalência das condições. Cada condição
é uma causa, e todo indivíduo, só por haver posto uma condição é uma causa, e
também, só por haver posto uma condição para o resultado, assume a posição de
autor.
Ao optar por tal teoria, o legislador justificou-se na própria Exposição de
Motivos do Código de 1940 ao dizer que:
O projeto aboliu a distinção entre autores e cúmplices: todos os que tomam parte no crime são autores. Já não haverá mais diferença entre participação principal e participação acessória, entre auxílio necessário e auxílio secundário, entre a societas criminis e a societas in crimine. Quem emprega qualquer atividade para a realização do evento criminoso é considerado responsável pela totalidade dele, no pressuposto de que também as outras forças concorrentes entraram no âmbito da sua consciência e vontade. Não há nesse critério de decisão do projeto senão um corolário da teoria da equivalência das causas, adotada no art. 11. O evento, por sua natureza, é indivisível, e todas as condições que cooperam para sua produção se equivalem. Tudo quanto foi praticado para que o evento se produzisse é causa indivisível dele. Há, na participação criminosa, uma associação de causas conscientes, uma convergência de
102
A teoria da conditio sine qua non é a teoria adotada pelo direito penal brasileiro quanto à relação de causalidade, tendo sido positivada, atualmente no artigo 13 do código penal que diz: O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Essa teoria considera como causa qualquer condição que venha a colaborar com o evento, qualquer fato que se retirado do quadro de acontecimentos mudaria o resultado é considerada causa. Não é, portanto causa se ausente o fato permanecesse o resultado em, outras palavras, se o efeito for independente do fato, este não é causa segundo a teoria. 103
BRUNO, Anibal. Direito Penal, Parte Geral. Tomo II. P. 258.
62
atividades que são, no seu incindível conjunto, a causa única do evento e, portanto, a cada uma das forças concorrentes deve ser atribuída, solidariamente, a responsabilidade pelo todo.
Nesse sentido, preleciona NELSON HUNGRIA104 que, com a adoção da
Teoria Monística, o nosso Código rompeu com a tradição que remontava ao Código
Imperial, abolindo inteiramente as distinções entre participação primária (correato) e
participação secundária (cumplicidade), entre participação moral e participação
material, entre cúmplices necessários e não necessários.
DÉBORA MOTTA CARDOSO105 assinala que para essa concepção, surgida
nos primeiros decênios de vigência do Código Penal alemão, não há diferenças
entre autores e partícipes. O Positivismo Naturalista, dominante à época, submetia
as ciências penais à causalidade, sendo o entendimento unânime de que os
fenômenos jurídicos reduziam-se aos cursos causais. Daí porque fala-se na doutrina
alemã em teorias causais da autoria.
Assim, diversos autores alemães como Von Bar, Von Buri e Von Lizt,
versavam nesse sentido, afirmando que a doutrina da participação teria como base
científica a doutrina da causalidade, não existindo diferença substancial entre a
figura do autor e a do participe bastando, para ser considerado autor, que o agente
praticasse qualquer ação considerada como causa e que colaborasse para com a
produção do resultado, conforme afirma DEBORA MOTTA CARDOSO106.
Essa concepção unitária ou igualitária, segundo alguns autores como
ANIBAL BRUNO e HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, é a teoria correta, uma vez que
se o concurso de pessoas está dirigido a um determinado resultado, o crime seria
um só.
Em outro sentido, encontra-se JOHANNES WESSELS107 o qual destaca
que: “o critério decisivo da autoria unitária é unicamente a causalidade: a espécie e
o significado da contribuição só vigoram no setor da aplicação da pena. Para o
Direito Penal, com suas conseqüências jurídicas incisivas, não é adequado este
principio do autor unitário devido à sua medida exagerada”.
104
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. Tomo 2º. Arts. 11 a 27. P. 394. 105
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 41. 106
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 41. 107
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 115.
63
É de todo oportuno destacar, após a leitura do autor supracitado, que tal
teoria trata com extremismo a questão do concurso de agentes a qual foi adotada
por diversas legislações, inclusive pela nossa. De toda sorte, o texto que constava
do art. 25 do Código Penal dizia que “quem, de qualquer modo concorre para o
crime incide nas penas a este cominadas” e não distinguia autor de partícipe.
Todavia, a adoção da conditio sine qua non, pela mesma codificação colaborou para
diminuição dos excessos propiciados pela descrição do referido artigo.
Muito embora com a adoção da Teoria Unitária ou Monista pelo Código
Penal de 1.940 não houvesse uma distinção que trouxesse a atribuição de
responsabilidade pela prática de um delito com exatidão para os seus co-autores e
eventuais participantes, com a reforma penal brasileira em 1.984 estes estavam
sujeitos às mesmas penas, abstratamente falando. Todavia, estas ainda seriam
objeto de apreciação pelo magistrado, o qual fixaria a respectiva pena in concreto a
depender da culpabilidade de cada agente envolvido na pratica do delito, ao analisar
a reprovabilidade de cada conduta.
Tal inovação em relação a regra generalizadora é considerada por RENÉ
ARIEL DOTTI108 como uma verdadeira proclamação de princípio, que ilumina todo o
quadro do concurso, e introduz uma autêntica cláusula salvatória contra os
excessos, que poderia levar uma interpretação literal e radicalizante do dispositivo o
qual fora superado constante da redação do antigo art. 25 oriundo do Código Penal
de 1.940.
Nessa esteira, o legislador aproximou algumas teorias como a Unitária e
a Dualista quando alterou o texto, na reforma dos §§ 1º, que diz: “Se a participação
for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço” e do §
2º que diz: “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-
lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de
ter sido previsível o resultado mais grave.” Aqui, literalmente, fez-se distinção sobre
a figura dos concorrentes coautores e partícipes.
108
DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. P. 98
64
3.1.2. CONCEITO EXTENSIVO
O conceito extensivo de autor fundamenta-se na causação do resultado:
autor é quem dá causa ao evento. Assim, em princípio, é autor quem, realizando
determinado comportamento, causa a modificação do mundo externo. Não é
somente quem realiza as características do tipo penal, mas também aquele que, de
qualquer maneira, contribuiu para a produção do resultado conforme diz DAMASIO
EVANGELISTA DE JESUS109.
Nessa esteira, essa teoria que se fundamenta também na teoria da conditio
sine qua non preconiza que todos os que colaboram para a produção de
determinado resultado são considerados como autores, sendo certo que se
incluiriam em tal condição aqueles que colaboram de forma significativa ou não, ou
até mesmo aqueles que tenham praticado a priori condutas atípicas.
Segundo JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI110, os estudiosos que defendem
essa teoria entendem como autores todos os que de alguma forma intervirem na
produção do resultado delituoso, dependendo o conceito de autor de um
componente subjetivo.
Nesse contexto, elucida com sua lição NELSON HUNGRIA111 dizendo que:
“coautor é o que procede animo auctoris, isto é, o que quer o fato como próprio, ou
no seu próprio interesse, ou incondicionalmente (isto é, sem subordinação ao
interesse de outrem); enquanto o cúmplice que o fato animo socci, ou seja, como
fato de outrem ou no interesse alheio, ou condicionalmente (isto é posto que o autor
o quer)”
É de todo oportuno destacar que tal concepção, ressaltada por essa teoria, é
de extrema preocupação, uma vez que a distinção entre autor e partícipe residiria na
vontade e na intensidade de como participar, ou seja, no reconhecimento como
autor, daquele que tem animus de autor (vontade de ser autor). Por conseguinte,
responsabilizaria como partícipe, aquele que tem animus de colaborar ainda que
fosse de menor importância a sua participação ou que atuasse com alguma conduta
que destacada, parecer-nos-ia atípica.
109
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. P. 449. 110
PIERANGELLI, José Henrique. O Concurso de pessoas e o novo Código Penal. RT 673/262. CARDOSO, Apud. Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2001. P. 39. 111
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I. Tomo 2º. Arts. 11 a 27. P. 388.
65
Outro crítico dessa teoria, CEZAR ROBERTO BITENCOURT112 destaca que
“a teoria extensiva de autor vem unida à teoria subjetiva de participação, que seria
um complemento necessário daquela”. Segundo essa teoria, é autor quem realiza
uma contribuição causal do fato, seja qual for seu conteúdo, „com vontade de autor‟,
enquanto é partícipe quem, ao fazê-lo, possui unicamente „vontade de partícipe‟. O
autor quer o fato como „próprio‟, age com animus auctoris; o partícipe quer o fato
como „alheio‟, age com animus socii.
Sobre o assunto, assim se expressou EDMUND MEZGER113: “No es
suficiente el „deseo del autor‟ o su declaración de querer el hecho solamente como
de outro. Aquí no es él que juzga, sino el ordenamiento jurídico. Lo que interesa es
el „sentido objetivo‟ del autor lo que éste realiza voluntariamente”.114
Assim sendo reside aqui o perigo da adoção de tal teoria. Imagine-se que o
autor pratique certa conduta e aquele que o assessora outra; no plano concreto
(material), seria muito difícil distinguir, de forma precisa, a real intenção ora do autor,
ora dos demais colaboradores indiretos (partícipes), somente pautados no elemento
volitivo, ou seja, na manifestação de suas vontades.
Por fim, como se verifica, a Teoria Extensiva, situando-se na faixa da
causalidade, alarga o conceito de autor para com base na conditio sine qua non,
incluir, na conceituação, todos aqueles que contribuem, com qualquer parcela
causal, para o surgimento do resultado, conforme afirma ANTÔNIO JOSÉ FABRÍCIO
LEIRIA115 destacando ainda que, dessa forma, desaparece qualquer distinção entre
autor e cúmplice.
Em sentido contrário a esse entendimento e a seu respectivo
posicionamento, encontra-se doutrina definitivamente antagônica, com a idéia
restritiva de autor.
112
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. I. 6ª ed. São Paulo. Saraiva. 2000. P. 380 e 381 Apud. MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A Autoria no Código Penal e a Teoria do Domínio do Fato. Caderno Jurídico. Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – Ano I. Nº 1. Abril de 2001. 113
MEZGER, Edmund. Derecho Penal. Parte General. 2ª ed. México. Cardenas. 1990. P.307 Apud. MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A Autoria no Código Penal e a Teoria do Domínio do Fato. Caderno Jurídico. Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – Ano I. Nº 1. Abril de 2001. 114
Não é suficiente o "desejo do autor" ou sua declaração de querer só fazer como Outro. Aqui ele não está julgando, mas o sistema legal. O que importa é o "significado objetivo" do autor que ele fez voluntariamente. 115
LEIRIA, Antônio José Fabrício. Autoria e participação criminal. P. 85.
66
3.1.3. CONCEITO RESTRITIVO DE AUTOR
Em sentido contrário à Teoria Subjetivo-Causal ou simplesmente Extensiva,
surge a Teoria Restritiva que concerne também o conceito de autor e, de certo
modo, colabora para a discussão acentuando o debate, de certo que não será a
perfeição para colabora para a busca de respostas quanto a responsabilidade no
concurso de pessoas.
Nesse sentido, verifica-se que o conceito de autor para essa teoria
contemplaria, em síntese, aquele que realiza de fato a conduta típica descrita
expressamente definida em lei, ou seja, o agente que pratica o verbo núcleo do tipo
consubstanciado, em seus elementos objetivos que o constituem. Assim, considerar-
se-á como autor aquele que falsifica, subtrai, mata, estupra, coage, entre outros
atos.
Nesse aspecto, destaca HELENO CLÁUDIO FRAGOSO116 que autor é
quem realiza diretamente a ação típica, ou quem a realiza através de outrem, nos
casos da chamada autoria mediata. E completa ainda esse autor que partícipe, em
sentido amplo, é todo aquele que, de qualquer forma, concorre para a realização da
conduta delitiva e, em sentido estrito, seria todo aquele que, sem realizar a conduta
típica, contribui para a ação típica de outra pessoa.
Afirma CEZAR ROBERTO BITENCOURT117 que para essa teoria, ao
contrário do conceito extensivo de autor, nem todo aquele que interpõe uma causa
realiza o tipo penal, pois “causação não é igual a realização do delito”. Dessa forma
são as espécies de participação instigação e cumplicidade, nessa acepção, “causas
de extensão da punibilidade”, uma vez que, por não integrarem a figura típica,
constituiriam a priori comportamentos impuníveis.
De toda a sorte, conforme visto, para os adeptos dessa teoria, a participação
distinta das condutas típica praticadas pelos autores não seria alcançada pela norma
penal, caso não existisse uma norma que, de forma expressa, atribuísse-lhe a
devida responsabilidade. Outrossim, em nosso Código Penal em vigor, existe
previsão expressa que evitaria, a princípio, a impunidade daquele que, efetivamente,
não praticasse a figura descrita nos tipo penal, diz o art. 31 in verbis:
116
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. P. 270 117
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. P. 485.
67
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
Assim, o agente que ajusta, acorda, instiga ou auxilia de qualquer forma
outro a praticar condutas delituosas, está fadado a responder pelos mesmos crimes,
desde que não seja sua conduta, elemento objetivo de outras, como, por exemplo,
no caso do delito constante do artigo 288118. É necessário lembrar que, se por tal
instigação ou auxilio, o delito não atingir a esfera da execução, mesmo configurando
a hipótese de tentativa, não será punível.
Por fim, tem-se que realçar que tal teoria, por si só, não responderia
satisfatoriamente a certas questões de ordem prática, levando em conta que autor
seria somente aquele que pratica, literalmente, o verbo nuclear do tipo penal.
Imaginemos que não seria considerado a priori como autor o “cabeça” de
determinada quadrilha que praticasse diversas atividades delituosas, sendo que, ele,
simplesmente organizaria as ações e controlaria o seu desenvolvimento, sem atuar
diretamente, sem praticar de fato qualquer verbo descrito no tipo penal.
Para alguns autores, realizar a conduta típica é objetivamente distinto de
favorecer a sua realização. Nesse diapasão, deduz-se que autores e partícipes
devem ser distinguidos por meio de critérios objetivos, como veremos, a seguir, na
Teoria Objetiva-Formal e na Teoria Objetiva-Material.
3.1.3.1. TEORIA FORMAL-OBJETIVA
Esta teoria tem como conceito de autor aquele que realiza a ação executiva
ou conhecida por alguns autores com a principal119 do delito, a ação típica. Nesse
condão, é mister ressaltar que, para essa corrente, o partícipe seria aquele indivíduo
que não executasse a figura típica e que, sua conduta constituísse, tão-somente,
uma prévia ação ou meros atos preparatórios. Segundo MARIANA TRANCHESI
118
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. 119
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. P. 60.
68
ORTIZ120: “A teoria teve sua origem na Alemanha do início do século XX, onde foi
predominante até a década de 1930, quando entrou em declínio”.
Até recentemente, foi esta a teoria que predominou na Alemanha do século
XIX, (quando então cedeu espaço a Teoria do Domínio do Fato). Ela foi muito
prestigiada, também, entre os autores italianos como Pietro Nocito e Giuseppi
Bettiol. Na Espanha, também, é a teoria dominante. No Brasil, ainda é a teoria
preponderante entre diversos autores, tais como JOSÉ SALGADO MARTINS121 que
assevera “diz-se autor do delito aquele que, havendo-o concebido, leva-o a termo de
execução, realizando, com seu comportamento, a ação típica e, ao mesmo tempo,
querendo-a como ação ilícita”.
Levando-se em consideração tal teoria, é possível afirmar que a autoria tem
aqui, por base, a realização do tipo penal e não a mera causação do resultado.
Dessa forma, esclarece BEATRIZ VARGAS RAMOS dizendo que:
O critério formal-objetivo não despreza a causalidade e, é evidente, não prescinde da culpabilidade como um dos fundamentos da imputação, pois a ausência destes requisitos descarta, desde logo, a possibilidade de qualquer forma relevante de ação. O que faz a concepção formal-objetiva é destacar, para a construção do conceito de autoria, o elemento formal da conduta.
A autora ainda completa asseverando:
Há uma diversidade de forma entre a atividade desempenhada pelo autor e aquela desenvolvida pelo partícipe, quando cotejadas com a imagem diretriz traçada no tipo penal. A conduta do partícipe, por si só, não é típica. Emprestar uma arma para um homicídio ou convencer uma pessoa a praticar um homicídio ainda não é “matar alguém”, para os efeitos do art. 121, do Código Penal brasileiro.
Destarte, a adoção de tal teoria não se amolda, perfeitamente, no trato do
instituto da autoria e participação, no que tange à responsabilidade de cada agente,
deixando, diversas questões ainda a serem respondidas, segundo alguns autores.
Entre os críticos, encontramos ENRIQUE BACIGALUPO122 o qual afirma
que: “a teoria formal-objetiva não responde a todas as perguntas, bem como, não
120
ORTIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. São Paulo. IBCCRIM. 2011. P. 61. 121
MARTINS, José Salgado. Direito Penal: Introdução e Parte Geral. P. 268. 122
BACIGALUPO, Enrique. Direito Penal. Parte Geral. P. 448.
69
traz uma solução satisfatória aos casos em que o agente se vale de outra pessoa
para executar a conduta típica (é o caso da chamada autoria mediata, onde um
agente se serve de terceiro para a pratica do delito)”. Se para que seja considerado
como autor é necessário a pratica do verbo descrito na conduta, como explicar este
instituto diante de tal circunstância?
Completa ainda o autor que o desenvolvimento da Teoria do Delito terminou,
de certa forma, com a possibilidade de uma concepção puramente objetiva de
autoria, dando lugar no tipo penal a elementos subjetivos do tipo.
Outra crítica a ser destacada quanto a essa teoria é que, se autor para ela é
aquele que pratica o verbo nuclear do tipo penal, quem realizará a conduta típica,,
num caso de homicídio, onde um agente “A” dispara a arma de fogo na direção da
vítima “B”, que era segurada por “C” para que “A” efetuasse o disparo? É latente a
dificuldade para responder a algumas questões como essa, diante do estreitamento
da definição de autor.
Por fim, outra crítica a essa teoria em análise, seria no sentido de que,
imaginando-se que um indivíduo tenha arquitetado uma ação delituosa e tenha-a
entregado a um terceiro, que a executou, o primeiro, que imaginou ou idealizou
esse, crime seria punido, como partícipe e não como autor, uma vez que não
praticou a conduta.
A Teoria Formal-Objetiva, a qual preponderou na jurisprudência até 1930, foi
considerada muito limitada, estreita e está, atualmente, suplantada. Seu ponto fraco
situa-se no fato de que não se esclarece a figura jurídica da autoria mediata e ainda,
está incapacitada de conglomerar como co-autor, em caso de cometimento conjunto
do fato, o chefe de quadrilha que permanece atuando nos bastidores123.
3.1.3.2. TEORIA MATERIAL-OBJETIVA
Como ocorre especialmente nos delitos de resultado, muitos tipos penais
não destacam com clareza a descrição típica, como no caso de delito de homicídio
constante em nossa legislação no art. 121 do Código Penal.
123
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 118.
70
E nesse contexto, a Teoria Material-Objetiva surge com o objetivo de suprir
as deficiências apresentadas pela Teoria Formal-Objetiva, segundo CEZAR
ROBERTO BITENCOURT124, considerando a maior periculosidade que deve
caracterizar a contribuição do autor em relação a empregada pelo partícipe. Dessa
forma, passando a considerar a colaboração do autor em relação a do partícipe
objetivamente, em grau de importância.
Nos dizeres de ENRIQUE BACIGALUPO125 as Teorias Material-Objetivas
orientam-se, em geral, por pautas objetivas, mas procuram estabelecer o sentido da
intervenção de várias pessoas atendendo a critérios de conteúdo. Isso quer dizer,
que vão além da forma mesma do comportamento. O autor ainda completa seu
parecer ao dizer que as referidas teorias mais antigas procuram uma distinção
baseada em diferenciações dentro da causalidade.
Em que pese não ter adotado pura e simplesmente tal teoria, o Direito Penal
brasileiro prestigiou seu valor em uma causa de diminuição de pena, presente no
seu art. 29, § 1º, Código Penal in verbis:
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
Assim, a conduta daquele que fornece uma arma pode ser considerada tão
causal quanto a daquele que fere outra pessoa. Tal diferença não pode ser ignorada
pelo operador do direito, devendo o mesmo apreciar o caso de forma valorativa.
Levando-se em consideração que será considerado como autor, aquele
partícipe que revelar uma conduta de maior relevo dentro do processo de
desenvolvimento do delito, ele poderia, em tese, ser considerado como autor.
Contudo tal teoria sofreu diversas críticas, entre as quais destacam-se as
palavras de SANTIAGO MIR PUIG126 que diz: “a remissão a uma fórmula vaga como
a „maior importância objetiva‟, a „maior periculosidade objetiva‟ etc., de pouco serve
como critério delimitador entre autoria e participação”.
Nesse contexto, é de todo oportuno lembrar que o autor protesta que não se
pode obter, no terreno objetivo da causalidade, uma distinção precisa entre causa e
124
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. P. 485. 125
BACIGALUPO, Enrique. Direito Penal. Parte Geral. P. 451. 126
MIR PUG, Santiago. Direito Penal. Fundamento e teoria do delito. P. 335.
71
condição ou ainda entre causas mais ou menos importantes. A doutrina, em geral,
admite que todas as condições são igualmente causais, conforme a Teoria da
Equivalência dos Antecedentes.
Convém ressaltar que essa Teoria Material-Objetiva foi abandonada pela
doutrina alemã de vanguarda.
3.1.3.3. TEORIA SUBJETIVA DA PARTICIPAÇÃO
Diante do insucesso das teorias objetivas, no que tange a codelinquência,
procurou-se, no lado subjetivo do delito, o fundamento da autoria, o qual seria
encontrado em realidades puramente internas ou psíquicas, verificando-se a
vontade, a intenção, os motivos, o interesse, as atitudes anteriores do criminoso,
enfim o que de fato estabeleceria a distinção entre os conceitos de autoria e
participação de forma substancial127.
Para essa Teoria Subjetiva da Participação128, que adota um critério
eminentemente subjetivo, a distinção entre autores e partícipes dar-se-ia ao
verificar-se que o autor atua com o chamado aninus auctoris, ou seja, vontade de
ser autor, desejando como própria a ação delitiva (teoria do dolo) 129 ou ainda,
buscando a satisfação de um interesse pessoal (teoria do interesse), enquanto o
partícipe atua com o chamado animus socci, desejando tão somente a ação como
alheia, instigando ou auxiliando de qualquer outra forma.
SANTIAGO MIR PUIG130 corrobora ao dizer que “no entanto, a necessidade
de uma distinção puramente subjetiva entre autoria e participação encerra
127
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais a doutrina geral do crime. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais: Coimbra Editora. 2007. P. 764. 128
Aqui o termo participação é posto lato sensu, o que equivaleria a intervenção criminosa, o que se distingue assim, da chamada participação strictu sensu, o que como a autoria, constitui forma de contribuição à ação criminosa. 129
Assim como as teorias objetivas, a teoria do dolo remonta ao começo do século XIX. Todas as suas variações distinguem entre a vontade do autor e a vontade do partícipe. Contudo a maior parte dessas teorias renuncia a aprofundar a diferença entre essas vontades, de maneira que não restam esclarecidos quais os resultados práticos dessa delimitação. Essas teorias subordinam a vontade do partícipe à do autor, partindo da premissa de que o partícipe se faz dependente do autor ao deixar a execução do fato a critério desse. [...] A distinção entre autores e partícipes em função do interesse resume-se na seguinte fórmula: cúmplice não pode ter interesse independente na causação do resultado. CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 52 a 54. 130
MIR PUG, Santiago. Direito Penal. Fundamento e teoria do delito. P. 332.
72
„inconvenientes político-criminais‟“. Essa teoria foi acolhida por parte dos Tribunais
alemães, o que foi muito criticado pela doutrina. De fato, com tal posicionamento,
foram produzidas decisões, no mínimo, incoerentes frente à realidade, em
oportunidades em que os Tribunais puniram como meros participes sujeitos que
realizaram por si mesmos todos os elementos do tipo, enquanto consideraram
autores pessoas que não intervieram materialmente no fato.
A título de exemplo elencam-se dois casos: no primeiro, foi condenado como
cúmplice, e não como autor, um sujeito que havia matado uma criança recém-
nascida a pedido e em interesse da mãe. E no segundo, um agente russo, a quem o
serviço secreto soviético encomendara a morte de dois dirigentes políticos exilados,
assassinados nas ruas de Munique com tiros de arma de fogo desferidos pelo
agente, que foi condenado como mero cúmplice, por entender que havia ausência
de interesse e vontade própria no evento morte.
SANTIGO MIR PUIG131 completa ainda esse entedimento quando diz que:
“em relação à jurisprudência alemã, também influiu decisivamente nesta questão o
problema dos delinquentes nazistas, muitos dos quais se considerou necessário
condenar como autores pelo fato de terem dado as ordens, enquanto aqueles que
os obedeceram foram condenados como cúmplices”.
Nesse aspecto, deixa registrada sua crítica a tal teoria FRANCISCO MUÑOZ
CONDE132 “una de lãs principales críticas contra esta teoria es que permite calificar
como mero cómplice a un sujeto responsable que realiza todos los actos ejecutivos,
renunciándose de esta forma a los criterios objetivos definidos en la ley (que no
prescinde del aspecto material de la contribución al delito), a favor de otros criterios
subjetivos, vagos y de difícil prueba”.
Muito embora tenha tido no Brasil um grande defensor, Nelson Hungria, não
teve muitos adeptos. Por outro lado teve um destaque considerável na Europa,
sobretudo na Alemanha, onde suas ideias foram recepcionadas pelo Tribunal do
131
MIR PUG, Santiago. Direito Penal. Fundamento e teoria do delito. P. 332. 132
Uma das principais críticas desta teoria é que para se qualificar como um mero cúmplice uma pessoa responsável que executa todos os atos executivos, abandonando, assim, os critérios objetivos definidos na lei (que não ignora o aspecto material da contribuição para o crime) em favor de outros critérios subjetivos, vago e difícil de provar. (MUÑOS CONDE, Francisco e BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito. P. 523. Traduzido livremente para o português)
73
Império e pelo Tribunal Supremo133, corrente esta defendida por ardentes partidários
como Von Buri, Edmund Mezger, Köhler, e Richard Busch134.
3.1.4. OBJETIVO-SUBJETIVA OU FINAL-OBJETIVA (TEORIA DO DOMÍNIO
DO FATO)
A Teoria do Domínio do Fato, amplamente difundida e vista com simpatia
por grande parte da doutrina estrangeira e nacional, traz em seus conceitos e
argumentações um tratamento diferenciado para a uma questão muito debatida e
pesquisada, porém, até então não pacificada: o concurso de pessoas.
Constituída a partir da Teoria Restritiva, adiciona um critério objetivo-
subjetivo que identifica o autor como sendo aquele que possui o controle final do
fato, conduzindo sob o seu domínio, finalisticamente, o decurso do delito,
determinando sobre a sua prática e decidindo onde, quando e como tudo vai
acontecer. Essa é uma teoria que diferencia de forma incisiva a figura do autor e
partícipe, pautada em princípios relacionados à conduta e não ao resultado.
Sem a pretensão de exaurir o presente tema, ele será desenvolvido no
sétimo capítulo com os demais temas contemporâneos relacionados ao concurso de
pessoas.
3.2. FORMAS DE AUTORIA
Através do presente ponto do trabalho será possível perceber os diferentes
modos como a autoria pode se desenvolver.
A tarefa de distinguir quem é autor e quem é partícipe em um determinado
crime não é tarefa simples, assim como buscar e delimitar os diferentes tipos de
autoria também não o é, pois sabe-se que a autoria vai muito além do conceito
baseado em “autor é aquele que pratica o fato típico”. Não que este não seja um
modo de autoria, mas como será possível observar, ao longo do trabalho, um sujeito
133
ORTIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. São Paulo. IBCCRIM. 2011. P. 50 e 51. 134
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 67.
74
que pode ser considerado autor de um determinado delito sem realizar a conduta
principal descrita em um tipo penal?
3.2.1. AUTORIA DIRETA OU IMEDIATA
Em se tratando da autoria direta, também denominada como autoria
imediata, o autor realiza, materialmente, o fato típico, sendo assim um executor
material e individual da ação ou omissão.
Encontra-se arrimo nos dizeres de ANIBAL BRUNO:
“Autor diz-se em princípio, aquele do qual se pode dizer que matou alguém,
que subtraiu para si ou para outrem coisa alheia móvel etc. É o agente do fato
principal, em volta do qual se podem desenvolver todas as formas de concurso.” 135
Desse modo, são autores, aqueles que executam pessoalmente a conduta
típica, antijurídica e culpável. Esse conceito de autoria é formulado com base na
concepção da Teoria Formal-Objetiva.136
ESTHER DE FIGUEIREDO FERRAZ preleciona:
[...] o executor é a “figura normal” a que se refere a lei quando define os vários delitos. É o que mata; o que ofende a integridade física ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente; o que subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. E assim por diante. De maneira própria e originária o verdadeiro autor de um delito é, assim, o seu executor. Daí porque, dentro da estrutura do concurso assume a execução o caráter de ato “principal”.” 137
A autoria direta é de fácil percepção nos crimes comissivos punidos a título
de dolo, entretanto, nos crimes culposos, apesar de haver divergência doutrinária, é
possível afirmar positivamente a existência da autoria direta na modalidade culposa,
uma vez que, todo aquele que culposamente causar o resultado será autor, pois
qualquer contribuição causal culposa para o resultado significará autoria.138
Nesse sentido, assevera HELENO CLAUDIO FRAGOSO:
135
Direito Penal. Tomo II. P. 265. 136
RAMOS. Beatriz Vargas. Do concurso de pessoas. P. 27. 137
A codelinqüência no direito penal brasileiro. P. 173. 138
BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. P. 79.
75
Nos crimes culposos, como vimos, conduta típica é aquela que viola o dever objetivo de cuidado e é autor todo aquele que, desatendendo a tal dever, causa o resultado antijurídico, qualquer que seja a sua contribuição causal.”139
É importante salientar que a autoria direta em face do domínio do fato elenca
como um dos requisitos, que o autor possua o domínio da ação através da
realização pessoal e dolosa do fato típico. 140
Desse modo, a concepção de autoria direta confunde-se com a execução
pessoal (física) do crime. É possível então afirmar que o autor direto possui o
domínio da ação, uma vez que, este realiza, por si mesmo, os atos executórios,
podendo decidir sobre a interrupção ou continuação do fato criminoso.
3.2.2. AUTORIA MEDIATA
Permeia o conceito de autor mediato grande controvérsia na doutrina, no
que tange à sua existência bem como à sua necessidade. Pode-se afirmar que autor
mediato é a pessoa que pratica a ação, servindo-se de outra pessoa como mero
instrumento para a execução do fato delituoso. Dessa feita, o autor mediato utiliza-
se de um autor imediato para realizar a conduta pretendida.
Entretanto, assevera NELSON HUNGRIA:
[...] o executor irresponsável ou imune de pena não representa mais que um autônomato, uma longa manus, um instrumento passivo, de modo que, sub specie juris, deixa de haver participação, e até mesmo o simples auxiliar (ainda que alheio à execução material do factum principale e sem animus auctoris) passa a ser autor, isto é, autor mediato. É flagrante o artifício. A própria expressão “autor mediato” redunda numa impropriedade: se o executor não é mais que um instrumento passivo, quem dele se serviu é autor imediato, como sê-lo-ia quem praticasse um crime fazendo funcionar um robot. Mas falar-se, na espécie, em instrumento passivo não passa de uma ficção ou metáfora, nem sempre tolerável.141
É latente a crítica de Nelson Hungria no que concerne à Teoria da
Acessoriedade da Participação, afirmando que a autoria mediata não passa de uma
139
Lições de direito penal. Parte geral. P. 271. 140
BATISTA, Nilo. Concurso de agentes. P. 77. 141
Comentários ao código penal. Vol. I. Tomo II. P. 388-389.
76
ficção. É bem verdade que a expressão “autoria mediata” não traz consigo grande
exatidão, pois o executor direto não é propriamente o autor, mas sim um mero
instrumento para a prática de um delito, sendo assim não possui responsabilidade
sobre o ato que está a praticar, mas sim quem dele se serviu.
Nesse sentido, BEATRIZ VARGAS RAMOS pronuncia-se:
“O agente inculpável não é autor, é mero causador material do resultado ou simples sujeito ativo do crime. Se não há um „autor imediato‟ na pessoa do executor não culpável, não podemos nos referir a um “autor mediato” na pessoa daquele que se utiliza do executor para realizar o tipo.” 142
Destarte, o conceito de autor transpõe a idéia de agente que pratica o fato
típico e, através da análise do presente instituto, esse fato torna-se cristalino, pois o
autor direto é uma mera “ferramenta” nas mãos do autor mediato.
Conceda-se que seja considerado autor imediato nos casos de autoria
mediata, o penalmente incapaz, o irresistivelmente coagido, o induzido a erro
essencial de fato e o que venha obedecer a ordem de um superior hierárquico.143
Assim, o autor direto não possui culpabilidade, uma vez que, sua ação não é
culpável e, em contrapartida, o autor mediato, que nesse cenário insere-se como o
idealizador do crime e que deverá responder por este.
Consideramos, porém, que a figura do autor mediato não tem razão lógica suficiente para ser invocada: ou a posição do sujeito que age por via mediata é de tal forma preeminente sobre a daquele que age imediatamente a ponto de anular e absorver sua atividade, ou não é ela, por razões objetivas e subjetivas, capaz de dominar a ação da pessoa que age imediatamente. 144
DAMASIO EVANGELHISTA DE JESUS também nega a existência da
autoria mediata, e vai além, afirmando que, na verdade, o autor mediato é não mais
que um partícipe, pois não se faz necessária que a conduta do executor seja
culpável; basta apenas que a conduta seja típica, para que configure a natureza
acessória da participação.145
142
Do concurso de pessoas. P. 37. 143
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Vol. I. Tomo II. P. 389. 144
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Vol. II. P. 269. 145
Da co-deliqüência em face do novo código penal. P. 39-40.
77
Destarte, acredita-se também que parte da doutrina nega a autoria mediata,
pelo fato de que a própria nomenclatura traz consigo uma concepção equivocada,
uma vez que sugere a existência de um autor imediato punível, quando na realidade
o executor não responde pelo crime.
Em mão inversa, parte da doutrina não apenas reconhece a existência da
autoria mediata como também defende-a. Nesse sentido, JOHANNES WESSELS
manifesta-se:
Autor mediato é quem comete o fato punível „através de outrem‟ e, portanto, realiza o tipo legal de um delito comissivo doloso de forma que, na execução da ação típica, deixa atuar por si um „intermediário‟, na figura de um “instrumento” humano. Falando-se figuradamente, o autor mediato serve-se de “mãos alheias” para o cometimento de um “fato próprio.146
ANÍBAL BRUNO vai além e afirma que:
Fala-se em autoria mediata, quando o agente realiza a ação típica por intermédio de outrem que atua sem culpabilidade. Este sem consciência e vontade juridicamente válidas, à semelhança de um instrumento nas mãos do agente, e então a responsabilidade jurídico-penal se transporta desse executor, incapaz de suportá-la, por faltar-lhe o elemento psíquico da culpabilidade, sobretudo do dolo, ao agente mediato, que é o verdadeiro autor. Somente a este cabe sofrer as consequências penais do fato. 147
Não obstante, a autoria mediata encontra-se em uma linha tênue entre a
autoria direta e a participação por instigação, pois tanto na autoria mediata quanto
na participação por instigação um terceiro é determinado ao direto cometimento do
delito. Entretanto, na autoria mediata, há o que se chama de “abuso do homem não
livre” e por meio desse abuso, o autor mediato controla o curso dos acontecimentos.
Desse modo, na presença dessa manipulação por parte do autor mediato reside o
fundamento material da autoria mediata.148
Adverte GÜNTHER JAKOBS: “Quem converte pessoas em seres sem livre-
arbítrio responde pelo que esses seres possam fazer.” 149
146
Direito Penal. Parte Geral. P.122 147
Direito Penal. P. 267. 148
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. P. 130. 149
Crítica à teoria do domínio do fato. P. 36
78
Vale ressaltar, para a ocorrência da autoria mediata, a ignorância sobre o
fato, ou a falta de vontade do instrumento (autor imediato), ou então uma conduta
coercitiva ou hierárquica por parte do autor mediato em face do autor imediato.
Segundo, HELENO CLAUDIO FRAGOSO:
São numerosas as situações em que ocorrem os casos em que o executor pode atuar sem culpabilidade. Assim, há autoria mediata não só quando o executor atua sem dolo, em virtude de erro, mas também quando atua sob coação irresistível ou é inimputável. Na obediência hierárquica, há, por igual, autoria mediata. 150
Portanto, pode-se perceber, no Código Penal Brasileiro, a existência de
quatro hipóteses de autoria mediata, sendo elas:
a. O erro determinado por terceiro (artigo 20, parágrafo 2º);
b. Os casos de coação moral irresistível (artigo 22);
c. A obediência hierárquica (artigo 22);
d. E por fim, a utilização de uma pessoa impunível em
virtude de sua condição ou qualidade pessoal (artigo 62, inciso
III).
No que tange ao concurso de agente em caso de autoria mediata, assevera
HELENO CLAUDIO FRAGOSO:
“Nesses casos não há concurso de agentes, pertencendo a ação delituosa
integralmente a quem se serve do executor não culpável, que atua como mero
instrumento.” 151
Desse modo, quando da ocorrência da autoria mediata, o executor não é
mais que um instrumento sem consciência ou vontade juridicamente válida,
consequentemente, a responsabilidade jurídico penal sobre o delito transporta-se
para o agente mediato, que é o verdadeiro autor e somente a este cabe suportar os
efeitos penais do fato. E, em tal hipótese, não se pode pensar em concurso de
pessoas,152 isso porque o executor atua sem dolo, ou sem culpa (stricto sensu) e,
150
Lições de Direito Penal. P. 273. 151
Lições de Direito Penal. P. 273. 152
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. P. 267-268.
79
consequentemente, a reponsabilidade sobre o fato penalmente relevante pertence
em sua totalidade ao autor mediato.
3.2.3. COAUTORIA
A coautoria é uma espécie de autoria, porém, trata-se de uma autoria
coletiva. Em termos teóricos pode-se considerar como coautoria a realização
conjunta, por mais de um agente, de um mesmo crime, sendo certo afirmar que a co-
autoria nada mais é do que a autoria, em que cada co-autor é um autor individual.
Ao analisar diversos casos de delinquência coletiva verifica-se que os
diversos agentes se inter-relacionam com vistas a um fim comum, pois as múltiplas
ações causadoras de um resultado aparecem com características de coordenação e
subordinação a um só tempo.153 Dessa forma quanto maior a coordenação entre as
vontades e as ações dos agentes, com certo grau de subordinação mais próximo
estar-se-ia de caracterizar-se a coautoria.
Nesse sentido colabora HANS WELZEL154 o qual afirma que “a coautoria é a
autoria cuja particularidade consiste em que o domínio do fato unitário é comum a
varias pessoas”.
Coautor é quem, de fato, estando em posse das condições pessoais de
autor, e participando da decisão comum do fato, sobre a base dela, coparticipa na
execução do delito. Dessa forma assevera-se que a coautoria está pautada na
divisão de trabalho, na qual cada autor, ao praticar determinadas condutas,
completa com sua contribuição as ações dos demais agentes, sendo, ao final, tais
condutas constitutivas de um crime ou mais, porém todos interligados por sua
finalidade, assim respondendo todos pelos mesmos crimes.155
Vale destacar que na coautoria as ações dos agentes devem ainda estar
revestidas de vontade, ou seja, o animus dos delinquentes devem convergir para o
resultado, não bastando que os mesmos realizem de forma objetiva a conduta típica,
necessitando assim, que a sua conduta seja preenchida pela culpabilidade.
A esse respeito diz DEBORA MOTTA CARDOSO:
153
LEIRIA, Antônio José Fabrício. Autoria e participação criminal. P. 92. 154
WELZEL, Hans. Direito Penal. P. 168. 155
WELZEL, Hans. Direito Penal. P. 168.
80
E mais, ao lado da culpabilidade que deverá ser homogênea, pois se um agente age com dolo e o outro age com culpa está excluída a possibilidade de co-autoria, deve haver um liame psicológico entre os agentes, ambos devem estar unidos no plano da vontade, tornando o crime único, pois de forma diversa cada qual agiria de per se e a situação não seria de concurso.156
Importante destacar que na coautoria não se exige que todos os agentes
pratiquem o mesmo ato de execução do delito, como, por exemplo, que todos
disparem as armas contra a vítima e que, consequentemente esta venha a falecer
em virtude dos ferimentos causados por tais armamentos. Assim como ocorre nos
crimes de ação dupla, como, por exemplo, no roubo, constante do artigo 157 do
Código Penal Brasileiro, quando um dos agentes pratica a violência ou ainda a grave
ameaça contra a pessoa, e seu comparsa subtrai seus valores. Outro exemplo
possível seria no delito de estupro onde um agente emprega a violência ou grave
ameaça enquanto outro mantém com a vítima a conjunção carnal ou outro ato
libidinoso.
Corrobora com essa idéia FRANCISCO VANI BEMFICA157 que diz: “o que
importa é que todos tomem parte do crime, atuando, em conjunto, na execução da
ação típica, de modo tal que cada um deles possa ser chamado de autor”.
Assim, considera-se coautoria a realização conjunta, por mais de uma
pessoa, de uma mesma infração, sendo desnecessária a prévia combinação, como
era exigida pela doutrina clássica, bastando dessa forma a consciência de cooperar
na ação comum.
3.2.4. AUTORIA COLATERAL E AUTORIA INCERTA
Como dito no item anterior, coautor é quem executa, juntamente com outros,
a ação ou omissão que configura o delito. Exemplificando Mario e Gaio, disparando
suas armas, alvejam Irineu, matando-o. Destaca-se que se exige ajuste prévio,
bastando, além dos componentes subjetivos do tipo, a consciência de cooperar na
ação comum. Todavia, se no conjunto da obra faltar essa “consciência de cooperar
na ação”, ou seja, sem que haja a intenção de um agente em colaborar para o
156
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 59. 157
BEMFICA, Francisco Vani. Da teoria do crime. São Paulo. Saraiva. 1990. P. 237.
81
resultado do outro, não há que se falar em concurso de pessoas, mas sim, em
hipótese de autoria colateral ou autoria colateral incerta.
Assim, caso os agentes tenham a mesma intenção, ou seja, matar terceira
pessoa, mas ambos agem separadamente, sem saber um da vontade do outro, não
se vislumbra a hipótese de concurso de pessoas, ainda que exista mais de uma
ação típica, direcionada à produção do mesmo resultado. Nesse sentido, é cristalina
a ausência de um dos requisitos essenciais, qual seja o liame subjetivo, muito
embora possam estar presentes os demais, tais como a pluralidade de condutas, a
relevância causal de cada uma delas e a identidade de infrações para todos os
participantes.
Nesse sentido DEBORA MOTTA CARDOSO destaca que:
Dá-se a autoria colateral quando duas ou mais pessoas, ignorando uma a contribuição da outra, realizam condutas direcionadas à produção de um mesmo resultado, contudo apenas uma delas o alcança, sendo, no entanto, possível no caso concreto individualizar a ação que produziu o resultado para efeitos de aferição de responsabilidade. Não há na autoria colateral, sobretudo, o liame subjetivo exigido para a configuração do concurso de agentes, daí
por que a sua impossibilidade de ocorrência.158
Podemos citar como exemplo, o caso de dois agentes que atuam com a
intenção de matar um terceiro, contudo sem que um saiba da intenção do outro. Eles
se colocam em tocaia e, no momento oportuno, ambos disparam seus rifles, sendo a
vítima atingida por apenas um disparo, vindo a óbito. Diante desse quadro, seria
possível afirmar que cada qual responderá por suas ações. Se for possível identificar
de qual arma partiu o projétil, responde um agente por homicídio qualificado
consumado, e o outro por sua tentativa.
Nesse sentido, encontram-se julgados a exemplo do efetivado pelo Superior
Tribunal de Justiça como segue:
Penal – Coautoria e autoria colateral – Distinção. Policiais militares que, em perseguição a veículo que desobedecera à ordem de parar, desferem vários tiros em direção ao veículo perseguido, um deles atingindo o menor que estava na direção, matando-o. Condenação de todos os policiais, o autor do tiro fatal pela autoria, os demais em coautoria, por homicídio consumado (art. 205, § 1º, do CPM), apesar de ter sido identificado o único projétil
158
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 65.
82
causador da morte como tendo partido da arma do primeiro. Hipótese em que, por ser a perseguição aos fugitivos desobedientes fato normal na atividade de policiamento, não se pode tomá-la como suficiente a caracterizar a necessária unidade do elemento subjetivo dirigido à causacão solidaria do resultado. Assim, nessa hipótese os disparos de arma de fogo devem ser examinados em relação a cada um dos responsáveis por esses disparos, caracterizando-se, na espécie, a denominada coautoria colateral. Como apenas um desses disparos, com autoria identificada, atingiu a vítima, matando-a, o autor do tiro fatal responde por homicídio consumado, os demais, ante a prova reconhecida pelo acórdão de que também visaram a vítima, sem atingi-la, respondem por tentativa de homicídio. Recurso especial conhecido e provido. (STF – Resp. 37.280 – Rel. M. Assis Toledo – DJU de 29/4/1996, p. 13.426)
Seria correto afirmar que, no caso trazido à baila pelo acórdão, se os
policiais tivessem agido abocados pelo liame subjetivo, ainda que o autor do disparo
fatal fosse apontado pelos exames de criminalista, todos os demais deveriam ser
condenados pela forma consumada. Dessa forma, é cristalina a necessidade e
importância de estarem presentes todos os requisitos, para que esteja caracterizado
o concurso de pessoas.159
Quanto à questão da autoria incerta e autoria colateral colabora BASILEU
GARCIA ao dizer que: “Fala-se em autoria incerta quando, intervindo diversos
acusados na prática de um crime, não há meios de saber a qual deles imputar o
resultado”. 160
Nessa esteira, utilizando-se do exemplo supracitado, se não fosse possível
identificar de onde partiu o disparo, ou seja, não podendo a perícia técnica elucidar a
dúvida de qual rifle saiu o projétil, far-se-ia presente a hipótese de autoria incerta,
em autoria colateral. Diante dessa situação, a legislação penal vigente não se
pronuncia, sendo encontrada a solução pela doutrina e jurisprudência nos seguintes
termos: diante da dúvida não seria razoável condenar os dois; porém, absolvê-los
seria inaceitável. Dessa forma, o caminho tomado seria pela possível condenação
de ambos por tentativa.
Muito semelhante à autoria colateral, na autoria incerta em autoria colateral,
também verifica-se ausente o liame subjetivo como requisito imperativo para a
presença do concurso de agentes. Todavia, nesse caso, de autoria incerta, não é
possível afirmar-se quem, efetivamente, produziu o resultado lesivo. Ainda que
159
GRECO, Rogério. Curso de Direito. Parte Geral. Vol. I. P. 435. 160
GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol. I. Tomo I. P. 379.
83
identificados os possíveis autores, não se consegue afirmar, com clareza e exatidão,
quem foi que efetivou o crime. Pode-se citar como exemplo o caso onde atuem dois
agentes, porem, sem saber da intenção um do outro de ceifar a vida de um terceiro
Por fim, é de todo oportuno destacar que não se deve confundir a chamada
autoria incerta em autoria colateral com a conhecida autoria ignorada. Na autoria
incerta, a autoria é conhecida, recaindo a incerteza sobre qual dos executores
produziu o evento. Na autoria ignorada, não se sabe quem praticou o crime.161
ROGERIO GRECO complementa esse posicionamento ao dizer: “quando não se
conhece a autoria, ou seja, quando não se faz idéia de quem teria causado ou ao
menos tentado praticar a infração penal, surge uma outra espécie de autoria,
chamada agora de desconhecida”.162
161
OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal: parte geral. P. 342. 162
GRECO, Rogério. Curso de Direito. Parte Geral. Vol. I. P. 435 e 436.
84
4. PARTICIPAÇÃO
O fato do nosso Código Penal não ter definido de forma expressa o conceito
de participação e sua diferenciação com relação à autoria, não impediu que os
doutrinadores nacionais reconhecessem a referida distinção. Todavia, em que pese
a legislação, não trazer de forma expressa um conceito para o partícipe, o
tratamento dado pela reforma da parte geral do Código Penal163, no que diz respeito
ao concurso de pessoas facilitou tal diferenciação, ao determinar consequências
distintas no âmbito penal, conforme a culpabilidade de cada agente, e nos limites de
sua contribuição e conseqüente culpabilidade.164
Quanto à participação (gênero), a doutrina majoritária divide-a em duas
espécies: autoria e participação. A participação em sentido estrito, é entendida como
acessória de um fato principal. Desse modo, para que o individuo não fosse
considerado como autor, mas sim como partícipe de crime, ele não poderia praticar
a conduta descrita pelo preceito primário da norma penal, ou seja, não pratica o
verbo núcleo do tipo penal, realizando tão somente uma atividade secundária que,
de certo modo, venha a contribuir, estimular ou ainda favorecer a execução da
conduta proibida pela lei.
Contribui JUAREZ CIRINO DO SANTOS a esse respeito, dizendo que: “a
participação como contribuição dolosa a tipo de injusto doloso depende da
existência do fato principal, assim como a parte depende do todo”.165
Nesse sentido, o Código Penal traz seguinte redação em seu Art. 31 – “O
ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em
contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Ou
seja, nesse sentido, se o crime praticado pelo agente principal, não atingir ao menos
a esfera da tentativa, os seus partícipes não poderão ser punidos.
163
Com a reforma trazida pela Lei 7.209 de 11 de setembro de 1.984 diversos institutos da parte geral do Código Penal foram modificados como ocorreu com o concurso de agentes que passou a se chamar concurso de pessoas. Dentre as alterações mais significativas pode-se destacar a nova redação do Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.; e a criação do §1º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Grifo nosso). 164
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. Pág. 490. 165
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. P. 358.
85
4.1. TEORIAS ACERCA DA PARTICIPAÇÃO
4.1.1. TEORIA CAUSAL
Para essa teoria denominada Causal e defendida por Von Buri, na
Alemanha, por volta do século XIX, não há distinção entre delinquente principal e
acessório, ou seja, entre autores e partícipes ou cúmplices, porque o crime é um fato
único relacionado a todos os agentes.
Partindo do princípio da equivalência dos antecedentes causais, tal teoria
destaca que todo resultado é consequência de um conjunto de causas necessárias
para a sua produção. Assevera DAMASIO EVANGELISTA DE JESUS que: “o
participe não é responsável pelo fato do delito alheio, mas por crime próprio, pois
este delito é tão próprio em relação àquele que executa materialmente a conduta
típica quanto ao que dá causa ao evento de modo diferente”.166
Assim, os partidários dessa teoria afastam a distinção entre delinquente
principal e acessório (chamado também de secundário), tendo em vista que não
aceitam a idéia de haver uma atividade do autor independente da atividade exercida
pelos partícipes.
4.1.2. TEORIA DA ACESSORIEDADE
A segunda teoria ligada à questão da punibilidade da participação é
conhecida como Teoria da Acessoriedade, a qual diferencia a figura do autor do
partícipe ou cúmplice, ou seja, o autor realiza o comportamento principal (típico) e o
partícipe, uma conduta acessória, uma vez que sua ação na está contida na
descrição típica do crime.
A doutrina apresenta a Teoria da Acessoriedade dividida em quatro classes
distintas, quais sejam: acessoriedade mínima, máxima, hiperacessoriedade e
limitada.
Para a Teoria da Acessoriedade mínima, a demonstração de qualquer sinal
de adesão do partícipe implica o seu envolvimento criminoso junto ao fato típico
166
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. P. 456.
86
praticado por um autor principal. Tal teoria beira a inconveniência, pois basta que
haja um fato típico para que o partícipe seja punido. Dessa forma, tal teoria levaria à
inconsequência de punir-se por homicídio alguém que induziu outrem a atuar em
legítima defesa contra uma agressão injusta. Assim sendo o agente que agisse em
legítima defesa, estaria acobertado pela excludente de antijuridicidade; todavia o
partícipe que induziu à reação, responderia pelo homicídio.167 Para essa teoria,
basta que a conduta seja típica para que o partícipe possa ser punido.
Em outro sentido, encontra-se a Teoria da Acessoriedade máxima ou
extrema, a qual exige que, além de típica e antijurídica, a conduta do autor principal
seja também culpável. Como exemplifica a doutrina, imagine que o executor seja
inimputável, ou tenha agido por erro de proibição escusável. Nesse caso então, não
haveria participação, pois a conduta principal não seria culpável.168 Conforme
enfatiza EDMUNDO OLIVEIRA: “Isso daria margem para a hábil ação de um
partícipe que, a fim de garantir a impunidade, procurasse se servir, por exemplo, de
um doente mental para levar a termo seu intento criminoso”.169
Por outro lado, verifica-se a Teoria da Hiperacessoriedade, a mais radical
das teorias. Para ela, seria ainda exigível que, em relação ao partícipe, concorram
também circunstâncias de agravação e atenuação, que existem em relação ao autor
principal no caso concreto.
Por fim, tem-se a Teoria da Acessoriedade limitada para a qual é preciso
que a conduta principal seja típica e antijurídica. Essa teoria foi acolhida por grande
parte da doutrina e jurisprudência, por não conter em seus fundamentos as
impropriedades das demais anteriores, distinguindo a participação secundária do
comportamento principal, que executa um fato típico e antijurídico. Sob essa ótica,
se em um caso concreto, uma pessoa atuasse em legitima defesa contra agressão
injusta, estimulado por um partícipe, não cometeria crime algum e,
consequentemente, o partícipe também não. De acordo com a teoria em questão,
para que haja a participação, necessário faz-se a presença da tipicidade e também
da ilicitude do fato.
167
OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal: parte geral. P. 336. 168
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. Parte Geral. P. 458. 169
OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal: parte geral. P. 336.
87
4.2. FORMAS DE PARTICIPAÇÃO
Diante do estudo dedicado ao tema, verifica-se que a participação pode
apresentar-se de formas diversas, como, por exemplo, por meio do induzimento, da
instigação, determinação, organização, ajuste, cumplicidade entre outras. O Código
Penal não classificou, expressamente, as formas de participação. De qualquer
forma, pode-se utilizar de baliza o próprio artigo 29, que determina que aquele que
de qualquer modo concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na
medida de sua culpabilidade e o artigo 31, que assevera sobre o ajuste, a
determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário os
quais não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.
De toda a sorte, a doutrina subdivide a participação de duas formas, ou seja
participação moral e material.
4.2.1. PARTICIPAÇÃO MORAL
Quanto à participação moral, é possível afirmar que se trata da cooperação
psicológica com o evento. Essa forma de participação subdivide-se segundo a
doutrina, em outras duas espécies, conhecidas como induzimento e instigação.
Haverá induzimento, quando uma pessoa incutir a idéia criminosa no pensamento
de terceira pessoa, ou seja, quando a ideia ainda não existia. Por sua vez, haverá
instigação quando houver o ato de reforçar ou estimular a pré-existente resolução
delituosa.170 EUGENIO RAÚL ZAFFARONI destaca que “a instigação deve ser
cometida mediante um „meio psíquico‟, mas não constituem instigação os meios
sutis ou as meras insinuações”.171
170
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral. Vol. I. São Paulo. Saraiva. 2010. P. 282. 171
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. Vol. I. 8ª ed. rev. atual. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2009. P. 593.
88
4.2.2. PARTICIPAÇÃO MATERIAL
Quanto à participação material, é razoável afiançar que se trata do ato de
colaborar materialmente com o crime de terceiro. A doutrina, costumeiramente,
denomina tal auxílio como cumplicidade ou auxilio material.
A cumplicidade significa ajuda material doloso do cúmplice para a realização
do tipo de injusto doloso do autor e, assim como o instigador, também não controla a
realização do fato punível, poder exercido exclusivamente pelo autor.172
Assim, como exemplo, pode ser considerado como cúmplice ou partícipe
materialmente falando, aquele que cede a roupa de vigia para facilitar a entrada do
criminoso na empresa que pretender adentrar, empresta a chave falsa para o
furtador, quem fornecer a arma para o roubador, ou praticar outras ações de teor
similar.
4.3. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA E DOLOSAMENTE DISTINTA
O Código Penal traz no artigo 29, mais especificamente em seu § 1º, uma
causa facultativa de atenuação de pena, de um sexto a um terço, se a participação
for de menor importância. Vale lembrar que o dispositivo em questão somente é
aplicável aos partícipes, afastando a possibilidade de extensão aos co-autores. E os
casos de cumplicidade necessária não podem ser considerados como participação
de menor importância, uma vez que o autor tem o domínio do fato.
Ainda quanto a essa participação, assevera a doutrina que entende como
contribuição de menor importância a de leve eficiência causal; que tal atenuação de
pena torna-se incompatível com as agravantes contidas no artigo 62, todas elas
referentes ao concurso de pessoas, uma vez que ninguém pode ter uma
participação de somenos e ao mesmo tempo promover, organizar, coagir. Por fim,
em relação à redução trata-se de uma faculdade do magistrado e não uma
obrigação, que dever ser utilizada com prudência e bom senso.173
Estampada no artigo 29, em seu § 2º encontra-se a regra que assegura
que, se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
172
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. P. 364. 173
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Vol. I. P. 216.
89
aplicada a pena relativa a este crime, podendo a mesma ser aumentada até metade,
na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Conhecido
doutrinariamente como desvio subjetivo de condutas174, o dispositivo cuida da
hipótese de o autor principal praticar um crime mais grave que o pretendido pelo
partícipe ou co-autor. Dessa forma, pode-se citar como exemplo que, se duas
pessoas acordam perpetrar um furto e, uma delas, sem o conhecimento da outra,
leva consigo arma de fogo, que vem a ser utilizada, matando o ofendido, ter-se-ia
como resultado uma prática de latrocínio e, por parte do comparsa, furto qualificado
pelo concurso de pessoas.
174
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral I. Pág. 501.
90
5. CONCURSO DE PESSOAS E O DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO
5.1. TEORIA DO DOMÍNIO
5.1.1 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E O SEU DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO-DOUTRINÁRIO
Quanto à evolução terminológica e à própri a teoria do domínio do fato, ou
como dizem alguns autores, domínio sobre o fato, pode-se afirmar que ela surgiu
como um conceito básico de Direito Penal, por volta de 1915, em diversas
passagens no trabalho monográfico intitulado “Los elementos del delito”,
desenvolvido por Hegler. Destaca-se que o precursor da expressão não lhe dava, na
ocasião, o sentido que vemos nos dias atuais175.
Com isso, a expressão domínio do fato passou a ser encontrada em
diversas outras obras, todavia, em nenhuma delas, com o mesmo significado,
tampouco um autor sendo citado pelo outro.
Dessa forma, destacam-se como fundamentais representantes, que
contribuíram para a evolução do instituto em estudo: Hans Welzel, Reinhart
Maurach, Wilhelm Gallas, Richard Lange e Claus Roxin.
Segundo a doutrina moderna, tal teoria retrata uma elaboração superior
diante das demais até então conhecidas. Essa teoria foi desenvolvida por Lobe e,
posteriormente de forma concreta, teve o finalismo de HANS WELZEL176, por volta
de 1939, o qual determinava ser característica geral do autor a posse, nos crimes
dolosos, do controle final do fato criminoso. Dessa forma, foi inserida no concurso de
agentes uma teoria fundamentada na conduta e não no resultado. A Teoria do
Domínio do Fato tem como escopo distinguir, com clareza, a figura do autor e
executor de forma a admitir com facilidade a figura do autor mediato, possibilitando
uma melhor compreensão do instituto da coautoria, hodiernamente.
Tal teoria, como dito, desenvolvida por Hans Welzel partiu, inicialmente, da
teoria restritiva, acrescendo a essa um critério objetivo-subjetivo, de forma que, para
ser considerado como autor, dever-se-ia se verificar se o agente deteria o controle
finalístico do crime, sendo certo que este poderia decidir sobre a sua prática,
175
ROXIN, Claus. Autoría y dominio Del hecho em derecho penal. P. 81. 176
WELZEL, Hans. Direito Penal. P. 158.
91
interrupção e diversas circunstâncias, a dizer “se” aconteceria, em que “condições”,
“como” se realizariam ou “onde” seria desenvolvida a atividade delituosa.
De qualquer forma, há de se notar que, dessa forma, Hans Welzel, com sua
Teoria do Domínio do Fato, aproxima-se muito da Teoria do Dolo, no que se diz
respeito à sua exigência de que o autor deve ter uma incondicional vontade de
realizar o evento delituoso, formulação esta muito próxima da defendida pelos
partidários da Teoria do Dolo, os quais não reconhecem nenhuma vontade que seja
superior à do autor, no que concerne à prática do evento criminoso177.
No mesmo sentido, encontra-se o Reinhart Maurach para quem o domínio
do fato é manter em suas próprias mãos, de forma dolosa, o curso típico de fato.
Domínio do fato tem todo aquele que pode impedir ou fazer continuar, à vontade, a
realização total do resultado. Destaca-se que ele também eleva a sua teoria do
domínio do fato sobre as bases da teoria final da ação e assim, como Welzel,
somente implementa a idéia de domínio do fato como critério para determinar a
autoria em crimes dolosos.
Porém, em determinados pontos, a doutrina propugnada por Reinhart
Maurach diverge da defendida por Hans Welzel, como por exemplo, no caso de um
indivíduo que comete um ato intencional, mas sem consciência da ilicitude, Maurach
defende que este seja considerado como coautor, o que contraria o pensamento de
Welzel.
Em linhas gerais, comenta CLAUS ROXIN que: “globalmente, cabe señalar
que Maurach desarrolla la Idea del dominio del hecho de modo aún más puro y
amplio que Welzel”178.
Outra manifestação doutrinária sobre a Teoria do Domínio do Fato é
encontrada no trabalho realizado por Wilhelm Gallas. Ao contrário de Maurach e
Welzel, para Gallas, a Teoria Objetiva-Formal é o ponto de partida das suas
considerações. Gallas estabelece uma conexão entre a Teoria Objetiva-Formal e
Teoria Final da Ação, com a ideia da adequação e conceito normativo de domínio,
para formar uma síntese de uma Teoria do Domínio do Fato inteiramente original.
Segundo DÉBORA MOTTA CARDOSO179, o que Gallas pretende “é que a
diferenciação entre autoria e participação não seja feita a partir do preceito de que
177
ROXIN, Claus. Autoría y dominio Del hecho em derecho penal. P. 89. 178
Globalmente, podemos notar que Maurach desenvolve a idéia de domínio de fato ainda mais puro e amplo que Welzel. (Tradução livre para o português)
92
os tipos penais descrevem meros processos causais, estabelecendo as diversas
classes de responsáveis por meio dessa relação de causalidade, e sim com base
em uma unidade de sentido final-causal”.
Para Gallas, a caracterização do domínio do fato, não se faz presente por
meio de qualquer cooperação externa, mas para sua caracterização resta
necessário que as ações sejam equivalentes àquelas praticadas de mão própria.
Já Richard Lange, em sua monografia sobre o "moderno conceito autor",
defendia a Teoria Subjetiva Modificada, que serviu de inspiração para Hans Welzel
desenvolver a sua Teoria do Domínio do Fato. Hoje, Lange encaixa-se entre os
defensores dessa teoria, a qual afirmava que, em matéria de autoria, sempre deve
ser verificado se o sujeito queria e exercia o domínio do fato.
Na delimitação de autoria e participação, Richard Lange avança muito mais
na subjetivização do que os outros defensores da Teoria do Domínio do Fato. Lange
pretende atribuir a responsabilidade pelo fato a qualquer um que determine a outro
autor imputável, plenamente responsável, a cometer um crime como se próprio
fosse, ou seja, que somente pertence à sua esfera de interesse.
Por fim, e de extrema importância, foi a contribuição de Claus Roxin, que
dissertou sobre o assunto em um trabalho intitulado “Autoría y domínio del hecho em
derecho penal” o qual foi traduzido para o espanhol ampliando assim o número de
operadores que têm acesso aos escritos. Para o autor que segue a teoria de HANS
Welzel, o domínio do fato consiste no controle do decurso da ação criminosa. Por
meio desse grandioso trabalho, entre outra linhas, o autor propõe uma distinção
entre autoria direta, mediata e coautoria. Para ele, autor direto seria aquele que tem
o domínio da ação; classifica como autor mediato aquele que possui o domínio da
vontade e, por fim, o coautor, como sendo aquele que detém o domínio funcional do
fato.
Entre outros estudiosos180 elencam-se alguns que trataram de forma direta
ou indireta do tema Teoria do Domínio do Fato e que fomentaram assim seu
crescimento e maior aceitação. Podemos destacar entre esses autores Niese, que
desenvolveu um trabalho sobre a importância pratica da doutrina finalista da ação,
declarando-se partidário da Teoria do Domínio do Fato. Para ele, no lugar da direção
dos interesses subjetivos deveria aparecer o domínio final do fato o que chama de
179
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 81. 180
ROXIN, Claus. Autoría y dominio Del hecho em derecho penal. P. 99 a 103.
93
critério objetivo; Sax que conduz suas reflexões a partir da Teoria Objetiva-Formal e
entende que é o autor, em primeiro lugar, quem executa o tipo diretamente, sendo
irrelevante se tem ou não vontade de autor ou domínio consciente do fato; Richard
Buch sustenta uma Teoria do Domínio do Fato orientada subjetivamente na vontade,
sendo considerado autor aquele que quer o fato como autor. As suas idéias
aproximam-se, e muito, da Teoria do Dolo; Von Weber que também é adepto da
idéia de que seria considerado autor aquele que tem vontade de sê-lo, ou seja,
aquele que pensa e atua como autor; Less propõe um conceito mais objetivo, chega
a propor que o domínio do fato seja incluído como elemento externo do tipo, entre a
tipicidade e causalidade; Jescheck entende que a Teoria do Domínio do Fato produz
uma fusão entre todos os pontos de vista.
Nesse contexto, HANS -HEINRICK JESCHECK181 colabora com suas
palavras:
De acuerdo con lo visto ni una teoría puramente objetiva ni, tampoco, una teoría puramente subjetiva pueden fundamentar de modo convincente la esencia de la autoría y, al mismo tiempo, delimitar recíprocamente la autoría y la participación de un modo acertado. Debe buscarse, más bien, una síntesis de ambas doctrinas en la que cada una describa correctamente un aspecto del problema porque su empleo aislado hace perder el sentido del conjunto. Éste es el objectivo de la teoría del dominio del hecho que, fundada por Lobe y promovida esencialmente por Roxin, ha conseguido actualmente en la Ciencia una posición destacada.
Nas palavras de DEBORA MOTA CARDOSO182 “importa, nesse passo, fazer
alusão que as teorias ainda que tenham sido criadas de forma totalmente diferentes,
convergiam para um mesmo conceito dogmático, propiciando o amplo
desenvolvimento dos conceitos de autoria e participação”
181
De acordo com o visto, nem uma teoria puramente objetiva nem, tampouco, uma teoria puramente subjetiva pode fundamentar de modo convincente a essência da autoria e, ao mesmo tempo, definir reciprocamente autoria e participação de forma bem sucedida. Deve ser elaborada uma síntese das duas doutrinas onde cada uma descreva corretamente um aspecto do problema por que o seu emprego isolado deve fazer perder o sentido do conjunto. Este é o objetivo da teoria do domínio do fato, que foi fundada por Lobe e promovida principalmente por Claus Roxin que tem conseguido atualmente na ciência uma posição de destaque. JESCHECK, Hans-Heinrick e WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte Geral. Traducción de Miguel Olmedo Cardente. 5ª ed. Granada. Editorial Comares. 2003. P. 701 e 702. (Tradução livre para o português) 182
CARDOSO, Débora Motta. Concurso de Pessoas e a Teoria do Domínio do Fato. P. 77.
94
5.1.2. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E O CONCURSO DE PESSOAS
A Teoria do Domínio do Fato, como bem visto, foi muito bem desenvolvida
por Claus Roxin, em que pese já ter Hans Wezel e diversos outros autores tratado
do domínio final do fato, anteriormente. Essa teoria parte da premissa de que as
teorias puramente objetivas ou tão somente subjetivas não oferecem critérios sólidos
para delimitar quem é autor e consequentemente quem é o partícipe diante da
prática de um crime. Diante de critérios seguros para essa distinção, teremos um
sistema penal que, de fato, aplicará a pena na medida correta e de forma justa,
dando a cada agente que participa de uma atividade delituosa, o que merece.
A Teoria do Domínio do Fato não é inteiramente objetiva e nem inteiramente
subjetiva, uma vez que, reveste-se de ambos os critérios. Vale dizer, ainda que o
domínio do fato implica em um controle final (aspecto subjetivo) e não requer
somente a finalidade, mas também uma posição objetiva, que determine de algum
modo o seu real domínio.183
Colabora nesse sentido CEZAR ROBERTO BITENCOURT ao dizer que:
“nem puramente objetiva nem outra puramente subjetiva são adequadas para
fundamentar a essência da autoria e fazer, ao mesmo tempo, a delimitação correta
entre autoria e participação”.
Nesse sentido, assevera HANS WELZEL184 que: “não é autor de uma ação
dolosa quem somente causa um resultado, mas quem tem o domínio consciente do
fato dirigido até o fim. Aqui se eleva o autor, pela característica do domínio finalista
do fato, por alto de toda outra participação”.
Desse modo, a nova concepção de autoria originada de Hans Welzel e,
muito bem explorada por outros estudiosos, supera as teorias puramente objetivas e
puramente subjetivas, uma vez que, a Teoria do Domínio do Fato parte do conceito
restritivo de autor para sintetizar e harmonizar os aspectos objetivos e subjetivos que
compreendem a idéia de autoria, muito embora sua aceitação não seja pacífica. Na
doutrina nacional e estrangeira, grande parte dos autores entende-a como uma
teoria que se ajusta melhor à realidade.
183
MIR PUG, Santiago. Direito Penal. Fundamento e teoria do delito. P. 336. 184
WELZEL, Hans. Direito Penal. P. 157.
95
Nessa esteira, JUAREZ CIRINO DOS SANTOS185 diz que: “a ideia básica da
teoria do domínio do fato pode ser assim enunciada: o autor domina a realização do
tipo de injusto, controlando a continuidade ou a paralisação da ação típica; o
partícipe não domina a realização do tipo de injusto, não tem controle sobre a
continuidade ou paralisação da ação típica”.
Desde logo, deve-se lembrar que o domínio do fato não deve ser
confundido com o dolo ou seja, o cúmplice e o instigador também agem com o dolo,
e não são autores. Assim, como já foi bem delineado por alguns autores, é o
controle sobre o decurso do ato e a forma como ele é cometido, que dirá se o
criminoso possui ou não a qualidade de autor. Afirma-se assim que, em oposição à
autoria, toda a forma de participação caracteriza-se pela ausência de domínio do
fato por parte do agente colaborador.
Segundo DÉBORA MOTTA CARDOSO “o traço característico da teoria do
domínio do fato está diretamente relacionado à dispensabilidade do nexo causal,
elemento do fato típico que serve como elo entre a conduta e resultado”.
5.1.2.1 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E UMA RELEITURA DO ARTIGO 13
DO CÓDIGO PENAL
A teoria recepcionada pelo Código Penal brasileiro, destacada em seu artigo
13, para delimitar a relação de causalidade foi, inicialmente, a da equivalência das
condições ou conditio sine qua non.
RICARDO RIBEIRO VELLOSO nesse sentido diz ainda que: “Quando o
legislador pátrio restringe a aplicação da equivalência das condições no artigo 13 do
Código Penal, possibilita a analise do mesmo, pelo prisma da imputação objetiva”.186
De início, recorre-se ao pensamento de ANTONIO LUÍS CHAVES
CAMARGO que corrobora ao dizer que:
A fórmula adotada por esta teoria, a conditio sine qua non, implica a adoção de um procedimento de supressão mental hipotético que é a seguinte: suprimida hipoteticamente determinada condição e
185
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. P. 346. 186
VELLOSO, Ricardo Ribeiro. Teoria do domínio do fato e a autoria no direito penal. São Paulo. Livraria Paulista. 2004. P. 86.
96
desaparecendo o resultado, esta será considerada a causa sem a
qual o resultado não teria se produzido.187
A simples análise do artigo 13 do código penal não traz muita dificuldade
quanto à relação de causalidade, tendo em vista a clareza com que o tema foi
tratado pelo legislador, o qual considerou que o resultado, de que depende a
existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa, sendo essa toda
ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Nesse sentido, saber se um determinado resultado foi causado por certa
conduta, a fim de imputar tal responsabilidade a alguém já não seria, para parte da
doutrina, um critério exclusivo, mas sim, um limite mínimo para a atribuição de um
resultado. Ao longo da evolução do Direito Penal, outras teorias causais surgiram
com a finalidade de sanar certos problemas deixados pelas anteriores. Deste modo,
pode-se citar entre outras a Teoria da Equivalência das Condições (a única adotada
no Direito Penal nacional), causalidade adequada e a da relevância, esta última que
se coloca como a precedente da Teoria da Imputação Objetiva.
Nesse contexto, ANTONIO LUÍS CHAVES CAMARGO explica que: “o
problema dessa simplicidade causalista faz com que o intérprete continue utilizando-
se da lógica formal para concluir pela existência do crime ou não, tomando como
premissa maior a lei, e como premissa menor o fato e, uma vez que este esteja
enquadrado na lei, resulta a conclusão da modificação da natureza e, portanto, da
necessidade de uma pena retributiva pelo fato praticado”.
A questão de relevo na imputação objetiva está pautada na reprovação da
ação que contrariou valores e, consequentemente, o conceito de bem jurídico.
Analisa-se o fato típico, a fim de verificar-se quem ocasionou a lesão aos valores
vigentes, através de elementos de certeza que autorizem a atuação do Direito
Penal188.
Assim, não seria o objetivo substituir os critérios adotados pelo legislador
que inseriu o artigo 13 no Código Penal, mas, de fato, agregar como um filtro que
logo após a constatação do elo entre conduta e resultado seria utilizado para
verificar se houve ou não, por exemplo, a transgressão a norma, se o agente agia
187
CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo. Cultura Paulista. 2002. P. 50. 188
CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo. Cultura Paulista. 2002. P. 136 e 137.
97
dentro de um risco permitido ou não, utilizando assim alguns elementos encontrados
no desenvolvimento da imputação objetiva.
5.1.2.1.1 IMPUTAÇÃO OBJETIVA E A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
Desde logo, ressalta-se que não é o objetivo deste trabalho analisar com a
profundidade merecida o tema da imputação objetiva, tão discutida na atualidade,
mas sim, traçar um panorama mínimo para o entendimento e evolução dessa teoria
e verificarmos se o seu emprego, ainda que mitigado, colabora para o
desenvolvimento da Teoria do Domínio do Fato e consequentemente do concurso
de pessoas no Direito Penal.
Como seu precursor189 e, sem dúvida, aquele que melhor sistematizou os
seus postulados, encontramos Claus Roxin que, a partir da exposição de hipóteses
casuísticas em que, segundo o eminente penalista alemão, nem a equivalência da
condições, nem a causalidade adequada, seriam aptas à solução do juízo de
imputação.
A Teoria da Imputação Objetiva é dominante na Alemanha e em outros
países europeus, como a Espanha190. No Brasil, essa teoria possui, ainda, pouca
influência na jurisprudência e, somente a partir do final da década de 1990, passou a
ser discutida por parcela ainda minoritária da doutrina onde se destacaram os
trabalhos de Damásio Evangelista de Jesus, (imputação Objetiva, 2000), Fernando
Galvão (Imputação Objetiva 2000), Juarez Tavares (Teoria do Injusto Penal, 2000) e
189
Muito embora Claus Roxin tenha sistematizado muito bem a teoria relativa à imputação objetiva coube a ele indicar a sua origem, segundo o qual indica como quem primeiro introduziu , no âmbito do Direito, o conceito da imputação de uma conduta a um resultado como problema de cunho jurídico (e não naturalístico) foi o civilista Karl Larenz, em 1927 que demonstrava intensa preocupação em estabelecer os pressupostos jurídicos adequados para se determinar quais conseqüências de nossos atos podem nos ser atribuídas como obras nossas e quais são obras do acaso. Richard Honig, em 1930, trouxe para o Direito Penal a mesma preocupação de Larenz, em seu artigo Causalidade e imputação objetiva Honig tomou como ponto de partida a polêmica existente entre a teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada, no que concerne à busca do critério acertado para se atribuir um resultado a uma pessoa. O autor conclui que a aferição da relação de causalidade material não poderia ser (mais) considerada como um dos aspectos centrais da Teoria do Delito. No seu lugar de pressuposto causalísticos (ou materiais), deveria o jurista valer-se de requisitos jurídicos para se estabelecer um liame entre ação e resultado. (LIMA, André Estefam de Araujo. Nexo de Causalidade: O art. 13 do CP e a teoria da imputação objetiva. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2008. P. 92 e 93) 190
Diferente do posicionamento alemão, na Espanha tal teoria é tomada como um auxiliar delimitador, e não como substituta do nexo causal.
98
Antonio Luís Chaves Camargo (Imputação Objetiva e o Direito Penal Brasileiro,
2001). Outras obras de especial relevo podem ser destacadas ainda em língua
portuguesa, tais como a obra de Günther Jacobs (A imputação Objetiva no Direito
Penal), traduzida por André Luís Callegari e a parte da obra de Claus Roxin,
traduzida por Luis Greco (Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal,
2002).191
Quanto ao tema em tela colaciona ANTONIO LUÍS CHAVES CAMARGO:
A imputação objetiva é considerada como um método de análise do fato típico que tem como finalidade, na aplicação da lei penal, considerar como responsável aquele que determinou a violação dos valores vigentes, por meio de elementos de certeza que permitam justificar a interferência do Direito Penal no agir social. Quando se fala em elementos de certeza, nem sempre são concretos ou somente objetivos, num sentido material, mas naqueles elementos complexos que constituem a ação, e que devem ser demonstrados, argumentativamente, para que se deduza pela imputação objetiva de
um fato a alguém.192
O ponto central que envolve a imputação objetiva circunda a reprovação da
ação que contrariou valores e, por conseguinte, o próprio conceito de bem jurídico,
que tem como conteúdo determinado valor.
Segundo os estudos de Claus Roxin, são estabelecidos determinados
critérios para a imputação objetiva, pautados na criação ou incremento do risco
juridicamente relevante e que este se encontra presente no resultado, nos quais se
destacam: a) determinação do risco; b) âmbito de proteção da norma; c) proibição
de regresso; e d) conduta da vítima.193
Dessa maneira, pressupõe-se a existência de uma ação que causou um
resultado, conforme denota o artigo 13 do Código Penal, aliado à presença de um
risco não permitido socialmente, bem como a tipificação penal do fato. A partir de
então, já se torna possível analisar a relevância da ação do ponto de vista do Direito
Penal, se aceitos pelo grupo social, isto é, dentro do risco permitido, o que exclui a
atuação do direito repressor.
191
SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Teoria da Imputação objetiva: apontamentos críticos à luz do Direito Positivo Brasileiro. Malheiros Editores. São Paulo. 2007. P. 33. 192
CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo. Cultura Paulista. 2002. P. 136. 193
CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo. Cultura Paulista. 2002. P. 137.
99
5.1.2.1.2 TEORIA DA PERTINÊNCIA DO CRIME
Certamente a Teoria do Domínio do Fato colabora para que seja elucidada a
questão do concurso de pessoas no Direito Penal, na busca pela melhor e mais
justa aplicação do direito; todavia, algumas perguntas ainda necessitam de
respostas mais precisas, de forma que tragam mais segurança, o que nos remete à
problemática central dessa teoria: “em que consiste o realmente o domínio do fato?”
Com uma nova proposta, quanto às teorias que versam sobre a questão da
autoria, Santiago Mir Puig traz uma idéia para solucionar alguns inconvenientes
ainda deixados, atualmente, pela Teoria do Domínio do Fato como a questão da
inaptidão do conceito, para oferecer um critério geral que se aplique a todos os
crimes, na tentativa de delimitar a autoria e a participação194.
Conforme assevera SANTIAGO MIR PUIG: “a Teoria do Domínio do Fato
continua presa a uma perspectiva ontológica que desconhece o sentido
fundamentalmente sócio-normativo de imputação que caracteriza a qualificação de
autor”.195
Uma possibilidade encontrada pela doutrina para dar concretude ao
conceito de domínio do fato é de entender que o agente possui o poder de
interromper a realização do tipo. Nesse sentido, não basta que haja o controle
material do fato, sendo este apenas um dos critérios a ser levado em consideração
para a imputação do fato como autor. Assevera a respeito desse assunto ELENA
MARIA GÓRRIZ ROYO: “Parte, então dessa premissa para propor que o autor seja
compreendido como aquele indivíduo que surge como protagonista do delito, sujeito
principal de sua realização”.196
Aqui, o autor denomina como pertinência ou vontade que pertença a alguém,
a responsabilidade pela prática de crime e, consequentemente, atribuindo a este
sujeito a sua autoria. Para tanto, verificar-se-ia se houve uma relação de risco típico
entre a conduta e seu resultado; no segundo plano, devem ser verificadas as
194
ORTIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. São Paulo. IBCCRIM. 2011. P. 97. 195
MIR PUG, Santiago. Direito Penal. Fundamento e teoria do delito. P. 338. 196
GÓRRIZ ROYO, Elena Maria. El concepto de autor em derecho penal. Valencia. Tirant Blanch. 2008. P. 357. Apud. ORTIZ, Mariana Tranchesi. Concurso de agentes nos delitos especiais. São Paulo. IBCCRIM. 2011. P. 98.
100
responsabilidades de cada individuo envolvido (cocausantes), delimitando a
responsabilidade de cada um.
5.1.3. FORMAS DE AUTORIA, CO-AUTORIA E PARTICIPAÇÃO FRENTE A
TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
A leitura feita pela Teoria do Domínio do Fato quanto às espécies ou formas
de autoria, é divida em autoria propriamente dita, conhecida também como direta ou
imediata; autoria intelectual; autoria mediata e coautoria, as quais serão abordadas a
seguir.
5.1.3.1. AUTORIA PROPRIAMENTE DITA, DIRETA OU IMEDIATA
Conforme já apreciado no presente trabalho, o autor propriamente dito, ou
conhecido também como autor direto ou ainda o autor mediato, é aquele que, por si
só, executa uma ação cominada com pena e preenche em sua pessoa todos os
elementos do tipo de injusto objetivo e subjetivo, sem maiores indagações197
JOHANNES WESSELS contribui dizendo que “as disposições penais da
Parte Especial do Código pressupõem de modo evidente que a autoria resulte
diretamente da realização do tipo”.198
Sendo assim, considerar-se-á como autor propriamente dito o agente que
produz lesões corporais ou até mesmo a morte de terceira pessoa, quer seja com o
emprego de força física, quer seja com o emprego de instrumentos cortantes ou
contundentes. A Teoria do Domínio do Fato acrescenta ao conceito clássico de autor
o domínio do fato, ou seja, é necessário que ele seja o senhor do fato e por sua
vontade realize materialmente o delito.
Nas palavras de NILO BATISTA: “é autor direito aquele que tem o domínio
do fato, na forma do domínio da ação, pela pessoal e dolosa realização da conduta
típica”.199
197
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 116. 198
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 116.
101
Dessa forma, autor para a teoria do domínio do fato é todo aquele agente
que age intencional e voluntariamente, possuindo em suas mãos o curso típico dos
acontecimentos, executando-o.
5.1.3.2. AUTORIA MEDIATA OU INDIRETA
Conforme visto anteriormente, o conceito de autoria não pode reduzir-se
apenas a quem pratica pessoal e diretamente a figura delituosa, mas deve
compreender também quem se serve de outrem como “instrumento” para realizar o
fato delituoso. Desse modo, tem-se o que pela doutrina é classificado como autoria
mediata.
Nesse sentido, assevera HANS WELZEL:
Em princípio, não é necessário que o autor execute o fato em todas as suas fases de própria mão; pode, para isso, servir-se de meios mecânicos, como pode, também, utilizar a terceiros para seus fins, enquanto conserve ele mesmo o pleno domínio do fato, diferentemente do terceiro. Este fica assim como sendo um “instrumento”, enquanto lhe falte um dos pressupostos necessários da autoria (o domínio do fato), e pelo tempo que leva a ação.200
Portanto, na autoria mediata, uma pessoa, o “homem detrás”, serve-se de
outrem (homem da frente) para praticar o fato delitivo, podendo a ele ser atribuída a
“propriedade” do crime.
Segundo EDGARDO ALBERTO DONNA: “El autor no necesita ejecutar el
hecho por sus propias manos: e puede servir, amén de instrumentos mecánicos, del
accionar de otra persona, en cuanto sólo él posea el dominio de la realización del
tipo. En este último caso se habla de autoría mediata.”201
A autoria mediata torna-se muito mais latente quando vista sob a ótica da
Teoria do Domínio do Fato, uma vez que, esta entende como autor aquele que
detém o domínio do fato. Desse modo, o autor mediato, apesar de utilizar-se de um
199
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 77. 200
Direito Penal. P. 159. 201
O autor realmente não precisa para executar suas próprias mãos, e pode servir, para além dos instrumentos mecânicos, as ações de outra pessoa, enquanto somente ele possui o domínio da conduta do tipo. Neste último caso, falamos de autoria mediata. Tradução livre para o português (DONNA, Edgardo Alberto. La autoria y la participación criminal. P. 24.)
102
instrumento para a execução do crime, continua ainda assim possuindo o controle
finalístico da ação.
Em regra, como observado em capítulos anteriores, para a ocorrência da
autoria mediata, faz-se necessária a ignorância sobre o fato, ou a falta de vontade
do instrumento (autor imediato) ou então uma conduta coercitiva ou hierárquica por
parte do autor mediato em face do autor imediato.
Entretanto, CLAUS ROXIN202 propõe uma nova e importante forma de
autoria mediata. O cerne do pensamento consiste em que, partindo-se do domínio
do fato como um critério para a existência da autoria, há então um novo meio, pelo
qual o autor poderia dominar um acontecimento sem estar presente no momento do
cumprimento, através de um aparato de poder, sendo que este garantirá a execução
dos comandos, ainda que sem utilizar-se de artifícios como a coação ou o engano
sob o executor, uma vez que o aparato de poder, enquanto tal, assegura a execução
do fato.
Entretanto, esse assunto, especificamente, será discutido posteriormente,
em capítulo oportuno no presente trabalho.
5.1.3.3. AUTORIA INTELECTUAL OU ORGANIZACIONAL
Como bem visto até o presente momento, várias são as possibilidades de
classificar-se o sujeito como autor de um delito. Verifica-se que o mesmo pode
praticar a ação independentemente da ajuda de outrem, pode valer-se de outro para
a prática de ações criminosas, ainda que este último não tenha a plena consciência,
e também, como exposto agora, pode arquitetar um plano utilizando-se de outros,
que sabem participar de seu engenho a fim de contribuírem ativa ou passivamente
visando o sucesso de suas aspirações. Nesse caso, encontra-se a figura do
chamado autor intelectual do crime.
Para ROGERIO GRECO: “fala-se em autor intelectual quando queremos
nos referir ao “homem inteligente” do grupo, aquele que traça o plano criminoso,
com todos os seus detalhes”.203
202
Autoria mediata por meio de domínio de organização, in Temas de Direito Penal. Parte geral. Luís Greco e Danilo Lobato (coordenadores). P. 323. 203
GRECO, Rogério. Curso de Direito. Parte Geral. Vol. I. P. 428.
103
Neste momento, não se pode, ao menos à luz da Teoria do Domínio do
Fato, dizer que um individuo que somente colaborou para a prática de um crime
“desenhando” como o mesmo seria executado seja tratado como um mero partícipe
por não ter, de fato, praticado qualquer ato executório. Assim, é possível até mesmo
que ao autor intelectual não seja atribuída nenhuma tarefa ou função executiva no
desenrolar do plano criminoso por ele arquitetado, o que porém não afasta, a sua
condição de autor. Pelo contrário, conforme a Teoria do Domínio do Fato é cristalina
a sua importância para o sucesso da infração penal.
Desse modo, o chefe do bando, que projeta o plano criminoso e organiza
sua execução, responde também como coautor, mesmo quando não esteja presente
pessoalmente no local do fato, e seus cúmplices o executem sozinhos, conforme o
combinado.204
A figura do autor organizador ou intelectual encontra-se prevista em nosso
ordenamento jurídico, mais precisamente no artigo 62, em seu inciso I do Código
Penal como segue, in verbis:
Agravantes no caso de concurso de pessoas Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (Grifo nosso) II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
Nesse sentido, a coautoria está pautada no domínio funcional do fato, a qual
subsistirá enquanto detiver essa condição, não provendo da simples circunstância
de organizar a engenharia do empreendimento criminoso.
Segundo NILO BATISTA: “é a qualidade de liderança na empresa criminosa,
de chefia (poder) sobre os demais que introduz o domínio funcional do fato”.
Completa ainda o autor que: “A um „domínio do projeto‟ referiu-se um julgado do
TJRF (Des. Liborni Siqueira); o STJ, em acórdão do Min. Félix Fisher, não
204
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 120.
104
reconheceu a agravante num caso em que o concorrente „não exercia sobre os
demais qualquer liderança”.205
Na autoria intelectual, o agente planeja a ação delituosa, constituindo o
crime produto de sua criatividade.206 Sobre o tema, merece destaque ainda a
passagem em nossa Constituição Federal, que em seu artigo 5º, mais precisamente
no inciso XLIII, faz menção ao autor intelectual quando, determinando a
inafiançabilidade dos crimes hediondos e equiparados empregou a expressão
“mandante”207, como segue in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (Grifo nosso)
Assim, será considerado como autor, ou melhor, como coautor aquele que,
intectualmente, arquiteta ou organiza a empreitada criminosa, todavia, provido de
liderança e, consequentemente, de domínio funcional do fato.
5.1.4. FORMAS DE PARTICIPAÇÃO
Partícipe, à luz da doutrina do Domínio do Fato, é quem efetiva um
comportamento que não se ajusta ao verbo do tipo e não tem poder de decisão
sobre a execução ou consumação do crime.
Frente ao estudo realizado, pode-se colocar como características da
participação: primeiramente o fato de que a conduta daquele tido como partícipe não
deve amoldar-se ao verbo nuclear constante da figura típica; e também se o
205
BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes – Uma investigação sobre os Problemas da Autoria e da Participação no Direito Penal Brasileiro. Pág. 106 e 107. 206
JESUS, Damásio Evangelista de. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. P. 19. 207
CERNICHIARO, Luiz Vicente; COSTA JUNIOR, Paulo José. Direito Penal na Constituição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1990. P. 173 e 174.
105
partícipe não detém nenhum poder diretivo sobre o crime, ou seja, não possui o
domínio finalista do fato.
Nas palavras de DAMASIO EVANGELISTA DE JESUS: “o indutor ou
determinador, o instigador e o auxiliador são meros partícipes, desde que, não
dominando subjetivamente o fato, restrinjam sua contribuição ao simples
induzimento, encorajamento ou auxílio secundário”.208
É de todo oportuno dizer que para que exista participação (em qualquer de
suas modalidades) deve existir um fato principal antijurídico. Sobre o tema
JOHANNES WESSELS diz que: “Como colaboração na realização do tipo de
outrem, ambas as formas de participação derivam seu conteúdo de injusto do injusto
do fato principal. Em ações que não preenchem qualquer tipo penal (como o
suicídio) ou que são lícitas é impossível qualquer participação”.209
5.2. CONCURSOS DE PESSOAS E AS AÇÕES NEUTRAS (limites da
responsabilidade)
Cotidianamente, as pessoas deparam-se com situações que,
aparentemente, não teriam relevância prática, ou melhor dizendo, interferência direta
na conduta de terceiros que visam à prática de certos crimes. Entretanto as ações
ou omissões, por vezes corriqueiras e presenciadas na vida em sociedade,
interferem para determinados resultados visados por terceiros e que, até pouco
tempo, não eram objeto de discussão pela doutrina como relevante ou de
importância acentuada. Para evitar-se certas ações criminosas, tratam-se aqui das
chamadas ações neutras, objeto de estudo neste momento.
A esse respeito, preconiza LUÍS GRECO que “por ações neutras entende-se
toda contribuição não manifestamente punível para fato ilícito alheio”210 – Ou seja,
ações ou omissões que praticadas diuturnamente pela sociedade possam colaborar
para a prática de crime determinado, querido por terceiro. Nesse contexto, estuda-se
a possibilidade de imputação do tipo penal, a título de participação, à pessoa que
pratica uma ação neutra (ação pertencente ao cotidiano social), a qual contribui para
208
JESUS, Damásio Evangelista de. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. P. 27. 209
WESSELS. Johannes. Direito Penal. Parte Geral (Aspectos Fundamentais). P. 125. 210
GRECO, Luís. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro. Renovar. 2004. P. 169.
106
a realização de um fato típico, mas que não fora determinante para concretização do
ilícito, ou que poderia ter sido substituída pela conduta de outrem.
Tal estudo é desenvolvido em países como a Alemanha, Suíça, Espanha,
Brasil dentre outros, e tem como base a utilização de critérios objetivos para imputar
a alguém a responsabilidade por ações e omissões, que resultem em crimes
praticados por terceiros.
Nesse sentido, despidos da pretensão de esgotar o tema, que não é pacífico
quanto à atribuição de responsabilidade pela colaboração por meio de ações
neutras, iniciaremos a verificação de algumas possíveis soluções e contribuições
que os estudiosos apresentam sobre o tema em questão.
Na busca por um ponto de equilíbrio, alguns doutrinadores utilizam-se de
princípios penais; já outros, utilizam-se de teorias objetivas e subjetivas ligadas ao
dolo e, respectivamente, aos elementos subjetivos do tipo.211 Dessa forma, é preciso
munir-se de informações, para que uma reflexão evidencie o posicionamento de
alguns representantes de cada posição, como se vê a seguir.
Entre os princípios penais utilizados para tentar solucionar a problemática
em questão pela doutrina, encontra-se o princípio da adequação social, princípio da
insignificância, princípio da confiança e princípio da proibição de regresso.
É importante lembrar a posição de Günther Jakobs frente às ações neutras,
e também destacar que a visão do referido autor, no que concerne a função do
Direito Penal, é bastante peculiar.
Para Jakobs, o Direito Penal deve assegurar a manutenção da configuração
social e estatal por meio das garantias às normas, ou seja, essa linha do Direito
representa a defesa da sua própria legitimação material. Consequentemente, o
Direito Penal não existe para proteger bens jurídicos, e sim, a vigência da norma.
Desta feita, afirma GÜNTHER JAKOBS:
A contribuição que o Direito Penal presta à manutenção da configuração da sociedade e do Estado é a garantia de normas. Esta reside no fato de as expectativas indispensáveis ao funcionamento da vida social, na forma dada e na forma exigida legalmente, não precisarem ser abandonadas em caso de decepção. Por isso – contrariando, porém, a linguagem usual – pode-se definir como bem a ser protegido pelo Direito Penal a solidez das expectativas
211
LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria geral da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação objetiva. Curitiba. Juruá. 2009. P. 31.
107
normativas essências frente à decepção – solidez esta que se encontra coberta pela eficácia normativa posta em prática. 212
Jakobs acredita que cada membro da sociedade desenvolve um “papel”.
Assim, por exemplo, no trânsito, há diversos papéis a serem desenvolvidos tais
como: motoristas, pedestres, guardas e, cada uma dessas posições são constituídas
por um feixe de normas e há expectativas de que cada um dos indivíduos comporte-
se, respeitando o seu papel. Entretanto, se um motorista avançar o sinal vermelho e
atropelar um pedestre com seu veículo automotor estará, com este comportamento,
violando o seu papel, uma vez que, existem normas que determinam que o motorista
deva parar no sinal vermelho, principalmente quando um pedestre está
atravessando a rua. A partir desse instante, a vigência da norma é colocada em
dúvida e através de uma sanção a vigência da norma será reestabelecida.213
Conclui-se portanto que, para Günther Jakobs, o tipo objetivo somente se
realiza quando um indivíduo viola o seu papel. 214 Dessa forma, serão impunes
aquelas ações que não violam qualquer papel, pouco importando se quem
contribuiu, através de uma ação neutra, possui conhecimento de que o terceiro que
está sendo ajudado deseja praticar um fato delituoso, pois este conhecimento é
insuficiente para fundamentar a imputação ao tipo objetivo.
Assim, por exemplo, através da concepção de Jakobs, o padeiro que vende
uma determinada quantidade de pãezinhos a um terceiro, sabendo que este os
utilizará para envenenar colocando neles uma substância letal e servindo-os a uma
determinada pessoa, não deverá responder por nada, uma vez que apenas cumpriu
o seu papel enquanto padeiro.
Dessa feita, segundo a concepção de Günther Jakobs, só se deve punir
ações que questionam a identidade normativa de uma sociedade, 215 portanto as
ações neutras não devem ser punidas, uma vez que, não se vê nelas violação
objetiva de um papel.
Outra importante visão no que concernem às ações neutras é a de Claus
Roxin, que constrói o seu raciocínio a partir de duas premissas: primeira: se o
212
Tratado de Direito Penal. Teoria do Injusto Penal e Culpabilidade. P. 61-62. 213
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P.34-35. 214
Ob. Cit. P. 36 215
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P.128.
108
partícipe tem ciência da decisão do autor no sentido de cometer o crime; segunda:
se o partícipe suspeita desta possibilidade.
Nos casos então em que o partícipe sabe do plano do autor, a contribuição,
através de uma ação neutra (cotidiana) será punível, desde que o plano do autor
seja dotado de sentido delitivo, ou seja, quando a ação principal do autor possuir
natureza criminosa. É o caso, por exemplo, de um comerciante de materiais de
construção que vende um martelo a um terceiro, sabendo que este está comprando
o objeto para cometer um homicídio. Entretanto, inexistirá sentido delitivo nos casos
em que a ação do autor, a princípio, não seja praticar um delito, mas quando o modo
como emprega a ação acaba resultando em um crime. Pode-se citar aqui o caso do
comerciante que fornece materiais de construção para uma empresa terminar as
suas obras internas, o qual sabe que a referida empresa viola regras de Direito
Penal Ambiental. Nesse caso o comerciante, não deverá responder por nada. 216
Já, em se tratando das contribuições neutras prestadas pelo partícipe,
quando este não possui certeza se de fato o autor irá concretizar o seu plano, estará
então o partícipe isento de pena, acobertado pelo princípio da confiança217. Em
regra, o agente pode confiar que o terceiro irá comportar-se conforme os ditames
impostos pelo Direito, pois as pessoas não estão obrigadas, juridicamente, a
desconfiar e, consequentemente, a controlar as ações umas das outras. 218
Dessa feita, se ação do autor tem como finalidade a prática de um crime e
quem o ajuda sabe desse fato, esse auxílio, então, deve ser considerado uma ação
de cumplicidade e, nesse caso, a ação perde a sua “neutralidade” e deve ser
considerada como uma solidarização com o autor.219
Nesse cenário, Winfried Hassemer também propõe soluções frente às ações
neutras. E assim como Günther Jakobs, busca uma solução para a questão das
ações neutras através do tipo objetivo, por meio da adequação social.
216
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 81. 217
Segundo José Danilo Tavares Lobato: “Podemos entender o princípio da confiança como um critério que trabalha por meio de uma presunção relativa quanto à definição afirmativa do risco permitido. Essa permissão consiste na prática de determinada conduta, ainda que existam riscos remotos de que tal atuação lícita termine inserida por terceiros num curso causal delitivo.” Teoria geral da participação criminal e ações neutras. P. 41 218
Ob. Cit. P. 83. 219
ROXIN, Claus. Leipziger Kommentar zum Strafregestzbuch, 11ª edição, DeGruyter, Berlim, 1993. Apud: GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação.
109
A sociedade, contudo, não é um bloco monolítico, uma vez que ela é
composta por diversos grupos; desse modo, surge a necessidade de se
complementarem as normas jurídico-penais de validade geral, à luz das normas
vigentes, nos diversos grupos sociais, conduzindo assim a concepção de Winfried
Hassemer em uma adequação profissional. 220
Desse modo, para Hassemer, ações profissionalmente adequadas, ou seja,
ações praticadas em conformidade com as normas de um grupo profissional,
reconhecidas pelo direito, não são objetivamente típicas. 221 Consequentemente, um
“chaveiro” está autorizado a fabricar chaves e, se um criminoso encomendar uma
chave capaz de abrir cofres de instituições financeiras, o chaveiro ainda que tenha
conhecimento do plano criminoso, não deve ser responsabilizado, nem mesmo a
título de participação, uma vez que a sua profissão é decente e honesta. 222
Por fim, será analisada a ótica de Luís Greco frente às ações neutras, e que,
segundo José Danilo Tavares Lobato, é: “o único brasileiro que, até o momento,
tentou solucionar o problema das ações neutras conforme um entendimento
próprio.” 223
Para Greco, o problema referente às ações neutras deve ser também
resolvido com base no tipo objetivo. Nesse sentido, afirma LUÍS GRECO:
“O problema que temo diante de nós é um problema de tipo, e de tipo
objetivo, vez que é função deste, e não do tipo subjetivo, fixar os limites externos do
proibido e do permitido.” 224
Desse modo, Greco parte de critérios da imputação objetiva para solucionar
a questão da cumplicidade nas ações neutras. Assim, surgem algumas premissas a
serem analisadas, para que uma ação causadora de um resultado seja típica, sendo
tais premissas as seguintes: a ação deve criar um risco; este risco deve ser
juridicamente desaprovado; e este risco juridicamente desaprovado deve realizar-se
no resultado. Há, portanto, desvalor tanto na ação quanto no resultado. 225
220
Hassemer, Winfried. Profissionelle Adäquanz, em: Wistra 1995. P. 46. Apud: GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 51. 221
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 52. 222
LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria geral da participação criminal e ações neutras. P. 58. 223
Ob. Cit. P. 70 224
Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 116. 225
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 117.
110
Porém, Luís Greco recorre ainda a mais um critério para a solução da
problemática em questão, sendo este a idoneidade da proibição de uma
determinada ação. 226 Assim sendo, uma proibição somente será idônea, se a não
prática, ou a não contribuição de uma determinada ação servir de meio para
alcançar a proteção do bem jurídico, que se encontra em perigo. Destarte, assevera
LUÍS GRECO:
[...] quanto mais ubíqua a contribuição, quanto mais fácil obter um substituto não iniciado que se proponha a realiza-la, tanto menos idônea será a proibição para melhorar a situação do bem jurídico. Por outro lado, quanto mais difícil seja obter a contribuição noutro lugar ou sem despertar a desconfiança de um terceiro, tanto mais idônea será a proibição para proteger o bem jurídico.”227
Assim, para Luis Greco, uma ação neutra deverá ser punida, quando a sua
não realização for adequada para resguardar o bem jurídico posto em risco, ou seja,
essa “não realização” deve estar apta a melhorar, de alguma maneira, a situação do
bem jurídico. Isso não quer dizer que deva ser apta há salvar o bem jurídico. Greco
conclui que o “melhorar de alguma maneira” é mais que a aptidão para a
modificação do curso dos fatos e menos que a capacidade para salva o bem jurídico
posto em risco.228
A fim de ilustrar-se, como seria o posicionamento de cada um dos autores
supra mencionados frente a um caso concreto, utilizar-se-á como parâmetro, os
casos propostos por Luís Greco em sua obra - Cumplicidade através de ações
neutras: a imputação objetiva na participação:229
“Y” dirige-se até à loja de materiais de construção de “Z” para comprar um
machado, afirmando que o instrumento servirá para matar um antigo desafeto. Uma
hora depois, “Z” fica sabendo que “Y” cometeu um homicídio. Punível a conduta de
“Z”?
Sob a ótica de Günther Jakobs, “Z” não violou nenhum papel perante a
sociedade, uma vez que é comerciante e forneceu o que lhe foi pedido, portanto não
deve ser punido. Também através da concepção de Winfried Hassemer, o
226
LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria geral da participação criminal e ações neutras. P. 71. 227
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 142. 228
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 143-146. 229
P. 02-04.
111
comerciante “Z” operou em conformidade às normas de seu grupo profissional e,
assim não deveria ser punido.
Entretanto, ao analisar o presente caso sob a perspectiva proposta por
Claus Roxin, a conduta de “Z” é punível, uma vez que este sabia do plano de “Y” e o
referido plano era dotado de sentido delitivo. Por fim, sob o entendimento de Luis
Greco, a conduta de “Z”, a princípio, seria punível, uma vez que criou um risco para
a lesão ao bem jurídico. No entanto, se esse machado puder ser obtido facilmente
em qualquer outro lugar, “Z” então não terá criado um risco proibido, uma vez que, a
negativa da venda não seria idônea para proteger a vida da vítima, portanto não
devendo “Z” ser punido.230
Contribuindo para o debate JOSÉ DANILO TAVARES LOBATO diz que:
Uma vez que uma conduta “neutra/cotidiana”, em um determinado contexto fático, não encontra amparo no ordenamento jurídico, o fato de aceitarmos que o art. 29 do Código Penal atue sobre tal conduta para lhe estender o tipo penal, na hipótese de a mesma ter concorrido para o crime, não se mostra como uma surpresa, mas, como consequência lógica. Atente-se bem que haverá a incidência da referida norma sobre tal conduta pelo simples fato de a mesma ser ilícita, e não, em razão de estarmos baseados em construções pautadas no nexo de causalidade.231
Desta forma, quanto ao tema ações neutras é possível afirmar que assim
como o concurso de pessoas, aquela esta em franco desenvolvimento o que nos
permite concluir que a sua análise deve ser feita com ressalvas, tendo em vista que
à alguém eventualmente na prática de uma ação do cotidiano poderá ser atribuída
responsabilidade criminal.
5.3. CONCURSO DE PESSOAS E A RESPONSABILIDADE POR ESTRUTURA
ORGANIZADA DE PODER
As possibilidades de autoria mediata não se esgotam com as duas formas
básicas, isto é, a vontade de domínio do inspirador ou manipulador que descansa
230
GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. P. 152. 231
LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria geral da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação objetiva. P. 122.
112
sobre uma coação ou sobre um erro do manipulado. Entretanto, há outra
modalidade do domínio mediato das ações, caracterizada pela circunstância de que
o inspirador tem, à sua disposição pessoal, um “aparato” – geralmente organizado
pelo Estado – com cuja ajuda pode consumar seus delitos sem ter de transferir aos
executores uma decisão autônoma sobre a realização.
Através da proposta de Claus Roxin, no que tange aos aparatos de estrutura
de poder, a autoria mediata e imediata ganham novo relevo, pois será possível
observar que o autor pode dominar um acontecimento sem estar presente no
momento do cumprimento, através de um aparato de poder, uma vez que, ele
próprio assegura a execução do fato. Diferentemente dos modelos até então
propostos pela doutrina no que concerne, principalmente, à autoria mediata, Roxin,
demonstra que com os “aparelhos organizados de poder” em face do domínio de
organização, o autor mediato utiliza-se de um “instrumento” livre, responsável
também pelos seus atos.
Destarte, aquele que ordena tem condições de renunciar à coação ou ao
engano do autor imediato, isso, porque, no caso dele não cumprir o comando, o
aparato dispõe, suficientemente, de outros indivíduos para assumir e substituir o
antigo executor, que é mero instrumento para a efetivação dos fatos. Desse modo,
na forma de autoria mediata, é comum que o “homem de trás” sequer conheça
pessoalmente o executor imediato.232
Neste sentido CLAUS ROXIN assevera:
“O exemplo histórico que esteve diante de meus olhos no desenvolvimento desta forma de autoria mediata foi o domínio nacional-socialista da violência. Quando Hitler, Himmler ou Eichmann (que fora processado, em 1961, na cidade de Jerusalém) deram ordens de matar, podiam estar seguros de sua execução, pois, diferentemente de uma instigação, a eventual recusa de algum exortado, na execução da ordem, seria incapaz de fazer com que o fato ordenado não fosse levado a cabo. Neste contexto, o comando seria cumprido por outra pessoa. Por isso, autor mediato é, segunda a minha concepção, todo aquele que tem, em suas mãos, a alavanca de controle do aparato de poder, independentemente do grau hierárquico, e, através de uma instrução, pode dar origem a fatos penais, nos quais não importa a individualidade do executante.”233
232
ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio de organização, in Temas de Direito Penal. Parte geral. Luís Greco e Danilo Lobato (coordenadores). P. 323-324. 233
ROXIN, Claus. Autoria mediata por meio de domínio de organização, in Temas de Direito Penal. Parte geral. Luís Greco e Danilo Lobato (coordenadores). P. 324.
113
Pode concluir-se que, nesse tipo de autoria mediata, não importa o modo
como se deu a execução do fato e nem tampouco quem a cumpriu. O que na
verdade é essencialmente importante para o “homem detrás” é a realização efetiva
da atividade delitiva, que está assegurada por meio da estrutura de aparato de
poder. Assim, o “homem detrás” poderá confiar que algum dos indivíduos do aparato
cumprirá suas ordens criminosas, pois a automatização do aparato fundamenta o
domínio sobre a execução direta do ato, bem como sobre os executores diretos. 234
Nesse ínterim, é possível perceber a diferença de “papéis” entre o autor
mediato e autor imediato, através do exemplo trazido por KAI AMBOS, em sua obra:
A parte geral do direito penal internacional, na qual o referido autor traz a fala do
antigo ditador Pinochet, em relação às suas ordens à Manuel Contreras, antigo
chefe do Serviço Secreto Chileno:
Há muitas coisas que eu pedi para eles fazerem, mas que coisas? Eu tive que exercer o poder. Mas eu nunca poderia dizer que eu estava realmente correndo. Eles estavam sob as ordens, sob a supervisão de toda a junta, os quatro membros da junta [...]. E eu gostaria que você entendesse o seguinte: O chefe do exército sempre pergunta: "O que você vai fazer com isso?" A questão de "como" ou "como eu vou fazer isso?" é uma questão para o chefe de inteligência ao invés de chefe do exército.
É importante ressaltar que o que garante ao autor mediato (“homem detrás”)
a execução do fato delitivo e, consequentemente, o domínio dos acontecimentos, é
a fungibilidade do autor imediato, ou seja, a substitutibilidade do executor.
Nesse sentido, afirma CLAUS ROXIN:
“O atuante imediato é apenas uma roldana substituível dentro das
engrenagens do aparato de poder.”235
Também, no que concerne à fungibilidade, CLAUS ROXIN vai além e afirma:
[...] nada muda quanto à punibilidade do autor imediato que, ao fim, realiza um homicídio com as suas próprias mãos. No entanto, os “comandantes” da alavanca de controle do aparato de poder são autores mediatos, uma vez que a execução do fato, diferentemente da instigação, não depende da decisão do autor imediato. Visto que a autoria imediata do executor e a mediata do homem detrás dependem de pressupostos diversos, respectivamente, uma em
234
AMBOS, Kai. A parte geral do direito penal internacional. P. 255. 235
Autoria mediata por meio de domínio de organização, in Temas de Direito Penal. Parte geral. Luís Greco e Danilo Lobato (coordenadores). P. 324.
114
razão do atuar de próprio punho e a outra em função da condução do aparato; ambas podem, sem dúvidas, lógica e teleologicamente coexistir lado a lado, contrariando, assim, um pensamento amplamente difundido. A forma de aparição descrita do autor mediato é a expressão juridicamente adequada para o fenômeno do “autor de gabinete” ou “autor de escrivaninha”, que, sem prejuízo de seu domínio do fato, carece, necessariamente, de autores imediatos. 236
Assim, diferentemente dos modelos clássicos propostos, a autoria mediata,
por meio do aparato organizado de poder, demonstra que essa autoria coexiste em
função da própria estrutura do aparato organizado, que funciona automaticamente,
sem depender da individualidade da pessoa do executor. Desse modo, é latente a
presença da fungibilidade desses aparatos e, singularmente, nesses casos, o autor
imediato responderá pelos seus atos, uma vez que, não agiu em detrimento de
coação, nem tampouco de erro, mas sim, de modo livre. Entretanto, uma postura
oponível em face de ordens vindas por parte do autor mediato não faria com que os
fatos penalmente relevantes não ocorressem.
Em “mão” inversa, argumenta GÜNTHER JAKOBS, afirmando que não pode
haver autoria mediata, quando autor mediato e imediato concorrem em condutas
plenamente responsáveis. Assim, para o referido autor, um “chefe de quadrilha” que
“apenas” comanda os crimes que devem ser executados, deve ser tido como um
coautor e, por isso, não há necessidade alguma de “convertê-lo” artificialmente em
autor mediato pelo desvio do domínio de aparelhos organizados de poder. 237
Entretanto, a proposta trazida por ROXIN demonstra ser bastante coerente,
pois quando se observa uma organização política, militar ou criminosa, e a suas
relações hierárquicas, apresenta-se nítida a posição que ocupam os emissores e
receptores das ordens nessas estruturas de poder, uma vez que os emissores estão
demasiadamente distantes dos receptores, e estes podem ser substituídos a
qualquer momento. Portanto, não existem vínculos entre eles, desse modo,
afastando-se da concepção de coautoria e aproximando-se da idéia da concepção
de autor mediato.
Corrobora nesse sentido: JORGE DE FIGUEIREDO DIAS:
236
Autoria mediata por meio de domínio de organização, in Temas de Direito Penal. Parte geral. Luís Greco e Danilo Lobato (coordenadores). P. 324. 237
Crítica à teoria do domínio do fato. P. 39-40.
115
Dada a grande disponibilidade de meios de tais organizações – que assim se apresentam como “unidades funcionais” com vida própria, independentemente dos concretos indivíduos que a compõe – o executor do crime quando surge como elemento fungível que, mesmo quando actue sem culpa dolosa, em nada afecta o verdadeiro domínio do facto do homem-de-trás. O “domínio da organização” constitui por conseguinte – suposta a hierarquização rígida da estrutura organizatória, a fungibilidade do agente e a actuação da organização fora do quadro da ordem jurídica – uma forma da vontade que, indiferentemente à atitude subjectivo-psicológica do homem-da-frente, integra um fundamento autônomo da autoria mediata.238
Desse modo, os executores são apenas peças substituíveis e carentes de
significação, portanto, não sendo sequer necessário que o autor mediato os
conheça. Imagine o autor executor como um componente “na engrenagem dos
aparatos do poder” e o “homem de trás” por causa do seu “grau de domínio por
organização”; em que pese estar distante do fato propriamente dito, ainda será o
personagem principal do acontecimento.
Para chegar a um conceito de domínio por organização equilibrado que não
seja nem tão “aberto” e nem tão solidificado, dogmaticamente, utiliza-se de uma
distinção aproximativa que parte por um lado dos crimes cometidos por aparatos
organizados de poder estatais e, por outro lado, daqueles aparatos organizados de
poder não estatais.
5.3.1. CRIMES COMETIDOS POR APARATOS ORGANIZADOS DE PODER
ESTATAIS
Quanto às ações empregadas pelo aparato organizado de poder, aqui se
tem a presença de um poder estatal, a exemplo, os representados pelo poder
totalitário, como o sistema nazista, e outros sistemas fascistas, bem como as
ditaduras real-socialistas de cunho estalinista.
Infelizmente, não nos falam de crimes praticados por representantes de
algumas nações, quando à frente de seus países, utilizaram da força por meio do
aparato estatal, via de regra, buscando reprimir as vozes que ecoavam contrariando
seus interesses, mormente revestidos da ausência de razão.
238
Direito Penal. Parte geral. Tomo I. P. 788
116
A referiada teoria foi suscitada em alguns casos de repercussão, tais como
no julgamento dos generais da Junta Militar Argentina pelos crimes cometidos
durante o período ditatorial em 1985; o julgamento do Tribunal Federal Alemão
(BGH), de 1994, ao reconhecer a responsabilidade penal dos membros do Conselho
de Defesa Nacional da antiga Alemanha Oriental pelos crimes praticados pelos
guardas do muro de Berlim. Assenta-se, na mesma oportunidade, a possibilidade de
aplicação da teoria criada por CLAUS ROXIN à criminalidade praticada no âmbito
das empresas. Em 2008, Tribunal Penal Internacional condenou Germain Katanga,
comandante rebelde congolês, o qual foi acusado de crimes de guerra e contra a
humanidade durante um ataque contra a aldeia de Bogoro, na província de Ituri,
leste da República Democrática do Congo. Houve também a condenação do ex-
presidente peruano, Alberto Fujimori, pela Câmara Penal Especial da Corte
Suprema Peruana, à pena de 25 anos de privação de liberdade (07 de abril de 2009)
pela perpetração de crimes de homicídio qualificado, lesões corporais graves e
sequestro agravado no denominado caso “La Cantuta” e Barrios Altos”.
Nesse sentido, KAI AMBOS em comento ao caso em que foram julgados os
generais da Junta Militar Argentina, assevera: “dos fundamentos – acertados – da
decisão da Câmara e da maioria da Corte Suprema deriva – como confirmação da
teoria do domínio por organização – a regra geral de que a estrutura da organização
de um aparato militar de poder pode transferir aos homens de trás responsáveis o
domínio do fato sobre os autores imediatos”.239
5.3.2. CRIMES COMETIDOS POR APARATOS ORGANIZADOS DE PODER
NÃO ESTATAIS
Aqui, ao contrário do visto no item anterior, não se vislumbra a presença de
um poder estatal engendrado. Neste contexto, é de todo oportuno ressaltar que os
aparatos de poder devem consistir em verdadeiras “organizações criminosas”, ao
passo que não se podem abarcar aí as empresas, uma vez que estas, em regra, não
são entidades criminosas por si mesmas, porquanto somente perseguem, no
exercício de suas atividades, a obtenção legal de benefícios financeiros sendo certo
239
AMBOS, Kai. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. P. 68.
117
que eventuais infrações são exceções, a não ser que estas sejam constituídas
visando fins ilícitos.
Assim, aqui se considerariam como aparatos organizados de poder não
estatal as organizações criminosas, inclusive as terroristas, destinadas a manter ou
incrementar o poder com uma estrutura rigorosa de organização e de mando. Assim,
e faz mister destacar que não basta haver uma estrutura organizada, se houver
descentralização em seus processos, ou ainda, sendo centralizados os processos
não será possível a substituição mecânica do suposto executor, uma vez que isso
fere o requisito da fungibilidade.240
Sob este prima, poderia servir como exemplo a atuação de grupos
extremamente organizados presentes em diversas comunidades do Rio de Janeiro e
de São Paulo (respectivamente Comando Vermelho e PCC), ou ainda grupos
terroristas como a Al-Qaeda, que atuam em diversos países, muito embora
concentrem suas atividades criminosas no Oriente Médio.
Destaca KAI AMBOS que: “O domínio por organização parece possível,
desde o princípio, apenas em um aparato formal de poder, isto é, em uma
organização que seja estruturada hierarquicamente de maneira linear e que seja
composta por um número suficientemente grande de autores substituíveis”. 241
5.3.3. AUTORIA DE ESCRITÓRIO OU MEDIATA ESPECIAL
Tal modalidade de autoria, conforme argumentos supra expostos, não deve
ser confundida com a autoria mediata simples ou convencional (autoria mediata por
coação ou erro). Daí, a nomenclatura autoria de escritório, autoria de gabinete ou
simplesmente autoria mediata especial.
Segundo EUGENIO RAÚL ZAFFARONI “esta forma de autoria mediata
pressupõe uma „máquina de poder‟, que pode ocorrer tanto num Estado em que se
rompeu com toda a legalidade, como numa organização para estatal (um Estado
240
AMBOS, Kai. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. P. 68 e 69. 241
AMBOS, Kai. Direito Penal: fins da pena, concurso de pessoas, antijuridicidade e outros aspectos. P. 70.
118
dentro do Estado), ou como uma máquina de poder autônoma „mafiosa‟, por
exemplo”.242
Dessa forma, para configurar tal modalidade de autoria, não basta que haja
uma simples associação com vistas à prática de atos ilícitos; deve coexistir uma
verdadeira organização caracterizada pelo aparato de poder devidamente
hierarquizado e também pela fungibilidade de membros, ou seja, se uma pessoa
determinada não cumprir a ordem, outro o fará.
Assim, o autor que possui o domínio funcional do fato, ou seja, que cumpre
ordem determinada, por exemplo, pelo chefe um uma organização criminosa,
redundância não pode ser considerado como mero instrumento, uma vez, que de
forma consciente, executa as ordens provindas do “cabeça da organização”. Nessa
hipótese, por terem ambos o domínio do fato, tanto o executor como o determinador,
ambos são autores responsáveis e, portanto, deveriam ser punidos.
242
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. Vol. I. P. 582.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. O instituto do concurso de pessoas, ainda que sob outras nomenclaturas,
foi objeto de preocupação dos legisladores desde os primeiros documentos legais
voltados à seara do Direito Penal no Brasil.
2. As duas teorias mais festejadas são, respectivamente, a Unitária e a
Pluralística, todavia, destaca-se como a mais presente nas legislações penais e a
mais procedente a primeira. A nossa legislação penal atual, claramente, adotou a
Teoria Unitária ou Monística.
3. Em que pese a teoria do domínio do fato ter sido obra do movimento
finalista a adoção de alguns critérios trazidos pelo funcionalismo, sobre tudo com o
estudo da imputação objetiva, resta claro que as teorias podem se completar na
busca por um critério justo e cristalino na verificação da responsabilidade do autor e
do participe.
4. Dentre as teorias propostas ao longo dos tempos a teoria do domínio do
fato (objetivo-subjetiva) aparece como uma síntese das teorias anteriores, visando
oferecer maior coerência e até mais justiça na conceituação de autor, o qual aparece
como quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato.
5. A teoria recepcionada pelo Código Penal brasileiro, destacada em seu
artigo 13, para delimitar a relação de causalidade foi, inicialmente, a da equivalência
das condições ou conditio sine qua non que tem intima relação com a questão do
concurso de pessoas.
6. Em tese, não seria o objetivo substituir os critérios adotados pelo
legislador que inseriu o artigo 13 no Código Penal, mas, de fato, agregar como um
filtro que logo após a constatação do elo entre conduta e resultado seria utilizado
para verificar se houve ou não, por exemplo, a transgressão a norma, se o agente
agia dentro de um risco permitido ou não, utilizando assim alguns elementos
encontrados no desenvolvimento da imputação objetiva o que poderia colaborar
para a melhor aplicação do direito na busca pela justiça.
7. No que tange às ações neutras (cotidianas) tem-se grande preocupação,
tendo em vista que o tema está ainda em desenvolvimento, entretanto com presença
do artigo 29 do código penal brasileiro, é possível afirmar que essas ações já são
120
em certo grau puníveis, nos casos em que o agente concorre dolosa ou
culposamente para a realização do crime. Todavia não restam duvidas quando o
agente de alguma forma, consciente, colabora para o resultado, deste modo uma
ação aparentemente cotidiana passa a ser não neutra. A problemática discutida pela
doutrina fica a cargo da colaboração quase que inconsciente, de certo modo, visto
por alguns doutrinadores como uma obrigação de evitar o resultado, a qual a lei não
determina.
8. O domínio por organização tem como pressuposto a existência de uma
organização estruturada de modo hierárquico e restrito a um domínio do fato do
superior sobre os executores fungíveis.
9. A desvinculação do direito desses aparatos de poder não tem por que ser
excluída, mas não constitui uma condição nem suficiente nem necessária do
domínio por organização. Portanto, resulta prescindível como elemento estrutural do
domínio por organização.
10. O domínio por organização pode se dar por meio de uma estrutura de
poder de organização estatal ou não estatal, ou seja, Estados totalitários e
determinadas formas de criminalidade organizada, na medida em que essa última
possua os elementos estruturais mencionados.
Com adoção da teoria do domínio do fato e consequentemente com base
nos estudos de Claus Roxin, sobre a organização por estrutura de poder alarga-se,
a figura do autor mediato para aqueles casos em que o executor age dolosamente.
11. Uma das questões mais debatidas pela doutrina é a relativa ao "domínio
da organização". Imputar apenas uma participação de somenos importância àqueles
que dominam as estruturas de poder, não condiz com a realidade tendo em vista
que existe neste caso o domínio pela estrutura organizada de poder.
121
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