Post on 19-Feb-2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Oscar Silvestre Filho
Globalização e Direitos Humanos: O Estado Constitucional Cooperativo como Política
Instrumental Internacional à Efetivação do Direito Humano Ambiental
Doutorado em Direito
São Paulo
2020
Oscar Silvestre Filho
Globalização e Direitos Humanos: O Estado Constitucional Cooperativo como Política
Instrumental Internacional à Efetivação do Direito Humano Ambiental
Doutorado em Direito
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Direito (Área de Concentração:
Efetividade do Direito), sob a orientação do Prof.
Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira.
São Paulo
2020
Banca Examinadora
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Aos meus mestres Eduardo Dias de
Souza Ferreira, Frederico da Costa
Carvalho Neto e João Calil Vieira de
Camargo.
“O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”
Número de Processo 88887.160873/2017-00
“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001”
Case Number 88887.160873/2017-00
Deixo registrado profunda gratidão à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), bem como à Fundação São Paulo (FUNDASP), pela concessão da bolsa
de estudos a mim proporcionada no curso da Pós-Graduação da PUC/SP, que ora financiou a
elaboração desta Tese de Doutorado.
Agradecimentos
Registro agradecimentos aos Doutorandos do Programa de Doutorado em Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialmente à Primeira Turma de Direitos
Humanos (2017) desta renomada Instituição, pelos momentos memoráveis dos bancos
acadêmicos.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, estendendo as
homenagens ao seu quadro docente pelo compromisso profissional na formação de
pesquisadores das ciências sociais e jurídicas, com ampla reputação no Brasil e no exterior.
Aos amigos e amigas do Doutorado, Bruno Carlos dos Rios, Wilson Vinci Júnior,
Nayara Maria Silvério da Costa Dallefi e Isadora Urel, meus sinceros agradecimentos pelas
inúmeras horas agradáveis que juntos passamos na PUC/SP.
À minha mãe, Neide Maria de Almeida Silvestre, com todo o meu amor, por tudo
que proporcionou em minha jornada pessoal e profissional, enfrentando os desafios e
intempéries da vida, a fim de que eu pudesse ter uma educação de qualidade e ser útil à
sociedade. Certamente seus princípios e ensinamentos acerca da vida estarão sempre em
minha mente, e que as duas palavras mais importantes da Língua Portuguesa, “Por favor” e
“Obrigado”, estarão juntas comigo aonde eu estiver. Obrigado por ser a minha mãe, por estar
sempre comigo e por acreditar em meus sonhos. Te amo!
Ao meu orientador, Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira, docente extremamente
afável, competente e atencioso, pessoa a quem tenho extrema admiração e respeito no âmbito
profissional, cujo trabalho recebe a minha dedicatória com o mais profundo carinho,
reconhecimento e gratidão pela oportunidade que me proporcionou como seu orientando na
PUC/SP.
Ao meu ex-orientador no Programa de Mestrado, Dr. Frederico da Costa Carvalho
Neto, a quem também atribuo a dedicatória desta Tese, docente dotado de inúmeras
qualidades e de amplo conhecimento nas ciências jurídicas, cuja contribuição na pós-
graduação fora de extrema importância para minha formação profissional como pesquisador
do Direito.
Agradeço ainda ao Dr. João Calil Vieira de Camargo, verdadeiro ser humano
iluminado por “Deus”, com espírito solidário, humano, gentil, sempre disposto a ouvir e ao
mesmo tempo ajudar, pessoa a quem, além de aqui deixar meu agradecimento e minha eterna
gratidão por acreditar em mim, também dedico esta Tese de Doutorado, com o maior amor e
carinho de um filho a um pai, sempre presente em minha vida e acompanhando de perto
minha evolução pessoal e profissional. Saiba que você, indiscutivelmente, é o meu maior
exemplo de pessoa, de caráter e de profissional, além de reflexo de pai que um dia almejo ser
aos meus filhos. Te amo!
Por fim, agradeço à minha querida esposa, Silvana Momesso, por todo o amor,
carinho, companheirismo, compreensão, paciência e incentivo durante a elaboração deste
trabalho. Sem dúvida, sua presença fora de extrema importância durante o curso, não só pela
leitura dos textos que por mim foram escritos, mas também na contribuição de ideias e
reflexões a respeito do tema. Obrigado por tudo, especialmente pela pessoa que é e por
acreditar em mim. Te amo, sempre!
RESUMO
O presente trabalho tem como pertinência temática a análise do fenômeno da
globalização e a identificação do meio ambiente como direito humano resultante da
cooperação dos Estados em âmbito internacional. O desenvolvimento da sociedade em meio
às novas tecnologias e os modos de comunicação tiveram como reflexos a interligação de
países e continentes, proporcionando não só a criação de um novo cenário global, mas a
identificação e exigências de novos valores sociais que devem integrar o cotidiano dos povos.
Com o olhar voltado para o processo de desenvolvimento econômico dos Estados, se por um
lado há uma ação humana pela satisfação das necessidades materiais na constante busca do
lucro, em contraposição há reações sistemáticas que se dissipam na sociedade global
caracterizando o chamado “risco social” do mundo contemporâneo. Na visão do sociólogo
alemão Ulrich Beck, “risco” caracteriza-se numa força social que reside nas ameaças à
humanidade ora projetadas para o futuro, destacando-se como paradigmas a degradação
ambiental e a desigualdade social. Nesse aspecto, a produção de riscos atinge não apenas o
seu respectivo causador de forma isolada, mas toda sociedade de forma global, uma vez que
seus efeitos não respeitam os limites fronteiriços do Estado-nação, caracterizando, assim, a
relativização da soberania. É nesse sentido que, em se tratando de problemas ambientais, e
tendo em vista os debates e conferências internacionais que já versaram acerca do assunto
pontuando a ausência de limitação ou de jurisdição territorial para a respectiva proteção, tem-
se que, a partir do Estado Constitucional Cooperativo de Peter Häberle, apresenta-se uma
possível vertente para o meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado em âmbito
internacional, renovando-se os hábitos e valores atribuídos aos Estados e à sociedade em
geral, fundados no dever de cooperação e no espírito de solidariedade humanista, tendo-se
como políticas instrumentais as Conferências Internacionais acerca do tema e a Opinião
Consultiva OC-23/17 sobre meio ambiente e direitos humanos.
Palavras-Chave: Globalização – Meio Ambiente – Direitos Humanos – Estado – Cooperação
ABSTRACT
The present work has as thematic relevance the analysis of the phenomenon of
globalization and the identification of the environment as a human right resulting from the
cooperation of States in the international sphere. The development of society among the new
technologies and modes of communication reflected the interconnection of countries and
continents, providing not only the creation of a new global scenario, but the identification and
demands of new social values that must integrate the daily lives of peoples. Looking at the
process of economic development of the States, if on the one hand there is a human action for
the satisfaction of material needs in the constant pursuit of profit, in contrast there are
systematic reactions that dissipate in the global society characterizing the so-called “social
risk” of the contemporary world. In the vision of the German sociologist Ulrich Beck, “risk”
is characterized by a social force that resides in the threats to humanity now projected for the
future, highlighting as paradigms environmental degradation and social inequality. In this
respect, the production of risks affects not only the individual perpetrator, but all society as a
whole, since its effects do not respect the frontier boundaries of the nation state,
characterising, thus, the relativization of sovereignty. It is in this sense that, in the case of
environmental problems, and in view of the international debates and conferences that have
already dealt with the subject, highlighting the absence of limitation or territorial jurisdiction
for their protection, from the Cooperative Constitutional State of Peter Häberle, there is a
possible international aspect to the environment which is healthy and ecologically balanced,
renewing the habits and values accorded to States and to society in general, founded on the
duty of cooperation and the spirit of humanist solidarity, using as instrumental policies the
International Conferences on the theme and the Consultative Opinion OC-23/17 on the
environment and human rights.
Keywords: Globalization – Environment – Human Rights – State – Cooperation
LISTA DE ABREVIATURAS
ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Sólidos)
BBC (British Broadcasting Corporation)
BIRD (Banco Mundial)
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
CESUMAR (Centro Universitário de Maringá)
CIDHs (Corte Interamericana de Direitos Humanos)
CMMAD (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento)
EUA (Estados Unidos da América)
EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)
FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)
FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo)
FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo)
FMI (Fundo Monetário Internacional)
FUNDASP (Fundação São Paulo)
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente)
MERCOSUL (Mercado Comum do Sul)
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)
ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável)
ODM (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio)
OMS (Organização Mundial da Saúde)
ONGs (Organizações Não Governamentais)
ONU (Organização das Nações Unidas)
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)
PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)
PUC/MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
PUC/RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)
RDCI (Revista de Direito Constitucional e Internacional)
SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente)
STF (Supremo Tribunal Federal)
TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)
UCB (Universidade Católica de Brasília)
UE (União Europeia)
UEL (Universidade Estadual de Londrina)
UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
UFPR (Universidade Federal do Paraná)
UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)
UFSM (Universidade Federal de Santa Maria)
UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
UnB (Universidade de Brasília)
USJT (Universidade São Judas Tadeu)
USP (Universidade de São Paulo)
UNESP (Universidade Estadual Paulista)
UNICAMP (Universidade de Campinas)
UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo)
UNICEUB (Centro Universitário de Brasília)
UNISUL (Universidade do Sul de Santa Catarina)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................................. 15
1. DA TEORIA DOS PODERES NA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................ 19
1.1 O QUE É PODER? .................................................................................................................................................................. 24
1.2 PODER IDEOLÓGICO .......................................................................................................................................................... 30
1.3 PODER POLÍTICO ................................................................................................................................................................ 32
1.4 PODER JURÍDICO ................................................................................................................................................................. 34
1.5 PODER ECONÔMICO........................................................................................................................................................... 36
1.6 PODER DA MÍDIA ................................................................................................................................................................. 40
1.7 PODER DO ESTADO E A CRISE DO ESTADO-NAÇÃO ................................................................................................. 45
1.8 GLOBALIZAÇÃO .................................................................................................................................................................. 49
1.9 DO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO ........................................................................................................ 52
1.10 DA TEORIA DOS PODERES COMO PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL À EFETIVIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS ..................................................................................................................................................................................... 56
2. GLOBALIZAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE .................................................................................... 59
2.1 DA INFORMATIZAÇÃO E AUTOMAÇÃO........................................................................................................................ 63
2.2 DA DESTERRITORIALIZAÇÃO ......................................................................................................................................... 67
2.3 GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS ..................................................................................................................... 72
2.4 ORIGEM DA TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................................................ 77
2.5 DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA AMBIENTAL ................................................. 79
2.6 DAS REIVINDICAÇÕES À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................................ 83
2.7 DA PRIMEIRA DIMENSÃO DOS DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL ...................................... 85
2.8 DA SEGUNDA DIMENSÃO DE DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL .......................................... 87
2.9 DA TERCEIRA DIMENSÃO DE DIREITOS HUMANOS COM ENFOQUE AMBIENTAL ........................................ 88
2.10 DOS DIREITOS HUMANOS COMO DIREITOS EXPANSIVOS ................................................................................... 90
2.11 DA INTERRELAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE E OS DIREITOS HUMANOS.................................................. 92
3. O MEIO AMBIENTE NO CENÁRIO GLOBAL ................................................................................................................... 96
3.1 DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL ................................................................................................................................. 102
3.2 IMPLICAÇÕES DO SISTEMA CAPITALISTA NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO .................................... 107
3.3 A QUESTÃO DA FINITUDE DOS RECURSOS NATURAIS E O AQUECIMENTO GLOBAL ................................. 112
3.4 DO PARADIGMA DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NO ÂMBITO INTERNACIONAL ............................... 115
3.5 OS REFLEXOS DA CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO PARA CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................................................................................ 118
3.6 A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (RIO/92) ... 121
3.7 O PROJETO DO MILÊNIO DAS NAÇÕES UNIDAS E A SUSTENTABILIDADE DO MEIO AMBIENTE ............ 123
3.8 DA CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RIO + 10) ........................................ 125
3.9 DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RIO + 20) ..... 126
3.10 A AGENDA 30 E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...................................................................................... 127
3.11 ENCÍCLICA PAPAL “LAUDATO SI” SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM ................................................... 129
4. O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO
HUMANO AMBIENTAL ........................................................................................................................................................... 135
4.1. DA CRISE AMBIENTAL E O SISTEMA DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA ORDEM JURÍDICA
NACIONAL .................................................................................................................................................................................. 136
4.2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...................... 138
4.3 DO PARADIGMA AMBIENTAL BRASILEIRO .............................................................................................................. 140
4.4 DESAFIOS DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ................................................................................................. 141
4.5 DA PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ............................................................................ 142
4.6 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ............................................................................................. 144
4.7 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ........................................................................................................................................... 147
4.8 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO............................................................................................................................................ 148
4.9 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR .......................................................................................................................... 150
4.10 PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO .................................................................................................................................... 152
4.11 PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO....................................................................................................................................... 156
4.12 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ...................................................................................................................................... 158
4.13 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIZAÇÃO INTEGRAL ................................................................................................. 160
4.14 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO ECOLÓGICO .................................................................................. 162
5. DA OPINIÃO CONSULTIVA OC-23/17 SOBRE MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS E O ESTADO
CONSTITUCIONAL COOPERATIVO COMO POLÍTICA INSTRUMENTAL INTERNACIONAL À
EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO AMBIENTAL ....................................................................................................... 165
5.1 DOS CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS .. 168
5.2 DA JURIDIÇÃO E A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS NA PROTEÇÃO AMBIENTAL ............................................... 171
5.3 DAS OBRIGAÇÕES E DEVERES DOS ESTADOS NO RESPEITO À VIDA E POSSÍVEIS DANOS AO MEIO
AMBIENTE .................................................................................................................................................................................. 174
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................................................. 179
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................................................... 184
15
INTRODUÇÃO
A elaboração deste trabalho teve início em meados do ano de 2018, no crédito
Direitos Humanos e Globalização, oferecido aos alunos regulares do Programa de Doutorado
em Direito, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP.
No início das aulas do respectivo crédito, mediante sorteio em sala, fui designado
para apresentar um seminário com o tema “Globalização e Direito Humano Ambiental”, pelo
qual, consequentemente, deu ensejo à construção desta tese de doutorado, ante a
complexidade do assunto e a problemática atual que envolve o tema no cenário global.
Inicialmente, discutiu-se no programa o conteúdo relevante acerca da expressão
“direitos humanos”, significando a conquista dos direitos da liberdade, igualdade e
fraternidade, observando-se a afirmação histórica de seu conteúdo, com princípios morais,
tratados internacionais e normas jurídicas voltadas para a proteção da pessoa humana.
Consequentemente, nos debates em sala de aula, bem como nas leituras constantes e
apresentações de seminários proferidas no curso pelos colegas também doutorandos, foram
pontuadas as notáveis mudanças que ocorreram no mundo a partir da segunda metade do
século XX, sendo a globalização o fenômeno responsável pelo processo de transformação das
relações sociais.
Além disso, muito se discutiu sobre as teorias dos poderes ideológico, político,
jurídico e econômico, bem como as interferências externas no poder do Estado-nação, ante a
relativização da soberania pelas forças econômicas mundiais que não respeitam os limites
territoriais e que também proporcionam reflexos negativos no bem-estar da população
nacional.
Analisou-se também o chamado “risco social”, termo esse designado pelo sociólogo
Ulrich Beck e destinado a explicar que a produção social de riquezas é acompanhada
sistematicamente pela produção social de riscos, uma vez que o processo de desenvolvimento
econômico, impulsionado pelo fenômeno da globalização, tem impacto direto no âmbito
social, econômico e cultural, dando ensejo, inclusive, ao surgimento da desigualdade social e
degradação do meio ambiente pelas empresas no cenário global.
Isso porque, na sociedade moderna, torna-se constante o debate de que o efeito da
globalização proporciona cada vez mais o vínculo das pessoas numa relação de
interdependência, tendo em vista que todos os seres humanos estão obrigados a participarem
16
do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, caracterizando-se uma relação
simbiótica que perfaz todo o globo terrestre.
Entretanto, é inegável que o fenômeno da globalização, ora proporcionado pela era
da informática e pelo segmento da tecnologia, acarretou a aproximação dos povos e Estados,
mas implicou, também, nos problemas relacionados ao desenvolvimento social, violações aos
direitos humanos e a degradação ambiental.
Contudo, em se tratando do meio ambiente, é indubitável que a degradação
ambiental em nível internacional é um dos principais problemas atuais que se encontra na
agenda dos Estados.
É extrema a preocupação com as presentes e futuras gerações, ante a utilização
reiterada dos recursos naturais por empresas nacionais e transnacionais, sem a devida
consciência social da sua respectiva finitude e que tem proporcionado reflexos negativos na
qualidade de vida, uma vez que o desenvolvimento tecnológico voltado para obtenção de
lucro não tem considerado os fatores prejudiciais que se refletem em face do ser humano e do
meio ambiente.
De fato, a ausência da observação dos efeitos da degradação do meio ambiente
visando a obtenção de lucro tem caracterizado sérios riscos para existência da vida no planeta
terra, pois os danos provocados pelos poluidores acabam refletindo diretamente não só em
face dos próprios agentes, mas também ao redor da sociedade em âmbito global,
concretizando uma destruição sistêmica e irreversível à espécie humana.
Esses riscos que hoje assolam a modernidade se manifestam através das atividades
desempenhadas pelas indústrias, gerando amplos reflexos na natureza e respectivos efeitos
nocivos em face da saúde humana, pois, a distribuição de poluentes e a contaminação do ar,
água, solo e alimentos, bem como ameaças à fauna e flora, expõem as políticas inadequadas
que direcionam o caminho para a escassez dos recursos naturais.
A partir dessa ótica, pode-se relacionar que a busca pelo lucro, sem a respectiva
responsabilidade social, tem como consequência primária a degradação do meio ambiente, na
medida em que a produção em massa pelas empresas se sobrepõe ao bem-estar humano,
implicando total desrespeito ao princípio da solidariedade, que consagra a proteção ambiental
para as presentes e futuras gerações.
Logicamente que essa visão terá como consequência um efeito secundário e
catastrófico, qual seja, a distribuição de riscos que ameaça a vida no planeta, surgindo os
seguintes questionamentos atuais acerca do tema: o atual modelo de desenvolvimento
17
econômico sem a observância da finitude dos recursos naturais sobreviverá em pleno século
XXI? Como queremos o futuro de nossos filhos e netos? Qual o desafio a ser enfrentado pelos
Estados, a fim de que se obtenha um modelo de desenvolvimento econômico sustentável? Há
necessidade de solidariedade entre os povos para a efetivação da tutela ambiental?
É a partir desses questionamentos que se observa a importância do Estado
Constitucional Cooperativo como uma política instrumental internacional, a fim de que se
assegure um desenvolvimento sustentável no planeta, desde que acompanhada de educação
ambiental e consciência social pelos povos.
Para tanto, buscando-se o êxito desse desenvolvimento, a cooperação de todos os
países, com vistas à preservação do meio ambiente fundado num paradigma de solidariedade,
não deverá encontrar limites territoriais ou jurisdição por parte dos Estados para que seja
efetivada a tutela ambiental em benefício da coletividade em geral.
Isso porque, tratando-se de danos fronteiriços, como no caso da degradação do meio
ambiente, a jurisdição do Estado vai para além de seu território, uma vez que o meio
ambiente, caracterizado como direito difuso, bem como um direito humano, deverá ser
protegido em âmbito global com a cooperação dos povos.
Assim, a proposta deste trabalho tem como fator metodológico amplas pesquisas em
artigos científicos, obras jurídicas, filosóficas e jurisprudências, bem como a análise do meio
ambiente através de Opinião Consultiva emanada pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
No desenvolvimento do trabalho, o primeiro capítulo destina-se a explicitar a teoria
dos poderes na contextualização dos direitos humanos, elucidando-se o conceito de poder e
suas teorias ideológica, política, jurídica e econômica, bem como o poder da mídia no cenário
da globalização.
Além disso, o referido capítulo destina-se a discutir a crise do Estado-nação em face
da relativização da soberania pelas forças econômicas mundiais, apresentando o Estado
Constitucional Cooperativo como importante instrumento internacional à preservação do meio
ambiente, mediante a implantação de um modelo de gestão cooperativa entre as nações, com
vistas a solucionar os problemas que afrontam à dignidade da pessoa humana.
No segundo capítulo, a análise recai sobre a globalização e seus possíveis impactos
em nível internacional, justificando-se o avanço da informatização e automação, bem como a
desterritorialização como consequência desse fenômeno que não respeita fronteiras e nem
limites territoriais. Pontua-se também as dimensões da liberdade, igualdade e fraternidade,
18
ambos com enfoque no meio ambiente, justificando-se cada dimensão e sua interrelação com
a questão ambiental.
O terceiro capítulo destina-se a analisar o meio ambiente no cenário global,
demonstrando a problemática atual e suas implicações que decorrem do sistema capitalista,
especialmente quanto à limitação dos recursos naturais.
Para tanto, expõem-se as conferências internacionais destinadas à proteção do meio
ambiente visando um desenvolvimento sustentável, com a menção das Agendas criadas pela
ONU, a fim de orientarem os Estados na condução das políticas ambientais.
No mesmo capítulo, também é exposta a reflexão que o Papa Francisco apresenta ao
mundo acerca das condutas humanas no trato com o meio ambiente, pontuando que, se
embora houve o avanço do ser humano na criação de tecnologias inovadoras, por outro lado,
houve retrocesso, no sentido de que se vislumbra atualmente a incompatibilidade entre o
capitalismo e os direitos humanos.
Já no quarto capítulo, apresenta-se o Estado Constitucional Cooperativo como uma
política instrumental internacional, a fim de se promover a efetivação do meio ambiente como
um direito humano, adotando-se no ordenamento jurídico dos Estados princípios protetivos
oriundos de convenções internacionais, além da necessidade da cooperação entre os Estados
na implementação de políticas que visem a sustentabilidade.
No quinto e último capítulo, analisa-se a Opinião Consultiva OC-23/17 sobre o meio
ambiente e direitos humanos, ressaltando-se a importância do Estado Constitucional
Cooperativo para a criação de um planeta sustentável, mediante a análise da jurisdição dos
Estados e seus respectivos deveres e obrigações para a proteção ambiental.
Por fim, conclui-se pela importância do Estado Constitucional Cooperativo na
concretização da sustentabilidade ambiental, na medida em que se exige uma construção
necessária de um consenso coletivo para o bem-estar social, difundindo-se a educação
ambiental para além dos territórios, afirmando-se os valores universais em prol de todos os
seres humanos sem exceção e a caracterização do meio ambiente como um direito humano.
19
1. DA TEORIA DOS PODERES NA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Ao longo da história, observa-se que a discussão que envolve o tema a respeito do
avanço dos direitos humanos, seja no âmbito interno ou no plano internacional, refere-se
unicamente à defesa da própria humanidade, subentendendo o desenvolvimento do ser
humano e dos povos no decorrer dos séculos.
Nesse processo de afirmação dos direitos humanos, constata-se que o rol dos direitos
se amplia a cada período de tempo e continua a se modificar, na medida em que há avanço no
desenvolvimento humano, ante as mudanças no paradigma da história que acarretam novos
reclamos sociais.
No decorrer dos anos, décadas e séculos, direitos que foram declarados absolutos em
determinados momentos da história, acabaram por sofrer limitações em ocasiões posteriores.
Direitos que sequer existiam em séculos passados passaram a fazer parte de Constituições e
instrumentos jurídicos internacionais, mediante o avanço da sociedade e a emergência de
novas pretensões para a civilização da época.
Norberto Bobbio bem explica que:
“O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a
mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das
classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das
transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do
século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais
limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século
XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados
com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro,
poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar,
como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar
a vida também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem
direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica
e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras
culturas.”1
É importante ressaltar e reconhecer que o homem difere dos demais seres vivos na
terra por ser dotado de um requisito intrínseco e inalienável, qual seja, a sua própria condição
humana, ora caracterizada pela dignidade da pessoa humana, atributo indispensável e que hoje
fundamenta o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
1 BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, Tradução: Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer, Nova
ed., 7ª reimpressão, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18.
20
A dignidade da pessoa humana caracteriza-se como um princípio tão importante na
sociedade moderna que, ao longo do desenvolvimento da história, deixou de ser um valor
previsto apenas nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados para adquirir amplo
reconhecimento no plano internacional, inclusive com tratados que versam a respeito dos
direitos humanos.
Carmem Tiburcio e Luís Roberto Barroso preconizam que:
“A dignidade humana é um conceito encontrado na maioria das constituições
redigidas após a Segunda Guerra Mundial. É geralmente reconhecido que a ascensão
da dignidade como um conceito jurídico tem suas origens mais diretas no Direito
Constitucional alemão. De fato, baseado nas disposições da Lei Fundamental de
1949, que declara que a dignidade humana deve ser “inviolável” (Art. 1.1) e
estabelece o direito ao “livre desenvolvimento da personalidade” (Art. 2.1), o
Tribunal Constitucional Federal alemão desenvolveu jurisprudência que influencia
decisões judiciais e escritos doutrinários por todo o mundo. De acordo com o
Tribunal, a dignidade humana se situa no ápice do sistema constitucional,
representando um valor supremo, um bem absoluto, à luz do qual cada um dos
outros dispositivos deve ser interpretado.”2
No Brasil, a dignidade da pessoa humana integra um dos fundamentos da República
Federativa do Estado, na medida em que aludido valor é garantido mediante o
reconhecimento, respeito e implementação dos direitos humanos de que são titulares todos os
cidadãos.
Jorge Miranda pontua que “A constituição confere uma unidade de sentido, de valor
e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade
da pessoa humana, ou seja, na conceção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e
do Estado.”3
Nesse sentido, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, o princípio da
dignidade da pessoa humana encontra-se na base dos ordenamentos jurídicos dos Estados
modernos, na medida que aludido princípio deverá ser interpretado juntamente com as demais
legislações que integram e organizam a estrutura das nações, radiando seus efeitos por todo o
sistema jurídico.
A despeito disso, Ana Paula Gonçalves Pereira de Barcellos pontua que:
“Realmente, o princípio da Dignidade da Pessoa está na base de todos os direitos
constitucionalmente consagrados, quer dos direitos e liberdades tradicionais, quer
2 TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto, Direito constitucional internacional, Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 58-59.
3 MIRANDA, Jorge, Direitos fundamentais, 2ª ed., Coimbra: Edições Almedina, S.A., 2018, p. 221.
21
dos direitos de participação política, quer dos direitos dos trabalhadores e direitos a
prestações sociais.”4
Daniel Sarmento sustenta ainda que a dignidade da pessoa humana se caracteriza
como o respeito da identidade pessoal de cada ser humano, cabendo ao Estado tomar as
devidas precauções, a fim de se evitar certas arbitrariedades que violem aludido direito
constitucional:
“É possível falar em um direito fundamental ao reconhecimento, que é um direito ao
igual respeito da identidade pessoal. Trata-se de um direito que tem tanto uma faceta
negativa como outra positiva. Em sua faceta negativa, ele veda as práticas que
desrespeitem as pessoas em sua identidade, estigmatizando-as. Na dimensão
positiva, ele impõe ao Estado a adoção de medidas voltadas ao combate dessas
práticas e à superação dos estigmas existentes.”5
No plano internacional, a dignidade da pessoa humana se perfaz como princípio
estruturante do Direito Internacional dos Direitos Humanos, caracterizando um sistema
normativo, chancelado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da
Organização das Nações Unidas – ONU, de pleno conhecimento universal pelos Estados-
nação.
Célia Rosenthal Zisman expõe que os Estados soberanos que não dispõem em suas
Constituições do princípio da dignidade da pessoa humana devem se submeter ao valor nele
consagrado em decorrência da atuação da comunidade internacional. Isso porque, permitir que
os Estados não respeitem o princípio da dignidade da pessoa humana, acarretaria riscos à
própria humanidade e verdadeiro retrocesso do direito em pleno século XXI:
“Não há alternativa, sob risco de tolerar, a humanidade, a barbárie perpetrada e a
exterminação de pessoas, culturas, religiões e patrimônio histórico e cultural.
Admitir que direitos fundamentais fossem aqueles que a Constituição, expressão de
certo regime político, define, é admitir a não consagração, a consagração
insuficiente ou a violação reiterada de direitos como o direito à vida, a liberdades de
crenças ou a participação na vida pública só porque de menor importância ou
desprezíveis para um qualquer regime político; e a experiência mostra os perigos
advenientes dessa maneira de ver as coisas. De acordo com Vidal Serrano, o termo
direito fundamental faz-se apropriado para designar direito indisponível do
indivíduo em face do Estado, primeiramente pela abrangência do termo "direito",
que designa tanto as prerrogativas do homem a uma abstenção do Estado, como as
que reclamam a presença do Estado de forma mais marcante nas relações
particulares. E ainda, o termo fundamental destaca não só a imanência desses
4 BARCELLOS, Ana Paula Gonçalves Pereira de, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o
princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 110-111.
5 SARMENTO, Daniel, Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia, 2ª ed., Belo
Horizonte: Fórum, 2018, p. 257.
22
direitos à condição humana, como também faz deles depender a própria existência
do estado de direito.”6
No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente no decorrer da
segunda metade do século XX, com o advento da figura do neoliberalismo, reacendeu-se um
individualismo baseado na cultura da indiferença, dificultando não só a universalização dos
direitos humanos, mas acentuando cada vez mais as diferenças sociais, níveis de
desigualdades e violações em face do meio ambiente.
O neoliberalismo, também conhecido como sistema capitalista, não compatibilizou
os valores da ordem econômica com a universalização dos direitos humanos, perfazendo-se
uma inversão entre a prevalência da eficiência econômica em face do desenvolvimento
humano.
A despeito disso, trava-se na atualidade uma grande batalha entre a universalização
dos direitos humanos em contraposição ao poder econômico, tendo em vista que na sociedade
moderna, o crescimento do aludido poder, ora proporcionado pelos fatores que construíram e
remodelaram a globalização, conforme hoje ela se apresenta, especialmente com o auxílio da
tecnologia e da era da informatização, tornou a Teoria Geral do Estado incapaz de oferecer
uma resposta satisfatória no que diz respeito à limitação do poder para consagração de direitos
dessa natureza.
Sob essa ótica, a globalização obriga os intelectuais das ciências humanas a
repensarem a Teoria Geral do Estado, não só do aspecto interno das nações, mas como
também diante da representatividade desses fatores no âmbito internacional, reportando-nos,
inclusive, às organizações internacionais que influenciam diretamente na contextualização dos
direitos humanos em face do poder econômico, especialmente no que diz respeito ao meio
ambiente e desenvolvimento sustentável.
Acerca do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, tem-se que a discussão
dos aludidos institutos, que hoje integram o direito internacional dos direitos humanos,
iniciou-se em meio às décadas de 50 e 60, quando a utilização maciça dos recursos naturais e
a destruição dos ecossistemas chamou a atenção de ambientalistas no mundo, demandando o
estudo de novos caminhos e possibilidades, a fim de enfrentarem os novos desafios que
surgiram com o avanço da humanidade:
6 ZISMAN, Célia Rosenthal, A dignidade da pessoa humana como princípio universal, Revista de Direito
Constitucional e Internacional, RDCI, Vol. 96, Julho-Agosto 2016, Direitos Fundamentais, Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/
bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDF, Acesso em 04.08.2019.
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDFhttp://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.96.06.PDF
23
“O Direito Ambiental começa, realmente, a tomar corpo a partir dos anos 50 e 60. Já
existiam diversas normas para a proteção da natureza, desde o final do século XIX,
mas é apenas a partir da segunda metade do século XX que se pode falar em um
conjunto de normas, parte do Direito Internacional Público, regulando o tema
específico. Entre os fatores que contribuíram à formação e ao fortalecimento do
Direito do Meio Ambiente, encontramos: as altas taxas de crescimento da população
mundial, consequentemente, a melhoria das condições sanitárias; o desenvolvimento
das ciências médicas, após a Segunda Guerra Mundial; o uso maciço dos recursos
ambientais, causa da destruição de vários ecossistemas em todo o mundo, mas,
principalmente, nos países do Norte; os primeiros grandes acidentes de efeitos
imediatos, com a destruição em larga escala da natureza; a chegada do homem à
Lua, quando a humanidade pôde ver a Terra como estrutura frágil a partir de um
ponto de observação externo; os modelos de simulação de impacto, que trouxeram a
visão catastrófica do futuro da humanidade, anunciando o esgotamento de certos
recursos biológicos e energéticos para o fim do século ou para um futuro não muito
longínquo, entre outros.”7
Entretanto, por se tratar o meio ambiente de um direito humano, o qual não possui
delimitação territorial ou de jurisdição para a respectiva tutela, como veremos no decorrer
deste trabalho, surge na ocasião uma vertente que pretende substituir o Estado-nação, ora
delimitado pela jurisdição Estatal, por um Estado Constitucional Cooperativo sem limites
territoriais visando a preservação ambiental.
Esse Estado Constitucional Cooperativo exige a contribuição de todos os países,
mediante consciência da população à causa ambiental, configurando uma resposta mais
adequada e eficiente na afirmação do progresso dos direitos humanos.
No âmbito do Direito Internacional, o Estado Constitucional Cooperativo se constitui
como verdadeiro instrumento para o desenvolvimento humano, pois exige-se compromisso
dos Estados no respeito aos atos normativos oriundos das convenções internacionais,
demandando a atuação conjunta das nações na busca da sustentabilidade e afirmação dos
direitos humanos em benefício do bem-estar do homem.
Contextualizando o avanço dos direitos humanos, nota-se que são direitos que visam
a proteção da própria humanidade, sendo certo que aludido rol de proteção amplia-se
progressivamente à medida em que a humanidade é colocada em risco pela conduta dos
homens, demandando-se a necessidade de tutela de direitos, em observância ao princípio
matriz da dignidade da pessoa humana.
Como a finalidade é a proteção eficiente e ampla aos direitos humanos e seu caráter é
universal, tem-se que não se submete a qualquer limite territorial, já que a dignidade da
pessoa humana existe não apenas como um princípio protetivo, mas sobretudo limitador das
7 VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia, (organizadores e co-autores), Proteção
internacional do meio ambiente, Brasília: Unitar, UniCEUB e UnB, 2009, Disponível in
http://www.santoandre.sp.gov.br/biblioteca/pesquisa/ebooks/372222.PDF, Acesso em 27.10.2019, p. 8.
http://www.santoandre.sp.gov.br/biblioteca/pesquisa/ebooks/372222.PDF
24
condutas violadoras que, eventualmente, possam ser praticadas pelos Estados que não o
reconheçam voluntariamente.
Assim, a fim de analisar a Teoria do Estado, bem como o Estado Constitucional
Cooperativo com a contextualização e efetivação dos direitos humanos, torna-se necessário
abordar os poderes ideológico, político, jurídico e econômico, bem como o papel da mídia, o
que de fato integra o poder do Estado, sem prejuízo da análise da globalização e de seus
possíveis reflexos em plena modernidade, incluindo-se a crise do poder estatal.
1.1 O QUE É PODER?
Os direitos humanos na atualidade perfazem categorias jurídicas cotidianas que
influenciam os mais variados ramos do direito. O caminho percorrido em direção à construção
normativa que hoje temos no plano interno e internacional é decorrente de inúmeras injustiças
suportadas por indivíduos anônimos, sejam grupos ou povos, que levantaram a bandeira do
humanismo e se rebelaram contra o poder dominante da época, a fim de coibir injustiças e até
mesmo atrocidades cometidas em face da pessoa humana.
Boaventura de Sousa Santos expõe que a Revolução Francesa é o exemplo típico na
história, inclusive reconhecida como linguagem emancipatória, em que se verifica a
reivindicação da população contra as injustiças sociais que se perpetuavam naquela ocasião,
clamando pelo fim do absolutismo8.
Carolina Alves de Souza Lima bem explica que:
“A Revolução Francesa foi um dos acontecimentos mais importantes da história da
civilização ocidental, marcando o começo da Era Contemporânea. A especial
importância dessa revolução reside na proposta por ela apresentada de mudança de
paradigma quanto à estrutura político-social até então vigente na França, e também
em grande parte da Europa, em razão dos regimes absolutistas.”9
Eric J. Hobsbawm preconiza que aludida revolução não teve um líder à frente do
movimento, mas ideais coerentes sustentados por grupos sociais que reacenderam a
8 SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUI, Marilena, Direitos humanos, democracia e desenvolvimento, 1ª ed.,
4ª reimpressão, São Paulo: Cortez Editora, 2018, p. 47.
9 LIMA, Carolina Alves de Souza, Cidadania, direitos humanos e educação: avanços, retrocessos e
perspectivas para o século 21, Editora Almedina, Leitura Complementar, 2019, Disponível in
https://almedina.ams3.cdn.digitaloceanspaces.com/pdf_preview/parte-historica-geral.pdf, Acesso em
20.12.2019, p. 37
https://almedina.ams3.cdn.digitaloceanspaces.com/pdf_preview/parte-historica-geral.pdf
25
substituição do velho regime, pautado no absolutismo, por um novo regime baseado no
liberalismo clássico:
“A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento
organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a
cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” do tipo que as
revoluções do século XX têm-nos apresentado, até o surgimento da figura pós-
revolucionária de Napoleão. Entretanto um surpreendente consenso de ideias gerais
entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma
unidade efetiva. O grupo era a “burguesia”: suas ideias eram as do liberalismo
clássico, conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas”, e difundidas pela
maçonaria e associações informais. Até este ponto, os “filósofos” podem ser, com
justiça, considerados responsáveis pela Revolução. Ela teria ocorrido sem eles; mas
eles, provavelmente, constituíram a diferença entre um simples colapso de um velho
regime e a sua substituição rápida e efetiva por um novo.”10
Na época, a sociedade francesa se apresentava de forma hierarquizada, com o Clero
ocupando o ápice da pirâmide social e detentor de inúmeros privilégios, dentre eles a ausência
de pagamento de impostos. Por outro lado, a base da sociedade francesa era constituída pelo
Terceiro Estado, composto por trabalhadores, camponeses e pela burguesia, os quais
sustentavam economicamente a sociedade da época com seu árduo trabalho e com o
pagamento de altos impostos.
É evidente que, dentre o Terceiro Estado, a burguesia apresentava condição social
mais vantajosa do que os demais camponeses e trabalhadores, os quais viviam em situação de
extrema miséria e constantes insatisfações populares. Hobsbwam expõe que “a classe
operária (mesmo esta designação é imprópria para a massa de assalariados contratados
mas, fundamentalmente, não-industriais) ainda não desempenhava qualquer papel
independente. Eles tinham fome, faziam agitações e talvez sonhassem (...).”11
Nesse sentido, eclodiu-se a Revolução Francesa guiada pelo lema da “Liberdade,
Igualdade e Fraternidade”, sendo considerada importante marco histórico da luta social pelo
fim do absolutismo e dos poderes da nobreza, consagrando maior autonomia ao povo, respeito
aos direitos sociais e melhores condições de vida aos trabalhadores:
“A Revolução Francesa ocorreu em um cenário representado, basicamente, por duas
facetas antagônicas: a primeira delas era que um país que experimentava um período
de progresso, com o início da industrialização e um gradual enriquecimento nas
cidades. Nasciam grandes conglomerados, existiam uma bolsa de valores e uma
Caixa de Descontos com um capital de 100 milhões de francos, que emitia notas. A
10 HOBSBAWM, Eric J., A revolução francesa, Tradução: Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel, 7ª
ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008, p. 19.
11 HOBSBAWM, Eric J., A revolução francesa, cit., p. 27-28.
26
França detinha, antes da Revolução, metade do numerário existente na Europa. E,
desde a morte do rei Luís XIV (1643-1715), o comércio exterior tinha mais do que
duplicado. No entanto, no período pré-revolucionário, o comércio e a indústria
tiveram os negócios estagnados: empresas fecharam, aumentando o desemprego. O
clima de ebulição social proporcionava o surgimento de insurreições populares. Por
outro lado, a França ainda vivia uma monarquia com um rei (Luís XVI) que detinha
o poder absoluto e com uma camada de privilegiados que viviam em torno dele, sem
pagar impostos. Trata-se do clero (então denominado Primeiro Estado) e da nobreza
(Segundo Estado), que viviam à custa do povo (Terceiro Estado) que, só ele, era
obrigado a pagar impostos para sustentar a máquina do Estado e os privilégios,
apesar de ser 97% da população (formada por camponeses, pequenos proprietários
de terras, servos, artesãos e burguesia). Além disso, no meio rural ainda remanescia
o feudalismo, com a opressão dos trabalhadores que serviam aos senhores da terra.
Ao mesmo tempo, esse mesmo cenário abrigava uma plêiade de grandes pensadores
como Montesquieu (1689-1755), d'Alembert (1717-1783), Voltaire (1694-1778) e
Rousseau (1712-1778), entre outras expressões do “Iluminismo”. Essa corrente de
pensamento abriu caminho para uma busca por liberdades e para uma maior
“felicidade” do ser humano, se se pode chamar assim, no qual centrava suas ideias.
Isso teria consequências sobre o sistema político, a monarquia e o sistema social
vigentes. Pensadores esses que visavam iluminar pela razão as "trevas" em que vivia
a sociedade na Idade Média. O século XVIII ficou conhecido como o Século das
Luzes.”12
Como se nota, a busca pelo desenvolvimento de direitos humanos acarretou
incessantes lutas por valores humanitários, nas quais os poderes impostos aos homens, bem
como a todos os grupos sociais e comunidades dos mais variados territórios, do ponto de vista
do poder estatal, acabaram por se flexibilizar sob o aspecto da “Liberdade, Igualdade e
Fraternidade”, na medida em que aludidos valores, ora intrínsecos aos seres humanos,
começaram a ser exigidos em face dos Estados e compartilhados em âmbito internacional.
A partir disso, sob a perspectiva do aludido poder que, ora fora objeto de
reivindicações pela sociedade que exige mudanças, conforme acima descrito, necessário
também se faz uma contextualização desse poder com o fenômeno da globalização,
observando a relação simbiótica que se tem entre os direitos humanos e o aspecto relacionado
ao aludido fenômeno.
Primeiramente, o que vem a ser poder? Usualmente, como costumamos ouvir na vida
cotidiana, o poder designa o mesmo sentido de autoridade? Quem possui poder também
detém autoridade? Ou vice-versa?
Incialmente cabe pontuar que autoridade e poder são coisas meramente distintas.
Etimologicamente, autoridade deriva do latim “lat auctoritas”13, designando pura e
12 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF, A revolução francesa e seus efeitos no brasil, 13 de julho de
2009, Disponível in http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843, Acesso em
27.10.2019.
13 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa, 1ª ed., Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 226.
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843
27
simplesmente capacidade do autor. Em nada se refere ao poder de mando, de hierarquia, pois
designa a capacidade intelectual da pessoa, as qualidades que a ela eram atribuídas e
reconhecidas pela sociedade da época.
Na Roma antiga, por exemplo, os membros do Senado Romano eram considerados
pessoas de autoridade e, embora não possuíssem força militar ou policial, eram capacitados
para proferirem decisões em face daquela coletividade:
“No direito romano é definida por “auctoritas” uma certa legitimação socialmente
reconhecida, que procede de um saber e que se outorga a uma série de cidadãos.
Ostenta a auctoritas aquela personalidade ou instituição, que tem capacidade moral
para emitir uma opinião qualificada sobre uma decisão. Se bem que tal decisão não é
vinculante legalmente, nem pode ser imposta, tem um valor de índole moral muito
forte. O termo não é traduzível, e a palavra portuguesa "autoridade" apenas é uma
parte do significado da palavra latina.O conceito é contraposto ao de potestas (o
"poder" socialmente reconhecido).
A fonte de auctoritas foi nomeadamente o senado romano, se bem que uma série de
personalidades importantes também a tinham quando não ocupavam cargos de
magistraturas com potestas.”14
Ainda, a despeito de autoridade, vale mencionar que, numa corrente mais moderna,
inclusive capitaneada por José Zafra Valverde15, é possível designar três espécies de
autoridade: 1) autoridade por prestígio; 2) autoridade por dignidade e; 3) autoridade por
prodigalidade.
Autoridade por prestígio significa a mera combinação das qualidades que uma pessoa
reúne em razão de seu reconhecimento pessoal pela coletividade. Nada mais é do que a
reputação que o cidadão possui no âmbito coletivo.
Já autoridade por dignidade consubstancia-se na ideia das qualidades que uma pessoa
possui e que é definida pela própria sociedade, podendo ser o carisma ou até mesmo a
dignidade tradicional que hoje conhecemos na sociedade moderna.
E por fim, autoridade por prodigalidade relaciona-se ao desejo de uma pessoa de
sentir-se importante no âmbito da sociedade na qual ela vive, objetivando deixar o seu
anonimato. Pessoas que se enquadram nessa espécie de autoridade aceitam o oferecimento de
qualquer compromisso ou recompensas no sentido de ser e de parecer importante perante a
comunidade.
14 RIBEIRO, Miguel Augusto, Graduação: Licenciatura em Letras – Português/Francês – UFSC, Professor de
Redação, Português, Inglês, Francês e PLE com mais de 20 anos de experiência. Abordagem comunicativa,
Disponível in https://profes.com.br/tira-duvidas/latim/traduzir-do-latim/, Acesso em 29.10.2019.
15 VALVERDE, José Zafra, Poder y poderes, Pamplona: Universidad de Navarra, 1975, p. 41-53.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_romanohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Cidad%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Personalidadehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Institui%C3%A7%C3%A3ohttps://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Potestashttps://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttps://profes.com.br/tira-duvidas/latim/traduzir-do-latim/
28
Por outro lado, a expressão “poder” derivado do latim “potestas”16, desempenha
significado associado à força, coerção. A fim de esclarecer, imaginemos um Tribunal que
desempenha suas forças de ordem pública por meio da potestade. Nele, pode-se verificar que,
com base na sua coerção, tem-se um poder que garanta a legalidade, igualdade, liberdade,
bem como demais direitos que se caracterizam como fundamentais num Estado.
Nesse sentido, acerca da diferenciação entre poder e autoridade, Jacques Maritain
assim pontua:
“Autoridade e Poder são coisas diferentes. Poder é a força por meio da qual
podemos obrigar os outros a nos obedecerem. Autoridade é o direito de dirigir e
comandar, de ser atendido e obedecido por outros. A Autoridade exige o Poder. O
Poder sem Autoridade é tirania.”17
No entanto, há de se observar que todo poder fundamental necessita do fenômeno da
autoridade, fortalecendo para a potestade, que emana respectivo poder, mera coação legítima
e moral, garantindo-se o prestígio da instituição e o reconhecimento das respectivas condutas
adotadas pela coletividade.
Ainda, observa-se também que o poder está diretamente relacionado à capacidade,
tendo em vista que o poder concebido a uma instituição, a fim de que seja legítimo, necessita
obrigatoriamente da percepção de autoridade emanada pela própria coletividade, a fim de que
suas atribuições sejam corretamente desempenhadas, ante aos anseios da comunidade, à qual
se destina.
Entretanto, há posicionamento que relaciona poder como espécie de dominação de
pessoas, embora esclarecendo, novamente, que esse poder só se torna efetivo, ou seja,
legítimo, se houver consentimento por parte dos destinatários que sofrerão as imposições
(governados).
Em seus estudos a respeito de poder, dominação e legitimação, o sociólogo Max
Weber18 diferencia poder de autoridade, já que o poder é aquele capaz de induzir e influenciar
o comportamento humano por meio da coerção, manipulação ou imposição de normas. Em
16 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1513. 17 MARITAIN, Jacques, O homem e o estado, 4ª ed., Tradução de Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro: Agir,
1966, p. 125.
18 WEBER, Max, Ensaios de sociologia, Organização e Introdução: H. H. Gerth e Wright Mills, 5ª ed., JC
Editora: Rio de Janeiro, 1982.
29
contrapartida, autoridade seria a qualidade de ser obedecido em razão de diversos fatores,
dentre eles a submissão, tradição, costumes, qualidades dos indivíduos e afeto.
Por outro lado, há entendimento, sob o enfoque jurídico, de que o poder nada mais é
do que uma força destinada a orientar a perspectiva no âmbito social, mediante a imposição
de determinados comportamentos em nome de uma sociedade que valorize as pessoas e
respeite as demais diferenças sociais:
“(...) Burdeau lê no poder social uma força a serviço da idéia do bem-comum e a
representação ordenada da idéia de Direito. Ou seja, a sociedade se organiza na
crença (liberal?) da busca coletiva pelo bem-comum e que as regras jurídicas – as
leis – sejam representações estatais do caminho a ser seguido pelos indivíduos,
reunidas na Constituição do Estado. E sendo assim, o poder precisa se legitimar no
consentimento dos indivíduos que viabilizam a entrega desse poder aos governantes.
Ou, por leitura inversa, a função da ideia de Direito, em Burdeau, é fundar o
princípio da legitimação sobre a qual se forma o Estado e possibilitar a continuidade
do mesmo.”19
É justamente nesse ponto que o poder, compreendido como a capacidade de
direcionar ou projetar transformações sociais, converge-se com a dialética dos direitos
humanos, bem como com princípios humanitários previstos em declarações e convenções
sobre o tema, e até mesmo em face das Constituições de vários Estados-nação.
Esse aspecto humanista caracteriza-se na sociedade contemporânea como uma
preocupação dos instrumentos jurídicos internacionais, os quais levam em consideração a
pessoa humana como fundamento da criação dos respectivos direitos, uma vez que ela é o
valor fonte de todos os valores hoje existentes.
Com relação à teoria dos poderes, nota-se que o avanço dos direitos humanos
ocorreu com a finalidade de flexibilizar o poder estatal ora dominante em prol da proteção à
dignidade da pessoa humana.
Denota-se que os direitos humanos surgem originariamente como forma de garantir a
liberdade e proteção aos indivíduos isoladamente considerados. A própria Revolução
Francesa é fruto dessa luta, na medida em que o combate a privilégios e desigualdades sociais
ganhou destaque para a transformação das relações sociais naquela ocasião.
Dessa forma, imprescindível a constatação de que o desenvolvimento dos direitos
humanos, à luz do progresso e lutas por valores humanitários, teve como foco principal o
próprio Estado, no sentido de que se demandou a atuação estatal em benefício da coletividade,
19 ROCHA, Luís Alberto G. S., Estado, democracia e globalização, Publicações Acadêmicas, UniCEUB,
Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial, Brasília, v. 5, n. 1, p. 1-19, jan./jun. 2008, 2008. p. 5.
30
bem como a sua abstenção na prática de arbitrariedades e violações de direitos em decorrência
do poder por ele exercido.
Assim, com base nessa vertente, relacionando o poder em face dos direitos humanos,
pretende-se analisar o poder ideológico, político, jurídico, econômico e Estatal, observando
suas controvérsias e implicações na sociedade contemporânea.
1.2 PODER IDEOLÓGICO
Historicamente, o poder ideológico tem seus resquícios originários no final do século
XVIII e início do século XIX quando, em virtude de amplas discussões categóricas e
filosóficas sobre socialismo, comunismo e capitalismo etc., batizou-se aludido período como
a “era das ideologias”20.
Indiscutivelmente todos os seres humanos são influenciados por ideias e percepções
que adquirem a partir de suas realidades, sendo muitas vezes até mesmo manipulados ou
instigados a adotarem certos posicionamentos ou teorias a respeito de determinados assuntos
que lhes são propostos.
Em verdade, o que se faz constantemente é produzir ideias, teorias ou ideologias
acerca dos mais variados assuntos, uma vez que a vida em coletividade demanda soluções
diárias de inúmeros fatores sociais, o que expõe pesquisadores da área das humanas,
especialmente o sociólogo na investigação dessas peculiaridades.
No entanto, a despeito das ideias, o que vem a ser ideologia? Qual a sua relação
simbiótica com os direitos humanos?
Ideologia21, etimologicamente, significa discurso (logos) de uma parte (ideos) da
sociedade. Vulgarmente, significa todo pensamento gerado, de forma consciente ou
inconscientemente, por grupos ou indivíduos pertencentes a uma coletividade. Para algumas
pessoas, desempenha também a prospectiva de um sonho, a busca por algo que seja
impossível ou até mesmo inalcançável:
“A palavra “Ideologia” pode ser pensada etimologicamente como a ciência, ou o
estudo, das ideias, e foi precisamente com este sentido que ela surgiu pela primeira
vez quando, em 1801, logo após a Revolução Francesa, Antoine Destutt de Tracy,
20 O termo ideologia foi usado de forma marcante pelo filósofo Antoine Destutt de Tracy. O conceito fora
trabalhado pelo filósofo alemão Karl Marx, que ligava a ideologia aos sistemas teóricos (políticos, morais e
sociais) criados pela classe social dominante. Para Marx, a ideologia da classe dominante tinha como objetivo
primordial manter os mais ricos no controle da sociedade.
21 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1043.
31
um iluminista liberal, escreveu um livro intitulado Eléments d’idéologie [Elementos
de Ideologia]. Como um bom iluminista, De Tracy estava certo de que o avanço das
ciências apagaria da face da terra qualquer tipo de ignorância ou obscurantismo, e
que a submissão de tudo ao crivo da razão consistia em uma arma importante para
que a humanidade se livrasse das amarras da religião, da tradição e da rígida política
que marcavam o antigo regime. O seu projeto para criar um estudo sistemático e
científico de como as ideias se formam e influenciam as ações dos homens fazia
parte, então, de uma crença de que este estudo faria com que eles percebessem de
forma correta a realidade a sua volta e pudessem melhorar e aprimorar o mundo em
que viviam. As ambições de De Tracy podem ser consideradas, politicamente,
bastante radicais para sua época: o conceito de ideologia nasceu como expressão de
uma luta – ideológica – entre o liberalismo contestador e os representantes da velha
ordem.”22
Para Marilena Chauí:
“A ideologia é então um conjunto lógico, sistemático e coerente de ideias [...]
valores, normas e regras que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade
o que pensar, o que dever fazer e como dever fazer, o que sentir e como sentir. [...]
Ela é um conjunto explicativo e prático de caráter normativo, prescrito, regulador e
controlador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes
uma explicação racional e convincente para as desigualdades sociais, políticas e
culturais, jamais atribuindo a origem destas desigualdades à divisão de classes, à
exploração e à dominação.”23
Nessa ótica, uma pessoa ideológica está sempre motivada na busca de algum sonho
ou na existência de um mundo melhor. Os cidadãos que são adeptos à construção e
efetividade dos direitos humanos são indivíduos caracterizados como pessoas ideológicas.
O conceito de ideologia também foi estudado pelo alemão Karl Marx que, em seus
trabalhos, associou a ideologia aos sistemas teóricos políticos, morais e sociais, ora criados
pela classe social dominante da época, que objetivava manter os mais abastados no controle
da sociedade, caracterizando uma ideologia mascarada da realidade.
Na atualidade, tem-se os mais variados movimentos ideológicos que, a exemplo da
ideologia feminista, buscam tratamento paritário, lutam pela igualdade e exigem direitos
iguais, a fim de que a sociedade seja mais justa e equânime, com a quebra de paradigmas que
distorcem a realidade:
“(...) o feminismo é “uma teoria prática que surge das condições concretas das
relações humanas, enquanto essas relações são baseadas em relações de linguagem,
que são relações de poder”.
22 PEREIRA, Mozart Silvano, O sentido do conceito de ideologia em marx e a questão da igualdade jurídica,
Revista Insurgência, Brasília, ano 2, v. 2, n. 1, 2016, ISSN 2447-6684, p. 298-299.
23 CHAUÍ, Marilena, Política cultural, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p. 25.
32
O feminismo critica a sociedade patriarcal, e a feminista é alguém que pensa
criticamente em possíveis leituras sociais organizadas fora da lógica da dominação
masculina.
O projeto feminista não é ideológico no sentido que não visa trocar a ideologia
vigente por sua oposta – como substituir o patriarcado pela dominação feminina, por
exemplo – mas sim mover na direção de formas mais equânimes de viver em
sociedade.
Chamamos de patriarcado a dominação masculina que se apresenta sob a forma de
estruturas de poder. O patriarcado se anuncia na presença maciça e majoritária
de homens em posições de comando, seja público ou privado, real ou simbólico.
Feministas se ocupam de apontar o patriarcado como quer que ele se manifeste ao
mesmo tempo em que elucidam que ele é um sistema cuja existência é real e
evidenciada por misoginia e atos machistas.”24
Todavia, caso essa ideologia seja pautada por exageros, absurdos ou meras fantasias
que não condizem com a realidade social, ocorre o fenômeno conhecido no âmbito social
como utopia. Karl Mannheim expõe que “um estado de espírito é utópico quando está em
incongruência com o estado de realidade dentro do qual ocorre.”25
Assim, em verdade, deve-se admitir que a ideologia está baseada na crítica que o ser
humano constrói em face da sociedade, admitindo-se, inclusive, afetação direta na política dos
direitos humanos, pois, a depender do ponto vista de quem observa, será possível fazer um
juízo de valor no sentido de apurar a efetividade ou não da política da humanitária.
1.3 PODER POLÍTICO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, especificamente em seu artigo 2126,
estabelece que todo ser humano tem o direito de participar da vida política de seu Estado,
decidindo pela sua integração ou não ao governo do país, caracterizando-se um direito
fundamental.
Etimologicamente a expressão “política” vem do grego “politikê”27, designando a
ciência dos negócios do Estado. Acerca desse entendimento, cientistas das ciências humanas
bem entendem que fazer política nada mais é do que cuidar do bem-estar social e dos
24 BURIGO, Joanna, Feminismo é ideologia? Revista Carta Capital, 27 de abril de 2016, Disponível in
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/feminismo-e-ideologia/, Acesso em 29.10.2019.
25 MANNHEIM, Karl, Ideologia e utopia, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, p. 216.
26 SENADO FEDERAL, Direitos humanos: atos internacionais e normas correlatas, Secretaria de Editoração
e Publicações – Coordenação de Edições Técnicas, 4ª ed., Brasília: Senado Federal, 2013, Disponível in
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence=1&isAllowed=y, Acesso
em 02.01.2020.
27 HOUAISS, Antônio, Dicionário houaiss da língua portuguesa cit., p. 1519.
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/feminismo-e-ideologia/https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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interesses da comunidade, observando-se as realidades e necessidades coletivas, sempre na
tentativa de criar programas e políticas eficientes que correspondam às demandas sociais:
“Denomina-se política a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado.
Em um Estado democrático, essa governabilidade é exercida pelo poder público, via
representantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente, pelo povo. Assim, a política tem como objetivo estabelecer os princípios que se mostrem
indispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, quanto seja o desejo
de conduzir o Estado ao cumprimento de suas precípuas finalidades, isto é, em
melhor proveito dos governados. A política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis, ao bom governo de um povo,
dentro das quais devem ser estabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bom
funcionamento das instituições administrativas do Estado. Quando o Estado busca, em suas realizações, o atendimento às necessidades sociais
básicas da população, seja através de garantias e ações concernentes à assistência
social, saúde, educação, segurança etc., verifica-se a implementação e efetivação da
política social por parte daquele.”28
Entretanto, fazer política também diz respeito à espécie de organização da
coletividade, ou seja, consiste na elaboração de ideias e meios eficazes, juntamente com o
apoio da comunidade, a fim de que o respectivo grupo de pessoas possa atingir objetivos
comuns esperados.
É importante mencionar que, nas atuais democracias, a participação do cidadão na
vida política é de extrema importância para o país. No Brasil, a política formal se exprime
através do voto, por meio do qual são eleitos representantes legislativos e executivos, a fim de
que defendam os interesses da comunidade ou Estado, implementando políticas e programas
por eles oferecidos à população durante sua campanha eleitoral.
Ressalta-se ainda que, em se tratando de procedimentos eleitorais, a noção de
eleições democráticas, que asseguram o direito de todos os cidadãos de participarem na
definição dos fins comuns, encontra previsão em instrumentos internacionais, a exemplo do
artigo 5º, alínea “c”, da Declaração Sobre o Progresso e Desenvolvimento Sobre o Domínio
Social29.
28 MACHADO, Ednéia Maria; KYOSEN, Renato Obikawa, Política e política social, Revista Serviço Social em
Revista, v. 3, n. 1, julho/dezembro de 2000, Universidade Estadual de Londrina – UEL, Disponível in
http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n1_politica.htm, Acesso em 20.10.2019.
29 “Artigo 5º. O progresso e desenvolvimento social exigem a plena utilização dos recursos humanos,
nomeadamente e em particular:
(...)
c) A participação ativa de todos os elementos da sociedade, individualmente ou através de associações, na
definição e prossecução dos objetivos comuns de desenvolvimento com pleno respeito pelas liberdades
fundamentais consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos;
(...).”
http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n1_politica.htm
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No que tange aos procedimentos eleitorais:
“Diversos instrumentos internacionais, mesmo sem mencionarem expressamente as
eleições, dão conta dos principais elementos nos quais assentam a noção de eleições
democráticas. Estes elementos são definidos como direito de os povos determinarem
livremente o seu estatuto político, como direito de todos os elementos da sociedade
participarem ativamente na definição e realização dos objetivos comuns do
desenvolvimento, como direito de todos os elementos da sociedade participarem
ativamente na definição e realização dos fins comuns do desenvolvimento, ou ainda
como o direito de todos à participação na vida política do seu país.”30
Diante disso, é evidente que o poder político se origina da vontade social
preponderante, que legitima o exercício do seu representante através do voto, destinado a
guiar uma comunidade numa ordem social adequada, prezando pela garantia dos direitos
fundamentais à população e a concretização dos direitos humanos.
1.4 PODER JURÍDICO
O poder jurídico deve ser compreendido na sociedade moderna sob a perspectiva da
teoria do humanismo, a qual foi responsável por revolucionar a fundamentação das ciências
jurídicas, respeitando-se a liberdade e a possibilidade de discussão do direito, do ponto de
vista da dialética argumentativa.
Em pleno século XXI, no contexto do sistema capitalista impulsionado pelo
fenômeno da globalização, ante a presença de diversos fatores sociais negativos como a
desigualdade social e a crise humanitária ambiental global, a teoria do humanismo propõe a
renovação dos institutos jurídicos.
Isso porque impõe a releitura das instituições com foco na justiça social, democracia
e direitos humanos, adaptando-se as necessidades humanas em consonância com a realidade
social pelo processo de modernização, observando-se não só os mais variados problemas no
aspecto interno dos Estados, mas também em nível global:
“Logo, o projeto de humanismo a ser refletido deve avançar para além das demandas
de outrora. Não apenas conflitos globais carecem de referentes humanistas no seu
trato, mas também conflitos setorizados precisam receber atenção transnacional
materializadas no Direito Global com apoio de instrumentos efetivos de governança.
30 NAÇÕES UNIDAS, Direitos humanos e eleições. Guia das eleições: aspectos jurídicos, técnicos, e relativos
aos direitos humanos, Alto Comissariado das Nações Unidas Para os Direitos Humanos – Genebra, Série de
Formação Profissional n. 2, Publicação das Nações Unidas, n. de venda F.94XIV.5, ISSN 1020-4636, Disponível
in http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/formacao_profissional_2.pdf, Acesso em
23.10.2019, p. 8.
http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/formacao_profissional_2.pdf
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Degradação ambiental, fundamentalismo, crise alimentar, pobreza, moléstias
sanitárias e afins representam tal reclame, transcendendo a tradicional compreensão
do humanismo na incidência das experiências traumáticas de crimes contra a
humanidade.”31
Com relação à modernidade, Ulrich Beck bem explica que os riscos estão sempre
presentes, uma vez que o progresso da tecnologia no cenário da globalização, produz
impactos diretos no ser humano e no meio ambiente, gerando riscos à espécie humana, a
fauna e a flora:
“Os riscos e ameaças atuais diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes
medievais, com frequência semelhante por fora, fundamentalmente por conta da
globalidade de seu alcance (ser humano, fauna, flora) e de suas causas modernas.
São riscos da modernização. São um produto de série do maquinário industrial do
progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior.”32
Nesse aspecto, a contextualização que se faz entre a teoria do humanismo e a
fundamentação do direito, que ora determina o que é poder jurídico, justifica-se em face do
próprio ser humano, ou seja, do valor da dignidade da pessoa humana, uma vez que ele é a
razão fim e não o meio para a tutela dos direitos, com viés no aspecto histórico, social,
econômico e cultural.
Acerca disso, preconiza Eduardo Carlos Bianca Bittar:
“Em síntese, pode-se dizer que a Teoria do Humanismo Realista nasce como uma
reação: a) à tradição positivista, e à enraizada concepção de formação legalista e
cultivo do conceito-vazio, que separa sociedade e norma jurídica, que dicotomiza ser
e dever-ser, privilegiando a forma-Direito ao processo social que conduz ao Direito-
norma; b.) ao cenário contemporâneo de crise (econômico-financeira, política, moral
e social), propondo o aprofundamento da consciência democrática, o
desenvolvimento de um convívio social centrado em valores republicanos de
cidadania, e a superação das marcas do passado colonial, visando-se o
desenvolvimento político, social, econômico, técnico-científico e moral como
processos modernizantes associados; c.) ao cenário de ascensão da pós-verdade, na
medida em que propõe o fortalecimento da consciência crítico-reflexiva, e a aposta
na autonomia da razão; d.) ao especialismo da Ciência do Direito fragmentada,
reagindo pela tarefa de uma Teoria Geral que fornece visão abrangente, ali onde a
cegueira dos micro-universos de discurso aparecem como consequência da
cissiparação das especialidades técnicas; e.) ao burocratismo-formalista das
instituições de justiça, propondo nos processos de humanização dos serviços de
justiça uma tarefa importante para o exercício da cidadania; f.) à monologia
legiferante, empoderando pela participação cidadã o(a)s parceiro(a)s do Direito à
construção deliberativa dos conteúdos históricos de justiça que comporão os textos
31 STAFFEN, Márcio Ricardo, Direito global: humanismo e direitos humanos, Revista do Mestrado em Direito
da Universidade Católica de Brasília, RVMD, Brasília, v. 10, n° 1, p. 178-208, jan-jun 2016, ISSN 1980-8860,
Disponível in https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/view/6843/4441, Acesso em 01.11.2019, p.
188.
32 BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade cit., p. 26.
https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/view/6843/4