Post on 24-Oct-2020
POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA A POPULAÇÃO LGBTI: PRÁTICAS
INSTITUCIONALIZADAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS PAULISTAS
Hugo Gepe Dellasta (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho")
Anna Beatriz Hermans (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho")
Leonardo Lemos de Souza (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita
Filho")
hugodellasta@hotmail.com
Resumo
Este trabalho faz parte de um projeto colaborativo entre pesquisadores
brasileiros e espanhóis, com o propósito de mapear práticas institucionalizadas
LGBTI+ nas universidades da Espanha e no Brasil. O projeto, tem como objetivo
identificar e analisar o impacto das ações afirmativas de universidades públicas
paulistas para o acesso e permanência à educação e o combate à violência contra a
diversidade sexual e de gênero.
Primeiramente, foram acessados os órgãos institucionais responsáveis pela
implementação destas políticas nas universidades. Em seguida: a) o levantamento e
análise de documentos que descrevem o histórico, a proposta e o funcionamento
das ações (equipe, local, proposições, metodologias, demandas); b) realização de
entrevistas semi-estruturadas com responsáveis administrativos e técnicos pelas
ações; c) realização de visitas nas instituições para conhecer as ações e das rotinas
dos procedimentos destinados ao público LGBTI+. A análise será realizada com
base nos princípios da pesquisa qualitativa e da Análise de Conteúdo. Palavras-chave: Educação; LGBTQI; Políticas afirmativas; Sexualidades; Universidade.
mailto:hugodellasta@hotmail.com
Introdução
O cenário atual sobre a violência contra a população de lésbicas, gays,
bissexuais, transsexuais/transgêneros e intersexuais (LGBTI+) se materializa no
volume de mortes e crimes cometidos contra estas pessoas, nas exclusões e
dificuldade a acessibilidade e manutenção de direitos básicos como saúde,
educação e trabalho.
Soma-se a este cenário uma série de eventos políticos recentes no Brasil
(Galindo et al, 2017) que resultam em banimento dos gêneros e das sexualidades
em políticas de inclusão nestes setores. Dados do grupo Gay da Bahia indicam que
a violência contra a população LGBTI+ aumentou entre 2016 e 2017 30% (Mott et
al., 2017). A violência tem sido sistematicamente empreendida sobre este grupo
dado que uma série de movimentos governamentais, de grupos radicais e
conservadores que tem resistência às diferenças tem promovido um ataque aos
direitos dessa população. A Organização das Nações Unidas no Brasil (ONUBR)
tem produzido relatórios frequentes em que há a constatação de que no Brasil,
assim como em outras partes do mundo (há dificuldades de acesso da população
LGBTI+ a direitos sociais, saúde e econômicos. Mais ainda que a falta de uma lei de
criminalização contra a discriminação e violência aumenta a impossibilidade de
garantir de direitos e vulnerabiliza as pessoas pela sua identidade de gênero e
orientação sexual.
O acesso e permanência na educação básica e superior é um dos grandes
desafios no cenário atual. O dispositivo heterocisnormativo (Galindo et al 2017), que
domina as práticas institucionais, têm produzido efeitos de exclusão cada vez mais
enfáticos no campo da educação. Apesar de um conjunto de movimento anteriores
ao golpe civil parlamentar¹ de 2016 tenham buscado a tentativa de formação de
educadores para o trabalho com as diversidades de gênero e sexuais (Projeto
Escola sem Homofobia; formação em Gênero 3 e Diversidade na Escola; Projeto
Saúde e Prevenção nas Escolas). Recentemente a força do dispositivo
heterocisnormativo (que se refere a hegemonia da heterossexualidade e da
correspondência sexo/genital-gênero/masculino/feminino) na construção de
discursividades contrárias aos direitos da população LGBTI+, se materializa na
produção do termo “ideologia de gênero” em que se fundou a ideia de que há uma
ditadura das identidades de gênero e das sexualidades na educação. Diante desse
cenário, sob os discursos da denominada “Escola sem Partido”, na tentativa de
neutralizar a discussão política, pulverizando direitos e necessidades, tornaram-se
inespecíficos as violências que deveriam ser combatidas em documentos oficiais na
formação escolar.
Em 2014, os termos gênero e sexualidade foram excluídos do texto do Plano
Nacional de Educação, retirando a obrigatoriedade de se discutir esta temática nos
conteúdos escolares. Recentemente, em 2017, o Ministério da Educação também
excluiu os trechos do texto da Base Nacional Curricular Comum, que trata das
habilidades e competências a serem desenvolvidas com estudantes do ensino
fundamental e médio, em que se ressaltava o respeito a orientação sexual dos
estudantes e também o termo gênero como conteúdo a ser trabalhado. Isto tudo
mesmo diante de pesquisas como a empreendida pela Associação Brasileira de
Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT, 2016)
divulgada em 2016 sobre as experiências de jovens gays, lésbicas, bissexuais e
transgêneros no Brasil. Nesta pesquisa há a constatação de que o ambiente escolar
não é um local seguro para quem difere do projeto de heterocisnormatividade.
Destacam-se as situações de humilhação e exclusão (com consequente
abandono/expulsão compulsória da escola) sensação de insegurança diante da não
existência de referências profissionais para apoio e acolhimento diante destas
situações.
Na educação superior pouco se vê também políticas afirmativas institucionais
que garantam o acesso e permanência da população LGBTI+ nas universidades
(Santos, 2017). Ainda são poucos os estudantes LGBTI+, entretanto há movimentos
sociais na forma de coletivos e grupos organizados em seus interiores que tem
empreendido atividades para a visibilização dessa população (Souza, 2015). Em
2016 o Ministério da Educação, em conjunto com o Ministério de Justiça e
Cidadania, lançou o Pacto Universitário pelos Direitos Humanos e Diversidade
(http://edh.mec.gov.br/pacto/), nele se sugere a adesão das universidades brasileiras
pela proposta de uma formação que abarque os direitos humanos e a diversidade. O
modo como ela se dá e seus fundamentos são pouco específicos, mas sugere-se
que sejam conteúdos e projetos desenvolvidos no seu interior. Em 2017 as
Universidades paulistas aderem também ao pacto. Grande parte destas discussões
e realidades tenham sido estudadas no contexto da educação escolar, o que nos faz
perguntar como tem sido as ações afirmativas e de garantia de direitos e proteção à
população LGBTI+ nas universidades, sobretudo nas universidades públicas
paulistas.
Compreendemos neste estudo que, as universidades, em seu processo de
democratização desde a década de 1990, ampliou o acesso e a construção de
políticas cotistas e também as políticas de permanência (Costa, 2009; Silveira,
2012). Com isso, a população universitária torna-se mais diversa o que implicam e
ela se reinventar para garantir direitos dos grupos antes invisibilizados e excluídos
do contexto da universidade. Esta condição implica em considerar também que a
universidade se torna sujeita a ser palco de reproduções de mecanismos sociais de
exclusão no seu interior (Silva, 2006). Os mecanismos de dominação e
hegemônicos ainda estão presentes nas universidades (Silva, 2017; Silveira, 2012),
produzindo ainda barreiras como o preconceito racial, de classe e de orientação
http://edh.mec.gov.br/pacto/),
sexual e gênero, só para citar alguns, ainda comparecem como efeitos da
manutenção de desigualdades marcadas pelos discursos da sujeição do diferente.
As pesquisas sobre o impacto de políticas afirmativas voltadas para a
população LGBTI+ nas universidades são poucas e recentes, muitas delas tratando
de relatos de casos de algumas instituições (Souza, 2015; Santos, 2017; Ferreira e
Vanin, 2016; Silva, 2017). O trabalho de Souza (2015) aborda as práticas de um
coletivo LGBTI+ na busca de visibilização da diversidade na universidade. A
possibilidade do exercício da militância no ambiente universitário, e o que ele
provoca enquanto espaço de reivindicação de direitos e cidadania LGBTI+,
demonstram a falta de políticas institucionais que garantam respeito pelas suas
identidades e necessidades no interior da universidade. Já Santos (2015), aprofunda
as questões sobre a condição de ser LGBTI+ numa universidade, como uma variável
relevante na análise de processos de exclusão.
A permanência e a acessibilidade aos processos educativos no contexto
universitário são analisadas em um estudo de caso relacionada ainda à três
estudantes LGBTI+ que estavam em formação pedagogia para educação do campo.
Os processos vivenciados por estes jovens revelaram mecanismos de exclusão da
universidade que se pautam pelas normas heterossexistas e masculinistas.
Assim, os processos educacionais universitários desvelam práticas
pedagógicas e relacionais que situam a condição de ser LGBTI+ como fora da
norma, inadequados ou, ainda, incapazes de certas aprendizagens e de ocuparem
lugares exclusivamente femininos ou masculinos.
A pesquisa de Silva (2017) aponta processos semelhantes de exclusão com
um grupo de estudantes LGBTI+ no relato de suas vivências, notadamente nas
práticas de sala de aula e formais de aprendizagem. No entanto, os entrevistados
também situam as possibilidades de resistência, que criam formas de permanecer e
existir na universidade que possibilitam, nas microrelações, a expressão das suas
sexualidades e gêneros não-binários e normativos.
O advento da Lei 12.711 de 2012 que estabelece as reservas de cotas para
estudantes oriundos de escola pública, afrodescendentes e de classe econômica
baixa, ampliou o acesso a parte da população que historicamente tem sido excluída
do direito ao ensino superior. Por outro lado, uma análise mais detalhada destas
mudanças, acabam por indicar que outros grupos que se interseccionam a estes
elencados na lei, como a população LGBTI+, por exemplo, não tem políticas
específicas. Nem sempre as expressões de gênero e sexuais foram consideradas
como marcadores sociais relevantes na acessibilidade e permanência. Com o
movimento social (Mello et al, 2012) colocando em pauta as questões da cidadania e
direitos LGBTI+ este é mais um dos campos de luta histórico. Não só o acesso, mas
também a permanência com dignidade, como temos visto com a garantia do uso do
nome social para a população trans no contexto do ensino básico e superior
(Decreto Federal 8.727 de 2016), bem como a adequação da identidade de gênero
nos documentos oficiais sem a necessidade de laudos psicológicos ou psiquiátricos.
As políticas de garantia de direitos e da cidadania LGBTI+ tem avanços, como se vê
(Mello et al., 2012) apesar disso, há muito ainda que se garantir sobre a qualidade
de permanência da população LGBTI+ nas universidades.
Os processos pedagógicos e os mecanismos de exclusão fundados na
heterocisnormativitade ainda são presentes nas universidades, que se pretendem se
tornar um espaço verdadeiramente democrático, necessitam repensar sua cultura
androcêntrica, sexista e heterossexista, com políticas afirmativas de acesso e
permanência que garantam as necessidades e especificidades da população
LGBTI+.
Desse modo, a presente pesquisa se justifica como uma possibilidade de
compreendermos como as universidades públicas no estado de São Paulo tem
promovido a cidadania e garantido os direitos dos LGBTI+. Ademais, procuraremos
saber quais seus fundamentos, suas ações e modos que a população atendida tem
percebido os efeitos destas sobre as suas vivencias universitárias.
Desenvolvimento
O objetivo do presente trabalho, portanto, é identificar e analisar o impacto
das ações afirmativas de universidades públicas paulistas para o acesso e
permanência à educação e o combate à violência contra a diversidade sexual e de
gênero. Como procedimento acessaremos os órgãos institucionais responsáveis
pela implementação destas políticas nas universidades. Em seguida, procederemos:
a) ao levantamento e análise de documentos que descrevem o histórico, a proposta
e o funcionamento das ações (equipe, local, proposições, metodologias, demandas);
b) à realização de entrevistas semi-estruturadas com responsáveis administrativos e
técnicos pelas ações; c) à realização de visitas nas instituições para conhecer as
ações e das rotinas dos procedimentos destinados ao público LGBTI+. Considerações finais
Desse modo, a análise de conteúdo será utilizada no conjunto de materiais
coletados e produzidos ao longo do processo de investigação: relatos de entrevistas,
registro de observações e documentos. Em todas elas o registro escrito ou fonte
documental será analisado com a finalidade de representar um conteúdo de forma
diferente do original, isto realizar uma interpretação tendo como base as perguntas
elencadas e objetivos da pesquisa (Bardin, 1977, p. 45-46). Assim, serão
considerados eixos: a) a consideração ou não das demandas da população LGBTI+;
b) articulação com políticas mais amplas na sociedade para a população LGBTI+; c)
atualidade e alcance das discussões sobre acessibilidade e permanência da
população LGBTI+; d) intencionalidade e valores fundamentos das ações. Com
estas informações podemos produzir informações sobre a realidade e fenômenos
estudados sobre a cidadania e direitos LGBTI+ nas políticas afirmativas em
Universidades públicas paulistas.
Esta pesquisa está sendo realizada com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Referências
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