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POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES ANÁLISE DOS CONCURSOS PÚBLICOS EM SÃO PAULO NOS ANOS 80
Luiz Roberto Gomes∗ Mestrado em Educação – UNITRI / MG E-mail: luizroberto.gomes@gmail.com
Dentre as ações políticas implementadas pela Secretaria da Educação do estado
de São Paulo, temos os concursos para docentes, como uma expressão das políticas de
recrutamento e seleção do magistério paulista. Com a perspectiva de avançar o nosso
entendimento acerca dos impactos dessas políticas para a educação, decidimos por
estudar os concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 801.
A delimitação do objeto de investigação ocorreu fundamentalmente em função
da importância atribuída às primeiras séries do ensino fundamental no estado de São
Paulo, e em razão da fecundidade em termos políticos e sociais da década de 80. A
transição política e social, pela qual passava o Brasil, e a pressão dos movimentos
sociais da época por melhores salários, organização da carreira do magistério e aumento
da oferta de vagas na escola pública influenciaram uma nova postura política por parte
das gestões de governo em nosso país, e em particular no estado de São Paulo.
Acreditamos que a compreensão das políticas de recrutamento e seleção, face às
necessidades de pessoal e do projeto político dos governos da década de 80, no estado
de São Paulo, orientará uma reflexão acerca do perfil de professor que foi exigido para
atender a demanda escolar das primeiras séries iniciais. Esta reflexão é fundamental,
pois a partir dela, teremos condições de avaliar a qualidade e as deficiências da escola
pública, para além da formação inicial e continuada dos professores. Em outras
palavras, refletir sobre os concursos é avaliar, no âmbito da implementação de uma
política, a própria concepção de educação de uma determinada gestão.
Em termos de exposição esse artigo destaca três aspectos principais: 1) o
recrutamento e seleção de professores no serviço público, que situa o leitor em relação
ao recrutamento e seleção nas instituições públicas, focalizando os concursos como a
∗ Doutor em Educação pela UNICAMP, na área de Filosofia, História e Educação. Prof. Permanente do Programa de Mestrado em Educação Superior da UNITRI – MG. 1 A nomenclatura PI, PII e PIII representa, no período estudado, a habilitação do professor que atua na rede oficial de ensino: PI - professor com habilitação específica de 2º grau (Magistério) e que atua na pré-escola e /ou nas 4 primeiras séries do 1º grau; PII - professor com habilitação específica de grau superior, de curta licenciatura (2 anos e meio ou 3 anos de duração) e que atua no 1º grau da 1ª até a 8ª série; PIII - professor com habilitação específica de grau superior, com licenciatura plena (4 anos de duração) que atua no ensino de 1º e 2º graus e em Educação Especial. (CIE, Setembro/97).
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principal exigência para a efetivação do servidor público; 2) o cenário político
educacional do estado de São Paulo nos anos 80, que analisa os projetos políticos das
gestões de governo do estado de São Paulo nos anos 80; e 3) os concursos públicos
para professor I na rede estadual paulista da década de 80, que descreve e analisa os
concursos com o intuito de avaliar e discutir os critérios de elaboração e avaliação do
modelo de seleção implementado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
nos anos 80.
1. O recrutamento e seleção de professores no serviço público
No serviço público ou privado existe a necessidade de que pessoas ocupem os
cargos representativos das funções ali exercidas. Tal necessidade, aliada à seleção e ao
preenchimento das vagas, faz emergir um problema, cuja solução compete ao
recrutamento, que pode ser entendido como um “conjunto de atividades destinadas a
atrair o maior número possível de pessoas qualificadas para ocuparem as vagas
existentes em determinada organização” (PEREIRA, 1950, p. 7). A seleção de pessoal,
portanto, passará a depender da política de recrutamento adotada no âmbito de uma
determinada organização.
Em 1955, Ribeiro, Pereira e Brejon, ao analisarem o perfil dos candidatos do
concurso de 1949 para provimento de vagas no magistério oficial de grau médio do
estado de São Paulo (ginásios, colégios e escolas normais), já alertavam para a
importância do estudo dos concursos, principalmente pelo fato destes serem a forma
preferida do recrutamento e seleção de professores adotada pelos administradores do
ensino (RIBEIRO, PEREIRA e BREJON, 1955, p.7).
No serviço público, a questão do recrutamento é complexa, principalmente, pela
necessidade de democratização do acesso, garantida pela Constituição Brasileira.
Joaquim Neves Pereira, ao refletir sobre a natureza do serviço público, assim se
expressa:
É preciso pois, que o Serviço Público disponha de indivíduos de grande inteligência, cultura e capacidade, a fim de que possa desempenhar, com economia e eficiência, as funções cada vez mais numerosas e complexas que lhe são confiadas. E a obtenção de tais indivíduos só se tornará possível mediante o estabelecimento de uma adequada política de recrutamento (PEREIRA, 1950, p. 4).
Anos após a afirmação de Pereira, essa questão é retomada por Adilson Abreu
Dallari (1985). Este, ao analisar o tema do recrutamento e seleção de pessoal no serviço
público, o coloca em face do estado e da organização diretiva da sociedade. Segundo
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ele: “O problema da seleção de recursos humanos só existe para o estado democrático,
aquele estado no qual os dirigentes estão submissos à lei, estão postos debaixo da lei,
cumprem a lei, executam a lei, dão execução à lei” (DALLARI, 1985, p. 59). Em outras
palavras é a “democracia” que por meio da lei, assegura os critérios objetivos de seleção
de pessoal, em detrimento dos subjetivos. Para o autor existe, portanto, duas
determinações que justificam o concurso como condição de ingresso no serviço público:
uma de ordem jurídica e outra de ordem técnica.
A primeira determinação, com relação à seleção de pessoal, está na Constituição
Brasileira. Lá existe o princípio da isonomia: “todos somos iguais perante a lei”, sendo
este, o primeiro fundamento da exigência de concurso público. Em outras palavras é
pelo princípio da isonomia, contido na lei, que o direito de ingresso no serviço público a
todas as pessoas deve ser assegurado.
Analisando as constituições brasileiras, especificamente nos capítulos referentes
ao funcionalismo público, encontra-se, pela primeira vez, o termo concurso na
Constituição de 1934 no capítulo: funcionalismo público. Ali se enfatiza a estabilidade
do funcionário público2. Anos mais tarde, as constituições de 1937, 1946, 1967, 1969 e
1988 continuam tratando o tema dos concursos, embora com ênfase e enfoques
diferentes. Apenas para citar as mais recentes a Constituição de 1967 no capítulo sobre
o funcionalismo público (artigo 95) previa “a exigência de concurso público de provas
ou de provas e títulos para efeito de nomeação”, já a Constituição de 1988, no capítulo
da administração pública (artigo 37) mantém a mesma exigência, porém dando outro
enfoque para a nomeação:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarada em lei de livre nomeação e exoneração. (Brasil, 1988: Art. 37).
Para além do primeiro aspecto em destaque, onde são evidenciadas as exigências
constitucionais do concurso para aqueles que desejam ingressar no serviço público,
temos um segundo determinante de ordem técnica (selecionar os melhores), ou seja,
além do critério da igualdade de oportunidades, a seleção deve incluir, neste momento,
2 O artigo 169 da constituição de 1934 diz: “Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa” (Brasil, 1986, p. 179).
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o critério da qualidade e excelência. Talvez, seja esse critério que fundamente a
existência de concursos nas instituições privadas.
No caso do ensino público, a seleção de pessoal mediante concurso está
especificada na legislação do ensino, por sua vez, sustentada pelas cláusulas da
Constituição Federal e consubstanciada pelas Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Na Lei 4.024/61, que fixou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB, já estava previsto que “O provimento em cargo de professor nos
estabelecimentos oficiais de ensino será feito por meio de concurso de títulos e provas”
(art. 60). Com a Lei 5692/71, que reestrutura a Lei 4024/61 e especifica, entre outras,
providências para o ensino de 1º e 2º graus, a admissão e ingresso dos professores e
especialistas, foi enunciado o seguinte: “A admissão de professores e especialistas no
ensino oficial de 1º e 2º graus far-se-á por concurso público de provas e títulos,
obedecidas as exigências de formação constantes desta Lei” (art. 34). Aparece aqui pela
primeira vez, as exigências de habilitação específica em um concurso, evidenciando que
antes da promulgação desta Lei, estas exigências não estavam postas. Finalmente, a Lei
9.394/96 mantém as exigências anteriores para o ingresso no ensino oficial, ou seja,
“ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos” (art. 67). Estes são
dados importantes que ajudarão a responder, com base na legislação, porque a
administração pública realizou e vem realizando concursos: é uma exigência da
Constituição e da Legislação Federal do Ensino, para responder às exigências jurídicas
e técnicas.
Embora existam diretrizes comuns que regulamentam o recrutamento dos
funcionários públicos, cada instância do poder público tem autonomia para organizar e
elaborar os seus próprios critérios de seleção, não perdendo de vista as bases legais que
estabelecem as exigências de formação para a categoria que fará o concurso. É
exatamente esta “autonomia” que imprime uma política de recrutamento e seleção. A
análise dos editais, da bibliografia e das provas de um determinado concurso, permitirá
identificar, sob o ângulo do recrutamento e da seleção, elementos da ação política
implementada por uma determinada gestão de governo. É neste sentido que os
concursos podem ser entendidos como expressão de ações políticas concretas.
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2. O cenário político educacional do estado de São Paulo nos anos 80
No contexto educacional, a década de 80 constitui um momento importante da
trajetória política, econômica e social, sugerindo uma atenção especial às principais
ações implementadas no país em termos educacionais. Refletir sobre as políticas
educacionais a partir das conseqüências da lei federal 5.692/71 e das propostas de
superação ou continuidade na lei 9.394/96 no que se refere ao recrutamento, seleção e
formação dos professores das primeiras séries iniciais, já é um bom ponto de partida
para o entendimento de como estas questões estão postas no âmbito da educação.
Com o objetivo de fornecer ao leitor um panorama do cenário político
educacional paulista na década de 80, elaboramos o quadro 1, que apresenta os períodos
de cada gestão, os nomes dos governadores do Estado, os Secretários da Educação e
seus respectivos partidos políticos.
Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo na década de 80, com indicação do período de governo, governador, Secretário da Educação e partidos políticos
Período Governador Secretário da Educação Partido Político
1979-83
Paulo Salim Maluf Luis Ferreira Martins (1979-82)
Jessen Vidal (1982-83)
ARENA
1983-87
Franco Montoro
Paulo de Tarso Santos (1983-84) Paulo Renato Costa Souza (1984-86) Luiz Carlos Bresser Pereira (1986) José Aristodemo Pinotti (1986-87)
PMDB
1987-91 Orestes Quércia Carlos Estevão Martins PMDB Fonte: DRHU e Rus Perez, 1994.
Segundo a análise de Rus Pérez (1997) na gestão de Paulo Maluf (1979-83)
estava previsto para a educação o atendimento ao ensino de 1º grau (principalmente nas
áreas periféricas, urbanas e rurais), a ampliação da oferta da pré-profissionalização, o
aperfeiçoamento das modalidades de atendimento no ensino profissionalizante de 2º
grau, a diminuição da repetência e evasão escolar, a ampliação dos programas
assistenciais, além da definição e implantação da política de pessoal. Dentre tais ações
destaca-se: o Programa de Educação Compensatória (1979), o Projeto de Capacitação
de Recursos Humanos (1981) e os Cursos Face-a-Face (1981), ambos articulados em
convênios com as universidades estaduais no período de férias.
Na gestão Franco Montoro (1983-87) destaca-se a ampliação da vida
democrática, atenção especial às questões sociais e reorganização institucional-
administrativa. No campo educacional temos a descentralização das funções, a
formulação de programas com o objetivo de iniciar o processo de
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regionalização/municipalização do ensino pré-escolar e de 1ºgrau, a participação da
comunidade (criação dos Conselhos Municipais de Educação), a reestruturação da
Companhia de Construções Escolares – CONESP, a descentralização da merenda
escolar, a regionalização dos concursos para o magistério, a revalorização do professor e
recuperação salarial do magistério. Um dos primeiros programas a ser lançado nesta
gestão foi o Ciclo Básico (Decreto nº 21.883 de 8/12/83), com a finalidade de diminuir
os índices de repetência e evasão da rede no primeiro grau. Esse Programa propunha a
eliminação da reprovação da 1ª para a 2ª série, proporcionando um tempo maior para a
alfabetização. Tal Programa incentivou a formação continuada dos professores por meio
de cursos de aperfeiçoamento e reuniões pedagógicas de 2 horas, ampliou o
atendimento individualizado aos alunos com dificuldades, além de incentivar o
professorado através de pontos, válidos para o concurso de ingresso. O Projeto Ipê
(1984) veio dar um suporte aos professores, a fim de sanar as dificuldades de
implantação do Ciclo Básico, detectadas na Avaliação do Primeiro Ano de sua
implantação realizada pela ATPCE/SE. Em relação aos programas de capacitação dos
professores, a monitoria coordenada pela CENP, perde o caráter de divulgação e passa a
ter como objetivo central a “reestruturação da escola de 1º grau” com uma atenção
voltada para o Ciclo Básico.
Por fim, na gestão Orestes Quércia (1987-91) as principais diretrizes eram
recuperar a qualidade do ensino público, possibilitando o acesso das camadas de baixa e
média renda a um padrão de ensino mais elevado. Para tanto, o governo implementou
quatro ações fundamentais: ampliação do acesso e efetivação da permanência do aluno
na escola, formação e atualização do magistério, democratização e modernização do
sistema educacional, com características de continuidade do governo anterior. Os dois
programas, Ciclo Básico e PROFIC, implantados anteriormente, foram mantidos com
algumas alterações, principalmente no Ciclo Básico que ganhou força com a
implantação da Jornada Única para o Docente e Discente nas escolas da rede (Decreto
nº 28.170/88). Nesta nova configuração, o aluno tinha uma jornada de 6 horas-aula
diárias, totalizando 30 horas-aula semanais. Para o professor I, a jornada de trabalho era
de 40 horas-aula semanais (vinte e seis horas-aula com aluno, oito horas de atividade
livre e seis horas de trabalho pedagógico – HTP - na escola). Além disso, foi criada a
figura do professor-coordenador, eleito pelos professores da escola, e que poderia
utilizar até 16 horas-aula de sua jornada para o trabalho de coordenação pedagógica.
Contudo, 66% das escolas que implantaram o Projeto, não tinham o professor-
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coordenador, o que ocasionou problemas, além da ausência de professores de Educação
Artística e Educação Física. Em 1987 foi criada a Fundação para o Desenvolvimento da
Educação – FDE (Decreto nº 27.102/87). Nesta Fundação foram incorporadas as
funções da Fundação para o Livro Escolar – FLE, da Companhia de Construções
Escolares do Estado de São Paulo – CONESP e do Centro Nacional de
Aperfeiçoamento de Pessoal Para Formação Profissional – CENAFOR. Ainda nesta
gestão foi criado o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério –
CEFAM (Decreto nº 28.089/88), cuja finalidade era melhorar a qualidade dos cursos de
2º grau com Habilitação para o Magistério, formando e habilitando professores da pré-
escola até a 4ª série do 1º grau. Em relação à capacitação dos professores, a partir de
1987 a Secretaria implantou o projeto Oficina Pedagógica. Estas oficinas eram
instaladas e vinculadas às Delegacias de Ensino que se propunham a funcionar como
pólos mediadores das ações pedagógicas. Os Cursos Face-a-Face também foram
mantidos para suprir as lacunas das Oficinas Pedagógicas, centradas principalmente na
falta de monitores especializados e de espaço institucional em cada delegacia de ensino.
Especificamente, no caso do recrutamento e seleção dos professores, a distância
entre o perfil do professor selecionado (seja por concurso ou em caráter temporário) e as
reais necessidades das escolas monitoradas pelos projetos da Secretaria da Educação,
mereceram uma avaliação minuciosa, para que tivéssemos rigorosamente condições de
apontar os efeitos do modelo de recrutamento e seleção de professores adotado nas
escolas, já que o discurso que alicerçou as políticas educacionais do estado de São
Paulo, esteve voltado para uma melhor qualidade do ensino e com perspectivas de
expansão quantitativa da rede. Tal argumento pode ser demonstrado pelos dados
quantitativos da situação funcional dos professores da rede estadual de ensino paulista
em 1990 (tabela 1).
Tabela 1 - Situação funcional do Quadro do Magistério de funcionários ativos da Secretaria da Educação do estado de São Paulo em 1990
Situação Funcional Quadro do Magistério Efetivo % Servidor % Total
Professor I 44 56 97.351 Professor II 01 99 18.093 Professor III 42 58 91.392 Especialista 59 41 11.481 Estagiário 0 100 6.490
Total 29 71 224.807 Fonte: Quanto Somos nº 1/90, DRHU.
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Os dados disponíveis na tabela 1 não deixam dúvidas de que dos 224.807
professores ativos do Quadro do Magistério, 29% era composto de efetivos e 71%
servidores. Este é um dado importante, pois, evidencia a recorrente prática de
recrutamento da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e aponta um problema
histórico, ou seja, grande parte dos professores que trabalharam ou trabalham na rede
não eram concursados. Os dados fornecidos pelo Centro de Informações Educacionais –
CIE (Setembro/97), confirmam tal hipótese: dos 244.711 docentes e especialistas ativos
do Quadro do Magistério, 32% eram efetivos e 68% servidores.
Esses dados gerais dos concursos apontam, apenas, alguns aspectos quantitativos
das políticas de recrutamento e seleção de professores do magistério público paulista. É
necessário, entretanto, que façamos uma análise mais detalhada dos elementos internos
que compõem a natureza e formato do processo seletivo implementado por uma
determinada gestão política. É esse tipo de abordagem que pretendemos demonstrar a
seguir.
3. Os concursos para professor I na rede estadual paulista da década de 80
As principais informações dos concursos que estaremos analisando, foram
extraídas das publicações do Diário Oficial do Estado de São Paulo (15/08/78, 26/08/78,
19/09/81, 24/10/81, 4/11/81, 17/11/81, 18/11/81, 5/10/89, e 20/10/89), de informações
obtidas com funcionários da Fundação Carlos Chagas e VUNESP e de registros do
Departamento de Recursos Humanos - Centro de Seleção e Movimentação de Pessoal
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (DRHU). Com o objetivo de mapear
os concursos em análise, o quadro 2 indicará, a seguir, o ano de realização, o ano de
homologação e as gestões de governo dos respectivos concursos.
Quadro 2 - concursos para professor I (1980-90), na rede pública estadual paulista, com indicação de período de tramitação, ano de realização, homologação e gestão de governo
Ano Gestão de governo Tramitação Realização Homolog. Governador Sec. da Educação Partido 1978 – 80 1978 1980 Maluf Luiz Ferreira Martins ARENA 1981 – 82 1982 1982 Maluf Jessen Vidal ARENA 1989 – 90 1990 1990 Quércia Carlos Estevão Martins PMDB
Fonte: DRHU e Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Alguns aspectos do quadro 2 merecem destaque. Primeiro, pela demora de
aproximadamente dois anos entre a realização e a homologação do concurso de 80.
Segundo, em relação às gestões de governo, com a realização de dois concursos na
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gestão Paulo Maluf e um na gestão Orestes Quércia, além do salto de oito anos entre o
concurso de 82 e o de 90.
Os concursos promovidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo,
com responsabilidades atribuídas ao DRHU, na década de 80, obedeceram a uma
estrutura de organização semelhante. Verificando os itens contidos nos cronogramas dos
concursos, é possível certificar a forma como o DRHU os organizou.
Como exemplo dessa estrutura de organização temos o concurso para PI de 90,
que apresenta os seguintes itens: autorização governamental, instruções especiais,
bibliografia, inscrição, relação das inscrições deferidas e indeferidas, locais das provas,
gabarito oficial, relação de aprovados e reprovados, juntada de títulos, 1ª classificação,
recursos, classificação final, homologação, escolha de vagas - número de nomeações
(DRHU, 1989).
No Decreto Nº 17.329 de 14 de julho de 1981, que define a estrutura, as
atribuições de órgãos e as competências das autoridades da Secretaria do Estado da
Educação, é possível em relação ao Sistema de Administração de pessoal e das
providências correlatas, esclarecer alguns pontos.
O Departamento de Recursos Humanos – DRHU, que sofre modificações pelo
artigo 7º do referido decreto, passa a ter entre outros elementos de sua estrutura, um
Centro de Seleção e Movimentação de Pessoal, (em nível de Divisão Técnica) com
várias atribuições, em que fica claro que o DRHU é o responsável pelo programa de
seleção. Ele pode até delegar as funções a outras entidades. Contudo, isto não exime sua
responsabilidade, como por exemplo, a elaboração e correção das provas, o que não
impede que outras pessoas ou entidades o façam por ele.
Em relação à correção das provas, segundo a Fundação Carlos Chagas esse
trabalho era feito até 1982 pela PRODESP (órgão responsável pelo processamento dos
dados estatísticos do estado de São Paulo), que processava os resultados das avaliações
mediante a leitura dos gabaritos, encaminhando-os posteriormente ao DRHU, que de
posse desses dados, elaborava os relatórios finais. Só a partir de 1983, é que a Fundação
assumiu formalmente essa responsabilidade.
Após a apresentação das informações gerais dos concursos, destacaremos a
seguir alguns aspectos da análise dos seus elementos estruturais tais como as instruções
especiais, bibliografias e provas.
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3.1 As instruções especiais dos concursos
Os itens das Instruções Especiais dos concursos para PI do estado de São Paulo,
na década de 80, não obedeceram sempre a mesma estrutura. Por isso, cabe aqui
destacar, para efeito de comparação, os itens dos concursos indicados a cada ano.
No edital do concurso de 80, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo
no dia 15/8/78, destacam-se os seguintes itens: I. Dos requisitos, II. Das inscrições, III.
Das provas, IV. Dos títulos, V. Da classificação, VI. Da escolha de vagas, VII. Dos
recursos e prazos e VIII. Das disposições gerais.
No concurso de 82, as Instruções Especiais, publicadas no Diário Oficial do
Estado de São Paulo, no dia 17/09/81, e alteradas conforme Diário Oficial de 27/10/81,
apresentam os seguintes itens: I. Dos requisitos mínimos de titulação e experiência, II.
Das condições para inscrição, III. Das inscrições, IV. Das provas, V. Do julgamento e
avaliação das provas, VI. Dos títulos e sua avaliação, VII. Da classificação, VIII. Das
vagas e sua escolha, IX. Da jornada de trabalho, X. Da banca examinadora, XI. Das
disposições gerais. Além da Instrução Complementar DRHU I. Declaração de situação e
experiência funcional (Modelo 1) publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo
em 4/11/81.
No concurso de 90, as Instruções Especiais publicadas no Diário Oficial do
Estado de São Paulo em 5/10/89, mencionam os seguintes itens: I. Dos vencimentos, II.
Dos requisitos mínimos de titulação e experiência, III. Das condições para inscrição, IV.
Das inscrições, V. Da prova e dos títulos, VI. Do julgamento e da avaliação da prova,
VII. Da prestação da prova, VIII. Dos títulos e sua avaliação, IX. Da classificação, X.
Das vagas e sua escolha, XI. Para efeito de análise, destacaremos apenas alguns itens
no sentido de evidenciar traços das políticas de seleção de professores.
Com relação aos requisitos mínimos de titulação e experiência, os três concursos
exigem, ressalvadas as suas particularidades, no mínimo habilitação específica de 2º
grau para o magistério das quatro primeiras séries do Ensino de 1º grau, obtido em curso
de duração de quatro anos e 2.900 horas ou em três anos3 para quem concluiu o curso
até 1974.
As provas, tiveram orientações diferentes nos três concursos. Em 80, optou-se
por elaborar uma prova que versava sobre o conjunto de matérias da parte de Educação
Geral, sem nenhum esclarecimento adicional para o candidato. Em 82, houve uma
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preocupação maior com a instrução do candidato que iria fazer a prova. Esta constava
de 80 questões objetivas, divididas em duas partes, sendo uma prova de conhecimentos
gerais (40 questões) relativos aos componentes curriculares da parte de educação geral,
em nível de 2º grau e uma prova de conhecimentos específicos (40 questões) relativos à
formação pedagógica do professor I. Em 90 havia uma estrutura semelhante de prova,
em relação ao concurso anterior, porém, ampliou e atribuiu um número diferente de
questões nas duas provas: a prova de conhecimentos gerais contou com 60 questões e a
de conhecimentos específicos com 40 questões.
Com relação aos títulos, eles foram atribuídos até 50 pontos nos concursos de 80
e 82 e até 15 pontos no concurso de 90. Os critérios para pontuação se assemelharam
bastante entre os concursos de 80 e 82, embora se distinguissem em alguns aspectos na
atribuição de pontos a cursos de especialização. Destaca-se aqui o grande peso (máximo
de 40 pontos, e 80% do total) para tempo de serviço no Magistério Oficial do Estado de
São Paulo. Tal critério indica que os professores possuidores de um tempo maior de
exercício na rede pública oficial do Estado de São Paulo, teriam um melhor perfil - pela
prática de ensino - para atuar na própria rede. Essa questão da pontuação decorre
essencialmente das conquistas dos professores no Novo Estatuto do Magistério (Lei
Complementar 444/85), sancionado na gestão Montoro após um longo processo de
discussão e negociação entre entidades do magistério paulista, que teve seu início no
ano de 1983. No concurso de 90, foram adotados outros critérios para a atribuição de
pontuação de títulos. Estes foram quantificados de 0 a 15 pontos, sendo que 6 (40% do
total) poderiam ser atribuídos ao tempo de serviço prestado no Magistério oficial de 1º
grau do Estado de São Paulo. A mesma proporção (6 pontos) seria equivalente a: 3
pontos para os cursos de Mestrado e Doutorado e 3 para os cursos oferecidos pela S.E.
do Estado de São Paulo e outros cursos de especialização e aperfeiçoamento.
Completava a pontuação a aprovação em concurso público de provas e títulos,
realizados pela S. E. do Estado de São Paulo (3 pontos).
Com relação ao julgamento das provas os três concursos adotaram critérios
diferentes de avaliação, assemelhando-se na questão do caráter eliminatório e no
consenso de que em qualquer hipótese não haveria vista e nem revisão da nota atribuída
na prova. É importante ressaltar aqui que o recurso só poderia ser feito em relação às
inscrições e aos títulos, ficando de fora o conteúdo das respostas das provas, já que estas
3 A redução do curso de magistério de 4 para 3 anos, foi uma das medidas da Lei 5.692/71 que reestruturou o ensino de 1º e 2º graus, substituindo o Curso Normal pela Habilitação em Magistério.
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eram corrigidas mediante processamento eletrônico. No concurso de 80 a prova foi
avaliada na escala de 0 a 100 pontos, sendo considerado aprovado o candidato que
obtivesse nota igual ou superior a 50. Em 82, a prova foi dividida em pontos, podendo o
candidato atingir no máximo 50 pontos. Para obter aprovação ele deveria alcançar um
total de pontos igual ou superior a 25. Além disso o desempenho do grupo também foi
considerado4. No concurso de 90, a prova foi avaliada na escala de 0 a 100 pontos,
sendo considerado aprovado o candidato que obtivesse nota igual ou superior a 50. O
desempenho do grupo também foi incluído nos critérios de avaliação, mas com uma
diferença em relação ao concurso de 82: os valores para o cálculo das médias finais.
Por fim, o item classificação, mostra que nos concursos de 80 e 82 foram
adotados critérios semelhantes, embora o concurso de 90 possa ser distinguido dos
anteriores pela classificação em nível de Delegacia de Ensino e nos critérios de
desempate.5 No concurso de 80, os candidatos foram classificados em ordem
decrescente das notas finais obtidas, sendo a nota final obtida pela soma da prova (peso
3) e dos títulos (peso 1). Em 82, os candidatos também foram classificados pelas notas
finais em ordem decrescente, com o acréscimo dos critérios de desempate: 1º maior
tempo de exercício no magistério oficial do estado de São Paulo, 2º maior tempo no
serviço público e 3º maior idade. Já em 90, os candidatos foram classificados por
Delegacia de Ensino, em ordem decrescente a partir das notas finais obtidas, acrescidas
de critérios de desempate diferentes daqueles adotados em 82: 1º maior nota obtida na
prova, 2º maior tempo no magistério oficial do Estado (PI), 3º maior tempo como
professor de 1º e 2º graus, 4º maior tempo no serviço público e 5º maior idade. A
ênfase, ora no tempo de serviço, ora no resultado obtido pelo professor, (como critério
de seleção) parece ser um bom indicador para a compreensão do perfil dos concursos.
3.2 A bibliografia dos concursos
Invariavelmente, antes da realização das provas (dois meses antes em 80, três em
82 e seis em 90), o DRHU publicou as bibliografias que supostamente deveriam orientar
a preparação dos candidatos para esta etapa fundamental da seleção.
É curioso notar que no concurso de 80, este item foi publicado como programa e
sugestões bibliográficas para o concurso de PI (cf. Diário Oficial do dia 6/8/78). Em
4 Aqui fica evidente, pela referência na aplicação de provas em vários concursos no Brasil, a grande influência da Fundação Carlos Chagas na especificação dos critérios de avaliação. 5 Aqui fica evidente a política de descentralização da gestão Quércia.
13
geral, as indicações bibliográficas das provas incidiram sobre duas áreas do
conhecimento, a saber: conhecimentos gerais (relativos aos componentes curriculares da
parte de educação geral) e conhecimentos específicos (relativos à formação pedagógica
do professor I). Das Instruções Especiais, já descritas, lê-se: “O concurso constará de
uma prova versando sobre o conjunto de matérias da parte de Educação Geral” (Diário
Oficial, 15/8/78). Comparando os conhecimentos exigidos na prova e as sugestões
bibliográficas em relação ao tipo de conhecimento e bibliografia nos concursos de 82 e
90, fica claro que: o concurso de 80, mesmo não especificando, também exigiu
conhecimentos gerais e específicos. Na tabela 2, temos uma visualização da composição
da bibliografia.
Tabela 2 - Distribuição da bibliografia de conhecimentos gerais e específicos por tipo de publicação, nos concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 80
Concursos Tipo de publicação 80 82 90 Freqüência % Freqüência % Freqüência % Livros * 17 71 14 82 35 78 Periódicos 00 0 01 6 02 4 Documentos de Secretaria 05 21 02 12 08 18 Legislação 02 8 00 0 00 0 Total 24 100 % 17 100 % 45 100 %
Fonte: Elaborado a partir dos editais dos concursos (cf. Diário Oficial do Estado de São Paulo: 26/8/78, 18/11/81 e 20/10/89).
A tabela 2 evidencia a grande predominância dos livros (sempre superior a 70
%) em relação aos demais tipos de publicação indicados na bibliografia dos concursos.
Destaca-se aí o concurso de 82 que indicou 82% da bibliografia em livros. Entretanto é
importante salientar que grande parte desses livros eram didáticos, o que já sugere uma
tendência na definição dos objetivos educacionais das provas.
Em contrapartida, há ao longo dos três concursos apenas 3 indicações de artigos
de periódicos: uma no concurso de 82 e dois no concurso de 90. Destes artigos dois
foram editados na Revista Cadernos de Pesquisa e um na revista Educação e Sociedade.
Em relação aos Documentos de Secretaria, estes sempre estiveram presentes na
bibliografia, sendo em média, o segundo tipo mais indicado. Tais documentos referem-
se às publicações da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (14 indicações) e
da Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco (1 indicação em 1990).
Quanto à legislação foram feitas duas indicações no concurso de 80, sendo que
as mesmas referem-se à Lei Federal 5.692/71 e à Indicação 1/72 do Conselho Estadual
de Educação de São Paulo. Ainda em relação à legislação, fazendo uma consulta no
14
programa de conhecimentos específicos, é possível constatar no item referente à
Estrutura e Funcionamento do 1º grau, a inclusão de tópicos relacionados à
organização e funcionamento do ensino. Isto que dizer que na verdade houve um
aumento significativo das indicações de legislação presentes nos Documentos de
Secretaria (Guias Curriculares e propostas Curriculares) e no livro de Brejon, Estrutura
e Funcionamento do Ensino de 1º e 2ºgraus.
É importante salientar as diferenças do número de indicações bibliográficas nos
três concursos. Em 1980 foram apresentadas 24 referências distintas, em 1982 esse
número foi reduzido para 17 e em 1990 aumentou para 45, indicando um acréscimo de
87,5% em relação ao concurso de 1980 e 165% em relação ao de 1982.
Os conhecimentos específicos foram introduzidos a partir do concurso de 82.
Mesmo assim, em 1980, algumas publicações faziam parte destes conhecimentos, pois,
as mesmas não se referiam a nenhuma área dos conhecimentos gerais acima
mencionados.
O concurso de 90, no item conhecimentos gerais, nomeou as áreas do
conhecimento de uma outra forma (Português, Estudos Sociais, Ciências físicas e
biológicas e Matemática) as quais foram classificadas nos itens referidos (Comunicação
e Expressão, Estudos Sociais, Ciências e Matemática) pelo fato dos concursos de 80 e
82 já trazerem tal nomenclatura.
Ainda no concurso de 90, na área de conhecimentos específicos há uma
indicação dos conteúdos exigidos (Filosofia da Educação, História da Educação
Brasileira, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento
do Ensino de 1º grau, Didática e Metodologia e Prática de Ensino) que coincide com o
currículo da habilitação específica do magistério - HM. Este procedimento não foi
adotado nos concursos anteriores.
Comparando os três concursos, destaca-se primeiramente a quantidade irregular
de distribuição da bibliografia por área do conhecimento. O concurso de 80, por
exemplo, indicou apenas Documentos de Secretaria para a área de Comunicação e
Expressão. Em relação aos conhecimentos específicos, nota-se um crescimento
considerável das indicações bibliográficas nos concursos em pauta. Em 80, mesmo não
havendo a especificação da prova de conhecimentos específicos, o concurso indicou
aproximadamente 20% da bibliografia para esta área. Em 82 este número cresce para
aproximadamente 47%. Em 90, o percentual de indicações para a área de
conhecimentos específicos chega aos 73%.
15
Os dados da bibliografia, como critério importante do processo seletivo, já
apontam algumas tendências teóricas do perfil de professor que deveria ser selecionado
para compor o quadro docente do magistério público em São Paulo. Nos últimos anos,
por exemplo, há uma maior concentração na área de conhecimentos específicos em
detrimento dos conhecimentos gerais, significando que o professor precisaria estar mais
bem preparado na área de conhecimentos pedagógicos.
3.3 As provas dos concursos
No caso das provas, um pressuposto importante adotado para a fundamentação
da análise foi admiti-las como um tipo de teste educacional. Neste sentido retomamos,
pela sua ressonância e influência nos meios escolares e acadêmicos nos anos 70 e 80, o
trabalho Testes em Educação de Heraldo Marelim Vianna, que reproduz de forma
sistemática a principal concepção e procedimentos de avaliação adotados na época.
Segundo Vianna , a mensuração educacional exige o exame de três elementos básicos:
1) um conjunto de situações relativas à aprendizagem ocorrida através do ensino; 2) as
respostas dos indivíduos às situações apresentadas e 3) a classificação dos mesmos
indivíduos segundo suas respostas (VIANNA, 1978, p.18).
Interpretando e traduzindo os elementos da mensuração educacional apontados
acima, temos: as situações (conhecimentos e/ ou comportamentos a serem medidos) que
podem variar quanto à forma (questões dissertativas ou de múltipla escolha), à
apresentação (material impresso, filmes, dramatização, entrevista etc.) e ao
comportamento exigido (verbal, não-verbal, cognitivo, afetivo, manipulativo etc.). As
respostas dos examinandos às situações, ou seja, o resultado bruto de seu desempenho.
Por último, a classificação dos indivíduos, ou seja, o confronto entre o resultado do
desempenho do indivíduo e do grupo. (VIANNA, 1978: p.18-19).
Após um primeiro contato com as provas foi possível perceber que estas
obedeciam a mesma estrutura dos testes objetivos mencionados na análise de Vianna.
Basicamente, um teste objetivo envolve as seguintes fases: o planejamento, geralmente
apresentado em tabelas de especificação, que define a área a ser examinada, distribuindo
de forma proporcional às questões pelas áreas de conhecimento e pelos objetivos
educacionais pré-estabelecidos pelo examinador; a elaboração dos itens (questões) que
deve obedecer a critérios de organização e pré-testagem; a aplicação dos testes aos
examinandos, acompanhados de orientação e instruções e a correção dos testes,
avaliando os escores do candidato e do grupo.
16
Além dos elementos mencionados acima, existem dois aspectos essenciais que
determinam a consistência de um teste. São eles: a fidedignidade e a validade. A
fidedignidade refere-se ao grau de confiabilidade dos instrumentos utilizados a partir da
estabilidade de seus resultados; já a validade é representada por um critério de
eficiência em relação à finalidade do que se pretende medir6.
Com relação a análise do tipo de prova adotado pela Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo nos concursos para PI da década de 80, foram adotados os
seguintes procedimentos: 1) retomada dos itens II provas, IV julgamento das provas e
V classificação das Instruções Especiais; 2) descrição, distribuição e organização das
questões das provas por áreas do conhecimento e 3) à luz das categorias da Taxionomia
de objetivos educacionais de Benjamin S. Bloom (1972), verificamos o que foi exigido
do professor em termos de conhecimentos, capacidades e habilidades intelectuais. Pelas
Instruções Especiais foi possível perceber alguns dos principais determinantes do tipo
de prova dos concursos em análise.
No concurso de 80 as Instruções Especiais salientavam apenas que a prova
versaria sobre o conjunto de matérias da parte de Educação Geral. Não havia nenhuma
informação sobre o número e o tipo de questões, além de não esclarecer o que vinha a
ser Educação Geral. Em relação ao julgamento das provas (de caráter eliminatório), o
critério adotado para a aprovação (nota de corte) seria de um total de 50% de acerto das
questões propostas (escore bruto). Em outros termos, numa escala de 0 a 100 pontos
seria considerado aprovado o candidato que obtivesse nota igual ou superior a 50. Nota-
se aqui, que a avaliação não considerou a nota do candidato (escore bruto) em relação
ao desempenho do grupo, inviabilizando assim, a possibilidade de uma avaliação mais
criteriosa do desempenho do candidato.
Em 1982 houve um cuidado maior na especificação do tipo de prova adotado.
Esta foi organizada em 40 questões de conhecimentos gerais (relativos aos componentes
curriculares da parte de educação geral) e 40 questões de conhecimentos específicos
(relativas à formação pedagógica do professor I). Para o julgamento da prova foram
adotados os seguintes critérios: avaliação estatística de acordo com o desempenho do
grupo a ela submetido a partir de escores padronizados, ou seja, escores brutos
transformados em unidades padronizadas, em que são considerados o desempenho do
6 Nesse trabalho nos limitaremos a apresentar apenas os aspectos referentes ao tipo de prova e objetividade dos itens que compunham os testes. A análise da validade e fidedignidade dos testes não será possível demonstrar aqui, devido aos limites de espaço desse artigo.
17
grupo por meio da tendência central (média) e variabilidade do grupo (desvio-padrão).
Para a análise estatística foi utilizado um escore padronizado (pré-determinado) com a
média igual a 7, 8125 e desvio-padrão de 1, 5625. O total de pontos do candidato nas
provas foi atribuído da seguinte forma: soma das notas obtidas em cada prova,
multiplicada pelos pesos (3, conhecimentos específicos) e (1, conhecimentos gerais).
Em termos de aprovação (nota de corte), seria considerado habilitado o candidato cujo
total de pontos fosse igual ou superior a 25, sendo que o mesmo poderia obter no
máximo 50 pontos (considerando aqui o desempenho do grupo). Em outras palavras, de
100% dos itens o candidato deveria ter no mínimo 50% de acertos. Para a classificação
final tanto a nota da prova quanto os títulos tiveram o mesmo peso, tendo sido
considerados os critérios já mencionados no item V- Classificação em caso de empate.
No concurso de 90 foram adotados critérios semelhantes ao concurso de 82 no
julgamento da prova, ou seja, avaliação estatística de acordo com o desempenho do
grupo a ela submetido, a partir da transformação dos escores brutos em unidades
padrões. A diferença é que a média e o desvio-padrão do grupo não foram pré-
determinados. Para a aprovação a nota do candidato (num total de 100 pontos) deveria
ser igual ou superior a 50. Para classificação final seguiu-se praticamente os mesmos
critérios, ou seja, maior nota na prova, com diferenças nos critérios de desempate. No
concurso de 82 o tempo de serviço no magistério Oficial do Estado de São Paulo tinha
maior peso, e no de 90 maior nota obtida na prova, além da classificação ser feita em
nível de delegacia. Um aspecto importante de ser retomado nesse momento diz respeito
aos diferentes pesos atribuídos aos títulos para a classificação final dos candidatos, nos
três concursos analisados. Talvez seja esse o recurso utilizado na gestão Maluf para a
efetivação dos professores que já estavam na rede em 1982. Se a nota dos títulos tinha o
mesmo peso que a nota da prova, então é possível concluir que o professor que tinha um
tempo significativo na rede teria grandes chances de ser efetivado.
Saindo do âmbito mais genérico e entrando na estrutura interna das questões de
provas, foi possível entender de fato, como estas questões estavam postas. Recuperando
os programas e as bibliografias das provas dos concursos para Professor I nos anos 80
na rede estadual paulista, os quais sugerem as áreas de conhecimento que deveriam
constar nos itens das provas, torna-se possível entender o que orientou tais itens, sendo
possível ainda evidenciar os conhecimentos privilegiados em cada concurso.
Em 80 o Programa e as sugestões bibliográficas indicavam as seguintes áreas
dos Conhecimentos Gerais: Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa , Educação
18
Artística, Educação Física e Pedagogia), Estudos Sociais, Ciências e Matemática. Em
82 há uma distinção entre Conhecimentos Gerais: Comunicação e Expressão (Língua
Portuguesa e Estudos Sociais), Ciências, Matemática e Conhecimentos Específicos:
Metodologia do Ensino, Didática e Psicologia da Educação. Em 90, o Programa
mantém a mesma estrutura anterior (Conhecimentos Gerais e Específicos) especificando
melhor as diversas áreas envolvidas, ou seja, Conhecimentos Gerais: Português,
Matemática, Estudos Sociais, Ciências Físicas e Biológicas. Conhecimentos
Específicos: Filosofia da Educação, História da Educação, Psicologia da Educação,
Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau e Metodologia e Prática de
Ensino.
Visando a sistematização dos conhecimentos contemplados nas provas, a tabela
3 apresenta as áreas do conhecimento, o número de questões e o percentual de questões
por área das provas dos concursos. Para tanto, a organização das áreas do conhecimento
obedeceu basicamente a mesma estrutura anterior com pequenas modificações. Por
exemplo: Didática, Metodologia e Prática de Ensino eram áreas distintas no concurso de
90. Nesta nova organização, Didática e Prática de Ensino sofreram uma unificação, haja
vista a possibilidade de inclusão (pelos itens da prova) de outros concursos nesta nova
configuração.
Tabela 3- Distribuição das questões por áreas do conhecimento, das provas dos concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 80
Concursos Áreas do conhecimento 80 82 90 Nº questões % Nº questões % Nº questões % 1. Conhecimentos Gerais Língua Portuguesa 11 14 10 12,5 15 15 Educação Física 07 09 00 00 00 00 Educação Artística 08 10 00 00 00 00 Estudos Sociais 15 19 10 12,5 16 16 Ciências 09 11 10 12,5 14 14 Matemática 21 26 10 12,5 15 15 Total 1 71 89 40 50 60 60 2. Conhecimentos específicos Filosofia da Educação 00 00 00 00 05 05 História da Educação 00 00 00 00 04 04 Psicologia da Educação 09 11 14 17,5 07 07 Didática/ Prática de Ensino 00 00 26 32,5 12 12 Estrutura e Funcionamento 00 00 00 00 12 12 Total 2 09 11 40 50 40 40 Total Geral 80 100 80 100 100 100
Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para professor I da rede estadual paulista nos anos 80
19
Um primeiro aspecto geral da tabela 3, que merece destaque, refere-se às áreas
do conhecimento privilegiadas nos concursos, bem como ao número de questões
dedicadas a estas. Com exceção do concurso de 90, houve uma distribuição eqüitativa
do total de questões da prova em conhecimentos gerais e específicos. Aparentemente,
isto denota um certo equilíbrio dos conhecimentos que deveriam ser dominados pelos
candidatos; por outro lado, fazendo uma descrição da prova este equilíbrio não se
confirma. O concurso de 80 denota vários aspectos: primeiro pelo percentual de 11% do
total das questões em conhecimentos específicos. Independentemente da menção ou não
da área de conhecimentos específicos, dedicar um número irrisório de questões não
garante que a prova explore em extensão e profundidade uma área complexa como a
pedagogia. Além disso, não foram explorados questões que envolvessem a Filosofia da
Educação, História da Educação, Didática, Prática de Ensino e Estrutura e
Funcionamento do primeiro grau. Em outras palavras: habilitar um candidato apenas
pelos seus conhecimentos de Psicologia da Educação é muito pouco para o desafio de
uma sala de aula que sem sombra de dúvida envolve outros aspectos. Além destas
considerações feitas sobre a parte de conhecimentos específicos, em conhecimentos
gerais o concurso de 80 dá uma grande ênfase aos conhecimentos de Matemática e
Estudos Sociais. Seria interessante se tivéssemos aqui os critérios adotados para tal
distribuição: infelizmente, por falta de acesso a esses dados, ficamos sem condições de
uma análise mais precisa.
Em 82, na parte de conhecimentos gerais, fica evidente que o critério adotado
para a distribuição das questões foi dividir o total das mesmas pelas disciplinas
envolvidas. Um destaque a ser feito é a não inclusão das disciplinas de Educação
Artística e Educação Física. Nos conhecimentos específicos foram contempladas em
percentuais diferentes as disciplinas de Psicologia da Educação, Didática e Prática de
Ensino. Filosofia da Educação, História da Educação e Estrutura e Funcionamento não
foram incluídas na referida prova.
Em 90 é possível perceber um equilíbrio na distribuição das questões referentes
à parte de conhecimentos gerais. Aqui também não foram contempladas as disciplinas
de Educação Física e Artística, ficando esta questão em aberto pela dificuldade de
acesso aos dados já mencionados anteriormente. Nos conhecimentos específicos,
embora o número de questões para cada disciplina não coincida, o concurso de 90
mostra uma preocupação com a inclusão de todas as disciplinas mencionadas,
proporcionando portanto, uma maior reflexão sobre os conhecimentos pedagógicos.
20
Outro aspecto importante para a análise dos itens refere-se aos objetivos
educacionais. Retomando as considerações de Vianna, fica evidente que a teoria que
respaldou esse trabalho em relação aos objetivos foi a Taxionomia de objetivos
educacionais (domínio cognitivo) de Benjamin S. Bloom e Associados:
A Taxionomia, do ponto de vista da avaliação educacional, possibilita a análise comparativa entre diversos cursos, currículos e testes. Especificamente, com relação aos testes, permite o estudo da relevância dos instrumentos de medida, através da análise dos itens em função da ênfase atribuída às diferentes categorias de objetivos (VIANNA, 1978, p. 33)
Este sistema classificatório dos diferentes tipos de comportamento
desenvolvidos durante a educação escolar envolve dois grupos: I – CONHECIMENTO
e II – CAPACIDADES E HABILIDADES INTELECTUAIS, sistematizados em 06
categorias principais: Conhecimento, Compreensão, Aplicação, Análise, Síntese e
Avaliação.
Além da possibilidade de especificação dos objetivos educacionais presentes nos
itens das provas que permite explicitar o perfil de profissional valorizado para a rede
pública do Estado de São Paulo nos anos 80, esse aspecto da análise teve o objetivo de
julgar a consistência das provas, ou seja, se o instrumento adotado (testes objetivos) era
de fato objetivo.
Para a análise da consistência resolveu-se adotar o seguinte procedimento
metodológico: composição de uma banca de juizes para avaliar e julgar a consistência
das questões, à luz das definições das Categorias da Taxionomia de objetivos
educacionais de Bloom, indicando posteriormente, pelo índice de concordância obtido a
partir das respostas dos juizes, o grau de confiabilidade e consistência dos itens das
provas.
Primeiramente, a partir das respostas da banca de juizes que examinou todos os
itens da prova relativas as suas respectivas áreas de especialidade, foi elaborada a tabela
4 com a intenção de organizar e apresentar o número de vezes em que apareceram
respostas da banca de juizes, relacionadas a: Conhecimento, Compreensão, Aplicação,
Análise, Síntese e Avaliação (categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de
Bloom). Logo temos os seguintes dados.
21
Tabela 4. Categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom presentes nos itens das provas de Conhecimentos Gerais e Específicos dos concursos para professor I da
rede estadual paulista na década de 80 a partir do julgamento de 3 juizes
Categorias dos Conhecimentos gerais e específicos das provas dos Concursos Objetivos
educacionais 80 82 90
De Bloom Frequência % Frequência % Frequência % Conhecimento 108 45 96 40 121 40 Compreensão 17 7 30 12,5 41 14 Aplicação 50 21 55 23 74 24,5 Análise 42 17,5 35 14,5 41 14 Síntese 7 3 7 3 8 3 Avaliação 16 6,5 17 7 15 5 Total 240 100% 240 100% 300 100%
Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para P I da rede estadual paulista na década de 80
O primeiro cruzamento entre os conhecimentos gerais e específicos das provas e
as Categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom expressos na tabela 5,
indica a predominante exigência de conhecimento acima dos 40%, aplicação com
indicações superiores a 20% e análise que aparece em terceiro lugar sempre igual ou
superior a 14% nas três provas. Este perfil dos objetivos educacionais obtidos em
primeira análise (dados brutos) a partir do julgamento dos juizes, é minimamente
intrigante em relação a essa distribuição de exigências descritas acima.
Dando seqüência à análise, é importante verificar se esses índices são mantidos
após a especificação dos índices de concordância, calculados a partir da análise de três
juizes (professores especialistas dos componentes curriculares contidos nas provas) que
classificaram os itens das provas a partir das definições das categorias da Taxionomia
de objetivos educacionais de Bloom. O resultado pode ser observado na tabela 5
Tabela 5- Índice de concordância em relação às categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom, por conhecimentos gerais e específicos das provas dos concursos
para P I da rede estadual paulista na década de 80
Índice de Concursos Concordancia 80 82 90
Frequência % Frequência % Frequência % Baixo 19 24 23 29 20 20 Médio 42 52 53 66 64 64 Alto 19 24 4 5 16 16
Total 80 100 80 100 100 100 Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para P I da rede estadual paulista, na década de 80 Nota: Os índices de concordância eqüivalem a: Baixo = 0%, médio = 67% e alto = 100%.
Estes índices de concordância (brutos) apresentados pela tabela 6 indicam alguns
aspectos importantes para a análise. Primeiro, em relação ao baixo percentual de alta
concordância, ou seja, 24% em 80, 5% em 82 e 16% em 90. Segundo, em relação aos
22
expressivos índices de baixa concordância, sempre iguais ou superiores a 20% nos três
concursos. Por último, os índices de média concordância superiores a 50% nos três
concursos. Por esta tabela e com base nos aspectos destacados e descritos acima, é
possível discutir a consistência das categorias da Taxionomia de objetivos educacionais
de Bloom presentes nas provas que, pelos dados apresentados, indica uma
inconsistência devido aos baixos índices de concordância da prova.
Observando a prova do concurso de 80 separadamente por componente
curricular e tipo de conhecimento, é possível confirmar a predominância de
conhecimento em quase todas as disciplinas, com exceção de Português, que exigiu
mais habilidade de aplicação dos candidatos. Dois destaques importantes devem ainda
ser feitos: a disciplina de Estudos Sociais, que embora nesta prova tenha exigido mais
conhecimento, dedica 40% dos seus itens para a categoria análise; a disciplina de
Psicologia da Educação (em conhecimentos específicos) teve 100% de seus itens
incluídos em conhecimento. No geral, como pode ser corroborado também na tabela 10,
os dados apresentados acima se confirmam: com 45% da prova destinado a
conhecimento, 21% para aplicação, 17,5% para análise, além da inexpressiva exigência
para compreensão, tendo 1,5% para síntese e 5% para avaliação.
Na prova do concurso de 82 os índices se alteram, novamente, a categoria
conhecimento é predominante tendo o índice mais elevado em todas as disciplinas, com
exceção de Didática que apresenta um maior percentual de exigência para aplicação. As
categorias de aplicação, análise e compreensão merecem um destaque em relação a
algumas disciplinas. Ciências com exigência de 20% em compreensão e análise,
matemática com 30% em aplicação e 20% em análise, Português com 40% em análise e
20% em aplicação e Psicologia da Educação com 29% em aplicação. Embora exista
uma melhor distribuição dos objetivos educacionais em algumas disciplinas, no geral há
uma predominância de 40% da exigência de conhecimento na prova.
No concurso de 90 houve uma variação dos índices nas disciplinas em análise. A
superioridade dos índices em relação a conhecimento só pode ser vista em Ciências,
Estudos Sociais, História da Educação e Didática. A categoria de aplicação se sobressai
em Português e Matemática, além do empate de 40% em Filosofia da Educação nas
categorias compreensão e conhecimento. Fica evidente ainda no concurso de 90, um
aumento significativo em relação à exigência de compreensão em grande parte das
disciplinas e a presença marcante da categoria análise com índices significativos em
várias delas. No geral, os índices apontados acima se ofuscam quando novamente
23
aparece a superioridade da exigência por conhecimento na casa dos 48% e com uma
distribuição pouco equilibrada das várias categorias.
A análise dos itens das provas, segundo a avaliação de professores especialistas
de cada componente curricular, indicou os seguintes aspectos: a) um forte peso
atribuído prioritariamente a conhecimento; em segundo lugar à aplicação e análise, no
concurso de 80; b) praticamente a mesma orientação do concurso anterior que se repete
em 82, quando foi privilegiado conhecimento, aplicação, análise e compreensão; c)
confirmação de que a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo teve
essencialmente a mesma orientação na elaboração das provas dos três concursos,
quando novamente privilegia em 90 com pesos decrescentes conhecimento, aplicação,
análise e compreensão.
Estes três aspectos sobre a tendência das provas sugerem um perfil de professor
selecionado para atender a um determinado tipo de escola e com práticas pedagógicas
definidas. Privilegiar nos objetivos educacionais da prova7 conhecimento, aplicação e
análise, é exigir e selecionar pelas definições dessas categorias professores com
capacidade de “recordar um conteúdo anteriormente aprendido”, de “usá-lo em
situações concretas” e de “identificar os elementos incluídos numa comunicação”
(Bloom, 1977: p. 171 -76).
Essas indicações expressam um perfil de formação de professores voltado para o
tecnicismo, ou seja, um professor que é eficiente pela sua competência técnica. Se
retomarmos a análise, ficará evidente a coerência existente entre o que foi exigido em
termos de objetivos educacionais e os assuntos tratados na bibliografia como suporte
teórico para tais objetivos. Em relação à orientação adotada pela Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo no que se refere aos objetivos educacionais, os índices
concordância dos itens da prova nos fornecem elementos para discutirmos a
consistência das categorias utilizadas na elaboração das provas. Se elas de fato fossem
consistentes, deveriam ter altos índices de concordância quando submetidas à aplicação
e análise dos itens da prova.
Esses resultados sugerem a importância de se colocar em discussão os testes
objetivos, visto que atualmente essas questões parecem ser intocáveis e indiscutíveis, se
considerarmos a confiança excessiva e absoluta dos elaboradores nesse tipo de teste, o
que não tem justificativa se ponderadas as questões acima descritas.
7 É importante lembrar o grande peso atribuído às provas no processo de seleção.
24
4. Considerações finais
A análise que desenvolvemos até aqui sugere uma reflexão acerca das políticas
de recrutamento e seleção de professores, tanto no serviço público quanto no privado.
Dentre as variadas formas de recrutamento e seleção do professor, constatou-se que o
concurso ocupa um lugar importante, principalmente por ser a única forma de ingresso
em caráter efetivo no serviço público.
O estudo realizado nos permite afirmar ainda que a orientação dos concursos
para professor I da rede estadual paulista na década de 80, teve suas bases influenciadas
pelo paradigma da pedagogia por objetivos. Primeiro pela grande ênfase atribuída às
provas, organizadas em testes objetivos sobre conhecimentos gerais e específicos e,
pelos objetivos estruturados a partir da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom.
Segundo, pela exigência de domínio de conhecimento e aplicação aos professores que
fizeram a prova, sugerindo uma tendência tecnicista na seleção e formação dos
professores. E por fim, pela importância atribuída aos títulos (principalmente para os
cursos realizados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) e ao tempo de
serviço no magistério público estadual paulista, indicando a preferência por um perfil de
professor condizente com a orientação pedagógica do ensino público paulista.
Tudo indica, portanto, que o modelo de seleção de professores implementado
pelas políticas educacionais do estado de São Paulo foi pautado pelo paradigma da
pedagogia por objetivos, pois, privilegiou como principal instrumento de avaliação para
a seleção de professores provas de testes objetivos elaboradas à luz da Taxionomia de
objetivos educacionais de Bloom, exigindo dos candidatos um bom desempenho de
conhecimento (gerais e específicos) e habilidades de aplicação e análise na resolução
das questões propostas.
Talvez uma explicação plausível para a forte predominância desse tipo de
formação e seleção de professores implementados no Brasil, de modo especial no estado
de São Paulo, se fundamente nos determinantes sociais, políticos e econômicos, ou
seja, a educação como reprodutora desses valores e condicionantes estabelecidos em
nosso país. Contudo não é uma boa justificativa se pensarmos no próprio conceito de
educação como propõe Adorno (1995). A educação que não forma para a autonomia e
cidadania é legitima? Sem dúvida que esse tema mereceria uma discussão mais
aprofundada, passando pelo entendimento histórico do conceito de educação. Aqui
apresentamos a proposição apenas com o intuito provocativo.
25
Se a tendência da seleção esteve pautada no tecnicismo à luz da pedagogia por
objetivos, o perfil de formação de professores e de educação não poderia ser outro senão
a formação conteudista e instrumental do professor, que por conseqüência, dificilmente
superará essa tendência, já que os cursos de formação continuada não primam por uma
formação reflexiva, ou seja, as mesmas bases teóricas e metodológicas, continuarão a
reforçar tal concepção de educação.
Obviamente, que estas reflexões apenas introduzem o tema da seleção e
formação de professores, que como já mencionamos, mereceriam outros estudos no
sentido de compreender melhor como estas questões estão postas. Os caminhos
apontados pela Teoria Crítica, que têm como um de seus expoentes o pensamento de
Adorno, poderão auxiliar a concretização de novas pesquisas que investiguem essa
relação entre formação e seleção de professores .
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