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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (PROPGEO)
GRUPO DE PESQUISA: GLOBALIZAÇÃO, AGRICULTURA E URBANIZAÇÃO (GLOBAU)
RODRIGO JOSÉ DE GÓIS QUEIROZ
POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário
FORTALEZA – CEARÁ 2012
Rodrigo José de Góis Queiroz
POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Geografia. Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenação do Território nas Regiões Semi-Áridas e Litorâneas.
Orientação: Profa. Dra. Denise Elias
Co-orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno
FORTALEZA – CEARÁ 2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Q3p Queiroz, Rodrigo José de Góis.
Política urbana e desigualdades socioespaciais em Mossoró: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário./ Rodrigo José de Góis Queiroz. – 2012.
174 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de
Ciências e Tecnologia, Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia, Fortaleza, 2012. Área de Concentração: Análise Geoambiental e Ordenação do Território nas Regiões Semi-Áridas e Litorâneas.
Orientação: Profª. Drª. Denise de Souza Elias. Co-orientador: Prof. Dr. Renato Pequeno. 1. Política urbana. 2. Desigualdades socioespaciais. 3. Rede de
esgotamento sanitário. 4. Mossoró – RN. I. Título.
CDD: 910
Todas as cidades já estão em chamas
consumidas por um desejo voraz quem sabe ainda sobre alguma chance
a tarde, o vento e o mar. Banda Eddie
Para minha Avó, Terezinha Costa de Góis, grande mulher, que mesmo se graduando apenas em ler, escrever e fazer as contas
domésticas lutou para que seus filhos e netos conseguissem estudar.
Agradecimentos Primeiramente, gostaria de agradecer às mulheres da minha vida, que sempre com muito amor e carinho me ensinaram a viver. Em especial à minha mãe, Gorete, que apesar das adversidades impostas a vida a uma mulher que resolve enfrentar o mundo, não perdeu a alegria de viver. À minha irmã, Isabelle, que do seu jeito, sempre me incentivou a trilhar os caminhos da vida naquilo que temos prazer. Às minhas tias, Ceição, Naninha, Fatinha, Lucinha, Iha. Sem o apoio de vocês, hoje eu seria uma pessoa diferente. Aos meus tios, Júnior, Neto, Amarildo, Décio, Zito, Neirone, que completam nossa família. Aos meus primos, pela amizade desde a infância. Ao meu avó, Rodrigo (in memoriam), que passou suas experiências e aprendizados para as futuras gerações. À Priscila, pessoa extraordinária que conheci nos tempos de graduação, companheira para todas as horas. Sinto-me feliz ao seu lado. Às amizades firmadas no tempo de graduação, Átila, Jucier, Eider, Ícaro, Josué, André (Bicho), Thamires, Anita, Jean, Diego (Baiano), Mombaça, Amsterdam, Breno, Roniere, Pedro(anarquista). Graças aos nossos grupos de estudos, as atividades realizadas no âmbito do movimento estudantil, bem como os momentos lúdicos, contribuíram para fortalecer as ideias acerca de outra sociedade possível. Aos amigos que me acolheram quando vim transferido da UERN para a UECE, Mariana, Alexandre (Diabim), Haroldo, Marília, Minarete, Kenia, Pirulito, Gil, Sávio, Luciana, por suportarem minhas conversar sobre marxismo nos momentos lúdicos. Aos colegas do Laboratório de Estudos Agrários, hoje Grupo de Pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização, Juscelino, Cíntia, Camila, Iara, Henrique, André. E a nova geração, Leandro, Bruna, Edvania, Sidney, pela possibilidade de compartilhar com vocês momentos de aprendizado. Em especial, a Edna e a Priscila, pelos caminhos que pudemos trilhar em conjunto. Um salve salve ao pessoal da bike, André (Bicho), Arthur (Negão), Diego Nobre, Danilo, Junim, Jorge, Sávio, Tasso, Yara, Baiano, Davison, Ivna, Gledson, Tati, PP, Rafa, Felipe, Paulão, Átila, Anita, Eider, Breno, Téo Bahia, Dida, Adriano. Estes três últimos de Prudente, pelas experiências, conversas, percepções diferenciadas da cidade. Estamos juntos. Aos amigos que pude fazer durante a missão de estudos em Presidente Prudente, Téo Bahia, Rafa(Cabeça), Tom(Gambá), Tiago, Poke, Adriano, Dida, Andrea, Raquel, Rafael, Aislan(tá de brincadeira) por ajudarem a diminuir a saudade em terras distantes. Ao ABU, pela força com as xerox desde a graduação.
À Profa. Denise Elias, pela paciência na orientação desde a iniciação científica ao mestrado, pela possibilidade de aprendizado da metodologia científica, sem patrulhamento ideológico. Ao Prof. Renato Pequeno, pelas grandes contribuições a este trabalho desde o momento do seminário de mestrado, passando pela qualificação, indicando os caminhos para as discussões em torno da política urbana. Ao Prof. Everaldo Melazzo, pelas contribuições quando no momento de qualificação. Aos Professores Maria Encarnação e Eliseu Sposito, pela recepção em terras prudentinas. Ao Diego (Baiano), responsável pela elaboração técnica dos cartogramas dessa dissertação. À Fundação Cearense de Apoio a Cultura (FUNCAP) pelo apoio financeiro. À Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (RECIME), por proporcionar a minha participação na Missão de Estudos na UNESP – Presidente Prudente, que muito enriqueceu a experiência no mestrado. Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, no seu corpo docente e funcionários, principalmente à Júlia Oliveira e ao Sr. Francisco, sempre tão atenciosos e dispostos a ajudar.
RESUMO
Tivemos como objetivo investigar as políticas públicas de implantação da rede de esgotamento sanitário em Mossoró-RN. Tal tema tencionou uma leitura do seu acesso desigual, por meio da explicitação do privilégio de determinados bairros na alocação dessas políticas, evidenciando a precariedade urbana existente na cidade. A escolha pela análise desta variável abriu o caminho para uma discussão sobre a política urbana e as desigualdades socioespaciais no processo de urbanização da cidade. Destaca-se a escolha pelo viés de entendimento através da produção de infraestruturas sociais e não apenas pelo seu consumo, com vistas a sair da esfera da descrição dos fatos para o desvendamento dos processos constituintes da produção da cidade. Desse modo, apresentamos as discussões relativas ao entendimento dos fundamentos da produção social das desigualdades, mediante debate sobre os aspectos econômicos e políticos envolvidos nos momentos de ampliação dos investimentos em infraestrutura no interior do Banco Nacional de Habitação ainda na década de 1970, bem como no contexto contemporâneo com os investimentos em infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento. Trazemos, pois, à tona as perspectivas sociais em meio ao processo supracitado, onde saímos da esfera de análise das determinações gerais do capitalismo contemporâneo para uma análise dos agentes envolvidos na política urbana em Mossoró, identificando os projetos de classe. Buscamos entender as formas de organização social na cidade, entre elas, os movimentos reivindicativos de bairro, no qual nos deparamos com as formas de cooptação relativas ao processo de produção capitalista do espaço.
Palavras-chave: Política urbana; Desigualdades socioespaciais; rede de
esgotamento sanitário; Mossoró.
ABSTRACT
This study aims to investigate the implementation of public policies sewage system in Mossoró-RN. This theme purposed a reading of their unequal access, through the explicit privilege to certain neighborhoods in the allocation of these policies, emphasizing the urban precariousness in the city. The choice for the analysis of this variable allowed a discussion on urban policy and the socio-spatial inequalities in the process of urbanization of the city. Our choice is of the understanding through the production of social infrastructure and not just by its consumption, in order to leave the realm of description of the facts for the unveiling of the constituent processes of production of city. this way, present discussions concerning the understanding of the foundations of the social production of inequalities, through debate on the economic and political aspects involved in times of increased investments in infrastructure within the Banco Nacional de Habitação in the decade of 1970, as well as contemporary context to the infrastructure investments under the Programa de Aceleração do Crescimento. We bring the social perspectives in the process above, in which we left the sphere of analysis of general determinations of contemporary capitalism to an analysis of the actors involved in urban policy in Mossoró, identifying the class projects. We search understand the forms of social organization in the city, including the claim movements the neighborhood in which we encounter forms of co-optation on the process of capitalist production of space. Keywords: Urban policy; Social inequalities; sewage system; Mossoró.
LISTA DE TABELAS Tabela 1: População residente em Mossoró. 1940 a 2010 .................................................. 32 Tabela 2: Número de domicílios com água canalizada em rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 - BR, NE, RN, Mossoró ..................................................................................... 47 Tabela 3: Variação do número de domicílios com água canalizada ligada à rede geral em Mossoró. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010.............................................................................. 47 Tabela 4: Número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010– BR, NE, RN, Mossoró............................................................................ 50 Tabela 5: Variação número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral em Mossoró. 1980, 1991, 2000, 2010........................................................................................ 50 Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte. 2000 ............................................................... 59 Tabela 7: Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2000........................................................................................................................ 62 Tabela 8: Construção de casas de 1997 a 2004 pelos programas habitacionais ................. 68 Tabela 9: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte - 2010.............................................................. 77 Tabela 10: Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2010........................................................................................................................ 81 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Percentual de domicílios com água canalizada em rede geral............................. 48 Gráfico 2: Percentual de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral .......... 51 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Infraestruturas do corredor cultural Avenida Rio Branco ..................................... 72 Quadro 2: Histórico de implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário (1975 – 2011) ................................................................................................................................... 75 Quadro 3: Delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró. ................................................................................................... 157 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de outubro de 1975............................ 33 Ilustração 2: Capa do jornal O Mossoroense, em 11 de novembro de 1975. ....................... 40 Ilustração 3: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de setembro de 1975. ........................ 45 Ilustração 4: Capa do jornal O Mossoroense, em 3 de dezembro de 1980 .......................... 45 Ilustração 5: Capa do jornal O Mossoroense, em 6 de abril de 1974 ................................... 52 Ilustração 6: Capa do jornal O Mossoroense, em 17 de junho de 1981 ............................... 56 Ilustração 7: Metas para saneamento básico 2007-2010 ................................................... 118 Ilustração 8: Previsão de investimento e atendimento em saneamento básico 2007 - 2010.......................................................................................................................................... 118
LISTA DE FIGURAS Figura 1: Bairros criados até a década de 1970................................................................... 39 Figura 2: Bairros criados na década de 1980....................................................................... 43 Figura 3: Divisão bacias rede geral de esgotamento............................................................ 54 Figura 4: Bairros criados em 1970, 1980 e 1990.................................................................. 57 LISTA DE FOTOS Foto1: Erradicação da Favela da Rosa..................................................................................67 Foto2: Permanência da Favela da Rosa................................................................................69 Foto 3: Erradicação Favela do Fio.........................................................................................67 Foto 4: Permanência Favela do Fio......................................................................................69 Foto 5: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 6: Prédio residencial - Centro.........................................................................................82 Foto 7: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 8: Prédios residenciais - Nova Betânia..........................................................................82 Foto 9: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 10: Prédios residenciais - Nova Betânia........................................................................82 Foto 11: Residencia Monsenhor Américo Simonete I. ........................................................110 Foto 12: Cidade sem urbanização - Residencial Monsenhor Américo Simonete I............. 112 Foto 13: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte............................................................138 Foto 14: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte............................................................140 Foto 15: Esgoto Bairro Belo Horizonte.................................................................................139 Foto 16: Bairro Belo Horizonte.............................................................................................141 Foto 17: Galeria de esgoto Parque das Rosas....................................................................140 Foto 18: Esgoto a céu aberto Favela do Fio........................................................................142 Foto 19: Crianças brincando no lixo Favela do Fio..............................................................141 Foto 20: Favela do Fio..........................................................................................................143 Foto 21: Favela do Fio..........................................................................................................141 Foto 22: Favela do Fio..........................................................................................................143 LISTA CARTOGRAMAS Cartograma 1: Localização .................................................................................................. 30 Cartograma 2: Percentual de domicílios com captação de esgoto rede geral -2000 ........... 60 Cartograma 3: Percentual domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2000 ................................................................................................... 64 Cartograma 4: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros.2000 ..................................................................................................... 66 Cartograma 5: Histórico da implantação esgotamento por bacia - Mossoró/RN................... 76 Cartograma 6: Percentual de domicílios com captação de esgotos por rede geral. 2010 .... 79 Cartograma 7: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2010 ............................................................................................. 84 Cartograma 8: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2010 .................................................................................................... 85 Cartograma 9: Áreas atendidas, obras rede geral esgotamento e condomínios minha casa Minha Vida por grupo de rendimento. 2011 ....................................................................... 116
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................15 2 DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS COMO FUNDAMENTO DA URBANIZAÇÃO DE MOSSORÓ – RN.............................................................24
2.1 Urbanização, produção capitalista do espaço e desigualdades socioespaciais: elementos para um debate...................................................................................................24 2.2 Urbanização e desigualdades socioespaciais: problemática das infraestruturas sociais em Mossoró (1960-2010) ..............................37
3 DA CRÍTICA DO CONSUMO À CRÍTICA DA PRODUÇÃO: SOBRE ESTADO E ECONOMIA NA PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS............................................................................................................89
3.1 Economia política do espaço como ciência e como prática: uma crítica.......................90 3.2 Política de saneamento básico no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): uma ampliação do circuito secundário da economia?........................................................102
4 PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS EM MOSSORÓ: ARTICULAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE OS AGENTES PRODUTORES DOESPAÇO..........................................................................125
4.1 Os agentes produtores do espaço em disputa por uma concepção de cidade...........126 4.2 Movimentos de bairro na cidade de Mossoró no contexto dos agentes produtores do espaço.................................................................................................................................148
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................158 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................167
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1 INTRODUÇÃO
O trabalho dissertativo ora apresentado é fruto do aprendizado na
iniciação científica e no mestrado no grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e
Urbanização (GLOBAU), no âmbito do Laboratório de Estudos Agrários (LEA) da
Universidade Estadual do Ceará (UECE), sob orientação da Profa. Dra. Denise
Elias, e depois, já no mestrado, co-orientação do Prof. Dr. Renato Pequeno.
Nossa pesquisa faz parte de um recorte temático do projeto “Cidades
médias brasileiras: Agentes econômicos, reestruturação urbana e regional”
associada à Rede de Pesquisadores de Cidades Médias (RECIME), no qual os
membros do GLOBAU ficaram responsáveis por estudar Mossoró1.
Os primeiros passos da pesquisa, desenvolvidos como parte das
atividades de iniciação cientifica, destinavam-se a perscrutar as desigualdades
socioespaciais na cidade de Mossoró, arrolando inúmeras variáveis que
demonstravam o acesso desigual aos equipamentos de saúde, educação, renda,
infraestrutura.
Cabe frisar: a escolha da temática em discussão advém das inquietações
em torno do entendimento das desigualdades sociais sob o modo de produção
capitalista, especificamente como este se reproduz na cidade, temática
negligenciada pelas ciências humanas em grande parte do percurso de construção
intelectual moderno, mas que tem ganhado evidência diante das visíveis
contradições socioespaciais.
Nesse caminho, pudemos passar por diferentes conjunturas no tocante a
pensar o tema, coletar dados, realizar trabalhos de campo, fazer as leituras, a
pesquisa, terminar o projeto, no qual estivemos sempre trabalhando com as
possibilidades de pensar as desigualdades socioespaciais em Mossoró.
1 O projeto em discussção foi coordenado por Denise Elias (UECE) e Maria Encarnação Sposito (UNESP / PP), entre 2006 e 2009, e por Doralice Satyro (UFPB) e Maria Encarnação Sposito entre 2009 e 2011, e contou com o apoio financeiro do CNPq. Para mais informações sobre o projeto e seus resultados ver SPOSITO, Maria Encarnação; ELIAS, Denise; SOARES, Beatriz Ribeiro. Uma rede de pesquisadores, sua pesquisa e o caminho compartilhado. In: SPOSITO, Maria Encarnação; ELIAS, Denise; SOARES, Beatriz Ribeiro (Orgs.). “Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional. Passo Fundo e Mossoró.” SP: Expressão Popular, 2010 (p.7-27). No projeto coletivo, foram estudadas várias cidades em diferentes partes do Brasil, além de duas cidades no Chile e uma na Argentina. Mossoró – RN estava entre as cidades brasileiras consideradas para análise. A pesquisa sobre a cidade de Mossoró ficou sob a responsabilidade dos Profs. Denise Elias e Renato Pequeno. Nós, do Curso de Graduação e da Pós-Graduação em Geografia da UECE, bem como alunos de Arquitetura da UFC, compusemos a equipe de estudos dessa cidade.
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Durante o desenvolvimento do processo investigativo, as dificuldades
foram inúmeras, desde a definição das variáveis mais apropriadas às nossas
hipóteses iniciais, até, em determinado momento, a busca de outras pesquisas
sobre o tema, que constituíssem referência, porquanto procurávamos trabalhos que
fugissem da empiricização excessiva. Prosseguimos até chegarmos à conclusão da
necessidade de uma articulação entre os elementos empíricos e cotidianos aos
aspectos gerais da economia política e de sua crítica, da produção do espaço,
enfim.
Ajudaram-nos nessa empreitada autores como Marx (2007a; 2007b)
Korsch(2008) Lefebvre(1973; 1976; 1979; 2004; 2006; 2008), Debord (1997) Kosik
(1976) ao destacarem que no movimento em espiral da realidade, o presente
sempre é mais rico que o passado, e o aspecto cotidiano constitui elemento rico em
novidades no interior da espiral da totalidade concreta. Ou seja, a partir desse
contexto identificamos ser fundamental a realização da pesquisa para vislumbrarmos
novos processos no interior da totalidade concreta, e não apenas reproduzir estudos
realizados em outros períodos.
A proposta de pesquisa teve como objetivo analisar as desigualdades
socioespaciais na cidade de Mossoró-RN, com vistas a tecer uma descrição do
acesso desigual às infraestruturas sociais, explicitando a existência de
desigualdades de classes ratificadas por meio do privilégio de determinados bairros
na alocação das políticas públicas de implantação de infraestruturas. Desse modo,
pudemos evidenciar a precariedade urbana existente na cidade de Mossoró.
Nesse caminho, focamos nossa investigação na produção de
infraestruturas sociais, especialmente as de esgotamento sanitário, como escopo
para uma discussão sobre a política urbana e desigualdades socioespaciais. Trata-
se de uma variável a se revelar como procedimento científico para uma aproximação
do entendimento das desigualdades socioespaciais na urbanização de Mossoró, a
qual certamente não nega nem esgota a problemática das desigualdades
socioespaciais, porque seu acesso não quer dizer o fim das desigualdades
socioespaciais.
Contudo, nossa pesquisa não versa sobre um estudo do saneamento
básico (pois teria de promover ampla descrição acerca do acesso aos três itens
componentes deste serviço, isto é, acesso à água encanada, esgotamento sanitário
e coleta de lixo), nem de suas implicações nas questões relativas à saúde, embora
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aborde tais temáticas de forma en passant, priorizando o entendimento dos
processos e não apenas as consequências.
Assim, a problematização da pesquisa tentou articular o entendimento do
processo de urbanização em seus aspectos econômico, político e social,
demonstrando sua relação com a provisão de infraestruturas sociais.
É importante destacar os caminhos da pesquisa na escolha pelo viés da
produção de infraestruturas sociais e não apenas do seu consumo, no intuito de sair
da esfera da descrição dos fatos para a busca dos processos constituintes da
produção da cidade. Com isso, mostrou-se fundamental o entendimento das
relações entre Estado, economia e espaço, ao desvendar as tramas da economia
política na produção do espaço, possibilitando o caminho do conhecimento em
direção à sua crítica. Ainda assim, além da crítica em sua forma universal, cabe
lembrar as relações próximas de disputa e articulação entre as classes sociais na
produção do espaço, para chegarmos a uma perspectiva totalizante.
Para tanto, aderir a uma ciência geográfica voltada à apreensão da
articulação entre os processos internos e externos na produção do espaço se faz
essencial, porquanto o processo de urbanização no plano mundial se encontra em
ampla expansão, embora nem todos tenham acesso, o que vem propiciando um
crescimento sem precedentes das principais metrópoles e abrindo possibilidade para
a expansão de um grande número de cidades de porte médio.
De toda forma, o acesso à bibliografia especializada no estudo dos
processos de urbanização, produção capitalista do espaço, produção capitalista da
cidade, nos propiciou o entendimento da urbanização como momento da produção
capitalista do espaço, que produz contraditoriamente as desigualdades
socioespaciais como expressão do corte da classe na sociedade capitalista.
Conforme demonstra a aproximação em torno dessas questões, elas se fertilizam
mutuamente – a urbanização como momento da produção do espaço se traduz em
desigualdades socioespaciais ao mesmo tempo em que as desigualdades
socioespaciais produzem espaço.
Nesse caso, os termos da discussão não podem ser generalizados, tendo
em vista a necessidade premente de diferenciar o processo de urbanização europeu
e o dos EUA ocorridos sob o Estado de bem-estar social do brasileiro, ainda sob
eterno estado de crise.
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No concernente à relação entre urbanização e expansão das
desigualdades socioespaciais em Mossoró, conforme verificado, desde a década de
1970, momento de aceleração no processo de urbanização, a cidade já convivia
com grandes desigualdades, como pretendemos demonstrar ao longo da
dissertação.
Mesmo no fim do século XX e início do século XXI, quando a expansão do
ambiente construído tem se tornado perceptível no plano da paisagem, se
estendendo para todos os lados, com a construção e ampliação de inúmeras vias, a
construção tanto de conjuntos habitacionais, quanto de equipamentos industriais
etc., as desigualdades socioespaciais se apresentam de forma alarmante.
Nesse sentido, procuramos o resgate da bibliografia sobre o tema, mas
encontramos especificidades justamente ao mergulharmos na tentativa de
compreendermos os processos políticos de interação entre os agentes produtores
do espaço da cidade de Mossoró, confirmando a necessária articulação entre
estrutura e ação no entendimento da produção do espaço.
Na sequência apresentamos alguns caminhos metodológicos percorridos
para a produção desta dissertação de mestrado. Na nossa ótica, a escolha da
metodologia a ser seguida é de fundamental importância para efetivação da
pesquisa, pois a partir dela podemos ter maior aproximação do recorte espacial
escolhido, com vistas a uma melhor organização das informações e ao seu
entendimento crítico.
Tendo como norte a busca pelo entendimento das desigualdades
socioespaciais na cidade de Mossoró, um significativo norte para a pesquisa foram
as questões pensadas anteriormente à coleta e sistematização dos dados. Essas
são as questões: 1) No tocante aos investimentos estatais, existe diferenciação
entre bairros na implantação de infraestruturas para atender às demandas sociais?
2) É possível identificar uma indução da valorização do espaço em determinados
bairros a partir da implantação de infraestruturas? 3) A cidade é servida por um
serviço de esgotamento sanitário adequado? 4) Quais as condições de saúde nos
bairros onde não existe esgotamento sanitário ligado à rede geral? 5) É possível
identificar políticas públicas de ampliação das infraestruturas sociais na cidade,
especialmente as de esgotamento sanitário? 6) É possível identificar quais são os
agentes produtores do espaço urbano e quais suas articulações? 7) Existe a
formação de uma rede de crescimento econômico associando agentes locais? 8)
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Existem organizações de bairro reivindicando melhorias no acesso as
infraestruturas?
Outra marcante ferramenta para a pesquisa é a elaboração constante de
planos de atividade, avaliação de sua realização e nova organização. O plano de
atividades tem como objetivo concretizar os procedimentos metodológicos. Nesse
sentido, destacamos algumas etapas efetivadas. Entre estas: pesquisa bibliográfica
e documental, coleta de dados secundários, organização do banco de dados,
trabalho de campo.
A pesquisa bibliográfica e documental nos propiciou uma sistematização
mais cuidadosa dos dados secundários já existentes sobre o objeto de pesquisa,
bem como dos temas e processos de estudo, particularmente os seguintes temas e
processos: urbanização; infraestrutura urbana; desenvolvimento desigual;
desigualdades socioespaciais; Mossoró. Destacamos na pesquisa programas,
planos e projetos de governo; teses e dissertações; artigos de periódicos,
publicações em geral sobre a cidade e os temas e processos, entre outros.
A pesquisa foi realizada, sobretudo, nas principais bibliotecas da cidade
de Mossoró e Fortaleza, quais sejam: biblioteca central da Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte (UERN); biblioteca pública municipal de Mossoró; biblioteca da
Universidade Estadual do Ceará; acervo de dissertações do Programa de Pós-
Graduação em Geografia da UECE; nas bibliotecas da Universidade Federal do
Ceará (UFC), principalmente as do Centro de Ciências e Tecnologia, Economia; nas
bibliotecas do Banco do Nordeste (BNB); do Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará (IPECE); do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Ademais, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica na internet,
especialmente no site dos periódicos, dissertações e teses da CAPES.
Ao longo do nosso mestrado, tivemos oportunidade de participar de uma
Missão de Estudos durante um semestre letivo (2011.1), no curso de Geografia da
UNESP, campus de Presidente Prudente2. Nesta estada, implementamos uma rica
pesquisa bibliográfica na biblioteca dessa universidade. No ano de 2011, em breve
passagem na cidade de São Paulo, pesquisamos também nas bibliotecas da
2 Tal estágio foi financiado pelo projeto Cidades médias brasileiras: reestruturação urbana e regional, financiado pelo Edital Capes / Procad 2007, que conta com a coordenação geral da Profa. Maria Encarnação Sposito (Unesp/PP) e a coordenação local na UECE da Profa. Denise Elias.
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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Faculdade de
Arquitetura (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).
O processo de pesquisa bibliográfica e documental passou, ainda, pela
coleta e organização de uma hemeroteca digital dos jornais da cidade de Mossoró.
Esta hemeroteca foi construída em conjunto com outros membros do GLOBAU e
teve visível importância metodológica para o trabalho apresentado, principalmente
para aproximação de questões locais.
A pesquisa bibliográfica também tem como intuito fertilizar a composição
do referencial teórico do estudo. Este é entendido como fundamental no trabalho
científico, pois, a partir daí, a depender do referencial, é permitido fazer determinada
leitura dá realidade pesquisada. No nosso caso, conforme acreditamos, esse é um
momento crucial que permanece em construção contínua, de acordo com a
dinâmica da realidade. Alguns processos como a compreensão integrada da
realidade local, regional, nacional e global do objeto e a compreensão do processo
de produção social do espaço, entre outros, fazem parte da fase de composição do
referencial teórico. Essa atividade resulta em elaboração de resenhas e fichamentos
sobre bibliografias úteis à pesquisa.
Outro procedimento de ordem metodológica foi a coleta de dados já
trabalhados. Entre outras bases de dados, a pesquisa de alguns desses elementos
vem sendo feita nos seguintes órgãos: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Atlas do desenvolvimento
humano no Brasil; RAIS/CAGED do Ministério do Trabalho (MTE); Instituto de
Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA), prefeitura municipal da
cidade de Mossoró e nas associações de bairro de Mossoró.
A organização do banco de dados, contendo todas as informações
reunidas durante a consecução da pesquisa, como procedimento metodológico,
contribuiu para uma melhor sistematização dos dados, bem como para a escrita da
caracterização do objeto3, material que, por sua vez, foi muito útil no momento da
redação do relatório de qualificação e da própria dissertação.
Mais um procedimento de destaque foram as intermináveis idas e vindas
na construção de um quadro com vistas a organizar a metodologia e contribuir com
3 Chamamos de caracterização do objeto, inspirados nas orientações do Prof. Renato Pequeno (UFC), coorientador dessa dissertação, a primeira análise dos dados, especialmente variáveis e indicadores, considerados como fundamentais para a pesquisa.
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a própria coleta de dados e conformação final do banco de dados, qual seja, a matriz
metodológica4. Tal procedimento propiciou as diretrizes para a estruturação do
banco de dados a partir dos temas norteadores, processos inerentes a cada um dos
temas, as variáveis, fontes de informação e os possíveis produtos resultantes que
compõem parte fundamental para a concretização desta pesquisa.
O tema norteador abrange as desigualdades no acesso às infraestruturas
urbanas e seus processos de acesso desigual e valorização do espaço associados à
implantação de redes de esgotamento com as seguintes variáveis: domicílios com
acesso à rede geral de esgoto e renda familiar, as quais foram operacionalizadas
com base nos seguintes indicadores: histórico de implantação de esgotamento
sanitário na cidade; número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede
geral; domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário,
segundo os bairros; número de domicílios por grupo de rendimento mensal, segundo
município e bairros.
Com isso, a pesquisa intentou a compreensão da política urbana e ação
dos agentes produtores do espaço, englobando, entre outros processos, o
entendimento da: formulação de políticas públicas voltadas para a implantação de
infraestruturas sociais em escala nacional; aumento de investimentos no setor de
esgotamento realizados pelo poder local com fundamento na disponibilidade de
recursos oriundos do governo federal; articulações entre agentes produtores do
espaço e indução de investimentos; fragilidade dos movimentos sociais urbanos em
face dos problemas de esgotamento precário.
Outra atividade fundamental para o desenvolvimento da pesquisa foram
os trabalhos de campo. Acreditamos na importância e necessidade de trabalhos de
campo no intuito de avançar na busca de dados qualitativos com o objetivo de
apreender o cotidiano das desigualdades no espaço da cidade e no interior dos seus
bairros, pois, se assim não for, podemos cair no erro bastante recorrente de ver a
cidade homogeneizada a partir dos dados quantitativos.
Implementamos trabalhos de campo entre os anos de 2008 e 2011,
juntamente com outros membros da equipe do grupo de pesquisa GLOBAU. Nestes
4 Os estudos sobre as formas de melhor organizar a metodologia de uma pesquisa científica, que estamos apresentando nesse projeto, foram inicialmente desenvolvidos durante os colóquios do grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização, do qual participamos, coordenado pelos professores Denise Elias (UECE) e Renato Pequeno (UFC). A esse recurso metodológico, os professores intitulam de matriz metodológica ou analítica.
20
trabalhos fizemos entrevistas semiestruturadas com representantes das instituições
municipais e estaduais públicas associadas ao desenvolvimento urbano, levantando
dados junto à prefeitura municipal e ao governo do Estado. Isto propiciou uma leitura
panorâmica das políticas públicas que atuam diretamente na produção do espaço da
cidade.
No ano de 2011, em janeiro, efetuamos trabalhos de campo após nossa
participação no Seminário de Dissertação, aproveitando as contribuições de nossa
banca na busca de sistematização da pesquisa. Em outubro do mesmo ano, após as
contribuições da banca de qualificação, coletamos os dados que colaborarram para
organizar da melhor forma possível a exposição das informações para a consecução
da dissertação.
Procedemos a entrevistas associadas à temática do esgotamento
sanitário para identificar o histórico de instalação de tal infraestrutura, com o intento
de saber a sequência de trechos implantados. Por exemplo, se em determinado
momento era uma exigência a implantação de rede de esgotamento em conjunto
com a construção de conjuntos habitacionais, se em determinado momento não
existia tal exigência; quais os interesses na implantação da referida infraestrutura em
certos bairros. Referida iniciativa concorrer para a organização do histórico da
implantação das redes de esgotamento.
Em continuidade, em uma pesquisa na hemeroteca do Museu Municipal
de Mossoró, encontramos reportagens da década de 1970, as quais remetiam
diretamente ao processo de produção do espaço da cidade naquele período, com
destaque específico para as reclamações relativas à falta de acesso à água e
esgotamento na cidade.
Tentamos investigar as políticas públicas de saúde em áreas com e sem
acesso às redes de esgotamento, as implicações do não acesso às redes de
esgotamento para a saúde da população, e, ao mesmo tempo, identificar a
existência ou não de postos de saúde de em tais áreas e quais os motivos para sua
instalação ou não.
Inicialmente, averiguamos a existência ou não de movimentos
reivindicativos de bairro, qual a relação das associações de bairro com a prefeitura
municipal, a existência de reivindicações históricas no tocante à questão da moradia
e implantação de infraestruturas.
21
Ainda no tangente à vivência empírica, cabe destacar as transformações
na visão do pesquisador sobre o campo de forma concomitante ao acelerado
processo de reestruturação do espaço da cidade, desde os momentos da infância
quando nos reuníamos na pracinha do Perpétuo Socorro no Centro de Mossoró, ou
até mesmo na rua, para jogar futebol, entre inúmeras outras brincadeiras desta
época, quando não tínhamos noção das múltiplas relações envolvidas na produção
do espaço da cidade, até a possibilidade de, como geógrafo, tecer comentários
relativos ao entendimento das tramas em torno do processo supracitado.
Ressaltamos aqui o convívio com as desigualdades socioespaciais desde
os primeiros momentos de vivência na cidade, que, no entanto, foram mais bem
percebidas e analisadas diante da possibilidade de produção da pesquisa.
Por fim, quanto à escolha da disposição dos capítulos neste trabalho,
enfatizamos: após a introdução, no segundo capítulo buscamos aproximações para
o entendimento do processo de urbanização e da constituição das desigualdades
socioespaciais em termos gerais e particulares, identificando as especificidades de
Mossoró, como cidade intermediaria no âmbito da rede urbana, mas que nem por
isso deixa de apresentar a tendência à expansão das desigualdades, cerne do modo
de produção capitalista.
No terceiro capítulo tentamos avançar nos aspectos teóricos, e, para tal,
expomos as discussões relativas ao entendimento dos fundamentos das
desigualdades, com debates sobre os aspectos econômicos e políticos envolvidos
no processo de produção do espaço. Nesta ótica, identificamos os momentos de
ampliação dos investimentos em infraestrutura no interior do Banco Nacional de
Habitação (BNH) ainda na década de 1970, e no contexto contemporâneo, os
projetos de investimento em infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
No quarto capítulo trazemos à tona as perspectivas sociais em meio ao
processo ora citado. Saímos, então, da esfera de análise das determinações gerais
do capitalismo contemporâneo para uma análise dos agentes envolvidos na política
urbana na cidade de Mossoró, identificando os projetos de classe. Neste capítulo
também nos detivemos em entender as formas de organização social na cidade,
principalmente os movimentos reivindicativos de bairro e sua contribuição no
processo de produção do espaço. Para concluir, no quinto capítulo apresentamos as
considerações finais.
22
Nos iluminou nesta forma de disposição do texto a afirmação de Marx
(2008, p.28) acerca da distinção entre investigação e exposição. Para ele: “É mister,
sem dúvida, distinguir, formalmente, o método de exposição do método de
pesquisa”, pois a investigação tem de se apoderar da matéria em seus pormenores,
analisando suas diferentes formas de desenvolvimento e conexão. Na palavras do
autor: “Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever,
adequadamente, o movimento real”. (MARX, 2008, p. 28).
Na mesma linha de raciocínio, contribuindo com o entendimento dos
processos dialéticos em torno do desenvolvimento das pesquisas sobre o concreto,
Kosik (1976, p. 37) afirma que: “Aquilo de onde a ciência inicia a própria exposição
já é resultado de uma investigação e de uma apropriação crítico-cientifica da
matéria. O início da exposição já é um início mediato, que contém em embrião a
estrutura de toda a obra.”
Nesse caminho, o argumento de Lefebvre (2004; 2008), segundo o qual
as formas na verdade são formas-conteúdo, se faz basilar, pois aí as formas não
aparecem fixas, mas sim como movimento da história em seus diversos níveis e
dimensões. Com isso, o argumento se potencializa afirmando que as formas
espaciais atuais que aparecem como elementos naturais são frutos do trabalho
passado e acumulado, denotando que o espaço social é um produto do intercâmbio
homem/natureza, bem como das diversas interações entre a ordem próxima e
distante.
Faz-se salutar o método de exposição que parte de processos mais
elementares (concreto representado), e sucessivamente vá se aproximando do
concreto pensado mediante abstrações conceituais. Chegado a esse ponto, temos
de percorrer o caminho inverso de retorno ao real, mas dessa vez entendido como
uma rica totalidade de determinações e relações diversas5.
Conforme acreditamos, no período de investigação é fundamental utilizar
todas as fontes possíveis para a pesquisa, no intuito de nos apoderar da matéria em
seus pormenores, com vistas a um entendimento profundo da problemática. Assim,
a exposição parte do pressuposto de que a investigação já foi realizada, e nesse
sentido, de posse de todos os elementos relativos à pesquisa, se faz basilar uma
5 Para uma discussão mais aprofundada em torno do método em economia política ver Marx (2007).
23
depuração dos dados, na busca de conceitos centrais destinados a contribuir com a
contextualização da argumentação.
Com isso, na nossa ótica, a dissertação deve ter em vista os futuros
leitores, partindo da problemática da cidade em suas contradições em torno das
formas de propriedade e uso. Assim, poderá trazer à tona as especificidades do
objeto de estudo, cada vez mais incluindo elementos que possibilitem que ao
término do trabalho o leitor observe a totalidade de relações envolvidas na
problemática.
24
2 - DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS COMO FUNDAMENTO DA URBANIZAÇÃO DE MOSSORÓ – RN.
Oito gerações depois de Engels, a merda ainda recobre doentiamente a vida dos pobres urbanos,
como objetivação na prática de sua condição social, de seu lugar na sociedade. Mike Davis
Neste capítulo apresentaremos a problemática do nosso estudo ao
elucidar o entendimento sobre o processo de urbanização na cidade de Mossoró em
sua expressão desigual. Se faz importante salientar tratar-se de aproximações em
torno do objeto de estudo, as quais terão nos capítulos subsequentes mais
elementos para compor a argumentação.
Neste prisma, organizamos o capítulo de forma a ressaltar os aspectos da
problemática em nível local, especialmente as relacionadas a transformações no
ambiente construído, bem como de expansão das desigualdades socioespaciais.
Na primeira seção definimos a urbanização como momento da produção
capitalista do espaço, compreendendo as desigualdades socioespaciais como
expressão do corte da classe na sociedade capitalista.
Na segunda seção adentramos em nosso objeto de estudo, com a
explicitação dos aspectos históricos relativos à estruturação do espaço urbano.
Focalizamos nossa investigação a partir da década de 1960, quando observamos
um rápido crescimento da cidade, com a construção dos primeiros conjuntos
habitacionais e também dos primeiros projetos de estruturação da cidade sob o
regime militar. Prosseguimos pelo período de municipalização precária das políticas
urbanas no fim da década de 1980 e por toda a década de 1990, até chegar ao
século XXI com um novo padrão de investimentos no espaço urbano, mas que nem
por isso deixa de ser desigual.
2.1 Urbanização, produção capitalista do espaço e desigualdades socioespaciais: elementos para um debate
Encontrar uma definição que oriente o pensamento e possibilite o
entendimento do que vem a ser cidade não é tarefa das mais fáceis. Quem se
25
dispõe a essa empreitada corre o risco de cair na superficialidade de noções
abstratas e a-históricas, pois as cidades contemporâneas são o local onde
transcorre a vida de bilhões de pessoas em todas as suas contradições. Dar conta
da concretude desse processo se torna algo deveras complicado.
Uma aproximação inicial é feita por Eagleton (2005). Segundo o autor, as
cidades são construídas tomando-se por base areia, madeira, ferro, pedra, água e
assim por diante. Elas são tão naturais quanto os idílios rurais são culturais.
Certamente o interesse do autor está no entendimento da ideia de cultura,
mas sua argumentação se faz bastante sugestiva para aqueles interessados nas
discussões sobre a cidade, principalmente quando alude a uma interação dialética
entre o artificial e o natural, pois os meios culturais que usamos para transformar a
natureza são eles próprios derivados dela. Em suas palavras:
Trata-se de uma noção “realista”, no sentido epistemológico, já que implica a existência de uma natureza ou matéria prima além de nós; mas tem também uma dimensão “construtivista”, já que essa matéria prima precisa ser elaborada numa forma humanamente significativa. (EAGLETON, 2005, p. 11).
Com isso o autor avança na argumentação ao afirmar que a relação
dialética sugerida pode ser compreendida na contradição entre o que fazemos ao
mundo e o que o mundo nos faz. Dessa forma, supera a dicotomia de um
determinismo orgânico grosseiro, por um lado, e da autonomia do espírito sugerida
pelos pós-modernos, de outro.
Nesse sentido, segundo observa Lefebvre (1999, p.177): “Em escala
mundial, o espaço não é somente descoberto e ocupado, ele é transformado, a tal
ponto que sua ‘matéria prima’, a ‘natureza’, é ameaçada por esta dominação que
não é apropriação”. Para ele, “a urbanização geral é um aspecto desta colossal
extensão”.
De acordo com Harvey (2004, p.41): “A urbanização concentra no espaço
os meios de produção e a força de trabalho” gerando inúmeras consequências.
Conforme ressalta:
As “forças da natureza” tornam-se sujeitas ao controle humano à medida que sistemas de transporte e de comunicação, divisões territoriais do trabalho e infraestruturas urbanas são criados para servir de fundamento à acumulação de capital. (HARVEY, 2004a, p. 41-42).
26
Como sugere Harvey, a extensão da urbanização capitalista tende a
produzir a cidade como local privilegiado para dominação da classe trabalhadora.
Esta afirmação guarda plena concordância com Lefebvre (1999, p.142) ao dizer que
a cidade: “Contém uma parte importante do trabalho passado e cristalizado,
literalmente morto, do qual dispõe o capitalista para se assenhorear do trabalho
vivo”.
No entanto, na argumentação dos autores ora citados, no interior do modo
de produção capitalista a cidade tem sido o lócus privilegiado para reprodução das
relações sociais de produção. Isto contraria as leituras que compreendem a cidade
como lócus de reprodução da força de trabalho, ou como lócus da diferença, embora
não neguem ambos os momentos na produção da cidade.
Precisando o debate, Sposito (2001) afirma a necessidade do
entendimento da urbanização como processo e da cidade como uma forma espacial.
Em suas palavras:
No plano da materialidade, temos a cidade como uma forma espacial que podemos cartografar, medir, percorrer, fotografar. No plano processual, temos a urbanização como dinâmica através da qual podemos compreender as mudanças mais significativas do mundo industrial (e pós-industrial). (SPOSITO, 2001, p. 86).
De todo modo, para a autora, no período histórico contemporâneo os
papéis urbanos se ampliam, denotando que com “a revolução informacional, a
ampliação do consumo e a homogeneização dos hábitos e formas de vida urbana
redefinem a cidade. Ela se expande, ganha largas extensões e, ao estar em todo
lugar, redimensiona seu conteúdo de urbanidade”. (SPOSITO, 2001, p. 95).
Nessa ótica, um entendimento mais aprofundado do sentido da cidade
requer uma fundamentação em torno da teoria da produção do espaço, a qual não
apenas trata da descrição da disposição de coisas no espaço, mas procura um
entendimento das tramas ocultas no processo de produção.
Em prosseguimento à discussão, na busca de um entendimento da
urbanização como momento da produção e reprodução social trazemos a
argumentação de Lefebvre, segundo o qual Marx trabalha com duplo sentido no
entendimento da produção. No primeiro uma acepção ampla, presente nos escritos
da juventude, herdada da filosofia, em que produção significa criação e se aplica à
arte, à ciência, as instituições, às atividades práticas em geral, sendo compreendida
como momento da produção de valores, produção social da vida. Contudo, em sua
27
acepção restrita, herdada dos economistas, em sua obra madura, ele apresenta um
caráter preciso, empírico, quase positivo. Para Lefebvre (1999, p.46): “No sentido
amplo, há a produção de obras, de idéias, de ‘espiritualidade’ aparente, em resumo,
de tudo que faz uma sociedade e uma civilização. No sentido estrito, há a produção
de bens, de alimentação, de vestuário, de habitação, de coisas.”
Nesse contexto, como sugere Lefebvre (2001), é importante destacar que
vivemos a crise teórica e prática da cidade, na qual o conceito de cidade, em curso
de transformação, aparece como um conjunto de fatos, representações e de
imagens emprestadas da cidade pré-capitalista. Ao mesmo tempo, na prática, o
núcleo urbano está deteriorado, fragmentado, às vezes apodrecendo, evidenciando
o fato de que a luta de classes salta aos olhos.
Sob esse pano de fundo, conforme propõe Carlos (2011), no mundo
contemporâneo estamos vivendo sob a tutela do espaço-mercadoria. Em suas
palavras:
Trata-se do momento histórico em que a existência generalizada da propriedade privada reorienta e organiza o uso do lugar. Assim, o espaço-mercadoria se propõe para a sociedade como valor de troca, destituído de seu valor de uso e, nessa condição, subjugando o uso, que é condição e meio de realização da vida social, às necessidades da reprodução da acumulação como imposição para a reprodução social. (CARLOS, 2011, p. 61).
Atentando para o sentido universalizante da mercadoria cidade, embora
ainda não tenhamos exposto as mediações e relações diversas inerentes aos
objetivos da pesquisa, procuramos uma aproximação em busca do entendimento
das particularidades das cidades brasileiras.
É mister compreender que diferentemente da estruturação das cidades
europeias e dos Estados Unidos, as cidades brasileiras não passaram por um
estágio no qual um Estado forte pudesse orientar investimentos e políticas públicas
no tocante ao espaço urbano. Tal realidade acarreta inúmeras particularidades em
sua morfologia urbana, e evidencia de maneira mais drástica as dimensões do
espaço-mercadoria.
Ao se levar em conta esta premissa, outro elemento decisivo para o
entendimento das cidades brasileiras é sua análise em conjunto com o entendimento
da rede urbana nacional em suas particularidades. De acordo com Souza (2003,
p.50), é importante tal entendimento da rede urbana, pois: “De maneira muitíssimo
28
variável no que concerne ao tipo de fluxo e, sobretudo, à intensidade dos fluxos,
todas as cidades sem acham ligadas entre si no interior de uma rede – no interior da
rede urbana.”
No caso da rede urbana brasileira, devemos atentar para sua
diversificação relativa ao desenvolvimento geograficamente desigual produzido
historicamente. Conforme Santos(2005, p.63), “a complexa organização territorial e
urbana do Brasil guarda profundas diferenças entre suas regiões”.
Complementarmente, Corrêa (2006) assim se pronuncia:
A diversidade diz respeito às possíveis combinações dos mesmos elementos que, entretanto, ao se concretizarem, o fazem de modo especifico, pois cada um desses elementos assume sua própria especificidade. Entre estes elementos estão a gênese dos centros, o tamanho deles, a densidade que perfazem no espaço, as funções urbanas e as relações espaciais que delas derivam. (CORREA, 2006, p.275).
Para Souza (2003), um elemento fundamental para o entendimento da
rede urbana nacional em suas diferenciações é a questão econômica, porquanto em
regiões pobres esta é pouco diversificada. Nesse mesmo sentido, Santos (1993)
afirma que:
Quanto maior a divisão territorial do trabalho, maior a propensão a consumir e a produzir, maior a tendência ao movimento, e a mais criação de riqueza. Nas zonas onde a divisão do trabalho é menos densa, em vez de especializações urbanas, há acumulação de funções numa mesma cidade e, conseqüentemente, as localidades do mesmo nível, incluindo cidades médias, são mais distantes uma das outras. Este é, por exemplo, o caso geral do Nordeste brasileiro. (SANTOS, 1993, p. 53).
No entanto, cabe ressaltar que na década de 1980 a região Nordeste
iniciou um ciclo de relevante reestruturação econômica, no qual se aprofundava,
cada vez mais, sua articulação ao capitalismo internacional, comprovando a relação
contraditória entre as regiões brasileiras. Segundo Araújo (2000), nesse momento os
capitais privados buscaram novas frentes de investimento em espaços situados para
além do centro mais industrializado do país.
Os processos de expansão do capitalismo para novas áreas vêm
provocando inúmeras mudanças na articulação da rede urbana brasileira; já não
podemos mais falar apenas dos espaços metropolitanos em virtude da disseminação
dos espaços urbanos não metropolitanos, especialmente as cidades de porte médio.
29
Na argumentação de Pequeno (2008) em torno do processo de urbanização
brasileira e da expansão das desigualdades socioespaciais:
Os problemas urbanos atrelados ao quadro de desenvolvimento desigual, ainda que surjam primeiramente nas metrópoles, passam a se difundir rapidamente nas cidades que organizam os espaços não metropolitanos, generalizando-os, trazendo à tona o paradoxo da urbanização sem cidade e dos fragmentos de cidade sem urbanização (PEQUENO, 2008, p. 3).
Podemos dizer que as cidades médias são espaços transitórios que
desempenham papéis de intermediação no âmbito da rede urbana (SPOSITO,
2007). Para Damiani (2006), levando em consideração a simultaneidade dos
processos implicados, as cidades médias são a face menos moderna do processo
modernizador.
A cidade de Mossoró, recorte espacial de nosso estudo, situa-se na
porção oeste do Estado do Rio Grande do Norte do Nordeste do Brasil, como mostra
o cartograma de localização, e tem apresentado dinamismo econômico perceptível
no plano do ambiente construído, na medida em que este se estende para todos os
lados, com a construção e ampliação de inúmeras vias. Portanto, a construção de
conjuntos habitacionais, as ocupações de terrenos vazios, a formação de favelas, a
construção de equipamentos industriais etc. evidenciam o crescimento da cidade.
30
Cartograma 1: Localização
31
Nesse contexto, como argumentação inicial, podemos dizer que as
desigualdades em Mossoró se situam na forma de expansão da cidade por sobre o
campo, na (des) organização do espaço, nos inúmeros espaços vazios, na falta de
infraestruturas sociais nos bairros menos abastados, na falta de habitação para as
camadas mais pobres. A priori, os conflitos expressam na paisagem uma confusa
mescla acidental de homens, animais, vias de condução modernas, grandes
equipamentos de infraestrutura urbana, automóveis, residências de luxo e favelas.
São visíveis as fortes contradições ali existentes, onde muitos
condomínios fechados de luxo surgem enquanto persistem as moradias precárias,
algumas vezes lado a lado.
Se caminharmos pelo Centro da cidade à noite, certamente observaremos
inúmeros moradores de rua dormindo ou se preparando para dormir em um entorno
repleto de investimentos públicos e privados, como os equipamentos culturais da
Avenida Rio Branco ou até no “centro comercial caiçara”, um fixo de última geração.
Se a caminhada for de dia, a contradição se faz entre as inúmeras carroças, os
carros de luxo e os equipamentos ora citados. Estas contradições se acentuam nas
favelas da cidade, como a do Fio, do conjunto Wilson Rosado, entre outras.
As contradições expressas na paisagem aparecem como um acúmulo do
processo de urbanização ainda mais acentuado a partir da década de 1960, como
exporemos ao longo do texto.
No tocante aos dados populacionais, nas últimas décadas do século XX a
cidade apresentou crescimento bastante acentuado quanto à população. Como
indicam dados do IBGE, na década de 1960 tinha uma população residente total de
50.690 habitantes. Em 1970 passa a 97.245 e chegou a 145.981 em 1980; saltou
para 192.267 em 1991, totalizando 213.841 habitantes em 2000 e 259.886 no ano
de 2010, como mostra a Tabela 1.
Ao observar os dados populacionais, chama atenção o crescimento do
número da população residente total na passagem da década de 1960 e 1970, de
46.555 habitantes, perfazendo 91%. Este crescimento revelou-se contínuo nas
décadas subsequentes, tanto em termos absolutos como na taxa de urbanização.
Vale salientar que a década de 1960 foi marcada pela ultrapassagem da população
urbana sobre a rural, porquanto nas décadas anteriores as taxas de urbanização
eram menores que 50%. Outro ponto de interesse se encontra na especificidade do
32
crescimento da população residente rural no século XXI, relativa aos assentamentos
rurais em terras ocupadas na região, especialmente no terreno da antiga “Mossoró
agroindustrial” (MAISA), que propiciou, inclusive, uma pequena diminuição na taxa
de urbanização.
Tabela 1: População residente em Mossoró. 1940 a 2010
Ano População
residente Total
População residente urbana
População residente rural
Taxa de urbanização
1940 31.515 13.730 17.785 43,56% 1950 40.681 20.088 20.593 49,37% 1960 50.690 41.476 16.214 81,82% 1970 97.245 79.509 17.736 81,76% 1980 145.981 122.261 23.728 84,15% 1991 192.267 177.331 14.936 92,20% 2000 213.841 199.081 14.760 93,10% 2010 259.886 237.281 22.605 91,30%
Fonte: IBGE.
Em compasso com o crescimento populacional, se deu um crescimento
econômico, estimulando o imaginário popular a acreditar em uma cidade próspera
para todos e a esquecer as desigualdades sociais que a assolam.
Conforme argumentação de Elias e Pequeno (2010) e Rocha(2005) e
Pinheiro(2006), a cidade de Mossoró na década de 1980 apresenta acentuado
processo de modernização associado às economias do agronegócio, petróleo e sal.
Pode-se dizer que a atividade salineira, apesar da mecanização e da
diminuição considerável dos postos no mercado de trabalho em fins da década de
1960, início da década de 1970, continuou como de grande importância para a
economia da cidade, e até para o Estado. De acordo com dados do Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM), para 2007, o Rio Grande do Norte, mais
especificamente Mossoró e cidades como Grossos, Areia Branca e Macau,
pertencentes à região polarizada por Mossoró, tiveram uma produção estimada em
torno de 5.066 mil toneladas. Portanto, mais de 72% da produção total brasileira de
sal, correspondente a mais de 94% da produção/extração nacional de sal marinho.
No concernente à agropecuária, na década de 1960, principalmente com
a decadência da atividade algodoeira, esta foi substituída pelo agronegócio de frutas
tropicais, o qual adquiriu expressiva importância em Mossoró e região desde a
33
década de 1980, visto que passou por um processo de intensa modernização
pautado, sobretudo, pela agricultura científica (ELIAS, 2003).
Em Mossoró e região se destacam grandes empresas no ramo do
agronegócio, como a NOLEM e a multinacional Del Monte Fresh Produce, entre
outras. Tendo como locomotiva essas empresas, a região sobressai como a maior
produtora e exportadora de melão do Brasil. Elias (2006; 2010; 2011) teoriza sobre a
formação de um arranjo territorial produtivo agrícola, constituído pelo território do
agronegócio comandado a partir da cidade de Mossoró, que abarcaria extensa área,
atingindo até o Estado do Ceará.
Em relação à Petrobras, sua chegada à cidade no início da década de
1980 propiciou visíveis transformações no espaço urbano, pois a extração petrolífera
passou a ser um dos principais setores no qual o crescimento econômico se refletiu
diretamente nas metamorfoses espaciais, pois inúmeras outras empresas
prestadoras de serviços no ramo petrolífero também se instalaram ali.
Mas o petróleo havia sido descoberto na cidade ainda na década de 1970,
primeiramente quando jorrou no hotel Termas, e também nas torneiras dos
moradores dos Bairros Doze Anos, Aeroporto, Boa Vista e Santo Antônio, como
atesta reportagem publicada em outubro de 1975, conforme Ilustração 1.
Ilustração 1: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de outubro de 1975
Fonte: Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
Na atualidade, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo
(ANP), Mossoró, no contexto da bacia potiguar, conforma a segunda maior extração
34
de óleo do país, sendo a maior em produção terrestre, com 16.750 m3 ,
considerando-se apenas a área do graben principal6. Diante desta condição, a
cidade recebe grandes quantias no repasse dos royalties por parte da Petrobras.
Nesse sentido, no tocante à venda da imagem da cidade, entre outras
fontes, a revista VOCÊ S/A7, catálogo do empresariado brasileiro, todos os anos
publica a pesquisa Cem melhores cidades para trabalhar no Brasil, onde Mossoró
tem constatado, nos últimos anos, como a 11a melhor cidade para se trabalhar no
Nordeste.
A revista VEJA também fez referência a Mossoró8 em reportagem
especial sobre as vinte metrópoles brasileiras do futuro. Destacou as instituições de
ensino superior da cidade e as economias que sucederam a produção de sal na
locomotiva local, como o agronegócio e o petróleo, bem como a realidade da
industrialização ali vivenciada no século XXI, quando 23 fábricas se instalaram no
distrito industrial desta, atraídas pela oferta de gás natural.
Tendo em vista tais publicações, entre outras, a prefeitura municipal
promove amplo trabalho de reforçar o imaginário segundo o qual Mossoró é uma
cidade de todos, e nela o crescimento econômico mais cedo ou mais tarde será
dividido por toda a população com o acesso ao mercado de trabalho.
Em publicação da prefeitura9 denominada “Mossoró: metrópole do futuro”,
conforme exposto, os investimentos em políticas públicas da última gestão estão
transformando Mossoró e a colocando em lugar de destaque nacional.
Nas palavras da prefeita Fafá Rosado (2005 – 2012):
Todo esse momento de desenvolvimento que vivemos hoje em nossa cidade pode ser resumido em um único número, o da nossa taxa de crescimento: 7,4% anuais, quase o dobro da média nacional e um dos melhores do país. Não é a toa que Mossoró hoje é considerada como metrópole, com um produto interno bruto (PIB) de R$ 2,7 bilhões e uma renda per capita (por pessoa) de R$ 11,500 em média, maior do que a de Natal. (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ, 2010, p. 2)
Ao mesmo tempo, o grupo político adversário, que também é Rosado, se
refere à matéria publicada na revista VEJA10 em seu veículo de comunicação, o
6 Graben ou fossa tectónica é a designação dada em geologia estrutural a uma depressão de origem tectónica, geralmente com a forma de um vale alongado com fundo plano, formada quando um bloco de território fica afundado em relação ao território circundante em resultado dos movimentos combinados de falhas geológicas paralelas ou quase paralelas. Fonte: Guerra, A.T. “Dicionário geológico-geomorfológico”. Rio de Janeiro: IBGE, 1969. 7 Revista VOCÊ S.A , Ed. 96, Junho de 2006; Revista VOCÊ S.A, Ed. 109, julho de 2007. 8 Revista VEJA, Edição de 1 º de setembro de 2010, assinada pelo jornalista Leonardo Coutinho. 9 Publicação do mês de setembro de 2010.
35
jornal O Mossoroense, questionando o fato de Mossoró ser entendida como uma
metrópole do futuro, enquanto existem inúmeros problemas de desigualdade social
na cidade, elencados pela reportagem, sobretudo os de falta de saneamento,
acúmulo de lixo, inexistência de infraestrutura em geral.
Certamente, as publicações fazem parte do jogo político de disputa da
opinião da população para as eleições da prefeitura local, mas é importante observar
que a representação da cidade como lugar de oportunidades, uma verdadeira
locomotiva de crescimento, ignora os elementos sociais ressaltados pela oposição.
Na nossa ótica, referências ao crescimento econômico como as ora
citadas formam imaginários de desenvolvimento, como argumenta Peet (2007), pois
o crescimento econômico não reduz necessariamente a pobreza, em especial
quando segue o desenho neoliberal, dinâmica política da mundialização do capital.
Na mesma linha de argumentação, Harvey (2008) descreve o
neoliberalismo, política econômica aplicada desde pelo menos o fim da década de
1970 de forma gradativa, no qual a desigualdade social prevalece em detrimento da
“restauração do poder econômico da classe alta.” Para este autor, é fundamental a
organização de uma oposição ao regime neoliberal, pois: “Aceitá-lo equivale a
aceitar que a única alternativa é viver sob um regime de interminável acumulação do
capital e de crescimento econômico quaisquer que sejam as conseqüências sociais,
ecológicas ou políticas.” (HARVEY, 2008, p. 195).
Nesse sentido, cabe às pesquisas comprometidas com o desvendamento
dos processos ocultos na produção do espaço trazer à tona as contradições e
desigualdades socioespaciais presentes na cidade11.
Em nossa pesquisa, procuramos o entendimento das desigualdades
socioespaciais expressas no espaço urbano em Mossoró mediante grande coleta de
dados em torno das desigualdades no acesso às infraestruturas urbanas,
especificamente a infraestrutura de esgotamento sanitário, como elemento empírico
para o debate.
Tal desigualdade se expressa na cidade de Mossoró, ao mesmo tempo
em que se anuncia no urbano das cidades brasileiras e da América Latina, onde o
10 Em matéria publicada no dia 5 de setembro de 2010, no Jornal O Mossoroense. 11 Pesquisa de universidades do Ceará adverte para modelo excludente do crescimento de Mossoró, adverte o Jornal O Mossoroense, 29 de Maio de 2011, se referindo as pesquisas desenvolvidas por Elias e Pequeno (2010). Disponível em - http://www.omossoroense.com.br/cotidiano/1575-pesquisa-de-universidades-do-ceara-adverte-para-modelo-excludente-do-crescimento-de-mossoro.
36
crescimento econômico ocorre em meio à acentuada concentração de renda. Para
Rodrigues (2007, p. 74): “A desigualdade socioespacial é expressão do processo de
urbanização capitalista, um produto da reprodução ampliada do capital que se
perpetua como condição de permanência da desigualdade social”.
Elias e Pequeno (2010), ao discutirem o aprofundamento das
desigualdades socioespaciais na cidade de Mossoró, argumentam sobre a
existência de diferentes cidades superpostas, quais sejam, a cidade das políticas
públicas, onde prevalecem os conjuntos habitacionais, a cidade espontânea e
informal, correspondente às formas de moradia predominantemente precárias, e a
cidade do mercado imobiliário12.
Cabe trazer à tona tal argumentação, pois, segundo os autores, é
perceptível a atuação do Estado na indução das desigualdades socioespaciais na/da
cidade, na medida em que determinados setores foram preferencialmente atendidos
no acesso às redes de infraestrutura em detrimento de outros.
Para Elias e Pequeno (2010), a utilização de variáveis associadas ao
esgotamento adequado permite a compreensão do quadro de desigualdades em
que o espaço intraurbano de Mossoró vem sendo produzido. Em sua análise,
consoante argumentam, nos bairros situados próximos ao Centro da cidade, assim
como naqueles onde foram construídos os grandes conjuntos habitacionais a
noroeste e sudeste, os índices de acesso ao saneamento superam os 75% do total
de domicílios, enquanto nos bairros periféricos ao norte, nordeste e leste, bem como
nos bairros periurbanos situados ao sul, menos de 25% de suas moradias possuem
condições sanitárias adequadas.
Contudo, esse não é um problema apenas da cidade de Mossoró e do
Brasil. Na epígrafe destacada, Davis (2006, p.142) refere-se à persistência dos
grandes problemas urbanos na sociedade contemporânea, e acrescenta:
A crise sanitária global desafia a hipérbole. Sua origem, como no caso de tantos problemas urbanos do terceiro mundo, tem raízes no colonialismo. Em geral, os impérios europeus recusavam-se a oferecer infraestrutura moderna de água e esgoto aos bairros nativos, preferindo usar, em vez disso, o zoneamento racial e os cordões sanitários para isolar as guarnições e os bairros brancos das doenças epidêmicas. (DAVIS, 2006, p.143).
12 Sobre o tema pode ser visto o capítulo 5 de Elias e Pequeno (2010).
37
Nesse contexto surge a escolha pelo estudo da problemática do
esgotamento sanitário na cidade, na medida em que podemos observar profunda
carência dessa infraestrutura social.
Na sequência, trazemos uma descrição do processo de urbanização da
cidade com uma delimitação entre a década de 1960 e 2010, elencando as políticas
habitacionais e de saneamento em sua conjuntura econômico política e social. Tal
apreciação mostra-se como escopo para uma discussão sobre a política urbana e
desigualdades socioespaciais, no qual defendemos que a urbanização como
momento da produção capitalista do espaço de Mossoró se traduz em
desigualdades socioespaciais ao mesmo tempo em que as desigualdades
socioespaciais produzem espaço.
Conforme a argumentação de Elias e Pequeno (2010), para o período
analisado e dentro dos atuais padrões de urbanização, o acesso ao esgotamento
adequado corresponde à variável que melhor se ajusta à investigação em curso,
tendo em vista as contradições em seu processo de provisão.
De todo modo, é preciso destacar tratar-se de uma variável que se
apresentou como procedimento científico para uma aproximação do entendimento
das desigualdades socioespaciais na urbanização de Mossoró, que certamente não
nega nem esgota a problemática das desigualdades socioespaciais, pois seu acesso
não significa o fim das desigualdades socioespaciais.
2.2 Urbanização e desigualdades socioespaciais: pro blemática das infraestruturas sociais em Mossoró (1960-2010)
Com vistas à compreensão do processo de urbanização da cidade desde
a década de 1960, parece-nos importante retomar um período histórico anterior,
precisamente na década de 1930. Nesse período, Mossoró se caracterizava como
centro regional associado sobretudo às indústrias salinocultora e agrarioexportadora,
cujo intuito era atender às demandas da industrialização do Centro-Sul brasileiro
que, cada vez mais, necessitavam de produtos primários, como algodão e sal
(FELIPE, 1988; ROCHA, 2005; PINHEIRO, 2006).
Essas atividades econômicas, em certo sentido, foram fortalecidas desde
a década de 1950 com as intervenções federais na tentativa de conter os
desequilíbrios regionais. Como argumenta Pinheiro (2006), a partir da década de
38
1960, o Estado do Rio Grande do Norte também se industrializava graças aos
incentivos da Sudene, ao se inserir na divisão territorial do trabalho em nível
nacional, como fortalecedor de matéria-prima local – algodão e sal, considerados
seus produtos mais abundantes desde o período colonial.
Na década de 1960 se intensificam os movimentos migratórios do campo
para a cidade, motivados principalmente pelas dificuldades com a agricultura de
subsistência. Mossoró aparecia como opção para os migrantes, já que existiam
postos de trabalho na indústria do sal e na agroindústria, em especial do algodão.
Nesta década observava-se uma tendência na urbanização brasileira na qual as
cidades de porte médio com características de centro regional já despontavam.
Neste período o ambiente construído da cidade tem forte crescimento em
direção à periferia, com destaque para os locais de moradia dos trabalhadores do
sal em bairros ao norte do Centro, em particular o hoje denominado Santo Antônio,
caracterizado pelas condições precárias de moradia.
Ainda na década de 1960, argumenta Felipe (1982), o noroeste da cidade,
por apresentar um preço do solo relativamente barato, começa a ser ocupado por
migrantes oriundos da região serrana do Estado, originando o Bairro Boa Vista. Na
mesma década ocorre a expansão da zona oeste da cidade, com a ampliação do
Bairro Alto da Conceição.
Também nesta década implantou-se o primeiro conjunto habitacional da
cidade, hoje conhecido como conjunto Walfredo Gurgel, na época, conjunto da
Fundap, com 550 casas, contribuindo para ampliação do Bairro Alto de São Manuel.
Àquela época, a cidade não dispunha de infraestruturas urbanas básicas de acesso
à água e esgoto, cujas obras só seriam iniciadas na década de 1970, mas de forma
restrita para alguns setores da cidade.
39
Figura 1: Bairros criados até a década de 1970
Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).
Na primeira metade da década de 1970 os investimentos federais
viabilizados pela Sudene, através do FINOR 34/18, trouxeram marcantes alterações
na indústria do sal. Diante disto, foi preciso mudar sua composição técnica, e esta
indústria passou de uma produção artesanal que empregava expressiva quantidade
de trabalhadores, para uma produção modernizada com grande maquinário, para
atender às demandas das indústrias químicas nacionais.
Assim, o processo de modernização das salinas não produziu uma
reestruturação apenas do parque salineiro, mas também espacial, tendo em vista o
elevado número de desempregados. Na ocasião, sindicalistas do setor salineiro de
Mossoró, Macau e Areia Branca, esses últimos também importantes municípios de
extração de sal, procuraram os políticos da região para alertar sobre os problemas
que a mecanização trazia à cidade, haja vista o grande número de desempregados,
como destacavam, entre outros, as manchetes dos jornais locais (Ilustração 2).
Diziam eles não serem contra a mecanização, mas esperavam que uma
solução fosse encontrada para a visível quantidade de mão de obra ociosa que não
encontraria emprego fácil.
40
Ilustração 2: Capa do jornal O Mossoroense, em 11 de novembro de 1975
Fonte: Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
Somada ao fato da mecanização das salinas, a transição entre as
décadas de 1960 e 1970 também desencadeia a crise da agroindústria de Mossoró,
onde seus principais produtos, quais sejam, as fibras de algodão arbóreo, a cera de
carnaúba, o óleo de algodão e o óleo de oiticica sofrem a concorrência da cultura do
algodão arbóreo, das fibras sintéticas e de outras oleaginosas, como a soja, que
passaram a ser fabricadas no Sul e Sudeste do país.
Nas palavras de Pinheiro (2006):
Assim, na primeira metade da década de 1970, a difícil situação gerada pelo desemprego em massa e pela incapacidade dos capitais locais para absorver essa mão de obra incide sobre a débil estrutura urbana de Mossoró. A cidade torna-se uma área de tensões sociais e começa seu processo de “inchamento” do seu espaço, com a formação de favelas pelo exercito de desempregados das agroindústrias e das salinas, como também da população rural assolada pelas secas. Foi nesse contexto que as autoridades governamentais acionaram políticas públicas visando controlar os conflitos. (PINHEIRO, 2006, p. 104).
Pode-se dizer que nesse momento as desigualdades socioespaciais se
apresentaram de forma avassaladora, evidenciando a articulação imprescindível
entre urbanização e desigualdades socioespaciais na produção do espaço da cidade
de Mossoró.
No entanto, segundo Felipe (1988), o poder político local deu início uma
nova forma de dominação, mediante empregos gerados pelos serviços públicos.
Consoante Rocha (2005), grande parte dos empregos gerados nesse período foram
fomentados pelo crescente setor de construção civil, tanto na construção dos
prédios públicos como na construção dos conjuntos habitacionais.
41
Nesse contexto, a década de 1970 também é marcada pela consolidação
de Mossoró como centro regional, na medida em que passou a ser alvo de
programas nacionais de desenvolvimento urbano, sendo incluída no Programa
Nacional de Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio. Ainda segundo
Felipe (1982, p. 122): O “boom de investimentos urbanos para obras de
infraestrutura começa com o programa de cidades de porte médio que de 1975 em
diante começa a dar um banho de asfalto na cidade”.
Com isso, a prefeitura municipal formulou o Plano de Organização do
Espaço Urbano de Mossoró (POEUM) em 1974, tendo em vista a abertura de portas
para os recursos federais que estavam destinados às cidades de porte médio13.
Nesse período, amparado nas diretrizes do plano diretor, as políticas
públicas ligadas à habitação social ocuparam o norte da cidade, com três conjuntos
habitacionais construídos pela COHAB-RN, o Abolição 1, 2 e 3, com 2.076 casas.
Ainda acerca da construção de conjuntos habitacionais, conforme argumenta Felipe
(1982), nesse período o Bairro Nova Betânia consolidou-se como bairro de “rico”,
principalmente com a construção do conjunto Inocoop, com 360 casas para atender
à classe média da cidade.
Pinheiro (2006), por sua vez, apresenta um panorama de alterações no
espaço urbano de Mossoró entre os anos de 1975 e 1984. Como informa a autora,
nesse período a cidade passa a crescer para todos os lados. Na direção norte,
surgiram um loteamento e um conjunto habitacional destinados às classes de baixa
renda na comunidade Cajazeiras, a qual posteriormente seria chamado de Bairro
Redenção.
Na mesma época, conforme a autora, verifica-se uma expansão da cidade
para além do anel viário da BR-304. Na direção noroeste, observava-se a
construção do conjunto Abolição 3; na direção oeste, surgiu o Bairro Dix Sept
Rosado, com quatro loteamentos destinados à população de baixa renda,
acompanhando a estrada para as cidades de Baraúnas e Apodi.
13 Segundo Pinheiro (2006, p. 111) : “O plano diretor, promulgado pela lei 01/75, assumiu grande importância na formação da atual estrutura espacial da cidade, pois consolida um novo padrão de crescimento da cidade de Mossoró, que se dá no sentido sudeste-noroeste. A implantação da Zona Universitária na direção sudeste, e da Zona Industrial na direção noroeste, assim como a barreira que se formou na direção sudoeste (anel viário da BR 304) impulsionaram ainda mais a expansão nesse sentido. Tem importância também o Art. 3 do plano, quando determinou que todas as áreas habitacionais fossem integradas ao centro da cidade através de largas vias de circulação, visando a plena utilização dos equipamentos urbanos e facilitando o alcance dos locais de trabalho que, por sua vez, se localizavam predominantemente nas áreas centrais. Estava determinado o padrão radial concêntrico da malha urbana da cidade, com as principais vias da cidade convergindo para o centro”.
42
Nesta década(1970) também verificou-se a incorporação de comunidades
rurais situadas além do anel rodoviário da BR-304, como no caso da direção
sudoeste e sul, onde surgiram os Bairros Itapetinga, Bom Jesus, Planalto 13 de Maio
e Alto do Sumaré. Neste caso, Pinheiro (2006, p. 136) afirma que: “A malha urbana
de ambos se configurou como um prolongamento do Alto de São Manuel, bairro que
concentrava as atividades da PETROBRAS, de suas subsidiárias e empresas
contratadas.”
Na direção leste, mais uma comunidade rural também seria incorporada,
e transformada no Bairro pintos, localizado na saída para a cidade de Areia Branca.
Já na direção sudeste, conforme Pinheiro (2006), surgiu os Bairros Dom Jaime
Câmara e Presidente Costa e Silva; o primeiro implantou loteamentos para a classe
de baixo poder aquisitivo e o segundo implantou dois conjuntos habitacionais e seis
loteamentos destinados à expansão residencial da classe média associada às
universidades ali instaladas – ESAM e UERN.
Nesse período delimitado, a cidade vai passar por um novo contexto de
modernização capitalista, ocorrido principalmente através de três grandes vetores
econômicos: a atividade salineira, o agronegócio de frutas tropicais e a atividade
petrolífera.
No tocante à estruturação do ambiente construído, a economia salineira
produziu uma grande transformação do espaço, visto que as moageiras e os
armazéns de sal, até então localizados no Centro e nos bairros próximos, foram
alocados para a BR-110 (de Areia Branca a Mossoró) e depois muito desses
serviços se voltaram para a BR-304, uma das principais vias de acesso à cidade,
devido a incentivos estatais. Na BR-304 há toda uma estrutura de atendimento aos
diversos seguimentos da economia salineira.
A atividade petrolífera também interferiu de maneira decisiva nesta
expansão do ambiente construído da cidade, mas, neste caso, a expansão foi para
outro lado. Como informa Rocha (2005b), quando a Petrobras chega à cidade
instala-se provisoriamente nos Bairros Alto de São Manoel e Centro. Em 1980, a
empresa adquire 40 hectares de terras nas proximidades da comunidade rural de
Bom Jesus, e nesse mesmo ano, por decisão da prefeitura, conforme a Lei n044/80,
essa comunidade passa a integrar-se aos limites urbanos do município, constituindo-
se assim em bairro - o Alto do Sumaré. É deste período também a criação dos
Bairros Planalto 13 de Maio e Bom Jesus.
43
Em entrevista que nos foi concedida em 15/8/2008, o gerente urbanístico
da prefeitura de Mossoró afirmou que em 1983 a Petrobras se instalou fora do
perímetro urbano e a prefeitura tinha interesse de arrecadar com o IPTU da
empresa; esse fato levou a entidade a planejar a ampliação do perímetro urbano. Na
figura 2 os bairros criados na cidade na década de 1980, o que pode nos dar uma
noção da expansão de Mossoró.
Figura 2: Bairros criados na década de 1980
Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).
Apesar de toda interferência no espaço da cidade ainda na década de
1980, a sede da Petrobras é construída definitivamente em 1990 e, com isso, todas
as atividades até então espalhadas em vários pontos são transferidas para a sede.
Como podemos observar, entre os eixos de expansão econômica da
cidade, a BR-304, Avenida do Contorno, apresenta grande vigor. De acordo com
Santos (2010), em dissertação de mestrado acerca das atividades relacionadas ao
consumo produtivo em Mossoró, as atividades de comercialização de insumos e
equipamentos para o agronegócio estão, em grande parte, instaladas neste local.
O trecho da BR-304, situado no perímetro urbano, consolidou-se, nos
últimos anos, como um corredor de oferta de serviços e comércio voltado tanto para
44
a atividade frutícola como para a salineira. De todo modo, os investimentos em
infraestrutura para as demandas econômicas atuam de maneira decisiva no papel
estratégico da BR-304 para a cidade.
Com isso, fica claro que a partir de meados da década de 1970 a
expansão urbana de Mossoró foi acentuada nas direções noroeste, sul e sudeste,
extrapolando os limites impostos pela Avenida do Contorno. Nesse processo de
acelerada urbanização, a problemática da falta de infraestruturas urbanas se
colocou com bastante força.
Como afirmam Elias e Pequeno (2010, p. 243), com a implantação dos
conjuntos habitacionais durante as décadas de 1960 e 1970 a cidade passou a
vivenciar um processo de crescimento descontinuo, no qual “a localização
majoritariamente periférica levou a um quadro de disparidades socioespaciais no
acesso aos equipamentos sociais, predominantemente concentrados no centro e
bairros vizinhos”.
Em entrevista com o secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio
Ambiente do município de Mossoró14, segundo informado, até a década de 1970 a
utilização de água na cidade era feita através de cacimbões e cisternas, que
aparavam água das chuvas , consumida para beber e cozinhar. Para as demais
funções da água, como banho, por exemplo, utilizavam-se as águas vindas do rio.
Consoante o entrevistado, como forma de armazenar água, construiu-se
uma barragem no Centro da cidade no intuito de manter água no rio. Como afirma:
À medida que o tempo ia passando, em anos de seca, por exemplo, a qualidade da água caía muito, pois ficava exposta, tinha animais, etc. Mesmo assim, essa água continuava sendo utilizada. O fornecimento não era feito através de tubulações, mas através de carros pipas – as famílias mais abastadas tinham poço, tinham bomba manual para puxar a água, logo em seguida elétrica.
Na ocasião, a Sudene, em consonância com o Programa Nacional de
Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio, passa a liberar verbas com
vistas a promover o desenvolvimento urbano, tendo como objetivo a melhoria dos
sistemas de água, ou até a implantação, no caso de cidades ainda desprovidas de
acesso. Nesse ínterim será implantada a Companhia de Águas e Esgoto do Rio
Grande do Norte (CAERN) em 2 de setembro de 1969, a qual passa a atuar na
14Em entrevista no dia 17/2/2011.
45
cidade de Mossoró apenas na década de 1970, de acordo com informações do
secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente do município de Mossoró.
Como ressaltamos, a problemática da falta de infraestrutura urbana na
década de 1970 iria se prolongar intensamente, sobretudo a falta de água e seu
abastecimento, como mostram nos jornais da época, em duas datas após cinco e
dez anos de fundação da CAERN.
Ilustração 3:Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de setembro de 1975
Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
Ilustração 4:Capa do jornal O Mossoroense, em 3 de dezembro de 1980
Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
As discussões de acesso à água bem como de melhorias da sua
qualidade ganharam força na década de 1980, em conjunto com o fortalecimento
das organizações de bairro que tiveram suas primeiras implantações na década de
1970, e se ampliaram na década de 1980, como informou Manoel de Souza15,
membro da frente integrada das associações comunitárias do município de Mossoró.
15Entrevista no dia 17/2/2011
46
Conforme podemos observar com a variável número de domicílios com
água canalizada ligada à rede geral, bem como em sua variação, entre os anos
analisados, a partir da década de 1980 o acesso à água canalizada teve um grande
impulso. Em 1970, dos 16.862 domicílios, 2.649 tinham acesso à água encanada,
com um percentual de 15, 70 %. Já em 1980, dos 27.995 domicílios, 9.057 tinham
acesso à água encanada, com um percentual de 32,35%, portanto, um aumento de
6.408 domicílios com acesso à água canalizada, com um percentual de aumento de
241,90% entre esses anos.
No ano de 1991, dos 41.666 domicílios, 25.376 dispunham de água
encanada, com um percentual de acesso de 60,90%. A variação entre os anos de
1980 e 1991 mostrou um crescimento de 180,19%. No ano 2000, dos 52.479
domicílios, 46.198 possuíam água encanada, ou seja, um percentual de 88,03%,
com um crescimento da variação de 82,05% entre os anos 1991 e 2000. No ano de
2010, dos 73.365 domicílios, 67.460 estavam ligados à rede geral de água
canalizada, com um percentual de acesso de 91.95%, e um crescimento de 46% na
variação os anos 2000 e 2010. Contudo, se analisarmos os anos de 1970 a 2010, o
crescimento foi de 2.447 %.
47
Tabela 2: Número de domicílios com água canalizada em rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 - BR, NE, RN, Mossoró
Número total de domicílios Número de domicílios - com água canalizada rede
geral % Domicílios com água canalizada rede
geral Ano
Brasil Nordeste
Rio Grande do
Norte Mossoró Brasil Nordeste
Rio Grande do
Norte Mossoró Brasil Nordeste
Rio Grande do
Norte Mossoró 1970 17.643.387 5.146.552 273.048 16.862 5.784.268 636.185 38.112 2.649 32,78% 12,36% 13,96% 15,70% 1980 25.293.411 6.769.789 370.463 27.995 11.977.045 1.640.697 95.445 9.057 47,35% 24,24% 25,76% 32,35% 1991 35.435.820 9.106.985 525.656 41.666 22.559.665 3.862.050 248.468 25.376 63,66% 42,41% 47,27% 60,90% 2000 45.507.516 11.532.019 678.652 52.479 34.859.393 7.569.147 525.739 46.198 76,60% 65,64% 77,47% 88,03% 2010 57.324.185 14.922.901 899.513 73.365 47.493.444 11.432.583 776.979 67.460 82,85% 76,61% 86,38% 91,95%
Fonte: IBGE.
Tabela 3: Variação do número de domicílios com água canalizada ligada à rede geral em Mossoró. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010
Variação 1970 – 1980 Variação 1980 - 1991 Variação 1991 - 2000 Variação 2000 - 2010 Variação 1970 - 2010 (Nº
absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº
absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) Mossoró
6.408 241,90% 16.319 180% 20.822 82% 21.262 46% 64.811 2447% Fonte:IBGE.
48
Gráfico 1: Percentual de domicílios com água canalizada em rede geral
Fonte: IBGE. Elaboração do autor.
Ao analisar o gráfico, podemos comparar os números percentuais
relativos às diversas escalas, identificando que o município de Mossoró nos anos de
2000 e 2010 tem um número percentual de domicílios com água canalizada ligada à
rede geral mais elevado que os demais. Em 2010 passa dos 90% de atendimento,
enquanto no Rio Grande do Norte este percentual foi de 86,38%, na região Nordeste
foi de 76,61% e no Brasil foi de 82,85% . Segundo Manoel de Souza, militante
histórico das lutas de bairro em Mossoró, as melhorias no abastecimento de água na
cidade de Mossoró estão associadas às lutas das comunidades na década de 1980
e 1990.
De todo modo, nos anos 1970, com o início da oferta de água ligada à
rede geral, consequentemente, começaram a aparecer os problemas decorrentes da
delimitação de onde lançar as águas servidas, pois as fossas começaram a encher,
porquanto os dimensionamentos para o uso per capita até então eram pequenos.
Dessa forma, a oferta de água fez surgir o problema de esgotamento sanitário.
A variável número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede
geral pode nos ajudar na observação das contradições sociais relativas à
implantação do esgotamento sanitário na cidade, pois existe uma baixa oferta do
serviço em todo o período considerado para análise. Em 1970 e 1980, nenhum
domicílio da cidade possuía instalações sanitárias ligadas à rede geral; em 1991,
dos 41.666 domicílios, 5.875 tinham acesso à rede de esgotamento sanitário,
portanto um percentual de acesso de 14,10%. No ano de 2000, dos 52.479
domicílios, 11.025 dispunham de rede de esgotamento, com um percentual de 21 %
de acesso.
49
Foram os anos 2000 que apresentaram o maior crescimento no tocante à
implantação dessa infraestrutura na cidade, com um aumento de 88% na variação,
tendo como referência o ano de 1991. Mesmo assim, em 2010, dos 52.479
domicílios, 29.147 contavam com rede geral de esgotamento, ou seja, apenas
39,7% dos domicílios tinham acesso a instalações sanitárias ligadas à rede geral,
mas com uma variação de 164 %, tendo como referência o ano de 2000.
50
Tabela 4: Número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010– BR, NE, RN, Mossoró
Número total de domicílios Número de domicílios com instalações sanitárias
ligadas a rede geral % Domicílios com instalações sanitárias
ligadas à rede geral Ano
Brasil Nordeste
Rio Grande do Norte Mossoró Brasil Nordeste
Rio Grande do
Norte Mossoró Brasil Nordeste
Rio Grande do
Norte Mossoró 1970 17.643.387 5.146.552,00 273.048 16.862 2.318.402 118.610,00 5.796 0 13,14% 2,30% 2,12% 0% 1980 25.293.411 6.769.789,00 370.463 27.995 6.499.635 357.293,00 10.991 0 25,70% 5,28% 2,97% 0% 1991 35.435.820 9.106.985,04 525.656 41.666 12.234.418 798.341,25 36.110 5.875 34,53% 8,77% 6,87% 14,10% 2000 45.507.516 11.532.019,00 678.652 52.479 21.160.735 2.862.907,00 111.034 11.025 46,50% 24,83% 16,36% 21% 2010 57.324.185 14.922.901 899.513 73.365 31.786.054 5.069.256 226.027 29 147 55,45% 33,97% 25,13% 39,70%
Fonte: IBGE.
Tabela 5: Variação número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral em Mossoró. 1980, 1991, 2000, 2010
Variação 1980 - 1991 Variação 1991 - 2000 Variação 2000 - 2010 Variação 1980 – 2010 (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) Mossoró
5.875 100% 5.150 88% 18.122 164% 29.147 100%
Fonte: IBGE.
51
Gráfico 2: Percentual de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral
Fonte: IBGE. Elaboração do autor.
Ao nos determos no gráfico com o percentual de domicílios com
instalações sanitárias ligadas à rede geral, identificamos que os números relativos a
essa variável se encontram baixos em todas as escalas. A situação é crônica no
Estado do Rio Grande do Norte, mas não menos no Nordeste, no Brasil e no
município de Mossoró.
Especificando o contexto de implantação da infraestrutura urbana de
esgotamento sanitário, conforme percebemos, sua instalação na cidade se iniciou na
segunda metade de década de 1970, onde, a princípio, as obras de construção
desta importante infraestrutura foram operadas com recursos federais do Plano
Nacional de Saneamento (Planasa), que para a região Nordeste se articulou com a
Sudene, como grande secretaria regional do governo federal16.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio
Ambiente da prefeitura de Mossoró, o surgimento do Plano Nacional de Saneamento
na década de 1970 disponibilizou recursos para os municípios investirem na
resolução do problema de coleta de esgoto.
Sobre a criação do Planasa, Maricato (1983) argumenta que:
O PLANASA é agente de apoio e disseminação da empresa pública estadual em âmbito nacional, fortalecendo o caráter de mercadoria do serviço público, mercadoria cara pela qual o trabalhador paga mais de uma vez: I) quando empresta (compulsoriamente) ao BNH seu FGTS para financiar parte dessas obras; 2) quando paga, na taxa do serviço público, a amortização do custo da instalação das redes ou das centrais de captação e tratamento de água e esgotos; 3) quando paga aumento nos impostos municipais, aumentos esses que têm origem nas dívidas municipais. (MARICATO, 1983, p.118).
16 No terceiro capítulo do trabalho teceremos uma discussão mais aprofundada sobre as intervenções do Planasa em nível nacional e local.
52
Conforme o secretário da prefeitura, os municípios precisaram ter a
contrapartida de se associar a órgãos estaduais (no caso a CAERN) para execução
das obras do Planasa. Nesse momento a CAERN fez um projeto maior, em
consequência de lei do governo federal, que afirmava a necessidade de um plano
para ter acesso ao beneficio. Com isso, surgiu o Plano Municipal de Abastecimento
e Tratamento de Água da cidade, no qual as lagoas de tratamento foram preparadas
para atender 80 mil pessoas.
Na época, o então governador do Estado, Tarcísio Maia, anunciava as
obras de esgotamento como grande promessa de campanha, em conjunto com
outras promessas, como melhorias das estradas e da universidade, muitas vezes
sem mencionar a existência dos projetos de desenvolvimento urbano financiados
pelo governo militar.
Ilustração 5: Capa do jornal O Mossoroense, em 6 de abril de 1974
Fonte: pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
Nos anos subsequentes, como evidenciamos ao acompanhar as notícias
no jornal O Mossoroense na década de 1970, a população ficou bastante
entusiasmada com as obras anunciadas, que foram paralisadas por inúmeros
problemas, como em 20 de agosto de 1975, quando a empresa Cicol havia sido
divulgada como vencedora da concorrência pública, mas não foi confirmada, pois
segundo a CAERN, nenhuma empresa havia preenchido os requisitos mínimos para
começar as obras.
53
O anúncio do início das obras sairia em reportagem publicada pelo jornal
O Mossoroense em 9 de novembro de 1975. Em entrevista com o engenheiro da
CAERN responsável pelas obras, João Batista Cardoso, segundo informado, as
obras haviam-se iniciado nas Ruas Luís Colombo e Marechal Deodoro, com
aproximadamente cinquenta homens trabalhando na construção da estação
elevatória.
A despeito, porém, do grande crescimento da cidade entre as décadas de
1970 e 1980, na primeira etapa as obras de esgotamento atenderam apenas a Bacia
4 - parte do Centro; parte Barrocas; parte Paredões, conformando o caráter
segregador de tal política pública.
54
Figura 3: Divisão bacias rede geral de esgotamento
55
Em 19 de março de 1978, após dois anos sem notícias sobre as obras de
esgotamento, o jornal O Mossoroense afirmou as dificuldades com a continuidade
destas em virtude das chuvas. Dessa vez, já haviam iniciado as obras da segunda
etapa na Bacia 3 - parte Centro; parte Nova Betânia; parte Doze Anos; parte Santo
Antônio.
Na mesma reportagem comentava que a primeira etapa não havia sido
concluída. Segundo a EIT, empresa responsável, só faltava a montagem do
elevatório. A inauguração da obra prevista para 30 de setembro de 1978, dia
comemorativo da libertação dos escravos na cidade, não se concretizou.
No ano de 1979 ocorreram inúmeras contradições na continuação da
implantação da segunda etapa das referidas obras, pois estas foram paralisadas
devido a CAERN re-orientar seus investimentos para solucionar os problemas com o
abastecimento de água, já que havia inúmeras reclamações da parte da população.
Nesse sentido, em 3 de janeiro de 1979, foi publicada uma reportagem informando
sobre a paralisação das obras de esgoto, pois a CAERN não estava pagando a
CICOL, empresa responsável. Isto porque estava investindo dinheiro nos trabalhos
de abastecimento de água.
Em 17 de junho de 1981 o jornal O Mossoroense publicou matéria sobre o
retorno das obras de implantação de esgotamento sanitário. Na ocasião, o prefeito
João Newton concluía seu programa de obras para o plano de emergência do
município, no qual incluía restauração de escolas, construção de salas de aula,
construção de cisternas, desmatamento de estradas vicinais e pavimentação de ruas
sob o clima de progresso. O prefeito enviou telegrama à Presidência da república
alertando sobre a necessidade de melhorias nas infraestruturas no intuito de evitar
agravamento das tensões sociais. A seguir, capa da reportagem.
56
Ilustração 6: Capa do jornal O Mossoroense, em 17 de junho de 1981
Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.
Em termos gerais, podemos definir esse como o primeiro momento de
implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) de Mossoró, no qual houve
duas etapas de implantação da infraestrutura; a princípio, em algumas partes da
Bacia 4 e logo após em algumas partes da Bacia 3. É importante frisar que este
primeiro momento se caracteriza pelos investimentos federais associados ao
governo militar no âmbito do BNH, especificamente do Planasa.
Com o fim do regime militar em 1984 e a extinção do BNH em 1986, os
recursos destinados ao poder político municipal se reduziram drasticamente,
influenciando na capacidade de investimentos municipais no espaço urbano.
A passagem para a década de 1990, conforme argumentação de Pinheiro
(2006), também é marcada pelos escassos recursos gestados pelo município, mas
com a aprovação da Constituição de 1988, os municípios ganharam autonomia para
estabelecer políticas próprias, tendo a Caixa Econômica Federal como órgão gestor.
Com isso, em 1990, a prefeitura municipal de Mossoró tenciona aumentar
a arrecadação do Imposto Territorial Urbano (IPTU) e promulga a Lei no 502, de 5 de
junho de 1990, criando mais cinco bairros: Lagoa do Mato, Rincão, Santa Delmira,
Redenção e Santa Júlia. A seguir, figura ilustrativa dos bairros criados entre as
décadas de 1970 a 1990.
57
Figura 4: Bairros criados em 1970, 1980 e 1990
Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).
Como nos informou o engenheiro, secretário de Desenvolvimento
Territorial e Meio Ambiente do município de Mossoró17, no início da década de 1990
a implantação do esgotamento sanitário segue outro contexto: projeto de construir
pequenas lagoas de tratamento para atender demandas de conjuntos habitacionais
de interesse social recém-criados em consórcio com a Caixa Econômica Federal.
Pode-se dizer que a década de 1990 vai se caracterizar pelo segundo
momento de implantação do SES-Mossoró nas seguintes bacias: Bacia 1: Conjunto
Santa Delmira; Bacia 13: Conjunto Nova Vida ( Dom Jaime Câmara); Bacia 3:
Conjunto José Agripino (Santo Antônio); Bacia 9: Conjunto Inoocop (Alto de São
Manuel); Bacia 15: Conjunto Vinght Rosado(Rincão).
Relacionado a este segundo momento de implantação da SES Mossoró, o
secretário de Desenvolvimento Territorial de Meio Ambiente se mostrou crítico ao
projeto, afirmando que se “tratava soluções pontuais, devido a pequenas verbas.
Faziam a tubulação apenas para atender aquela demanda, não faziam para atender
a bacia”.
17 Em entrevista no dia 17/2/2011
58
Após estes projetos de ampliação da SES-Mossoró, toda a década de
1990 transcorre sem novos projetos para ampliação da infraestrutura ora citada,
demonstrando o enfraquecimento do poder de investimento estatal no social
característico do contexto neoliberal, que teve grande expressão durante essa
década, e quando associado à municipalização da política urbana, ampliou a
tendência de segregação e favelização na cidade de Mossoró.
Como podemos observar nos dados relativos aos domicílios por tipo de
esgotamento sanitário por bairros, bem como seu percentual, em 2000, dos 52.121
domicílios no total, apenas 11.025 tinham acesso à rede geral de esgoto pluvial,
conformando um percentual de 21,15% com acesso, enquanto os domicílios com
fossa séptica se apresentavam em maior número, com 15.657 domicílios, e um
percentual de 30,04%.
Ao analisar as tabelas e o cartograma para o ano de 2000 de forma mais
detalhada, nos chama atenção o fato de bairros como o Rincão e o Santa Delmira
possuírem um percentual de acesso à rede geral de esgoto de 90,87 % e 54,03%,
respectivamente, ao passo que o Bairro Nova Betânia detinha um acesso de apenas
1,25 %. Tal discrepância, no entanto, já foi elucidada anteriormente, quando
apresentamos a primeira e a segunda etapas de implantação da rede de
esgotamento, que teve na década de 1990 a criação de conjuntos habitacionais com
acesso à rede de esgotamento sanitário nos referidos bairros.
59
Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte. 2000
Município e bairros (1)
Total domicílios
% Total domicílios
Rede geral de
esgoto ou
pluvial
% Rede geral de
esgoto ou pluvial
Fossa séptica
% Fossa séptica
Outro %Outro
Mossoró 52.121 100 11.025 21,15 15. 657 30,04 22.363 42,91 Abolição 5.050 100 131 2,59 2.330 46,14 2.506 49,62 Aeroporto 2.871 100 45 1,57 432 15,05 2.306 80,32 Alagados 46 100 8 17,39 1 2,17 32 69,57
Alto da Conceição 1.422 100 446 31,36 130 9,14 802 56,40 Alto de São Manoel 4.395 100 684 15,56 1.470 33,45 1.923 43,75
Alto do Sumaré 879 100 57 6,48 592 67,35 210 23,89 Barrocas 4.175 100 173 4,14 764 18,30 2.687 64,36
Belo Horizonte 1.812 100 239 13,19 963 53,15 526 29,03 Boa Vista 1.772 100 151 8,52 1.304 73,59 298 16,82
Bom Jardim 2.617 100 1.272 48,61 368 14,06 943 36,03 Bom Jesus 315 100 - 0,00 7 2,22 287 91,11
Centro 718 100 524 72,98 30 4,18 164 22,84 Dix Sept Rosado 229 100 - 0,00 - 0,00 175 76,42
Dom Jaime Câmara 2.183 100 416 19,06 319 14,61 1.287 58,96 Doze Anos 1.238 100 313 25,28 788 63,65 129 10,42
Ilha de Santa Luzia 663 100 28 4,22 148 22,32 454 68,48 Itapetinga 13 100 - 0,00 6 46,15 5 38,46
Lagoa do Mato 3.182 100 688 21,62 1.035 32,53 1.384 43,49 Nova Betânia 1.355 100 17 1,25 898 66,27 418 30,85
Paredões 2.047 100 1.418 69,27 298 14,56 281 13,73 Pintos 493 100 1 0,20 7 1,42 428 86,82
Planalto Treze de Maio 1.215 100 47 3,87 558 45,93 602 49,55 Presidente Costa e Silva 982 100 11 1,12 468 47,66 391 39,82
Redenção 577 100 4 0,69 317 54,94 234 40,55 Rincão 1 763 100 1.602 90,87 29 1,64 74 4,20
Santa Delmira 2.776 100 1.500 54,03 705 25,40 448 16,14 Santo Antônio 3.957 100 779 19,69 1.143 28,89 1.807 45,67
Sem especificação 3.376 100 471 13,95 547 16,20 1.562 46,27 Fonte: IBGE.
60
Cartograma 2: Percentual de domicílios com captação de esgoto rede geral. 2000
61
Ainda observando a tabela e o cartograma em discussão, identificamos o
baixo índice de acesso, com um percentual de até 5%, visto no Bairro Nova Betânia,
e que se repete nos inúmeros bairros, como no caso de Presidente Costa e Silva,
Abolição, Aeroporto, Barrocas, Bom Jesus, Dix Sept Rosado, Ilha de Santa Luzia,
Itapetinga, Pintos, Planato 13 de Maio e Redenção.
De todo modo, ensejamos neste trabalho uma avaliação da implantação
das redes de esgotamento sanitário bairro por bairro, comparando os bairros nos
quais existe acesso a tal infraestrutura e seus níveis de renda, para termos ciência
do caráter segregador das políticas públicas no tocante ao espaço urbano.
Em relação ao ano de 2000, como ilustram as tabelas e os cartogramas a
seguir, onde estão expostos o número de domicílios e seu percentual por grupo de
rendimento mensal segundo município e bairros, a cidade de Mossoró, dos 52.121
domicílios no total, possui 23.204 destes entre os grupos sem rendimento até 1
salário, com um percentual de 44,52% entre esses grupos de rendimento.18
18 No ano de 2000 o salário mínimo era de R$ 151,00.
62
Tabela 7:Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2000
Município e bairros Total
Domicílios %Total
Domicílios
Sem renda até 1 salário
% Sem renda até 1
salário 1 a 5
salários % 1 a 5 salários
5 a 10 salários
% 5 a 10
salários
10 a mais 20 salários
% 10 a mais 20 salários
Mossoró 52.121 100 23.204 44,52
22.042 42,29 4.168 8,00 2.707 5,19 Abolição 5.050 100 1.541 30,51 2.518 49,86 656 12,99 335 6,63 Aeroporto 2.871 100 1.237 43,09 1.357 47,27 172 5,99 105 3,66 Alagados 46 100 33 71,74 13 28,26 - 0,00 - 0,00
Alto da Conceição 1.422 100 478 33,61 702 49,37 173 12,17 69 4,85 Alto de São Manoel 4.395 100 1.954 44,46 1.652 37,59 452 10,28 337 7,67
Alto do Sumaré 879 100 342 38,91 431 49,03 76 8,65 30 3,41 Barrocas 4.175 100 2.598 62,23 1.491 35,71 68 1,63 18 0,43
Belo Horizonte 1.812 100 908 50,11 800 44,15 83 4,58 21 1,16 Boa Vista 1.772 100 673 37,98 842 47,52 182 10,27 75 4,23
Bom Jardim 2.617 100 1.138 43,48 1.233 47,12 181 6,92 65 2,48 Bom Jesus 315 100 216 68,57 98 31,11 - 0,00 1 0,32
Centro 718 100 56 7,80 241 33,57 211 29,39 210 29,25 Dix Sept Rosado 229 100 152 66,38 75 32,75 2 0,87 - 0,00
Dom Jaime Câmara 2.183 100 1.348 61,75 741 33,94 68 3,11 26 1,19 Doze Anos 1.238 100 294 23,75 541 43,70 235 18,98 168 13,57
Ilha de Santa Luzia 663 100 294 44,34 280 42,23 64 9,65 25 3,77 Itapetinga 13 100 11 84,62 2 15,38 - 0,00 - 0,00
Lagoa do Mato 3.182 100 1.697 53,33 1.349 42,39 113 3,55 23 0,72 Nova Betânia 1.355 100 310 22,88 347 25,61 237 17,49 461 34,02
Paredões 2.047 100 782 38,20 928 45,33 219 10,70 118 5,76 Pintos 493 100 278 56,39 184 37,32 22 4,46 9 1,83
Planalto Treze de Maio 1.215 100 474 39,01 592 48,72 115 9,47 34 2,80
Presidente Costa e Silva 982 100 376 38,29 305 31,06 90 9,16 211 21,49
Redenção 577 100 296 51,30 263 45,58 16 2,77 2 0,35 Rincão 1.763 100 350 19,85 1.101 62,45 235 13,33 77 4,37
Santa Delmira 2.776 100 1.052 37,90 1.353 48,74 278 10,01 93 3,35 Santo Antônio 3.957 100 1.961 49,56 1.633 41,27 189 4,78 174 4,40
Sem especificação 3.376 100 2.355 69,76 970 28,73 31 0,92 20 0,59 Fonte: IBGE.
Ao analisarmos esta tabela quanto aos bairros com menor rendimento,
podemos perceber os altos números relativos aos grupos de domicílios sem renda
até 1 salário e de 1 até 5 salários nos diversos bairros; se observarmos, por
exemplo, o Bairro Santo Antônio, identificaremos que ele apresenta percentual alto
em ambas os grupos, 49,56 % e 41,27%, respectivamente. Curiosamente, este
bairro, a despeito de estar nas proximidades do Centro, não se mostrou como
grande beneficiado nas políticas de implantação da infraestrutura de esgotamento
sanitário.
No caso específico do grupo sem rendimento até 1 salário, identificamos
altos índices nos diversos bairros, como Itapetinga, Dom Jaime Câmara, Dix Sept
Rosado, Bom Jesus, Barrocas e Alagados - todos com mais de 60% da população
63
nesse grupo. Em outros bairros, como Aeroporto, Alto de São Manuel, Belo
Horizonte, Bom Jardim, Ilha de Santa Luzia, Lagoa do Mato, Pintos, Redenção,
acima de 40% da população situam-se nesse grupo. Já em bairros como Abolição,
Santa Delmira e Alto do Sumaré 30% da população encontram-se nesse grupo de
rendimento.
64
Cartograma 3: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2000
65
Ademais, apenas 4.168 domicílios dispunham de renda entre a faixa
acima de 5 salários mínimos até 10 salários, conformando um percentual de 8%
entre essas faixas de renda. O caráter ainda mais segregador é visto nos números
relativos à alta renda na cidade, onde apenas 5,19% dos moradores tinham
rendimento acima de 10 salários mínimos, com destaque para bairros como Centro,
Nova Betânia e Presidente Costa e Silva. Curiosamente, esses últimos tiveram
prioridade na implantação nas redes de esgotamento durante a primeira década do
século XXI.
66
Cartograma 4: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2000
67
Em coadunação com o recém-exposto,em 17 de de maio de 2001 foi
publicada reportagem no jornal O Mossoroense segundo a qual a falta de
infraestrutura de esgotamento é um dos grandes problemas enfrentados pela
população pobre da cidade, principalmente pelas diversas doenças possíveis de ser
transmitidas em virtude da falta desse serviço.
Conforme a reportagem:
Isso tem sido percebido nos postos de saúde localizados em alguns bairros da cidade, onde o número de atendimento tem aumentado consideravelmente nos últimos dias, os casos mais notificados são: verminose, dengue, virose e outros. Segundo o bioquímico Getúlio de Freitas Vale, essas doenças são causadas devido à exposição de esgoto a céu aberto e acúmulo de lixo nas ruas.
Outro aspecto a ser enfatizado é a municipalização das políticas públicas
relativas ao espaço urbano na década de 1990 no qual sobressaiu a precariedade
das condições de moradia na cidade, chegando ao contingente de favelização,
considerado alto para uma cidade de porte médio.
De acordo com informações da secretária de Desenvolvimento Territorial
do município19, em 1997 havia 32 favelas reconhecidas pela prefeitura local. Eram
mais de 4 mil barracos e quase 23 mil pessoas vivendo nessas condições. Ainda
segundo informações da mesma secretária, entre 1997 e 2004 foram construídas
4.117 casas de alvenaria, atendendo 16.068 pessoas. Na tabela a seguir, podemos
observar as localidades onde as casas foram construídas e o número de
beneficiados pelos programas habitacionais.
19 Fonte: Revista da Prefeitura de Mossoró, 2004.
68
Tabela 8:Construção de casas de 1997 a 2004 pelos programas habitacionais
Item Favela Nº de casas construídas Nº de beneficiados
1 Estrada da Raiz 181 724 2 Lama 38 152 3 Techint 210 840 4 Abolição IV 315 1260 5 Carnaubal 120 480 6 Pantanal 65 260 7 Conj. Rosalândia 80 320 8 Iraque 62 248 9 Promorar 196 784 10 Santa Delmira 184 736 11 Santo Antônio 228 912 12 Sumaré 109 436 13 Velho 385 1540 14 Pintos 162 648 15 Negócio 58 232 16 Forno Velho 164 656 17 Bom Pastor 35 140 18 Freitas Nobre 28 112 19 Esam 128 512 20 Barreira Vermelha 28 112 21 Barrocas 68 272 22 Bom Jesus 122 488 23 Pedra Branca 52 208 24 Barrinha 64 256 25 Jucuri 180 720 26 Ouro Negro 52 208 27 Paredões 22 88 28 Santo Antônio 295 1180 29 Bairros Diversos 486 1544
Total 4117 16.068 Fonte: Revista da Prefeitura de Mossoró, 2004.
Levando em conta a argumentação ora exposta, percebemos a relevância
de discutir criticamente o que vem a ser a tão propalada erradicação das favelas em
Mossoró. Isto porque a prefeitura mostra a ideia de que esta passa apenas pela
troca das casas de plástico, papelão, barro e palha pelas famosas casas coloridas20,
ao mesmo tempo em que desvincula a provisão habitacional da provisão de redes
de infraestrutura, em uma total desvinculação dos processos de produção e
reprodução social. A seguir, algumas fotos ilustrativas das casas construídas pelos
programas habitacionais em contraponto à permanência de habitações precárias.
20 De acordo com a prefeitura, o Projeto Minha Casa (trabalhado em âmbito local) levou charme à periferia, por serem as casas pintadas com tintas coloridas.
69
Foto1:Erradicação da Favela da Rosa Foto 2:Permanência da Favela da Rosa 14/2/2008 14/2/2008 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Em corroboração ao recém-exposto, segundo alertou o jornal De Fato, um
dos periódicos diários de Mossoró, em reportagem publicada no dia 28 de outubro
de 2007, a situação continuava difícil nas favelas supostamente extintas. Em
entrevista com moradores do conjunto Nova Esperança, antiga Favela do Velho, o
jornal constatou que a vida dos moradores continua como antes, cercada de miséria,
lixo e, principalmente, violência.
Esse também é o caso da Favela do Santa Delmira, ou como é mais
conhecida, Favela do Fio. De acordo com informações obtidas junto à prefeitura,
essa favela já foi extinta, mas a mínima observação da paisagem mostra as
precárias condições dos moradores, pois convivem com doenças propiciadas pelos
esgotos a céu aberto, além da grande quantidade de lixo entulhado e casas
desprovidas das mínimas condições de sobrevivência a um ser humano.
Foto 3: Erradicação Favela do Fio Foto 4: Permanência Favela do Fio 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Seja como for, o primeiro quarto da década de 2000 apresenta uma
mudança no padrão de investimentos no espaço urbano. Como afirma Pinheiro
70
(2006), a criação do Ministério das Cidades em 2003 traz inúmeras alterações para
o planejamento urbano em Mossoró. Nessa ótica, sobressai como marco a primeira
conferência municipal da cidade no ano de 2003, que teve como pauta as
problemáticas urbanas, onde foram debatidos os programas urbanos em realização
pela prefeitura, como a política de habitação, saneamento e transporte público.
Destaca-se também o investimento da prefeitura municipal na imagem da cidade
como centro regional desenvolvido. Ainda segundo Pinheiro (2006):
Então, a partir de 2003, em relação aos programas urbanos destacam-se: a) as obras de infraestrutura, como iluminação, saneamento, e reforma viária na entrada da cidade; b) obras de embelezamento urbano, como praças, canteiros, urbanização das margens do rio, paisagismo e urbanização; c) investimentos em equipamento urbano de grande porte, como a construção do Teatro municipal Dix Huit Rosado, do ginásio poliesportivo Pedro Ciarline, da biblioteca municipal e do centro administrativo municipal; d) das obras de restauração de edifícios municipais que tem valor histórico, como palácio da resistência, o museu municipal, e o edifício que abriga a secretaria de tributação. (PINHEIRO, 2006, p. 154).
No entanto, de acordo com Elias e Pequeno (2010, p. 255), a elaboração
do plano diretor municipal em 2006, em consonância com os princípios da Lei
Federal n0 10.257/2001 – Estatuto da cidade, não tem como norte alterar o cenário
da política urbana na cidade, pois: “leva – nos a perceber um cenário em que as
desigualdades até aqui identificadas tendem a remanescer.” 21
A despeito de um novo ciclo de investimentos no espaço da cidade,
podemos elencar algumas das infraestruturas viabilizadas com base em incentivos
criados pela prefeitura e pelo governo do Estado e governo federal22, tais como o
distrito industrial, onde a prefeitura em 2004 investiu R$ 900 mil para construir o
gasoduto na extensão da BR-304, atendendo a toda a área do distrito industrial
enquanto o governo do Estado, através da CAERN, investiu R$ 744 mil para
construir a adutora que vai abastecer o distrito. Como na área já havia infraestrutura
21 Nas palavras dos autores: “Analisando segundo a presença de novos instrumentos de gestão do solo urbano e considerando a realidade sócio-habitacional diagnosticada através de trabalhos de campo, observa-se que as áreas consideradas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) inclusas no plano diretor se situam, majoritariamente, nas franjas periféricas da cidade, ao norte, a noroeste, a sudoeste e ao sul, onde o quadro de exclusão é a regra. Os instrumentos voltados para o combate à especulação imobiliária, disponibilizados nessa lei e adotados no plano diretor municipal vigente, tem sua eficácia comprometida, em função de sua utilização restrita ao centro e aos bairros limítrofes onde os vazios são de pequeno porte e em reduzida quantidade.” (ELIAS; PEQUENO, 2010, p. 255) . 22 Informações obtidas nas revistas da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007.
71
de energia elétrica e telefonia, iniciaram-se as negociações para atração de
empresas.
Outra forte intervenção estatal se deu na viabilização da instalação do
Mossoró West Shopping. Nesse caso, a prefeitura doou um terreno de 80 mil metros
quadrados na área mais cara da cidade, além de viabilizar o prolongamento da
Avenida João da Escócia em 1440m, com um investimento R$ 1.305 830,48. Em
ambos os processos, também podemos enfatizar a isenção fiscal das empresas que
se instalarem no distrito industrial, bem como para o próprio shopping.
Uma das últimas obras de infraestrutura realizadas pela prefeitura na
cidade foi a ampliação da Avenida Rio Branco, que vai desde o Centro até as
mediações do Distrito Industrial na BR – 304, um prolongamento de 2.100m com
investimento R$ 4.29.053,73. A Avenida Abel Coelho também passou por uma
expansão, ligando os Bairros Abolição 1, 2 e 3 em seus conjuntos habitacionais,
com uma extensão de 3.480 metros e um investimento de R$ 2,9 milhões.
No caso da Avenida Presidente Dutra, sua obra de duplicação ocorreu em
2005, com investimentos do governo estadual. De acordo com informações contidas
no site do governo do Estado23, a obra custou R$ 3,6 milhões. O trecho tem uma
extensão de 1.760 metros e fica situado no perímetro urbano, embora faça parte da
BR-304.
Outras vias duplicadas no ano de 2005 foram as Avenidas Felipe
Camarão e Lauro Monte, ambas de grande importância para a conexão da BR - 304
com o Centro da cidade. A primeira recebeu um investimento de R$ 1.451,012,90
com uma extensão de 1.440 metros. Já a segunda teve um investimento de 1,2
milhão para uma extensão de 1.280 metros24.
Em entrevista concedida em 15/8/2008, o gerente urbanístico afirmou que
a prefeitura está conseguindo perceber os espaços a serem preenchidos antes dos
investimentos, e isso gera uma vantagem em relação às outras cidades, as quais,
primeiro, esperam a ocupação do espaço para depois obter uma intervenção estatal.
Um grande projeto para o crescimento do ambiente construído da cidade
é o complexo viário da abolição. Esse projeto prevê duplicação da BR-304, desde as
proximidades do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), saída para Natal, até a
23 http://www.rn.gov.br/ 24 Informações obtidas nas revistas da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007.
72
entrada que dá acesso ao Bairro Redenção. Isto corresponde a um trecho de 17
quilômetros. Além da duplicação da via, o Complexo Viário da Abolição prevê a
construção de cinco viadutos. Entre estes, um no trevo na saída para Natal, um no
trevo na saída para Apodi, um na Rua João da Escóssia, um na Avenida Abel
Coelho e um no prolongamento da Rio Branco. Está previsto também a construção
de uma ponte, paralela à já existente sobre o rio Mossoró. A obra orçada em R$ 70
milhões será executada pelo governo do Estado com recursos provenientes do
Programa de Aceleração do Crescimento.
Consoante informações do jornal O Mossoroense do dia 14/1/2010, as
obras haviam iniciado: “Os serviços de terraplenagem começaram no início desta
semana. [...] Giovanni Maciel enfatiza que a duração do contrato para a
concretização do Complexo Viário é de 18 meses e a empresa irá fazer o possível
para concluir a obra no prazo.”
Outra grande obra de construção de infraestrutura para a cidade foi o
projeto de revitalização da antiga estação ferroviária de Mossoró iniciada em 2004,
com a construção da estação das artes Elizeu Ventania, com investimentos da
prefeitura e Petrobras em torno de R$ 280 mil. Vale salientar que além do prédio da
estação, existe uma área de 15 mil metros quadrados que está sendo aproveitada
para realização de eventos, como Mossoró cidade junina, alto da liberdade, Ficro
etc.
Essa obra de revitalização culminou no projeto Corredor cultural da
Avenida Rio Branco, em que foi construído todo um complexo de equipamentos
culturais, como a Praça da Criança, a Praça da Convivência, a Praça de Esporte, a
Praça de Eventos, o Memorial da Resistência.
Quadro 1: Infraestruturas do corredor cultural Avenida Rio Branco
Nome Investimento Área em m2 Estação das artes Elizeu Ventania R$ 280 mil 15.000 m2 Teatro Municipal Dix Huit Rosado R$ 6milhões 2.570m2 Praça da Criança R$ 2,5 milhões 4.730m2 Praça da Convivência R$ 1,4 milhão 6.628 m2 Praça de Esporte R$ 1,25 milhão 7.717m2 Praça de Eventos R$ 634 mil 4.963 m2 Memorial da Resistência R$ 2,5 milhões 10.000 m2 Fontes: Revista da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007. http://www.prefeiturademossoro.com.br/ acessado em 26/12/2009.
73
Na mesma área, em agosto de 2004 já havia sido inaugurado o Teatro
Municipal Dix Huit Rosado, com investimento de R$ 6 milhões, dos quais 59% de
recursos da prefeitura e 41% de recursos da Petrobras.
Em meio a todo esse processo, como afirmou a secretária de
Desenvolvimento Territorial do município25, o objetivo de todas essas obras foi
a“consolidação de Mossoró como uma cidade voltada ao turismo de eventos”.
Assim, podemos observar a lógica estatal de investimentos em
infraestruturas para dotar a cidade de conteúdos globais, quer seja no âmbito
industrial, quer seja no âmbito de serviços turísticos, mas ambos atendendo à lógica
econômica.
Tais articulações econômicas e políticas interferiram no espaço da cidade
de maneira decisiva. Esse processo de revitalização no espaço central de Mossoró,
com a construção de inúmeras infraestruturas, culminou com uma valorização do
espaço, na medida em que o mercado imobiliário passou a intervir de maneira
incisiva nos arredores da Avenida Rio Branco; houve destacada procura daquele
espaço para a construção de restaurantes e bares, enquanto a população que mora
naquelas imediações enfrenta profunda dificuldade de se manter.
A instalação do Mossoró West Shooping nas proximidades da BR-304
também interferiu intensamente na dinâmica do espaço local. Atualmente Mossoró
se reorganiza de forma bem acentuada em direção ao Bairro Nova Betânia com a
instalação do Mossoró West Shopping e de alguns condomínios fechados.26
Assim, uma nova centralidade se desenvolve ali, o Bairro Nova Betânia,
onde é visível a proliferação de condomínios fechados de luxo bem como de
equipamentos comerciais, em especial com o Mossoró West Shopping. Neste
mesmo bairro também se situam uma grande universidade particular do Estado, a
Universidade Potiguar (UNP), além de hipermercados de procedência internacional,
como o Hiper Bompreço, filiado à rede Walmart, e a rede Atacadão, filiada ao
Carrefour .
De todo modo, esse contexto caracteriza o terceiro momento de
implantação do SES-Mossoró, no qual os municípios tiveram a possibilidade de
25 Revista Mossoró 2007, p.34. 26 O grupo Alphaville Urbanismo S/A, de São Paulo, investiu R$ 33 milhões na construção de um condomínio de 537 lotes no Bairro Nova Betânia, ao lado do Mossoró West Shopping, em terreno permutado com o espólio do ex-governador Tarcísio Maia. O projeto de construção foi apresentado à prefeitura de Mossoró no ano de 2008. Informações obtidas em http://www.prefeiturademossoro.com.br/2008/08052008_03.php. Acesso em 8 de maio de 2008. Em sua inauguração, no início de 2009, todos os lotes foram vendidos no primeiro dia.
74
envio de projetos em busca de verbas para implantação do sistema de esgotamento
sanitário a partir do ano de 2003, com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), sob
incentivo do recém-criado Ministério das Cidades.
Na primeira etapa, de acordo com informações da revista da prefeitura de
Mossoró (2004), ocorreu a implantação do sistema de esgotamento na Bacia 3,
compreendendo parte do Bairro Barrocas, parte do Boa Vista, parte do Bom Jardim,
parte do Santo Antônio, Abolição 1 e 2 e parte do Nova Betânia.
Na segunda etapa do terceiro momento de implantação da SES-Mossoró,
seguiu-se a tendência de articulação com o governo federal, mediante verbas
provenientes do Ministério das Cidades, entre os anos de 2004 e 2008, na transição
entre o fim do mandato de prefeita Rosalba Ciarline e no primeiro mandato da
prefeita Fafá Rosado.
Como ambas são do mesmo agrupamento político, a equipe técnica não
sofreu mudanças. Assim, em sua primeira etapa, as obras ocorreram na Bacia 5,
que compreende apenas o Bairro Nova Betânia; Bacia 6, com parte do Bairro
Aeroporto, parte do Nova Betânia, parte do Boa Vista, parte do Doze Anos, parte do
Alto da Conceição, parte do Bairro Lagoa do Mato e o restante do Centro.
Na terceira etapa, relativa ao terceiro momento de implantação da SES-
Mossoró, entre os anos de 2008 e 2011, temos obras da prefeitura municipal e do
governo estadual, através da CAERN, ambas com recursos federais.
As obras ora citadas, realizadas sob coordenação da prefeitura municipal,
até o mês de outubro de 2011, data de nosso último trabalho de campo, estavam
paralisadas. No caso da Bacia 7, que compreende os Bairros Belo Horizonte,
Carnaubais, parte do Alto da Conceição, as obras pararam na metade, deixando
buracos abertos nas ruas e até no interior das casas, gerando inúmeras
reclamações por parte dos moradores. Já na Bacia 1, que compreende os Bairros
Abolição 3 e 4, as obras não foram iniciadas, apesar de placas afixadas no local
sobre o assunto.
No caso das obras gerenciadas pela CAERN, estão em curso na Bacia 9,
da qual fazem parte os Bairros Alto de São Manuel, Liberdade, Sumaré e Costa e
Silva. A seguir, apresentamos o quadro e o cartograma com o histórico de
implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário, construídos com base em
entrevistas com representantes de órgãos responsáveis, bem como em outros
75
trabalhos dissertativos sobre a cidade, além das informações coletadas nas revistas
da prefeitura.
Quadro 2: Histórico de implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário (1975 – 2011)
PRIMEIRO MOMENTO IMPLANTAÇÃO
INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO (1975 –
1982)
SEGUNDO MOMENTO
IMPLANTAÇÃO INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO
– (1990 - 1994)
TERCEIRO MOMENTO IMPLANTAÇÃO INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO (2000 – 2011)
1a ETAPA - 1975 -
Recurso Planasa/
BNH
2a ETAPA - 1982 -
Recurso Planasa/BNH
Conjuntos Cohab e Inoocop implantados a partir do decreto
da prefeitura 502/90 - (1990)
1a ETAPA - Obras
municipais com recursos
federais – FGTS/SBPE –
2003 - 2004
2a ETAPA - Obras
municipais com
recursos federais – Ministério
das Cidades - 2004 -
2008
3a ETAPA – Obras municipal/estadual com
recursos federais - Ministério das Cidades –
2008- 2011
Municipal/ governo Fafá – Obras paradas
Estadual/ governo Rosalba/ CAERN – Obras em andamento
Bacia 4: Parte do Centro; parte
Barrocas; parte
Paredões
Bacia 3: Parte Centro; parte Nova
Betânia; parte Doze anos; parte Santo
Antônio
Bacia 1: Conj. Santa Delmira; Bacia 13: Conj. Nova Vida
(Dom Jaime Câmara); Bacia 3:
Conj. José Agripino (Santo Antônio);
Bacia 9: Conjunto Inoocop (Alto de São Manuel); Bacia 15:
Conj. Vinght Rosado
Bacia 3: Barrocas,
Bom Jardim, Santo
Antônio, Abolição 1 e 2
e Nova Betânia
Bacia 5: Nova
Betânia; Bacia 6:
Aeroporto, Nova
Betânia, Boa Vista, Doze Anos, Alto
da Conceição, Lagoa do Mato e o
restante do Centro
Bacia 1: Abolição 3 e 4; Bacia 7: Belo Horizonte, Carnaubais, parte Alto da Conceição
Bacia 9: Alto de São Manuel, Liberdade, Sumaré, Costa e Silva
Fonte: Entrevista com Ronaldo Bessa, engenheiro da CAERN – 28/10/2011; Entrevista Yure Pinto, secretário de Desenvolvimento Territorial – 17/2/2011; Pinheiro (2006); Felipe (1982); Revista Prefeitura Municipal de Mossoró 2004, 2005, 2006 e 2007.
76
Cartograma 5: Histórico da implantação esgotamento por bacia - Mossoró/RN
77
Assim, pois, se observarmos as tabelas e o cartograma relativos ao
acesso à rede geral de esgoto por bairros, bem como seu percentual para 2010,
podemos detectar que mesmo após inúmeras obras executadas durante a primeira
década do século XXI, apenas 39,73 % dos domicílios têm acesso à rede geral de
esgoto, portanto, 29.147 domicílios com este serviço, entre os 73.365 no total.
Tabela 9:Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros –Mossoró, Rio Grande do Norte. 2010
Município e bairros (1)
Rede geral de esgoto ou pluvial
% Rede geral de
esgoto ou pluvial
Fossa séptica
%Fossa séptica
Outro %Outro
Mossoró 29.147 39,73 18.466 25,17 25.196 34,34 Abolição 2.359 33,75 1.242 17,77 3.379 48,35 Aeroporto 778 15,17 2.570 50,11 1.761 34,33 Alagados 1 2,27 - - 43 97,73
Alto da Conceição 1.134 72,23 317 20,19 116 7,39 Alto de São Manoel 908 17,68 2.027 39,46 2.189 42,61
Alto do Sumaré 11 0,57 1.420 74,15 477 24,91 Barrocas 2.440 43,76 668 11,98 2.355 42,23
Belo Horizonte 181 7,72 1.094 46,65 1.065 45,42 Boa Vista 1.753 88,89 155 7,86 63 3,19
Bom Jardim 2965 95,31 50 1,61 90 2,89 Bom Jesus 148 42,29 36 10,29 162 46,29
Centro 717 97,95 8 1,09 7 0,96 Dix Sept Rosado 22 4,59 307 64,09 148 30,90
Dom Jaime Câmara 754 23,92 320 10,15 2.058 65,29 Doze Anos 1.271 89,01 72 5,04 85 5,95
Ilha de Santa Luzia 679 77,07 46 5,22 150 17,03 Itapetinga 1 1,11 1 1,11 86 95,56
Lagoa do Mato 1.266 32,16 1.339 34,01 1.320 33,53 Nova Betânia 2.134 80,86 126 4,77 375 14,21
Paredões 1.805 78,07 412 17,82 93 4,02 Pintos 19 2,54 360 48,13 363 48,53
Planalto Treze de Maio 119 4,82 1.215 49,17 1.135 45,93 Presidente Costa e Silva 92 6,81 1.117 82,68 136 10,07
Redenção 72 8,65 217 26,08 541 65,02 Rincão 2.221 76,74 482 16,66 183 6,32
Santa Delmira 1.739 46,20 488 12,96 1.498 39,80 Santo Antônio 2.882 53,51 754 14,00 1.732 32,16
Fonte: IBGE.
Todavia, se nos detivermos no caso do Bairro Nova Betânia, que passou
de um percentual de acesso no ano de 2000 de 1,25%, para 80,86% em 2010,
vamos detectar os interesses de classe envolvidos na dotação de infraestruturas no
interior do espaço urbano mediante orientação de políticas públicas para a
78
valorização do espaço, demonstrando um clima propício para ascensão do mercado
imobiliário.
Outros bairros de interesse para o mercado imobiliário são o Presidente
Costa e Silva e o Alto do Sumaré, onde o percentual de acesso à rede geral de
esgotamento é de apenas 6,81% e 0,57%, respectivamente, no ano de 2010. Neles,
as obras de dotação de tal infraestrutura por parte da CAERN se apresentam como
uma realidade.
Ademais, bairros como Alto da Conceição, Boa Vista, Bom Jardim,
Centro, Doze Anos, Paredões, Rincão e Ilha de Santa Luzia, todos nas imediações
do Centro, também apresentaram altos índices de acesso, acima de 70%, com
destaque para o último, que passou de 4,22% de acesso em 2000 para 77,07% em
2010. Tal avanço advém da conclusão da primeira etapa das obras da CAERN no
Alto de São Manuel.
79
Cartograma 6: Percentual de domicílios com captação de esgotos por rede geral. 2010
80
Ao analisarmos o número de domicílios e seu percentual por grupo de
rendimento mensal em 2010, segundo município e bairros, bem como seu
cartograma, identificamos a persistência das desigualdades de renda. Se
observamos os grupos sem renda até 1 salário, conforme veremos, 23,06% da
população da cidade se encontram nessa faixa de renda27. Em relação à faixa de
renda entre 1 e 5 salários, nela se inserem 59,52% da população enquanto 11,53%
estão na faixa entre 5 e 10 salários.
Ao mesmo tempo, se observarmos apenas o grupo acima de 10 salários
mínimos, ou seja, a de alta renda, a concentração de renda se faz maior, pois
apenas 5,86% dos domicílios integram essa faixa. Destacam-se bairros como Nova
Betânia, Doze Anos, Presidente Costa e Silva e Centro.
27 Em 2010 o salário mínimo era de R$ 510,00.
81
Tabela 10:Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2010
Município e bairros Total
domicílios % total
domicílios
Sem renda até 1
salário
% sem renda até 1
salário 1 a 5
salários
% de 1 a 5
salários 5 a 10 salários
% de 5 a 10
salários
10 a mais 20 salários
% de 10 a
mais 20 salários
Mossoró 73.365 100
16.918 23,06
43.670 59,52 8.458 11,53 4.299 5,86 Abolição 6.989 100 1.033 14,78 4.138 59,21 1.267 18,13 551 7,88 Aeroporto 5.129 100 1.132 22,07 3.337 65,06 470 9,16 189 3,68 Alagados 44 100 19 43,18 23 52,27 - 0,00 2 4,55
Alto da Conceição 1.570 100 323 20,57 906 57,71 245 15,61 96 6,11 Alto de São Manoel 5.137 100 944 18,38 2.898 56,41 860 16,74 433 8,43
Alto do Sumaré 1.915 100 326 17,02 1.323 69,09 197 10,29 69 3,60 Barrocas 5.576 100 1.755 31,47 3.552 63,70 241 4,32 28 0,50
Belo Horizonte 2.345 100 538 22,94 1.577 67,25 191 8,14 39 1,66 Boa Vista 1.972 100 296 15,01 1.232 62,47 360 18,26 84 4,26
Bom Jardim 3.111 100 574 18,45 2.012 64,67 393 12,63 132 4,24 Bom Jesus 350 100 139 39,71 203 58,00 5 1,43 3 0,86
Centro 732 100 52 7,10 287 39,21 180 24,59 213 29,10 Dix Sept Rosado 479 100 232 48,43 216 45,09 18 3,76 13 2,71
Dom Jaime Câmara 3.152 100 915 29,03 2.000 63,45 176 5,58 61 1,94 Doze Anos 1.428 100 128 8,96 729 51,05 335 23,46 236 16,53
Ilha de Santa Luzia 881 100 154 17,48 539 61,18 131 14,87 57 6,47
Itapetinga 90 100 23 25,56 64 71,11 2 2,22 - 0,00 Lagoa do Mato 3.937 100 1.076 27,33 2.575 65,41 240 6,10 46 1,17 Nova Betânia 2.639 100 221 8,37 974 36,91 589 22,32 855 32,40
Paredões 2.312 100 346 14,97 1.415 61,20 396 17,13 155 6,70 Pintos 748 100 185 24,73 455 60,83 77 10,29 31 4,14
Planalto Treze de Maio 2.471 100 382 15,46 1.633 66,09 348 14,08 107 4,33
Presidente Costa e Silva 1.351 100 291 21,54 591 43,75 199 14,73 254 18,80
Redenção 832 100 183 22,00 596 71,63 45 5,41 - 0,00 Rincão 2.894 100 451 15,58 1.819 62,85 473 16,34 151 5,22
Santa Delmira 3.764 100 894 23,75 2.293 60,92 449 11,93 128 3,40 Santo Antônio 5.386 100 1.556 28,89 3.029 56,24 458 8,50 343 6,37
Fonte: IBGE.
A seguir, algumas fotos representativas das formas de moradia em bairros
com concentração dos grupos de alta renda na cidade.
82
Foto 5: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 6: Prédio residencial - Centro 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Foto 7: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 8:Prédios residenciais - Nova Betânia 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Foto 9: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 10: Prédios residenciais - Nova Betânia 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
83
No tocante aos grupos de baixo rendimento, como as identificadas no
cartograma a seguir, visualizamos que os Bairros Santo Antônio, Alto da Conceição,
Barrocas, Belo Horizonte, Dom Jaime Câmara, Itapetinga, Lagoa do Mato, Pintos,
Presidente Costa e Silva, Redenção, Santa Delmira, Aeroporto se encontravam com
20% da população nos grupos sem rendimento até 1 salário. Já nos bairros como
Alagados, Bom Jesus e Dix Sept Rosado, aproximadamente 40% da população
estavam no mencionado grupo de rendimento.
84
Cartograma 7: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2010
85
Cartograma 8: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2010
86
Cabe, também, destacar que a maioria da cidade detinha baixos índices
de rendimento e não possuía acesso à rede geral de esgotos. Como mostra
reportagem do jornal O Mossoroense do dia 27/3/2010, os moradores do Bairro
Quixabeirinha reclamavam da falta de esgotamento sanitário neste local.
De acordo com a reportagem, um residente estava indignado diante da
ausência de um esgotamento sanitário adequado, pois a deficiência estrutural
estava provocando o surgimento de doenças. "Já perdi a esperança, a única solução
que vejo é economizar e pagar do meu bolso a pavimentação do trecho em frente à
minha residência", desabafa o morador” 28.
Nesse contexto, fica evidente que as desigualdades socioespaciais são
uma realidade na cidade, pois mesmo com a modernização da economia, não se
vislumbra diminuição dos índices de pobreza, visíveis nos casos de doenças
relacionadas à falta de infraestruturas sociais.
Com isso, após toda a caracterização histórica do processo de
implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário em conjunto com a
exposição das contradições da urbanização de Mossoró, temos grande material
tanto para reflexão como para o início de novas descobertas.
Da nossa parte, conforme acreditamos, os elementos apresentados pela
pesquisa até então contribuem com a possibilidade de entendimento das
contradições entre o processo de urbanização e expansão das desigualdades
socioespaciais na cidade de Mossoró como uma equivalência nos termos. Sendo
assim, podemos arriscar afirmar que o sentido da urbanização na cidade de
Mossoró, no período em estudo, é a expansão das desigualdades socioespaciais.
De todo modo, os fundamentos da contradição ainda não estão
explicitados, os interesses dos agentes envolvidos na produção do espaço não
28 Em 10 de abril de 2011 foi publicada outra reportagem pelo jornal O Mossoroense sobre a deficiência estrutural de infraestrutura urbana na cidade. Segundo a reportagem, “moradores do Alto da Pelonha estão revoltados com a infraestrutura do bairro. Alegam que, há quase cinco anos, pleiteiam construção de estradas e melhora na situação de esgotamento - além de melhorias estruturais em geral - sem receber resposta concreta do Executivo municipal. E pior: denunciam que obras malfeitas vêm piorando a situação com o passar do tempo.” O jornal entrevistou a costureira Maria de Fátima Xaxá, que afirmou que: "Quando a gente chegou aqui, há mais ou menos sete anos, a rua ainda era feita de areia e barro, mas era um barro fofo, que absorvia a lama. Há uns anos, passaram um trator aqui, para prensar a terra - foi aí que a situação piorou. Porque o esgotamento aqui é escoado na calçada e, com o barro prensado, poços de lama ficam se acumulando pelas ruas. Por isso, aumentou a quantidade de doenças, de mosquito, de moscas".
87
estão desnudados, as relações/articulações entre economia e política ainda não
foram escancaradas.
Ao darmos continuidade ao trabalho, faz-se mister expor algumas
questões norteadoras aptas a problematizar a discussão posta até então. É possível
afirmar que os interesses econômicos e políticos têm maior poder que os interesses
sociais no tocante à implantação do sistema de esgotamento sanitário? Quais tipos
de relações econômicas, políticas e sociais são tecidas no âmbito da provisão da
infraestrutura de esgotamento?
Tais observações aprofundam a urgência de pesquisas sobre as
desigualdades socioespaciais que identifiquem o fundamento econômico político da
dominação no processo de produção do espaço. Nesse sentido, consoante
argumenta Sposito (2011), contemporaneamente há uma tendência ideológica de
escamotear as desigualdades no plano econômico, político e social como diferença,
minimizando o potencial científico das pesquisas, pois se adotam critérios e
parâmetros para ler as diferenças considerados adequados apenas para ler as
desigualdades.
A autora destaca o problema das pesquisas que criam índices para
averiguar os graus maiores ou menores de inclusão, e/ou acesso à qualidade de
vida, aos bens e serviços necessários à vida, deixando de lado a busca pelo
entendimento das determinações da desigualdade. Em suas palavras:
Todo problema, no entanto, decorre de que se esses instrumentos de mensuração e suas variáveis se tornam, para alguns, centrais para ler o mundo e, por meio dessa leitura, tentar desvendá-lo. Quando isso acontece, é provável que a profundidade da compreensão esteja comprometida, porque não se entra no mérito das determinações das desigualdades, mas apenas em sua composição (variáveis), sua quantificação (medida e peso na formulação dos índices) e, quando muito, nas formas de ação para relativizar essas desigualdades. (SPOSITO, 2011, p. 129).
Diante desta argumentação no referente às desigualdades
socioespaciais, acreditamos ser de fundamental importância avançar na
compreensão de suas causas e conteúdos, aproveitando as possibilidades e
novidades advindas da pesquisa empírica, mas avançando em sua compreensão
teórica e científica.
Nesse sentido, a nosso ver, a desigualdade socioespacial é inerente ao
processo de produção do espaço sob o regime capitalista e, com isso, entendemos
88
ser preciso explorar os fundamentos de tal desigualdade em sua relação com uma
economia política de ordens próximas e distantes, as quais têm interferido de
maneira decisiva na produção do espaço da cidade. Este caminho tentaremos trilhar
na sequência do trabalho.
89
3 DA CRÍTICA DO CONSUMO À CRÍTICA DA PRODUÇÃO: SOBR E ESTADO E ECONOMIA NA PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS
As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-
se ao feiticeiro que já não pode controlar as potencias internas que pôs em movimento com suas palavras mágicas.
Karl Marx
Após a descrição do panorama de expansão das desigualdades
socioespaciais concatenado com o entendimento do processo de urbanização em
Mossoró, fica claro que a cidade apresenta as marcas da divisão de classe, a qual,
apesar de estar inserida em uma conjuntura favorável para o crescimento
econômico, não se traduz em distribuição e/ou acesso para as camadas mais
pobres.
Nesse sentido, com o desenvolvimento da discussão a seguir,
pretendemos explicitar as relações de ordem distante em que a cidade se encontra
submetida, contextualizando os conteúdos da economia política como prática na
produção do espaço urbano da cidade, perscrutando os fundamentos capitalistas no
processo de urbanização de Mossoró.
A este respeito, lançamos mão da crítica da teoria dos meios de consumo
coletivo. Esta, em sua tentativa de explicitar as características das desigualdades
socioespaciais mediante ampla descrição acerca do acesso desigual à cidade, não
traz os elementos para a compreensão do fundamento da produção desigual das
cidades contemporâneas.
Com isso, organizamos o capítulo no intuito de acrescentar mais
elementos passíveis de embasar a argumentação em torno das relações capitalistas
na produção do espaço urbano, constituindo uma crítica à economia política do
espaço em sua forma prática e teórica. Assim, reafirmamos a dimensão social como
prática e não apenas como receptáculo da estrutura capitalista.
Trouxemos o exemplo dos programas de estruturação urbana no âmbito
do BNH e PAC, que embora em temporalidades e processos diferenciados,
90
possuem semelhança no concernente à tentativa de recuperação da economia
nacional em face das crises do capitalismo em nível mundial.
3.1 Economia política do espaço como ciência e como prática: uma crítica
Desde pelo menos a década de 1980, a geografia brasileira, ao lidar com
a questão das infraestruturas urbanas e a produção material da cidade, tem se
apoiado no legado herdado da sociologia no tocante ao estudo dos meios de
consumo coletivo. Um dos ícones na formulação de tal teoria foi Castells (1975),
para quem a cidade constitui lócus privilegiado de reprodução da força de trabalho.
Seu entendimento a reduz a um grande objeto detentor de infraestruturas para
consumo do homem, propiciando um salário indireto.
O desafio proposto por Castells era estabelecer um marco epistemológico
para delimitar o que são os problemas urbanos, dada a quase inexistência de textos
de Marx sobre a problemática29. Ao refletir sobre a teoria proposta em “A questão
urbana”, Arantes (2009) assim se pronuncia:
Nesse caso, o conflito central não é mais entre capital e trabalho, mas entre trabalhadores (em sua ação coletiva) e o Estado (em sua ideologia planificadora), na definição do patamar de reprodução social da força de trabalho, ou, noutros termos, do nível de “salário indireto” promovido pelos serviços públicos. (ARANTES, 2009, p. 7).
Tendo como premissa o conflito ora citado, Castells sugere o estudo da
cidade como espaço de consumo e de luta social por fundos públicos, em termos de
políticas públicas que garantam a sobrevivência dos trabalhadores em níveis
adequados, abrindo caminho para os movimentos sociais urbanos. Vale ressaltar a
perspectiva reduzida na qual os movimentos sociais urbanos são identificados,
tendo a possibilidade de expansão do consumo coletivo para todos como sinônimo
de apropriação do urbano.
Em nossa pesquisa, por exemplo, identificamos as lutas sociais em
Mossoró na década de 1980 pelo acesso à água como momento de forte
mobilização dos movimentos de bairro, chegando ao contexto atual com a
universalização da infraestrutura de água encanada para a cidade. No entanto,
conforme defendemos, tanto o acesso à água encanada como a possibilidade de
29 Tais estudos são conhecidos no âmbito do marxismo desde a publicação da obra de Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”.
91
universalização da infraestrutura de esgotamento não cessam os conflitos
socioespaciais, pois o acesso aos bens de consumo coletivo não necessariamente
toca no cerne da problemática social.
De todo modo, ressaltamos a autocrítica tecida pelo autor no posfácio ao
livro “A questão urbana”, que diz respeito ao reducionismo da definição de cidade
como unidade de reprodução coletiva da força de trabalho. Em suas palavras: “Uma
precisão: uma cidade concreta (ou uma aglomeração, ou unidade espacial dada),
não é somente uma unidade de consumo. Ela é, naturalmente, composta de uma
grande diversidade de práticas e funções.” (CASTELLS, 1975, p. 551).
Ao aprofundar a argumentação, ele afirma a necessidade de diferenciar
dois grandes tipos de reprodução da força de trabalho! O consumo coletivo e o
consumo individual. Então ele se indaga:
Qual dos dois estrutura o espaço? Em torno de quais processos estão articulados na prática; conseqüentemente, aquele que dominará o conjunto do processo estruturará o outro na sua lógica. Ora, a organização de um processo será tanto mais concentrada e centralizada, e, portanto estruturante, na medida em que o grau de socialização objetiva do processo é avançado, a concentração de meios de consumo e sua interdependência são maiores, a unidade de gestão do processo é mais forte. É ao nível do consumo coletivo que estes traços são mais evidentes, e é, portanto, em torno destes processos que o conjunto do consumo e reprodução da força de trabalho-reprodução das relações de trabalho se estrutura. (CASTELLS, 1975, p. 557).
Mesmo em sua autocrítica, fica evidente a busca pela explicitação do
elemento estruturante do espaço, mas devemos observar pequenos avanços desde
a escrita do livro até o seu posfácio, na medida em que percebe que os meios de
consumo coletivo no contexto de Estado de bem-estar social europeu seria produto
tanto do Estado interventor no inerente às questões sociais, quanto da economia e
de suas necessidades no âmbito da sociedade capitalista30.
Na nossa ótica, a construção intelectual ora citada tem sua importância,
principalmente quando tenciona a crítica ao predomínio das políticas públicas de
caráter econômico (consumo produtivo) em detrimento do social (consumo coletivo).
No entanto, encaminhando a crítica de Maricato (2009), tais análises ao se
30 Em contraponto à teoria desenvolvida por Castells, Lefebvre em seu livro “Direito à cidade”, apresenta esse direito entre os direitos, como a possibilidade de vivenciar a cidade enquanto uso de forma generalizada. Segundo Lefebvre (2004,p.136): “A redução do urbano à moradia e aos equipamentos faz parte das estreitezas da vida política, que se tornou sufocante, tanto à direita como à esquerda.” Retornaremos a essa discussão no quarto capítulo do trabalho, quando trataremos dos movimentos de bairro.
92
prenderem na dimensão do consumo do espaço urbano, enfatizando o déficit, a
carência, a má qualidade, as formas de disposição dos domicílios no espaço, ou o
acesso às infraestruturas urbanas e à melhoria nas condições de reprodução da
força de trabalho, pouco avançam além da descrição das desigualdades e/ou
acesso à cidade. Portanto, não compreendem o momento da produção material da
cidade.
Na linha de argumentação sobre a produção material das cidades, a
conceituação de Harvey (1982) traz avanços, pois compreende que a cidade ou o
ambiente construído inclui a totalidade das infraestruturas31 físicas e sociais como
casas, ruas, fábricas, escritórios, sistemas de esgoto, parques, equipamentos
culturais, educacionais e de saúde. Como admite Harvey (1982), o ambiente
construído pode ser conceitualmente dividido em infraestruturas físicas e sociais32,
ou:
Elementos de capital fixo a serem utilizados na produção (fábricas, rodovias, ferrovias etc.) e em elementos de um fundo de consumo a serem utilizados no consumo (casas, ruas, parques, passeios etc.) alguns elementos, tais como ruas e os sistemas de esgotos, podem funcionar quer como capital fixo, quer como parte do fundo de consumo, dependendo do seu uso. (HARVEY, 1982, p.7).
Em outra publicação, Harvey (1990) empreende uma discussão mais
profunda sobre o ambiente construído, onde os elementos de capital fixo e o fundo
de consumo são vistos como fundamentais ao processo de reestruturação capitalista
em tempos de crise, mediante discussão da formação de um circuito secundário de
acumulação de capital 33.
Sobre o desenvolvimento de sua definição de ambiente construído,
Harvey (1990, p. 238) diz mais: “La concepción de um ambiente construído que
31 Januzzi (2001) traz uma explicitação da diferenciação entre infraestrutura urbana e serviços urbanos, tendo as questões de acesso a rede de água tratada, disponibilidade de esgotamento sanitário, disponibilidade de coleta de lixo, acesso a rede elétrica e disponibilidade de ruas pavimentadas e calçadas como infraestrutura urbana, ao passo que as escolas e saúde pública dizem respeito aos serviços urbanos. Interessante observar a diferenciação entre o serviço de educeação e/ou saú oferecido e o prédio da escola e/ou hospital/posto de saúde, que ainda seria uma infraestrutura para Harvey (1982). Refletindo em torno das pesquisas científicas sobre a temática supracitada e a necessidade de uma melhor apreensão das contradições, Januzzi (2001, p. 110) afirma que: “À medida que o acesso as infraestruturas urbana se universaliza, a questão do nível de oferta e qualidade dos serviços passa a ser tema de investigação permanente.” 32 Observemos a aproximação do pensamento de Harvey e Santos no referente às infra-estruturas (Harvey) e os fixos (Santos). Para (Santos, 2007, p.142): “Os fixos são econômicos, sociais, culturais, religiosos etc. Eles são, entre outros, pontos de serviço, pontos produtivos, casas de negócio, hospitais, casas de saúde, ambulatórios, escolas, estádios, piscinas e outros lugares de lazer. Mas se queremos entender a cidade não apenas como um grande objeto, mas como um modo de vida, há que distinguir entre os fixos públicos e os fixos privados. Estes são localizados segundo alei da oferta e da procura, que regula também os preços a cobrar. Já os fixos públicos se instalam segundo os princípios sociais, e funcionam independentemente das exigências do lucro.” 33 Aprofundaremos essa discussão na sequência do capítulo.
93
funciona como um vasto sistema de recursos creado por los seres humanos, que
compreende valores de uso cristalizados em el paisaje física, que se pueden utilizar
para la producción, el intercambio y el consumo”.
Assim, no concernente ao estudo da produção de um fundo de consumo
para a manutenção das relações de poder do Estado no tocante à reprodução
social, Harvey (1990, p. 197) argumenta que “todas las dislocaciones en la esfera de
la reproducion social – la reproduccíon de la fuerza de trabajo, de la ideología
burguesa, del aparato político y militar disañado para asegurar el control, etc. –
requiren consideración.”
E continua:
Las infraestruturas sociales tienem que apoyarse en las plusvalias, y bajo el capitalismo eso significa que se apoyan en la produccíon de plusvalía. Desde este punto de vista, no se les puede interpretar em ninguma outra forma que como superestructuras erigidas sobre uma base economica. Por tanto, la circulacion del valor, que apoya las infraesctruras sociales y la gente que se emplea en ellas, integra los processos materiales de produccion de plusvalia en el lugar de trabajo y com la perpetuacíon de dichas infraestructuras.(HARVEY, 1990, p. 402-403).
Em continuidade à sua argumentação, segundo afirma Harvey (1990), a
relação entre a produção de um fundo de consumo ou infraestruturas sociais no
ambiente construído é um tema controverso, no qual existem diferenciações de
entendimento quanto ao seu papel no processo de acumulação de capital. Nas
palavras do autor:
La forma de conceptualizar esta relación es um problema. Em um extremo están aquellos que insisten en el poder independiente y la autonomia relativa de la organización de las infraestructuras sociales em relación con la base económica( lo qual implica el poder para inponer impuestos a la plusvalia sin restricciones). En el outro, están aquellos que ven las infraestructuras sociales como meros reflejos de los requerimientos de la acumulación (lo qual niega los intricados lazos y la importancia de la história y la tradición). Bajo el último concepto, el problema de la organizacion geográfica resultaría discutible en gran parte; la territorialidad de las infraestructuras sociales reflejaria simplesmente las necessidades de la división geográfica del trabajo y otras facetas de la organización espacial requerida por el capital. Ninguno de los dos conceptos es satisfactorio y necesitamos salir en alguna forma del atolladero. (HARVEY, 1990, p. 403).
Em meio ao entendimento controverso do papel do fundo de consumo no
contexto de acumulação de capital, Harvey (1990, p.403) argumenta: “Los valores
gravados del capital que fluye para apoyar las infraestructuras sociales regresan al
capital en forma de una demanda efectiva de mercancias que producen los
capitalistas.” E diz mais: “La inversion en infraestructuras sociales sea un campo
94
ideal para la absorción del capital excedente acumulado, retardando así la
devaluación, ya que durante el período de inversion no hay disminución de la
demanda efectiva.”(p.405).
A teoria crítica desenvolvida por Harvey traz grandes avanços nas
análises geográficas em torno da produção das cidades, principalmente em termos
de sua produção material e econômica, mas tal enfoque na produção, não apenas
de objetos no espaço, se encontra desde a década de 1960 em Lefebvre34.
Este filósofo identifica a produção de um espaço material baseado em
redes, circuitos e fluxos nos quais se instalam rotas, canais, estradas de ferro,
circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas aéreas; a produção de um
espaço social arquitetado sob os ditames da sociedade moderna, com suas leis,
instituições hierarquizadas e valores, que aparentemente planam como se fossem
naturais, constituindo o momento do espaço mental, da formação do consenso
social em torno do Estado, “das representações que cada um se faz: confusas ou
claras, vividas ou elaboradas.” (LEFEBVRE, 1975, p.260)35.
No referente à constituição do entendimento mais apurado acerca da
produção do espaço nos diversos âmbitos, Lefebvre faz alusão à constituição da
teoria crítica da economia política. Como afirma:
Os economistas que Marx denominava “vulgares” se ocupavam dos produtos, relacionavam e comparavam os objetos, apreciando os custos. Eles se ocupavam de coisas. Marx inverte o rumo. No lugar de considerar os produtos, ele considera a produção, quer dizer, o processo produtivo e as relações de produção (assim como o modo de produção). Ele funda assim uma teoria. Da mesma forma, hoje, muita gente descreve os espaços, escreve discursos sobre o espaço. Resta inverter o passo fundando uma teoria, a produção do espaço. Dentro desta produção, o Estado é de mais em mais, sem dúvida, agente da produção, e mesmo mestre de obras. (LEFEBVRE, 1975, p. 267-268)
34 Em sua pesquisa sobre a vida e obra de Lefebvre, o professor Carlos Machado da FURG encontra quatro momentos teóricos na obra do referido autor, identificando o terceiro momento como dedicado ao estudo da cidade, do urbano e da produção do espaço. Em suas palavras: “Nos anos 1960, Henri Lefebvre voltou-se à cidade e ao urbano, temática que lhe renderia a publicação de sete livros até 1975: La Droit à La ville (1968), Du Rural à l’urbain (1970); La Révolution urbaine (1970), La Pensée marxiste et la ville (1972), Espace et politique (1973), e La production de l’espace (1974). Afirma ele que, através das mudanças, foi que percebeu na região onde vivera quando criança, com a criação de uma cidade; com os debates filosóficos sobre o espaço e o tempo e com a questão da produção e da reprodução das relações sociais que o urbano e a cidade tornaram-se motivo de reflexão na época (LEFEBVRE, 1976). Tanto é que, além de sete livros, nos anos 1970 e 1980 a revista criada por ele, Espace et Societe (1970), foi decisiva nos debates sobre o urbano e as transformações do espaço no capitalismo. Nesse processo, contribuiu e fez, em parte, surgir Centros e Institutos de Sociologia Urbana bem como revistas, das quais foi fundador e influente no debate nesse campo na década de 1970 e nas seguintes (HESS, 2000). (MACHADO,2008, p.87-88). 35 Em nossa pesquisa, temos a predileção pelo entendimento das transformações do/no espaço material, nos aproximando dos estudos geográficos sobre a cidade, não esquecendo as outras dimensões, mas priorizando o mesmo no debate dado os limites de um trabalho de mestrado.
95
Adentrar ao debate em torno da crítica da economia política remonta a um
edifício teórico que vem sendo construído desde pelo menos o segundo quarto do
século XIX. Tal problemática veio à tona justamente em um momento de
consolidação da ciência e de sua prática econômica e política, o qual, sob a cortina
iluminista, parecia intocável.
O pioneiro nessa empreitada foi Marx (2007a). Ao empreender uma
revisão crítica da filosofia do direito de Hegel, chegou à conclusão de que as
relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si
mesmas. Elas têm sua elucidação nas condições materiais de existência. Para ele:
“A anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política”.
(Ibidem, p. 45).
Desse modo, ao encontrar a economia política como fundamento para
consolidação do capitalismo, Marx (2007a, p.45) alude ao fato de que na produção
social de sua existência, os homens entram em “relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção
correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças
produtivas materiais.” Tais relações que aparentemente pairam sob a sociedade
dizem respeito ao projeto de esclarecimento, no qual o homem sujeito passa a ser
objeto da economia política.
Nesse caminho, Kosik (1976) faz um esforço de recuperação e síntese no
espinhoso debate sobre a “crítica da economia política”. Consoante enfatiza, esta
como ciência se prende apenas aos aspectos econômicos. Portanto, transforma o
ser social em homus economicus, identificando o sujeito com o objeto da economia,
esquecendo, enfim, que a economia é socialmente construída.
Diferentemente, a “crítica da economia política” identifica o conceito de
práxis como fundamental, ao afirmar que a realidade é produto social, ao contrário
do entendimento metafísico de muitos marxistas que compreendem a economia, a
cultura e a política em meio a generalizações como momentos autônomos do ser
social.
96
A crítica da economia política36 busca uma compreensão teórica da
história, negando a possibilidade de separação entre teoria e prática. Conforme
Marx (2007b, p.533), em sua segunda tese Ad Feuerbach, “a disputa acerca da
realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da prática é uma
questão puramente escolástica.” Segundo Korsch (2008, p. 61), “Não é a “pura
práxis humana”, mas na “práxis humana e na sua compreensão” que reside, para o
materialista dialético Marx, a solução racional de todos os mistérios que “mergulham
a teoria no misticismo”.37
De acordo com Korsch (2008), o marxismo não pretende ser uma ciência
e/ou filosofia pura, pelo contrário, tenta desmascarar a impureza de ambas ao trazer
à tona seus pressupostos implícitos, ao mesmo tempo em que mantém estreita
relação com a luta prática pela emancipação da classe trabalhadora. Em suas
palavras:
Ele (Marx) criticou a economia política tradicional da classe burguesa de uma maneira tanto negativa quanto positiva, opondo – para retomar uma de suas expressões favoritas – à “economia política da propriedade” a “economia política do proletariado”. Na economia da classe proprietária burguesa, a propriedade privada domina (inclusive teoricamente) toda a riqueza social, o trabalho morto acumulado do passado domina o trabalho vivo do presente. Ao contrário, na economia política do proletariado, assim como na sua “expressão teórica”, o sistema econômico do marxismo, a “sociedade” domina o seu produto – vale dizer, o trabalho vivo domina o trabalho morto acumulado ou “capital”. (KORSCH, 2008, p.127).
Nesse contexto, Lefebvre (2008) anuncia: A economia política está em
crise38, mergulhada na crise geral das ciências ditas sociais, porém, os economistas,
36 A este propósito, Marx afirma que “as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes.” (MARX, 2007b, p. 47). 37 Quanto à polêmica em torno da relação teoria e prática, Lefebvre assim se pronuncia: “A crítica marxista é teórica? Sim. Ela vai mesmo até o fim, até o fundo da teoria, da análise dos conceitos. Ela também é fundamentalmente prática. O sistema hegeliano proíbe a ação, porque ele fecha o horizonte e detém o futuro. Marx entra no pensamento como homem de ação. Ele combate pela democracia, pelo socialismo e comunismo pelo desenvolvimento da sociedade. Elabora uma estratégia, apoiada no proletariado, para que a classe operária conteste e negue as instituições existentes. Não pode admitir um sistema filosófico que consagre (no sentido mais forte do termo: que sacralize e canonize) o Estado e o direito existentes. Ora, o sistema hegeliano é um sistema filosófico perfeito: o sistema. A crítica do Estado e a crítica da filosofia, pois, são feitas em conjunto, através da crítica radical ao sistema filosófico-político.” (LEFEBVRE, 1979, p. 18). 38 É importante destacar que a relação entre economia e política atingiu seu patamar mais consistente na história do capitalismo na proposta da nova política econômica no âmbito da união soviética, na medida em que “ao se apossar do Estado, a burocracia revolucionaria que dirigia o proletariado forneceu à sociedade uma nova dominação de classe.” (DEBORD, 2008, p.69).
97
ansiosos por dissimular a crise, têm confundido a economia política como ciência e a
política econômica como prática, técnica, atos de poder.
Segundo este autor, vale a pena lembrar que esta crise eclode justamente
no momento em que o caos espacial se apresenta cada vez mais evidente e
intolerável. Como afirma:“Sobre esse caos, os economistas apenas lançavam um
olhar esquivo, deixando-o a outros especialistas: geógrafos, planejadores etc.”
(LEFEBVRE, 2008, p. 114).
Em todo caso, ao pensar o espaço, a economia política o tratou como
uma prática econômica, inerente à prática política do capitalismo de Estado,
substituindo, assim, sua cientificidade enfraquecida.
Em suma, na sua crítica à economia política do espaço, Lefebvre (2008) é
enfático ao afirmar que esta não traz a solução para as cidades. Resumidamente,
ele defende:
Nesse plano, o do Estado, da produtividade, do crescimento ilimitado, a economia política pretensamente cientifica engendrou suas próprias contradições, como, por exemplo, a reconhecida incapacidade de construir um “modelo” garantindo o crescimento sem inflação e sem desemprego, estabelecendo a possibilidade de um crescimento “harmonioso” nos marcos existentes. (LEFEBVRE, 2008, p. 114).
Assim, sem negar os outros momentos da produção do espaço,
buscamos um aprofundamento na discussão em torno da produção do espaço no
concernente às cidades, em seus aspectos econômico, político e social. Conquanto,
torna-se fundamental uma discussão sobre a relação espaço e Estado. Segundo
Gottdiener (1997, p.139), parece haver duas linhas de raciocínio “que lutam por um
entendimento teórico do papel do Estado na reprodução das relações em todo o
espaço de assentamento. A primeira segue a questão urbana de Castells, e a
segunda a reprodução do espaço de Lefebvre”.
Nesse sentido, consoante argumenta Gottdiener (1997) ao afirmar o papel
do Estado como responsável pelo consumo coletivo, faz-se necessário explicar a
maneira como o governo atua em resposta aos interesses sociais. E ressalta:
“Embora Castells, mediante seu conceito de consumo coletivo, tenha avançado
bastante no desenvolvimento da relação entre Estado e espaço de assentamento,
não esclareceu a natureza do próprio Estado na sociedade moderna”.
(GOTTDIENER, 1997, p. 142).
98
Segundo este autor, é Lefebvre quem aprofunda a discussão sobre o
Estado moderno ao afirmar ser este uma estrutura para o exercício de poder que
não pode ser reduzido apenas às questões econômicas.
Em sua discussão sobre o papel do Estado na produção das cidades,
Lefebvre argumenta o seguinte:
Este retém uma parte importante da mais-valia global (por diferentes meios: impostos, empresas estatais) e age poderosamente sobre sua distribuição entre as camadas e frações de classes da sociedade burguesa; em particular ele gere os grandes serviços públicos indispensáveis a uma sociedade, e que fazem a sociedade, [...] Trata-se da escola e da universidade, dos transportes, da medicina e dos hospitais, da “cultura”; e conseqüentemente, da cidade. (LEFEBVRE, 1999, p. 136,137).
No interior dessa discussão Gottdiener se pronuncia:
O papel do Estado nesse processo é contraditório. De um lado, precisa intervir a fim de preservar as coerências do espaço social em face de sua destruição pelas transformações capitalistas dos valores de uso em valores de troca – isto é, do espaço social em espaço abstrato. De outro, suas intervenções são explicitadas pela relação de dominação. Por conseguinte, as intervenções do Estado não resgatam o espaço social; ao contrário, ele apenas ajuda a hegemonia do espaço abstrato, produzindo alguns de seus próprios espaços através do planejamento. Sendo o Estado uma estrutura de poder, suas intervenções inauguram a destruição do espaço social e forma compacta confinada de cidade. Para Lefebvre, o Estado está aliado não só contra a classe trabalhadora ou mesmo contra frações do capital, ele é inimigo da própria vida cotidiana – pois produz o espaço abstrato que nega o espaço social que suporta a vida cotidiana e a reprodução de suas relações sociais. (GOTTDIENER, 1997, p. 148).
Na mesma linha de raciocínio no referente à discussão sobre o
entendimento do Estado em Lefebvre, Marília Pontes Sposito traz uma contribuição
sobre a produção política da sociedade. Nas palavras de Sposito (1996, p.40): “O
Estado se constitui assim como a forma do político e do poder, não podendo ser
considerado uma instância ou o momento da superestrutura, estando acima ou
separado da sociedade civil.”
Para a autora, a análise desenvolvida por Lefebvre nos quatro tomos de
sua obra De l´État, ao reconstruir historicamente o estatismo como fenômeno
mundial total, supera as análises mal postas e mal tratadas pelo marxismo vulgar
sobre a relação entre base e superestrutura. Para Lefebvre, economia e política
atuam em conjunto, em uma relação dialética de dupla determinação, “não se trata
assim de mera reprodução das relações produzidas pela base econômica, mas da
emergência de novas relações, pois quando essa produção se liga ao Estado e nele
99
e por ele é conduzida, ocorre a produção política da sociedade.”(SPOSITO, 1996,
p.40).
De acordo com Kosminsky e Andrade:
Ao examinar a mundializaçao do Estado e o avanço do estatismo no âmbito de cada um deles (com as desigualdades implicadas nesse processo), Lefebvre revela, entre as inúmeras faces do Estado, seu papel como produtor (e reprodutor) de relações sociais. Ele esclarece como se passa da produção de relações sociais a partir das forças produtivas para a produção política de relações sociais pela ação do Estado [...]”. (KOSMINSKY; ANDRADE, 1996, p. 54).
Segundo estes autores, para se compreender a produção de relações
sociais ligadas à institucionalização da sociedade, é preciso considerar a retirada de
parte da mais-valia global pelo Estado: “Os recursos gigantescos e crescentes
postos à disposição do Estado pelo fisco são utilizados politicamente, permitindo ao
Estado tornar-se ele próprio produtor, controlar a sociedade e a produção. Lutas se
travam em seu interior pelo acesso a esses recursos.”(KOSMINSKY;ANDRADE,
1996, p. 58).
Nesse contexto, Lefebvre (2008) parte de uma leitura da relação espaço e
Estado, no intuito de afirmar a dimensão política do espaço, ao contrário da leitura
de grande parte dos urbanistas, para os quais o espaço é algo neutro. Em suas
palavras:
Se esse espaço tem um aspecto neutro, indiferente em relação ao conteúdo, portanto “puramente” formal, abstrato de uma abstração racional, é precisamente porque ele já está ocupado, ordenado, já foi objeto de estratégias antigas, das quais nem sempre se encontram os vestígios.(LEFEBVRE, 2008, p.61-62).
Com isso, conforme defende, se partirmos da ideia de que o espaço é
político, temos necessariamente de fazer uma distinção entre uma crítica de direita e
de esquerda. Ambas as críticas, consoante o filósofo francês, se dão em direção à
burocracia e às intervenções estatistas, mas a crítica de direita tem como norte as
perturbações delas advindas para a iniciativa privada, ou seja, os capitais. Já como
a crítica de esquerda argumenta, tal intervenção não considera, ou considera mal,
os usuários, a prática social, em uma palavra, a vida cotidiana.
Nessa ótica, a dimensão política não pode ser vista como menor, pois a
forma de organização da economia capitalista no mundo contemporâneo precisa do
Estado de forma imprescindível, ao contrário da leitura economicista que privilegia
apenas uma dimensão, ou da leitura politicista, pois ambas mascaram as tramas da
economia política na/da sociedade.
100
Debord (2008), ao adentrar ao debate sobre o planejamento do espaço,
encontra aí o momento da crítica da geografia humana, no sentido de uma inversão
de prioridades na produção do espaço, no qual os indivíduos e as comunidades
devem construir os locais e acontecimentos correspondentes à apropriação tendo
em vista sua história total. Em suma:
A ideia mais revolucionária a respeito do urbanismo não é uma idéia urbanística, tecnológica ou estética. É a decisão de reconstruir integralmente o território de acordo com as necessidades do poder dos conselhos de trabalhadores, da ditadura anti-estatal do proletariado, do diálogo executório [...]. (DEBORD, 2008, p. 179).
Assim, observamos os conflitos e contradições entre a possibilidade de
apropriação social do espaço em contraponto à visão tecnicista empregada pelo
poder político. Como enfatizado, a dimensão política não pode ser vista como
menor, pois a forma de organização da economia capitalista no mundo
contemporâneo necessita do Estado de modo imprescindível.39
Em nível de Brasil, o pensamento científico sugerido pela economia
política, não obstante suas teorias em torno da racionalidade e da produção
industrial, bem como do desenvolvimentismo, também se propôs a pensar o espaço
sob o codinome de economia urbana. Um dos expoentes dessa teoria nos marcos
da sociedade brasileira é o arquiteto e professor da Universidade de São Paulo
Csaba Deak.
Ao desenvolver sua teoria no final da década de 1980, Deak (2004)
propõe uma análise da especificidade da formação econômica brasileira, utilizando-
se do conceito de acumulação entravada. Com base nesse conceito ele percebe que
uma parte substancial do excedente da produção nacional é continuamente retirada
e enviada além das fronteiras, em vez de ser incorporada à reprodução ampliada em
território nacional.
39 Sobre a articulação entre economia e política, Damiani afirma que: “É da ordem do político um papel fundamental na sociedade moderna: a gestão do sobreproduto social, que significa a potência de parte da riqueza social produzida. A distribuição dessa sua utilização em uma ou outra direção tem conseqüências fundamentais na constituição e repartição territoriais. Não se pode falar jamais, na sociedade capitalista, em uma separação radical entre o político e o econômico. É comum argumentar-se que o Está está atrelado às exigências da base econômica. Então, o que há de novo? O novo é que esse consórcio entre o político e o econômico se estreitou. O Estado cola na economia, expressão de Fernando Iannetti, e se caracteriza com Estado de emergência, isto é: do sobreproduto social gestado, um percentual bem menor é transferido ao que é do âmbito do social, ou ainda, em vez de recursos sociais constantes, trata-se de investimentos de emergência e mais conjunturais. No sentido estrito, boa parte do orçamento alimenta a reprodução do capital.” (DAMIANI, 2002, p. 12).
101
Ainda assim, consoante argumenta o referido arquiteto e professor,
internamente há certa acumulação, mas como condição para a expansão do
excedente expatriado. Segundo o autor, a acumulação entravada segue os moldes
de uma acumulação extensiva, no qual a produção não sofre nenhum tipo de
regulação e se desenvolve à custa de formas não capitalistas de produção.
Em contraponto à acumulação extensiva, Deak (2004) defende a
necessidade de uma acumulação intensiva em território nacional, onde o trabalho
assalariado livre seria a forma de expropriação e a intervenção estatal se
intensificaria no âmbito econômico. No caso brasileiro, defende ele, até 1973
tínhamos um processo de acumulação entravada, ou seja, em moldes extensivos,
tendo a crise da década de 1980 como grande reflexo desse processo.
Deak (2004) defende a necessidade de uma revolução burguesa no Brasil
nos padrões de uma acumulação intensiva, com investimentos no setor produtivo,
especificamente no departamento I (meios de produção). Assim, a acumulação em
moldes intensivos geraria todo um ciclo econômico, com melhorias para a
reprodução da força de trabalho e investimentos em equipamentos urbanos nas
cidades.
Como enfatiza:
[...] As aglomerações urbanas terão melhores condições de saneamento, transporte coletivo rápido, abrangente e de boa qualidade, redes adequadas de telefonia e de informação, áreas públicas e de lazer mais generosas e equipadas, serviços públicos acessíveis, patrimônio histórico respeitado e conservado e paisagem urbana condizente, se e quando as transformações da sociedade os requererem, isto é, se a sociedade brasileira se livrar do lastro patrimonialista e dos entraves a seu desenvolvimento para entrar em um estágio de desenvolvimento fundado no aumento da produtividade do trabalho, que requer, enquanto necessidade histórica, uma elevação constante dos níveis de reprodução da força de trabalho e, conseqüentemente, dos níveis de infra-estruturas e serviços urbanos.(DEAK, 2004, p. 17 ).
Ademais, ainda no interior da teoria da economia urbana, Rigolon (1998)
defende a necessidade de investimentos em infraestrutura como condição para o
crescimento econômico no Brasil:
Por um lado, o investimento em infra-estrutura promove o crescimento econômico porque aumenta o retorno dos insumos privados – capital e trabalho – e incentiva o investimento e o emprego. Dados os níveis de capital e trabalho, o aumento da oferta e da qualidade de energia, transportes, telecomunicações e saneamento básico eleva o produto final, implica maior produtividade dos fatores privados e reduz o custo por unidade de insumo. A maior produtividade, por sua vez, aumenta a remuneração dos fatores, o que estimula o investimento e o emprego. (RIGOLON, 1998, p. 130).
102
Para este autor, a redução do investimento em infraestrutura observada
desde a década de 1980 com o fim das políticas iniciadas com o BNH afetou
negativamente a produtividade do sistema econômico e as perspectivas de
crescimento sustentado em longo prazo.
Tendo em vista a crise econômica dos anos 1980, Maricato (1983)
argumenta que uma expressiva parte da literatura, ao tratar da indústria da
construção, advoga a defesa do setor pela sua função de grande absorvedor de
força de trabalho e, por conseguinte, pelo caráter anticíclico na recuperação das
crises econômicas.
Nas palavras de Maricato (1983, p. 67): “Foi exatamente o que aconteceu
na economia brasileira no período 1974/77: a construção civil, setor que mais
cresceu no período em que o conjunto da indústria apresenta queda no
desempenho, sustentou a taxa média do conjunto do crescimento industrial.”
Em publicação recente, em uma sequência da sua linha de raciocínio da
política urbana como política econômica, Maricato (2011) afirma que o PAC passou
a contribuir fortemente com o crescimento econômico do país no referente tanto ao
PIB quanto ao número de empregos formais gerados em seus grandes projetos de
infraestrutura, embora estes “tomem largo tempo para o início efetivo das obras”.
(MARICATO, 2011, p. 58).
Diante do exposto, pretendemos afunilar a discussão para observar como
a economia política através da política econômica vem intervindo nas cidades
brasileiras com obras de infraestrutura urbana, especificamente as de esgotamento
sanitário, no Programa de Aceleração do Crescimento. Conforme defendemos, trata-
se de uma estratégia de tentativa de fuga da crise econômica mundial mediante
ampliação do circuito secundário da economia.
3.2 Política de saneamento básico no Programa de Aceleração do Crescimento: uma ampliação do circuito secundário d a economia?
No Brasil, historicamente, os grandes programas públicos de
planejamento estatal ganharam evidência no relacionado ao fomento da economia
nacional. A este propósito, segundo Leitão (2009), os investimentos do PAC tendem
a reiterar as contradições históricas da ação do Estado sobre o território brasileiro,
reforçando a predominância de interesses privados, sobretudo das empresas
transnacionais, no ordenamento das atividades econômicas.
103
Para a autora, o PAC remete a um ideário do tipo neodesenvolvimentista,
“baseado em estratégias de desenvolvimento que visam fortalecer Estado e
Mercado e, em última instância, recuperar o papel do Estado como indutor do
investimento e condutor da política industrial e de infraestrutura.” (Ibidem, p.219).
Analogamente, Arantes e Fix (2010) se indagam sobre as diferenças e
similaridades entre a atual política habitacional e de infraestruturas implementada no
Programa de Aceleração do Crescimento e as políticas de planejamento aplicadas
no BNH.
Nas palavras de Arantes e Fix (2010, p.23): “O pacote atual, apesar do
gigantismo propagado nos números, aparece como um arremedo se comparado à
iniciativa do regime militar, sendo feito às pressas, sem de fato constituir um sistema
consistente e duradouro de financiamento do setor.” Em referência ao BNH, os
autores continuam: “Uma das âncoras do ‘milagre econômico’ foi o boom da
construção civil, que durou consistentemente por mais de uma década, até o início
dos anos 1980”. (Ibidem, p. 22).
Na cidade de Mossoró, como já argumentado, a década de 1970 foi
marcada pela elevada taxa de desemprego no contexto de mecanização das
salinas. Ademais, acompanhando uma tendência nacional, o Estado empreendeu
políticas públicas voltadas para a alocação de grande parte da mão de obra na
construção dos conjuntos habitacionais, escolas, hospitais e, também, mediante
prestação de serviços básicos; em suma, na construção de infraestruturas para a
cidade. Nesse sentido, pode-se dizer que é na década de 1970 que Mossoró
conheceu uma primeira ascensão do setor construção civil.
Ao discutir as políticas urbanas no contexto do centralismo autoritário,
Paiva (2001) contextualiza o acelerado processo de urbanização verificado no Brasil
após a Segunda Guerra Mundial, enfocando as políticas urbanas postas em prática
pelo governo federal no interior do regime militar. Como assevera:
No âmbito institucional, muitas foram as reformas implementadas objetivando a reestruturação do aparato estatal, no sentido de seu reordenamento em nível nacional. Reestruturou-se a intermediação financeira, com destaque para a instituição do mecanismo de correção monetária, que possibilitou recuperar a utilização da garantia hipotecária no processo de financiamento habitacional, e formou-se um novo quadro institucional com a criação do banco nacional de habitação (BNH), do sistema financeiro da habitação (SFH), da sociedade de crédito imobiliário (SCI) e do serviço federal de habitação e urbanismo (SERFHAU). (PAIVA, 2001, p.2).
104
Este autor se propõe a analisar as políticas urbanas no governo
autoritário identificando as estratégias no interior dos planos nacionais de
desenvolvimento em linhas exploratórias: a política habitacional, a política de
saneamento básico e gestão urbana no interior do Programa de Ação Econômica do
Governo (PAEG)/ 1964-1966; I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND)/1972-
1974; II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)/1975-1979; III Plano Nacional
de Desenvolvimento (III PND)/1980-1985.
Para ilustrar nossa discussão, vamos trazer os elementos elencados por
Paiva (2001) relativos à política de saneamento básico no âmbito do governo militar.
A política de saneamento implementada pelo governo do presidente marechal
Humberto Castello Branco no interior do Programa de Ação Econômica do Governo
se encontrava na parte referente ao “desenvolvimento social e valorização regional”.
No entanto, segundo Paiva (2001), o tratamento recebido foi muito incipiente, haja
vista o entendimento por parte do governo federal de que o problema do
saneamento era dos municípios.
Ainda segundo este autor:
Não por acaso a participação do governo federal na área de saneamento era pouco expressiva, resumindo-se ao controle financeiro realizado pelo Banco Nacional de desenvolvimento econômico – BNDE (atual BNDES), e aos financiamentos que as caixas econômicas concediam aos municípios. (PAIVA, 2001, p.37).
No caso do I PND, que foi divulgado no interior do governo do presidente
Emílio Garrastazu Médici, observam-se muitas mudanças em relação ao programa
anterior. Para o autor (2001), essa nova fase da política de saneamento possui
quatro características principais: a centralização; a lógica de auto-sustentação
financeira; a maximização dos interesses burocráticos e privados e a baixa
efetividade.
Como afirma:
O prenúncio de um novo futuro para o setor deu-se através da RC nº 61 do BNH, que aprovou as normas relativas ao programa de financiamento para saneamento – FINASA. Em seguida, no ano de 1968, foi criado o sistema financeiro de saneamento (SFS), com a finalidade de concentrar os recursos destinados ao setor, transformando o FINASA em seu instrumento de captação de recursos. Além disso, o sistema financeiro de saneamento, por estar subordinado ao BNH, contava também com recursos do FGTS e das cadernetas de poupança e, ainda, com recursos dos Fundos de Água e Esgoto (FAE). Com a estruturação do aparato financeiro do setor de saneamento, tornou-se possível a criação do plano nacional de saneamento – PLANASA, o qual, por sua vez, transformou-se na principal
105
fonte de atuação do governo federal na área de saneamento a partir de 1971. (PAIVA, 2001, p. 53-54).
Conforme ele indica, o atuação do Planasa foi conduzida por três
diretrizes básicas: primeiro, o sistema financeiro de saneamento tornou-se o órgão
nacional com maior participação no financiamento de água e esgoto; segundo, os
Estados contaram com as Companhias Estaduais de Saneamento (CESB), que
assumiram a função de concessionária única dos serviços e operações do sistema;
e terceiro, os Estados passaram a ter um Fundo de Água e Esgoto (FAE) , o qual
era constituído com recursos tributários do Estado, que financiava parte dos
investimentos.
A criação do Planasa se deu em um contexto em que os índices de
saneamento básico apresentados no censo de 1970 estavam muito baixos, pois,
conforme indicava, 46% dos habitantes do Brasil não possuíam água encanada e
78,5 % não eram atendidos por redes de esgoto.
De acordo com Paiva (2001), a expansão da atuação do BNH na área de
desenvolvimento urbano, especificamente na área de saneamento básico, está
associada à redução da capacidade de manutenção e ampliação dos investimentos
por parte dos governos estaduais e municipais, após a reforma do sistema tributário
em 1966, que concentrou os instrumentos tributários nas mãos da União. E ainda diz
mais:
Esta reforma objetivara, sobretudo, readequar o sistema tributário ao novo contexto da economia e definir o papel que o Estado exerceria neste processo de acumulação de capital, no entanto, a centralização de instrumentos e recursos ocasionou a fragilidade financeira dos níveis inferiores de governo, além de gerar várias distorções do financiamento público. (PAIVA, 2001, p.61).
No interior do II PND (1975-1979), o governo pretendia consolidar o
Planasa, com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos financeiros, administrativos,
técnicos e de pesquisa. Nesse período o Planasa se articulou diretamente com o
Ministério da Saúde. Paiva (2001) argumenta que na passagem do primeiro para o
segundo Plano Nacional de Desenvolvimento os investimentos se deram de forma
desigual regionalmente falando. Enquanto a região Nordeste decresce em seu
percentual de investimentos, as regiões Sul e Sudeste têm um aumento nesse
percentual.
106
No tocante ao III Plano Nacional de Desenvolvimento, como argumenta
Paiva (2001), este se verificou no contexto de crise econômica que se alastrou no
Brasil na década de 1980 e aprofundou ainda mais as desigualdades regionais. Nas
palavras de Paiva (2001, p. 95): “Os investimentos na área de esgotamento sanitário
durante o III PND, destinaram-se quase que exclusivamente para as regiões
Sudeste e Sul, já que estas regiões receberam em conjunto, aproximadamente, 95%
dos recursos.”
Nesta ótica, a citação de Rolnik e Klink (2011) complementa:
A política nacional de desenvolvimento urbano foi estruturada nos anos de 1960/1970 por meio da montagem de um sistema de financiamento de habitação e saneamento. O governo federal arrecada e redistribui, mediante empréstimos, os recursos da principal fonte de financiamento dessas políticas:o fundo destinado a indenizar trabalhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadação líquida é designada para financiar programas de saneamento e habitação (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS). Na habitação, o modelo baseava-se no financiamento da produção privada e de companhias públicas, incorporando posteriormente a oferta de crédito bancário para o consumidor final. Na política de saneamento, o financiamento foi canalizado para companhias estaduais. Como o sistema dependia do retorno do investimento ao fundo público, pago pelos beneficiários finais através de tarifas dos serviços de saneamento e das prestações da casa-própria, os sistemas expandiram-se mais nas regiões de maior renda, onde o retorno financeiro dos investimentos era garantido. Nem na habitação nem no saneamento este modelo foi capaz de prover condições adequadas de moradia para a maior parte da população, cuja renda não a habilitava para a condição de "demanda" neste mercado de casas e infraestrutura. O modelo foi estruturado para atender basicamente às regiões urbanas, e particularmente as grandes cidades, onde havia mercado e escala de demanda para os produtos. (ROLNIK; KLINK, 2011, p. 14).
Avançando no processo histórico, uma leitura das políticas urbanas no
Brasil do século XXI se faz fundamental, embora difícil, na medida em que estamos
vivenciando o processo e todo cuidado é bem vindo para não fazermos leituras
precipitadas. Outra dificuldade em uma leitura comparativa diz respeito à
possibilidade de cairmos em um anacronismo grosseiro ao compararmos as políticas
do BNH e do PAC, porquanto as formas de gestão do governo são claramente
diferentes, sobretudo porque o primeiro parte de uma concepção de Estado
centralizadora e concentradora, típica da visão militar.
No intuito de acrescentar mais elementos para argumentação, trazemos
novamente Rolnik e Klink (2011) para o debate:
107
O Brasil tem vivido nos últimos anos um ciclo de crescimento econômico sólido. No período entre 1999 e 2009, o PIB cresceu a uma taxa anual de 3,27%, enquanto a população ocupada aumentou a uma taxa anual de 2,29%. Além de significativo, este período foi marcado por uma mudança na condução da política econômica, que teve como uma das estratégias a expansão do mercado interno, incorporando parcelas maiores da população brasileira ao mercado, o que significou, particularmente a partir de 2005, que as variáveis mais relevantes para o crescimento passaram a ser o consumo interno e a formação bruta de capital fixo. No âmbito das políticas socioeconômicas foram também implementados programas dirigidos à população mais miserável, com o objetivo de retirá-los do nível de subsistência precário em que se encontravam, mediante programas de transferência de renda (Bolsa Família) e um conjunto de políticas sociais destinadas a aumentar as oportunidades de empreendedorismo e desenvolvimento econômico. Cabe também destacar a retomada do papel dos bancos e fundos públicos na provisão de crédito e na alavancagem dos investimentos públicos e privados, entre outros, por meio de programas como o PAC, Minha Casa, Minha Vida e o fomento a outros setores econômicos específicos (por exemplo, automóveis, construção naval etc.). (ROLNIK; KLINK, 2011, p. 1).
Com isso, diante do crescimento econômico propiciado pelos ajustes da
política econômica, que segundo Rolnik e Klink (2011) incluem um aumento
espetacular do gasto público no setor de desenvolvimento urbano, como
evidenciado, as marcas de um modelo de desenvolvimento urbano excludente e
predatório continuam presentes em várias dimensões do processo de urbanização
no Brasil. Nesse contexto, a nosso ver, cabe a uma leitura comprometida com o
desvendamento das contradições da realidade explicitar esses processos.
Na conjuntura das intervenções da economia política nas formas de
governo, é importante entendermos o regime neoliberal40 que passou a se
desenvolver no fim da década de 1970, início da década de 1980, nos países de
capitalismo avançado, enquanto em países periféricos como o Brasil passou a se
desenvolver na década de 1990. Na argumentação de Anderson (1995) e Harvey
(2008), as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno com a chegada da grande
crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando as intervenções
estatais keynesianas perderam força.
Nas palavras de Anderson (1995, p.9), para os neoliberais: “O remédio,
então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o
poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos
sociais”.
40 No âmbito da esquerda, observam-se inúmeras posições relativas à problemática econômica, política e social, mas tem ganhado destaque aquela que se intitula antineoliberal, afirmando ser contra o neoliberalismo, no entanto a favor da construção de um Estado forte e interventor no âmbito do capitalismo nacional. Outra posição, essa com menos destaque, é a que se intitula anticapitalista e entende que a forma Estado está totalmente articulada com a economia, caso contrário não existiria economia política como prática.
108
Harvey (2008), por sua vez, apresenta algumas características do Estado
neoliberal na prática. Consoante deixa claro, este adquire características
diferenciadas em decorrência dos desenvolvimentos geográficos desiguais, mas
apresenta duas características principais contidas na essência do projeto.
A primeira característica está na necessidade de criar um clima favorável
para os negócios e investimentos, ou seja, para os empreendimentos capitalistas. A
segunda diz respeito ao fato de que em caso de conflitos, “os Estados neoliberais
tipicamente favorecem a integridade do sistema financeiro e a solvência das
instituições financeiras e não o bem estar da população ou a qualidade ambiental”.
(HARVEY, 2008, p. 81).
Prosseguindo a argumentação com vistas ao entendimento das políticas
neoliberais e suas consequências, Hobsbawm (2008) afirma que os problemas que
tinham dominado a crítica ao capitalismo antes da guerra, como pobreza,
desemprego em massa, miséria, já eliminados nos países de capitalismo avançado
no período da era de ouro após a Segunda Guerra Mundial, reapareceram depois de
1973. Segundo o historiador:
Quanto à pobreza e miséria, na década de 1980 muito dos países mais ricos e desenvolvidos se viram outra vez acostumando-se com a visão diária de mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram recolhidos pela polícia. (HOBSBAWM, 2008, p.396).
Certamente não podemos transpor de maneira acrítica as análises feitas
a partir dos países de capitalismo avançado para países periféricos como o Brasil,
mas devemos entender que mesmo de maneira atrasada, pois na década de 1990 e
até início do século XXI, é esse o contexto das políticas de distribuição das
infraestruturas no âmbito das cidades brasileiras de maneira geral (PIMENTA, 2009)
e de Mossoró de maneira particular.
Em nível de Brasil, existe um debate sobre o neoliberalismo no qual não
há dúvidas sobre o caráter neoliberal das políticas econômicas postas em prática
durante os anos 1990. Nas palavras de Oliveira (1995), a ditadura iniciou o
processo de dilapidação do Estado brasileiro, que prosseguiu sem interrupção no
mandato “democrático” de Sarney, propiciando um clima para a ideologia neoliberal,
a culminar com a eleição de Collor.
Para o sociólogo, no entanto, o impeachment de Collor mostrou um
estado de avanço das organizações sociais, que teve vida breve. Como assevera:
109
De novo, a função pedagógica perversa da hiperinflação foi administrada a conta-gotas durante a primeira parte do governo Itamar, precisamente para produzir o terreno fértil no qual se joga a semente neoliberal e ela progride. Acompanhamos as peripécias do governo Itamar até a posse do senador Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, preparando a URV, forma pedagógica de incutir a desesperança nas formas econômicas, sociais e políticas que estavam sendo construídas, que lutaram contra o projeto neoliberal, para uma nova investida neoliberal. (OLIVEIRA, 1995, p. 26).
Em anuência com a argumentação ora citada, Paulo Netto (1995),
também participante do debate com Anderson (1995) sobre o balanço do
neoliberalismo, se questiona sobre o fato das propostas neoliberais terem
encontrado legitimação por via democrática em solo brasileiro, ao contrário das
primeiras experiências na América Latina41, pois este tem por premissa deteriorar a
vida da população obrigada a vender sua força de trabalho para sobreviver.
Avançando para o século XXI, principalmente no relacionado ao governo
Lula, a discussão se torna mais acirrada. Em publicação recente, junho de 2011, na
revista Margem Esquerda, é apresentado um debate entre os intelectuais Emir
Sader e Ricardo Antunes sobre o governo Lula.
No caso do primeiro, observa-se a defesa teórica segundo a qual existe
uma ruptura entre as políticas econômicas e sociais desenvolvidas na década de
1990 pela gestão de Fernando Henrique Cardoso e as políticas colocadas em
prática durante a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com o autor:
Sem uma estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas linhas de menor resistência. Centrou seu governo em dois eixos fundamentais, que o diferenciou dos governos neoliberais e o aproximou dos novos governos latino-americanos. Eixos que representam os elos mais frágeis do neoliberalismo: a prioridade das políticas sociais ao invés da do ajuste fiscal e a prioridade dos processos de integração regional em lugar dos Tratados de Livre comércio com os Estados Unidos. São essas duas características comuns aos governos latino-americanos que podemos caracterizar como pós-neoliberais. É o caso da Venezuela, do Brasil, da Argentina, do Uruguai, da Bolívia e do Equador, que em seu conjunto mudaram a fisionomia do continente e se constituem no único núcleo regional atual de resistência ao neoliberalismo. (SADER, 2011, p.125).
Enfim, em sua discussão, Sader (2011) afirma que o governo Lula
pertence a uma das vertentes que compõem o campo pós-neoliberal na América
Latina, em conjunto com os governos da Argentina e do Uruguai, formando o campo
41 No caso do Chile, por exemplo, a implantação do neoliberalismo se deu pela via autoritária militar do governo Pinochet.
110
que é antineoliberal mas não é anticapitalista. Contudo, segundo o autor, países
como Venezuela, Bolívia e Equador são antineoliberais e pretendem ser
anticapitalistas.
Por sua vez, Antunes (2011) tenciona uma leitura crítica do que ele
chama de era Lula. Como afirma, quando falamos do PT em 1989 e 2002 não
estamos falando mais do mesmo partido, na medida em que na década de 1980 o
PT se configurava como um partido de classe, que foi se desmantelando durante a
década de 1990, para chegar ao começo do século XXI como um partido
caracterizado por “uma política de alianças muito ampla, com vários setores de
centro e mesmo de direita, configurando-se em um partido defensor de um programa
cada vez mais policlassista.” (ANTUNES, 2011, p. 128).
Para o autor, o início do governo Lula em 2003 em suas primeiras
medidas, sinalizava um projeto de continuidade do neoliberalismo no Brasil, sob a
variante do social-liberalismo. Ainda segundo Antunes (2011, p. 129): “Sua política
econômica preservava a hegemonia dos capitais financeiros, reiterando as
determinações do FMI.”42
E afirma:
Desse modo, seu governo fechou as duas portas da tragédia social no Brasil: remunerou de forma exemplar as diversas frações do capital (especialmente o financeiro, mas também o industrial e aquele vinculado ao agronegócio) e, no extremo oposto da pirâmide social, onde encontramos os setores mais “desorganizados” e “empobrecidos” da população brasileira – que dependem do Estado para sobreviver - , implementou uma política social assisntencialista, além da pequena valorização do salário mínimo. É decisivo acrescentar, contudo, que tais medidas não confrontaram nenhum dos pilares estruturantes da desigual sociedade brasileira, em que a riqueza também continuou se ampliando significativamente.(ANTUNES, 2011, p. 130).
Trazendo o debate para o âmbito das políticas urbanas, em seu livro
“Medidas de cidades”, Dirce Koga (2003) promove uma discussão sobre a
problemática das políticas públicas direcionadas para e em busca de bolsões de
pobreza. Isto afasta cada vez mais o debate da cidadania e da universalidade das
políticas públicas.
Deve-se levar em conta a argumentação da autora, pois, segundo ela:
42 Antunes (2011) mostra como exemplo das articulações entre o Partido dos Trabalhadores e o capital especulativo o acordo de intenções com o FMI, que resultou no documento denominado “Carta ao povo brasileiro” assinado pelo ex-presidente Lula. Disponível no site da Fundação Perseu Abramo, <www2.fpa.org.br>.
111
Neste caso, a orientação que é tomada como parâmetro para uma ação é a busca em localizar a agudização de situações e não as restrições à cidadania e à justiça social. A precariedade de condições de vida espalha-se no Brasil e está presente em todas as cidades. (KOGA, 2003, p.24).
Em todo caso, Maricato (2011) apresenta algumas contribuições em sua
análise do governo Lula em seus dois mandatos. Consoante ressalta, o primeiro
mandato confirmou que o governo Lula não havia rompido com as políticas
neoliberais, ao aumentar a taxa de juros, o superávit primário e fazer cortes de R$
14 bilhões no orçamento, “comprometendo o gasto em todas as áreas do governo,
com exceção das políticas sociais focadas.” (MARICATO, 2011, p. 30).
No entanto, para a autora, o segundo mandato trouxe uma profunda
mudança na orientação político-econômica, apresentando traços de uma orientação
desenvolvimentista no governo. Em suas palavras: “Um Estado forte que investe na
construção de infraestrutura econômica e social e ainda na ampliação de
conglomerados brasileiros privados, para torná-los competitivos no mercado
internacional.” (MARICATO, 2011, p. 31).
Acerca da política urbana desenvolvida no governo Lula, Arantes e Fix
(2010) tecem uma leitura crítica de todo o processo, argumentando sobre a relação
entre as empreiteiras e o poder público na constituição do programa Minha Casa
Minha Vida, no qual os negócios se dão diretamente com as empreiteiras. Embora a
política habitacional não seja nosso foco de atenção neste trabalho, interessa-nos
observar sua relação com a indústria da construção.
Como asseveram Arantes e Fix (2010, p.1), “o pacote habitacional
lançado em abril de 2009, com a meta de construção de um milhão de moradias,
tem sido apresentado como uma das principais ações do governo Lula em reação à
crise econômica internacional”, estimulando a criação de empregos e de
investimentos no setor da construção, ao mesmo tempo em que se revela como uma
política social em grande escala.
Conforme os autores, o governo Lula expõe como objetivo político o
investimento no setor construção como política econômica de caráter anticíclico, em
uma operação de resgate da economia nacional mediante subsídios ao setor
construção. Apesar de o ex-presidente ressaltar o caráter distributivista pelo fato de
ser uma política focada no social, observa-se que o grande vencedor vem sendo o
empresariado.
112
Na cidade de Mossoró, o programa Minha Casa Minha Vida detém um
quadro de onze empreendimentos, entre zero a três salários, três a seis salários e
seis a dez salários mínimos43, no qual aqueles para a faixa de salários mais baixa,
como no caso do Residencial Monsenhor Américo Simonetti I e II (fotos a seguir),
têm uma localização pouco privilegiada, depois de um longo caminho de distância
do Bairro Abolição 4, na Fazenda Florania, a confirmar novamente o padrão de
crescimento descontinuo da cidade,44 ou como preferem muitos, os fragmentos da
cidade sem urbanização.
Foto 11: Residencial Foto 12: Cidade sem urbanização - Residencial Monsenhor Américo Simonetti I. 26/10/2011 Monsenhor Américo Simonetti I. 26/10/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo
No caso dos empreendimentos com o padrão mais elevado, conforme
observamos, eles se localizam apenas nos Bairros Sumaré e Presidente Costa e
Silva, confirmando tais bairros como novas áreas de especulação, haja vista a
proximidade com a base da Petrobras, gerando toda uma demanda da classe
média, na figura de engenheiros e técnicos empregados tanto nessa multinacional
quanto em suas terceirizadas.
De todo modo, faz-se importante atentar para as áreas atendidas pela
infraestrutura de esgotamento e sua relação com a especulação imobiliária. Nessa
linha de raciocínio, a atual prefeita de Mossoró, no dia 15 /2/ 2011, em seu
43 Em 2011 o salário mínimo foi ajustado em R$ 540,00. 44 A urbanista Raquel Rolnik, em seu Blog< http://raquelrolnik.wordpress.com>, publicou uma nota denominada “De cidade só tem nome” no dia 1o/9/2011, lembrando o caso da moradia sem cidade na Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, que foi construído na década de 1980 e até hoje espera por infraestrutura, fazendo alusão aos conjuntos construídos pelo Minha Casa Minha Vida, também na extrema periferia da moradia sem cidade, novamente.
113
pronunciamento na abertura dos trabalhos da Câmara afirmou que “o saneamento
básico projetado em nosso governo lançou as bases do atual boom imobiliário.”
Confirmando o crescimento do setor imobiliário e de construções, em
publicação recente da Federação de Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte
(FIERN), denominado balanço 2010, é informado o seguinte: “O motor potiguar foi a
construção civil, que, por sua vez, estimulou o crescimento de outros ramos
vinculados à sua cadeia, como é o caso dos agregados para a construção, calcário,
argilas, cimento e derivados, argamassas, telhas, tijolos, revestimentos, tintas,
artefatos de gesso, etc.”(p.17)45.
Nessa ótica, como podemos perceber, o Bairro Nova Betânia, por
exemplo, setor rico da cidade, foi atendido sucessivamente pelos projetos de
ampliação do SES-Mossoró, expondo as tramas da economia política do espaço na
cidade, onde as políticas públicas, ao incorporar atributos em determinados bairros,
segregam outros46.
A polêmica sobre a valorização de alguns bairros em detrimento de outros
no interior da cidade está calcada na teoria da renda do solo urbano. Um dos
expoentes nesse debate é Singer (1978), ao discutir o uso do solo urbano na
economia capitalista. Para ele, como a cidade é o lugar de concentração de
inúmeras pessoas exercendo as mais diversas atividades, faz sentido o fato de o
solo urbano ser disputado para diversos usos. Nas palavras do autor: “Esta disputa
se pauta pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada
do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em conseqüência, é
assemelhada ao capital.” (SINGER, 1978, p.21).
Mas, como Singer (1978) defende, a semelhança entre o capital, que tem
como expressão a propriedade dos meios de produção, e o capital imobiliário que se
expressa na propriedade privada do solo urbano, é apenas aparente, pois este
último sem dúvida é um valor que se valoriza, embora a origem de sua valorização
não esteja na atividade produtiva, e sim na monopolização do acesso a terrenos em
localizações privilegiadas. Para Singer (1978), a utilização do solo urbano para fins
45Disponível em - <http://www.fiern.org.br/images/PDF/Publicacoes/Estudos_Pesquisas/indicadores_conjunturais_2010.pdf > acessado em 13/6/2011. 46 A dissertação de Couto (2011), ao abordar os aspectos relativos à economia dos serviços na cidade de Mossoró, observa a concentração de investimentos no Bairro Nova Betânia, como o Mossoró West Shopping, redes de supermercado multinacionais como Atacadão e Hiper Bom Preço, além de uma faculdade particular, em muitos casos apoiados por investimentos públicos.
114
habitacionais distingue vantagens locacionais, as quais têm como elemento de
grande importância o maior ou menor acesso à infraestrutura urbana, entre estes,
transporte, serviços de água e esgoto, escolas, comércio, telefone etc., e pelo
prestígio social da vizinhança.
Nesse sentido, o acesso à infraestrutura urbana tende a privilegiar
determinadas localizações produzindo uma valorização diferencial do uso do solo
urbano, que, por sua vez, gera uma escassez desses serviços em relação às
necessidades da população. No caso brasileiro, o crescimento expressivo das
cidades na década de 1960 e 1970 levou a escassez a um nível crítico, e exacerbou
a valorização de poucas áreas bem servidas.
Aprofundando a discussão, Smith (1989) elenca elementos acerca da
renda do solo na escala urbana, e alerta para o cuidado do entendimento da
especificidade do capital na cidade, principalmente relacionado à renda diferencial
do solo urbano. Em suas palavras:
A renda do solo de um certo espaço é determinada por um certo número de coisas, incluindo suas propriedades (tamanho, forma de superfície, utilização atual, etc) e sua relação com outros melhoramentos e lugares (centro da cidade, transporte, rede de esgoto, etc). O sistema de renda urbana nivela o espaço urbano à dimensão de valor de troca, mas o faz como um meio de então coordenar e integrar o uso dos espaços individuais dentro do espaço urbano como um todo. A igualização do espaço urbano na estrutura de renda do solo torna-se o meio para sua diferenciação. Os usos competitivos são geograficamente selecionados, em primeiro lugar através do sistema de renda do solo. [...] (SMITH, 1989, p.200).
No interior desse debate, Lefebvre (1999) ressalta o papel do Estado na
indução da valorização de determinadas áreas da cidade, questionando a forma de
uso do solo dominante em nossa sociedade, qual seja, a da propriedade privada.
Segundo o autor (1999, p. 138), “o sistema contratual (jurídico), que o Estado
mantém e aperfeiçoa enquanto poder (político), repousa na propriedade privada, a
da terra (propriedade imobiliária) e a do dinheiro (propriedade mobiliária)”.
E acrescenta:
A propriedade da terra se mantém no quadro da propriedade privada em geral. Ainda que essa propriedade imobiliária tenha dado lugar à propriedade mobiliária, a do dinheiro e do capital, ela persiste. E mesmo ela se consolida desde o tempo de Marx, a burguesia enriquece comprando terras, constituindo para si propriedades fundiárias (e, consequentemente, reconstituindo, sobre a base de um novo monopólio, a propriedade fundiária e a renda da terra). A propriedade da terra, no fundo intacta, reconstituída pelo capitalismo, pesa sobre o conjunto da sociedade. (LEFEBVRE, 1999, p.161).
115
Em prosseguimento à argumentação, Lefebvre (1999) entende que a
discussão da renda do solo deve passar necessariamente pelo entendimento da
propriedade privada do solo urbano como fundamento do processo de consolidação
do espaço como mercadoria. Em um sentido metafórico chega a afirmar que os
proprietários fundiários poderiam apenas “esperar” que ocorram as intervenções no
espaço através de políticas públicas, para que os terrenos possam se valorizar. Em
corroboração à argumentação, Singer (1978) continua:
O Estado, como responsável pelo provimento de boa parte dos serviços urbanos, essenciais tanto às empresas como aos moradores, desempenha importante papel na determinação das demandas pelo uso de cada área especifica do solo urbano e, portanto, do seu preço. Sempre que o poder público dota uma zona qualquer da cidade de um serviço público, água encanada, escola pública ou linhas de ônibus, por exemplo, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores que anteriormente, devido a falta do serviço em questão, davam preferência a outras localizações. Estas novas demandas, deve-se supor, estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em termo de compra ou aluguel, um preço maior do que as demandas que se dirigiam à mesma zona quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo nesta zona, em relação às demais. (SINGER, 1978, p. 34).
A relação entre valorização do espaço, especulação imobiliária e as
políticas de implantação de esgotamento na cidade podem ganhar um novo
elemento de análise com o cartograma relativo às áreas atendidas pela rede de
esgotamento sanitário e às áreas que estão em obras ou com obras de esgotamento
paradas, em contraponto aos condomínios construídos nas diversas faixas de renda
pelo Minha Casa Minha Vida.
Conforme o cartograma, os projetos do Minha Casa Minha Vida para
rendimentos de três a seis e de seis a dez salários mínimos nos Bairros Costa e
Silva e Alto do Sumaré se encaminham para uma conjuntura de atendimento da
rede geral de esgotamento sanitário com o término das obras da CAERN.
116
Cartograma 9: Áreas atendidas, obras rede geral esgotamento e condomínios Minha Casa Minha Vida por grupo de rendimento. 2011
117
Assim, podemos observar algumas tramas da economia política como
política econômica no âmbito da habitação, no sentido em que os projetos se
entrelaçam, ou seja, as obras para a construção da rede geral de esgotamento se
apressam em atender às demandas do mercado imobiliário. Para tal, mostram o
exemplo do Bairro Nova Betânia durante os primeiros dez anos do século XXI, bem
como os do Minha Casa Minha Vida. Desse modo, pretendemos aprofundar nossa
argumentação analisando as questões relativas à infraestrutura de esgotamento
sanitário no PAC.
No inerente à política de infraestrutura do PAC, Eduardo Silva Rodrigues
(2008), que até então trabalhava na Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos do Ministério do Planejamento, em uma leitura claramente baseada na
economia política, afirma o seguinte:
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), parte integrante do PPA, aproveita o bom momento da economia para promover o desenvolvimento do País. A história nacional confirma as premissas aceitas internacionalmente segundo as quais o desenvolvimento está atrelado ao investimento. Assim, objetiva-se remover os obstáculos normativos e administrativos ao crescimento, estimular o investimento privado e reforçar o movimento crescente de inversões públicas em infraestrutura. (RODRIGUES, 2008, p.9)
Em todo caso, tencionamos uma leitura dos investimentos em política de
saneamento objetivados no interior do PAC com o fito de esclarecer as relações
entre política urbana e crescimento econômico. Em discurso proferido em 24/8/2007
no Paraná, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterava os investimentos
em saneamento básico no PAC como política econômica de combate à crise, ao
mesmo tempo em que reafirmava o seu caráter distributivista, enfatizando que “o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma oportunidade de dar
cidadania às pessoas mais pobres”
Em meio à retórica oficial, em sua promessa de crescimento econômico
sem pobreza, podemos identificar nas ilustrações a seguir os vultosos recursos
apresentados como metas de investimento em saneamento básico no PAC, onde as
verbas seriam liberadas para os municípios que expõem suas demandas mediante
projetos.
118
Ilustração 7: Metas para saneamento básico 2007-2010
Fonte: http://www.brasil.gov.br/pac
Se em 2005 teoricamente 48,2% dos domicílios eram atendidos, a meta
seria que em 2010 os números passassem para 55%, com um acréscimo de 7,3
milhões de domicílios e 25,4 milhões de pessoas. Na ilustração a seguir, consta a
previsão de investimentos total por região, onde o Nordeste teria um investimento de
R$ 9,6 bilhões de reais e um número de domicílios atendidos na previsão de 5,4
milhões.
Ilustração 8: Previsão de investimento e atendimento em saneamento básico 2007 - 2010
Fonte: http://www.brasil.gov.br/pac
Em nossa pesquisa, conforme identificamos, as maiores obras previstas
no PAC para a cidade de Mossoró seriam a construção da adutora de Santa Cruz,
com um investimento de R$ 110, 994,0 milhões, como parte do projeto de irrigação
119
de Santa Cruz de Apodi, além da ampliação do sistema de esgotamento sanitário –
SES da cidade de Mossoró, com um investimento de R$ 64.155,23 milhões.47
No entanto, como pudemos averiguar em trabalho de campo, as obras de
ampliação do SES de Mossoró para bairros periféricos, apresentadas como projeto
pela prefeitura, com recursos oriundos do PAC, estavam paralisadas até o mês de
outubro do ano de 2011, enquanto as obras do governo do Estado através da
Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte, com recursos também do
PAC, que atende novas áreas de especulação, estão em fase de conclusão.
Como podemos observar na leitura das políticas urbanas no interior dos
governos autoritários ou não, as discussões em economia política do espaço ou
economia urbana atrelam uma relação tênue entre crescimento econômico e
provisão de infraestruturas em uma visão mecânica do processo, na medida em que
as demandas sociais não são prioridade, ou, quando são, adentram em um contexto
econômico produtivo no interior da indústria da construção civil.
Segundo fica claro, a economia política, tal como se constitui nos marcos
da sociedade existente, tem um sentido profundo, pois se houvesse abundância de
bens, não haveria economia política. Para Lefebvre (2008, p. 121): “A economia é
política nesse sentido: ela permite aos homens de Estado repartir as penúrias, de
modo que essa ‘distribuição’ se realize sob as mascaras da justiça, da igualdade, da
liberdade e até da fraternidade.”
Nessa ótica, os momentos de crise, inerentes à reprodução capitalista,
são vistos como inconvenientes para a continuidade do processo de reprodução
ampliada do capital. Assim, faz sentido a afirmação de Marx (1977,p. 26) destacada
na epígrafe, em uma metáfora entre o sistema capitalista e o feiticeiro que já não
pode mais controlar as forçar internas postas em movimento por suas palavras
mágicas.
No cerne desse processo, encontramos a definição marxiana acerca da
lei da tendência à queda da taxa de lucro, na qual o decréscimo do capital variável
em relação ao capital constante, produzido pelas frequentes revoluções nas técnicas
de produção e pelo consequente aumento da produtividade, expressa-se em uma
diminuição da taxa de lucro.
47 Os dados apresentados foram coletados no “10 º balanço das obras do PAC no Rio Grande do Norte – Janeiro a Abril de 2010” – Disponível em - http://www.brasil.gov.br/pac/relatorios/estaduais/rio-grande-do-norte-1/rio-grande-do-norte-10o-balanco-janeiro-a-abril-de-2010 - Acessado em 5/2/2011.
120
Acerca desse processo, Rosdolsky apresenta uma passagem de Marx
nos Grundrisse bastante elucidativa:
No ciclo do capital desenvolvido, existem fatores que retardam esse movimento[ ou seja, a queda da taxa de lucro], além das crises; por exemplo, a contínua desvalorização de uma parte do capital existente; a transformação de grande parte do capital em capital fixo que não presta serviços como agente da produção direta; o gasto improdutivo de grande parte do capital etc.[...] A queda [da taxa de lucro] é retardada também pela criação de novos setores produtivos, nos quais se exige mais trabalho imediato em proporção ao capital, ou nos quais a força produtiva do trabalho não está desenvolvida. (MARX apud ROSDOLSKY, 2001, p. 317).
Na mesma linha de raciocínio, Harvey (1990; 2004b) desenvolve sua
teoria das crises com base no excesso de acumulação ou na sobreacumulação. Em
seu argumento, quando ocorrem tais crises é imperativo descobrir maneiras
lucrativas de absorver os excedentes de capital; uma saída possível, segundo ele,
pode-se dar mediante expansão geográfica do capital e da busca de novos setores
da economia que aumentam o tempo de circulação.
Para Harvey, a urbanização proporciona um caminho para resolver o
problema do capital excedente, ou, como afirma, se faz necessário “examinar mais
detidamente os modos como os processos gerais de produção do espaço são presa
de processos de formação e de resolução de crises”. (HARVEY, 2004b, p. 93).
É nesse contexto que Lefebvre (1973; 2008) fala da “reprodução das
relações de produção” e de como o capitalismo conseguiu manter suas relações
específicas de produção durante o século XX. Para este autor, a tese de que a
sobrevivência do capitalismo se deu através de uma reduplicação de suas relações,
ou mesmo de uma acentuação dessas relações pela ideologia e pela coação, não
explica os fatos.
Segundo Lefebvre (2008), o capitalismo se estendeu subordinando a si o
que lhe preexistia e ao mesmo tempo em que constituiu novos setores para a
acumulação, “o capitalismo se manteve estendendo-se ao espaço inteiro” (Ibidem,
p.117).
Destarte, como reitera Lefebvre, o setor imobiliário e de construções
públicas, que historicamente teve uma importância menor, agora se torna central
para acumulação capitalista, por se tratar de uma indústria nova, menos submetida
aos entraves, saturações, dificuldades diversas que freiam as antigas indústrias.
121
A importância da construção, consoante Lefebvre (2008), se dá no cerne
da luta contra a tendência à baixa do lucro médio, pois “a construção (privada ou
pública) proporcionou e ainda proporciona lucros superiores à media.”(Ibidem,
p.118). E diz mais: “Enquanto a parte da mais-valia global formada e realizada na
indústria decresce, aumenta a parte da mais-valia formada e realizada na
especulação e pela construção. O circuito secundário suplanta o principal” (Idem,
2004, p.146-147).
No contexto da crise mundial de 1973, quando todos os ramos industriais
encontravam baixas em seu lucro médio,
O investimento no imobiliário e nas construções privadas e públicas (na produção do espaço) se revela proveitoso porque essa produção ainda comporta, e comportará por muito tempo, uma proporção superior de capital variável em relação ao capital constante 48. (LEFEBVRE, 2004, p.119).
Ao desenvolver a teoria de Lefebvre, Harvey (2004) propõe uma teoria
dos circuitos do capital. Segundo o autor, a expansão geográfica do capital, em uma
de suas variantes, ocorre nos períodos em que as crises de acumulação atingem o
circuito primário (esfera produtiva), promovendo uma transferência do capital para o
circuito secundário que se dá a partir dos investimentos em capital fixo para a
produção (instalações fabris e equipamentos, capacidade de geração de energia,
entroncamentos ferroviários, portos etc.) e a produção de um fundo de consumo
(habitação, infraestrutura de água e esgotamento sanitário, por exemplo).
No caso brasileiro, observamos claramente por meio das obras do PAC
os grandes investimentos em capital fixo para produção e circulação provenientes do
Estado, bem como um grande aquecimento no setor da construção civil, além da
produção de um fundo de consumo, a passos mais lentos, se compararmos com o
setor a produção de capital fixo.
Em entrevista, Singer (2009) argumenta que o Brasil tem sido um dos
países mais ágeis no combate à crise econômica mundial, enfatizando o papel do
PAC como uma medida anticíclica. Em suas palavras: “Eu acho que o PAC não foi
feito em função dessa crise, mas veio a calhar. O Brasil tem hoje um volume muito
grande de investimentos em infra-estrutura que são importantes”. Este é, para o
48 O setor construção civil, por sua dificuldade de modernização, aparece como um depósito do mercado de trabalho (PEREIRA, 1998), contribuindo com a produção de mais-valia em nível global. Sobre a necessidade do trabalhador no processo produtivo, Marx (2008) afirma que: “Sendo o processo de produção, ao mesmo tempo, processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, o produto do trabalhador transforma-se continuamente não só em mercadoria, mas em capital, em valor que suga a força criadora do valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que utilizam os produtores. (MARX, 2008, p. 666).
122
autor, um dos fundamentos em termos comparativos para saber por que a economia
brasileira foi pouco atingida49.
Como estamos sustentando, os investimentos em saneamento básico no
âmbito do PAC estão colocando a política urbana no centro da política econômica, e,
assim, desmascaram as tramas da prática econômica que se esconde sob o
discurso da economia política.
A esta altura, em aprofundamento à discussão sobre a indústria da
construção e o caráter economicamente produtivo na construção de infraestruturas,
tomando como exemplo a política urbana do BNH, Maricato (1983) utiliza uma
distinção entre dois subsetores no interior da indústria da construção, quais sejam, o
subsetor construção pesada e edificações.
Nas palavras de Maricato (1983, p. 53): “São atividades básicas do
subsetor construção pesada: estradas, túneis, obras de arte, barragens, usinas,
construções e montagens industriais, saneamento, hidráulica, e outros.” Já o
subsetor edificações tem como atividades básicas “a construção de edifícios ou suas
partes como fundações, estrutura, caixilharia, alvenaria, acabamento, etc.” (Ibidem,
p.54).
Vale ressaltar que as empresas de construção pesada têm tamanho
superior à média das empresas da indústria da construção. Ainda conforme
Maricato: “A composição orgânica do capital é maior, devido ao emprego de grandes
máquinas de escavações, terraplanagem, compactação, transportes, etc. que se
combinam à ocupação extensiva de mão-de-obra desqualificada.” (Ibidem, p.55).
Somado ao fato de serem de porte superior, Maricato (1983) argumenta
que as empresas do subsetor construção pesada geralmente detêm forte poder
político, na medida em que: “A construção pesada tem no Estado seu principal
cliente, através da demanda de obras públicas que se destinam a viabilizar o
processo de acumulação como um todo.” (Ibidem,p.54 ).
Assim, como reitera Maricato (1983), o financiamento direto e a demanda
por parte do Estado das atividades de construção pesada tornam a relação muito
próxima; às vezes confundem as empresas como parte do Estado. Para ela: “Não só
49 A título de exemplo, podemos lembrar o processo de destruição criativa que vem ocorrendo nas grandes metrópoles brasileiras para a Copa do Mundo de 2014, no qual o Estado vem arcando com todos os riscos e investimentos em infraestrutura exigidos para a realização do megaevento, e o setor privado apenas colhe os benefícios, evidenciando a relação entre economia e política.
123
a estruturação do setor foi historicamente definida pela sua relação com o Estado,
como também o porte das empresas, faturamento, patrimônio, etc.” (Ibidem, p. 54).
Em síntese, diz Maricato:
As exigências contratuais para obras públicas eliminam da concorrência empresas de porte pequeno e médio, favorecendo as de grande porte, em sua maioria especializadas em construção pesada. Os rumos tomados pela política habitacional no Brasil, na década de 1970/80 mostram o poder político das empresas construção pesada: os recursos do SFH inicialmente destinados exclusivamente à habitação, são em parte, gradativamente, até meados da década desviados para grandes obras de infra-estrutura (social ou não) urbana: saneamento básico, transportes, etc. (MARICATO, 1983, p. 55).
Nestas condições, consoante Maricato, na guerra de interesses
intracapitalistas, as empresas do subsetor construção pesada tiveram maior poder
político e econômico para conseguir, inclusive, reorientar os investimentos do BNH
que ao primeiro momento tinha como prioridade a provisão de habitações, e passa a
investir um montante maior no desenvolvimento urbano, favorecendo as empresas
de construção pesada.
Em sua tese, segundo mostra Maricato (1983), enquanto os programas
habitacionais têm sua participação diminuída sucessivamente nos orçamentos
anuais de 1969 a 1976, os programas de desenvolvimento urbano com obras de
saneamento, transportes, urbanização têm sua participação crescente, chegando a
atingir um pico em 1976.
Em consonância com o exposto, a autora reafirma o caráter produtivo da
indústria da construção pesada para a economia, argumentando que os
investimentos em indústria de construção no interior do governo autoritário foram
fundamentais para o adiamento da crise econômica no Brasil verificada na década
de 1980.
Sobre este processo, de acordo com Seabra (2000), o Estado entra em
cena para criar e manter condições gerais e sociais de reprodução das empresas e
com isso socializar os custos de reprodução do capital. Na argumentação da autora,
a ação do Estado, no tocante à materialidade do espaço, tem na construção das
infraestruturas um fazer e refazer sem fim, afinal: “Produzir materialmente a cidade
foi e tem sido um grande negócio.” (Ibidem, p.74).
Conquanto, podemos observar que as intervenções projetadas pela
economia política no espaço trazem um caráter de classe, pois sua orientação está
124
na reprodução das relações de dominação econômica, como estamos sustentando.
No entanto, ao tratar dos processos econômicos e políticos em nível nacional, bem
como das tendências e ajustes capitalistas relativos aos investimentos na indústria
da construção, não tratamos das relações, articulações, projetos de classe em nível
da ordem próxima.
A nosso ver, ao tratar das relações entre os agentes produtores do
espaço em nível local, estaremos acrescentando elementos imprescindíveis ao
entendimento da produção das desigualdades socioespaciais, sem os quais
cairíamos em uma discussão em termos de estrutura infértil para elucidação das
articulações e dominações de classe.
125
4 PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS EM MOSSORÓ: ARTICULAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE OS AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO
Os Rosado, que são conservadores, passam uma imagem de progressistas e, nessa dialógica de acomodação dos contrários, criam um culto à liberdade, quando a sua prática política passa por uma
liturgia de dominação de pessoas e instituições. Lacerda Felipe
Nos capítulos anteriores tratamos o processo de urbanização de Mossoró
enfocando o problema das desigualdades socioespaciais e também abrimos uma
discussão sobre os aspectos econômico e político como condicionantes do
aprofundamento das desigualdades na cidade.
Como evidenciamos, o processo de urbanização em Mossoró vem se
consolidando nas últimas três décadas, alicerçado principalmente em três pilares
econômicos (extração de petróleo, de sal e agronegócio de frutas tropicais), com o
total apoio político das esferas governamentais local, estadual e nacional.
Não obstante o crescimento econômico na/da cidade, há uma
concentração dos níveis de renda em determinados bairros e classes sociais, bem
como uma seletividade e concentração das infraestruturas urbanas nestes mesmos
bairros com renda mais elevada.
Nesta ótica, salientamos a necessidade do entendimento da produção
das infraestruturas e não apenas do consumo coletivo, a título de crítica da
economia política do espaço no relacionado às políticas econômicas praticadas
como política urbana.
Para explicitar a lógica da economia política do espaço e aprofundar os
argumentos em torno de sua crítica, é preciso ir além da análise da estrutura,
elencando elementos de conjuntura nacional, regional e local. A este respeito,
objetivamos apresentar uma discussão sobre a articulação entre os agentes
produtores do espaço na conjuntura da política urbana na cidade de Mossoró.
126
4.1 Os agentes produtores do espaço em disputa po r uma concepção de cidade
No âmago do debate sobre a política urbana, um tema a despertar
intensas polêmicas desde meados da década de 1970 é aquele em torno da crítica
da análise estruturalista marxista. Para os críticos, esta literatura nega o papel dos
sujeitos sociais na produção do espaço e, portanto, produz um discurso genérico, o
que não contribui em termos de pesquisa para desvendar os processos urbanos
contemporâneos.
Vale lembrar que o pioneiro na empreitada estruturalista marxista foi
Althusser, constituindo escola. Para Anderson (2004), este filósofo produziu uma
reformulação drástica na teoria de Marx ao incorporar Espinosa em sua grade de
conceitos. Segundo Anderson (2004, p.84), “quase todos os novos conceitos e
ênfases do marxismo de Althusser foram tomados diretamente de Espinosa”.
Ainda segundo Anderson (2004), Althusser construiu seu caminho ao
estruturalismo com suas tentativas anacrônicas de transposição de conceitos, como
no caso de seu conceito de “causalidade estrutural” que é emprestado de Espinosa,
quando este defende Deus como causa immanens.
Assim, com o entendimento da realidade como um todo estruturado,
Althusser nega a possibilidade da experiência e até da pesquisa empírica como
acúmulo para o conhecimento cientifico. Desse modo, cai em análises simplistas, e
nega a possibilidade do novo no movimento espiral da realidade. Nas palavras de
Anderson:
Mais significativo ainda, o ataque apaixonado de Althusser contra as ilusões ideológicas da experiência imediata em oposição ao conhecimento cientifico próprio da teoria e contra todas as noções dos homens e classes como sujeitos conscientes da história, e não como “suportes” involuntários das relações sociais, era uma reprodução exata da denuncia de Espinosa da experientia vaga como fonte de todos os erros. (ANDERSON, 2004, p. 84).
De acordo com Lefebvre (1968), a ciência unitária estruturalista proposta
por Althusser está ligada a uma estreita noção do real, pois elimina a exploração do
campo de possibilidades e impossibilidades, separando-se do real, em última
instância. Como ressalta:
127
O erro metodológico fundamental de L. Althusser é ficar no interior da forma e das questões formais, procedendo a uma formalização sem ter elucidado a “forma” e sua relação com o conteúdo. Ele se mantém assim no quadro de uma teoria em segundo grau do conhecimento, em lugar de refletir sobre as diligencias que hoje permitem adquirir conhecimentos (por exemplo, sobre os problemas urbanos, sobre a planificação, sobre a questão agrária, sobre a questão do Estado e da tecnocracia, etc.) (LEFEBVRE, 1968, p. 103-104).
Contudo, negar as classes sociais como sujeitos ativos no modo de
produção capitalista é um dos principais erros de Althusser. Desse modo, ele
considera as transformações sociais como eventos na estrutura, coisificando a
realidade social.
Nesse prisma é fortuito trazer à tona as indicações de Marx. Segundo
Ridenti (2001, p.13-14), podemos identificar o termo classes sociais em Marx em um
sentido amplo e restrito. No sentido amplo, o termo classe “identifica os grandes
grupos humanos que se relacionam e lutam entre si para produzir o próprio sustento,
criando relações de dominação para apropriarem-se do excedente gerado além do
mínimo necessário à subsistência”. Para Ridenti (2001), tendo em vista a
perspectiva ampliada, foi formulada a conhecida frase de Marx (1977), segundo a
qual “a história de todas as sociedades até nossos dias tem sido a história das lutas
de classes.”
Ao mesmo tempo, como indica o autor, no sentido restrito, só caberia falar
em classes nas sociedades industriais capitalistas, quando surge uma classe
burguesa, que concentra em suas mãos a propriedade dos meios de produção.
Assim, os trabalhadores veem-se obrigados “a vender sua força de trabalho para
sobreviver, e só constituem-se propriamente como classe quando se associam para
lutar contra a exploração a que são submetidos. Nesse sentido especifico aparece
as classes n´O capital.”(RIDENTI, 2001, p.14).
Vale salientar, porém: contemporaneamente, vem ganhando força uma
análise formalista, que prioriza quantificar os salários recebidos pelo chefe de
família, formando classes em torno do poder de consumo, negando as análises
dialéticas sobre a totalidade do modo de produção. De nossa parte, entendemos a
necessidade de uma primeira aproximação a partir do nível salarial, como fizemos
no segundo capítulo, mas acreditamos em uma análise das classes que defina o
papel por ela ocupado na produção.
128
Nessa conjuntura, tendo como base a teoria marxista, Romcy (2011)
observa a tendência a uma dualidade no interior da classe trabalhadora no
capitalismo contemporâneo. Com fundamento na sua pesquisa na região de
Mossoró, a autora afirma que a grande maioria dos trabalhadores da região ganha
salários que pouco suprem as condições de subsistência, enquanto uma minoria
está empregada em altos cargos com bons salários
É importante ressaltar o caráter diminuto desses trabalhadores
especializados, os quais ocupam cargos com altos salários e alto poder de consumo,
formando uma classe média50, que não é proprietária dos meios de produção, mas
adentra de forma específica a organização do trabalho capitalista, em contradição
com a grande maioria da população da cidade, que vem se inserindo no mercado de
trabalho da cidade de forma precária.
Como fica claro, as remunerações dos gestores não obedecem aos
mecanismos que regem os salários da classe trabalhadora em geral, pois seus
salários estão diretamente relacionados à mais-valia acumulada pela empresa e
dessa maneira “tal como os burgueses, embora por formas jurídicas diferentes,
apropriam-se da mais-valia extorquida.” (BERNARDO, 2009, p. 274).
Essa fatia da classe trabalhadora remunerada com altos salários,
entendida como gestores, ou classe média, acirra uma contradição no interior da luta
de classes, que agora não pode mais ser lida apenas como uma luta entre os
proprietários dos meios de produção e despossuídos. Aliás, cabe ressaltar, a luta de
classes no mundo contemporâneo é muito mais complexa que na Inglaterra do
século XIX.
Conforme se sabe, as contradições capitalistas já saíram da esfera
restrita da produção para se encontrar como totalidade na esfera da produção da
vida, da produção do cotidiano (LEFEBVRE, 1999).
De todo modo, encaminhando a crítica da literatura estruturalista no
debate da política urbana, Marques (2003) reafirma a crítica a Castells, pois este
entende a cidade como lócus de reprodução da força de trabalho e, para ele, as
ações do Estado na cidade teriam como objetivo viabilizar a reprodução da força de 50 Lefebvre (1976, p. 17) afirma que “o Estado racional, portanto, constitucional, tem, segundo Hegel, uma base social: a classe média. Nesta classe se encontra a cultura que vai ao encontro, sustentando-a, da consciência do Estado. Não existe Estado moderno sem classe média, sua base tanto no que diz respeito à inteligência como à legalidade. [...] nesta classe média recrutam-se seja por cooptação, seja por via de concurso, os funcionários. Uma burocracia competente, selecionada mediante provas severas, eis a verdadeira base social e substancia do Estado.”
129
trabalho, ao auxiliar a reprodução do capital. Nesse sentido, para Castells, uma
política pública como a melhoria dos transportes, a promoção de habitação, não
estaria beneficiando a classe trabalhadora, mas garantindo a reprodução da força de
trabalho e os processos de acumulação.
Outra análise a se encaixar na vertente estruturalista, segundo Marques
(2003), é desenvolvida por Lojkine(1981). Para ele, a cidade não seria lugar do
consumo coletivo, mas da reprodução das condições gerais de produção, que
incluiria transportes, comunicação, energia, água e esgoto, pois disso depende a
reprodução do sistema como um todo. Na visão de Marques (2003), ambas as
leituras ora citadas limitam o espaço de ação do Estado, ao entendê-lo apenas como
reprodutor das condições de produção.
Em discordância às perspectivas ora mencionadas, o autor define a
perspectiva neoinstitucionalista, e nela reivindica participação. Conforme
Marques(2003), em termos abstratos parte-se da premissa de serem as políticas
públicas definidas pela interação entre atores no interior de ambientes institucionais
e relacionais presentes nas comunidades políticas. E complementa:
As dinâmicas políticas são resultado dessas interações, tendo em conta os constrangimentos das instituições e das redes de relações pessoais e institucionais presentes. Essas dinâmicas são fortemente influenciadas por legados, já que tanto o ambiente institucional e as redes, quanto a própria política pública, são historicamente construídas. (MARQUES, 2003, p. 47).
Em um nível, segundo o autor, concreto, destacam-se três atores
considerados principais, por suas posições de poder mais vantajosas. São eles (1)
os membros da classe política, (2) os capitais envolvidos com a produção concreta
das obras contratadas pelo Estado e (3) os técnicos membros da burocracia do
Estado.
Esses atores conformam uma rede de relações complexa, no âmbito
pessoal, profissional, institucional e político. Nessa perspectiva, segundo Marques
(2003, p. 112): “Não importa se as empresas que se encontram conectadas ao
núcleo do poder (ligadas a pessoas que têm muitos contatos e próximas do
secretário) têm capitais elevados ou não, o que interessa é a intensidade dos seus
padrões de vínculo.”
No interior desse jogo de relações, ele enfatiza o papel da burocracia na
leitura das políticas públicas e afirma:
130
Políticas são implementadas por técnicos que têm seu poder parcialmente originário de vínculos com políticos eleitos, mas também o retiram de seu conhecimento técnico e do funcionamento da máquina estatal. Os políticos necessitam desses técnicos (e de seus saberes) para realizar bons governos, independente de suas diretrizes de política, pois mesmo o mais maximizador dos políticos precisa das organizações do Estado e de seus funcionários para transformar decisões em resultados. (MARQUES, 2003, p. 102-103).
Quanto às empresas do setor construção, igualmente integrantes das
redes de relações, também são de grande importância na análise das dinâmicas e
articulações no interior das políticas públicas. Nas palavras do autor:
As empresas privadas de construção representam um dos mais destacados setores das empresas nacionais na economia brasileira, sendo que constituem, para alguns autores, um dos principais sustentáculos da chamada tríplice aliança entre o capital nacional, o multinacional e o Estado, tripé que instaura e desenvolve o capitalismo no brasileiro. (Lessa e Dain, 1982). Sua importância foi sendo desenvolvida paulatinamente, desde o início do processo de contratação, pelo Estado, de empresas privadas para a construção de obras e serviços de engenharia na década de 1940. Um elemento central na dinâmica desse setor econômico é o seu caráter intrinsecamente político – como trata-se de um mercado onde o único comprador é o Estado (oligospônio público), os preços são fortemente influenciados pelo seu comportamento e há fortes incentivos para a construção de vínculos entre os vendedores e os órgãos públicos, de forma a interferir nos preços e nas encomendas. (MARQUES, 2003, p. 196).
No entanto, para Marques, algo de significativo tem sido negligenciado
pela literatura de estudos urbanos, isto é, o fato de diferentes governos produzirem
políticas de conteúdos diversos. Na ótica de Marques (2003), o padrão de
investimentos é influenciado pela inclinação político-ideológica do prefeito, pois
“governantes de esquerda tendem a implementar um padrão de inversões mais
redistributivo socialmente do que a direita, que implementa política mais regressiva
socialmente.” (MARQUES, 2003, p. 222).
Ao discutir seu estudo das políticas desenvolvidas na prefeitura de São
Paulo nos governos de Paulo Maluf e Luísa Erundina, segundo argumenta este
autor, alguns poderiam sugerir, após a leitura, que existiria uma captura do Estado
por capitais envolvidos na produção do ambiente construído, porém:
Essa captura, entretanto, não é estrutural, mas parte do processo político, sendo reproduzida na arena eleitoral que decide o controle dos cargos eletivos no período democrático, assim como no interior do próprio Estado, onde a dinâmica da rede da burocracia reforça o controle sobre a política pública produzido pela hegemonia da direita no campo eleitoral.(MARQUES, 2003, p. 39).
131
De nossa parte, concordamos em grande medida com a citada
argumentação no concernente aos aspectos relacionais entre as instâncias
econômica, política e social, bem como com a necessidade de reforçar o estudo
sobre as dinâmicas locais das políticas públicas. Contudo, acreditamos na
necessidade de uma distinção clara entre Estado e governo.
Nesse sentido, Souza (2006; 2010), pensando na ação dos movimentos
sociais urbanos, defende a necessidade de distinção entre o Estado51 como
estrutura e o governo como conjuntura, pois: “A utilização dessa margem de
manobra não há de se fazer, sem dúvida, sem muita cautela, exatamente porque
não se deve esquecer que, estruturalmente, o Estado não serve à liberdade, mas
sim à sua restrição e, em situações-limite, à sua supressão.”(SOUZA, 2010, p. 26).
De todo modo, convém destacar que a análise propiciada por Marx em
sua crítica da economia política de forma alguma nega o papel dos sujeitos sociais,
pelo contrário, procura enfatizar a produção social da realidade em contraponto ao
fetiche da mercadoria, a coisificação da realidade e a alienação em seus diversos
âmbitos. Estes são entendidos como elementos contraditórios contribuindo com a
tendência de afastar o homem de sua obra.
Na oitava tese Ad Feuerbach, Marx (2007, p.534) é enfático: “Toda vida
social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao
misticismo encontram sua solução na prática humana e na compreensão dessa
prática.”
Assim, como assevera Kosik (1976, p.49), em busca da superação da
mistificação do real pela economia política, o princípio metodológico da investigação
51 Na perspectiva defendida por Souza (2006), bem como por Marx (2008) o objetivo último de um movimento social organizado em busca da transformação social não é a construção de outro Estado, mas sim da autogestão generalizada, tendo a experiência da Comuna de Paris de 1871 como grande exemplo. Para uma crítica do capitalismo de Estado na União Soviética, ver Pannekoek (2007), Korsch (2008) e Debord (1997). Também faz-se importante explicitar o debate em Marx acerca do Estado. Como afirma Harvey (2005), em Marx não encontramos uma teoria sobre o Estado, mas apenas fragmentos dispersos. De nossa parte, acreditamos que em sua obra Guerra Civil na França (2008) fica claro uma mudança de opinião acerca da leitura do Estado, pois em outras obras como “Lutas de classe na França” ou “Manifesto comunista” ele defende a tomada do Estado como uma etapa de transição para o comunismo, assim como Lênin. Em “Guerra Civil na França” Marx mostra as origens do Estado absolutista como necessidade e força da classe burguesa recém-nascida, no intuito de acelerar a passagem do feudalismo para o capitalismo, deixando claro o caráter de classe do Estado. Nas palavras de Marx(2008, p 399): “Mas a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria de Estado já pronta e fazê-la funcionar para seus próprios objetivos. O poder centralizado do Estado, como seus órgãos onipresentes: exercito permanente, polícia, burocracia, clero e magistratura – órgãos forjados segundo o plano de uma sistemática e hierárquica divisão do trabalho – têm origens nos dias da monarquia absoluta, ao serviço da nascente sociedade burguesa como arma poderosa nas suas lutas contra o feudalismo. ”
132
dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de
tudo “significa que cada fenômeno pode ser compreendido como momento do todo”.
Em sua definição, Kosik (1976) afirma que a dialética não pode entender
a totalidade como um todo já feito e formalizado que determina as partes, pois seria,
de fato, uma falsa totalização, manifestando- se no princípio abstrato que despreza a
riqueza do real.
Neste caso, alerta para o fato de que o aspecto cotidiano como prática
traz o novo como possibilidade. Seja como for, isto não significa ser este (o novo)
um elemento externo ao mundo material; pelo contrário, porquanto este é produto
das contradições dialéticas da totalidade produzindo o novo. Em suas palavras:
Só uma concepção da matéria que na própria matéria descubra a negatividade e, por conseguinte, a capacidade de produzir novas qualidades e graus de evolução superiores, proporciona a possibilidade de explicar materialisticamente o novo como uma qualidade do mundo material. (KOSIK,1976, p.35).
Com isso, Kosik ressalta a importância da pesquisa como elemento
fundamental para desconstrução de hipóteses cristalizadas, pela apreensão da
riqueza do novo. Até este ponto, segundo podemos observar, a crítica da economia
política proposta por Marx traz o germe de ambas, mas busca sua superação,
mediante a aproximação com a práxis concreta.
A este propósito, Lefebvre (2001) alerta para as relações diretas entre
pessoas e grupos na produção do espaço. Ele as denomina de ordem próxima,
superando a análise estrutural da produção do espaço que se furta a analisar as
articulações mais íntimas. A questão é: existe uma interação dialética entre ordem
próxima e distante, pois a totalidade não está presente imediatamente na cidade. Há
outros níveis de realidade que não são transparentes por definição. Para Lefebvre
(2001, p. 48): “A ordem distante se projeta na/sobre a ordem próxima. Entretanto, a
ordem próxima não reflete a ordem distante na transparência”. E ele diz mais:
Apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade da cidade (dos fenômenos urbanos). A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com sua composição e seu funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e agricultura, poder ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados, etc.), com sua história. Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não são resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre pessoas e grupos que compõem a sociedade (famílias, corpos organizados, profissões, corporações, etc.); ela não se reduz mais à organização dessas relações
133
imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem às mudanças nessas relações. Ela se situa num meio termo, a meio caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima (relações dos indivíduos em grupos mais ou menos amplos ,mais ou menos organizados e estruturados, relações desses grupos entre eles) e a ordem distante, a ordem da sociedade, regida por grandes e poderosas instituições (igreja, Estado), por um código jurídico, formalizado ou não, por uma cultura e por conjuntos significantes. [...] essa ordem distante se projeta na realidade prático-sensível, torna-se visível ao se inscrever nela. [...] a cidade é uma mediação entre as mediações. (LEFEBVRE, 2001, p.46).
Note-se o seguinte: ao enfatizar tal relação, o autor alerta sobre a
produção social do espaço, construindo uma crítica à coisificação do espaço, que
entende o espaço como um ente e não como processo em produção. Mencionada
condição atribui um privilégio à dimensão técnica em detrimento da social, da coisa
ao invés do homem, possibilitando o surgimento dos tecnocratas, homens que
detêm as “competências” e “eficácia” para tratar da problemática das cidades.
Para Lefebvre (1969), os chamados “tecnocratas”, que são vistos em
ação no setor público da economia e da vida social, na realidade não comandam,
“dispõem apenas de um poder de decisão limitado; com efeito, engenheiros que se
tornaram administradores executam ordens, as ordens do poder político que dispõe
das variáveis estratégicas.” (Ibidem, p. 15).
Fica, pois, claro que a economia política como prática articula os agentes
produtores do espaço em todos os níveis e dimensões da realidade social, desde a
escala mundial, passa pela nacional e chega até a escala da cidade.
Em síntese, a nosso ver Gottdiener (1989; 1997) tem razão ao recuperar
o debate em torno da política urbana no tocante ao que ele denomina de estrutura e
ação. Nesta ótica, enfatiza a necessidade de uma abordagem sintética que
proporcione a união de ambos os momentos para o entendimento da produção
social do espaço urbano em uma totalidade52.
52 Um importante estudo que encontra os sujeitos na produção do espaço é o de Davis (2009) que ao discutir as linhas de poder na constituição da cidade de Los Angeles, reconstrói a história do poder na cidade como uma sucessão de hegemonias de elites sobre a política local, desde o século XIX até o fim do século XX. Para o autor: “É obvio que a complexidade policêntrica do sistema de elites já não é mais susceptível aos ditames de nenhuma dinastia única. Mas, se Los Angeles deixou, há muito tempo, de ser uma cidade proviciana com um único ‘comitê executivo da classe dominante’, ainda está longe de ser um mero loteamento de riqueza e poder difusos. O poder político na Califórnia meridional permanece sendo organizado pelas grandes constelações de capital privado, as quais, como em outros lugares, agem como governo permanente nas questões locais.”(DAVIS, 2009, p. 124). Outro autor que empreende uma discussão em torno dos sujeitos na produção do espaço é Jameson(2001), ao apresentar mais de perto as pessoas que fizeram a história espacial de Nova York. O autor se pergunta se poderíamos apresentar Robert Moses, a figura do planejador, o identificando como o agente e o vilão central nas transformações da cidade? Jameson (2001, p. 186) se questiona: “Moses foi realmente um ator da história, estava realmente atuando por si só?” respondendo o questionamento, o autor afirma que o indivíduo Moses não é representativo o suficiente para explicar e justificar toda a história, pois se
134
Consoante explicita:
Não pode haver uma análise econômica que seja marxista a menos que expliquemos a natureza social do capitalismo. Isso requer o emprego do raciocínio dialético e uma avaliação da maneira simultânea pela qual as categorias marxistas são ao mesmo tempo sociais, políticas e econômicas. (GOTTDIENER, 1997, p. 196).
Neste ponto da argumentação, o autor afirma que a intervenção dos
agentes produtores do espaço na reestruturação capitalista do espaço se dá na
forma de redes de crescimento. Para ele, tais redes são, amiúde, coalizões público–
privadas as quais se mantêm através de burocracias locais profundamente
dependentes do crescimento.
Assim, conforme a argumentação do autor, as atividades das redes de
crescimento envolvem tanto a intervenção direta do Estado quanto uma certa
relação política que serve de suporte público para um comando partidário. Em
alguns casos, o governo local, por necessitar de legitimação política, se torna
sensível às reivindicações sociais. Confirma, assim, a tese do autor segundo a qual:
“As redes de crescimento não são meros manipuladores econômicos do espaço,
mas são compelidas pelo processo político.” (GOTTDIENER, 1997, p. 221). Ainda
como afirma:
A perspectiva produção social de espaço, especificada pela articulação dialética entre ação e estrutura, difere da perspectiva convencional num sentido fundamental, qualitativamente único. Em sua essência, a teoria convencional vê o ambiente construído como o resultado de milhares de decisões de demanda tomadas por grandes quantidades de atores urbanos separados: comerciantes, banqueiros, proprietários de casa própria e semelhantes. Ao meu ver, as formas de espaço são produzidas, ao contrário, pelo que se convencionou especificar como de articulação entre
faz necessário um agente que seja tanto um indivíduo quanto um representante da coletividade ao mesmo tempo. É aí que Jameson orienta seu enfoque para o entendimento do poder da família Rockefeller na produção do espaço de Nova York. No entanto, para o autor: “Tal enfoque numa família pode desagradar marxistas acadêmicos, para quem o capitalista é apenas a personificação do capital abstrato e que acreditam austeramente que qualquer discussão sobre indivíduos na analise econômica representa uma concessão ao populismo e ao empirismo” (JAMESON, 2001, p. 188). Outra autora que traz a perspectiva dos sujeitos na produção do espaço é Carlos (2011, p. 64), Para ela: “A noção de ‘produção do espaço’, como vimos, importa conteúdos e determinações, obriga-nos a considerar os vários níveis da realidade como momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade em sua complexidade. Obriga-nos a considerar o sujeito da ação: o Estado, como aquele da dominação política; o capital, com suas estratégias objetivando sua reprodução continuada (e aqui nos referimos às frações do capital, o industrial, o comercial e o financeiro e suas articulações como os demais setores da economia, como o mercado imobiliário); os sujeitos sociais que, em suas necessidades e seus desejos vinculados à realização da vida humana, têm o espaço como condição, meio e produto de sua ação. Esses níveis correspondem àqueles da prática sócio-espacial real (objetiva e subjetivamente) que ganha sentido como produtora dos lugares, encerrando em sua natureza um conteúdo social dado pelas relações sociais que se realizam num espaço-tempo determinado, como um processo de produção, apropriação, reprodução da vida, da realidade e do espaço em seus descompassos, portanto fundamentalmente, em suas contradições.”
135
estruturas capitalistas tardias e as ações do setor propriedade, especialmente os efeitos de grupos escolhidos e do Estado na canalização do fluxo de desenvolvimento social para lugares e modelos específicos. (GOTTDIENER, 1997, p. 226).
No caso específico de nosso estudo, cabe destacar que Mossoró nos
primeiros anos do século XXI experimenta um processo de reestruturação de seu
ambiente construído. Sobressai a ampliação de vias, com os primeiros passos para
a consolidação do distrito industrial da cidade, mediante forte política de dotação de
infraestruturas econômicas, revitalização do espaço central com as obras na avenida
Rio Branco, bem como obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de
Mossoró.
Nesses casos, evidenciamos interação direta entre as escalas mundial,
nacional e local, na medida em que no contexto atual o financiamento das obras
vem de repasse do governo federal via PAC, com contrapartida da prefeitura. Se
observarmos historicamente, as primeiras obras de ampliação da infraestrutura
urbana na cidade também ocorreram em uma conjuntura similar, com o
financiamento do BNH e mediação local. Contudo, a escala mundial aparece nas
situações de crise econômica, aplicando a política urbana como uma política de
ajuste econômico nacional.
Ao avançar para a compreensão de nossos objetivos de pesquisa, no
tocante às tramas para implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário, no
nível da cidade, em entrevista com o secretário municipal de Desenvolvimento
Territorial e Meio Ambiente, em fevereiro de 2011, ele comenta as articulações
locais no intuito de promover uma política de implantação da infraestrutura de
esgotamento sanitário em Mossoró. Nesse caso, apresenta uma versão segundo a
qual a grande responsável pelo avanço na implantação de tal infraestrutura na
cidade ainda no início dos anos 2000 se chama Rosalba Ciarline.
A esse respeito, de acordo com a revista da prefeitura de Mossoró (2004),
a então prefeita municipal Rosalba Ciarline (1996-2004) havia implantado uma
política de saneamento entre os anos de 2000 e 2004 em que ampliava
desmedidamente as áreas atendidas pelo esgotamento sanitário. Conforme a
reportagem:
Por conta das obras de esgotamento, Mossoró abriu caminho para a verticalização. Até então, alguns edifícios isolados eram construídos sem contar com o projeto de esgotamento sanitário, o que provocava transtornos. “O saneamento, de forma evidente, também incentiva a
136
verticalização imobiliária. Não é possível a construção de um prédio de vinte andares sem saneamento básico. É um marco na nossa administração”, explica Rosalba. (REVISTA DA PREFEITURA DE MOSSORÓ, 2004).
Neste período, destaca-se a construção do plano diretor participativo de
Mossoró em 2006, com base no Estatuto da cidade (cf. LEI 10.257/2001), do qual
participaram representantes de comunidade, entidades sindicais, administradores
públicos, classe empresarial, entidades acadêmicas, cada qual com seus objetivos.
Concluído o documento, no referente ao texto sobre o sistema de
abastecimento de água e esgotamento sanitário consta o seguinte:
Para garantir a saúde e o bem estar da população, o Município deverá prover a população urbana e aglomerados rurais de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, observando as seguintes diretrizes: I – assegurar o abastecimento de água e o esgotamento sanitário para toda a população do Município; II - controlar a portabilidade das águas distribuídas para abastecimento humano; III - reservar áreas para a instalação dos equipamentos necessários ao sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, de acordo com os projetos para instalações da rede pública; IV – exigir dos novos loteamentos, condomínios, construções e empreendimentos de impacto garantia de sistema adequado de abastecimento de água e esgotamento sanitário; V - controlar e orientar a implantação de sistemas alternativos nos locais de população de baixa renda; VI – priorizar a implantação dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos aglomerados urbanos de maior densidade atendendo requisitos de ordem técnica e de saúde pública que influenciam a necessidade urgente do serviço; VII – assegurar a vinculação da remuneração dos serviços de esgoto ao abastecimento d’água; VIII – estimular a criação de sistemas de reuso de água. (PLANO DIRETOR DE MOSSORÓ, 2006, Seção III, Subseção I, Art. 29).
Como evidenciado, a construção do plano diretor se dá em meio às
inúmeras políticas públicas de dotação de infraestrutura urbana no início dos anos
2000, com verbas advindas do Ministério das Cidades, recém-criado.
Nesse contexto, segundo observamos, a Rosário Edificações e
Pavimentação Ltda. (REPAV) foi sendo constantemente a construtora escolhida
para a realização de obras públicas na cidade. Em seu site, a empresa se
autoapresenta:
A Rosário Edificações e Pavimentação Ltda. – REPAV – iniciou suas atividades com a realização de obras públicas. Já na década de 90, começou o trabalho com incorporações que tem mudado a paisagem da cidade e realizado o sonho da casa própria para muita gente. Grandes obras públicas também estão em seu portfólio e já fazem parte do cotidiano das pessoas, como o Ginásio de Esportes Engenheiro Pedro Ciarlini, o Memorial da Resistência e a Praça da Convivência. Além de obras com utilidade pública, como a Expansão da rede de saneamento básico de Mossoró e a construção de milhares de casas vinculadas ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, as edificações comerciais
137
também constam em seu currículo, como a imponente sede da distribuidora de alimentos Uvifrios, em Mossoró, e agora o moderno Centro Empresarial Caiçara, uma revolução no visual e no espaço do centro da cidade.53
Assim, a REPAV tem trânsito livre no poder público da cidade, sendo
responsável pela execução de grandes obras, entre as quais, a implantação da
infraestrutura de esgotamento sanitário, objeto de interesse de nosso trabalho.
Na conjuntura local, podemos perceber a visível influência exercida pelo
empresário. Durante grande parte da primeira década do século XXI, como é
possível verificar no SIS do Ministério do Trabalho, ele foi presidente do Sindicato
das Indústrias da Construção Civil de Mossoró (Sinduscom) até o ano de 2010,
tendo se licenciado em 2011.
Em entrevista ao site da FIERN em 2009, ano de sua reeleição para o
cargo, Jorge Rosário54 assim se pronunciou:
O mandato que foi renovado tem como uma das principais marcas a participação nas discussões que interessam ao setor. Ele lembra que o Sindicato da Construção Civil esteve presente, por exemplo, no debate para a elaboração do novo plano diretor da cidade. “Tivemos uma participação pró-ativa desde o início da gestão, nos momentos em que questões que interessam à construção civil estiveram em discussão. Agora, está em discussão o código de obras, a redução do ISS (Imposto Sobre Serviço), afirma”55.
Nesse contexto, relembramos a teoria de Correa (1989) inerente à
atuação dos agentes produtores do espaço. No caso, observamos uma articulação
íntima entre o proprietário dos meios de produção, a construtora, inclusive
conduzindo o sindicato patronal da indústria da construção, em articulação com os
proprietários fundiários e o próprio Estado, tendo em vista a valorização de
determinadas áreas da cidade a partir da implantação de infraestruturas. Não foi a
prefeita de Mossoró quem afirmou: “O saneamento básico projetado em nosso
governo lançou as bases do atual boom imobiliário.”?
Neste ponto da discussão, cabe mencionar as diretrizes do plano diretor
de Mossoró no tocante à criação de áreas especiais, no intuito de “induzir e restringir
53 Disponível em - <http://www.repavconstrutora.com.br/empresa.php> acessado no dia 13/06/2011. 54 A revista VEJA do dia 29/10/2011 destaca a empresa REPAV como uma construtora que vem crescendo em conjunto com o crescimento da cidade de Mossoró e afirma que: “Jorge Rosário é o retrato da força econômica de Mossoró(RN). O faturamento de sua construtora cresceu quinze vezes desde 2000.” 55Disponível em - <http://www.rn.iel.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=159&Itemid=73>acessado no dia 13/6/2011.
138
os parâmetros e padrões de uso e ocupação do solo.”(PLANO DIRETOR DE
MOSSORÓ, 2006, Art. 45).
Nesse sentido, foi criada a Área Especial de Adensamento Urbano
(AEAU), no Bairro Nova Betânia e adjacências56, definida como: “A porção da cidade
destinada à aplicação dos instrumentos indutores do uso social da propriedade, de
modo a combater a especulação imobiliária e reduzir os vazios urbanos,
assegurando a otimização da infra-estrutura existente.”( PLANO DIRETOR DE
MOSSORÓ, 2006, Art. 46).
A este propósito, Elias e Pequeno (2010) apresentam uma argumentação
convincente:
Com isso, investidores privados e consumidores de moradia produzida pelo setor imobiliário tendem a voltar os olhos para um mesmo setor da cidade, promovendo, cada vez mais, a sua diferenciação social em relação às demais áreas e bairros. Configura-se, assim, a partir do que a nova política urbana estabelece, a reprodução de velhos processos com novas roupagens: a consolidação de uma cidade dividida entre a cidade do mercado imobiliário e a cidade informal; a disponibilidade de grandes vazios periféricos como alvo para programas habitacionais, pautados em velhos modelos. (ELIAS; PEQUENO, 2010, p. 256).
Somado à criação da AEAU, observamos a impressionante evolução do
acesso à rede geral de esgotamento sanitário no Bairro Nova Betânia durante a
primeira década do século XXI, como foi argumentado, contrariando as expectativas
de descentralização e ampliação do acesso ao serviço pelas classes mais pobres.
Com isso, tomando carona em torno do clima de crescimento econômico
e valorização do espaço, em 2004 a prefeita Fátima Rosado assume o mandato e
afirma seu desejo de continuar com as obras de saneamento na cidade. No entanto,
como já foi constatado, os investimentos em saneamento em Mossoró são
localizados nas áreas nas quais o mercado imobiliário tem grande atuação. Portanto,
entre aqueles que disputam as políticas na cidade, o mercado imobiliário sai
fortalecido.
Em reportagem no jornal O Mossoroense no dia 11 de março de 2011,
informava-se sobre a valorização do espaço local: “O preço do metro quadrado na
cidade cresceu vertiginosamente. De acordo com o atual presidente do Sindicato da
Indústria da Construção Civil (Sinduscom) em Mossoró, Weber Siqueira, o valor do
metro quadrado no bairro Nova Betânia, atualmente gira em torno de R$ 2.700.”
56 A este respeito verificar Elias e Pequeno (2010, p. 256), no qual é possível visualizar o cartograma acerca dos “instrumentos de combate à especulação imobiliária”, onde está delimitada a Área Especial de Adensamento Urbano, ou Mapa nº 05, Anexo 2 do plano diretor de Mossoró.
139
Na mesma reportagem é feita uma correlação entre a valorização do
espaço e as políticas de saneamento. Para o proprietário de uma imobiliária, Jansen
Nogueira, "essa grande valorização está muito interligada à construção de
condomínios horizontais e verticais na cidade. Isso foi resultado de investimentos em
infraestrutura, principalmente saneamento básico".
Atualmente, conforme questionamos, tendo em vista as contradições
relacionadas aos baixos índices de acesso à infraestrutura de esgotamento sanitário
e os problemas de saúde em bairros periféricos, em contraponto à orientação das
políticas públicas para valorização de determinados bairros, evidenciam-se as lutas
de bairro que têm como objetivo as melhorias em suas condições de reprodução
mediante acesso às infraestruturas, abrindo perspectivas e possibilidades de
organização social?
Nesse sentido, em entrevista no dia 17 de janeiro de 2011 com a
enfermeira do posto de saúde do Bairro Belo Horizonte, que preferiu não se
identificar, obtivemos a seguinte informação: “As principais doenças relacionadas à
falta de saneamento básico que temos no bairro são as verminoses, dermatite,
diarreia, dengue. Não encontramos casos de leptospirose. Muitos casos de doenças
que vêm até o posto estão relacionados à falta de saneamento básico.”
A enfermeira ainda informou que “o principal problema são as águas
utilizadas pela população, principalmente as crianças. Muitas doenças que
encontramos são de veiculação hídrica, devido os esgotos a céu aberto.” Em sua
opinião, o problema se encontra nos baixos investimentos em “atenção básica” – o
saneamento básico faz parte da política de atenção básica.
Em trabalho de campo57, entrevistamos Maria Joseilda de Oliveira, agente
de saúde do Programa Saúde na Família no Bairro Belo Horizonte e também vice-
presidente do conselho comunitário do bairro. Nessa ocasião, ela comentou sobre a
necessidade de conclusão das obras de saneamento interrompidas pela metade,
penalizando a população, com muitos buracos, esgoto a céu aberto. Em suas
palavras: “A população fez muitas reclamações relacionadas à paralisação das
obras no conselho comunitário. Enviamos ofício à prefeitura devido as reclamações
da população, pois já estava mais de um ano com os buracos abertos.”
57 No dia 16 /1/ 2011.
140
Ademais, em entrevista com uma moradora do Belo Horizonte58, segundo
afirmado: “O conselho comunitário é muito próximo da prefeitura, fazendo campanha
em época de eleição para o partido da prefeita. Assim, fica difícil organizar as
reclamações do bairro para a prefeitura, já que o conselho que deveria ser a favor
do bairro está com a prefeitura.”
No mesmo trabalho de campo, ao caminhar pelo Bairro Belo Horizonte,
conversamos com um morador da Rua Raimundo Jacinto da Costa, que em tom
indignado reclamou dos problemas da falta de esgotamento e da não conclusão das
obras por parte da prefeitura municipal. Ele afirmou que “existem problemas de
esgoto com o acúmulo de lixo, fedor diário, criação de animais na proximidade e
matança dos mesmos, que faz com que corra sangue fresco pelas valas dos
esgotos nas ruas.”
Ainda conforme este morador, a limpeza do esgoto vem sendo feita pelos
próprios moradores, haja vista as inúmeras doenças às quais as crianças estão
sujeitas por brincarem nos esgotos. Disse ele: “Em alguns locais o esgoto tem uma
profundidade maior que um metro, e a prefeitura não dá previsão de retorno das
obras.” A seguir, algumas fotos ilustrativas da situação no bairro ora citado.
Foto 13:Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte Foto 14: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte 16/1/2011 16/1/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
58 No dia 16 /1/ 2011.
141
Foto 15: Esgoto Bairro Belo Horizonte Foto 16: Bairro Belo Horizonte 19 /1/2011 19 /1/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo
Em entrevista com a enfermeira do posto de saúde do Santa Delmira no
dia 19 de janeiro de 2011, ela informou que:
O conjunto Santa Delmira é beneficiado com esgotamento sanitário, mas o Parque da Rosas, Promorar e Favela do Fio, que ficam próximos ao posto, não são. A maior parte dos atendimentos é do Parque das Rosas e é possível encontrar doenças relacionadas à falta de esgotamento sanitário como verminoses, diarreia. Isso se acentua em períodos de chuva, com casos nesses bairros de hepatite e dengue.
A enfermeira continuou: “É notório a diferença de saúde entre a
população do Santa Delmira e do Parque das Rosas. Em grande parte, a diferença
está na falta de esgotamento sanitário no Parque das Rosas, que acarreta maior
número de doentes.”
No conjunto Parque da Rosas, situado nas proximidades do Santa
Delmira, entrevistamos a presidente do conselho comunitário, dona Lúcia.59
Consoante ela informou, as reuniões do conselho comunitário sempre trazem como
reivindicação que a prefeitura tape as galerias de esgoto que estão a céu aberto. Em
suas palavras:
59 No dia 19 /1/ 2011.
142
As galerias servem apenas para passar o esgoto que vem do Santa Delmira, mas trazem problemas de acúmulo de lixo, ratos, fedor, baratas. Na Favela do Fio, as galerias de esgoto construídas pela prefeitura passam no quintal, ao lado das casas de família. A coleta de lixo passa constante, mas não está resolvendo os problemas. Segundo a prefeitura, não existe previsão nem para fazer o sistema de esgotamento sanitário aqui do parque das Rosas, nem para tapar as galerias.
Conforme informou a entrevistada, a fundação do conselho comunitário
do Parque das Rosas ocorreu em 26 de outubro de 1993, juntamente com a
fundação do conjunto, mas desde lá a população não tem muitas conquistas. E,
ainda: Existem reuniões do conselho comunitário uma vez por mês, junto com o
conselho do Abolição 4, Santa Delmira, Promorar, Favela do Fio. Mas, “quando
fazemos reuniões e mobilização com a comunidade em torno dos problemas da falta
de infraestruturas como escola, posto de saúde, esgoto, aparecem em torno de 100
pessoas.” Dona Lúcia prossegue:
No Parque das Rosas não tem posto de saúde, por isso temos de ir ao posto do Santa Delmira. Não tem escola, temos de ir procurar o CAIC do Santa Delmira. Crianças de 8 anos tendo de atravessar duas pistas sozinhas. O Parque das Rosas não tem nada, dependemos das infraestruturas do Santa Delmira. O conjunto existe desde 1992, com a construção das casas em uma parceria entre prefeitura e governo. Fizeram o cadastro nas favelas para morar aqui. Eu por exemplo, morava na Favela do Abolição 3, mas tem pessoas de várias favelas da cidade. Desde de a construção do conjunto, nunca implantaram as infraestruturas necessárias.
Em corroboração a este depoimento, expomos algumas fotos
representativas da falta de infraestruturas e das condições precárias de moradia no
conjunto Parque das Rosas e Favela do Fio.
Foto 17:Galeria de esgoto Parque das Rosas Foto 18: Esgoto a céu aberto Favela do Fio 19/1/2011 19/1/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo
143
Foto 19: Crianças brincando no lixo Favela do Fio Foto 20: Favela do Fio 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Foto 21: Favela do Fio Foto 22: Favela do Fio 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.
Sobre a problemática de saúde relacionada à falta de esgotamento,
também entrevistamos a diretora do departamento de atenção integral da Secretaria
de Saúde. Obtivemos informações sobre os trabalhos com a construção do perfil
epidemiológico, a denominada territorialização do município.
Segundo a entrevistada, as políticas públicas de saúde partem do
“entendimento de território como ambiente no qual a população está inserida. A
depender do território a população está mais apta ou não a contrair doenças.”
Ela ainda informou que a caracterização propiciada pelo PSF identifica
problemática de falta de saneamento: esgoto, lixo e água tratada. “Essa
caracterização gera uma demanda de política pública, pois é perceptível a mudança
no perfil de saúde em áreas saneadas.” Complementarmente, afirmou que “as
políticas de esgotamento partem de necessidades já sentidas na Secretaria de
Saúde.”
Uma área na qual a Secretaria de Saúde identificou riscos e agravos
relacionados à falta de esgotamento sanitário foi nos Bairros Belo Horizonte e Santa
144
Helena, ambos territórios caóticos com muitos casos de diarreia em crianças.
Segundo a diretora, “diarreias, verminoses, são identificados principalmente em
bairros sem esgotamento sanitário.”
Conforme destacado em entrevista com a gerente de Saúde da Prefeitura
de Mossoró60, de 800 a 1.000 famílias são atendidas pelas equipes da secretaria;
cada equipe é responsável por uma unidade de saúde. Segundo ela, em Mossoró,
existem quarenta unidades, mas determinadas áreas não são atendidas. São elas:
áreas de expansão da cidade (periferia) e uma parte do Bairro Santo Antônio.
De acordo com a coordenadora de atuação dos postos de saúde e
Programa Saúde da Família61, os vizinhos das áreas de expansão vêm atraídos
pelos serviços oferecidos pela prefeitura de Mossoró e acabam ”sufocando” o
sistema municipal.
Nas palavras da própria coordenadora, a dificuldade diz respeito ao
provimento das casas pela prefeitura, mas, quando isso acontece, ao mesmo tempo
já crescem novas favelas. Exemplo disso seriam os Bairros Santa Delmira e
Abolição 3 e 4. E acrescentou: “Esse negócio de criação de favelas deveria ser
proibido; quanto mais casas a prefeitura dá, mais favelas crescem; desse jeito nós
nunca vamos conseguir fazer um trabalho sério”.
De todo modo, em continuidade à discussão em torno dos agentes
políticos locais envolvidos no processo de produção do espaço urbano e
consolidação das desigualdades socioespaciais, chegamos à família dos Rosado,
uma elite histórica na cidade, que domina praticamente a totalidade dos cargos
políticos e tem no quadro de técnicos visível confiança nas relações de proximidade.
Ao discutir o “Mandonismo rosadista em Mossoró”, Lucas (2001)
menciona uma polêmica sobre o entendimento do coronelismo nos estudos de
política brasileira. Consoante afirma, os chefes políticos da família Rosado se
diferenciam dos chefes do coronelismo denominado clássico. Contraria, portanto, o
arcabouço teórico de toda uma linhagem de autores que associavam o coronelismo
diretamente aos grandes proprietários de terra.
Segundo a autora, a concepção de coronelismo vai ser ampliada nos
estudos dos anos 1940 e 1950. Para ela: “Nesses estudos o poder no sistema 60 Entrevista realizada no dia 5 /10/ 2007. 61 Entrevista realizada em trabalho de campo coletivo pelos membros do grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização em 14/2/2008.
145
coronelista não é necessariamente vinculado à posse de terra, podendo originar-se
no âmbito de outras atividades, como o comércio e as profissões liberais.” (LUCAS,
2001, p . 52). Contudo, já no século XIX, a família Rosado dava sinais de dominação
política na cidade, porquanto a ascensão do patriarca da família ao Executivo
ocorreu ainda na república velha.
Em outro trabalho sobre a família dos Rosado, denominado “A (re)
invenção do lugar: os Rosado e o país de Mossoró”, Felipe (2001) descreve a
história da família que tem na chegada do farmacêutico paraibano Jerônimo Rosado
em 1890, filho de Jerônimo Ribeiro Rosado, natural da cidade de Coimbra/ Portugal,
o seu início. Os negócios da família começaram com a instalação de uma farmácia
em parceria com o médico Almeida Castro62. Mas, segundo Felipe, foi a partir de
1911, com o envolvimento com a mineração de gipsita no distrito de São Sebastião,
hoje município de governador Dix-Sept Rosado, no qual desenvolveu a atividade de
extração e exportação de gesso, que “deu a seus filhos o sustentáculo econômico
para o projeto político familiar”. (FELIPE, 2001, p.73).
Para Felipe (2001), os filhos de Jerônimo Rosado foram verdadeiros
herdeiros em busca do patrimônio e se distinguiam não apenas pelo capital
econômico, mas também pelo capital cultural, pois eram médicos, farmacêuticos,
agrônomos, professores universitários. Em suas palavras: “Homens proeminentes
que apresentavam um discurso de que só entraram na política para viabilizar os
sonhos e as ordens dos ancestrais.” (FELIPE, 2001, p.16).
Ainda como argumenta o autor, os Rosado se apropriaram da memória da
cidade, e, sobretudo, reforçaram seus heróis e mitos, e criaram outros, mediante
cultos, rituais e datas comemorativas, colocando-se na história da cidade e
denominando suas ações de tarefas sagradas. Para Felipe (2001, p.15-16): “Os
Rosado, grupo oligárquico-familiar que surge como poder político local após a
democratização do país, quando, a partir de 1946 membros da clã ocupam
mandatos políticos, percebem a força desses símbolos já cultuados pelo pai e chefe
do clã [...]”. Prossegue o autor:
62 Jerônimo Rosado vai para o Rio de Janeiro em 1885 onde se forma em Farmácia. Segundo Felipe (2001, p. 68), ele “viveu no Rio de Janeiro, no momento das grandes discussões sobre o movimento abolicionista e no período que antecede a proclamação da república. Certamente, conviveu com as idéias de legitimação do regime político republicano, que no Brasil passavam pelas teses do liberalismo americano, o jacobinismo no modelo francês e o positivismo que mitificava a humanidade e a sua idade de ouro.”
146
E, através dessa imagética, os Rosado, que são conservadores, passam uma imagem de progressistas e, nessa dialógica de acomodação dos contrários, criam um culto à liberdade, quando a sua prática política passa por uma liturgia de dominação de pessoas e instituições. Mas, esse endurecer é sempre justificado pelas vozes do passado ou pelo “amor a Mossoró” ou, ainda, pelo sacrifício de toda família que se dedica única e exclusivamente à cidade. (FELIPE, 2001,p.25).
No plano político atual, observamos uma continuidade da dominação
familiar histórica. Diante desta situação o jornal do Congresso Nacional, chamado
Congresso em Foco em sua série de reportagens sobre as bancadas familiares
dispensaram atenção especial à família Rosado, afirmando que em Mossoró só dá
político na árvore dos Rosado63.
Como informa o jornal:
Um dos municípios mais prósperos do interior do Nordeste, Mossoró (RN), é o maior produtor de petróleo em terra e de sal marinho do país. Mas o solo da cidade, localizada a 285 km a oeste de Natal, produz mais que “ouro negro” e riqueza mineral. Brotou-se ali, no semiárido potiguar, uma das árvores genealógicas mais férteis de que se tem notícia na história recente da política brasileira: a família Rosado. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).
Inegavelmente, a dominação política tem grande fôlego quando
analisamos a bancada familiar, porquanto oito integrantes exercem mandato eletivo,
a começar pela governadora Rosalba Ciarlini Rosado (DEM), que renunciou ao
Senado para assumir o governo no início do ano de 2011. Incluem-se também os
primos deputados federais Betinho Rosado (DEM-RN) e Sandra Rosado (PSB-RN),
os dois deputados estaduais e dois vereadores e por fim a prefeita da cidade, Fátima
Rosado (DEM). Ainda nas palavras do jornal: “Do início do século passado pra cá,
essa árvore já frutificou dois governadores, dois senadores, cinco deputados
federais e sete prefeitos, além de diversos vereadores”.
Os dados históricos chegam a impressionar, pois:
Desde 1948, os Rosado perderam as eleições municipais uma única vez, em 1968. Ainda assim, por uma diferença mínima de 98 votos, e para um candidato que havia exercido o cargo anteriormente com o apoio deles. Até o final dos anos 70, só havia duas formas de ser prefeito de Mossoró: ser da família Rosado ou ter o apoio dela. Mas, nas últimas três décadas, só há uma maneira. Tem de ser necessariamente da família. De 1982 pra cá, a cidade de 250 mil habitantes teve apenas quatro prefeitos, todos Rosado. Dix-huit Rosado exerceu dois mandatos, Rosalba Ciarlini, três, e Fátima Rosado está em seu segundo governo. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).
63 Em Mossoró, só dá político na árvore dos Rosado 5/4/2011, jornal Congresso em Foco, http://congressoemfoco.uol.com.br/ - acessado em – 12/7/2011
147
Outro fato a ser mencionado é este: A oposição à família dos Rosado é
feita pelos próprios Rosado, lembrando a famosa frase de Maquiavel, “dividir para
governar”. Existe a ala liderada hoje pela governadora Rosalba e seu marido, o ex-
deputado estadual Carlos Augusto Rosado, e pelo irmão dele, o deputado Betinho
Rosado; e o grupo encabeçado pela deputada Sandra Rosado e seu marido, o ex-
deputado Laíre Rosado. Como explica o documento produzido pelo Congresso em
Foco:
Uma rivalidade que começou a se ensaiar nas eleições de 1982, ganhou força no pleito de 1986 e se escancarou de vez na disputa de 1988, quando, pela primeira vez, os Rosado se enfrentaram diretamente nas urnas. Naquele ano, a então pedetista Rosalba venceu o confronto com Laíre Rosado e conquistou o primeiro de seus três mandatos como prefeita de Mossoró. Desde então, o grupo da atual governadora só perdeu uma das seis últimas eleições municipais para a outra facção da família. Foi em 1992, quando Dix-huit Rosado, que tinha a sobrinha Sandra como vice, se elegeu pela terceira vez. Com a morte do tio ainda no cargo, coube à vice-prefeita concluir os últimos dias de seu mandato. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).
Todos esses fatos fazem com que a família Rosado seja
reconhecidamente uma das mais consolidadas oligarquias locais em nível nacional,
como o Congresso em Foco conseguiu captar em sua série de reportagens, ao
entrevistar o ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado (DEM-RN), que afirmou:
“Somos uma oligarquia desde 1890. Todos os nossos mandatos foram conquistados
com o voto”, palavras retificadas pela sua esposa, atual governadora do Estado,
Rosalba Ciarlini (DEM), assim expressas: “Eu não aceito e considero inapropriado
esse termo, que é pejorativo. Acho que ele se expressou mal. Não somos uma
oligarquia, porque fomos eleitos livremente. O povo é que escolhe”64.
Para nosso trabalho certamente interessam as informações relativas à
oligarquia local, por ser a mediação para a política urbana desenvolvida na cidade,
conforme também observado por Elias e Pequeno (2010) ao afirmarem a
necessidade de observação das interações entre economia e política na
64 Rosalba refuta oligarquia e diz que povo escolhe. 5/4/2011, jornal Congresso em Foco, http://congressoemfoco.uol.com.br/ - acessado em 12/7/2011
148
especificidade da cidade de Mossoró, com sua estrutura de poder oligárquica que há
décadas impera no Executivo municipal.
Com isso, tencionamos apresentar uma aproximação entre os processos
de ampliação da infraestrutura de esgotamento sanitário e os agentes econômicos e
políticos envolvidos, evidenciando uma articulação direta entre as partes
destacadas. Contudo, ainda exploraremos de forma mais detalhada os movimentos
de bairro e sua articulação no processo de reestruturação da cidade.
4.2 Movimentos de bairro na cidade de Mossoró no contexto dos agentes produtores do espaço
Na cidade de Mossoró, uma forma de organização social que tensionou
por algum tempo o processo de produção do espaço urbano foram as lutas de bairro
pelo acesso às infraestruturas urbanas básicas, como no caso do acesso à água
encanada e à moradia.
Para as lutas sociais, os agentes econômicos e políticos bem como as
formas jurídicas constituem entraves à realização de suas reivindicações. Ao mesmo
tempo, existe um forte processo de cooptação das lutas sociais no interior das redes
de crescimento enraizadas no local. Desse modo, se requer aproximações no intuito
de entendimento das formas de organização das comunidades.
Segundo Jacobi (1993, p.10), as diversas experiências de luta por acesso
à infraestrutura urbana básica na passagem da década de 1970 a 1980
possibilitaram trazer à tona, no nível teórico, “o papel dos movimentos sociais
urbanos como agentes que estabelecem um equilíbrio de forças diferenciado entre o
Estado e a sociedade civil”, ou agentes capazes de promover mudanças e “abrir
espaços de redefinição dos direitos sociais e da cidadania, enquanto expressão do
atendimento das necessidades básicas.”
Nesse caminho, como alerta Souza (2006), não se deve confundir uma
atividade pública organizada ou ativismos com a ideia de movimento social, pois
este último se detém “a um plano particularmente ambicioso de reivindicações e
propostas.” (SOUZA, 2006, p.274).
Para ele, os ativismos sociais são um conjunto mais amplo de ações
públicas organizadas, do qual os movimentos sociais seriam um subconjunto. Os
149
ativismos não são confundidos com ações de quebra-quebra, nem de criminalidade
ordinária, nem de ações terroristas, pois além de ações civis organizadas devem ser
relativamente duradouras. No interior do debate, o autor encontra a diferenciação
entre ativismos urbanos stricto sensu e lato sensu. Em suas palavras:
Ativismos urbanos em sentido estrito e forte giram muito nítida e explicitamente em torno de problemas diretamente vinculados ao espaço social. A questão do acesso a equipamentos de consumo coletivo e, mais abrangente, as condições de reprodução da força de trabalho assumem, aqui, importância central. Trata-se de um tipo de ativismo que tem origem em um clamor pelo direito à cidade: luta por moradia e por infraestrutura técnica e social, luta por regularização fundiária e desestigmatização de espaços segregados, [...] luta por um espaço urbano mais agradável, mais “convivial” e menos injusto. Exemplos de ativismo stricto sensu são o ativismo de bairro convencional e os ativismos ocupantes de imóveis. (SOUZA, 2006, p. 280,281).
Quanto aos ativismos urbanos lato sensu, em sua argumentação, são
aqueles que embora tenham a cidade como palco preferencial, se referenciam
apenas indiretamente pela espacialidade urbana. Sua existência gravita em torno de
questões setoriais, como melhores condições de trabalho, luta contra as
desigualdades e injustiças de gênero etc.
Os movimentos sociais seriam uma modalidade especialmente crítica e
ambiciosa de ativismo social, distinta de ativismos “paroquiais”, caracterizados por
reivindicações pontuais, sem articulação com questionamentos mais profundos,
muitas vezes prisioneiros ou contaminados pelo clientelismo.
Para Gohn (1997, p. 12), “os movimentos transitam, fluem, acontecem em
espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais. Na maioria das
vezes eles estão questionando estas estruturas e propondo novas formas de
organização à sociedade política.”
No caso dos movimentos comunitários em Mossoró, observamos um
sentido profundo de paroquialismo, caracterizado por reivindicações pontuais e
profundo clientelismo em relação à família dos Rosado. Entrevistamos Manoel de
Souza, membro da frente integrada das associações comunitárias do município de
Mossoró65, e tivemos oportunidade de conhecer principalmente a história do
movimento comunitário nesta cidade.
Seu Manoel informou que iniciou os trabalhos comunitários em Mossoró
em 1971 na Igreja do Alto da Conceição. Como mencionou,
65 Na data de 17 de fevereiro de 2011.
150
Sob animação da igreja, foram fundadas em 1971 as primeiras associações de moradores da cidade, no Alto do Xerém e Belo Horizonte. Em 1976 começou a organização da comunidade Walfredo Gurgel, sob orientação da própria COHAB, formaram o conselho66 comunitário do bairro.
Ainda como informou, na década de 1980 ocorreu um impulso no
movimento comunitário de Mossoró, com a febre de criação de associações
comunitárias. No ano de 1983 foram fundados os conselhos comunitários nos
Bairros Abolição 1 e 3. Afirma seu Manoel:
O conselho comunitário do Abolição 3, ao qual eu fazia parte, chegou a trazer o prefeito João Newton da Escócia para uma reunião, onde foi possível expor as demandas comunitárias. Como o conjunto havia sido fundado a pouco tempo, as demandas eram pelas infraestruturas de calçamento, escola, centro de saúde, praça.
Na década de 1980, diz o entrevistado, existiam muitas demandas por
infraestrutura na cidade. Tais demandas, somadas à orientação de criação dos
conselhos, criou um fermento que contribui com as lutas de bairro. Por sua vez,
Barreto (2011), em obra acerca do movimento comunitário de Mossoró, ressalta as
inúmeras lutas por infraestrutura urbana na cidade na década de 1980.
Conforme Manoel de Souza, fato marcante para o movimento comunitário
foi a criação das suas entidades na década de 1980. No caso da primeira, a
fundação ocorreu em 1986, ao ser instituída a União das Entidades Comunitárias de
Mossoró (Unecom), com 21 associações, na qual ele era filiado ao conselho do
Abolição 3. O primeiro presidente da Unecom foi Sebastião Almeida, atual
assistente/atendente de Betinho Rosado.
A princípio, todos os conselhos participavam da mesma entidade, mas
houve um novo racha no interior do movimento comunitário, e fundou-se então a
Central da Unidade Comunitária (CUC) em 1987, da qual José Wellington Barreto foi
o primeiro presidente, sendo filiado ao conselho comunitário do Abolição 4.
De acordo com Barreto (2011), o embate decisivo entre ambas as
correntes no movimento comunitário se deu logo no momento de fundação da nova
central comunitária, por conta da distribuição desigual do programa federal do leite
entre as comunidades. Em suas palavras:
66 A diferença fundamental entre os conselhos de bairro mediados pelo Estatuto da cidade no contexto atual e os conselhos organizados no âmbito da revolução russa, diz respeito à autonomia dos trabalhadores. A forma de conselho atual está embasada na Constituição de 1988 e prevê a participação no âmbito das decisões públicas, mas como exigência do Estado, aparece de forma superficial. Os conselhos ou Soviets, na revolução russa, seriam os trabalhadores auto-organizados contra as formas de dominação. Sobre os conselhos no interior da revolução russa, ver: Tragtenberg (2007); Pannekoek(2007).
151
Aqui em Mossoró o cadastramento das entidades ficou a cargo do serviço social do município que por sua vez tinha como gestora a assistente social e hoje deputada federal Sandra Rosado. Sandra diretora do serviço social do município tinha como colaborador o professor Sebastião Almeida que era presidente da UNECOM. Sebastião definia quais entidades que iriam participar da distribuição do leite e Sandra estipulava a cota que cabia a cada uma delas. Muitas entidades de oposição ao governo municipal ficaram fora da distribuição dos tickets do leite, e outras recebiam cotas bem menores apesar de suas necessidades. (BARRETO, 2011, p. 27).
Segundo o autor, mediante forte pressão, com a consolidação da nova
entidade comunitária ocorreram melhoras na distribuição do leite. Para Barreto
(2011), faz-se importante frisar que o então prefeito da cidade Dix Huit Rosado
encontrou a oposição no interior da própria família, basicamente composta pelo
casal Carlos Augusto Rosado e Rosalba Ciarline, bem como pela parcela do
movimento comunitário que se ancorou na CUC.
Em termos gerais, como informou Manoel de Souza, a CUC era ligada ao
grupo político de Rosalba Ciarline, e a Unecom era ligada a Sandra Rosado. Embora
ambas sejam da mesma família, aparecem no cenário político local em lados
diferentes, a comprovar a dominação da família Rosado em vários âmbitos do
processo de produção do espaço da cidade. Caracteriza-se, portanto, a cooptação
das lutas de bairro, mostrando a impossibilidade de avanços estratégicos nas lutas
de bairro da cidade ainda na década de 1980.
De todo modo, cabe frisar a memória das lutas do movimento de bairro da
cidade de Mossoró. Por exemplo, entre os anos de 1989 e 1991 a COHAB-RN
ameaçava os mutuários do conjunto habitacional Abolição 4 com processo de
retomada dos imóveis em face da elevada inadimplência. De acordo com Barreto
(2011, p.25), o movimento comunitário conseguiu “a garantia de que ninguém
perdesse o seu imóvel residencial” mediante grande mobilização.
Em prosseguimento à argumentação, observa-se que o ponto alto das
lutas do movimento comunitário em Mossoró verifica-se na década de 1980, com as
reivindicações por infraestrutura, enquanto atualmente evidenciam-se grande
desmobilização e grande cooptação das lutas comunitárias. Nas palavras de seu
Manoel, “90% das entidades de bairro atualmente estão adormecidas. Os conselhos
atuantes atualmente são Sumaré, Walfredo Gurgel, Parque das Rosas, Abolição 4,
Redenção 1, Alto da Conceição. As lutas são por questões de infraestrutura:
calçamento, água, esgoto.”
152
No referente à infraestrutura de esgotamento sanitário, seu Manoel
informou que no dia 30 de agosto de 2000 houve uma reunião no clube Nassau, na
qual foi entregue um documento com cinco pontos para a prefeita Rosalba Ciarline.
Como ressalta: “A prefeita na época prometeu melhorias no transporte e
esgotamento sanitário, mas até hoje anda não chegou nada no Abolição 3.”
Nesse sentido, segundo Souza (1988), podemos caracterizar as lutas
comunitárias em Mossoró como luta de bairro, presa dentro de limites
“corporativistas”, acanhada em sua pequena escala de atuação, desmobilizada,
exposta a impactos como a pouca renovação de lideranças.
Por ocasião do trabalho de campo67, também entrevistamos Nilton
Comunitário, do conselho comunitário do Santo Antônio. Como ele nos informou, já
está com 26 anos de movimento comunitário em Mossoró, observando as carências
do Santo Antônio em todo esse período. Disse ainda que presenciou a chegada de
pavimentação, posto de saúde, creche, escola. Teve muitas dificuldades nas lutas
pelo acesso à água, mas, na sua ótica, hoje está bem melhor.
E continua: “Nos anos que tinham essas dificuldades, o movimento
comunitário era mais ativo.” Hoje ele percebe a necessidade de surgir novas
lideranças, pois está se sentindo mais moderado e até desmotivado.
Ele também afirmou que o saneamento básico é uma reivindicação
importante das comunidades sem acesso. Por exemplo: “A maioria da população do
Santo Antônio não tem acesso ao saneamento básico, jogando a fossa e a água na
rua.”
Ainda como enfatizou, os problemas com o mau atendimento nos postos
de saúde, a violência crescente, o aumento do tráfico de drogas estão presentes
com muita força no Santo Antônio, pois se trata de uma população pobre, que tem
como perfil de empregos em sua maioria pedreiros e serventes.
Ademais, “99% das lideranças comunitárias estão engajadas nos
programas públicos, próximos à prefeitura.” Ele, por exemplo, trabalhou cerca de
oito anos com a atual governadora do Estado, Rosalba Ciarline, na qual ele informou
ter grande confiança em seu mandato como governadora.
É interessante observar que a maioria das lideranças comunitárias
entrevistadas, quando questionadas sobre as formas de gestão da cidade , entre
67 No dia 16 /2/ 2011.
153
estas, o plano diretor, informa não ter conhecimento. De acordo com Nilton
Comunitário os conselhos comunitários são sempre convidados para as reuniões do
plano diretor, mas não demonstram interesse. “Hoje eu não sei quase nada do plano
diretor, imagine a população”, disse Nilton.
Seu Manoel também informou ter participado das reuniões do plano
diretor, bem como do plano de saneamento e mobilidade, mas percebe que a
participação dos conselhos comunitários está muito reduzida. Desse modo, não têm
poder de voz acentuado na orientação das políticas públicas para a cidade.
Nesse contexto, entramos em um debate já insistentemente travado no
interior dos círculos interessados pela reforma urbana, qual seja, o sentido da
participação popular na tomada de decisões sobre a produção do espaço e como se
dá essa participação. Segundo Souza (2006), é importante registrar que a
Constituição federal, maior marco legal formal do país, é omissa no capítulo sobre a
política urbana quanto à participação popular direta no planejamento e na gestão
urbana.
Esta matéria foi regulamentada pelo Estatuto da cidade, como exposto:
:
Coube ao Estatuto da cidade (cf. LEI 10.257/2001), que regulamenta o capítulo sobre a política urbana da constituição e tramitou durante mais de dez anos no congresso, dispor sobre a obrigatoriedade e as condições de participação popular direta no planejamento e gestão das cidades. Fê-lo de maneira insistente, reiterando o principio da participação várias vezes ao longo do corpo da lei – e essa é uma das virtudes do estatuto. (SOUZA, 2006, p. 218).
A geógrafa Arlete Moyses Rodrigues, entusiasta e militante da política
urbana implementada pelo Estatuto da cidade, acredita na importância deste
documento para a constituição do direito à cidade que seria o acesso universal a
bens, equipamentos e serviços urbanos. Nas palavras de Rodrigues (2004, p. 10-
11): “O estatuto da cidade estabelece normas de ordem pública e interesse social
que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e
bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.”
Para ela, no intuito de que a cidade cumpra sua função social, a
propriedade individual deve ser, no mínimo, relativizada, para garantir o acesso a
todos os moradores à cidade. Como ressalta, “essa relativização é expressa no
Estatuto, em especial nos artigos que reconhecem o direito de usucapião urbano e,
assim, indicam limites à especulação imobiliária.” (RODRIGUES, 2006, p. 11).
154
Para a autora, o próprio processo de construção do documento foi
participativo, tendo os movimentos da sociedade civil em prol da reforma urbana em
luta ativa. Nesse sentido, acredito, se requer um melhor entendimento do que vem a
ser a tão propalada participação. Nas palavras de Souza:
A própria idéia de participação admite dois usos: um mais ousado, outro menos. Pode-se entendê-la como uma forma de proporcionar melhores chances de um exercício mais pleno de cidadania, dentro da perspectiva de uma maior e melhor integração a esta sociedade. Sem dúvida, a tendência lógica será acoplar esse tipo de defesa da participação a uma exigência de reformas sociais que permitam a mitigação de fatores limitantes dessa integração, como a pobreza, a desigualdade e o preconceito. Uma vez restringidas as concepções de “cidadania” e “conquista de direitos” aos marcos do binômio capitalismo + democracia representativa, e descoladas da perspectiva de uma superação do próprio status quo (como costuma ser o caso), o que resta como limite para a participação é a introdução de elementos de democracia direta que, se feita com arrojo e em circunstancias muito favoráveis, pode concretizar-se como uma consistente “co-gestão” do Estado e da sociedade civil, e até mesmo, aqui e ali, uma delegação de poder do primeiro para a segunda. Uma autentica autogestão não será sequer cogitada, e “participar” significara, para os cidadãos, tomar parte, diretamente, de processos decisórios, mais ou menos claramente sob a supervisão (e, em última instância sob a tutela) do aparelho de Estado, dentro do contexto geral de uma sociedade que é, e permanece sendo, heterônoma. (SOUZA, 2006, p. 194).
Ainda como assevera Souza, o projeto autonomista radicaliza o
significado de participação, no qual essa ideia aparece como horizonte e
possibilidade efetiva nas decisões de interesse coletivo, livre das restrições impostas
pelo Estado, onde não exista mais uma separação estrutural entre dirigentes e
dirigidos.
Contudo, a participação legitimada pelo Estatuto da cidade se dá no
interior de marcos legais, como afirma o referido autor, dentro de uma perspectiva
de maior integração a esta sociedade.
Harvey (2004) adentra a esse debate na perspectiva de discussão sobre
direitos universais nos marcos da Declaração de direitos humanos de 1948.
Conforme esta declaração, em seu art. 25, toda pessoa tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, incluindo
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais
indispensáveis, entre outros. Para ele: “Fazer com que entrassem estritamente em
vigor implicaria amplas e em alguns casos revolucionárias transformações da
economia política do capitalismo”. (HARVEY, 2004, p. 126).
155
Com isso, Harvey, que na década de 1980 falava da expropriação dos
expropriadores, passa a encontrar possibilidades nas lutas pelos direitos humanos,
como tática para as próximas lutas sociais. Em suas palavras:
Marx não deixava afetar por discussões de direitos. Ele as via com freqüência como tentativas de impor um dado conjunto de direitos – os definidos pela burguesia – como um padrão universal a que todos deveriam aspirar. Mas se devem unir-se, não tem os operários do mundo inteiro de fazê-lo em torno de alguma concepção de seus direitos, bem como de sua missão histórica? Por motivos de política prática, parece indispensável alguma noção de direitos. (HARVEY, 2004, p. 131).
No entanto, acreditamos na necessidade de uma busca da essência do
processo, na construção de estratégias por parte dos movimentos sociais mais
avançados, deixando legados para que os ativismos de bairro possam refletir sobre
suas lutas. Citando Engels, Souza (2006) reafirma ser preciso desmascarar o caráter
intrinsecamente reacionário de quaisquer “soluções” que não ponham em xeque a
instituição da propriedade privada e o capitalismo em seu conjunto, “tanto mais em
uma hora em que grande parte da ‘esquerda urbana’ brasileira exaure suas forças
em uma apologia do potencial positivo de instrumentos legais como os contidos no
Estatuto da cidade e na medida provisória 2.220/2001.”(SOUZA, 2006, p. 290).
Para ele, o que se segue é uma grande onda de cooptação, pois a
perspectiva de “ser governo” ou de participar de uma parceria com o Estado no
âmbito de institucionalidades como os conselhos gestores e orçamentos
participativos acaba colaborando para o “desarmamento” e a domesticação de
muitas organizações de ativismos68.
Outra geógrafa que promove uma discussão sobre o Estatuto da cidade
radicalizando a concepção de “direito à cidade” é Carlos (2007). Consoante
argumenta, o Estatuto da cidade tem uma relevante importância pelo fato de colocar
em pauta o debate sobre o “direito à cidade” ao mesmo tempo em que “relativiza a
indiferença total do governo diante das desigualdades que fundamentam a produção 68 Autores como Randolph criticam a concepção de participação implantada, em nome do planejamento denominado de subversivo, profundamente baseado em estudiosos como Souza Santos e Habermas que afirmam a possibilidade de constituição de um poder comunicativo. Para este autor: “Não acontece uma ruptura ‘real’ ou ‘verdadeira’ porque essas modalidades participativas do planejamento se baseiam numa lógica de representação da sociedade e, particularmente, do espaço social que concebe, tendencialmente, qualquer ‘participação’ tão formal e abstrata que torna seu exercício concreto um mero acidente”. (RANDOLPH, 2007, p . 5). Villaça (2005) também chega as mesmas conclusões afirmando que estes planos diretores denominados de participativo não rompem com a lógica instrumental tradicional e criam apenas uma ilusão de participação.
156
das cidades capitalistas”. (CARLOS, 2007, p. 113). No entanto, a autora alerta para
a necessidade de dialetizar seu papel na constituição de um projeto capaz de
sinalizar as transformações na cidade como momento de transformação radical da
sociedade.
Como afirma Carlos (2007), o Estatuto da cidade, bem como os
documentos que orientam os debates da conferência da cidade, trazem um sentido
reduzido e simplificado do que venha a ser o “direito à cidade”, entendido como
“direito à moradia mais serviços”, negando-o como direito pleno. E prossegue:
No limite último, podemos afirmar que o que aparece como “direito à cidade” está circunscrito ao que o Estado está disposto a ceder na gestão da cidade, sem todavia incomodar a realização do circuito do capital, ao contrário, criando plenas condições para sua realização. A questão mistificadora central é a redução (no estatuto e nos textos da conferência) do “direito à cidade” ao “direito à moradia”. Outro fetiche se refere à identificação da propriedade a uma “ função social” - presente na Constituição Federal - e um outro ainda, que é a questão do planejamento da cidade, chegando-se ao ponto de afirmar que os problemas vividos atualmente na cidade são conseqüências do que avaliam ser “falta de planejamento” e “gestão autoritária”. (CARLOS, 2007, p. 114).
No relacionado à Lei de função social da propriedade, ainda de acordo
com Carlos (2007), esta se torna uma limitação para movimentos sociais, pelo
respeito imposto à propriedade, em última instância, enquanto os movimentos
sociais urbanos consolidados historicamente constroem uma crítica à forma
propriedade como motor do processo de produção espacial da cidade. Conforme a
autora, com isso, a propriedade privada assume uma função “social” que obscurece
seu sentido segregador e desigual.
Sobre os processos participativos previstos no Estatuto da cidade, Carlos
(2007) argumenta que a forma de participação prevista como necessidade de
legitimação conjuga um espaço apropriado para cooptação das lutas que frutificam
na vida cotidiana a partir dos movimentos sociais, mas agora sob a coordenação do
Estado com seus ministérios e prefeituras. Nas palavras da autora:
O problema é que ao levar o debate para o seio do Estado, mesmo a partir dos movimentos sociais, estes ganham uma nova racionalidade, que é a aquela do próprio Estado e do planejamento que tem no espaço condição de sua dominação. É assim que o debate se estabelece dentro do Estado, e este fato não é desprovido de importância, sendo, aliás, essa situação que cria um significado especial para a expressão direito à cidade, esvaziada de seu sentido eminentemente social, para alçá-la ao plano político e, neste plano, passível de ser manipulado por uma racionalidade outra que não a
157
dos movimentos sociais que sinalizam a contestação da propriedade privada do solo urbano e apontam para a autogestão. É neste sentido que a importância da conferência da cidade deve ser relativizada e não pode, em hipótese alguma, substituir os movimentos sociais, pois este têm uma atitude crítica em relação ao Estado e suas estratégias. (CARLOS, 2007, p. 116).
Como foi possível observar na clipagem sobre a construção do Plano
Diretor de Mossoró em 2005, fornecida pela prefeitura municipal, passava-se um ar
de participação popular, no qual o poder público estava convocando a população a
participar.
Um exemplo foi o seminário para discussão do orçamento cidadão do
município, no qual em reportagem ao jornal Gazeta do Oeste do dia 29/6/2005 o
então secretário de Cidadania, Francisco Carlos Carvalho, e de Planejamento e
Gestão Pública, Anselmo Carvalho, afirmaram que o segmento popular estava
amplamente mobilizado, e contava com a participação de representantes de
conselhos comunitários, associações de moradores, centros sociais, grupos de
jovens e idosos, clubes de mãe etc. De todo modo, como já argumentamos na
entrevista com Nilton Comunitário, quase a totalidade dos representantes de bairro
são próximos à prefeitura e mantêm um jogo de interesses no qual as comunidades
saem perdendo.
Tendo como referência o quadro de delegados aptos a votar na 4a
audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró, se
compararmos, por exemplo, o número de delegados representantes do poder
público municipal versus os delegados representantes dos movimentos sociais,
observaremos que os primeiros têm mais cadeiras e, por conseguinte, maior poder
de decisão sobre os caminhos trilhados durante as discussões.
Quadro 3: Delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró. Titulares Suplentes Administrador público federal 1 1 Administrador público estadual 1 1 Administrador público municipal 13 13 Câmara municipal de Mossoró 3 3 Movimentos sociais 9 9 Entidades sindicais 4 4 classe empresarial 4 4 Entidades acadêmicas e de pesquisa 2 2 ONGS 2 2 Conselhos regionais de profissionais 1 1 Fonte: Lista de frequência de delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró, ocorrido no dia 9 de outubro de 2006 na plenária da Câmara Municipal.
158
No contexto de aproximação entre os ativismos de bairro e a prefeitura,
entrevistamos Aline Couto69, responsável pelo centro de apoio aos conselhos
comunitários da prefeitura70. Segundo ela informou, o setor de apoio aos conselhos
comunitários foi fundado em 2005, em virtude de promessa de campanha da atual
prefeita Fafá Rosado.
De acordo com a entrevistada, os representantes comunitários procuram
o centro de apoio com vistas a redigir ofícios, abrir atas, em busca de orientações
sobre as eleições dos próprios conselhos. Ao mesmo tempo, organizam em conjunto
uma caravana da cidadania nos vários bairros, na qual aos conselhos compete
apenas promover a mobilização na comunidade. As principais demandas que
constam são documentos, RG, CPF, Registro de casamento, brindes para sorteio,
iluminação pública, calçamento, saneamento, limpeza urbana.
É evidente o caráter desmobilizado e desmobilizante promovido pela
interação entre a prefeitura e os movimentos de bairro porquanto os representantes,
69 No dia 16/2/2011. 70Através da entrevista com Aline Couto, foi possível o acesso ao projeto técnico do setor de apoio às ações comunitárias da Gerência Executiva do Desenvolvimento social (GEDS). Pretendemos fazer uma descrição do documento no intuito de contribuir com a exposição das contradições dos processos participativos mediados pelo Estado. Ao primeiro momento, o projeto técnico do setor de apoio às ações comunitárias define a comunidade, entendida como: “Um conjunto de pessoas agrupadas em um determinado espaço geográfico (local, regional, nacional, internacional), institucionalizado ou não, consciente ou não de pertencimento, em constante processo de interação política, cujas relações sociais e plurais dimensionam o sentido da vida interna e externa de seus membros e promovem modos de ver, sentir e pensar o mundo. Nesse sentido, a comunidade é uma realidade dinâmica, em constante construção e reconstrução.” (p.2) Em seguida o projeto define que o entendimento como comunidade passa a ser algo vago, delimitando a necessidade de entendimento das comunidades como grupo e a necessidade de construção das lideranças no sentido de manter a coesão social. A definição de líder aparece explicitamente na citação a seguir: “O líder, portanto, é aquela pessoa que assume a tarefa de orientar e influenciar os membros do grupo na direção de suas metas. O termo “liderança”, por sua vez, refere-se ao modo pelo qual a pessoa, na posição de líder, orienta e influencia os demais membros do grupo. Daí podermos falar em “estilos de liderança”.(p.3) Tendo em vista as delimitações supracitadas, o objetivo do projeto é contribuir para a promoção e “emancipação” das famílias vulneráveis socioeconomicamente, “através da viabilização do cadastramento, da organização e da legalização das entidades e associações comunitárias e integrantes dos movimentos populares.”(p.4). Como informa o projeto: “Para dar conta desses objetivos e atuando socialmente, a GEDS articula/integra programas, projetos e ações de cidadania, oferecendo soluções às necessidades da comunidade local. Integra-se à missão de trabalhar a cidadania e torná-la acessível aos cidadãos que encontram-se em situação de vulnerabilidade social, tendo como critério de relevância contribuir com a melhoria da qualidade de vida, nos planos individual, social e ambiental, das comunidades em que estão inseridos. Articulando-se, assim, com as entidades e lideranças comunitárias de Mossoró, que tem o compromisso de se inter-relacionar com a comunidade e contribuir com soluções para seus problemas específicos, mantendo-se sempre atentos as demandas locais.”(p.4) O projeto técnico do setor de apoio as ações comunitárias define como objetivos específicos na intervenção com os conselhos comunitários (1) Organizar e legalizar institucionalmente as entidades comunitárias; (2) Promover cursos de geração de renda às famílias vulnerabilizadas; (3) Realizar rodas de cidadania, a partir da realidade local; (4) Promover de forma sistemática encontro com as lideranças comunitárias; (5)Capacitar os Líderes Comunitários; (6) Incentivar a realização e articulação anualmente de: seminários, fóruns e debates, acerca de temática pertinentes. Com a descrição do projeto técnico do setor de apoio às comunidades, podemos ter maior ciência das interações e tentativas de interação entre a prefeitura de Mossoró e o movimento de bairro, e as fortes formas de cooptação do movimento. Na cidade de Mossoró, o movimento comunitário é visto como importante aliado às ações da prefeitura, pois na conjuntura atual dá legitimidade exigida pelo Estatuto da cidade às políticas municipais.
159
conhecidos íntimos dos funcionários da secretária, como foi possível perceber em
trabalho de campo, ficam amarrados à burocracia proposta pela prefeitura, ao
mesmo tempo em que não abrem discussões amplas nas comunidades sobre seus
problemas. Existem algumas exceções, como no caso do Parque das Rosas,
comunidade próxima ao Santa Delmira, onde a representante ressaltou a
importância das assembleias para a construção coletiva das reivindicações, mas, até
então, estas não estavam sendo atendidas pela prefeitura.
Com isso, chegamos aos encaminhamentos finais para o entendimento
dos processos de produção de espaço, tendo como estudo empírico a cidade de
Mossoró. A nosso ver, a economia política do espaço é o saber que os agentes
produtores do espaço necessitavam para o triunfo de dominação da cidade.
Conforme entendemos, o saber em discussão propõe o acesso às
infraestruturas urbanas como indicador de qualidade de vida, renegando a
possibilidade de construção do “direito à cidade” e do “urbano” como valor de uso
generalizado para o âmbito do impossível, baseado na construção da cidadania e do
acesso ao capitalismo como grande vitória. Segundo Lefebvre (2004,p.136): “A
redução do urbano à moradia e aos equipamentos faz parte das estreitezas da vida
política, que se tornou sufocante, tanto à direita como à esquerda.” Sobre a
concepção de direito à cidade ,prossegue o autor:
[...] certos direitos abrem caminho, direitos que definem a civilização (na, porém freqüentemente contra a sociedade – pela, porém freqüentemente contra a “cultura”). Esses direitos mal reconhecidos tornam-se pouco a pouco costumeiros antes de se inscreverem nos códigos formalizados. Mudariam a realidade se entrassem para a prática social: direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida. Entre esses direitos em formação figura o direito à cidade (não à cidade arcaica, mas à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais, etc.), a proclamação e a realização da vida urbana como reino do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio do econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria) e, por conseguinte, se inscrevem nas perspectivas da revolução sob a hegemonia da classe operária. (LEFEBVRE, 2006, p. 143).
Lefebvre (2004, p. 170) defende que uma das grandes dificuldades na
busca pelo “direito à cidade” e ao “urbano” está na passividade dos usuários, na
ausência de participação dos interessados. Em suas palavras: “Passividade que a
160
ideologia da participação certamente não chegará a abalar. De fato, eles não têm o
longo hábito de delegar os seus interesses a seus representantes?”
A lógica predominante, segundo o autor, é a do Estado, do poder
concebido ou se concebendo como onisciente e onipresente. Nesse sentido, a
busca pelo “direito à cidade” deve ter como objetivo a transformação essencial da
forma de organização posta71. Em suas palavras:
Politicamente, essa perspectiva não pode ser concebida sem autogestão estendida da produção e das empresas às unidades territoriais. Extensão difícil. O termo “politicamente” presta-se à confusão, pois a autogestão generalizada implica o deperecimento do Estado e o fim da política como tal. Nesse sentido, a incompatibilidade entre o estatista e o urbano é radical. O estatista só pode impedir o urbano de tomar forma. (LEFEBVRE, 2004, p. 163).
Nesta ótica, a hipótese da urbanização completa levantada por Lefebvre
(2004) é também seu objetivo, ou seja, uma sociedade na qual todos tenham acesso
ao mundo urbano de forma comum. Hoje temos a urbanização em termos
quantitativos, amanhã, quem sabe, só a práxis dirá, teremos a urbanização em
termos qualitativos.
71 Pannekoek (2007) afirma que a possibilidade de auto-organização coloca mais problemas para os trabalhadores do que soluções, no entanto, essa perspectiva faz com que os trabalhadores vão se autoeducando na medida em que vão construindo suas lutas.
161
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das grandes dificuldades para os interessados em pesquisar as
desigualdades socioespaciais no contexto da geografia moderna está no
entendimento das desigualdades sociais do ponto de vista das relações
socioespaciais, ou seja, de como as relações desiguais, intrínsecas ao modo de
produção, contraditoriamente, se dão no espaço e no tempo, produzem espaço e
são transformadas em cada singularidade.
Como se sabe, as condições de organização da sociedade
contemporânea não permitem análises fundadas com base apenas em elementos
da primeira revolução industrial, mas é importante compreender que assim como lá,
contemporaneamente, o modo de produção capitalista na busca de sua
sobrevivência tem produzido constantes reestruturações nos diversos âmbitos da
vida, muitas destas à custa dos trabalhadores, com vistas à formação e/ou
restauração do poder de classe (HARVEY, 2008).
De todo modo, no plano de estudo das cidades, e das desigualdades nas
cidades, partimos do pressuposto de que esta no âmbito do modo de produção
capitalista se apresenta como local privilegiado de concentração de pessoas,
capitais, negócios, bem como sede do aparato de defesa da propriedade privada em
uma sociedade na qual tudo ou quase tudo virou/e/ou é mercadoria.
No entanto, também entendemos a necessidade de especificar de qual
cidade estamos tratando, inserida em uma conjuntura política regional/local
específica que a diferencia das demais cidades, mas não como um todo, pois a
estrutura se pronuncia ao mesmo tempo em que se articula com as especificidades,
a evidenciar a dialética entre a ordem próxima, as relações/conflitos presentes no
plano local, e a ordem distante, o poder econômico político global em sua articulação
nacional e sua busca pela reestruturação da grande crise que assola o sistema
capitalista desde o último quarto do século XX e início do século XXI.
A questão é a seguinte: existem inúmeros estudos em torno da cidade e
do urbano no Brasil no nível teórico e empírico, sempre com um discurso sobre as
cidades brasileiras e seu processo de urbanização/constituição das desigualdades
socioespaciais, mas que muitas vezes não conseguem captar a especificidade do
162
novo. Ao mesmo tempo, temos ciência dos avanços da geografia crítica radical
brasileira no tocante ao urbano, como apresentamos no trabalho.
De toda forma, na nossa ótica, não basta se deter em torno da bibliografia
sobre o tema; se faz premente a atividade de pesquisa e inquirição quanto a uma
problemática capaz de elucidar novos processos no âmbito da urbanização
brasileira, mesmo que no nível local. Afinal, em termos de ciência, somente a
pesquisa traz a descoberta do novo como possibilidade.
Assim, em nossa pesquisa, partimos da necessidade do entendimento do
processo de constituição das desigualdades socioespaciais em torno da urbanização
de uma cidade média no interior do Nordeste brasileiro, no qual nos deparamos com
todo um processo prático em curso, que dificilmente pode ser explicado em toda sua
complexidade pelos esquemas de estudo da urbanização massificados durante os
anos 1970 e 1980 no âmbito da geografia brasileira.
No intuito de avançar no entendimento e na própria exposição do trabalho
de pesquisa, lançamos mão da possibilidade científica de trabalhar com variáveis
que indiquem os aspectos desiguais na urbanização da cidade de Mossoró, como o
acesso à infraestrutura de esgotamento sanitário e o rendimento em salários
mínimos por bairro, no qual identificamos que os bairros com maior poder aquisitivo
na cidade, como o Nova Betânia, apresentam o maior acesso a tal infraestrutura.
Este, por exemplo, deu um salto durante a primeira década do século XXI, ao passar
de um percentual de acesso no ano de 2000 de 1,25%, para 80,86% em 2010.
Em contradição, os bairros menos abastados detêm os menores acessos
à infraestrutura de esgotamento, deixando a população pobre da cidade exposta à
contração de doenças de veiculação hídrica, como pudemos verificar pelos trabalhos
de campo.
Chamou-nos atenção a intervenção desigual das políticas públicas no
interior do espaço urbano, pois ao dotar determinados espaços de equipamentos
que os valorizam, como a rede geral de esgoto, passam a viabilizar de forma direta
os empresários em sua empreitada de auferir maior renda do solo urbano,
aquecendo o mercado imobiliário da cidade com empreendimentos de luxo.
Até este momento, tais desigualdades podem ser encontradas em
diversas cidades brasileiras, confirmando a tendência geral de expansão das
desigualdades socioespaciais no espaço urbano. Contudo, como podemos
identificar no estudo, durante os anos pesquisados verificou-se um elevado aumento
163
no acesso à rede geral de água encanada, chegando ao ano de 2010 com números
próximos da universalização desta infraestrutura na cidade, diferente da rede geral
de esgotamento que, no entanto, pode alcançar tal meta nas próximas décadas.
Nesse caminho, cabe ressaltar, como fizemos durante todo o trabalho,
que o acesso às infraestruturas urbanas como um indicador de qualidade de vida
renega a possibilidade de construção do direito à cidade como valor de uso
generalizado para o âmbito do impossível. Portanto, resume-se apenas ao acesso à
moradia e equipamentos, descontextualizando a possibilidade de uma sociedade
comum.
Se observarmos, porém, o caso da cidade de Mossoró, identificaremos
que o seu processo de urbanização está eivado de desigualdades, principalmente
desde a década de 1960, quando o número populacional urbano passa por visível
crescimento, quando a agroindústria do algodão e a indústria do sal tinham grande
capacidade de absorção de força de trabalho.
Como pudemos observar na dissertação, o fim da década de 1960 e início
de 1970 se apresenta para a cidade como um período de crise, no qual predominou
um caos social relativo ao número de desempregados produzido pela falência das
agroindústrias e reestruturação do parque salineiro.
É nesse contexto que se iniciam inúmeras obras públicas no intuito de
equipar a cidade até então em franco crescimento. A âncora é o Programa Nacional
de Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio, ao absorver boa parte da
força de trabalho que se encontrava desempregada na cidade, construindo,
inclusive, a primeira etapa da infraestrutura de esgotamento sanitário local, através
do Planasa/BNH.
Diante de uma análise que privilegia a recomposição histórica do
processo de urbanização, novos elementos foram incorporados e ampliaram o
entendimento do quadro de desigualdades verificado na cidade
contemporaneamente. É mister, no entanto, aprofundar tal entendimento, saindo dos
aspectos meramente descritivos para incorporar o entendimento da lógica de
produção do espaço em nível mundial, bem como o papel dos agentes locais na
mediação entre a ordem distante e próxima.
Neste sentido, procuramos compreender a atuação da economia política
como prática no processo de urbanização brasileira, onde questionamos seu
estatuto científico e sua política de classe, constituindo uma crítica da economia
164
política do espaço e de suas formas de intervenção na política, na economia e na
produção do espaço.
Mediante crítica aos programas de dotação de infraestruturas urbanas no
âmbito do BNH e do PAC, identificamos seu papel decisivo na política econômica
brasileira, com vistas à dinamização da indústria da construção civil, por meio dos
grandes contratos com as empresas de construção pesada, na tentativa de colocar a
economia nacional em posição dinâmica perante o quadro de crise internacional.
Autores como Maricato (2011), Rolnik e Klink (2011), Arantes e Fix (2010)
identificam as similaridades e diferenças entre a política econômica e urbana
difundida nos programas econômicos ora citados. Nesse caminho, sobressai
fortemente a aliança entre economia e política em detrimento do social.
Em ambos os momentos, tanto na política do BNH quanto no PAC,
observamos que existiu uma articulação local no intuito de captar os recursos
nacionais para os investimentos locais, como no caso da década de 1970, quando o
então governador do Estado do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, se articulou
com o prefeito de Mossoró, Dix Huit Rosado, na provisão de infraestruturas para a
cidade. No contexto contemporâneo, como percebemos, a família Rosado ainda
ocupa a maioria dos cargos públicos, sendo nos últimos anos tanto governo do
Estado, no caso de Rosalba Ciarline Rosado, e prefeitura, no caso de Fátima
Rosado.
Assim, com o objetivo de trazer mais elementos para o entendimento da
produção do espaço de Mossoró, adentramos a discussão em torno do plano local,
dos agentes produtores do espaço e sua articulação com a economia política
nacional e global e suas estratégias de continuidade da dominação social no plano
local. A este respeito, expusemos os elementos relativos à política de ampliação das
infraestruturas urbanas no início dos anos 2000, no qual as forças locais,
aproveitando a onda de recursos advinda do recém-criado Ministério das Cidades,
reforçaram e promoveram a rede de crescimento local.
Chamou-nos atenção as dimensões do poder de classe exercido pela
família Rosado em Mossoró, que tem caminho livre para intervenção nos inúmeros
âmbitos econômicos e políticos em âmbito regional, e mostra esta força até no
exercício de cooptação das reivindicações sociais dos bairros carentes da cidade.
Ademais, em diálogos com o Prof. Renato Pequeno acerca das formas de
cooptação dos movimentos de bairro, fomos alertados sobre as diferenciações
165
destes em cidades médias e metropolitanas. Nestas últimas, quando organizados,
eles denotam relativa força em suas reivindicações de orientação das políticas
públicas, ao contrário das cidades médias, onde estes se tornam presas para
continuidade da política paroquialista.
Parece-nos um questionamento em aberto, no concernente às
debilidades de orientação das políticas públicas dos movimentos urbanos em
cidades médias em face do acelerado processo de urbanização ao qual estas estão
submetidas. Tal situação nos propicia elementos para reflexão sobre a conjuntura e
articulação na/da política urbana nestas cidades, bem como quais agentes
produtores do espaço são favorecidos nesse processo.
Nestas condições, no tocante ao trabalho ora apresentado, se tivermos
conseguido demonstrar coerência na disposição da discussão, na qual se
apresentam elementos da ordem próxima e distante encadeados em uma
processualidade, acreditamos que um dos objetivos em termos de contribuição à
ciência geográfica foi alcançado.
De todo modo, este trabalho insiste na mensagem segundo a qual os
termos do crescimento econômico propostos no cerne do sistema capitalista não se
realizam em termos de distribuição e/ou melhorias para o social, mas sim em mais
concentração de riquezas e poder nas mãos de poucos. Em termos gerais,
defendemos que o espaço e a cidade trazem a marca da sociedade onde estão
inseridos, ao mesmo tempo em que viabilizam a mesma sociedade, fundada no ter,
favorecendo a hierarquia entre aqueles que detêm a propriedade e os que não têm.
Com esse parâmetro do que vem a ser a cidade sob o capitalismo,
avançamos para pensar as desigualdades em cidades brasileiras, pois
diferentemente das cidades na/da Europa e/ou Estados Unidos, no Brasil estas não
passaram por um período de estruturação associado ao Estado de bem-estar social.
Desse modo, exibem um quadro de desigualdades assustador. Se pensarmos nas
cidades do Nordeste brasileiro, a conjuntura também se faz diferenciada daquelas
onde a expansão do capital se deu em meados do século XX, como na região
Sudeste, por exemplo.
No caso das cidades nordestinas, a expansão do capital na década de
1980 associada a inúmeros fatores, como destacado na pesquisa, não trouxe
solução para os problemas de desigualdade socioespacial, pelo contrário, em alguns
166
casos agravou ainda mais o quadro, haja vista o aumento do número de migrantes
expropriados do campo à procura de oportunidades nas cidades.
Estes elementos se revelam como fundamentos de ordem metodológica,
sobretudo ao contribuírem para o avanço da pesquisa e a busca da especificidade
da política urbana na cidade de Mossoró. Eles entraram em consonância com as
críticas desenvolvidas no âmbito da geografia radical no tocante a fugir das análises
estruturais na produção do espaço, sem as negar, mas no intuito de articular os
diversos níveis e dimensões das políticas públicas, que cada vez mais, têm
adquirido o tom de políticas espaciais.
No relacionado às perspectivas de transformação das cidades com vistas
à apropriação social do mundo urbano, encontramos as possibilidades nas inúmeras
notícias de mobilização social pelo mundo ao longo do curso do mestrado como um
sinal positivo72. Contudo, em nossa pesquisa, identificamos que o movimento de
bairro reivindicativo em Mossoró, em sua ânsia pelo acesso às benesses do mundo
urbano, teve força durante os anos 1980, porém foi se enfraquecendo cada vez
mais, na medida em que foi sendo cooptado pelos políticos da família Rosado.
Sobressai mais uma vez o caráter extremo de paroquialismo ao qual estas
organizações estão submetidas.
Por fim, a nosso ver, a luta contra a mercadificação da cidade, na qual os
interesses dos usuários sejam respeitados como um direito, deve passar
diretamente pela mobilização social, pela ocupação dos espaços, pela crítica da
economia política em sua forma prática, diferentemente das lutas que encontram
nas técnicas desenvolvidas por engenheiros, arquitetos, geógrafos, espaciólogos,
sociólogos etc. o horizonte para uma cidade melhor.
72 A este respeito, procurar Nicos Zagorakis, principalmente no referente à Luta de classes na Grécia – disponível em - http://pt.scribd.com/doc/22898448/A-Luta-de-Classes-na-Grecia-Nicos-Zagorakis - acessado em 15/10/2010.
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