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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO
Juliana Annes Aenlhe
A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA UNIO ESTVEL PUTATIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR FRENTE OS PRINCPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
AFETIVIDADE
Passo Fundo 2011
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Juliana Annes Aenlhe
POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA UNIO ESTVEL PUTATIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR FRENTE OS PRINCPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
AFETIVIDADE
Monografia apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais, sob orientao da professora Me. Fernanda Oltramari.
Passo Fundo 2011
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Aos meus pais, Jlio e Ana, pelo constante apoio, incentivo e pacincia, at nas horas mais difceis e,
principalmente, pelo amor e carinho incondicionais.
5
A Deus, pela sade e fora que me foram concedidos durante toda minha vida.
A todos que estiveram presentes nessa caminhada e, de alguma forma, colaboraram com a realizao desta monografia.
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RESUMO
A presente pesquisa tende a analisar as diversas formas de entidades familiares, levando ao questionamento acerca da possibilidade do reconhecimento das relaes paralelas, iniciando por um estudo sobre a evoluo da famlia e de seus comportamentos. Com esse questionamento passa ao exame do concubinato como uma forma de entidade familiar tendo como marco terico os princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Pondera at onde vo os efeitos que o Estado atribui a ditos relacionamentos e quais seriam os limites da interveno estatal. Discorre ainda sobre as diversas formas de concubinato, concentrando-se no adulterino e discorrendo sobre a divergncia dos entendimentos doutrinrios e jurisprudenciais nesse sentido, delimitando a preponderncia no sentido do reconhecimento da unio estvel putativa.
Palavras-chave: Entidade familiar. Paralelismo. Putatividade. Unio estvel.
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SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................
1 DA UNIO ESTVEL........................................................................................................
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1.1 Aspectos histricos e leis reguladoras........................................................................ 8
1.2 Do conceito e requisitos da unio estvel................................................................... 17
2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS APLICVEIS AO DIREITO DE FAMLIA....
2.1 Princpio da dignidade da pessoa humana..................................................................
2.2 Princpio da afetividade..............................................................................................
2.3 Princpio da monogamia.............................................................................................
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26
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3 A UNIO ESTVEL E O CONCUBINATO................................................................... 41
3.1 Do concubinato e seus efeitos.................................................................................... 42
3.2 Dos diversos entendimentos acerca das relaes paralelas.......................................
3.3 Da possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa................................
51
60
CONCLUSO......................................................................................................................... 64
REFERNCIAS...................................................................................................................... 67
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INTRODUO
O presente trabalho de concluso de curso trata da possibilidade de se reconhecer a
unio estvel paralela ao casamento ou a outra unio estvel como entidade familiar, a receber
proteo do Estado.
Em um primeiro momento, busca conceituar o instituto da unio estvel, percorrendo
sua histria e seus avanos, analisando, tambm, as leis que regulam o referido instituto. Em
considerao com essas leis e com entendimentos doutrinrios variados, passa a discorrer
acerca dos requisitos necessrios a ensejar uma unio estvel, bem como os impedimentos
que o circundam.
Posteriormente, prope um exame sobre alguns dos princpios norteadores do direito
de famlia, tais como a dignidade da pessoa humana, da afetividade e da monogamia. Discorre
sobre o impacto que tais regramentos exercem sobre o direito de famlia, analisando a
importncia do princpio constitucional da dignidade da pessoa humana, dos diversos
entendimentos a respeito do princpio da afetividade e de como a abrangncia deste ltimo
tende a aumentar com as novas relaes familiares que vm se formando cada vez mais.
Ainda, trata da divergncia no que diz respeito ao dever da monogamia. H dvidas quanto
sua classificao como um princpio jurdico ou se se trataria apenas de uma regra moral
instituda pela sociedade, bem como do alcance da interveno estatal e o confronto do
princpio da monogamia com o da dignidade da pessoa humana e da afetividade.
Por ltimo, passa a analisar o concubinato, estabelecendo a diferena deste com a
unio estvel e citando os diversos tipos de concubinato existentes. De modo que passa a se
focar o adulterino, estudando seu conceito, a possibilidade de ser considerado uma entidade
familiar e seus efeitos. Examina os vrios entendimentos que se tem acerca das unies
estveis paralelas, enfocando na unio estvel putativa, analisando a possibilidade de esta ser
reconhecida e gerar efeitos comuns unio estvel, de acordo com os entendimentos
doutrinrios e jurisprudenciais predominantes.
Nesse sentido, h entendimento na linha de que a nenhum tipo de relacionamento
paralelo podem ser reconhecidos direitos aos concubinos. Outra corrente entende possvel o
reconhecimento da unio estvel putativa, quando a (o) concubina (o) age na mais absoluta
ignorncia, agindo, assim, de boa-f. Ainda, uma terceira corrente, entende que o no
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reconhecimento dessas relaes, alm de gerar um enriquecimento ilcito, estaria ferindo os
princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, sendo inadmissvel, considerando
o valor sentimental de ditos relacionamentos.
Na presente pesquisa, utiliza-se o mtodo bibliogrfico, que baseado em pesquisas e
posies j formuladas, e analisa-se a possibilidade do reconhecimento da unio estvel
putativa, tendo como marco terico as formas de entidades familiares, os princpios da
dignidade da pessoa humana e da afetividade, bem como o regramento da monogamia.
Tendo este estudo, como objetivo, discutir a possibilidade do reconhecimento das
unies estveis paralelas como entidade familiar, e, tendo em vista que, por mais que haja um
repdio social para com esses tipos de relaes, trata-se de uma realidade social muito
presente no cotidiano, buscando a soluo mais adequada e proporcional ao caso concreto.
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1 DA UNIO ESTVEL
A unio estvel vem se tornando cada vez mais comum, constituindo-se o tipo de
relacionamento que mais vem sendo adotado pelos parceiros que visam a constituir uma
famlia, j sendo plenamente reconhecida pelo Estado. Todavia, nem sempre foi assim; pois,
para se chegar a este pleno reconhecimento, muitas foram as lutas, as contradies, e, em
razo desses entendimentos divergentes, foram criadas leis em diversos sentidos.
Destarte, passa-se a estudar o caminho percorrido at se chegar unio estvel como
hoje reconhecida, bem como os diversos entendimentos acerca deste tipo de relacionamento,
que, at os dias atuais, enfrenta contradies e dificuldades de conceituao.
1.1 Aspectos histricos e leis reguladoras
Apesar da rejeio do legislador, as relaes havidas fora do casamento sempre
existiram, sendo que, inclusive, primeiro houve a unio entre pessoas do sexo oposto, de
forma livre, e, somente aps, foi criado o instituto do matrimnio para abrigar tais relaes
pr-existentes.
Afinal, a famlia um fato natural1, sendo que, como diz Rolf Madalenofoi surgindo
com o tempo a evoluo dos modelos de convvio e de interao das sociedades afetivas, at o
GR PDWULP{QLR DR ODGR GD XQLmR LQIRUPDO 2 $LQGD FRQIRUPH 9LUJtOLR GH 6i 3HUHLUD R
legislador no cria a famlia, como o jardineiro no cria a primavera; soberano no o
OHJLVODGRUVREHUDQDpDYLGD3, ou seja, independente do que o legislador entenda por famlia
ou casamento, as pessoas sempre constituram e sempre constituiro suas famlias de acordo
com suas crenas, sejam elas reconhecidas ou no.
1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 761. 2 Ibidem. 3 Apud CAHALI, Francisco Jos. Contrato de convivncia na unio estvel. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 01.
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Na antiguidade, entre alguns povos, era muito comum a unio livre entre as pessoas,
admitindo-se, inclusive, relaes concomitantes, como, por exemplo, nas antigas Grcia e
Roma4.
Em Roma, todavia, o imperador Augusto imps a Lex Julia de Adulteris, a qual trazia
impedimentos para as unies de fato e, no mesmo sentido, Constantino emitiu decretos para
retirar os direitos dos filhos originados das ento consideradas unies ilegais, sendo que, no
final do sculo IX, com os imperadores cristos, aboliram-se tais unies5.
Com o fortalecimento da Igreja, a luta contra as unies livres, bem como as unies
paralelas ao casamento, foi crescendo cada vez mais. Como uma medida a esse combate,
pode-se destacar o Conclio de Trento, o qual foi
[...] celebrado em 1563, proibindo o casamento presumido e estabelecendo a obrigatoriedade da celebrao do matrimnio perante o proco, em cerimnia pblica e perante testemunhas, sendo criados os registros paroquiais para o assento dos casamentos controlados pelas autoridades eclesisticas6.
A soberania da Igreja Catlica e o sacramento do matrimnio como um instituto
sagrado e indissolvel perduraram durante muitos sculos7, e ainda permanece em algumas
sociedades que mantm a tradio e os rigores da religio.
As unies de fato, entretanto, continuaram a existir e, amoldando-se s realidades, na
Idade Contempornea, mais precisamente na Frana, comearam a surgir decises dos
Tribunais apreciando e considerando as pretenses das concubinas8, sendo que, de acordo
com Edgard de Moura Bittencourt, SRUYROWDGHD MXULVSUXGrQFLD IUDQFHVDFRPHoRXD
reconhecer, em favor da mulher, o direito indenizao como maneira de ser compensada
pela convivncia marital de fato, sob o fundamento, embora DUWLILFLDOGHVHUYLoRVSUHVWDGRV9.
Ainda na Frana, no ano de 1912, foi criada uma lei que permitia o reconhecimento de filho,
fruto de unies havidas fora do casamento10.
4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 895. 5 Ibidem. 6 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 761. 7 RIZZARDO, op. cit., p. 896. 8 Ibidem, p. 897. 9 Apud ibidem. 10 Ibidem.
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No Brasil, houve a influncia da legislao portuguesa, sendo que Portugal adotou o
Conclio de Trento, j mencionado acima, com o Decreto de 12 de novembro de 1564 e pela
Lei de 8 de abril de 1569, tendo sido adotado no Brasil pelo Bispado da Bahia, criado em 28
de janeiro de 155011. Desse modo, pode-se perceber que, desde o princpio, o casamento
religioso adotado na legislao brasileira.
No entanto, como ocorreu em tantos outros povos, na prtica, a realidade era outra. As
unies livres, sem o selo do matrimnio, que antigamente eram denominadas como
concubinato, eram uma prtica que se alastrou por toda a sociedade colonial brasileira, pois
WHQGRGHL[DGRVXDVPXOKHUHVSDUDWUiVRVSRUWXJXHVHVDVVXPLDPWDLVUHODFLRQDPHQWRVDVVLP
que chegavam ao pas, acentuando-VHTXHHVVDURWLQDWUDQVIRUPRXRFDVDPHQWRHPH[FHomRH
o concubinato ePSUiWLFDFRPXP12.
Deve-se observar, contudo, que o concubinato era considerado delito perante a Igreja,
havendo em So Paulo, inclusive, o Tribunal Episcopal, que tinha como uma de suas
principais funes agir como um centro receptor das delaes acerca das relaes de
concubinato13.
Com o intuito de fazer valer-se cada vez mais a obrigao do casamento religioso, ao
longo dos anos, vrias leis foram sendo criadas. Nesse sentido, com a independncia poltica
GR %UDVLO IRUDP FRQILUPDGDV SDUD YLJHUHP QR Brasil, as Ordenaes Filipinas, pela Lei
,PSHULDOGHGHRXWXEURGH14.
No ano de 1824, foi criada a Constituio Imperial, a qual institua em seu artigo 5:
$UHOLJLmRFDWyOLFDDSRVWyOLFDURPDQDFRQWLQXDUiDVHUDUHOLJLmRGR,PSpULR7RGDVDVoutras
religies sero permitidas com seu culto domstico ou particular, em casas para isso
GHVWLQDGDV VHP IRUPD DOJXPD H[WHULRU GH WHPSOR 15. Com a leitura do referido artigo
percebe-se o quanto a Igreja Catlica influenciava no perodo do Imprio Brasileiro.
Nesse perodo, foram criadas vrias leis nesse sentido, em que eram disciplinadas, por
exemplo, a situao dos filhos, frutos de casamento religioso, o reconhecimento de filhos
11 AZEVEDO, lvaro Villaa. Estatuto da famlia de fato. So Paulo: Editora Jurdica Brasileira, 2001, p. 135. 12 JNIOR, Alberto Gosson Jorge. Unio estvel e concubinato. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, n. 1, v. 1, jul. 1999, p. 88. 13 Ibidem, p. 89. 14 AZEVEDO, loc. cit. 15 Ibidem, p. 136.
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naturais, a validade do casamento entre pessoas crists, mas professantes de outras religies16,
entre outras.
No ano de 1890, com o Decreto n. 181, foi institudo no Brasil o casamento civil,
passando a ser a nica forma de matrimnio reconhecida por lei17. Mas um marco que
secularizou o instituto do casamento civil foi o Ato do Governo Provisrio, de 26 de junho de
TXH SURLELX D TXDOTXHU FHOHEUDQWH GH FDVDPHQWR UHOLJLRVR TXH OHYDVVH DGLDQWH WDO
SUiWLFDDQWHVGRDWRFLYLOVRESHQDGHVHUSXQLGRFRPSHQDGHVHLVPHVHVGHSULVmRHPXOWD18, e a Constituio Republicana de 1891 adotou o mesmo posicionamento, sendo que, em seu
artigo 72, pargrafo 4, DVVLPSUHFHLWXDYD$5HS~EOLFDVyUHFRQKHFHRFDVDPHQWRFLYLOFXMD
FHOHEUDomRVHUiJUDWXLWD19.
Com o advento do Cdigo Civil de 1916, restou clara a inteno do legislador em no
regular as relaes extramatrimoniais, bem como punir as que assim fossem institudas20, pois
vedava as doaes do cnjuge adltero ao seu cmplice, bem como a instituio de seguro de
vida ou qualquer disposio testamentria do homem casado em favor de sua concubina.
Belmiro Pedro Welter diz:
O Cdigo Civil de 1916 regula a famlia patriarcal com base na hegemonia do poder do pai, na hierarquizao das funes, na desigualdade de direitos entre marido e mulher, na discriminao dos filhos, na desconsiderao das entidades familiares e no predomnio dos interesses patrimoniais em detrimento do aspecto afetivo. 21
Como sempre, entretanto, as vedaes institudas pelo Cdigo Civil de 1916 no
coibiram a existncia das unies livres e, conforme foram surgindo, perante o judicirio,
conflitos a serem solucionados neste sentido, a jurisprudncia, aos poucos, foi reconhecendo
direitos aos concubinos, porm, tais direitos, limitavam-se a efeitos patrimoniais.
Primeiramente, foi concedido mulher o direito a alimentos, na forma de indenizao
por servios domsticos, sendo que as argumentaes eram no sentido da inadmissibilidade
16 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 136. 17 FONTANELLA, Patrcia. Famlias simultneas e unio estvel putativa. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: unio estvel aspectos polmicos e controvertidos. vol. 8, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 329. 18 Ibidem, p. 139. 19 Ibidem, p. 140. 20 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 3 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 144. 21 WELTER, Belmiro Pedro. Estatuto da unio estvel. 2 ed. Porto Alegre: Sntese, 2003, p. 71.
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do enriquecimento ilcito e de que um homem que se aproveitava da mulher e de sua
dedicao no poderia simplesmente abandon-la sem indenizao22.
Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo cita um exemplo de argumentao publicado na
poca:
O trabalho da concubina mais se equipara indenizao civil, pois contraprestao de zelo e carinho que a mulher d ao homem, atendendo-o efetivamente em todas as horas de convivncia. A indenizao concubina no se pode confundir com o salrio devido domstica que, materialmente e sem nenhum outro interesse que no o mister que lhe reconhecido, faz jus indenizao pelo tempo que, ao amsio, dedicou e no como a domstica ao trabalho executado23.
Resta claro que esse tipo de argumentao e, consequentemente, das decises, gerou
queixas nos mais diversos sentidos. Assim, passou a se reconhecer a sociedade de fato,
concedendo o direito de partilha do patrimnio formado. Primeiramente, alguns Tribunais
foram se manifestando nesse sentido, como o do Rio Grande do Sul, o de So Paulo, o de
Minas Gerais e o do Rio de Janeiro24. Posteriormente, em um julgamento, o Supremo
Tribunal Federal assim se manifestou:
A jurisprudncia do STF predomina no sentido de que se for reconhecida no curso da unio livre more uxorio a existncia de uma sociedade de fato, pela conjugao de esforos entre os concubinos na formao do patrimnio, tem direito a mulher partilha dos bens. A medida maior ou menor da colaborao da mulher naqueles esforos secundria e se reconhecida, pelo Tribunal que julgou os fatos, no pode ser reexaminada em recurso extraordinrio25.
No muito tempo depois, foi consolidado o direito partilha, com a Smula 380 do
Supremo Tribunal Federal26, sendo criadas, tambm, no que se referem aos direitos dos
concubinos, a Smula 3527, que dizia respeito ao direito indenizao da concubina por
22 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 144. 23 RIZZARDO, Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002, p. 898. 24 Ibidem, p. 899. 25 Ibidem. 26 6~PXOD Comprovada a existncia da sociedade de fato entre os concubinos, cabvel a sua dissoluo judicial, com a SDUWLOKDGRSDWULP{QLRDGTXLULGRSHORHVIRUoRFRPXP 27 6~PXOD(PFDVRGHDFLGHQWHGRWUDEDOKRRXGHWUDQVSRUWHDFRQFXELQDWHPGLUHLWRGHVHULQGHQL]DGDSHODPRUWHGRDPiVLRVHHQWUHHOHVQmRKDYLDLPSHGLPHQWRSDUDRPDWULP{QLR
13
acidente de trabalho ou de transporte, e a Smula 38228, que tratava da caracterizao do
concubinato.
As primeiras leis criadas concedendo benefcios aos que viviam em concubinato
tratavam de direitos fiscais e previdencirios. No mesmo sentido, foi admitido o uso do nome
do companheiro pela mulher solteira, desquitada ou viva, com o advento da Lei dos
Registros Pblicos (Lei n. 6.015/73) 29. No ano de 1977, foi criada a Lei do Divrcio (Lei n.
6.515/77), que permitiu o reconhecimento de filho extraconjugal por meio de testamento
cerrado30.
A Constituio Federal de 1988 foi o instituto precursor da formalidade da unio
estvel no sistema jurdico brasileiro. Pelo disposto no artigo 226, caput e pargrafo 3 da
Constituio Federal31, a unio estvel passou a ser reconhecida como entidade familiar e
digna de proteo do Estado.
6HJXQGR $UQDOGR 5L]]DUGR QDGD PDLV IH] D &DUWD )HGHUDO TXH UHFRQKHFHU XP
fenmeno social comum e generalizado em todo o Pas, tornando-se necessria sua
UHJXODPHQWDomR 32. O que significa dizer que as unies livres, agora denominadas unies
estveis, j existiam e foram tornando-se cada vez mais comuns, sendo que faltava apenas
uma regulamentao por parte do Estado.
Ainda, Cludia Grieco Tabosa Pessoa cita a disposio sobre a unio estvel de Carlos
Silveira Noronha, o qual diz:
Tendo em vista que a Constituio definiu perfunctria e insuficientemente o novo instituto que criou, ou, diga-se melhor, juridicizou uma situao de fato desde muito sociologicamente existente, pode-se defini-la mais precisamente, entendendo-se por entidade familiar a comunidade formada por homem e mulher, que convivem em unio estvel, em companhia da prole que eventualmente constiturem, fora do casamento, a cujas regras no desejam se sujeitar. 33
28 6~PXOD$YLGDHPFRPXPVRERPHVPRWHWRPRUHX[RULRQmRpLQGLVSHQViYHOjFDUDFWHUL]DomRGRFRQFXELQDWR 29 /HL$UW>@$PXOKHUVROWHLUDGHVTXLWDGDRXYL~YDTXHYLYDFRPKRPHPVROWHLURGHVTXLWDGRRXYL~YRexcepcionalmente e havendo motivo pondervel, poder requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronmico de seu companheiro, sem prejuzo dos apelidos prprios, de famlia, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estadRFLYLOGHTXDOTXHUGDVSDUWHVRXGHDPEDV 30 $UW>@Ainda na vigncia do casamento qualquer dos cnjuges poder reconhecer o filho havido fora do matrimnio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, e, nessa parte, LUUHYRJiYHO 31 $UW$IDPtOLDEDVHGDVRFLHGDGHWHPHVSHFLDOSURWHomRGR(VWDGR>@- Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em FDVDPHQWR 32 RIZZARDO, Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002, p. 900. 33 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 21.
14
Desse modo, pode-se perceber que o constituinte passa a regulamentar a famlia
baseando-se nas relaes humanas, de acordo com a afetividade; pois, conforme Maria
Berenice Dias, RFDSXWGRDUWGD&)pclusula geral de incluso, no sendo admissvel
excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e
RVWHQVLELOLGDGHJULIRGRDXWRU34.
Nesse sentido, Belmiro Pedro Welter entende: DIDPtOLDQmRSRGHVHUPRQHWDUL]DGD
patrimonializada, coisificada, pois as entidades familiares so edificadas na liberdade, na
democracia, na solidariedade, no amor, na felicidade, numa comunho plena de vidas e de
DIHWR35, ou seja, a Constituio reconheceu juridicidade ao afeto e admitiu que a famlia no
pode se restringir a formalidade de um instituto como o casamento, introduzindo, assim, um
termo geral como a entidade familiar e englobando os diversos tipos de relacionamentos
baseados no vnculo afetivo.
A norma constitucional, todavia, no alcanou grande aplicabilidade, tendo em vista a
falta de uma legislao infraconstitucional que regulasse a unio estvel, sendo que, para
preencher essa lacuna, a jurisprudncia aplicou regras de analogia e equidade36 e passou a
reconhecer unio estvel todos os efeitos jurdicos do casamento, conforme Rolf Madaleno
colaciona deciso do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:
Ao concubinato more uxrio podem ser atribudos todos os efeitos do casamento, desde que no firam direitos de terceiros. O regime ser o da comunho parcial, no tendo mais aplicao a Smula n 380 do STF, aps a vigncia da CF de 1988, pois dispensado o esforo financeiro comum na amealhao do patrimnio. Sentena confirmada. (Apelao Cvel n 594083826, da 7 Cmara Cvel do TJRS, Rel. Des. Paulo Heerdt, j. em 21/12/1994) 37.
Dessa forma, vrios projetos de lei foram surgindo para estabelecer normas que
regulamentassem essa entidade familiar38, com o intuito de preencher o vazio existente e
34 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 146. 35 WELTER, Estatuto da unio estvel, p. 72. 36 SCAFF, Fernando Campos. Aspectos gerais da unio estvel. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, v. 1, n. 1, jul. 1999, p. 85. 37 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 765. 38 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 208.
15
consolidar o novo instituto da unio estvel. E, dentre os vrios projetos apresentados, dois
foram aprovados, tendo sido transformados em Leis, n. 8.971/94 e 9.278/96.
A Lei n. 8.971/94 tratava de regular requisitos para o reconhecimento da unio estvel,
o direito a alimentos e da sucesso e meao do companheiro. Essa lei, todavia, recebeu
muitas crticas, tendo sido alegado que conservava um certo preconceito, pois deixou fora de
sua atuao as unies de pessoas separadas de fato e fixou um tempo mnimo de cinco anos
para o efetivo reconhecimento da unio estvel ou o nascimento de prole39. No mesmo
sentido, o entendimento de Rolf Madaleno, o qual assevera: FRPR VH D HVWDELOLGDGH GR
relacionamento fosse contada pelos dias e noites de coabitao e no pela qualidade e pela
LQWHQVLGDGHGDUHODomRDIHWLYD40.
No que se refere excluso das pessoas separadas de fato, Belmiro Pedro Welter
apresenta uma sustentao da necessidade de uma incluso:
Primeiro, no justo, nem jurdico, que se penalize o companheiro que no tem legitimidade para o ajuizamento da ao de separao judicial ou divrcio de seu companheiro; segundo, no h razo jurdica de o legislador incluir o separado judicialmente, mas excluir o separado de fato, se ambos necessitam, para se casar, promover prvia ao de divrcio; terceiro, se a jurisprudncia concedia aos separados de fato os mesmos direitos outorgados aos vivos, solteiros e separados judicialmente, no h coerncia em nova lei, que deve espelhar a realidade social, exclua essas conquistas, emitindo, com isso, odiosa rajada de retrocesso jurisprudencial e social, o que inconstitucional, medida em que os direitos e garantias fundamentais, conforme parte da doutrina e da jurisprudncia, inadmitem retrocesso social, ou seja, os direitos constitucionalmente assegurados no podem ser violados ou expungidos por deciso judicial, nova lei ou emenda constitucional41.
Alm disso, a referida lei foi apontada como inconstitucional, tendo sido alegado que
conferia ao companheiro sobrevivente mais direitos do que eram conferidos ao cnjuge, bem
como estimulava a unio estvel ao invs de facilitar a sua converso em casamento42. No
HQWDQWRFRPRGHIHQGHOYDUR9LOODoD$]HYHGRRSUHFHLWRPDLRUIRLRGHSURWHJHUDIDPtOLD
EDVHGDVRFLHGDGHQmRRFDVDPHQWRFLYLOFRPRQDV&RQVWLWXLo}HVDQWHULRUHV43$LQGDR
39 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 146. 40 MADALENO, loc. cit. 41 WELTER, Estatuto da unio estvel, p. 83. 42 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 354. 43 Ibidem, p. 355.
16
legislador de 1994 no desrespeitou o ordenamento constitucional, nem prestigiou o
FDVDPHQWRFLYLOPDVUHJXODPHQWRXDXQLmRHVWiYHOSDUDOHODPHQWHDHOH44.
Assim, percebe-se que logo foi afastada essa premissa, tendo sido a Lei considerada,
sem dvida alguma, perfeitamente legal e constitucional.
Posteriormente, foi criada a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, a qual tinha como
objetivo a regulamentao do pargrafo 3, do artigo 226 da Constituio Federal. Essa Lei
originou-se do Projeto de Lei n. 1.888/91, de autoria da Deputada Beth Azize, tendo sido
inspirada no esboo de anteprojeto de Lei de lvaro Villaa Azevedo.
Com a publicao da Lei n. 9.278/96, a configurao de unio estvel alcanou maior
abrangncia, definindo a unio estvel, em seu artigo 1, como D convivncia duradoura,
pblica e contnua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituio de
famlia
Ainda, estabeleceu os direitos e deveres dela decorrentes, tratou do direito a alimentos,
no caso de resciso da unio estvel, assegurou o direito meao dos bens adquiridos na
constncia da unio e a ttulo oneroso, salvo estipulao contratual em contrrio, reconheceu o
direito real de habitao e o da converso da unio estvel em casamento, por requerimento
ao Oficial do Registro Civil, fixando, ainda, a competncia das varas de famlia para a soluo
dos conflitos entre os conviventes45.
Para a consolidao do instituto da unio estvel, veio o Cdigo Civil de 2002, Lei n.
10.406/02, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, o qual seguiu o que j vinha sendo
consolidado doutrinria e jurisprudencialmente.
A unio estvel vem regulamentada no Livro IV, do Direito de Famlia, Ttulo III, da
Unio Estvel, artigos 1.723 a 1.726 do Cdigo Civil, alm de outros artigos, fora do captulo
especfico, que tambm tratam do assunto, como o artigo 1.595, que reconhece o vnculo de
afinidade entre os conviventes, os artigos 1.618, 1.631 e 1.632, que tratam da filiao e dos
companheiros, bem como o artigo 1.694, no qual deferido o direito a alimentos, o artigo
1.711, tratando do bem de famlia, o artigo 1.775, admitindo um companheiro ser curador do
outro, e o artigo 1.790, regulando o direito sucessrio dos companheiros.
44 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 355. 45 OLIVEIRA, Euclides de. Distino entre unio estvel, concubinato e sociedade de fato. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Mrcio Martins (Coords.). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 188.
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O captulo especfico da unio estvel regulamenta os requisitos para a configurao
do instituto, seus impedimentos, as causas suspensivas, dos direitos e deveres dos
companheiros, bem como da meao e da converso da unio estvel em casamento.
Desse modo, percebe-se que foi lento e gradual o caminho para comear a se
reconhecer direitos aos que viviam em concubinato, ou seja, relacionamentos havidos fora do
casamento, porm, com o advento da Constituio Federal de 1988, bem como o Cdigo Civil
de 2002, foi consolidado o reconhecimento do concubinato, ento passando a se denominar
unio estvel, como entidade familiar.
1.2. Do conceito e requisitos da unio estvel
Desde o advento da Constituio Federal de 1988, que passou a reconhecer a unio
estvel como entidade familiar a receber proteo do Estado, vem-se procurando um modo de
definir e conceituar o que unio estvel.
A unio estvel caracteriza-se pela sua informalidade46, ou seja, ao contrrio do
casamento, que necessita de inmeros atos formais, para a constituio da unio estvel, basta
o fato da vida em comum. Isso, porm, no to simples; pois, justamente pela falta de
formalidade, mais difcil fica sua caracterizao.
O Cdigo Civil de 2002 versa sobre a matria em seu artigo 1.723, que assim dispe:
e UHFRQKHFLGD FRPR HQWLGDGH IDPLOLDU D XQLmR HVWiYHO HQWUH R KRPHP H D PXOKHU
configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
FRQVWLWXLomRGHIDPtOLD
Patrcia Fontanella diz que o legislador tratou da matria sob a tica de uma clusula
geral, optando por evitar rigorismos conceituais, deixando, desse modo, para o juiz a tarefa de
analisar cada caso concreto, passando a reconhecer, ou no, a existncia da unio estvel47,
sendo que o Cdigo Civil trouxe apenas os elementos para a configurao do referido
instituto. 46 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de Famlia. Vol. VI, 6 ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 555. 47 FONTANELLA, Patrcia. Famlias simultneas e unio estvel putativa. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: unio estvel aspectos polmicos e controvertidos. vol. 8, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 333.
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Afinal, conforme Rodrigo da Cunha Pereira, para se definir unio estvel, deve-se
primeiramente entender o que famlia48, e esta formada pelo afeto, pela unio entre duas
pessoas que decidem construir suas vidas em conjunto, permeadas no amor e na vontade
mtua de constituir famlia, pois sua constituio inicia pelo amor que tratou de unir o casal,
WXGR FRP YLVWDV D UHSDUWLomR GR VHX DPRU GH VXD IHOLFLGDGH H SHOD IHOLFLGDGH GH VHXV
HYHQWXDLVILOKRVFRPRVTXDLVVHDJUHJDPDRFDVDOQRYDVHPRo}HV49.
Percebe-se, assim, que a unio estvel nasce da convivncia entre os companheiros,
VLPSOHVIDWRMXUtGLFRTXHHYROXLSDUDDFRQVWLWXLomRGHDWRMXUtGLFRHPIDFHGRVGLUHLWRVTXH
EURWDPGHVVDUHODomR50.
Desse modo, a unio estvel um fato natural, sendo que sua existncia pr-
existente, passando o Estado apenas a reconhecer e conceder-lhe efeitos jurdicos; pois,
conforme Baslio de Oliveira:
O Estado no pode se descurar da situao personalssima daqueles que se unem conjugalmente sem matrimnio, com juras de amor, comungando vida e interesse, gerando filhos e adquirindo bens do esforo comum, porque dessas unies floresce, tambm, de forma exuberante, a famlia51.
$LQGDR(VWDGRGHYHUHFRQKHFHUWDPEpPRGLUHLWRLPSRVWHUJiYHOGHFDGDKRPHPGH
constituir uma famlia e sua liberdade de escolher o modo da sua formao, dando suporte
PtQLPRjVXDUHDOL]DomRSHVVRDOHPEXVFDGDIHOLFLGDGH52.
Assim sendo, no quer dizer que aquela unio formada entre duas pessoas, visando a
constituir uma famlia e fundada no afeto, no se constitua de fato uma famlia, mas, apenas,
se no presentes os pressupostos a ensejarem a configurao de unio estvel, o Estado no a
reconhecer como tal.
Do conceito apresentado pelo Cdigo Civil, no j exposto artigo 1.723, podem-se
extrair alguns requisitos objetivos e subjetivos propostos pelo legislador, sendo que os
requisitos objetivos so: a heterossexualidade dos conviventes, o carter pblico da unio, a
48 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 208. 49 MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 115. 50 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 147. 51 OLIVEIRA, Baslio de. O concubinato e a constituio atual. 3 ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 29. 52 Ibidem.
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sua durao que demonstre a estabilidade e o carter de continuidade do relacionamento, e
como requisito subetivo: a inteno de constituir famlia53.
Assim, como primeira caracterstica da unio estvel pode-se citar a diversidade de
sexos; pois, tanto a Carta Magna, no artigo 226, pargrafo 3, como o Cdigo Civil, em seu
artigo 1.723, estabelecem como pressuposto de constituio que o relacionamento seja
composto entre um homem e uma mulher. Deve-se reconhecer, todavia, que h uma tendncia
mundial ao reconhecimento da unio estvel entre homossexuais.
Segundo Rolf Madaleno:
Nenhuma relao afetiva pode ficar margem da proteo estatal, haja visto ser preceito da Carta Federal e convalidado como clusula ptrea, o respeito dignidade da pessoa humana e a homossexualidade um fato da vida e que respeita esfera privada de cada um.54
Efetivamente, o artigo 1, inciso III, da Constituio Federal, assegura como
fundamento do Estado Democrtico de Direito, institudo pela Repblica Federativa do Brasil,
a dignidade da pessoa humana55$LQGDVHJXQGRRDUWLJRGRPHVPRLQVWLWXWRWRGRVVmR
iguais perantHDOHLVHPGLVWLQomRGHTXDOTXHUQDWXUH]D
Dessa forma, no deveria haver a discriminao entre as relaes compostas por
pessoas do mesmo sexo; pois, como j referido, a famlia baseia-se no afeto e no carinho
mtuo. No entanto, ainda h um certo preconceito a esse modo de constituio de famlia,
porm a histria revela que j houve um grande avano nesse sentido e a jurisprudncia
continua avanando cada vez mais, uma vez que se WUDWDGHXPDUHDOLGDGHVRFLDOLQFDSD]GH
VHULJQRUDGD56, e que vem merHFHQGRFDGDYH]PDLVDDFHLWDomRGDVRFLHGDGH57.
53 OLIVEIRA, Euclides de. Distino entre unio estvel, concubinato e sociedade de fato. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Mrcio Martins (Coords.). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 188. 54 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 771. 55 Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - DGLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQD 56 MADALENO, op. cit., p. 773. 57 Ibidem.
20
Atualmente, a grande maioria vem reconhecendo to somente a existncia de
sociedade de fato, gerando apenas efeitos de carter obrigacional, tudo com respaldo no artigo
1.363 do Cdigo Civil58.
Outro requisito para a caracterizao da unio estvel a convivncia pblica, ou
convivncia more uxorio, que significa aos costumes de casado, ou seja, convivendo como se
casados fossem.
$FRQYLYrQFLDS~EOLFDpQRVHQWLGRGHPRUDUHPMXQWRVPDQWHQGRYLGDHPFRPum,
em comunho plena [...], sob o mesmo teto, semelhana do matrimnio, onde a coabitao
GHYHUH[SUHVVRGRFDVDPHQWR 59, tal como preceitua o inciso II, do artigo 1.566 do Cdigo
Civil60.
A Smula 382 do Supremo Tribunal Federal, todavia, profere que D vida em comum
sob o mesmo teto more uxorio, no indispensvel caracterizao do concubinatoSRUpP
vale lembrar que esta smula foi editada no ano de 1964 e, conforme Carlos Roberto
Gonalves:
A aludida smula fala em concubinato e no em unio estvel. Foi editada numa poca em que se dava nfase, para o reconhecimento dos direitos da concubina, existncia de uma sociedade de fato, de carter obrigacional, em que pouco importava a convivncia sob o mesmo teto para a sua caracterizao. 61
Desse modo, percebe-se que a regra da coabitao, porm admitem-se excees,
como, por exemplo, por razes de trabalho, razes financeiras, ou quando os companheiros
possuem filhos resultantes de relacionamentos anteriores, ou at por razes de doena62,
enfim muitos podem ser os motivos para o casal no conviver sob o mesmo teto, devendo ser
analisado cada caso concreto.
Nesse sentido, Fabrcio Zamprogna Matielo:
58 GONALVES, Direito civil brasileiro: Direito de Famlia, p. 560. 59 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 785. 60 Art. 1.566. So deveres de ambos os cnjuges: [...] II - YLGDHPFRPXPQRGRPLFtOLRFRQMXJDO 61 GONALVES, op. cit., p. 557. 62 MADALENO, op. cit., p. 775.
21
Pode perfeitamente existir casamento profcuo ou unio estvel sem que os partcipes habitem em conjunto uma morada. Logicamente, o fato de o casal dividir o mesmo espao fsico forte indcio no sentido da presena da estabilidade da relao, mas deixou de ser referencial absoluto e instransponvel, sem o qual restava fracassado o casamento, afastando toda e qualquer possibilidade de que uma relao extra matrimonial produzisse efeitos de concubinato puro63.
Ainda, entende Rolf Madaleno que, para se caracterizar a convivncia more uxorio, ela
deve ser pblica, ou seja, a relao deve ser conhecida no meio social dos conviventes,
perante seus vizinhos, amigos, parentes e colegas de trabalho64, devendo o casal se apresentar
DRVROKRVGDVRFLHGDGHFRPRVHIRVVHPPDULGRHPXOKHU65.
Destarte, o fato de o casal no coabitar no exclui, de imediato, a possibilidade de
configurar unio estvel, mas depender das provas a serem produzidas. J, se o casal
conviver junto sob o mesmo teto, fica mais evidente a convivncia more uxorio, ou seja,
caber ao judicirio, analisando as peculiaridades de cada caso, verificar se a coabitao
imprescindvel ou se est diante de uma exceo, sendo possvel o reconhecimento da unio
estvel sem o preenchimento deste requisito.
Mais um requisito da unio estvel a ser observado o da continuidade, pois um
relacionamento, por mais que tenha brigas e desentendimentos, como todos os
relacionamentos tm, no pode haver interrupes, visto que D VROLGH] GD XQLmR HVWiYHO p
DWHVWDGD SHOR FDUiWHU FRQWtQXR GR UHODFLRQDPHQWR 66 H D FRQWLQXLGDGH UHIOHWH D VXD
estabilidade HVHULHGDGH67.
No entanto, atenta-se para o fato de que pequenas intrigas e breves rompimentos no
descaracterizam a unio estvel, cabendo, assim, ao juiz verificar se se tratavam realmente de
pequenas brigas, comuns a todo casal, ou se essas interrupes impediram reconhecer a
estabilidade do relacionamento.
O seguinte pressuposto para a unio estvel a durao no tempo, uma vez que a
relao dos companheiros deve ser duradoura, estendendo-se no tempo. Como saber,
entretanto, em quanto tempo estar configurada a unio estvel?
63 MATIELO, Fabrcio Zamprogna. Unio estvel concubinato: repercusses jurdico-patrimoniais. 1 ed. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1997, p. 32. 64 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 785. 65 Idem, Novos horizontes no direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 112. 66 GONALVES, Direito civil brasileiro: Direito de Famlia, p. 564. 67 MADALENO, op. cit., p. 786.
22
Pois bem, antigamente, com a Lei n. 8.971/94, era exigido o prazo mnimo de cinco
anos para que fosse reconhecida a unio estvel, porm a referida lei foi revogada, e, hoje, o
Cdigo Civil no estabelece nenhum prazo. Como bem afirma Fernando Campos Scaff:
Essa ausncia de determinao prvia de um perodo de convivncia se justifica pela boa compreenso de que um prazo qualquer no constitui indicador seguro da existncia ou no dos elementos necessrios para a configurao do instituto. Assim, em benefcio dos interesses das partes vinculadas unio estvel, de terceiros interessados em especial os filhos comuns do casal e tambm para se evitar a configurao de fraudes ou o surgimento de limitaes estreis, afastou o legislador essa predeterminao temporal peremptria68.
$LQGD5ROI0DGDOHQRHQWHQGHTXHDXQLmRHVWiYHOQmRSRGHVHUDIHULGDSHORWHPSR
GH VXD GXUDomR PDV SHOD TXDOLGDGH GHVWD FRQYLYrQFLD 69 SRLV QmR p R WHPSR FRP
determinao de x ou y meses, ou anos, que dever caracterizar ou descaracterizar uma
UHODomRFRPRXQLmRHVWiYHO70.
Desse modo, mais uma vez se percebe que caber ao julgador analisar o caso posto
sua apreciao, delineando, conforme o seu entendimento, um prazo conivente para
determinada situao.
O ltimo requisito talvez o mais importante para se caracterizar uma relao como
unio estvel, que o objetivo de constituir famlia, ou seja, o nimo, a inteno indubitvel,
de ambos os conviventes, de formar uma famlia, moldada semelhana do casamento71.
Importante a verificao desse objetivo para no haver confuso entre unio estvel e
um simples namoro, pois justamente esse fator que ir diferenci-los. Nesse sentido o
entendimento do Tribunal de Justia de Minas Gerais:
Este trao distintivo fundamental, dado ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivncia pblica, contnua, s vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes no abre mo de sua individualidade e liberdade
68 SCAFF, Fernando Campos. Aspectos gerais da unio estvel. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, v. 1, n. 1, jul. 1999, p. 86. 69 MADALENO, Novos horizontes no direito de famlia, p. 114. 70 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 210. 71 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 787.
23
pelo outro. O que h um eu e um outro e no um ns. No h nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir famlia, pois para haver famlia, o eu cede espao para o ns. Os projetos pessoais caminham em prol do benefcio da unio. Os vnculos so mais slidos, no se limitando a uma questo afetiva ou sexual ou financeira. O que h um projeto de vida em comum, em que cada um dos parceiros age pensando no proveito da relao. Pode at no dar certo, mas no por falta de vontade. Os namoros, a princpio, no tm isso. Podem at evoluir para uma unio estvel ou casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, no passando de um mero relacionamento pessoal, fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carncia e o desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se curtem (grifo do autor) 72.
Para se ter certeza dessa inteno de formar famlia e, se efetivamente os projetos
caminham em busca do benefcio daquela unio, deve ser observado o modo como os sujeitos
da relao se portam perante a sociedade e perante eles mesmos, verificando-se o tratamento
que eles dispensam aos seus parceiros.
Segundo Rolf Madaleno:
O propsito de formar famlia se evidencia por uma srie de comportamentos
exteriorizando a inteno de formar famlia, a comear pela maneira como o casal se apresenta socialmente, identificando um ao outro perante terceiros como se casados fossem, sendo indcios adicionais e veementes, a mantena de um lar comum, a frequncia conjunta a eventos familiares e sociais, a existncia de filhos comuns, o casamento religioso, e dependncia alimentar, ou indicaes como dependentes em clubes sociais, cartes de crditos, previdncia social ou particular, como beneficirio de seguros ou planos de sade, mantendo tambm contas bancrias conjuntas73.
Qualquer meio que se possa verificar que o casal se trata e se reconhece buscando a
formao de famlia e assim se constituindo, ser vlido para se comprovar a existncia de
unio estvel.
De acordo com o pargrafo 1 do artigo 1.723 do Cdigo Civil74, h, ainda, mais um
requisito a ser preenchido, que a inexistncia de qualquer dos impedimentos do artigo 1.521
do Cdigo Civil, ou seja, no se constituir unio estvel de ascendentes com os
descendentes, seja por parentesco natural ou civil; dos parentes por afinidade em linha reta; do
72 MINAS GERAIS. Tribunal de Justia. Apelao Cvel N 1.0145.05.280647-1/001, da Quinta Cmara Cvel. Relatora: Maria Elza, 21 de janeiro de 2009. Disponvel em: . Acesso em: 11 dez. 2010. 73 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 787. 74 $UW>@ 1o A unio estvel no se constituir se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; no se aplicando a incidncia do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar sepDUDGDGHIDWRRXMXGLFLDOPHQWH
24
adotante com quem foi cnjuge o adotado e do adotado com quem o foi do adotante; os
irmos, sejam unilaterais ou bilaterais, e demais parentes colaterais, inclusive at o terceiro
grau; o adotado com o filho do adotante; as pessoas que forem casadas, salvo se separadas de
fato ou judicialmente; e o cnjuge sobrevivente com a pessoa que foi condenada por
homicdio ou tentativa de homicdio contra o seu companheiro.
Aqui, pode-se perceber uma das diferenas entre a unio estvel e o casamento, visto
que, para o casamento, a pessoa deve estar livre de qualquer dos impedimentos elencados no
artigo 1.521. Para se constituir uma unio estvel, porm, admite-se que a pessoa esteja
casada, desde, claro, que separada de fato ou judicialmente.
Em relao a todos os requisitos estudados, deve-se atentar para o fato de que no h a
necessidade do preenchimento absoluto de todos eles; pois, conforme Rodrigo da Cunha
Pereira:
Se faltar um desses elementos, no significa que esteja descaracterizada a unio estvel. o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de famlia. O essencial que se tenha formado com aquela relao afetiva e amorosa uma famlia, repita-se. 75
$ILQDO DXQLmRHVWiYHOQDGDPDLVpGRTXHPHURDFRUGRGHYRQWDGHVQRVHQWLGRGD
comunho de vidas, livre das amarras e solenidades prprias do matrimnio, no obstante
SRVVDYLUDVXUWLUUHVXOWDGRVTXHLQWHUHVVDPDRFDPSRMXUtGLFR76.
Desse modo, analisados os requisitos a ensejarem a unio estvel, conclui-se que a
unio estvel baseia-se, basicamente, no vnculo afetivo formado entre duas pessoas, com o
intuito de constituir uma famlia, mas sem se submeter s formalidades do casamento. Como
j dito acima, porm, caber ao juiz, analisando os requisitos e apurando possveis
impedimentos, verificar as peculiaridades de cada caso concreto, para decidir se determinado
relacionamento se configura, ou no, como uma entidade familiar a ser reconhecida pelo
Estado, na forma de unio estvel, e receber a devida proteo conferida a essas entidades.
75 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 209. 76 MATIELO, Unio estvel concubinato: repercusses jurdico-patrimoniais, p. 23.
25
Como uma forma de auxlio ao julgador, caber a este analisar, ainda, os princpios
constitucionais aplicveis ao direito de famlia, afinal, tais princpios servem como pilares do
direito, cabendo ao juiz verificar os princpios a serem aplicados no caso que for posto sua
apreciao.
26
2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS APLICVEIS AO DIREITO DE FAMLIA
O direito brasileiro atual regido principalmente e primeiramente por princpios,
afinal, nenhuma regra pode contrariar princpios constitucionais. No direito de famlia essa
importncia e prevalncia dos princpios muito clara, pois depara-se com a vida das pessoas,
seja o desenvolvimento de uma criana, os direitos de um idoso, as relaes afetivas entre um
casal, etc.
Prima-se pelo bem-estar dos envolvidos e, na maioria das vezes, trata-se de casos
atpicos, nicos, que no podem ser analisados apenas pela formalidade das leis, mas devem
ser avaliados levando-se em considerao o caso concreto em conformidade com os
princpios constitucionais a serem respeitados, pois os princpios tm o poder de incorporar
valores ticos com valores jurdicos e polticos. Conforme Maria Berenice Dias, os princpios
FRQVDJUDPYDORUHVJHQHUDOL]DQWHVHVHUYHPSDUDEDOL]DUWRGDVDVUHJUDVDVTXDLVQmRSRGHP
DIURQWDUGLUHWUL]HVFRQWLGDVQRVSULQFtSLRV 77.
So muitos os princpios que norteiam o direito de famlia, havendo os explcitos e
outros implcitos, que vm sendo reconhecidos pela doutrina e jurisprudncia, sendo que cada
autor reconhece um determinado nmero de princpios aplicveis ao ramo, no sendo possvel
citar todos eles. Desse modo, analisar-se-o os princpios mais condizentes com o assunto que
est sendo tratado no presente trabalho.
2.1 Princpio da dignidade da pessoa humana
O princpio da dignidade da pessoa humana considerado o princpio constitucional
mais importante, tanto o que vem elencado j no artigo 1 da Constituio Federal, e vem
sendo preconizado como um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil, em seu
77 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 48.
27
inciso III, a dignidade da pessoa humana78WUD]HQGRFRPRXPDGDVILQDOLGDGHV a ser sempre
EXVFDGDRXSUHVHUYDGDSHOR(VWDGREUDVLOHLUR79.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias entende que a dignidade da pessoa humana
YDORU QXFOHDU GD RUGHP FRQVWLWXFLRQDO 80 VHQGR XP PDFURSULQFtSLR GR TXDO VH LUUDGLDP
WRGRVRVGHPDLV81.
Desse modo, percebe-se que a dignidade da pessoa humana que rege todo o
ordenamento jurdico, de tal modo que deve ser sempre respeitada, devendo o Estado coibir
prticas que atentem contra este princpio, bem como promover aes a fim de assegurar essa
garantia a todas as pessoas.
s vezes, todavia, surgem dvidas acerca do que seria essa dignidade, sendo que esse
direito, que parece estar to claro na mente das pessoas, no se mostra de forma to evidente
no momento em que surge a necessidade de se exteriorizar o seu significado, j que a lei no
traz uma definio.
Assim, segundo Ingo Wolfang Sarlet:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrnseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos. 82
Portanto a dignidade no se adquire, a pessoa nasce com essa qualidade e, a partir do
seu nascimento, ela merecedora de respeito por parte do Estado e da comunidade, sendo
dever do Estado e da famlia garantir o seu pleno desenvolvimento. De tal modo
consolidado o princpio da dignidade da pessoa humana, no que se refere ao direito de famlia, 78 $UW$5HS~EOLFD)HGHUDWLYDGR%UDVLOIRUPDGDSHODXQLmRLQGLVVRO~YHOGRV(VWDGRVH0XQLFtSLRVHGR'LVWULWR)HGHUDOconstitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - DGLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQD 79 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 95. 80 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 52. 81 Ibidem. 82 Apud GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 392.
28
que em seu artigo 226, pargrafo 7, a Carta Magna consigna que o planejamento familiar est
fundado no referido princpio em conjunto com o princpio da paternidade responsvel83.
Ainda, Rodrigo da Cunha Pereira afirma: TXDQGRXPDFRLVDWHPXPSreo, podemos
substitu-la por qualquer outra como equivalente; mas o homem, superior coisa, est acima
GHWRGRSUHoRSRUWDQWRQmRSHUPLWHHTXLYDOHQWHSRLVHOHWHPGLJQLGDGH84RXVHMDDVFRLVDV
WHPSUHoRHDVSHVVRDVGLJQLGDGH85.
Dessa forma, qualquer pessoa insubstituvel e, assim sendo, no pode ser tratada
como objeto. Nem sempre, todavia, essa dignidade foi respeitada, sendo que na histria so
inmeros os exemplos de indignidade no direito de famlia, tendo havido pocas em que as
mulheres eram tratadas como objeto, como um bem do homem e, da mesma forma, os filhos.
Como exemplos dessa indignidade, pode-se citar a excluso da mulher ao princpio da
igualdade, a proibio do registro do nome do pai de filhos havidos fora do casamento, bem
como o no reconhecimento de famlias que no fossem formadas a partir do casamento86,
entre outros.
Muita coisa mudou desde ento, a mulher adquiriu direitos, sendo hoje considerada
pessoa prpria de dignidade e, consequentemente, de respeito. Da mesma forma, para uma
famlia assim ser reconhecida, no precisa ter sido criada exclusivamente atravs dos ditames
do casamento, sendo que outras formas de constituio de famlia passaram a ser
reconhecidas e, de tal modo, outras formas de relaes entre homem e mulher tambm.
Em recente deciso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu as unies homoafetivas,
conforme colaciona:
ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONEXA. UNIO HOMOAFETIVA. EQUIPARAO UNIO ESTVEL ENTRE HOMEM E MULHER (ART. 226, 3., DA CONSTITUIO DA REPBLICA). ART. 19, INCISOS II E V, E O ART. 33, INCISOS I A X E PARGRAFO NICO, TODOS DO DECRETO-LEI N. 220/75, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DECISES JUDICIAIS DE TRIBUNAIS DE JUSTIA, ESPECIALMENTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RECEBIMENTO DA ADPF COMO AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM APRECIAO DE PEDIDO SUBSIDIRIO. GOVERNADOR DO ESTADO: PERTINNCIA TEMTICA. TEORIA DOS DEVERES DE PROTEO. DEVER DE PROMOO DOS
83 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 19. 84 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 97. 85 Ibidem, p. 96. 86 Ibidem, p. 100.
29
DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADOS. GARANTIA INSTITUCIONAL DA FAMLIA (ART. 226, CAPUT). CARACTERIZAO DA UNIO ESTVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR. IGUALDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, NA VERTENTE DA PROTEO DA AUTONOMIA INDIVIDUAL. DIREITOS DE PERSONALIDADE. SEGURANA JURDICA: PREVISIBILIDADE E CERTEZA DOS EFEITOS JURDICOS DAS RELAES ESTABELECIDAS ENTRE INDIVDUOS DO MESMO SEXO. INTERPRETAO CONFORME A CONSTITUIO DO ART. 1.723 DO CDIGO CIVIL. 1. O Estado responsvel pela proteo e promoo dos direitos fundamentais, luz da teoria dos deveres de proteo. 2. O Governador do Estado atende o requisito da pertinncia temtica para deflagrao do controle concentrado de constitucionalidade dos atos do Poder Pblico na defesa dos direitos fundamentais de seus cidados. 3. A garantia institucional da famlia, insculpida no art. 226, caput, da Constituio da Repblica, pressupe a existncia de relaes de afeto, assistncia e suporte recprocos entre os membros, bem como a existncia de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum e a identidade de uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. 4. A unio homoafetiva se enquadra no conceito constitucionalmente adequado de famlia. 5. O art. 226, 3, da Constituio deve ser interpretado em conjunto com os princpios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana em sua vertente da proteo da autonomia individual e da segurana jurdica, de modo a conferir guarida s unies homoafetivas nos mesmos termos que a confere s unies estveis heterossexuais. 6. Interpretao conforme a Constituio do art. 1.723 do Cdigo Civil de 2002, para permitir sua aplicao s unies homoafetivas. 7. Pedidos julgados procedentes87.
A Constituio Federal de 1988 estipula que deve prevalecer o bem-estar de cada
LQGLYtGXRGDIDPtOLDVHQGRJDUDQWLGRFRPRGLUHLWRFRQVWLWXFLRQDOGRVHUKXPDQRVHUIHOL]88,
devendo ser respeitadas suas escolhas e o modo como cada famlia decide formar esse
vnculo, sendo que o direito de famlia deve ter como nico propsito assegurar a comunho
plena de vida no s dos cnjuges, mas dos unidos estavelmente e de cada integrante da
sociedade familiar89, em respeito dignidade de cada um.
Assim, conforme Rodrigo da Cunha Pereira:
A dignidade, portanto, o atual paradigma do Estado Democrtico de Direito, a determinar a funcionalizao de todos os institutos jurdicos pessoa humana. Est em seu bojo a ordem imperativa a todos os operadores do Direito de despir-se de preconceitos principalmente no mbito do Direito de Famlia , de modo a se evitar tratar de forma indigna toda e qualquer pessoa humana, principalmente na seara do Direito de Famlia, que tem a intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais valores.90
87 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277. Relator: Ministro Luiz Fux, Braslia, DF, 05 de maio de 2011. Disponvel em: www.stf.jus.br. Acesso em 11 mai. 2011. 88 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 53. 89 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 21. 90 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 106.
30
O que significa dizer que, no direito de famlia, no pode haver preconceitos como
havia antigamente em relao s mulheres; pois, a partir de 1988, ordem constitucional a
dignidade de todas as pessoas, devendo haver respeito por parte do Estado, da comunidade e
da prpria famlia em relao a todos os seus integrantes, devendo primar-se que cada um
tenha uma vida saudvel e digna.
2.2 Princpio da afetividade
At o sculo XIX, a famlia era formada basicamente por interesses econmicos,
religiosos ou sociais, sendo constituda de fRUPD SDWULDUFDO HP TXH R FKHIH GH IDPtOLD
mantinha economicamente sua esposa e seus filhos e esses, muitas vezes, eram tratados
realmente como propriedades suas.
A partir do sculo XX, mais precisamente com o advento da Constituio da
Repblica, no ano de 1988, passou-se a reconhecer a famlia formada pelo afeto, pelo
sentimento mtuo entre as pessoas que a constituem, no mais com base na ideia do homem
como chefe da famlia, casado com sua esposa, que tem como dever cuidar de seu marido, da
casa e dos filhos do casal.
$&DUWD0DJQDQmRWUD]H[SUHVVDPHQWHRSULQFtSLRGDDIHWLYLGDGHPDVDRHVWDEHOHFHU
D SOXUDOLGDGH GDV HQWLGDGHV IDPLOLDUHV UHFRQKHFH D DIHWLYLGDGH FRPR EDVH GD IDPtOLD 91,
reconhecendo que a famlia se forma pelo elo afetivo que seus componentes estabelecem entre
si.
CRPR FRQFHLWR GR SULQFtSLR GD DIHWLYLGDGH 3DXOR /{ER DVVLP HVWDEHOHFH p R
princpio que fundamenta o direito de famlia na estabilidade das relaes socioafetivas e na
comunho de vida, com primazia sobre as consideraes de carter patrimonial ou
ELROyJLFR92.
91 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 392. 92 LBO, Paulo. Direito Civil: Famlias. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
31
2 DIHWR VHJXQGR 5ROI 0DGDOHQR p D PROD SURSXOVRUD GRV ODoRV IDPLOLDUHV H GDV
relaes interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido
HGLJQLGDGHjH[LVWrQFLDKXPDQD93.
Ainda, Rodrigo da Cunha Pereira faz referncia definio que Srgio Resende de
Barros traz acerca do afeto familiar, como sendo:
Um afeto que enlaa e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espao, por uma solidariedade ntima e fundamental de suas vidas de vivncia, convivncia e sobrevivncia quanto aos fins e meios de existncia, subsistncia e persistncia de cada um e do todo que formam94.
As relaes socioafetivas sempre estaro acima das relaes exclusivamente com
carter patrimonial ou biolgico. Um exemplo muito claro disso a valorizao que, muitas
vezes, se d aos laos de afetividade, junto com a convivncia familiar, formados pela
filiao, em detrimento aos vnculos, exclusivamente, consanguneos95.
Apesar de a Constituio Federal no o trazer expressamente, em alguns trechos,
pode-se perceber visivelmente o princpio da afetividade implcito em outros fundamentos, os
quais so referidos por Paulo Lbo, tais como:
a) todos os filhos so iguais, independente de sua origem (art. 227, 6); b) a adoo, como escolha afetiva, alou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, 5 e 6); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de famlia constitucionalmente protegida (art. 226, 4); d) a convivncia familiar (e no a origem biolgica) prioridade absoluta assegurada criana e ao adolescente (art. 227)96.
Nesse sentido, Belmiro Welter elencou algumas passagens do Cdigo Civil, em que o
legislador, tambm no refere, de forma expressa, mas, de forma implcita, traz uma
valorizao ao princpio da afetividade, so eles:
93 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 66. 94 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 180. 95 Ibidem, p. 183. 96 LBO, Direito Civil: Famlias, p. 48.
32
a) ao estabelecer a comunho plena de vida no casamento (CC 1.511); b) quando admite outra origem filiao alm do parentesco natural e civil (CC 1.593); c) na consagrao da igualdade na filiao (CC 1.596); d) ao fixar a irrevogabilidade da perfilhao (CC 1.604); e e) quando trata do casamento e de sua dissoluo, fala antes das questes pessoais do que dos seus aspectos patrimoniais97.
$OpP GHVVDV KLSyWHVHV 5ROI 0DGDOHQR DLQGD FLWD FRPR SURYD GD LPSRUWkQFLD GR
DIHWRQDVUHODo}HVKXPDQDV98, a possibilidade da inseminao artificial heterloga99, prevista
no artigo 1.597, inciso V, do Cdigo Civil100.
Dessa forma, percebe-se que, embora o legislador no aborde, de forma explcita, o
princpio da afetividade, ele est presente no ordenamento jurdico brasileiro em vrias
passagens e, de variadas formas, e isso, tanto no Cdigo Civil como na Constituio Federal,
a lei maior. a forma de reconhecimento pelo legislador do afeto como valor jurdico.
Em decorrncia desse sentimento que as pessoas nutrem umas pelas outras, forma-se,
gradualmente, a famlia, pois os laos afetivos no brotam da relao de sanguinidade, mas
sim da convivncia101 &RQIRUPH UHIHUH 5ROI0DGDOHQR R DIHWR GHFRUUH GD OLEHUGDGH TXH
todo indivduo deve ter de afeioar-se um a outro, decorre das relaes de convivncia do
FDVDOHQWUHVLHGHVWHVSDUDFRPVHXVILOKRVHQWUHRVSDUHQWHV102.
A famlia, assim vai se transformando, com o tempo, na medida em que se valorizam
suas funes afetivas103, na medida em que se busca a felicidade mtua e, tambm, em que o
afeto no seu nico elemento, havendo, ainda, o respeito entre seus componentes, o respeito
dignidade de cada um.
6HJXQGR 5RGULJR GD &XQKD 3HUHLUD QmR p TXDOTXHU DIHWR TXH FRPS}H XP Q~FOHR
IDPLOLDU 104 7DPEpP HOH FLWD 3DXOR /XL]1HWWR/RER R TXDO LGHQWLILFD FRPR HOHPHQWRV
definidores de um ncleo familiar, alm da afetividade, a RVWHQWDELOLGDGHHDHVWDELOLGDGH105,
definindo esses requisitos da seguinte forma:
97 Apud DIAS, Manual de direito das famlias, p. 60. 98 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 67. 99 Ibidem. 100 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos: [...] V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao dRPDULGR 101 DIAS, loc.cit. 102 MADALENO, op. cit., p. 66. 103 DIAS, op. cit., p. 61. 104 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 181. 105 Ibidem.
33
A afetividade o fundamento e finalidade da famlia, com desconsiderao do PyYHO HFRQ{PLFR D HVWDELOLGDGH LPSOLFD HP FRPXQKmR GH YLGD Hsimultaneamente, exclui relacionamentos casuais, sem compromisso; j a ostentabilidade pressupe uma entidade familiar reconhecida pela sociedade enquanto tal, que assim se apresente publicamente106.
Assim sendo, percebe-se que, para a formao da entidade familiar, o afeto
considerado o elemento mais importante, justamente por ser o seu componente formador e o
que garante o seu crescimento e, consequentemente, a sua sobrevivncia. Outros elementos,
porm, devem coexistir com o afeto, a fim de se certificar que efetivamente se est diante de
uma famlia e no apenas de uma relao de carinho e de amizade.
Esse reconhecimento do elemento afetivo como formador da famlia contempornea e
como valor jurdico veio com a Constituio Federal de 1988, porm essas relaes formadas
pelo afeto no passaram a existir somente quando a Constituio assim o reconheceu. Os
relacionamentos baseados no afeto passaram a existir com o passar do tempo, sendo que a
prpria sociedade foi criando este, at ento, novo tipo de relacionamento.
Vale ressaltar que o Estado no cria uma famlia, mas a sociedade quem vai criando
novas formas de famlias, cabendo ao Estado apenas proteg-las107 7RGDYLD DWXDOPHQWH
existem novas necessidades que no esto previstas, tampouco protegidas pelo ordenamento
jurdico, mas que no podem passar despercebidas, sob pena de se promover a indignidade da
SHVVRDKXPDQD108. Afinal, no h a possibilidade de o Estado vir a prever todos os tipos de
relaes que a sociedade pode vir a criar; mas, conforme elas vo se formando, o Estado deve
proteg-las.
De tal modo que, de acordo com o artigo 226 da Constituio Federal so
reconhecidas como entidades familiares o casamento, a unio estvel e a famlia
PRQRSDUHQWDO3RUpPFRQIRUPHHQWHQGH&ULVWLDQR&KDYHVGH)DULDVpSUHFLVRUHVVDltar que o
rol da previso constitucional no taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade
IDPLOLDUIXQGDGDQRDIHWRHVWHMDRXQmRFRQWHPSODGDH[SUHVVDPHQWHQDGLFomROHJDO109.
Resta evidenciado, portanto, que toda e qualquer forma de entidade familiar deve vir a
ser protegida pelo Estado, desde que fundadas nos requisitos j expostos acima, tais como o 106 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 181. 107 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 393. 108 Ibidem. 109 Ibidem.
34
afeto, a ostentabilidade e a estabilidade, pois , dessa forma, que a famlia atual vem se
consolidando, sempre em busca do amor e da felicidade.
Rodrigo da Cunha Pereira transcreve um trecho de Giselda Hironaka, em que sintetiza
muito bem esse modelo das famlias que vm se formando:
Vale dizer, a verdade jurdica cedeu vez imperiosa passagem e instalao da verdade da vida. E a verdade da vida est a desnudar aos olhos de todos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, conservadores ou arrojados, a mais esplndida de todas as verdades: neste tempo em que at o milnio muda, muda a famlia, muda o seu cerne fundamental, muda a razo de sua constituio, existncia e sobrevida, mudam as pessoas que a compem, pessoas estas que passam a ter a coragem de admitir que se casam principalmente por amor, pelo amor e enquanto houver amor. Porque s a famlia assim constituda independente da diversidade de sua gnese pode ser mesmo aquele remanso de paz, ternura e respeito, lugar em que haver, mais que em qualquer outro, para todos e para cada um de seus componentes, a enorme chance da realizao de seus projetos de felicidade110.
A famlia atual mudou seus interesses em comparao quela do sculo passado, a
famlia patriarcal. Os casais no formam uma famlia visando a interesses econmicos, ou
porque a religio, seus pais ou a sociedade em que vivem assim a determinam, ou com o
intuito exclusivo apenas de procriar. Igualmente, no formam uma famlia to s em torno do
casamento. Do mesmo modo, uma famlia no mais aquela apenas constituda por um pai,
uma me e seus filhos.
As pessoas constituem suas famlias porque querem dividir uma vida em comum,
porque tm projetos e sentimentos recprocos, como o afeto, o respeito, o amor, o
companheirismo, dentre vrios outros, e, principalmente, constituem suas famlias buscando a
to desejada felicidade.
110 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 191.
35
2.3. Princpio da monogamia
A monogamia a proibio de um homem se relacionar com mais de uma mulher e,
do mesmo modo, de a mulher se relacionar com mais de um homem. Assim, questiona-se se
se trata de um princpio jurdico ou apenas uma regra moral instituda pela sociedade?
A monogamia foi reconhecida como princpio no direito romano, uma vez que o
casamento romano era estritamente monogmico111. No direito brasileiro, a monogamia
encontra respaldo no Cdigo Civil de 2002, nos seguintes artigos: artigo 1.521, inciso VI, o
qual probe o casamento de pessoas casadas; artigo 1.548, inciso II, que considera nulo o
casamento em que houver algum impedimento; artigo 550, que possibilita a anulao de
doao feita por cnjuge adltero; artigo 1.573, inciso I, o qual considera como uma
caracterstica da impossibilidade da comunho de vida, citada no artigo 1.572, o adultrio; e,
o artigo 1.727, que considera como concubinato as relaes no eventuais entre o homem e a
mulher impedidos de casar.
Para Antunes Varela, o princpio da monogamia o princpio da unidade matrimonial,
sendo essencial aos cnjuges na comunho plena de vida, uma vez que no possvel
HQWUHJDU-se plenamente DPDLVGRTXHXPDSHVVRD112 (grifo do autor). No entendimento de
5RGULJRGD&XQKD3HUHLUDRSULQFtSLRGDPRQRJDPLDpXPSULQFtSLo bsico e organizador
GDVUHODo}HVMXUtGLFDVGDIDPtOLDGRPXQGRRFLGHQWDO113.
J para Maria Berenice Dias:
A monogamia [...] no foi instituda em favor do amor, mas como mera conveno decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado condominial primitivo. Mas a uniconjugalidade no passa de um sistema de regras morais, de interesses antropolgicos, psicolgicos e jurdicos, embora disponha de valor jurdico114.
111 MOTTA, Carlos Dias. Princpios fundamentais de direito matrimonial. In: COLTRO, Antnio Carlos Mathias (Coord.). Estudos jurdicos em homenagem ao centenrio de Edgard de Moura Bittencourt: a reviso do direito de famlia. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, p. 135. 112 Ibidem, p. 136. 113 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 107. 114 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 51.
36
Como se v, os entendimentos so os mais variados, sendo que h os que defendem
que a monogamia um princpio constitucional e um dos princpios ordenadores do direito de
famlia, porm h os que entendem que se trata apenas de uma regra moral instituda ao longo
da histria, cabendo a cada um ou a cada casal, estabelecer at onde o seu relacionamento e
seus valores vo de consonncia a esta regra.
Rodrigo da Cunha Pereira cita um texto do ano de 1917, de autoria de Sigmund Freud,
o qual entendia que a monogamia originou-se pela obrigatoriedade da virgindade da mulher e
ideia de posse e propriedade115, sendo que em sua obra disse:
Poucas particularidades da vida sexual dos povos primitivos so to estranhas a nossos prprios sentimentos quanto a valorizao da virgindade, o estado de intocabilidade da mulher [...]. A exigncia de que a moa leve para o casamento com determinado homem qualquer lembrana de relaes sexuais como outro nada mais , realmente que a continuao lgica do direito de posse exclusiva da mulher, que constitui a essncia da monogamia, a extenso desse monoplio para incluir o passado (grifo do autor) 116.
A verdade que atualmente no mais se exige que a mulher case virgem, bem como
no se tem mais a imagem da mulher como uma propriedade do homem; visto que, com o
advento da Constituio Federal de 1988, ficou consolidado um direito que j vinha sendo
construdo, o direito da mulher ser respeitada e ser pessoa prpria de dignidade.
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, sempre houve proibies e interdies ao
desejo em todas as civilizaes e sempre haver117$LQGDDILUPDHOHTXHDPRQRJDPLDpXP
interdito viabilizador da organizao da famlia, e sua essncia no apenas de um
regramento moral ou moralizante, mas de um interdito proibitrio, sem o qual no possvel
RUJDQL]DomR VRFLDO H MXUtGLFD 118. Afinal, h a necessidade de se evitar o excesso, de fazer
UHQ~QFLDV SDUD DVVLP KDYHU FLYLOL]DomR SRLV QmR p DSHQDV XPD TXHVWmR PRUDO PDV GH
necessidade de alguma interdio, pois se no houver proibies no ser possvel a
constituio do sujeito e, consHTXHQWHPHQWHGHUHODo}HVVRFLDLV119.
115 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 107. 116 Ibidem. 117 Ibidem, p. 109. 118 Ibidem, p. 110. 119 Ibidem.
37
Sabe-se, todavia, que, embora o Estado tenha institudo a monogamia como um
interdito, que as pessoas no desrespeitam essa regra imposta, pois se a fidelidade se tornou
um dever do casamento, porque o desejo da infidelidade existe120MiTXHDWRGRGHVHMRKi
XPDOHLTXHVHOKHFRQWUDS}H121.
O que significa que o legislador no cria o desejo, mas ele sempre ir impor regras aos
desejos dos homens que vierem a ameaar, de alguma forma, a ordem social ou os
regulamentos gerais daquele Estado.
No entanto, deve-se questionar at onde o Estado pode intervir nas relaes pessoais;
pois, a princpio, o dever da monogamia entre um casal, deveria dizer respeito apenas a eles.
Rodrigo da Cunha Pereira assim entende:
Se a relao extraconjugal for apenas eventual, uma simples aventura, provavelmente isto ficaria na ordem do privado, e entre o prprio casal deveria ser UHVROYLGRVHDTXHOHDUUDQMRpYLiYHOHVXSRUWiYHORXVHOHYDULDDRURPSLPHQWRGDrelao. Situao diferente se daquela relao extraconjugal originasse uma outra famlia conjugal. A estaria ferindo o princpio jurdico da monogamia, ainda que tivesse a permisso do cnjuge ou companheiro. Em contrapartida, aquela outra famlia, paralela ao casamento ou unio estvel, foi constituda de fato. Tornou-se uma realidade jurdica122.
Por mais que este princpio no seja respeitado pelo indivduo, no seria possvel
nenhuma sano lhe ser imposta. J foram citados os artigos que dizem respeito ao referido
princpio no ordenamento jurdico brasileiro, mas no h uma sano a ser imposta a quem
no queira ser monogmico.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma:
Mesmo sendo indicada na lei como requisito obrigacional a mantena da fidelidade, trata-se de direito cujo adimplemento no pode ser exigido em juzo. Ou seja, desatendendo um par o dever de fidelidade, no se tem notcia de ter sido proposta, na constncia do casamento, demanda que busque o cumprimento de tal dever. Tratar-se-ia de execuo de obrigao de no fazer? E, em caso de procedncia, de que forma poderia ser executada a sentena que impusesse a abstinncia sexual extramatrimonial ao demandado? Ademais, se eventualmente no cumprem um ou
120 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 112. 121 Ibidem, p. 111. 122 Ibidem, p. 114.
38
ambos os cnjuges dito dever, tal em nada afeta a existncia, a validade ou a eficcia do vnculo matrimonial. Mas no s. Cabe figurar a hiptese de no ser consagrado dito dever em norma legal, seria de admitir-se que deixou de existir e de se poder exigir a fidelidade, quem sabe o mais sagrado compromisso entre os cnjuges? Deixaria de haver a possibilidade de se buscar a separao se no estabelecido em lei esse direito dever ou dever-direito dos consortes?123
Antigamente, uma pessoa, ao ajuizar ao de separao, devia alegar os motivos para
o rompimento do matrimnio; porm, nos dias atuais, no mais se discute a culpa pelo fim da
conjugalidade, ou seja, se o companheiro ou cnjuge for infiel, o outro poder dar fim ao
relacionamento, acarretando, dessa forma, numa consequncia afetiva, mas no lhe ser
imposta nenhuma sano pelo Estado pela prtica da infidelidade.
De qualquer modo, se o sujeito constituiu uma famlia, ela, de fato, existe
independentemente de o Estado lhe atribuir efeitos jurdicos ou no. Mas como lhe negar tais
efeitos, se, no campo ftico, ela no deixar de existir, tornando-se, queira o Estado ou no,
uma realidade jurdica?
No conceder direitos aos concubinos, seria uma forma de fazer injustia, sendo que
isso acabaria por beneficiar os sujeitos daquela relao protegida oficialmente, fosse o prprio
casamento ou a unio estvel, retrocedendo-se no tempo, e voltando teoria onde tudo
comeou, ou seja, a teoria do enriquecimento ilcito124.
Nessa linha, Rodrigo da Cunha Pereira afirma:
No h dvida de que o concubinato (adulterino) fere o princpio da monogamia, bem como a lgica do ordenamento jurdico ocidental e em particular o brasileiro. O mais simples e elementar raciocnio nos faz concluir isto. [...] Mas, se o fato de ferir este princpio significar fazer injustia, devemos recorrer a um valor maior que o da prevalncia da tica sobre a moral para que possamos aproximar do ideal de justia. [...] o Direito deve proteger a essncia e no a forma, ainda que isto custe DUUDQKDU R SULQFtSLR MXUtGLFR GDPRQRJDPLD 6H R ILP GRV SULncpios jurdicos ajudar a atingir um bem maior, ou seja, a justia, este paradoxo do concubinato adulterino deve ser resolvido, ento, em cada julgamento, e cada julgador aplicando outros princpios e a subjetividade que cada caso pode conter quem dever aplicar a justia, dentro do seu poder de discricionariedade125.
123 Apud PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 115. 124 Ibidem, p. 123. 125 Ibidem.
39
Isso significa dizer que o objetivo final do legislador deve ser sempre a tica e a
justia, porm, o direito de famlia, como j visto anteriormente, um ramo que tem como
princpios fundamentais e ordenadores a dignidade da pessoa humana e a afetividade, os quais
acabam confrontando com o princpio da monogamia. Neste sentido:
As atuais famlias so estabelecidas de acordo com os princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, buscando a realizao de cada membro. Esses princpios e o da monogamia acabam sendo incompatveis, no tendo condies de coexistirem no atual Direito de Famlia. Assim, h que se optar entre a efetiva realizao do ser humano, buscando sua dignidade e a valorizao do afeto, ou o cumprimento das regras morais impostas pela sociedade, atendendo satisfao do Estado126.
Afinal, unnime o entendimento de que o princpio constitucional da dignidade da
pessoa humana o macro princpio do direito atual. Todavia, o princpio da monogamia nem
pode ser considerado constitucional, j que a Constituio no o contempla e, ainda, chega a
tolerar a traio ao no permitir qualquer discriminao aos filhos havidos de relaes
adulterinas ou incestuosas127.
Resta claro, dessa forma, que o que dever sempre vigorar a dignidade do indivduo,
o qual vem buscando, cada vez mais, a realizao afetiva em consonncia com a felicidade.
3DUD&DUORV(GXDUGR3LDYQRVNLQmRVHSRGHDILUPDUSRLVTXHDPRQRJDPLDVHMDXP
princpio do direito estatal de famlia, mas, sim, uma regra restrita proibio de mltiplas
relaes matrimonializadas HSRUWDQWRFRQVWLWXtGDVVREDFKDQFHODSUpYLDGR(VWDGR128.
Portanto, sendo o direito de famlia um ramo em que cada caso nico, fica sempre a
cargo do julgador analisar suas peculiaridades, bem como seus aspectos subjetivos e, ento,
sem qualquer preconceito, aplicar os princpios que entenda sejam cabveis quele caso,
buscando o bem maior.
126 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 394. 127 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 51. 128 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famlias simultneas e monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Famlia e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 198.
40
No entanto, no podem ser analisados apenas os aspectos subjetivos, mas tambm os
objetivos e, para tanto, passa-se a analisar o que seria concubinato, os tipos de concubinatos
existentes, os entendimentos acerca desse tipo de relacionamento, bem como os efeitos e
consequncias que podem advir dele no campo jurdico.
41
3 A UNIO ESTVEL E O CONCUBINATO
Antigamente concubinato era conhecido como toda unio no matrimonializada, no
sendo reconhecido por parte do Estado nem recebendo proteo jurdica. Dividia-se em
concubinato puro e concubinato impuro, sendo que o impuro era conhecido como aquelas
relaes entre os impedidos de casar e o puro era para as relaes que no guardavam
qualquer impedimento para o casamento.
Com o advento da Constituio Federal de 1988, o concubinato puro passou a se
denominar unio estvel, passando a ser reconhecido como entidade familiar a receber
proteo do Estado. Perduraram, porm, questionamentos quanto ao que poderia ser
considerado concubinato e/ou unio estvel.
O Cdigo Civil de 2002 trouxe essa diferenciao, sendo que, de acordo com o artigo
1.723 do aludido instituto, unio estvel a unio entre o homem e a mulher, configurada na
convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituio de
IDPtOLD. J, conforme o artigo 1.727 FRQVWLWXHP FRQFXELQDWR as relaes no eventuais
entre o homem e a mulher, impedidos de casar.
Desse modo, percebe-se que h uma visvel diferena entre a unio estvel, tema j
tratado e conceituado no primeiro captulo do presente trabalho e o concubinato, como sendo
aqueles relacionamentos entre um homem e uma mulher que apresentem algum tipo de
impedimento para o matrimnio, os quais esto elencados no artigo 1.521 do Cdigo Civil129.
Vale ressaltar, conforme j explicitado, que no se incluem como concubinato as
relaes entre um homem e uma mulher em que um dos conviventes resguarda o
impedimento constante no inciso VI do artigo acima referido, uma vez que a segunda parte do
pargrafo 1 do artigo 1.723130, tambm do Cdigo Civil, afasta tal impedimento. De tal modo
que se pode configurar como unio estvel, se presentes os demais requisitos, como o
relacionamento entre duas pessoas, em que uma delas se encontre casada, desde que esteja
separada de fato ou judicialmente, no se configurando, assim, concubinato.
129 Art. 1.521. No podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cnjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, at o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cnjuge sobrevivente com o condenado por homicdio ou tentativa de homicdio contra o seu FRQVRUWH 130 $UW>@$XQLmRHVWiYHOQmRVHFRQVWLWXLUiVHRFRUUHUHPRVLPSHGLPHQWRVGRDUWQmRVHDSOLFDQGRDincidncia do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de IDWRRXMXGLFLDOPHQWH
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Ainda, de acordo com alguns doutrinadores, como Nehemias Domingos de Melo e
Jorge Shiguemitsu Fujita, o concubinato pode ser classificado de trs formas diferentes. Pode
haver o concubinato adulterino, que representado pela unio de um homem e uma mulher,
em que um ou ambos sejam casados e mantm o relacionamento paralelamente ao
matrimnio. Tambm h o incestuoso, que se caracteriza pela unio entre parentes prximos
ou, por ltimo, o desleal, que se representa pelo concubino que forma, com outra pessoa, um
lar convivencial em concubinato131.
No presente trabalho, todavia, tratar-se- apenas do concubinato adulterino, ou seja, os
relacionamentos entre homem e mulher em que um ou ambos mantm um casamento ou uma
unio estvel concomitantemente a outro relacionamento.
3.1 Do concubinato e seus efeitos
Conforme j ocorreu no passado com a unio estvel, controv