Post on 05-Dec-2014
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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA
VOLUME 10
P- 46 - 49
2
O Olho Vermelho do Sistema Beta
Volume 48
A Morte da Terra
Volume 49
Gom Não Responde
Volume 47
Projeto Aço Arcônida
Volume 46
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
O Herdeiro do
Universo
3
Projeto Aço Arcônida
Gom Não Responde O Olho Vermelho do Sistema Beta
A Morte da Terra
1º Ciclo – A Terceira Potência
Volume 10
Episódios: 46 - 49 de 49
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Nº 46
De Kurt Brand
Tradução
Richard Paul Neto Digitalização
Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes
A história da Terceira Potência em poucas palavras:
- O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos
arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).
- Instalação da Terceira Potência, contra a resistência das grandes potências terrenas e
defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).
- Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry
Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols. 10 a
18).
- A Stardust-III descobre o planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança a imortalidade
relativa (vol. 19).
- Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).
- O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).
- Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra
no comércio galáctico (vols. 28 a 37).
- Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro
positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).
A missão Aralon, durante a qual Perry Rhodan esteve empenhado em obter o remédio
contra a peste dos nonus, está concluída. Com isso, a atuação de Rhodan, sócio do cérebro
robotizado de Árcon, deveria ter chegado ao fim, ainda mais que com a descoberta da
conspiração e a prisão dos conspiradores não há mais nenhum perigo que ameace o
Império.
Assim acredita Perry Rhodan, que pede férias ao Regente. Mas o Projeto Aço Arcônida,
realizado por Perry Rhodan, pode ser tudo, menos férias...
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Aralon, a “fábrica de venenos” do
Império dos Arcônidas, não se deu por
vencida.
Só uma catástrofe de dimensões
planetárias poderia, de uma hora para outra,
imprimir novo rumo a uma evolução
milenar. Aralon, o quarto planeta do sol
amarelo e luminoso de Kesnar, situado a 38
anos-luz de Árcon, nem pensava em desistir
do melhor negócio do Universo pelo simples
motivo de que o tal do Perry Rhodan andava
por aí.
Os aras, verdadeiros gênios em todos os
setores da medicina, eram persistentes como
os mercadores galácticos; na verdade, eram
mercadores galácticos. Vendiam seus
excelentes medicamentos a preços
extorsivos, enquanto cuidavam
discretamente para que em nenhum planeta
desaparecesse qualquer das doenças que
ameaçavam a vida de seus habitantes.
Em última análise, queriam ganhar, e a
ânsia do lucro caracterizava-os como
mercadores galácticos.
De repente viram-se atacados, pela
primeira vez, por uma doença que teria de
levá-los à ruína financeira, se a “infecção”
não pudesse ser detida por meios radicais.
A doença chamava-se Perry Rhodan.
Desde que existiam como negociantes de doenças e
medicamentos, ele lhes infligira a primeira derrota. Os aras
não estavam dispostos a aceitar outra derrota.
O inspetor-chefe Gegul, responsável pela segurança de
Aralon, sobressaltou-se em meio aos seus pensamentos
quando sua assistente Arga Tasla entrou praticamente sem
fazer nenhum ruído e lhe entregou uma mensagem.
Localização
realizada pelos
rastreadores
estruturais:
Tempo 8:75:93 m1;
local 105; localização
combinada 103 e
106.
Às 8:75:03,1 a frota
de Perry Rhodan
realizou uma transição
em direção a Árcon,
vinda de 13,64 graus.
— Arga! — a voz de Gegul vibrava. Não levantou os
olhos. Pensava no nome Perry Rhodan com uma expressão
malévola, enquanto aguçava o ouvido para verificar se
Arga Tasla parara.
— Pois não! — disse esta da porta.
— Chame Ma-elz e Bro-nud. Quero que estes palermas
compareçam dentro de dez minutos.
Ma-elz e Bro-nud, que eram dois homens altos, pararam
em atitude de expectativa, depois de terem entrado.
— Sentem! — resmungou o inspetor-chefe Gegul e fez
um movimento indiferente em direção às poltronas vazias.
Passou diretamente ao assunto: — Rhodan saltou para
Árcon. Por enquanto o perigo
passou. Andaram buzinando nos
nossos ouvidos que Rhodan e o
cérebro robotizado trabalham de
mãos dadas. Como estão as coisas
por aqui? Em Aralon não há mais
uma única nave com doentes! E eu
lhes garanto que a catástrofe se
espalhará aos confins da Galáxia se
não conseguirmos destruir o tal do
Rhodan.
— Ainda não temos naves de
guerra — foi à observação um tanto
prematura de Ma-elz.
— Não precisamos delas —
exclamou Gegul.
— Vamos usar germes? —
balbuciou Bro-nud, erguendo-se da
poltrona.
— De que doença? — perguntou
Ma-elz, endireitando o corpo.
— Será que não poderiam
formular perguntas mais
inteligentes? — escarneceu Gegul
com um sorriso diabólico. — Vocês
só sabem desfiar músicas triviais.
Por que será que ninguém se lembra
da única ideia acertada? Por quê?
Ma-elz e Bro-nud não lhe fizeram o favor de lembrar-se
da ideia acertada. Naquele momento, os dois teriam pago
uma boa soma se pudessem ter uma ligeira ideia das
intenções do inspetor-chefe.
— É claro — disse Gegul depois de alguns segundos de
espera. — A solução mais simples não ocorre a ninguém.
Cheio de arrogância refestelou-se na grandiosidade de
uma idéia e sentiu-se um chefe superinteligente e
condescendente. Inclinou-se para frente, fez sinal para que
Ma-elz e Bro-nud se aproximassem e só começou a falar
quando os auxiliares se encontravam diante de sua
escrivaninha.
— Minha ideia é esta... — principiou, enquanto Ma-elz
e Bro-nud ouviam atônitos.
A ideia do inspetor-chefe Gegul era realmente genial.
Já a essa hora a destruição de Perry Rhodan parecia
inevitável, e com ela a do planeta do qual viera.
* * *
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Que pede férias ao Regente.
Reginald Bell — O melhor amigo e confidente de Perry Rhodan.
Gegul — Um inspetor-chefe dos aras, que comete um engano. Keklos — Biólogo-chefe dos aras. Talamon — Cuja vida foi salva por Perry Rhodan. Agora o superpesado terá oportunidade de retribuir de igual para igual. Topthor — Chefe de um dos clãs dos superpesados, que fareja um bom negócio.
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Talamon, o superpesado, deu um sorriso gentil para o
mensageiro dos mercadores galácticos. Fazia meia hora que
o homem subira a bordo da nave capitania, “somente para
sondar a opinião de Talamon”.
Os superpesados eram os guerreiros dos mercadores
galácticos. Sempre que os saltadores não conseguiam
controlar uma estrela, sempre que um mundo se obstinasse
em não permitir a escravidão, os superpesados tinham de
cuidar do problema, mediante excelente paga.
Desde cedo começaram a distinguir-se dos saltadores,
porque no mundo por eles habitado reinava uma gravitação
extraordinária. Essa gravitação marcara seu físico. Cada
superpesado pesava até quinhentos quilos, e tinha dois
metros de altura e um e meio de diâmetro; oferecia um
aspecto medonho, embora não pudesse ser considerado
disforme.
Os superpesados dispunham das melhores naves de
guerra, não comparando com as pertencentes ao Império.
Tal qual os saltadores, estavam divididos em clãs, e o chefe
de um desses clãs, Talamon, acabara de receber a visita do
mensageiro dos mercadores, que pretendia sondá-lo.
O clã de Talamon representava alguma coisa. Dispunha
de duzentas naves de guerra. Era só graças a Perry Rhodan
que Talamon ainda as possuía e continuava vivo.
E o mensageiro lhe perguntou o que pensava de Perry
Rhodan.
— Para mim é muita coisa! — resmungou Talamon sem
pestanejar, exibindo uma cara de jogador de pôquer.
O mensageiro poderia ter esperado tudo, menos uma
resposta dessas. Mostrou-se chocado.
Talamon mostrou um sorriso bondoso, em que havia um
pouco de pena.
— Não é possível que o senhor realmente esteja
pensando assim, Talamon.
Talamon moveu seus seiscentos e cinquenta quilos com
uma agilidade de que ninguém o teria julgado capaz. O
rosto de jogador de pôquer desapareceu. Assumiu uma
expressão ameaçadora e sua voz trovejante gritou para o
mensageiro, enchendo a sala de comando:
— Queria que dissesse que Rhodan é uma simples
estrela cadente? Sabe que sua pergunta é uma verdadeira
ousadia? Já se esqueceu que Rhodan fez a frota robotizada
de Árcon trovejar pelo espaço? Eu, Talamon, me vi diante
da destruição juntamente com minha frota. Será que isso
não é nada? Não venha me dizer que alguém que consegue
fazer o que Perry Rhodan fez não é nada.
O mensageiro contorcia-se como um verme.
Talamon viu, mas fez de conta que não estava
percebendo nada. Queria cozinhar o sujeito. Fazia questão
de que o mesmo se abrisse, contando por que realizara
tamanha despesa, entrando em contato pessoal com ele,
Talamon, que se encontrava a dois mil anos-luz de Árcon.
Uma mensagem pelo hipercomunicador teria saído mais
barato.
— Vamos logo, mensageiro! O que desejam? Fale! O
que querem que eu faça? E quanto estão dispostos a pagar?
— Quem me mandou foi Siptar — disse o mensageiro.
— Até parece que este camarada quer viver para sempre
— resmungou Talamon, numa alusão ao fato de que Siptar
era o mais velho dos chefes de clã entre os saltadores.
— Antes disso falei com Vontran. Siptar e Vontran
perderam muitos parentes no planeta de Goszul...
— E daí? — a figura quadrática e esverdeada de
Talamon sorriu e esperou.
— O boato de que Perry Rhodan esteve envolvido na
explosão de bomba ocorrida no planeta de Goszul, quando
os patriarcas haviam comparecido à Grande Assembleia,
continua a circular insistentemente...
A gargalhada descontraída de Talamon fechou a boca
do mensageiro. As lágrimas corriam pela face esverdeada
do superpesado.
Quanto mais ria Talamon, mais perturbado se sentia o
mensageiro. Aborrecido, finalmente, achou que bastava:
— Qual é a graça?
No mesmo instante, Talamon silenciou.
— É verdade — disse, dando razão ao mensageiro, não
sabendo o que pensar de tão surpreso que ficou. — Não há
nada de engraçado. A catástrofe do planeta de Goszul foi
um caso muito triste, mas dali a culpar Perry Rhodan pelo
fato... Mensageiro, quero dizer-lhe uma coisa.
“Há pouco, quando o senhor perguntou o que achava de
Rhodan, eu lhe disse que, para mim, ele é muita coisa”.
“O senhor não gostou. Mas pouco importa que goste ou
deixe de gostar: a resposta só poderia ter sido esta. Perry
Rhodan é um fator que não pode ser desprezado por
ninguém”.
“Agora o senhor me vem com seus boatos. Achei graça.
Sabe por que achei graça? Porque com essas histórias tolas
o senhor reconhece sem querer que os saltadores também
acham que Perry Rhodan é muita coisa. É verdade ou não
é?”
— Pois então estamos de acordo — respondeu o
mensageiro em tom manhoso.
Talamon encarou-o com uma expressão de perplexidade
no rosto.
— Rapaz, está na hora de falar — disse em tom
enfático. — Senão eu lhe explico como são as coisas
quando me torno desagradável. O senhor veio para engajar-
me contra Perry Rhodan. É verdade ou não é?
— É.
— É a primeira resposta clara que o senhor me dá, e é
uma resposta muito interessante. Abra-se com o velho
Talamon. Sou todo ouvidos.
* * *
Com um forte estouro, a Titan e a Ganymed emergiram
do hiperespaço, retornando ao Universo normal.
O cérebro robotizado de Árcon devia ter calculado a
posição com seus rastreadores estruturais supersensíveis,
pois Rhodan escolhera de propósito um setor tranqüilo do
grupo estelar M-13 como ponto final de sua hiper trajetória.
O choque provocado pela transição desvaneceu-se no
organismo de todos os ocupantes das naves. Como sempre,
Perry Rhodan e seu amigo Reginald Bell foram os
primeiros a ter consciência após os efeitos do salto.
Diante deles os sóis do sistema, captados pela
gigantesca tela de visão global da Titan, brilhavam num
esplendor indescritível. A luminescência reluzente e
cintilante, que se refletia em todas as cores e nuances,
constituía a melhor apresentação para quem se aproximasse
do Império dos Arcônidas.
— ...quem dera que não fossem tão dorminhocos —
suspirou Bell.
— Quieto gorducho! — disse Perry Rhodan em voz
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baixa. Atrás dele encontrava-se Crest, o arcônida, e a um
passo deste estava Thora, uma arcônida garbosa, inteligente
e temperamental. Ambos pertenciam às classes mais
elevadas da sociedade do império estelar cujos sóis viam
brilhar naquele instante.
Bell era um sujeito honesto, um tanto esquentado.
Virou-se para Thora. Em seu rosto havia um sorriso de
escárnio.
— Alguma objeção? — perguntou.
— Já está na hora de inventar outra coisa — respondeu
Thora com uma serenidade majestática.
Bell soltou um grunhido.
— Você não ia entrar em contato com aquele montão de
lata para pedir férias? -perguntou, dirigindo-se a Perry
Rhodan.
Chamar o gigantesco cérebro robotizado de Árcon de
montão de lata era uma enorme irreverência. Mas nem
mesmo os dois arcônidas se zangaram com o lugar-tenente
de Rhodan, por ter usado tal expressão.
Gucky, que estava sentado ao lado de Reginald Bell,
chilreou baixinho:
— Montão de lata! Você é um grosso formidável.
No mesmo instante, a sala de comando da Titan encheu-
se de gostosas gargalhadas. Gucky, o ser em forma de rato-
castor que era telepata e mais uma porção de coisas,
acabara de chamar Reginald Bell de grosso formidável. As
lágrimas corriam pelas faces de algumas das pessoas que se
encontravam na sala de comando. Ao todo eram mais de
trinta. Thora soltou uma risada cristalina. Crest não
conseguiu dominar o riso e colocou a mão diante da boca.
Perry Rhodan sacudia-se de tanto rir.
— Seu porcalhão! — rugiu a voz de Bell, superando as
risadas.
Num gesto rápido procurou agarrar Gucky, sua mão
segurou o vazio. Num instante, o rato-castor se afastara por
meio do conhecido salto de teleportação. Chiando em meio
ao silêncio que tomara conta do recinto após o grito de Bell,
aterrissou nos braços de Thora e perguntou:
— Thora, você vai acariciar meu pêlo? Afinal, chamei
esse gorducho de grosso formidável.
Num tom ríspido — que chegava a ser duro demais,
porque esmagava um episódio altamente humano — a voz
do oficial de rádio chamou:
— A frota robotizada OGG-06 pede o sinal de código.
Estas palavras trouxeram todo inundo de volta à
realidade.
Numa velocidade equivalente a 0,8 vezes a da luz, a
Titan deslocava-se juntamente com a Ganymed em direção
ao anel externo de fortificações, que envolvia Árcon I, II e
III, transformando-o numa fortaleza estelar inexpugnável.
Nas entranhas da gigantesca esfera, que era uma obra-
prima da construção astronáutica dos arcônidas, vibravam,
rugiam e zumbiam os conversores, transformadores,
campos magnéticos, máquinas e conjuntos de dimensões
inconcebíveis.
Uma tripulação regular de mil e quinhentos homens
faria da Titan a nave de guerra mais potente e perigosa da
Via Láctea.
O hipercomunicador estava aquecendo.
Chegara a hora em que Perry Rhodan teria de falar com
o cérebro robotizado instalado em Árcon.
Depois de emitido o sinal de identificação, o regente
robotizado confirmou a recepção. O gigantesco cérebro
positrônico, incapaz de qualquer emoção e capaz de reagir
apenas à lógica mais fria e objetiva, estava esperando.
Nem mesmo Perry Rhodan, que se dispunha a
conquistar o Universo para a Terra, faria esperar o cérebro
que ocupava uma área de dez mil quilômetros quadrados.
Perry Rhodan conhecia suas limitações.
Era mais uma qualidade que o destacava em meio aos
demais homens.
Rhodan ofereceu seu relatório ao cérebro instalado em
Árcon. Foram palavras lacônicas, precisas, seguras. Não
disse tudo, mas aquilo que falou devia trazer a marca da
realidade para a lógica fria do gigantesco dispositivo
positrônico.
Nenhum esclarecimento foi solicitado.
O alto-falante do hipercomunicador apenas zumbia.
O regente robotizado estava esperando; o cérebro
dissociou, controlou, examinou e interpretou o relatório de
Rhodan e logo descobriu que a palestra ainda não havia
chegado ao fim.
Depois de ligeira pausa Rhodan prosseguiu:
— Peço permissão para regressar à Terra a bordo da
Titan. Durante o confronto com Talamon, o superpesado,
constatamos que a tripulação prevista de mil e quinhentos
homens não é suficiente. Nos homens vindos do planeta
Terra não podemos esperar o QI com que se costuma contar
em Árcon, muito embora uma pequena percentagem dos
tripulantes da Titan seja capaz de um desempenho acima da
média. Se quisermos fazer desta nave o elemento de força
que seus construtores tiveram em vista, o aumento da
tripulação torna-se absolutamente indispensável. E no
planeta Terra encontrarei os homens de que preciso. Queira
examinar meus argumentos.
Durante três minutos ouviu-se o zumbido do
hipercomunicador. Finalmente veio a resposta do cérebro
robotizado.
— Férias concedidas — soou a voz metálica do alto-
falante.
A Titan desligou.
Perry Rhodan virou a cabeça e encarou Bell. Este exibia
um sorriso satisfeito.
— Então você conseguiu tapear esse montão de lata —
disse em tom satisfeito. — Se ele soubesse... —
subitamente estacou. Lançou um olhar indagador para
Perry. — Não está satisfeito por vê-lo enganado?
— Não. Não temos nenhum motivo para ficarmos
satisfeitos, Bell.
As palavras de Rhodan ressoaram pesadamente pela
sala de comando. Bell lançou um olhar pensativo para o
amigo. Perry tinha razão. Não havia nenhum motivo para
ficarem satisfeitos.
Como uma sombra silenciosa evocada pelos incidentes
ocorridos com os aras, a Terra mais uma vez se
transformara no centro dos acontecimentos. Os aras
também eram mercadores galácticos, e os mercadores
galácticos continuavam a representar um perigo para a
Terra.
Topthor, o superpesado, conhecia a posição do Sistema
Solar; o cérebro gigante de Árcon não a conhecia.
Só no setor do grupo estelar M-13, alguns milhares de
naves dos saltadores cruzavam o espaço. Cada uma delas
era uma verdadeira fortaleza. O que poderia a Terra
contrapor a essa força?
Nada!
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Um dos pontos fortes de Perry Rhodan consistia em
nunca superestimar a própria força. E o ponto que o
preocupava era que dentro em breve os saltadores poderiam
partir para um ataque maciço contra a Terra, para
transformar o “planeta turbulento” num sol que se
consumiria num holocausto nuclear.
Era por isso que pretendia voltar à Terra juntamente
com a Ganymed. A alegação apresentada ao cérebro
robotizado, de que a tripulação da Titan não era suficiente,
desde logo se apresentava com uma fragilidade
transparente. O autômato era muito inteligente para cair
num golpe tão primário. Estava interessado em acompanhar
os saltos da Titan e da Ganymed para descobrir as
coordenadas da Terra. Mas havia um fato que o cérebro
robotizado não conhecia nem devia conhecer. Tanto a Titan
como a Ganymed dispunham do compensador estrutural
inventado pelos mercadores galácticos, que tornaria
impossível o cálculo das transições realizadas por essas
naves.
Bell procurou afastar as preocupações.
— Pois faremos com que esses ciganos espaciais
também não tenham nenhum motivo para ficarem
satisfeitos — disse com a voz zangada. — Vamos preparar
a transição, Perry?
Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça.
A figura maciça e esverdeada de Talamon surgiu na tela
e sorriu para Perry Rhodan.
Há poucos minutos o chamado havia sido recebido pela
freqüência de hipercomunicação do superpesado. Agora a
pesada nave de guerra emergia lentamente da escuridão do
espaço e adaptou sua velocidade à da Titan.
— Irei até aí, Perry Rhodan — disse Talamon depois do
ligeiro cumprimento. Sua imagem desfez-se. Na Tal VI, a
comunicação fora interrompida.
— Suspender os preparativos para a transição — disse
Rhodan pelo rádio, dirigindo-se à Ganymed. — Todos os
dados continuam válidos.
Depois, lançou um olhar para Bell.
— Mande que John Marshall e Gucky venham até aqui.
No mesmo instante, uma luminescência surgiu diante de
Rhodan. O rato-castor surgiu. Seu dente roedor solitário
sorria com satisfação. Procurou acomodar-se no colo de
Rhodan.
— Ora, Gucky! — disse Rhodan numa ligeira
recriminação. — Estamos recebendo urna visita oficial.
Gucky planou para o canto mais afastado da sala de
comando. Ninguém riu. Devia haver um motivo importante
para que o superpesado surgisse pouco antes que a Titan e a
Ganymed iniciassem a transição em direção à Terra.
Talamon só se tornara amigo de Perry Rhodan depois da
missão executada no planeta Aralon. Todavia, ainda faltava
dar uma prova dessa amizade.
Será que Talamon vinha como amigo?
Rhodan compreendeu o olhar preocupado de Crest.
Estavam pensando a mesma coisa. Era justamente por isso
que Gucky e John Marshall deviam estar presentes durante
a palestra, a fim de verificar se as intenções de Talamon
eram honestas.
— É uma bela nave — disse o superpesado. Depois de
dar outra olhada pela sala de comando, acrescentou: —
Acontece que dentro de pouco tempo já não será tão bela
assim.
Já estava mostrando as cartas.
Perry Rhodan percebeu o sinal de John Marshall.
Talamon não estava ocultando nada. Realmente viera na
intenção de prevenir Rhodan.
— Um momento, Talamon! — Bell pousou uma das
mãos no ombro de Perry, enquanto a outra movia a chave
que estabelecia contato com o posto de observação da Titan
e da Ganymed. Disse para dentro do microfone: —
Exerçam vigilância rigorosa em todos os setores do espaço.
Liguem os protetores de localização na potência máxima.
Voltando a dirigir-se ao superpesado, que sorria
satisfeito diante das instruções, Reginald Bell disse:
— Mande que sua nave se coloque entre as nossas. Se
quisermos evitar que os outros formulem perguntas
indiscretas, não devemos dar-lhes a menor oportunidade
para isso. Quer fazer o favor de transmitir as instruções
para sua nave?
Um sorriso ainda mais largo cobriu o rosto do
superpesado.
— Se todos os homens do planeta Terra são tipos tão
frios, cautelosos e impetuosos como este, já começo a sentir
pena dos saltadores. É claro que mandarei colocar minha
nave entre as suas.
As grandes telas de visão global da Titan mostraram que
a nave Tal VI, pesadamente armada, descreveu uma curva
silenciosa, e, numa manobra elegante, colocou-se numa
posição em que estaria a salvo da localização.
— Pois bem — disse Talamon em tom indiferente,
contemplando Perry Rhodan numa tensão mal disfarçada.
— Os aras do planeta Aralon estão zangados com vocês.
Do ponto de vista comercial compreendo essa atitude. Mas
desde que fiquei sabendo que esses bandidos da medicina
andam fazendo suas feitiçarias para que a gente pegue tudo
quanto é peste, a fim de poderem vender seus
medicamentos a preços extorsivos, não tenho a menor
simpatia por eles. Em resumo:
“Aralon alarmou os clãs dos aras espalhados pelos
quatro cantos da Galáxia. Sempre há doenças. Os
mercadores galácticos foram submetidos a verdadeira
chantagem. Os aras os ameaçaram de não lhes vender mais
remédios, e por isso viram-se obrigados a concordar em
lançar um ataque à Terra a fim de transformar esse mundo
num sol.”
9
— O ataque já foi iniciado? — perguntou Perry Rhodan
em tom tranquilo, fazendo com que os seiscentos e
cinquenta quilos de Talamon saltassem da poltrona e
fitassem o ser terrano.
Perry Rhodan fez pouco caso; Bell estava suando. Era
outro dos blefes de Rhodan. Perry não chegara a afirmar
que qualquer ataque seria rechaçado, mas deixara Talamon
bem menos seguro de si.
— Então, Talamon, os saltadores já iniciaram o ataque?
— disse, insistindo na pergunta.
— Não, os saltadores não se entregam tão depressa. E
uma ação dessa envergadura nunca é iniciada sem uma
reunião dos patriarcas. Mas os aras já conseguiram alguma
coisa. Dentro em breve, haverá uma reunião dos patriarcas.
Ninguém sabe onde. Nem mesmo o mensageiro que me
procurou para saber minha opinião soube dar essa
informação.
— Três aproximações — anunciou o oficial do posto de
observação. — Uma nave está rastreando o espaço.
Distância 0,325 minutos-luz. Velocidade 0,21 abaixo da
luz. Irradiando sinais codificados para outra nave. Sinais
conhecidos. Trata-se de unidades da frota do superpesado
Talamon.
Talamon sorriu por todo o rosto e demonstrou sua
admiração indisfarçada para Rhodan e Bell.
— Estou curioso para ver se minhas naves não acabarão
me encontrando.
Rhodan estendeu a mão num gesto indiferente:
— Aposto minha Titan contra sua nave capitania de
como não nos descobrirão.
O superpesado sacudiu violentamente a cabeça,
escondeu as mãos maciças atrás das costas, deu uma risada
matreira e disse:
— A história de como o senhor se apoderou da Titan já
se espalhou por aí. Não estou com vontade de apostar.
Preciso da minha nave — logo voltou a tornar-se sério.
— O plano dos aras não o deixa preocupado? Não
preciso ser profeta para garantir que os médicos galácticos
obrigarão os saltadores a destruir a Terra. E também não
sou nenhum tagarela. Vim para ajudar o senhor e seu
mundo.
Perry Rhodan viu John Marshall esfregar os dedos.
— Quanto terei de pagar por sua amizade, Talamon? —
perguntou Perry Rhodan com uma risada.
— Ó sublime Via Láctea! — exclamou o superpesado
com um aparente entusiasmo.
— Fomos feitos para sermos sócios um do outro. Nem
mesmo com os arcônidas, tenho conseguido chegar tão
rapidamente ao núcleo do negócio.
— Pois essa gente dorme de pé! — observou Bell.
De repente, os olhos de Talamon começaram a mexer-
se. Caminhavam de um lado para outro, fitando os dois
homens tão diferentes no aspecto e no caráter.
Perry e Bell exibiram seus rostos de jogador de pôquer.
Essa coincidência deu de pensar à raposa de seiscentos e
cinquenta quilos que atendia ao nome de Talamon. Falando
em tom pensativo, disse:
— Aos poucos estou compreendendo por que todos nós,
que temos alguma coisa a ver com o Império de Árcon,
sempre levamos a pior quando lidamos com vocês. Mas
vamos conversar sobre o preço. Afinal, de vez em quando
tenho de alimentar meu clã. E manter duzentas naves em
condições de combate não é nada fácil; custa muito
dinheiro. Nem estou calculando o risco que vou assumir...
Perry Rhodan interrompeu-o em tom penetrante:
— Quando dei ordem à frota de guerra robotizada de
Árcon para que não transformasse as naves do superpesado
Talamon em nuvens de gases, assumi um risco que excedia
qualquer grandeza astronômica. E eu lhe pedi que pagasse
alguma coisa por isso, Talamon?
— Ora essa, Perry Rhodan! — respondeu Talamon em
tom de recriminação. — Não se fala assim com um velho.
— Será que não? — retrucou Rhodan com a mesma voz
penetrante. — Nós, os humanos, gostamos de dizer a
verdade, mesmo que seja dolorosa. Diga seu preço,
Talamon.
John Marshall levantou-se e aproximou-se dos três
homens que estavam discutindo. Rhodan olhou para o mais
competente dos seus telepatas e perguntou:
— O que houve Marshall?
O telepata entendia seu chefe.
— O senhor me pediu que lhe lembrasse de que
pretendia falar com o cérebro robotizado de Árcon.
Essas palavras representavam um código; traduzida em
termos normais, o teor da mensagem seria o seguinte: “Até
aqui não notei nenhum pensamento traiçoeiro em
Talamon.”
Rhodan fez sinal para que Marshall se afastasse.
— Isso não tem pressa. Obrigado. Talamon, que não
perdera uma única palavra, logo tirou suas conclusões.
— O senhor quer recorrer ao auxílio do Império,
Rhodan? Não se esqueça de que os saltadores também são
arcônidas.
— Alguns estão dormindo enquanto outros são
salteadores! — interveio Bell em tom mordaz. — Talamon,
que raça sem finura é a sua? Realmente, vocês nos deixam
preocupados.
O superpesado não teve outra alternativa senão levar a
objeção de Bell a sério. Em sua imaginação, a Terra
transformou-se num único porto espacial e o poder de Perry
Rhodan era imenso.
— Diga seu preço, Talamon! — exigiu Rhodan,
felicitando-se porque Bell estava participando da discussão.
Era ele que descongelava o superpesado, fazendo-o afastar-
se do ponto de vista de que teria de ganhar muito dinheiro.
— Para uma ação sem limite de tempo e com pleno
engajamento de toda minha força de combate... são
exatamente duzentas e dezoito naves, peço dez milhões.
— Quanto vale uma tonelada de aço Árcon-T? —
perguntou Perry.
— Aço Árcon-T? O aço de que são feitas as naves
espaciais? — Talamon aguçara os ouvidos.
— Isso mesmo. Tenho umas trezentas ou quatrocentas
toneladas para vender.
— Quanto?
Perry Rhodan levantou-se. Por enquanto considerava
encerrada a discussão.
— Reflita juntamente com seu clã se minha proposta
representa um negócio interessante para os senhores.
Depois disso, combinaremos um preço entre amigos.
Pagando uma taxa de dez milhões por sua atuação em
defesa da Terra, ainda terei de receber algumas dezenas de
milhões do senhor. Quando voltaremos a encontrar-nos?
* * *
10
O inspetor-chefe Gegul encontrava-se diante do
Conselho de Médicos de Aralon, ao qual teria de apresentar
seu relatório.
Nos últimos dias, o ara envelhecera alguns anos. Uma
enorme responsabilidade pesava sobre seus ombros.
Recebera a incumbência de exercer pressão contra todos os
clãs dos saltadores, fazendo, sempre que necessário, sua
chantagem contra os patriarcas. O ara diria que, em
determinadas circunstâncias, os fornecimentos de remédios
poderiam ser suspensos.
Gegul teve que recorrer ao Serviço Intergaláctico de
Informações. Sua organização não dispunha de recursos
para “trabalhar” todos os clãs dos mercadores num espaço
de poucos dias.
Apesar dos esforços que o haviam obrigado a passar
várias noites sem dormir, assumia uma atitude orgulhosa
diante do Conselho, cujos membros ouviam sua exposição
com um prazer cada vez maior.
Gegul só falava sobre ações bem sucedidas. Vez por
outra, um sorriso cínico surgia em seu rosto, quando
contava como certo patriarca fora convertido à causa dos
aras com a força do argumento de que nos próximos dias
todo o clã poderia contrair uma doença mortal. Neste caso
os aras se veriam obrigados a recusar o pedido de cura, pois
no futuro só estariam disponíveis para os amigos.
— Quando será realizada a assembléia dos patriarcas, e
onde? — perguntou Dumeh, que estava presidindo o
Conselho de Médicos.
— Dentro de oito dias, em Laros — respondeu Gegul.
— Em Laros? — interveio Santek em tom de surpresa,
lançando um olhar penetrante para Gegul. — Justamente
em Laros, onde realizamos nossas experiências biológicas?
Gegul, você devia ter sido abandonado por todos os deuses
estelares quando lhe deu na cabeça de sugerir a décima
oitava lua do sistema de Gonom como ponto de encontro.
Gegul perdeu parte de sua postura orgulhosa.
— Peço licença para expor os motivos que me levaram
a sugerir Laros como ponto de encontro dos patriarcas dos
saltadores. Parti do fato de que há alguns meses os chefes
de clã dos mercadores galácticos realizaram sua assembléia
geral no planeta Goszul, situado no sistema 221-Tatlira, a
fim de decidir a respeito de Perry Rhodan.
“A assembleia geral terminou numa explosão nuclear”.
“Os saltadores realizaram uma tentativa desesperada de
voltar a fixar-se em Goszul, mas esta resultou numa doença
misteriosa. Só nós, os aras, constatamos que a mesma é
inofensiva. Apesar disso o planeta de Goszul continua a ser
considerada uma estrela proibida”.
“É possível que esses fatos, ainda não esclarecidos,
tenham sido encenados por Perry Rhodan, mas não temos
prova disso”.
“Em Laros dispomos de recursos que nos permitem
impedir qualquer influência indevida sobre a assembleia
dos patriarcas, protegê-la e mesmo destruir quem pretenda
exercer tais influências”.
“Foram estas considerações que me levaram a sugerir a
décima oitava lua do planeta Gom, situado no sistema de
Gonom, como ponto de encontro dos patriarcas e dos
superpesados.”
Gegul sentiu-se aliviado ao notar o sorriso diabólico de
Santek. Também Dumeh demonstrou uma amável
concordância.
— O biólogo chefe Keklos já foi informado, Gegul? —
perguntou Dumeh em tom gentil.
Mais uma vez, o inspetor-chefe inclinou ligeiramente o
corpo:
— O biólogo chefe Keklos foi colocado a par de tudo e
está de acordo com as medidas por mim sugeridas.
Uma expressão de triunfo brilhava nos olhos de Gegul.
* * *
Topthor, amigo de Talamon e inimigo encarniçado de
Rhodan, foram arrancado do sono. Tattoll estava de pé
junto à sua cama.
— Senhor, o quartel-general dos superpesados quer se
comunicar conosco — disse em tom exaltado, continuando
a sacudir o braço do chefe do clã.
— E daí? — resmungou Topthor. — Quem quer falar
comigo deve saber esperar. Diga ao quartel-general que
comparecerei.
Não teve muita pressa em chegar ao aparelho de
hipercomunicação. Vestiu-se tranquilamente. Ficou
refletindo sobre o que o órgão central poderia querer. Tinha
certeza de que não se tratava de uma missão que pudesse
render milhões. Qualquer mensagem desse tipo vem com a
nota de maior urgência.
Caminhou devagar em direção à sala de comando. A
última escotilha abriu-se automaticamente. De longe viu o
tremeluzir da tela: era o sinal típico de transmissão pelo
hipercomunicador.
Fungou enquanto se deixava cair na poltrona do piloto.
— Topthor! — gritou com a voz contrariada.
— Quartel-general! — soou a voz metálica do micro-
alto-falante. O rosto conhecido de Sirger, segundo patriarca
do clã de Darfnur, surgiu na tela.
— Diga logo o que aconteceu, meu filho — insistiu o
gigante esverdeado em tom pouco gentil.
— Nossa mensagem está sendo transmitida pelo
disjuntor, Topthor!
O patriarca aguçou o ouvido. Se o disjuntor e o
hipercomunicador estavam sendo usados ao mesmo tempo,
algo de importante devia ter acontecido. O rosto de Topthor
mostrou certo interesse. Este fato significava algo capital.
Mas os músculos de sua face logo se descontraíram. O
quartel-general anunciou data e local da assembleia dos
patriarcas.
— Teve de acordar-me por isso? — resmungou o velho.
Sirger, que se encontrava no quartel-general dos
superpesados, perguntou em tom indiferente:
— Não está mais interessado em Perry Rhodan?
Se havia um inimigo cujo nome Topthor nunca
esqueceria, esse inimigo era Perry Rhodan.
— O que houve com Rhodan? — berrou para dentro do
microfone com tamanha força que Sirger, que se
encontrava a alguns milhares de anos-luz de distância,
imediatamente reduziu o volume do micro-alto-falante.
— Será que o senhor não sabe o que aconteceu em
Aralon? — perguntou Sirger em tom de espanto. — Na Via
Láctea não se fala em outra coisa.
Era um exagero, pois Topthor não sabia de nada.
— Acha que posso saber de tudo, Sirger? Encontrava-
me com minha frota nas profundezas da Galáxia, a vinte e
oito mil anos-luz de distância, onde tive de liquidar um
assunto. E esse assunto me custou seis naves.
Não disse qual foi o assunto que teve de liquidar, mas
Sirger soube tirar suas conclusões. Em poucas palavras,
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contou os maus bocados que Perry Rhodan fizera os aras
passar. Mencionou o nome de Talamon.
— O quê? — voltou a berrar Topthor. — Talamon
fugiu? Você está mentindo!
Sirger não estava disposto a permitir que o chamassem
de mentiroso, motivo por que formulou sua resposta de tal
forma que Topthor começou a engolir em seco. Com a voz
mais amável deste mundo, perguntou o que teria feito se
estivesse no lugar de Talamon e, de repente, se visse
cercado pela frota robotizada de Árcon.
— Árcon se meteu nisso? O regente robotizado resolveu
intervir? — Topthor não estava acreditando. — Você está
me contando isso de maneira muito confusa, Sirger. Fim do
contato.
Topthor interrompeu a comunicação, mas não desligou
o hipercomunicador.
— Quero uma ligação instantânea com Talamon.
A nave capitania de Talamon, Tal VI, não deu sinal de
vida. Apenas uma nave de sua frota respondeu, mas
ninguém sabia onde se encontrava o chefe do clã. Topthor
desligou de vez.
— É estranho — murmurou. — Talamon não indicou o
lugar em que pode ser encontrado e não responde ao
chamado expedido na sua frequência. Alguma coisa não
está certa. Isso não é...
Foi nesse instante que seu receptor captou outra
mensagem de hipercomunicação. Mais uma vez era o
quartel-general; o rosto de Sirger voltou a surgir na tela.
— Será que o senhor pode dizer ao quartel-general onde
poderíamos encontrar seu amigo Talamon?
Topthor lançou um olhar idiota para a tela.
Então também não conseguiam encontrar Talamon? Seu
nervosismo cresceu. Pensava constantemente em Talamon
e em Perry Rhodan.
Estava preocupado com seu amigo Talamon e por causa
de Perry Rhodan.
* * *
Talamon estava voltando depois da terceira conferência
com Perry Rhodan. Seu respeito para com esse homem
crescera quase ao infinito, e não procurava esconder esse
fato diante dos membros de seu clã. Mas nem todos
concordavam com ele; era principalmente Oxcal que se
opunha a toda e qualquer ligação com Rhodan.
— Se Cekztel descobrir seu jogo, dentro de pouco
tempo o clã de Talamon deixará de existir — advertiu.
Talamon respondeu com um sorriso alegre.
— Pois Cekztel não deverá saber — logo se esqueceu
desse detalhe. — Mas você não precisa participar do grande
negócio que fechei com Rhodan, Oxcal.
Acontece que Oxcal queria participar do grande
negócio. Tratava-se de uma quantidade quase inimaginável
de sucata de aço Árcon-T. Se o negócio se concretizasse,
sobraria uma boa quantia para cada membro do clã.
— Onde deveremos buscar o material? — perguntou
Oxcal, demonstrando seu interesse pelo negócio.
Talamon sorriu para cada um dos circunstantes. Estava
curioso para ver suas caras idiotas. Também fizera uma
cara idiota quando Rhodan, respondendo a pergunta
idêntica, lhe dissera:
— Em Honur.
— O quê? Em Honur? — a voz de Cresja vibrava num
tom de pavor.
Talamon sorriu e acenou com a cabeça.
— Será que também devemos pegar a doença? Aquela
maldita peste da alegria? — perguntou Oxcal em tom
incisivo.
— Vocês são uns tolos — respondeu o velho Talamon.
— Até hoje sempre fui eu quem trouxe os negócios mais
gordos. Vocês vieram depois e embolsaram o dinheiro.
Acham que já estou tão esclerosado que não me lembrei da
epidemia de Honur? Acontece que Rhodan também não se
esqueceu dela. Por isso, não assumiu qualquer risco quando
me contou onde está aquela sucata de primeira. Poderemos
dar uma olhada no cemitério de naves existente no planeta
proibido. Por enquanto isso basta. Faremos um inventário,
realizaremos cálculos aproximados e, se entendi as palavras
ditas por Rhodan durante a última conferência, não teremos
que pagar nada. Apenas devemos manter-nos afastados de
cinco naves cargueiras de grande porte e um couraçado
arcônida, que Rhodan pretende reservar para si. Não é um
bom negócio, meus irmãos de clã?
Talamon sentia-se triunfante.
Oxcal lembrou-se da epidemia que atacara setecentos
tripulantes da Titan. Era uma hipereuforia provocada por
ursinhos criados como animais domésticos no planeta de
Honur.
— Rhodan nos fornecerá o antídoto, Oxcal. Já se
esqueceu que esteve em Aralon, e que muitos dos seus
tripulantes haviam contraído a doença? Ainda estão
doentes?
Oxcal lançou um olhar pensativo para seu patriarca.
Não estava gostando do fogo juvenil que brilhava em seus
olhos. Devia contê-lo, pois do contrário levaria todo o clã
para a desgraça.
— Se Cekztel, chefe de todos os clãs, tiver a mais leve
suspeita, ele nos exterminará. E se Topthor tiver a menor
ideia do que se passa, esquecerá quem é seu amigo. Odeia
Perry Rhodan com toda a força do coração.
O rosto de Talamon assumiu um feitio rígido.
— Não quero que ninguém de vocês pense em dar uma
dica a Cekztel e Topthor. Por isso nossos rádios
continuarão em silêncio, tanto na emissão como na
recepção.
Levantou-se e dirigiu-se ao seu camarote. Pensava
menos no grande negócio que em Perry Rhodan.
Talamon compreendia cada vez melhor que em Rhodan
conquistara o mais sincero dos amigos, desde que ele
mesmo continuasse sincero.
* * *
A bordo da Ganymed houve um alarma ligeiro.
Há poucos minutos o coronel Freyt, comandante do
couraçado de 840 metros de comprimento, regressara
depois da conferência com o chefe. Imediatamente
quinhentos homens assumiram seus postos. Na popa da
nave, os conjuntos e os conversores entraram em
funcionamento.
A Ganymed preparava-se para partir.
Só os oficiais da sala de comando conheciam o destino.
O couraçado acelerava lentamente. À distância, que a
separava da nave esférica Titan, foi crescendo. O cérebro
positrônico de bordo controlava a aceleração.
Numa indiferença quase total, o coronel Freyt, sentado
na poltrona do piloto, contemplava a grande tela de visão
global. Fazia dez minutos que a Titan, reduzida a um
12
pontinho, desaparecera. A nave Tal VI, comandada por
Talamon, estava com todas as luzes apagadas e envolta no
campo protetor de localização da gigantesca nave esférica.
Naquele instante, transmitia uma mensagem
hiperconcentrada pelo super transmissor da nave de
Rhodan.
— Bip! — foi o som que se ouviu quando o receptor da
Ganymed captou a transmissão.
O coronel Freyt virou-se para o oficial incumbido do
cérebro positrônico. Este se limitou a acenar com a cabeça.
Foi só. Freyt não formulou qualquer pergunta. Sabia que as
coordenadas do salto e os dados relativos ao tempo estavam
armazenados no cérebro positrônico, aguardando o
momento de serem utilizados.
— Bip! — voltou a fazer o micro-alto-falante da sala de
comando.
Foi a resposta à mensagem hiperconcentrada da Tal VI.
Uma das naves da frota de Talamon acabara de responder.
A tela de comunicação direta com a sala de rádio
iluminou-se diante de Freyt. O oficial de rádio transmitiu o
texto decodificado da mensagem.
Mais uma vez, o comandante limitou-se a acenar com a
cabeça. A imagem na tela desfez-se e o alto-falante
acoplado nesta foi desligado.
Pouco depois, o dispositivo de localização automática
começou a funcionar. A Ganymed se deslocava a uma
velocidade de 0,74 abaixo da luz.
Mais uma vez, Freyt lançou um olhar indagador para o
oficial incumbido do cérebro positrônico.
— Mais trinta e três minutos, coronel — disse o oficial.
Depois da primeira operação de localização, a Ganymed
modificara o rumo em 8 graus e 32 segundos Pi. Os
potentes neutralizadores de pressão devoravam as energias
que surgiram no momento em que o couraçado saiu
rapidamente do velho rumo, para tomar outro. Só a tela de
visão global revelara a alteração. Alguns sóis
desapareceram acima da extremidade superior, enquanto
outros penetraram pela extremidade inferior.
Nenhum dos homens que se encontravam na sala de
comando teve tempo ou vontade de contemplar o
espetáculo ímpar da cintilância do grupo estelar M-13. Hoje
nada seria capaz de cativar os homens.
Voavam no desempenho de uma missão.
Deslocavam-se exatamente na direção da nave que o
dispositivo de localização mantinha sempre ao alcance dos
instrumentos de medição.
A velocidade da Ganymed aproximava-se da marca de
0,9 abaixo da luz.
O coronel Freyt fumava. Estava reclinado na poltrona
do piloto. Reclinara-se com a mesma tranquilidade quando,
há muitos anos, realizara as missões mais perigosas nos
caças de um homem da frota de Rhodan.
Um lampejo fulgurante chamou Freyt de volta para a
realidade. O dispositivo automático de localização eliminou
a aceleração da Ganymed. O enorme couraçado com as
quatro aletas salientes na popa aproximava-se em queda
livre da nave que acabara de ser localizada por meio do
goniômetro.
Naquele momento, estava sendo captada pelo
dispositivo ótico. Vinha do setor de meia nau. Com nitidez
formidável, a nave cilíndrica surgiu numa tela adicional,
que se encontrava à esquerda de Freyt.
Não demorou a ser identificada. O tenente Feller
informou:
— É a Tal CLIII.
O alarma ensurdecedor abafou todos os outros ruídos a
bordo da nave.
Enquanto isso, o rastreador estrutural rangia.
Vindas do nada, do hiperespaço, três naves surgiram
numa proximidade ameaçadora da Ganymed.
— Era só o que faltava! — disse o coronel Freyt em
tom tranquilo. Mas logo emitiu suas ordens.
— Avisem o chefe!
Estas palavras foram dirigidas à sala de rádio.
— Vamos defender-nos com todas as armas se formos
atacados!
Esta ordem ressoou nos postos de combate. No mesmo
instante, abriram-se as escotilhas dos canhões.
A Ganymed estava preparada para o combate.
Quem seriam esses veículos espaciais que, vindos da
transição, continuavam a aproximar-se do couraçado?
— São naves dos saltadores!
O aviso veio duas vezes, do posto de localização e do
setor de observação ótica.
— Digam à Tal CLIII que dê o fora imediatamente —
berrou no microfone, dirigindo-se à sala de rádio.
— Transição — rangeu a voz do tenente Dreyfus, que
se encontrava no setor de rastreamento estrutural. — A Tal
CLIII acaba de saltar.
— Ataque do verde quarenta e cinco — soou a voz
tranqüila do oficial de tiro de Dora 8. O setor Dora 8
encontrava-se no ângulo em que a aleta de popa número um
se ligava harmonicamente ao envoltório da nave.
Na sala de máquinas do couraçado, as turbinas
começaram a uivar. Milhares de ligações eram feitas e
desfeitas. Os últimos conversores começaram a rugir. As
usinas de força forneceram energia de sobra aos postos de
combate.
Dora 8 disparou durante oito segundos.
— Nosso campo de visão é muito bom — disse Freyt,
elogiando os homens que se encontravam a meia nau e
conseguiram realizar o milagre de colocar simultaneamente
três naves cilíndricas nas telas especiais.
Os artilheiros de Dora 8 também mereciam elogios. A
parte em que ficavam os propulsores de uma das naves dos
saltadores desapareceu. Por menos de meio segundo, ficara
sujeita ao impacto direto de um potente raio de
desintegração.
— Outra transição — fungou o tenente Dreyfus. Sua
surpresa cresceu ainda mais.
— A Tal CLIII voltou...
A mensagem vinda da sala de rádio saiu ruidosamente
do alto-falante:
— Mensagem hiperconcentrada vinda da Tal CLIII. O
texto decodificado será fornecido em seguida.
O coronel Freyt começou a imaginar o motivo por que a
nave de guerra da frota de Talamon voltara e resolvera
intervir na luta.
A nave do clã dos superpesados atacou a Ganymed.
Três enormes raios de desintegração precipitaram-se em
direção à nave de Freyt, mas todos erraram o alvo. Não
chegaram sequer a roçar os campos defensivos do
couraçado de 840 metros de comprimento.
Os homens que guarneciam as posições de artilharia
esbravejavam de raiva e amargura. Não viam mais nada de
bom em Talamon e seu clã.
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A voz do coronel Freyt fez-se ouvir:
— Lancem ataques simulados contra a Tal CLIII. Os
disparos devem passar raspando. Mas quero que essas
canoas dos saltadores sejam transformadas em sucata.
Finalmente a mensagem decodificada da Tal CLIII foi
fornecida pela sala de rádio.
— Realizaremos ataques simulados. Só isso.
No mesmo instante, o campo defensivo da Ganymed foi
sacudido por oito impactos. Cascatas de luz irromperam em
torno da nave e a violência dos raios desintegradores
encurvou os campos energéticos, a fim de que estes
pudessem absorver o enorme volume de energia.
— Que diabo! — esbravejou o oficial de tiro Bredhus,
que se encontrava de serviço em Berta 5, pois a Tal CLIII
se colocara diante de uma das naves dos saltadores,
protegendo-a e impedindo numa fração de segundo que
seus propulsores fossem destruídos.
O coronel Freyt, que acompanhava a batalha com o
maior interesse por meio da tela de visão global, exibiu um
sorriso quase imperceptível. A Tal CLIII estava
desempenhando seu papel com perfeição, tornando a
batalha mais difícil para a Ganymed. As duas naves dos
saltadores que continuavam em condições de manobrar
teriam que acreditar que uma nave dos superpesados se
colocara a seu lado na luta contra a Ganymed.
* * *
Por coincidência, Talamon se encontrava a bordo da
Titan, quando a menos de trinta minutos-luz de distância
irrompeu a batalha espacial entre a Ganymed e as três naves
dos saltadores. A intervenção da Tal CLIII e, antes dela,
seu desaparecimento no hiperespaço e seu reaparecimento,
haviam sido registrados com toda precisão pelos aparelhos
de observação.
— Então? — limitou-se Perry Rhodan a perguntar e
lançou um olhar de esguelha para a figura quadrática de
Talamon, quando a meio bilhão de quilômetros dali a Tal
CLIII disparou três raios de desintegração contra a
Ganymed, errando o alvo.
Talamon ergueu-se ligeiramente.
— Em meu clã não existem traidores, Perry Rhodan!
Esta frase lacônica exprimiu o poder que cada patriarca
exercia sobre seu clã. Qualquer ordem de comando era uma
lei para todos.
— Não acha que o aparecimento das três naves dos
mercadores é uma coincidência muito estranha? —
perguntou Reginald Bell, sem deixar perceber o menor
resquício da jovialidade que tantas vezes gostava de
demonstrar.
Naquele instante, também a Titan captou a mensagem
hipercondensada da Tal CLIII. No momento em que
Talamon se dispunha a dar uma resposta áspera, receberam
o texto decodificado:
— Realizaremos ataques simulados. Num gesto
impulsivo, Bell estendeu a mão ao patriarca.
— Não leve minhas palavras a mal, Talamon. Uma
desconfiança honesta limpa o ambiente.
Talamon pegou a mão e apertou-a cautelosamente.
Respirava com dificuldade.
— Eu mesmo não acreditava no que estava vendo
quando a Tal CLIII lançou o ataque contra a Ganymed,
mas...
— Não há nenhum, mas — interveio Rhodan. — Os
ataques simulados contra a nave de Freyt são o único meio
de enganar os saltadores e evitar que os mesmos
desconfiem de que o senhor colabora comigo. Talamon
acho que ainda seremos bons amigos.
* * *
Enquanto a luta continuava, o coronel Freyt pensava
com frequência cada vez maior na missão que tinha a
cumprir. A Tal CLIII realmente tornava muito difícil
alcançar o fim da batalha desigual. A cada minuto crescia o
perigo de que os saltadores pudessem surgir com outras
unidades de sua frota, pois as duas naves cilíndricas que
ainda estavam em condições de combate emitiam
constantemente seus pedidos de socorro.
Uma ligeira vibração sacudiu a Ganymed. Um abalo
percorreu a gigantesca nave. Oito ou nove posições de
artilharia haviam disparado suas peças ao mesmo tempo. O
espaço escuro transformou-se num plano aberto em leque.
Os dedos luminosos precipitaram-se para as profundezas do
cosmos e atingiram as duas naves dos saltadores.
Duas nuvens alaranjadas espalharam-se para todos os
lados. O metal derretido gotejou, as energias dos
conversores explodiram em terríveis relâmpagos, os
campos magnéticos entraram em colapso em meio a uma
série de curtos-circuitos.
As três naves cilíndricas dos saltadores estavam sem a
popa. Reduzidas a destroços, deslocavam-se em queda livre
descontrolada e seus tripulantes aguardavam o fim.
Era assim que os saltadores costumavam tratar seus
inimigos: só se contentavam com a destruição total.
Por cima de tudo isso, a esfera monstruosa aproximou-
se em meio a um ribombo, vinda das profundezas do
espaço.
A Titan acabara de chegar.
O aparecimento da nave de um quilômetro e meio de
diâmetro devia ter provocado um choque na Tal CLIII.
Afastou-se com uma tremenda aceleração.
Foi este o quadro e a ação que se apresentaram aos
sobreviventes das três naves dos saltadores. Compreendiam
a fuga do superpesado e estavam mais do que nunca
convencidos de que o fim estava próximo.
Mas a Titan e a Ganymed não demonstraram o menor
interesse pelos destroços desgovernados. As naves
aceleraram e não tardaram em desaparecer do raio de
alcance ótico dos náufragos.
Menos de dez minutos depois, quatorze naves
cilíndricas penetraram no setor em que se desenrolara a
luta, vindas do hiperespaço. Realizadas em breves
intervalos, quatorze transições provocaram um abalo
enorme na estrutura espacial.
A Titan, que voltara a acolher a Tal VI em seu campo
superpotente de defesa antilocalização, registrou todas as
transições.
Os olhos de Rhodan chamejavam. Um sorriso
disfarçado brincava em torno de seus lábios. Lançou um
olhar para o setor de localização estrutural. O oficial, que se
encontrava em atitude tensa na poltrona, fez um gesto
rápido com a cabeça.
— Transição dupla! — anunciou, e forneceu as
coordenadas e a direção do salto.
14
Agora Perry Rhodan sorria satisfeito. Estava pensando
no cérebro robotizado de Árcon. Ali também fora medido o
salto duplo. O robô gigantesco olhava tudo com algumas
centenas de milhares de relês arcônidas, aguardando o
segundo salto da Titan e da Ganymed. Esperava o momento
de, mediante os cálculos da transição, descobrir o ponto
exato da Galáxia em que ficava a misteriosa Terra, o
mundo de que vinha Perry Rhodan.
E Perry Rhodan conseguira iludir o cérebro positrônico.
Em vez da Titan, a Tal CLIII saltara juntamente com a
Ganymed em direção ao centro da Via Láctea. A Titan,
aproveitando esse tipo de camuflagem, permanecia no
interior do grupo estelar M-13, pois tinha de realizar
algumas tarefas importantes antes de regressar à Terra
ameaçada.
O regente positrônico esperou em vão pelo segundo
hipersalto espacial.
O salto não veio, e o compensador estrutural da
Ganymed absorveu o abalo da estrutura espacial. Enquanto
a Tal CLIII, desenvolvendo sua velocidade normal,
equivalente à da luz, tomava o rumo do seu setor de origem
no grupo estelar, a nave do coronel Freyt executou a
segunda transição. Mas também esta não se dirigia
exatamente para o setor secundário da Via Láctea onde
havia um sistema que incluía o planeta Terra.
O superpesado Topthor recebeu a notícia irradiada por
seu quartel-general: a Titan e a Ganymed, pertencentes à
frota de Perry Rhodan, haviam tomado o rumo do centro da
Galáxia, provavelmente para dirigir-se ao seu sistema solar.
— Sirger — disse o velho de tez verde com um sorriso
feroz — o quartel-general está exalando gentilezas por
todos os poros. Será que já posso saber o que há atrás de
tudo isso?
Não era tão fácil enganar um homem desconfiado como
Topthor.
A figura de Sirger, locutor de comunicações do quartel-
general dos superpesados, projetada na tela, não era nada
agradável.
— Ainda não conseguimos localizar seu amigo
Talamon — disse desanimado.
— Eu também não consegui — resmungou Topthor,
ainda mais aborrecido que antes. Começava a preocupar-se
realmente com o destino de Talamon e de sua frota. —
Ontem não houve uma pequena batalha entre três naves dos
saltadores e a Ganymed de Rhodan? Será que as
informações que recebi não são corretas? Pelo que soube, a
Tal CLIII, que é uma nave de guerra da frota de Talamon,
realizou uma ação corajosa, batendo-se com a Ganymed a
fim de dar aos mercadores uma chance de escapar, mas esse
maldito Rhodan apareceu com a Titan e...
— Tudo isso é verdade, senhor. As informações que
tenho diante de mim dizem a mesma coisa. Mas a Tal CLIII
viu-se obrigada a fugir quando apareceu a Titan, e desde
então não dá mais sinal de vida. Estamos tateando no
escuro.
— Rhodan... — exclamou Topthor em tom de ameaça,
no qual vibrava um ligeiro desespero. — Onde esse sujeito
aparece, sempre há uma porção de acontecimentos
inconcebíveis e de problemas. Fim, Sirger. Obrigado pelo
chamado e por seu interesse.
* * *
Numa viagem-relâmpago, a Ganymed acabara de
regressar à Terra. Depois de três saltos realizados sob a
proteção do compensador estrutural, voltara a ingressar no
espaço normal entre as órbitas da Terra e Marte.
Apoiada sobre as quatro aletas de popa, a gigantesca
Ganymed estendia o corpo enorme em direção ao céu. A
ponta desapareceu nas nuvens densas que pairavam sobre o
deserto de Gobi.
Nuvens sobre Terrânia! Para o coronel Freyt isso não
prenunciava nada de bom, embora não fosse supersticioso.
Terrânia, o minúsculo trampolim situado no deserto de
Gobi, de onde Perry Rhodan se pusera a caminho a fim de
conquistar o Universo para a Terra, era o polo de força da
Terra. Para os homens, representava uma concentração
inconcebível de poder.
O coronel Freyt estava pensando nesse poder enquanto
o carro o fazia passar em velocidade vertiginosa junto aos
cruzadores pesados e à Stardust-III.
Acontece que a Terra possuía menos cruzadores
pesados que os dedos existentes numa única mão de um
homem. Os mercadores galácticos e os superpesados
poderiam lançar mão de mil vezes esse número. E, se o
coronel Freyt ainda se lembrasse do poderio do Império de
Árcon, não poderia fazer outra coisa senão sacudir a
cabeça.
— Nossa chance é de um contra um milhão — disse
com a voz baixa e o desânimo ameaçava apoderar-se de seu
espírito. Mas logo se lembrou das experiências pelas quais
havia passado nos últimos anos juntamente com Perry
Rhodan, e não pôde deixar de murmurar: — Nossas
chances nunca foram melhores. Temos Perry Rhodan, e os
outros não o têm.
Alguma coisa começou a vibrar em seu interior, a
irradiar força para seu espírito. Essa força vinha de uma
distância de 30 mil anos-luz, isto é, do lugar em que Perry
Rhodan se encontrava a bordo da Titan.
Meia hora depois da chegada do coronel Freyt, foi
realizada a primeira conferência.
— Major Nyssen, quando o compensador estrutural
estará instalado na nave Solar System?
Foi assim. Freyt disparou uma pergunta após a outra.
Exigia respostas precisas. A comunicação quase chegou a
aquecer o ambiente. Indagações formuladas aos estaleiros,
laboratórios, estabelecimentos de controle. Mensagens de
15
rádio dirigidas aos estabelecimentos que forneciam os
componentes corriam em redor da Terra. No curso dessa
conferência, Terrânia chegou a bloquear por meia hora dois
terços de todas as comunicações radiofônicas.
Para a Terra este era o primeiro e o único indício de que
havia alguma coisa no ar. Terrânia só fazia uso de seus
direitos irrestritos quando havia um perigo muito grave.
Em todas as estações montadas em satélite foi
instaurado o regime de prontidão rigorosa. A calma
reinante nas bases instaladas em planetas e luas chegou ao
fim.
O coronel Freyt notou um brilho de entusiasmo nos
olhos de seus colaboradores. Não era a favor desse tipo de
heroísmo. Por dez minutos, um filme de Árcon interrompeu
a conferência.
Durante dez minutos, homens perplexos foram
bombardeados pelo poderio de Árcon, que quase chegava a
esmagá-los, a aniquilá-los psiquicamente. O filme de Árcon
martelava impiedosamente a alma de cada um.
— Na melhor das hipóteses nós e a Terra temos uma
chance de um em um milhão — disse o coronel Freyt
depois da representação, familiarizando-os com a realidade.
— As chances não são melhores nem piores do que sempre
foram. Se os aras conseguirem engajar os mercadores
galácticos em prol de seus objetivos, fazendo com que os
saltadores e os superpesados se lancem num ataque à Terra,
e não vejo por que os aras não conseguiriam isso, dentro de
pouco tempo o planeta Terra deixará de existir e nosso
sistema terá dois sóis em vez de um.
“Não procurem pensar que Árcon com seu poderio irá
nos ajudar. Na opinião do chefe, é justamente esse poderio
que representa o maior perigo para a Terra. Se o gigantesco
cérebro positrônico descobrir nossa posição, nada nos
salvará da escravidão, da sujeição a uma máquina. Se não
soubermos defender-nos com nossos próprios meios,
estaremos perdidos. Aguardo suas sugestões amanhã, à
mesma hora.”
* * *
— Bip! — o receptor de hipercomunicação da Titan
emitiu um som.
— Chefe — exclamou o cadete Mengs, que se
encontrava de plantão na sala de rádio. — A frota de
Talamon entrou em posição de mergulho.
Perry Rhodan fez de conta que não tinha ouvido o título
“chefe” com que seu subordinado se dirigira a ele. Sabia
perfeitamente que nas conversas não oficiais todos o
chamavam de chefe, mas não era costume iniciar uma
mensagem com esta palavra.
Virou a cabeça. Bell estava sentado na poltrona do
copiloto.
— Como está o compensador estrutural, Bell?
— Funcionando.
As engrenagens começaram a girar. A Titan estava
preparada para o salto. Todos os preparativos haviam sido
completados. A marca zero chegou. O enorme cérebro
positrônico encarregou-se de todos os detalhes. Não poderia
haver nenhuma falha humana.
A Titan mergulhou no hiperespaço. Mas desta vez não
houve o tremendo abalo estrutural que costumava surgir
quando um objeto se afastava da estrutura espaço-temporal,
e que podia ser medido em qualquer ponto da Galáxia.
A última das grandes invenções dos mercadores
galácticos, que eram inimigos encarniçados de Perry
Rhodan e da Terra, era o compensador estrutural. Esse
aparelho fora instalado no corpo gigantesco da Titan. O
compensador estrutural havia sido descoberto a bordo da
Ganymed, um couraçado construído pelos saltadores e
apresado por Rhodan. Perry introduzira algumas
modificações na nave: colocara quatro aletas de popa e
acrescentara uma ponta de sessenta metros de
comprimento. Lançando mão de todos os recursos de sua
tecnologia, a indústria terrana conseguira copiar esse
produto de uma civilização desconhecida. Todavia, o
compensador que se encontrava a bordo da nave de Rhodan
era o único exemplar. Muito tempo se passaria até que a
Terra pudesse iniciar a fabricação em série.
Num tempo zero, que só podia ser compreendido em
termos matemáticos, a Titan saiu do hiperespaço e passou a
flutuar no silêncio demoníaco e no negrume do Universo.
Estava a 8 mil anos-luz do Império de Árcon, longe de
qualquer grupo estelar, num ponto em que a desolação
infinita oferecia proteção contra a descoberta por qualquer
nave dos saltadores.
O cadete Mengs avisara que a frota de Talamon se
encontrava em posição de mergulho. Num ligeiro impulso
concentrado, o patriarca Talamon avisara a execução dessa
parte do plano. Sua frota de mais de duzentas naves jazia a
mais de oito mil metros de profundidade, no fundo do
oceano de amoníaco. Acima dele, borbulhava a atmosfera
venenosa do gigantesco planeta que tinha oito vezes o
diâmetro de Júpiter e no Império de Árcon era considerado
um dos mundos que devia ser evitado: era a peste espacial.
As naves de Talamon mantiveram-se durante 36 horas
em posição de mergulho. Era o que havia sido combinado
com Rhodan. Com isso, se retiraria a menor justificativa de
qualquer suspeita de que Perry Rhodan ainda se encontrasse
no interior do grupo estelar M-13, ou de que o superpesado
Talamon cooperasse com ele. As instalações de rádio da
Titan haviam captado as mensagens de Topthor, e também
os chamados ininterruptos expedidos pelo quartel-general
dos superpesados, que procuravam localizar Talamon. A
mensagem de Talamon passou despercebida, no momento
em que estava sendo anunciados tempo e lugar da
assembléia dos patriarcas.
Uma explicação plausível foi preparada para justificar a
conduta de Talamon, que se mantivera em posição de
mergulho. Na mesma mensagem se anunciaria que, dentro
em breve, o patriarca poderia oferecer à venda quantidades
enormes de aço Árcon-T.
Dali a algumas horas, quando Perry Rhodan, numa
ronda pelos postos de sua nave passou pela sala de rádio, o
cadete Mengs entregou-lhe uma pilha de mensagens
interceptadas e decifradas. Rhodan passou os olhos por elas
sem maior interesse. Subitamente estacou. Bell estava em
sua companhia.
— Leia isto, gorducho!
Bell recebeu quatro mensagens para ler. Quando estava
na segunda, falou entre os dentes:
— Será que estes fabricantes de venenos já estão
fazendo das suas de novo? — quando tinha tomado
conhecimento da quarta mensagem, seus olhos começaram
a chamejar. — Se eu puser as mãos nesse ara, o Gegul...!
— disse em tom ameaçador. — Os aras são uma raça pior
que o demônio. Nada é sagrado para estes médicos... Que
médicos, que nada! São assassinos. Fazem de conta que
curam e aliviam o sofrimento para realizar seus negócios
16
imundos. Perry, você sabe onde fica o planeta Exsar?
O catalogo estelar dos arcônidas forneceu a informação
desejada. O cérebro positrônico de bordo calculou a
distância do salto. 4.375 anos-luz não representavam nada
para a Titan. Perry Rhodan e Reginald Bell sabiam que esse
salto representava um grande risco para eles. Porém
precisavam certificar-se de que a terrível notícia que
haviam recebido era verdadeira.
Há dezoito horas-luz da órbita de Exsar, o sexto planeta
da série de nove que gravita um torno do pequeno sol
geminado, a Titan emergiu do hiperespaço sem ser notada.
O tenente Tifflor recebeu ordem para apresentar-se ao
chefe.
Perry Rhodan explicou a finalidade da missão.
— ...Não queremos aumentar o risco que corremos,
tenente Tifflor. Por isso levaremos o senhor numa Gazela
até dez minutos-luz de Exsar. Usaremos o transmissor
fictício. O senhor chegara ao planeta pela face oposta ao
sol. E um dos poucos mundos dos saltadores. Tem que
encontrar um meio de pousar sem ser notado. Só o senhor
sairá da nave num traje espacial. No momento, uma doença
está surgindo em Exsar, matando diariamente duzentas mil
pessoas: mercadores galácticos com suas mulheres e filhos.
Esse planeta foi o único que se recusou a mandar um
patriarca para participar da assembleia dos saltadores que
será realizada em breve. Face a isso, os aras desferiram o
golpe. Recorreram a sua arte diabólica para contaminar um
planeta inteiro. Quero saber se este relato inconcebível
corresponde à realidade. Tifflor, quero que o senhor me
traga uma informação segura sobre se estas mensagens de
rádio não são exteriorizações de um doente mental.
Bateu com a palma da mão contra as quatro folhas
dobradas que segurava entre os dedos.
— O cérebro positrônico lhe fornecerá os dados de que
precisa. Não se esqueça de que a Titan está protegida contra
a observação. Tudo entendido, tenente Tifflor?
— Tudo entendido.
O tenente Tifflor, o oficial mais jovem e mais bem
sucedido da Terceira Potência de Perry Rhodan, fez
continência. Era um rapaz que à primeira vista não revelava
nem a audácia nem a impetuosidade. Mas, esta sua maneira
tinha muita semelhança com a do chefe, Perry Rhodan.
* * *
Logo após o pouso em Aralon, o inspetor-chefe Gegul
dirigiu-se apressadamente ao local em que funcionava o
Conselho de Médicos. Já anunciara sua chegada. Quando
entrou na ante-sala, decorada com o símbolo médico dos
aras, bastante original e um tanto brilhante, sua secretária
Arga Tasla já o esperava.
Gegul cumprimentou-a com um ligeiro gesto da cabeça.
Seus movimentos exprimiam a pressa e também certo
triunfo. Estava retornando de uma missão pessoal, e queria
regalar-se com seu triunfo diante do Conselho de Médicos.
Por isso, não parou quando Arga Tasla se aproximou dele.
Quase chegava a encarar a presença dela como um
incômodo.
— O que houve? — perguntou laconicamente.
— Recebemos notícias vindas do planeta Exsar, e...
— Por favor — interrompeu Gegul em tom áspero. De
modo antipático, repeliu-a com um gesto da mão. — Ao
menos agora, poderia deixar-me em paz com essas
ninharias. Venho de Exsar; sei o que está acontecendo lá.
Daqui a oito dias, o planeta Exsar será apenas um mundo
empesteado...
— Ora, inspetor-chefe! — interveio Arga Tasla em tom
quase suplicante. — Todo mundo sabe disso. Mas duvido
que o senhor saiba que sua ação foi observada. Há algumas
horas as mensagens de hipercomunicação são expedidas
para todos os quadrantes da Galáxia, e todas essas
mensagens citam o nome do senhor, dizendo que a peste de
Exsar é obra dos aras de Aralon.
O rosto de Gegul, que ainda há pouco era todo triunfo,
ficou estarrecido. Os olhos arregalados fitaram a secretária.
— O Conselho de Médicos já tomou conhecimento
dessas mensagens de hipercomunicação? — gaguejou.
Antes que Arga Tasla pudesse responder, o ruído
trovejante de uma nave espacial que decolava encheu a
antessala. Gegul encolheu-se sob o ribombar, virou-se
apressadamente para a janela e viu bem ao longe uma nave
que disparava para o céu. Trazia o sinal de Aralon e estava
assinalada como nave-médica.
Num vago pressentimento, perguntou a Tasla:
— Aonde vai?
— Para Exsar, inspetor-chefe. Leva uma carga de
oitenta e quatro mil toneladas de soro g/Z 45. Isso
representa todo o estoque de que dispomos. Três mil e
seiscentos médicos estão a bordo. Há dez minutos todas as
emissoras de Aralon transmitem nosso desmentido; as
mensagens afirmam que não temos nada a ver com a
epidemia surgida em Exsar. Como prova de boa vontade
usaremos todo nosso estoque de g/Z 45 em Exsar sem
cobrar nada. Há meia hora surgiu uma pergunta do cérebro
robotizado de Árcon.
Gegul sabia perfeitamente quanto custava um quilo de
soro g/Z 45. Era um dos medicamentos mais caros
produzidos por Aralon. A epidemia do ritmo de três horas,
que ele mesmo levara para Exsar, possuía o grau mais
elevado de contágio.
Três mil e seiscentos médicos foram enviados a Exsar
pelo Conselho de Médicos de Aralon.
Eram três mil e seiscentos candidatos à morte. Nem um
por cento deles voltariam a ver Aralon. Depois do pouso no
planeta contaminado, a nave ficaria sujeita a uma
quarentena de cinquenta anos.
* * *
Tifflor ouvia no seu receptor a mesma notícia, que era
transmitida ininterruptamente pelo pequeno emissor de
hipercomunicação. Sempre voltavam a ser citadas as
palavras Gegul, Aralon, aras e uma expressão da qual não
sabia o significado: epidemia do ritmo das três horas.
Ninguém tomara conhecimento da Gazela. Quem vê a
morte diante dos olhos não está interessado nas visitas que
possa receber.
Planando menos de quinhentos metros acima da
superfície de Exsar, o tenente Tifflor disparava a cem
quilômetros por hora no seu traje espacial, orientando as
antenas direcionais ininterruptamente na direção do
pequeno hiperemissor, cujas transmissões se tornavam cada
vez mais fortes.
Tiff não precisava preocupar-se de ser descoberto. O
pequenino campo de deflexão que cercava seu traje
tornava-o invisível.
17
O campo antigravitacional levantou-o. Que nem uma
folha tangida por uma correnteza de ar, descreveu uma
curva ampla por cima das elevações que se estendiam a
seus pés e descobriu o pequeno povoado que ficava atrás
das mesmas. Era ali que funcionava ininterruptamente um
pequeno transmissor, alarmando o Império de Árcon.
Quando penetrou no edifício baixo com a antena típica
de hipercomunicação sobre o telhado, ninguém o deteve.
Tiff manteve ativado o campo de deflexão. O saltador
que trabalhava no emissor não poderia ver o estranho, pois
do contrário a presença de Perry Rhodan no grupo estelar
M-13 deixaria de ser um segredo.
A porta estava aberta. Tiff sentiu-se curioso quando
penetrou na casa. Era a primeira vez que via como
moravam os mercadores galácticos que não viviam em
naves espaciais.
Aquela residência estranha surpreendeu-o. Aquela casa,
situada numa aldeia, irradiava conforto e bem-estar. Pela
primeira vez, Tifflor sentiu certa simpatia por um saltador.
Quando a porta que dava para a sala em que ficava o
hipertransmissor foi aberta, o mercador virou-se
rapidamente. Por uma questão de precaução, Tiff apontou o
projetor mental sobre ele, desprendeu-se do chão por meio
do campo antigravitacional e planou em direção ao emissor.
Desligou o microfone. Não havia necessidade de que a
conversa entre eles fosse irradiada por toda a Galáxia.
Depois se identificou como arcônida. Quando o
mercador, um homem baixo de cerca de quarenta anos,
lançou-lhe um olhar perplexo, repetiu a mesma coisa em
intercosmo.
— Um arcônida? — perguntou o homem, e baixou
lentamente a mão direita.
Tiff assentiu.
— Por que você se esconde atrás do campo de
deflexão? — perguntou o saltador em tom desconfiado.
Tiff foi diretamente ao assunto. Só permitiu que seu
interlocutor tomasse a palavra quando havia dito tudo.
— Com essa sua desconfiança você quer que a epidemia
mate até o último saltador de Exsar? Será que os mortos
espalhados pelas ruas ainda não bastam? Conte o que viu e
farei o que estiver ao meu alcance para que ao menos
alguns milhões sobrevivam à doença. Depende de você,
meu caro.
Dali a duas horas, Tiff encontrava-se na capital do
continente.
A vida praticamente se extinguira na cidade. Um hálito
pestilento pairava sobre a metrópole. Tiff viu quadros
horripilantes, enquanto planava por cima das casas.
Seu objetivo era a grande estação de hipercomunicação.
Ainda funcionava, mas no gigantesco edifício só havia
mortos e moribundos. Não havia ninguém que pudesse
ajudar Julian Tifflor.
Dentro de uma hora, conseguiu ligar o toca-fitas, cujo
feitio lhe era estranho, ao transmissor. Uma fita sem fim
começou a correr.
O hipertransmissor repetia ininterruptamente sua
transmissão acusadora.
Era uma acusação contra Aralon e os aras.
Era uma acusação pessoal contra o inspetor-chefe,
Gegul de Aralon.
Julian Tifflor partira do pressuposto de que o cérebro
gigante de Árcon teria de ouvir a mensagem transmitida
ininterruptamente pelo hipercomunicador. Sendo um dos
elementos de Perry Rhodan, tivera muitas oportunidades de
testemunhar o funcionamento lógico e preciso do cérebro
positrônico robotizado. Em Aralon, receberiam um pedido
de informações expedido em Árcon. Quando isso
acontecesse os aras não teriam outra alternativa senão fazer
o que estivesse ao seu alcance para deter o avanço mortal
da epidemia.
* * *
Perry Rhodan recebeu um chamado da sala de rádio.
— Permite que lhe transmita uma emissão do arcônida
Dugbox, que está sendo transmitida pelo hipertransmissor
de Exsar?
— Pode mandar — ordenou Perry Rhodan.
Um sorriso aflorou-lhe aos lábios quando logo de inicio
reconheceu a voz de Julian Tifflor. Mas o rosto logo
assumiu uma expressão petrificada. Bell, que estava deitado
confortavelmente no sofá fitando o teto, saltou e disse entre
os dentes:
— Se eu conseguir pôr as mãos no tal do Gegul, esse
cara vai ver uma coisa. Dizem que são médicos, mas não
passam de monstros Perry, por que não transformou esse
mundo infernal de Aralon num sol?
— Porque não sou vingador nem juiz, Bell. Não lemos
o direito de julgar, e sinto-me muito feliz por não carregar
esta responsabilidade comigo.
4
Mal a Gazela voltou a abrigar-se no hangar da Titan, a
imensa nave esférica, recorrendo ao compensador
estrutural, afastou-se do sistema solar a que pertencia o
planeta Exsar sem que ninguém a visse. Ainda sem ser
notada, emergiu do hiperespaço nas proximidades do
planeta de Honur, no interior do grupo estelar M 13.
No catálogo estelar dos arcônidas Honur figurava como
um mundo proibido Não havia nenhuma outra indicação
relativa à proibição. Isso não impediu Perry Rhodan de, há
algum tempo, pousar em Honur. Tivera que pagar o
desrespeito à proibição com uma doença contraída por
todos os tripulantes de sua nave. O fato de que certos
ursinhos engraçados, com menos de trinta centímetros de
comprimento, soltavam através do pelo uma toxina que
envenenava os nervos de quem os tocasse desavisadamente
poderia, quando muito, representar uma catástrofe. Porém
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esses animaizinhos inocentes que segregavam o veneno
eram um produto criado pelos aras. Assim sendo, era um
crime.
Os aras de Aralon não pagaram pelo crime da forma que
a gravidade de seu ato exigia. Embora o tivessem cometido,
eram os médicos mais geniais da Galáxia, e o Império de
Árcon ainda não estava em condições de dispensar sua
colaboração.
Num pouso vertical, a Titan aproximou-se do cemitério
de naves espaciais de Honur. Era um marco terrível deixado
pelas naves que não tinham respeitado a proibição, e cujas
tripulações acabaram sucumbindo num alegre tumulto.
Para Rhodan e seus subordinados, Honur não era um
planeta proibido. Já possuía o antídoto da doença. Os aras
de Aralon tiveram de entregá-lo. Até a extinção de sua raça
não se esqueceriam do primeiro encontro com o ser vindo
do planeta Terra.
Perry Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo.
— Bell, você sabe que para muitas inteligências da Via
Láctea meu nome assume um significado idêntico ao que
na Terra se atribui à palavra diabo?
Bell olhou-o espantado.
— E daí? — perguntou em tom indiferente, mas logo
assumiu um ar sério. — Paciência. É o reverso da medalha.
Você nunca poderá evitar isso. Terá de conformar-se.
Procure não pensar neste fato e o pior já terá passado.
Perry Rhodan também era apenas um homem. Nesse
momento de descanso, sentiu a responsabilidade como uma
carga quase insuportável que lhe comprimia os ombros.
Saíra a fim de conquistar o Universo para a Terra. Já dera o
primeiro passo além do Sistema Solar. Agora temia o
segundo, porque sentia que seu poder repousava em bases
pouco seguras.
A Terra estava sendo ameaçada pelos mercadores
galácticos. Os aras, que eram descendentes dos saltadores,
obrigavam-nos, graças ao monopólio de medicamentos que
detinham, a atacar a Terra.
O ataque seria desencadeado. Perry Rhodan tinha
certeza absoluta. Por isso mandara que o coronel Freyt
regressasse à Terra com a Ganymed, a fim de tomar todos
os preparativos para uma defesa global. E, além da Titan, a
Ganymed era a única nave equipada com um transmissor
fictício.
Havia apenas as duas naves, e não era possível construir
outras do mesmo tipo.
O que significariam dois transmissores fictícios diante
do ataque de duas ou três mil naves de guerra dos
saltadores?
Perry Rhodan reconheceu com uma clareza solar os
limites do poder que detinha. Sabia que a Terra estaria
perdida, se não encontrasse um meio de frustrar o ataque
que estava sendo planejado.
No momento, não via como evitar a desgraça.
Bell sentou a seu lado.
— Tomara que não estejamos esperando demais do
auxílio de Talamon. Há dias não consigo livrar-me de um
terrível pressentimento. Tenho a impressão de que estamos
correndo de olhos abertos para um fato que subitamente nos
atropelará — disse Perry Rhodan, como se estivesse
falando consigo mesmo.
Foi nesse momento que a sala de rádio da Titan
transmitiu a mensagem para o camarote de Rhodan:
— O patriarca Talamon decolou com todas as unidades
de sua frota em direção ao sistema de Gonom. Em Laros,
que é a décima oitava lua do antigo planeta Gom, será
realizada daqui a três dias de Árcon a assembleia dos
saltadores e dos superpesados. Fim da mensagem
hipercondensada... Os dados astronômicos relativos ao
sistema de Gonom são os seguintes...
Rhodan desligou. Levantou-se com um movimento ágil.
O amigo, mais pesado, levantou-se com um movimento
lento.
Com a assembleia que se realizaria dentro de três dias
de Árcon na lua Laros, situada no sistema de Gonom, o
perigo que ameaçava a Terra entraria num estágio muito
mais ameaçador.
Perry Rhodan não estava disposto a permitir que a
reunião decorresse tranquilamente.
* * *
Santek, que estava presidindo o Conselho de Médicos
de Aralon, transmitiu a informação de que a sentença de
morte proferida contra o inspetor-chefe Gegul fora
executada e logo passou à ordem do dia.
Não perdeu uma única palavra com a epidemia do ritmo
de três horas surgida em Exsar. Ele e os outros membros do
Conselho não tinham o menor interesse pelo destino de
milhões de mercadores galácticos.
— Não enviaremos observadores à assembleia. Este
ponto já foi posto em votação ontem. Todos conhecem o
resultado.
“Numa exposição lúcida o biólogo-chefe Keklos
convenceu-nos de que, a partir dos seus laboratórios,
poderá realizar um serviço mais discreto que o mais
disfarçado dos observadores não descobrirá. Em três naves
dos saltadores, surgirão três doenças diferentes nos
sintomas, que provocarão o desassossego de que
precisamos para atingir nossos objetivos”.
“Keklos providenciará imediatamente uma
demonstração de nossa capacidade médica, que eliminará
toda e qualquer suspeita de que estamos empenhados num
proveito material. Convencerá também os saltadores e os
superpesados de que a existência de todos nós só estará
garantida no momento em que Perry Rhodan e a Terra
tiverem deixado de existir”.
“Posso comunicar ao Conselho de Médicos que a
posição do planeta Terra já não é nenhum segredo para nós.
Pelo contrário, está armazenada na memória do cérebro
positrônico instalado a bordo da nave capitania de
Topthor.”
A notícia de Santek produziu o efeito de uma bomba.
Todos reconheceram o enorme valor que possuía. Mas a
desconfiança logo se manifestou. Nakket indagou por que o
superpesado Topthor guardara este conhecimento só para
ele por um tempo tão longo.
19
Mal a indagação atingira o ouvido de Santek, o projetor
se iluminou. Numa imagem que correspondia ao quíntuplo
do tamanho natural surgiu o rosto quadrado e esverdeado
de Topthor.
Santek deixou que falasse. Esperava muita coisa da fala
desajeitada do velho.
A voz do superpesado começou a trovejar quando
relatou sua luta mais recente com Perry Rhodan. Falava em
tom realista, sem exageros e numa crítica sadia. Entre
outras coisas, disse o seguinte:
— Minha frota devia ser considerada mais forte que a
de Rhodan. Em minha imaginação já o via destruído. Mas,
de repente, agradeci aos deuses por terem permitido que
escapasse. As outras naves de guerra de minha frota foram
destruídas, e isso de maneira misteriosa. De uma hora para
outra desapareceram por completo. Rhodan pode ter dez
vezes mais inteligência que eu, mas o desaparecimento das
minhas naves nada tem a ver com a inteligência. Rhodan
possui armas que não têm igual no Universo. Sua força
representa uma ameaça para nós. Sua destruição e a de seu
mundo, a Terra, garantirá nossa segurança e a do Império
de Árcon.
A fala de Topthor ainda ressoava na sala quando a
projeção se apagou. Os rostos frios e cínicos dos aras
sorriam uns para os outros. O velho era seu porta-voz; era o
representante dos seus interesses.
Santek prosseguiu tranquilamente:
— Faremos um contrato com os mercadores galácticos
e com os superpesados. Nós, os aras, nos obrigaremos a
prestar ajuda assim que surja qualquer doença perigosa, e a
fornecer-lhes todos os medicamentos constantes de uma
lista nominal com um desconto de cinquenta por cento.
— Também os medicamentos da série 08-KL-56? —
perguntou Mulxc em tom sagaz.
Santek exibiu um sorriso cínico.
— Poderemos ser culpados se, depois da destruição de
Rhodan e da Terra, em todos os pontos surgirem novas
epidemias e pestes, e se nós conseguirmos produzir
rapidamente, mas não rapidamente demais, os respectivos
antídotos? Oficialmente os preparados da série 08-KL-56
só serão fabricados em nossos laboratórios a partir do fim
do ano. Até lá não se falará mais em Perry Rhodan e em sua
ridícula Terra. Os saltadores e os superpesados só terão
uma preocupação: não desejarão contrair qualquer das
doenças.
Fez uma pausa e depois concluiu:
— Afinal, devemos recuperar pela forma mais rápida e
discreta o prejuízo causado por Gegul.
A Titan não provocou o menor ruído ao sair do
hiperespaço. Todos superaram rapidamente o choque da
transição, que se manifestava através da dor na nuca e do
estado de semiconsciência. Na grande tela de visão global,
surgiu o sistema solar de Gonom, iluminando a sala de
comando.
Os últimos controles do salto foram fornecidos pelos
mais diversos setores da nave esférica de 1.500 metros de
diâmetro. O último controle, destinado a verificar se o
compensador estrutural ocultara a imersão e a saída da
Titan no hiperespaço, resultou num “tudo OK” transmitido
à sala de comando.
Há vinte horas-luz do pequeno sol vermelho de Gonom,
a Titan voltara a materializar-se no interior do grupo estelar
M-13.
Gonom ficava a 68 anos-luz de Árcon. O sol-anão,
vermelho e muito feio, possuía um único planeta anotado
no catálogo estelar dos arcônidas com o nome Gom.
O rosto contrariado de Bell revelava o que pensava de
tudo aquilo.
E Bell tinha motivo para não ficar satisfeito com Gom.
O planeta Gom, que era pouco menor que Saturno e
possuía um diâmetro de 68.200 quilômetros, apresentava
uma gravitação de 1.9 g. O fato de que em sua superfície
um objeto que na Terra pesaria cinqüenta quilos quase
chegaria a cem quilos não era tão grave. Mas acontecia que
seu tempo de rotação era idêntico ao tempo de translação
em torno do sol Gonom. E, segundo o catálogo estelar de
Árcon, esse tempo de translação era de 2,4 anos terranos.
Isso significava que, no grande planeta Gom, o dia durava
1,2 anos terranos e a noite durava outro tanto.
— Pois então, boa noite — disse Bell quando Crest, o
arcônida, voltou a lembrar esse fato.
— Ainda há mais, Bell — disse Crest com um sorriso
suspeito, que fez com que Reginald Bell o fitasse
atentamente. — Em Gom prevalecem temperaturas
extremas, furacões terríveis de mais de mil quilômetros por
hora correm furiosamente da face superaquecida voltada
para o sol em direção à face em que reina a noite. Além
disso, Gom ocupa um lugar especial entre os planetas
porque, segundo uma lenda que corre há milênios, nele se
abriga uma forma de vida terrível.
Até Perry Rhodan aguçou o ouvido. Desde que quase
naufragara em Honur, considerava qualquer boato negativo
sobre um planeta desconhecido como informação
extremamente importante.
Reginald Bell não se sentia muito bem.
20
— Já sei o bastante desse planeta — disse. — O simples
fato de se ter abastecido com dezoito luas o transforma aos
meus olhos numa criatura voraz.
Na tela de visão global, brilhava o sol-anão vermelho de
Gonom, produzindo uma débil cintilância no planeta do
tamanho de Saturno com suas numerosas luas.
Os rastreadores estruturais da Titan registravam
constantemente as naves dos saltadores e dos superpesados
vindas do hiperespaço. Todas elas se dirigiam à décima
oitava lua, denominada Laros.
Laros encontrava-se em oposição ao sol. Rhodan
aguardava uma mensagem codificada de Talamon.
* * *
O biólogo-chefe Keklos chamava a atenção não apenas
pelo seu tamanho reduzido ou pelo reluzente jaleco branco
de plástico com o distintivo que emitia uma pálida
luminosidade, mas principalmente pela maneira de
cumprimentar ou despedir-se de qualquer interlocutor.
Não conseguia aproximar-se a menos de três metros das
pessoas. Se alguém o fizesse por ignorância ou
esquecimento, não deveria admirar-se, pois no mesmo
instante a palestra, por mais interessante que fosse, chegaria
ao fim. Keklos dava bruscamente as costas e se afastava,
calando-se.
Mas esse Keklos, ele mesmo um doente, era o mais
genial dos biólogos e o mais desconhecido de todos. Pouco
mais de três dezenas de médicos dos aras, com exceção
daqueles que trabalhavam na lua de Laros, sabiam quem era
Keklos, o que fazia e o que sabia.
Keklos não se preocupava com isso. Não se preocupava
com coisa alguma, nem mesmo com as leis divinas.
Muitas vezes suas duras experiências representavam a
morte de muitos seres inteligentes. Não se detinha diante
dos arcônidas, nem mesmo diante dos aras, dos saltadores
ou dos superpesados. Se as experiências por ele realizadas
traziam o extermínio de seres inteligentes, isso não o
interessava. Só estava interessado em alcançar seu objetivo.
E até hoje sempre o conseguira.
Muito satisfeito, contemplava os três bios que se
encontravam diante dele, separados por uma parede
invisível de radiações. Representavam os produtos mais
recentes e sofisticados das retortas. Eram figuras de três
metros de altura, de estatura semelhante à dos homens, mas
providos de quatro braços. No lugar da cabeça alongada,
traziam um objeto de formato redondo.
O biólogo continuava a examiná-los com muito
interesse. Não conhecia a menor emoção. Num movimento
lento, pegou a arma de nêutrons, enquanto com a outra mão
movia a chave que desligava a parede das radiações, que
formava uma barreira invisível entre ele e os bios.
Apontou a arma para o bio que se encontrava no centro.
Este sabia o que o aguardava. Um grito inarticulado saiu da
boca redonda, que se abriu como um diafragma. Mas o raio
já estava saindo da arma portátil, atingindo-o em cheio.
Até então o impacto produzido por esta arma, que
funcionava com base em ondas de frequência
extremamente curta, representaria a destruição de qualquer
forma de vida orgânica.
Mas o bio não morreu; apenas se sacudiu, até que
Keklos suspendeu o terrível bombardeio de radiações.
Num gesto discreto, restabeleceu a barreira de
radiações. Ao mesmo tempo chamou seus colaboradores.
Uma porta abriu-se atrás dele e três aras entraram. Pararam
a três metros de distância e aguardaram as instruções do
chefe.
— Vamos realizar o teste de inteligência, a fim de
verificar o grau de imunidade dos bios face às radiações
hipnóticas e mentais. Não há mais necessidade de verificar
a resistência ao fogo. Os resultados já são conhecidos.
Controlem o poder de expressão verbal, e também a
capacidade de armazenamento de dados. Até amanhã de
noite, deverei ter os dados sobre a resistência à tração da
estrutura de tendões, as manifestações de fadiga e...
As instruções mais pavorosas foram transmitidas no
fim, na presença dos bios.
Um deles começou a balbuciar.
Keklos exaltou-se e ordenou com a voz fria:
— Levem estes caras para fora! Chamem Moders!
Moders chegou assim que os médicos-assistentes
haviam desaparecido com os bios.
O gigantesco Moders que chamava a atenção pelos
traços grosseiros de seu rosto parou a três metros do
biólogo-chefe.
— Moders — principiou o cientista, caminhando de um
lado para outro. — As instruções que ministrei em relação
aos bios estão armazenadas. Daqui em diante, o senhor
cuidará do assunto. Devo dar certa atenção aos saltadores e
superpesados que estão realizando uma assembleia por
aqui. Se os resultados do teste, que será realizado amanhã,
forem favoráveis, use todos os meios disponíveis e force a
produção de bios, que deverá atingir cinco mil unidades por
dia. Continuaremos a seguir a orientação de que os bios não
devem receber estrutura óssea. Isso só nos faria perder
tempo. A estrutura de tendões de Sargon nos deu menos dor
de cabeça.
“Cuide para que os suprimentos de matéria-prima sejam
remetidos regularmente de Gom. Não preciso lembrar a
carreira do inspetor-chefe Gegul, que acabou no
conversor”.
“É só, Moders. Pode retirar-se.”
Keklos, o biólogo chefe, era um monstro biológico, um
ara que se esquecera de que em todos os recantos da Via
Láctea existe uma lei que diz: “Cure os doentes, médico,
mas nunca coloque os pacientes em perigo.”
Keklos esperou até que Moders, que se encolhera com
suas palavras, lhe desse as costas. Depois disso, saiu por
uma porta que só se abria por meio da absorção de seu
modelo de vibrações cerebrais.
Uma fita levou-o rapidamente para baixo. Vez por outra
uma luz saía da rocha natural. Seu alcance era apenas de
alguns metros. Ninguém suspeitaria de que essas fontes de
luz isoladas constituíam um sistema de controle altamente
sofisticado, que trabalhava com base nas vibrações
cerebrais e por isso não poderia ser enganado. Junto a cada
fonte de luz ainda havia um conglomerado de mortíferas
armas de radiações, que destruiriam qualquer pessoa não
credenciada que procurasse usar a fita para transportar-se
aos laboratórios mais secretos dos aras.
Uma enorme porta blindada, que também só se abria
diante do modelo de vibrações cerebrais de Keklos, dava
caminho para os laboratórios III e C1. Com o passo
seguinte dado por Keklos, uma camada de ar tremeluzente
desfez-se diante dele. Um campo de radiações mortíferas
fora automaticamente desativado.
21
Abriu a porta seguinte, passou por uma comporta onde
foi identificado e penetrou na primeira sala do enorme
complexo que formava o laboratório III.
Não deu a menor atenção aos aras que trabalhavam por
ali. Caminhando pelo amplo corredor central, passou pelas
retortas, pelas incubadoras, por todo o conjunto de
complicados aparelhos médicos. Dirigiu-se à sala em cuja
porta se via o sinal inconfundível de entrada proibida.
Keklos teve de parar diante dessa porta. Comprimiu as
palmas das mãos contra a mesma. Subitamente ela deslizou
para dentro da parede. Keklos passou rápido e ficou parado,
até que a porta voltasse a fechar-se.
Viu-se numa sala cujas paredes estavam revestidas de
plástico azul, inundado por uma luz intensa, também azul,
que o obrigou a fechar os olhos durante um instante. Ao
contrário das outras salas do conjunto que formava o
laboratório III, aqui a temperatura era bastante fresca, quase
fria.
O biólogo Keklos estava sozinho.
Nem mesmo Moders, seu colaborador mais chegado,
fazia a menor ideia do segredo que se ocultava aqui.
Neste recinto, o prolongamento da vida orgânica já se
transformara em realidade.
Em passos apressados, quase precipitados, Keklos
dirigiu-se ao lugar em que havia uma cadeira diante de um
aparelho de aparência primitiva.
Quando sentou, cada um dos seus movimentos exprimia
a tensão e a expectativa. Pegou o microscópio On que se
encontrava à sua direita. No momento em que a pequena
esfera metálica negra que se encontrava na extremidade do
microscópio se dirigia sobre a massa gelatinosa, a luz azul
difusa apagou-se e uma escuridão impenetrável passou a
reinar na sala.
Imóvel, Keklos esperava. Uma coisa cinzenta apareceu,
tornou-se mais luminosa, assumiu contornos definidos e
acabou sendo reconhecida como tela de imagem.
Keklos não fez nenhum movimento. O microscópio On
não exigia qualquer tipo de regulagem. Regulava-se por si
mesmo, mediante sua mini positrônica. Em redor de
Keklos, os campos energéticos formados por feixes de raios
zumbiam e crepitavam. Parecia uma tabuada das bruxas,
resultante da combinação da medicina e da tecnologia dos
aras.
O biólogo-chefe Keklos era o homem que sabia fazer a
mistura genial dos dois ingredientes, para atingir seus
objetivos.
Conteve a respiração. Mais uma vez o microscópio On
desvendava o misterioso processo de envelhecimento das
células, mas aqui...
Keklos era um fanático. Esqueceu-se do tempo e da
hora. Seus olhos não se cansavam de contemplar a tela do
microscópio On para enxergar o milagre da juventude das
células que segundo as leis da biologia já deviam ter
entrado na fase da atrofia.
Keklos manteve-se num silêncio total. Não proferiu
uma palavra, não soltou um suspiro que exprimisse seu
triunfo. Diante de seus olhos estava traçado o caminho que
lhe permitiria prometer a todos os aras, já amanhã, um
prolongamento de trinta por cento em suas vidas.
“Daqui a cem anos”, pensou Keklos, “ainda serei o
biólogo-chefe; e daqui a cem anos já terei descoberto o
segredo da vida eterna. É uma pena que não consegui ficar
com Thora para realizar minhas experiências. Estou muito
interessado em sua estrutura celular. Também gostaria de
saber por que essa mulher, ao contrário da maioria dos
arcônidas, ainda possui certo poder de iniciativa. Para
realizar a nossa série de experiências, não poderei
dispensar os indivíduos do segmento superior da sociedade
arcônida. Amanhã requisitarei dez deles por intermédio de
Aralon. Nos hospitais, há material de sobra...”
Recostou-se e passou a mão pelos olhos cansados. A
primeira fase da experiência de cento e setenta e oito anos
havia chegado ao fim.
Em sua imaginação, o biólogo chefe Keklos já via os
aras como sucessores dos arcônidas, dominando o império
do grupo estelar M-13.
Não julgava necessário incluir Perry Rhodan em seus
cálculos.
* * *
O receptor de hipercomunicação da nave capitania de
Topthor emitiu o sinal de chamada. Por coincidência, o
velho superpesado se encontrava na sala de comando.
Virou-se e verificou que a transmissão estava sendo
recebida na frequência de Talamon. Quando o rosto velho e
sorridente de Talamon surgiu na tela, berrou:
— Por todos os deuses da Galáxia, Talamon, onde foi
que você se meteu com suas naves? Metade da Via Láctea
andou à sua procura, inclusive eu. E o quartel-general
também o procurou.
O sorriso no rosto de Talamon continuou, mas assumiu
um ar matreiro.
— Topthor, vou ligar o deformador. A palavra-chave
será obsian.
Topthor logo aguçou o ouvido. Lançou os olhos em
torno.
— Deem o fora — disse aos membros do clã que se
encontravam por ali.
Mal o último deles havia saído da sala de comando do
couraçado, moveu algumas chaves do acessório do
hipercomunicador, baseando-se na palavra-código obsian.
O relatório de Talamon foi recebido em linguagem
clara. Topthor parecia muito interessado naquilo que seu
melhor amigo tinha a informar. Não ficou zangado com o
fato de que, apesar da transmissão deformada, Talamon se
exprimia com muita cautela e muitas vezes se limitava a
insinuações.
— Será que não posso participar do negócio, Talamon?
— disse, sondando a fonte de ouro de que Talamon lhe
falara por meio de circunlóquios.
— Pois é por isso que estou chamando, meu velho —
disse Talamon, e seu rosto sorria para a sala de comando.
— Basta que você disponha de cem milhões em dinheiro
para ganhar cinco vezes essa soma no prazo de um mês.
O velho Topthor não teve mais vontade de rir.
— Cem milhões? Você só pode estar brincando. Onde
vou arranjar uma soma destas?
Todo mundo conhecia o superpesado Topthor como
uma pessoa que podia fazer tudo, menos exagerar seus
recursos. Ele e seu clã pertenciam aos nababos do grupo
estelar M-13. Bastava-lhe abrir o bolso para tirar cem
milhões, mas o velho manhoso gostava de tudo, menos
gastar dinheiro.
Talamon não disse uma única palavra sobre o aço
Árcon-T que se encontrava em Honur. Recorreu à
explicação que inventara:
22
— Topthor, não foi por simples comodidade que deixei
de responder às mensagens. Apesar do deformador, bastaria
que alguém tivesse interceptado nossas mensagens. E se eu
as tivesse respondido, uma única vez que fosse o espia
poderia saber em poucas horas por onde andei com minha
frota. Topthor tenho em mãos o negócio de minha vida.
Reflita, meu velho. Você dispõe de dezoito horas. Fim,
Topthor.
A imagem de Talamon apagou-se na tela. Topthor fitou
a tela com uma expressão pensativa.
Arriscar cem milhões para receber quinhentos, sem
disparar um tiro, sem arriscar uma única nave, deixar de
tirar as castanhas do fogo para os saltadores...
Bastante contrariado, Topthor levantou-se e monologou:
— Por que Talamon não me deu cinco minutos para
pensar? É claro que participarei do negócio. Que droga! Já
não estou gostando nem um pouco desta assembleia.
Ganhar quinhentos milhões num mês sem arriscar a pele!
Meus queridos aras, durante a última visita vocês foram
gentis demais. Terei que decepcioná-los cruelmente. Afinal,
não sou seu leão de chácara. Vocês mesmos terão de ver
como conseguem convencer aquelas cabeças ocas. Eu tenho
coisa mais importante a fazer: ganhar a soma insignificante
de quinhentos milhões. Planetas proibidos e sóis que se
encolhem. Isso até podia fazer com que me esquecesse de
Perry Rhodan. Quem dera que eu soubesse no que consiste
o grande negócio de Talamon.
* * *
Perry Rhodan captou a mensagem de hipercomunicação
expedida por Talamon. A mesma representava o sinal
convencionado de que dentro de uma hora chegaria a
menor das naves de Talamon, para recolher os mutantes
com uma Gazela.
Bell levantou-se do assento do copiloto.
— Vou aprontar-me — disse em tom satisfeito. — Os
mutantes já foram avisados.
Laros, a décima oitava lua do planeta Gom, era um
mundo de oxigênio que, pelo diâmetro e gravitação, se
aproximava das condições reinantes na Terra.
Dois grandes oceanos separavam os continentes baixos.
Em Laros havia apenas oito cidades grandes. Comparados
aos padrões arcônidas, eram cidades sem importância.
Juntamente com seus conjuntos hospitalares apenas serviam
de camuflagem aos centros de pesquisa subterrâneos dos
aras. Numa extensão muito maior que em Aralon, a lua
Laros fora transformada num só conjunto de cavernas. Mais
de três milhões de médicos aras realizavam sob a superfície
aparentemente inofensiva experiências que em hipótese
alguma poderiam chegar ao conhecimento dos habitantes
da Galáxia.
O Conselho Geral, que era a instância suprema da qual
os médicos recebiam ordens, emitira uma diretiva destinada
a proteger Laros e seus laboratórios secretos. Qualquer ara
que pisasse no sistema, ali deveria permanecer até o fim de
seus dias.
Apenas o biólogo chefe Keklos e cinco dos seus
colaboradores mais chegados estavam excluídos dos efeitos
da diretiva.
Os médicos, que trabalhavam nos conjuntos hospitalares
situados na superfície, não tinham a menor ideia de que,
sob seus pés, três milhões de colegas estavam reduzidos à
escravidão perpétua. Os médicos cativos realizavam
experiências cujo objetivo consistia em um dia transformar
o Império de Árcon num mundo pertencente aos aras.
O biólogo chefe Keklos — que oficialmente exercia as
funções de dirigente de todos os estabelecimentos
hospitalares de Laros, nos quais se tratavam com
exclusividade as doenças causadas por perturbações no
metabolismo de minerais — recebeu o bioquímico Tragh,
um homem de rosto desfigurado.
Os olhos de Tragh tremiam. Há trinta dias fora
desterrado para Laros; mal e mal conseguira escapar à pena
de morte. Mas ainda tinha razão para temer a ação da
justiça. Era culpado por mais três crimes, ainda não
esclarecidos. Foi nisso que pensou quando recebeu ordens
para apresentar-se ao biólogo chefe Keklos.
E agora se via diante daquele homem poderoso e
influente, verdadeiro soberano não coroado de Laros.
Keklos não o deixou em dúvida sobre os motivos do
chamado. Lançou-lhe à face os crimes que na opinião do
bioquímico ainda não haviam sido esclarecidos.
— Não fique tremendo, seu desgraçado! — trovejou
Keklos. — Poderia perfeitamente entregá-lo ao conversor,
mas resolvi dar-lhe mais uma chance, Tragh.
“Preste atenção!”
“As naves dos saltadores e dos superpesados chegam
ininterruptamente a Laros. Os tripulantes sabem que com o
pouso estão sujeitos a quarentena. Esta só será suspensa no
momento em que uma junta médica tiver subido a bordo e
constatado que a tripulação está em perfeitas condições de
saúde e que a nave não é portadora de qualquer doença.
Vimo-nos obrigados a adotar este procedimento em virtude
do incidente surgido no planeta Exsar, onde irrompeu a
epidemia do ritmo de três horas, cuja causa foi
inexplicavelmente atribuída aos aras.
“O senhor participará, na qualidade de bioquímico, do
exame das naves que pousarem aqui. Mas sua tarefa
principal não consistirá em ajudar a junta nos seus
trabalhos, e sim em colocar um destes comprimidos nos
aparelhos de ventilação de três naves em cada grupo de
oito.
“Se o senhor se desincumbir dessa tarefa de forma a
deixar-me satisfeito, estarei em condições de entregar-lhe o
23
indulto do Conselho Geral”.
“Assim que eu sair desta sala, o senhor se aproximará
de minha escrivaninha, tirará três comprimidos e gravará na
memória todos os detalhes registrados neste quadro
luminoso.”
Keklos concluiu com uma ameaça desumana.
— Se cometer qualquer erro, por menor que seja, terá
uma aventura: será utilizado nas experiências de alguma
das divisões de estudos de epidemias.
Perplexo, Tragh seguiu o homem temível com os olhos.
Não acreditava em nada do que o chefe acabara de
dizer. Já se considerava um homem destinado à morte. Mas
o desespero lhe impôs aquela esperança desarrazoada que
faz com que o homem que se afoga procure agarrar-se a um
cisco.
Correu para junto da escrivaninha, segurou avidamente
os três comprimidos, colocou-os no bolso sem olhá-los e
passou a estudar as indicações constantes do quadro
luminoso. Só então compreendeu o plano terrível do
biólogo-chefe.
* * *
Bell deu o alarma, embora naquele instante tivesse
passado, juntamente com os mutantes, para a menor das
naves de Talamon, que os levaria a Tal VI.
— O que houve? — perguntou Perry com a voz
tranquila.
— Pouca coisa — principiou Bell. Quando começava
assim, sempre havia alguma coisa grave. — Você sabia que
Laros é uma fortaleza dos fabricantes de venenos, Perry?
Quem manda lá são exclusivamente os aras. Por acaso
estou lendo uma dessas ordens de quarentena...
— Um instante, Bell!
Reginald Bell viu na tela que Perry virava a cabeça.
Ouviu a pergunta:
— Crest, o senhor não sabia disso?
Crest, que era um dos líderes científicos do Império de
Árcon, sacudiu a cabeça:
— Há trezentos anos Laros era apenas uma base pouco
importante de Árcon...
Bell ouviu que o amigo respirava pesadamente.
Perry Rhodan voltou a fitar a tela. Seu rosto exprimia
uma tensão mantida sob controle com uma concentração
extrema. Seu instinto infalível farejou a desgraça.
Bell também a farejou. Havia algo de errado nessa
ordem de quarentena. Bell começou a esbravejar. À medida
que lembrava os acontecimentos do planeta Exsar e lia as
frases hipócritas dos aras, sua voz tornava-se cada vez mais
incisiva.
— Quando foi emitida essa ordem de quarentena, Bell?
Reginald Bell compreendeu a finalidade da pergunta.
Perry Rhodan estava desconfiando de Talamon. Por isso
apressou-se em responder:
— Esta ordem ainda não tem cinco minutos. Acaba de
chegar de Laros por meio do hipercomunicador.
— OK! — Perry acenou com a cabeça. — Você já sabe
como deve agir juntamente com os mutantes depois do
pouso.
— Muito bem — disse o gorducho com um sorriso. —
Não estou preocupado por nossa causa, mas gostaria de
saber o que os membros do clã de Talamon vão dizer à
comissão dos aras quando se encontrar diante de nossa
Gazela.
— Você acha que os aras precisam ver a Gazela, Bell?
— perguntou Perry em tom suave e desligou.
O palavrão proferido por Bell não chegou a ser
recebido.
* * *
Laros possuía um espaçoporto de primeira classe, de
dimensões espantosas. Media mais de cem quilômetros de
lado e oferecia lugar para uma frota de tamanho médio. Sua
pavimentação era tão resistente que mesmo as naves
arcônidas da classe Universo poderiam pousar ali sem
recorrer aos campos antigravitacionais.
Bell encontrava-se ao lado do patriarca Talamon e
fitava espantado o enorme espaçoporto. O confidente de
Rhodan tinha suas ideias a respeito do mesmo, mas
contrariamente ao seu costume não as exprimia.
Quem conhecesse Bell saberia que esse silêncio
representava uma ameaça.
O hipercomunicador soou.
Era um chamado de Laros.
“Há ordens para não pousar. Em Laros existe o perigo
de contaminação.”
— Por que está rindo, Bell? — perguntou Talamon, que
das outras vezes costumara mostrar-se tão desconfiado.
Bell escarneceu:
— Estou rindo desse truque desmoralizado. Não é de
admirar que esses misturadores de venenos não tenham tido
uma ideia melhor. Os aras andam ocupados demais para
espalhar as doenças. Tomara que lá embaixo eu consiga
agarrar o Gegul.
Não conseguia esquecer o crime que Gegul cometera
contra Exsar, um dos planetas dos saltadores. Pedira ao
arquivo da Titan todas as informações relativas à terrível
epidemia do ritmo de três horas.
Reginald Bell era uma criatura bonachona. Qualquer
pessoa que conhecesse seu lado fraco o enrolava, mas
bastava sentir a menor intenção criminosa para que
deixasse de lado as brincadeiras. O procedimento de Gegul
foi um dos crimes mais repugnantes de que já tivera
conhecimento, e o desejo de pôr as mãos no criminoso
correspondia à natureza de Bell.
* * *
Quando os robôs de combate dos aras apareceram
diante das enormes comportas da nave dos saltadores Xul
II, os mercadores galácticos e os superpesados afastaram-se
precipitadamente.
Uma nave do serviço médico dos aras aproximou-se
velozmente, pouco acima das naves cilíndricas dos
saltadores. Ininterruptamente ouvia-se o alarma de
epidemia, um sinal conhecido e temido em todo o grupo
estelar M-13.
O alarma, além de ser transmitido por via acústica e
ótica, o era também por meio de vibrações.
A pequena nave do serviço médico ainda não havia
percorrido metade da extensão do campo espacial quando
apareceram cinco naves de grandes dimensões, pararam
acima da Xul III e erigiram um campo protetor em torno do
corpo cilíndrico dessa nave. Pouco depois, surgiu uma nave
gigante dos aras.
Parou exatamente acima da Xul II. Aos poucos, foi-se
abrindo a junta da quilha da nave, que media quase
trezentos metros de comprimento e mais de sessenta metros
24
de largura. A abertura se parecia com a boca de um monstro
que estivesse pronto para engolir a nave contaminada, a Xul
II.
A nave gigante desceu lentamente na vertical. Quando
se encontrava cinquenta metros acima da Xul II, a nave
cilíndrica desprendeu-se da superfície do campo de pouso,
foi erguida por potentes raios de tração e introduzida na
abertura da nave gigante.
A junta da quilha voltou a fechar-se silenciosamente.
Uma escotilha após a outra foram se fechando. Era um
quadro fantasmagórico. Era centenas de naves espalhadas
pelo gigantesco espaçoporto, a ação de socorro dos aras foi
acompanhada pelas telas de televisão. O comentador evitou
qualquer autoelogio. A imagem foi transferida para um
laboratório.
Instrumentos brilhantes, cuja finalidade nem os
saltadores nem os superpesados conheciam, apareciam nas
telas. O rosto ascético de um ara surgiu no campo de visão.
Seu olhar hipnotizava os espectadores. Falava lentamente,
às vezes com a voz hesitante. Descreveu a doença que
acabara de ser descoberta a bordo da Xul II.
— Já conhecemos essa doença, e dispomos do
preparado que nos permite curá-la.
O tom de sua voz permaneceu inalterado. Suas palavras
pareciam modestas. Causou enorme impressão nas pessoas
que se encontravam diante das telas.
— Infelizmente vejo-me obrigado a informá-los de que
descobrimos hoje na Xul II o terceiro caso, que nos obrigou
a isolar também esta nave. Mas podemos garantir que
restabeleceremos os três patriarcas, que poderão participar
da assembleia. Peço licença para despedir-me e garantir-
lhes uma feliz estada em Laros.
Foi o fim da transmissão.
Para o bioquímico Tragh, essas palavras também
representaram o fim da carreira e da vida. Quando a junta
médica se retirou, também procurou sair da Xul II para
dirigir-se à nave dos aras que levaria o barco aparentemente
contaminado à ilha de isolamento de Merk.
Porém dois aras o impediram de entrar na comporta. No
mesmo instante, farejou o perigo. Lançou os olhos pelo
amplo convés, à procura de socorro. O corredor da Xul II
estava vazio.
Ninguém ouviu o chiado de duas armas de radiações.
Os assassinos guardaram os instrumentos do crime nos
bolsos e saíram da Xul II com os rostos sorridentes.
Não pertenciam à junta médica.
Eram funcionários do Serviço de Segurança.
Quando entraram no escritório da nave, o maior deles,
com um gesto indiferente, entregou a arma.
— Missão cumprida — disse laconicamente.
— Foi o segundo caso deste ano em que um ara vendeu
medicamentos, ainda não liberados, aos arcônidas. E esse
Tragh o fez quatro vezes. Bem, recebeu a paga por isso.
Estas palavras foram proferidas pelo homem que pegou
a folha de plástico.
* * *
Talamon acabara de pousar em Laros com sua nave
capitania Tal VI.
Topthor fizera o necessário para que o amigo pudesse
descer junto à sua nave.
Naquele momento, a junta médica dos aras se retirava.
Bell e seus mutantes saíram do esconderijo com os rostos
sombrios. Passaram menos de meia hora nos mesmos.
Aquilo que antes do pouso em Laros parecia um perigo
enorme acabara revelando-se uma simples bagatela.
— Foi uma tapeação — resmungou Bell para Talamon.
— Os aras não têm o menor interesse na saúde de vocês. Os
misturadores de venenos só querem fazer boa figura, para
que o fracasso em Exsar caia no esquecimento. Então,
todos vocês foram minuciosamente examinados?
Talamon limitou-se a lançar um olhar perplexo para
Bell. O ímpeto com que o ser da misteriosa Terra se
apresentava diante dele era demasiado. Aos poucos,
começou a compreender por que Perry Rhodan conseguira
levar a Titan de Árcon apenas com um punhado de homens.
Mas ainda não sabia o que seus hóspedes pretendiam fazer
em Laros. Nem Perry Rhodan, nem Bell lhe haviam
contado qualquer coisa a este respeito. Os mutantes, que
estavam sentados atrás dele, sem dizer uma palavra, não
reagiam às suas perguntas.
Talamon compreendia ainda menos o que aquela moça
estaria fazendo entre os seres adultos da Terra. Vivia
olhando para Betty Toufry, e quando isso acontecia,
Talamon, que era pai de mais de uma dezena de filhas,
mostrava um brilho de bondade paternal nos olhos.
Já o mutante Ivã Goratchim com suas duas cabeças lhe
inspirava certo receio. O mesmo acontecia com o negro Ras
Tschubai, que o chocava devido à cor da pele.
— A assembleia será realizada depois de amanhã,
Talamon? A que horas? — perguntou Bell, parando por
acaso diante de um aparelho cuja finalidade lhe era
desconhecida. — O que é isso? — perguntou, apontando
para o aparelho.
Talamon moveu sua massa de muitos quilos,
aproximando-se sem desconfiar de nada. O vulto largo de
Bell encobria o aparelho.
— Isso... — Talamon quase perdeu o fôlego. Com um
movimento instantâneo, moveu uma chave. Com um brilho
esverdeado no rosto, gaguejou: — Quem ligou o
hipercomunicador?
Bell sentiu um calafrio.
Fazia uma hora que conversava abertamente com o
patriarca. Mais de uma centena de vezes mencionara o
nome de Perry Rhodan. Dissera quantos estranhos o
superpesado escondera a bordo da Tal VI, quanto tempo a
Gazela levaria para abrigar-se no hangar secreto e qual era
seu raio de ação.
Bell lançou um olhar de desespero para John Marshall.
Este fez um esforço tremendo para acenar com a cabeça.
Tako Kakuta, o teleportador japonês com rosto de
criança, desapareceu sem que ninguém o percebesse.
— Ninguém de nós ligou o hipercomunicador — disse
Kitai Ishibashi. Realizara um controle instantâneo no
cérebro dos colegas e em nenhum deles encontrara o mais
leve resquício de sentimento de culpa.
Com uma rapidez surpreendente, o superpesado
recuperou a capacidade de ação.
Com uma ligeireza de que ninguém o julgaria capaz
saltou para junto do intercomunicador de bordo:
— Fechar todas as comportas! Ninguém poderá sair!
Bell limitou-se a acenar com a cabeça.
O que estava em jogo não era apenas a vida das pessoas
que se encontravam a bordo, mas a de todos os membros do
clã.
25
Mal Talamon desligou o intercomunicador, ouviu-se um
chamado vindo da sala de rádio:
— O patriarca Topthor quer fazer-lhe uma visita.
— Não estou a bordo! — berrou o velho, que não
parava de fungar.
— Senhor, eu disse ao patriarca que Talamon está
presente...
Soltando uma das pragas dos superpesados, Talamon
voltou a desligar para soltar um grito.
O ar começou a tremer diante dele. E em meio ao
tremor, formou-se um ser. Tako Kakuta voltara a
materializar-se diante do superpesado.
Dando todas as mostras de pavor, o velho foi recuando
passo a passo até esbarrar na parede. Fitava aquele homem
pequeno e franzino, que estava apresentando seu relato a
Bell.
―Por onde teria andado ele?‖
―Na central do hipertransmissor da lua Laros?‖
―Quando? Pois há poucos minutos, eu o vi sentado
junto ao negro.‖
— Ó deuses estelares, e o hipercomunicador... — Bell
gritou em meio aos gemidos desesperados de Talamon:
— Desta vez os deuses estelares não meteram os dedos
nisso.
Talamon sempre fora um homem muito cortês. Muitas
vezes não compreendia ou custava a compreender a
linguagem figurada de Bell, cujas metáforas sempre
estavam adaptadas às condições terranas. Nervoso como
estava, também desta vez não compreendeu nada. Talamon,
o ponderado, o inteligente, o honesto, o superpesado que
nunca era abandonado pela presença de espírito. Talamon
explodiu e berrou tão furiosamente para Bell que quase
chegou a derrubá-lo.
Falou nos deuses, dizendo que os mesmos não tinham
dedos, e que não compreendia como alguém podia
blasfemar contra eles numa situação como esta. Talamon
nem se lembrou que não costumava ser muito religioso, e
que muitas vezes a ambição do lucro o fizera esquecer os
deuses.
Naqueles segundos, jurou a plenos pulmões que nunca
mais se desviaria da senda da virtude e da obediência aos
mandamentos dos deuses.
Se não fosse a parede contra a qual se recostava teria
fugido da gargalhada de Bell. Parado diante dele, mal e mal
conseguiu colocar as mãos nos ombros de Talamon e disse:
— Acalme-se, Talamon!
O ser, que para Talamon era um monstrinho amarelo
com olhos de formato estranho, também se encontrava ao
lado de Reginald Bell.
As intenções de Tako Kakuta eram as melhores
possíveis. Apenas queria mostrar-lhe que a arte de
dissolver-se no ar e desaparecer não representava nada de
especial.
Mas Kakuta conseguiu exatamente o contrário. Talamon
procurou segurar-se em Bell. O tremeluzir do ar quase lhe
rouba o juízo.
— Talamon — gritou Bell — a estação de rádio da
Titan deve ter deformado nossa transmissão de
hipercomunicação. Não há outra explicação. Há uma hora
os aras que se encontram na central da grande estação de
hipercomunicação andam que nem uns doidos, porque não
conseguem transmitir nem receber qualquer mensagem
inteligível. Homem será que você ainda anda tapado?
O velho martirizou-se:
— Bell, quem dera que o senhor pudesse falar numa
língua que também eu possa entender. O que significa
andar tapado?
* * *
— Será que esse gorducho enlouqueceu? — berrou
Perry Rhodan e no mesmo instante transformou-se no
“reator instantâneo”.
Agiu. Enquanto as três dezenas de pessoas que se
encontravam a seu lado pareciam ter sofrido um ataque.
O hipercomunicador transmitia a voz de Bell.
E o que não dizia esse sujeito!
Mas não demorou que tudo passasse.
Sem sair do seu assento e sem preocupar-se com a
segurança da Titan, Perry Rhodan fez com que a estação de
hipercomunicação da nave funcionasse como transmissor
de interferência.
De início funcionava apenas na frequência de Talamon,
mas logo os técnicos tiveram de entrar em ação. Rhodan
exigiu que fizessem o impossível. Dali a um minuto,
participou da operação, causando uma admiração irrestrita
no próprio engenheiro-chefe do setor de rádio.
— Nenhuma transmissão de hipercomunicação pode
sair de Laros ou ser recebida lá. Quero que os aras tomem
conhecimento. Bradger, por que não acopla o 16-cento e
quatro ao emissor de frequência circular? Vamos logo!
Deixe o espanto para depois...
A agitação continuou por dez minutos. Rhodan tangia
sua equipe com uma velocidade que fazia com que um após
o outro fossem ficando pelo caminho.
Quando a interferência do emissor da Titan chiava em
todas as frequências, Rhodan enxugou o suor da testa, com
uma calma tremenda acendeu um cigarro e perguntou em
voz baixa:
— Estou curioso para ver por quanto tempo Bell nos
oferecerá este espetáculo.
Sua voz parecia calma como sempre. Seus olhos não
brilhavam, nenhum músculo da face se movia.
Sua calma impôs-se a todos, da mesma maneira que
dera aos técnicos de radio uma demonstração prática de seu
saber.
O chefe voltou para o assento do piloto e acomodou-se.
Na gigantesca sala de comando da Titan, não se ouvia outro
ruído. As outras pessoas, que ali se encontravam,
respiravam silenciosamente e não se atreviam a fazer o
menor movimento.
Gucky, o rato-castor, era o único ser que não conhecia
essa forma de reverência. Teleportou-se para o colo de
Perry, que não parecia muito satisfeito com a visita. Estava
prestes a espantar Gucky com um movimento da mão,
quando este começou a chiar:
— Chefe, você não acha que esses vermes devem estar
roendo o setor de memória do hipercomunicador de Laros e
logo terão passado pelo mesmo?
Era a fala típica de Reginald Bell, e naquele instante
Perry Rhodan também não a entendia. Embora não o
demonstrasse, estava desgastado por dentro. O espetáculo
que Bell lhe oferecera com essa transmissão de
hipercomunicação não tinha igual.
— Gucky, você veio para me chatear?
O rato-castor, que era um excelente telepata, lia a mente
de Perry como num livro aberto. Cochichou baixinho:
26
— Perry, os primeiros dez segundos da transmissão de
Bell estão armazenados nos aparelhos dos aras. Se
arrancarem esse estéreo, nossa ação em Laros entrará pelo
cano.
A observação de Gucky expôs o calcanhar de Aquiles
da situação em que se encontravam.
— Chefe, deixe-me saltar! Mostrarei uma coisa aos
aras! Deixe, sim, Perry?
Esse moleque do Gucky sabia implorar que nem uma
criancinha, mas quem dali concluísse as qualidades do rato-
castor, estaria cometendo um engano vergonhoso.
Esse ser em forma de animal, mas que não era nenhum
animal, era inteligente como um homem e dominava a
teleportação, a telecinese, a arte de ler os pensamentos e
outras faculdades que jaziam em seu espírito. Era frio,
impetuoso, esperto e sabia lidar com qualquer situação.
E encontravam-se diante de uma situação que teria de
ser resolvida por Gucky, se não quisessem deixar cair num
abismo tudo que Perry Rhodan conseguira realizar.
— Volte são e salvo, Gucky — disse Perry, dando
permissão para saltar.
No mesmo instante, o rato-castor desapareceu de seu
colo.
Laros ficava a vinte horas-luz da Titan!
* * *
O biólogo chefe Keklos ficou satisfeito ao ouvir que a
grande nave cargueira, repleta de matérias-primas, decolara
de Gom.
“A carga chegou na hora exata para a assembleia dos
patriarcas dos saltadores”, pensou muito feliz e transmitiu
suas instruções.
* * *
Bell estremeceu. Um peso de cinquenta quilos pousara
em seus ombros. Antes que compreendesse o que era, ouviu
a voz fininha de Gucky:
— Gorducho, você me arranjou um trabalho muito
bonito! Os aras já estavam para se atirar em cima da
memória do hipercomunicador, e por pouco não ouvem sua
voz. Fiz umas brincadeiras com esses fazedores de pílulas.
Quando estavam completamente prostrados, na memória do
hipercomunicador não havia outra coisa senão os lamentos
dos dervixes. O chefe ainda anda preocupado, pois não sabe
quem mais pode ter ouvido sua voz por essas estrelas afora.
Até logo mais — Bell não sentia mais aquele peso no
ombro.
Ninguém riu da brincadeira do rato-castor. Ainda
estavam gelados de susto, e foi esta a impressão que Gucky
levou à Titan.
O rato-castor voltou a materializar-se no colo de Perry
Rhodan.
Perry suspirou aliviado. Gucky fez de conta que não
percebia nada, mas no seu íntimo sentiu-se orgulhoso pela
preocupação que o chefe sentira por ele.
— Chefe — chiou — no momento não podemos contar
com o gordo, nem com os outros. Li os pensamentos de
Marshall. Procura desesperadamente descobrir quem lhes
pregou a peça com o hipercomunicador.
— A coisa está começando bem — limitou-se Rhodan a
responder.
* * *
Topthor estava sentado diante de Talamon. Examinava
atentamente o amigo.
Talamon parecia doente. A maneira de cumprimentar
Topthor fora pouco calorosa. Ele não viera para passar
algumas horas conversando, mas sim para colher mais
algumas informações sobre o grande negócio.
Como bom negociante, procurou antes de mais nada
descongelar Talamon.
— Cekztel também deve chegar hoje, meu caro! —
revelou.
Cekztel era chefe de todos os clãs dos superpesados.
Talamon não pensava em outra coisa senão nas
transmissões de hipercomunicação realizadas a partir de sua
nave.
— Ah, é? — disse por uma questão de cortesia.
Topthor tentou a aproximação de outro lado.
— Desta vez Rhodan e a Terra estão perdidos.
— Você acha? — perguntou Talamon.
Topthor esbravejou:
— Será que você só pensa nesse grande negócio?
— Em quê...?
Topthor nunca fora uma pessoa muito bem-humorada,
mas agora seu senso de humor era praticamente nulo. Bateu
com o punho na mesa.
— Diga logo o que houve com você, meu velho. Nem
pensa no seu grande negócio, pouco lhe importa que
Cekztel venha e o fato de que dentro em breve já não
teremos que temer Rhodan e sua Terra não o interessa nem
um pouco. Talamon será que ainda somos amigos?
— Se não fôssemos, eu lhe teria oferecido participação
no meu negócio? — esquivou-se Talamon.
— Você não está respondendo à minha pergunta —
trovejou a velha raposa. — Você tem problemas? Pois
também tenho. Os aras me dão dor de cabeça.
Finalmente Talamon mostrou-se interessado. Inclinou-
se para frente e, embora estivessem a sós, falou aos
cochichos:
— Topthor, em minha nave há um vil traidor. Um
indivíduo do meu clã quer me vender. Se conseguir, a nave
chamada Tal VI deixará de existir.
— Isso tem algo a ver com seu grande negócio? —
indagou Topthor.
— Em parte, Topthor. Por isso no momento não sei se
será conveniente para você ser meu sócio.
O superpesado riu a plenos pulmões.
— Sirvo muito bem para o negocio, Talamon. Sou o
único superpesado que sabe onde pode ser encontrado o
planeta Terra. É isso mesmo, Talamon. Os dados estão no
meu cérebro positrônico de bordo, muito bem armazenados
e... — sua voz reduziu-se a um cochicho. — Quer saber de
uma coisa? Codifiquei o setor de memória de tal maneira
que jamais um ara conseguirá os dados sem meu
consentimento.
Os olhos de Talamon iluminaram-se. Sabia que Topthor
seria incapaz de enganá-lo.
— Quer dizer que você gosta deles tanto quanto eu,
Topthor. Ainda prefiro o tal do Perry Rhodan...
O outro logo mordeu a isca, com tamanha força que
Talamon teve de esforçar-se ao máximo para não trair sua
alegria. O amigo trovejou:
— Eu também! Quase explodi quando ouvi falar no
crime que praticaram contra o planeta Exsar. E quando me
27
disseram que Aralon estava lançando uma ação de socorro
gratuita, as vendas me caíram dos olhos. Tenho vontade de
mandar a assembleia para os ares.
— Será que não foi você quem colocou a bomba no
planeta de Goszul? — perguntou Talamon em tom
sarcástico e sentiu que sua disposição de espírito
melhorava.
— Tolice! — resmungou Topthor. — Mas de repente a
idéia de lançar um ataque contra Rhodan não me dá mais o
menor prazer. Diga-me uma coisa: você é fá do Rhodan?
Você não fala mal dele, e isso não corresponde ao seu
gênio.
— Topthor, você acha que a gente deve falar mal de um
ser que teve o direito e a possibilidade de nos matar, mas
não usou esse direito e essa possibilidade? É só por isso que
o clã de Talamon ainda existe, Topthor.
Topthor levantou-se abruptamente.
Lançou um olhar prolongado e pensativo para o amigo.
Este sustentou o olhar. Dois seres, cada um com mais de
seiscentos quilos, ambos velhos, inteligentes e espertos,
endurecidos em muitas batalhas espaciais sangrentas,
acenaram com a cabeça.
Topthor disse em tom grave:
— Se não estou enganado, continuo vivo apenas porque
em certa batalha Rhodan achou preferível não me
transformar numa nuvem de gases. Mas não preciso dormir
em cima disso, Talamon. Agora este Rhodan começa a me
causar preocupações por um lado do qual nunca esperava
qualquer problema. Até amanhã, Talamon, até amanhã.
A estranha rigidez desapareceu do rosto de John
Marshall. Com um gesto que espelhava o cansaço, passou a
mão pela testa, passou os dedos pelos cabelos escuros e
esticou o corpo.
Voltara a ser o velho John Marshall, um dos
colaboradores mais antigos de Perry Rhodan e um de seus
melhores telepatas.
Lançou um olhar eloquente para Reginald Bell.
— E daí?
John Marshall continuou sentado; um sorriso débil
esboçou-se em seus lábios.
— Topthor é o único sobrevivente que conhece a
posição de nosso sistema solar e da Terra.
Bell e seu comando de mutantes ainda se encontravam
no camarote particular de Talamon. Sabiam que naquele
momento aquela raposa sagaz, Topthor, fazia uma visita à
nave. Marshall não deixara passar a oportunidade. Graças à
sua capacidade telepática, “lera” a conversa travada entre
Talamon e Topthor, acoplando sua mente aos pensamentos
dos dois interlocutores. Dessa forma, acabara por descobrir
o segredo mais precioso de Topthor.
Bell não tirava os olhos de John Marshall. Os mutantes
fizeram a mesma coisa. Quase chegaram a esquecer o
terrível incidente com o hipercomunicador. Só Marshall
pensou no caso, pois ao acompanhar a conversa dos
superpesados, sentira a preocupação de Talamon e a
indagação de quem poderia ter ligado o aparelho.
Marshall ofereceu outra parte do segredo de Topthor.
— Os dados astronáuticos da Terra estão guardados no
setor de memória de sua calculadora positrônica.
O sorriso gostoso de Bell fez com que John Marshall se
retirasse, depois de acrescentar apressadamente estas
palavras:
— Topthor garantiu-se por todos os lados.
Reginald Bell, que além de Perry Rhodan era o único
homem que havia recebido o grau mais elevado de
ensinamento arcônida através do processo hipnótico, pediu
que John Marshall lhe fornecesse todos os dados.
Escutava com o rosto inexpressivo. Frio, sem deixar
impressionar-se por qualquer tipo de emoção. Lógico até as
últimas consequências refletiu sobre o problema de como
seus mutantes poderiam aproximar-se do cérebro
positrônico de bordo da nave de Topthor, contornar as
barreiras de segurança e atingir a memória do aparelho.
Em tom lacônico e numa formulação objetiva e
inconfundível, dirigiu outras perguntas a John Marshall. O
telepata concentrou-se ao máximo.
Quando Topthor revelou ao amigo o grande segredo, os
dados sobre a posição da Terra pensara muito satisfeito nos
dispositivos de segurança que mandara colocar para
proteger o saber armazenado contra qualquer pessoa que
quisesse apoderar-se dele indevidamente.
— Está faltando uma coisa, Marshall — disse Reginald
Bell ao telepata australiano. — O último dispositivo de
segurança, essa história da ultrabarreira, representa uma
contradição se não houver algum dispositivo adicional que
a cerca com seus pólos. Topthor deve ter pensado nesse
dispositivo adicional. Procure lembrar-se, Marshall.
Bell insistia. Os mutantes agiam como se nem
estivessem presentes. Kitai Ishibashi, um médico e
psicólogo japonês dotado de poder de sugestão
inacreditável, só em parte se encontrava presente. Por meio
de sua capacidade, colocara-se junto a Topthor, que já saíra
da Tal VI e naquele momento caminhava em direção à sua
nave capitania. Pensava em Perry Rhodan.
Subitamente John Marshall estremeceu como se tivesse
levado uma tremenda pancada. A mesma coisa aconteceu
com Kitai Ishibashi.
Bell notou o que estava acontecendo, mas não sentiu
nada. Não se espantou por isso. Afinal, não possuía as
mesmas capacidades dos dois mutantes.
Muito perturbado, John Marshall gemeu:
— Meu Deus, o que foi isso?
Bell poucas vezes o vira assim, e quando isso acontecia
sempre se encontravam diante de um perigo imenso.
O aspecto de Kitai Ishibashi não era melhor que o de
28
John Marshall. O suor porejava na testa do japonês alto e
magro.
— Alguma coisa tentou agarrar-me — disse, explicando
o que acabara de sentir. — Mas quando quis me segurar,
errou o alvo.
Marshall limitou-se a acenar com a cabeça.
— Terá sido sugestão, hipnose, telepatia?
— Não foi nada disso — respondeu Marshall com a voz
pesada. — Foi uma coisa nova, uma coisa que nunca
experimentei. Acredito que seja uma coisa que nos
persegue.
Bell já tomara muitas decisões graves e nunca errara.
Mas o que devia determinar agora, quando ambos os
mutantes não conseguiam caracterizar o perigo que os
ameaçava?
Raciocinou instantaneamente. A conclusão lógica
exprimia-se nesta pergunta:
— Marshall, o senhor já consegue lembrar-se do
dispositivo adicional que Topthor usou para inverter a
polarização da ultrabarreira que protege a memória do
cérebro positrônico?
Esse problema tinha precedência sobre qualquer outro.
A segurança dos homens que se encontravam na nave não
era tão importante. Precisavam aproximar-se do cérebro
positrônico de bordo de Topthor, a fim de remover os dados
astronáuticos.
O sistema de alarma do cérebro de Bell entrou em ação.
Havia um “furo” em seu raciocínio.
A técnica positrônica não permitia que qualquer dado,
uma vez armazenado, fosse removido. Era impossível
apagar qualquer setor da memória do cérebro. Só havia
possibilidade de revisões, mas devia tratar-se realmente de
uma revisão, pois do contrário o cérebro não aceitava os
novos dados, mantendo os que já se encontravam
armazenados.
— Consegui! — exclamou Marshall, arrancando
Reginald Bell de suas reflexões.
— O quê? — perguntou Bell, e essa pergunta o
diferenciava de Perry Rhodan, o reator instantâneo.
— Já sei em que dispositivo adicional da ultrabarreira
andou pensando o velho Topthor...
Por mais que Marshall se esmerasse nas explicações,
Bell não conseguia acompanhá-las. Lançou um olhar para
Wuriu Sengu, o espia. Esse japonês de aspecto
despretensioso, filho de um casal que durante o bombardeio
atômico ao Japão ficara exposto a uma dose quase mortal
de radiações. Agora possuía a capacidade espantosa de, por
meio de um processo de concentração espiritual, aumentar
o poder de visão a tal ponto que podia enxergar através dos
átomos e das moléculas de matéria compacta, reconhecendo
perfeitamente o objetivo visado.
Wuriu Sengu compreendeu o pedido de Reginald Bell.
Concentrou-se e colocou um bloco de papel sobre o
joelho, segurando o lápis na mão. Logo viu o esquema da
parte do cérebro positrônico de Topthor que Bell não
conseguia conceber com a necessária clareza através dos
seus esforços mentais.
O processo demorou menos de dez minutos. Sengu, o
espia, voltou ao normal. Entregou a Bell o esquema de
ligações da ultrabarreira e do dispositivo adicional.
Bell esboçou um sorriso feroz, zombando de sua própria
lerdeza. Um simples olhar para o desenho bastava para que
compreendesse o dispositivo de segurança.
— OK — disse em inglês. — Voltaremos a transferir
nosso quartel-general para a Gazela. Irei depois: ainda
tenho de falar com a Titan. Marshall, o que acha de Beta?
O australiano deu uma risada silenciosa. Lera os
pensamentos de Bell. Sua resposta foi a seguinte:
— Acho que o chefe gostará muito.
* * *
Três patriarcas viram o biólogo chefe Keklos sair da
sala. Depois disso, dois saltadores e um superpesado
trocaram olhares ferozes. Um após o outro sacudiram a
cabeça, em sinal de desaprovação.
Cekztel, chefe de todos os clãs dos superpesados, disse
depois de ter calculado que esse ara com certeza não
conseguiria ouvi-lo mais:
— Se ficar doente um dia, prefiro morrer que ser curado
por este biólogo chefe. Já vi alguns mundos que foram
transformados em sóis sob o efeito das nossas bombas, mas
nunca senti o menor prazer em vê-los destruídos. É bem
verdade que não cheguei a sentir compaixão. Afinal, os
seres que destruímos foram nossos inimigos, mas nunca
maltratei um ser até a morte. Quer apostar que esse Keklos
faz uma coisa dessas?
Siptar, um patriarca muito velho, acenou a cabeça,
muito pensativo. O velho Vontran demonstrou sua
repugnância sem rebuços.
— Amanhã será realizada a conferência... — o velho
Siptar disse mais alguma coisa e lançou um olhar de
expectativa para Cekztel.
O rosto carrancudo e enrugado deste tornou-se ainda
mais furioso. Seu olhar caminhava entre os dois patriarcas
dos saltadores.
— Sem vocês, os mercadores, os superpesados não
atacarão a Terra. Se vocês nos acompanharem com todas as
naves que estiverem bem armadas, nós os
acompanharemos. Do contrário...
Se havia uma voz que pesava, era a de Cekztel. Era o
chefe de todos os patriarcas dos superpesados. Ninguém
sabia quantas naves de guerra comandava. Era provável que
o próprio Cekztel não soubesse. Porém o que se sabia era
que um couraçado espacial dos superpesados equivalia, nos
armamentos, a cinquenta naves bem armadas dos
saltadores.
Siptar, cujos olhos escuros ainda não haviam sido
turvados pela velhice e que era conhecido por sua
inteligência e autodomínio, perguntou tranquilamente:
— Devemos ver nisso uma ameaça, Cekztel?
Cekztel soltou uma estrondosa gargalhada, bateu com o
punho na mesa e gritou:
— Vejam nisso uma chantagem, Siptar. Será que os
saltadores acham que somos idiotas? Um ser como Perry
Rhodan, que consegue roubar o maior couraçado do
Império e apesar disso colabora com o cérebro robotizado
de Árcon, para mim não pode ser considerado um nada. E,
uma vez que ninguém sabe que frota gigantesca Rhodan
possui no setor da Terra, nós, os superpesados, só nos
lançaremos ao ataque se formos acompanhados pelas frotas
dos mercadores galácticos. Então, ainda acham que a
condição imposta por mim representa uma chantagem, ou
já chegaram à conclusão de que apenas é um produto da
lógica aplicada?
— Como você votará amanhã, Cekztel? — perguntou o
29
velho e sagaz Siptar.
Os olhos de Cekztel relampejaram.
— Pouco importa que amanhã eu me manifeste a favor
ou contra o ataque à Terra. Tudo depende do que vocês
decidirem. Se também estiverem dispostos a arriscar
alguma coisa, não terão solicitado nosso auxílio em vão.
Vontran teve a impressão de que estas palavras
exprimiam uma exigência pecuniária dos superpesados.
Procurou amarrar Cekztel por meio de uma pergunta
lacônica.
O superpesado reclinou-se confortavelmente e
perguntou com um sorriso matreiro:
— Será que vocês realmente acreditavam que
partiríamos para o ataque de graça? Será que os mercadores
já venderam alguma coisa sem exigir o respectivo
pagamento? Algum de vocês já foi tratado pelos aras e não
recebeu a respectiva conta? Meus caros, vocês estão
ficando muito engraçados. Nosso auxílio custará algumas
centenas de milhões. E, se me lembro de que Topthor é o
único que conhece a posição da Terra, e que Topthor
também é um superpesado, chego à conclusão de que vocês
deveriam pagar o dobro.
— Cekztel! — chiou Siptar. — Você não pode estar
falando sério.
Siptar respondeu em tom frio:
— Não costumo brincar quando se trata de dinheiro.
Fiquem com o dinheiro. Torçam o pescoço de Perry
Rhodan sem recorrer ao nosso auxílio. Muito bem, pedirei a
Topthor que lhes forneça os dados. Partam para a Terra e
ataquem Rhodan. Desejo-lhes muitas felicidades, suas
almas mesquinhas de mercadores.
* * *
O biólogo chefe Keklos recebeu o relatório de Moders.
Este teve o cuidado de não ultrapassar o limite dos três
metros.
— A bioprodução foi iniciada neste momento. Mandei
aquecer as primeiras retortas-autoclaves. Hoje de noite, por
ocasião da mudança de turno, já poderemos verificar se a
produção em massa está correndo sem falhas. Depois disso
mandarei que todas as retortas-autoclaves...
— Espere até que a assembleia dos saltadores chegue ao
fim, Moders — interveio Keklos em tom áspero e não deu a
menor atenção ao espanto de seu colaborador. — A nave
cargueira vinda de Gom já foi descarregada?
— Não.
— Pois dê ordens imediatas para que o descarregamento
não seja iniciado sem nova ordem. Providencie
imediatamente. Porém, antes disso, traga-me um bio.
Moders estava dispensado. Muito confuso, retirou-se do
gabinete do chefe. Não compreendia as instruções de
Keklos. De repente, a produção em massa dos bios não era
mais urgente. Por que a matéria-prima vinda de Gom devia
permanecer na nave que a trouxera?
A fantasia de Moders não tinha bastante agilidade para
estabelecer uma ligação entre o bio, ao qual deu a ordem de
dirigir-se ao gabinete do biólogo-chefe Keklos, e as
instruções que acabara de ouvir.
No momento em que o vulto cinza-fosco, o produto da
retorta de mais de três metros de altura, entrou no gabinete
do chefe, cruzando um par de braços no peito e outro par
nas costas e mantendo-se em atitude de expectativa, Keklos
acabara de entrar em contato pelo rádio com a nave
cargueira que acabara de trazer a matéria-prima de Gom.
Também no cargueiro suas instruções produziram
espanto e perplexidade. E, quando o bio de Keklos entrou
em cena, os oficiais que se encontravam na sala de
comando do cargueiro desistiram dos esforços de encontrar
a solução do mistério.
Mas Keklos sabia perfeitamente o que queria.
* * *
Quatrocentos mil quilômetros acima de Laros, a grande
frota de Talamon se mantinha em posição de espera. A
menor de suas naves de guerra recebera ordens do patriarca
para descer em Laros, passou pelo controle dos médicos
aras e uma hora depois voltara a decolar.
Talamon ainda se sentia congelado até a medula dos
ossos em virtude do incidente com o hipercomunicador. O
que mais o deprimia era o fato de que tinha de ver em
qualquer dos membros de seu clã um traidor. Naquele
instante encontrava-se a caminho do “quartel-general” de
Bell. O gordo instalara o grupo de mutantes na Gazela
abrigada no hangar secreto da nave, e que se mantinha
preparada para decolar a qualquer momento.
Bell não conseguira acalmá-lo. Talamon não se deixou
demover da ideia de que entre seus parentes mais chegados
havia um traidor. Não admitiu a possibilidade de que um
acaso infeliz tivesse estabelecido à ligação do
hipercomunicador. Bell também não acreditava nisso, mas
John Marshall, o telepata, afirmava que as coisas se haviam
passado sem traições. Tivera o trabalho enorme de
examinar um por um os membros da tripulação. O resultado
foi nulo.
De qualquer maneira, o pouso da menor das naves de
Talamon e seu regresso não haviam sido em vão. Essa ida e
vinda não teve outra finalidade senão justificar o tráfego
intenso de mensagens de rádio expedidas pela Tal VI. Uma
vez que esse tráfego se realizava pela frequência de
Talamon, Perry Rhodan o acompanhava automaticamente e
não poderia deixar de espantar-se com o texto das
mensagens.
O superpesado exibiu um sorriso matreiro quando
entrou na Gazela e entregou a Bell a notícia gravada numa
folha de plástico. Segundo esta, a pequena nave de guerra
atingira a frota que se mantinha em posição de espera acima
de Laros.
Bell não demonstrou o menor interesse pelo texto. Sabia
que era obra de Perry e encerrava uma notícia oculta. O
cérebro positrônico da Gazela começou a trabalhar com o
texto. Bell ligou a chave de decifração; o cérebro
transformou a mensagem corriqueira numa série de dados
astronáuticos. Por estes, a Terra era um planeta do setor
Orion, um dos astros que gravitavam em torno do
gigantesco sol Beta. Era o terceiro planeta desse sol
monstruoso. Com estes dados, sofreu um deslocamento de
272 anos-luz da sua posição verdadeira. Para quem se
encontrasse no grupo estelar M-13, a Terra aproximara-se
272 anos-luz dessa nebulosa.
— Não gostaria de percorrer essa distância a pé —
resmungou Bell com um sorriso, sem notar que Talamon já
o havia deixado.
John Marshall aproximou-se, vindo da parte dos fundos
da pequena sala de comando.
— Talamon não nos avisará de que Topthor conhece a
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posição da Terra, nem nos trairá junto a ele — informou. —
Se continuar fiel à sua opinião, não fará conosco o grande
negócio da sucata que se encontra em Honur. De um lado
sente-se obrigado a Topthor e de outro, a nós. E ainda há a
questão do hipercomunicador.
Bell interrompeu-o com um gesto apressado.
— Deixe-me em paz com isso, Marshall. Insista junto
aos seus colegas para que ninguém formule diante dos
superpesados a mais leve insinuação do que sabemos. O
senhor é capaz de imaginar o que aconteceria se eles
soubessem?
— Sim senhor. Talamon nos procurará para dizer que
avisará Topthor de que estamos de posse do seu segredo e...
— Vamos providenciar para que isso dê um prazer todo
especial a Topthor — interveio Bell com uma risada
contrafeita. — Peça a Tako Kakuta e Ras Tschubai que
venham até aqui. Quero que transformem o segredo de
Topthor numa bolha de sabão.
Keklos não se esqueceu da advertência formulada pelo
inspetor-chefe Gegul, executado no conversor. E agora só
uma noite o separava da assembléia dos patriarcas.
— Biólogo-chefe Keklos — disse Gegul naquela
oportunidade. — O perigo começa com a assembléia. Foi o
que aconteceu no planeta Goszul, e é o que se repetirá em
Laros. Mas saberei impedir a repetição, e aqueles que estão
a soldo de Perry Rhodan cairão nas minhas redes. O senhor
tem alguma idéia do que me servirá de rede, biólogo-chefe?
Keklos já o imaginara quando Gegul formulou a
pergunta e dissera o que estava pensando.
Independentemente de Gegul, prosseguira em suas
experiências na mesma base, e nunca deixava de admirar a
clarividência de Gegul. Aquilo em que este, por intuição e
não em virtude de seu saber, via uma arma, realmente era
uma terrível arma.
Bem, fazia tempo que Gegul não se encontrava entre os
vivos. Esse fato não seria capaz de provocar um simples
sacudir de ombros em Keklos, mas o plano de Gegul
continuava vivo. Transformara-se em realidade.
— Quero que Moders compareça imediatamente —
disse a voz metálica de Keklos no intercomunicador.
Moders não compareceu.
Keklos deu o alarma. Costumava fazê-lo muitas vezes.
E, toda vez que isso acontecia, constatava-se o
desaparecimento de alguém, às vezes de muitos aras.
Ninguém saberia dizer que destino haviam tomado.
Ninguém se atreveria a formular uma indagação oficial.
Moders não compareceu.
O grau mais rigoroso de alarma foi desencadeado no
gigantesco sistema de galerias subterrâneas da lua Laros. O
alarma estendeu-se a toda a lua, em muitos pontos subia à
superfície e propagava-se.
Ninguém conseguia encontrar Moders.
Na cabeça do biólogo chefe Keklos começou a martelar
a advertência profética de Gegul: o perigo começa com a
assembleia.
Naquela noite, morreram muitos doentes, os cirurgiões
largavam seus instrumentos em meio às operações, os
enfermeiros abandonavam suas tarefas, grandes extensões
dos estabelecimentos hospitalares foram paralisadas. Todo
mundo procurava Moders, o colaborador mais chegado do
biólogo chefe Keklos.
Moders não foi encontrado.
* * *
Furioso, Talamon deixou-se cair na poltrona. Ainda
furioso, lançou um olhar para seu amigo Topthor.
— Para que serve essa palhaçada com os robôs de
combate?
Os robôs haviam detido e revistado Talamon diante da
nave de Topthor. Fora detido e revistado antes de entrar na
comporta, e novamente no convés principal, e mais uma
vez diante da escotilha que dava para a sala de comando.
De cada uma dessas vezes, haviam extraído seu modelo de
vibrações cerebrais e irradiaram-no para algum lugar, onde
seria examinado.
Topthor parecia muito bem-humorado.
— Você examinou bem os robôs? — A ênfase foi
colocada na palavra bem.
Talamon começou a imaginar do que se tratava.
— Serão seus?
— São dos aras.
— Como é que você pode concordar com uma coisa
dessas? — gritou Talamon e levantou-se de um salto.
— Sente, meu caro. Os robôs dos aras estão de sentinela
com meu consentimento. Há duas horas, quando estava
escurecendo, foram vistos estranhos no interior da minha
nave. Devem ter sido saltadores.
Topthor viu que o amigo voltou a afundar na enorme
poltrona e ouviu seu gemido:
— Estranhos?
O que Topthor não poderia imaginar eram os
pensamentos que se atropelavam na cabeça de Talamon.
Este acreditava saber quem eram esses estranhos.
— Isso mesmo, Talamon. Estranhos. Estranhos foram
vistos na casa de máquinas da minha nave.
No mesmo instante, Talamon sentiu-se aliviado de um
peso. Supusera que os estranhos tivessem sido vistos na
sala de comando, onde a posição da Terra estava guardada
na memória do cérebro positrônico. Que interesse poderiam
ter pela casa de força? De consciência tranqüila podia
eliminar os homens de Rhodan do grupo dos suspeitos.
Realmente deviam ter sido saltadores.
— O que será que alguém poderia encontrar nas nossas
casas de máquinas? — perguntou com um espanto genuíno.
— Avisei Cekztel, e este transmitiu o aviso ao biólogo
31
chefe Keklos. Dali em diante, tropeçamos com os robôs dos
aras a cada passo que damos, mas com isso sinto-me um
pouco melhor. Apenas, não estou gostando da assembleia
de amanhã. Será que esse negócio renderá mesmo
quinhentos milhões para mim, Talamon?
— Pelo menos — respondeu Talamon em tom grave e
lançou um olhar penetrante para seu interlocutor. —
Aconteça o que acontecer, Topthor, você pode e deve
confiar em mim. Mas fique com a boca calada. Se
acontecer alguma coisa, não me faça perguntas. Não
gostaria de ver-me forçado a contar-lhe uma mentira. Posso
fazer o negócio sem você. Foi por minha livre e espontânea
vontade que lhe cedi uma parte. Quero que, se alguma coisa
não der certo, ao menos haja uma pessoa que continue leal
para comigo.
— Para isso você não precisaria presentear-me com um
lucro de quatrocentos milhões, Talamon. Eu... — teve a
impressão de ouvir um ruído estranho às costas. — O que
foi isso? — perguntou e virou-se apressadamente.
* * *
Naquele mesmo instante, Wuriu Sengu que, de olhos
fechados, estava sentado ao lado de Reginald Bell, disse:
— Topthor deve ter ouvido alguma coisa. Virou-se
abruptamente e está fitando o cérebro positrônico. Agora
está de pé. Não, voltou a sentar. Está desconfiando de
alguma coisa. Talamon está fazendo uma pergunta. Não
responde; em compensação está ligando o
intercomunicador e transmite instruções. No momento, não
vejo o menor sinal de Tako Kakuta.
Reginald Bell levantou a cabeça e lançou um olhar
pensativo para Ras Tschubai. Era o segundo teleportador
que, de acordo com os planos, já devia estar na sala de
comando de Topthor para, juntamente com Tako Kakuta,
introduzir algumas modificações nos dados relativos à
Terra armazenados na memória do cérebro positrônico.
Acontece que Tako Kakuta não conseguira penetrar na
sala de comando sem ser notado. Bell esteve a ponto de
fazer uma pergunta a Sengu, o espia, quando os três —
Tschubai, Sengu e ele mesmo — se assustaram com um
estrondo.
Com o estrondo, o teleportador pequeno e franzino
rematerializou-se. O rosto infantil sob a testa abaulada
exprimia contrariedade.
Tako Kakuta caíra durante a rematerialização.
— Foi isso — disse com a voz martirizada. — Foi
exatamente isso que aconteceu quando cheguei à sala de
comando de Topthor.
Ergueu-se lentamente, sacudindo a cabeça.
Kakuta não soube explicar o que acontecera.
— Ishibashi, o senhor percebeu alguma coisa? —
perguntou Bell, dirigindo-se ao sugestor.
— Sim senhor, mas também não sei explicar do que se
trata. A coisa apenas roçou em mim de leve. Quase chego a
pensar que se tratava de uma coisa enfeixada.
— Wuriu Sengu, o quadro, que o senhor viu,
permaneceu nítido durante todo o tempo? — Reginald Bell
aguardava ansiosamente a resposta do espia.
— Bastante nítido! — respondeu Sengu em tom
decidido.
— Pois nesse caso vou falar com Marshall — decidiu
Bell e levantou-se. — A missão “setor de armazenamento”
sofrerá um ligeiro adiamento.
Retirou-se para procurar John Marshall, que nas
missões dos mutantes costumava dirigir os comandos.
* * *
O intercomunicador do gabinete de Keklos emitiu o
sinal de urgência máxima. O biólogo-chefe levantou os
olhos dos documentos que estava examinando e ouviu uma
voz nervosa anunciar que Moders havia sido encontrado.
— Quero um relato preciso, imediatamente — disse
Keklos, cortando a longa introdução.
Cada vez mais interessado, acompanhava o relato. Viu
na tela o estado em que se encontrava Moders. Não ligou a
transmissão de sua própria imagem. Os médicos, em redor
de Moders, que estava inconsciente, não podiam fazer a
menor ideia da satisfação que se espelhava no rosto de
Keklos.
Este não comentou o relatório que acabara de ser
transmitido.
— Tomem as providências que se fazem necessárias —
disse e desligou.
Pouco depois, chamou o bio que Moders lhe enviara há
algumas horas. Quando o produto da retorta entrou pela
segunda vez naquela noite, estremeceu com a voz enérgica
de Keklos. O bio não sabia do pavor que uma aproximação
a menos de três metros causava no biólogo chefe. Não
entendendo as censuras ásperas do ara, o ser artificial feito
de substância biológica deu dois passos apressados para
frente e colocou-se bem diante de seu criador.
O bio ainda chegou a ouvir o grito de pânico de Keklos.
Também viu a mão do biólogo chefe pegar a arma. Mas
entendeu muito tarde os berros desesperados de Keklos:
— Para trás! Para trás!
Quando a arma de impulsos térmicos, que se encontrava
na mão do ara, expeliu seu raio mortífero, destruiu uma
vida artificial que mal começara a existir.
Com os olhos chamejantes, Keklos fitou os restos
fumegantes deixados pelo raio térmico.
Em tom furioso, chiou:
— Agora tenho que arranjar outro transmissor
intermediário e posso começar tudo de novo. Quando
Moders acordar, não ficará nada satisfeito em saber que
pertence ao material de experiências da divisão de doenças
aromáticas. Pensei que fosse mais inteligente. Até o
momento em que desmaiou, não compreendeu os meus
planos. E as indicações que lhe forneci deveriam ter sido
suficientes para isso.
Keklos não esqueceu o menor detalhe. Antes de chamar
outro bio, avisou o setor experimental de doenças
aromáticas de que podia dispor de Moders como material
de ensaio.
Dali a dez minutos, outro bio se encontrava em seu
gabinete. O biólogo chefe transformou-o em transmissor
intermediário.
Através do bio, entrou em contato com a matéria-prima
que a nave cargueira acabara de trazer de Gom, e que em
virtude das instruções de Keklos ainda não havia sido
descarregada.
Foi diante dessa nave cargueira que encontraram
Moders desmaiado.
Keklos sabia por que Moders desmaiara.
* * *
32
Wuriu Sengu dera o sinal convencionado a Tako Kakuta
e Ras Tschubai. A força de sua mente permitia-lhe enxergar
a sala de comando de Topthor.
Estava vazia.
Atrás de Sengu o ar começou a tremeluzir em dois
pontos diferentes, e nesse tremeluzir desapareceram os dois
teleportadores.
No mesmo instante, Sengu os viu quando se
esconderam na sala de comando do superpesado, atrás da
cúpula maciça do hipercomunicador.
Os dois teleportadores logo conseguiram orientar-se.
Aproveitaram-se do fato de terem estudado a Tal VI de
Talamon, inclusive a sala de comando. Depois que, graças à
capacidade de Marshall, ficaram sabendo do segredo de
Topthor, examinaram o cérebro positrônico com uma
atenção toda especial. O dispositivo positrônico, que
ocupava quase toda a parede oposta ao assento de
pilotagem, era a reprodução fiel do aparelho existente na
nave de Talamon.
Apesar disso, não era nada fácil reprogramar
determinada área do setor de memória. Graças ao processo
hipnótico dos arcônidas, ambos possuíam o saber de um
especialista de Árcon. Mas, para dominar os princípios da
positrônica na teoria e na prática, precisariam do quociente
intelectual de Perry Rhodan ou Reginald Bell.
O gorducho sabia tudo de cor. Seria o homem indicado
para o serviço. Mas Bell não era teleportador, e, sem essa
faculdade formidável, já teria morrido sob o fogo dos robôs
de combate dos aras, que vigiavam a nave de Topthor em
fila quádrupla.
Mas Ras Tschubai e Tako Kakuta não dependiam
exclusivamente de sua própria capacidade.
Bell, que às vezes assumia grandes riscos, desta vez
agira com a cautela de estrategista frio. Não queria deixar o
menor detalhe por conta do acaso.
Wuriu Sengu via o que se passava na sala de comando
de Topthor e constantemente emitia seus comentários
lacônicos.
Diante dele, estavam sentados John Marshall e Kitai
Ishibashi. Marshall era o telepata mais eficiente de Perry
Rhodan, e Ishibashi era um sugestionador que, por várias
vezes, provara que era capaz de impor sua vontade a
centenas de pessoas num espaço de tempo extremamente
curto. E a impunha de forma tão intensa e duradoura que as
pessoas atingidas se convenciam de que agiam por vontade
própria.
Como último recurso, Bell mantinha em reserva o
telecineta Tama Yokida. A distância entre a Gazela e a sala
de comando de Topthor fora medida com toda a precisão.
Yokida tinha um croqui sobre as pernas. Nele se via a
forma pela qual estava dividida a sala de comando, os
aparelhos existentes, e qual era a distância entre as peças
mais importantes.
Tama Yokida interviria se surgissem robôs. Recorreria à
força de sua vontade e lhes dispensaria um tratamento que
os faria voar pelo ar como se fossem balões e, com um
impacto violento, os transformaria em sucata.
Subitamente a voz de Wuriu Sengu parecia um tanto
nervosa.
— A escotilha está sendo aberta. Topthor está entrando
na sala de comando juntamente com dois membros de seu
clã.
Sengu ainda não havia acabado de falar quando
Marshall e Ishibashi entraram em ação.
Bell se mantinha um tanto afastado. Fumava. Seu olhar
era tranqüilo. E não estava excitado por dentro. Examinava
cuidadosamente seus comandados. Os que haviam entrado
em ação trabalhavam com o máximo de segurança e
concentração.
Kitai Ishibashi procurou atingir a vontade de Topthor.
Penetrou instantaneamente em sua mente e logo descobriu
o ponto de apoio a partir do qual seria mais fácil influenciar
o superpesado. Ishibashi batizara o procedimento com o
nome de método das camadas. Não inundava a vontade de
outra pessoa com a força de uma cachoeira, mas impunha-
lhe sua vontade em camadas progressivas.
John Marshall, que era telepata, não poderia dar apoio
direto à tarefa de Ishibashi. Em compensação, controlava os
pensamentos da vítima e fornecia ao sugestionador
indicações preciosas sobre a maneira de aplicar seu dom.
* * *
Topthor esperou até que a escotilha se fechasse atrás
dele. Em seu rosto velho e esverdeado, havia uma
expressão de contrariedade.
— Sentem — disse em tom rude aos membros de seu
clã.
Os dois jovens superpesados, cuja figura era quadrática
como a do velho, deixaram-se cair nas poltronas. Não
deviam esperar nada de bom; era o que dizia o rosto
zangado de Topthor.
— O tal do Keklos, chefe dos aras em Laros, está
ficando louco. Vocês ficarão de sentinela aqui até que eu
mande revezá-los. O biólogo-chefe está vendo fantasmas.
Quer transformar os estranhos que foram vistos nesta nave
e que infelizmente conseguiram escapar em figuras que
trabalham para Perry Rhodan. O que eu acredito e o que
vocês acreditam é coisa que só diz respeito a nós mesmos.
Keklos exerceu certa coação sobre mim. Colocou-me diante
da alternativa de vigiar a sala de comando através de meus
homens e manter contato audiovisual permanente com ele,
ou então vê-lo colocar meia dúzia de robôs de combate dos
aras na mesma. É isso. Mostrem suas armas.
Um dos membros do clã praguejou. Parecia muito
contrariado. Mas cumpriu a ordem de Topthor, exibindo
suas armas tal qual o outro. Os dois fitaram o velho e
arregalaram os olhos.
Topthor, o velho ranzinza que vivia resmungando, riu.
Piscou animadamente para os dois.
— Instalem-se de modo confortável — disse em tom
bonachão. — Se quiserem dormir um pouco, fiquem à
vontade. Quanto ao contato com Keklos, falarei com ele da
minha cabine. Se continuar a insistir, avisarei.
— Falou, meu senhor — disse o mais alto dos dois com
uma risada e deu um soco nas costelas do outro.
Subitamente parecia muito bem-humorado e guardou todas
as armas no fundo do bolso. — Por todas as estrelas do
Universo, estou cansado como quem atravessou uma
bebedeira de três dias e três noites.
— Pois comigo está acontecendo a mesma coisa —
disse o patriarca e bocejou gostosamente. — Está na hora
de ir para a cama.
Com estas palavras retirou-se.
* * *
33
Tako Kakuta e Ras Tschubai, que se mantinham
escondidos atrás da enorme instalação de rádio da nave de
Topthor, piscaram alegremente um para o outro.
Desde o momento em que o velho se dispôs a controlar
as armas de seus subordinados, transformara-se de uma
hora para outra num ser totalmente diferente. Ele, que a
bordo de sua nave costumava escrever a palavra disciplina
com letra maiúscula, sugeria que a missão que acabara de
confiar aos dois membros de seu clã não fosse levada muito
a sério.
Os dois teleportadores sabiam quem tinha suas mãos
naquilo, e de onde partia a influência exercida sobre os três
superpesados.
Os passos pesados de Topthor afastaram-se depois que
este fechou a escotilha.
Mais uma vez, os mutantes que se mantinham
agachados atrás das instalações de rádio trocaram um olhar.
Aguçaram o ouvido. Aguardavam os roncos dos
superpesados que estavam sentados nas poltronas.
Silenciosos que nem duas sombras os dois mutantes
saíram de trás das instalações de rádio.
* * *
A menos de três quilômetros de distância, no interior da
pequena cabine da Gazela, Bell deu esta ordem ao
telecineta Tama Yokida:
— Providencie para que nos próximos quinze minutos
ninguém consiga abrir a escotilha que dá para a sala de
comando de Topthor.
Tama Yokida limitou-se a acenar com a cabeça e
liberou suas energias telecinéticas, tangeu-as para a nave de
Topthor e ali desencadeou forças tremendas. Essas forças
atingiram o mecanismo da fechadura da escotilha,
interpuseram-se entre os relês arcônidas, fizeram com que
potentes campos magnéticos entrassem em colapso e
desempenharam o papel de solda indestrutível que ligasse a
escotilha e os trilhos pelos quais a mesma devia deslizar.
* * *
O cérebro positrônico de Topthor estava funcionando.
As duas sentinelas estavam deitadas nas poltronas e
dormiam. Nem Kakuta nem Ras Tschubai viraram-se uma
única vez para eles. Confiavam irrestritamente na
capacidade de Ishibashi.
O setor de memória! Tako Kakuta acabara de ligá-lo,
mas não tinha muita certeza sobre a ligação que deveria
efetuar.
Na sala de comando da Gazela, Marshall dirigiu-se a
Reginald Bell e disse:
— Kakuta não quer arriscar-se em ligar o impulso do
setor de memória. Ainda está hesitando e...
Bell preparara as medidas a serem adotadas se ocorresse
um incidente como este. Kitai Ishibashi teria de suspender
temporariamente seu tratamento sugestivo.
— Ocupe-se com Kakuta. Aqui — apontou para a série
cronológica de ligações. — Foi aqui que ele encalhou.
Ande depressa, Ishibashi!
No momento em que Kakuta ligou o impulso do setor
de memória do cérebro positrônico, nem desconfiou que
Kitai Ishibashi lhe dera ordem para isso a uma distância de
três quilômetros.
— Pronto? — perguntou o africano.
Ras Tschubai já concluíra sua tarefa.
— Um mo...
Naquele instante uma voz berrou atrás deles:
— O que está acontecendo aqui? Uma das sentinelas
acordara.
Ras Tschubai desapareceu diante de Kakuta. O africano
alto e esbelto assumira o risco de teleportar-se em meio ao
chamado. Kakuta preferiu não arriscar-se. Se Tama Yokida,
que se encontrava na Gazela, não desse conta de sua tarefa,
estaria perdido.
Este não teve tempo de informar a Bell. Libertou a
escotilha que dava para a sala de comando das suas
energias telecinéticas para brincar com o jovem
superpesado.
Este, que acabara de despertar do sono hipnótico, mas,
continuava dominado pela vontade estranha, não viu nada
demais em subir de sua poltrona e ficar grudado no teto.
Tama Yokida virará o corpo dele de tal maneira que o peito
ficou encostado no teto. Assim o jovem superpesado não
veria o que se passava embaixo dele.
Apesar do incidente, que poderia assumir uma feição
ameaçadora, Wuriu Sengu, o espia, continuou a transmitir
seus comentários com a voz tranqüila.
— Kitai! — disse Bell com a voz metálica, mas
percebeu pelo gesto do sugestionador que este já havia
entrado em ação.
Sengu informou:
— A escotilha está sendo aberta. Topthor...
Naquele instante, uma força invisível sacudiu a sala de
comando da Gazela. Bell e seus mutantes foram varridos
para um canto. Sengu gemeu. Batera com a cabeça.
Marshall segurava a cabeça com ambas às mãos. Ishibashi,
que se encontrava ao lado de Reginald Bell, logo ficou em
condições de entrar em ação. Comunicaram-se por meio de
olhares.
— Marshall! — chamou Bell em tom enérgico. —
Marshall e Sengu!
Os dois estavam trabalhando jogados ao chão, tal qual
Tama Yokida.
Só agora Bell se deu conta da situação terrível em que
se encontravam.
Quem os atirara contra a parede? Que poder os
descobrira e atacara?
— O que está fazendo o velho Topthor, Sengu? —
perguntou Bell apressadamente.
— Não o vejo — foi a resposta surpreendente e
inacreditável.
Bell fitou-o perplexo, mas no mesmo instante formulou
a pergunta dirigida a Ishibashi.
— Voltou a submeter Topthor ao seu tratamento?
Ishibashi deu de ombros. Bell compreendeu. Pôs-se a
praguejar. Ras Tchubai, o teleportador africano,
materializara-se diante dele.
34
— Topthor, a velha raposa, está jogado no convés C e
dorme em cima de bombas arcônidas.
Reginald Bell não demonstrou o menor interesse pela
informação.
— Tschubai, o senhor foi atacado nos últimos minutos
por uma força desconhecida?
— Atacado? — perguntou o africano.
Sengu exclamou em voz alta:
— Kakuta completou a modificação dos dados de
posição. Agora está parado diante do superpesado que caiu
do teto. Parece preocupado, pois tudo indica que o rapaz
está ferido.
— Era só o que faltava — resmungou Bell. —
Ishibashi, sugestione Kakuta para que teleporte o rapaz à
enfermaria, mas só se puder fazê-lo sem assumir qualquer
risco.
Ishibashi concentrou-se. Bell obteve mais alguns
segundos durante os quais pôde refletir tranquilamente.
Só as pessoas que se encontravam na sala de comando
da Gazela haviam sido atiradas ao chão. Ras Tschubai, que
se encontrava a três quilômetros de distância, não havia
percebido nada. Subitamente lembrou-se de que durante a
permanência no camarote particular de Talamon haviam
sentido, com um breve intervalo, dois fenômenos
inexplicáveis.
— Marshall...
Não conseguiu dizer mais nada. Talamon irrompeu na
pequena sala de comando da Gazela, dando mostras de
tremenda exaltação. As notícias que trouxe não foram boas.
Há dois minutos mais de cem robôs de combate dos aras
passavam pelos compartimentos da Tal VI. Eram
acompanhados de quase duzentos aras armados até os
dentes, que se mantinham mudos e revistavam
sistematicamente sala após sala.
Bell lançou um olhar pensativo para o patriarca. A cada
dia que passava gostava mais de Talamon. O velho não
sabia o que era medo, mas nesse instante soltou um grito.
Bem à sua frente Tako Kakuta se materializara. Já
estava abrindo a boca para avisar que a missão fora
cumprida quando viu o superpesado. Controlou-se
imediatamente e soltou a pergunta que abalou as pessoas
que se encontravam na sala de comando:
— Vocês sabem que três naves de guerra estão paradas
em cima da Tal VI?
O Biólogo chefe Keklos tremia de desconfiança. Tinha
diante de si dois relatórios, um da estação de
hipercomunicação e outro sobre o resultado da busca
realizada na última noite a bordo da Tal VI.
Keklos não pensava em nenhum desses relatórios.
Refletia sobre a experiência pela qual ele mesmo passara e
mais uma vez voltou a formular a mesma pergunta:
— Por que Topthor me chamou ontem de noite? E o que
quis conseguir com essa conversa tola?
Ele mesmo fora à nave de Topthor na ultima noite. De
repente, passou a desconfiar da transmissão audiovisual
realizada a partir da sala de comando. Mas na nave de
guerra do superpesado tudo estava em ordem. Numa atitude
triunfante, o velho lhe mostrara parte dos dispositivos de
segurança que colocara em torno do setor de
armazenamento de dados de seu cérebro positrônico.
— Biólogo chefe Keklos, como vê já tomei todas as
providências antes que o senhor determinasse suas medidas
de segurança.
Ontem de noite essa demonstração era boa de ver e de
ouvir, mas então ainda não dispunha dos relatórios.
A exposição fornecida pela estação de
hipercomunicação era inquietante.
De repente quatro técnicos captaram uma estranha
transmissão de hipercomunicação, que, após poucos
segundos foi abafada por uma interferência. Antes que
fosse possível determinar a fonte de interferência, esta se
estendera a todas as frequências. Esse acontecimento
inédito impediu os técnicos de se ocuparem imediatamente
com a parte inteligível da transmissão. Enquanto
procuravam determinar o motivo da interferência, o
suprimento de energia foi suspenso por alguns segundos.
Pouco depois, por algum motivo inexplicável, a grade Me
caiu e o condensador de vácuo explodiu.
Depois de reparadas as avarias, passou-se ao exame da
parte inteligível da transmissão de hipercomunicação. Mas
em vez daquilo que os técnicos haviam ouvido, o setor de
armazenamento reproduziu uma voz chiante, que anunciava
o choro dos dervixes e apresentou uma música infernal,
insuportável para os ouvidos de um ara.
Keklos logo tropeçou sobre a palavra dervixe. Chegou a
consultar Aralon, mas nenhum cientista sabia o que
significava essa palavra.
— Devem ser os demônios das estrelas!
Com estas palavras afastou os relatórios. A busca dada
na Tal VI também não produzira qualquer resultado.
Subitamente Keklos atirou a cabeça para trás. Num
35
gesto que quase chegava a ser guloso, pegou o relatório
sobre a Tal VI. Observou-o e viu que a busca da enorme
Tal VI durara pouco mais de uma hora. Face a esse período,
extremamente reduzido para uma operação de busca,
concluiu que alguma coisa não estava em ordem.
Examinou atentamente as indicações de tempo.
O que acontecera na última noite a bordo da Tal VI?
Uma frase o incomodava em meio às suas reflexões:
— O perigo começa com a assembleia! A assembleia
dos patriarcas estava próxima ao encerramento. Já se
decidira que Rhodan seria destruído e que seu planeta seria
transformado num sol. Apenas se regateava sobre o preço
que os superpesados exigiam dos saltadores.
Há meia hora Keklos, bastante contrariado, desligara o
aparelho que transmitia os trabalhos da assembleia. Seria
preferível que não o tivesse feito, pois naquele instante
Cekztel, chefe de todos os patriarcas dos superpesados,
levantara-se e, soltando uma praga, dissera:
— Os superpesados não lançarão nenhum ataque contra
Rhodan e seu planeta, a Terra. Estou enojado de toda essa
choradeira por causa de oitenta milhões.
Nem Cekztel, nem Siptar, Vontran ou qualquer dos
outros participantes desconfiavam de que os mutantes de
Perry Rhodan estivessem dando tudo de si para transformar
a assembléia numa bomba explosiva de desunião.
Ao amanhecer, os teleportadores Tako Kakuta e Ras
Tschubai desempenharam o papel de “rebocadores” e,
numa série de excelentes saltos de teleportação, haviam
colocado Bell, Tama Yokida, John Marshall e mais alguns
mutantes em esconderijos seguros no interior do pavilhão
de reuniões.
Não puderam exercer nenhuma influência sobre o
resultado da votação. Contra todas as expectativas, a
deliberação a este respeito foi tomada logo após a abertura
dos trabalhos. Os trinta patriarcas, que estavam contra o
plano da destruição de Rhodan e da Terra, foram vencidos
pela grande maioria.
Porém, no momento em que Cekztel formulou sua
exigência pecuniária, as coisas tomaram aspecto diferente.
Ishibashi incumbira-se da maior parte do trabalho.
Sugestionava os mercadores galácticos, quase fileira por
fileira, para que recusassem a exigência de Cekztel.
Em meio a uma maioria escassa que pretendia pagar o
preço pedido pelo superpesado, soavam vozes cada vez
mais numerosas que gritavam “vigarice” e pretendiam pôr
em dúvida o resultado da votação.
Quando John Marshall e Kitai Ishibashi estavam
próximos ao esgotamento, sendo apoiados constantemente
por Betty Toufry que, segundo o plano de Bell, só devia
intervir no fim com toda a força de sua capacidade
telepática, o superpesado Cekztel levantou-se de repente e
dispôs-se a abandonar a assembléia.
De seu esconderijo Bell contemplou-o e esfregou as
mãos, quando alguma coisa passou, tocando-lhe. Por
pouco, não o faz perder o equilíbrio.
No mesmo instante, John Marshall encolheu-se.
Reginald Bell viu suas costas encurvadas, e também viu
Kitai Ishibashi, que gemia com a voz abafada:
— Ai está de novo!
Reginald Bell compreendeu que ainda faltava muito
para que pudessem considerar-se vitoriosos.
Alguma coisa não identificada vinda do desconhecido
os atingia.
Subitamente o chefe de todos os superpesados teve seus
passos travados em meio ao largo corredor central por
vários robôs de combate dos aras, surgidos de repente.
— Chefe — fungou Tama Yokida — os robôs sabem
exatamente onde estamos. Mais de trinta estão subindo para
cá.
O passo metálico das máquinas de guerra retumbava
pelo grande pavilhão, em que subitamente se instalara o
silêncio.
* * *
O produto da retorta, feio e de um cinza-fosco, estava
parado diante de Keklos.
— Fale logo! — gritou Keklos.
Acabara de saber que na noite anterior, enquanto estava
inspecionando a nave capitania de Topthor, o bio já tentara
falar com ele. Esse bio era seu transmissor intermediário.
Com uma voz surpreendentemente humana, o bio
limitou-se a dizer:
— Foram encontrados.
— Onde? — perguntou Keklos, gritando ainda mais
alto, e, em espírito, condenou à morte os três assistentes
aras, que deixaram de avisá-lo de que o bio procurava falar-
lhe na última noite.
— No lugar em que há muita gente junta e no lugar
onde mais uma vez há muita gente junta.
Só a última parte da resposta não foi muito clara para
Keklos. Deu o alarma para o pavilhão de conferências dos
patriarcas.
— ...onde mais uma vez há muita gente junta.
O biólogo-chefe refletiu ligeiramente. A segunda alusão
só podia dizer respeito à nave capitania de Talamon, a Tal
VI. Já ordenara nova busca, mas depois que formulou outra
pergunta ao bio e obteve a resposta não teve a menor
dúvida.
Alarma para a Tal VI!
Mais uma vez, gritou para o produto da retorta:
— Diga-lhe que deve atacá-los. Destruí-los! Entendeu?
Promete dizer imediatamente?
— Sim senhor, deve destruí-los! — respondeu o
produto da retorta.
Keklos seguiu o bio com os olhos febris. Por um
instante, seus pensamentos vagaram num sonho. Em meio a
esse intervalo, deu-se conta de como poderia entrar em
contato com a matéria-prima de Gom sem recorrer ao
transmissor intermediário.
— Gegul foi parar no conversor algumas semanas antes
da hora — admitiu.
* * *
— São quarenta! — chiou Tama Yokida, o baixote.
Sua voz não tremia.
Quarenta máquinas de guerra dos aras subiam
ruidosamente pela rampa que se elevava em arco livre,
descrevendo duas curvas. Mais de cem robôs espalharam-se
entre os patriarcas, ocuparam imediatamente todas as saídas
e, dirigindo as lentes sobre os saltadores espantados,
mantiveram-se imóveis.
— Vamos retirar-nos! — ordenou Bell, que geralmente
gostava de bancar o impetuoso. Neste momento, uma
mudança discreta de posições era preferível à mais
retumbante das vitórias.
— Chefe — disse John Marshall — sem...
36
A força invisível voltou a atingi-los. Bell sentiu-se
agarrado e levantado. Perto dele, a pequena Betty Toufry
foi erguida mais um tanto. Marshall e Yokida estavam
jogados num canto e Ras Tschubai fora forçado a colocar-
se de joelhos. Tako Kakuta foi o único que conseguiu
manter-se no mesmo lugar.
Bell segurou Betty assim que sentiu o chão sob os pés.
A força desconhecida largou-os com uma rapidez igual à
violência com que os agarrara.
— Abandonar o terreno! Fugir! — Bell teve dificuldade
em proferir estas palavras, mas na situação em que se
encontravam qualquer resistência seria uma loucura.
— É tarde — disse Tama Yokida entre os dentes. —
Antes de mais nada, duas dúzias de robôs têm de ser
atirados da rampa para baixo...
Um ligeiro exame convenceu Bell de que os telecinetas
teriam que intervir. Os teleportadores receberam suas
instruções:
— Façam o papel de rebocadores. Estas palavras
representavam uma enorme injustiça para com a capacidade
dos teleportadores. Mas ninguém achou graça.
Tako Kakuta pretendia levar Bell num salto instantâneo
até a Gazela. Este fitou-o com os olhos chamejantes.
Kakuta virou-se abruptamente, pegou a figura alta e magra
de Kitai Ishibashi, concentrou-se, fez o ar tremeluzir em
torno de si e desapareceu com o sugestionador.
Yokida, o telecineta, irrompeu com sua energia que nem
uma tormenta do mundo primitivo sobre as máquinas de
guerra que se aproximavam ruidosamente. Os cinco robôs
que vinham na frente ergueram-se do chão, executaram
uma rotação no ar e bateram nas pernas metálicas dos cinco
robôs que os seguiam.
O impacto das dez máquinas de guerra ressoou na
rampa. Os patriarcas ouviram o barulho, mas do lugar em
que se encontravam não podiam ver o palco dos
acontecimentos.
Dez dos quarenta robôs haviam sido neutralizados por
algum tempo. Porém os trinta restantes, dirigidos
positronicamente, não conheciam o medo nem a
compaixão, obedecendo apenas à sua programação.
Passaram por cima da confusão e entraram na última curva
da rampa.
— Atirá-los-ei por cima da amurada...
Uma força brutal e imensa atingiu Bell e Tama Yokida,
os fez rodopiar loucamente, e soltou-os de repente.
O impacto ruidoso de seus corpos na tribuna foi abafado
pelas pisadas dos robôs. O giro do corpo fizera sangrar o
nariz de Bell. Por muitos segundos, Tama Yokida não
conseguiu enxergar nada. Quando a vista voltou a clarear,
percebeu a cintilância dos robôs pela fenda atrás da qual se
encontrava.
As missões executadas a serviço da Terceira Potência
ensinavam a todo mundo a necessidade de reagir
instantaneamente. Yokida jogou Bell ao chão. Pouco acima
de suas cabeças, um raio térmico chiou e atingiu a parede,
que se gaseificou sob a energia desencadeada.
Bell percebeu o tremeluzir do ar. Fez uma coisa que
nunca mais conseguiu realizar. Pôs a mão no meio do
tremeluzir e arrastou Ras Tschubai, ao chão, em pleno
processo de rematerialização. Uma fração de segundos,
depois disso, também Tako Kakuta se encontrava no chão.
Acreditava que a tribuna fosse um lugar muito perigoso,
então resolvera aterrissar de barriga.
— Segure-se! — berrou a figura grande, esbelta e negra
de Ras Tschubai. Sentiu os braços de Bell enlaçarem seu
peito e desmaterializou-se com um salto em direção à
Gazela.
Mas, no último instante, uma coisa terrível atingiu-o.
Tako Kakuta devia sentir a mesma coisa, pois o japonês
soltou um grito. Bell teve a impressão de que alguém lhe
arrancava os braços.
Mas logo passou. Aterrissaram na sala de comando da
Gazela.
— Foi a salvação no último... — disse Reginald Bell,
mas logo foi atirado num canto juntamente com as outras
pessoas que se encontravam na sala.
Procurou defender-se contra a força invisível, mas não
conseguiu. Ouviu o choro de Betty Toufry.
A moça estava em perigo.
A raiva deu-lhe forças tremendas. Subitamente a força
invisível e estranguladora cessou. Bell logo se pôs de pé.
— Yokida! Toufry! Abram a escotilha de Talamon!
Vamos decolar.
Com um salto, colocou-se no assento de piloto da
Gazela, que, desde o momento em que a Tal VI pousara em
Laros, se mantinha pronta para decolar do interior do
hangar secreto. A Gazela era um veículo em forma de disco
que desenvolvia velocidade superior à da luz. Seu diâmetro
era de trinta metros e o eixo polar media dezoito metros. O
que fazia da nave um veículo respeitável não era o raio de
ação de quinhentos anos-luz, mas o armamento
incrivelmente pesado.
Bell estava prestes a realizar uma decolagem forçada.
De uma hora para outra, a décima oitava lua transformara-
se num verdadeiro inferno. Aqui espreitava-os um perigo
contra o qual não podiam defender-se.
Na Gazela, todas as energias começaram a trabalhar
rapidamente para o desempenho de decolagem. Mas os dois
telecinetas ainda não haviam avisado que haviam forçado
as grandes escotilhas do hangar por meio de sua energia
telecinética.
Subitamente a luz do dia penetrou na sala de comando,
derramada pela tela de imagem. Tama Yokida e Betty
Toufry obrigaram as escotilhas do hangar a abrir-se.
— Desta vez ainda tivemos sorte — berrou Bell em tom
de triunfo. Com uma pancada, colocou o dispositivo
automático de decolagem na posição “ligado”.
Com um silvo agudo, a Gazela saiu do esconderijo e
precipitou-se para o céu.
* * *
Talamon fitou os olhos do biólogo chefe e os membros
do seu estado-maior com uma expressão fria e destemida.
Dez dos mais velhos dentre os superpesados encontravam-
se atrás de seu patriarca. Ameaçavam-no com os olhos e
com sua figura quadrática e maciça.
— Quero provas, Keklos — exigiu Talamon em tom
tranquilo e autoritário. — Prove que ofereci ao pequeno
veículo espacial um esconderijo a bordo de minha nave.
Recomendo-lhe que antes disso dê uma olhada na comporta
do hangar.
As escotilhas da comporta teriam de ser reparadas.
Forças sobre cuja natureza nem mesmo Talamon conseguia
fazer a menor ideia haviam-nas arrombado, e agora elas não
se fechavam mais.
37
— Mandarei submetê-lo à lavagem cerebral — chiou
Keklos.
O biólogo chefe fora de opinião que a presença de
Topthor conseguiria dar-lhe certo apoio diante de Talamon.
Ao ouvir falar em lavagem cerebral, Topthor
estremeceu por dentro. Na última noite, também acontecera
muita coisa a bordo de sua nave capitania que não
conseguira compreender. Ele mesmo tirara um cochilo em
cima das bombas arcônidas — justamente ele, que podia
passar oito dias sem dormir. E seu neto Grugk estava
recolhido à enfermaria, com um braço quebrado. Nenhum
dos superpesados sabia quando e como Grugk quebrara o
braço, e especialmente o próprio Grugk não soube dar a
menor informação a este respeito. No meio da noite, viu-se
subitamente na enfermaria da nave.
Estas ideias passaram pela cabeça de Topthor. Uma
lavagem cerebral transformava a pessoa num aleijado
mental. Ele mesmo não correria o risco de ser submetido a
esse tipo de lavagem? Pensou no que dissera seu amigo
Talamon: “Se alguma coisa não der certo, quero que ao
menos uma pessoa continue leal para comigo.”
E ainda havia o grande negócio que continuava no ar.
Keklos virou-se abruptamente. Às suas costas, a mais de
três metros de distância, Topthor soltara uma gargalhada.
Seus olhares encontraram-se.
Topthor sacudiu energicamente a enorme cabeça e
trovejou:
— Keklos, o senhor não vai submeter nenhum
superpesado à lavagem cerebral. O senhor não fará nada
disso. Antes que aconteça uma coisa dessas, Laros será
transformada num sol. Antes de mais nada, apresente uma
prova de suas suspeitas.
Keklos era muito inteligente para dar murro em ponta
de faca. Não possuía qualquer prova cabal contra Talamon.
A única prova consistia num dos maiores segredos dos aras:
a matéria-prima de Gom.
Esse fato calou-lhe a boca e acorrentou-lhe as mãos.
Sem dizer uma palavra retirou-se da Tal VI em
companhia da comissão e dos robôs de combate.
Topthor e Talamon seguiram-nos com olhares
indiferentes. Os membros do clã também se foram
afastando. Quando se viram a sós, Topthor colocou a mão
pesada sobre o ombro do companheiro, piscou para ele e
disse:
— Meu velho, agora temos que fazer o negocinho
juntos.
Talamon limitou-se a acenar com a cabeça.
Topthor também acenou.
— Você não quer que eu formule qualquer pergunta,
meu caro, e não perguntarei nada. Só faço uma pergunta
dirigida a mim mesmo, e esta pergunta é a seguinte: o
grande negócio que você pretende realizar não cheira
fortemente a Perry Rhodan?
* * *
— Que diabo, o que está acontecendo agora? — berrou
Bell no assento de piloto da Gazela e fitou o painel.
A Gazela perdeu velocidade e saiu da rota, embora
devesse acelerar a 0,5 luz. Reginald Bell gritou pelo
intercomunicador, dirigindo-se à casa de força. Ali estava
de serviço o mutante de duas cabeças, Goratchim, e Wuriu
Sengu.
Da casa de força, Bell só ouviu um estertor
desarticulado. No mesmo instante, também se sentiu
atingido pela força. Mais uma vez estendeu seus tentáculos,
vindos do desconhecido, e parecia esmagá-lo no assento de
piloto.
Em algum lugar da Gazela, começaram a chiar
aparelhos que nunca haviam emitido qualquer som. No
assento do copiloto Tako Kakuta se encolhera. Bell sentiu-
se desmaiar, quando de uma hora para outra a força o
largou e a bruxaria terminou.
— Paramecânica — fungou Marshall.
Bell só compreendeu pela metade. Seu rosto,
geralmente corado, parecia cinzento e envelhecido.
— A telecinese a uma distância destas? — disse em tom
incrédulo.
A Gazela, mantendo o curso que lhe fora imposto pelo
poder desconhecido, corria vertiginosamente em direção ao
planeta gigante de Gom.
— Temos que transmitir um pedido de socorro à Titan
e...
Bell não conseguiu dizer mais nada. Sentiu-se agarrado,
comprimido e martirizado de dois lados.
“É o fim”, pensou. Numa atitude de desespero reuniu
todas as energias e balbuciou para John Marshall:
— Entre em contato com... com... com Gucky.
A inconsciência caiu rapidamente sobre Bell.
Marshall esqueceu o próprio destino. Algo cresceu em
seu interior. Concentrou-se apesar do medo de morrer,
estabeleceu contato com Gucky, o rato-castor que se
encontrava a bordo da Titan. Conseguiu transmitir ao ser
peludo alguns fragmentos de ideias:
— Data... Terra... O cérebro positrônico de Topthor...
reprogramado para Beta...
Gucky não captou mais nada.
Toda a vida no interior da Gazela entrou na zona
crepuscular da inconsciência. A nave de esclarecimento de
grande alcance corria ininterruptamente em direção ao
planeta Gom, arrastada por forças tremendas, e naquele
instante penetrava nas primeiras camadas rarefeitas da
atmosfera daquele mundo infernal.
Foi à hora mais dura de Perry Rhodan.
Teve que permanecer inativo enquanto perdia seu
melhor amigo, enquanto a Gazela caía com os melhores
dentre seus colaboradores sobre o planeta Gom.
Não devia intervir. O espaço cósmico em torno de
Gonom era uma selva de raios de localização tateantes. As
naves de Laros haviam decolado em enxames para caçar o
pequeno veículo espacial que se ocultara na Tal VI.
O alarma rugiu por toda a Titan. Após alguns segundos
a gigantesca nave esférica estava preparada para entrar em
combate. Perry Rhodan parecia alheio a tudo. Estava
lutando consigo mesmo. Bastava que queresse, e a queda da
Gazela seria detida.
Não poderia fazê-lo. Não devia pensar em si. O destino
da humanidade terrana estava em suas mãos.
Com a voz firme, deu ordem para afastar-se. Apesar da
enorme proteção contra a localização atrás da qual se
ocultava a nave esférica, não se podia excluir a
possibilidade de que uma das inúmeras naves que andavam
por esse setor do espaço a localizasse por acaso.
A ordem de Rhodan não fora inspirada pela coragem
nem pela covardia. A segurança da Terra exigia que ele a
desse.
38
Um sorriso feroz passou-lhe pelo rosto quando se
lembrou da alteração dos dados armazenados no cérebro
positrônico de Topthor.
Naquele instante, o rato-castor, que estava agachado a
seu lado, chiou:
— Será que o gorducho nunca mais volta Perry? Ele
tem de voltar, pois do contrário não haverá mais ninguém
que eu possa chatear de verdade...
* * *
Naquele mesmo momento, o coronel Klein,
representante de Perry Rhodan na Terra, avisou Freyt, que
parecia cada vez mais impaciente:
— Amanhã o novo compensador estrutural será
instalado na Solar System. Depois, esse barco poderá partir
com a equipe especial em direção a Honur.
— Prefiro que o cruzador pesado fique aqui —
respondeu Freyt. — Antes de mais nada, gostaria de rever o
chefe o quanto antes. Quando voltei com a Ganymed do
grupo estelar M-13, o céu de Gobi estava coberto de
nuvens. Acho que agora as nuvens se amontoam em torno
do nosso sistema solar. Não sou supersticioso, mas não
consigo livrar-me de um medo terrível. Em algum lugar do
sistema de Árcon, alguma coisa não deu certo. Em algum
lugar... Quando seremos atingidos pelas consequências?
Apenas o cérebro positrônico de uma única nave possui dados sobre a posição galáctica
da Terra. Por isso, torna-se relativamente fácil para os agentes de Perry Rhodan
substituírem os dados corretos por outros, falsos. Mas o que será feito de Reginald Bell e dos
oito mutantes que, depois de uma ação bem sucedida no local da conferência dos aras e
saltadores, têm de se lançar numa fuga precipitada...?
Qual é a origem das forças misteriosas que transformam a Gazela numa bola de
brinquedo...?
No próximo volume da série Perry Rhodan, você saberá por que Gom não Responde: é
este o nome de outra emocionante aventura.
39
Nº 47
De
Kurt Mahr
Tradução S. Pereira Magalhães Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes
Para evitar maiores suspeitas, Bell e os mutantes tiveram de fugir às pressas, a
bordo da Ganymed. Aproximando-se de um planeta pedregoso e estéril, foram
atraídos por uma força irresistível. Eram os gons, uma massa orgânica, seres
insignificantes em si, mas quando agrupados em centenas de milhares tornavam-se
telepatas perigosíssimos...
40
1
— A sombra já avançou um bom pedaço — disse
Reginald Bell.
Depois de seis horas, a tempestade também terminara.
As plantas carnudas, de folhas azuladas, que alguns
minutos antes da tempestade tinham mergulhado no solo,
como minhocas, tornavam a aparecer. Contorcendo-se,
arrastavam-se para fora de seus esconderijos, alcançavam o
chão e se erguiam na forma em que estavam antes. Depois
continuavam completamente imóveis.
O clarão avermelhado do sol também avançara por uns
palmos. Uma esguia agulha de
pedra, rochosa, esquisita, formada
certamente pela esmagadora atração
da terra de Gom, que estava antes
na sombra, era agora banhada pelo
sol.
Bell e seu grupo estavam saindo
da caverna, onde se abrigaram
durante a intempérie. A primeira
coisa que procuraram ver foram os
destroços da Gazela, com a qual
chegaram até ali. Amassada,
despedaçada e comprimida de
encontro ao solo pelo descomunal
fenômeno de atração, ali estava, a
menos de quinhentos metros da
esguia torre de pedra, a famosa
espaçonave. Fora vítima de Gom e
daquela força misteriosa que a
puxara do espaço, como se fosse
um ímã potentíssimo.
Isto havia acontecido há mais de
um dia, na contagem de tempo da
Terra. Depois disso, não tiveram
mais contato com Perry Rhodan
que, muito longe no espaço, fora
deste sistema, aguardava na nave
capitania Titan o resultado da
missão.
Mais ou menos um dia inteiro
foi o que levaram, do ponto da
queda da espaçonave até o local
onde estavam agora. Tako Kakuta
ficou inconsciente por longas horas
e tiveram que carregá-lo. Das duas
cabeças de Ivã Goratchim, uma
tinha um grande galo, isto é, a de Ivanovitch, o mais moço.
Ivã, o mais idoso, se lamuriava: as dores provocadas pelo
ferimento na cabeça de Ivanovitch, ele as sentia através do
sistema nervoso, que era um só.
A grande surpresa geral foi Betty Toufry. Depois que
todos acabaram de sair dos escombros da Gazela, a opinião
geral era que alguém devia penetrar novamente nos
destroços para procurá-la e trazê-la a salvo, pois certamente
estaria morrendo de medo lá dentro. Mas quando
começaram a sair, um após o outro, do meio daquela
confusão de ferro e plástico, deitando-se em terra para
apalparem o corpo à procura de ferimentos, lá estava Betty,
há muito tempo, sentada numa pedra e sorrindo para eles.
Podia ler-lhes o pensamento e sabia exatamente o que
estavam pensando no momento.
Reginald Bell lhe havia assegurado nunca ter visto uma
jovem tão destemida assim. Betty sorria irônica.
O vento, que soprava constantemente, trazia ondas de
calor de até quinhentos graus absolutos do ponto em que
caíra a Gazela até eles. Por isso, tentaram chegar até um
trecho de penumbra. Primeiro, caminharam de pé, como
homens. Quando notaram que a posição ereta dos
orgulhosos terranos não era nada prática para vencerem o
peso enorme provocado pela forte atração, começaram a
andar de quatro.
Tinham conseguido chegar até a caverna, quando
começou a pesada chuva, ou melhor, a pesada tempestade.
Viram sumir pelo chão adentro as
plantas de folhas grossas e azuladas.
Ficaram surpresos. Dois ou três
minutos depois, a primeira rajada de
vento varreu o planalto e os teria
carregado, não tivessem procurado
abrigo atrás das pontas de pedra no
rochedo. Esconderam-se numa caverna,
esperando seis horas, até acabar a
tempestade.
E agora lá estavam, isolados de
qualquer ligação, num mundo tão
grande como Saturno, cujo ano
planetário tinha a duração de trinta
meses da Terra. Girava em torno de seu
eixo e expunha sempre a mesma face
para o astro central do sistema Gonom.
Sua órbita era, porém, muito
excêntrica, de maneira que fortes
oscilações produziam alterações
periódicas quanto à posição do sol.
Gom era um mundo de oxigênio, com
uma gravitação na superfície de 1,9 e
uma pressão do ar de vinte atmosferas.
Um mundo no qual o homem não
poderia parar de pé mais que dois
minutos e onde precisaria da proteção
de trajes espaciais adequados, para não
ser esmagado pela fortíssima pressão
do ar. Um mundo onde viviam plantas
azuis, de aspecto horrível, semi-
inteligentes, mundo em que num
hemisfério dominava a noite eterna e
no outro, o dia sem fim. Um mundo em
que, quem estivesse na região
crepuscular teria sempre atrás de si a
escuridão e em sua frente nada mais do que um fraco clarão
avermelhado, para toda a eternidade.
Uma verdadeira antessala do inferno.
Assim era Gom.
* * *
— Aí vem alguma coisa — disse John Marshall.
Reginald Bell fixou os olhos para fora da entrada da
caverna.
— Não estou vendo nada — disse ele.
— Não há mesmo nada para ver — comentou Betty. —
Que acha de tudo isso, Mr. Marshall?
Marshall abanou a cabeça.
— Ouve-se, não sei o quê. Ouve-se uma coisa muito
simples.
Personagens Principais deste episódio:
Perry Rhodan — Chegou em Gom
no momento exato...
Reginald Bell — Perdeu o contato
com Rhodan. Encontra-se no mundo louco dos gons.
John Marshall — Observa tudo,
percebe as forças telepáticas dos gons
e consegue entrar em contato com eles. Convence-se de que são
explorados pelos aras.
Ivã Goratchim — O detonador do
Exército de Mutantes. Destruidor de 400 bios.
Betty Toufry — Tem os dons da
telepatia e da telecinese, muito corajosa.
Tako Kakuta — Manifesta-se um gênio técnico, dominando um disco
voador do adversário.
Wuriu Sengu e Ishibashi — Iam
sendo devorados pelos gons, ansiosos por matéria orgânica.
41
— Exatamente, semi-inteligente.
— Puxa vida... — lamuriou-se Bell. — Sei que vocês
são telepatas. Mas eu também gostaria de entender alguma
coisa, de saber o que está acontecendo...
John Marshall inclinou a cabeça para frente, como se
estivesse ouvindo qualquer coisa. Remexeu-se e moveu um
pouco os ombros.
— Há impulsos mais fortes que os das plantas. —
explicou ele — mas não se pode dizer que sentido têm.
— Onde estão eles? — queria saber Bell.
— Ali na frente.
Marshall apontou na direção de um rochedo chato,
distante alguns metros da entrada da gruta. Bell ainda
queria perguntar mais alguma coisa, mas no mesmo
instante, seus olhos se arregalaram:
No lusco-fusco avermelhado, vagava alguma coisa em
volta do rochedo. Parecia uma simples mancha escura, de
formato oval, talvez de um metro quadrado. Veio dando
volta pelo rochedo, na direção da caverna.
— Quer vir para cá — sussurrou Marshall.
Bell estava com os olhos fixos na coisa. Não tinha
propriamente contornos. Onde chegava, dava logo a
impressão de que o chão ficava um pouco mais escuro.
Aconteceu que a mancha teve que passar entre duas
daquelas plantas azuladas; mas as folhagens carnudas
pareciam ter mais medo da mancha escura do que da
própria tempestade. Esconderam-se com estranha rapidez e
com um leve ruído de alguma coisa que roçava.
Reginald Bell sacou sua arma térmica e estava
preparado para atirar.
— Nada disso — sussurrou Marshall — é apenas
curiosidade.
Aí surgiu a mancha na frente da entrada da caverna.
Bell ficou novamente olhando. A mancha parecia mais uma
camada de goma-laca marrom-escura. Bell não se sentiu
muito encantado com tudo aquilo e se dirigiu a Marshall.
— O que ela quer?
Marshall abanou a cabeça:
— Nada de extraordinário. Apenas nos está
estranhando.
Com o mesmo leve ruído de algo que está raspando, a
mancha se pôs em movimento. Não voltou pelo mesmo
caminho por que viera. Dobrou para a direita e contornou o
bloco de pedra, onde se localizava a caverna. Minutos após
havia desaparecido dos olhos de Bell.
— Meu Deus do céu... que espécie de mundo é este?
Tama Yokida não parecia muito impressionado.
— Posso ir buscá-la, senhor — disse se oferecendo. —
Se o senhor quiser.
— Deixe-a ir embora. Que serventia tem para nós?
Mal acabara de dizer isto, toda atenção de Bell se
concentrou na atitude de Kitai Ishibashi, que estava perto
da parede da caverna, de olhos fixos nas pedras.
— O que é que há? — queria saber Bell.
Ishibashi gemia e se contorcia.
— Eu estava pensando que lhe podia impor minha
vontade. Mas provavelmente é tão boba, que não pode ser
influenciada.
Bell riu secamente.
— Acho que você tem razão. Não será mais inteligente
que as plantas azuis que se escondem diante da tempestade.
Retirou-se da entrada da caverna. Passando diante de
Marshall, resmungou pela segunda vez:
— Santo Deus... Que mundo horrível.
E Marshall perguntou pensativo, porém, sem esperar
resposta:
— Afinal, que esperava de Gom?
Ivã Ivanovitch Goratchim, o mutante de duas cabeças,
se apresentou, sem cerimônia, para manifestar sua opinião.
— Uísque e belas mulheres — respondeu uma das duas
cabeças, rindo.
Bell virou-se para trás. Ivã, o mais velho, consciente da
falta, virou o rosto para o lado. Ivanovitch, o mais moço,
ergueu a mão, apontando para Ivã.
Bell soltou o ar com os dentes trincados, produzindo o
ruído típico, para que todos ouvissem:
— Descida de emergência num inferno, escoltado por
uma turma de doidos.
* * *
Tentavam entrar em contato com a Titan. A bordo da
supernave estava Gucky, o rato-castor, o mais forte telepata
do Exército de Mutantes da Terra. Betty e John Marshall
conjugavam esforços no sentido de enviarem um sinal a
Gucky, com o fim de o deixar a par do lugar onde estavam
e principalmente da sua difícil situação.
Mas ao invés de uma resposta de Gucky, recebiam
apenas impulsos de pensamentos desconexos, mas de tal
intensidade, que Marshall apostaria se tratar de impulsos de
gons.
— E o que é que o senhor nos propõe, então?
Deveremos ficar residindo aqui? — foi a pergunta irônica
de Bell.
Marshall sorriu.
— O chefe de nosso grupo é você. Pensávamos até que
tivesse uma idéia melhor...
— Ah... deixa de bobagem — resmungou Bell. — Com
somente meu grau de patente, não vamos conseguir nada.
Mas estava pensando que você, com sua superinteligência,
nos fornecesse mais rapidamente uma boa ideia.
Betty Toufry pediu a palavra:
— Acho que não podemos fazer outra coisa, apenas
esperar. Rhodan sabe que estamos em perigo. Pode também
calcular onde nós estamos. Em minha opinião, tudo está
dependendo apenas de que aguentemos até que a Titan
consiga chegar a Gom.
— Se soubesse, ao menos — disse Bell — qual é a
extensão da oscilação? O trecho de penumbra já se
aproximou mais cem metros. Se continuar assim, dentro de
alguns dias podemos sair daqui, aliás, temos que sair daqui.
O halo avermelhado que confinava o trecho do lusco-
fusco havia subido um pouco mais para o céu escuro. Uma
corrente de ar constante aumentava a temperatura na
caverna, de oitenta para cem graus. Os dispositivos de
refrigeração nos trajes espaciais trabalhavam no volume
máximo.
A contar da queda da Gazela, haviam decorrido já
quarenta horas. Este longo tempo fora suportado
relativamente bem, graças à observação das flores azuis,
graças à sensação de expectativa com os impulsos
telepáticos e graças às brincadeiras mútuas.
Daí para frente, porém, a passividade começou a
enervar. E, no entanto, a única coisa que podiam fazer era
esperar.
* * *
Conseguiram dormir um pouco. Quem estava
42
incumbido de ficar de vigia era Ivã Goratchim. Tinha que
ficar acordado à entrada da caverna. Mas Ivã, o mais velho,
e Ivanovitch, o mais moço, não chegaram a um acordo
sobre quem deles havia recebido a ordem de ficar de
plantão. Assim, acabaram os dois dormindo.
Felizmente nada aconteceu de anormal.
Bell se arrastou até a saída da caverna e espiou. Seu
primeiro olhar foi para a agulha esguia do rochedo, por
intermédio da qual calculava a marcha da oscilação. O
segundo olhar seria para os escombros da Gazela projetada
ao solo. Tinha que rastejar mais um pouco.
Seus olhos se arregalaram, numa expressão de pânico,
seu pessoal ouviu seu grito rouco de desespero. Esfregou-os
para clarear mais a vista, porém o quadro era o mesmo. Os
destroços tinham desaparecido.
Reginald Bell vacilou um pouco, depois deu ordem a
Wuriu Sengu, o vidente, para que desse uma olhada no
planalto à procura dos destroços da Gazela. Talvez
houvesse em Gom fenômenos vulcânicos que tivessem
aberto uma fenda no solo e, por aí, a espaçonave acidentada
desaparecera. Somente Wuriu Sengu, com suas faculdades
paraóticas, penetrava em qualquer tipo de matéria, como se
esta fosse um vidro bem transparente. Assim poderia
descobrir alguma coisa.
Mas os esforços de Sengu foram inúteis. A Gazela
estava mesmo desaparecida.
Bell, a custo, tomou outra resolução. A contragosto,
porque equivalia a expor a grandes perigos um de seus
auxiliares. Porém, numa situação como aquela, nada era
mais vital do que informações para o controle das
iniciativas.
Bell virou-se para Tako Kakuta, o teleportador.
— Tako, observe as coisas lá fora, mas não se detenha
muito. Basta que você apenas olhe o lugar onde estava a
Gazela. Não faça nenhuma pesquisa mais profunda. Volte o
mais depressa possível para cá.
Num piscar de olhos, Tako Kakuta já não estava mais
ali.
— Não vi nada — murmurou decepcionado Tako. — O
chão está liso, dando a impressão de envernizado. E da
Gazela não existe mais nada.
Quase que eletrizado, Marshall o interrompeu:
— Envernizado, você disse? Que cor?
Tako depois de refletir um pouco:
— Eu diria... marrom escuro ou castanho.
Bell percebeu o fio do pensamento de Marshall.
— Você crê, talvez, que a mancha de verniz engoliu a
Gazela?
— Não sei, não. Mas se o chão está marrom-escuro e
parece envernizado...
— Qual é o tamanho da mancha? — perguntou Bell a
Tako.
— Não cheguei a perceber onde ela terminava.
— Portanto, maior do que o espaço de um metro
quadrado?
— Naturalmente, muito mais.
Bell pretendia perguntar mais coisas, mas neste instante,
levantaram-se Ivã Goratchim, o mutante de duas cabeças,
Kitai Ishibashi, Wuriu Sengu e Tama Yokida no interior da
caverna. De pé, embora um pouco cambaleantes, chegaram
até o grupo dos que discutiam e começaram a abandonar a
caverna.
Tudo se passou tão rápido. Os quatro mutantes
pareciam, com seus movimentos coordenados, como que
transformados em máquinas obedientes. Bell se recuperou
do susto, somente quando os homens já estavam alguns
metros para fora da caverna.
— Parem — gritou ele. — Voltem todos, seus doidos.
Mas os quatro mutantes continuaram andando. Parecia
que nem ouviram as palavras de Bell.
Bell se pôs de imediato a rastejar atrás deles. Mas o
grupo parecia possuído de tal força, que a distância entre
eles e Bell aumentava rapidamente. Os mutantes pararam
no rochedo, onde a mancha de verniz havia aparecido.
Bell gritava e praguejava. Finalmente ficou parado,
puxou a pequena pistola energética e berrou a pleno
pulmão:
— Voltem imediatamente, ou eu atiro. Foi como se não
tivessem ouvido nada.
Continuaram o caminho. Bell engatilhou a arma, mas
antes que pudesse dispará-la, ouviu Marshall que gritava
atrás dele:
— Não, não atire. Eles não têm culpa nenhuma.
Bell virou-se para o lado, de forma que podia ver a
caverna.
— Por quê? Que está acontecendo?
— Influência hipnótica de uma força enorme —
respondeu Marshall. — Eles estão obrigados a obedecer.
— Então faça alguma coisa contra isto, por amor de
Deus! — exclamou Bell.
— Não posso. Estou feliz de que esta força mental não
me apanhou. A força é terrível, não se pode fazer nada
contra.
O mutante de duas cabeças, Ishibashi, Sengu e Yokida
desapareceram atrás do rochedo. Instantes depois,
ressurgiram. Dirigiram-se para a direita, onde estivera até
então a nave acidentada. Caminhavam ainda eretos, firmes.
Bell não os perdia de vista. Depois, lamuriando e
praguejando, virou-se mais uma vez para o lado e voltou à
caverna.
— Desculpe-me — disse a Marshall — se fui um pouco
áspero, mas este mundo doido me deixa também doido.
Marshall apenas sorriu.
— Bobagem, isto é natural. Só gostaria de saber, quem
é que, neste mundo perdido de Deus, dispõe de tanta força
hipnótica.
Bell não respondeu. Observava os mutantes. Estes
andavam sempre eretos no planalto, por entre os rochedos,
como se não existisse aquela elevada atração da terra.
Gritou-lhes muitas vezes, acreditando que através do
receptor do capacete haveriam de ouvi-lo. Mas não houve
resposta.
Depois de dez minutos, parecia que a situação se
transformara. Ivã Goratchim vacilou e caiu de joelhos. Bem
rente dele, também caíram os dois japoneses. Bell lhes
gritava que voltassem.
A seguir, puseram-se em movimento, mas desta vez,
andavam de quatro. Tinham perdido aquela força inicial,
sentiam-se fatigados. Seguiam o comando hipnótico, mas
engatinhando.
— Não adianta nada — disse John Marshall — os
impulsos hipnóticos fortíssimos continuam a controlá-los.
— Você consegue localizá-los? — perguntou Bell.
— Não, com exatidão não. Estes impulsos vêm da
direção onde estava a nave acidentada.
Isto obrigou Bell a refletir um pouco. Tako havia
43
afirmado que o lugar em que a Gazela havia caído estava
coberto por uma camada de verniz bem extensa de cor
marrom-escura. Aquela mancha esquisita, que haviam
observado há pouco, parecia com verniz marrom-escuro.
Marshall acompanhou um trecho de seu pensamento. A
mancha era um ser orgânico, semi-inteligente.
Será que Marshall tinha razão? Será que a camada de
verniz que cobria o local da queda da Gazela era realmente
nada mais do que um ser vivo, da mesma espécie? Um ser
que dispunha de grandes energias mentais?
Não se podia fazer nada pelos quatro mutantes, embora
isso causasse tristeza a todos. Levaram uma hora para
atingir o local onde estavam antes os destroços da Gazela.
Um esforço hercúleo, tendo-se em consideração a
pesadíssima atração, que dificultava todo movimento.
Durante todo este tempo, Bell tentou sem cessar se
comunicar com os mutantes, através do rádio do capacete.
Mas o resultado deu em nada.
Quando os mutantes chegaram ao local da queda, notou-
se que com seus trajes espaciais brilhantes se arrastavam de
um canto para o outro, como que procurando alguma coisa.
Bell olhou para Marshall numa expressão de interrogação.
Mas o chefe dos mutantes fez apenas um gesto, dando a
entender que o estado de influencia hipnótico ainda
perdurava, e que seria muito improvável que os mutantes
voltassem ao estado normal pelas próprias forças.
Seu destino, de um momento para o outro, tornara-se
um enigma. Bell bem que lhes havia gritado que
voltassem... mas no mesmo momento desapareceram.
O rosto de Bell estava banhado em suor. Sem olhar para
Marshall, disse-lhe:
— Desaparecidos como a Gazela. Que pensa de tudo
isto, Marshall?
— Já pensei muito a respeito — respondeu Marshall
prontamente. — Plásticos e metais como estes com que a
Gazela era confeccionada, têm um grande teor de
hidrocarbonetos, portanto, substâncias orgânicas, numa taxa
de oitenta e cinco por cento. As ligações metálicas só
servem para maior reforço.
Fez uma pausa. Bell continuou a fitá-lo admirado.
— E daí?
— O monstro lá atrás — Marshall fez um sinal com a
cabeça, apontando a direção, onde estivera antes a Gazela
— está precisando renovar sua substância ou talvez ampliá-
la; por este motivo devora matérias orgânicas, tanto
plastimetais como também seres humanos.
Bell abriu a boca de espanto.
— O senhor tem uma imaginação tétrica.
Marshall encolheu os ombros e Bell lhe confessou em
voz baixa que suas suposições nada tinham de absurdas.
* * *
Passaram duas ou três horas. Falavam pouco entre si.
Estavam sentados, muito apertados, sob a entrada da
caverna e olhavam quase que constantemente para a direção
onde tinham desaparecido os quatro mutantes. Este local
ficava a cerca de seis quilômetros da caverna. Da posição
mais elevada da entrada desta, podia-se ver bem. Notava-se
também a mancha escura, quase sem contornos, da qual
falara Tako Kakuta.
Os mutantes continuavam desaparecidos e todas as
esperanças ainda alimentadas por Bell ruíram.
Houve então uma pequena discussão quando Tako e
Ras Tschubai, o africano assediou Bell pedindo para ir até
ao local da queda, com seus termoirradiadores destruir a
mancha marrom-escura.
Naturalmente Bell se recusava a permitir, depois de
haver consultado Marshall.
— Embora a ordem telepática que domina
completamente os quatro mutantes não está atuando, os
dois teleportadores podem atrair logo uma ordem idêntica,
e sucumbirem — explicou John Marshall. — Quem quer
que seja este desconhecido hipnotizador, conseguiu
penetrar, a seis quilômetros de distância, com impulsos
cerebrais em Ivã, Ishibashi, Sengu e Yokida. Por mero
acaso, nós também não seguimos o mesmo caminho. Mas o
perigo aumenta com a diminuição da distância.
Parecia haver lógica nestas palavras. Kakuta e Tschubai
desistiram do intento.
Marshall e Betty Toufry tentavam repetidas vezes entrar
em contato com Gucky, na Titan, mas a única coisa que
conseguiam ouvir era um confuso murmúrio telepático.
Bell quebrava a cabeça, tentando descobrir um meio
para melhorar sua situação e a dos seus auxiliares. Mas
estes pensamentos pareciam palha seca. Não tinham
nenhum ponto de apoio para nada. Cada idéia parecia mais
absurda que a outra. Não podiam mesmo fazer coisa melhor
do que esperar.
Os dezoito satélites de Gom percorriam suas órbitas
num céu de penumbra, às vezes em grupo de dois, de três,
até mesmo de cinco. Um deles, o maior, era Laros, que
também era o mais distante.
Foi em Laros que os saltadores, em conluio com os aras,
combinaram o ataque à Terra.
Bem longe, a uma distância de vinte horas-luz, estava a
Titan, em expectativa, protegida por seus campos
magnéticos de antirrastreamento.
A questão do alimento começou a preocupar Bell. Cada
traje espacial possuía um recipiente metálico com uma
determinada quantidade de comida, sendo que a própria
pessoa, por meio de um dispositivo adequado, podia se
servir, sem ter que abrir o traje espacial.
A metade ou talvez dois terços da provisão já tinha sido
consumida. No mais tardar dentro de vinte horas, teriam
que encontrar um lugar em que pudessem despir o traje
espacial. Só então, a reserva de víveres, que haviam trazido
dos escombros da Gazela, lhes poderia ser útil.
Bell consultou o relógio de pulso. O ponteiro de
segundos se arrastava como uma lagartixa cega no
mostrador, e os outros dois ponteiros fosforescentes
apontavam para números que não representavam nada para
ninguém ali. Nove e dez... da manhã?... da noite? 28 de
outubro de 1.984, tempo da Terra.
De repente, Marshall deu um pulo. Ao mesmo tempo,
Betty deixou escapar um leve grito de surpresa.
Bell virou-se para o lado, perguntando:
— Que foi que houve?
Marshall levantou a mão como resposta. Esticou a
cabeça para frente, para ouvir alguma coisa.
Ras Tschubai, o teleportador, era quem estava mais
próximo da saída. Virou a cabeça um pouco para trás, para
ver Marshall, depois seus olhos se fixaram em qualquer
coisa lá fora da caverna.
Ras tinha olhos muito penetrantes e não precisava de
binóculo, que Bell estava toda hora comprimindo contra a
viseira do capacete.
44
Ras continuava olhando para frente e via mesmo
alguma coisa diferente.
A mancha marrom-escura estava começando a se
mover. Na penumbra do lusco-fusco, sobressaía
nitidamente contra o fundo cinza-claro do rochedo.
Caminhava na direção da caverna.
— Lá na frente — gritou Ras.
Bell observava com o binóculo. Não tinha pressa, ficou
observando com calma, até que chegou à conclusão de que
aquela coisa castanha caminhava firme na direção da
caverna.
— Está procurando, sondando nossa mente — disse
Marshall. — E se encontrar alguém, naturalmente haverá de
impor sua ordem hipnótica.
Bell sentiu um calafrio na espinha dorsal.
A massa marrom — massa é uma palavra muito
imprópria — a “coisa” não era mais que uma fina camada
no rochedo. Agora vinha se arrastando e se aproximava.
De telepatia, Bell não entendia muita coisa. Mas sabia
que um telepata com dons hipnóticos, tinha primeiro que
captar as vibrações mentais do cérebro estranho, para
depois poder influenciá-lo.
A captação de ondas cerebrais não era muito diferente
do processo de seleção de determinada frequência num
rádio receptor; naturalmente não havia dial nem botões de
sintonização. E isso tornava o negócio um pouco mais
difícil.
Apesar de tudo, não tinham muita razão para ficarem
tranquilos. A mancha marrom se aproximava com uma
velocidade que eles, não obstante o empecilho da forte
atração, jamais teriam atingido.
Bell tomou uma decisão rápida.
— Temos que desaparecer daqui.
Marshall concordou:
— Não temos nenhuma chance com este monstro.
Reuniram tudo, os víveres retirados da Gazela, as
armas, os emissores portáteis que tinham maior alcance do
que os transmissores do capacete, e o binóculo.
Foram se arrastando para fora da caverna, dirigiram-se
na direção do rochedo, para dentro da escuridão, e
engatinhavam no chão, o mais rápido que podiam.
Depois de haverem deixado a caverna, nem mesmo Ras
Tschubai conseguia mais ver a mancha marrom-escura.
— Coloquem-me a par do que estiver ocorrendo —
pediu Bell aos dois telepatas. — Avisem-me assim que
houver qualquer alteração.
— Uma coisa está se alterando constantemente —
murmurou Betty — A auscultação dos nossos pensamentos
é cada vez mais nítida. A coisa está sempre mais próxima
de nós.
Bell olhou para trás, mas não conseguiu ver outra coisa
a não ser o planalto com suas agulhas de pedra. Nenhum
sinal da mancha marrom.
Rastejaram uma meia hora. E esta meia hora não rendeu
nem um quilômetro. Betty descansou uns instantes e depois
falou:
— Em minha opinião, vamos poder vê-la logo. Estou
sentindo tão bem como se já estivesse atrás de mim.
Bell estava olhando para um dos maiores rochedos que
havia por ali. Ergueu o braço para apontá-lo.
— Ras, lá em cima, dê uma olhadela.
O afroterrano desapareceu. Durante alguns segundos,
podia-se vê-lo lá em cima do rochedo, olhando fixamente
para o trecho avermelhado da zona de luz. Depois voltou.
— Ainda trezentos metros — anunciou laconicamente.
Bell estava de acordo.
— Não tem mais sentido fugirmos dela. Em poucos
minutos nos alcançará. Vamos nos entrincheirar lá atrás do
rochedo.
Arrastaram-se até lá, para a mesma rocha onde há pouco
estivera o teleportador Ras Tschubai, fazendo sondagem.
Quando já estavam perto, notaram que a rocha se
compunha de duas partes: uma base maciça e uma ponta
esguia que se erguia por igual desde a base. Entre a rocha
propriamente e a ponta esguia havia uma fenda de meio
metro de largura: um parapeito ideal para atacar e defender.
Cada um se ajeitou o mais depressa possível. Betty
acabou descobrindo, uns dois metros mais para cima, no
paredão do rochedo, uma pequena saliência plana, onde se
podia estender com relativo conforto. Apanhou a pistola
térmica, arrastou-se uns metros para cima, com indizível
esforço. Podia, de lá, atirar com facilidade nos que
estivessem embaixo, através da fenda de meio metro.
Bell e Marshall se postaram bem atrás da abertura, de
tal maneira que, durante um tiroteio, os fogos não se
cruzariam. Tako Kakuta e Tschubai estavam de lado. Bell
julgava que, durante um combate, certamente iminente, os
dons parapsicológicos dos dois lhe seria de máxima
utilidade.
Os minutos passavam lentos e pesados. Pareciam-lhes
uma eternidade.
De súbito ouviu-se um grito de Betty.
— Posso ver, vem justamente em nossa direção.
— Que venha — respondeu Bell.
Esticou o braço direito um pouco para fora e esperou.
Por alguns instantes, aquele deserto de pedras continuou
como estava. Mas depois, uma sombra marrom de uma fina
camada de verniz cobriu o chão claro, afastou pedras do
caminho, passou por cima de outras e aproximou-se. Ouvia-
se, concomitantemente, um leve ruído de algo que roçava
ou se esfregava.
— Esperar — murmurou Bell — deixar chegar bem
perto.
Ouvindo Marshall tossir, Bell olhou preocupado para
ele. O telepata percebeu o olhar nervoso do amigo e
sorrindo, lhe disse:
— Nada de novo... cinquenta metros, quarenta, trinta...
Bell olhou mais uma vez para Betty lá em cima. Parecia
não ter medo, calma na saliência da pedra, já mirando com
a arma.
— ...vinte metros, quinze...
— Fogo — gritou Bell.
Ouviu a voz de Marshall ao seu lado e viu os raios
esbranquiçados de sua arma. Reparou bem para onde ele
atirava, a fim de dirigir sua pontaria um pouco para a
esquerda. Betty, de seu esconderijo, atacava outro setor do
adversário, inacessível aos demais atiradores. O verniz se
levantava em bolhas sibilantes e se transformava em
fumaça acinzentada. Mas ondas de outras camadas se
aproximavam, cobrindo o espaço vazio deixado pelo fogo
intenso.
— Tem pelo menos dois quilômetros de comprimento
— exclamou Betty desesperada. — E meio de largura.
Marshall continuou atirando. Bell se levantou na base
do rochedo para dominar melhor toda a topografia e, numa
nova estratégia, para tentar cortar em dois pedaços o campo
45
inimigo, de maneira a perderem a ligação um com o outro.
Foi, porém, uma tentativa frustrada, pois a largura era
de mais ou menos meio quilômetro. Os claros deixados por
Bell com seu fogo cerrado, em poucos segundos se
encheram de novo com o marrom-escuro.
Voltou ao seu primeiro posto, quando percebeu que
Marshall sozinho não conseguia impedir que o verniz
chegasse até o rochedo onde estavam. Puxou o gatilho para
frente, o que significava fogo contínuo, e despejou assim
uma enorme descarga de raios térmicos no estranho ser.
Logo após, gritou para os dois teleportadores:
— Vamos, desapareçam e procurem outra linha de
combate.
Tako e Ras esperavam mesmo por esta ordem.
Desapareceram no mesmo momento. E, depois de alguns
segundos, em dois lugares diferentes do planalto, subiam
densos rolos de fumaça de cor cinza-claro, o que
naturalmente era sinal de que os mutantes tinham tido pleno
sucesso na missão.
Mas, não houve mudança substancial no quadro geral.
Parecia que o adversário não se preocupava muito com a
quantidade de verniz que havia perdido em combate, nem
com o calor horrível do solo que devia tostar seu ventre. O
adversário não se desviava do objetivo. Perseguia-o com
obstinação, com obstinação tão grande que Bell já estava
contando nos dedos em quantos minutos
sua posição na rocha seria atacada.
Naquela excitação toda, tinha ele se
esquecido do grande perigo que
representava para eles a força hipnótica
desta coisa esquisita.
— Marshall! — exclamou ele —
arraste-se pela esquerda, contornando a
agulha de pedra e atire de lá. Eu
mantenho esta posição aqui.
Marshall obedeceu. Passou por Bell,
contornou a ponta de pedra e quedou uns
metros para a esquerda. Ali, os
defensores tinham parcialmente
aniquilado a camada do verniz marrom.
Bell ouviu seus gritos de ira, ao rechaçar
o inimigo. Mas parou de repente,
exclamando:
— Aqui há um esconderijo melhor,
venha para cá!
Bell não hesitou muito, fez um sinal
para Betty, que veio se arrastando e com
dificuldade chegou ao lugar onde estava
Marshall. Bell mantinha a posição até que
Betty lhe comunicasse haver chegado
perto de Marshall. Ainda teve tempo,
durante o fogo cerrado, de chamar
também os dois teleportadores.
Depois disso, arrastou-se até lá, o mais rápido que pôde.
Tako Kakuta estava parado diante de uma espécie de
buraco, acenando para ele. Uns poucos metros atrás de Bell,
o misterioso verniz marrom-escuro avançava. Provocava
pequenos estalidos ou um quase roçar de folhas secas.
Passava agora pela rocha onde Bell estava deitado.
Com uma série de tiros, Tako manteve livre a fenda de
saída. Bell o mandou para baixo, enquanto ele próprio se
retirava, sempre atirando.
Até então não tivera tempo para se preocupar com o
novo esconderijo. Agora, porém, que entrara mais com
calma no interior, notou que aquilo era realmente uma
galeria que num ângulo de quase cinquenta graus conduzia
para o fundo da terra, para um lugar bem profundo.
Bell foi atirado e empurrado até que, finalmente, de
pernas para o ar, caiu de costas no grupo daqueles que
haviam descido antes dele.
Alguém deu um grito de dor, mas a Bell não aconteceu
nada.
— Calma, pessoal — ordenou ele.
Virou-se um pouco e esticou a cabeça de tal maneira
que o microfone externo do lado direito ficou na direção da
saída da galeria. Com a respiração presa, tentou ouvir
qualquer ruído lá de fora. Por alguns instantes, estava tudo
silencioso. Mas aos poucos aquele leve roçar de folhas
secas voltou, sempre aumentando. A arma já estava
engatilhada na mão de Bell, quando o ruído estabilizou-se.
Depois de esperar por alguns minutos, sempre atento, Bell
voltou à posição normal.
— Puxa vida, será que ninguém pode acender uma luz?
Acenderam-se duas lâmpadas de capacete e Bell
começou a estudar o ambiente. O local onde estavam não
era outra coisa senão o começo do prolongamento reto da
galeria, que começava no solo do planalto.
Bell acendeu sua própria lanterna e a dirigiu no sentido
da galeria. A luz era forte, mas não dava
para chegar até o fim do corredor, que
era em semicírculo, de piso plano, com
três metros de largura e um e meio de
altura.
— A primeira etapa já foi superada
— disse Bell. — O misterioso marrom-
escuro, provavelmente não terá a
intenção de descer para cá. Temos agora
duas hipóteses. Primeira: Examinar esta
galeria e descobrir se ela tem, em
qualquer parte, uma outra saída.
Segunda: Esperar até que o tal ruído de
folhas secas termine, para retornarmos à
superfície.
Betty pediu a palavra.
— Estou sentindo que a coisa
marrom-escura está à nossa procura. E
não haverá de desistir tão cedo. Talvez
seja melhor darmos uma inspeção nesta
galeria. Enquanto o inimigo estiver atrás
de nós, não podemos mesmo fazer outra
coisa.
Bell aprovou a ideia.
— Então, vamos embora. Não temos
tempo para perder.
Tomou a frente do pequeno grupo.
Recurvados, penetraram mais para o
interior da galeria. A lanterna do capacete de Bell
iluminava o caminho. Dava a impressão de que a galeria
entrava ainda mais para baixo do solo. Seu traçado reto fez
com que Bell, após poucos metros de caminhada, chegasse
à conclusão de que não era obra do acaso, mas sim feita
racionalmente.
Era este o único indício para tal suposição. Por este
motivo, Bell não transmitiu a ninguém sua conclusão,
esquecendo-se, porém, de que John Marshall e Betty
Toufry podiam ler calmamente seu pensamento.
46
2
A bordo da Titan, o nervosismo aumentava.
Há dias, a gigantesca espaçonave pairava, imóvel, no
espaço, aguardando uma comunicação — ou de Talamon, o
superpesado de Laros, ou de Reginald Bell.
A Titan tinha chegado até aqui para aproveitar a última
oportunidade que se lhe apresentava de evitar o ataque
iminente dos saltadores contra a Terra. Atendendo a um
convite dos aras, raça aparentada com os saltadores, os
patriarcas dos saltadores haviam se reunido em Laros.
O décimo oitavo satélite de Gom era um ponto de
encontro comum dos Aras.
Talamon era o único aliado que Perry Rhodan possuía
entre as nações dos saltadores. O superpesado havia-lhe
informado que não se podia contar de maneira alguma com
uma desistência quanto ao plano de atacar a Terra. Foi por
isso que Rhodan mandou, sob a proteção de Talamon, seu
corpo de mutantes comandado por Bell para Laros. A
missão era impedir a tal conferência dos saltadores.
Bell e seus companheiros já haviam conseguido
abastecer com programação falsa o único posto positrônico
dos saltadores que continha em sua memória os dados sobre
a posição da Terra nas Galáxias. O aparelho era a
positrônica da espaçonave dos saltadores que estava em
mãos do superpesado Topthor. Este era amigo de Talamon,
mas de maneira alguma seu correligionário. Topthor não
podia, naturalmente, imaginar que, quando fosse buscar
dados sobre a Terra, sua positrônica lhe haveria de fornecer
indicações que diziam respeito à direção do sistema de
Beta. Suspeitava, entretanto, de que Talamon não tinha uma
atitude muito sincera em relação aos patriarcas dos
saltadores e aos aras. Aliás, sem contar segredos, Talamon
tinha confessado sua atitude, obrigando, no entanto,
Topthor a manter sigilo, com promessas de enormes lucros.
Bell e os seus, infelizmente foram descobertos. Após
violenta batalha, fugiram de Laros com a Gazela, que a
grande nave de Talamon abrigava em seu bojo. Talamon, o
amigo de Perry, teve realmente muita dificuldade em
explicar aos patriarcas que não sabia nada a respeito da
presença dos estranhos terranos.
Porém, após este triunfo inicial da bem sucedida fuga,
Bell e os mutantes foram vítimas daquela inexplicável força
que puxou a Gazela de encontro ao solo de Gom, como se
fosse um brinquedo. Marshall tinha enviado uma
mensagem telepática urgente a Rhodan, informando sobre
os principais acontecimentos de Laros, incluindo
naturalmente a programação falsa da positrônica de bordo
dos saltadores.
Pela rota da desditosa Gazela, se podia deduzir
facilmente que haveria de aterrissar em Gom. No final de
seu comunicado, Marshall falou que Betty Toufry era de
opinião de que aquele enorme campo energético que
impedia a Gazela de se movimentar era de origem
telecinética.
Esta foi a última comunicação do grupo de Bell.
Rhodan não podia saber se haviam sobrevivido ao
pouso de emergência em Gom. Gucky, o mais poderoso dos
telepatas do Exército de Mutantes, tinha, por mais de uma
vez, julgado ouvir sinais. Porém este setor do espaço estava
tão cheio de vibrações telepáticas, que mesmo Gucky não
conseguia distinguir com segurança estes possíveis sinais
do quase constante rumorejar telepático.
Mas ainda havia esperança.
Depois que Talamon conseguira afastar a suspeita que
havia contra ele, a conferência de Laros continuava em seu
ritmo normal. O prosseguimento da conferência foi ao
mesmo tempo o motivo da permanente inatividade de Perry
Rhodan. Imóvel no espaço, sob a proteção de seus campos
de antilocalização, a Titan estava garantida. Se começasse a
se movimentar, haveria o perigo de ser localizada. E ser
localizada por Laros provocaria uma série de reações de
acontecimentos indesejáveis.
Primeiramente, renovar-se-ia a suspeita contra Talamon.
Depois iriam consultar os dados dos computadores do
cérebro positrônico da espaçonave de Topthor. É verdade
que nenhum cérebro orgânico jamais estaria em condições
de distinguir dois resultados diferentes de computador, em
se tratando de posições das Galáxias. Uma localização
exata nas Galáxias tem três coordenadas de espaço, três de
hiperimpulsos e duas de tempo. Além disso, ela se prende
ainda a assim chamada “determinante de farol” que
equaciona o caminho para o objetivo de qualquer posição
nas Galáxias.
Tudo isto é uma confusão de números e de valores que
ultrapassa a capacidade de qualquer cérebro. Mas se os
saltadores tivessem alguma suspeita, haveriam de consultar
uma outra positrônica maior e então examinar a sequencia
de programações do aparelho de Topthor. Aí, viria à luz a
trapalhada de Bell.
Para o bem de toda a Terra, Rhodan era obrigado a
deixar na mão seu grande amigo Reginald Bell.
* * *
A caminhada continuava sem incidentes, mas com o
tempo foi ficando muito monótona.
John Marshall e Betty Toufry assinalavam que os
impulsos telepáticos se reduziam cada vez mais. Era sinal
evidente de que Bell e seus companheiros se afastavam do
ser marrom de Gom.
Examinaram as paredes do corredor sem emendas e
lisas, confirmaram que continuavam retas e por isso se
lamentavam, temendo não chegar nunca ao fim.
O único que nos últimos trinta minutos parecia ter
descoberto algo de novo, era o próprio Bell. De tempo em
tempo, parava um pouco, obrigando que todos fizessem
uma pausa. Olhava para o pulso. Ninguém — fora os dois
telepatas — poderia dizer se estava olhando para o relógio,
para o regulador de dosagem, para o manômetro ou para o
termômetro. Balançava a cabeça com admiração,
murmurando qualquer coisa que ninguém entendia.
Quando repetiu esta cena pela décima vez, Marshall
sorriu finalmente:
— Por favor, diga a Ras e Tako, de uma vez por todas,
o que lhe causa tanta admiração.
Bell olhou para ele surpreso, fazendo cair na sua face o
clarão da lanterna do capacete.
— Como é que é? Eu já lhe... Ah! É verdade... Diabo
que carregue todos os telepatas.
Olhou então mais uma vez para o pulso.
— Estava observando, há muito tempo — explicou ele
— que a temperatura aqui embaixo é extraordinariamente
baixa e constante ao mesmo tempo. Há meia hora que
estamos com quatorze graus e alguma coisa mais.
Centígrados, naturalmente. Regulei o termostato para o
47
máximo de sensibilidade. A estabilidade da temperatura
chega a quatro centésimos de um grau. Acho isto uma coisa
surpreendente.
Marshall percebeu sem dificuldade a sequencia de seu
pensamento.
— E quando se pondera, além disso — disse ele
completando a explicação de Bell; — que a galeria, tem
toda a aparência de ter sido feita artificialmente, chegamos
à conclusão de que não tem outra finalidade a não ser para
guardar alguma coisa, que necessita de quatorze vírgula
seis graus para ser protegida... em virtude da durabilidade
ou por outro motivo qualquer.
Bell o acompanhou com muita concentração. No fim,
fez apenas uma pequena correção:
— Quatorze vírgula três e não seis. Na leitura de
números, você falha um pouco.
Marshall sorriu e indagou:
— Mas, é esta realmente a sua teoria?
— Sim, estou plenamente convencido de que atrás
destes paredões se esconde alguma coisa. O corredor foi
construído por seres inteligentes e devem ter uma
finalidade. Por exemplo, ligar os depósitos subterrâneos
com o mundo lá fora. O corredor mesmo não pode ser um
depósito. Do contrário teríamos encontrado alguma coisa.
Quem sabe se o que está aqui armazenado é uma
mercadoria muito importante, e, por isto, as entradas para o
depósito são muito escondidas? Existe um grande número
de raças nas Galáxias que tem uma predileção muito forte
por portas invisíveis, inteiriças.
Mexeu-se para a esquerda e se arrastou uns metros para
frente, bem rente à parede do corredor. Quando viu que não
conseguiu nada, ficou de pé, ofegante, voltando ereto,
quanto o permitia a altura do corredor. Bateu
intencionalmente com as luvas do traje espacial contra a
parede.
Mas a parede continuou parede. De uma passagem
secreta que levava para um misterioso depósito, não havia o
menor vestígio.
Bell ajoelhou-se, refletindo.
— Quem sabe — disse ele — ainda não atingimos o
objetivo. Este corredor só pode atuar como filtro se tiver o
comprimento suficiente e, também se todas as variações de
temperatura do caminho de entrada até a parte principal da
instalação puderem ser amortecidas.
Olhou para Marshall:
— Correto, vamos penetrar mais, prestando atenção no
termômetro. Quando a temperatura se alterar, é porque já
ultrapassamos o objetivo.
* * *
Três horas mais tarde, a temperatura ainda era 14,3
graus.
O ruído telepático como que apalpante do misterioso
adversário tinha cessado. Podiam agora, sem nenhum
perigo, voltar para o começo da galeria e sair pelo terreno
afora. Mas ninguém pensava nisso. Estavam possuídos pela
febre de achar o tal depósito.
De início foram apenas Marshall e Betty Toufry que
repararam que a situação, tão monótona até então, estava
mudando. Estavam recebendo impulsos de pensamentos,
ainda confusos e pouco definidos, não permitindo uma
compreensão suficiente. Mas, de qualquer maneira,
indicavam que nas proximidades se abrigava um ser ao
menos semi-inteligente.
Infelizmente, a faculdade de Betty e de Marshall para
captar pensamentos estranhos era pouco dependente da
posição, ou seja, da direção. Não podiam dizer mais do que
“estou vendo alguma coisa em algum lugar”. Betty
acreditava que os impulsos vinham “enviesados”.
Bell não sabia como agir. Reduziu o tempo de marcha,
que se deveria chamar antes “tempo de se arrastar”, e
esperou pela orientação dos mutantes.
Betty e Marshall registraram que os impulsos estavam
mais intensos. Mas o corredor, pelo menos até o ponto em
que as lanternas dos capacetes o iluminavam, continuava
ainda vazio.
Bell se sentia, a cada segundo, mais nervoso. Há
instantes já havia sacado da pistola energética e enquanto
caminhava para o interior do corredor, sua mão direita
empunhava, em posição de fogo, a terrível arma.
Assustou-se todo, quando Marshall atrás dele, gritou de
repente:
— Atenção!
De bruços no chão, perguntou Bell:
— Que é que houve agora?
— Alguém ou alguma coisa nos descobriu — respondeu
Marshall afobado. — Sinto uma verdadeira bateria de
impulsos inimigos.
— Com maior nitidez do que ouviu até agora?
— Um pouco. Mas não são ainda pensamentos claros.
— Quer nos atacar?
— Espere um pouco... não, não creio que possa fazer
isso.
— Maravilhoso — disse triunfante. — Com tais...
Alguém o pegou pelo braço. Ras Tschubai, o africano.
— Silêncio — disse ele baixinho. — Estou ouvindo
alguma coisa.
Bell prendeu a respiração. Outros não reagiram tão
rapidamente quanto ele. Em seu receptor do capacete ouviu
o som típico da respiração dos demais. Mais para trás, havia
outros ruídos: de alguma coisa que roçava, como já ouvira
uma vez, quando o monstro de Gom os atacou por umas
duas horas.
— Aí está o verniz de novo — resmungou ele. —
Peguem as armas e prestem atenção para um não atingir o
outro. Vamos para frente.
Estava agora com muita pressa e se arrastava para
dentro da galeria com a maior rapidez possível. As
informações de Marshall vinham regularmente em
intervalos, sempre com aquela voz monótona:
— Mais forte... mais forte...
Dizia respeito aos impulsos dos inimigos. O perigo
estava, pois, iminente.
O que mais irritava Bell, é que o corredor parecia
sempre vazio. O ruído, que tinha ouvido antes, devia vir
mesmo do corredor. Onde estava, porém, o autor do
barulho?
— ...Mais forte... mais forte... mais forte — anunciava
Marshall.
Depois... estacou.
— Onde?
— Ali.
Marshall apontou através dos ombros de Bell. Mas
Reginald não viu outra coisa a não ser um risco preto muito
fino na parede, uns dois metros para trás.
— Que é isto?
48
Marshall não respondeu. Empurrou Bell um pouco para
o lado e engatinhou para frente. Na altura do risco preto,
parou e estirou-se.
— Venha aqui — chamou ele. — Olhe isto.
Bell se aproximou e os outros o seguiram.
O risco preto estava um centímetro acima do chão do
corredor. O piso tinha aí um leve desnível e um suave
aclive. Elevação esta que chegava até rente do risco preto e
o tornava ainda mais estranho.
Dava a impressão de que alguém, com um lápis de
ponta muito fina, tivesse traçado na parede clara aquela
linha de mais ou menos meio metro, bem horizontal. Bell
não via nenhum sentido naquilo.
Marshall percebeu seus pensamentos.
— Dissolva a parede, com cuidado, ao longo do risco, aí
você vai ver o que é isto.
Bell apanhou o irradiador térmico, apoiando-se nos
cotovelos, regulou a saída dos raios térmicos para o grau
mais fraco possível e dirigiu a arma para o pequeno
desnível no chão do corredor. Com o fino jato energético
do irradiador, o material se fundiu, escorreu e se espalhou
com fumaça pelo solo.
— Mais para cima — disse Marshall. Fez-se uma
perfuração na parede e Bell pôde ver que o traço penetrava
pela parede adentro como uma camada escura. A arma
continuou trabalhando, abrindo um buraco entre a parede e
o chão de tal dimensão que dava para alguém meter a
cabeça, inclusive com o capacete. O que antes era um risco
mostrava-se agora como uma tampa delgada, marrom-
escura, que fechava o buraco e ainda estava recoberta pela
camada de pedra.
Bell reconheceu logo o que tinha diante de si. Com uma
expressão de surpresa, baixou a arma, desligando-a depois.
— Uma poça de verniz — murmurou. Quando encostou
o capacete no chão, viu com um olho o estranho ser
marrom-escuro. Notou que não se movia, apesar da
temperatura da rocha em sua proximidade atingir talvez
quatro vezes mais o calor de seu ambiente normal.
Sua cabeça formigava de teorias a respeito.
Virou-se para Marshall a fim de saber sua opinião. No
mesmo momento Betty exclamou:
— Atenção, está acontecendo uma coisa diferente.
Ela sentiu — tão nitidamente como John Marshall —
que os odiosos impulsos inimigos que tinham suportado nos
últimos quinze minutos haviam sumido repentinamente.
Em lugar deles, surgiu então algo diferente, indefinível.
Dava a impressão de que o estranho e misterioso ser, de
onde saiam todos os impulsos, estava muito ocupado.
Alguns segundos depois, aquela poça de verniz,
escondida na parede, começou a se mover. Com um leve
chiado foi penetrando parede adentro. Bell tentou detê-la,
mas a superfície lisa fez com que suas grossas luvas
escorregassem. Alguns segundos depois, o ser misterioso
havia desaparecido.
Quase que ao mesmo tempo, soprou uma forte rajada de
vento fresco através do corredor. Veio tão inesperadamente,
que Bell assustado virou para trás, procurando por onde
havia entrado aquele vento forte.
Mas não conseguiu descobrir nada. O vento não veio de
nenhum lugar e era muito fresco, como mostrou o
termômetro. Em consequência do trabalho de Bell com o
irradiador térmico, a temperatura, naquele lugar do
corredor, onde foi descoberta a poça de verniz, tinha
chegado a quarenta graus. O vento fresco que agora soprava
através da galeria fez com que a temperatura baixasse. Em
poucos minutos, desceu para mais ou menos quatorze
graus. O vento cessou e o termômetro voltou aos 14,3
graus, permanecendo neste nível.
A operação foi tão clara, que ninguém precisava quebrar
a cabeça: regulagem automática da temperatura pela adução
de ar de um reservatório.
O que deixou Bell nervoso foi o fato de não saber onde
estava este reservatório e de não ter nenhuma noção de
como este ar foi posto em movimento.
A poça de verniz estava, no momento, desaparecida.
Bell comprimiu o capacete contra o solo, olhou para dentro
da perfuração que abrira com os raios térmicos e tomou
uma resolução:
— Vamos ao encalço da “coisa” misteriosa. Vai dar um
pouco de trabalho, mas teremos que saber finalmente onde
é que viemos parar.
Marshall ainda leu os pensamentos que revolviam a
cabeça do Bell: provavelmente, não haveria nenhuma porta
clandestina nas paredes do corredor. Se a instalação foi
construída pelo ente de Gom, seria suficiente uma
determinada porosidade das pedras para permitir passagem
das partículas do verniz marrom-escuro cuja espessura não
chegava a um décimo de milímetro.
Bell fez um sinal aos outros para que se afastassem um
pouco e começou a alargar o buraco com o irradiador
térmico. Regulou a arma para uns graus a mais, do que na
vez anterior. Como consequência disto, a cavidade se
ampliou muito mais depressa; houve uma outra
compensação de temperatura, provocando um vento tão
forte pelo corredor que era necessário se escorar em alguma
coisa para não ser arrastado.
Betty Toufry e John Marshall revelaram que a sensação
de cansaço e de esforço que o estranho ser transmitia de
qualquer lugar, aumentava substancialmente.
Bell insistia numa determinada direção. A bifurcação do
corredor começava no fundo da galeria e se aprofundava
rapidamente. Depois de ter avançado uns cinco metros,
tornava-se evidente que ele tinha razão: a poça de verniz
reapareceu. Os raios térmicos ampliando a cavidade
deixavam ver com sua cintilância uma parte daquela massa
marrom-escura. Parece que sentia muito a elevada
temperatura ao redor e tentava fugir.
Mas Bell continuava em seu encalço. Metro por metro,
a bifurcação para dentro da rocha ia sendo derretida, sua
largura se estreitava cada vez mais, quando a massa
marrom se agitava.
De repente o feixe dos raios energéticos penetrou no
vazio. A parede da frente da bifurcação mostrava então uma
abertura arredondada. A massa desapareceu por aí,
mergulhando na escuridão que reinava daí para frente.
Bell desligou a arma, quando viu a abertura com bom
tamanho. Sentou-se à beira do buraco, esticando as pernas
para dentro. Depois se inclinou para frente, deixando que a
lanterna do capacete lhe mostrasse o que havia na frente.
O que ele viu foi uma parte de um recinto
aparentemente circular, que, apesar de não ter mais de dois
metros de altura, parecia possuir grande diâmetro. Bell foi
escorregando para frente, porém ainda se apoiando com as
mãos na borda do grande orifício. Depois se deixou cair.
— Podem vir cá para baixo — gritou ele — mas
cuidado ao pular.
49
Enquanto um atrás do outro saltava, Bell ia observando
todo o aposento. Reparou que — em oposição com o
corredor, pelo qual haviam passado — a rocha inteiriça
aqui não era vista, pois as paredes e o chão estavam
revestidos de uma camada escura que brilhava ao clarão da
lanterna.
O verniz marrom que os havia seguido, parecia haver
sumido. Bell não mais conseguiu vê-lo em parte alguma.
Não obstante, Marshall ainda constatou:
— Aqui há uma grande concentração de impulsos de
pensamentos, como se estivéssemos marchando através do
cérebro de um ser gigantesco.
— É perigoso? — indagou Bell.
— Não. Não somos nem atingidos por eles.
Ao mesmo tempo, todas as lanternas se acenderam.
Verificou-se então que realmente o espaço era arredondado
e tinha uns trinta metros de diâmetro. Encontrava-se vazio.
Não havia nenhum indício de sua finalidade.
Notava-se que Bell não estava muito contente.
— Caminhamos quase meio dia e com o suor do rosto
penetramos palmo a palmo nesta rocha... só para
terminarmos num recinto subterrâneo vazio? Onde está o
desgraçado verniz marrom que nos trouxe para cá?
Marshall interveio:
— Pode estar muito bem aqui na redondeza. Contra este
fundo escuro, será muito difícil reconhecê-lo.
Bell caminhou de joelhos mais alguns metros para
frente, examinando o solo palmo a palmo. Ras Tschubai e
Tako Kakuta queriam fazer o mesmo, mas neste mesmo
instante ouviu-se um ruído de algo que estalava do teto.
Bell virou-se imediatamente. Viu como uma parte da
camada externa do preto brilhante se desprendia do teto e
caía. No chão, entre Marshall e o japonês, havia uma
extensão de cinco metros quadrados de uma camada muito
fina. No mesmo instante da queda, quebrou-se em quatro
pedaços e os quatro pedaços começaram a se mover. Com o
típico ruído de roçar de folhas secas, transportaram-se do
chão para a parede mais próxima.
Bell, de tanta estupefação, não sabia que decisão tomar.
Ficou olhando para a parede, vendo-as sumir, através da
camada escura, como antes também sumira aquela poça de
verniz, que acabou levando todos para ali.
— Poça de verniz...! — exclamou Bell. — Aqui só
existe verniz.
Virou-se e olhou para o teto. O local de onde caíram os
quatro seres de Gom ainda estava tão escuro como todo o
teto, as paredes e o chão. Mas nada disso prejudicava a
teoria de Bell.
Marshall e os dois teleportadores tinham desistido de
procurar. Marshall continuou escutando, mas não captava
outra coisa senão uma confusão indecifrável de
pensamentos.
— O que você acha disso? — perguntou a Bell.
— Nada de novo — respondeu Bell meio irritado. Estas
manchas de verniz continuam se divertindo, atapetando as
paredes internas deste aposento, com seus próprios corpos.
— E com que finalidade?
— Quem poderá saber?
Marshall sacudiu os ombros. Queria perguntar alguma
coisa, mas Betty o interrompeu:
— Não sei por que — disse ela baixo e meio nervosa,
— mas tenho a impressão de que há uma terceira espécie de
seres aqui na redondeza. Mais ou menos ali.
Apontou com a mão um trecho bem grande da parede.
Bell se interessou imediatamente.
— Marshall?
Abanando a cabeça, Marshall disse:
— Não, não noto nada. Mas não fique preocupado,
Betty sempre foi uma telepata superior a mim.
Bell se arrastou para o local que Betty havia assinalado.
Cansado, levantou a mão para bater na parede. Mas já na
primeira pancada, recuou com um grito meio entalado na
garganta.
A mão não encontrou resistência. Ao tocar na parede,
ouviu-se um ruído como se estivesse rasgando papel de
seda. Com muita facilidade, abriu-se um buraco.
— Aqui — murmurou Bell — aqui continua o caminho.
Atacou outros trechos da parede com o mesmo sucesso.
Bastava bater para provocar riscos que logo se abriam em
duas partes. Em menos de um minuto, já tinha aberto um
rombo suficiente para a passagem de um homem.
Meio desconfiado, perguntou:
— Marshall, não vê nada ainda?
— Nada — respondeu Marshall.
— Esquisito muito esquisito mesmo — murmurou Bell.
Passaram pelo buraco e chegaram a um lugar, que até
nos mínimos detalhes parecia com aquele que haviam
deixado há pouco. Isto só foi observado depois que
percorreram todo o espaço com as lanternas do capacete. A
única diferença era um pequeno desnível no fundo.
— Tenho impressão que vem de lá — disse Betty um
tanto incerta.
Marshall, que estava muito atento, falou:
— É verdade, ela tem razão. Estou sentindo alguma
coisa, como que alguém que está dormindo e tem um
pesadelo.
Bell se arrastou para o trecho do desnível. Depois da
experiência anterior, foi-lhe fácil retirar a camada do chão.
Bell a rebentou com a pesada luva.
A primeira coisa vista foi um pedaço de tecido cinza,
semelhante a couro. Em alguns lugares, tinha ainda restos
de uma camada que brilhava como prata... e isto deixou
Bell meio perplexo.
Com uns golpes mais fortes, apareceu então algo que se
assemelhava muito a um corpo humano. Mais um puxão, e
aí estava uma cabeça, uma cabeça com um capacete. O
vidro da viseira estava um pouco embaçado, mas o rosto da
pessoa não foi difícil de reconhecer.
Era Ivanovitch.
Bell ouviu gritos desesperados atrás de si. Ele mesmo
trabalhava calado e triste. Instantes depois descobriu
também a cabeça de Ivã, o mais velho, sem o capacete, até
que todo o corpo do mutante foi liberado daquele invólucro.
As duas cabeças estavam de olhos fechados, mas podia-
se observar que as narinas tinham um leve movimento
rítmico. O mutante respirava.
Batendo-lhe de leve nos ombros e puxando-o pelas
pernas, Bell tentava despertá-lo. Por fim, Marshall o
interrompeu.
— Acho que não é tão fácil assim, Bell.
Provavelmente está ainda sob a ação de influencia pós-
hipnótico.
— Mas, Santo Deus, como é que veio parar aqui? E
onde estão os outros três, Ishibashi, Sengu e Yokida?
Bell olhou em volta. As lâmpadas dos capacetes
inundavam o ambiente de luz. Não havia mais desníveis no
50
chão. Se os três japoneses estivessem ali embaixo, não
estariam naquela peça.
— Olhe para seu traje espacial — falou Marshall. —
Não dá a impressão de que tentaram sugá-lo?
Bell concordou. Tako Kakuta observava os pedaços da
camada escura que Bell rebentara e jogara de lado.
— Camadas de verniz, sem dúvida — afirmou ele. — O
que muito me admira é que o senhor conseguiu rebentá-las
com facilidade.
— Admira, por quê?
Tako apanhou um daqueles pedaços e lhe mostrou:
— Podem ser rasgados só num sentido. Repare... assim.
Em outro sentido é impossível, como, aliás, em certos tipos
de plásticos ou celofane. Só podem ser rasgados numa
direção, e o senhor o fez corretamente.
Bell ouviu tudo muito pensativo. Depois se voltou para
Goratchim e com o auxílio de Marshall o puxou uns dois
metros para o lado. Aí percebeu que o mutante não estava
deitado no chão puro, mas em cima de uma camada
marrom-escura de folhas vivas.
— Mundo esquisito — disse Bell admirado. — Se a
gente ao menos pudesse saber o que pretendem com tudo
isto?
— Talvez haveremos de saber, quando ele voltar a si —
opinou Marshall.
— Temos que levá-lo para fora — constatou Bell. —
Aqui embaixo jamais voltará a si. Quando eu então...
Betty Toufry o interrompeu no meio da frase com um
grito agudo de desespero:
— Cuidado! Estão nos atacando.
Marshall se concentrou e ficou escutando.
— Ela tem razão — disse muito assustado. — Temos
que sair daqui, as solhas querem nos prender.
— Betty, para fora — ordenou Bell. — Todos ou outros
me ajudam aqui com o Ivã.
Betty se arrastou o mais depressa que pôde. Ao chegar à
parede, gritou:
— Não consigo mais achar o risco. E a resposta de Bell
foi:
— Então, faça outro.
Betty se pôs ao trabalho. Porém, ou se deu uma
alteração qualquer com as solhas, ou Betty não estava
preparada para este tipo de trabalho, como Bell.
Quando os homens chegaram com o corpo inerte de
Goratchim, Betty suspirava desesperada:
— Não consigo...
Sem dizer uma palavra, Bell deixou cair o braço do
mutante que estava arrastando, levantou a mão e deu um
grande soco na parede. Sentiu que a parede cedeu com o
pesado golpe. Entretanto como uma película de borracha
elástica levemente esticada, voltou outra vez ao lugar. Bell
se levantou e se lançou com toda força contra a parede. Mas
o resultado não foi melhor.
Alguma coisa havia mudado a substância das solhas
neste meio tempo.
— Afastem-se — ordenou Bell — temos que fazer
fogo.
Antes que estivesse com a arma em posição de atirar,
começou atrás dele um forte ruído de algo que se esfregava.
Bell não se deixou perturbar com isto, mas os outros se
entreolharam e Marshall gritou:
— Elas vêm por trás de nós. Desprendem-se, às dúzias
das paredes, do chão e do teto. Vamos depressa.
Bell atirava. A substância das solhas não estava
preparada para os raios esfuziantes e poderosos da pistola
térmica. Quase que instantaneamente, Bell abriu um rombo
que era suficiente até para o corpo avantajado de
Goratchim. Segundos depois, já estavam todos do outro
lado.
Passaram a ouvir o mesmo ruído ou chiado de sempre,
como no aposento que haviam abandonado há pouco. E
agora, com a luz das lanternas, estavam vendo as solhas em
grandes grupos escorregar do teto ou das paredes e saírem
do chão. E aquele buraco — feito há pouco por Bell —
estava se alargando cada vez mais. Algumas solhas se
desprendiam da fina parede, aumentando assim o rombo,
até o chão. Proporcionavam assim uma passagem cômoda
para as demais solhas que estavam prontas para o ataque.
— Avante! — gritava Bell. — Temos que tentar chegar
até o buraco por onde entramos.
Arrastavam com pressa o mutante de duas cabeças, Bell
não tirava mais da mão a pistola térmica. Por onde que os
seres de Gom avançassem, recebiam o fogo direto de sua
mão firme.
Ainda não se podia imaginar o que pretendiam fazer as
solhas. Não tinham armas, nem naturais, nem mecânicas.
Não tinham braços, nem pernas, nem boca.
Mas todos sabiam que elas conseguiam dominar seus
adversários. Um exemplo disso era o forte Goratchim, com
seu traje espacial semidissolvido.
Puxando o pesado corpo do mutante, chegaram até a
metade do aposento. Betty percorreu com sua lanterna do
capacete todo o recinto. Mas não conseguia mais ver a
abertura pela qual entraram. Marshall foi ajudá-la na
procura, enquanto que Bell e os dois teleportadores se
incumbiam de afastar com as armas de fogo as solhas que
atacavam.
Um minuto depois, não havia mais dúvida: não existia
mais o buraco, as solhas o haviam tapado.
Pelo rosto de Bell, corria o suor.
— Temos que cavar nós mesmos outra galeria, — foi
sua resolução. — Vamos, ponham Ivã ali ao lado da parede.
Ele mesmo foi à frente e começou a trabalhar com sua
pistola. Não se importava com o calor sufocante que se
irradiava da pedra incandescente, que desta vez,
infelizmente não provocava aquela lufada de ar fresco, para
amenizar a quentura. Com a temperatura externa de
trezentos graus centígrados, o calor penetrava no traje
espacial, apesar do dispositivo automático de refrigeração,
atingindo a casa dos quarenta graus.
Mas também para as solhas a temperatura estava
demasiadamente elevada. Formavam um semicírculo em
torno das pessoas que, ou estavam assistindo ao trabalho de
Bell, ou estavam de costas esperando preparadas para atirar,
caso atacassem de novo.
A saída começava a abrir-se metro por metro. Atrás de
Bell, vinha primeiro Goratchim, que era arrastado, e depois
os outros. Quando as solhas começaram a atacar, Marshall
abriu um fogo tão cerrado que matou um grande número
delas. As demais perderam o interesse da perseguição.
Neste meio tempo, Bell estava refletindo que para
atingir o corredor central, devia abrir o trilho um pouco
mais para cima. Calculou bem o ângulo certo e começou
então a escavar degraus na rocha. O trabalho a mais não
tinha importância, já que Marshall estava em condições de
rechaçar as investidas do traiçoeiro adversário.
51
Betty, no entanto, afirmava que a ordem de ataque era
transmitida telepaticamente a cada instante.
Para evitar qualquer investida de surpresa das solhas,
Marshall ficou parado no primeiro degrau. Cada degrau
fora feito com trinta centímetros de altura e metro e meio
de comprimento. Se Marshall encolhesse um pouco as
pernas, tinha espaço suficiente para deitar-se comodamente.
Acima dele Bell, Betty, os dois teleportadores e Ivã
Goratchim, ainda inconsciente, continuavam o caminho.
Alguns minutos depois, Marshall não percebeu nada mais, a
não ser o jogo de luzes que se cruzavam.
Sua lanterna se dirigia sempre reta para dentro da
galeria. Durante uns quinze minutos, a situação foi de
calma absoluta. Mas após este intervalo, os microfones do
capacete começaram a captar aquele ruído de alguma coisa
que roçava. Outra vez, Marshall intranquilizou-se.
As solhas estavam de volta.
Marshall as observou com calma, quando elas,
hesitando, se aproximavam do reflexo da lâmpada. Não
conseguiu verificar se elas sentiam a claridade. Mas o ruído
continuava o mesmo.
Naturalmente estava de arma em punho, preparado.
Esperava paciente que a primeira solha atingisse a base do
degrau. Já ia apertar o gatilho, pois estava certo de que o
degrau não era nenhum empecilho para elas.
Mas tirou o dedo do gatilho, quando reparou que o ser
esquisito bateu contra a rocha, escorregou alguns
centímetros e quedou imóvel.
Chegaram outras solhas e sendo o corredor um pouco
estreito, vinham umas sobre as outras. Mas a cada uma
delas acontecia o mesmo que à primeira: chocava-se contra
a parede de pedra, escorregavam uns centímetros para trás e
permaneciam imóveis.
Marshall teve uma ideia. Deixou a arma de lado, por
uns momentos, pegou na primeira solha que estava por
cima, observou se as outras não estavam coladas nela, e a
puxou para seu degrau, recuando ele mesmo para o degrau
superior.
Observou que o ser de Gom, pouco menor que a
superfície do degrau, movendo-se um pouco de um lado
para o outro, chocou-se de encontro à rocha a seus pés,
escorregou um pouco para trás. Empurrou-se mais para
frente, até que mais da metade de seu corpo ficou pendendo
no ar. O estranho ser perdeu o equilíbrio e caiu sobre sua
companheira que a esperava embaixo, imobilizando-se.
Marshall pegou-a novamente e trouxe para cima do
degrau. Seu senso científico não lhe permitia tirar uma
conclusão importante de uma só experiência.
Mas sua experiência foi interrompida. Primeiro, julgara
ter ouvido um grito, mas quando o ruído esquisito se
repetiu, notou que se tratava de um sinal telepático. Em
contraste com a confusão de impulsos que vinha dos
aposentos arredondados, em contraste com o comando
inimigo que levava as solhas ao ataque, e em contraste com
os longínquos, mas bem compreensíveis pensamentos de
seus colegas, causava-lhe a impressão de que provinha de
um cérebro, muito semelhante ao do homem.
A mensagem telepática dizia:
— Ajudem-nos, matem os estranhos.
Marshall sabia que Betty também teria ouvido o pedido
de socorro, tão bem como ele. Sabia ainda que Bell poderia
se utilizar de qualquer arma quando o negócio ficasse sério.
Pois Marshall tinha certeza de que o pedido de socorro
partira das solhas, ou melhor, falando do conjunto de todas
as solhas ali reunidas e de que aquele pedido se dirigia a um
cérebro que, como os homens, não entendia nada da
telepatia do ser de Gom.
Com uma descarga, matou as solhas que se tinham
agrupado no degrau inferior. Virou-se para trás, e correu
escada acima. Conversou com Betty. Ela tinha recebido e
compreendido o pedido de socorro das solhas e informou a
Bell de tudo. Mas até o presente momento, não havia
nenhum indício de que alguém tivesse a intenção de vir em
socorro das solhas.
* * *
Bell não tinha mais esperança de atingir o corredor
central, pelo qual haviam penetrado no fundo da rocha. De
repente, porém, sob o fogo de sua pistola térmica, a parede
da frente de sua nova abertura artificial se dissolveu, caindo
em pedaços, deixando à vista um grande rombo escuro. O
espaço lá dentro parecia ter uma pressão atmosférica bem
pequena, pois uma rajada de vento quente quase atirou Bell
através do recém-surgido buraco, levantando poeira e
estilhaços de pedra em redor dele.
No mesmo instante, Betty ouviu o grito desesperado:
— Estão no reservatório do oeste, eles, os estranhos.
Não tinha muita certeza se o que ela tinha entendido
como oeste, era mesmo oeste. Mas foi assim que o
transmitiu a Bell.
— Suponhamos que com as palavras “eles” e “os
estranhos” estão se referindo a nós, então em pouco tempo
vamos ter muito que fazer. Somente quero saber de quem
as solhas lá embaixo estão esperando auxílio.
Não havia ainda acabado de falar as últimas palavras
“esperando auxílio”, quando um jato de luz de uma das
lanternas caiu sobre uma parede lateral do grande salão em
que se encontravam. Em geral, as paredes e o chão eram de
pedra pura, mas neste local, que Ras Tschubai iluminava
agora, havia uma espécie de cortina feita com a substância
de um marrom brilhante do corpo das solhas.
Bell não teve dúvida de que aquela cortina esquisita
encobria uma saída, provavelmente um corredor, que
serviria para o arejamento e para a manutenção de uma
temperatura constante nas instalações subterrâneas.
Lançou um olhar de desânimo sobre o inconsciente
Goratchim, murmurando:
— Não há por onde, temos que continuar a arrastá-lo.
Vamos, para fora.
Apontou para a cortina. Tako Kakuta chegou até lá,
desfechou um enorme soco de mão fechada e teve de
constatar que a massa corpórea do ser de Gom não havia
perdido nada de sua poderosa elasticidade.
Bell, então, usou a pistola térmica e com a rapidez
anterior, as solhas se transformaram em vapor esfuziante e
em gotas que caíam no chão e endureciam. Enquanto
atirava com a mão direita, a esquerda puxava o mutante
inconsciente. O buraco já tinha o tamanho necessário. Via-
se através dele apenas uma escuridão interminável.
Ao se aproximar, recuou com um grito de horror. Vinha
pelo corredor, na direção deles, uma multidão de pernas,
sobre as quais repousavam troncos pesados, de cor cinza-
escuro, troncos com quatro braços e cabeçorras redondas,
de olhos estarrecidos e sem vida.
Apesar da escuridão, Bell percebeu pelo menos uns
vinte, vinham meio agachados, pois tinham três metros de
52
altura, enquanto o corredor mal chegava a dois. Estavam
armados, com armas tão pesadas que um ser humano
dificilmente conseguiria carregar.
Eram bios — criaturas repugnantes e artificiais que os
aras criavam em Laros. Bell já os tinha visto uma vez em
Laros e pedira a Deus que nunca tivesse de enfrentá-los.
Neste momento, porém, tinha a certeza de que Deus não
atendera seu pedido.
3
Marshall captou os pensamentos excitados e nervosos
de Bell, enquanto ainda estava descansando no degrau
inferior. Tentou levantar-se e correr, mas os braços e as
pernas não lhe obedeceram. Continuou deitado, tentando
descobrir se o novo adversário emitia algum impulso. Pelos
pensamentos de Bell, podia-se concluir que se tratava de
um grupo de bios dos aras. Os aras, seus criadores e donos,
tinham transmitido a eles certo grau de inteligência,
exatamente tanto quanto necessitavam para servirem como
meros escravos: os bios não possuíam nenhuma pretensão
própria.
Antes disso, porém, Marshall não captara nada, a não
ser muitos pensamentos dos colegas, todos acusando o
horror pelo que viam.
Ao sentir-se um pouco mais resistente, levantou-se.
Com dificuldade venceu dois degraus, tendo que parar para
descansar. E enquanto descansava, percebeu o primeiro
sinal do adversário:
— Estão aqui na nossa frente.
A resposta telepática veio de imediato:
— Matai-os, eles estão destruindo o sistema de
refrigeração.
Chegou a hora do comando de Bell:
— Fogo! Vamos tocá-los daqui para fora.
A primeira investida de Bell deu certo e ele estava
triunfante. Mas Marshall percebeu que não havia
esperanças de uma vitória final. Teve então uma ideia.
Chamou Betty, que respondeu de imediato, embora a luta
recém-iniciada a prendesse totalmente.
— São telepatas muito fracos, Betty, temos que tentar
influenciá-los.
— Será que conseguiremos? — perguntou ela.
— Vamos experimentar.
— Já tentei arrancar as armas de suas mãos horrorosas,
mas possuem força descomunal e eu não estou podendo me
concentrar bem.
Betty possuía realmente dois dons parapsíquicos
distintos: era telepata e telecineta ao mesmo tempo. Se lhe
dessem tempo suficiente, poderia decompor uma montanha
de mil metros de altura, sem botar a mão nela.
Mas, tempo ela não tinha, e os bios seguravam suas
armas com mais firmeza do que o rochedo, os blocos de
pedra.
— Vamos tocá-los para fora do corredor — disse
Marshall, depois de Betty lhe ter descrito a situação. —
Vamos dar-lhes ordem de voltar e deixar Bell sossegado.
Betty concordou, sempre um pouco assustada.
— Bell os rechaçou uns dois metros para trás. Nós
estamos abrigados dos dois lados da entrada, de maneira
que terão que invadir primeiro, se quiserem atirar em nós.
Agora... agora estão atacando de novo.
Marshall fez um esforço para se concentrar.
— Vamos começar, Betty. Faça um grande esforço de
concentração.
* * *
Reginald Bell estava quase certo de que esta seria a
última luta que teria de travar em sua vida.
As armas dos bios eram muito poderosas. Se
conseguissem ao menos uma vez sair do corredor e penetrar
no reservatório, ele, Bell, e todos os seus estariam perdidos.
No primeiro embate, Bell atingiu com tiros certeiros
dois bios, desencorajando com isto os outros atacantes, de
tal maneira que recuaram um pouco. Mas, apesar de todo o
primitivismo de sua inteligência, era apenas uma questão de
tempo, até que chegassem à ideia tão simples de que
abrindo outro corredor pela rocha, chegariam ao
reservatório, sem o perigo de um ataque direto.
— Estão voltando — sussurrou Betty.
Bem perto do chão, Bell esticou a cabeça, protegida
pelo capacete, até o ponto em que podia ver os bios que se
aproximavam. Seguravam as armas com as duas mãos
superiores, enquanto que as duas outras pendiam
livremente, num poderoso, mas disforme e estranho tronco.
Bell enfiou a mão com a arma pelo canto da parede e
deu uma piscadela para os dois telepatas.
— Deixem chegar até cinco metros, rapazes. É o melhor
ponto para um bom tiro. Prestem atenção.
Já estava com o dedo no botão de fogo contínuo. Viu
também que os bios ergueram as armas, já com o dedo no
gatilho.
Mas o primeiro ficou parado de um momento para o
outro. O corredor era tão estreito que tinham que caminhar
um atrás do outro. Aconteceu então que os outros se
chocaram contra ele, que apesar de tudo, não perdeu o
equilíbrio. Abriu a bocarra, como se sentisse falta de ar, e
por uns segundos sua fisionomia simplória dava a
impressão de perplexidade.
Os bios não usavam trajes espaciais. Para seus corpos
abrutalhados e quase sem diferença um do outro, não tinha
a menor importância o local onde estavam, contanto que a
carga mecânica não fosse grande demais.
Bell pôde ver bem nítido como as pernas do primeiro
monstro começaram a tremer. Pesadamente, deu um passo
para o lado e voltou. Bell escutou qualquer coisa articulada,
mas incompreensível. Após isso, toda a tropa deu meia-
volta, afastando-se pela escuridão adentro.
Bell quedou perplexo, de olhos fixos na escuridão, não
entendendo o que se passava. Avançou uns passos na
direção deles e com a luz da lanterna os seguiu, até
sumirem nas trevas.
— Estão indo embora — dizia Betty feliz para
Marshall, por via telepática, de maneira que ninguém
ouviu.
Só então é que Marshall respirou aliviado e teve forças
para subir os outros degraus. Após caminhar uns minutos,
viu claridade em sua frente. Entrou, ofegante, num grande
hall onde Bell e os seus haviam rechaçado aquele ataque
horrível dos bios, de uma maneira que parecia milagre.
Naturalmente Marshall informou a Bell de que maneira
tinha acontecido aquele milagre. Reginald abanou a cabeça
pensativo:
— Como você certamente já notou, eu sou um tanto
céptico em relação a vocês mutantes, mas devo dizer... —
53
olhou para Marshall e piscou o olho — ...meus respeitos.
Marshall agradeceu, dizendo:
— Quero ver o que se pode fazer por nós ainda.
Todos estavam prestando atenção.
— Por nós ainda? Será que você já tem algum indício
sobre o paradeiro dos três japoneses, onde as solhas os
esconderam?
Marshall fez sinal negativo com a cabeça.
— Não, não tenho. Acho que não podemos achá-los por
nossa própria força. As instalações são muito extensas.
Fez uma pausa, como se tivesse que pensar.
— Não — continuou. — Estive refletindo um pouco
sobre as solhas. Cá entre nós, deveríamos arranjar um nome
melhor para elas. É verdade que isoladamente são seres, no
máximo, semi-inteligentes. Porém, em conjunto, formam
unidades de qualquer tamanho e são capazes de realizar
coisas importantes, como acabamos de ver, não é?
— Claro — respondeu Bell.
— E mais uma coisa ainda.
— O quê? — perguntou Bell.
— As so... ou então, como devemos chamá-las? Os
gons... estão em contato com os aras de Laros, do contrário
não teriam recebido auxílio de lá.
— Muito bem. E você sabe como isto acontece?
— Não tenho a menor ideia — disse Bell.
— Pense no caso de Goratchim — aconselhou-lhe
Marshall. — Provavelmente as solhas estavam ocupadas
em sugá-lo. Lembre-se daquelas que caíram de repente do
teto. Você também não tem a impressão de que este local é
um viveiro de solhas e os gons ou solhas querem alimentar
seus embriões ou massa de origem com substância
orgânica?
Bell ouvia com toda atenção.
— Pois bem, isto seria uma explicação. Mas continue,
homem sábio.
Marshall sorriu e continuou:
— Os gons ou as solhas são, pois, especialistas na
digestão ou assimilação de substância orgânica. Você se
lembra de como a nossa Gazela desapareceu? Acho que as
solhas adultas também se alimentam da mesma maneira.
Nada seria então mais razoável para os aras do que procurar
neste planeta a substância de que necessitam para a
produção dos bios. Possuem aqui um fornecedor
espontâneo. Em Laros seria muito mais complicado,
precisariam de um mecanismo complexo para obter o
mesmo resultado. Vou mais longe ainda: os aras instalaram
a base dos bios em Laros, só porque têm as solhas bem
próximas.
Seguiu-se um longo silêncio. Depois Bell se
manifestou:
— Acho que você tem toda razão. Tudo que disse,
realmente, tem fundamento. — Levantou bruscamente a
cabeça. — Mas...
— Mas eu havia dito que poderia, sob certas condições,
fazer algo em nosso favor.
— Exatamente a este ponto é que queria chegar.
Marshall tinha simplesmente lido seu pensamento.
Continuou sorrindo.
— Pois bem. Já sabemos que nos encontramos no
reservatório de ar de um sistema de refrigeração.
Provavelmente as solhas se multiplicam melhor sob a
temperatura de 14,3 graus, que constatamos durante umas
duas horas. Ao pensar num sistema de refrigeração, tenho
forçosamente que imaginar que em algum lugar tem de
haver uma câmara de vácuo... para compensar a elevação
da pressão e para descompressão adiabática do ar
superaquecido, não é?
Bell sorriu.
— Seu método é extremamente indutivo. Não se pode
fazer outra coisa do que lhe dar razão.
Com um sorriso tranqüilo, Marshall agradeceu o
cumprimento.
— Essa câmara de vácuo é que temos de encontrar. A
única coisa com que temos de nos acautelar, são os bios.
— Como assim? Não são tão fáceis de serem
influenciados telepaticamente?
— Tão fáceis? — Marshall sorriu. — Betty e eu não
somos sugestores. Sem o auxílio do acaso, não o teríamos
conseguido.
Depois, ficando um pouco mais sério, continuou:
— Não, não acredite que já estamos livres dos bios.
Basta aparecer um grupo um pouco maior, digamos de
cinqüenta, então nós os telepatas não conseguiremos mais
nada.
— Não acredito — disse Bell — que os aras mandem
mais do que este grupo.
— Eu também não, mas não podemos ter certeza.
Bell concordou, mudando de assunto:
— Portanto, podemos ir, não é? Onde supõe que esteja a
câmara de vácuo?
— Em algum lugar por aí. Você naturalmente reparou
que este corredor é mais alto e mais largo que o anterior.
Quem sabe se bifurca mais além e recebe outros ramais?
Temos de examinar estas bifurcações.
De dois em dois, rastejavam-se, um ao lado do outro,
para dentro do corredor. Ras Tschubai e Tako Kakuta
arrastavam com sacrifício o mutante de duas cabeças.
Depois de três quartos de hora, atingiram realmente o
local onde desembocava um corredor mais baixo que vinha
do lado esquerdo. E a luz das lanternas iluminou outra
bifurcação a cem metros daí.
— Muito bem, — disse Bell. — Até aqui sua teoria está
correta, Marshall.
Marshall disse qualquer coisa, concordando, depois
falou:
— Aliás, estou me lembrando de outra coisa.
— Do quê?
— De que maneira os bios vieram de Laros para cá?
Acha que foi a pé?
Bell gostou da pergunta.
— Puxa, você é um homem inteligente. Mas vamos dar
um jeito de, antes, comer alguma coisa. Depois iremos
procurar a espaçonave em que vieram os bios. Se é que
ainda está por aí.
Marshall sorriu. Estava diante da saída da bifurcação.
Bell reparou como ele pegou a pistola térmica e apontou
contra a parede da parte bifurcada, mantendo o fogo por
uns cinco segundos. Bell se aproximou, olhando admirado
para o ponto atingido. No mesmo instante, se sentiu um
vento brando que soprava do trecho bifurcado para o
corredor principal.
— Está vendo, não é o corredor certo. Se houvesse uma
câmara de vácuo em sua extremidade, o vento teria soprado
na direção oposta.
Bell ficou olhando para ele, de olhos arregalados e de
boca aberta.
54
— Se você continuar assim — disse Bell — de boa
vontade, terei que lhe ceder meu posto a bordo da Titan.
* * *
O método de Marshall tornava supérfluo ter de
examinar cada ramificação do corredor até seu início. O
método era infalível, como todos estavam vendo. Num
trecho de pouco mais de um quilômetro, ramificavam-se do
corredor principal quinze saídas. Marshall procurava a
décima segunda.
Depois de fazer o tiro de experiência, surgiu um rombo
na parede da entrada, por onde penetraram. Após uma
caminhada mais curta do que pensavam, chegaram a um
lugar onde uma cortina de solhas marrom-escura tapava o
caminho, hermeticamente.
Bell que sempre se mantinha ao lado de Marshall,
pegou a arma para afastar do caminho aquele obstáculo.
Porém Marshall puxou-lhe o braço para baixo.
— Não desse jeito — pediu ele. — Precisamos usar
outra técnica, se quisermos que a câmara de vácuo nos seja
útil.
Marshall sacou a arma, dirigindo-a contra a parede, mas
antes de acioná-la, avisou:
— Esteja preparado. Dependendo das condições,
teremos que atravessar aqui, como as doninhas.
Bell entendeu o que queria dizer. Quando Marshall
começou a trabalhar na parede com a pistola térmica, Bell
estava puxando Goratchim por uma dobra do maltratado
traje espacial. E, ao se levantar a cortina de solhas, para
permitir a passagem da massa de ar quente para as partes do
corredor que estavam com pressão mais baixa, o mutante
foi arrastado tão fortemente, sendo atirado uns metros para
dentro do corredor.
Como já previra Marshall, a cortina se abriu apenas por
poucos segundos, caindo depois ao solo e separando uma
parte do corredor hermeticamente da outra.
Este breve intervalo foi suficiente para o pessoal de
Bell. Sentiam-se arquejantes devido ao esforço que o
movimento mais rápido exigia, principalmente em virtude
da maior atração. Mas já estavam para trás da cortina.
Alguns metros para frente havia outra cortina, idêntica à
anterior, também formada pelas solhas de Gom. Marshall as
obrigou a abrir caminho, do mesmo modo como com as
outras.
Bell consultava com frequência o manômetro de pulso.
Constatou que depois de cada cortina — ao todo cinco — a
pressão do ar era umas duas atmosferas mais baixa do que a
anterior. Depois da quinta seção, a pressão ainda estava a
duas atmosferas e meia. Ainda era alta demais, para que
pudessem tirar os trajes espaciais. Porém se tornara apenas
um décimo da pressão reinante normalmente em Gom.
Após a última cortina, o corredor era muito sinuoso.
Inteligentemente, os gons tinham conseguido com a técnica
mais simples possível, mas ao mesmo tempo muito
eficiente, que, por ocasião de uma repentina compensação
de pressão, a impetuosidade do ar não causasse prejuízos.
Estava obrigada a fazer muitas curvas e com isto perdia em
velocidade.
Já haviam caminhado duas horas, quando, após uma
curva, surgiu novamente uma cortina de solhas. Dava
impressão de ser muito mais volumosa do que todas as
outras pelas quais haviam passado. E quando Bell
experimentou dar o seu possante soco com a luva direita,
notou que aí não havia aquela elasticidade característica das
anteriores, mas antes, parecia uma parede sólida de cimento
armado.
— Nada de extraordinário — disse Marshall — aí atrás
deve estar, provavelmente, a grande câmara de vácuo. Este
paredão tem que suportar uma bela pressão.
A receita patenteada de Marshall iria atuar também aí.
Um rápido bombardeio na parede obrigaria a cortina a
ceder um pouco de lado e o ar aquecido penetraria na
câmara. Devido aos exercícios já repetidos, Bell e os seus
conseguiram entrar antes que se desse a compensação de
temperatura.
Apenas Marshall ficou de fora.
O manômetro de Bell acusava a pressão de 0,05
atmosferas. Os trajes espaciais elásticos, submetidos até
então a uma pressão bem elevada, estavam quase colados à
pele, porém, agora, se estufaram como balões disformes.
— Cinco centésimos! — exclamou Bell para Marshall.
— Precisamos de vinte vezes mais do que isso.
Sob o jato térmico de Marshall, levantou-se de novo a
cortina das solhas, deixando penetrar uma corrente de ar
esfusiante. Bell viu que a pressão, no seu manômetro,
passou de 0,05 para 0,6 atmosferas.
— Só mais um pequeno disparo — pediu ele a
Marshall.
Marshall obedeceu prontamente, arrastou-se pela
terceira vez para a cortina que se reerguia e pôde observar
no seu manômetro que, com o último bombardeio, a
pressão dentro da câmara subiu a 0,97 atmosferas.
Sob a claridade das lanternas do capacete, constatou-se
que a câmara não era tão grande como se supunha. Tinha
uma forma arredondada — aliás, os gons deviam ter
predileção por esse tipo de construção — mais ou menos
vinte metros de altura e quinze de diâmetro.
As paredes não estavam despidas como as das câmaras
de ar rarefeito, onde os bios os atacaram. Três quartos dela
estavam recobertos com as solhas de cor marrom-escura.
Marshall falou categórico:
— Pensei que fossem exatamente assim. Os gons não
possuem um número imenso de câmaras de vácuo. Quando
uma delas se enche de ar, como é o caso desta aqui, então
só lhes resta tentar esvaziá-la novamente. Não dispõem de
meios mecânicos, como nós. Não têm, pois, outro meio de
expulsar o ar a não ser por reações químicas, ou melhor,
reações em série, que consomem o ar.
Bell fez uma fisionomia séria de quem entendia e
aprovava.
— Muito plausível. E as próprias solhas desencadeiam
estas reações?
— Sem dúvida alguma. Dependuram-se como cortinas
nos corredores, por si mesmas, por que então não vão poder
provocar reações químicas nos seus próprios corpos e
conseguir controlá-las? Esperemos um pouco. Conforme
minha teoria, a pressão deve diminuir com o tempo,
provavelmente de maneira lenta, mas contínua.
Bell foi o primeiro a despir, com muito cuidado, o traje
espacial. Sabia que a atmosfera das solhas era quase a
mesma que a da Terra. Porém, não sabia como era a
composição do ar no interior da instalação subterrânea.
Aspirou devagar, olhando calmamente em volta.
— Catinga um pouco — ouviram-no dizer — mas pode-
se respirar.
55
Mais do que depressa, tiraram aquela indumentária
plástica, colocando o capacete de lado de tal forma que as
lanternas estavam voltadas contra as paredes, produzindo
uma espécie de iluminação indireta.
Catingava, realmente, isto é: havia um cheiro pouco
comum, de início, desagradável, no ar. Por certo seria
consequência da transpiração das solhas.
A refeição que estavam tomando, era tudo, menos um
banquete. Compunha-se essencialmente de preparados
concentrados que matavam a fome e a sede ao mesmo
tempo e davam ao corpo reserva suficiente para duas
semanas. Como sobremesa, Bell distribuiu uma barra de
chocolate que havia esquecido no bolso de seu traje
espacial.
Ficaram bastante tempo descansando. Tinham a feliz
sensação de, sem os tolhedores trajes plásticos, poderem
respirar um ar fresco, pois o mau cheiro de início, ninguém
mais notava.
Durante estas três horas, em que estiveram descansando
estirados no chão, a pressão na câmara desceu do valor
inicial para 0,75 atmosferas. Os gons que estavam nas
paredes, cobriram-se com uma camada marrom-escura,
sendo que de vez em quando lhes caía um pedaço no chão.
Constatava-se, portanto, no corpo das solhas uma reação à
pressão quando esta diminuía.
— A natureza é mesmo maravilhosa — dizia Marshall
pensativo — criando tais seres. Dentro de sua categoria,
eles são tão completos como o homem.
E olhando em torno e vendo o interesse geral em ouvi-
lo, Marshall continuou:
— Vamos agora resumir tudo que sabemos sobre estes
seres de Gom, ou as solhas, como dizemos. Primeiro: como
indivíduos, são completamente inofensivos para nós. Não
dispõem de nenhum tipo de instrumentos ou armas, são
apenas semi-inteligentes, pelo menos enquanto não forem
influenciados de fora.
“Segundo: o agrupamento ou a fusão de várias solhas
num, digamos, supergom, significa a soma de inteligência e
produz um ser que não apenas é capaz de pensar por si, mas
sem dúvida, pode possuir dons parapsíquicos. Tentem
imaginar, por exemplo, que força telecinética incrível seria
necessária para puxar a Gazela, a milhares de quilômetros
de altura para uma aterrissagem em Gom, mais semelhante
a uma queda.
“Terceiro: a lógica observada pelo supergom é
completamente diferente da dos homens. O supergom,
portanto, não conhecerá nenhuma moral, conforme os
padrões humanos. Não podemos, pois, esperar, só para dar
um exemplo, que nos sejam gratos, à maneira dos homens,
por um serviço prestado. Por outro lado, se lhes fizermos
algum mal, não precisamos nos preocupar de que se
vinguem ou fiquem nossos inimigos”.
“Quarto: O supergom tem a faculdade de se comunicar
com um ser estranho, cujo cérebro seja mais ou menos
semelhante ao nosso. Estou me referindo aos bios. Não
quero fazer nenhuma comparação entre eles e nós. Mas não
há dúvida alguma de que o pouco de cérebro que os bios
possuem é semelhante ao cérebro dos aras e portanto é
construído como o nosso. Por conseguinte, deve haver
também uma possibilidade de nós nos entendermos com os
gons. Temos que encontrá-la.”
Bell era o ouvinte mais atento.
— O que vamos ganhar, realmente, se conseguirmos
este entendimento com os gons?
— Primeiramente, queremos sair daqui. Seria
maravilhoso se conseguíssemos sair daqui sem ter que
cavar a fogo na rocha uma dúzia de buracos. Para isto
precisamos do apoio dos gons. E, em segundo lugar, é
muito provável que os gons tenham ideia de como podemos
deixar este planeta do inferno o mais rápido possível.
Pensem apenas no fato de que, conforme nossa hipótese, os
aras extraem sua matéria-prima orgânica dos gons. Sendo
isto uma realidade, certamente enviam de vez em quando
uma espaçonave para Gom. Talvez nos próximos dias
venha uma e nós podemos tomá-la dos aras, caso os bios já
tenham regressado ou nós não encontremos a que está por
aqui agora.
Bell ficou ainda mais pensativo.
— Combinado — respondeu finalmente. — Acha que
conseguirá entrar em contato com os gons?
— Vou tentar — respondeu Marshall.
— Onde é que está este supergom, na sua opinião?
Todos nós estamos convencidos de que toda esta instalação
é dirigida por um grupo de gons, não é verdade?
— Claro que é — respondeu Marshall. — Não posso
saber de quantos gons se compõe um supergom. Dois ou
três é certamente muito pouco. Mas os que vimos lá
embaixo nos dois aposentos arredondados, não podiam ser
um supergom? São pelo menos dez mil indivíduos.
— É possível — disse Bell. — Mas não é lá tão
interessante. Procure mais um objetivo prático em seus
pensamentos.
Marshall fez um sinal afirmativo e olhou para Betty do
outro lado. Betty entendeu o olhar e virou-se para outro
lado, para não ser prejudicada em sua concentração,
olhando o pobre do Ivã desacordado. Marshall fez o
mesmo. Além disso, se aproximou mais da jovem, para
facilitar o contato telepático.
Não era nada fácil. Marshall acreditava que os gons não
estavam muitos em condições de poder entender
pensamentos terranos, assim como os homens também não
conseguiam bem decifrar seus impulsos mentais. Não era,
portanto, indicado esperar que os gons descobrissem as
intenções de Marshall ou que eles procurassem contato, por
própria iniciativa. Ele tinha que chamá-los, tinha que
chamá-los do mesmo modo como os gons chamaram pelos
bios.
Porém, não havia coisa mais difícil para o cérebro
humano do que criar um pensamento numa forma
determinada. Os próprios órgãos que transmitem os sons da
fala têm tanta dificuldade em articular os fonemas de
línguas estranhas, assim é quase impossível ao cérebro
pensar em “pensamentos” que não sejam humanos.
Mas Marshall estava tentando.
Concentrou-se e pensou:
— Estou chamando você.
O supergom não respondeu. Marshall chamou mais dez
vezes, em espaços iguais e depois da décima vez, teve a
impressão de que um pensamento estranho tentava de
grande distância se entender com ele.
Modulou seu pedido de socorro para uma faixa
diferente e o emitiu pela décima primeira vez. O
pensamento estranho se apresentou de novo, desta vez mais
nítido do que antes.
Marshall continuou modulando e a modulação diferente
parecia influenciar os processos mentais do supergom. A
56
resposta parecia cada vez mais nítida.
— Estou aqui, que quer você, meu amigo estranho?
Betty também tinha ouvido e entendido. Olhou para
Marshall, encorajando-o.
— Nós tivemos que lhe causar muitos prejuízos, porque
nos perdemos nesta instalação — pensava Marshall. —
Ficaríamos felizes de não sermos obrigados a repeti-los.
Você não nos pode mostrar uma saída?
A resposta veio de imediato:
— Sim, se eu não conseguir matá-los.
Esta lógica esquisita deixou Marshall tão perplexo, que
precisou de uns instantes para voltar novamente à
modulação certa.
— Por que você nos haveria de matar? Nossa morte não
pode trazer nenhuma vantagem a você. Pelo contrário, nós
nos defenderíamos e destruiríamos suas instalações.
— Isto vocês não conseguem fazer, ela é grande demais.
Vocês são corpos estranhos aqui dentro. Procuro matá-los
para não correr nenhum risco.
— Você não corre risco nenhum, se não nos matar. Não
queremos outra coisa do que deixar esta instalação e este
mundo.
Como resposta, veio uma pergunta de curiosidade:
— De onde chegaram vocês?
— De muito longe — respondeu Marshall despistando.
— Nós não vínhamos para Gom, mas você nos obrigou a
descer.
— É verdade, os aras me deram esta ordem.
— Os aras? São seus amigos?
— Trabalho em sociedade com eles. Forneço-lhes
substância orgânica, em troca eles constróem para mim as
instalações subterrâneas, que me dão possibilidade de
produzir tanta substância orgânica quanto possível.
Marshall percebeu uma leve vibração de hostilidade
contida nestas palavras.
— Os aras nos odeiam — disse Marshall com toda
franqueza — querem atacar nossa pátria e nós,
naturalmente, tentamos nos defender.
Os gons ouviam isto com todo interesse.
— E vocês conseguirão isto?
— Esperamos que sim — respondeu Marshall.
— Vão destruir os aras?
Pergunta inteligente e bem calculada.
— Talvez não exatamente destruir, mas expulsá-los de
sua base em Laros — afirmou Marshall.
Com esta resposta, houve um momento de silêncio.
Marshall notou que os gons deixavam transparecer uma
onda de satisfação. Estava vendo nisto uma confirmação de
suas suposições sobre as relações entre os aras e os gons e
resolveu então explorar a situação.
— Três dos meus companheiros — transmitiu com
muita cautela, — ainda se encontram sob seu poder. Estou
convencido de que não poderão ser úteis a você. Devolva-
os.
Não recebeu resposta. Repetiu o pedido e os gons
continuaram mudos. Marshall refletiu se era conveniente
insistir. Mas neste momento, os gons se manifestaram.
— Vou lhes mostrar o caminho — pensavam como se
não tivessem ouvido a pergunta sobre os três japoneses —
Sigam-no e abandonem esta instalação. Eu vou avisar os
outros — o conceito não foi bem compreendido, podia
significar “irmãos” ou “amigos”, de qualquer maneira
estavam incluídas outras aglomerações de gons — para que
não os incomodem. Quem sabe mesmo, poderão informar
como vocês podem sair deste mundo.
Marshall resolveu não tocar mais no assunto de
Ishibashi, Yokida e Sengu. Provavelmente, os gons não
queriam ouvir falar nisso. No momento, mais importante do
que a libertação dos prisioneiros, era que eles, Bell e os
seus, voltassem ao espaço. Não se devia aborrecer os gons.
O pensamento de Marshall foi curto:
— Eu lhe agradeço.
Mas como já supunha os gons não entenderam a palavra
“agradecer”. Sua mentalidade estava baseada fortemente
nos conceitos objetivos e funcionais. Conceitos como
gratidão, amor, ódio, e ira eram-lhes desconhecidos.
Os gons deram uma descrição do caminho que Bell e os
seus tinham que seguir e garantiram que as cortinas válvula
se abririam no momento exato. Marshall repetiu
pensamento por pensamento, de toda a instrução que
recebera, garantindo-se assim contra possíveis enganos.
Interrompeu-se então a comunicação. Não houve
despedida. Constataram que Marshall havia compreendido
bem as instruções e “desligaram” simplesmente.
Marshall fez muito esforço durante este longo diálogo.
Estava com a cabeça doendo. Virou-se de costas e ficou por
uns instantes deitado, antes de relatar o diálogo a Bell.
Este não fez nenhum comentário. Bateu nas costas de
Marshall e fez-lhe um sinal de agradecimento, foi tudo.
Deu então ordem ao pessoal que vestisse os trajes
espaciais. Já estava na hora. A pressão na câmara não
chegava a 0,6 atmosferas. A respiração já estava tão difícil
como numa montanha de alguns milhares de metros de
altitude.
Os gons deviam saber a hora exata em que o grupo se
pôs em movimento. No mesmo instante, a cortina que
separava a câmara do corredor, começou a abrir devagar. O
equilíbrio de pressão entre a câmara e o setor interno do
corredor restabeleceu-se imediatamente.
A reação das demais cortinas-válvula foi igual. Abriam-
se à aproximação do grupo de Bell. A caminhada foi
tranquila.
Num espaço relativamente curto, chegaram ao corredor
central de dois metros de altura. Dali voltaram até uma
bifurcação onde Bell havia chegado. A bifurcação começou
plana, mas depois começou a subir. Exatamente quatro
horas depois do memorável diálogo com os gons, apareceu
mais distante o foco de luz avermelhada, que o sol Gonom
desenhava no lusco-fusco permanente.
Com suave aclive, o corredor desembocava numa rocha
bem larga e um pouco mais alta que a estatura de um
homem, formando na saída uma caverna afunilada.
Bell procurou orientar-se, mas fora do fato de que o
trecho de penumbra não ia além de oito quilômetros, não
reparou nada conhecido. O planalto, com as pontas de
pedra espalhadas a esmo, com as plantas carnudas azuis,
parecia ser o mesmo em toda parte de Gom.
— Nestas circunstâncias — disse Bell, um tanto
ofegante — acho eu que umas horas de repouso não farão
mal a ninguém. Talvez ao acordarmos, este moço de duas
cabeças terá voltado a si.
Veio mais uma vez para frente da saída da caverna, a
fim de dar uma olhada no ambiente. Devia ser mais um ato
de rotina, como qualquer pessoa de responsabilidade faz ao
deixar os seus quando precisam descansar num local
perigoso.
57
Mas, foi mais do que isto.
Nos receptores do capacete, o pessoal o ouviu respirar
forte e com ruído. Ajoelhado como estava ali, tapava a vista
dos outros. Viram, porém, sem saber de onde, uma
claridade ofuscante e sentiram instantes depois que o chão
tremia sob seus pés.
Bell virou para o lado, dizendo:
— Nada de descansar, temos visitas.
Deixou-se cair para frente e se arrastou para o lado, a
fim de que todos pudessem ver. Chegaram mais para frente
e viram viaturas espaciais, em forma de discos
semiesféricos, de porte médio, que desciam às dúzias do
céu quase escuro. Das turbinas da proa partiam fluxos de
partículas incandescentes, freando à descida dos discos e
proporcionando-lhes uma aterrissagem suave.
Num amplo semicírculo, com pequenos intervalos,
estavam postados os discos voadores, em torno do rochedo,
onde Bell e seus companheiros haviam instalado seu
quartel-general. O raio do semicírculo tinha cerca de três
quilômetros.
Por uns instantes, ficou tudo na mesma. Mas depois
começou a movimentação nos discos. Bell pegou o
binóculo e o comprimiu contra a viseira.
O que viu não era lá muito consolador. De cada disco,
desceram cinco daqueles monstros, os bios, que os aras
produziam em Laros. Considerando-se que haviam descido
quarenta discos voadores, não era difícil calcular que o
montante da força de combate era de duzentos destes seres
horríveis.
Parecia que já estavam a par do objetivo, vinham de
todos os lados para um só ponto, distante da caverna apenas
cem metros. Dali, de armas preparadas, partiam em direção
à caverna.
— Parece-me que agora a situação se torna séria —
disse Bell, sem perder a calma, ao menos aparentemente.
4
As relações entre os aras e os gons eram de natureza
mais complicada do que Marshall podia suspeitar.
Para os aras, os gons eram importantíssimos
fornecedores de matérias-primas orgânicas. Os aras não se
contentavam com o que extraiam em condições normais
dos gons, sem prejudicar o conjunto deles. Descobriram as
condições em que as solhas se multiplicavam mais depressa
e instalaram colônias de bios recém-criados, para fazerem
as instalações, que proporcionassem aos gons uma
procriação mais rápida. Assim estes davam aos aras maior
quantidade de matéria orgânica.
As possibilidades de relacionamento dos aras com os
gons eram muito restritas. Os aras não eram telepatas. No
entanto, sabiam que os gons eram dotados destes dons e
ainda outros mais importantes. Também não podiam
ignorar que suas criaturas, os bios, eram feitos da mesma
substância dos gons, também até um certo ponto telepatas.
Os gons se apoderaram da primeira instalação que os
aras construíram. Somente mais tarde é que os aras
reconheceram que através dos bios poderiam manter um
entendimento melhor com os singulares seres de Gom. Mas
começaram a abusar deles.
Foi assim que os aras ficaram sabendo alguma coisa de
positivo sobre estes estranhos seres, com os quais estavam
entrando em contato. Compreenderam que os gons,
mormente quando reunidos em maior número, são tudo,
menos seres primitivos e que, mesmo para eles, os aras,
podiam se tornar, sob determinadas condições,
extremamente perigosos. Em atenção à sua mentalidade
mais elevada, os aras deixaram de tratar os gons como
simples fornecedores de plasma celular. E daquela data em
diante, começaram a ver neles inimigos potenciais,
merecedores de atenção especial, já que se tratava de uma
base tão importante como Laros.
Desde esta época, havia sempre um grupo permanente
de bios em Gom, ao todo vinte destes monstros criados em
provetas, ocupados em terminar a construção do viveiro
subterrâneo das solhas. Pelo menos isto é o que diziam aos
gons. Na realidade, os bios eram para fiscalizar os gons. E
os poderosos aparelhos transmissores embutidos no corpo
dos autômatos de quatro braços, sem que os gons
suspeitassem nada a respeito, mantinham os aras a par de
tudo que se passava no planeta.
O supergom em cada seção da extensa instalação
subterrânea, onde Bell com sua gente havia penetrado,
apelou pelos bios, na hora da dificuldade. Marshall
conseguiu influenciar hipnoticamente os bios, obrigando-os
a retroceder. Ao mesmo tempo, porém, os aras em Laros
ficaram sabendo de tudo através das emissoras automáticas
embutidas nos bios. Da informação até à suspeita de que se
tratava das mesmas pessoas que há pouco tempo atrás
tinham causado tanto rebuliço em Laros e depois da fuga
foram forçados pelos gons a uma aterrissagem forçada em
Gom, era um caminho muito curto.
Os aras colocaram os patriarcas dos saltadores, reunidos
em conferência em Laros, a par de tudo, e estes então
decidiram que o mais prático seria que os aras enviassem
seus bios para prender os fugitivos.
Foi assim que uma pequena frota de naves de patrulha,
com bios a bordo, partiu de Laros e aterrissou exatamente
no local, onde instrumentos de alta sensibilidade
localizaram os mutantes e Bell.
Ninguém se preocupava em Laros com o resultado da
operação. Conheciam Gom e sabiam que os fugitivos não
estavam preparados para aquele ambiente. Já era um grande
milagre o fato de estarem ainda vivos. De qualquer
maneira, não podiam opor nenhuma resistência aos bios,
que se sentiam em casa e estavam equipados com armas
poderosas.
A única dificuldade consistia no fato de que os
patriarcas haviam dado a ordem de que ao menos um
fugitivo devia ser apanhado vivo. Queriam alguém para um
exaustivo interrogatório. E os bios sabiam como deveriam
agir.
* * *
Passou pela mente de Bell retirar-se com os seus para os
corredores de aeração. Também pensou em se apoderar de
um ou dois discos voadores dos inimigos e lhes dar as
costas definitivamente.
Esta última alternativa o levou a permanecer na caverna
o maior tempo possível.
O singular procedimento dos bios, que depois de
estarem a apenas duzentos metros da caverna, ao invés de
iniciarem o ataque e aproveitar a grande chance que tinham
com toda a sua superioridade em número e em material, se
58
entrincheiraram atrás dos altos blocos de pedra e depois não
foram mais vistos, vinha de encontro aos planos de Bell.
Marshall e Betty tentaram captar o conteúdo de seus
pensamentos. Mas o cérebro de um bio é tão reduzido, que
não havendo um esforço enorme, não se percebe nenhum
impulso mental, nem a poucos metros de distância. Alguns
impulsos de pensamento chegavam até a caverna, vez por
outra. Isto acontecia quando um dos bios sentia dores, por
ter levado um tombo ou por se ter queimado e a dor
provocava maiores vibrações no cérebro. Outros
pensamentos, não se podia esperar deles.
Muito mais elucidadoras eram as nuvens de poeira que
de vez em quando subiam por detrás dos rochedos, onde os
bios aparentemente se abrigaram. Bell concluiu daí que o
adversário estava preocupado em abrir caminhos
subterrâneos até a caverna. Depois de ter quebrado a cabeça
com esta hipótese inesperada, começou a pensar que talvez
os bios tivessem recebido ordem de apanhá-los vivos, para
serem levados a Laros e submetidos a interrogatório.
Falou a respeito com Marshall, que classificou sua
hipótese de plenamente viável.
— Possuem diversos tipos de armas — constatou Bell.
— Esta nuvem de pó de pedra, lá embaixo, parece ser
causada por desintegrador. Eu diria que em meia hora esses
malucos podem surgir de qualquer lado a nossa frente.
Marshall ponderou, no entanto, que Bell, apesar da
situação inquietante, estava atrasando demais os
preparativos. Designou o lugar para cada um, na entrada da
caverna, chamou a atenção de Betty Toufry para que
olhasse também para trás, porque ninguém poderia saber
onde surgiriam os bios. Falou tão ponderadamente como se
tivesse, entre cada palavra, um mundo de problemas a
resolver.
E tinha mesmo. Marshall seguia pensamentos dele e se
admirou do grau de noção de responsabilidade com que
Bell cautelosamente chegou à conclusão, que muitos já
teriam tomado sem maiores ponderações.
— Tako!
— Pois não, senhor.
— Você consegue chegar e entrar num pulo num destes
discos voadores?
O japonês comprimiu os olhos numa fenda horizontal e
fitou os veículos espaciais do outro lado.
— Se o senhor me der cinco minutos para concentração,
com toda probabilidade, chego.
Bell sorriu contente.
— Bem, então vamos fazê-lo logo. Talvez os discos não
estejam vazios. Suponho que em cada um deles há pelo
menos um bio servindo de vigia, pois os saltadores e os aras
conhecem nossos truques. Leve a arma na mão, quando
saltar.
— Perfeitamente, senhor. Que devo fazer com o disco,
quando o tiver em mãos?
Os olhos de Bell se arregalaram.
— O que que deve fazer? Ora, trazer para cá,
naturalmente, para que possamos dizer adeus a este mundo
infernal.
Tako sorriu amável. Depois, agachou-se num canto, de
onde podia ver uma parte dos discos voadores, para se
concentrar.
Os outros se acomodavam em seus lugares, designados
por Bell. Sem que ninguém lhes falasse, sabiam todos que
tudo dependeria de que Tako conseguisse pegar depressa
um daqueles discos. Para saberem do sim ou do não, tinham
que esperar e não podiam fazer outra coisa do que procurar
se salvar pela fuga.
Marshall escutava com atenção se os gons no fundo da
terra ou em outro lugar emitiam qualquer impulso. Mas
depois de gastar alguns minutos num grande esforço
telepático, sem nada conseguir, veio-lhe o pensamento de
que os gons podiam intervir nesta luta, para benefício deles
mesmos. Concentrou sua atenção na nuvem de vapor e de
poeira que subia aqui e ali, atrás dos imponentes rochedos.
Sentiu que ficava cada vez mais rala, na proporção em que
os bios se aprofundavam no solo.
De repente Tako desapareceu, sem uma palavra, sem
um sinal.
Marshall reparou e fixou os olhos com muita firmeza na
fila dos discos. Naturalmente era difícil olhar todos ao
mesmo tempo. Mas estava convencido que Tako atingira
seu objetivo num só pulo. Não apareceu em nenhum lugar
do planalto pedregoso.
Porém, Bell, muito à frente, não notou o
desaparecimento de Tako, por isso, continuou olhando sem
maior interesse para frente. Reparou assim que uma das
plantas azuis, que crescia à entrada da caverna, começou a
se mover. Olhou em redor e constatou o mesmo fenômeno.
Com movimentos trêmulos, as plantas mergulhavam para
dentro da cavidade, de onde brotavam.
Os olhos de Bell perscrutaram o horizonte e
descobriram no meio do quadrante esquerdo uma faixa
estreita, onde o halo avermelhado que o sol de Gonom
desenhava, estava mais esmaecido ainda do que de
costume. Ali, a claridade parecia se elevar mais, como que
tocada por um longínquo incêndio. Bell virou-se para trás e
bradou para seus colegas:
— É talvez a nossa salvação. Teremos uma tempestade.
O trecho esmaecido cresceu um pouco mais, depois
empalideceu contra o horizonte e, alguns segundos após,
veio o turbilhão de poeira e cascalho fino.
— Todos, dois metros para trás — ordenou Bell. —
Pensem bem que cada pedaço de pedra pesa aqui o dobro
do que na Terra.
Ao se afastar, reparou que Tako havia desaparecido.
Marshall o informou de que o japonês havia desaparecido
há uns cinco minutos.
— Diabo! — resmungou Bell. — E por que só me diz
isto agora? E Tako não dá sinal de vida?
Chamou pelo japonês, mas Tako não respondeu.
Apanhou então o pequeno aparelho de transmissão e o
ligou. Julgava que a força do transmissor do capacete fosse
insuficiente para atingir os pequenos aparelhos espaciais,
principalmente se o envoltório energético de proteção
estivesse ligado.
No momento não chegou a refletir que nesta
eventualidade não poderia esperar resposta do japonês.
Neste mesmo instante o inferno se desprendeu sobre Gom.
Nos segundos anteriores, de tanta excitação pelo japonês
desaparecido, ninguém dera atenção à tempestade iminente.
Mas já estava aí. O rápido, mas violento tremor de terra,
não foi suficiente para alertar os ocupantes da caverna.
Diante da entrada, pairou de repente uma muralha de pó
e pedras. Elevou-se tanto, que não se via mais o céu escuro.
Com estrondo agudo, rolavam os blocos de pedra soltos que
a ventania arrastava para o planalto. Novos turbilhões de
poeira toldaram o resto de claridade que ainda havia.
59
O barulho aumentava a cada segundo nos microfones de
capacete de tal forma que Bell teve que dar a ordem:
— Desligar o microfone externo.
Mas a ordem foi somente compreendida, após muita
gesticulação. O silêncio repentino foi muito benéfico. Mas
lá fora, a trepidação do ar era acompanhada de um sibilar
constante.
— Liguem as lanternas — gritou Bell, que não podia
mais calcular o volume da voz.
E as lâmpadas se acenderam, iluminando apenas uns
dois metros através da opacidade da densa poeira levantada
pela tempestade diante da caverna e, em parte, para dentro
dela. Os trajes espaciais estavam recobertos por densa
camada de poeira.
— Não acredito que... — começou Bell, e o resto da
frase devia ser, pelo tom de voz, algo tranquilizador.
Mas um grito de horror de Betty interrompeu Bell.
— Olhem os bios ali.
Na nuvem de poeira que penetrava na gruta, mal se
vislumbrava a figura de Betty, que ocupava um posto na
retaguarda. Bell via-lhe apenas o braço que apontava
enviesado para trás, na direção da caverna. Mas viu bem
nítido, por fração de segundo, entre duas rajadas de poeira,
o rosto redondo de um dos bios.
Instantes após, tinha desaparecido. Mas logo depois, o
braço enegrecido, como tronco de árvore, surgiu da poeira,
girando no ar o cano da arma. Bell se encolerizou.
— Fogo — gritou ele ofegante.
Ele mesmo foi o primeiro a atirar. O raio energético
incandescente penetrou na escuridão da poeira. Um grito
agudo e longo foi a resposta.
— Ali estão outros — disse Betty. — Vêm de todos os
lados.
Bell queria recuar e respirar por uns segundos. Mas, por
toda parte, o clarão da lanterna descobria, com contornos
indecisos, os vultos gigantescos daqueles monstros que se
aproximavam.
Bell atirava, girando o corpo constantemente. Não sabia
que estava gritando como um possesso, sem ouvir, também,
os gritos lancinantes dos atingidos, tão fortes que os
microfones — mesmo estando com o volume baixo —
recebiam e transmitiam. E quando mais tarde se recordou
da situação, achou que foi um milagre não ter atingido um
dos seus, durante a reação desesperada. Não se preocupou
com ninguém naquela hora, nem procurou saber se estavam
conseguindo se defender ou recuar.
A primeira leva de bios estava destruída, enquanto
atacavam. Mas para cada morto, surgiam dois outros para
substituir. O anel se apertava em tomo daquele punhadinho
de desesperados e podia-se prever o momento em que os
gigantes artificiais precisavam apenas avançar para tirar as
armas das mãos de seus reduzidos adversários e terminar a
luta. Se o combate não chegou a este desfecho, foi um
verdadeiro milagre.
Depois de ruírem os paredões da caverna, Bell tinha que
lutar contra dois inimigos simultâneos: contra os bios que
com incrível tenacidade voltavam sempre ao ataque, e
contra a tempestade que ameaçava de arrastá-lo, embora
estivesse sempre deitado e comprimido contra a rocha.
Assim que pôde respirar um pouco, procurou se arrastar
para trás de um bloco de pedra, que lhe parecia
suficientemente forte para aguentar o vento. Mal fizera o
primeiro movimento, quando surgiu em sua frente uma
sombra bem larga. Bell arrancou da arma, mas com o
movimento da cabeça, a lanterna do capacete atingiu a
sombra e deixou ver as duas cabeças.
— Ivã! — gritou Bell, cheio de entusiasmo. — Você
está chegando na hora exata.
Ivã Goratchim parecia não ouvir nada. E, como um
sonâmbulo, levantou-se, deu uns passos para frente e
quedou firme como um rochedo.
Em algum lugar atrás da cortina de trevas, poeira e
cascalhos, faiscou um raio, tão claro que transformou a
escuridão momentaneamente em plena luz do dia. De
algum lugar daquele caos, reboou o trovão, mais forte que
todos os ruídos que haviam chegado ao microfone até
então. Um tufão de ar quente apanhou Bell e os seus,
atirando-os uns metros para o alto e deixando-os cair logo a
seguir no chão.
Depois reinou silêncio, impenetrável silêncio escuro.
* * *
A primeira coisa que Bell sentiu, foi a sensação de que
seu corpo tivesse sido dissecado em centenas de pedaços
doloridos. Assim que voltou a si do desmaio, parecia ter
medo de respirar. Qualquer movimento lhe causava dor.
Abrindo os olhos, viu que em redor deles ainda reinava a
mesma penumbra. Onde estava a tempestade, onde estavam
os bios?
Virou-se de lado, examinando o halo avermelhado do
sol. Mas tudo que viu foi um clarão vermelho no
firmamento e uma muralha negra, impenetrável.
Dos bios não havia vestígios.
— Marshall? Betty...?
Não esperava mesmo uma resposta, mas mal acabara de
pronunciar os nomes, quatro vozes diferentes responderam:
— Estamos aqui, senhor Bell. Está tudo em ordem.
Onde está o senhor?
As vozes soavam alegres e fortes. Bell constatou
satisfeito que estava simplesmente perdido.
— Estou aqui — respondeu. Levantou-se com
dificuldade, gemendo de dores. Apoiou-se numa pedra lisa
e olhou por cima dela. Mais ou menos cinquenta metros
para frente, descobriu Ivã, o mutante de duas cabeças, que
também estava de olhos fixos na estranha muralha negra.
— Já vou indo — disse Bell.
Ao ver Ivã, se lembrou do milagre que havia salvado a
ele e aos seus do ataque dos bios.
Ivã voltou a si de repente, levantou-se, compreendendo
num instante, intuitivamente a situação.
O dom mais importante de Ivã não era o fato de ter duas
cabeças; sua singularidade era a propriedade de poder atuar
como detonador vivo. Era-lhe muito fácil, em virtude de
sua incrível força de vontade, produzir um processo de
fusão dos núcleos atômicos do carbono ou do cálcio. O
resultado era, sempre que se apresentasse uma massa
suficiente de um dos dois elementos, uma explosão
semelhante à da bomba de hidrogênio.
Não restava dúvida nenhuma de que Ivã havia
empregado este meio, para afastar os bios. Sob o domínio
da vontade de Ivã, a força de combate dos aras de duzentos
gigantes armados até os dentes fora reduzida a um facho
atômico. E somente o fato de que as fusões de cálcio e de
carbono se realizam mais lentamente do que os de
hidrogênio é que livrou os colegas de Ivã de ir pelos ares do
60
mesmo modo como as criaturas artificiais dos aras.
Enquanto se arrastava com sacrifício na rocha onde
estava o mutante de duas cabeças, Bell ia remoendo estes
pensamentos. Um calafrio lhe percorreu a espinha dorsal,
ao pensar que desta vez, realmente, passara raspando pela
beira de uma terrível catástrofe.
Gastou meia hora para percorrer aqueles cinquenta
metros. Arrastou-se em volta do rochedo, deixando-se
escorregar de costas, para respirar melhor e para aliviar-se
das dores enormes em quase todo corpo. Atrás do rochedo,
se encontravam seus quatro companheiros: Ivã, Marshall,
Betty e Ras Tschubai. Marshall e o africano estavam mais
ou menos sentados, apoiados nas pedras. Ivã e Betty
estavam deitados no chão.
— Na próxima vez — murmurou Bell para o mutante
de duas cabeças, após se haver refeito um pouco do cansaço
daquela caminhada — vocês dois, por favor, acordem meia
hora mais cedo e organizem seu “espetáculo pirotécnico”
enquanto o objetivo estiver a uma distância mais segura,
não é verdade?
Ivã, o mais velho, abriu o rosto num sorriso. Ivanovitch,
o mais moço, no entanto, se sentia meio culpado.
— Eu havia despertado uns segundos antes de Ivã —
disse ele se lamentando — mas o malandro não queria
voltar a si.
— Ah! Vocês estão ouvindo, “o malandro”? Até que
enfim ele concorda que eu sou o mais velho. Terá ainda
que...
— Ah!... deixem de bobagem — interveio Bell. —
Vocês dois foram maravilhosos. Acho que não estaríamos
vivos sem vocês.
Virou-se, dirigindo-se a Marshall:
— Que espécie de paredão é aquilo lá em cima?
Marshall fez uma fisionomia mais séria e retardou a
resposta.
— São os gons — disse finalmente.
— Os gons? — repetiu Bell atônito, de olhos
arregalados. — Que estão fazendo lá?
Até o momento, não tinha dado muita atenção ao
paredão escuro. Reparou então que este se erguia do chão
em suave inclinação, usando os blocos grandes de pedra,
em volta, como pontos de apoio. A borda externa tinha
mais ou menos seis metros acima do solo, num diâmetro de
cerca de dez.
Deitou-se de costas no chão e ficou olhando para o céu.
Aí, então, compreendeu o que pretendiam os gons.
A tempestade continuava com a mesma violência. Por
cima da muralha soprava o tufão, turbilhonando nuvens de
pó e de cascalhos e, se o microfone estivesse ligado com
um pouco mais de volume, poder-se-ia ouvir o intenso
bramido.
A muralha viva dos gons os protegia naquele recorte
entre as rochas. Os gons vieram para que Bell e os seus não
fossem projetados ao longe pelo furacão.
— Surpreendente — disse Bell extasiado — por que
fizeram tudo isto?
— É realmente um pouco difícil de se compreender —
interveio Marshall. — Mantiveram-se em contato comigo,
assim que recuperei os sentidos, e os impulsos estavam
incrivelmente nítidos. Deve ser uma multidão enorme de
gons que aí se reuniram. Mas não disseram nada mais, a
não ser que haviam construído uma barreira contra a
tempestade e ficariam ali até que a mesma terminasse. Se
você quiser saber de mim, a razão por que assim agiram,
está no caminho errado.
— Puxa vida, então pergunte você mesmo.
Marshall sorriu meio sem jeito.
— É isso mesmo. Se lhes perguntar por que fizeram
isso, a resposta será invariavelmente: Para protegê-los
contra a tempestade. Não compreendem que este “por que”
possa ter outra significação.
Bell aceitou a explicação, pensativo.
— Seres misteriosos — balbuciou ele. — Que
aconteceu a vocês? — perguntou, mudando de assunto e se
dirigindo a todos.
Betty foi a primeira a se manifestar:
— Fiz uma bela viagem aérea. Mas devo ter aterrissado
muito brandamente em qualquer lugar. Quando recuperei os
sentidos, estava rente à muralha dos gons. Marshall,
Tschubai e Goratchim já estavam aqui. Por isso vim me
arrastando para cá.
A mesma coisa aconteceu com Marshall, Tschubai e
com o mutante de duas cabeças.
— Felizmente correu tudo bem — suspirou Bell. —
Poderia ter sido muito pior se...
Interrompeu-se no meio da frase, ficou de olhos fixos
no espaço, disfarçando um sentimento mais triste.
Marshall fez um sinal para ele.
— É isso mesmo. Estaria tudo mais ou menos em ordem
se ao menos soubéssemos onde se encontra Tako.
Num gesto sem sentido, Bell deu um tapa na cabeça,
atingindo apenas o capacete.
— Meu Deus! — admirou-se. — Devo ter levado uma
batida na cabeça, do contrário não o teria esquecido.
* * *
No mesmo instante em que aterrissou no pequeno disco
voador, Tako Kakuta percebeu que tinha caído numa cilada.
O espaço interno do veículo era arredondado, como o
próprio disco. Não tinha janela, nem painel de controle.
Tanto o chão, como o teto e as paredes eram lisos, sem
nenhum adorno. Um banco simples corria em volta da
circunferência.
Não havia ninguém dentro. A teoria de Reginald Bell,
de que, dentro de cada aparelho havia pelo menos um bio,
para vigiá-lo, estava, portanto errada.
Tako sentiu o leve abalo, com que o disco voador
começou a se mover, mal tinha entrado. Compreendeu que
algum dispositivo distante registrara sua chegada e o estava
agora transportando para algum lugar.
Tako era calmo e não se precipitou em tomar sua
decisão. Tinha duas opções: sair do disco, tão facilmente
como havia entrado ou permanecer ali, para ver onde ia
terminar a viagem. Momentos depois, Tako achou que seria
um empreendimento inútil, como também perigoso, ver
para onde terminaria a viagem. A pequena nave provinha
de Laros e foi telecomandada de lá. Quem haveria de
duvidar que voltaria para lá?
Mas havia outro argumento que o seduzia. Era técnico
de profissão, trabalhava como técnico antes de se tornar um
dos auxiliares de Perry Rhodan. O que aconteceria se
conseguisse examinar o mecanismo de telecomando, se
desligasse o receptor e dirigisse ele mesmo o disco voador?
A técnica dos aras seria muita diferente da dos terranos?
Seria tão diferente que um terrano não poderia compreendê-
61
la?
Tako sabia que não era assim. A técnica dos aras se
baseava na dos arcônidas. E esta, ele conhecia
profundamente.
Resolveu ficar. A pistola térmica que ele mesmo
regulara para fogo de longo alcance — a fim de atingir de
uma vez só todos os bios que se encontrassem a bordo do
disco — foi calibrada agora para raios energéticos de curto
alcance.
Começou então a dissolver as chapas que formavam o
revestimento debaixo do banco circular, separando-as de
seus suportes. Chapa por chapa ia virando e caindo no chão.
E quanto mais progredia a operação, mais convencido
estava do acerto de sua decisão. Diante dele, estava não
apenas o conjunto do mecanismo de tração com o
respectivo receptor, que recebia os sinais do telecomando e
os transformava automaticamente. Havia também o gerador
para produção do campo de gravidade artificial na cabina, a
câmara de televisão que refletia seus impulsos para a tela
do telecomando e, por fim, o conjunto de dois
desintegradores embutidos na carcaça externa da pequena
espaçonave.
Viu que fizera uma grande descoberta. Tratava-se agora
de saber se conseguiria utilizá-la.
A distância de Gom para Laros, numa nave deste tipo,
seria mais ou menos de uma hora. Se não quisesse chegar à
perigosa vizinhança da base, teria que agir depressa.
Com movimentos rápidos e precisos, dissolveu a fiação
para o receptor de telecomando e interrompeu os contatos
de tal forma que o conjunto de propulsão não receberia
mais nenhum impulso de fora.
Depois examinou o próprio conjunto de propulsão e
constatou que, naquele mesmo momento, ele tinha deixado
de funcionar.
A pequena espaçonave se movimentava em queda livre
pelo espaço. Tako chegou à conclusão de que o mais
importante seria saber para onde é que estava se
movimentando.
* * *
Bell ficou meia hora chamando pelo japonês Tako.
Acabou desistindo contrariado. Marshall teve a idéia de que
talvez os gons pudessem saber o que havia acontecido com
Tako. Mas não respondiam à pergunta.
Isto estava ligado ao fato de que, neste momento, eles
estavam muito ocupados. Marshall recebia um grande
número de impulsos, contra os quais seu chamado mais
fraco não podia prevalecer.
Não podia descobrir o que pretendiam os gons. Porém,
momentos depois, chegou a perceber.
A muralha começou a se dissolver. As nuvens de poeira
que a tempestade tinha levantado acima do rochedo,
estavam agora menos densas. A procela acabara e os gons
abandonavam o posto de vigilância.
Marshall regulou o microfone externo para maior
sensibilidade. Pôde ouvir com nitidez o ruído farfalhante
com que as solhas se retiravam do seu aglomeramento nas
rochas. Minutos depois, a muralha não existia mais. Na
direção da flácida luz avermelhada do sol, marchava uma
avalanche enorme, marrom-escura, de solhas que cobriam o
longo desnível do terreno.
Enquanto se arrastavam naquela direção, podia-se ver
que apenas transpunham os desníveis do terreno, sem
retirar nada do caminho. As pedras sobre as quais a
vanguarda do grande manto marrom já havia passado,
surgiam instantes após como estavam antes. Até mesmo os
discos voadores, que haviam trazido os bios, os gons
deixavam intactos.
Bell estava olhando para os aparelhos dos aras.
— Vamos pegar um deles — disse Bell — não confio
muito neles. Até a Titan, levaremos talvez duas ou três
semanas. Mas é melhor do que nada.
— Calcule um pouco mais — falou Marshall — temos
que dar uma volta enorme para escaparmos dos aras e dos
saltadores. Não creio que estes aparelhos estejam armados.
Além disso, vocês não estão reparando nada?
— Não, o quê?
— Eram quarenta aparelhos, agora são trinta e nove.
Bell os contou um por um. Marshall estava certo.
— Quem sabe, um deles foi devorado pelos gons? —
indagou Bell, indeciso.
— Não creio, não — continuou Marshall. — O nosso
japonês é que desapareceu com um deles.
* * *
Assim que Ivã Goratchim fez uso de suas incríveis
faculdades mentais, sabia-se em Laros o terrível destino dos
duzentos bios desintegrados por ele.
A reação dos três patriarcas, Siptar, Vontran e Cekztel
constou apenas de um conselho que deram aos aras, como
bons amigos:
— Realmente, a força que vocês enviaram foi muito
pequena, mandem mil bios, que nós vamos ver como as
coisas se passam.
Os aras ouviram o conselho um tanto cépticos. Embora
não o confessassem perante os saltadores, a perda de
duzentos bios foi um duro golpe para eles. Em Laros não
havia ao todo mais do que setecentos bios. E agora eram só
quinhentos. Não estavam, pois, em condições de seguir o
conselho dos patriarcas dos saltadores. O que também não
deixavam transparecer.
Além de tudo, os aras estavam plenamente conscientes
de que estavam tratando com um adversário que não podia
ser menosprezado. Seu ponto de apoio em Laros, o mais
afastado das grandes rotas espaciais, era-lhes de inestimável
importância — era o grande laboratório e o quartel-general
dos bios, cujo comércio lhes rendia fortunas fabulosas. Por
este motivo, reagiam de uma maneira esquisita quando
alguém se intrometia em seu modo de pensar e de agir.
Mas, nestas circunstâncias, era um pouco diferente.
Alguém aterrissara em Gom. Este alguém não se imiscuía
em seus negócios. Porém dava mostras de que estava
disposto a liquidar seus bios. E o interessante é que este
alguém era um fugitivo desesperado, obrigado a cair e se
esfacelar no solo do planeta, atraído, pelas forças dos gons
a serviço dos próprios aras.
Muitos, entre os aras, desconfiavam de que os gons
tinham se aliado aos fugitivos. Mas era difícil achar provas
contra ou a favor desta suspeita.
Neste estado de coisas, os aras deliberaram enviar
quatrocentos bios para Gom. Entretanto, fizeram uma coisa,
que jamais haviam feito nos longos anos de “cooperação”
com os gons: ordenaram aos gons, sob ameaça de severos
castigos, de prenderem os fugitivos e entregá-los aos bios.
Vários bios transmitiram esta ordem de Laros a Gom
por meio de amplificadores mecânicos para telepatia. O
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tipo de castigo ameaçado pelos aras foi explicado em
palavras claras: destruição, pelo menos da metade, da
substância das solhas, com aplicação de bombas atômicas.
Gom não respondeu. Os aras sabiam, naturalmente, que
uma mensagem deste tipo só poderia ser captada quando os
gons se reunissem em quantidade suficiente para formarem
uma inteligência. Mas a estatística comprovava que estas
reuniões eram muito frequentes em Gom.
Embora a ordem não tivesse tido resposta, os aras
estavam convencidos de que foram compreendidos.
No meio daquela confusão toda e de apuros por que
corriam os aras, passou completamente despercebido um
pequeno incidente: a estação de relês do telecomando
registrou que, pelo menos, uma parcela dos tripulantes
havia regressado num dos discos voadores. Já que o prazo
fixado pelos aras para a operação dos bios em Gom tinha se
esgotado, a estação de relês deu a partida ao disco voador e
o trazia de volta a Laros. Mais ou menos meia hora após a
partida, a pequena nave escapou do telecomando e não foi
mais localizada.
A estação de relês transmitiu a comunicação do
ocorrido. Veio, no entanto, a notícia de Gom de que todos
os duzentos bios foram destruídos pelo inimigo. Assim,
ninguém estava dando importância a uma coisa tão ridícula
como a saída de um único disco voador, onde poderia estar,
no máximo, um tripulante.
5
O problema mais importante e ao mesmo tempo mais
complicado, Tako resolveu da maneira mais simples
possível. De posse do traje espacial protetor, não lhe foi
muito difícil dissolver inúmeras chapas da parte superior do
disco, de forma que ao menos de trinta em trinta graus
havia uma abertura para visibilidade. É verdade que, na
fração de um segundo, todo o ar que havia no interior da
nave, foi expelido. Mas, nenhuma peça dos motores de
propulsão, do sistema de defesa ou dos demais
instrumentos dependia do consumo de ar. Tako havia
tomado todas as providências para não afetar em nada a
estabilidade estática do aparelho.
Constatou que estava bem longe de Gom, conseguindo
ainda ver o enorme planeta do tamanho de uma laranja. Na
frente, no sentido da trajetória do aparelho, havia ainda um
outro corpo celeste um pouco menor, de um branco
amarelado, que Tako identificou como Laros. Conhecendo
bem o tamanho do planeta e de suas dezoito luas, não lhe
foi muito difícil, calcular, com relativa exatidão, que havia
percorrido três quartos da rota Gom-Laros.
Não se preocupou com as dificuldades que surgiriam
com um vôo nestas condições. Preocupava-se apenas em
manter elevado o moral, que naturalmente teria perdido
caso pensasse que um homem, dirigindo uma nave espacial
avariada, sem outros meios a não ser os do olho nu, haveria
forçosamente de fracassar.
Estava tentando botar em marcha os motores de
propulsão.
* * *
Bell e os seus levaram cinco horas para atingir uma das
pequenas espaçonaves. Os gons haviam desaparecido há
muito tempo e não se manifestavam mais.
Também os bios não davam sinal de vida. O céu
cinzento estava livre de corpos estranhos. Só as estrelas
mostravam o brilho opaco.
Ao chegarem a uns duzentos metros de seu objetivo,
Bell deu uma ordem a Betty Toufry:
— Analise um pouco a situação, Betty. Queremos saber
o que há lá dentro.
No seu íntimo, estava calculando a distância entre o
primeiro aparelho e o segundo.
Depois das investigações de Betty, tudo lhe parecia
inútil. A distância de um para o outro era considerável e
precisariam de mais duas horas para atingir o aparelho mais
próximo. Além de tudo, Tschubai estava esgotado para
poder transportá-los, ou melhor, transportá-los para bordo.
Betty se estirou no chão, comprimindo o binóculo
contra a viseira. Passaram-se minutos, sem novidade
alguma.
De repente a nave começou a vibrar. Bell viu quando
uma chapa mal recortada se desprendia da parede lateral da
carcaça e caía no chão aos pedaços.
— Continue — disse ele.
Betty não se deixou perturbar. Sob a poderosa energia
de seus dons telecinéticos, pedaço por pedaço da carcaça do
aparelho se esfarelava no chão, até que o teto, já sem
sustentação, desabou por completo. O espaço interno, agora
já totalmente devassado, estava mesmo vazio.
Bell suspirou triste:
— Podíamos ter evitado isto. Agora só nos resta nos
arrastar mais duas horas até o próximo aparelho.
Marshall notou seus cuidados:
— Não se preocupe com isto. Não ficaríamos tranquilos
enquanto não fizéssemos esta experiência.
— Obrigado, — disse Bell, triste. — Vamos, portanto
continuar.
* * *
Os gons acabaram de receber a mensagem dos aras,
aliás bem nitidamente pois havia muitos deles reunidos —
mais ou menos cem mil — para protegerem os estranhos
contra o tufão. Estes estranhos eram preciosos e tinham
aniquilado os horrorosos bios... compreenderam no mesmo
instante o que significava aquela ordem.
Apesar de não saberem propriamente o que era técnica,
sabiam perfeitamente de que meios técnicos dispunham os
aras. Não ignoravam que o destino da raça dos gons seria
decidido, se não obedecessem à ordem dos aras.
Os gons se apressaram em iniciar a reunião e para isso
se dirigiram a um dos locais de assembleia, que estavam
distribuídos por toda a superfície do planeta.
Recebiam resposta de todos os lados e quando
chegaram ao local, lá encontraram já muitas centenas de
milhares de gons reunidos. De acordo com as instruções,
estavam esperando em locais diferentes; pois era um fato
comprovado pela experiência entre os gons, que, numa
assembleia geral, prevalecia sempre a vontade daquela
parcela que antes da reunião era a maior. No momento,
tudo dependia da consciência daqueles cem mil gons que
haviam recebido a ordem dos aras. Aqueles esperavam pela
chegada dos demais. Iriam se unir a eles, conforme a ordem
de chegada, de tal maneira que o conteúdo da consciência
dos cem mil haveria sempre de dominar.
Desta maneira demorou mais de vinte horas até que se
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formasse um supergom, que era capaz de atuar de acordo
com o que desejavam os aras. Era a maior reunião de que se
lembrava o supergom. Isto representava alguma coisa, pois
a consciência histórica dos gons era coletiva e sob certos
aspectos mais fidedigna do que documentos escritos.
O número total devia ser de um bilhão de gons que se
aglomeraram por ordem dos aras. Estendiam-se por uma
superfície de cerca de mil quilômetros quadrados.
Era o maior poder bélico reunido. Embora a gigantesca
camada marrom-escura, em nenhum lugar, fosse mais
espessa do que um centésimo de milímetro, o solo tremia
quando ela passava.
* * *
Bell tinha se enganado. A tremenda explosão provocada
por Ivã Goratchim, que os atirara pelos quatro cantos como
folhas secas, era a causa de que, após qualquer movimento,
todos se tornavam tão cansados e abatidos. Sentiam-se
como se tivessem andado o dia inteiro.
A caminhada até ao disco voador, desintegrado por
Betty, foi a última que podiam fazer sem uma pausa para
descanso. Bell percebeu a necessidade de um repouso.
Estavam talvez a um quarto do caminho entre o disco
destruído e o próximo, quando Bell ordenou uma parada,
simplesmente porque ninguém mais aguentava.
Pararam onde e como estavam e, quase no mesmo
instante, pegaram no sono.
Acordaram após cinco horas de repouso. Marshall
levantou a cabeça e exclamou:
— Meu Deus, que está acontecendo?! Bell virou-se para
o lado, mas não viu nada de extraordinário. Tinha dormido
como um prego e se sentia mais disposto do que antes.
Instantes mais tarde também despertou Betty, com um
grito angustiante. Levantou-se depressa e perguntou com os
olhos arregalados:
— Que é isto? Que está acontecendo?
Bell se dirigiu a Marshall.
— Santo Deus, mas afinal de contas, que é isto?
Marshall sacudiu a cabeça e olhando para o céu cor de
chumbo disse:
— Acho que é o inferno! Gons, uma multidão tremenda
de gons. Se o ar fosse telepático, já teria explodido de tanto
impulso dos gons.
— E o que você acha disso? — perguntou Bell.
Marshall encolheu os ombros desanimado.
— Você sabe que não consigo compreendê-los quando
não se dirigem diretamente a mim.
— Não se preocupe com isto. Os gons nos salvaram na
hora da tempestade. Por mim, podem se reunir aqui aos
milhões — disse Reginald.
— Você pensa mesmo assim? — perguntou Marshall.
— Quem é que lhe garante que os gons ainda tenham a
mesma impressão a nosso respeito?
Bell já tinha uma resposta galhofeira na boca, mas
engoliu-a prontamente. Lembrou-se de que Marshall já por
duas vezes se mostrou mais a par das coisas dos gons do
que ele. E podia realmente acontecer que tivessem mesmo
mudado de opinião. Ninguém sabia mesmo o que se
passava em Gom e ninguém conhecia bem os gons.
— Está bem. Então vamos tentar chegar ao aparelho o
mais depressa possível. Se os gons mudarem de opinião,
não nos afetará em nada.
Marshall concordou com a ideia. O “desassossego
telepático” no espaço, como ele se expressava, parecia
realmente tremendo.
Arrastaram-se com mais rapidez do que antes. A nave
parecia se aproximar. Durante a caminhada, Marshall
parava de vez em quando para escutar. Comunicou a Bell,
que o “desassossego telepático” aumentava cada vez mais.
— Tenho a impressão de que se vai reunir, não longe
daqui, uma enorme força bélica dos gons. Gostaria de saber
o que pretendem fazer.
Duas horas depois da partida, chegaram ao aparelho.
Bell, premido pela situação, não quis mais perder tempo
investigando se estava ou não vazio. Depois de procurar um
pouco, achou a única escotilha, e, a seguir, o mecanismo
que a descerrava. A porta se abriu, deixando ver uma
câmara espaçosa onde cinco bios caberiam com largueza.
E, muito melhor, Bell e seus quatro companheiros.
A dificuldade consistia em alcançar o degrau da entrada,
que estava a um metro de altura, com os corpos cansados e
sem força. Felizmente, com auxílio de Goratchim,
conseguiram. O mutante de duas cabeças, com sua força
física fora do comum, foi o que menos sofreu com as
peripécias das últimas horas. Mas precisavam de uma hora
ainda para se refazerem. Durante este tempo, o
“desassossego telepático” chegou ao máximo.
— Estou com medo — confessou Marshall. — Se é por
nossa causa, esse movimento todo, estamos perdidos, como
os homens no dilúvio, fora da arca de Noé. Não temos meio
de defesa contra esta inundação.
Bell sabia disto. A princípio pensava que nada lhes
aconteceria, enquanto Ivã Goratchim estivesse atento e
pudesse aplicar seus dons incríveis, quando o perigo se
tornasse maior. Pois os gons se compunham também de
material orgânico, em parte do mesmo material que os bios.
Ivã poderia provocar uma fusão de cálcio no corpo dos
gons e destruí-los. Porém os gons formavam um
conglomerado tão grande, como dizia Marshall, e assim a
explosão atingiria não somente os gons, mas, também o
próprio Ivã, seus companheiros e talvez mesmo o planeta
inteiro, destruindo tudo.
Portanto os dons tremendos de Ivã estavam fora de
cogitação. Sua única esperança eram então as pequenas
armas de raios energéticos e o disco voador onde tinham
penetrado.
No aparelho, havia a mesma gravidade que em Gom. A
esperança de que dentro da nave se sentiriam melhor e
poderiam se mover mais facilmente do que na planície
rochosa, foi destruída num instante.
Com muita dificuldade, Bell e os seus penetraram no
interior da pequena nave e verificaram o que Tako Kakuta
já havia visto há vinte horas atrás: não havia nenhuma
possibilidade de manobrá-la.
A emoção foi tão grande que ficaram prostados no chão,
do mesmo modo como entraram, sem se mexerem.
Bell foi o primeiro a recuperar o ânimo. Foi um ânimo
provocado pela autossugestão, de permeio com o
sentimento que o homem tem quando se sente encurralado.
Bell chegou bem depressa à mesma conclusão de Tako
Kakuta há um dia atrás:
— Deve haver motores de propulsão aqui.
Provavelmente, são telecomandados, mas podemos
desmontar tudo para experimentar. De qualquer maneira,
esse trabalho vai nos ser útil.
A seguir deu as ordens:
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— Não fiquem aí de cabeça caída, pessoal. Vamos,
temos de soltar as chapas que estão sob o banco circular.
Movam-se, por amor de Deus, ou querem morrer aqui
dentro?
E realmente, o que não conseguiria uma ponderada
argumentação, conseguiram gritos de Bell, arrancando-os
da letargia. Levantaram-se com um sorriso de pouca fé.
Prepararam as armas, calibrando-as para raios curtos,
dissolvendo chapa por chapa.
* * *
O relê do telecomando em Laros registrou que depois de
uma pausa de vinte horas alguém havia voltado a outro
disco voador aterrissado em Gom. Desta vez, o relê não
tomou nenhuma iniciativa. Informou ao posto de comando
e recebeu instrução de deixar o aparelho onde estava.
Neste momento de grande excitação a respeito da
decisão tão importante, ninguém se preocupava com um
diminuto disco voador, ou com um ou dois bios que tinham
sobrevivido.
Em contraste com os aras, que aguardavam com
ansiedade a decisão iminente, os saltadores estavam
completamente calmos. Tão calmos que o resto da frota que
havia permanecido em Laros após o regresso dos patriarcas,
já havia recebido ordem de partir.
A saída dos saltadores não parecia desagradar aos aras.
Não podiam mesmo esperar auxílio deles na questão dos
gons. De qualquer maneira, era melhor que não soubessem
de nada, do dilema em que se encontravam a respeito dos
nove fugitivos.
Os aras davam muita importância ao fato de serem
tratados em termos de igualdade nas relações com os
saltadores. Esta igualdade de parceiros equilibrados estaria
arruinada, caso os saltadores viessem a saber, por exemplo,
com que facilidade a posição dos aras estava se
enfraquecendo.
* * *
A retirada do resto da frota foi a primeira novidade
naqueles dias de horrível monotonia em que a Titan ficou
aguardando no espaço. De início, Perry Rhodan estava
muito céptico. Supunha que para substituir a frota que se
retirara de Laros, outra estava sendo esperada. Mas, depois
de registrar grandes abalos estruturais, que não podiam
provir de outra parte, começou a acreditar que a grande
conferência em Laros já havia terminado, e julgou então ter
chegado o momento de se preocupar com os acidentados de
Gom.
Talamon, que tinha deixado Laros com a frota de
Topthor, não havia mais se comunicado. Rhodan, que
acreditava na fidelidade de Talamon, até certo ponto, tomou
isto como uma prova de que os saltadores não estavam
realizando apenas uma troca de tropa de ocupação, mas
estavam mesmo abandonando definitivamente o satélite. O
esforço que Rhodan fizera, quando teve de avançar para o
hiperespaço, saindo do sistema de Árcon, com a Ganymed
e com outra nave pesada da frota de Talamon, para simular
a saída de duas naves terranas, foi plenamente compensado.
Nem os aras, nem os saltadores acreditavam mais em
perigo em sua redondeza.
Não havia dúvida alguma de que a Titan teria sido
descoberta caso se aproximasse de Gom. A proteção dada
pelos campos magnéticos contra a localização não era
absoluta.
Quanto às naves de vigilância dos aras, que se
encontravam no sistema, Rhodan não tinha receio algum.
* * *
Trabalharam dez horas ininterruptas, mas estavam cada
vez mais longe de atingirem o objetivo. A grande
dificuldade era que a fiação e os elementos de contato só
podiam ser tratados por uma só pessoa. O fato de serem
cinco não ajudava em nada.
Marshall tinha experimentado suas forças telepáticas
para saber o que se passava em volta. Mas não conseguiu
saber nada, a não ser que a quantidade de gons aumentava
sempre mais. Por fim, começou a mexer num conjunto que
normalmente servia para dar sinais de localização à estação
de relês. Já que os pequenos aparelhos voadores só eram
utilizados no âmbito dos satélites de Gom, o sinalizador
consistia apenas de um circuito de vibrações comum de
modulação magnética.
Tschubai o ajudava no trabalho. E quando Bell, depois
de dez horas de trabalho, com os olhos ardendo e as mãos
trêmulas, que não mais obedeciam, concluiu que ainda
estava muito longe de seu objetivo, Marshall e o africano
haviam chegado a tal ponto que o sinalizador já emitia
sinais de vários comprimentos.
Marshall estava com a ideia de que podia entrar em
contato com a Titan. É verdade que ela estava a vinte horas-
luz de distância, e os rádio-sinais demorariam relativamente
muito a chegar até ela. Mas de qualquer maneira, era
preferível uma mensagem lenta, a nada.
Queria falar a respeito com Bell, quando este, se
arrastando para fora da cavidade dos motores de tração,
ficou prostrado no chão, completamente exausto.
Mas antes que pudesse abrir a boca, atingiu-o um
pensamento não humano, de tal intensidade, que a dor de
cabeça parecia estourar-lhe o crânio. Tombou, gemendo
alto.
Com Betty se deu a mesma coisa. Mas sua capacidade
sendo maior que a de Marshall, sua dor de cabeça foi
menor. Entendeu a mensagem que lhe dirigiram.
Bell estava prestando atenção em tudo. Arrastou-se até
Marshall e o ajudou a se levantar.
— Os gons...! — murmurou Marshall, com olhos
arregalados. — Dizem que vão nos atacar agora.
Bell franziu a testa, comprimindo os olhos.
— Atacar? A nós? Depois de nos ter salvo da
tempestade?
— É isso mesmo, senhor Bell — reforçou Betty, com
voz trêmula. — Também recebi esta mensagem.
— Pois bem — disse Bell, exteriorizando uma calma
que não era sua. — Então vamos recebê-los. Talvez não
consigamos acionar os motores de propulsão até lá,
portanto, temos que nos defender.
— Mas, temos o transmissor — gritou Marshall. —
Podemos colocar a Titan a par de tudo.
Bell não sabia nada disso. Marshall teve que lhe
explicar tudo em poucas palavras.
— Por mim, pode enviar sua mensagem — disse Bell
meio descrente. — Levará umas vinte horas para alcançar a
Titan. E além de tudo, não se sabe se alguém a bordo vai
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dar importância a sinais do alfabeto Morse.
Com o auxílio de Ras Tschubai, Marshall iniciou sua
tentativa. Começou a transmitir em Morse:
ESTAMOS EM PERIGO DE VIDA EM
GOM HEMISFÉRIO NORTE ZONA DE
PENUMBRA POUCOS QUILÔMETROS
DA FAIXA DE LUZ — BELL.
Repetiu a mensagem três vezes. Quando ia começar a
quarta transmissão, ouviu-se um grito de horror. Bell estava
de vigia no degrau externo da escotilha. Ouvia-se ainda seu
berro:
— Não são apenas os gons. Aí vem um grande exército
de bios. Para fora, pessoal, e armas na mão.
* * *
Tako Kakuta não se lembrava de ter trabalhado tanto
tempo em sua vida, sem pausa de um segundo.
Em comparação com Bell, que neste instante ainda
estava ocupado com o mesmo problema, tinha Tako a
grande vantagem de que em seu disco voador, desde que
saíra de Gom, possuía a bordo a gravitação artificial de
Laros. Sob outras condições, jamais teria atingido seu
objetivo.
Já estava tão avançado que podia botar para funcionar o
conjunto de propulsão e, além disso, já podia se utilizar dos
dois desintegradores. Entrementes, o pequeno disco se
aproximava de Gom. Influenciado pela tremenda atração do
grande planeta, o aparelho atingia uma velocidade de cinco
quilômetros por segundo em direção ao centro de gravidade
de Gom. Tako Kakuta aumentou esta velocidade e já estava
preparado para as manobras necessárias, quando o aparelho
chegou às primeiras camadas da atmosfera do enorme
planeta.
* * *
Como que cavalgando numa esteira de partículas
incandescentes, desciam de um céu cor de chumbo e
aterrissavam, quase no mesmo lugar onde Ivã Goratchim
havia destruído a primeira força de combate dos bios,
dezenas e dezenas de discos voadores.
Se Bell ainda tivesse dúvidas de que os gons tomaram a
decisão de comum acordo com os aras, estas dúvidas
desapareceriam agora, sob a evidência dos fatos.
Os bios aterrissaram de tal maneira que, juntamente
com os gons, fecharam um círculo, em cujo centro estavam
suas vítimas.
O quadro foi idêntico ao primeiro ataque. Os bios
deixavam os aparelhos e vinham marchando em fila até o
aparelho onde estava Bell e seus colegas.
Só que desta vez, eram quatrocentos, e, para variar, não
havia nenhum indício de tempestade ou tufão que viesse
favorecer os sitiados.
Desligados os motores e cessando o zunido
ensurdecedor, podia-se ouvir, do outro lado, uma trepidação
permanente, num crescendo gradativo. Eram os gons que
caminhavam de encontro ao alvo. A trepidação do solo
provou que Marshall tinha razão. Era realmente uma
multidão incalculável.
Com os bios, Bell não estava muito preocupado. Desta
vez, Ivã Goratchim não estava desacordado. Bell o chamou
para perto da escotilha e lhe mostrou a fila dos monstros
que se aproximavam. As duas cabeças do mutante
contraíram as fisionomias num sorriso duro de guerra e
poucos instantes depois, naquele lugar onde marchava a ala
direita dos bios, houve uma terrível explosão, da qual subiu
uma nuvem incandescente.
No turbilhão daquela nuvem, a quarta parte dos bios
perdeu sua vida artificial.
Ivã Goratchim queria acertar bem no meio da coluna,
mas neste mesmo instante, Ras Tschubai, que estava de
vigia no ponto mais alto do disco, deu um grito para baixo:
— Os gons estão chegando, eu os estou vendo.
A escotilha se abriu para o lado de onde vinham os bios.
Bell achava que a ameaça dos autômatos, apesar de suas
excelentes armas, era menor do que a outra. Mandou seu
pessoal ficar em cima da pequena nave, onde estava Ras
Tschubai. Para Betty, falou:
— O negócio vai começar a pegar fogo, senhorita, o
melhor é ficar dentro da nave.
Mas Betty olhou zangada para ele:
— Eu gosto de fogo, senhor Bell. Além disso, não gosto
que ninguém diga que sou covarde.
E antes que Bell pudesse responder alguma coisa, já
tinha passado por ele, subindo para o lado de fora do disco.
Bell não podia fazer outra coisa senão acompanhá-la.
Antes que tivesse chegado lá em cima, Ivã Goratchim já
havia fulminado o segundo quarto dos estúpidos bios que
avançavam contra a nave.
De cima, se podia ver que os gons caminhavam a uma
velocidade de uns vinte quilômetros por hora. Moviam-se,
pois, mais lentamente do que depois da tempestade. Bell
queria saber a razão disso.
Quando Bell chegou ao alto, a vanguarda daquela
enorme massa marrom-escura ainda estava a três
quilômetros.
Eram os últimos nove ou dez minutos que restavam a
Bell e a seus companheiros.
— Está vendo — disse Bell a Marshall — neste
momento sua mensagem em Morse já percorreu um
centésimo de sua trajetória. Você acha que vamos
sobreviver aos restantes noventa e nove centésimos?
Depois, mudando o tom da voz:
— Quando estiverem a um quilômetro de nós, comecem
a atirar. Nossas armas atingem esta distância.
* * *
Quando Marshall transmitiu seu pedido de socorro, a
Titan, há muito, já estava a caminho. Escolheu aquele
trecho de Gom, onde havia menos possibilidade de serem
vistos pelos aras.
A mensagem em Morse que Marshall enviara, não
precisou mais que minuto e meio para chegar à supernave.
Aliás, demorou uns segundos até que percebessem os
sinais. Foram registrados pelos receptores automáticos, mas
todos pensavam que eram interferências comuns. Até que
alguém se deu ao trabalho de separar sinais longos e curtos,
chegando à conclusão de que eram sinais Morse.
Perry Rhodan, assim que foi informado, aumentou a
velocidade da espaçonave. Não tinha dúvida de que era
muito difícil encontrar alguém para dizer com mais
exatidão onde se encontravam os companheiros de Bell.
Era realmente difícil encontrá-los numa faixa de penumbra
com mais de cinquenta mil quilômetros de extensão.
* * *
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— Fogo, rapazes, fogo! — gritava Bell, com uma
vontade louca de lutar.
Apontaram as armas térmicas contra o supergom e
começaram a atirar, quando a vanguarda estava a um
quilômetro. A esta distância, as pequenas pistolas de
irradiação tinham uma potência que não podia ser
considerada perigosa para um corpo compacto — como um
bio ou um ser humano. Porém, através da delgada camada
dos gons, os raios penetravam sem dificuldade, impediam o
núcleo central da massa de avançar e faziam com que os
dois flancos se deslocassem para frente, formando um
semicírculo.
Por uns instantes, passou pela cabeça de Bell a ideia de
enviar Ras Tschubai, que entrementes recuperara suas
forças telecinéticas, para um lado ou para outro. Mas
reparou logo que nem ele, nem Ras Tschubai seriam
capazes de dimensionar a extensão daquela massa enorme.
E o pior era que, se errasse o pulo e caísse no meio dos
gons, estaria perdido.
Ivã Goratchim continuava em sua luta gloriosa. Neste
exato momento ainda estavam vivos cinquenta bios. Mas
estavam muito afastados uns dos outros, de maneira que
quando um explodia no ar, os outros continuavam vivos. A
luta agora era individual e os poucos bios se aproximaram
mais depressa, do que Bell calculava.
— Mais depressa, vocês dois aí — disse Bell ao
mutante de duas cabeças. — Nós não temos tempo de nos
preocuparmos com os bios.
Ivã, o mais velho, respondeu:
— Não pode ir mais depressa, senhor Bell, precisamos
de tempo para cada um, a fim de nos concentrarmos.
Bell sabia que Ivã tinha razão. Olhou para o lado
desconfiado, e notou a linha espalhada dos bios.
Queria chamar a atenção de Ivã sobre um bio que estava
muito avançado. Mas neste momento, parece que uma força
invisível pegou o autômato, arrancou-o do chão, atirando-o
para bem alto no ar, caindo depois pesadamente nas pedras,
já sem movimentos.
Bell não se conteve de entusiasmo:
— Bravo, Ivã...!
A mesma coisa aconteceu a outro bio. Foi atirado para o
alto, esborrachando-se depois no chão. Não se levantou
mais.
A expressão no rosto de Bell era de admiração pelo que
presenciava. Olhou para Betty Toufry, que disparava sua
arma, afastando os gons. Não tinha tempo para se
preocupar com evoluções telecinéticas.
Quem era então o autor deste último espetáculo do bio
que dançou no ar e se esborrachou no solo?
Neste momento, surgiram vinte bios em sua retaguarda.
Bell viu, de boca aberta, como eles viraram as costas,
jogaram fora as armas, correndo de volta para a fila dos
discos voadores.
Bell compreendeu de repente o que se passava. Olhou
para o lado e reparou que Ivã e Ivanovitch se concentravam
num dos bios em retirada. Horrorizado, exclamou:
— Não, por amor de Deus, não.
O mutante olhou para ele, desencantado. Bell não deu
importância a isto. Todos podiam ouvir como ele gritava:
— Ishibashi, Sengu, Yokida...! Apresentem-se.
Marshall olhou espantado para ele, mas Bell abanou a
mão, dizendo:
— Continuem atirando.
De alguma parte ouvia-se, um leve murmúrio. Alguma
coisa dava para se entender:
— ...com trajes bem esfarrapados... seiscentos metros de
vocês... estamos chegando.
Logo depois surgiram, detrás de um rochedo baixo, três
pontos que se moviam lentamente para o aparelho ocupado
pelos companheiros de Bell. Provavelmente havia
acontecido aos três japoneses a mesma coisa que a Ivã
Goratchim. Do brilho de prata de seus trajes não se via mais
nada. Era preciso um esforço maior para poder vê-los
naquela penumbra.
Bell tinha mil perguntas na ponta da língua. Mas não
tinha tempo. Virou-se para trás e continuou seu serviço:
causar o maior estrago possível entre os gons.
Os três japoneses levaram meia hora para chegar. Quase
não tinham mais força para subir no aparelho. Seus rostos
estavam pálidos e a voz de Ishibashi parecia embargada
quando tentou falar.
— Muito bem — disse Bell — não temos tempo para
conversa agora. Ajudem-nos contra os gons. Se Sengu
ainda puder, deve ajudar Ivã contra os bios. Vamos,
depressa, pessoal.
Uma cólera incontida se apoderou de Bell, ao refletir
que os três japoneses recuperaram a liberdade só para
caírem de novo nas garras dos gons e acabarem morrendo...
Se não acontecesse um milagre até lá.
* * *
Tako veio em voo baixo. Pouco antes do choque contra
o chão do planeta, conseguiu amortecer a queda e passar
para o vôo horizontal. O fato de estar se movimentando
exatamente no local onde se travava a tremenda batalha foi
uma combinação de acaso e de genialidade técnica de Tako.
Tako voava com a altitude de quatro mil metros, numa
velocidade correspondente a 1,2 à do som. Já que o
aparelho não tinha propriamente asas de sustentação, uma
parcela dos motores de propulsão estava convertida em
força de empuxo, para manter, por meio das válvulas
verticais, esta posição.
Desta altura, relativamente pequena, o japonês podia
supervisionar toda a região de combate. Percebeu logo que
Bell e seus companheiros estavam em perigo, devido aos
gons. Fez uma grande curva, voltou, descendo
gradativamente. Foi até o depósito de armas, confiando em
que a direção se manteria por si, enquanto iria se ocupar
com os dois desintegradores. Regulou o dispositivo de alvo
automático e aguardou até que a nave, agora com a
velocidade reduzida a seiscentos quilômetros por hora, e na
altitude de mil e duzentos metros, se aproximasse do local
da luta, até uma boa distância de tiro.
Reginald Bell viu a pequena espaçonave quando passou
pela primeira vez pelo céu cor de chumbo, iluminada pelo
débil clarão do sol avermelhado. Não deu maior
importância, pois acreditava se tratar de um aparelho
comandado por bios.
Mas a nave tornou a voltar, exatamente quando os
flancos do supergom ameaçavam envolver o ponto de apoio
de Bell e com mais força do que antes. Ele não tinha tempo
para se preocupar com isso. Cada tiro que perdia,
representava dois segundos desperdiçados.
Betty foi a primeira que parou de atirar e ficou olhando
67
para o aparelho no ar. Bell olhou para ela e viu que ela lhe
queria dizer alguma coisa. Mas antes que abrisse a boca,
começaram a sair do estranho aparelho dois grossos jatos
de fogo de um verde-claro, em sentido oblíquo, atingindo o
dorso do supergom e abrindo sulcos largos e fumegantes.
— É o japonês! — gritou Bell com voz trêmula. —
Conseguiu dominar o aparelho.
Pararam de atirar para ver as proezas da pequena nave.
Tako Kakuta se era ele, parecia perseguir um objetivo com
seus tiros. Os jatos esverdeados riscavam o dorso do
supergom, com toda a potência dos dois desintegradores.
Mal decorridos dez segundos, haviam aberto um rombo
arredondado de grande dimensão.
Marshall sentiu a confusão que ia à massa enorme dos
gons. Estava curioso para ver como a parte separada pelos
raios dos desintegradores se uniria novamente ao todo. Mas
não houve união. O trecho arredondado separou-se do resto
do corpo gigantesco e caminhou sozinho contra o ponto de
apoio, onde Bell e os seus julgavam, há pouco, ver o fim
daquela massa marrom-escura.
Os desintegradores continuaram sua missão. Pedaço por
pedaço, Tako foi destruindo aqueles trechos que já
ameaçavam a cidadela de Bell. A confusão dos gons
aumentava.
* * *
Nos últimos instantes, Tako percebeu que sua nave se
inclinava um pouco. Largou as armas, o mais depressa que
pôde, correu para o controle da propulsão e viu que o
aparelho, com o funcionamento das válvulas, deslizava de
encontro ao solo. Ainda conseguiu evitar a queda, mas foi-
lhe impossível subir mais com o aparelho. Fez uma curva
fechada, perdendo mais altura ainda, viu os rochedos do
solo que se avizinhavam dele. Deu a última freada e, de
olhos fechados, aguardou o que Deus quisesse.
Ouviu um estrondo surdo, o tinir de metais, viu uma
nuvem de poeira penetrando pelas fendas da carcaça
rebentada e sentiu, por um instante, que o mundo girava em
redor dele.
Não houve mais nada. Nem mesmo chegou a perder os
sentidos. Mas a grande atração de Gom o deixou quase
parado.
Finalmente conseguiu se arrastar para fora. Pela
primeira vez é que notou que o ar estava repleto de ruídos,
tão fortes, que não haveria de ouvir seus companheiros, se o
chamassem. Desligou o microfone externo e sentiu a
vibração que o solo trepidante transmitia ao traje espacial,
apesar de tudo ainda em bom estado.
A enorme nuvem de poeira, provocada pela descida de
emergência, já tinha desaparecido. Tako viu o aparelho em
que Bell e sua gente estava abrigado, a mais ou menos dois
quilômetros de distância.
Atrás de si, viu o clarão de uma violenta explosão.
Assustou-se, escondendo-se à sombra de um grande
rochedo. Não sabia que Ivã Goratchim estava acabando de
destruir o tricentésimo octogésimo sétimo bio.
* * *
O movimento do supergom perdeu a coesão depois que
Tako o retalhou em vários pedaços, com fendas enormes.
Os pedaços não cuidavam mais em se unirem ao resto.
Vinham separados de encontro ao aparelho em que estavam
entrincheirados os companheiros de Bell. Naturalmente, a
ordem dada pelos aras já estava desaparecendo de sua
memória, com o esfacelamento do supergom.
A queda de Tako foi observada do aparelho. Bell
respirou aliviado, quando viu o rapaz sair ileso do disco.
Reparou como ele se resguardou da explosão causada pelo
mutante de duas cabeças e lhe queria gritar alguma coisa.
Mas, neste momento, Marshall pegou em seu braço e
lhe apontou para o lado direito.
— Lá estão os gons! — exclamou ele. Bell ficou
olhando. Era uma parte da grande massa. Tinham visto o
japonês e estavam em vias de atacá-lo. Era um grupo de no
mínimo cinqüenta mil gons, força mais do que suficiente
para dominar Tako.
— Tako, preste atenção, os gons estão chegando.
Tako ouviu o brado de alerta, levantou-se e olhou em
volta. Não viu outra coisa a não ser uma linha escura, a uns
cem metros, num movimento de leve ondulação.
Saiu se arrastando, embora soubesse que os gons eram
mais velozes que ele. Estava com medo. Escutou gritos e
chamados no seu receptor de capacete, mas não deu
importância. A voz de Marshall, zangada, lhe gritou nos
ouvidos!
— Pare e suba no rochedo.
Viu um rochedo íngreme em sua frente e tentou escalá-
lo. Mas no mesmo momento ouviu de novo a voz de
Marshall:
— Não neste, no outro à direita.
Tako desceu, olhou em volta e viu que os gons já
estavam a vinte metros dele. O medo lhe deu uma força
incrível, correu para o rochedo e foi subindo. Podia ter
usado seus dons de teleportador, mas as circunstâncias não
lhe permitiam a necessária concentração.
* * *
— Por que exatamente naquele rochedo? — perguntou
Bell admirado. — Você acha que os gons têm mais
dificuldade de subir naquele rochedo do que no outro?
— Não sobem em nenhum dos dois. Bell parecia
perplexo.
— Como é que você sabe disso?
— Lembra-se, quando deixamos o viveiro dos gons,
fiquei atrás de você, observando essas solhas, quando elas
iam de encontro aos degraus, talhados na rocha, não
conseguindo subir neles. Sentiam apenas que o mundo
acabava ali e ficavam paradas. Sabe como se explica isto?
— Não.
— Os gons são, até certo sentido, seres de duas
dimensões. Só podem sentir o que está no mesmo plano que
seu corpo. Naturalmente isto não pode ser tomado no
sentido absoluto. Acho que seu ângulo de visão vertical ao
plano do corpo atinge mais ou menos uns poucos minutos,
no máximo meio grau. Quando chegam a um objeto que
não está bem vertical em relação ao chão, então percebem
facilmente e podem subir. Mas uma parede vertical é para
eles como uma tábua, onde o mundo acaba. Olhe para lá
agora.
Tako desaparecera de seu campo visual. Os cinqüenta
mil gons tinham cercado o rochedo. Percebia-se em seus
movimentos que não sabiam mais o que fazer. Andaram de
um lado para o outro, depois foram embora, deixando o
rochedo com o japonês para trás.
— Mas... — murmurou Bell, sem compreender.
— Sei no que está pensando — interrompeu-o Marshall.
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— Em maiores aglomerações, quando a inteligência do
supergom ultrapassa determinado nível, podem ser capazes
de sentir a terceira dimensão. Nós vimos, quando fizeram
uma muralha para nos proteger contra a ventania.
“O supergom, que encontramos logo após a descida
forçada da Gazela e do qual fugimos, nos escondendo na
galeria subterrânea, era igual a este que estava cercando o
japonês. Lembra-se de que as solhas não conseguiram achar
a entrada do corredor? Exatamente porque não podem
perceber o que está abaixo ou acima delas. Só enxergam, se
enxergar for o termo certo, o que estiver em sua frente ou
atrás deles”.
“Se calcularmos que o supergom ali na frente se
compõe de cinquenta mil gons, então podemos chegar à
conclusão de que a transição da visão de duas dimensões
para a de três dimensões está oscilando entre cinquenta mil
e cem mil goms.”
— Fantástico! — exclamou Bell.
Sem dizer nada e sem o menor sinal, Marshall se
abaixou, comprimiu o capacete contra o chão, gemendo.
— Que aconteceu de novo?! — exclamou Bell
assustado.
A voz jovial de Betty Toufry entrou de repente em seu
receptor:
— É Gucky — disse ela alegre. — A Titan está se
aproximando. Gucky está dando ordem aos gons para se
retirarem.
* * *
Ninguém havia notado a esfera vermelha, que se
aproximava no horizonte. Mas depois, ouviu-se a voz de
Gucky através do amplificador telepático. Em nome de
Rhodan, informou aos gons de que, dentro de uma hora
deviam se afastar bastante dos sitiados, para que a
gigantesca espaçonave pudesse descer facilmente e apanhar
os seus amigos. Gucky deixou bem claro aos gons que
seriam destruídos se não obedecessem às instruções.
A mensagem do rato-castor foi captada por Marshall e
Betty. Observavam contentes como a enorme esfera de aço
descia lentamente no planalto, estacionando bem próximo a
eles.
A reação do supergom foi extraordinária. Não apenas
desistiu da tentativa de influenciar telepaticamente a Titan,
mas obedeceu de pronto. Com o ruído característico, o ser
gigantesco recuou de todos os lados, bem mais depressa do
que haviam chegado.
Meia hora após a mensagem de Gucky, a Titan
aterrissava tranquila. Bell e seus companheiros foram
levados para bordo. Perry Rhodan fez questão de
cumprimentar todos, apertando a mão de cada um e de
abraçar com afeto seu velho colega de armas.
A Titan se ergueu para o espaço, imediatamente.
Bell e os seus não tiveram um segundo de descanso.
Tinham que contar suas impressões, enquanto ainda
estavam frescas. Os cientistas estavam ansiosos para saber
alguma coisa sobre os gons.
Cada um tinha que dizer o que sabia. Setenta por cento
das informações, porém, provinham de Marshall, que
sempre andava com os olhos bem abertos.
O interessante foi que Kitai Ishibashi, Tama Yokida e
Wuriu Sengu, como também Ivã Goratchim, não sabiam
contar nada. Esqueceram-se de tudo a partir do momento
em que se levantaram do fundo da caverna e caminharam
na direção dos destroços da Gazela. Dos instantes
anteriores, não se recordavam. Constataram depois que
estavam num aposento pequeno, baixo, arredondado e sem
janelas, que tudo em volta era escuridão e ruídos esquisitos.
Para Bell e Marshall era fácil concluir que os três
japoneses, como também Ivã Goratchim, estavam num
viveiro subterrâneo e despertaram quando os gons
subterrâneos saíram para formar o supergom.
Ishibashi, Yokida e Sengu constataram com espanto que
a prata sumiu de seus trajes espaciais e a massa plástica
estava pela metade. Os gons tinham tentado digerir os trajes
e os homens. Mas não tiveram com a matéria viva a mesma
sorte que tiveram, por exemplo, com os destroços da
Gazela, que desapareceram em pouco tempo.
Sengu, procurando entre os rochedos, acabou achando
um caminho e sem dificuldades chegaram os três mutantes
à superfície, ainda a tempo de poderem ajudar na luta.
Sobre os gons, porém, não sabiam dizer muita coisa.
Assim, a impressão predominante sobre a aventura dos
gons não deixava de ser um enigma, um quebra-cabeça.
Apresentaram-se teorias, foram discutidas e rejeitadas. Não
havia unanimidade sobre o assunto. Ninguém podia
concordar com um ser que se deixava destruir pelo fogo ao
invés de usar suas enormes forças parapsicológicas, como
realmente o fizeram no princípio, quando, telepaticamente,
forçaram a Gazela a se espatifar no solo.
Sentia-se estar defronte de um fenômeno — que não
tinha nada em comum com as formas de vida conhecidas —
tão estranho em sua mentalidade, como se fosse de outros
mundos.
Rhodan foi instado a fazer uma aterrissagem em Gom.
Os pedidos vieram de todos os lados... Mas Rhodan
explicou com um sorriso amigo, que nas atuais
circunstâncias, a política era mais importante do que a
ciência; mais tarde, em outra oportunidade, não teria nada a
opor a uma visita científica a Gom.
* * *
Uma hora mais tarde, apareceu a Titan na lua de Laros,
depois de haver passado por uma série de postos avançados
dos aras, sem dar a menor satisfação, destruindo muitas
bases de defesa automática equipadas com bios, armadas
com mísseis nucleares, desintegradores e lança-chamas.
Depositou na lua uma bomba arcônida cujo detonador
estava regulado no grau 14.
A bomba fazia com que os átomos de silício em sua
volta entrassem em fusão aos poucos e se estendessem
sobre toda a área de Laros.
O incêndio atômico que surgiria assim, era lento, mas
nada o conseguiria apagar. Os aras levariam tempo para
perceber o incêndio e depois teriam ainda três meses para
abandonarem Laros. Depois, não haveria mais vida em
Laros.
Seria o fim da base dos aras no sistema Gonom.
* * *
A Titan partiu. Havia estado de alerta contra naves dos
saltadores. Mas não apareceu nenhuma delas.
Assim que saíram do sistema, Bell e seus companheiros
tiveram um descanso de quinze horas de sono repousante.
69
— Dormiu bastante, meu caro gordo? — perguntou
Rhodan.
— Muito pouco — protestou Bell. — Fiquei quatro dias
em Gom sem pregar os olhos.
— Muito bem, — continuou Rhodan — o principal é
que você está firme. Diga-me uma coisa: Será que os
saltadores não suspeitaram da programação falsa da
positrônica de Topthor?
Bell franziu a testa:
— Acho que não. Por quê?
— Porque... — disse Rhodan sério, sem olhar para Bell
— porque Talamon me comunicou há poucos minutos
por raio direcional de hipercomunicação, que o ataque
Terra está decidido e será logo.
“Se eles entenderem por Terra o que vocês
programaram na positrônica de Topthor, está tudo muito
bem. Voltamos para a Terra e pelo caminho mais rápido.”
A fisionomia de Bell se iluminou de repente, as rugas na
testa desapareceram e lábios armaram um belo sorriso.
— Perry, para a Terra! Você sabe ainda quantos andares
tem o Empire-State-Building e quais são as cores dos
prados de Goshun See?
Os cientistas da Titan gostariam muito de fazer pesquisas mais profundas sobre os
misteriosos e perigosos gons, que por um triz não destruíram Bell e seus companheiros.
Perry Rhodan permaneceu firme em sua opinião. Sabia que não podia retardar sua volta à
Terra. Teria de articular um ardil de dimensão cósmica, ardil este que é ainda o último
recurso para tentar salvar a Terra da destruição. O objetivo deste ardil é convencer os
atacantes de que a Terra seria o terceiro planeta do Sistema Beta.
Os detalhes emocionantes desta incrível estratégia serão narrados em: O Olho Vermelho
do Sistema Beta.
.
70
Nº 48
De
Clark Darlton
Tradução S. Pereira Magalhães Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes
Para dar mais impressão de verdadeira Terra, Rhodan mandara seus dois
cruzadores, Centauro e Terra, para se estabelecerem no planeta Três, se defenderem
dos ataques, simulando que aquele planeta era realmente a invejada Terra dos homens.
Porém o planeta Quatro já estava ocupado pelos tópsidas, os quais...
71
1
Além dos dois arcônidas Crest e Thora, do rato-castor
Gucky e dos próprios terranos, não havia ninguém, no
Universo inteiro, que pudesse saber a posição do planeta
Terra, com exceção de duas criaturas.
A primeira chamava-se Topthor. Era um comerciante
das Galáxias da estirpe dos Superpesados, 1,60 m de altura
e o mesmo tanto de largura, pele esverdeada e senhor
absoluto de uma respeitável frota de espaçonaves.
A segunda era o cérebro positrônico, instalado na nau
capitania do próprio Topthor, na mesma espaçonave com a
qual tentara atacar a Terra, há meses atrás, ao descobri-la
casualmente. Porém, nem o computador positrônico, nem
Topthor, sabiam que os mutantes de
Perry Rhodan haviam alterado
completamente a programação dos
dados, no setor de alimentação do
computador.
Conforme esta alteração, passou
a ser registrado como Terra o
terceiro planeta do gigantesco sol
Beta, 272 anos-luz do nosso sistema
solar.
Uma alteração que provocaria um
lamentável engano — lamentável
para dois grandes povos das Galáxias
— embora seu grande adversário, um
terrano com o nome de Perry
Rhodan, juntamente com seu
pequeno planeta pátrio, ficariam
excluídos dos dados lançados.
E era exatamente este o objetivo
de Rhodan.
A Terra, isto é, a Humanidade, já
estava evoluída e já havia realizado
em seu planeta o que até então
parecia mero sonho de idealistas.
A unificação da Terra num só
governo não era mais utopia. Todos
os povos da Terra tinham se unido,
fronteiras e barreiras alfandegárias
não mais existiam. O ministro das finanças da Terra,
Homer G. Adams, introduziu um padrão monetário único, o
chamado Solar, moeda de toda a Terra. As grandes nações e
os pequenos estados de outrora tinham sua representação no
Conselho Geral que se reunia periodicamente em Terrânia,
capital do Mundo.
O fantasma da guerra era coisa do passado. O dinheiro
colossal dispendido outrora com armamentos, servia agora
para a construção de uma gigantesca frota espacial,
dependente diretamente do governo mundial. Inicialmente,
as unidades já existentes da frota eram comandadas pelos
homens da Terceira Potência, um organismo estatal
construído com o auxílio dos arcônidas.
Em Terrânia, situada no coração do deserto de Gobi, era
grande a agitação. A megalópole, célula-mater da Terra
unificada, aguardava com ansiedade o relatório de seu
primeiro cidadão, que depois de uma ausência de seis
meses, estava regressando ao planeta pátrio. Ninguém sabia
o que havia sucedido neste meio ano, mas todos sabiam que
a prolongada ausência de Perry Rhodan só podia ter sido
causada por acontecimentos da maior gravidade.
O engenheiro-chefe Kowalski e o técnico de eletrônica
Harper haviam terminado o trabalho do dia e permaneciam
sentados diante da televisão, em seu aposento coletivo, do
qual compartilhavam ainda dois outros colegas, que faziam
serão.
A tela mostrava o espaço. No fundo, estava a Via
Láctea e, mais para frente, a sombra de uma espaçonave em
forma de um torpedo. Uma única palavra indicava a estação
que estava transmitindo: Terrânia.
Qualquer pessoa na Terra sabia que um grande
acontecimento estava iminente. Certamente não havia
ninguém que fosse perder esta transmissão. O governo
mundial falaria a toda a população da Terra, provavelmente
o próprio presidente — Perry Rhodan.
— Acabou de chegar
hoje — disse Kowalski, e
Harper sabia de quem estava
falando. Todo mundo vira a
gigantesca esfera espacial
quando descia. Uma nave,
que a Terra nunca havia visto
igual. Quilômetro e meio era
o diâmetro do gigante do
espaço. Com letras pretas,
lia-se em sua fuselagem o
nome: Titan.
— Estou curioso para
ouvir as novidades que nos
traz.
Ele, Perry Rhodan, o
homem que tinha unificado a
Terra, e a transformado
numa superpotência
galáctica. Era, talvez, o único
homem vivo que não tinha
inimigos — pelo menos na
Terra e entre os homens.
Lá fora, porém, no
infinito do espaço...
— Vamos ver —
murmurou Harper, virando-
se na poltrona. — De
qualquer maneira, uma coisa não mudou ainda: as pausas
na televisão. Parece que vai começar agora.
A cintilante Via Láctea desapareceu da tela, dando lugar
ao rosto de um homem. Era o coronel Albrecht Klein,
substituto de Rhodan. Durante a ausência do presidente,
dirigia os negócios da Terceira Potência e do governo
mundial, com o apoio decidido de Allan D. Mercant.
— Amigos terranos!
O coronel Klein fez uma pausa muito enfática, olhando
com um sorriso afável para a câmera, e, portanto para quase
dois bilhões de homens.
— Perry Rhodan voltou de sua expedição ao espaço e
vai informá-los dos acontecimentos mais importantes,
sucintamente. Um relatório mais detalhado pode ser
esperado para os próximos dias, de maneira que peço
compreensão dos telespectadores, pelo fato de nosso
presidente fazer apenas um resumo dos fatos. Passo assim a
palavra a Perry Rhodan!
Coronel Klein se afastou com um sorriso e sua imagem
desapareceu do vídeo.
— Foi breve e indolor — observou Harper, olhando
Personagens principais deste episódio:
Perry Rhodan — Administrador da Terra e
chefe da Terceira Potência.
Gucky — Contra ordem expressa de Rhodan,
embarca clandestino, levado pela convicção do
grande perigo, acaba salvando a situação.
Al-Khor — Comandante dos tópsidas, não crê
em assombrações.
Major Deringhouse — Comandante do cruzador
Centauro e chefe geral da expedição cuja finalidade é
apresentar um planeta de Beta como sendo a nossa
Terra, para desviar o ataque dos imperialistas
saltadores.
Major McClears — Comandante do cruzador
Terra.
Wor-Lök — Por medo do ditador é assassinado
em pleno Conselho de Guerra.
72
com interesse quando a câmera ainda apresentava a retirada
de Klein e depois o ambiente onde já se encontravam os
membros do Conselho do Governo, numa mesa em meia-
lua.
— Lá está ele.
Kowalski já havia visto Rhodan há mais tempo. O
uniforme da Frota Espacial, bem talhado, salientava sua
figura esbelta. Levantou-se com um leve sorriso, dirigindo-
se ao estrado dos microfones. Apertou a mão do coronel
Klein e ficou de pé diante da câmera, que levava a imagem
por todas as partes da Terra, até mesmo para o menor
povoado no centro da África. Centenas de tradutores
convertiam suas palavras em todas as línguas da Terra, para
as diversas regiões do mundo. Todos podiam compreendê-
lo, embora falasse em inglês.
— Terranos...
A voz de Rhodan soava um pouco cansada, embora seu
sorriso fosse permanente. Em seus olhos castanhos parecia
cintilar a perenidade do espaço infinito, que realmente se
tornara sua segunda pátria. Mas esta perenidade não tinha o
brilho de sempre; trazia laivos de preocupação no fundo de
sua alma.
— Nestes últimos seis meses, muita coisa mudou, tanto
aqui na Terra como no espaço infinito. Vocês todos se
lembrarão que iniciamos uma expedição para procurarmos
o Império dos Arcônidas nas Galáxias, no conjunto sideral
M-13, distante de nós trinta e quatro mil anos-luz.
Encontramos Árcon, o sistema central, tivemos, porém uma
amarga decepção. Há seis anos, os arcônidas foram
substituídos por um cérebro positrônico de tamanho
inimaginável, maior do que todo cérebro que existiu ou
existe nas Galáxias.
Rhodan fez uma pausa curta, para dar ênfase a suas
palavras. A câmera se afastou um pouco, fotografando
agora os dois arcônidas Crest e Thora bem de perto. Harper
assobiou baixinho, dizendo:
— Que mulher fantástica, esta Thora, alta e esbelta. Os
cabelos brancos e os olhos avermelhados não atrapalham
nada. Não é propriamente bela, mas tem um encanto
especial a que não posso resistir.
Rhodan apareceu de novo no vídeo.
— Conseguimos tomar do Império a maior belonave até
hoje construída no universo, a Titan. Atacado por inimigos
externos, o cérebro positrônico se sentiu ameaçado,
aliando-se a nós. Ajudamos o regente do Império Arcônida
e granjeamos sua confiança, se é que se pode falar em
confiança em se tratando de um cérebro robotizado. No
decorrer das operações, se evidenciou cada vez mais que o
grande Império e a nossa pequena Terra têm um inimigo
comum, que deve ser tomado muito a sério, isto é, os
saltadores. Vocês todos já ouviram falar nesta raça de
humanoides, descendentes dos arcônidas. São também
chamados de comerciantes das Galáxias. Foram eles que,
há tempos, atacaram a Terra e foram rechaçados. O
superpesado Topthor conhece a posição da Terra, ou pelo
menos julga conhecer. Ele e o cérebro positrônico de sua
nave.
“Mas ainda existe alguém que gostaria de saber onde
está a Terra: o gigantesco cérebro robotizado de Árcon.
Terranos, nosso mundo não conhece inimigo mais perigoso
do que este cérebro robotizado, que não suporta competir
com outra potência. E a Terra está em vias de se tornar uma
superpotência das Galáxias.”
Rhodan foi interrompido pelo aplauso geral dos
delegados. Agradeceu-lhes, com um sinal de cabeça e
continuou:
— O cérebro positrônico de Árcon consiste de lógica
fria e total ausência de compromissos. Não vê em nós a não
ser um auxílio oportuno, que pode usar à vontade quando
interessar a seus desígnios. A Terra, porém, não tem
nenhum interesse em ser colônia de Árcon.
Irrompeu novo e vibrante aplauso. Harper e Kowalski
batiam palmas com entusiasmo. A televisão exibia de novo
Crest e Thora que evitavam qualquer manifestação de
sentimento. Imóveis e calmos estavam eles em seus lugares.
Nos olhos de Crest houve brilho breve, mas ninguém
poderia dizer se era de indignação. Thora não deixava um
momento de olhar para Rhodan. Seu olhar estava pregado
em seus lábios, como que aguardando dele uma revelação.
Rhodan esperou até que se fizesse silêncio.
— Volto a insistir na lógica fria do cérebro robotizado.
Quando ele souber de nossa resolução, isto é, de não
querermos mais continuar como seus criados, haverá de
cair sobre nós, sem piedade e destruir-nos. Porém, não sabe
onde se localiza o sistema solar no infinito do espaço...
Ainda não sabe.
“E Topthor não nos pode mais trair, porque nós
alteramos os dados do computador eletrônico, alimentando-
o com dados falsos. Se ele recorrer ao cérebro positrônico
para saber da nossa posição, receberá a resposta de que a
Terra é o terceiro planeta do grande sol Beta, em Orion,
duzentos e setenta e dois anos-luz distante de nós”.
“Penso que os saltadores e talvez até mesmo o cérebro
robotizado de Árcon destruam este terceiro planeta e
acreditem piamente que destruíram a Terra. Conforme os
catálogos dos arcônidas, este terceiro planeta é considerado
inabitado, mas nós cuidaremos de fazer com que ninguém
perceba isto. A Terra, oficialmente, deixará, pois, de existir.
Só depois é que teremos tempo para construirmos nossa
frota espacial, com calma, até que um dia possamos nos
apresentar diante de Árcon de cabeça erguida e impor
nossas condições. Não mais como povo dependente, mas,
ao menos como nação soberana, de igual para igual.”
Novos aplausos, até mesmo por parte dos dois
arcônidas, a quem era sumamente descabível que um robô
dirigisse o grande Império. Harper comentou:
— Que planos tem nosso Rhodan! Acho isto um pouco
difícil. Mas compreendo que não há outra possibilidade.
Portanto, desapareçamos de cena, até ficarmos mais fortes.
— É fácil falar — respondeu Kowalski, olhando para o
relógio. — Foi sucinto e não assustou ninguém, colocando-
nos praticamente diante de fatos consumados. Estou curioso
para ouvir o anunciado relatório. Serão verdadeiros
romances de aventura. Seis meses no espaço não é
brincadeira.
Não sabia como seu palpite estava perto da verdade.
Harper ia responder, mas Rhodan continuou:
— Terranos, eu expus-lhes, em poucas palavras, meu
plano, para que compreendam mais tarde nosso modo de
agir. Ainda esta semana, partirão dois dos nossos grandes
cruzadores em direção a Orion para dar a um planeta não
habitado a impressão de ser habitado. Temos que contar
com o fato de o superpesado Topthor não demorar muito
em destruir a odiada Terra. Que ele faça o que quiser.
Rhodan levantou a mão, cumprimentando. A imagem
desapareceu, voltando o habitual sinal de Terrânia.
73
Kowalski se levantou, desligando o aparelho. Olhou
para Harper.
— Que diz de tudo isto? Não foi magnificamente
planejado?
— Não sei, não — respondeu Harper, meio duvidoso.
— Num cálculo de aparência perfeita, sempre pode haver
um pequeno engano. E está tudo acabado.
— Bobagem! — Kowalski estava um tanto zangado. —
Perry Rhodan não comete erro.
Harper abanou a cabeça e se levantou.
— É possível, Kowalski, mas desta vez tenho a
impressão de que está cometendo um. Permita Deus que eu
esteja errado. Mas, uma coisa eu digo a você, caro amigo:
se houver uma falha desta vez no cálculo, então... Deus nos
acuda.
Kowalski não respondeu. Olhou calado para o amigo
que desapareceu no outro aposento. Escutou ruído de
talheres. Abriu-se uma garrafa.
O engenheiro-chefe da Polônia franziu a testa. O que
poderia haver de errado no fato de os saltadores destruírem
com sua frota um planeta desabitado, que julgavam ser a
Terra, e isto a quase 300 anos-luz dali? O que poderia haver
de errado em tudo isto?
* * *
— Esta injustiça clama aos céus e eu vou apresentar
minha queixa sobre estes fatos injustos.
A voz era muito estridente e o tom não apenas irritado,
mas de veemente protesto. Porém não parecia exercer muita
influência em Rhodan, pois sorria calmo, sossegando o
interlocutor acariciando-lhe o pelo da nuca.
— Mas Gucky, por que tanta raiva assim? Você não
merece realmente umas férias? Eu também fico por aqui.
Gucky continuava zangado. Estava ao lado da poltrona
de Rhodan, de pé, com toda sua imponência, ostentando sua
estatura de um metro e meio de altura. As orelhas
compridas traíam uma audição acurada; o focinho longo e
afunilado, um olfato fora do comum; o amplo traseiro com
uma cauda volumosa espraiada em leque demonstrava
pouco entusiasmo para longas caminhadas. Gucky também
não tinha necessidade disso. Era teleportador e podia se
locomover para qualquer lugar sem o menor esforço. Podia
também ler os pensamentos, era um grande telepata e, além
de tudo, movia qualquer matéria à distância, graças à sua
força mental, sem usar força física. Faculdade esta
conhecida sob o nome de telecinese.
Gucky era realmente dotado de propriedades tão
extraordinárias que quem o visse pela primeira vez não
achava possível.
— Está certo — disse ele meio zangado, deixando ver
seu dente roedor, cuja ocupação predileta era roer cenouras.
— Mas, dez mutantes voam para o espaço, só eu é que fico
aqui.
— Minha resolução está tomada — disse Rhodan,
cortando qualquer tipo de argumentação, com certa energia.
Virando-se novamente para os homens que estavam
reunidos, acompanhando com interesse o diálogo com
Gucky, falou:
— Major Deringhouse assume o comando da Centauro
e major McClears o da Terra. Cada um dos cruzadores terá
uma tripulação de quatrocentos homens e será equipado
com compensadores estruturais. Ninguém poderá rastrear
os hipersaltos. Além disso, dez membros do corpo de
mutantes tomam parte na expedição. John Marshall é o seu
chefe. Recebe de mim poderes absolutos. Apenas
Deringhouse lhe dará ordens.
Ao lado de Rhodan estava um subordinado, homem
espadaúdo, de cabelos vermelhos e hirsutos, de rosto largo.
Nos seus olhos de um azul-claro pairava uma pergunta não
expressa, quando, quase imperceptivelmente sacudiu a
cabeça. Rhodan percebeu.
— Que há Bell? Alguma objeção?
Reginald Bell, o melhor amigo de Rhodan e seu íntimo
confidente, antigo ministro da segurança da Terceira
Potência, parecia um tanto desconcertado por ser
interpelado assim à queima-roupa.
— Não, está tudo claro. Queria apenas dar razão a
Gucky.
— O que quer dizer isto?
— Acho injusto, quando exatamente nós é que
sobramos. O que é que vamos fazer, quando a trezentos
anos-luz daqui se decide a vida ou a morte da humanidade?
Gucky é o melhor e eu... eu...
— Oh... — e Rhodan começou a sorrir. — E você...?
— Sou de qualquer maneira amigo de Gucky — foi
tudo que Bell pôde alegar a seu favor.
Agachado em sua poltrona, Gucky esticou as orelhas e
seus olhos brilhavam felizes.
— Obrigado, velho companheiro de lutas, muito
obrigado, não vou esquecer isso, mas tenho receio que
nossos esforços sejam inúteis. O plano de combate está
traçado. Desta vez não somos necessários.
Rhodan continuou sorrindo para ele.
— Ainda bem que você compreendeu bem a situação,
Gucky. As duas espaçonaves já estão prontas para decolar e
vão iniciar o vôo para Beta ainda esta noite. Major
Deringhouse, você conhece bem o plano. Juntamente com
McClears você vai simular a defesa do terceiro planeta.
Retire-se e desapareça, assim que o adversário tiver
destruído totalmente o terceiro planeta. Somos obrigados a
sacrificar este mundo, mas ele não possui vida inteligente.
Os saltadores não demorarão a dar como completamente
destruído o mundo dos homens. Até mesmo o cérebro
robotizado de Árcon lhes será grato, do ponto de vista
lógico. É pena, porque eu mesmo já estava me
simpatizando com a cúpula de aço de Árcon.
Os dois cruzadores pesados eram naves esféricas de
duzentos metros de diâmetro. Seus raios de ação eram
praticamente ilimitados. Com saltos através do hiperespaço,
podiam transpor distâncias inimagináveis na rapidez de
segundos. Apenas a aferição positrônica das respectivas
coordenadas consumia maior espaço de tempo que não
estava, aliás, em proporção com a duração da viagem. O
armamento consistia de radiadores de impulsos e de outros
meios de destruição de proveniência arcônida. Poderosos
envoltórios energéticos protegiam os cruzadores de
qualquer ataque. Campos antigravitacionais neutralizavam
quaisquer choques em manobras de frenagem, aterrissagem
ou decolagem.
Crest pigarreou.
— E o que acontece, então? — perguntou em voz baixa.
Rhodan o fitou por um instante:
— Depois que a destruição da Terra for simulada, não é
isto que quer dizer? Quem sabe precisamos então de anos e
anos para atingirmos o objetivo, talvez um decênio. Mas
74
com toda certeza, só podemos enfrentar Árcon novamente,
quando não precisarmos mais nos esconder, ou seja,
esconder a posição da Terra, de uma Terra que de repente
começa a existir. Uma Terra que esteja em situação de
impor condições ao cérebro robotizado de Árcon. Acho que
isto é interessante para vocês, Crest e Thora.
Os dois arcônidas concordaram.
Bell começou a sorrir de uma hora para outra. Bateu nas
costas de Gucky, deu uma piscadela para Rhodan e
exclamou muito patético:
— Com o nosso renascimento, algumas pessoas ficarão
admiradas...
* * *
Rhodan, Bell, os dois arcônidas e Allan D. Mercant
estavam à beira do espaçoporto quando as possantes esferas
espaciais faziam a contagem regressiva. Os refletores
inundavam o campo de aviação de uma claridade intensa.
Mais ao longe, na outra extremidade do espaçoporto, a
noite caía no deserto. Como imensa campânula, o céu
envolvia os dois pesados cruzadores, incumbidos da mais
extraordinária missão, que nave alguma jamais recebera. A
história da humanidade é um rosário de guerras e missões
de todos os tipos. Mas nunca um planeta foi dado como
sendo a Terra, para ser destruído.
Mercant parecia mais jovem do que realmente era. Mas
Rhodan pôde constatar que, nos últimos meses, o ex-chefe
do Conselho Internacional de Defesa tinha envelhecido
bastante. A tremenda responsabilidade que pesava em seus
ombros consumia suas forças. Os cabelos louros em volta
de sua careca central estavam bem grisalhos.
— Lá vão eles e permita Deus que voltem logo! —
exclamou em tom enfático, tendo o cuidado de não pisar
um escaravelho que se arrastava pelo chão. Mercant, apesar
de sua famosa rigidez no trabalho, ou talvez por este
motivo, era um grande amigo dos animais. — Desta vez,
felizmente, não vou ficar sozinho aqui na Terra.
Rhodan não perdia de vista as duas esferas cintilantes.
— A Titan fica em permanente prontidão, Mercant —
lembrou ele. — Assim que receber qualquer notícia
alarmante de Deringhouse já estarei a caminho.
Mercant contraiu a fisionomia.
— O que poderá acontecer de alarmante?
— Você parece se esquecer de que nós não conhecemos
o sistema Beta. Nossos dados se apoiam nos catálogos dos
arcônidas. Pois bem, o terceiro planeta é um mundo de
florestas virgens, onde talvez, só daqui a milhões de anos
poderá existir vida. O que haverá, porém, no primeiro e no
segundo planeta ou no quarto? Beta é um gigantesco sol
avermelhado. Seu diâmetro é quatrocentas vezes maior que
o do nosso sol. Eu até estranho muito que o terceiro planeta
tenha mesmo ou deva ter vegetação.
“Você é político, meu caro Mercant, não cientista. O
tamanho do sol, nem mesmo sua irradiação de calor, não
têm nenhuma importância, se os planetas estão bem
afastados dele. As regiões de vida de um sistema dependem
da proporção certa das distâncias e do calor irradiado ou
respectivamente recebido. Teremos que aguardar que
surpresas nos reserva esta segunda Terra — olhou para o
relógio. — Em dois minutos eles decolam.”
Bell estava estranhamente calado, sem se mover, parado
no meio da noite, olhando para a Centauro e para Terra.
Rhodan sabia o que se passava em seu íntimo. Bell gostava
de estar presente, quando se tratava de pregar uma peça nos
saltadores. Mas agora tinha que ficar na Terra.
Mais um minuto.
— Se o plano der certo — disse Crest, quebrando o
silêncio — então a Terra venceu mais de uma batalha.
— Esta é a finalidade do nosso plano — concordou
Rhodan.
Os segundos voavam. Nada poderia agora interromper o
rumo da história. Ninguém o pretendia também.
— Agora — disse Crest.
Sem ruído, as duas colossais esferas espaciais se
levantaram e penetraram no céu escuro. Os refletores do
espaçoporto as seguiram por uns instantes. Depois as
esferas reluzentes escaparam do alcance dos faróis e
mergulharam no grande nada.
Rhodan deu um suspiro.
— É isso, agora só nos resta aguardar. Esperamos que
nossos cálculos estejam exatos. Uma fração mínima de erro
seria fatal.
Crest, Thora e Mercant concordaram. Apenas Bell
resmungou:
— Matemática é meu lado fraco, quem sabe eu deveria
ter seguido com eles.
— Para estragar tudo? — disse-lhe Rhodan, sorrindo.
— Não, é mesmo melhor que você cometa seus erros de
cálculo aqui.
Mas esta brincadeira em nada melhorou o mau humor
de Bell, que queria descarregar sua fossa em Gucky, mas
não o encontrou.
2
Depois que a Centauro se materializou, após a transição,
Deringhouse viu uma coisa que lhe fez esquecer
imediatamente a dor de cabeça causada pela transição.
Estava na cúpula de observação, próxima ao equador da
nave. O teto transparente dispensava qualquer tipo de tela
de vídeo. Dava a impressão de se estar pessoalmente no
meio do espaço.
A bombordo surgia a nave gêmea, Terra.
Mas não foi isto que impressionou tanto a Deringhouse,
que, aliás, já conhecia uma grande parte das Galáxias.
Foi a estrela que estava diante das duas naves que
avançavam com a velocidade da luz.
Beta!
Como um olho gigantesco alaranjado, a estrela flutuava
no infinito do Universo, a maior e a mais poderosa de todas
as estrelas que Deringhouse havia visto. Os outros sóis
empalideceram perante o brilho fosco do gigante. Parecia
até que se envergonhavam devido às suas ridículas
claridades.
Era o sol Beta, o gigante vermelho. Se o colocássemos
em lugar do nosso sol, suas protuberâncias chegariam até a
órbita de Marte. Era menos quente que o sol da Terra,
porém suas dimensões inimagináveis compensavam este
fator.
Em volta do sol Beta, gravitam quatorze planetas, cuja
temperatura superficial atinge cerca de dois mil e
quinhentos graus centígrados. Quatorze planetas, dos quais
o terceiro deverá ocupar, falsamente, o lugar da Terra.
Caso Topthor não se lembre de outras coisas, de uma
certamente não se esquecerá: de que a Terra era o terceiro
75
planeta do sistema solar. Naturalmente, em pouco tempo
perceberia seu erro, pois como poderia um comerciante das
Galáxias confundir Beta com o sol da Terra? — assim
explicava Rhodan, com um sorriso. — Mas então seria
tarde demais para corrigir o erro.
Um sentimento de angústia se apoderou de
Deringhouse, quando fitou o gigantesco olho vermelho. Até
então nunca tinha dado importância a pressentimentos, mas
desta vez parecia-lhe diferente. Talvez fosse consequência
da singularidade do plano, talvez também das múltiplas
incógnitas da equação; de qualquer modo, Deringhouse
tinha que reunir todas as forças para não sucumbir às suas
dúvidas.
De qualquer maneira, estas dúvidas não adiantavam
nada mesmo. Sentiu um estremecimento e se levantou. Bem
empertigado, deixou o observatório e se dirigiu à central
pela escada rolante, onde seu primeiro oficial, capitão La
manche, já o esperava.
— Terminada a última transição — anunciou o oficial
mais idoso, repetindo, aliás, o óbvio. — O objetivo está há
dois dias-luz da Centauro.
— Obrigado — disse Deringhouse e começou a olhar
para a tela panorâmica. Reproduzia com toda fidelidade o
espaço em volta da nave, caso não se ligasse para
ampliação especial. Mas não era este o caso no momento.
— Está tudo normal?
— Perfeitamente, Senhor.
McClears aguarda suas diretrizes na Terra.
Deringhouse sorriu satisfeito. Havia desaparecido sua
incerteza.
— Ponha-me em contato com ele — foi sua ordem
calma.
Enquanto esperava pelo aquecimento da tela do
telecomunicador, tentou se lembrar do que sabia a respeito
do sistema solar que tinha à sua frente. Não era muito. O
terceiro planeta não era habitado, disso não havia dúvida.
Somente no quarto planeta é que devia haver vida muito
primitiva. Assim, pelo menos, dizia o catálogo sideral. A
superfície era em grande parte coberta de água, o que
impedia a evolução de uma raça verdadeiramente
inteligente. Todas essas afirmações estavam catalogadas.
No entanto, tudo isso eram dados que poderiam estar
certos, mas poderiam também estar desatualizados.
Ninguém tinha a menor ideia de quando os arcônidas
tinham descoberto o sistema Beta e quando o haviam
catalogado. Poderia ter sido já há séculos.
Major McClears apareceu no vídeo.
— Aí estamos — disse ele num tom firme, como se
estivesse descobrindo um novo Universo. — Que sol
imenso, não acha?
— Gigantesco — foi a resposta sucinta de Deringhouse.
Sem o querer, seus olhos pousaram na tela anexa, onde o
olho vermelho cintilava, parecendo observá-lo. — A
gravitação deve ser fantástica.
— Nem tanto, se mantivermos o distanciamento
prescrito, Deringhouse. O terceiro planeta está a alguns
bilhões de quilômetros da superfície da fotosfera.
— O senhor não acha que nós deveríamos visitar antes
o quarto planeta?
— Por que razão?
— Porque existe vida nele. Vida primitiva, mas vida.
McClears deu uma olhada nos mapas.
— O terceiro planeta está bem diante de nós, enquanto
que o quarto está atrás do sol. Seria uma volta muito grande
e, além disso, foi o terceiro planeta que nós...
— Está certo, McClears, vamos combinar uma coisa:
damos uma olhada no terceiro planeta e depois vamos para
o quarto. Gostaria de saber quem vive em nossa vizinhança,
para nos orientarmos quando os saltadores atacarem o
terceiro planeta.
— De acordo, Deringhouse. Permaneçamos com
velocidade inferior à da luz.
— Perfeitamente. Não sou a favor de um salto, porque
quero ver tudo com calma, quando penetrarmos no sistema.
Os saltadores acreditam encontrar aqui a Terra. Quem sabe
já chegaram antes de nós, e estão aí com suas naves.
Devemos ter muita cautela. Talvez nos devamos separar.
Os saltadores sabia Deringhouse, eram os maiores
inimigos no caminho da paz no Universo. A raça dos
saltadores não devia ser classificada como guerreira. Eram
comerciantes muito egoístas e com uma determinação
exagerada de não permitir concorrência. Comerciavam com
tudo e com todos, mas só sob as condições que eles
próprios impusessem. Quem colocasse em risco seu
monopólio seria afastado sem o menor escrúpulo. Para isto
existiam os superpesados, sua tropa de assalto especial.
Mas aí estava Perry Rhodan, para fazer a justiça.
Considerava o comércio pacífico e justo como uma garantia
para a convivência das diversas raças. Exatamente por esta
concepção, se havia transformado em adversário gratuito
dos saltadores, que não tinham propriamente um planeta
como pátrio, mas viviam por toda parte nas Galáxias.
A luta duraria séculos. Com o truque de Rhodan, porém,
devia terminar logo. E então...
— Separar? — perguntou McClears, interrompendo as
divagações de Deringhouse. — Por que isto? Será
necessário?
— Por minha causa, não. Permaneçamos então juntos
— disse Deringhouse, deixando-se convencer. —
Diminuiremos a velocidade nas proximidades do terceiro
planeta, para observarmos um pouco. Depois iremos direto
para o quarto planeta, também para observá-lo. Já que
temos de dar a volta por Beta, sugiro que façamos duas
transições curtas. As coordenadas exatas, darei logo mais.
Vamos ficar em contato, McClears.
A tela apagou, mas as duas centrais de rádio
continuaram ligadas.
Deringhouse virou-se para o capitão Lamanche:
— Manter o curso. Vou para a cúpula de observação.
Diga a Marshall que quero falar com ele.
Lamanche apertou o botão do intercomunicador.
Deringhouse deixou a central de comando e cinco
minutos depois entrou de novo na cúpula de vidro. Embora
não estivesse ligada nenhuma luz, o aposento irradiava leve
clarão avermelhado. Os planetas externos estavam para trás
da Centauro, no espaço infinito. Eram imensos mundos de
gelo, isolados e em eterno crepúsculo, gravitando em suas
órbitas, sem o menor sinal de vida.
O quinto planeta estava mais para frente, a bombordo,
um gigante de reflexos avermelhado, duas vezes maior do
que Júpiter. Análises espectrais mostravam que já estava
fora da zona com possibilidade de vida.
Deringhouse sentou-se. Impressionado, estava ele de
olhos fixos no vazio do gigantesco sistema. Mesmo com a
velocidade da luz, seriam gastas semanas para atravessá-lo.
O sol Beta estava se tornando maior, mas ainda a dias-
76
luz de distância. Se Deringhouse quisesse ser sincero, teria
de confessar que a visão não o decepcionou. Era mais ou
menos assim a ideia que fazia do gigantesco sol, quando
ele, há muito tempo, o viu na constelação de Orion, numa
noite tranquila de sua terra natural. Mesmo da longínqua
Terra, o olho vermelho cintilava, com cara de zangado e
ameaçador, através dos espaços infinitos. Durante séculos-
luz sempre exerceu uma grande atração sobre os
espectadores. E o fato de o sol Beta alterar irregularmente
sua luminosidade, dava aos espectadores a impressão de
estar piscando, piscando através da imensidão. Ninguém,
porém, seria capaz de dizer se era uma piscadela de
simpatia, como acontece entre amigos, ou de ameaça, uma
piscadela de admoestação: Cuidado, vermezinho Terra!
Atrás de Deringhouse, abriu-se uma porta.
— O senhor quer falar comigo, major?
John Marshall tinha entrado na cúpula.
Claro que sua pergunta era supérflua, pois era telepata e
sabia tudo que o comandante queria. Mas sempre fazia
esforço para que ninguém percebesse seus dons.
Deringhouse respondeu apenas sacudindo a cabeça, sem
olhar para trás.
— Sente-se, Marshall, aqui, por favor. O que sabe sobre
o sistema Beta?
Marshall sentou-se. Por alguns segundos, ficou
contemplando o espaço vazio entre os planetas. Depois, seu
olhar se deteve no cintilante sol gigantesco.
— O sistema Beta será a grande encruzilhada da história
da Humanidade — murmurou pensativo. — Rhodan não
poderia ter procurado outro sistema solar tão apropriado
para esse evento.
Deringhouse não respondeu nada. Contemplava calado
a estrela cujos raios penetravam na cúpula, filtrados por
grossos vidros, que os deixavam inofensivos. O sol Beta
tinha raios vermelhos e quentes, mas não muito claros, para
ofuscarem a vista.
— O senhor não participa desta opinião? — perguntou o
telepata, embora já soubesse da resposta.
— Claro — confirmou o major. — Penso como você.
Mas o sistema Beta não me parece simpático. Sua aparência
me faz pensar em Marte e os homens fizeram de Marte o
deus da guerra.
— Certo major. Mas o senhor bem sabe que mais tarde
se percebeu o engano. Marte é um mundo pacífico, sem
comparação nenhuma com este inferno de fogo em nossa
frente. Quem sabe sua aparência também engana.
— Esperamos que sim — respondeu Deringhouse, cuja
voz não parecia muito convicta.
Depois, mudando de assunto, continuou:
— Por que tanto cuidado com o sol Beta? Não
pretendemos nada com ele, pois nos interessa apenas o
terceiro planeta.
Marshall começou a sorrir sobre a maneira como seu
superior imediato procurava escapar de seus próprios
pressentimentos.
— E o quarto? — lembrou-o Marshall.
— Claro este de um modo especial. O catálogo dos
arcônidas assinala vida primitiva. Sua superfície deve ser
noventa por cento água. Vamos examinar um pouco o único
continente, atravessar a cadeia de ilhas e depois nos
dirigiremos ao terceiro planeta, onde então esperamos pelos
saltadores. Aposto como este Topthor está crente que este é
o melhor momento para atacar a Terra. Mas vai ter uma
surpresa...
— Esperemos que não tenha mais tempo para esta
surpresa — observou Marshall com alguma dúvida. — Se
perceber cedo demais que está diante de uma Terra falsa, o
plano de Rhodan cai por terra.
Deringhouse sacudiu a cabeça.
— Daremos um jeito de que ele esqueça.
* * *
Era um mundo que lembrava muito Vênus.
Devagar e a baixa altitude, os dois cruzadores
percorriam a superfície do terceiro planeta. Dois
continentes nadavam num imenso mar primitivo, recobertos
de matas virgens bem cerradas, interrompidas raras vezes
por enormes planaltos. Picos de montanhas alcantiladas
penetravam nas nuvens que deslizavam a baixa altura. De
permeio, havia amplos vales.
Parecia mesmo inacreditável que não houvesse aqui
uma vida dotada de inteligência. Mas, por mais que
procurassem, não encontraram o menor vestígio.
É claro que de lá de cima não se podia comprovar nada,
mas uma coisa parecia certa: não havia seres inteligentes no
terceiro planeta.
Apareceu na tela o rosto de McClears.
— Esta é, pois, a Terra II — disse sem grande
entusiasmo. — É pena, realmente, pois daria para outra
coisa.
— Você pensa em fazer dela uma colônia? —
perguntou Deringhouse. — Você tem razão. Mas o plano
de Rhodan é mais importante. Mais importante do que a
existência deste planeta.
McClears pigarreou.
— Vocês querem dar uma olhada no quarto planeta
antes de descermos neste. Acham que devo acompanhá-los
ou que devo ficar por aqui esperando.
Deringhouse fez uma pausa. Depois concordou:
— Quem sabe é uma boa ideia nos separarmos agora.
Em vinte horas, estarei de volta, não preciso mais do que
isto para dar uma olhada neste “mundo d’água”. Assim que
aparecer uma espaçonave dos saltadores, encontramo-nos
na Terra II e agiremos conforme as ordens. Nossas centrais
de rádio continuam ligadas.
McClears respirou aliviado.
— Nesse ínterim eu terei tempo para observar bem a
Terra II — parecia que, com estas palavras, pretendia
consolar Deringhouse. — Assim que estiver de volta, lhe
farei um relatório completo. Acha necessário prepararmos
um ponto de apoio?
— Na Terra II? — Deringhouse sacudiu a cabeça. —
Não, não será preciso. Quando os saltadores atacarem, não
nos devem encontrar na superfície do planeta. Seria muito
perigoso — pensou uns instantes a respeito. — Você pode
mandar um aparelho de telerreconhecimento, tipo Gazela,
se quiser. Com a Terra, porém, é melhor ficar no espaço.
Você não é da mesma opinião?
McClears aceitou a ideia.
Após uma série de instruções, informações e conselhos,
Deringhouse se despediu e partiu com a Centauro para
novo rumo. Rompeu a densa camada de nuvem do terceiro
planeta e desapareceu no espaço infinito. A primeira
transição levou a Centauro para um local, de onde os dois
planetas podiam ser vistos ao lado do sol gigantesco. À
77
direita, cintilava branca e resplandecente a camada de
nuvens da Terra II, ao passo que à esquerda o quarto
planeta brilhava numa luz azul-rosa, quase artificial. O
planeta no espaço dava a impressão de uma gota de água do
mar, pairando no infinito.
Enquanto que o cérebro de bordo calculava os dados
para a segunda transição, Deringhouse contemplava aquela
estranha gota d’água. Ao seu lado estava John Marshall,
enquanto que o capitão La manche ocupava-se com os
controles.
— Tem uma aparência maravilhosa — disse Marshall,
lendo os pensamentos do major.
Deringhouse confirmou.
— Como um diamante azul recebendo raios de luz
avermelhada. Um espetáculo magnífico. Planeta quatro do
sistema Beta é uma expressão muito vazia para tanta
beleza, vamos chamá-lo de Aqua?
— O planeta das águas... Por que não? O nome combina
muito bem com ele.
— Portanto, seu nome será Aqua — confirmou
Deringhouse. — Estou curioso para saber o que
encontraremos nele.
— Provavelmente água — chilreou uma voz aguda,
meio tímida, do canto da central de controle. Deringhouse
virou-se lentamente e ficou olhando para o lado escuro,
aguardando que os olhos se adaptassem à escuridão.
John Marshall deu um pulo para trás, como se uma
cobra o tivesse mordido.
Agachado no canto estava Gucky, sorrindo meio
acanhado, com o único dente roedor à mostra, como que
pedindo desculpas com seus suaves olhos castanhos.
— Você?!... — exclamou Deringhouse, quase caindo da
poltrona.
— Eu mesmo — confirmou Gucky, olhando para
Marshall que ainda estava parado, perplexo com a
inesperada aparição. — Não se esqueça de respirar, John,
olha que o ser humano não aguenta mais do que três
minutos sem oxigênio... e seria pena se você...
Marshall respirou profundamente.
— Como é que você entrou aqui?
Gucky se encostou, apoiando-se na parede. Notou que
Marshall estava menos tenso.
— Você não vai acreditar, mas foi com a Centauro.
— Não diga besteira, Gucky. Trouxe nove elementos do
corpo de mutantes e você não constava da lista.
— Que nada, você trouxe dez — disse Gucky tentando
uma desculpa esfarrapada. — Naturalmente, Rhodan não
sabe nada disso. Ficará bobo quando souber.
Marshall levantou-se devagar e caminhou para Gucky.
— Receio que você ficará mais bobo ainda, meu caro.
Por que tem sempre de desobedecer às instruções? Você
entrou clandestino a bordo, quando foi isto?
— Clandestino, não é bem o termo. Naturalmente, eu
me teleportei de Terrânia para cá. Mas somente agora é que
tive coragem de me apresentar. Não fique zangado comigo,
John.
Marshall ficou olhando para o criminoso, que o fitava
suplicante com seus olhos castanhos. O pelo marrom-
ferrugem estava liso, o que demonstrava o ânimo pacato do
rato-castor. Há muito que o dente roedor estava escondido
atrás dos beiços do focinho pontiagudo.
Gucky não sorria mais e isto queria dizer muita coisa.
Marshall fazia grande esforço para se manter sério.
— Você tem que prestar contas a Rhodan, Gucky. Dele
é que vai depender o castigo pela sua desobediência. Eu
não o posso nem prender, pois como se pode deter um
teleportador?
— É verdade, já fiz esta pergunta a mim mesmo —
chilreou Gucky com simplicidade.
Marshall respirava nervosamente.
Deringhouse se levantou, dirigiu-se até a tela
panorâmica, como se não quisesse saber nada do assunto. O
rato-castor pertencia ao corpo de mutantes. Portanto o
incidente com Gucky era da alçada de Marshall.
— Está bem — murmurou o telepata. — Deixemos de
lado o assunto, até que Rhodan decida o que deve ser feito.
Receio que você deva estar preparado para alguma coisa
desagradável.
— Se puder ser útil aqui em alguma coisa, não será tão
sério assim — disse Gucky, parecendo já mais confiante.
Andou um pouco para frente e ao lado de Deringhouse
ficou olhando a tela panorâmica. — Isto é o quarto planeta?
Que que há com ele?
— Nada de especial. E o que poderia haver com ele? —
disse Deringhouse, virando-se para Gucky e o encarando
com severidade.
O pobre Gucky afastou-se assustado, dizendo:
— Foi apenas uma ideia minha, porque você está
olhando para ele de uma tal maneira...
Chamava de você a todos, sem distinção de hierarquia
ou de idade. Isto talvez proviesse do fato de que todos o
chamavam de você, pois ninguém ousaria chamar de senhor
um rato-castor.
— Estou raciocinando — corrigiu-o Deringhouse. — E
espero o sinal para o próximo salto. Será ainda permitido
raciocinar?
Gucky se levantou, olhou rapidamente para Marshall.
— Permitido é sim, major. Mas, como a história da
Humanidade comprova, já saiu uma infinidade de besteira
daí. Bobagens estas que eu teria muito prazer em estudar,
quando estava na Terra, para...
— Pare! — gritou Deringhouse. — Com quem que você
está aprendendo a falar desta maneira? Com estas frases
rebuscadas? Horrível...
— É assim que fala Bell, quando quer se expressar com
elegância — defendeu-se o rato-castor. — Naturalmente me
ensinou também outras coisas, mas...
— É verdade, já ouvi falar disso — murmurou
Deringhouse e se concentrou de novo na imagem da tela.
— Bell não é um homem de maneiras finas e nunca o será.
Por uns instantes Gucky parecia meio desorientado,
depois deixou à vista o dente roedor e voltou para o canto
da central. Fez uma grande curva em tomo de Marshall. O
telepata simulou compaixão e disse:
— Não gostaria de estar na sua pele, quando Rhodan
ficar a par de tudo, Gucky. Acho que desta vez não será tão
complacente como em Aralon. |
— Se eu conseguir salvar vocês todos da desgraça certa,
haverá certamente complacência — disse Gucky com voz
mais pausada e mais grave, estendendo-se no chão, como se
quisesse dormir. — Aceito até entrar calmamente numa
situação de encrenca, aí então vocês precisarão de mim.
Falou e fechou os olhos.
Marshall ficou olhando uns instantes para ele, depois
voltou para sua poltrona junto dos controles. Não reparou
em La manche. O francês soube se manter afastado do caso,
78
sem se comprometer nem com um lado, nem com o outro.
— Escute Deringhouse, não acha bom avisarmos
Rhodan? Quem sabe estão procurando Gucky e se
preocupando demasiadamente com ele.
Do canto ouviu-se um gemido. Deringhouse fez um
sinal para Marshall.
— Preocupado? Quem é que vai se preocupar com um
rato-castor tão desobediente? Aposto até que ninguém deu
por falta de Gucky. Ninguém perceberá a ausência dele.
Outro ruído se fez ouvir do canto. Um pouco abafado,
mas dava para se escutar.
— É verdade — continuou Deringhouse — ninguém
sentirá falta dele.
Do seu canto, Gucky ouvia tudo. Seu dente de roedor,
porém, reluzia de tanta vontade de lutar. Ergueu-se e se
plantou diante de Deringhouse:
— Então, ninguém vai sentir falta de mim? E você
ainda quer apostar? Pois bem, apostemos duas arrobas de
cenoura e duas horas de coçar.
— Duas horas de quê? — perguntou Deringhouse
perplexo.
— Duas horas de coçar. Simplesmente coçar, para
aliviar a coceira. De preferência na nuca — explicava o
rato-castor alegre. — Posso permitir o serviço até em
prestações de meia hora. Bell cocou uma vez durante cinco
horas...
— Sim, é verdade. Já ouvi falar nisso — interrompeu o
major, passando a mão pelos ralos cabelos. — Mas eu não
caio nos seus truques. Aposte com quem quiser, mas não
comigo. Virou-se para La manche: — Então, o que há?
Pronto?
— As coordenadas estão aí — disse o francês. —
Podemos saltar.
Gucky voltou ao seu canto. Em outra oportunidade, ele
lembraria Deringhouse da aposta.
* * *
Quando voltaram do hiperespaço para a continuidade do
tempo-espaço, o planeta Aqua estava apenas a dois
minutos-luz deles. O dispositivo de retardamento diminuiu
fortemente a velocidade da Centauro. Deringhouse ligou o
sistema manual, para manobrar melhor a nave.
O planeta azul crescia a olhos vistos. Seu aspecto era de
fato uma coisa nunca vista. Parecia realmente uma imensa
gota d’água pairando no infinito, iluminada por um
ciclópico feixe de luz avermelhada. O sol Beta tinha agora,
aparentemente, o mesmo tamanho do sol da Terra e estava
a muitos bilhões de quilômetros afastado. A luz precisava
de muitas horas para vencer aquela distância.
Deringhouse apertou o botão do intercomunicador e fez
a ligação com o laboratório de bordo.
— Méier, aqui é a central. Providencie, durante o voo, a
mais completa análise do corpo celeste que temos em
frente. Necessito da composição da atmosfera, dados sobre
a rotação, sobre a translação e naturalmente sobre as
estações do ano, dependentes da translação. Apresente-me
os resultados, o mais rápido possível.
— Entendido, comandante — foi à resposta.
Deringhouse desligou e se dirigiu a Marshall:
— Estou curioso sobre o que haveremos de descobrir.
O telepata respondeu com um pequeno gesto.
— Não compreendo bem seu interesse neste planeta,
major. O senhor é o comandante e eu não gostaria de me
intrometer em seus assuntos. Mas, se me permitir uma
pergunta: qual é a razão do grande interesse seu por este
planeta, o quarto, se nossa missão consiste em fazer com
que os saltadores destruam o terceiro?
— Talvez seja mesmo pura curiosidade — respondeu
Deringhouse. — Mas meu pensamento principal é a
segurança. Neste sistema, entram em questão, para seres
inteligentes, apenas dois planetas: o terceiro e o quarto. Se
o terceiro está destinado à destruição, queria apenas saber
se o quarto se presta para ulteriores operações. Isso, você
compreende, Marshall. Além disso, a nossa segurança exige
que estejamos informados sobre as condições neste sistema,
com exatidão. Acho que posso me responsabilizar pelo
pequeno atraso. Não perdemos nada. Se os saltadores
surgirem, receberemos imediatamente o chamado de
McClears.
O telepata constatou que Deringhouse falou exatamente
o que pensava.
— Concordo com o senhor, major. Tem também a
intenção de aterrissar em Aqua?
— Depende das circunstâncias. Se puder contar como
encontrar vida inteligente, tentarei naturalmente contatos...
Ouviu-se um zunido:
— Desculpe, é do laboratório — disse Deringhouse
interrompendo a conversa com Marshall.
Logo a seguir, apertou um botão e se apresentou:
— Aqui é a central.
— Aqui Méier, do laboratório. Os dados já existentes: o
quarto planeta tem um dia de quarenta e oito horas. A
translação em torno do sol Beta leva duzentos e setenta
anos da Terra. A variação das estações do ano é, portanto,
muito lenta e mesmo insignificante, pois quase não existe
eclíptica. Atmosfera, respirável, um tanto pobre em
oxigênio, rica em vapor. Um trecho de terra firme mais ou
menos nas dimensões da Europa forma o único continente,
além de uma série de ilhas menores. O resto da superfície é
de água. O mar não é muito fundo. É isto o que temos até o
momento.
— Obrigado, Méier.
Deringhouse permaneceu calado por uns instantes,
olhando para a tela. O planeta azul já estava bem grande,
enchendo quase todo o campo visual da tela. Ao brilho dos
raios avermelhados do sol, destacavam-se os contornos do
único trecho de terra, perdido na imensidão das águas. Se lá
existissem seres inteligentes, deveriam viver principalmente
do mar e dos seus produtos. Navegação marítima só poderia
existir em pequena escala, pois, por que razão se iria
atravessar o mar, se não havia outras praias? Uma espécie
de civilização, completamente diferente, ter-se-ia
desenvolvido aqui. Deringhouse estava ansioso para
conhecê-la.
— Procuremos no continente um bom local para
aterrissar — resolveu ele, finalmente. — Os habitantes do
planeta não devem conhecer a navegação aérea.
— Quem? Habitantes? — perguntou Marshall,
acentuadamente.
Não obteve resposta.
A Centauro deu uma volta em torno do planeta. Passou
bem próxima do deserto azul das águas e se aproximou
depois do litoral do continente. Os grupos de pequenas ilhas
não demonstravam nenhum indício de civilização. Cobertas
de densas florestas, lembravam as ilhas paradisíacas dos
79
Mares do Sul. Enseadas de areia eram um convite para o
repouso, mas Deringhouse não tinha em mente tirar férias.
O que procurava eram seres inteligentes diferentes, e Aqua
tinha que ter vida.
A primeira visão que prendeu a atenção de Deringhouse
foi uma construção baixa, com cúpulas, nas imediações do
litoral, a menos de dois quilômetros da praia. A água devia
ser muito rasa neste trecho, pois se podia ver facilmente o
fundo. A cúpula, na sua parte superior se elevava para fora
d’água, tinha uma plataforma e um corrimão. Como vigias,
as janelas se enfileiravam em redor do edifício, cuja parte
inferior estava imersa na água e certamente iria até o fundo
do mar.
A Centauro diminuiu a velocidade. Deringhouse dirigia
com o olhar fixo no acontecimento. John Marshall chegou
até ele, olhando também para a cúpula. La manche, como
de hábito, ficou alheio ao que se passava. Sua preocupação
eram os controles e realmente ele cuidava que o pesado
cruzador seguisse sua rota.
— Considerável desenvolvimento — disse o telepata.
— Gostaria de saber por que construíram aquilo na água,
quando têm tanto espaço em chão firme.
Deringhouse continuava olhando para o litoral, já bem
próximo.
— Você tem razão. Não se vê nada semelhante em
terra. Eu esperaria, no mínimo, uma cidade por aqui, mas
vejo só mata virgem, litoral arenoso e em parte cheio de
rochas. Misterioso, verdadeiramente misterioso.
A cúpula ficou para trás, ao atingirem o litoral. Foram
penetrando uns quilômetros. A seus pés, terra jamais tocada
por ser inteligente, sem nenhum vestígio de trabalho que
denotasse inteligência; o terreno subia brandamente,
apresentava cadeias de montanha de pequeno porte, grandes
estepes e florestas a perder de vista. De uma civilização,
não se podia falar.
“É uma coisa singular”, pensava Deringhouse, fitando o
continente. “O planeta só tem este continente e a gente
supõe que os habitantes teriam que aproveitar cada metro
quadrado. Devia haver lá embaixo um emaranhado de
casas e instalações, como em nossas capitais. E o que
vemos? Nada, absolutamente nada. Onde estão os
homens?”
— Se não tivéssemos visto a cúpula, eu diria que não há
nada por aqui — disse Marshall sarcástico.
— Mas a cúpula está aí. Existe vida em Aqua e nós
temos que encontrar.
Com esta constatação, apoiou-se no espaldar da
poltrona, parecendo completamente alheio ao que se
passava ao redor dele. Marshall acenou amigavelmente para
Lamanche e deixou a central, seguido por Gucky que lhe
estava lendo os pensamentos. Marshall se dirigiu
diretamente para o local da nave onde estavam reunidos os
dez mutantes.
Mal havia fechado a porta da central, Deringhouse
despertou de sua profunda meditação. Avançou um pouco
mais para frente e postou-se diante da tela panorâmica,
dizendo a seu oficial:
— Qual é sua opinião, La manche?
O francês alteou os ombros, esperou um pouco e falou:
— Não sabemos o que representa aquela cúpula. Quem
sabe se trata até de uma espaçonave derrubada? Devemos
examiná-la, aproximando-nos. Assim se confirmaria minha
tese de que não há vida inteligente por aqui.
Deringhouse não parecia de maneira alguma satisfeito
com esta resposta.
— Espaçonave derrubada ou caída. Puxa, a cúpula é um
edifício, está firme no chão! A minha pergunta é apenas,
por quê? — parou de repente.
La manche levantou os olhos e acompanhou o olhar do
comandante.
Na tela, ainda se via nitidamente a superfície do quarto
planeta. Aos poucos, as cores se tornavam mais naturais.
E La manche viu também, nas bordas do grande
planalto, as pequenas saliências, em forma de cúpulas.
Estas saliências tinham um reflexo avermelhado com os
raios do sol, fulgiam como se fossem de metal. Não
somente seu aspecto, mas também sua disposição simétrica
denunciavam sua origem artificial.
No mesmo instante, a Centauro começou a aterrissar.
* * *
Na reunião dos mutantes houve um grande grito de
surpresa, quando Marshall entrou acompanhado de Gucky.
— Que surpresa agradável! — exclamou Ras Tschubai,
o africano teleportador, todo contente. — Você é a arma
secreta nesta missão?
— Nada de arma secreta — murmurou Marshall — o
malandro penetrou clandestinamente a bordo, contra ordem
expressa de Rhodan.
O africano fez uma cara de espanto:
— Então, Gucky, eu não quero estar na sua pele.
— Ele não tem um pêlo grosso e lindo — disse a jovem
Betty Toufry, inclinando-se, para coçar sua nuca.
Gucky estava feliz. Aliás, gostava muito da jovem
telepata, cujas faculdades paranormais eram muito
semelhantes às suas, pois Betty era também telecineta.
— Rhodan vai desculpar você, Gucky, não se preocupe
— comentou Betty.
— Se você der uma palavra a meu favor, com toda
certeza — disse Gucky, parecendo mais confiante.
O perscrutador japonês Doitsu Ataka sacudiu a cabeça.
— Disciplina é isto: fazer somente o que o chefe manda.
Agora, para mim está bem. A vida não será mais tão
monótona, pois Gucky sempre inventa umas gozações.
Marshall lançou um olhar de desaprovação para o
japonês. O rapaz falou de disciplina e foi o primeiro a
quebrá-la. Mas Gucky aproveitou a situação a seu favor.
— Você tem razão, Ataka — disse ele contente. —
Quem é que sabe até quando estaremos vivos? Por que não
podemos estar alegres? Rhodan quer que nós todos
morramos, naturalmente só aparentemente. Portanto, vamos
morrer, pelo menos, alegres. Proponho um torneio de coçar
e me apresento como voluntário para...
Marshall achou conveniente mudar de assunto.
— Prestem bem atenção ao que vou dizer — disse ele,
cortando todo sorriso. — Acabamos de descobrir, neste
quarto planeta, que o comandante apelidou de Aqua, os
primeiros indícios de vida inteligente. Vamos aterrissar.
Ninguém sabe o que vamos encontrar, uma coisa está fora
de dúvida: isto não tem nada que ver com nossa missão
verdadeira.
Foi, infelizmente, uma dedução falsa, ilógica, mas
Marshall só o percebeu mais tarde, como os outros também.
No momento, não lhes sobrou tempo para pensar.
O alarme tocava por toda a nave. Por uns instantes,
80
Marshall parecia paralisado, como que ouvindo a si mesmo;
depois, um estremecimento percorreu todo seu corpo.
— Deringhouse, que está acontecendo? Seus
pensamentos são caóticos e confusos...
Ouviu-se um zumbido estridente.
A tela do intercomunicador, que liga entre si todas as
seções da nave, acendeu. Nela apareceu a imagem de
Deringhouse, com fisionomia de atônito e indeciso.
—Atenção geral — disse com voz áspera. — Prontidão
de emergência. Ocupar todos os postos de defesa. Alguém
está exercendo todos os controles sobre a Centauro e nos
está puxando para baixo. Estamos aterrissando.
Fez uma pausa, como se estivesse pensando, depois
continuou:
— Marshall, seus mutantes devem estar preparados.
Talvez precisemos de seu auxílio.
— Que está se passando com a nave? — perguntou
Marshall. Já experimentou...?
— Inútil, caímos sob a ação de poderosos raios de
atração, que paralisaram todos os nossos controles. Para lhe
ser sincero, Marshall, não tenho intenção de me defender
contra os inimigos. Aguardemos, pois, para saber o que
pretendem de nós.
— Não acha estranho, que uma raça, de cuja atividade
não conseguimos ver nada na superfície de Aqua, tenha
desenvolvido meios técnicos tão avançados de poder
subjugar por forças mentais uma nave tão grande como a
Centauro?
Deringhouse esboçou um leve sorriso.
— É exatamente o que estou querendo descobrir. O que
estamos presenciando é paradoxal e impossível. Que
existisse aqui neste mundo uma civilização não me
admiraria muito. Mas, deste jeito...?
Marshall percebeu como o assoalho a seus pés
estremeceu todo. Depois veio um solavanco que quase o
derrubou. Após o quê, reinou silêncio.
Deringhouse, diante da tela, deu uma olhada para o
lado, antes de se dirigir aos que o viam.
— Já aterrissamos — disse sem expressão na voz. —
Encontramo-nos no meio de um planalto rochoso. Estamos
cercados por cúpulas de metal cintilante. Mas não vejo
armas. De homens ou outros seres vivos, não há nenhum
sinal. Devemos esperar até que os desconhecidos queiram
entrar em contato conosco. Pensem, porém, numa coisa:
não estamos indefesos, meus senhores. Ao menor vestígio
de uma ação hostil do lado oposto, nós nos defendemos
sem consideração. Mas não seremos os primeiros a iniciar a
guerra. Sem o meu comando, não abriremos fogo.
Marshall ouviu como os postos de defesa estavam se
preparando para se manterem de prontidão. Deu algumas
instruções aos mutantes e deixou o aposento para se dirigir
ao posto de comando, de onde se tinha uma vista melhor.
Em caso de emergência, podia-se dali mesmo comandar o
ataque dos mutantes.
Deringhouse estava de pé diante da galeria panorâmica,
observando toda a circunferência da Centauro já ancorada.
Lançou um rápido olhar para Marshall, sem se perturbar em
suas observações. La manche estava sentado fora dos
controles do envoltório energético, que estavam desligados.
— Não podem saber de onde viemos, embora possuam
rastreadores estruturais — disse Deringhouse meio incerto.
— A Centauro e a Terra estão equipadas com os
compensadores correspondentes. Ninguém pode localizar
nossos hipersaltos. Esta arma me tranquiliza.
— Apesar disso, puxaram-nos do espaço — disse o
telepata pensativo.
— Não tem importância, Marshall. Confesso que no
início estávamos impotentes e tínhamos que nos submeter
aos fatos, mas agora, creio eu, já podemos bombardear suas
instalações. Mas não vejo razão para isto. Queremos saber
primeiro como são e quem são eles.
Olhou novamente para a tela, Marshall o acompanhava.
O pesado cruzador estava parado num amplo planalto.
A uma distância de trezentos metros estava a primeira
cúpula metálica, que escondia um trecho da beira da
floresta. No horizonte cintilavam os picos de montanhas
distantes, ao sol do meio-dia. A segunda cúpula estava mais
à direita, depois a terceira e a quarta. Formavam um círculo
em cujo centro estava a Centauro.
La manche acordou de sua letargia.
— Uma verdadeira cilada, uma teia de aranha invisível
— dizia ele acabrunhado.
— Estamos presos, exatamente no foco dos raios de
atração. Jamais teria imaginado que estes fulanos
chegariam a tanto. Por que não se manifestam?
— Devem ter seus motivos — respondeu o comandante.
Estava de olhos fixos num determinado ponto à margem da
floresta. — Acho que nossa curiosidade será satisfeita em
pouco tempo. Lá vem uma viatura.
Os outros dois homens também estavam olhando.
Das sombras das árvores enormes, de conformação
esquisita, despregava-se uma coisa escura, rolando
lentamente pela planície afora. Deringhouse ligou o
dispositivo de ampliação. Agora se via mais nitidamente.
Era uma espécie de carro blindado, embora sem a torre de
artilharia. Em compensação, a cúpula semiesférica era de
um material diáfano. Carros deste tipo eram utilizados
frequentemente para exploração de mundos desconhecidos,
principalmente quando a atmosfera pudesse ser nociva.
Atrás da cúpula viam-se, com pouca nitidez, os
contornos de algumas figuras. A distância não permitia ver
detalhes.
Deringhouse virou-se para trás e olhou para Marshall.
— Nenhuma novidade? Ainda não há impulsos de
pensamentos?
— Sim, mas muito insignificantes. Estão se protegendo,
já tiveram que lidar com telepatas. Talvez sejam também
telepatas e conhecem as medidas de segurança necessárias,
para se protegerem das radiações do cérebro.
Deringhouse mexia na regulagem da ampliação da
imagem e nada respondeu. Notou-se nos seus olhos um
brilho maior quando observava o carro se aproximando.
Queria dizer alguma coisa, mas acabou ficando calado.
Marshall reparou que as mãos do comandante tremiam.
— Gucky!... — enviou sua ordem telepática. —
Teleporte-se imediatamente para a central.
O pensamento ainda não tinha terminado, quando o ar
estremeceu no meio da central e do nada surgiu o rato-
castor. Ouviu a ordem de Marshall e veio no mesmo
instante.
— Que há? — chilreou ele, bem disposto como sempre.
— Estamos entrando em contato com os estranhos,
Gucky. Infelizmente estão protegendo o pensamento.
Temos que saber com quem estamos lidando. Você podia...
— Se posso!... — disse Gucky entusiasmado, mas
continuou com um sorriso malicioso: — não é verdade,
81
você vai dizer uma palavrinha a meu favor, quando o
chefe...
— Isto é suborno — disse Deringhouse, sem olhar para
trás. — Mas está bem, eu o defenderei, se você dentro de
dez segundos me disser quem é que se aproxima de nós
naquela viatura. Talvez eu me engane, mas os contornos
daquelas figuras apagadas me parecem conhecidos...
Marshall teve um calafrio.
— Conhecidos... Meu Deus... Eu tive a mesma
impressão com os impulsos dos pensamentos. Será um
acaso?
— Por que discutir? — perguntou Gucky. — Tenho
apenas cinco segundos. Até logo...
Nova cintilação no ar e o lugar onde estava Gucky ficou
vazio.
Dois segundos depois, já estava de volta. No seu
semblante, lia-se grande espanto. Com as orelhas de pé o
pêlo eriçado, sentou-se nas patas traseiras, apoiando-se na
ampla cauda.
— Não, uma coisa desta... — disse, soltando um longo
suspiro. — Quem teria pensado como o mundo é pequeno,
aliás, o mundo, não: como o universo é pequeno!
— Mas o que houve? — insistiu Deringhouse, já
irritado, deixando de lado a tela panorâmica. — Não nos
deixe malucos, Gucky, como são eles?
— Fale logo, Gucky — acudiu Marshall, que não podia
mais se livrar de uma sensação esquisita. Começou a
suspeitar que estavam diante de uma terrível surpresa. —
Você os viu?
O rato-castor fez que sim, vagarosamente.
— Materializei-me no carro, no meio deles. Por motivo
de precaução, mantive a respiração, porque nunca se sabe
se a atmosfera é apropriada para nossos pulmões. Mas meus
cuidados foram inúteis. Respiram o nosso ar. E ficaram
espantados quando me viram.
— Puxa vida, Gucky! — gritou Deringhouse, com o
rosto vermelho. — Quero saber como parecem eles. São
seres da água?
— Que ideia maluca é esta? — perguntou Gucky, que
não perdia a calma. — Você acredita que peixes
inteligentes montaram uma base terrestre aqui? Já se ouviu
besteira maior?
— Gucky — disse Deringhouse, alteando a voz. —
Você talvez não saiba como é importante, mas eu lhe peço
mais uma vez para responder minha pergunta: como é que
parecem os estranhos? E o que quer dizer sua expressão: “o
Universo é tão pequeno”...?
— Vocês não me vão acreditar, mas eles se parecem
com os tópsidas. E se me posso expressar mais claramente,
sem decepcioná-los, gostaria de jurar que são os tópsidas.
Para Deringhouse e para Marshall foi como se uma mão
gelada lhes apertasse o pescoço. É verdade que já se
haviam passado dez anos desde que estes sáurios altamente
desenvolvidos e muito inteligentes tinham sido encontrados
no sistema Vega. Mas as escaramuças com eles ainda
estavam bem impregnadas na memória dos dois homens.
Os tópsidas, de estatura mais ou menos idêntica à do
homem, tinham duas pernas e dois braços, geralmente
utilizados como braços mesmo. Os dedos das mãos eram
seis, o corpo era coberto por uma camada de escamas
marrom-escuras. A cabeça era de um lagarto grande, com a
conformação característica dos sáurios; os olhos redondos,
negros e móveis pareciam ver tudo que acontecia num raio
de 180 graus.
— Tópsidas! — falou Deringhouse, respirando
profundamente. Depois comentou: — É só o que nos
faltava. Estes miseráveis crocodilos devem estar metidos
em toda parte?
— Eles dominam seu pequeno império sideral — disse
Marshall, pensando nervosamente. — Se não me engano,
este império é em algum lugar da Constelação de Orion,
portanto aqui nesta região.
— Sim, afastado da Terra por oitocentos anos-luz. É
bem longe daqui.
— Nem tanto assim — contradisse Marshall. — De
qualquer maneira, está na mesma direção. Não é, pois, de se
estranhar que tenham uma base por aqui.
— Num mundo desabitado? Por que motivo?
Gucky tinha ouvido a conversa de cabeça baixa,
aparentemente sem maior interesse. Mas chegou a hora de
intervir:
— Por que vocês estão quebrando a cabeça com isso?
Perguntem diretamente a eles, o que estão fazendo aqui.
Olhem aí, já estão chegando.
Deringhouse deu a volta para chegar à tela. A viatura
com uma pequena cúpula já estava parada a uns trinta
metros da Centauro. Não havia dúvida de que os sáurios já
sabiam a mais tempo que se tratava de uma belonave dos
arcônidas. Quem sabe, esta circunstância poderia ser
aproveitada de uma maneira ou de outra.
A cúpula da viatura se abriu e dela saíram três sáurios.
Usavam uma espécie de uniforme que lhes encobria
parcialmente o corpo de escamas. Todos traziam o radiador
energético num coldre preso ao cinto. Davam a impressão
de arrogância. A julgar pelas aparências, a superioridade
estava com a tripulação da Centauro, mas Marshall sabia
muito bem que os tópsidas, por índole, não conheciam o
medo. E não conhecendo o medo, estavam acostumados a
lutar até a última gota de sangue, mesmo numa situação
sem saída. O medo de um ditador era maior que o da morte.
— Têm nervos de aço — dizia Deringhouse, que havia
conhecido os tópsidas como comandante dos ágeis caças
espaciais. — Colocam-se simplesmente diante das bocas de
nossos canhões e esperam para ver o que vamos fazer.
Poderíamos transformá-los em átomos.
— ...o que não resultaria em vantagem para ninguém —
permitiu-se La manche observar.
— Querem que eu os faça correr daqui? — ofereceu-se
Gucky prontamente.
— Você ficou maluco? — perguntou Deringhouse. —
Quero saber o que procuram aqui e o que querem de nós.
Marshall, você vai me acompanhar. Vamos dar uma olhada
nos rapazes. Esperamos que entre eles não haja ninguém
que nos conheça.
— Não há possibilidade disso. Para eles, nós parecemos
todos iguais, como eles para nós. Eu não conseguiria
distinguir um do outro. Mas que lhes vamos dizer quando
nos perguntarem quem somos?
Deringhouse deu as últimas instruções a La manche e se
dirigiu para a porta com Marshall.
— Não podem, em hipótese alguma, saber que somos
da Terra. Expliquemos a eles que pertencemos a um ramo
dos saltadores. Provavelmente haverão de acreditar, embora
os saltadores não costumem usar naves esféricas. Acho
bom assim, porque não são muito amigos dos arcônidas e
sabem que também os saltadores não se dão bem com os
82
arcônidas.
— Tenho a impressão — dizia Gucky caminhando atrás
dos dois homens — de que aqui começa uma trama.
Esperemos para ver.
La manche ficou olhando para eles.
— Se correr tudo bem, Jean — disse ele para si mesmo
— vou devorar três robôs de combate no almoço. Sem
mostarda.
Ao que Gucky, virando-se na porta, acrescentou:
— Sem mostarda, esta é a condição.
3
Quando a escotilha da saída principal da Centauro se
abriu, a mais de cinquenta metros do solo, John Marshall
percebeu um ruído desagradável no lado de trás.
A escada rolante, brilhando como prata, estirou-se da
escotilha para o chão lá embaixo. Deringhouse apalpou a
coronha da arma, para ver se não estava presa. Depois subiu
no degrau superior, que imediatamente começou a
movimentar-se para baixo.
Marshall o seguiu.
Os três sáurios estavam imóveis diante da gigantesca
nave, esperando, convencidos de sua força. Para eles eram
dois prisioneiros, e seus olhos negros e redondos eram um
misto de expectativa e de malícia. A aparência dos dois
homens parece que não os surpreendeu.
Marshall se lembrou do que acontecera outrora no
sistema Vega. Lá, pela primeira vez, os terranos se
defrontaram com a raça dos sáurios. Rhodan conseguiu tirar
deles a grande belonave arcônida Stardust III. Por fim,
conseguiram expulsar os tópsidas, reinando depois a calma.
E agora se defrontam novamente, aliás, de maneira bem
diversa, pelo menos conforme os planos de Deringhouse.
As mãos dos tópsidas, verdadeiras garras, já
empunhavam as armas. Marshall penetrou-lhes o
pensamento e não achou nada, a não ser curiosidade
misturada com grande atenção. Estavam muito seguros de
si.
Quando Deringhouse saltou da escada rolante e se
encaminhou para os três sáurios, a tensão entre os homens e
os tópsidas parecia uma muralha invisível. O major parou a
dez metros deles, sempre com a mão direita na coronha de
sua pistola energética. Nos lábios, um leve sorriso.
Conhecia bem a mentalidade dos sáurios, para não duvidar
de qualquer emboscada.
Marshall se mantinha a alguns passos atrás de
Deringhouse, tentando decifrar os pensamentos do
adversário e ver suas intenções. O resultado era mínimo.
Antes que os dois terranos pudessem dizer uma palavra,
falou o tópsida em puro intercosmo:
— Os senhores se encontram em território de nossa
soberania e serão, portanto solicitados a ficarem sujeitos às
nossas ordens. Não lhes acontecerá nada, se não quiserem
resistir. Quem são os senhores?
Deringhouse não aparentou a menor surpresa.
— Não tínhamos nenhuma intenção de descer em seu
território, fomos forçados a Isto. Sou um saltador, da estirpe
de Gatzel.
O tópsida fez um sinal com a cabeça.
— É o que estávamos pensando, estranho. Sua
aeronave, no entanto, é de origem arcônida. Conhecemos
bem este tipo.
— Tem razão — respondeu Deringhouse, com um
sorriso calmo. — Tipo cruzador pesado. Nós o tomamos
dos arcônidas, por ocasião de um ataque. O senhor tem
alguma objeção a fazer?
O tópsida começou a sorrir, mas não com
espontaneidade.
— Não, contra isto não temos absolutamente nada. Os
arcônidas não podem ser considerados nossos amigos. Que
pretendem os senhores neste sistema? Não há nada para se
comerciar, e quando houver, nós mesmos o faremos.
Deringhouse ergueu os ombros.
— Estávamos em voo de rotina, quando descobrimos
este mundo. Quem sabe teria vida, pensávamos nós e
começamos a examiná-lo. Não achamos nada, a não ser
estas misteriosas cúpulas.
— Pertencem ao nosso sistema de proteção — explicou
o tópsida. — O planeta das águas foi por nós descoberto há
muitos anos e nós o ocupamos. Serve-nos de base.
— Pelo menos até que alguém se mexa, tudo estará em
ordem — disse Deringhouse com um pouco de cautela. —
E já que parece não existir nativos por aqui...
O tópsida continuava sorrindo.
— Existem alguns. Aceitaram o nosso domínio.
Houve uma curta pausa, depois:
— Não lhes sobrou outra alternativa. Deringhouse não
conseguiu ocultar por mais tempo sua admiração.
— Nativos? Neste mundo? Não vimos nada disto
durante nosso voo.
— Os senhores não têm, certamente, os instrumentos
necessários para observar a vida sob a água.
Na mesma hora, Deringhouse e Marshall
compreenderam tudo. É claro que num mundo como este,
seres inteligentes teriam que se desenvolver na água. E se
os tópsidas julgaram conveniente estabelecer uma base
neste planeta, devia se tratar de um ser vivo que merecesse
mais respeito.
Marshall estava pensando na grande construção das
cúpulas, feita a poucos metros da praia. Seu formato não
tinha relação nenhuma com as instalações habituais dos
tópsidas. Certamente haviam sido construídas na água, para
que os habitantes do mar entrassem em contato com seus
senhores.
Aos poucos, foi se projetando uma imagem mais clara
na mente de Marshall.
— Meu nome é Al-Khor — disse o tópsida do meio. —
Sou comandante da base nesta parte do continente. Posso
lhes pedir o favor de deporem as armas? Não gostaria que,
por um motivo qualquer, surgisse um conflito entre nós e os
saltadores. Assim que eu liberar sua nave, receberão de
volta suas armas.
Deringhouse hesitou um pouco. Uma multidão de idéias
passou por sua cabeça, sem que conseguisse colocá-las em
ordem. Como a pedir socorro, deu uma olhada para
Marshall. O telepata fez sinal que sim. Sabia já há muito
que os tópsidas realmente faziam questão de não pôr em
risco a paz existente entre eles e os saltadores.
— Está certo — respondeu Deringhouse, retirando a
pistola energética da cintura. — Queremos nos submeter às
suas ordens.
Um dos sáurios apanhou a arma com as garras pontudas
e a ficou olhando com interesse. Marshall também entregou
83
as armas.
— Como compensação — propôs Deringhouse — dê-
nos a garantia de que o senhor não nos deterá contra nossa
vontade e nos autorize a qualquer momento a pedirmos as
armas de volta e deixarmos este planeta.
Al-Khor continuava sorrindo.
— É claro que lhes damos a garantia, com todo prazer.
Ninguém vai impedi-los de usufruírem de nossa
hospitalidade, se não nos quiserem dar este prazer. Mas
antes, creio eu, devemos conversar um pouco. Certamente o
senhor terá alguma coisa para nos contar. E a vida, creia-me
o senhor, numa base tão solitária como o “mundo d’água” é
muito monótona. Venha, por favor.
— E a minha tripulação? Não gostaria que uma ação
impensada deles...
— Não nos opomos a que o senhor dê instruções à sua
tripulação — interrompeu Al-Khor. — Dê-lhes o conselho
de não abandonarem a nave e de não tomarem nenhuma
iniciativa.
Deringhouse aceitou a ideia e ligou o minitransmissor
de pulso.
— La manche — disse ele em inglês — estamos
aceitando, na aparência, as condições dos tópsidas. Ponha-
se em contato com McClears. Ele deve vir para cá e
aguardar novas ordens. Por enquanto não existe perigo
iminente. Fim.
— Entendido — foi a resposta curta. Al-Khor
comprimiu desconfiado os olhos redondos:
— Por que não falam intercosmo?
— Meu substituto é muito jovem, Al-Khor, só entende o
dialeto de minha estirpe. Disse a ele que ficasse tranquilo e
esperasse a nossa volta.
O tópsida parecia contente. Com a mão estendida, num
sinal de convite, indicou a porta aberta da viatura de cúpula
e deu a preferência para seus hóspedes não voluntários.
Ainda com o carro em movimento, Marshall fez contato
com Gucky e lhe transmitiu o plano de Deringhouse, que
tinha acabado de ler telepaticamente.
* * *
Major McClears pautava seus atos sempre em deduções
lógicas. Quando recebeu a mensagem alarmante de
Lamanche, não pôde deixar de praguejar horrivelmente.
Depois, começou a pensar o que teria acontecido se
Deringhouse não tivesse voado para o quarto planeta. E a
resposta a esta hipótese seria muito simples: teriam
esperado com toda calma, no terceiro planeta, até que os
saltadores aparecessem; atacariam e se retirariam, assim
sucessivamente, como se quisessem defender mesmo a
Terra. A mudança constante de cada ataque daria a
impressão de que se tratava de uma grande frota de
supercruzadores, que de maneira alguma poderiam ser
destruídos. Com o passar do tempo, os saltadores já teriam
chegado à ideia de colocar uma bomba de gravitação na
pátria dos terranos e assim destruí-la parcialmente. Estaria
tudo perfeito... mas, no quarto planeta estavam os tópsidas.
Eis o ponto nevrálgico.
E aí então os pensamentos e especulações de McClears
começaram fluir inconscientemente no mesmo sentido que
os de seu amigo Deringhouse. Por este motivo, teria que
negligenciar sua própria segurança. Mais tarde, quando
Rhodan se recordava deste fato, tinha que conceder que um
ser racional não podia agir de outra maneira, colocando sua
segurança em segundo plano em relação à segurança da
Terra.
E foi assim que uma ação errada de McClears iniciou o
mais genial de todos os lances que Perry Rhodan jamais
empreendeu. Fez apenas o que era necessário para dar um
toque de veracidade à mentira de Deringhouse referente aos
tópsidas.
Seus pensamentos se atropelaram, enquanto dava ao
encarregado do rádio a ordem de chamar de volta o tenente
Tifflor. O mais competente oficial da nova geração de
Rhodan estava exatamente em viagem com a Gazela para
informar-se das condições na superfície. O disco voador
achatado — trinta metros de diâmetro e dezoito de altura —
era a nave ideal para tais empreendimentos. A ordem o
alcançou exatamente quando acabava de aterrissar numa
planície e já ia botando o pé em terra. Não foi com boa
vontade que atendeu à ordem de voltar à espaçonave Terra.
Sua disposição era a melhor do mundo quando se viu frente
a frente com McClears na Central.
— Um planeta maravilhoso, mas infelizmente sem vida
animal. Algo incompreensível para mim, pois não posso
imaginar condições melhores. Ah!... o senhor me mandou
chamar de volta. Suponho que seja por motivos muito
imperiosos.
— Realmente muito imperiosos — respondeu McClears
seco. Ainda não tinha chegado a um ponto final com seus
encrencados pensamentos, mas num particular seu plano já
estava traçado. — Deringhouse aterrissou no quarto
planeta, que batizou de Aqua.
— Nada de extraordinário nisso, não acha?
McClears não perdeu a calma.
— Infelizmente, não foi o primeiro que se enamorou do
“mundo d’água”, tenente Tifflor. Outros chegaram antes
dele: os tópsidas.
— Tópsidas? — Tifflor fez um esforço para se lembrar.
Naquele tempo, era ainda jovem demais e sabia dos
tópsidas só por ouvir falar. Mas lembrou-se vagamente de
um filme a que assistira sobre a invasão dos sáurios do
sistema Vega.
— O senhor não está se referindo àqueles seres
parecidos com crocodilos que pretendiam destruir a Terra e
por engano acabaram caindo em cima dos ferrônios?
— Exatamente deles é que estou falando — disse
McClears.
— O que eles procuraram por aqui?
— Não tenho a menor ideia, recebi uma mensagem
muito curta de Deringhouse de que os tópsidas obrigaram a
Centauro a fazer uma aterrissagem forçada e prenderam o
comandante. Recebemos instruções de nos dirigirmos para
Aqua e lá aguardar novas ordens.
— Como quer Deringhouse dar ordens, se está preso?
— queria saber Tifflor. — Ou se trata apenas de uma prisão
simulada?
— Parece que é mais ou menos isto. De qualquer
maneira, veremos os detalhes em Aqua mesmo. Não me
agrada ter os tópsidas na vizinhança. Mas já que estão aí,
temos que fazer tudo para tirar proveito da situação. Tenho
a impressão de que Deringhouse pensa assim também, pois
do contrário não se deixaria prender tão facilmente.
— O senhor tem algum plano?
— Tenho. Se bem que um tanto vago, mas preste
atenção...
84
E McClears começou a explicar seu plano.
Logo depois das primeiras frases, o jovem tenente
compreendeu tudo. Um sorriso iluminava seu semblante,
mas não interrompeu o oficial mais velho, que continuou
explicando, enquanto a Terra já estava na direção certa.
Depois da segunda transição, quando Aqua já despontava
na tela, concluiu com as palavras:
— Estou plenamente certo de que assim matamos dois
coelhos com uma só cajadada. Se soubesse como colocar
Deringhouse a par do meu plano... Estou convencido de que
ele concordaria e pediríamos novas ordens a Rhodan. Sem
consentimento dele, não quero fazer nenhuma ligação
telegráfica com a Terra.
— Os mutantes! — lembrou Tifflor.
— Uma possibilidade — concedeu McClears. —
Infelizmente não temos nenhum telepata a bordo da Terra.
Não vejo outra alternativa a não ser agir separado de
Deringhouse. Deixamos a Terra circulando a grande
altitude de Aqua e descemos com a Gazela para a
superfície.
— E o risco que corremos com isto?
— Está incluído na operação — disse o major. —
Deringhouse vai fazer uma cara de bobo, quando souber
que vencemos depois de uma luta curta, mas violenta.
Espero apenas que não tenha cuidados inúteis por nossa
causa.
— E eu espero — acrescentou Tifflor céptico — que
seus cuidados, se ele os tiver, não sejam realmente inúteis.
— Eu também — concordou McClears.
* * *
Cercado dos outros mutantes, Gucky encontrava-se
agachado no divã da sala dos oficiais. Estava a par dos
acontecimentos pelas mensagens telepáticas que Marshall
lhe enviava. Por sua vez, La manche, que havia assumido o
comando da espaçonave, entrava em contato com eles,
através do intercomunicador. O sistema por via telepática
funcionava muito melhor do que via rádio.
— Estão tratando Deringhouse e Marshall com muita
atenção — disse Gucky, mostrando um lugar nas costas em
que ele queria ser coçado. — Aparentemente dão muita
importância ao fato de manterem com os saltadores boas
relações. Até hoje, as duas raças quase não tiveram relações
entre si. Como Marshall está deduzindo dos pensamentos
do comandante, Deringhouse não tem intenção de
incrementar muito estas relações. Alguém de vocês
consegue compreender isto?
— Eu, não — Ras Tschubai sacudiu a cabeça e olhou
para Ataka, como que pedindo auxílio. — Quanto melhor
forem às relações, tanto maiores serão nossas possibilidades
de sairmos daqui sem encrenca.
— E o que lucraríamos — disse Gucky com ironia — se
sairmos daqui?
— O que você está querendo dizer?
— Penso simplesmente no seguinte: o que nos interessa
se os tópsidas tenham uma boa impressão dos saltadores e
nos deixem sair em paz? Tem isso alguma influência
positiva sobre a missão de que Rhodan nos incumbiu? Não
se esqueçam de que os saltadores pretendem destruir o
terceiro planeta, pensando se tratar da nossa Terra. E aqui
no quarto planeta, estão os tópsidas. E você ainda não está
compreendendo?
Ras Tschubai realmente não estava compreendendo, ao
invés dele, porém, La manche, sentado na central, sem
afastar os olhos da tela panorâmica, ouvia a toda a conversa
da sala dos mutantes.
Pigarreou perceptivelmente, concentrou-se por uns
instantes em seus pensamentos, levantou-se, e abriu a porta
da central de rádio.
— Alguma notícia de McClears? — perguntou ele.
O telegrafista em serviço sacudiu a cabeça:
— Há uma meia hora que não, senhor. A Terra saiu para
uma órbita maior e continua calma. Nós aqui
permanecemos na escuta.
— Avisem-me assim que houver alguma novidade.
— Perfeitamente, senhor. La manche agradeceu
satisfeito, voltou para seu lugar e começou a refletir de
modo mais profundo. Estranhamente, suas especulações se
desenvolviam mais ou menos no mesmo sentido como as
de Deringhouse e as de McClears. Isso era uma prova
evidente de que cérebros que pensam logicamente sempre
chegarão aos mesmos resultados.
* * *
A Gazela saiu dos hangares internos da nave-mãe Terra
e se deixou cair verticalmente. Somente a alguns
quilômetros antes da superfície de Aqua é que o tenente
Tifflor deteve a queda e colocou o aparelho em voo
horizontal. A atmosfera zunia nas paredes externas do
disco, achando pequena resistência.
McClears e Tifflor estavam sentados na apertada
cabina, já com todas as telas ligadas. Acreditaram ter visto
no litoral do enorme e único continente uma espécie de
cúpula brilhante no meio da água, mas não deram maior
importância. Cada vez mais devagar, a Gazela descia com
toda cautela necessária na exploração de um planeta
desconhecido. Os dois tripulantes aguardavam com
curiosidade a primeira reação dos tópsidas.
E esta não se fez esperar.
Bem perto do pico de uma montanha, viu-se um clarão
repentino. A tela mostrou um projétil comprido que, com
velocidade cada vez maior, subia vertical. Parecia ter a
intenção de cruzar a trajetória da Gazela, exatamente no
ponto de encontro dos dois objetos em movimento. Sem
dúvida, era um míssil. Tifflor ligou o envoltório de
proteção e segundos após uma detonação acompanhada de
um forte clarão, causando na Gazela apenas um pequeno
abalo, mostrou que o ataque dos tópsidas tinha fracassado.
O mesmo aconteceu ao segundo projétil.
— E agora? — perguntou Tifflor.
— Muito simples, tenente. Vamos agir como se
fôssemos saltadores — regulou a rota e deu a direção a
Tifflor. — Dê uma volta por cima do cume da montanha e
desça um pouco. O envoltório de proteção continua ligado.
Vou jogar uns explosivos inofensivos para que eles saibam
que temos alguma coisa não muito perigosa a bordo.
Tifflor concordou sorrindo. Os sáurios haveria, por
certo, de acorrer para o local e de tentar pegar vivo o
relativamente inofensivo adversário. Assim estava
arquitetado todo o plano de McClears.
Dez segundos depois, detonou uma bomba lá embaixo
aos pés da montanha, em plena mata virgem. Os estilhaços
abriram pequenas clareiras na vegetação, sem produzir
maiores danos.
85
E exatamente dez segundos depois, enguiçou o
comando da Gazela. Tifflor, assustado, tentou recuperar o
controle do disco voador, mas não conseguiu. Devagar, mas
continuamente, o disco foi descendo e com solavanco
maior pousou numa clareira, a menos de dois quilômetros
do litoral.
Como Tifflor pôde constatar, haviam descido no centro
de um círculo, formados por cúpulas de metal, pequenas e
cintilantes.
McClears levou as mãos ao alto.
— Está dando tudo certo, os sáurios vão ficar contentes
de terem feito tão boa caça. Nossos oito homens continuam
a bordo, enquanto nós nos apresentamos ao inimigo.
— Tomara que não nos matem logo de início.
— Não se preocupe isto seria contra sua mentalidade. Já
lhe disse que os tópsidas são extremamente curiosos.
Quererão logo saber com quem estão tratando e por que
motivos viemos para cá. Devem receber estas informações
de nós. E depois você vai ficar admirado de como eles vão
agir.
— Esperar! — exclamou Tifflor duvidoso, que
naturalmente estava pensando o que Deringhouse haveria
de dizer do seu modo arbitrário de agir.
E Rhodan, muito mais.
Aproximou-se da Gazela uma viatura. Saltaram dois
tópsidas e ficaram por uns instantes olhando sua presa de
guerra. De uma das cúpulas metálicas emergiu ameaçador
um negro tubo de canhão, apontando para a Gazela.
— Vamos embora — disse McClears. — Vamos
Tifflor. O negócio é sério. E não se esqueça de que somos a
vanguarda dos saltadores. O grosso da tropa ainda está a
caminho.
Os dois tópsidas olharam para eles com muita calma,
quando saíam da escotilha, sem medo, saltando para a terra.
Atrás deles, a escada de saída se recolheu automaticamente.
Segundos depois, estava ligado de novo o envoltório
energético. Embora os tópsidas pudessem deter o disco e
impedir sua saída, era-lhes impossível destruir o aparelho
ou penetrar nele. Os oito homens da tripulação estavam
completamente a salvo de qualquer ataque por parte dos
tópsidas.
McClears não entregou sua arma voluntariamente,
quando os dois tópsidas lhe pediram. Foi-lhe tirada à força
e McClears não perdeu a oportunidade de dar um soco forte
na cabeça do lagarto. O impacto lhe doeu muito mais do
que ao próprio réptil. Mas isto não tinha importância
alguma.
O tratamento foi correspondente. Enquanto
Deringhouse ainda era tratado como um possível aliado,
declararam McClears e Tifflor como inimigos.
Mas McClears não se deixou intimidar. Enquanto ele e
seu jovem tenente eram obrigados a entrar na estranha
viatura, sacolejando por uma péssima estrada de terra, em
direção do próximo litoral, ia despejando ameaças contra os
tópsidas, prometendo-lhes breve e terrível vingança. Seu
comportamento era um tanto irreal, diante da situação
pouco encorajadora. E assim foi que os dois tópsidas,
aparentemente pouco inteligentes, não deram maior atenção
às ameaças. McClears acabou também desistindo,
esperando poder encontrar depois um exemplar mais
inteligente desta desagradável raça.
Um desejo que se realizou logo, mas não lhe trouxe
maiores vantagens.
A estrada terminou no litoral. Sob as copas de altas
árvores e camuflado por uma cobertura espessa de
folhagem, havia um edifício baixo de metal cintilante. O
fato dava a entender que os tópsidas não possuíam outro
material de construção.
Levaram os dois prisioneiros para um aposento, onde
foram presos e entregues a seus destinos.
Em poucos instantes, McClears se convenceu de que
sem auxílio de terceiros, não conseguiriam sair dali.
Sentou-se num canto, no chão, e começou a meditar.
Tifflor, no entanto tentou se lembrar do
microtransmissor embutido em seu corpo. O
microdispositivo, cujo segredo nenhum cientista humano
conhecia, foi-lhe implantado por cirurgia na cavidade renal
direita.
Qualquer telepata, cuja faixa de onda estivesse em
sintonia com as supervibrações artificiais do transmissor do
corpo de Tifflor, poderia localizar, até uma distância de
dois anos-luz, o seu paradeiro.
Além disso, havia ainda a possibilidade de se concentrar
nos pensamentos de Tifflor, se a distância não fosse grande
demais.
O tenente podia ficar tranquilo, pois tudo quanto
pensasse com concentração, seria recebido pelo telepata
John Marshall. Dispunha ainda adicionalmente de um
diminuto transmissor na laringe.
Tifflor enviava, mas não podia receber nada...
* * *
Al-Khor estava um pouco nervoso quando penetrou na
cela dos dois prisioneiros. Seus olhos redondos faiscavam
ódio. Apenas um resto de ponderação o impediu de mandar
fuzilar imediatamente os supostos saltadores.
— Repita o que o senhor, há pouco estava dizendo aos
meus dois subalternos — disse ele, ríspido, colocando-se na
porta de tal maneira, que os dois sentinelas que o
acompanhavam tinham alvo livre pela frente. — Prometo-
lhes que não vou castigá-los, se disserem a verdade. Mas,
tenho que saber o que aconteceu.
O major sacudiu os ombros:
— Não dê demasiada importância ao que seus
subalternos lhe disseram. Podem ter me compreendido mal.
O que diz a respeito?
— O senhor sabe perfeitamente o que estou pensando,
saltador. Sabe, além disso, que não são os dois únicos
prisioneiros que fizemos. Dominamos um cruzador pesado.
Um tal de major Deringhouse está em nosso poder.
Numa demonstração de horror, muito bem representada,
McClears empalideceu todo, como Tifflor mesmo
constatou, levantou-se e deu dois passos na direção de Al-
Khor.
As armas dos dois vigias se ergueram ameaçadoras. Al-
Khor não se intimidou não se mexeu um centímetro de
onde estava.
— Se o seu depoimento for verdade, suas vidas estão
salvas.
McClears deu um rápido olhar para Tifflor. O tenente
respondeu com um piscar de olho. Podia estar tranqüilo de
que Marshall havia captado todos os impulsos.
— Pode começar a perguntar — disse a Al-Khor.
— Você os ameaçou dizendo que viriam homens para
vingá-los? Falou também aos nossos subalternos qualquer
coisa de uma invasão iminente por parte de sua gente?
86
McClears, teatralmente, mordeu a ponta da língua. Uma
gota de sangue banhou os lábios inferiores.
— Na minha cólera... desgraçado, não vale a pena
mentir. Também não sei por que motivo lhe silenciar uma
coisa, que você em poucos minutos saberá plenamente. Os
saltadores supõem existir neste sistema uma base de seu
eterno inimigo. Você não o conhece, portanto seu nome não
tem nenhuma importância no conjunto dos acontecimentos.
De qualquer modo, os superpesados estão alarmados. Deve
saber que eles são a tropa guerreira dos saltadores. Todo o
poderio dos superpesados vai atacar o terceiro e o quarto
planetas deste sistema e destruí-los. Posso lhe dar apenas
um bom conselho: abandone, o mais depressa possível, este
planeta.
— Que nada! Isto é um truque — respondeu Al-Khor.
McClears começou a dar gargalhadas. Riu tanto que
lágrimas lhe corriam dos olhos. Depois, cheio de satisfação
bateu nos ombros cobertos de escama do tópsida:
— Um truque! Meu caro amigo, eu juro pelos meus
antepassados, de que estou dizendo a verdade. Os
saltadores estão ultimando seus preparativos para
despovoar este sistema, completamente. Nada pode detê-los
deste plano, isso eu lhe posso garantir.
— Nada — repetiu Al-Khor encolerizado. Nos seus
olhos havia um brilho misterioso. — Acha que nada
consegue deter os saltadores? Eu acho que há uma coisa
capaz disso. Quando souberem que nós consideramos o
quarto planeta como nossa propriedade, ninguém terá
coragem de...
— Por que não?
— Por que... — Al-Khor hesitou um pouco. — Porque
os comerciantes das Galáxias não têm nenhum motivo de
nos fazer hostilidades. Eles não são bem vistos pelo
Império. Nós, também não. Por que não podemos estar
unidos?
— Por um motivo muito simples, meu caro amigo —
disse-lhe McClears com paciência. — Porque nós somos
obrigados a supor que você é um aliado do nosso ferrenho
inimigo, que tem uma base neste planeta e que praticamente
o povoa.
Quem estava rindo à bandeira despregada agora, era o
próprio Al-Khor.
— Os seres da água? Seus inimigos de morte? É
ridículo. Não é apenas absurdo, mas é também...
— Seres da água? — informou-se cautelosamente
McClears. — Não estou compreendendo o que está falando.
— Neste mundo existe uma raça um tanto inteligente,
que muito raramente aparece em terra e não precisa mesmo
da terra. Por este motivo, pudemos estabelecer nossas
instalações, sem prejudicá-los. Estes seres existem somente
na água e devem possuir suas cidades lá no fundo do
oceano. Fora disso não há nada neste mundo que possa ser
uma ameaça. Se não forem estes seres aquáticos, vocês
saltadores foram vítimas de um engano.
— Nossas informações estão exatas — continuou
McClears. — Estou bem informado sobre os planos dos
nossos patriarcas. Nestes planos consta que os tópsidas têm
uma base pequena no quarto planeta, cuja existência não
precisa ser tomada em consideração. Você está vendo que
as negociações não vão servir para nada. Nossos chefes
consideram vocês aliados do nosso inimigo.
— Puxa vida! — exclamou o tópsida. — Diga-me
finalmente quem é este inimigo figadal.
— Não estou autorizado a fazer isto — respondeu
McClears.
— Então vamos obrigá-los a fazer.
— Mas andem depressa — disse o major com toda
calma. — Nossas unidades de assalto estão chegando a
qualquer momento. E então poderia ser tarde demais para
vocês.
Al-Khor deu um grito ininteligível, fez um sinal para os
guardas e deixou a cela. A porta se fechou com um
estrondo.
McClears olhou para Tifflor, que repetiu baixinho toda
a conversa e assim a transmitiu para Marshall e para
Gucky.
— Então? — perguntou McClears todo triunfante.
— Vamos ver — respondeu Tifflor, meio céptico — se
eles vão agir como criaturas inteligentes e corajosas.
— Claro que vão agir assim. Pode ficar tranquilo.
Infelizmente, não tiveram a oportunidade de averiguar
isto, pois dez minutos mais tarde alguém os apanhou.
Levaram-nos numa pequena viatura diretamente para o
litoral. Aí, entraram numa pequena embarcação que os
transportou para uma ilha de aço. Era a cúpula que há
pouco haviam visto do ar. Mesmo para Deringhouse, teria
parecido igual. Por uma escada lateral, subiram para o
andar superior, cercado por um terraço. Depois um elevador
os levou para baixo. Quem os guiava era um tópsida, muito
bem armado.
Nem McClears nem Tifflor pensavam em fugir. Um
único pensamento os dominava: será que seu truque iria
falhar?
O salão tinha paredes de vidro que, de todos os lados,
davam para o mar. Tinha-se aqui uma visão magnífica
sobre um mundo a dez ou doze metros sob o nível da água.
Comportas de vários tamanhos davam a entender que se
podia atingir o mar aberto sem que a água penetrasse no
salão. Ou vice-versa, podia-se do mar penetrar na cúpula. E
isto parecia ser a única finalidade da instalação.
O tópsida se deteve diante de uma porta. Abriu-a e se
afastou, dizendo:
— Aqui será a nova prisão. Ficarão aqui até que tudo
tenha terminado.
— Terminado o quê? — perguntou McClears, sem
receber resposta.
Penetrou no pequeno cubículo acompanhado de Tifflor
que logo começou a falar no seu transmissor da laringe.
A porta fechou e eles estavam a sós. Mas onde?
Apenas a porta parecia ser de material compacto. Fora
disso, pareciam mergulhados no nada, no meio do mar, cujo
fundo tinha um brilho opaco.
Mas logo perceberam a verdade: estavam numa cela de
vidro, sob a cúpula ou ao lado dela. O cubículo transparente
flutuava. Era água por todos os lados.
McClears sentou-se no chão, bem no canto oposto à
porta, tendo a impressão de estar sentado na água. Olhava
em torno com muita curiosidade.
— Isto é muito interessante — observou com sarcasmo.
— Devemos estudar os segredos do mar, antes que nos
afoguem.
Tifflor se espantou um pouco com a frase.
— Você acha que vão nos matar?
— Que nada! É brincadeira minha. Mas você ouviu
dizer que aqui existem peixes inteligentes ou coisa
semelhante. Acho que deveríamos procurá-los, mas não me
87
pergunte o por quê. Pode ser também o contrário: os peixes
devem nos ver, para saberem como parecem os saltadores.
Situação maluca, não é?
— Só queria saber se Marshall teve ocasião de
transmitir minhas informações a Deringhouse. Infelizmente
Deringhouse não é telepata. Mas pelo menos Gucky deve
saber onde estamos.
A água era de um azul-claro com reflexos
avermelhados, em virtude da luz do sol de Beta. Neste
local, o mar não teria talvez vinte metros de profundidade.
Agora que a vista dos dois prisioneiros já se adaptara à
penumbra do estranho ambiente, o olhar deles penetrava
facilmente até o fundo do mar, situado a uns oito metros
abaixo do piso de vidro da singularíssima cela.
Plantas marinhas exóticas dançavam ao ritmo de uma
correnteza invisível, peixes coloridos cintilavam em
grandes cardumes numa determinada direção, como se
estivessem sendo perseguidos por um inimigo oculto. Entre
estes, flutuavam com calma e dignidade seres transparentes,
que lembravam nossas medusas. Pouco mais para frente, o
fundo do mar caía bem íngreme, a água se tornava azul-
escuro e infinito.
E subitamente, Tifflor deu um grito semi-abafado.
De olhos arregalados, apontava ele para o azul-escuro
do mar aberto. McClears seguiu a direção indicada por seu
braço estendido e pela primeira vez olhos humanos
puderam ver os legítimos senhores do planeta das águas.
4
As coisas iam se tornando mais críticas. Deringhouse
quase não reconheceu mais Al-Khor, quando o tópsida
chamou-os.
— Por que razão não me contaram nada do ataque
iminente de sua gente? — perguntou o tópsida com uma
tremenda calma, embora seus olhos resplandeciam
ameaçadores. — Seria obrigação de vocês.
— Obrigação? — questionou Deringhouse admirado. —
Seria também sua obrigação nos manter presos contra nossa
vontade?
— Ninguém os abrigou na condição de prisioneiros.
— Mas, somos realmente prisioneiros. Você quer
também duvidar de que nossa espaçonave...
— Aliás, sua espaçonave... — disse Al-Khor bem
espaçadamente, olhando para Deringhouse com certa
ironia. — De quem vocês diziam, há pouco, tê-la tirado?
Dos arcônidas?
Marshall captou depressa os pensamentos do tópsida e
sabia por que fizera esta pergunta. Esperava que
Deringhouse percebesse o veneno da pergunta, senão teria
que avisá-lo.
— Sim, foi dos arcônidas — disse o major cauteloso. —
Mas eu não sei naturalmente se os arcônidas a tomaram de
outros. Por que esta pergunta?
Al-Khor concordou, aparentemente mais calmo.
— É provável, pois o nome cravado com letras pretas na
fuselagem não está escrito em caracteres arcônidas. Mas
esqueçamos isto. O comandante de uma das naves foi
colocado em local seguro. Estou preocupado sobre o que
devo fazer com eles.
— Deixe-nos ir embora — propôs Deringhouse. O que
você ganha nos retendo aqui?
— Reféns — foi a resposta seca de Al-Khor. — Vocês
devem estar presentes, com todo seu pessoal, quando os
saltadores chegarem para destruir este mundo. E quem
sabe, sob minhas vistas, vocês entram em contato com eles
antes e os põem a par de tudo.
— Isto não vai adiantar muito — disse Deringhouse
com sinceridade. — Não me vão dar ouvidos.
— Então vocês morrerão conosco.
— Bonito — disse o major com um riso forçado. —
Assim, nos tornaríamos de qualquer forma aliados, não é
verdade?
Al-Khor não respondeu. Sem dizer uma palavra, deixou
a cela que servia de domicílio provisório para eles.
Marshall franziu a testa.
— Não me está agradando — disse ele — e aos meus
mutantes, muito menos. Gucky está ansioso para entrar em
ação, isto é, para atacar. É com dificuldade que o estou
segurando.
— Sua hora está quase chegando, — consolou
Deringhouse, enquanto olhava para a parede lisa do
cubículo.
— Que está acontecendo com McClears?
— Está detido com Tifflor, numa cela de vidro, abaixo
do nível do mar.
Deringhouse começou a rir.
— Pelo menos, tem um pouco de distração — julgava
ele. — Portanto, vamos lá, dê nossa posição ao rato-castor.
Ele deve nos localizar e dar um pulo até aqui. Vamos
pregar um grande susto nos crocodilos, eles estão
precisando.
Dois minutos depois, Gucky se materializou contente e
sorridente, tornando o cubículo ainda mais estreito. Trouxe
duas pistolas energéticas de mão e algumas granadas, não
maiores do que nozes comuns, porém de ação terrivelmente
devastadora. Ele mesmo trouxe na cintura uma pistola de
impulsos, cujo peso lhe dava trabalho.
— Aqui estamos nós — chilreou ele feliz da vida. —
Vamos mostrar quem somos.
— Espere um pouco — disse Deringhouse. Virou-se
para Marshall, que no momento cambaleava um pouco,
captando coisa muito importante; simultaneamente,
também a fisionomia de Gucky se transformou numa
expressão de piedade. Parecia ter perdido a disposição para
qualquer iniciativa.
Deringhouse se manteve na expectativa.
Sabia que os dois telepatas estavam recebendo uma
mensagem de Tifflor.
* * *
McClears soltou um grito abafado. De encontro às
paredes de vidro da cela, comprimiam-se dezenas de
torpedos submarinos, enfileirados, como se quisessem
mandar pelos ares toda a instalação de cúpulas. Os corpos
esguios tinham talvez metro e meio de comprimento e
refulgiam como prata sob a luz avermelhada do sol. Jatos
d’água de grande pressão irrompiam da parte traseira dos
terríveis projéteis desfazendo-se logo a seguir.
Só depois de olhar com mais atenção, é que McClears
percebeu seu engano: não eram torpedos artificiais, mas
seres vivos, semelhantes a focas, com boca enorme, sempre
aberta, olhos pequenos, orelhas ovais. A velocidade do
pequeno esquadrão, agora, já era menor. O forte jato de
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água que lançavam para trás já tinha cessado. Que animais
seriam estes? Estavam parados...
Com muita curiosidade, nadavam em torno da cela de
vidro, olhando sempre para os ocupantes do cubículo, com
olhos inteligentes. Um deles chegou bem perto e
comprimiu o focinho contra a parede de vidro. MacClears
fitou-o cara a cara, sentindo então uma forte vibração.
Tifflor descrevia a cena para Marshall e Gucky.
— São assim os peixes-homens — murmurou
McClears. — Vieram para cá como que atirados por jato.
Não se movem como os demais peixes por meio das
nadadeiras, mas têm um sistema próprio: engolem a água,
comprimem-na algum tempo em seu interior, e depois a
expelem. Santo Deus, verdadeiros foguetes submarinos
vivos — colocou a mão direita sobre a parede de vidro. —
Produzem ondas vibratórias — disse pensativo. — Quem
sabe é uma maneira de se comunicarem? Ah! Se
pudéssemos entendê-los...
Marshall captou a mensagem e informou Deringhouse a
respeito.
— Ataka! — disse Gucky.
— Acho que você tem razão, Gucky — disse
Deringhouse. — O japonês decifra ondas sonoras, que
nenhum ouvido humano consegue captar. Mesmo ultra-
som. Se estes seres não são telepatas, e parece que
realmente não o são, devem talvez se comunicar através de
vibrações ou de sons no campo de ação do ultrassom. Ataka
pode constatar isto. Além disso, sua capacidade de
percepção está combinada com uma telepatia inconsciente,
de maneira que poderá entender sons completamente
estranhos para nós. Gucky, vá buscar Ataka.
O rato-castor se levantou, dizendo:
— Cubículo apertado, major! Vocês não vão ficar muito
tempo aqui. Sairemos e vamos libertar McClears. O tempo
de representar já passou. Não precisamos mais nos
camuflar perante os sáurios. Agradeçamos aos deuses do
espaço.
— Como assim? Que pretende fazer, Gucky? —
perguntou Deringhouse, que não compreendeu as palavras
de Gucky.
— Já fiz voar pelos ares robôs e bios — disse o rato-
castor, recordando suas bravuras. — Mas fazer voar um
crocodilo será uma sensação formidável.
Um segundo a mais e ele já haviam desaparecido.
Com voz mais baixa, disse Deringhouse:
— Os tópsidas ficarão surpresos quando souberem que
possuímos armas, mas não podemos subestimá-los.
Morrem, se for preciso, sem piscar um olho. Só há um
ponto em que são muito sensíveis: são muito supersticiosos.
— Então, Gucky é o “homem” certo, major.
— Exatamente — concordou Deringhouse. — E o
malandro sabe disso. De acordo com o regulamento, devia
estar preso.
— Não há prisão para detê-lo — comentava Marshall
uma coisa que todos sabiam. — Em muitos sentidos, Gucky
é um ser maravilhoso.
Houve uma vibração no ar e surgiram Gucky e Ataka. O
japonês se apertou como pôde. Não dava para ninguém se
mexer. A cela era pequena demais. A ventilação também
estava horrível.
— Isso é uma bodega — disse Gucky, com ironia.
— Não por muito tempo — acentuou Deringhouse. —
Gucky, você consegue abrir o cadeado da porta?
O rato-castor pulou para perto da porta e olhou um
pouco o cadeado. A tarefa já era fácil caso se usasse os
dedos... Mas Gucky dispunha ainda de outros dedos
invisíveis movidos por forças telecinéticas. Estas forças
invisíveis do seu pequeno mas incompreensivelmente
poderoso cérebro penetraram no cadeado, examinando o
mecanismo. Depois, com um pequeno ruído, o cadeado
abriu. Deringhouse avançou e empurrou a porta.
— Ótimo Gucky — disse ele sorrindo para o rato-
castor, e apanhando sua pistola energética. — E agora
vamos deixar os tópsidas um pouco nervosos. Eles já
devem ter muito que fazer para se defenderem dos ataques
dos saltadores.
— Mas é preciso esperar um momento até que
estejamos seguros e em condições de agir — disse
Marshall, prevenindo contra um otimismo exagerado. —
Gucky, você está sentindo algo? Há tópsidas aqui perto de
nós?
— Sim, uma grande multidão, lá atrás da porta.
Estavam num corredor comprido, um pouco sinuoso,
deixando supor que passava em torno de alguma cúpula.
Havia duas portas: uma próxima da outra. Do outro lado da
parede, eram janelas. Atrás havia uma paisagem
maravilhosa de uma natureza virgem, com montes e
florestas. No horizonte, bem afastado, via-se a grande
extensão do mar. O sol poente estava exatamente no ponto
divisório entre a água e o céu.
Deringhouse se deteve bem rente à porta indicada por
Gucky e Marshall.
— É aqui? — perguntou por cautela.
Ao sinal de confirmação dos dois telepatas,
Deringhouse ergueu a arma, postou-se de lado, ativou o
botão de combustão. O delgado fio de energia atingiu os
gonzos da porta, soldando todos com o metal derretido. A
porta não se abriria mais.
— Vão cair direitinho na armadilha — disse Ataka
contente.
— Eu preferia fazê-los voar — disse Gucky. — Deve
ser fantástico quando os crocodilos...
— Esperem — disse Deringhouse, caminhando à frente.
Os outros o seguiam. Gucky era o último da fila, pois
quando não se teleportava, suas pernas curtas não lhe
permitiam acompanhar os passos largos dos demais. Para
tentar abafar seu aborrecimento com isto, começou a
assobiar bem alto, como se não houvesse mais tópsidas na
redondeza.
O corredor terminava numa porta que estava apenas
encostada. Depois dela, não havia mais salas, era a
liberdade. Mas que liberdade era esta?
De qualquer maneira, ainda se encontravam em
território dos sáurios. Deringhouse ajeitou sua pistola e
empurrou a porta. Como o empurrão foi bem forte, quase
que a guarita do tópsida virou. O vigia caiu. Levantou-se,
virou-se para trás, com um grunhido de desaprovação. Mas
a desaprovação se transformou em medo, quando notou a
presença de Deringhouse, Marshall e Ataka, passando para
perplexidade quando deu com a figura esquisita de Gucky.
Gucky não gostou da perplexidade, o que Marshall logo
notou, captando também a péssima impressão que o pobre
guarda teve de Gucky.
— O quê? — chilreou o rato-castor. — Eu... um bicho
horroroso? Você vai ter que voar.
E o tópsida voou. Forças telecinéticas o ergueram do
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chão e o fizeram subir verticalmente. O coitado gritava
desesperado. A Ira de Gucky não durou muito. O pobre
vigia, tendo perdido a arma durante suas acrobacias
forçadas, fugiu em disparada. Gucky ainda teve tempo de
colocá-lo no telhado do grande edifício de cúpulas. Lá de
cima, sentado bem na beira, o sáurio não desgarrava os
olhos dos três homens. Entre estes estava um animal
peludo, semelhante aos ratos gigantes dos canais de Topsid.
— Bicho horroroso... que desaforo! — ia ruminando
Gucky, andando por ali, como se não existisse a palavra
perigo.
Deringhouse reconheceu num galpão ao lado algumas
das viaturas, cujo funcionamento tinha observado com
cuidado. Não seria, pois, difícil utilizar um desses carros
para empreender a fuga. Gucky poderia também teleportar
um por um para a Centauro, mas chamaria muito a atenção
dos tópsidas e era necessário que tudo parecesse normal.
— Ali ao lado estão as viaturas — disse ele para Gucky.
— Vamos pegar uma delas, mas antes temos que causar
alguma confusão aqui.
Isto não foi muito difícil, pois os chefes dos tópsidas
estavam presos e no momento não tinham outra
preocupação a não ser dinamitar a porta que Deringhouse
havia soldado. Marshall atirou duas bombas no edifício e
correu atrás de Deringhouse e Ataka que se dirigiam para as
viaturas.
À forte detonação, seguiram altas labaredas que em
poucos instantes derreteram toda a construção de cúpulas.
De uma entrada lateral surgiram alguns tópsidas que
não estavam feridos e começaram a atirar doidamente com
as pistolas de raios energéticos. Foi a oportunidade que
Gucky aguardava para entrar em ação. Enquanto os três
homens tentavam pôr em movimento uma viatura maior,
Gucky começou sua “brincadeira”, como ele chamava esta
atividade, quando podia usar à vontade seus dons
telecinéticos.
Os sáurios não sabiam mais o que se passava com eles.
O chão lhes sumiu de repente sob os pés e começaram a
flutuar no espaço. Ninguém iria supor que o causador
daquele milagre era aquele animal peludo, embora não
parecesse estranho a Al-Khor. O comandante da base dos
tópsidas levitava sem direção sobre as copas das árvores,
quando reconheceu no rato-castor a misteriosa aparição que
vira por um instante a seu lado na viatura.
A situação era de deixar perplexos todos os tópsidas.
Mas Al-Khor não conhecia o medo. O misterioso prodígio
era de carne e osso e, portanto devia ser vulnerável. Ainda
tinha a pistola de raios energéticos. Apesar da situação em
que se encontrava, apontou-a para aquela figura minúscula
de animal, lá embaixo, entre as ruínas do edifício. Apertou
o gatilho, mas o resultado foi diferente do que Al-Khor
imaginava.
Como levitasse, portanto sem peso algum, o choque de
recuo da arma o jogou com grande velocidade para o
espaço adentro. Gucky, atento à iniciativa malograda do
comandante tópsida, ainda deu mais Impulso ao
contrachoque, obrigou Al-Khor a fazer piruetas no ar e
acabou colocando o corajoso guerreiro na copa de uma
árvore bem alta, cujos galhos estavam a mais de vinte
metros do solo. Ele que desse um jeito de descer dali.
Os outros sáurios ainda estavam dançando no ar,
formando um emaranhado confuso. Ninguém tinha
coragem de atirar, com medo de atingir o colega.
Nesse ínterim a viatura de Deringhouse saiu do galpão.
Uma segunda granada destruiu os carros restantes,
provocando um grande incêndio. Os tópsidas teriam agora
de andar a pé, o que não lhes era agradável.
— Faça-os descer agora, Gucky — disse Marshall
acenando para ele, que sentado se divertia fazendo os
sáurios girarem em volta dos escombros da grande cúpula.
— Já receberam o que mereciam, mas eu ainda não —
disse Gucky, deixando os tópsidas caírem uns dez metros,
para depois detê-los.
— Estou notando isso — disse Marshall um tanto
áspero, dando algumas instruções a Deringhouse.
A viatura veio para a direção de Gucky.
— Tenho que dar uma mãozinha — continuou
Marshall, virando-se um pouco para fora da porta da
viatura. Com mão firme apanhou Gucky pelo pescoço, o
levantou e o trouxe para dentro do carro. — E agora, faça o
que lhe mandei.
Por uns instantes Gucky ficou indeciso, depois, olhando
para cima, viu os tópsidas horrorizados, parados e
desarmados, aguardando o que aquela “força divina” ainda
ia fazer com eles. Deu um grande suspiro de resignação e
acabou obedecendo.
Deu novamente uma ordem a seus pensamentos e os
tópsidas se colocaram em formação de esquadrilha e
voaram a toda velocidade para desaparecerem atrás das
copas das árvores. Gucky ainda ficou olhando por uns
instantes e, suspirando, disse a Marshall:
— Está bom?
— Que aconteceu com eles? Você não pode deixá-los
cair de repente.
— Não caíram não, mestre. Estão sentados em qualquer
lugar nas árvores, fazendo ninhos para seus filhotes, caso
não queiram descer mais, o que também é possível.
O mau humor do rato-castor era evidente:
— Que devo fazer agora?
Marshall respirou mais aliviado. O pior já tinha
passado.
— Vamos libertar McClears que está em piores
condições que nós. Está sozinho com Tifflor.
Gucky se concentrou para ouvir alguma coisa.
— Distância exata 37,6 quilômetros, sudoeste. Devo dar
um pulinho até lá?
— Ainda não e quando chegar a hora você deve levar
Ataka. Pois só ele é capaz de entender a linguagem dos
aquas.
— Aquas?
— Sim, senhor, assim chamamos esses estranhos seres.
A ideia é de Deringhouse. Mas não quero que, nos
combates que possam se realizar, se sacrifiquem vidas
inocentes. Ninguém quer isto.
— Que aconteceu com a Centauro? Deringhouse dirigia
a viatura por um caminho estreito que levava ao litoral.
Operava com seu minitransmissor de pulso, que os tópsidas
não lhe haviam tirado, porque não tiveram tempo.
— Capitão Lamanche deve fazer o que pode — dizia o
Major. — Estamos seguindo para o litoral onde
empreenderemos a libertação de McClears, enquanto a
Centauro neutraliza os raios de atração e se encaminha
também para o litoral. Nós nos encontramos logo. Quero
evitar, de qualquer maneira, que os tópsidas tenham a
impressão de que somos seres sobrenaturais. Sabemos por
demais que os saltadores lutam com armas e meios
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convencionais. Portanto, não devemos fazer nada que possa
levantar suspeita. Isto vale principalmente para você,
Gucky.
— Sou, por acaso, um ser sobrenatural? — perguntou
Gucky.
Deringhouse não respondeu. Colocou-se em contato
com La manche.
— Ouça capitão. Ligue o envoltório de proteção e
destrua, depois de breve aviso, as cúpulas metálicas no
centro das quais a Centauro aterrissou. Ali estão, em minha
opinião, os geradores para os raios de atração. E depois vá
embora. Ponha-se em contato conosco, quando já
estivermos no litoral. Aí, então, lhe darei novas instruções.
— Está tudo claro — foi a resposta tranquila de La
manche, objetivo como sempre. — Eu sinto muito ter
ficado aqui, sem fazer nada, como uma galinha choca em
cima dos ovos. Os mutantes estão ansiosos para
enfrentarem os sáurios.
— Os mutantes têm de ficar, infelizmente, em segundo
plano, pois os tópsidas sabem que Perry Rhodan possui um
corpo de mutantes. No entanto, é necessário que eles, os
tópsidas, fiquem com impressão de que estão lidando com
os saltadores. Está claro?
— Já falei, senhor — foi a resposta seca de La manche.
— Encontramo-nos no litoral.
Deringhouse ficou uns instantes olhando para o receptor
emudecido, depois sorriu, colocando a viatura em
movimento.
Não se podia chamar a estrada de boa, mas pelo menos
indicava a direção. O carro com cobertura transparente
tinha bons amortecedores, mas a conformação dos bancos,
feitos não para o corpo humano, obrigava o motorista a
uma posição incômoda. O terreno ia em leve declive. Após
meia hora, avistaram o litoral. À esquerda ou à direita, não
havia uma clareira na floresta virgem, em cuja vegetação
homem algum jamais penetrara. A estrada entrava um
pouco para a esquerda e se dirigia a um ponto que não
podia estar muito afastado do lugar em que, através de dois
quilômetros de água, se alcançava a tal ilha metálica onde
McClears e Tifflor foram presos.
Mas a estrada atingiu a praia um pouco antes. Aqui,
com a areia, a vegetação da mata virgem não achava mais
alimentação, de maneira que sobrou uma faixa livre. Ao
lado desta faixa, a estrada levava exatamente para o leste.
Deringhouse dirigia o carro sob a ramagem protetora de
uma árvore gigantesca. Desligou o motor. Cessou o ruído e,
por uns instantes, só se ouvia o marulhar das ondas e o
farfalhar da vegetação com o vento suave. A visão da
natureza virgem transmitia paz e calma. O mar se espalhava
numa extensão imensa. Ter-se-ia que navegar quase todo o
planeta para se encontrar terra novamente.
— Gostaria de morar aqui — disse Ataka, quase
sonhando. — Como numa ilha desabitada dos Mares do
Sul.
— As aparências enganam — disse Deringhouse
apontando para o céu.
Todos olharam para aquele ponto. Um objeto voador,
pequeno, passou por cima da construção de vidro e
desapareceu.
— Estão fazendo vôos de patrulha, mas talvez não
saibam o que aconteceu. Se a sorte foi nossa amiga, a
instalação de rádio da estação deve estar destruída —
explicou Deringhouse.
Marshall virou-se para o japonês:
— Você acha que daqui desta distância pode entrar em
contato com os aquas? Em caso negativo, você e Gucky
têm que se teleportar para a prisão de McClears, para não
levantar a menor suspeita. Os tópsidas têm que acreditar
que somos saltadores, sem dons espirituais de nenhum tipo.
— Se a descrição de Tifflor for exata, eles se
comunicam por ondas sonoras. Vou tentar entrar em
contato, naturalmente na água. Portanto vou tomar um
banho agora.
Deixou o uniforme no chão, livrou-se da calça e, como
um turista, entrou pelo mar adentro. Gucky olhava para ele,
visivelmente com inveja:
— Arranjou um bom pretexto para um banho de mar.
Nadar um pouco não me prejudicaria.
— Quem sabe você terá que nadar mais depressa do que
pensa — disse-lhe Deringhouse. — E o pior, por muito
mais tempo do que deseja.
— Com o ruído das ondas, ele não ouve nada — disse
Gucky, para mudar de assunto, quando Ataka transpôs as
primeiras ondas mais fortes para penetrar em água mais
funda. Para isso, teve que andar uns cinquenta metros até
que a água lhe chegasse à altura do peito. A onda o
suspendia e ele abanava a mão para terra, todo feliz.
— Está mesmo convencido de que está de férias! —
exclamou Gucky meio invejoso.
De repente, Ataka desapareceu. Mergulhou quase um
minuto. Depois, seu rosto sorridente apareceu fora d’água.
Gesticulou excitado com as duas mãos.
— Ouviu os aquas — disse Marshall, transmitindo a
mensagem telepática de Ataka. — Mas não está entendendo
nada, quem sabe está recebendo um grande número de
impulsos simultâneos que geram uma confusão. De
qualquer maneira já sabemos que eles se comunicam.
— Quem sabe, os aquas são também telepatas? —
indagou Gucky.
— Pouco provável — respondeu Marshall. — Mas
dentro em breve, saberemos isto.
Ataka continuava acenando. Quando o japonês voltou
de outro mergulho, Marshall disse entusiasmado:
— Está sentindo impulsos mais fortes. Já o perceberam
lá embaixo.
Todos ficaram olhando. A uns duzentos metros da praia,
listras de espuma sulcavam a superfície da água. Quatro ou
cinco listras rodeavam Ataka, que parecia estar boiando. As
ondas às vezes lhe chegavam até o pescoço, outras somente
até a cintura. As cinco listras prateadas o cercavam e a
espuma havia desaparecido. Diante de Ataka surgiu então
um corpo comprido, semelhante ao de uma foca, pôs-se em
posição vertical e começou a gesticular com um braço em
forma de nadadeira. Podia-se ver nitidamente a boca oval.
— Aquas! — disse Marshall. — Exatamente como
Tifflor descreveu. Depende agora se Ataka pode
compreendê-los.
Hesitou um pouco, depois confirmou:
— Foi feito o contato, mas... Gucky, dê um pulo na
Centauro e traga-me André Noir.
— Noir? — perguntou Deringhouse. — Que vamos
fazer com um hipno? Será que pretendemos hipnotizar os
aquas?
— Não, mas com o auxílio dele, poderemos nos fazer
compreender. Os homens-peixes não são telepatas e
ninguém entende a linguagem deles. Noir poderá sugerir a
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esses seres nossas intenções.
— Está certo — concordou Deringhouse. — Mas,
cuidado, Gucky. Não se esqueça de que La manche já... —
e parou por aí.
O rato-castor já tinha sumido. Suas pecadas na areia de
repente sumiram. Deringhouse estava furioso.
— Ele nem espera que eu termine minha ordem.
— Realmente não é necessário esperar, se ele pode ler
os pensamentos — disse Marshall. — Além disso, não
temos tempo a perder.
Ataka, nesse ínterim, conversava com os cinco homens-
peixes, mas aparentemente sem resultado. Apontava sempre
para a praia e devagar foi se encaminhando para lá.
Hesitando um pouco, eles o seguiam.
Deringhouse e Marshall olhavam estupefatos. Quando o
japonês atingiu a praia e se virou para trás, os cinco aquas
também pararam. A água lhes chegava até a metade do
corpo. Este brilhava com as escamas prateadas recebendo
os raios do sol da última parte da tarde. Deringhouse
gostaria de saber se possuíam pés.
Ataka acenou para seus novos amigos. Caminharam
mais para frente, desajeitados e vagarosos, até a praia.
Os aquas não possuíam pernas, mas uma possante cauda
para nadar, parar e mudar de direção.
Marshall ficou na escuta. De repente murmurou:
— Seus impulsos mentais são bem fortes. Consigo
receber seus fluxos. Baixo, mas perceptível. Ah! Se Noir já
estivesse aqui. Gostaria de saber por que Gucky demora
tanto.
Ataka na praia apontava mais para cima, onde estavam
Deringhouse e Marshall. Os aquas volveram os olhos
brilhantes na direção dos dois homens, que lhes deviam
parecer completamente estranhos.
— Os aquas podem aguentar duas ou três horas fora da
água — disse Marshall. — São pacíficos, mas não sabem
como chegamos ao seu mundo. Acham que somos seus
aliados e não vão muito com os tópsidas. Já é tempo de nós
lhes dizermos a verdade.
Neste exato momento, Gucky se materializou, trazendo
André Noir.
— Conseguimos sair, antes que La manche partisse. Ele
deu um susto nos tópsidas e aniquilou toda a instalação de
tração magnética — disse o rato-castor.
Deringhouse suspirou contente.
— De novo uma expressão de Bell, se não me engano.
Pois bem, Noir, mostre juntamente com Marshall, que está
fazendo o papel de anfitrião, um congraçamento com os
aquas.
E assim foi feito.
Marshall recebia os impulsos mentais e os traduzia.
André Noir lia o pensamento dos homens-peixes como
uma espécie de quadro mental, que era entendido
facilmente. Era um pouco demorado, mas sempre com
resultado positivo.
— Vocês são estranhos neste mundo?
— Sim, viemos das estrelas, onde está nossa pátria.
— E por que vieram?
Deringhouse que ouvia e dirigia a conversa, mandou
dizer:
— Para avisar vocês e para ajudá-los. Mas permitam
uma pergunta: Os sáurios são seus amigos? Deram
permissão a eles para viver num lugar que pertence a
vocês?
A resposta veio imediatamente:
— Não, não pediram licença. Vieram há muitos dias e
muitas noites e construíram suas casas. Como é que nos
poderiam pedir licença, não nos entendem, nem nós a eles.
— Vocês gostariam que fossem embora daqui?
— Claro que gostaríamos. Mas como podemos expulsá-
los, se não temos armas?
— Podemos ajudar vocês?
Houve então uma pausa e depois a resposta demonstrou
que os aquas eram inteligentes, mas também desconfiados.
— E o que devemos lhes dar em retribuição?
Deringhouse deu uma risada.
— Somente uma coisa: sua amizade. Vamos comerciar
com vocês, trocar mercadorias e construir uma pequena
base para que os sáurios não voltem mais.
— Os sáurios nunca comerciaram conosco. Pois bem,
estamos de acordo. Vamos avisar nossos chefes.
— Mais uma coisa — Deringhouse se lembrou do mais
importante. — Os sáurios prenderam dois dos nossos
homens, queremos libertá-los, mas sem o auxílio de vocês
será difícil. Querem nos ajudar?
— Vimos os prisioneiros, estão no castelo de água dos
sáurios. Vocês podem viver debaixo d’água?
— Não, precisamos de ar para respirar. Debaixo d’água
nós morremos.
— Ar? — veio o impulso de pensamentos e depois: Está
bem. Vamos cuidar disso. Esperem-nos amanhã cedo neste
mesmo local. Quem sabe arranjamos uma solução.
— Quando nossa grande espaçonave chegar, teremos
também uma solução — respondeu Deringhouse. — Está
bem, nos encontraremos amanhã, quando o sol raiar, neste
local. Esperamos por vocês.
— Haveremos de estar aqui — prometeram os aquas,
acenando mais uma vez para os homens, olhando curiosos
por uns instantes a figura do rato-castor. Depois
desapareceram.
Por algum tempo, ainda se podia ver o reflexo prateado
à flor d’água. Quando os homens-peixes mergulharam
definitivamente para o fundo do mar, o brilho sumiu.
Gucky os estava acompanhando:
— Que vida boa que eles levam, nunca sentem sede!
Deringhouse olhou para o horizonte. Grande e
avermelhado, o sol Beta se preparava para desaparecer atrás
das ondas do mar. O céu tinha uma coloração rosa, verde e
roxo. O firmamento se abria como uma cortina de fogo,
num espetáculo completamente diferente do pôr do sol na
Terra.
— Amanhã — disse Deringhouse — amanhã saberemos
mais.
— Ficaremos aqui? — queria saber Marshall.
— Sim, dormiremos no carro.
— Não é necessário — disse o telepata sacudindo a
cabeça. Eu vou com o Gucky buscar a Gazela de McClears.
Temos tempo, à noite toda.
Deringhouse concordou.
— Então, eu e Ataka vamos tomar um banho com
calma, até que vocês voltem. Você também, Noir?
Gucky lançou um olhar desesperado para Marshall, mas
quando este sacudiu a cabeça com seriedade, Gucky
avançou para o telepata e o abraçou, desaparecendo com
ele.
A vida de oito homens estava em jogo.
92
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Antes que ficasse mais escuro, a Gazela aterrissou com
Marshall e Gucky a bordo, bem perto da viatura camuflada.
A ação se deu no momento exato, pois, após a destruição
do primeiro ponto de apoio e da terrificante investida da
Centauro, que transformou todo o planalto em lava
incandescente, os tópsidas deram o alarme geral. Suas
belonaves surgiram de todos os cantos do “mundo d`água”
e se reuniram num ponto a oitenta quilômetros da ilha
metálica.
Logo se deu o ataque à Gazela, que foi naturalmente
repelido. Antes que se iniciasse o segundo, mais pesado,
apareceram Gucky e Marshall. O pequeno aparelho partiu e
desapareceu na penumbra. Como voasse a baixa altitude,
seus perseguidores não o conseguiram localizar no radar.
Deringhouse mandou camuflar o pequeno aparelho
numa clareira da floresta, de sorte que ninguém o
percebesse. Um breve rádio para a Terra era suficiente para
dar a localização exata. Já era noite, Deringhouse fez uma
ligação para a Centauro.
— Alô, Lamanche! Onde é que você está?
— Em órbita, senhor, esperando pela ordem de atacar.
— Não vai ser tão breve. Fique por aí e mantenha
contato com a Terra. Proteja-se dos ataques dos tópsidas,
mas fique onde está. Ainda temos de liquidar uns assuntos
aqui embaixo.
— Entendido, senhor; se precisar de algum auxílio...
— Não se preocupe, Lamanche. Estamos com Gucky
aqui. Fim.
Desligou o aparelho e desceu da Gazela pulando na
areia macia, quase pisando na cauda de Gucky.
O rato-castor estava sentado, calmo. Contemplava o céu
escuro e as primeiras estrelas que cintilavam, formando
constelações diferentes e curiosas, como jamais se poderia
observar da Terra.
— Ora essa, que está fazendo aí? Eu pensava que você
estivesse tomando banho de mar...
O rato-castor deixou aparecer o dente roedor.
— Vou fazê-lo agora. Acho que posso deixá-lo sozinho
por uma meia hora.
— Que é isso? Você está falando como se nós não
agüentássemos sem você...
Gucky foi caminhando para o mar, deixando na areia
um rastro diferente. Depois de uns dez metros, parou, olhou
para trás e chilreou:
— Como seria se vocês não tivessem Gucky... Estou
convencido de que vou receber as duas arrobas de cenoura,
não são?
Falou e desapareceu com um salto corajoso na onda em
rebentação.
Deringhouse sacudiu a cabeça com ar de desaprovação.
Estava suspeitando que Gucky quisesse captar alguma
coisa.
* * *
Vermelho como sangue, o sol se erguia atrás da floresta
virgem e recebia o novo dia com cores festivas.
Marshall que teve o último período de vigília estava
bem próximo da água, olhando para o horizonte longínquo.
Já estava esperando pelas já conhecidas listras prateadas
que anunciavam a chegada dos aquas.
A noite foi calma. A estação de rádio da Gazela, onde
todos haviam dormido, ficou sempre de prontidão, porém,
não houve novidade alguma. Houve, sim, grande
intensidade de rádios entre as várias estações e naves dos
tópsidas, mas a grande maioria cifrados. É verdade que o
cérebro eletrônico conseguira decifrar o código depois de
algum tempo. Mas não adiantou muito, o assunto era
apenas a tomada de várias posições pelos tópsidas.
Marshall captou os primeiros impulsos de pensamento
dos homens-peixes, ainda bem fracos, quando ainda não
eram vistos. Aí é que começou a ver no horizonte as listras
prateadas, ainda bem longe. Aproximavam-se com uma
velocidade quase incrível, nadando em grupo, pois a
formação produzia um enorme sulco que se dirigia no
sentido exato da praia. Podia-se calcular: aproximavam-se
uns cinquenta aquas. A uns vinte metros da areia da praia
cessaram as listras prateadas. O chefe da turma emergiu e
chegou com dificuldade até Marshall. Os outros ficaram na
água. Só as cabeças emergiam. Olhos curiosos
contemplavam os homens.
— Viemos, como havíamos prometido — foi o
pensamento dos homens-peixes. — Mas não conseguimos
nenhuma maneira de fazer com que alguém de vocês
consiga viver dentro d’água.
Marshall já estava chamando Gucky há vinte segundos
e ficou aliviado quando, por fim, teve uma resposta:
— Estou dormindo ainda — eram os sinais de Gucky.
— Que há de novo?
— Mande André Noir, mas depressa! Os aquas estão
aqui.
Nenhuma resposta, mas, poucos segundos depois,
Gucky se materializava bem ao lado de Marshall, que sem
querer se assustou. André Noir descia da Gazela e veio
correndo.
A comunicação com os homens-peixes estava garantida.
— É inútil perder tempo com tais pensamentos, pois
podemos agora permanecer muito tempo sob a água —
dizia Marshall. — Existem uniformes especiais com os
quais se pode viver no espaço, e o espaço é mais perigoso
do que o mar.
— Então vocês podem vir conosco?
— Se vocês forem bem fortes para nos puxar, pois não
nadamos tão bem como vocês.
— Quando?
— Esperem-nos só um pouco, temos que fazer uns
preparativos.
Meia hora mais tarde, os peixes daquele mar raso, no
litoral do único continente do planeta quatro, assistiram a
um espetáculo tão estranho, que nunca mais esqueceram.
Com uniformes espaciais fechados, Marshall e Noir
estavam montados, cada um, no dorso escamoso de um
aqua e se deixavam levar através do verde escuro do mundo
submarino. Uma terceira figura, um pouco menor, estava
no lombo de um terceiro aqua, era Gucky. Uma vanguarda
de uns vinte homens-peixes nadava à frente. O restante
formava a retaguarda da frota.
O mais divertido de todos era, sem dúvida, Gucky. Seu
uniforme especial parecia até fundido com o corpo. A
grande viseira do capacete lhe permitia olhar para todos os
lados e já que o mar não era muito fundo, o rato-castor
viveu pela primeira vez na vida os encantos do mundo
submarino. As pequenas ondulações de areia no fundo,
cobertas de plantas marinhas, pareciam um jardim
gigantesco. Além disso, a infinidade de pequenos peixes
93
que vinham de todos os lados. À esquerda e à direita a
visão era limitada. Em cima havia um clarão de lanterna
alaranjada, vindo do sol.
A velocidade era espantosa. Os dois homens
perceberam que os aquas eram verdadeiros foguetes vivos
de propulsão traseira. Aspiravam a água pela boca, num
fluxo contínuo, comprimiam-na no meio do corpo através
de um órgão especial e depois expeliam o forte jato através
de uma válvula traseira, bem abaixo da cauda. A
compressão devia ser muito grande, pois Marshall estava
convencido de que os aquas, em atenção a seus visitantes,
não usavam nem a metade da força que tinham.
Bem acima da estratosfera, moviam-se os dois grandes
cruzadores em suas órbitas. As instalações de rádio estavam
na escuta. Todos se encontravam de prontidão.
Também Deringhouse estava esperando na Gazela,
escondida ainda sob a ramagem densa das árvores enormes.
Achava-se preparada para entrar em ação a qualquer
momento. Bastava que Marshall apertasse o botão
vermelho do seu minitransmissor de pulso. O som já servia
de meio de localização.
Sentados nas prisões de vidro, sem saberem se seus
apelos de socorro chegavam a algum lugar, McClears e
Tifflor também esperavam.
* * *
Depois de grandes esforços, Al-Khor conseguiu sentir
chão firme debaixo dos pés. Escorregou pelo tronco liso da
árvore, esfolando muito a pele e nos últimos cinco metros
caiu diretamente. Foi por isso que destroncou a pesada
cauda coberta de escamas, que lhe doía tremendamente.
Praguejando e mancando de uma perna, foi abrindo
caminho pela vegetação baixa da floresta. Depois de muito
procurar, achou sua pistola de raios energéticos e chegou
afinal à beira da clareira, onde, há pouco, ainda existia a
estação. As granadas de mão dos “saltadores” tinham feito
estrago total. A cúpula estava em ruínas, as viaturas
destruídas e o pessoal: morto ou ferido ou debandado.
Debandado pelo ar.
É claro que a imaginação de Al-Khor trabalhava.
Chegou a uma conclusão, mais ou menos lógica, de que os
“saltadores” haviam aperfeiçoado um aparelho, com o qual
podiam a qualquer momento interromper a lei da gravidade
e fazer então com que os objetos pudessem flutuar à
vontade. Não havia outra explicação para o fenômeno que
ele próprio sentiu na pele: fora um fato sobrenatural.
Andando pelos escombros, encontrou uma viatura mais
ou menos em condições, cujo aparelhamento de rádio ainda
funcionava. Chamou a central das Tropas de Ocupação. Ela
respondeu imediatamente.
— Aqui fala Al-Khor, do Comando Seccional da Costa
Sul. Os “saltadores” presos fugiram e destruíram nossa
estação. Peço socorro imediato. Mandem-me uma nave.
A resposta não foi muito alentadora:
— Estamos em alarme de urgência, Al-Khor, e não
podemos prescindir de nenhuma nave. Procure abrir
caminho no HQ. Perdura o perigo de que os saltadores
consigam mais reforços e nos ataquem.
— A quem você está dizendo isto? — disse Al-Khor
indignado. — Afinal, fui eu quem lhe chamou a atenção
para este fato e...
— Esperamos você no quartel-general.
Ouviu-se o ruído final. Al-Khor praguejando, destruiu o
aparelho com um único soco de sua mão, por assim dizer,
blindada.
— ...eles é que vejam como liquidar os saltadores.
Não tinha pressa alguma. Procurou na viatura alguma
coisa para comer e acabou fazendo sua refeição. Já estava
bem escuro, portanto tinha que preparar um abrigo para
dormir.
Quando rompeu a madrugada, acordou gelado e ficou
contente quando apareceram os primeiros raios do sol para
aquecê-lo. Depois de uma boa refeição matinal, ligou o
carro e começou a rolar por entre as ruínas em direção ao
caminho estreito que levava para o litoral e para o quartel-
general.
Estava com remorsos. Sem suspeitar de nada, passou
bem perto do esconderijo da Gazela, tomou a direção do
leste. Aproximou-se da ilha de aço, antes do litoral, onde o
Estado-Maior dos Tópsidas estava reunido em conselho de
guerra. Um barco levou Al-Khor aos seus colegas que o
receberam admirados, mas com muita reserva. Tinha-se a
impressão de que ele era culpado da evasão dos prisioneiros
e, portanto, era acusado de favorecer o inimigo.
Sem dar atenção à sua chegada, o conselho de guerra
prosseguiu.
— Estaríamos, portanto, unânimes — afirmou Wor-
Lök, comandante-supremo e superior de Al-Khor — em
tentar nos defendermos sozinhos, sem auxílio, de ninguém,
do iminente ataque dos saltadores.
— Isto é pura loucura — disse Al-Khor bem alto, antes
mesmo de tomar seu lugar. — Não podemos cometer erro
maior do que este.
Wor-Lök estremeceu todo e fechou a cara. Exatamente
quem havia fracassado miseravelmente é que se atrevia a
contradizê-lo? Se o ditador de Topsid soubesse disso, Al-
Khor estaria perdido. A sombra da desgraça cairia também
na cabeça do comandante-supremo do “mundo d’água”.
— Então, quer dizer que estou cometendo um erro? —
disse Wor-Lök com cara sinistra. — Talvez o senhor terá a
bondade de nos explicar melhor e dar suas razões.
Al-Khor respirou profundamente:
— Não lhes basta o simples fato de dois destes
saltadores terem mandado pelos ares toda a nossa estação,
depois de haverem fugido da cela fortemente trancada e
vigiada? Não pôde haver reação contra eles, pois possuem
um aparelho com que neutralizam a força da gravidade.
Suponho, além disso, que vão atacar o “mundo d’água”
com uma frota bélica jamais vista, aniquilando-nos nos
primeiros instantes, se formos tão orgulhosos de não
pedirmos auxílio de Topsid.
Houve agitação entre os tópsidas. As palavras de Al-
Khor pareciam conter muita coisa séria. Mas Wor-Lök não
se deixou levar:
— Quem é que lhe garante que haverá um ataque contra
nós?
— Ora, Wor-Lök, o senhor sabe, tão bem como eu, que
corremos perigo. E seu orgulho não nos deixa pedir auxílio.
O senhor quer se transformar em herói. Mas eu e a maioria
de meus colegas preferimos viver.
Um longo aplauso deu-lhe razão. Wor-Lök olhou em
volta, mas só viu caras fechadas para ele. Mesmo assim
perguntou:
— Os senhores são, portanto de opinião de que
devemos expor ao ditador toda a nossa fraqueza?
— Perfeitamente, porque esta fraqueza não é nossa
94
culpa. Estamos prestando ainda um favor ao império —
respondeu Al-Khor.
Realmente, não estavam prestando favor nenhum. Mas
Al-Khor não podia saber disso. Ninguém o sabia, nem
mesmo Rhodan.
— Prestando um favor?
Wor-Lök se levantou, olhou para a porta, onde estavam
postados dois guardas com os raios energéticos de mão.
— Sou de opinião contrária e acho que o senhor
fracassou. Agora quer arranjar um pretexto. Isto é
insubordinação e eu vou chamá-lo à responsabilidade.
Guardas, Al-Khor está preso. Levai-o para a prisão
submarina. Al-Khor, deponha as armas.
Por um segundo, Al-Khor parecia petrificado. Depois
veio vida para seu corpo. Mais do que depressa sacou da
arma e dirigiu-a contra o comandante-geral.
— Eu estou preso? E devo depor a arma? Isto é
completamente contra o bom senso. Estamos numa época
em que devemos nos unir se não quisermos desaparecer.
Wor-Lök confiava na sua autoridade em decidir sobre a
vida e a morte.
— Minha decisão não volta atrás. Guardas prendam Al-
Khor. A partir deste momento, ele está rebaixado de todas
as honras militares.
Al-Khor não podia mais hesitar. Com um único tiro
certeiro, prostrou seu adversário, que caiu como fulminado
por um raio. Depois, virou-se para os guardas, ordenando
que voltassem a seus lugares. No seu íntimo, havia um
vulcão de emoções, mas externamente estava sereno.
— Tópsidas, estamos agora sem chefe, mas é necessário
tomarmos decisões rápidas. Continuo com minha proposta
de nos colocarmos imediatamente em contato com Topsid e
expor ao ditador o que está se passando e o que vai
acontecer, se não recebermos reforço imediato. Está
iminente uma invasão dos saltadores. Eles julgam existir
neste planeta uma base de um adversário e pretendem
destruir o terceiro e o quarto planetas. Nós, porém,
queremos colonizar o “mundo d’água” e mais tarde
também o planeta das selvas, temos, portanto, o direito de
prioridade.
“Ainda não notamos nada de um inimigo neste sistema,
fora dos próprios saltadores. Peço, portanto, o
consentimento do conselho para que possa me comunicar
com Topsid.”
A pesada pistola ainda estava firme em sua mão, mas o
cano apontando para o chão. Talvez fosse a visão da
poderosa arma e o reconhecimento de que Al-Khor não
tinha compromissos com ninguém, como tinha comprovado
há pouco, que levou todos os presentes a concordarem
unanimemente. Um deles se levantou e disse:
— Estamos sem comando supremo. Proponho, pois, que
a partir deste momento, Al-Khor tome o cargo de Wor-Lök.
Outra vez, nenhuma voz discordante.
Al-Khor era assim o novo comandante do “mundo
d’água”. E começou a agir imediatamente. Virou-se para
um oficial:
— Providencie que o hipertransmissor faça logo contato
com Topsid. Estarei em poucos instantes na Central de
Rádio e falarei diretamente com o ditador. E os senhores —
olhou para os demais — dirijam-se imediatamente para
suas bases ou naves e aguardem ordens posteriores. O
“planeta das águas” está em estado de sítio. Alguém no
fundo perguntou:
— Que acontecerá com os prisioneiros que se
encontram na cela submarina?
Al-Khor sacudiu a cabeça:
— Ainda bem que você me lembrou. Temos que torná-
los incapazes de reagir, antes que fujam também.
— Talvez nos possam dar mais detalhes sobre a invasão
iminente...
— Não, não temos mais tempo. Além disso, já disseram
tudo que queríamos saber. São muito perigosos para
continuarem vivos. Providenciem execução sumária.
O tópsida do fundo concordou, mas ficou sentado, para
esperar o fim da conferência.
E exatamente isto não se deu.
* * *
Tifflor pensava constantemente naquilo que queria
transmitir a John Marshall. Não podia fazer mais do que
isto. Tinha, porém, esperança de que Marshall captasse seus
pensamentos.
McClears, sentado no canto, no chão de vidro, olhava
pensativo para o fundo do mar, tão próximo, que agora com
a luz do dia ele podia ver tão bem. Os estranhos peixes
haviam desaparecido imediatamente, quando foram
chamados. A fraca esperança do major estava acabando.
Não podiam mais esperar ajuda dos peixes inteligentes. De
quem então? Deringhouse e os mutantes estariam
certamente a caminho para libertá-los.
O principal era que os tópsidas acreditavam na invasão
dos saltadores, a qualquer momento, tomando todas as
providências para a defesa.
Valia a pena fazer um sacrifício para isto. Porém, não o
sacrifício da própria vida, assim pensava sinceramente
McClears. Era um homem honesto, amigo de Rhodan, mas
não um suicida. Somente os loucos é que são suicidas e
heróis que se autodestroem.
— Não dá para ver mais nada, Tifflor? Desde ontem à
tarde que eles não aparecem mais. Será que não se
interessam mais por nós?
— Não sabemos major, quais suas relações com os
tópsidas. Talvez receberam ordens de não aparecer mais
aqui.
— Para que, então, nos prenderam numa cabina de
vidro dentro do mar? Só para que os homens-peixes nos
ficassem contemplando?
— Não sabemos nada certo — dizia Tifflor. — O
melhor a fazer é esperar o que vai acontecer.
Era mais fácil falar do que praticar. Estavam parados ali
desde ontem. Não se ouviu mais nada depois disso,
ninguém pensara em trazer alguma coisa para comer ou
beber. Por muita sorte, McClears ainda achou no bolso uns
tabletes que ajudavam um pouco contra a fome e a sede
aguda.
Ouviram passos, de repente. Sentiram uma vibração e se
levantaram. Achavam que era melhor receber os sáurios de
pé. Quem sabe também era um aviso de subconsciente, que
os levou a isto.
Souberam no mesmo instante em que dois tópsidas
abriram a porta e penetraram na cela de vidro, o que lhes ia
acontecer. As armas apontadas contra eles e os olhares com
sinistra determinação traíam nitidamente suas intenções.
— Vão nos matar — sussurrou Tifflor, se concentrando
para pensar. — Socorro! Marshall, Gucky. Não temos mais
muito tempo. Posição: ilha de metal, diante do litoral, vinte
95
metros de profundidade. Obrigam-nos a deixar a cela.
Depressa.
Lá fora no corredor, estava claro. Do teto e das paredes,
penetrava luz muito clara, que ofuscava os homens. Os
tópsidas empurravam os prisioneiros para frente com os
canos das armas. Com os lábios bem apertados, McClears e
Tifflor caminhavam para um destino desconhecido.
O corredor fez uma grande curva e terminou numa porta
metálica. Uma roda dava a entender que se tratava de uma
comporta, de ar ou de água?
Um dos guardas girou a roda, a porta gingou devagar
para fora deixando ver um aposento vazio pela frente.
— Podem ir — disse o tópsida em intercosmo — bom
proveito!
McClears ficou parado. Tifflor continuou andando,
repetindo sem interrupção seus gritos mentais de socorro.
Descrevia a situação e esperava que os amigos não
demorassem muito em aparecer. Estava realmente na hora.
McClears não se movia. Cada segundo era precioso.
— Que está acontecendo conosco? — perguntou ele.
O focinho de lagarto se retorceu num sorriso sarcástico:
— Al-Khor, o novo comandante-geral, os condenou à
morte. Vocês não vão sofrer muito. A gente afoga
facilmente.
— Por que devemos morrer? Não dissemos tudo que era
importante para vocês?
— Não fomos nós que demos a sentença — explicou o
tópsida. — Mas eu acho que é justa, vocês causaram muito
estrago. Uma estação foi pelos ares, os outros prisioneiros
fugiram, um grande número de tópsidas foi assassinado.
Vocês merecem a morte. E agora, vamos.
McClears não desistiu.
— Será que nós temos que ser responsáveis pelos atos
dos outros saltadores? Não fomos nós quem ordenou a
invasão.
— Chega de falação, saltador. Vamos. Apontou a arma
para o major. McClears percebeu que não havia mais um
segundo. Virou-se e encaminhou-se para o local em que
Tifflor já o esperava.
— Se quiserem deixar a água entrar aqui — disse ele
baixinho, enquanto a porta pesada se fechava — terão que
abrir a comporta externa. Aí, nós mergulhamos.
— Tenho receio de que haverão de ficar esperando até
que tenhamos nos afogado. Não são tão ingênuos assim,
para não preverem esta hipótese. Podemos apenas prender a
respiração, nada mais. E naturalmente, esperar.
McClears nada respondeu.
Pelo lado do mar, surgiu no chão uma fenda estreita de
onde começou a entrar água na comporta. A fenda foi
aumentando depressa. Já atingia o peito deles.
— A fenda — disse Tifflor, assustado. — Se aumentar
um pouco mais, podemos passar por ela.
Mas a porta vertical estava parada e o nível da água
subia constantemente, atingindo já o pescoço.
— Respirar profundamente — disse McClears —
prender a respiração e procurar chegar até embaixo.
Felicidades, Tifflor, talvez nós tenhamos sorte.
Num borbulho repentino, o mar invadiu a comporta.
Cobriu tudo em fração de segundo. Os dois prisioneiros
seguravam o ar e foram para o fundo. Eles sentiram a
pressão da água, os ouvidos começaram a zumbir e a falta
de oxigênio lhes tolhia os movimentos. McClears tocou
com os dedos a margem superior da fenda, até que deu com
alguma coisa que se movia. Não fosse a água que o
envolvia, teria dado um grito. Mas um pouco do ar
acumulado no pulmão escapou, subindo em bolhas. Mais
um segundo e estaria tudo acabado.
* * *
Os aquas da vanguarda diminuíram a velocidade e
formaram de novo uma espécie de frota bem agrupada.
— Que está acontecendo? — perguntou André Noir,
através de uma imagem mental. Marshall e Gucky
receberam prontamente a resposta:
— A fortaleza d’água dos estranhos. Estamos chegando.
Têm portas especiais que levam daqui lá para dentro.
No mesmo segundo, chegaram os pedidos de socorro de
Tifflor. Gucky se orientou e transmitiu telepaticamente para
Marshall:
— A menos de dez metros de nós. Devo saltar?
— Não, espere. Quem sabe podemos ajudar, sem que os
tópsidas percebam.
Na frente deles, cintilavam, na eterna penumbra do mar,
as paredes da ilha artificial. Apoiavam-se em pilastras
redondas e terminavam a uns vinte metros do nível da água.
Uma fila de muitas fendas indicava a presença das
comportas. Dali em diante, os aquas penetrariam no
domínio dos tópsidas.
— Estão sendo procurados. Marshall fez um sinal com
seu capacete.
Era uma sensação esquisita cavalgar no lombo de um
peixe esguio.
— Orientação, Gucky.
O rato-castor, que em outras circunstâncias estaria se
divertindo muito, conduziu seu animal de sela para perto da
parede escura da ilha de metal. Parou diante de uma
comporta.
— Estão aqui, Tifflor já está na câmera.
Marshall já sabia disso há tempo. Sabia mais:
— Lá em cima, na plataforma, estão dois guardas
armados para o caso de McClears ou Tifflor emergirem...
Noir era um sugestor, naturalmente também um telepata
fraco. Podia compreender bem os impulsos de Marshall e
de Gucky e estava sendo bem informado, transmitindo logo
as instruções aos aquas. Os homens-peixes, sem peso nas
costas, começaram a fazer suas piruetas, como era de
costume. Atiravam-se como setas, de um canto para o
outro, revolvendo toda a superfície do mar, pulando metros
para cima no ar ensolarado e caindo com estrépito em seu
elemento natural.
Os tópsidas abaixaram as armas. Era um espetáculo com
que já estavam acostumados.
— Agora a água está penetrando — pensava Tifflor
para Gucky.
Depois de alguns instantes o rato-castor transmitiu:
— A fenda é estreita demais para McClears e Tifflor
passarem.
Marshall respondeu:
— Gucky, abrir.
O rato-castor se aproximou mais da parede e se
concentrou. Lentamente a parte inferior da comporta foi se
levantando. É claro que a água penetrou imediatamente na
câmera de trás, mas a fenda estava agora bem maior, dando
passagem fácil para os dois homens. Provavelmente
haveriam de compreender o que estava acontecendo. E
compreenderam mesmo.
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Gucky fez seu aqua abaixar um pouco mais e meteu a
mão na fenda. Sentiu logo um braço que apalpava e o
puxou para fora. Era McClears. O major tinha os olhos
meio abertos mas parecia não ver nada. Uma grande bolha
de ar saiu de sua boca e subiu rápida para a superfície.
— Depressa, Marshall! Ele pode aguentar ainda dez
segundos. Leve-o bem para frente e depois para cima.
Marshall pegou McClears que não reagia, nem percebia
o que estava acontecendo. Noir retransmitiu a ordem aos
aquas. Marshall teve dificuldade em segurar o corpo de
McClears, de tão forte que era a velocidade com que os
aquas disparavam através do mar.
Gucky não hesitou mais um segundo. Atravessou a
estreita fenda, penetrando na comporta e viu imediatamente
o pobre Tifflor que tinha desistido de fugir e já estava
boiando de encontro ao teto, onde não havia mais um
centímetro cúbico de ar. Gucky deu um pulo e pegou o pé
de Tifflor. O peso do uniforme o fez descer um pouco. O
mais rápido possível, comprimiu Tifflor contra a fenda,
saindo para o mar, onde o aqua que servia a Gucky já
estava esperando. O homem-peixe pegou o corpo do
tenente e saiu em disparada, sem se preocupar com Gucky.
Este, depois de hesitar um pouco, retornou para dentro da
comporta.
Os dois tópsidas que haviam enclausurado McClears e
Tifflor no pequeno dique, ainda estavam diante da porta,
conversando. Depois de dez minutos, a comporta externa
devia ser fechada e esvaziada. Portanto ainda sobrava
tempo. Não perceberam que a roda de regulagem estava
girando, por mãos invisíveis. De repente a porta abriu.
Entrou uma golfada enorme de água que, envolvendo os
dois guardas distraídos, os arrastou.
Gucky abriu também a porta externa, de forma que, em
poucos instantes, toda a parte inferior da estação estava
submersa. Os sáurios que ali se encontravam morreram
afogados. Alguns, que conseguiram escapar, levaram a
trágica notícia para os oficiais que estavam reunidos no
andar superior em importante conselho de guerra.
A água subiu até a altura da plataforma e assim a ilha
metálica não podia mais servir de base de operação.
Gucky passou de novo pela fenda, atingiu o mar, e
tentou sair dali o mais rápido possível, pois o local, em
volta da ilha, se tornava agora perigoso.
Gucky captou os impulsos de Marshall, que estava a
duzentos metros e já havia alcançado a superfície com
McClears. Os tópsidas na plataforma estavam agora
demasiadamente ocupados para se preocuparem com coisas
que estavam acontecendo no mar. A ilha não iria,
propriamente, cair, mas três quartos dela estavam
inundados.
Gucky poderia se utilizar de seus dons telecinéticos,
mas estava adorando nadar debaixo d’água. McClears e
Tifflor já estavam fora de perigo, como lhe dizia
nitidamente a mensagem telepática de Marshall. Os aquas
estavam fazendo tudo para que os dois resgatados do
castelo de vidro saíssem o mais depressa possível da zona
perigosa.
O rato-castor se divertia mergulhando bem fundo, junto
das plantas marinhas. Deu de cara com um enorme peixe
que ao vê-lo disparou assustado.
E assim foi que ele chegou duas horas mais tarde que os
outros para o lugar onde estava a Gazela. Havia tomado o
seu muito desejado banho de mar, mas não se havia
molhado.
6
Perry Rhodan estava conversando com Crest e Thora
sobre a possibilidade de uma colonização interestelar,
quando um zunido muito agudo se fez ouvir. Assustou-se
um pouco, apertou depois o botão de seu aparelho receptor
de pulso.
— Aqui fala Rhodan. O que há?
— Mensagem urgente do sistema Beta senhor. Quer que
eu a receba?
— Comunique-se com Reginald Bell e espere. Vou
atender.
Crest e Thora viram-no sair correndo do local, antes que
lhe pudessem fazer uma pergunta. Levantaram-se para
acompanhá-lo, pois estavam muito interessados em saber o
que acontecera a 272 anos-luz da Terra.
O elevador levou Rhodan em cinco minutos à central de
radiocomunicação. O operador-chefe Eilman fez posição de
sentido e anunciou:
— Major Deringhouse, Centauro, sistema Beta,
solicitou transmissão especial. Distância duzentos e setenta
e dois anos-luz.
— Meu querido Eilman — disse Rhodan — você é o
homem das notícias. Só não compreendo bem por que
repete tanto coisas já conhecidas. De qualquer maneira é
melhor do que inventar novas. Que há com Deringhouse?
— Apresenta-se exatamente dentro de trinta segundos.
Rhodan sorriu e tomou lugar à mesa de controle. Neste
instante, Bell entra porta a dentro, cumprimentou Eilman
com um aceno de mão e sentou-se ao lado de Rhodan.
— Agora, estou realmente ansioso.
— Não é por menos — respondeu Rhodan. — Onde
estará o sujeito?
— Vou lhe puxar os pelos — prometeu Bell, com o que
se tornou claro que falavam do Gucky, cuja ausência lhes
era um problema desde a partida dos dois cruzadores
pesados.
— Espere — recomendou Rhodan tranquilo.
Acendeu uma lâmpada verde à sua frente, ouvindo
então uma voz desfigurada no alto-falante:
— Aqui fala Deringhouse. Estou chamando Terrânia.
Do outro lado, estava Rhodan:
— Como é bom ouvir sua voz, Deringhouse. Antes de
você começar a falar, diga-me uma coisa: você viu Gucky
por algum lugar?
Pequeno intervalo, depois veio a resposta de
Deringhouse:
— Gucky está conosco, senhor.
— Está bem. Dê então as notícias. Os saltadores já se
manifestaram?
— Como posso entender a pergunta, senhor? Nós somos
os “saltadores”. Ao menos para os tópsidas. Além disso, os
verdadeiros...
— Um momento, Deringhouse, você falou tópsidas?
O major começou seu relato. Rhodan e Bell ouviam
compenetrados, sem interrompê-lo uma vez sequer. No fim,
resumiu seu ponto de vista:
— Este foi o plano que cada um de nós dois elaborou
separadamente, sem combinação prévia. Eu presumo que o
senhor concorde com nosso ponto de vista. Naturalmente
97
que seria muito simples destruir as bases dos tópsidas e
suas naves com o auxílio da Centauro e da Terra, mas não
lucraríamos muito com isto. Assim temos a possibilidade
de matar dois coelhos com uma só cajadada. Merece
atenção especial o fato de que o comandante-geral dos
tópsidas, um tal Al-Khor, há poucas horas atrás enviou uma
mensagem de socorro para Topsid. Pede auxílio ao ditador
e soberano do Reino Estelar dos Tópsidas, para salvar o
sistema Beta do iminente ataque dos saltadores. Este
ditador está revoltado contra o pretendido ataque dos
saltadores e prometeu a Al-Khor de lhe enviar uma
poderosa frota de guerra. Estamos esperando por ela.
Rhodan olhou para Bell, que fitava meio desconcertado
o alto-falante, como se esperasse do aparelho uma sugestão.
— Excelente, Deringhouse — continuou Rhodan. — Se
seu plano funcionar, e eu aposto que vai funcionar,
atingiremos nosso objetivo inicial, sem movermos uma
palha. Os saltadores, que atacarem, haverão de ver nas
espaçonaves dos terríveis e corajosos tópsidas as naves da
Terra ou de seus aliados. Mas os tópsidas têm plena razão
quando consideram os saltadores como saltadores mesmo,
apenas desconhecem a razão do seu ataque. Temos, porém,
que evitar que não haja nenhuma relação mais clara entre os
dois adversários. Infelizmente não recebi ainda nenhuma
notícia sobre Talamon, o superpesado com quem temos
amizade. Não sei se vai tomar parte no ataque.
— Quais são suas ordens, senhor? — perguntou
Deringhouse.
Rhodan começou a sorrir.
— Deve esperar Deringhouse, o melhor é vocês se
retirarem para o terceiro planeta e agir como se ele fosse a
Terra. Quem sabe vocês conseguem até atrair para lá os
tópsidas. Assim este planeta terá maior semelhança com a
Terra.
— Entendido, senhor. Ligarei novamente quando as
coisas se desenrolarem mais.
— Aparecerei logo por aí — prometeu Rhodan — para
recebermos com alegria nossos amigos. — Desta vez, os
tópsidas são nossos aliados. É pena que não saibam nada
disto. Antes de desligar, uma pergunta, Deringhouse: você
deu ordem de prisão individual para o violador da
disciplina, Gucky?
Deringhouse titubeou um pouco, depois falou:
— Sinto muito, senhor, mas nós precisamos muito da
ação do rato-castor. Se quiser ser sincero, sem Gucky não
teríamos conseguido nada. Posso fazer uma observação?
— Claro que sim — disse Rhodan, continuando a sorrir
mais ainda.
Bell acrescentou:
— Estou curioso.
Podia-se ouvir a respiração de Deringhouse.
— Não se deve olhar para o caso de Gucky assim. Foi
simples zelo pelo dever, mas não um desrespeito ao
regulamento por motivos inferiores. É claro que chamei sua
atenção para o erro. Mas depois se comportou
maravilhosamente, chegando mesmo a salvar a vida de
McClears e de Tifflor. Ninguém fora dele, poderia fazer
isto. Portanto, acho que se devia...
— Certo, Deringhouse, diga a Gucky que ele está
perdoado. No próximo semestre, porém, não receberá
cenoura. Quer dizer mais alguma coisa, Deringhouse?
— Senhor, eu acho que isto não causará transtorno a
Gucky.
— Acho que sim. Ele gosta muito de cenoura e vai
sentir muita falta.
— Não sei, tenho que confessar que perdi uma aposta...
Bell começou a dar gargalhada. Estava bem por dentro
destas apostas. Já tinham custado a muita gente uma boa
soma de dinheiro em cenouras e rabanetes... e pontas de
dedo paralisadas de tanto coçar pelo de animal.
— Está certo — ria também Rhodan. — Que ele coma
bastante, mas não deixe comer demais e estragar o
estômago, pois precisamos muito dele contra os tópsidas e
contra os saltadores. Até logo mais, Deringhouse,
saudações a todos os homens e a Gucky. Fim.
Do depósito de víveres da Centauro, os robôs levaram
caixas e mais caixas de cenoura para a cabina de Gucky,
onde o rato-castor estava sentado no sofá como um
verdadeiro paxá, enquanto o major Deringhouse cumpria
sua primeira hora de “coçagem”.
Quem fizesse aposta com Gucky teria sempre cem por
cento de certeza de que ia perder.
A surpreendente descoberta de que os tópsidas, velhos inimigos da Humanidade, tinham
pontos de apoio no sistema Beta, foi incluída estrategicamente na gigantesca manobra de
camuflagem de Perry Rhodan.
Será que os tópsidas continuarão o jogo, depois que as frotas dos saltadores e dos aras
aparecerem?
E Topthor, que já viu com os próprios olhos o sol da Terra! Será que ele não vai
reconhecer, assim que vir o enorme sol Beta, que a positrônica o levou a um alvo errado?
Em A Morte da Terra, Topthor é a figura central de mais uma aventura de Perry Rhodan.
98
Nº 49
De
K. H. Scheer
Tradução Richard Paul Neto Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes
Os saltadores planejaram a destruição da Terra. Essa destruição é também do
interesse de Rhodan. Naturalmente não a destruição da verdadeira Terra, o planeta
pátrio da Humanidade. Mas, sim, o terceiro planeta desabitado do sistema Beta.
A programação alterada da positrônica de bordo da nave de Topthor levou os
saltadores à falsa Terra...
E o espetáculo da destruição da Titan deve ser assistido por todos os seres
inteligentes da Galáxia, para convencê-los realmente que a Terra e Rhodan não
existem mais...
99
1
Fora da relação tempo-espaço, definida por Einstein,
todas as leis da natureza que conhecemos perdem a
validade no hiperespaço. A noção de tempo desaparece e as
distâncias infinitas se reduzem a um ridículo nada.
No infinito do Universo, decorrera apenas fração de um
segundo, quando Perry Rhodan deu um salto de dez mil
anos-luz com a sua poderosa esfera espacial Titan, para o
interior da Via Láctea.
Num piscar de olho, o Sol se reduziu a uma minúscula
estrela, que apenas os mais sensíveis telescópios eletrônicos
eram capazes de perceber, no emaranhado imenso de
corpos celestes. Mesmo o sol Beta, o olho gigantesco
vermelho, parecia quase apagado. Já estava a 9.728 anos-
luz da Titan, na direção da Terra.
Diante da supernave, porém, jazia o espaço infinito,
com seus sistemas habitados e desabitados... e com seus
perigos.
Perry Rhodan estava sentado
em frente à tela panorâmica que
lhe proporcionava uma visão
simultânea de todo o espaço. A
seu lado, Reginald Bell, seu
melhor amigo e companheiro,
passava a mão na nuca para
minorar a dor da transição.
Depois ajeitou as cerdas eriçadas
de sua cabeleira vermelha e
esfregou os olhos para ver
melhor. A Titan avançava para
dentro do emaranhado de
estrelas, porém, agora quase que
se “arrastando” a uma
velocidade que mal atingia 0,9
da velocidade da luz. Nesta
aceleração, levariam anos para
atingir a próxima estrela.
— Espero que os
interessados tenham ouvido o
estrondo durante a
rematerialização, Bell — disse
Rhodan, acenando na direção da
porta da central de rádio. —
Saberemos em breve.
“Por toda parte, nas Galáxias, existem rastreadores
estruturais, que registram qualquer transição no
hiperespaço. Nós não nos utilizamos do compensador
estrutural durante o salto, portanto devem ter ouvido o
estrondo no mesmo instante, mesmo na distância de dez mil
anos-luz”.
“Agora é que começa o quebra-cabeça das conjeturas,
meu amigo. Os comerciantes das Galáxias pensarão que
somos os terranos, no que, aliás, estão certos. Permita Deus
que os tópsidas, de acordo com os planos, também nos
considerem comerciantes das Galáxias.”
— Vamos reforçar um pouco a opinião deles —
prometeu Bell, que era baixo e meio pesadão. Mas Bell,
realmente, não tinha nada de pesadão e isto valia também
não só no sentido físico. — Os sáurios de Topsid têm de
supor que nós somos saltadores, pois acreditam que viemos
do lado oposto. Com os saltadores é diferente, eles vêm das
profundezas da Via Láctea e acreditam que nossa Terra
esteja no sistema do sol Beta, onde os tópsidas tentam se
estabelecer. Já que os saltadores tencionam destruir a Terra,
os habitantes do sistema Beta vão intervir e atacá-los.
Haverá então uma guerra, a que vamos assistir de camarote,
se quisermos atingir nosso grande objetivo.
Maravilhosamente engendrado, não é?
— Sim, por Deringhouse e McClears, com os quais,
finalmente, temos que manter contato. Onde estarão agora
os dois cruzadores?
Bell Interpretou a pergunta como uma ordem indireta e
se levantou.
— Está bem, vou me informar a respeito. Rádio
cifrado?
— Naturalmente — confirmou Rhodan, e continuou
olhando para o painel panorâmico, embora não houvesse
nada para ver, de maior interesse. — Determinar a posição
e pedir um relatório da situação. Eu irei pessoalmente falar
com Deringhouse. Nada, de imagens, para os
telespectadores clandestinos não pegarem nada. É bom que
a Terra permaneça um pouco no
esquecimento.
— Em compensação, metade
do Universo se movimenta por
causa dela — disse Bell sorrindo,
enquanto atravessava a cabina
semiesférica para entrar na sala
de rádio, que ficava ao lado. —
Alô, Martin, dormiu bem?
O cadete Martin fez um gesto
que sim, sem se virar, estava
sentado diante dos aparelhos,
observando o resultado de alguns
números em escalas coloridas.
Uma tela oval apresentava
reflexos cintilantes que
percorriam a tela convexa,
aparentemente sem sentido. Não
se compreendia nada, naquela
confusão de sinais. De um alto-
falante, ouviam-se estalos.
— Salto bem sucedido,
senhor. Nenhum sinal de rádio
até agora, que se refira a nós.
— Envie uma mensagem por
hiper-rádio a Deringhouse, na
direção de Beta. Em código cifrado sistema H-V trinta e
três, positronicamente. Major Deringhouse deve dar sua
posição e se preparar para fazer um relatório. O chefe quer
falar diretamente com ele. Avise, assim que conseguir
contatá-lo.
— Certo, senhor, tudo será feito.
Bell ainda ficou olhando por uns instantes como o
operador-chefe ligou a instalação, registrou a mensagem no
aparelho de decodificação e depois a gravou em fita
magnética que começou a retransmiti-la. O texto seria
repetido tantas vezes até que viesse resposta na mesma
frequência. Isto poderia levar horas ou apenas minutos.
— A mensagem está correndo — disse Bell a Rhodan,
voltando à sua poltrona de primeiro oficial. — Tomara que
nenhum saltador nos localize.
— Isso é um pouco difícil — sorriu Rhodan. — Sob
certas condições, pode-se determinar a direção das
transmissões por hiper-rádio, mas nunca o seu
Personagens principais deste episódio: Perry Rhodan — Administrador da Terra e
comandante da Titan.
Major Deringhouse — Intrépido comandante do
cruzador Centauro.
Al-Khor — Comandante supremo das forças
tópsidas no sistema Beta.
Ber-Ka — Corajoso e pretensioso oficial tópsida que
derrubou a nave de Topthor.
Cekztel — Quer destruir a Terra, mas confunde-a
com um planeta de Beta.
Topthor — O grande idealizador da guerra de
destruição da Terra.
Gucky — Com três poderes parapsicológicos é uma
peça indispensável da vitória.
100
distanciamento. Terão que procurar muito até nos
encontrar. Está mais otimista, Bell?
O gorducho murmurou algo ininteligível e passou a se
dedicar com afinco à observação do Universo, como se
nunca tivesse visto uma estrela em sua vida.
Na realidade, tinha visto muito mais estrelas do que
muitos outros homens. Mas Bell pensava sempre em moças
bonitas.
* * *
O cruzador pesado Centauro, uma esfera de duzentos
metros de diâmetro, estava relativamente imóvel no espaço,
aguardando. Bem perto dele, a menos de dois quilômetros,
flutuava a nave gêmea Terra, cujo comandante era o major
McClears.
A bordo da Centauro estavam, além do telepata John
Marshall, nove outros mutantes, sem incluir Gucky, o rato-
castor. A separação de seu amigo do peito, Bell, estava lhe
fazendo muito bem, pelo menos estava deixando de
aprender outras expressões um tanto fortes e tinha que se
contentar com as que já sabia.
Deringhouse tinha dormido algumas horas, e naquele
exato momento estava chegando à cabina de comando, para
substituir seu lugar-tenente capitão La manche.
— Alguma novidade, capitão?
O francês balançou a cabeça.
— Nada, senhor. A distância do sol Beta continua ainda
a de trinta anos-luz. O rastreador estrutural constatou um
grande número de transições nas imediações do sistema
Beta. Os tópsidas estão recebendo realmente o prometido
reforço.
Deringhouse ouvia cansado.
— Está bem, La manche, substitua-me daqui a cinco
horas.
Cinco horas... Deringhouse não foi diretamente para sua
poltrona, mas ficou andando de um lado para o outro na
espaçosa cabina da Centauro. Quanta coisa havia
acontecido nos últimos dias...
O plano de Rhodan de enganar os poderosos inimigos
da Terra estava se tornando cada vez mais concreto. Os
saltadores, unidos a Topthor, tinham em mãos um trunfo
insuperável. O superpesado Topthor sabia onde estava a
Terra. Pelo menos julgava que sabia. O que realmente não
sabia era que os mutantes de Rhodan, já há muito tempo,
haviam alterado os dados no computador de bordo da Top
II, onde estavam armazenados todos os detalhes sobre a
posição da Terra. Quando fosse consultado, o cérebro
eletrônico diria hoje que a Terra é o terceiro planeta do
sistema Beta.
Conforme o plano de Rhodan, os saltadores haveriam de
atacar este terceiro planeta de Beta e destruí-lo, na crença
de que se tratava da Terra.
Com isto estava ganhando tempo para fortalecer o
sistema de defesa da Terra e para se preparar para um
segundo encontro com o cérebro robotizado de Árcon. É
claro que após a destruição da “Terra”, tinha-se de dar a
impressão de que não existiam mais os terranos de Perry
Rhodan.
Deringhouse tinha nos lábios um leve sorriso. Um plano
ousado e prudente que, quando bem sucedido, resolveria
muitos problemas de uma só vez.
O terceiro planeta do sol Beta era um mundo de
florestas virgens inabitado, que seria sacrificado para salvar
a Humanidade. O quarto planeta, porém, o “mundo
d’água”, chamado Aqua, foi uma verdadeira surpresa. No
único continente, que nadava num mar imenso, como uma
pequena ilha, os tópsidas haviam estabelecido uma base. Os
tópsidas ou sáurios possuíam a 815 anos-luz da Terra um
reino estelar, dominado por um ditador. Eram velhos
inimigos de Rhodan. E agora surgiam de repente tão pertos
da “Terra” de novo. Num plano feito na última hora,
Deringhouse e os seus se faziam passar por saltadores e
acabaram revelando aos tópsidas que a força de combate
dos superpesados, uma tropa de assalto de elite dos
saltadores, estava a caminho para destruir a base dos
tópsidas. Outras unidades dos saltadores e dos aras
participariam também do assalto.
A reação foi como se esperava. Os sáurios exigiram
reforços para poderem se defender do assalto. Deringhouse
fugiu e estava a trinta anos-luz de distância, esperando o
sucesso de sua artimanha.
Um zunido muito agudo chegou a seus ouvidos, vindo
da cabina de rádio ao lado. Tenente Fischer estava de
serviço.
O zumbido estridente significava hiper-rádio.
— Rhodan?
Com um pulo, Deringhouse atravessou a cabina de
controle e empurrou a porta da cabina de rádio.
Fischer regulou o volume e procurou o manual dos
códigos. Ligou o aparelho de decodificação e, no mesmo
instante, os sons quase inarticulados se tornaram
compreensíveis:
— ...tauro. Repetindo: Titan para Centauro. Indique
posição, major Deringhouse. O chefe aguarda relatório
completo. Repito mensagem toda: Aqui Titan, posição dez
mil anos-luz da Terra, direção Árcon. Titan para Centauro...
— Apresente-se, Fischer — ordenou Deringhouse —
talvez já estão chamando por nós há mais tempo. Ou você
recebeu o chamado neste instante?
— Não tenho a menor ideia de quando começou o sinal,
senhor.
Demorou mais dois minutos até que a voz de Rhodan se
fez ouvir no alto-falante. Para a cobertura de uma distância
quase inimaginável, ela levou menos de um milésimo de
segundo.
— Aqui fala Rhodan. Estou a nove mil setecentos e
vinte oito anos-luz de vocês, Deringhouse. Transições
contínuas anunciam a concentração da frota dos saltadores.
O número exato não é possível saber. E o que está se
passando por aí?
— As últimas mensagens dos tópsidas puderam ser
decifradas. O ditador de Topsid prometeu enviar para a
base de Aqua uma poderosa esquadrilha militar. Conforme
meus cálculos chegam a uns quinhentos aparelhos, e já
estão a caminho.
— Os saltadores também devem trazer um número mais
ou menos aproximado. A destruição intencionada por nós
do pseudoplaneta Terra se dará, pois, sob tais circunstâncias
dramáticas. Quando os tópsidas e os saltadores se
digladiarem, não sobrará muita coisa. Temos que fazer tudo
para que não cheguem a explicações verbais. Os saltadores
têm de considerar os tópsidas como terranos ou seus
aliados, enquanto que os tópsidas têm de ver nos saltadores
seus inimigos figadais. Se nós aparecermos uma vez ou
outra e permitirmos que eles nos vejam um pouco, a ilusão
será completa. Mais alguma coisa, Deringhouse? Tudo
101
claro?
— Apenas uma pergunta, senhor.
— Pois não, Deringhouse.
— O senhor vai ficar por aí ou vem nos dar um pouco
de apoio? E ainda mais: Quando devemos voltar para o
terceiro planeta?
A resposta de Rhodan não se fez esperar.
— Vamos agir juntos. Você receberá a ordem de atacar
no mesmo segundo em que a Titan saltar para o terceiro
planeta. Será no momento em que os saltadores caírem em
cima dos tópsidas.
— Será que três espaçonaves apenas bastam para
enganar os dois lados?
— Acho que sim, se não ficarmos sempre no mesmo
lugar. Até logo mais, Deringhouse.
O major olhou para a tela, onde, em condições normais,
a imagem de Rhodan teria aparecido. Voltou depois para a
cabina de comando e ficou refletindo.
“Tomara que os cálculos de Rhodan deem certo. Do
contrário...”
* * *
O segundo parceiro do jogo de xadrez galático era Al-
Khor, o comandante geral dos tópsidas nos planetas do
sistema Beta. Depois de haver eliminado seu inimigo Wor-
Lök, e ter entrado em ligação com Topsid, muita coisa se
havia alterado. A base dos tópsidas no quarto planeta, até
então muito fraca, foi imediatamente reforçada para não ser
derrotada em caso de um ataque. Sem suspeitar de nada,
Al-Khor veio de encontro aos planos de Rhodan. Além
disso, quis o acaso que Al-Khor, através de suas
providências, confirmasse os dados falsos dos saltadores de
que no planeta das matas virgens é que estava a Terra. Al-
Khor transferiu para o terceiro planeta todo o poderio
militar dos tópsidas.
A cada momento chegavam novos reforços da
longínqua pátria dos tópsidas, a mais de quinhentos anos-
luz do sistema Beta. Deringhouse conseguiu registrar as
transições, já estavam acima de quatrocentas.
No planalto, situado acima das matas virgens, os raios
energéticos escavavam enormes cavernas nos rochedos. O
planeta, até então desabitado, virou de uma hora para outra
uma verdadeira fortaleza. Naves de patrulhamento dos
sáurios cruzavam em direções predeterminadas todo o
planeta, fazendo tudo para evitar um ataque de surpresa dos
saltadores. Outras unidades estavam escondidas nas partes
rasas do mar, esperando pela ordem de entrar em ação.
Os tópsidas estavam bem armados para repelir a cobiça
dos saltadores, cujos motivos, porém, não estavam bem
claros desta vez. Se soubessem por que motivos os
saltadores estavam atacando o terceiro planeta, ou se
chegassem a perceber que os saltadores julgavam que se
tratava da Terra, seu procedimento mudaria, e tudo estaria
perdido.
Al-Khor estava a bordo de um dos últimos aparelhos
que haviam deixado Aqua, o planeta das águas. Quando o
mundo azul desapareceu atrás dele, acenou contente para o
comandante do cruzador.
— Os saltadores jamais chegarão à ideia de que nós
estamos mais interessados no quarto planeta do que no
terceiro. E também não terão possibilidade de corrigir o
erro. O ditador me comunicou a pouco, que, exatamente no
momento em que nós estivermos no apogeu do ataque,
mandará uma outra frota de duzentos cruzadores pesados.
Tenho a impressão de que nenhuma espaçonave dos
saltadores escapará da destruição.
— Uma jogada genial — disse o comandante do
cruzador tópsida elogiando. — Seu nome, Al-Khor, ficará
nas páginas da história dos tópsidas.
Al-Khor concordou feliz. Já estava se vendo, em traje
de gala, na parada da vitória, ao lado do ditador que o
condecoraria como herói do Reino das Estrelas.
O cruzador chegou ao terceiro planeta e Al-Khor se
dirigiu ao quartel-general, uma caverna escavada num
morro, nas proximidades do equador. A estação de hiper-
rádio já estava em funcionamento. Em menos de dois
minutos, Al-Khor conseguiu ligação com Topsid. Exigindo
um relato completo da situação, o comandante local das
forças armadas apresentou-se. Depois prometeu
solenemente:
— Pode ficar tranquilo, Al-Khor, os saltadores terão a
maior derrota de sua longa história. O ditador está muito
contente com as providências que você tomou. Envie a
senha, assim que os saltadores atacarem e faça com que
estejamos sempre a par do desenrolar dos acontecimentos.
— Haveremos de vencer! — exclamou Al-Khor
pateticamente.
Houve um momento de silêncio e depois veio a
resposta:
— Temos de vencer, Al-Khor.
* * *
O terceiro parceiro da partida chamava-se Cekztel, o
mais velho patriarca dos superpesados, que mantinha em
suas mãos o comando geral de todas as forças armadas dos
saltadores. Sua figura maciça — pesava mais de seiscentos
e cinquenta quilos — estava sentada numa poltrona especial
diante dos controles da espaçonave, de onde iria dirigir a
estratégia geral. A estratégia que significava a destruição
total de um planeta chamado Terra.
Cekztel era, propriamente, o órgão executivo do
empreendimento, pois o iniciador de tudo chamava-se
Topthor. E por isso, vamos nos ocupar mais dele, pois foi
ele quem um dia descobriu a Terra e registrou no
computador de bordo, com muito cuidado, sua localização.
Como Perry Rhodan se tornava cada vez mais importante,
e, portanto, mais perigoso, o valor deste registro positrônico
era incalculável. Topthor acabou revelando este segredo aos
saltadores, pois estava em jogo sua própria segurança.
Resolveram, então, unidos, acabar com Rhodan, de uma
vez por todas. Seu planeta pátrio teria que ser destruído. A
chave para isto estava com Topthor.
Mas a chave não prestava mais, pois há muito, os
mutantes de Perry Rhodan haviam alterado os dados do
computador de Topthor. A “Terra” agora girava em torno
do sol Beta.
Quanto mais longe, melhor.
O corpanzil de Topthor repousava numa poltrona larga.
Os superpesados tinham vivido por muito tempo num
planeta de elevada gravitação, mas apesar de seu enorme
corpo, eram relativamente ágeis.
— Alô, Regol! Você está cochilando aí no seu posto?
— Cabina de rádio na escuta, Topthor. Não foi possível
ainda fazer a ligação com Talamon.
102
— Não temos nenhuma frequência secreta?
— Talamon não responde nem mesmo por ela.
Topthor, com um soco da mão direita fechada, fez
funcionar outro botão, interrompendo a ligação com a sala
de rádio. Durante uns dois minutos, ele ficou praguejando
sozinho, antes de ligar o intercomunicador.
— Gatzek deve vir falar comigo, imediatamente.
Gatzek era o segundo oficial da nave Top II, homem de
confiança de Topthor. Os dois superpesados já tinham feito
muitas campanhas juntos e travado muitas batalhas, por
bom dinheiro dos ricos comerciantes das Galáxias. Desta
vez, porém, não se tratava de dinheiro, tratava-se de riscar
do mapa um adversário que se tornara poderoso demais.
Por que Talamon não se manifestou?
Gatzek era relativamente magro, pesava tão somente...
uns quinhentos quilos.
— Qual é a novidade, Top? Ataque?
— Ainda não — murmurou Topthor mal-humorado. —
Cekztel está levando muito tempo. Enquanto isto ocorre um
número muito grande de transições lá por perto da Terra.
Isso me preocupa. Parece que Rhodan foi avisado de
alguma coisa.
Por uns instantes, Gatzek parecia assustado, mas de
repente um sorriso sarcástico inundou seu rosto.
— Quem é que o poderia ter avisado?
Topthor não prosseguiu com suas ideias.
— Não consegui ainda me comunicar com Talamon.
Onde estará o nosso amigo Talamon...?
Era o único saltador que havia feito amizade com
Rhodan, porque este lhe poupara a vida, quando duzentas
naves dos superpesados entraram num beco sem saída.
Além disso, Talamon era devedor de gratidão a Rhodan,
pelo melhor negócio que fizera em sua vida.
Naturalmente, ninguém conhecia estes detalhes, mas
Topthor tinha suas suspeitas e sabia muito bem ler entre as
linhas. Sua última conversa com Talamon o deixou muito
preocupado.
— Ele vai tomar parte no ataque à Terra? — perguntou
Gatzek.
— Quem dos superpesados que não vai tomar parte, ao
menos com uma nave, que seja? — foi a contrapergunta de
Topthor. — Nossa frota de assalto já conta com mais de
oitocentas unidades, mas de Talamon não há nem um
aparelho de pequeno porte. Você tem uma explicação
razoável para isto?
Gatzek sacudiu os poderosos ombros:
— Será que ele está com medo?
Topthor se irritou um pouco com esta hipótese
descabida.
— Medo? Talamon ter medo? Receio que tenha outro
motivo: simpatiza muito com Rhodan.
— Com um terrano que está mais morto do que vivo?
— disse Gatzek sinceramente admirado. Depois deu uma
sonora gargalhada. — Por que nos preocupamos com
Talamon? Se não quiser vir, que fique em casa. Mesmo
sozinhos, somos capazes de liquidar este Rhodan. Não pode
fazer nada contra oitocentas naves poderosíssimas.
No fundo, ele tinha razão, mas felizmente não sabia de
que maneira ele estava acertando.
— Talamon é meu amigo — disse Topthor — e eu não
gostaria que um amigo seguisse caminhos errados, que
acabariam sendo sua ruína. Temos de chamá-lo a atenção.
— E como você vai conseguir isto, se ele não dá sinal
de vida?
Topthor não sabia o que responder. Não tinha também
mais oportunidade de se preocupar com isto, pois neste
momento ouviu-se o estalo característico do alto-falante do
intercomunicador e logo depois soou a voz objetiva de
Regol:
— Acabam de chegar as coordenadas para o salto e o
horário. O ataque à Terra será desfechado exatamente
dentro de trinta minutos.
É claro que ele não usou a palavra minuto, mas
convertido daria mais ou menos o equivalente. Topthor
esqueceu num instante o caso de Talamon. Fazendo um
sinal para seu homem de confiança, Gatzek, perguntou:
— Para onde é que nos leva o salto?
— Para o centro do sistema dos terranos. Uma nave de
patrulhamento colheu informações. Chegaremos a menos
de dois minutos-luz da Terra no superespaço.
— A rapaziada vai arregalar os olhos — continuou
Topthor, pois o superpesado já estivera uma vez na Terra.
Mas, naquela vez, Rhodan o enganara. De qualquer
maneira, Rhodan lhe poupara a vida. Mas Topthor não era
homem para se mostrar grato por uma coisa desta. —
Porém desta feita, vamos acabar com Rhodan.
— Esperamos que sim — observou Gatzek, e já não
parecia tão seguro.
Mas Topthor atribuía seu mau humor a outro motivo:
Talamon. Sabia que seu amigo era um homem muito
perspicaz, que jamais teria tomado uma atitude como esta
sem motivos de grande peso. Se não estava tomando parte
neste ataque, era porque estava duvidando de antemão do
resultado da ação. Por quê? Conhecia ele tão bem assim a
capacidade de Rhodan, para acreditar na vitória dos
terranos? Ou seria sentimento de gratidão que o impedia de
atacar Perry, por lhe haver poupado a vida, há tempos
atrás?
Um saltador superpesado, mas... sentimental...?
Topthor deu uma risada forçada e se dirigiu à sala de
rádio.
— Então, Regol, que é que há com Talamon?
— Os sinais de chamada continuam sem resposta,
Topthor. Seu amigo não aparece e ninguém sabe onde está.
Topthor ficou calado, virou-se bruscamente na direção
da cabina de controle. Deixou-se cair pesadamente na
poltrona que rangeu sob o peso.
Gatzek esperava tranquilo. Percebeu pela fisionomia de
Topthor, que seria melhor ficar calado. Pois nos traços de
Topthor não se via apenas uma curiosidade angustiante,
mas declaradamente a expressão da dúvida.
* * *
Afinal aí estava Talamon, que Topthor procurava tão
desesperadamente. Neste jogo de xadrez galáctico,
representava ele o papel mais insignificante possível, pois
nem aparecia. Mas exatamente isto é que deixava Topthor
tão zangado e incerto.
Porém, Talamon agiu por conta própria, quando deixou
de atender ao pedido de seu patriarca Cekztel, não enviando
nenhum aparelho para o ataque à Terra. Por que razão o
haveria de prejudicar Rhodan? Não foi exatamente Rhodan
que o fizera milionário? Que lhe poupara a vida? Que lhe
provara que também entre raças estranhas existe algo
chamado “código de honra”?
103
Não, Talamon não via razão para trair Rhodan.
Estava com sua frota de duzentas unidades em algum
lugar da Via Láctea, não mandou naves de patrulhamento e
sua central de rádio ficou em permanente escuta. Caso fosse
necessário, tinha a firme resolução de ajudar Rhodan. Sua
tentativa de avisar os terranos foi inútil, pelo menos não
havia recebido nenhuma resposta. Ficou acompanhando
todas as transmissões das frotas dos saltadores que se
reuniam e estava muito bem informado sobre tudo.
Também os chamados de Topthor ele havia recebido, sem
respondê-los.
E assim aconteceu que atrás dos bastidores espreitava
uma força militar de envergadura, aguardando o momento
de intervir nos acontecimentos. Uma força de que ninguém
suspeitava.
Nem mesmo Perry Rhodan.
2
Tudo convergia para a Titan.
O operador-chefe Martin acordara de um sono reparador
e já tinha voltado para seu posto, quando o receptor
começou a acusar impulsos fortes demais. Continham
apenas uma palavra no texto: “Rhodan”.
O restante era ininteligível. Martin, que tinha muita
experiência, gravou em fita a mensagem que se repetia e
depois chamou o chefe. Rhodan apareceu logo, bem
disposto depois de um bom repouso.
— O que há, Martin?
O operador ligou a fita gravada. Rhodan ouviu por uns
instantes, sem dizer uma palavra, depois sorriu e apontando
para a instalação de controle positrônico, disse:
— Aplique a chave XX-treze e deixe a fita correr.
Pegue o texto decifrado e me traga na sala de comando. Eu
estou substituindo Bell.
Martin começou seu trabalho enquanto Rhodan abriu a
porta da cabina e entrou. Bell estava na poltrona do
comandante e virou para trás com cara de cansado. Um leve
sorriso tremulou em seus lábios quando fitou Rhodan.
— Já é tempo que alguém me venha substituir. Não
consigo mais ficar de pé. Minhas pernas estão cansadas.
Perry retrucou:
— Se meus conhecimentos de anatomia não estão
errados, você também senta sobre as pernas, mas numa
parte muito especial que você chama de...
— Santo Deus, será que tudo tem que ser tomado ao pé
da letra? — lamentou Bell. — Só queria dizer que estou
muito cansado.
— Então vá dormir Gordo — aconselhou-o Rhodan,
tirando seu amigo da poltrona. — O negócio vai começar
logo e todos os guerreiros estão mesmo cansados.
A brincadeira de Rhodan deixou Bell com melhor
disposição.
— O negócio vai começar? Que negócio? Você se
refere ao ataque?
— Quando é que você vai aprender a falar melhor? — e
apontando na direção da sala de rádio, disse: — Chegou um
rádio há pouco. Se não me engano, vem de Talamon.
— Do superpesado? Que quer de nós?
— Saberemos logo. De qualquer maneira, manteve a
palavra.
Nesse instante entrou Martin.
— Já decifrei o texto, devo...?
— Pode rodar a fita e ligue o som para cá.
Segundos após, a fita estava tocando na sala de rádio, a
mensagem tinha um texto simples e claro.
— Sim — disse Rhodan contente — é sem dúvida o
vozeirão do nosso amigo Talamon. Deve estar muito
apreensivo a nosso respeito, para ter coragem de nos
mandar esta mensagem.
Bell nada disse. Estava atento a cada palavra que saía do
alto-falante:
— Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para a
Terra. Em vinte minutos exatos a Terra será atacada por
uma frota sob o comando de Cekztel e a orientação
astronáutica de Topthor. Posição já conhecida. Estou
esperando suas instruções. Não tomo parte no ataque.
Repito: Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para
Terra. Em vinte minutos exatos...
Bell fazia sinal de aplauso.
— Veja só, iam deles, o supergordo, é sincero e quer
nos avisar. Não esperava isto dele.
— Mais tarde haveremos de nos lembrar dele —
prometeu Rhodan, desligando a instalação de som.
Encostou-se comodamente na poltrona e volvendo-se
para Bell:
— Como é? Não vai dormir? Estava tão cansado?
— Cansado? — suspirou Bell. Seus cabelos vermelhos
estavam arrepiados. — Como posso dormir se a batalha
começa em vinte minutos?
— Você não deve esquecer que esta mensagem foi
recebida por Martin há uns dez minutos — disse Rhodan
bem calmo. — Só a decifragem levou seis minutos.
— Dez minutos!... — os olhos de Bell se arredondaram.
— Isto quer dizer que os saltadores em dez minutos... Puxa
vida! Que estamos fazendo aqui?
— Dez minutos... — Rhodan olhou para o relógio e se
corrigiu. — Nove minutos é um tempo bem grande quando
se sabe aproveitar. — Rhodan apertou um botão. — Martin,
faça-me uma ligação para Deringhouse. Eu vou atender aí.
Desligou o intercomunicador e se levantou.
— A operação está em marcha, mesmo que não
façamos mais nada. Não podemos mais detê-la, o máximo
104
que podemos fazer é influenciar para o lado positivo e
haveremos de fazê-lo, naturalmente. Você ainda quer ficar
acordado?
Rhodan se dirigiu novamente para a sala de rádio, pois
Deringhouse já estava esperando.
— Atenção, Deringhouse. Última informação — disse
Rhodan, olhando para o relógio. — Os saltadores se
materializam no espaço dentro de sete minutos e trinta
segundos. Temos então que já estar aí, pois não sei qual vai
ser a reação de Topthor, se reconhecer seu erro. Temos que
cuidar que não lhe sobre tempo para uma desculpa. Os
saltadores têm que ver no terceiro planeta a Terra
verdadeira. Topthor é o único ser humanoide que viu o sol
da nossa Terra e guardou sua posição. Os saltadores devem,
portanto ser atacados assim que chegarem.
— Os tópsidas estão esperando por eles — observou
Deringhouse.
— Certo, mas nós devemos ajudar um pouco. Transição
exatamente em sete minutos para o sistema Beta.
Deringhouse ataque a primeira nave dos saltadores que
aparecer. Não espere muito e não fique mais do que um
minuto em cada posição. Transição é mais importante do
que luta. Os saltadores devem ter a impressão de que estão
lutando contra uma grande frota de poderosos cruzadores.
A mesma ordem vale também para McClears. Entendido?
— Entendido, senhor. E o que é que o senhor vai fazer?
— A Titan também vai aparecer. Já que somos as três
únicas naves esféricas, não há perigo de nos enganarmos.
— Por que — perguntou Deringhouse com voz abafada
— não destruímos logo a nave de Topthor, para tirar muito
aborrecimento do caminho? Quando ele e seu computador
de bordo estiverem destruídos, ninguém mais poderá
corrigir o erro.
Rhodan deu um sorriso frio.
— Existem centenas de naves de conformação
cilíndrica, muito semelhantes umas às outras. Você acha
que consegue distinguir a de Topthor das outras?
Depois de curta pausa, Deringhouse ainda perguntou:
— E o que faço, caso eu realmente a distinga?
Agora a pausa era do lado de Rhodan. Refletiu um
pouco, embora soubesse que não haveria outra resposta.
Naturalmente, Deringhouse tinha muita possibilidade de
distinguir a nave de Topthor, pois a bordo da Centauro se
encontrava o corpo de mutantes. E se Topthor já estivesse
morto...
— Se encontrar Topthor, destrua sua nave.
— Obrigado. Vou fazer esforço para isso. Mais alguma
coisa?
Rhodan olhou para o relógio, um movimento que
haveria de repetir ainda muitas vezes, nos próximos
minutos.
— Transição dos saltadores em... três minutos e
cinquenta segundos. Felicidades, Deringhouse.
Rhodan virou-se para trás, quase se chocando com Bell
que o seguia. Passou por ele sem dizer uma palavra e foi na
direção do computador, onde recolheu os dados para o
hipersalto.
— Sente-se, Gordo. Dentro de cinco minutos, você
poderá ver o gigantesco sol de Beta, se tiver tempo para
isto.
* * *
— Quer apostar como acharei a nave de Topthor, em
poucos instantes? — dizia Gucky.
Deringhouse levantou as duas mãos, como se quisesse
se proteger do rato-castor.
— Posso apostar com o diabo, a qualquer momento,
mas nunca mais com você. Meus dedos ainda estão doendo
de tanto coçá-lo. Além disso, ainda tenho de lhe pagar seis
arrobas de cenoura.
— Mesmo assim ainda vou achar Topthor — continuou
Gucky ignorando o pretexto do comandante. — Então,
saltarei em sua nuca e lhe quebrarei o pescoço.
Deringhouse sorriu, enquanto verificava os controles
que realizariam o salto iminente para o sistema Beta.
— Teria prazer em ver isto. Você é telepata,
teleportador, telecineta, mas não sabia que é também
lutador de judô. Prazer em conhecê-lo...
— Você não crê em mim? — disse Gucky, encostando-
se ao sofá, com uma expressão incrível em sua cara cômica.
— Eu já liquidei centenas de robôs.
— Não se trata apenas de Topthor — lembrou-lhe
Deringhouse, empurrando uma alavanca para frente. — Sua
espaçonave inteira deve ser destruída. Você se lembra que
todos os dados sobre a nossa Terra estão ainda registrados
na positrônica de bordo, pois não foram totalmente
suprimidos. Claro, Topthor também é importante, pois o
superpesado não é bobo. Vai perceber logo que está no
planeta errado, que pulou confusamente noutro sistema e
talvez mude de ideia.
John Marshall, chefe do exército de mutantes, entrou na
cabina de controle da Centauro. Cumprimentou Gucky e se
dirigiu a Deringhouse. Como telepata, sabia, naturalmente,
sobre o que os dois estavam conversando.
— Uma das missões do corpo de mutantes será
descobrir a presença de Topthor, major. Por que então não
se utilizar de Gucky, quando ele está tão seguro de sua
competência?
— Não tenho nada contra, se ele tomar a iniciativa —
respondeu Deringhouse cauteloso. — O que não quero é
fazer mais apostas com ele. É meu direito, não é? Não
quero voltar para a Terra pobre e meio aleijado.
Marshall concordou, sorrindo, e Gucky estava feliz
enquanto Deringhouse se sentia aliviado. O rato-castor
concentrou-se então na grande missão que estava prestes a
desempenhar.
Deu-se então o salto da Centauro. Saltou
simultaneamente com sua irmã gêmea, Terra. A cinco
minutos-luz do terceiro planeta, as duas esferas gigantescas
de duzentos metros de diâmetro voltaram ao espaço normal.
Todos os canhões de raios energéticos estavam a plena
carga e os envoltórios de proteção entraram em ação. O
capitão La manche, na central de rádio, estava em grande
atividade, procurando informações das muitas mensagens
captadas, para melhor orientar uma estratégia coordenada.
A bordo da Centauro era grande a agitação, mas o
espaço em volta ainda estava tranquilo. O terceiro planeta
era uma estrela bem nítida à sua frente. O rastreador
estrutural estava ligado e registrava as primeiras transições.
As distâncias eram diferentes, mas logo se evidenciou que
todos partiam do mesmo local.
A frota dos saltadores chegava com um pequeno atraso.
* * *
105
Os tópsidas estavam esperando em fortificações
subterrâneas. Num trabalho febril nas últimas horas,
aquelas instalações foram montadas para desviarem os
adversários do precioso quarto planeta. Era-lhes preferível
que atacassem um mundo que não apresentava coisa melhor
do que imensas matas virgens e planaltos pedregosos. Neste
mundo de florestas, não existia vida inteligente, fora dos
tópsidas, naturalmente.
Al-Khor, o comandante supremo, achava-se em ligação
permanente com todos os postos de comando. Estava a par
de todos os preparativos de defesa e de outros segredos.
Para o ditador, no sistema tópsida, a 543 anos-luz de
distância, havia um canal permanente de hipercomunicação.
— Cruzador de patrulhamento MV-treze tem mensagem
importante.
Al-Khor fez um sinal para o operador, através do vídeo
de bordo.
— Encaminhe a ligação para cá — ordenou ele.
Suas cerdas na nuca estavam em desalinho e sua
fisionomia demonstrava grande cansaço. O corpo coberto
por escamas estava parcialmente coberto pelo uniforme. No
amplo cinturão, via-se a coronha da pistola de raios
energéticos.
As imagens na tela variavam. Ora a silhueta de uma
nave em forma de torpedo, ora os traços duros de um
tópsida.
— Cruzador MV-treze, comandante Ber-Ka. Mensagem
importante. Primeiros estrondos no espaço a dois minutos-
luz. Os saltadores iniciam o ataque.
— Tente fazer uma contagem dos estrondos — falou
Al-Khor. — Ordene imediatamente outras transições,
dando-lhes a posição. Mandarei logo algumas unidades de
combate para o ponto onde você se encontra. Ataque, Ber-
Ka, somente ações isoladas é que podem desnortear o
adversário.
— Vou atacar, sim — confirmou Ber-Ka. Seu rosto
desapareceu da tela e logo depois surgiu outro tópsida.
Al-Khor não parava mais. O ataque ao terceiro planeta
havia mesmo começado. Mas o cruzador de patrulhamento
MV-treze tinha recebido ordens. Ber-Ka não hesitou em
cumpri-las.
Ber-Ka era ainda muito jovem e vaidoso. Fazia apenas
poucos anos que comandava uma nave de porte maior, uma
nave cilíndrica de duzentos metros de comprimento. Os
armamentos extraordinários lhe proporcionavam uma
sensação de segurança e lhe davam muita coragem para
enfrentar um adversário até mais forte. Empertigou-se todo
e deu ordens a seus oficiais, para que se reunissem com ele,
imediatamente.
— Meus amigos — disse com muita determinação. —
Al-Khor nos deu ampla liberdade de ação. Devemos atacar
os saltadores onde quer que apareçam. Vocês sabem,
melhor do que eu, que nunca teremos oportunidade melhor
do que esta para nos colocar em destaque. Viva o ditador!
— Viva o ditador! — gritaram todos os oficiais, mais ou
menos entusiasmados. Para alguns, a vida tinha mais valor
do que uma condecoração de validade duvidosa. Mas,
desobediência ao comandante significava a morte imediata.
Assim, a possibilidade de sobrevivência em meio à luta era
bem maior.
Na tela da MV-treze, apareceram os pontos luminosos
flutuantes dos saltadores em ataque. Aqui e ali, estes pontos
surgiam, às vezes, do nada, demonstrando assim que as
transições não paravam. Depois de observar melhor, Ber-
Ka não tinha dúvidas de que os saltadores haviam mesmo
escolhido como seu objetivo principal o terceiro planeta.
Era de qualquer maneira surpreendente. Afinal de
contas, o quarto planeta era aquele que servia de base aos
tópsidas e que devia ser atacado. Por que então os
saltadores não se preocupavam com o quarto planeta, mas
se concentravam apenas no terceiro?
Era uma questão que interessava grandemente a Al-
Khor também, neste momento. Mas ninguém tinha resposta
cabível para ela.
Externamente, as naves dos saltadores se assemelhavam
muito com as dos tópsidas, eram, porém, mais rápidas, mais
ágeis e mais bem armadas. Enfim, os superpesados eram a
elite experimentada das tropas de assalto dos comerciantes
das Galáxias, que sempre tinham vivido da guerra. Até
hoje, não tinham conseguido fazer nada por meios
pacíficos. Aliás, nunca lhes passou pela cabeça tentar fazer
alguma coisa sem assaltos e guerra.
Ber-Ka procurou tanto, até que encontrou um ponto
luminoso vagando mais afastado dos outros, a tal distância
que excluísse qualquer cilada. Deu então as ordens ao
piloto, correndo ele para o ponto de comando da artilharia,
para dirigir pessoalmente o ataque.
A vítima selecionada era uma nave relativamente
pequena de um clã desconhecido dos saltadores. O
comandante já tinha ouvido falar de Perry Rhodan e de sua
pátria Terra, achava, porém, que eram referências muito
exageradas. Exatamente por isto, por ter um ponto de vista
errado, é que ele e os seus seriam muito sacrificados.
Ber-Ka se aproximou de sua vítima. O saltador, sem
suspeitar de nada, mantinha seu curso direto para o terceiro
planeta.
As mãos quase humanas do sáurio repousavam sobre os
botões de controle dos canhões de raios energéticos. No
interior do cruzador se acumulava, num zumbido
permanente, as energias necessárias, como que aguardando
o momento de irromperem pelo espaço.
— Ainda a um segundo-luz — disse um oficial quase
trêmulo. O coitado não se sentia bem, embora já tivesse
muita experiência de outras expedições punitivas contra
súditos indefesos. Mas esta agora era diferente. Estavam
pelo menos diante de um adversário à altura deles.
No mínimo.
— Distância, zero vírgula cinco segundos-luz.
A distância diminuía, mas ficou de repente constante,
quando o saltador percebeu o atacante, fazendo uma curva
fechada.
— Atrás dele! Fogo! — gritou Ber-Ka e sentiu como o
solo a seus pés estremeceu todo, quando a rajada de raios
poderosos saiu pela proa.
Não foi difícil aos raios energéticos, com a velocidade
equivalente à da luz, atingir a nave dos saltadores, antes que
pudessem tentar qualquer reação. Raios coloridos
envolveram a diminuta espaçonave, como o envoltório de
proteção se rompeu imediatamente, não oferecendo mais
nenhuma resistência aos ataques dos raios incendiários.
Com um grande clarão esbranquiçado, explodiram os
geradores. A carcaça se arqueou e começou a derreter.
Pedaços de destroços voavam em todas as direções do
espaço. De vez em quando se podia ver grandes vultos com
trajes pressurizados, cujos dispositivos automáticos se
inflavam instantaneamente, procurando colocar a salvo os
106
sobreviventes.
Um dos oficiais sáurios não despregava os olhos dos
saltadores que tentavam fugir.
— Não vamos matá-los? — perguntou.
— Não. Sou soldado, mas não assassino.
— Eles nos atacaram, Ber-Ka.
— Falando em tese, você tem razão. Mas estes aí,
fomos nós que atacamos. Deixemos-lhes esta chance e não
nos incomodemos mais com eles.
Ber-Ka voltou para a central de comando. Era ele o
comandante, sua ordem era lei. Os saltadores, em seus
uniformes de emergência, foram se separando e se
perderam no vazio entre os planetas.
Ber-Ka concentrou sua atenção novamente na tela. Os
pontos flutuantes eram cada vez mais numerosos, mas a
uma distância daquela não se podia saber se havia naves
dos tópsidas misturadas com eles. A força principal, no
entanto — Ber-Ka sabia muito bem disto — estava
escondida nas rochas do terceiro planeta, ou como se dizia
nos catálogos dos sáurios: Lira III.
A MV-treze tinha se afastado um pouco do terceiro
planeta e se aproximava da órbita de Aqua. De qualquer
maneira, os atacantes deviam ser impedidos de se
aproximarem do “mundo d’água” onde os restos das bases
abandonadas poderiam despertar atenção.
Os pontos luminosos oscilantes desapareceram todos,
menos um. Dava a impressão de ser um aparelho que não
fazia questão de ser destruído logo no primeiro assalto.
Uma ampliação na tela e uma chamada em código
confirmou a suspeita de Ber-Ka: tratava-se mesmo de uma
nave dos saltadores. E este saltador se dirigia exatamente
para o planeta Aqua.
— Novo curso, operação cubo CO-dezessete-dk —
gritou ele para o oficial navegador, ordenando ao mesmo
tempo prontidão para o ataque.
Devia-se pegar o saltador de surpresa, antes que pudesse
desconfiar de alguma coisa.
— Velocidade ao máximo! Acompanhou com grande
sensação os movimentos do ponto luminoso e acabou
constatando que se tratava de uma belonave dos
superpesados. Claro que muito superior ao cruzador de
patrulhamento.
Na mentalidade de Ber-Ka havia duas forças
polarizantes: orgulho e instinto de conservação.
Podia ainda se afastar um pouco do curso e fazer como
se não tivesse notado o adversário. Por interesse próprio, a
maioria de seus subordinados manteria silêncio. Mas se
houvesse apenas um que quisesse prejudicá-lo ou fazer
carreira, ele estaria perdido. Covardia perante o inimigo era
castigada com a morte.
Foi propriamente o receio de ser denunciado que
obrigou Ber-Ka a prosseguir no ataque. Não estava se
sentindo bem, mas não havia outra opção.
O ponto luminoso aproximou-se e transformou-se numa
sombra alongada na tela, que focalizava muitas estrelas
distantes. Não havia nenhum sinal de que o saltador
houvesse percebido a presença de seu perseguidor.
Continuava indiferente, com rumo fixo. Pela pequena
velocidade, supor-se-ia que ainda tinha duas horas para
chegar até a atmosfera de Aqua.
— Central de rádio — disse Ber-Ka, cedendo a um
impulso repentino — tente ligação com a nave estranha.
— Com o saltador? — foi à reação de espanto.
— Sim, com o saltador. As frequências de chamada
estão no catálogo. Por que se admira? Já tivemos muitos
contatos com os saltadores em outros tempos.
— Sim, mas sob outras circunstâncias.
— Exatamente — disse Ber-Ka rindo.
— É curiosidade minha. Estas circunstâncias me
interessam.
Desligou a tela, colocando a central de rádio
diretamente em ligação com ele. Sem sair do lugar, podia
agora acompanhar melhor os esforços do operador.
Continuava a chamada.
Na outra tela, a sombra alongada da nave estava bem
maior. A MV-treze se aproximava de sua órbita. Num
determinado ponto as duas naves teriam de se encontrar,
caso ambas mantivessem o curso e a velocidade.
Alto-falante e tela permaneciam mudos e apagados. O
saltador não respondia, ou talvez não tivesse ouvido o
chamado. Mas Ber-Ka não cedia tão depressa.
— Continue chamando — ordenou ao oficial do rádio.
— Acrescente que nós pedimos uma conferência.
Isto era contra o regulamento. Propor uma conferência
com um adversário ultrapassava de muito a competência de
um comandante de um pequeno cruzador. Ber-Ka sabia
disto, mas lhe era completamente indiferente. Suspeitava de
algo e queria saber se seu pressentimento estava certo ou
errado. Para ele, isto justificava o risco que assumia.
Não poderia imaginar que, sem querer, estava dando um
passo avante na história. Também não suspeitava quem era
o comandante da nave estranha.
Ao penetrarem nas camadas superiores da atmosfera as
primeiras naves dos saltadores, o comandante supremo do
terceiro planeta, Al-Khor, deu ordem de contra-ataque.
Em todos os cantos, abriram-se pesadas comportas de
metal e canos de canhões de raios energéticos emergiam do
chão para erguerem sua boca de fogo contra o céu.
Hangares subterrâneos despejavam frotas de combate de
aparelhos velozes que galgavam o espaço em ascensão
quase vertical.
Começou a batalha quase suicida, com perdas enormes
para os dois lados. As primeiras bombas atômicas
destruíram uma parte das instalações de defesa. Os foguetes
antiespaciais dirigidos por tópsidas perseguiam as naves
dos saltadores até atingi-las, destruindo-as no espaço. Só
conseguiam escapar se tivessem tempo de efetuar o salto
para o hiperespaço.
Al-Khor estava sentado nas profundezas de um rochedo,
ouvindo as notícias. Fazia uma fisionomia de dor, ao ouvir
os danos que os atacantes lhes infligiam. Mas seu rosto se
iluminava todo sempre que ouvia o relato da destruição de
uma nave inimiga.
No entanto, ele mesmo sabia que era questão de tempo,
até que os saltadores conseguissem, por meio de uma
bomba arcônida ou por uma bomba de gravitação, destruir
completamente o terceiro planeta.
Começou a se surpreender pelo fato de que isto ainda
não acontecera.
— Ligação com Topsid! — gritou ele, desesperado,
naquela caverna no coração da rocha, quando uma
tremenda detonação fez tremer o rochedo e as luzes se
apagaram. — Ligação imediata com o ditador, vamos, antes
que seja tarde.
Por uns instantes, ninguém respondeu. Depois, ouviu-se
a voz do operador de rádio:
107
— Falta energia, estamos tentando com os geradores de
emergência.
— Estou esperando — disse Al-Khor. Depois, apoiando
a cabeça nas duas mãos quase humanas, passou a pensar na
morte certa que teria em Topsid, caso os saltadores
vencessem.
Mas... era sua culpa? Culpa por não ter naves
suficientes? Não tinha ele avisado o ditador e pedido que
não subestimassem os comerciantes das Galáxias? Por que
então tinha que morrer?
Porém não pensava nisto. O melhor seria ele se entregar
aos invasores, passaria por traidor, mas continuaria vivo.
Mas isto era uma decisão que não era para aquele
momento.
Levantou-se, tendo nos olhos um brilho perigoso.
— Ligação com Topsid — exclamou o operador. —
Ligue seu aparelho, Al-Khor.
Al-Khor estremeceu, ao ouvir a palavra Topsid. Por uns
instantes, não sabia o que fazer. Depois, criou coragem.
— Aqui fala Al-Khor, Lira III. Começou o ataque dos
saltadores, ditador. O adversário é muito superior a nós.
Sem o auxilio de Topsid, estamos perdidos.
— Então lutem! — disse o ditador friamente. Seus
traços permaneceram duros e inacessíveis, na tela. Seus
olhos frios pareciam penetrar Al-Khor, parecendo poder ler
seus pensamentos. — Mandarei mais duzentos aparelhos,
mas nem um a mais. Lutem e vençam Al-Khor. Ou, nunca
mais volte a Topsid.
— Mas... — Al-Khor não pôde continuar, o ditador
havia interrompido a ligação.
O comandante dos sáurios apoiou-se no espaldar da
poltrona e suspirando profundamente, disse:
— Lutar e vencer... como é fácil falar. Um mundo está
caindo aos pedaços e nós temos de lutar. O que estamos
fazendo, senão lutar? Nossas naves se defendem
valentemente contra um inimigo em grande superioridade,
mas não cedemos, preferimos morrer. E o ditador? Não tem
nem uma palavra de gratidão.
Al-Khor estremeceu, como se tivesse levado uma
chicotada, ao ouvir um forte ruído atrás de si. Passos
pesados que se aproximasse. Ouviu-se uma voz fria, sem a
menor expressão:
— Como poderemos vencer, se o comandante está
hesitando? O que há com você, Al-Khor? Cansado,
desanimado?
Virou-se lentamente, com sua mão escamosa já
segurando a arma energética.
— Ra-Gor, é você! Não podia imaginar. Por que não
está na seção de baterias antiaéreas, tratando de destruir as
naves inimigas? Se quiser ouvir a verdade: o que você está
fazendo agora é crime de alta traição.
O jovem oficial que estava atrás do comandante estava
também com a mão na arma, sorrindo friamente. Nos seus
olhos, havia um misto de orgulho e ódio, de medo com
denodo irrestrito.
— E você, Al-Khor? O que tem feito? Duvidou da
sabedoria de nosso ditador. Você está exigindo o
reconhecimento dele pelo simples cumprimento do nosso
dever. Isto é insubordinação.
Al-Khor virou-se novamente — e devagar — olhando o
painel apagado. Podia ver nitidamente no vidro fosco o
reflexo do jovem oficial que lhe estava às costas.
— Estava apenas pensando, Ra-Gor. Acresce ainda que
guardei meus pensamentos comigo e não os transmiti a
ninguém.
— Não é verdade, transmitiu a mim.
Al-Khor teve que concordar:
— Sem ter intenção de fazê-lo, meu amigo. Você,
agora, por sua culpa, carrega na consciência um
conhecimento que se torna pesado para seus ombros jovens.
Vou ajudá-lo a carregar este peso.
— Não é necessário, Al-Khor, eu consigo carregá-lo
sozinho. O ditador me será muito grato, quando lhe explicar
a covardia de seu comandante supremo.
— O quê?
— Sim, porque você não vai chegar vivo a Topsid. Esta
vergonha deve ser poupada aos oficiais que combatem
corajosamente. Ou você prefere ser fuzilado publicamente?
Al-Khor reconheceu que não tinha alternativa. Foi
sempre um súdito fiel do ditador, embora não estivesse de
acordo com alguns de seus métodos. Mas, agora, ser
delatado por um bobalhão orgulhoso e inexperiente... não,
isto era demais.
Imperceptivelmente sacou a arma, estudou um pouco o
ambiente, podendo ver pelo reflexo do vidro do painel
apagado que Ra-Gor ainda estava hesitando em executar
sua intenção. Será que de repente ficou com medo? Mas já
era muito tarde para isto. Al-Khor não sentiu a menor
compaixão ou piedade, quando, de súbito, se virou contra o
jovem oficial de arma na mão.
— Insubordinação se castiga com a morte, Ra-Gor.
Como comandante tenho o poder de julgá-lo. Condeno-o,
pois, à morte. A pena será executada sumariamente. Você
pode ficar com sua arma e usá-la mesmo...
Mas o sentenciado não chegou a se utilizar da arma,
antes mesmo de sacá-la estava morto.
Al-Khor ficou olhando por uns instantes o cadáver do
jovem oficial, corajoso e idealista, que queria tirar proveito
às suas custas. Depois voltou a manusear os botões de
controle.
Os relatórios das forças em combate chegavam com a
maior confusão. Depois de alguns minutos, Al-Khor já
sabia que a batalha estava perdida. Definitivamente. A
superioridade do adversário era palpável. O que restava era
um fio, quase invisível, de esperança.
Com uma pancada da mão direita, silenciou no rádio as
vozes confusas. Todas as estações passaram
automaticamente para a escuta.
— A todos os oficiais! Aqui fala Al-Khor, o
comandante supremo — fez uma pequena pausa para
respirar. — Neste momento vamos desistir do planeta Lira
III e vamos enfrentar os saltadores no espaço. Ou vencemos
ou morremos. Fim.
Fim! A palavra ainda estava nos ouvidos de Al-Khor,
quando se levantou para tomar as medidas necessárias.
* * *
Quando a Top II se materializou, e apareceu nas telas de
bordo o gigante vermelho de Beta, foi como se Topthor
tivesse levado uma bofetada na cara.
Atônito e sem dizer uma palavra, olhava fixo para o que
tinha diante dos olhos.
Seria este o sol do planeta Terra? Jamais. Este
gigantesco olho vermelho lhe era completamente
desconhecido, totalmente diferente, tão diferente que até
108
um cego perceberia a diferença. E Topthor era tudo, menos
cego.
Seu primeiro pensamento foi fazer uma ligação para
Cekztel e explicar o erro. Mas ficou sentado, continuando a
olhar o quadro incrível. Procurava achar uma explicação,
mas não havia. O cérebro positrônico do departamento de
navegação jamais poderia errar. Um erro do computador
estava, pois excluído. Os dados foram lançados no próprio
local da observação. Não podia haver erro.
Topthor pensava sempre objetivamente e assim desistiu
logo de querer procurar uma explicação para o impossível.
Teria tempo mais tarde. No momento, era necessário se
conformar com o fato e ponderar suas consequências.
Primeira consequência: ele se poria em contato com
Cekztel e admitiria ter trazido a frota toda para um lugar
errado. O que aconteceria? Topthor se sentia mal só em
pensar nisso. Todo tipo de recriminação recairia sobre ele,
embora estivesse convencido de não ter culpa alguma. Mas
quem é que queria saber disso? Ninguém. Talvez fosse
expulso e teria doravante de levar vida de pária, sem
amigos e abandonado por todo mundo. Não, Topthor não
pensava mais em dar explicações ao velho Cekztel.
Segunda consequência: procuraria resolver o enigma
por conta própria, descobrir como surgira o engano. Para
isso, tinha primeiramente que se manter calado e deixar
seus colegas na crença de que se tratava mesmo da Terra e
do sistema solar. Certamente não demoraria muito até que
se chegasse a descobrir o erro, pois o sistema solar de
Rhodan não poderia ficar aí, sem defesa nenhuma. Não
parecia haver a mínima reação. Outro erro, como logo se
constataria. E um erro que muito alegraria a Topthor.
A segunda consequência parecia aceitável ao
superpesado.
Mas sua cabeça inteligente não parava de pensar. A
bordo da Top II encontrava-se muita gente que havia visto a
Terra naquela época. Será que ficariam de boca fechada,
quando Topthor lhes contasse a verdade? É certo que eram
amigos do peito, como Regol e Gatzek. Mas...
E ainda havia a possibilidade de uma confusão com
computador.
Levantou-se bruscamente e foi examinar a seção de
navegação. Mandou sair o oficial que estava de vigia e
começou ele mesmo a conferir os dados. Alguns minutos
depois, veio o resultado. Topthor o examinou e sacudiu a
cabeça.
Os dados estavam certos, as coordenadas perfeitas. Era
mesmo ali no sol gigantesco de Beta.
Sem dizer uma palavra e sem explicação, fez sinal ao
oficial de vigia para entrar novamente. Depois voltou para a
sala de comando. Deixou-se cair pesadamente na poltrona,
olhou para a tela do painel e pôs-se a escutar as mensagens
do rádio. O ataque ao terceiro planeta já havia começado.
Estava sorrindo sozinho, quando de repente sua
fisionomia se transformou. Os terranos estavam resistindo
desesperadamente.
Topthor parecia como que atingido por uma descarga
elétrica. Foi a segunda surpresa em menos de dez minutos.
Havia terranos neste estranho sistema? Então ele estava
salvo e ninguém descobriria o engano não intencionado. O
terceiro planeta parecia habitado e estava sendo defendido.
Seguia com muita atenção as informações e respirava
aliviado, embora já não compreendesse o que estava se
passando. Talvez os terranos tenham estabelecido aqui uma
base, que agora defendiam corajosamente. Se a frota
atacante destruísse literalmente o terceiro planeta, os
terranos perderiam apenas uma base, não a pátria de Perry
Rhodan.
Seguindo seu pensamento prudente, resolveu guardar
este segredo só para si e continuar por conta própria suas
investigações. Assim foi que abandonou a rota planejada e
se aproximou do quarto planeta, para, com toda calma,
registrar os dados sobre o sistema e compará-los com as
informações do computador de bordo. O erro estaria
escondido em algum lugar, ele o descobriria.
A localização da verdadeira Terra não poderia ficar
perdida.
* * *
O saltador não respondeu. Ber-Ka, então, não hesitou
mais e mandou abrir fogo de todos os lados.
Para sua surpresa, todos os disparos energéticos se
esfacelaram diante do envoltório de proteção magnética do
adversário. A distância era agora muito pequena e uma
retirada era quase impossível.
A nave dos saltadores alterou o curso e expôs seu lado
mais comprido no sentido da MV-treze. Ber-ka sabia o que
isto significava, mas não tinha mais tempo para modificar
sua posição. Mandou descarregar toda a energia disponível
no seu envoltório de proteção para se defender contra o
ataque iminente.
Mas o saltador, desta vez, não usou raios energéticos, e
sim um torpedo com brilho de prata, que alterando seu
curso automaticamente foi atingir em cheio a MV-treze,
apesar de suas manobras para fugir do alvo, detonando com
um clarão amarelado, perto da popa.
Ber-Ka sentiu o terrível solavanco. De nada adiantou
agarrar-se à poltrona. Foi lançado para fora, rolando no
chão da cabina até chocar-se de encontro à parede.
Ouviram-se vozes, alguém deu um comando. Logo depois
outra detonação e solavanco terrível, apagando toda a luz.
Os campos de gravitação deixaram de funcionar e Ber-Ka
estava flutuando dentro da nave, já em queda livre contra o
planeta Aqua, sem propulsão, nem direção. A parte traseira
devia estar completamente destruída.
Ber-Ka foi impelido contra o teto, incapaz de se
movimentar. A qualquer momento, podia o inimigo dar a
ele e a sua nave o tiro de misericórdia. Mas isto não
aconteceu.
A MV-treze se precipitou de encontro à superfície do
quarto planeta.
* * *
Sentado na cabina, Topthor acompanhava curioso a luta
desigual. Já quando a estranha nave apareceu pela primeira
vez, teve uma suspeita que lhe pareceu tão absurda que
tentou esquecê-la. Mas depois, ficou matutando que toda
aquela ação tinha sido meio maluca. Talvez pudesse
esclarecer um pouco mais o enigma, se conseguisse
conversar com aqueles terranos. Deviam estar
desesperados, é claro. Tinham que estar convencidos de que
se encontravam nas mãos dos vencedores, do contrário
jamais diriam a verdade.
Mas, seriam mesmo terranos?
Topthor ficou olhando a nave alongada, como um
109
torpedo, com uma saliência abaulada no centro, caindo ao
lado deles, e ainda dispostos a um novo ataque. Já havia
visto em algum lugar este tipo de construção. Os tópsidas?
Seu império não era nas proximidades da Terra? Ou se
tinham aliado com os terranos?
O ataque não surtiu efeito. Então um torpedo atingiu a
popa do aparelho, destruindo as instalações de propulsão
dos desconhecidos. Sem sua sustentação mecânica, a nave
se precipitou contra o planeta.
Topthor seguia tudo com atenção. Não dava nenhum
sinal de querer socorrer os vencidos ou de pretender
aniquilar os restos de sua nave. Aparentemente imóvel, ele
flutuava ao lado da MV-treze, esperando alguma coisa.
Duas horas se passaram, duas longas horas em que certo
Ber-Ka passou por um verdadeiro inferno e ficou mais
exausto ainda. O planeta já estava maior e através das
nuvens já se via o continente. Podia-se já ouvir o sibilar do
vento nas camadas mais elevadas da atmosfera.
Topthor, então, resolveu agir.
Aproximou-se com a Top II da nave que estava caindo.
Ganchos magnéticos iam saindo lentamente da carcaça da
Top II, envolvendo o bojo da nau destroçada e detendo-lhe
a queda. Voltou então a gravidade, quando as duas naves
começaram a dar volta em torno do planeta, numa leve
parábola. Acabaram aterrissando num planalto, próximo ao
litoral.
Topthor não ficou parado nesse meio tempo. De pé, na
escotilha aberta, esperava, com a pistola de raios na mão, a
saída dos sobreviventes da nave capturada. Mas não havia
contado com a intrepidez suicida dos tópsidas. Ao abrir
uma claraboia do lado direito da MV-treze, provocou
suspeita nos tópsidas. Salvou-se com um pulo imediato
para a escotilha, entrando logo para a cabina de comando,
onde Gatzek havia observado o incidente. Num gesto
rápido, ligou o envoltório magnético de proteção.
Infelizmente com uma fração de segundo de atraso.
Um denso jato energético amarelado partiu da MV-
treze, atingindo a Top II bem no meio. Seguiu-se um
estrondo, como a descarga de um reator e a grande
espaçonave dos saltadores partiu-se, exatamente antes de o
envoltório ser ligado.
De um momento para outro, ali estavam duas naves
arruinadas e, em cada uma delas, o pensamento era o
mesmo: aproveitar um descuido do adversário, para destruí-
lo.
Topthor amaldiçoou sua leviandade, mas depois se
conformou. Olhou calmo para os olhos arregalados de
Gatzek.
— Examinar a instalação de energia, observar a
capacidade de funcionamento da central de navegação e de
rádio, apresentando o resultado imediatamente. Depois do
conserto, testar a possibilidade de manobrar a Top II.
Gatzek, um tanto hesitante:
— Que fazer com este ferro velho aí ao lado, que nos
partiu ao meio? Devo mandar matar os adversários?
— Deixa disso, Gatzek. Quero conversar com estes
rapazes. Acho que vamos ter muitas surpresas.
— Meu estoque de surpresas está abarrotado —
protestou o oficial, deixando a cabina de comando.
Topthor acompanhou-o com um sorriso. Levantou-se e
foi para a central de rádio. Regol estava diante dos
aparelhos, realizando os primeiros controles. Os alto-
falantes emitiam sons ininteligíveis — sinal de que ao
menos isto estava funcionando.
— Ligação com Cekztel? — perguntou Topthor.
Regol sacudiu a cabeça, sem olhar para trás.
— Ainda não. Eles não têm tempo agora, os terranos
entraram em luta renhida, mas acho que vão perder. A
supernave de Rhodan foi localizada muitas vezes.
Topthor quase perdeu a fala:
— A supernave de Rhodan?
Regol concordou espantado:
— Sim, a Titan, como foi batizada a grande nave. Além
dela, estão participando da defesa da Terra dez cruzadores
pesados dos arcônidas.
— E eles estão perdendo? — perguntou Topthor
incrédulo. — Algo não está certo. Tem certeza disso?
— As mensagens o dizem claramente, Topthor. Não há
dúvida de que superestimamos o poderio bélico da Terra.
Aliás, já há muito tempo queria lhe fazer uma pergunta:
você não reparou uma alteração no sol? Se não me engano,
a Terra tinha um sol menor, amarelado. E agora...
— Eu sei — interrompeu-o Topthor impaciente. —
Ainda falaremos mais tarde sobre isto. Agora não temos
tempo, pois há problemas mais importantes que temos de
resolver. Vamos tentar ligação pelo rádio com a nave
abatida aqui ao lado. Regol sorriu malicioso.
— Já estou tentando isto há tempo. Ninguém responde.
Quem sabe o rádio deles foi destruído?
— Então, não há outro meio — disse Topthor — tenho
que me apresentar de novo na escotilha deles, com uma
bandeirinha branca na mão, para lhes mostrar nossa
vontade de paz.
— Não sei se os terranos vão concordar — duvidou
Regol.
Topthor, que já estava na porta, virou-se para trás:
— Quem é que disse que os rapazes da nave ao lado são
terranos?
De olhos arregalados, Regol ficou olhando seu
comandante.
3
O cérebro robotizado da navegação positrônica da
Centauro não parava um instante. Mal o pesado cruzador se
110
materializava em qualquer lugar, no meio das naves dos
tópsidas e desfechava uma descarga de raios energéticos,
mais ou menos eficientes, contra as naves atacantes dos
superpesados, já estava na hora de pular para o hiperespaço,
desaparecendo totalmente. Quase que ao mesmo tempo,
aparecia ela em outro lugar.
Major Deringhouse suava, mas entusiasmado com a
operação. Capitão La manche, seu substituto e primeiro-
oficial, gritava sem parar, dando ordens e cuidando que as
transições se processassem o mais rápido possível. Já que
as mesmas manobras eram executadas simultaneamente
também por Rhodan com a Titan e por McClears com a
Terra, os superpesados tinham a impressão de que estavam
em atividade pelo menos três ou quatro belonaves tipo
Império e uns dez cruzadores pesados.
E, no entanto, os “terranos” estavam perdendo. Razão
para isto, eram, em primeiro plano, as naves dos tópsidas,
demasiadamente lentas, não estando pois à altura do ataque
dos saltadores. Se a Titan tivesse aplicado toda sua força, a
luta estaria bem diferente. Mas, compreensivelmente, não
era esta a intenção de Rhodan. Os saltadores deviam vencer
e sair com a convicção de haverem derrotado a Terra. E,
naturalmente, a frota dos terranos.
Deringhouse tirou os olhos dos controles e olhou para
Marshall que estava entrando na cabina.
— Então — perguntou excitado — já obteve algum
resultado?
— Desta vez, você poderia apostar tranquilamente com
Gucky — respondeu o telepata. — Ainda não temos
nenhum indício da presença de Topthor. Estou duvidando
de que tenha tomado parte no ataque.
— Impossível — disse Deringhouse, sacudindo a
cabeça. — Recebemos um rádio informando que Topthor
toma parte no ataque. Você se utilizou somente de Gucky?
— Naturalmente, não. Todos os telepatas se esforçaram
para captar impulsos do superpesado. Ras Tschubai esteve
em várias naves deles, mas não encontrou Topthor. Em
compensação, em cada nave em que chegava o susto da
tripulação em ver surgir do nada um fantasma preto, quase
os enlouquecia.
— Ótimo — disse o major. — Para os atacantes, a
teleportação é prova cabal de que se trata dos homens de
Perry Rhodan.
— Também Gucky se teleportou muitas vezes. Poderia
ter levado de cada vez uma bomba atômica e destruído a
nave inimiga, porém não nos teria adiantado nada. Mas,
falando sinceramente, é doloroso para mim, para nós todos,
ter que perder uma guerra que a gente ganharia com tanta
facilidade.
— A Via Láctea inteira deve estar crente de que fomos
destruídos. Mas para isso, Topthor tem que ser encontrado.
Se ele perder a calma e denunciar a seus amigos que
destruíram um planeta errado, toda nossa astúcia não valeu
de nada. E até agora, tudo funcionou tão bem.
— Vamos continuar procurando — disse Marshall,
encorajando Deringhouse. — Temos de encontrá-lo. Não
pode ficar eternamente escondido.
— Esperamos que não — respondeu Marshall, dando
ordens para o próximo salto que o levou para um choque
entre dois cruzadores dos tópsidas e uma enorme nave
cilíndrica dos saltadores.
* * *
Na escotilha aberta, estava Topthor esperando, olhando
firme para o pequeno aparelho dos desconhecidos. Quem
estaria lá dentro? Terranos?
Tinha quase certeza que não encontraria nenhum terrano
lá dentro. Uma simples consulta no seu catálogo lhe dava
esta quase certeza. Naves deste tipo eram construídas pelos
tópsidas.
Estariam os sáurios realmente aliados aos terranos? Que
sentido teria isto? Será que Rhodan não representava
nenhum perigo para seu império?
Tinha de descobrir isto e só por este motivo é que estava
expondo a vida. Talvez seria respondida também sua outra
pergunta: por que a positrônica de sua nave teria errado
daquele jeito?
Para lá do planalto, começava a floresta virgem. Ia em
declive para a planície. Somente ao longe, no horizonte,
surgia uma nova cadeia de montanhas, limitando a visão.
Mais para a esquerda cintilava o mar que era quase noventa
por cento deste planeta. Era um mundo agradável, pena que
não tinha habitantes inteligentes, com quem se pudesse
tratar.
Ou existiriam? O que faziam, então, aqui os sáurios?
Os olhos de Topthor perceberam um movimento nos
escombros da nave tópsida. Devagar, abriu-se uma
escotilha, como se fosse empurrada à mão. Aparentemente
toda a instalação da nave parecia destruída. Apareceu então
uma espécie de mão. Apesar de Topthor estar mentalmente
preparado, foi grande seu susto. Era a mão de um réptil,
coberta de escamas: a mão de um tópsida.
Até que enfim. Se, nesta horrível batalha, não tivessem
sido vistas naves esféricas de Rhodan, tudo resultaria então
numa hipótese fantástica. Pensando nisto, Topthor sorria
malicioso, pensando estar bem próximo da elucidação da
verdade.
Um tópsida apareceu na escotilha completamente
aberta, de mãos levantadas e desarmada. Topthor também
mostrou as mãos vazias e falou em Intercosmo:
— É melhor pararmos de lutar um contra o outro, do
contrário estamos perdidos. Ninguém nos ajudará. Mas se
nós combinarmos, acharemos um caminho.
Ber-Ka parou desconfiado.
— Por que não nos destruiu já no espaço? Podia ter
feito, sem que pudéssemos nos defender.
Topthor sorriu amavelmente.
— Tenho minhas razões, tópsida. Vamos conversar com
mais calma. Acho que teremos muita surpresa.
— Tinha o mesmo desejo, mesmo antes de atacá-lo.
Topthor ouvia com atenção. Tudo se encaminhava bem.
— Sua instalação de rádio ainda está funcionando?
— Não, foi destruída.
— A minha funciona ainda, ao menos para receber. Não
pudemos ainda examinar o transmissor, mesmo porque não
estamos interessados em que os outros nos descubram.
Venha, tópsida, encontremo-nos ali naquela rocha. Estou
desarmado, mas minha gente está vigiando. Se quiser, pode
tomar também as mesmas providências.
Sem esperar resposta, Topthor desceu os poucos
degraus da escada desdobrada e num pulo atingiu o solo.
Sua cintura estava vazia, porém no fundo do bolso de seu
capote escondia uma minipistola, para qualquer
emergência.
Ber-Ka hesitou um pouco, mas percebeu que não lhe
111
restava alternativa, tinha que aceitar a proposta do
superpesado.
Quem sabe, o saltador estava sendo honesto. Levantou
os braços escamados, numa espécie de saudação e gritou
umas ordens para a tripulação de sua nave. Depois saltou
para o solo do planeta das águas, dirigindo-se calmamente
para o ponto de encontro.
Encontraram-se aos pés do rochedo. Topthor examinava
mais detalhadamente o tópsida. Pelo muito que os conhecia,
era um exemplar ainda jovem da estranha raça dos sáurios,
com quem se defrontavam de vez em quando. Não se podia
chamá-los de inimigos, pois de qualquer maneira, tinham
em comum com os saltadores um grande ódio aos
arcônidas. Mais estranho de tudo era esta guerra que se
travava no momento.
— Meu nome é Topthor, sou patriarca de minha estirpe
e comandante desta, outrora, bela nave. — Virou-se para
trás, apontando para o enorme cilindro partido ao meio. —
Devo supor, naturalmente, que você é oficial e comandante
da nave abatida.
Ber-Ka confirmou com a cabeça. Seu sotaque era
perceptível, mas falava corretamente o intercosmo.
— Sou Ber-Ka, comandante do cruzador de
patrulhamento MV-treze, que o senhor obrigou a aterrissar,
tornando-o incapaz de funcionar. O que lucramos com isto?
— O que lucrará alguém desta maldita guerra? —
perguntou Topthor com unção na voz. — Eu sou,
certamente, o último a desejá-la.
— Quem seria então o responsável? Fomos nós que
atacamos, ou foram os saltadores que vieram para cá com a
intenção de destruir todo o sistema?
Ber-Ka estudou a fisionomia do interlocutor e percebeu
nele uma sincera curiosidade. Não compreendia por quê.
— Prendemos, há poucos dias, alguns saltadores, não os
superpesados, e os interrogamos. Confessaram que estavam
planejando um grande ataque ao nosso sistema.
Topthor ficou perplexo.
— Saltadores? Saltadores normais? Não sabemos nada
disso. Ninguém tinha conhecimento desta ação que foi
preparada sob o maior sigilo. Quem teria sido o traidor? Há
algum detalhe deles, Ber-Ka?
— Por que o senhor está tão interessado nisso?
— Porque não pode ter havido traidores e porque o meu
trabalho preferido é explicar o impossível.
Ber-Ka ficou olhando muito tempo para o superpesado
e não descobriu nos seus olhos outra coisa, a não ser
curiosidade.
— Há poucos dias atrás, aterrissaram saltadores neste
planeta. Aliás, não aterrissaram por vontade própria, nós os
forçamos a descer por meio de raios de atração. O
comandante foi aprisionado. Outra nave, bem menor, caiu
também em nosso poder. Acho que o senhor sabe que nós
mantemos uma base neste planeta.
— Cheguei também a este conhecimento agora — disse
Topthor. — Mas continuemos. Quem eram estes
saltadores?
— Não sei exatamente, mas Al-Khor certamente poderá
informar. Ele interrogou os prisioneiros que mais tarde
acabaram fugindo.
— Fugiram? — a confusão de Topthor era grande. — Já
não estou compreendendo mais nada. Como foi possível
fugir?
— Os nativos do fundo do mar os ajudaram. Devem ter
feito aliança com eles.
— Nativos? Você está afirmando que neste “mundo
d’água” há seres inteligentes?
— Animais inofensivos com um vestígio de inteligência
— disse Ber-Ka, tentando diminuir o valor destes animais.
— Não têm a menor importância.
— De qualquer maneira, vocês instalaram esta base aqui
por causa deles, não é verdade? Mas, seja o que for, quero
saber quem eram os saltadores aprisionados que depois
fugiram. As naves não tinham inscrições do clã de origem?
— Não, tinham apenas um nome, mas não sei qual era.
Uma delas era de construção esférica e a outra uma espécie
de disco voador.
— Construção esférica? — repetiu Topthor, destacando
as sílabas. — Construção esférica dos arcônidas ou dos
terranos?
— Terranos?
Topthor deixou de lado a pergunta.
— Não há nenhum saltador que possua nave esférica,
fora alguns milionários extravagantes que se dão ao luxo de
comprarem estas naves conquistadas dos arcônidas. Mas
estes não têm nada a ver com nossa ação.
— No entanto, eram saltadores, eles mesmos o
confessaram. Acho, porém, que agora, depois de responder
de boa vontade todas as suas perguntas, tenho o direito de
lhe fazer algumas.
— Com todo prazer, mas antes, apenas uma
informação: em que planeta os senhores têm sua base, no
quarto ou no terceiro?
— Não há inconveniente algum em o senhor saber isto:
no quarto. Nós defendemos apenas o terceiro planeta, para
afastá-los do precioso “mundo d’água”.
Topthor mergulhou em profundos pensamentos.
— Pergunte o que quiser — disse ele meio aéreo.
Ber-Ka aproveitou a oportunidade.
— Por que os senhores atacaram nosso sistema? De
onde é que sabiam de nossa base?
A resposta de Topthor não veio logo, ele estava tão
ocupados com seus pensamentos, que o tópsida teve que
repetir as duas perguntas.
— Por que atacamos vocês? Meu caro Ber-Ka, não é tão
fácil explicar isto. De início, tenho que dizer que não
sabíamos que aqui havia uma base dos tópsidas. É difícil de
acreditar, mas nós estávamos certos de que aqui seria o
planeta pátrio dos terranos, de quem você já deve ter
ouvido falar. Ou o nome Perry Rhodan não significa nada
para você?
— Perry Rhodan...? — repetiu o tópsida refletindo um
pouco. — Sim, acho que já ouvi falar dele. Uma expedição
nossa se encontrou com ele num sistema nas proximidades
da Terra, acho eu; para falar a verdade, nós julgávamos que
fosse a Terra. Infelizmente não tivemos sorte nesta guerra,
fomos obrigados a fugir.
— Estes saltadores que vocês prenderam, como é que
pareciam?
— Ora, como os saltadores parecem. Humanoides,
esbeltos, falando um intercosmo perfeito.
— Os terranos também falam perfeitamente o
intercosmo.
— Por que teriam de simular outra identidade?
— Esta também é uma pergunta que eu faço Ber-Ka.
Sabe o que estou começando a suspeitar? Estou quase
acreditando que fomos vítimas de uma trapaça muito bem
112
arquitetada. Sabe quem eram seus prisioneiros? Não? Então
vou lhe contar: eram terranos, aliás, terranos que vieram
para cá em missão de Rhodan e denunciaram a vocês, que
nós, os saltadores, tencionávamos fazer um ataque aos
tópsidas. Só gostaria de saber como é que eles sabiam da
nossa intenção e por que meios chegaram à conclusão de
que as coordenadas estavam erradas.
— Quais coordenadas?
— As coordenadas da Terra que estavam registradas no
meu computador de bordo.
Ber-Ka se assustou.
— Quer dizer que o senhor conhece a posição do
planeta pátrio de Rhodan?
— Sim, pensava que conhecia, há muito tempo. Mas,
acho que você não me vai acreditar quando eu lhe disser
que estas coordenadas davam este gigantesco sol vermelho
como sendo o sol da Terra. Minha positrônica se enganou,
dando-nos coordenadas falsas. Rhodan já devia saber disso.
— Isto é... — Ber-Ka começou a gaguejar e parou de
falar.
Topthor olhou para ele e continuou:
— Parece coisa impossível, mas é assim mesmo. Não há
outra explicação para o enigma. E enquanto estamos
sentados aqui e procuramos resolver o enigma, lá em cima
no espaço a sua e a minha frota se destroem. Temos que
fazer alguma coisa.
— Minha estação de rádio não funciona — disse o
tópsida.
— Também não tenho certeza se meu rádio está bom.
Mas uma coisa é certa, Ber-Ka: aqueles saltadores, que se
deixaram prender com tanta facilidade, com o único intuito
de enganá-los, eram gente de Rhodan. Terranos. E vocês os
deixaram fugir. Seu comandante devia ser esquartejado por
este crime, pois ele somente é o responsável pelo massacre
que está acontecendo.
— Como assim? — admirou-se Ber-Ka.
— Se os senhores não tivessem atacado, não aconteceria
nada.
Topthor nada respondeu. Olhou para a escotilha da Top
II e viu o rosto de Regol, que fitava medroso pelo canto da
abertura.
— Alô, Regol, como está a instalação de rádio?
— Não funciona, Top. Chamamos uma nave que
passava perto, não houve resposta. Tenho receio de que...
Topthor, suspirando, fez um sinal para Ber-Ka.
— Também tenho receio, tópsida. Tenho receio de que
temos que tirar férias aqui no “mundo d’água”, até que a
sorte da guerra esteja decidida. Mas, qualquer que seja o
resultado, o verdadeiro e único vencedor se chama Rhodan.
É realmente uma vergonha que este homem não seja um
saltador. Como são geniais suas jogadas, que profundidade
tem seu pensamento. De que maneira maravilhosa ele sabe
fomentar intrigas, fazendo com que outros trabalhem para
ele, sem perceberem. Falando a verdade, daria meu braço
esquerdo, se pudesse ter Rhodan como meu aliado.
Parou de repente. Inclinou a cabeça e começou a rir:
— Nem seria necessário dar o braço esquerdo, estou me
lembrando agora. Conheço um superpesado que ganhou
milhões trabalhando com e para Rhodan. Meu amigo
Talamon foi mais prudente do que eu supunha. Agora sei
por que não quis tomar parte no ataque. Mas, espere velho
amigo, teremos que conversar um pouco quando eu voltar.
— Voltar...?
Topthor começou a refletir que sua volta não era tão
fácil assim, nem tão certa.
Rhodan sabia que somente um único saltador é que
podia descobrir o erro que vitimara toda a frota dos
superpesados. E ele, Rhodan, haveria de fazer tudo para que
esta única testemunha não abrisse a boca. Pois Topthor já
sabia todo o plano de Rhodan.
Vir ando-se para Ber-Ka, disse:
— Acho que vamos fazer as pazes, tópsida. Você não
vai ainda compreender bem o porquê de nossa aliança, de
sua raça e da minha. Temos um inimigo comum e não
podemos imaginar outro mais perigoso e traiçoeiro. Um
adversário que até simula derrota, para, na escuridão do
esquecimento, preparar a vingança. Um dia, Rhodan voltará
e esmagará todos os povos da Galáxia que não se tornarem
seus amigos.
— Não estou compreendendo tudo...
— Também não é necessário, Ber-Ka. No momento não
lhe resta outra opção, a não ser aceitar minha proposta.
Tente consertar seu transmissor. Você receberá de nós a
energia necessária. Nosso gerador principal ainda funciona.
Acenou para o jovem sáurio e voltou para sua própria
escotilha.
Ber-Ka ainda ficou parado uns instantes, depois,
arrastando os pés, encaminhou-se para as ruínas de sua
nave. Na cabeça, rodopiavam-lhe milhares de perguntas
sem resposta.
* * *
— Já percorri quase todas as naves, mas não se
consegue ver Topthor.
Gucky estava sentado apático na cabina de comando,
olhando desconsolado para Deringhouse. O fato de não ter
encontrado Topthor o aborrecia menos do que perder uma
aposta, principalmente quando o apostador era
Deringhouse.
— Quem sabe Topthor morreu logo no início da batalha
e sua nave foi destroçada? Então o problema já estaria
automaticamente resolvido.
— Rhodan quer ter certeza — disse Marshall. — Betty
Toufry diz ter recebido, por uns instantes, impulsos que
poderiam ser de Topthor.
— Como é que ela pode reconhecer isto? — duvidou o
rato-castor, esticando as orelhas. Os músculos de suas patas
traseiras se retesaram para o salto. — E em que região ela
ouviu os impulsos?
— Naturalmente no sistema Beta — explicou Marshall.
— Na direção do espaço interestelar.
— Bobagem — disse Gucky. — Na direção do planeta
Aqua. Está bem na direção indicada.
Marshall queria protestar, mas, de repente, seus olhos se
comprimiram. Olhou para Deringhouse demoradamente e
depois virou-se para Gucky.
— Parece que não é bobagem não, meu caro. Vou
conversar com Betty.
— Eu vou junto — ofereceu-se o rato-castor, pulando
de seu sofá. — E se você quiser, ainda estou pronto para
fazer outra aposta.
— Desta vez você não vai arranjar outra vítima, eu lhe
garanto — disse Marshall, desaparecendo no corredor.
Gucky parecia convencido da vitória.
Deringhouse estava olhando para os dois mutantes que
113
saíam, quando ouviu o zumbido da instalação de rádio.
Apertou um botão, mas a tela continuou apagada. Mas uma
voz conhecida, apesar de desfigurada pelo dispositivo de
decodificação, falava no alto-falante:
— A derrota dos tópsidas está iminente. Deve-se
esperar que os saltadores destruam até a última nave dos
tópsidas, antes de executarem sua última tarefa que é de
explodirem a suposta Terra. Talvez transformarão o planeta
das matas virgens numa imensa fogueira. Os nossos amigos
aquáticos, os homens-peixes, não terão nada contra, caso a
temperatura média de seu mundo se elevar um pouco.
Informes recém-chegados dão conta de que acabam de
aparecer mais duzentas naves vindas de Topsid. Vai atrasar
a derrota dos sáurios por algumas horas. E vocês, como
vão? Já descobriram Topthor?
— Ainda não, senhor — respondeu Deringhouse
abatido. — Talvez tenhamos achado uma pista. Marshall
saiu para averiguá-la.
— Temos que silenciar Topthor — ordenou Rhodan. —
Não resta dúvida de que não vai ficar de boca fechada. Já é
a segunda vez que este superpesado tenta destruir a Terra.
Se não pudermos prendê-lo, temos de matá-lo, do contrário,
jamais teremos sossego.
— Se o encontrarmos, senhor, haveremos de liquidá-lo.
A voz de Rhodan parecia cansada, quando falou:
— Talvez já tenha morrido em combate, o que me
pouparia muita preocupação. De qualquer maneira, temos
de ter certeza de que está morto. Se ninguém achar este
malandro, toda a ação foi inútil. Topthor é o único que pode
desvendar o segredo e contar tudo aos tópsidas. E isso,
temos de impedir de qualquer maneira. Onde está Gucky?
— Com Marshall, conversando com missToufry.
— Mande chamá-lo, Deringhouse, tenho um plano para
ele.
Menos de dez segundos após, Gucky se materializou na
cabina, e ficou olhando para a tela escura.
— O senhor me chamou chefe? — chilreou Gucky
alegre. Do cansaço que sentia antes, não se via mais nada.
— Acho que descobrimos as pegadas de Topthor.
— Ainda está vivo? — perguntou Rhodan.
— Se as pegadas são quentes, então sim. Por quê?
— Descubra Topthor, Gucky, é muito importante. Toda
esta batalha entre superpesados e tópsidas não terá
nenhuma importância, mesmo a destruição da suposta Terra
não tem interesse algum, se Topthor continuar vivo e
espalhar o segredo do engano. Você me compreendeu?
A voz de Rhodan era séria, mas foi se tornando mais
suave.
— Ouça bem, meu amigo, se você conseguir saber
alguma coisa com certeza sobre Topthor, eu lhe arranjo um
armazém inteiro de cenoura.
Por alguns segundos, o silêncio se fez completo, depois
se ouviu o guincho alegre de Gucky, dançando numa perna
só através da cabina, quase tropeçando nos pés do
comandante.
— Será maravilhoso, durante dois anos não vou mais
precisar fazer apostas e não há coisa que eu odeie tanto
como apostar. Será feito, chefe. Em uma hora, terei Topthor
nas mãos... e o armazém de cenoura.
Rhodan riu à vontade.
— Felicidades, Gucky, para você e para todos nós.
O alto-falante emudeceu.
Gucky ficou ainda um pouco sentado, depois se apoiou
no largo traseiro. Seus olhos leais de cão de fila pousaram
no rosto de Deringhouse. O dente incisivo de roedor estava
à vista, o que significava muito boa disposição por parte de
seu dono.
— Então, Gucky?
Deringhouse se esforçava para parecer sério.
— Quer apostar dois quilos, que você não vai encontrar
Topthor?
O rato-castor foi se retirando sem mesmo responder a
Deringhouse, nem mesmo olhar para ele. Antes de
desaparecer ainda chilreou:
— Dois quilos? Ridículo, para quem já é praticamente
milionário. Puxa, dois quilos, não se compreende como
alguém se atreve a isso...
O resto do protesto acabou. Gucky tinha se teleportado
para não se sabe onde. Por sorte, não para o espaço aberto
lá fora.
* * *
Topthor e Ber-Ka tinham naquele momento feito um
acordo. Entre eles haveria um armistício e ambos aceitavam
a obrigação de procurar ou os saltadores ou os tópsidas para
esclarecê-los sobre o horrível engano.
O transmissor da Top II não podia mais ser consertado e
também para ouvir estava muito difícil para Topthor, se
bem que as notícias não eram nada agradáveis para o infeliz
Ber-Ka. Os tópsidas estavam já derrotados, não havia mais
dúvida. Os míseros restos da frota encontravam-se
encurralados e obrigados à rendição. Muitas naves haviam
se refugiado nas clareiras da floresta virgem, sem atinarem
que exatamente este planeta achava-se condenado à
destruição total.
O reforço de Topsid estava chegando e entrando logo
em combate. Esta leva de forças frescas ainda tinha um
moral bem elevado e conseguiu infligir pesados danos aos
saltadores. Logo, porém, constataram a grande
superioridade dos superpesados. Os tópsidas fugiram, mas
seus perseguidores não tinham piedade, foram derrubando
uma nave após a outra. Somente as esferas espaciais de
Rhodan que apareciam aqui e ali, não eram atingidas.
Topthor e Ber-ka ouviam os relatórios. O tópsida tinha
perdido qualquer esperança e estava resignado. Mas não o
saltador.
— Tem que ser possível conseguir-se um contato com
uma das duas facções, Ber-Ka. Vocês tinham uma base
aqui. Fugiram todos ou ficaram pelo menos os guardas?
— Não sei — lamentou o tópsida. — As providências
tomadas pelo comando supremo nunca chegam ao nosso
conhecimento. Talvez existam ainda estações de rádio em
funcionamento aqui, mas como conseguiremos contato com
elas, se não sabemos onde estão?
O sáurio fez uma pausa, depois sacudiu a cabeça:
— Seria lógico que investigássemos primeiro o antigo
quartel-general. Se há algum sobrevivente, tem de ser lá.
— E onde é este quartel-general?
Ber-Ka apontou na direção do mar.
— Em qualquer lugar ali no litoral, numa ilha artificial
no mar. Mas não sei bem a localização, pois não tenho ideia
nenhuma do local onde aterrissamos. Temos de procurar.
Topthor franziu a testa.
— A explosão do reator destruiu meu porão e com isso
meu planador e minha viatura. Iremos a pé, mas eu acho
114
isso impossível.
— Uma viatura nós temos também — disse Ber-Ka,
com um raio de esperança. — O planador infelizmente foi
destruído durante seu ataque. Tentaremos chegar até o mar,
lá a praia é larga e bem firme, para servir de estrada.
Teoricamente temos que dar a volta toda pelo continente,
para chegarmos do outro lado, encontrando a ilha artificial.
— Mas isto é uma excursão muito agradável — disse
Topthor em tom amargo.
Porém compreendia que não havia outro jeito, se não
quisessem ficar ali a vida toda.
— Qual é o tamanho de sua viatura?
— Se quisermos levar bastante mantimento e água
suficiente, proporia uma tripulação de dois homens e,
naturalmente, o armamento correspondente. Não sabemos
por quanto tempo teremos de viajar.
O superpesado ficou pensativo. Depois abanou a
cabeça, concordando:
— Está bem, Ber-Ka.
Olhou para o céu, o sol estava a pino e o calor era
enorme.
— Vamos partir logo, cada hora é preciosa. Embora não
tenha esperança de chegar a tempo. Mas é indispensável
que todos saibam do grande erro, que prejudicará toda a
Via Láctea.
Os preparativos se fizeram em pouco tempo. Abriram
um rombo no bojo da nave tópsida, colocaram umas vigas
para deslizamento e um carro pesado rolou para o chão do
planeta. Tinha rodas e esteira, podia, pois ser utilizado em
qualquer tipo de terreno. Uma pequena metralhadora de
raios energéticos podia girar em todos os sentidos,
oferecendo assim proteção contra os ataques. O diminuto
reator em seu interior tinha energia suficiente para o carro
rodar ininterruptamente por mais de cem anos.
Caixas com mantimentos foram empilhadas e o
reservatório recebeu bastante água. Ber-Ka deu as últimas
instruções à sua tripulação, depois se virou para Topthor.
— Podemos partir. Acho que vamos atingir o litoral em
duas ou três horas. Depois será mais fácil.
— O que há com os habitantes da água?
Ber-Ka tentou despistar.
— Não precisa se preocupar com eles, são pacíficos e
não possuem armas. Nem tomam conhecimento de nós.
Temos apenas que cuidar para que ninguém dos seus ou dos
nossos nos veja e abra fogo sobre nós. Este é o grande
perigo que corremos. O único. Nosso tratado de paz
particular não vale para os outros.
Topthor examinou sua pistola de raios.
— Vamos obrigá-los a fazer a paz — disse ele
ameaçador, entrando na cabina do carro, que dava
normalmente para quatro tópsidas.
Quando Ber-Ka se sentou ao lado dele, todo o espaço
estava ocupado.
— Por todos os espíritos do espaço — disse o tópsida
em tom de brincadeira — não é à toa que todo mundo
chama seu povo de os “superpesados”.
Topthor sorriu amavelmente.
— Somos realmente pesados, mas não apenas no
sentido físico — explicou ele, olhando para a máquina.
Os que ficaram nas duas naves viram a viatura
desaparecer logo na mata virgem, voltando para seus
lugares.
Ber-Ka na direção encontrava sempre uma clareira ou
um trecho com pouca vegetação por baixo, para conseguir
ir rompendo com as poderosas lagartas. E quando lhe havia
pela frente grossos troncos de árvores, que não podiam ser
contornados, entrava em ação o termoradiador de bordo.
Assim foi que diversos montões de cinza fumegante
assinalavam o caminho que Ber-Ka e Topthor iam
seguindo, na primeira hora de viagem, floresta adentro.
Passou a tarde e veio à noite. Detiveram-se numa clareira e
se prepararam para o repouso noturno. É claro que podiam
ter continuado, mas temiam chamar a atenção pelo clarão
do farol.
A calefação espalhava um calor agradável na cabina.
Tão diferentes, os dois indivíduos fizeram sua primeira
refeição e se deitaram para o repouso.
Em volta deles, era o silêncio e a calma. Nenhuma lua
para iluminar as tristes sombras da floresta desconhecida,
onde poderiam estar escondidos inimigos invisíveis. Nada
se movia. Em algum lugar, altas ondas estariam rebentando
no litoral e banhando as pilastras de aço que sustentavam a
ilha artificial. Isto podia ser a uma distância de dez
quilômetros, mas podia também ser a mil quilômetros.
Topthor teve um sono muito perturbado. Acordou
muitas vezes. Ficava então ouvindo a respiração
compassada de seu aliado não intencional, que ele aos
poucos começava a invejar. Quando ele virava a massa
bruta de seu corpo para o outro lado, o carro balançava. É
verdade que o Jovem tópsida não percebia nada disso, seu
sono era profundo.
Afinal clareou o dia. No leste, o céu se coloriu com
todos os matizes do arco-íris. O sol vermelho galgou,
gigantesco, as grimpas das árvores.
Topthor acordou Ber-Ka.
— Já é hora de nos pormos a caminho, já perdemos
muito tempo. Certamente a batalha já terminou, mas
ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Você prepara a
refeição matinal?
Enquanto o tópsida preparava uma refeição leve,
Topthor desceu da cabina e deu umas voltas. Estava
convencido de ter ouvido certos ruídos durante a noite. Se
alguém tivesse andado pela redondeza, devia ter deixado
rastros. Estava também intimamente convencido que
tinham errado um pouco o caminho e queria averiguar.
Na clareira não se notava nada de extraordinário.
Nenhum afastamento de galhos ou ramos quebrados levava
à ideia de que alguém tivesse passado por ali. Não havia
animais na floresta, como Ber-Ka havia dito, pelo menos
não animais maiores. O pé de Topthor já estava preparado
para o próximo passo, quando estancou de repente. Ficou
parado com o pé no ar. Seus olhos ficaram estarrecidos,
olhando incrédulos uma pegada de algo que se arrastava,
vindo da floresta para a clareira, dando uma volta em torno
do carro e desaparecendo do outro lado na vegetação baixa.
Nenhum galho quebrado, como se o rastro fosse de algo
que se arrastasse.
Topthor voltou lentamente para a viatura. Ber-Ka já
sabia do que se tratava.
— Não se preocupe Topthor, são os seres da água. Às
vezes vêm à terra, mas voltam logo a seu elemento. Se o
senhor viu o rastro deles lá fora, é sinal que o mar não está
muito longe. Portanto, estamos alcançando o que queremos.
E agora, venha tomar sua refeição para que possamos
continuar.
Topthor olhou mais uma vez para as pegadas e se
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espremeu para entrar pela porta do carro, para ele estreita
demais.
Apesar da perspectiva de alcançar o mar em breve, não
sentiu muito apetite com a comida que o tópsida lhe
preparara, não por causa da comida em si. Talvez fosse a
incerteza do que tinha pela frente, que lhe tirou o apetite.
4
Foi mais ou menos por esta hora que a última nave de
Al-Khor foi destruída. A frota dos tópsidas não existia
mais.
O último comunicado do rádio, que saiu do terceiro
planeta, dava conta ao Ditador do Império Estelar Tópsida
de que suas tropas haviam cumprido seu dever e haviam
resistido ao inimigo invasor até a última gota de sangue.
Topsid não respondeu.
* * *
Rhodan percebeu que alguém entrava na cabina. Era o
Dr. Certch, o psicólogo dos robôs. O pensamento cada vez
mais independente dos cérebros positrônicos e eletrônicos
tornou necessário criar uma especialização científica. Era,
portanto, missão de Certch supervisionar os complicados
processos de pensamento dos robôs e prever como seus
cérebros decidiriam em cada caso concreto.
— Então, doutor, o senhor por aqui? Pensava que o
senhor não se preocuparia com coisas tão pequenas como
batalhas espaciais.
— Não estou realmente preocupado com isso, senhor —
disse Certch sorrindo, mas em sua voz havia um vislumbre
de seriedade, que Rhodan logo percebeu. — Há, no entanto,
acontecimentos que não podem ser menosprezados.
— E quais seriam eles? — perguntou Rhodan,
empurrando as mensagens de rádio para trás, recebidas nos
últimos sessenta minutos. Confirmavam o que já se sabia.
Os superpesados conseguiram a vitória e agora se
preparavam para desfechar o último golpe contra a “Terra”.
Cekztel tinha mandado preparar a bomba arcônida.
— O senhor sabe que construí para mim mesmo um
pequeno cérebro positrônico, a que dei o nome de Max.
Max é uma calculadora, se assim posso me exprimir.
Um psicólogo mecânico que pode prever e calcular
todos os processos de pensamento de seus irmãos maiores.
Estive “conversando” muito tempo com Max.
— E que é que ele diz? — queria saber Rhodan, que
conhecia a profundidade do cientista e a respeitava. Por
mais de uma vez, Dr. Certch tinha provado ser entendido
nos pensamentos lógicos dos cérebros mecânicos. —
Esperamos que sejam previsões boas.
— Max está preocupado por causa do cérebro
positrônico na belonave de Topthor. Temos que supor, de
acordo com o que aconteceu até agora, que o próprio
Topthor está interessado em disfarçar o erro. Há, no
entanto, uma hipótese bem justificada — dizia Max — de
que o cérebro pense diferente e esteja decidido a esclarecer
o erro. E Max ainda é de opinião de que, mais cedo ou mais
tarde, a trapaça dos mutantes será descoberta e a alteração
feita por eles virá à luz. Com outras palavras: os saltadores
haverão de notar que destruíram, não a Terra, mas um
pobre planeta inofensivo.
— Suposto, naturalmente, que Topthor e sua nave não
tenham sido atingidos por uma descarga energética.
Certch confirmou com um movimento da cabeça.
— Naturalmente. Mas não sabemos se ele morreu em
combate. E mesmo que tenha morrido, ainda existe a
possibilidade de que sua nave esteja apenas danificada e
seja um dia encontrada. Então o robô terá tempo suficiente
para esclarecer o enigma. Se o senhor quiser estar bem
convencido de que sua jogada deu certo, então terá de
providenciar para que a nave de Topthor seja
completamente destruída.
— Concordo com o senhor, doutor. Mas antes de tudo,
temos que encontrar Topthor e sua nave. Conforme meus
cálculos, os saltadores ainda estarão ocupados por algum
tempo em salvar seus sobreviventes e colocar a salvo suas
naves ainda aproveitáveis. Somente depois disso é que vão
destruir o terceiro planeta. Depois de se retirarem deste
planeta, será tarde para nós. Temos, portanto, pouco tempo
para eliminar o perigoso Topthor. John Marshall e seus
mutantes estão fazendo todos os esforços para conseguirem
isto. No entanto, até agora, sem resultado.
— Espero que sejam bem sucedidos — disse Certch.
— Tudo depende exclusivamente disto — disse
Rhodan, acenando para Certch que estava deixando a
cabina. Praticamente estava deixando a solução do
problema nas mãos de Marshall que saía da seção dos
mutantes, acompanhado de Betty Toufry, para falar com
Rhodan. Certch, curioso, os seguiu. Sua despedida da
cabina fora muito curta.
— Betty teve impulsos claros de Topthor — disse
Marshall agitado — mas ainda não o conseguiu localizar.
Gucky também está tentando localizá-lo. O interessante é
que nós podemos afirmar com certeza que a nave de
Topthor não estava junto com o grosso da frota.
— Onde, então?
— Se soubéssemos onde, estaria tudo terminado —
respondeu Marshall. — O senhor sabe, chefe, que
distâncias não se podem calcular só por meios telepáticos.
Por isso, Gucky ficou a bordo da Centauro, enquanto Betty
e eu nos transportamos para a Titan. O senhor sabe que
calcular uma distância com auxílio de duas retas dadas e de
um ângulo conhecido, não é mais problema hoje. Aliás, já
116
não era há muitos séculos. Completamente novo é
determinar as duas retas somente por meios telepáticos.
Betty e Gucky tentam localizar Topthor. Betty já sabe qual
é à distância. De Gucky ainda não sabemos nada.
— Você tem contato com a Centauro?
— É claro, capitão Lamanche dirige as operações lá de
cima. Deringhouse voa agora para Aqua.
— O planeta das águas? Por que isso?
— Porque os impulsos secretos de Topthor provêm de
lá.
Rhodan comprimiu os olhos e fitou Marshall, muito
pensativo.
— Quer dizer então que está faltando só a orientação de
Gucky?
— Exatamente — respondeu Marshall. — Então
saberemos onde está Topthor. Onde se cruzarem as retas de
Betty e de Gucky, aí está o superpesado.
Soou o intercomunicador e o semblante do cadete
Martin apareceu na pequena tela.
— Marshall está com vocês?
Rhodan fez um sinal para Marshall.
— Sim, está conosco. Você tem notícias de La manche?
— Gucky transmitiu exatamente agora uns dados para
Marshall. Devo repeti-los?
Marshall fez sinal que sim. Estava com lápis e papel na
mão. Betty olhava curiosa para ele. Dr. Certch dava
passadas nervosas de um canto para outro. A ele interessava
sobretudo a destruição da belonave de Topthor, e com isto
também o desaparecimento do perigosíssimo computador
de bordo.
— Leia devagar, por favor.
Marshall anotou as coordenadas e começou a fazer
diagramas. Em passos rápidos, aproximou-se de Rhodan e
pediu:
— O mapa do sistema, senhor. Acho que o palpite de
Gucky estava certo.
E Rhodan, entregando-lhe o mapa:
— Que palpite?
— Que Topthor havia aterrissado em Aqua.
Provavelmente desconfiou e quis ver pessoalmente
“Marte”. Então está na hora de tomarmos iniciativa.
— Centauro chamando, senhor — interrompeu Martin,
desaparecendo da tela.
Por uns trinta segundos, houve silêncio total na cabina.
Todos esperavam meio angustiados o que havia sucedido.
Finalmente acendeu a luz do intercomunicador. Martin
parecia meio apavorado ao falar:
— Foi Deringhouse. Avisou que Gucky desapareceu
completamente.
Rhodan respirava com dificuldade.
— Que quer dizer desaparecer completamente? Onde
está a Centauro?
— Está circunavegando Aqua, senhor. O rato-castor,
assim diz o relatório de Lamanche, falara que tinha ainda
de liquidar um assunto, depois disso desapareceu. No
arsenal está faltando uma pequena bomba atômica.
A fisionomia de Rhodan clareou. Marshall, que estava
pálido como cera, deixou transparecer um leve sorriso:
— Que malandro este Gucky. Ele sabe que o procurado
está no quarto planeta e toma suas próprias decisões. Não é
um pouco apressado, chefe?
Rhodan não conseguiu disfarçar o sorriso:
Um de nós tinha que fazer isto; por que não Gucky?
Prometi-lhe um armazém de cenoura se conseguisse achar
Topthor.
Marshall caiu na poltrona mais próxima.
— Então... — murmurou ele, fechando os olhos com
resignação.
* * *
Uma forte aragem do sul tocava as ondas, sem cessar,
contra a praia arenosa que se estendia reta de leste para
oeste, raramente interrompida por enseadas idílicas. Após
uns cem metros da praia começava a floresta virgem. Estes
cem metros eram tão planos como uma estrada.
Quando Topthor, que dirigia a viatura, viu o mar, parou
sem querer. Encantado, ficou olhando para a superfície
azul, a se perder no horizonte. No céu, o sol alaranjado.
Estava quente, de maneira que a brisa do mar foi-lhes um
grande alívio. A cúpula de vidro do carro estava aberta.
— O melhor é dobrarmos para o leste — disse Ber-Ka,
a quem a visão do mar era coisa comum. — A ilha de aço
está no litoral sul, isto eu sei com certeza. Mais ou menos
na extremidade sudeste do continente.
Topthor se desprendeu do belo panorama. Virando-se
para seu companheiro, disse:
— Agora estou compreendendo porque vocês
instalaram aqui uma base. É realmente um mundo em que
se pode viver bem.
O tópsida nada respondeu. Continuou olhando para o
lado da praia, como se esperasse encontrar alguém. Mas
não conseguiu ver as listras prateadas na superfície do mar
que denunciavam a presença dos seres aquáticos. Os
habitantes de Aqua, como Deringhouse batizara este
mundo, viviam exclusivamente na água. Em terra, não
aguentavam mais do que duas ou três horas.
Movimentavam-se na água como um avião a jato: com a
boca enorme sugavam boa quantidade de água,
comprimiam-na no centro do corpo com um órgão especial,
tocando-a para fora com grande pressão através de uma
válvula traseira. Desta maneira, seu nado atingia enorme
velocidade.
Não apareceram e Ber-Ka estava meio decepcionado.
Topthor não estava mais admirando a beleza primitiva
daquele mundo virgem. As preocupações estavam voltando
à sua cabeça. Acima de tudo, a incerteza sobre o que havia
acontecido. O fraco transmissor do carro não dava para
entrar em contato com a frota. Chamar a Top II também
não fazia sentido, pois não podiam responder.
Uma situação desesperadora. Mas alguém certamente o
acharia e aí então a trapaça de Rhodan viria à luz. Quem
sabe o cérebro positrônico da Top II haveria de corrigir seu
erro e então os saltadores fariam verdadeiro ataque à
verdadeira Terra.
— A ilha...! Estamos chegando.
Topthor viu a construção abaulada, a mais ou menos
dois quilômetros do litoral. Pilastras esguias, apoiadas no
fundo do mar, sustentavam esta estranha ilha. Um parapeito
cercava toda a plataforma, impedindo que alguém caísse ao
mar.
Mas não havia sinal de vida na plataforma. A ilha
artificial parecia morta. Topthor não deu uma palavra.
Andou mais uns dez minutos e depois parou num lugar bem
em frente à ilha. Num porto improvisado, estavam alguns
barcos sem dono.
Ber-Ka apontou-os.
117
— Chegaremos à ilha com eles. Vamos, não perca
tempo.
Topthor estava hesitante e disse:
— E se alguém nos viu e está a nossa procura para nos
matar?
— Verão que sou oficial e não atirarão em você sem
mais nem menos, estando ao meu lado. Quem sabe o que já
aconteceu por aqui? Venha Topthor, cada minuto é
precioso.
Um pouco assustado, Topthor abandonou o carro que
até então o protegia bem. A visão da ilha solitária e
estranha não lhe agradava nada, embora fosse o único meio
de tentar contato com sua gente. Dava também a mesma
oportunidade a Ber-Ka.
Se Topthor quisesse ser honesto consigo mesmo, teria
de confessar que, a princípio, não estava confiando muito
no tópsida, quanto ao caminho para a ilha. É certo que os
dois tinham um acordo, feito, porém pela necessidade do
momento e não por simpatia. Estavam convencidos de que
manteriam o contrato, somente enquanto um precisasse do
outro. Quando Ber-Ka encontrasse os seus, não precisaria
mais de Topthor e vice-versa.
Ber-Ka já estava em pé dentro de um barco, como que
convidando para um passeio na ilha.
— Venha Topthor, não temos tempo a perder.
O superpesado se pôs em movimento. Em sua cintura,
balançava a pistola energética. Seus pés entravam fundo na
areia. Não tirava os olhos de Ber-Ka, pois não queria ser
surpreendido com um tiro pelas costas. O momento da
decisão se aproximava inexorável.
O barco balançava bastante, mas com um pequeno ruído
do motor, ia levando os dois para o ancoradouro da ilha,
uma plataforma bem rente ao mar. Neste local, o paredão
liso da ilha era substituído por um portão. Uma roda fazia
as vezes do usual trinco ou alça de abrir.
Ber-Ka amarrou o barco bem firme num gancho e
saltou. Com mãos ágeis abriu o portão, enquanto Topthor
se esforçava para botar o pé no chão da ilha, cujas paredes
se erguiam a mais de vinte metros de altura. Topthor não
conseguia ver o fundo do mar e não sabia, pois, qual era a
profundidade.
O tópsida já tinha entrado e virou-se para trás:
— Venha Topthor, não sei se vamos achar a instalação
funcionando ou a tripulação presente. Mas vamos
experimentar. Isto era nosso quartel-general, porém como
estou vendo, inundaram a parte inferior. Repare que as
escadas estão encobertas pela água. Só aquela é que está
livre. Não tenho nenhuma ideia onde se encontra a cabina
de rádio.
— Se existia uma, ou ainda existe, nós encontraremos
— disse Topthor mais otimista. — Provavelmente nos
andares de cima. Vamos dar uma olhada primeiro na
fortaleza aquática. Estou achando as instalações muito
interessantes, embora não compreenda por que não a
construíram em terra firme. Não havia adversários, não é?
— Devido ao contato com os nativos — explicou Ber-
Ka.
Com Topthor atrás dele, começou a subir.
Tinham levado consigo só as coisas mais importantes, o
restante ficara embaixo. Tudo demonstrava que era
intenção dos tópsidas voltar para o quartel-general logo
após a batalha. Nos armários, ainda estavam guardados os
rolos de fitas magnéticas e os microfilmes sobre o quarto
planeta do sistema Beta. Os olhos de Topthor viam
cobiçosos aqueles tesouros de documentos. Se pudesse
pegaria tudo. Mas depois pensou friamente que os tópsidas
não voltariam mais, pois estavam mortos. Com toda
probabilidade, Ber-Ka era o último tópsida vivo, a entrar
naquela ilha de aço.
A mão de Topthor estava por acaso na coronha da
pistola quando Ber-Ka virou de repente para trás e apontou
para frente, onde havia uma porta aberta. Atrás dela, estava
a instalação de rádio, um salão bem claro.
O superpesado estremeceu todo de susto, como que
apanhado numa ação imoral. Deu um sorriso forçado,
olhando para Ber-Ka.
— Excelente, Ber-Ka, a jogada de Rhodan está
chegando ao fim.
O grande salão estava vazio. Os aparelhos, receptores,
geradores e transmissores estavam em seus lugares. Amplas
janelas deixavam entrar a luz do sol. As poltronas dos
operadores estavam como eles haviam deixado.
A qualquer momento, pensava Topthor, os sáurios
poderiam voltar como se tivessem saído apenas por uns
instantes. Mas depois, achou que estava louco, pois os
tópsidas não tinham sido todos derrotados e mortos?
Ninguém voltaria para ali. Ber-Ka era e continuava sendo o
único tópsida vivo. O último a entrar naqueles tesouros.
— Você entende alguma coisa disso?
— O suficiente para dar conta do recado — afirmou o
jovem oficial, apontando para uma complicada instalação.
— No começo de minha carreira, era operador de rádio.
Espere, em poucos minutos teremos Al-Khor ali na tela.
Topthor franziu as sobrancelhas.
— Por que não Cekztel, meu comandante supremo?
Quem sabe se Al-Khor já está morto, depois que toda sua
frota foi destruída?
— Isto aqui é uma estação dos saltadores ou dos
tópsidas? — perguntou Ber-Ka. — Assim que eu falar com
Al-Khor, a estação fica a sua disposição. Mais, você não
pode exigir.
O superpesado concordou hesitando.
Sua mão estava de novo na cintura.
— Está certo, Ber-Ka, mas sem a minha
magnanimidade você não estaria nesta ilha. Tenho, pois, o
direito de ser o primeiro a falar. Além disso, não adiantaria
nada à sua frota se Al-Khor for cientificado da trapaça de
Rhodan. O importante é que a frota dos saltadores seja
esclarecida. Compreende isto?
Mas Ber-Ka estava possuído por uma idéia fixa. Queria
vingança e queria realizar um feito heróico. Se ele matasse
o saltador e conseguisse que as operações de guerra
recomeçassem, receberia a comenda de bravura do ditador.
Mas este saltador era um adversário ágil e perigoso, que
não se podia menosprezar.
— Talvez o senhor tenha razão — disse ele cauteloso.
— Por favor, use a instalação primeiro. Certamente o
senhor saberá manuseá-la.
— Também Já fui operador de rádio — respondeu
Topthor, passando ao lado de Ber-Ka, em direção à cadeira
livre, já com a arma na mão.
Ao perceber, pela imagem refletida no vidro abaulado
da tela, que o sáurio havia sacado a pistola para matá-lo
pelas costas, sua reação foi espantosa. Fez como se fosse
sentar na poltrona do operador, deu meia-volta e se atirou
no chão, descarregando a arma.
118
Ber-Ka foi apanhado de surpresa, morrendo sem um
gemido, com a arma apontada para Topthor. O fluxo
energético cessou, Topthor respirou aliviado, guardando a
arma na cintura. Estava agora livre de qualquer ameaça do
traidor sáurio, que tinha matado em legítima defesa. O
cadáver seria prova disso, da intenção de Ber-Ka de matá-lo
pelas costas. Haveria de deixá-lo como estava.
Topthor se sentou diante dos aparelhos e começou a
estudá-los. A instalação basicamente não era muito
diferente da dos saltadores. Apresentava, porém, algumas
novidades nos controles, com que não estava acostumado.
Estava, porém, convencido que não levaria muito tempo
para fazer tudo funcionar.
Ficou uns dez minutos diante dos aparelhos tentando em
vão, até que esticou a mão direita e empurrou uma
alavanca. Regulou a frequência do transmissor e pegou o
microfone, depois que a tela ficou iluminada.
— Alô, aqui fala Topthor, do quarto planeta do sistema
Beta. Aqui fala Topthor do quartel-general dos tópsidas.
Estou chamando Cekztel, comandante supremo dos
superpesados. Apresente-se, Cekztel. Tenho uma
comunicação importantíssima para lhe fazer. Apresente-se.
Repetiu três vezes seu apelo e depois passou para a
escuta. Não teve que esperar muito, até que apareceu na tela
a imagem desfocada do velho patriarca, os olhos astutos,
como que sobressaindo do nariz chato e da imensa barba,
procuravam, como se não vissem, a imagem de Topthor.
— Alô, Topthor? Aqui fala Cekztel, por que não liga
sua câmara? Minha tela está escura.
— É uma instalação de rádio dos sáurios, que não
domino bem. Mas, não tem importância. Preste atenção,
Cekztel: faça paz imediatamente com os tópsidas.
— Você ficou maluco? Os tópsidas se aliaram com os
terranos e eu devo fazer pazes com eles? Além disso, não
saberia onde encontrar um comandante deles. Somente a
gigantesca nave esférica de Rhodan é que aparece de vez
em quando, junto com pequenas unidades. Naves
cilíndricas não aparecem mais.
— Venha me apanhar aqui, Cekztel, você vai me
encontrar facilmente. No quarto planeta...
— O que está fazendo aí? Não vi sua nave durante todo
o tempo do ataque.
— Eu lhe conto tudo mais tarde, Cekztel. De qualquer
maneira, você ficará boquiaberto quando lhe disser que este
Rhodan nos enganou novamente.
— Não diga besteira, Topthor, ganhamos a batalha e
estamos nos preparando para acabar de destruir a Terra. Só
mais uma hora e...
— Um grande erro — interrompeu-o Topthor, sorrindo,
o que o patriarca não podia naturalmente ver. — Um
grande erro. Você podia poupar sua bomba e...
Topthor parou sem querer, pois neste segundo sua tela
escureceu. A imagem de Cekztel desapareceu e ao mesmo
tempo cessou o leve zumbido da aparelhagem. As lâmpadas
de controle apagaram. A instalação toda havia desligado
por si.
Antes que Topthor pudesse compreender o que se
passava, ouviu uma voz sibilante atrás de si.
— Vire-se, mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu, virando-se vagarosamente.
* * *
Deringhouse não era tão ingênuo assim.
— O que vamos fazer no planeta Aqua, Gucky? —
perguntou ele cauteloso, hesitando quanto ao próximo
hipersalto. — Lá não existe nada.
— Quem sabe, existe — respondeu o rato-castor,
desenhando um triângulo quase eqüilátero numa folha de
papel. — Quem sabe existe mesmo muita coisa.
— Não compreendo, não, Gucky.
— Então, vou lhe explicar, chefe. O bom Topthor está
em Aqua, para gozar férias especiais. Eu gostaria de
abreviar estas férias, antes que ele faça bobagem.
— Topthor? — perguntou Deringhouse perplexo, como
que atingido por um choque elétrico. — Topthor?
— Exatamente — disse Gucky radiante e ao mesmo
tempo suplicante, no seu olhar de cão fiel. — Você sabe, o
chefe me prometeu uma coisa, se eu encontrasse Topthor.
Sabe o que vou receber, quando o deixar fora de combate e
destruir sua espaçonave?
— Você sozinho? — admirou-se Deringhouse, olhando
já agora para o mapa sideral. — Eu também gosto de ser
amigo de Rhodan.
— O que você vai fazer com uma meia dúzia de
alqueires de cenoura? — perguntou Gucky. — Basta que
nossa nave passe a uns mil quilômetros de Aqua.
— Devo avisar Rhodan...
— Mais tarde, major. Não se pode saber se nesse meio
tempo Topthor já se comunicou com Cekztel.
Deringhouse concordou e apanhou a calculadora.
Três minutos mais tarde, a Centauro surgiu perto de
Aqua, descendo em parábola até se aproximar da camada
atmosférica.
— Então, Gucky? — perguntou Deringhouse, virando-
se para trás. — Você está conten...
O major interrompeu a palavra. Gucky já não estava
mais na cabina, havia desaparecido sem deixar rastro.
Então, Deringhouse não hesitou mais em noticiar tudo
imediatamente a Rhodan.
* * *
Quando o planeta das águas apareceu na tela, Gucky se
concentrou e pulou. Assim que sentiu chão firme debaixo
dos pés, respirou aliviado. Era sempre um grande risco
pular no nada, mas Gucky teve sorte. Estava no alto de um
morro sem vegetação, que emergia íngreme do meio da
mata virgem, proporcionando um magnífico panorama. Isso
não interessava muito a Gucky, mas a busca foi muito
facilitada pelo fato de que Aqua possuía apenas um
continente, que não era tão grande assim.
Olhou para o sol quase a pino, sentou-se numa pedra
lisa e fechou os olhos. Tinha que ouvir o que não podia ver.
Do contrário, não encontraria sua presa.
E sua presa se chamava Topthor. Concentrou-se para
captar os impulsos de pensamento do superpesado, o que
devia ser mais difícil do que no espaço livre. Para sua
surpresa, porém, percebeu logo nos primeiros segundos
partes de pensamentos, que sem dúvida vinham de
saltadores e de tópsidas.
“Saltadores e tópsidas! Na mesma direção?”
Gucky virou a cabeça; a distância, naturalmente, não
podia calcular, mas a direção, sim.
— Puxa, saltador e tópsida em harmoniosa conversa,
que surpresa! Isto tem que ser examinado de perto. Quem
119
sabe Topthor pode estar por perto — murmurou.
Procurou localizar bem a direção e se teleportou para o
próximo morro. Depois da terceira teleportação, viu duas
naves: ou melhor, escombros de duas naves, próximas uma
da outra, num planalto pedregoso. Gucky realmente se
espantou:
— Puxa! A Top II, se não me engano. Que coisa
maravilhosa!
Enfiou a mão num bolso de couro da cintura, tirando
dali um objeto metálico, do tamanho de um ovo de galinha,
a bomba atômica. Pegou-a com cuidado, regulou o
detonador, apertou um botão, olhando para que se
mantivesse nesta posição, Se o soltasse, a bomba teria cinco
segundos para explodir. Pulou para dentro da nave e se
materializou na cabina de comando que pertencera a
Topthor. O oficial que estava de plantão, sentado no sofá,
arregalou os olhos espantado e se levantou num pulo para
ver melhor a estranha aparição. Tinha arma na cintura, mas
não fizera menção de usá-la. Olhava horrorizado para o
rato-castor que surgira do nada, segurando um objeto
metálico na mão, como se quisesse atirá-lo.
— Se você for bonzinho, lhe darei uma coisa — disse
Gucky no mais puro intercosmo, que deixou o superpesado
ainda mais perplexo.
Conseguiu apenas balbuciar:
— O que você vai me dar?
— A vida — disse-lhe Gucky triunfante, mostrando-lhe
a bomba. — É poderosíssima, se eu a soltar, explode
imediatamente e haverá então um buraco enorme neste
trecho do planeta. Portanto, não faça bobagem. Vá para o ar
livre lá fora e reúna os outros.
— Os outros? — disse o pobre superpesado, sem
compreender nada. — Quem é você?
— Sou Gucky. Nunca ouviu falar no meu nome? Meu
melhor amigo se chama Perry Rhodan.
— Rhodan...? — exclamou o bem nutrido guarda. —
Rhodan está aqui?
— Na redondeza, bem perto. E agora, chame os outros
lá para fora. Eu queria dizer umas palavras a eles. Chame
também os sáurios. Vocês fizeram aliança com eles?
— Foi ordem de Topthor. Ele disse que a guerra foi um
erro.
— Toda guerra é um erro — continuou Gucky. — Mas
há erros que evitam a guerra.
O superpesado continuava olhando para Gucky, sem
nada compreender. Gucky sorria, mostrando seu dente
roedor.
— Vamos, não temos tempo a perder. Em dois minutos,
quero ver as duas tripulações lá fora. E lhe digo logo que
tenho uma bomba atômica em minhas mãos que detonará
cinco segundos após minha morte, se algum maluco estiver
pensando em me matar.
Levou apenas um minuto. Gucky esperou na escotilha
até que os saltadores e os tópsidas estivessem todos
reunidos lá fora, no planalto. Depois avançou um pouco
mais, com a mão erguida, e gritou bem alto:
— Para ser bem rápido: Rhodan me deu a incumbência
de, com esta bomba atômica, destruir os escombros da
nave. Desapareçam todos daqui, do contrário voarão pelos
ares em pedaços. Têm dez minutos para isto.
Compreendido?
Entenderam perfeitamente, disparando em todas as
direções. Apenas um dos superpesados, com menos de
quatrocentos quilos, ainda antes de entrar na floresta virou
para trás e disse:
— Sem a nave, nós não temos mais abrigo. Temos que
morrer aqui ou alguém virá nos salvar?
Gucky encolheu os ombros.
— Construam seus ninhos — disse ele pilheriando. —
Aliás, onde está Topthor?
O superpesado acabou de desaparecer. Gucky ainda
esperou dez minutos. Depois voltou ao grande aparelho e
procurou o lugar onde estavam os instrumentos de
navegação positrônica. Parou diante daqueles gigantescos
aparelhos, mostrando-lhes a bomba atômica, dizendo
baixinho:
— Agora vocês vão receber um presente especial,
principalmente você, computador de boa memória. Sabe
também por quê? Não? Muitos já morreram sem saber o
porquê. O mesmo vai acontecer a você.
Com muito cuidado, colocou a bomba sobre a mesa de
controle, diante do robô, e deu um passo atrás. O botão
vermelho estava puxado para fora. Gucky se
desmaterializou e, em menos de um segundo, estava no alto
de um morro, a cinco quilômetros dos escombros da Top II.
— Ainda três segundos — disse ele, sentando-se sobre a
volumosa cauda. — Agora!
Lá ao longe, além do teto verdejante da floresta, subiu
ao céu o clarão ofuscante da explosão, apagando quase a
claridade do sol. Um cogumelo de fumaça surgiu lento:
estava tudo acabado.
— Aquela caixa de metal não falará mais — disse para
si mesmo, virando-se para outra direção. — Topthor está
pensando de novo muito alto. Portanto deve estar por perto.
No horizonte, se estendia a imensa superfície do mar,
até se encontrar com as nuvens baixas, à direita da língua
de terra.
— Está falando com Ber-Ka, quem é Ber-Ka? — Gucky
auscultava atento. De repente, levantou-se de um salto, e de
pé, com a cabeça levemente virada, como se assim pudesse
ouvir melhor. — Ele é um assassino? Isto me torna o
serviço mais fácil. Vamos lá, meu caro.
Com “meu caro”, Gucky se referia a si mesmo. O
primeiro salto o deixou na praia, não longe daquele lugar
onde ancoravam os barcos para a travessia. Ali no mar,
estava a ilha de aço. Gucky sondou e percebeu que Topthor
devia estar ali.
O segundo salto levou Gucky para a plataforma da ilha.
Daí em diante, não quis mais se teleportar. Concentrou-se
nos pensamentos de Topthor e achou a direção exata. O
saltador devia estar debaixo da plataforma, na sala de rádio.
Ber-Ka já estava morto e Cekztel estava no aparelho para
falar com Topthor. Não se podia perder mais um segundo.
Gucky desceu as escadas, atravessou o corredor, chegando
a uma porta encostada, que abriu cuidadosamente.
Viu Topthor de costas, olhando para a tela. Ao lado
dele, jazia o cadáver de um sáurio.
— ...erro — dizia Topthor. — Um grande erro. Você
podia poupar sua bomba e...
Gucky emitiu um fluxo de suas forças telecinéticas,
pegando com mão invisível na confusão eletrônica dos fios.
A imagem sumiu da tela, a resistência queimou, não
havendo mais corrente.
— Vire-se — disse Gucky — mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu imediatamente.
120
5
Embora os tópsidas tivessem perdido toda sua força
aérea, Al-Khor julgou seu dever continuar lutando até não
haver mais um só saltador no quarto planeta.
Ao aproximar-se da suposta Terra com suas naves de
reconhecimento, Cekztel teve uma surpresa desagradável.
Das fortalezas improvisadas pelos sáurios, saiu uma reação
de fogo antiaéreo tão forte e inesperada que em muitas
naves o envoltório energético não resistiu.
Cekztel viu horrorizado que quase a metade de sua frota
de patrulhamento foi destruída. Arrependeu-se de ter
subestimado os terranos.
A tudo isso ainda acrescia que, exatamente nesta
situação desesperada, surgiam as naves esféricas de
Rhodan, aumentando ainda mais a confusão. Três outras
naves dos saltadores ainda foram destroçadas.
O terceiro planeta se transformara em inferno ignívomo.
A impressão, pelo menos conforme o raciocínio dos
patriarcas dos saltadores era de que os terranos haviam
transformado seu planeta pátrio numa fortaleza subterrânea.
Talvez fosse essa a explicação para o fenômeno que
causara tanta dor de cabeça a Cekztel. Todo planeta
civilizado, assim era o seu raciocínio, devia ter seu cartão
de visita: a superfície. A superfície da “Terra”, no entanto,
constava apenas de uma paisagem rústica que não
apresentava o menor sinal de civilização. Será que os
terranos tinham toda sua civilização em subterrâneos?
Sua última dúvida a respeito de se tratar mesmo da
verdadeira Terra desapareceu com o repentino e violento
contra-ataque subterrâneo.
Suas ordens chegavam a todas as centrais de comando
do restante da frota:
— Retirada imediata. Ponto de encontro em BK
cinqüenta e nove-hf. Temos de sair daqui.
Com uma velocidade incrível, as naves cilíndricas dos
saltadores se atiraram espaço a fora, deixando no planeta
das matas virgens os pobres tópsidas, já mais aliviados.
* * *
Cekztel olhava para a tela vazia, esperando que Topthor
desse sinal de vida. Mas o rádio estava mudo e o
superpesado não dava sinal nenhum. O patriarca franziu a
sobrancelha e um tanto inseguro, virou-se para um dos seus
oficiais:
— O que este Topthor quer dizer com a frase: “Rhodan
nos enganou novamente”? Entenda isto quem quiser. Será
que não estamos em condições de liquidar com este
Rhodan? Não destruímos sua frota e a de seus aliados? É
verdade que a Terra está se defendendo com unhas e dentes
e não pensa em se render. Mas isto vai adiantar alguma
coisa? A bomba arcônida vai produzir um novo sol neste
planeta. E mesmo que não consigamos apanhar Rhodan, o
que ele vai fazer sem seu planeta pátrio? Não pode ficar a
vida toda rodando por aí em sua gigantesca nave esférica.
Então, haveremos de apanhá-lo, quando tentar descer um
dia em um dos nossos mundos.
O oficial, um saltador normal, com menos de cem
quilos de peso, fez como se estivesse de acordo.
— Para mim, seria muito melhor que Rhodan estivesse
morto.
— Para mim, também — esbravejou Cekztel, furioso
contra suas próprias dúvidas. — Para mim também,
acredite, mas já fico mais contente quando a Terra estiver
destruída. A Terra é a incubadora destes novos-ricos
aventureiros, que não respeitam nosso monopólio
comercial. Você vê que até os mais ou menos neutros
tópsidas se tornaram nossos inimigos porque Rhodan
conseguiu influenciá-los. Depois que a Terra for destruída,
teremos uma conversa muito séria com o ditador.
— Quem sabe, foi ele obrigado a tomar esta atitude
contra nós?
— Quem sabe, mas não temos certeza — continuou
Cekztel. Seus olhos ainda continuavam fixos na tela escura.
— Temos que nos preocupar com Topthor. Providencie
para que uma de nossas naves vá buscá-lo. Enquanto isso
eu fico preparando tudo para a destruição da Terra.
O oficial obedeceu e saiu em direção à sala de rádio.
Fez logo uma ligação para certo Bernda, um corpulento
patriarca dos saltadores da estirpe dos chamados
comerciantes de cereais.
— Ordens de Cekztel, Bernda — disse o oficial assim
que o semblante do astuto comerciante apareceu na tela. —
Você deve voar para o quarto planeta do sistema e apanhar
Topthor e sua tripulação. Teve de fazer uma aterrissagem
forçada por lá. A aparelhagem de rádio parece que não
funciona. Mas você vai encontrá-lo com facilidade. O
planeta é completamente inabitado.
— Exatamente Topthor! — disse Bernda, com cara de
poucos amigos. — O desgraçado já me estragou muito
negócio bom na vida.
— Isto não interessa nem a Cekztel nem a mim —
interrompeu o oficial. — O senhor recebeu a ordem de
apanhar Topthor. É muito importante, pois Topthor tem
uma mensagem de muito valor para nós. Espero que o
senhor coloque o bem de nosso povo acima de seus
interesses particulares e diferenças pessoais.
— Não se preocupe — foi a resposta do comerciante de
cereais. — Sei o que tenho que fazer. Devo partir, quando?
— Imediatamente. E não se assuste se o terceiro planeta
se transformar num sol.
— A Terra?
— Sim, a Terra — respondeu o oficial, desaparecendo
da tela de Bernda.
O comerciante ainda ficou olhando por uns instantes
para a tela apagada, depois sua voz possante gritou umas
ordens. Toda a tripulação correu para seus lugares e se
preparou para a nova missão.
A Bern I era uma espaçonave relativamente pequena,
um cilindro de mais ou menos oitenta metros de
comprimento, com poucos meios de defesa, mas muito ágil.
Cekztel não poderia escolher ninguém melhor do que
Bernda, para esta missão. Ele comerciava com cereais e o
seu negócio estava também ligado com a pesquisa da
superfície de outros planetas à procura de vegetação e de
animais. Seu trabalho profissional o obrigava a se utilizar
de uma nave pequena.
— Aceleração até mais ou menos 1G!
A Bern I, depois de descrever um ângulo de 90 graus,
disparou pelo espaço a fora, perdendo de vista em pouco
tempo a frota dos saltadores. Apenas uma vez, notou no
espaço pedaços de aparelhos destruídos, que não
interessavam a ninguém.
Levou mais ou menos uma hora, depois o quarto planeta
ficou tão grande que enchia toda a tela. É claro que Bernda
121
não ia colocar seu dever de cidadão acima dos seus
interesses particulares.
“Água... A maior parte deste planeta está coberta de
água. Não há muita coisa para se procurar”, pensava ele.
Mas, quem sabe existiriam no continente novas formas
de vida que seriam de grande interesse para incrementar
seus negócios? Se encontrasse logo Topthor, não teria mais
jeito de prolongar sua permanência no quarto planeta. Sua
ausência não ia apressar o desenrolar dos acontecimentos
nem alterá-los.
A Bern I deslizava a poucos metros de altura, sobre a
superfície das águas. Pequenas ilhas anunciavam o
continente, que minutos depois apareceu no horizonte.
Bernda mandou abrir a cúpula de observação e sentou-
se numa poltrona onde mal caberia Gucky. Desta cúpula,
tinha uma ótima visão para todos os lados, mormente para
baixo. Uma direção auxiliar lhe permitia controlar os
movimentos da nave, dali da cúpula mesmo. Uma ligação
direta com a cabina de rádio o punha em contato
permanente com sua tripulação ou com naves próximas.
Bernda se entregou completamente às suas inclinações
comerciais. Como um técnico, contemplava as enormes
árvores da floresta virgem, avaliando seu valor comercial.
Em mundos pobres de florestas, troncos de boa madeira
davam grandes lucros. Principalmente árvores como
aquelas. De qualquer maneira, não ia perder a oportunidade
de arranjar mudas e sementes.
Talvez fosse melhor, primeiro procurar Topthor. Não
gostou muito desta ideia. Mas depois ficou pensando que de
fato ele estava recebendo dinheiro para atuar nesta
campanha, tendo, portanto algumas obrigações a cumprir.
A desgraça é que tinha de salvar exatamente a Topthor.
Casualmente seu olhar deu com uma formação de
nuvens, que não lhe era estranha. Um vento brando já havia
espalhado um pouco o cogumelo que penetrava já bastante
na atmosfera, embora fossem inconfundíveis a larga umbela
e a coluna vertical. Mais para frente, no continente, devia
ter havido, há poucos instantes, uma explosão atômica.
A curiosidade de Bernda cresceu. Aumentou a
velocidade e cinco minutos mais tarde estava chegando à
região calcinada do planalto. Um enorme rombo afunilado
no chão documentava a catástrofe. As bordas da imensa
cavidade redonda tinham um brilho de vidro incandescente.
Na floresta em volta, ainda se viam algumas chamas e os
destroços atirados, mas eram sufocados depressa pela falta
de oxigênio na densa ramagem rasteira.
Bernda não pensou em descer. Por que iria se expor a
perigo sem necessidade? Se Topthor estivesse por aqui, já
estaria morto. Mas, quem teria provocado a explosão e por
quê?
Era impossível arranjar uma resposta na hora, mas o
tempo se encarregaria de trazê-la. Bernda virou a nave e se
dirigiu para o mar, que não estava longe. No momento, não
estava mais pensando em mudas e sementes de árvores,
mas quebrando a cabeça para descobrir o que a explosão
atômica tencionava destruir.
Achou a resposta mais depressa do que esperava: seus
olhos descobriram alguma coisa se movendo no pedregoso
planalto. Baixou bastante a nave e percebeu um corpo
ereto, de um brilho esverdeado, com uma cauda coberta de
escamas.
Um tópsida! Como teria aquele sáurio chegado até
aqui? Bernda desceu ainda mais e já estava para mandar a
tripulação abrir fogo contra o inimigo, quando um calafrio
lhe percorreu a espinha. Viu outra figura, um superpesado.
Saía de trás de um rochedo e ficou parado ao lado de um
tópsida. Ambos olhavam para cima e acenavam. Como se
estivessem esperando, apareceram imediatamente outros
superpesados e outros tópsidas. Agiam como se não fossem
adversários entre si. Bernda já não estava compreendendo
mais nada. Mas foi suficientemente inteligente para
suspender a ordem de fogo.
Aterrissou a uns duzentos metros do estranho grupo e já
estava pronto para pisar em terra firme. Não confiou muito
naquele ambiente tão pacífico, enfiou duas pistolas na
cintura, ordenou que dois guardas bem armados o
seguissem.
A cerca de vinte metros da escotilha aberta, os três
saltadores pararam, esperando os desconhecidos.
— O que você acha? — sussurrou Bernda.
O oficial da direita sacudiu a cabeça:
— Talvez foram derrubados e então suspenderam a luta
— não sabia que realmente estava muito perto da verdade.
— Por que razão têm que se destruir mutuamente, se uns
podem ajudar os outros a se salvarem? Vamos ver em
breve.
— Você quer sempre ir contra o regulamento —
protestou o outro guarda nervoso. Sua mão já estava
segurando a pistola energética. — Os tópsidas foram
declarados aliados de Rhodan e devem ser tratados como
tais.
— Esperemos um pouco — disse Bernda calmamente.
Olhou para os dois superpesados que se aproximavam
acompanhado de dois tópsidas. Observou que estavam
desarmados. O restante dos superpesados e dos tópsidas
ficou aguardando aos pés do rochedo. A delegação parou a
dez metros de Bernda e seus dois guardas. O superpesado
sorria com dificuldade.
— Isto se chama socorro na hora exata — disse,
estendendo a mão a dez metros de distância, como se
quisesse cumprimentar Bernda. — Nós já acreditávamos ter
de passar o resto da vida aqui. O senhor encontrou Topthor
e Ber-Ka?
— Ber-Ka, quem é ele?
O superpesado apontou para seus companheiros:
— O comandante dos tópsidas, cuja nave nós
derrubamos. Infelizmente a Top II ficou danificada, não
podendo mais levantar voo. Os sáurios e nós fizemos então
um armistício, porque não tinha mais sentido nos matarmos
mutuamente.
— Cekztel certamente se alegrará muito com o
procedimento arbitrário de Topthor — disse Bernda, feliz
com a desgraça alheia. — Onde está então Topthor?
— Saiu em companhia de Ber-Ka à procura de uma
estação de rádio, em algum ponto do litoral, numa ilha
artificial.
— Numa ilha artificial? — disse o superpesado,
sacudindo a cabeça.
— Não é possível que o senhor entenda, sem um
relatório mais pormenorizado. Dê-nos primeiro alguma
coisa para comermos e bebermos e depois saberá de tudo.
Mas Bernda estava curioso demais para aceitar
imediatamente a proposta.
— Responda-me primeiro outra pergunta: achamos, a
algumas milhas daqui, uma cratera atômica. Ali houve uma
grande explosão e o que foi propriamente destruído?
122
— Foi Rhodan — disse o superpesado. — Ao menos
reconhecemos um de seus colaboradores mais íntimos, um
ser esquisito de pelo marrom e de cauda curta, mas muito
larga. Apareceu do nada, atirou uma pequena bomba
atômica e desapareceu de novo.
— E vocês se salvaram como?
— Fomos avisados por ele, que nos deu dez minutos
para nos protegermos.
— E ninguém de vocês tentou impedir este ser estranho
de destruir a belonave? Acho que já posso dizer que nossa
força espacial não se compõe exclusivamente de heróis. E
os tópsidas também não são mais tão corajosos —
comentou Bernda.
— Para impedir? Como assim? O animal, eu acho que
não se pode classificá-lo como tal, tinha uma bomba
atômica na mão — retrucou o oficial.
— E aí, vocês saíram correndo feito cabritos
desnorteados, para todos os lados? Cekztel é quem vai
decidir isto. Eu tenho apenas a missão de encontrar
Topthor, porque ele tem, aparentemente, uma mensagem
muito importante para transmitir.
— Uma mensagem muito importante? — repetiu o
superpesado, tentando descobrir alguma coisa. — Pode ser
mesmo, Topthor e Ber-Ka discutiam muita coisa em
segredo e diziam que a guerra não tinha sentido. Pensavam
que Rhodan nos tinha enganado que tínhamos caído numa
esparrela sem percebermos. Mais eu não sei, não.
— Quem é você?
— Sou Gatzek, o segundo oficial de Topthor.
Bernda concordou aos poucos.
— Bem, então diga ao seu pessoal e também aos sáurios
que mandarei cuidar de vocês todos. Mas depois, espero o
relatório de vocês, dentro de meia hora. Há um grande erro
em tudo isto. Quero descobri-lo.
Viu com sentimento ambíguo que saltadores e tópsidas
se confraternizavam tão simplesmente. Todos misturados,
esparramados pelo chão, à espera de uma refeição.
* * *
A bomba de Árcon era o instrumento de maior poder
destrutivo dos antigos arcônidas. Uma vez ativada,
desencadeava um processo irreversível com o poder de
destruir um planeta. Infelizmente não eram só os arcônidas
que possuíam o segredo desta bomba. Os saltadores
também dispunham desta terrível arma, embora a usassem
muito raramente.
Para destruir a “Terra”, Cekztel lançou mão da bomba
de Árcon.
A frota dos saltadores estava no espaço, a uma distância
suficiente do terceiro planeta, para não sofrer os efeitos da
explosão. Apesar disso, continuavam sendo disparados do
mundo das matas virgens foguetes não tripulados que
atingiam seus alvos automaticamente. O que salvava, às
vezes, as naves dos saltadores era a fuga com uma rápida
transição.
O que Cekztel não sabia era o fato de que toda a defesa
da “Terra” fazia-se apenas por um punhado de tópsidas.
Quase tudo era controlado por robôs. É claro que um
punhado de sáurios estava condenado à morte, embora
Cekztel acreditasse que com a destruição do planeta,
destruiria também uma raça toda, raça que se opusera ao
monopólio dos comerciantes das Galáxias.
Deixou a cabina e foi ter com os especialistas em armas
que estavam regulando o detonador da bomba que seria
lançada pela nave de Cekztel.
— Falta muito ainda para terminar o trabalho?
Um dos oficiais se virou para trás e explicou:
— O detonador terá o curso de uma hora, em seguida
detonará. Acho que este tempo é suficiente para todos se
abrigarem.
— Uma hora...? — continuou Cekztel. — Em
circunstâncias normais é mais do que suficiente. Poderemos
percorrer bilhões de quilômetros. Mas, se alguma coisa não
der certo...
Era uma vaga possibilidade, mas tão vaga que não
passava pela cabeça de ninguém.
— O detonador será ativado pela própria queda da
bomba — explicou o oficial. — Basta apenas jogá-la.
O olhar de Cekztel pairava sobre a bomba. Não era
muito grande, mas seu interior continha um mecanismo
diabólico, desenvolvido por cientistas há muitos milênios e
que até hoje ninguém conseguira aperfeiçoar. A única arma
de destruição que podia concorrer, com ela era a bomba de
gravitação:
— Partiremos em dez minutos — disse Cekztel, se
retirando. Sem dizer uma palavra, voltou à cabina e ligou o
intercomunicador.
Aguardou ainda alguns minutos para que cada um, a
bordo do seu aparelho, pudesse vê-lo e ouvi-lo.
— Chegou a hora decisiva. Correndo tudo dentro da
cronometragem, em setenta minutos começará a destruição
da Terra. Rhodan, pessoalmente nos escapou, mas seus
aliados, os tópsidas, e seus irmãos de raça estarão em breve
mortos no planeta. Vou lançar a bomba em dez minutos. O
tempo para a explosão é de uma hora. Vamos observar os
efeitos da explosão daqui mesmo. Quando este sistema
tiver dois sóis, um gigantesco sol vermelho e um pequeno
sol branco, nossa missão estará cumprida. O planeta Terra
só existirá em nossa recordação.
Fez uma curta pausa e continuou: — Durante meu
regresso, manterei contato com vocês. A ordem de partida,
logo após a explosão, será dada por mim. Até lá estaremos
em estado de alerta. Se surgirem naves de Rhodan, é
necessário atacá-las imediatamente e destruí-las.
Desligou logo após, sem esperar resposta. Por mais de
cinco minutos, ficou parado, imóvel, diante de seus
controles, mas depois recuperou a vivacidade.
Com rápidas manobras, acelerou o vôo e se separou do
resto de sua frota. Como uma ave de rapina, sua nave se
despencou de encontro ao pequeno planeta, que crescia
rapidamente e finalmente encheu a tela toda.
Poços e cavernas até então camuflados na superfície do
planeta, abriram suas possantes bocas de fogo antiaéreo,
atirando raios mortíferos contra o atrevido atacante. Cekztel
acumulou toda a energia disponível no envoltório de
proteção, aproximando-se cada vez mais da atmosfera,
onde finalmente penetrou com um zunido infernal.
A velocidade ainda era elevada demais. Se a bomba
fosse lançada neste momento, poderia se transformar num
satélite qualquer. Mas a velocidade foi diminuindo. A
despeito de todos os perigos, Cekztel baixou mais ainda e
atravessou uma grande cadeia de montanhas. O fogo de
defesa embaixo diminuiu um pouco. Provavelmente os
terranos achavam que nunca poderiam ser atacados pelo
123
lado das montanhas.
Cekztel ligou o intercomunicador.
— Sala de munições! Lançar a bomba em vinte
segundos. Deve cair sobre o espigão da montanha que nos
está à frente.
Diminuiu ainda mais a velocidade e relacionou-a com a
altura para atingir exatamente o alvo desejado, um planalto
alcantilado.
No exato momento em que foi sobrevoado o pequeno
planalto íngreme, veio a confirmação da sala de munições:
— Bomba atirada. Está caindo sobre o planalto.
Cekztel fez uma pequena curva e subiu. Viu a bomba
cair no ponto desejado. Levantou um pouco de poeira, que
em alguns segundos desapareceu. E ali ficou, numa leve
curva do terreno, com seu brilho prateado.
Agora era só esperar. Mais cinqüenta e nove minutos.
Cekztel deu um último olhar para o pobre mundo
condenado à morte e pegou nos controles com
determinação.
A nave se empinou quase verticalmente e, em
velocidade crescente, perfurou o espaço de um azul-escuro,
perseguida por um míssil teleguiado dos tópsidas, que
surgira inesperadamente. Uma transição de cinco segundos-
luz colocou-a a salvo, pois estes foguetes não iam além de
cem mil quilômetros. Naturalmente, não encontrando seu
alvo, o míssil entrou em órbita e continuaria girando até
que, talvez em milhares de anos, desse de encontro com um
pedaço de matéria e o destruísse. Essa matéria poderia ser
também um meteoro, ou mesmo uma espaçonave
comercial.
Isto ninguém poderia prever e Cekztel também não
tinha nenhuma preocupação a respeito. Sua missão estava
cumprida. Em uma hora estaria de volta para a nebulosa
galáctica M-13.
6
Deringhouse estava olhando para a imagem de Rhodan
na tela panorâmica, embora as duas naves estivessem a
mais de um bilhão de quilômetros uma da outra. As ondas
de rádio atravessavam esta distância toda em um décimo de
segundo, pois iam através do acelerador da estação de
supertransmissão.
— Aconteceu, Deringhouse — falava Rhodan. —
Cekztel já lançou a bomba. No tempo que nos resta de
cinquenta minutos, vou tentar salvar os tópsidas que ainda
estão no terceiro planeta.
— Você ainda dispõe de tanto tempo? — indagou
Deringhouse.
— Ouvi as palavras do patriarca à sua frota —
tranquilizou-o Rhodan. — Não se preocupe, vou dar o fora
a tempo, sem perigo para mim e para a Titan. Realmente é
pena estragar assim um mundo tão romântico, mas sem este
inconveniente, não atingiremos nosso objetivo. Eu já estava
preocupado, pensando que os saltadores desconfiassem,
pois todos imaginam um mundo civilizado de maneira bem
diferente. Por sorte, os tópsidas nos ajudaram,
transformando um planeta desabitado numa verdadeira
fortaleza. Isto deu aos saltadores a certeza de estarem
realmente diante da Terra.
— Devo permanecer nas proximidades de Aqua?
Rhodan refletiu um pouco e depois concordou.
— Sim, tente recolher Gucky. Já deve ter terminado sua
missão. Para agir com mais segurança, eu lhe sugiro
aterrissar em Aqua e procurar por Gucky. Você não está
mais com nenhum telepata a bordo e não poderá assim
entrar em contato com Gucky.
— Gucky levou consigo um pequeno aparelho
transmissor. Pode enviar um sinal para orientação, e o
acharemos logo. É verdade que até agora não deu sinal
nenhum.
Rhodan terminou a conversa:
— Voe para Aqua e espere lá até que o sistema ganhe
outro sol. Procure Gucky e fique então na escuta
permanente, que eu me comunicarei.
Deringhouse desligou e a imagem de Rhodan
desapareceu da tela, que apagou totalmente. Capitão La
manche, sentado diante dos controles de pilotagem,
perguntou:
— Direção Aqua, major?
— Sim, mas primeiro vamos sobrevoar o continente, La
manche, se não acharmos nada, vamos dar uma olhada no
litoral. Em algum lugar, temos de encontrar uma pista do
paradeiro de Gucky e de Topthor.
A Centauro se aproximou do planeta das águas e entrou
logo na atmosfera. A pequena altura dava voltas, sempre
mais amplas sobre o continente, cuja parte central estava
mais ou menos no coração do planeta. Cada vez mais, a
Centauro se aproximava do litoral.
Enquanto La manche pilotava, Deringhouse coordenava
o serviço de busca por instrumentos ópticos, apoiado
naturalmente pela sala de rádio, cujos receptores estavam
regulados para a frequência especial de Gucky. Mas o rato-
castor ainda não havia achado por bem comunicar o lugar
onde estava.
Faltava-lhe possibilidade para isto?
Deringhouse se assustou com o pensamento. Até então
não lhe havia ainda passado pela cabeça que poderia ter
124
acontecido alguma coisa estranha a Gucky. Um ente
metafísico, com três poderes parapsicológicos, era
propriamente invulnerável e parecia excluído que não
tivesse apanhado Topthor. Por que, então, não se
comunicava, para que a Centauro o pegasse? Ou estaria ele,
de novo, com os homens-peixes de Aqua, fazendo uma
excursão submarina, como já havia feito uma vez?
Ao ver a cratera, Deringhouse começou a ficar zangado.
Mas logo depois, a ira deu lugar à admiração. Aquela
cratera só podia ser da pequena bomba atômica. Portanto,
Gucky havia encontrado a nave de Topthor e a havia
destruído. Mas onde estariam os dois, o superpesado e
Gucky?
Os pensamentos de Deringhouse davam voltas e não
chegavam a nenhuma conclusão. A cratera afunilada ficara
para trás. Atravessaram um planalto e depois uma extensa
floresta que podia chegar até ao longínquo litoral. Mas
percebeu depois que o litoral não estava tão longe assim. A
longa faixa marítima, à esquerda da direção do voo,
resplandecia num azul-claro.
Lá embaixo tudo era paz e sossego. Deringhouse se
perguntava se haveria ainda sobreviventes da explosão. Não
era do feitio de Gucky matar adversários indefesos, mesmo
que tivessem as piores intenções.
La manche havia ligado o envoltório de proteção
frontal, agindo de acordo com o provérbio “o seguro
morreu de velho”. Os acontecimentos vieram lhe dar razão.
É verdade que Deringhouse percebeu a nave no mesmo
instante, mas antes que tivesse tempo de avisar ao piloto,
este já tinha ligado por conta própria o envoltório. Só
depois disso é que os dois homens foram olhar mais de
perto o seu achado.
A fuselagem alongada da nave dos saltadores estava
numa extremidade do planalto. Vários pontos escuros se
moviam na parte descoberta e pararam, de repente, para
depois saírem correndo em todas as direções. Abrigaram-se
parte na própria nave, parte na floresta vizinha.
— Desça mais, La manche — ordenou Deringhouse. —
Temos que dar uma olhada nestes rapazes. Além de
Topthor, ainda há outros saltadores por aqui.
— Talvez sejam tópsidas — acrescentou o piloto,
enquanto fazia a Centauro descer.
— Eu os estou reconhecendo nitidamente na ampliação
da tela panorâmica.
— Além disso, em pacífica convivência — disse
Deringhouse, remoendo seus pensamentos que poderiam
levar a uma conclusão falsa de graves consequências. —
Desde quando deixaram de ser inimigos?
La manche, sem o saber, tinha um pouco de culpa.
— Talvez o próprio Topthor lhes confessasse o erro em
que tinham caído. Acho que é uma resposta razoável para
sua pergunta, senhor.
Deringhouse concordou, com sinais de preocupação no
rosto.
— Quem sabe é realmente a resposta certa, capitão.
Mas, vamos, abaixe mais, conservando, porém o envoltório
ligado. Vamos olhar de perto os rapazes e lhes fazer
algumas perguntas.
— Perguntas? — disse La manche admirado, mas não
disse mais nada.
De baixo, veio um raio energético de um verde gritante
de encontro à Centauro. Atingiu o envoltório invisível e foi
absorvido. Mas o adversário continuou atirando sempre no
mesmo local para atingir seu objetivo: enfraquecer e
romper a abóbada de proteção magnética.
Deringhouse chamou a sala de munição:
— Sob nós há uma nave dos saltadores. Estamos sendo
atacados, estou direto em seu alvo. Lance uma bomba
atômica.
Era um ato de defesa própria, embora pudesse ser feito
com meios mais brandos. Mas Deringhouse estava
realmente convencido de que aqueles saltadores e tópsidas
estavam a par do grande segredo.
Foi à conclusão falsa de tremenda consequência.
Tremenda consequência, pelo menos para os pobres
sobreviventes tópsidas e saltadores, sobre os quais a morte
se abateu com a velocidade do raio.
* * *
Bernda e Gatzek escaparam.
Os dois saltadores se encontravam a caminho do litoral
para procurar Topthor. Tinham recebido informações dos
tópsidas de que o superpesado devia ter atingido a ilha
artificial em companhia de Ber-Ka. Um princípio de
mensagem de rádio interrompido entre Topthor e Cekztel
comprovava a informação.
Naturalmente, Bernda poderia chegar até perto da ilha
com sua nave, mas preferiu o trator de esteira para ter
oportunidade de fazer uma bela excursão particular. Estava
num mundo diferente e não queria perder a oportunidade
para futuros negócios. Os grossos troncos de árvores
copadas lhe interessavam muito. Suas sementes e mudas
lhe trariam grande fortuna.
Gatzek não suspeitava das intenções comerciais do
magro comerciante, cuja estatura normal lhe lembrava dos
odiados terranos.
Chegaram até o litoral e seguiram o rastro do carro dos
tópsidas, no qual Topthor e Ber-Ka haviam feito no dia
anterior a penosa viagem. Quando surgiu a seus olhos a
construção baixa da ilha artificial, parecia-lhes haver
conseguido tudo. Respirando mais sossegado, Gatzek
reconheceu o carro parado na praia. Estava vazio.
Bernda parou. Com as pernas um pouco doloridas,
pulou para a areia. O superpesado vinha atrás, caminhando
com visível dificuldade. Seus pés penetravam muito na
areia.
— Como chegaram à ilha? — perguntou olhando, com
muito medo, para uma fila de barcos pequenos num
diminuto ancoradouro. — Certamente não foi com uma
casca de noz assim, não é?
— Elas aguentam mais do que se supõe — consolou
Bernda. — Experimente para ver.
Gatzek se encaminhou para o primeiro barco e,
experimentando, botou o pé na popa estreita. Afundou um
pouco, mas as paredes laterais da embarcação não deixaram
que a água penetrasse.
— Acho que podemos ir, Bernda. Queira Deus que
ninguém nos roube o carro neste meio tempo.
— Bobagem, o carro de Topthor ainda está aqui e
ninguém mexeu nele. E aqui não há ninguém para fazer
isso.
Antes que Gatzek pudesse responder, aconteceu algo
que o fez pular de volta na areia.
Bem longe, reluziu um forte clarão por sobre a floresta.
Pouco tempo depois, uma forte compressão do ar varreu as
grimpas da imensa floresta, passando para a vastidão do
125
mar, onde as ondas se encapelaram. Graças à proteção da
floresta é que os dois saltadores não foram atirados ao solo.
— Que foi isto? — perguntou Bernda, ficando
totalmente pálido. — Não é da direção de onde viemos? A
nave...?
Gatzek tremeu dos pés à cabeça.
— A nave... sim, poderia ser. Que aconteceu?
Tiveram a resposta dez segundos após, ao surgir, sobre
a copa da floresta, uma enorme esfera que se aproximava
deles ameaçadoramente.
— Uma das naves de Rhodan.
Bernda deu um grito alucinante e saiu correndo, sem
pensar no seu companheiro, cuidando apenas de se pôr a
salvo. Antes que a grande nave esférica atingisse a praia, o
franzino comerciante já estava se embrenhando pela mata.
Continuou correndo, até que a respiração o fez parar.
Cansado e sem ar, rolou pelo chão. Acreditava que no
emaranhado da floresta ninguém o acharia. Em volta dele,
os grossos troncos das árvores de copas fechadas. Do céu,
não se via nada.
Minutos a fio, ficou estirado no chão úmido da floresta,
tentando ouvir algum ruído de eventuais perseguidores.
Mas tudo era silêncio. Talvez tivessem perdido suas
pegadas. As copas das árvores eram demasiadamente
espessas para alguém de cima poder vê-lo.
Será que Gatzek estava também em segurança?
Bernda olhou cautelosamente em volta e parecia mais
calmo. Deu com os olhos num caroço alongado, vermelho-
escuro, parecia realmente um caroço. Como sentisse muita
fome, levantou-se e o apanhou. A casca era muito dura.
Com um pedaço de pedra, começou a martelá-lo de
encontro às raízes de uma árvore. Quase que deu um grito
de alegria, pois o “caroço” continha muitas sementes, que
certamente seriam outras tantas árvores mais tarde. Ao
menos umas duzentas sementes havia no seu interior. E
olhando mais em volta, descobriu grande quantidade de
“caroços” deste tipo. Muito contente, começou a apanhá-
los, não tendo, porém, como levá-los. Pobre Bernda.
Não podia compreender como ninguém deste mundo
tinha interesse por aquelas sementes, nem mesmo os
homens-peixes.
Mas Bernda não veria nunca mais outras criaturas em
sua vida, se alguém não o viesse apanhar no quarto planeta.
Esta possibilidade era muito remota.
* * *
Ainda havia quinze minutos para o momento fatídico.
Deringhouse aterrissou na praia, bem perto das duas
viaturas e do pobre Gatzek, quase paralisado de terror. Os
suportes telescópicos da grande nave afundaram na areia
macia, fazendo brotar logo água salgada.
— La manche controle as armas de defesa e atire, se for
necessário. Eu vou sair.
— Leve dois companheiros — gritou o francês,
colocando a mão no botão de controle das armas. — O
gorducho não parece homem de muita iniciativa, mas as
aparências enganam.
— Levo Ras Tschubai comigo, pois assim poderei
desaparecer a qualquer momento. Para que temos
teleportador?
Fez um sinal para La manche e correu para o
departamento dos mutantes.
— Ras, vamos dar um pulo na praia e pregar um susto
num superpesado.
O africano de compleição robusta, um dos mais
competentes teleportadores dos mutantes, olhou para a tela
de controle externo e concordou.
— Segure bem firme, major.
Deringhouse se agarrou bem em Ras e, no mesmo
segundo, estava a dez metros de Gatzek, no macio chão de
areia. Arrancou a pistola da cintura e a apontou contra o
superpesado, cujos olhos se arregalaram de medo.
— Não se mova gorducho.
Foi com dificuldade que Gatzek conseguiu manter sobre
as pernas seu respeitável peso de seiscentos e tantos quilos.
Tinha ouvido falar das misteriosas forças que estavam a
serviço de Rhodan, mas isto estava acima de sua
concepção.
— Estou desarmado — lamentou-o.
— É a sua sorte, meu amigo — consolou-o
Deringhouse, colocando a arma no cinto. — Onde está
Topthor?
Gatzek apontou para a ilha.
— Talvez lá, eu também o estou procurando.
— Por quê? — foi a pergunta direta de Deringhouse. —
Vocês se aliaram com os tópsidas?
— Por que não? — admirou-se Gatzek não sem razão.
— Nós fomos derrubados como eles. Por que deveríamos
nos matar mutuamente? Não havia mais motivo para isto.
Deringhouse compreendeu. Então falou:
— Se você se mantiver pacificamente, nada lhe
acontecerá. Vou dar uma chegada ali na ilha, com meu
amigo, à procura de Topthor. Não tente nenhuma bobagem.
— Posso voltar para minha nave que espera por mim ali
nas montanhas?
— Uma nave dos saltadores? Foi destruída, pois fomos
duramente atacados. Suponho que sua volta é inútil.
Deringhouse se agarrou em Ras, apontando para a ilha.
O africano deu um salto. Materializaram-se na plataforma e
logo acharam o corredor que levava para a cabina de rádio.
Diante do gigantesco painel de controle estava o cadáver de
um tópsida.
Deringhouse estremeceu ao ver Topthor.
7
A bomba arcônida explodiu no minuto exato. Rhodan
estava bem longe no espaço e viu o clarão ofuscante que
haveria de provocar reações em cadeia. Ainda levaria horas,
até que o planeta se transformasse num sol.
A frota dos saltadores estava a uma hora-luz da
explosão. Major McClears os estava observando do
cruzador pesado Terra, enviando informações e imagem
constantemente para a Titan, a fim de deixar Rhodan a par
de tudo.
As primeiras mensagens de Cekztel davam a entender
que as coordenadas para o regresso dos saltadores para M-
13 já estavam calculadas. A missão estava cumprida e a
“Terra” destruída.
Mas todo mundo sabia que Rhodan ainda estava vivo. E
era a única coisa que atrapalhava Rhodan.
Depois de haver feito e discutido vários planos com
Bell, entre os quais havia um já mais ou menos
formalizado, mandou chamar para a sala de comando a
126
John Marshall.
— A Titan deve ser, aos olhos dos saltadores, destruída
— começou Rhodan, vendo, com um sorriso nos lábios, o
susto estampado no semblante do telepata. — Exatamente
como foi com a Terra. Somente depois disso é que
estaremos convencidos de que nossa grande jogada deu
certo cem por cento. Também o Robô de Árcon deve ficar
convencido de que fomos destruídos. Arquitetamos um
truque de grande efeito, Marshall, para cuja execução, no
entanto, necessitamos de um teleportador: Ras Tschubai ou
Gucky.
— Ambos estão na Centauro, senhor. Deve-se então
avisar a Deringhouse de que...
— Deringhouse estará aqui com seu cruzador em dez
minutos. A frota dos saltadores partirá dentro de trinta
minutos. Neste meio tempo, o truque tem que ser realizado.
— O que vai ser realizado?
Rhodan ainda continuava sorrindo, ao dizer:
— A desintegração total da Titan em meio das naves
reunidas dos saltadores.
Marshall não empalideceu, porque havia lido o
pensamento de Rhodan. Então, ele mesmo começou a rir.
* * *
Com semblante carregado, Deringhouse retornou à
Centauro. Quando se materializou com Ras Tschubai na
praia, o superpesado Gatzek havia sumido. Também ele
tinha preferido buscar abrigo na floresta próxima. De
qualquer maneira seria melhor do que prisão pensaria ele.
Deringhouse não se deu ao trabalho de procurar os dois
fugitivos. Não tinha tempo para isto. Além disso, Aqua lhes
oferecia o necessário para sobreviver. Eles é que cuidassem
de suas vidas. Ele, Deringhouse, tinha outras preocupações.
“Onde estará Gucky?”, pensou, indagando-se.
Topthor já morrera.
Estava sentado na poltrona da cabina de rádio dos
tópsidas, diante do painel de controle, de uma maneira tão
esquisita, com a cabeça caída na mesa. Ou o que sobrou de
sua cabeça. Pois Topthor cometera suicídio, com a pistola
de raios energéticos. A arma, com o cano apontado para a
cabeça, ainda estava presa na mão rígida.
Topthor estava morto e com ele havia findado o
mistério que ameaçava a vida no planeta Terra.
Deringhouse pegou o africano pela mão.
— Para a nave — disse ele. — Onde andará Gucky?
Materializaram-se na cabina. La manche continuava
sentado, olhando para os controles, mas não havia nada
mais para observar. Em seu colo estava, todo feliz, Gucky,
enquanto La manche lhe coçava a nuca. Quando
Deringhouse soltou uma praga meio contida, o rato-castor
sacudiu a cabeça com ar de desaprovação, dizendo:
— Chefe Deringhouse, você, durante o último
hipersalto pelo espaço, deve ter perdido um pouco de sua
boa educação.
— Desde quando está aqui?
— O tempo suficiente para ficar com os cabelos brancos
de tanto esperar por você — disse Gucky. — Você
encontrou Topthor?
— Por que ele se matou, Gucky? Sabe alguma coisa a
respeito?
— Estava cansado da vida, major. Queria matar
primeiro a mim e depois a si mesmo. Apenas trocou a
ordem.
— Foi assim! — comentou Deringhouse admirado.
O operador em serviço entrou e disse:
— Rádio de Rhodan, major. O senhor deve procurar as
coordenadas apresentadas. Os dados são...
— Está bem, vou lá e resolvo isto já. Antes de sair,
Deringhouse olhou para Gucky e lhe disse:
— Esse negócio de trocar a ordem, você vai me explicar
na presença de Rhodan.
Gucky não respondeu nada.
* * *
— É relativamente simples, mas tem de ser feito no
segundo exato — concluiu Rhodan, olhando com
interrogação para Gucky. — Se você quiser, poderá ser
feito também por Ras.
O rato-castor sacudiu a cabeça tão violentamente que as
orelhas esvoaçaram.
— Ras deve ser poupado, chefe. Além de tudo, está na
Centauro com Deringhouse, enquanto eu estou aqui.
Rhodan concordou.
— Quanto à sua explicação barata sobre a morte de
Topthor, é melhor a gente esquecer isto. Mas cá entre nós,
como foi mesmo? — olhou para o relógio. — Ainda temos
dois minutos, conte depressa.
Gucky andava nervoso de um canto para o outro,
olhando muito para Bell, com olhos suplicantes.
— Realmente, eu o surpreendi e o chamei, ele se virou,
já com a arma na mão para me matar. Que devia eu fazer?
Que seria de você, chefe, se eu morresse? E o coitado do
Bell? Não, não consegui deixar que me matasse.
— E depois? — perguntou Rhodan impaciente, olhando
para o relógio.
— Nada! Topthor ergueu a arma para o ouvido e
disparou.
— De qualquer maneira, você é telecineta e pode mover
a matéria sem tocar nela. É isso que deverá fazer com a
bomba atômica.
Gucky olhou para ele com certa tristeza nos olhos.
— Está certo, chefe.
Rhodan olhou pela última vez para o relógio:
— Um depósito cheio de cenoura, eu lhe prometi, e
você receberá, Gucky. Mas, vamos embora, não há mais
tempo a perder. Os saltadores vão desaparecer em cinco
minutos, Gucky. Vamos para a sala de munições, regular o
detonador exatamente para cinco segundos e esperar até
que chegue meu comando. Tudo claro?
— Há muito tempo — disse Gucky e desapareceu.
Bell olhou espantado para o lugar vazio.
O hipercomunicador estava ligado. A primeira
mensagem era cifrada e se destinava a McClears e a
Deringhouse:
— Vocês liguem o compensador e executem dez saltos
antes de voltarem para Terrânia. Lá esperarão por mim.
Tudo em ordem?
— Entendido — foi à resposta dupla.
Vinte segundos depois, não havia mais Centauro nem
Terra no sistema do sol vermelho de Beta. A Titan ficou
sozinha.
Rhodan calculara bem as coordenadas, mas antes de
saltar com a supernave, deixou aquecer o hipertransmissor.
A frequência do cérebro eletrônico foi regulada. Agora,
com a simples pressão de um botão, Rhodan podia entrar
em contato com o regente do Império Arcônida, a mais de
127
30 mil anos-luz de distância.
Na tela já se podia ver Gucky. Em seus braços, se via
um objeto alongado: a bomba.
— Pronto Gucky?
— Pronto.
— Atenção! Salto!
A Titan se desmaterializou e surgiu, no mesmo
segundo, a menos de dois quilômetros da nave de Cekztel,
no espaço normal. Na redondeza estavam mais de duzentas
unidades que se preparavam para o grande salto de retorno.
Somente devido a esta circunstância foi que levaram tanto
tempo para abrir fogo contra a grande nave esférica.
Antes, porém, aconteceu muita coisa ao mesmo tempo.
Gucky saltou com a bomba atômica através do
hiperespaço e se materializou fora da Titan. Usava um traje
espacial e não podia ser reconhecido na carcaça de brilho
prateado da nave. Comprimiu o botão de ignição. Assim
que largasse o dedo, haveria ainda exatamente cinco
segundos para a detonação. Seus fluxos telepáticos
auscultavam o cérebro de Rhodan, aguardando seu
comando.
Rhodan comprimiu a tecla do transmissor. A ligação
para Árcon estava feita. Não era apenas o cérebro
robotizado de Árcon que ia ouvir a transmissão, mas todo o
mundo, pois Rhodan, de propósito, não usou nenhum
código.
Ao contrário da Centauro e da Terra, o compensador
estrutural estava desligado. Portanto todo rastreador de
estrutura poderia localizar o salto, em toda a Via Láctea.
Em torno da Titan, estava ligado o envoltório magnético de
proteção, principalmente para defender Gucky dos disparos
dos raios energéticos.
O primeiro tiro contra a supernave partiu da nave de
Cekztel. Foi o sinal para todas as outras naves dos
saltadores. E para Rhodan também.
— Aqui fala Perry Rhodan do sistema Terra — gritou
ele no microfone do hipertransmissor, com voz de
desespero. — Os saltadores acabam de destruir o planeta
Terra.
Utilizou-se então da pequena pausa para se concentrar e
poder pensar: “Agora, Gucky”.
Depois continuou e ainda tinha cinco segundos para
falar:
— Eu estou com defeito no gerador do campo
estrutural... quero fugir e saltar para...
Desligou a alavanca do hipertransmissor e com a outra
mão acionou o controle de ligação da instalação de
hipersalto.
A Titan se desmaterializou.
Atrás ficou a bomba, mas a diferença de tempo para sua
detonação foi tão diminuta, que Cekztel foi vítima de um
erro compreensível. Com seus próprios olhos, julgou ter
visto como a Titan, durante a desmaterialização, foi
dissolvida por uma terrível explosão. Simultaneamente,
penetrou em seu ouvido o grito de socorro, enviado por
Rhodan ao cérebro robotizado de Árcon, no entanto
interrompido pela tremenda explosão.
O rastreador estrutural da nave de Cekztel, e com ele
milhares de outros rastreadores em todas as regiões da Via
Láctea, haviam registrado o início do hipersalto da Titan.
Ninguém, porém, registrara o seu aparecimento no espaço
normal. Rhodan tinha sumido no hiperespaço.
Cekztel estava triunfante. Sua mensagem de rádio não
cifrada percorria toda a Galáxia e era recebida em toda
parte, a uma velocidade milhões de vezes superior à da luz:
— Afastamos o maior perigo para o Universo! Rhodan
está morto. O planeta Terra se transformou num sol. O
império não será mais ameaçado. Viva Topthor, a quem
devemos tudo isto.
Mas o pobre Topthor não podia mais ouvir este elogio.
Quando Rhodan, sob a proteção dos compensadores que
absorviam todos os abalos, penetrou no espaço normal e
ouviu o elogio fúnebre de Cekztel, contraiu o rosto num
sorriso irônico.
As coordenadas estavam de novo em ordem. O próximo
salto, com os compensadores ligados, traria a Titan, intacta,
para a Terra. Para uma Terra que por anos ou decênios
mergulharia no mar do esquecimento. Pelo menos pelo
tempo que Rhodan julgasse conveniente. Com toda certeza,
tanto tempo quanto fosse necessário para que o planeta
pudesse se preparar para resistir a qualquer ataque.
Gucky estava feliz e puxava a mão de Bell para lhe
coçar as costas.
— Sabe de uma coisa, Gorducho? — observou ele. —
A vida é tão bela, mas nunca havia pensado que “estar
morto” é ainda mais belo.
— É isto mesmo — disse Bell amavelmente.
Rhodan olhou pensativo para os dois amigos e pôs a
mão no controle central da instalação de hipersalto.
Empurrou-o lentamente.
A supernave deslizou novamente para outro Universo e
não deixou o menor rastro atrás de si, no espaço calculável.
Ao se rematerializar no espaço normal, tinham diante de
si, nas telas da Titan, um sol claro e maravilhoso.
Bem perto, cintilava um corpo celeste pequeno, meio
azulado.
Era o planeta mais lindo do Universo: a Terra.
Graças à sorte e a Gucky, o maravilhoso plano de Perry Rhodan — o qual a Terra teria que dar a
todos os seres inteligentes das Galáxias a impressão de estar destruída — foi bem sucedido. A
Humanidade ganhou assim tempo para um desenvolvimento tranqüilo e para a formação do poderoso
―Império Solar‖.
Os dramáticos acontecimentos, que se desenrolam no ano 2040, lhe permitirão viver uma época
nova da história da Humanidade.
Em Atlan, o Solitário do Tempo, título do próximo volume da série, um encontro de gigantes
acontece e um novo ciclo da série Perry Rhodan se inicia.
128
Nº 50
De
K. H. Scheer
Tradução Richard Paul Neto Digitalização Denise Bartolo Nova revisão e formato W.Q. Moraes
Aqui começa uma nova série de aventuras de Perry Rhodan. São passados 60 anos
após a guerra atômica que não houve e 56 anos após a falsa destruição da Terra.
Agora, o primeiro obstáculo que Rhodan tem pela frente é superar Atlan, o arcônida
que, além de possuir o dom do sexto sentido, carrega o ativador celular...
129
INÍCIO DO IMPÉRIO SOLAR: ANO 2040
O sussurro tornou-se uma autêntica gargalhada. Alguém
dizia que uma besteira tão grande jamais havia sido ouvida.
Entrando na conversa uma voz frágil de mulher, a
gargalhada terminou de repente.
— Com licença? — perguntou um homem assustado. —
Você está afirmando que isto é apenas
uma sombra da verdade?
Havia irritação na voz feminina.
Depois a gargalhada estrondosa
continuou. Somente podia ser Hiob.
Ninguém ria tão alto e por qualquer
ninharia, como ele.
— Conversa fiada — disse outra
voz, mais objetiva.
— Alucinação, ou seja, lá o que for.
Devem ter sido obrigados a uma
aterrissagem forçada. Vocês sabem
como estas coisas acontecem por lá.
Ouviu-se novamente o gargalhar de
Hiob. Se ao menos conseguisse
dominar um pouco sua risada
estrondosa e sem motivo! Nunca o
pude suportar, muito menos agora. Era
um tipo arredondado, de faces
avermelhadas e olhos frios. Se, no meu
setor, acontecia alguma coisa errada,
Hiob Malvers estava certamente por trás dos bastidores.
— Silêncio — disse eu furioso. — Diabos de gente
calem a boca! Primeiro, é completamente indiferente para
nós se a aterrissagem foi voluntária ou não.
— Está certo — resmungou Billy Plichter. — Bom,
então comecemos tudo de novo. Como aconteceu, então,
Olavo? Como é que pode ter dado tudo errado? Que é que
há, então, Olavo? Por que o negócio não está certo, Olavo...
Olavo...!
O barulho aumentou. Tinha a impressão de que
campainhas minúsculas começaram a tocar ao mesmo
tempo dentro de minha cabeça. Escutava a minha resposta,
apesar de não estar falando.
Olavo era eu. Sem dúvida nenhuma era meu nome que
estavam gritando, constantemente, cada vez mais alto.
Sentia que a dor de cabeça aumentava. Billy Plichter não
tinha dó, não parava de insistir. E eu precisava de descanso
e merecia o descanso.
Alguém começou a falar e demorei um pouco a
compreender suas palavras. Vinham de minha própria boca.
Queria rir, mas a dor não deixava.
Ao meu lado houve um ruído. O movimento que
fizeram com minha coxa foi rápido. Um calor agradável
invadiu meu corpo e fiquei admirado de que o médico me
tivesse dado a injeção na presença de outras pessoas.
Fiquei com vergonha. Ali na sala estava Willy
Fergusen. Como me poderiam dar uma injeção na presença
deles? Certamente, viram minha coxa!
Diante dos meus olhos, pairava uma neblina afogueada
e as dores no meu cérebro se transformaram em pontadas
dolorosas. Não estava quase aguentando. Quando a minha
visão ficou mais clara, percebi que Willy Fergusen não
poderia ter estado na sala. Hiob estava rindo novamente,
mas também ele não estava na sala. Na minha frente
cintilava uma grande tela, bem clara.
Estava olhando admirado para o belo quadro colorido.
Meus colaboradores conversavam sobre coisas que me
eram muito familiares, estava no meio deles, e,
paradoxalmente, encontrava-me aqui!
A tela ficou mais nítida de repente. Apareceu nela um
relógio muito moderno para medição dos anos e alguém
anunciou muito solenemente:
— O tempo acabou meu amo.
Quando foi que alguém me chamou
pela última vez de “meu amo”? Com
muito esforço consegui virar a
cabeça.
— Como, por favor? —
perguntei com muita dificuldade.
— O tempo acabou meu amo.
Era a mesma voz que penetrava
no meu ouvido, desta vez, porém,
com menos solenidade, mas com
mais vibração metálica.
O rosto plástico de Rico se
contraiu em rugas. Estava sorrindo.
Levantei a cabeça em sua direção,
até encontrar seus olhos parados.
— Alô, é Rico.
— Sim, é Rico, meu amo. O
tempo acabou, estava obrigado a
acordá-lo. Exatamente sessenta e
nove anos, meu amo.
Não estava gostando desta expressão cerimoniosa. Não
se devia permitir que robôs tão aperfeiçoados assim,
repetissem a toda hora uma expressão tão servil. Mas o que
havia com os tais sessenta e nove anos?
O pensamento sobre isso me deixou aturdido. Tudo se
encontrava como sempre foi. A consciência ia chegando,
porém com muita dor. Tentei me levantar. Rico interveio
imediatamente. Senti a rigidez do aço sob o revestimento
leve de plástico de sua mão. Consegui sufocar meus
gemidos, mas minhas articulações pareciam enferrujadas.
Acabei dando com os olhos novamente no relógio de
medição dos anos, na tela.
— Somente sessenta e nove anos? Tinha regulado pra
setenta. Que houve então?
Rico era tão cabeçudo, como costumam ser todas as
Personagens principais deste episódio:
Perry Rhodan — Primeiro
Administrador do Império Solar.
Atlan — Um arcônida que já se
encontrava na Terra quando da
quase deflagração da guerra
atômica.
Tombe Gmuna — Jovem tenente
de Terrânia.
General Peter Kosnow — Ministro
da Defesa do Império Solar.
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máquinas.
— Somente sessenta e nove anos, meu amo — disse
imóvel. — Recebi o telecomando exatamente há trinta e
seis horas, três minutos e dezoito segundos.
Quer dizer então que desta vez levaram 36 horas para
me acordar do biossono, uma espécie de hibernação
letárgica.
“Muito tempo, muito tempo”, dizia meu cérebro.
Perguntei, então, a mim mesmo, por que um pequeno
erro de regulagem causou uma diferença de tempo de um
ano? Certamente foi minha culpa. O negócio foi tão rápido
naquela época, quando começaram, lá em cima, com a
loucura da bomba atômica.
Surgiu uma unidade especial de som, que me deixou
muito espantado. O grande relógio desapareceu da tela. O
videotape havia realmente desempenhado sua função, pois
pessoas do meu tipo tinham necessidade de impressões
óticas e acústicas do tempo imediatamente anterior ao
começo do processo do grande sono biomédico. Agora
estava me lembrando de que eu mesmo havia colocado no
aparelho de som e imagem a fita muito bem preparada do
videotape.
O insistente gargalhar de Hiob me ajudou muito. Talvez
sem ele, não teria recuperado minha alegria.
Apareceu na minha frente a cabeça plástica e redonda
de Rico. Rico pertencia aos poucos robôs fabricados
especialmente para o controle e a manutenção das máquinas
da cúpula. Sua capacidade de falar era um jogo
positronicologístico com um setor ultrarrápido de
aproveitamento e conversão de dados matemáticos em sons
inteligíveis. Era um meio para provocar os sentidos que
paulatinamente iam recuperando a vivacidade natural. Mas
agora sentia necessidade de falar, de me comunicar, mesmo
que fosse com uma máquina positrônica. Além do mais, o
vocabulário de Rico era mais ou menos reduzido.
À direita da cama, estava à ducha de ativação tele
controlada pelo computador central. O local parecia uma
sala de operação moderna, com a única diferença de que ali
não existiam médicos. Os estimulantes bioquímicos que
atuavam sobre minhas células, ou eram injetados ou
transmitidos na forma das mais diversas radiações. Na
minha cabeça, ainda estava a touca cintilante do gerador de
vibrações que me havia transmitido aos sentidos as
primeiras impressões.
Fiquei uma hora parado, pensando nos motivos que me
levaram a este sono profundo.
Exatamente há 69 anos, princípios de julho de 1971, os
responsáveis pelos três blocos das grandes potências
perderam a cabeça. Quando começaram a serem lançados
da Ásia os primeiros mísseis atômicos, ainda consegui fugir
para minha cúpula submarina. Escapei da estúpida e inútil
destruição. O que aconteceu, porém, com todos os homens
dos continentes da Terra? Só o fato de querer recordar o
terrível destino de bilhões de homens, fria e objetivamente,
era uma coisa insuportável. Neste momento, eu apenas
sabia que era o único homem na Terra.
— Homem! — disse eu rindo.
Rico se aproximou. Quando a aparelhagem mecânica da
visão percebia alguma coisa, sua reação era instantânea.
Continuei sentado, sentindo as mãos macias de plástico dos
muitos braços da máquina de massagem. A fisioterapia era
indispensável para que eu começasse a obter o controle
sobre o corpo. Ainda levaria umas horas para poder me
levantar. Uma corrente de ar comprimido jorrava dos poros
da espuma de borracha. O colchão no qual, pela posição de
meu corpo durante 69 anos, haviam surgido pequenas
deformações, voltou a ficar normal.
Nu, ainda completamente enfraquecido e abalado por
sentimentos confusos, fui levado por Rico para fora do
quarto. Na antecâmara, um ambiente alegre e aconchegante,
estava funcionando o órgão de cores. Desenhos suaves e
tranqüilizantes inundavam as paredes, enquanto que sons
maviosos de velhas composições penetravam em meus
ouvidos.
Os poucos metros foram terrivelmente cansativos.
Gemendo, deixei-me cair nas almofadas macias da poltrona
vibratória, que continuava de uma maneira muito mais
suave, a massagem pesada feita pelas mãos do robô.
Rico ministrou-me os primeiros alimentos líquidos.
Meu estômago ainda não aceitava substâncias sólidas. De
qualquer maneira, ainda eram necessários três ou quatro
dias para me sentir mais ou menos bem.
Rico puxou mais para perto o grande espelho colorido e
ajeitou a cama. Eu não havia emagrecido sinal de que meu
corpo reagira muito bem à hibernação. Fiz um sinal com a
mão e vi como ele empurrou o espelho para uma cavidade
na parede. Aí, o robô ficou ao meu lado. O rosto de Rico
seria muito mais humano se não fosse aquela palidez que
parecia cera.
— Amigo, não sei o que poderia dar em troca, se, em
lugar de você, estivesse aqui um ser humano de verdade.
Como vão as coisas lá em cima?
— Muita água, meu amo — respondeu meu criado
particular diplomaticamente.
Fiquei observando-o mais a fundo. Sua resposta teria
sido um truque psicológico para dar vazão a sentimentos de
ira reprimidos ou ele não sabia mesmo outra coisa?
— Naturalmente muita água. Estamos no fundo do
Oceano Atlântico, ao sul da ilha açoreana São Miguel. Aqui
começam as célebres fossas oceânicas de uma profundidade
enorme. Portanto, acima de nós, há somente água. No
entanto, eu quero saber como está o continente europeu.
Como é que terminou a guerra atômica na França e na
Espanha.
— Não sei meu amo.
O sangue me subiu então à cabeça. O sorriso plástico,
submisso, de Rico me pareceu de repente como uma
máscara de escárnio.
— Como assim? — exclamei em tom interrogativo.
Minhas cordas vocais começaram a funcionar corretamente.
— Por que razão não se realizou a observação da superfície
que eu determinei?
— Por culpa sua, meu amo. Todas as três estações de
televisão foram destruídas pelos aviões. Fomos informados
ainda de que o lançamento dos satélites seria inútil e sem
sentido, pois a atmosfera do planeta estava coalhada de
máquinas de guerra. Recebemos realmente suas ordens.
Decepção, medo e cólera contra minha própria
imprevidência se abateram contra mim. Naturalmente os
robôs não poderiam ter agido de outra forma, depois que
eu, apressado e estúpido, havia dado as instruções para
observação dos continentes mais importantes. Após o plano
a minha intenção era despertar, ficar a par de tudo o que
acontecera durante a guerra.
Agora estava completamente aéreo, separado de tudo.
Não era apenas o ente mais solitário da Terra, mas também
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o mais ignorante. Acima da abóbada de aço da minha
cúpula pressurizada nas profundezas do Atlântico, pesava
uma tremenda muralha de água. É claro que esta muralha
me havia preservado das radiações mortíferas dos inúmeros
reatores nucleares, mas isto não me adiantou nada.
Uma ânsia premente de ao menos uma palavra saída de
boca humana me avassalou de tal maneira que comecei a
me sentir mal.
Levantei-me gemendo e vi, sem querer, as horríveis
cicatrizes da operação, espalhadas por todos os cantos do
ventre. Não podia fazer mais nada contra isso,
principalmente pelo fato de que perguntas curiosas me
teriam sido mais do que desagradáveis. Além disso, onde
estaria o médico para corrigir os encaroçamentos e rugas da
horrível intervenção cirúrgica? Certamente não existiria
mais em toda a Terra nenhum cirurgião à altura. A
catástrofe atômica se abatera sobre a humanidade há 69
anos. Os médicos recém-formados na época, já deviam ter
morrido há tempo, mesmo na hipótese de haverem
sobrevivido, por circunstâncias milagrosas, à hecatombe
geral, que foi a destruição do mundo.
— Minhas roupas — disse eu ao robô.
— Quais? Meu amo.
— As últimas que estava usando antes de hibernação.
— O senhor ainda está muito fraco, meu amo. Agora é
que começa a segunda fase da convalescença.
Tinha que ficar resignado. Não se pode fazer nada
contra as conclusões lógicas de uma máquina tão preciosa e
perfeita.
Com a ajuda de Rico, meus dedos atingiram as teclas do
painel de controle e eu passei para uma confortável cadeira
giratória. Ponto por ponto, fui percorrendo todas as fases da
convalescença programada. Surgiam na grande tela as
diversas seções de minha cúpula de aço à prova de bombas,
pousada no fundo do mar. Aqui embaixo não se notou nada
da guerra atômica. O fornecimento de energia foi sempre
motivo de muita preocupação. Os reatores II e III estavam
desligados e o I funcionava com apenas 20 por cento de sua
força total.
Liguei a câmara de observação submarina. Os sensores
infravermelhos, montados fora da cúpula mostravam uma
imagem clara e penetrante de minha habitação no fundo do
mar. Diante da escotilha de saída do lado sul, havia se
amontoado uma grande quantidade de lodo. A abertura de
cima, porém, estava normal. Fiz com que o reator I
funcionasse com a velocidade total, para armazenar a
energia suficiente para a projeção.
Pela primeira vez em 69 anos, as grandes máquinas
estavam funcionando. Muito abaixo de meus pés, o ruído
era tremendo. O ronco surdo me penetrava nos nervos. Lá
fora, enorme quantidade de lodo estava se desprendendo da
carcaça.
Um jato concentrado de uma pressão de quarenta mil
toneladas por metro cúbico resolveu a questão. Em poucos
minutos, a escotilha sul estava livre de qualquer sujeira.
Em seguida, procurei entrar em contato com meu
satélite de televisionamento, através do rádio. O corpo
esférico de apenas dois metros de diâmetro, antes do início
da guerra atômica, estava em órbita de duas horas em torno
da Terra. As instalações eram tão perfeitas que permitiam
da guerra atômica, estava em órbita de duas horas em torno
da Terra. As instalações eram tão perfeitas que permitiam
ampliações muito nítidas. Qualquer objeto do tamanho do
corpo humano podia ser visto com clareza. Mas não
consegui ligação nenhuma. O minicomputador embutido no
satélite não se manifestou.
— O TEK-1 foi lançado naquela época, meu amo —
explicou Rico objetivamente. — Isto foi cerca de uns dois
dias depois do início de sua hibernação. Um caça da defesa
espacial soviética tomou nosso satélite como se fosse de
origem americana.
Ouvia tudo sem dizer uma palavra. Fazia censuras a
mim mesmo. Realmente cometi muitos erros quando, com
medo louco de morrer, me escondi afobadamente nas
profundezas do Atlântico.
Estava também separado da superfície. Informei-me no
computador central sobre o estado de coisa em volta de
mim. Se os continentes estavam contaminados pela
radioatividade, então era muito natural que também as
correntes marítimas contivessem partículas nocivas.
— Nenhum perigo nas imediações contíguas com a
cúpula — constatou o cérebro positrônico de minha
residência submarina. Os hipersensores, no entanto, acusam
grande fonte de radiação na fossa do arquipélago de
Açores. O valor oscila, conforme a profundidade, entre seis
e meio e trinta e cinco miliroentgen. Fim.
Suspirei abatido. Trinta e cinco miliroentgen era
extremamente perigoso, pois encontrava-me a uma
profundidade de 285 metros abaixo da superfície do mar.
Procurei fazer um quadro comparativo da intensidade de
radiação entre o mar e a terra firme. Se lá embaixo já havia
trinta e cinco miliroentgen, então mais para cima a coisa
devia ser assustadora.
Que tipo de isótopos radioativos devem ter sidos
empregados? Conforme meus cálculos, a duração média do
tempo de validade da maioria dos isótopos era tão curta,
que não se podia mais contar com o poder de radiação após
69 anos.
Depois de ter examinado todas as instalações de minha
cúpula, cheguei à conclusão de que devia subir à tona o
mais depressa possível. Quem sabe ainda poderia ajudar
muitos sobreviventes com alimentos e remédios?
Encontrava-me com bastantes provisões. Poderia alimentar
vestir e instruir pelo menos mil pessoas. Em certo sentido,
eu poderia dar à Humanidade uma nova possibilidade de
ressurgimento. Tratava-se apenas de saber até que ponto a
radiação nociva havia atingido os sobreviventes. Talvez
tivesse havido mesmo grandes alterações, físicas ou
psíquicas.
Com a cabeça cheia de preocupações, saí do setor de
controle da minha cúpula de aço. Uma coisa estava certa,
tinha que voltar à tona o mais depressa possível, para ver o
que tinha acontecido aos homens.
“Socorrer”! — Ecoava no meu cérebro. Estava
pensando agora nos meus amigos e conhecidos. Mesmo
Hiob Malvers estava entre eles, apesar de me ter deixado
muitas vezes irritado. Apesar de tudo, eu tinha saudade de
sua gargalhada estridente!
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Nº 50/51/52/53
Atlan, O Solitário do
Tempo
O Soro da Vida
O Pseudo
Os Condenados de
Isan
O Duelo
De
K. H Scheer Clark Darlton Kurt Mahr e Kurt Brand
No próximo volume Atlan, o imortal, inicia-se um novo ciclo – Atlan e Árcon:
Perry Rhodan encontra-se com Atlan, o Solitário do Tempo. Juntamente com o
arcônida imortal, ele combate os Druufs, seres vindos de outro universo, e protege o
pequeno reino sideral dos terranos dos ataques dos Mercadores galácticos e do Robô
Regente de Árcon.
Atlan, o imortal – Volume 11
2º CICLO – ATLAN E ÁRCON
VOLUME 11
P-50 - 54