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6 DESTAQUE Domingo2 de Junho de 2019

Os alpinistassem preparação

PELO MENOS 11 PESSOAS MORRERAM ESTE ANO

Há filas para chegarao topo do Evereste...Não fosse o cenário, até podia ser uma longa fila para entrar numasala de espectáculos. Por isso, as imagens são tão impressionantes:centenas de pessoas querem, em simultâneo, aproveitar algumanesga de bom tempo para pisar o cume da montanha mais alta domundo. A reportagem é do “Diário de Notícias”

Graça Enriques

A solidãoportadora de paze tranquilidade anda porestes dias arredada do picodo Evereste. A montanhamais alta do mundo, commais de 8 800 metros, fazlembrar o metropolitanoem hora de ponta. Centenasque descem, centenas quesobem ao mesmo tempo.Há engarrafamentos noEvereste.

Uma foto tirada pelaalpinista Nirmal Purhjamostra bem a realidadeque se vive por esta alturaa caminho do pico - a foto-grafia vale mesmo maisdo que mil palavras e mos-tra as dificuldades por quepassam os alpinistas quenesta época se aventurama pisar o tecto do mundo.

As f i l a s começam,contudo, a ser frequentesdurante a temporada deesca ladas - n inguémquer perder a janela deoportunidade que se abrecom o bom tempo e oresultado é uma enchentede gente, em fila indiana,

que tem um objectivodefinido - chegar ao tectodo mundo, superando oslimites humanos.

Mas nem todos conse-guem terminar a aventura.Esta semana, terão mor-rido, pelo menos, 11 alpi-nistas. Não são apenas ascondições naturais adver-sas que contribuem paraa tragédia. A decisão de

se lançar nesta empreitadasem condições físicas podeditar a morte - escalar oEvereste não pode serencarado como uma via-gem turística. É muito,muito mais do que isso.

Mingma Sherpa é pre-sidente da Seven SummitsTeks e conhecedor da rea-lidade nas montanhas dosHimalaias. Garante quenestas temporadas, osalpinistas chegam a fazerfilas que vão de 20 minutosa hora e meia para chegarao pico. Sendo que um dosprincipais problemas éque podem esgotar o oxi-génio ou ficar sem reservas- de O2 e de força anímica- para a descida.

Bom tempoA sobrelotação da monta-nha explica-se, segundoos guias, pelo aproveita-mento das boas condiçõesmeteorológicas. Se o tempoestá bom, não há alpinistaque não queira tirar partidodisso - um dos factores queprocuram é a ausência defortes correntes de ar.

“Se há uma semana (de

tempo seguro), o cumefica lotado. Mas às vezes,quando há apenas umajanela de dois ou três dias,fica sobrelotado”, contaMingma Sherpa à BBC.

Ralf Dujmovits é autorda outra fotografia, já comsete anos, que se tornouviral. O alpinista alemãochamou-lhe conga line dealpinistas no Evereste - umaalusão à dança em fila ins-pirada no Carnaval cubano.

“Quando as pessoas têmque esperar em filas, corremo risco de ficar sem oxigénio- e podem não ter oxigéniosuficiente para o caminhopara baixo.” Dujmovitssabe do que fala, atingiuo pico em 1992 e subiuoito mil metros em seisoutras ocasiões.

O alpinista contou àBBC que em 1992 ficousem oxigénio durante adescida e sentiu “como sealguém lhe desse com umamar re ta de made i ra .Quando há ventos de maisde 15 km/hora, não se con-segue fazer sem oxigénio...estamos a perder muitocalor corporal.”

Não são apenas as condições

naturais adversasque contribuempara a tragédia.A decisão de selançar nesta

empreitada semcondições físicaspode ditar a

morte - escalaro Evereste não

pode ser encaradocomo umaviagem

turística. É muito,muito mais do que isso

Andrea Ursina Zimmerman,uma guia de expedição queatingiu o pico do Evereste em2016, entende que os “engar-rafamentos” são causadospor alpinistas sem qualquertipo de preparação e sem con-dições físicas para empreendera escalada. O que põe emcausa as suas vidas, mas tam-bém as dos sherpas (guias).

Norbu Sherpa , que émarido de Andrea, já chegouao pico sete vezes, contaum episódio que podia tercu stado v i da s . A 8 . 6 00metros de altitude, teve dese impor a um alpinista que,mesmo em estado de exaus-tão, insistia em chegar aopico do Evereste.

“Tivemos uma grande dis-cussão. Tive de lhe dizer queestava a arriscar a vida dedois sherpas, assim como asua. O alpinista já não con-seguia endireitar-se, tivemosque prendê-lo com cordaspara descer. Quando chegá-mos ao acampamento base,agradeceu-nos.”

Mesmo para quem nãoconsegue atingir o topo, nãodeixa de ser ainda mais impor-tante acautelar a descida emsegurança. Porque, ao acha-rem que cumpriram um objec-tivo, algumas pessoas sedesleixam com esta fase daempreitada. O objectivo foicumprido e esquecem-se queé preciso fazer o caminho devolta. Perdem a adrenalina,a motivação e até as forças.

“Ao longo dos anos, perdimuitos amigos que morreramdurante a descida. Muitos aci-dentes acontecem durante adescida, porque as pessoassimplesmente já não estãoconcentradas o suficiente -especialmente no caso doEvereste, onde há grandesmultidões subindo e des-cendo”, afirma, por seu turno,o alpinista Ralf Dujmovits.

Por isso, não tem dúvidasem afirmar à BCC: “O verda-deiro pico está no regressoao acampamento-base .Quando se está de volta,pode sentir-se o verda-deiro prazer do quealcançámos.”

A s o b r e l o t a ç ã osente-se sobretudo dolado nepalês do Evereste -a parte tibetana é mais fácil,mas acaba por ser menosexplorada, porque o Governochinês emite menos licenças.Dizem os aventureiros quea subida também é menosinteressante.

Roubo de oxigénioO espanhol Sergi Mingoteescreve na primeira pes-soa no jornal El Mundo.“No início desta semana,estava no campo-base do Eve-reste, a mais de cinco milmetros de altitude, rodeadopor 700 ou 800 pessoas, e sópensava: é preciso uma regu-lação, já. O Evereste é umsonho legítimo, a montanhaé para qualquer um que queiraconhecê-la, mas não se pode

permitir estas enchentes nes-tes dias de bom tempo. Astragédias sucedem-se, hágente que não volta com assuas famílias. É uma situaçãoque se deve repetir.”

Mingote, embora considereque não é tarefa dos alpinis-tas, mas sim das autoridadeslocais, garantir a segurançados visitantes, deixa algumassugestões. “Para dar permis-são para subir, podia exigir-se que antes o alpinista játivesse subido uma monta-nha de oito mil metros. Assim,garantia-se um certo níveldos alpinistas e o número depessoas que querem subir,desceria talvez uns 90 porcento. Porque, hoje, a maioriados que tentam subir nãosão alpinistas, são turistasde alturas. Pagam a umaempresa e formam uma expe-dição comercial.”

O alpinista explica que ooxigénio engarrafado é fun-damental. “O oxigénio nãoaltera uma subida em 10 porcento, 20 por cento ou 30 porcento, muda 100 por cento.Eu diria que as botijas retiram2.000 metros ao Evereste. Masnão quero banalizar. Apesarda ajuda, o risco ainda estálá e pensar que subir oito milmetros é fácil é um erro graveque causa mortes.”

A agravar as adversidadesnaturais desta aventura, háactos humanos que podemconsiderar-se criminosos -o roubo de garrafas de oxi-génio que são colocadas emcertos locais estrategicamentepara alguns alpinistas.

Maya Sherpa, em declara-ções à BBC, não tem condes-cendência e aponta o dedoa quem pratica este tipo deacções: “Roubar oxigénio aesta altitude não é menos doque matar alguém. O Governoprecisa de se coordenar comos sherpas (guias) para imporregras.”

7Domingo2 de Junho de 2019DESTAQUE

O Monte Evereste tem vindoa receber cada vez mais turistase alpinistas que pretendemalcançar o topo, o que temfeito o lixo amontoar-se namontanha. Por isso, o Governonepalês decidiu lançar a "Cam-panha de Limpeza do Eve-reste", iniciativa que começouno dia 14 de Abril e deve pro-longar-se por 45 dias.

Duas semanas depois docomeço, o porta-voz do Depar-tamento de Turismo de Kath-mandu no Nepal, Dandu RajGhimire, disse ao The Kath-mandu Post que a equipa járeuniu três toneladas de lixo.Além de latas, garrafas, plás-ticos e equipamento de esca-lada, foram encontradastendas florescentes, botijasde gás vazias e excrementoshumanos.

A altura da recolha não foiescolhida ao acaso. Esta épocaé marcada pela abertura datemporada da escalada dePrimavera, que atraí centenasde alpinistas que tentam che-gar ao pico de 8.848 metros.Centenas de alpinistas tentam

subir a montanha, acompa-nhados por mais de 1000 fun-cionários de apoio à escalada,segundo dados do Departa-mento de Turismo, o que fazesta altura ser uma das épocasem que a montanha é maispoluída. Até dia 29 de Maio,a equipa de limpeza pretendiasubir até aos 7.950 metros elimpar 10 toneladas se lixo.

Ghimire diz que, para oNepal, "o Evereste não é ape-nas a coroa do mundo, mas oorgulho nacional", daí o esforçodo Governo em limpá-lo e "res-taurar a sua glória". O Governonepalês compromete-se amanter a montanha limpa ea continuar a enviar equipasde limpeza para evitar a acu-mulação de l ixo no local.Estima-se que sejam investidoscerca de 30 milhões de eurosnesta tarefa de 45 dias.

"Tudo no Evereste, excep-tuando a montanha e a neve,

será trazido de volta. O objec-tivo é enviar a mensagemde que devemos manter amontanha livre de poluição",d i sse T ika Ram Gurung ,secretário da Associação deAlpinismo do Nepal ao TheKathmandu Post.

Corpos humanosEsta não é a primeira vez quese tenta limpar a montanhamais alta do mundo. Em 2014,tornou-se obrigatório paratodos os alpinistas descercom oito quilos de lixo, queé a quantidade estimada deprodução de lixo para cadaalpinista. Na opinião de Ghi-mire, bastava cada um serresponsável pelo seu própriolixo para o problema ficarresolvido.

No mês passado, a Chinafechou o campo-base do ladonorte do Monte Evereste, inter-ditando-o a turistas que não

tivessem autorização paraescalar. O Governo pretendiarealizar uma limpeza no locale lidar com a enorme quanti-dade de lixo que se encontravano monte.

Cientistas alertaram paraoutros perigos que o Everesteenfrenta, além da extremaacumulação de lixo. Graçasao aquecimento global, o der-retimento do gelo do Everestetem vindo a expor mais lixo eaté corpos humanos que seacumularam ao longo dosanos - a equipa de limpezaactual já encontrou quatrocorpos na zona de acampa-mento-base. A aparência damontanha está a ser alteradae a cascata de gelo Khumbuencont ra - se ameaçada ,podendo vir a desaparecernas próximas décadas.

O lixo recolhido vai ser exi-bido em Katmandu, no Nepal,no Dia Mundial do Ambiente,dia 5 de Junho, com o objectivode sensibilizar a populaçãopara o que se passa na mon-tanha. Depois , s im, seráenviado para a reciclagem.

Três toneladas de lixo descem da montanha

O Governo nepalês emitiueste ano o maior número delicenças de sempre para subiro monte Evereste e não ten-ciona abrandar. As filas paraatingir o pico da montanhacom 8.848 metros de altitudeestão constantemente aaumentar e podem colocarem causa a segurança dos alpi-nistas. Na temporada desteano, que terminou terça-feira,morreram 11 pessoas durantea escalada, o número mais ele-vado dos últimos quatro anos.

Segundo os alpinistasouvidos pela AssociatedPress, o aumento do númerode pessoas a escalar a mon-tanha mais alta do mundo épreocupante, porque atra-

palha o ritmo de escalada.Por causa da altitude, os alpi-nistas têm um tempo limitepara alcançar o topo antesde correrem o risco de umedema pulmonar, motivadopela insuficiência de oxigénio.A última etapa da escalada(acima dos oito mil metrosde altitude) é por isso conhe-cida como a “zona da morte.”

Robin Haynes Fisher,um dos alpinistas quemorreram estemês no Eve -reste, chegoua a le r ta rpa ra asuper-

lotação na montanha,a v i s a n d o q u ehaveria filas commais de 200pessoas emdirecção

ao cume. Muitas destas, semexperiência adequada paraescalar a montanha. Masparece que o ritmo não iráabrandar nos próximos tem-pos. Pelo contrário, as cam-panhas de acesso ao Evereste“pelo prazer ou pela fama”,como aconselha o secretáriode Estado do Turismo nepalês,

Mohan Krishna Sapkota, con-tinuam e o tempo que sepassa em cima da montanhapermanece sem restrições.

“Não temos regras nemregulamentos que digamquantas pessoas podem real-mente subir e quando”, dizKul Bahadur Gurung, secre-tário-geral da Associação deAlpinismo do Nepal. “Há maispessoas no Evereste do quedevia ser possível”, afirma.

Para subir o cume que sedivide entre o Nepal e a Chinabasta uma autorização médicae o pagamento de uma taxa:11 mil dólares. Este ano, foramemitidas 381 licenças, o númeromais elevado de sempre,segundo o Governo do Nepal,

que tem cerca de 300 milhõesde dólares de receita anual coma indústria da escalada. Mas osecretário de Estado do Turismorejeita que o aumento das expe-dições esteja relacionado comas mortes; explica-as antes como clima adverso ou com equi-pamento inadequado.

Na verdade, as 381 licençassignificam um total de maisde 600 pessoas no Evereste,se contarmos com os sherpas(guias) e outro pessoal de apoioque acompanha os alpinistas.

Do seu lado (a norte), a Chinaestá a limitar o número de licen-ças aos alpinistas em um terço,como parte de um plano delimpeza da montanha que seiniciou este ano.

Nepal recusa-se a restringir acesso ao cume“Ao longo dos anos, perdi muitos amigos quemorreram durante a descida. Muitos acidentesacontecem durante a descida, porque as pessoas

simplesmente já não estão concentradaso suficiente - especialmente no caso do

Evereste, onde há grandes multidões subindoe descendo”, afirma, por seu turno,

o alpinista Ralf Dujmovits