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PARTIDOS POLÍTICOS DE GOVERNANTES E A CONVERGÊNCIA DE POLÍTICAS DE TRANSFERÊNCIA
MONETÁRIA NA AMÉRICA LATINA
Samira Kauchakje 1
RESUMO: Este artigo discute se a variável partidos políticos importa para explicar a convergência na América Latina de políticas de transferência monetária do tipo Condicional Cash Transfer programs (CCT) a partir dos anos 1990. Esta discussão é proveniente da pesquisa em desenvolvimento e a escolha metodológica centra-se: i) na classificação de governos no espectro partidário-ideológico); ii) na literatura sobre transferência e difusão de políticas públicas; iii) na análise de características e componentes dos programas CCTs e; na análise de programas governamentais e programas de partidos políticos do executivo nacional no período. A análise comparativa em curso tem apontado diferenças sobre o significado atribuído aos CCTs coerentes com a posição no espectro partidário-ideológico, sendo que os CCTs nos governos de partidos à esquerda parecem estar incluídos na concepção de política econômica vinculada aos objetivos da política social (e não o contrário) e num projeto de democracia social e/ou mudança estrutural. PALAVRAS-CHAVE: partidos políticos; ideologia política; transferência de renda; América Latina; policy diffusion 1. INTRODUÇÃO
A observação e o debate da literatura sobre políticas para redução da pobreza
identificam a adoção de um tipo de política similar tanto por governos latino-
americanos considerados à direita como à esquerda do espectro partidário-ideológico.
Isto é, houve o decréscimo em variação destas políticas entre espaços territoriais e
temporais, com a implementação de CCTs caracterizados pela provisão de renda
direta para famílias de baixa renda; atenção prioritária para crianças e jovens e;
condições associadas ao uso se serviços de educação e saúde.
Trata-se do fenômeno de convergência de políticas em que há similaridades de
objetivos, processos e arranjos institucionais em sociedades, mesmo quando
diferentes econômica, política e culturalmente. Tal fenômeno é compreendido como
any increase in the similarity between one or more characteristics of a certain policy (e.g. policy objectives, policy instruments, policy settings) across a given set of
1 Cientista Social; mestre em Ciência Política pela UFPR e doutora em Educação pela
UNICAMP. Doutoranda em Ciência Política na UFSCar. Professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUCPR e Professora colaboradora do Programa Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR.
2
political jurisdictions (supranational institutions, states, regions, local authorities) over a given period of time. Policy convergence thus describes the end result of a process of policy change over time towards some common point, regardless of the causal processes. (Knill, 2005:5)
Knill (2005) e Dolowitz e Marsh (1996) questionam: a) por que diferentes
países desenvolvem políticas similares; b) o que explica a adoção dessas políticas por
países num período determinado; c) sob quais condições políticas domésticas
convergem ou se distanciam; d) por que países convergem em algumas políticas e
não em outras?
Este artigo parte destas indagações e tem por base resultados iniciais e
reflexões decorrentes da pesquisa2 em desenvolvimento norteada pelo problema se a
posição partidário-ideológica de governantes contribuiria para explicar a difusão3 de
CCts Na América Latina a partir dos anos 1990.
O artigo está dividido em dois itens. O primeiro apresenta aspectos do método
da pesquisa e aborda algumas variáveis relativas à incidência da política convergente.
O segundo relaciona a discussão sobre partidos políticos e capacidade do Estado.
Nos dois itens são apresentados dados4 sobre CCTs na região.
2. CCTS NA AMÉRICA LATINA: FATORES EXPLICATIVOS DA CONVERGÊNCIA
2.1 Método
O método é interpretativo a partir da investigação exploratória em documentos
e em sítios da internet de departamentos governamentais de países latino-americanos
e de organizações internacionais como Banco Mundial e ONU. Os documentos
acessados são, principalmente, Planos oficiais das políticas de transferência
monetária (CCTs); documentos sobre CCTs na América Latina divulgados e, ou
elaborados por organizações internacionais, notadamente, CEPAL, Banco Mundial e
ONU e; textos científicos sobre governos e partidos políticos na América Latina.
2 Trata-se da tese de doutorado em elaboração na UFSCar - Partidos de governantes como
fator da convergência: CCTs na América Latina em perspectiva comparada. 3 Chamo a atenção um ponto relevante nas Theories of Policy Difussion e Policy Transfer. A
convergência de políticas pode ser o resultado de processos de difusão e transferência. Transferência e difusão, por sua vez, podem ser entendidas como variáveis dependentes, isto é, busca-se outros fenômenos para explica-las (por que ocorreram e quais suas características, por exemplo); variáveis intervenientes e; como variáveis independentes, quer dizer que explicam a formulação de politicas ou momentos e agentes envolvidos em seus ciclos. Nesta pesquisa, processo de policy transfer e policy diffusion, serão entendidos, sobretudo, como variável dependente. 4 Contribuem para o desenvolvimento da pesquisa e reflexão sobre os resultados: Evelise
Zampier (mestranda do Programa de Pos-Graduação em Gestao Urbana da PUCPR) e Paloma Govaski e Ingrid Portugal ( estudantes de iniciação científica) a quem agradeço.
3
Estão sendo considerados somente os programas latino-americanos aos
moldes de CCT de abrangência nacional, implementados a partir de 1990. 5 A região
foi escolhida devido ao número significativo de países que adotam este modelo
específico de política social, por ser destaque internacional em relação a este fato e,
porque Organizações Internacionais6 consideram que países como o México,
inicialmente, e o Brasil, na atualidade, são polos de difusão do programa para Estados
da região e de outros continentes como o Africano. O período escolhido coincide com
a onda de implementação e difusão de CCTs.
O foco da análise é direcionado pela hipótese que a posição partidária-
ideológica de governantes é uma das variáveis explicativas para a convergência de
CCTs na região.
2.2 Apontamentos sobre variáveis explicativas e a disseminação de CCTs na
América Latina
Autores vinculados às teorias sobre difusão e transferência de politicas, tais
como Knill (2005: 8) e Dolowitz e Marsh (2000), mencionam aspectos ideológicos
entre os fatores explicativos ou indutores da convergência de políticas como se segue:
a) proximidade geográfica; b) similaridades institucionais, de políticas, culturais e
econômicas entre unidades analisadas; c) respostas similares, mas independentes de
diferentes unidades para pressões e problemas similares; d) harmonização de
políticas domésticas por conta de documentos internacionais e supranacionais
acordados em negociações multilateriais; e) ajustamentos mútuos e competição
advindos de integração econômica; f) características e conteúdo das próprias políticas
públicas.; g) mecanismos de difusão e transferência de políticas ligados a processos
de lesson-drawing, formação de comunidade epistêmica ou policy network, reforço ou
imposição de organizações internacionais e, emulação de modelos de políticas e; h)
normas e ideologia comum entre elites políticas.
Porém, apesar da ideologia de elites políticas estar entre os elementos
comumente citados na literatura, é menos comum o recorte que explicite a posição
partidária-ideológica de decisores e formuladores de políticas. Isto é, variável partido
5 Para a tese de doutorado além dos documentos sobre CCTs serão investigados e
categorizados, também, programas de partidos, discursos de posse de chefes do governo e suas mensagens na abertura anual dos trabalhos no legislativo, em países selecionados entre países latino-americanos representativos de governos de posições ideológico-partidárias de direita e esquerda. 6 Pronunciamentos e documentos da ONU, Banco Mundial e FMI têm sido divulgados neste
sentido. Ver por exemplo: http://www.onu.org.br/programa-bolsa-familia-e-exemplo-de-erradicacao-de-pobreza-afirma-relatorio-da-onu/ http://www.imf.org/external/np/seminars/eng/2013/kenya/pdf/canuto.pdf
4
político de governantes não recebe a atenção que considero necessária. Por exemplo,
os estudos de Gonnet (2012), Weyland (2006) e Stone (2004) sobre a difusão de
CCTs e de outras políticas sociais na América Latina têm se dedicado mais a analisar
a variável relacionado às organizações internacionais. Para o caso das CCTs, há
evidências sobre a importância, sobretudo, das instituições financeiras internacionais
na difusão e indução de transferência destas políticas. Entretanto, observo este fator
não explica suficientemente, por um lado, a coincidência espacial da convergência
destas políticas na região latino-americana em relação à sua adoção por governos de
diferentes posições partidárias-ideológicas e, por outro, a coincidência temporal da
onda de difusão da política com a onda de ascensão de governos à esquerda.
Por isso julgo importante examinar, ainda que de forma breve, alguns fatores
desencadeadores ou facilitadores da convergência de políticas, entendida como uma
variável dependente.
A proximidade geográfica que parece ser um facilitar no espraiamento e
convergência de CCTs no bloco regional latino-americano (mapa 1).
5
Mapa 1. Localizaçao de programas do tipo CCTs entre 1997 e 2008.
Fonte:
http://siteresources.worldbank.org/INTRES/Images/469231-1100809160045/lac_risk.jpeg
A região possui certa unidade geral devido menos à integração política
deliberada e mais à história semelhante de formação das sociedades e de algumas
instituições politicas. Entretanto, a diversidade no desenvolvimento econômico, na
posição no contexto e relações internacionais e as especificidades culturais trazem
dificuldades para supor que os traço culturais gerais e institucionais compartilhados
teriam força para facilitar a convergência no sentido argumentado por Knill (2005: 7),
ou seja,
that converging policy developments are more likely for countries that are characterized by high institutional similarity. [...] Moreover, cultural similarity plays an important role in facilitating cross-national policy transfer. [...] similarity in socioeconomic structures and
6
development has been identified as a factor that facilitates the transfer of policies across countries.
A probabilidade maior é que programas de transferência monetária
condicionada iniciaram independentemente em alguns países com um intervalo de
tempo e passaram a ser disseminados e adotados em espaços e períodos
concentrados devido à pressões e, ou estímulos internos e internacionais diante de
problemas aná
introduzidos, por exemplo, Programa de Becas Estudantiles (1997) na Argentina,
Progresa/Oportunidades (1997) no México, Bolsa Escola (2001) e Bolsa Família
(2003) B “B w B z [2003] M x -support schemes
w x ” ( v 20 4: )
Uma das formas de pressões e os estímulos para a difusão e transferência da
política são os pactos internacionais sobre metas a respeito da pobreza7 e, em
particular, a difusão por instituições financeiras internacionais (IFIs) de impactos
positivos de CCTs a sua adequação à perspectiva de Estado com políticas sociais
menos abrangentes e menor regulação econômica. Estudos de Gonnet (2012) e o
nosso indicam que, embora, em alguns casos, as prescrições de OIs possam ter tido
caráter coercitivo, parecem ter servido mais como força política para construção de
apoio e consenso doméstico sobre políticas de transferência monetária neste bloco
regional.
Juntamente com documentos, material e pessoal de divulgação provenientes
de organizações internacionais, os processos de lesson-drawing e de emulação a
partir de países tomados como exemplos exitosos (como México e Brasil) parecem ser
importantes para a difusão e para a transferência de CCTs.
Em termos de característica e conteúdo dos CCTs em relação ao legado
institucional e cultural e à trajetória histórica das políticas e legislação social na região,
não seria esperado sua disseminação. Dito de outro modo, os elementos internos da
política dificultariam a sua difusão, pois, CCTs tem a característica de ser política
distributiva. De acordo com Lowi (1972) este tipo de politica8 têm caráter
compensatório e focalizado, gera impactos visíveis mais individuais que universais e
privilegia certos grupos sociais ou regiões em detrimento do todo. Porque tais políticas
carregam um potencial de disputas, a sua disseminação é contra-intuitiva. É esperado
7 Pode-se registrar como marcos o Consenso de Washington de 1989, cujos protagonistas são
o Banco Mundial e o FMI, e os Objetivos do Milênio declarados na ONU. 8 Em Lowi (1972) os tipos de políticas são: regulatórias, constitutivas, distributivas e
redistributivas. Políticas sociais universais seriam do último tipo.
7
que políticas que envolvem altos conflitos distributivos entre coalizões domésticas
tendam a se difundir e a convergir em menor grau se comparadas com políticas
regulatórias, por exemplo, com menor consequência deste teor. (Knill, 2005: 7).
O conteúdo da política também não seria um facilitador no contexto latino-
americano que tradicionalmente rejeita a ideia de ganho monetário dissociado do
trabalho e associado à noção de direito (particularmente da classe trabalhadora de
menor ou sem renda) garantido pelo Estado. De forma geral, a rejeição é tanto do
modelo social-democrata de welfare redistributivista com perspectiva da
universalidade quanto aos Estados de bem estar mais restritos quanto às provisões
públicas e aos grupos destinatários.
A história e legislação social pregressa e atual na maior parte destes países
demonstram que, entre os modelos de Welfare State tratados por Esping-Anderson
(1991), a rejeição maior é por sistemas públicos de proteção social de cobertura
universal, porém, mesmo sistemas protetivos mais tímidos - com foco em grupos
especificados e valores monetários reduzidos em comparação com os padrões de
serviços e recursos de cidadania alcançados numa sociedade - sofrem resistência de
parcela da população que entende que os beneficiários são necessitados de caridade
v “q E ”
Reis (2000) e Rego (2013), entre outros. A questão, portanto é normativa, diz respeito
aos valores, às crenças e à cultura política nesta região. No caso brasileiro, por
exemplo, os direitos sociais foram incluídos no rol dos direitos fundamentais pela
primeira vez na Constituição Federal de 1988.
Diante desse histórico da base legal-institucional e cultural num passado
recente e ainda hoje, a capacidade de governos latino-americanos implementar CCT
programs se deve, de novo, contra-intuitivamente, justamente, ao seu conteúdo. No
período em que este programa se espalha foram construídos dois consensos
internacionais (nem sempre fomentados pelos mesmos agentes ou de maneira
articulada, mas, ao que tudo indica, se potencializando mutuamente), por um lado, um
consenso sobre a redução da pobreza via políticas ativas governamentais e, por outro,
“ ” e da proteção social pública. O
conteúdo deste programa logra atender a estas duas expectativas consubstanciadas à
direita do espectro ideológico por políticas governamentais seletivas quanto aos alvos
da provisão social com enfraquecimento da cobertura universalista e, à esquerda por
um Estado que constitui a cidadania social via garantia de renda em países em que
isso, até então, havia se dado prioritariamente via legislação trabalhista e, com mais
8
ou menos suficiência e qualidade, por meio de acesso à serviços e equipamentos
sociais (de educação, saúde e moradia, basicamente).
Este processo de convergência pode causar menos estranheza se admitirmos
que a difusão e transferência de uma política governamental de um local para outro
nem sempre resulta na absorção da política em sua totalidade de componentes. Seus
componentes são filtrados e moldados no processo político interno a cada contexto.
Estes componentes, grosso modo, dividem-se em duas categorias: i) hard - isto é,
conteúdos, instrumentos e arranjos institucionais da política e; ii) soft - objetivos,
ideologias, ideias, normativas, concepções e princípios da política. (Dolowitz e Marsh,
2000; Stone 2001). Desta forma, pode haver transferência e convergência de
desenho, instituições de políticas em vários locais, sem que os seus princípios
ideológicos sejam os mesmos. Parece ser este o caso do espraiamento de CCTs e
sua implementação por governos tanto à esquerda quanto à direita do espectro
partidário-ideológico.
3. CAPACIDADE GOVERNATIVA, PARTIDOS POLÍTICOS E CCTS
Os mapas 1 anterior e o 2 a seguir, demonstram o dado que a políticas de tipo
CCTs são implementados por governos à esquerda e à direita.
9
Mapa 2. The State of the Left 9
Fonte: Public Policy Research Volume 19 \ISSUE 1, 2012
9 Não inclui resultados das eleições a partir de 2012 no Chile, Equador e Paraguai. Os editores
advertem que o mapa mostra onde partidos de esquerda e de centro-esquerda estão no poder e avalia se esses partidos estão avançando e onde eles estão em retirada. A esquerda estaria avançando se a sua percentagem de votos aumentou na eleição nacional mais recente, e em retirada se a sua percentagem de votos diminuiu.
10
Atualmente, modalidades de CCTs são implementadas em 18 dos 20 países
da América Latina 10 (este tipo de política não está presente em Cuba e foi desativado
na Nicarágua), sendo que em 10 deles o programa foi primeiramente iniciado por
governos de direita. Observo, porém que se considerarmos que a política brasileira de
maior abrangência é o Bolsa-Família, então seria a metade.
De toda forma de 1990 até hoje, 05 destes países tinham iniciado o período
com governos à esquerda do espectro ideológico-partidário e nos anos finais metade
deles são de governos nesta posição. Portanto, os anos da difusão de CCTs coincide
com a onda de eleições de governos de esquerda neste bloco geográfico e isto pode
revelar além de condições políticas favoráveis a este tipo de política, também, uma
preferência de governantes (quadro 1 e figura1).
Quadro 1. Posição ideológico-partidária de governantes na América Latina (1990-2014)*
Período - governos à esquerda e centro-esquerda (E) e à direita e centro -direita (D) 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014
País E D E D E D E D E D Argentina Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Cuba Equador El Salvador Guatemala Haiti Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana
Uruguai Venezuela TOTAL 5 17 3 18 6 17 13 12 12 11
Legenda : posição ideológica
10
. Este artigo segue a CEPAL que arrola 20 países latino-americanos: Argentina, Bolivia (Estado Plurinacional de), Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Cuba, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Haití, Honduras, México, Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Uruguay, Venezuela (República Bolivariana de). Fonte: Perfiles ODM de los países de América Latina y el Caribe - CEPAL - Naciones Unidas. Site: http://www.eclac.cl/cgi-bin/getprod.asp?xml=/MDG/noticias/paginas/2/43582/P43582.xml&xsl=/MDG/tpl/p18f-st.xsl&base=/MDG/tpl/top-bottom.xsl
11
Fonte: autora (quadro elaborado por Evelise Zampier com base, principalmente, no site
http://www.cidob.org/es/cidob)
* Este quadro é provisório e passará por revisão e complementação dos dados.
Fig. 1. Posição partidário-ideológica de governos na América Latina - esquerda/centro-
esquerda e direita/centro-direita – a partir de 1990
Fonte: a autora
(Figura elaborada por Evelise Zampier)
Weyland (2011; 2010), Lanzaro (2013) e Silva (2009), entre outros, têm
trabalhado as diferenças e similaridades de atuais governos latino-americanos de
esquerda e sua classificação em moderados (ou social-democratas) e radicais (ou
populistas). Esta classificação fundamenta-se tanto em elementos objetivos de
trajetória partidária, preferências políticas e por políticas implementadas, quanto em
elementos normativos.
A esquerda moderada – governos do Brasil, Chile, Uruguai, Nicarágua e, talvez
Argentina - é pragmática, defende reformas graduais, consente com o liberalismo
econômico e formula políticas econômicas e sociais dinamizadoras da economia,
voltadas para a segurança de renda de grupos empobrecidos e para a diminuição da
desigualdade. Seu ideário e práticas são próximas à socialdemocracia, isto é, buscam
introduzir reformas sociopolíticas redistributivas dentro do sistema de mercado. São
partidos da esquerda institucionalizada no sentido que fazem adequações de seus
programas às estratégias eleitorais no interior de sistemas partidário e eleitoral
institucionalizados. Nos termos de Mainwaring e Scully (1995) sistemas
5 3
6
13 12
17 17 17
12 11
0
5
10
15
20
1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014
Qu
anti
dad
e
Período
Esquerda e de direita na América Latina
ESQUERDA DIREITA
12
institucionalizados têm uma duração, estabilidade, legitimidade e solidez de
organização.
Por seu turno, a esquerda radical – governos da Venezuela, Bolívia e Equador
- questiona a democracia liberal representativa e a economia de mercado e, formula,
também, políticas sociais e econômicas que priorizam populações que têm trajetórias
de empobrecimento devido às dinâmicas e relações econômicas, étnicas e sociais
vigentes. O comportamento dos partidos e governos, assim como, as preferências dos
eleitores são estruturados por sistemas e regras eleitorais e partidárias
comparativamente com um grau menor de institucionalização.
De todo modo, à primeira vista, tais diferenças no conjunto de partidos de
esquerda e em relação aos de direita parecem não afetar a capacidade governativa
para formular e implementar CCTs e em sua difusão. Mas, uma observação mais
detida dos dados pode trazer novos elementos para esta reflexão.
3.1 Capacidade governativa
Segundo Przeworski (1995), capacidade do Estado é a capacidade de formular
objetivos e de implementar os objetivos propostos.
Pela vertente teórica institucionalista o Estado é conceituado como uma
instituição que molda os resultados sociais e, uns mais outros menos, são capazes de
formular suas próprias políticas de forma autônoma em relação aos condicionantes
sociais internos e externos. Theda Skocpol, por exemplo, define capacidade do Estado
E “ ly over the actual or
potential opposition of powerful social groups or in the face of recalcitrant
” ( k 5: ) H T (2002)
esta é a diferença fundamental entre esta vertente e as teorias funcionalistas que
tendem a retratar o Estado como produto da sociedade.
A concepção de capacidade governativa adotada neste artigo segue a
v “ v v ” q “ E ”
tem a intenção de ressaltar a formulação e formatação de políticas governamentais, ou
melhor, salientar a capacidade de governos para converter o potencial de um conjunto
çõ á í “
í ” ( 7: 5)
Mas, ao contrário do que a definição pode levar a crer os governos não têm
fins fixos e precisos ou um conhecimento perfeito dos melhores meios para alcança-
v v “
institucionalmente a coexistência entre interesses múltiplos e projetos alternativos
à çõ ó E ” (R 5: 3 )
13
Nos processo que levam à convergência de CCTs na América Latina os
interesses e projetos múltiplos parecem ser absorvidos na formulação geral deste tipo
de política, mas, envolto pelo conjunto geral de programas de transferência monetária
direta e condicionada estão diferenças a respeito do papel do Estado, objetivos do
programa, população – alvo e definição de pobreza, por exemplo. Estas variações
guardam preferências ideológicas e posições partidárias que acabam por moldar
variações nos próprios CCTs no decorrer de seu processo de formulação,
implementação e espraiamento. Neste sentido, a capacidade do Estado em dar forma,
em modelar CCTs numa sociedade comparativamente a outra, ou num período de
governo em relação a outro, pode ser compreendida pelas posições ideológico-
partidárias de governante.
3.2 Posição partidária-ideológica de governantes
As características e conteúdo de CCTs – baixo custo e público-alvo delimitado
na população da faixa da pobreza ou miserabilidade, por exemplo - tornaram tais
políticas atraentes para governos da direita à esquerda num contexto latino-americano
marcado, internamente, pela consolidação dos procedimentos democráticos e,
externamente, pela existência de um consenso patrocinado por instituições financeiras
internacionais (Fagnani, 2005) sobre a suposta necessidade de desestruturação de
políticas sociais universais combinada com a desregulamentação da econômica. Ou
seja, numa sociedade com indicadores de pobreza e desigualdade comparativamente
acentuados, tanto a regularidade da competição eleitoral e possibilidade da alternância
de poder (que traz exigência de responsividade de governantes, no sentido do cálculo
racional11) como, também, o apoio interno e internacional para políticas focalizadas
favoreceram o espraiamento de políticas do tipo CCT. Todavia, o pressuposto da
pesquisa é que o próprio conteúdo desta política permite estabelecer diferenças entre
governos de partidos de esquerda ou direita. ,
A atração à direita se fundamenta na necessidade de baixo investimento e na
cobertura focalizada da política que minimiza princípios universais da política social.
Contraditoriamente, estes mesmos aspectos são atraentes à esquerda, pois, por um
lado, o apelo por diminuição ou erradicação da pobreza é compatível com seu projeto
político e, por outro, a focalização (ao invés, por exemplo, da renda de cidadania
11
A ideia de responsividade remete às condições e instituições democráticas tratadas por Dahl (1997) e a de cálculo racional está vinculada ao estabelecimento de conexão eleitoral, conforme relação entre políticas governamentais e voto apresentada, por exemplo por Downs (1999).
14
universal) e o baixo custo capacitam o governo a implementar a política sem aumentar
tributos de setores liberais econômicos.
Mas, como mencionado, a despeito da aparente homogeneidade convergente
de CCTs na região, o pressuposto é que há diferenças entre governos de partidos e
coalizões de direita e os de esquerda no que diz respeito ao modo como se dá a
compatibilidade e incorporação em cada um deles dos componentes institucionais e
de princípios desta política. Para verificar este ponto, os governos de posição
partidária de esquerda serão utilizados como parâmetro comparativo.
Diferente do que ocorre nos governos à direita, é esperado que a adoção de
CCTs por governos à esquerda seja justificada normativamente em termos de: i)
cidadania social e fortalecimento da capacidade do Estado para realizar políticas
econômicas e sociais que assegurem renda desvinculada do trabalho e alterem o
padrão do mercado de trabalho e da distribuição e apropriação de bens; ii) pobreza
como violação de direitos e como efeito de dinâmicas socioeconômicas de longa
duração e não de responsabilização ou incapacidade individuais e; iii) universalidade
via articulação do programa focalizado com políticas de princípios universais e,
também, da inserção de CCTs no sistema e na legislação de proteção social.
Tais valores e compon “ ” T v
compatibilidade com os também variados partidos e governos à esquerda. Porém,
supõe-se que a distância desta congruência seja menor no interior do conjunto destes
governos do que destes com o conjunto de governos à direita, havendo proximidade
quando se posicionam ao redor do centro.
A maior ou menor capacidade de governos em conectar CCTs com
preferências normativas-partidárias pode estar relacionada com o maior ou menor
identidade partidária do(a) governante e, vinculado a isso, a possibilidade e
legitimidade do suporte do partido no processo de negociação e formulação da
política. Na América Latina, tradicionalmente, a validação governamental é de teor
personalista, isto é, haveria vínculos diretos com os eleitores (Mainwaring e Scully,
1995; Moises, 2008). Mais recentemente, os próprios autores citados, Limongi e
Figueiredo (1998) e outros, observam em alguns países a alteração desta
característica e a existência de partidos institucionalizados12. A ascensão de governos
de partidos da esquerda institucionalizada, por exemplo no Chile, Brasil e Uruguai,
12
Partidos politicos institucinalizados: regularidade da competição, enraizamento dos partidos na sociedade, legitimidade dos partidos e das eleições e organização partidária sólida (MAINWARING, & SCULLY, 1995). Considero que um dos indicadores de institucionalização é politicos(as) em competição serem identificados com seus partidos.
15
parece favorecer que a identificação partidária e seu suporte no encaminhamento de
políticas.
Por isso, é possível agregar os partidos políticos do(a) governante como um
dos elementos que contribui mais ou menos para a capacidade governativa, no
sentido de capacidade para formular objetivos de acordo com preferências do governo
e capacidade para implementar políticas coerentes com os objetivos formulados13,
neste caso, capacidade para vincular a implementação de CCTs aos objetivos e
preferências normativas-partidárias. Neste sentido, a posição partidária-ideológica de
governantes importa para compreender a convergência de CCTs na América Latina
em países de governos de direita e de esquerda, sendo que o modo de adoção
convergente desta política é diferente a depender da posição partidária-ideológica.
4. CONCLUSÃO
Proximidade, tipos de políticas, estímulos e pressões internas e externas são
alguns dos indutores e facilitadores de convergência de políticas. Porém, como
mencionado anteriormente, na dinâmica de difusão e de transferência de uma política
de um local para outro é relevante analisar seus componentes em termos de hard
transfer, (transferência de conteúdos, instrumentos e arranjos institucionais da política)
e; soft transfer (transferência de objetivos, ideologias, ideias, normativas, concepções
e princípios da política).
Tais componentes, em suas especificidades, são objeto de embates
domésticos e externos e moldados no processo político de formulação de políticas, no
qual a posição ideológico-partidária de decisores pode jogar um papel importante. No
caso em foco da convergência de CCTs, se a análise recair sobre os elementos e
processos de hard transfer, a significância da posição ideológica provavelmente será
baixa e seria mais promissor analisar outras variáveis usualmente consideradas nas
theories of policy transfer e policy diffusion. Os dados iniciais da pesquisa
apresentados neste artigo corroboram esta ponderação, pois, mostram que CCTs
foram implementados por governos de partidos situados em faixas amplas do espectro
político.
Todavia, se a análise incide sobre elementos e processos de soft transfer, a
resposta é que o exame de variáveis como posição partidária, por exemplo, pode
13
Entre os elementos da capacidade institucional do Estado em formular objetivos e implementar politicas de acordo v ( z w k 5) - : ç á í ç - x - ív
16
trazer esclarecimentos sobre, por exemplo, o modo e motivações da implementação
desta política.
É esperado que CCTs de governos à esquerda (utilizados como parâmetro
comparativo), particularmente da denominada esquerda institucionalizada, expressem
concepções normativas i) favoráveis à cidadania social e ao fortalecimento da
capacidade do Estado para realizar políticas econômicas e sociais que assegurem
renda e alterarem o padrão desigual de distribuição e apropriação de renda; ii) sobre a
pobreza como efeito de dinâmicas socioeconômicas de longa duração e não de
responsabilização individual e; iii) de universalidade via articulação do programa
focalizado com políticas de princípios universais e, também, através da inserção de
CCTs no sistema e na legislação de proteção social.
Tais valores e princípios sobre a competência do Estado, os objetivos da
política, a cobertura da população em termos de universalidade/focalização e sobre
sentidos da pobreza e direitos podem ter graus variados de compatibilidade com os
também vários ideários à esquerda. Porém, supõe- q “ ”
CCTs à esquerda estejam menos distantes entre si e mais distantes dos componentes
dos CCTs dos governos da direita, aproximando-se um do outro quando posicionados
ao centro (seguindo o comportamento político geral discutidos em Downs, 1999 e
Bobbio, 1995).
Portanto, com o desenvolvimento da pesquisa, a hipótese que a posição
político-partidária importa para compreender o modo de convergência de CCTs na
América Latina poderá ser confirmada. Caso se confirme, o resultado poderá contribuir
com as Theories of Policy Diffusion e Policy Transfer ao reforçar que partidos políticos
de governantes estão entre as variáveis relevantes para investigações sobre temas
correlatos
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