Post on 30-Dec-2016
MLTIPLOS OLHARES SOBRE
pesquisas e prticas sociais
TECNOLOGIAS SOCIAIS
Diretoria Executiva da Fundao Irmo Jos Oto
Joo Dornelles JniorPresidente
Ana Lcia Surez MacielVicePresidente
Andr Hartmann DuhSecretrio Executivo
CapaDora Bragana Castagnino e Denise Mross
RevisoFernanda Dora Luzzatto
Design EditorialPatu Comunicao para ONGswww.patua.org.br
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
978-85-64048-08-9
APRESENTAO
PARTE 1 RELATOS DE PESQUISAS E PRTICAS SOCIAIS
1. Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de conhecimento no Brasil e
as experincias em desenvolvimento no Rio Grande do Sul Ana Lcia Surez Maciel,
Erica Bomfim Bordin, Las Barbosa Anzolin e Solange Emilene Berwig.
2. Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas: debates iniciais para uma pesquisa
emprica - Adriano Borges Costa e Telma Hoyler.
3. Estrategias de desarrollo inclusivo sustentable y cambio tecnolgico. Crticas y
propuestas - Hernn Thomas, Amlcar Davyt, Alberto Lalouf y Lucas Becerra.
4. Uma Poltica de Educao, Cincia & Tecnologia Social para a Economia Solidria
no Complexo Agroalimentar Brasileiro alguns resultados de pesquisa Ricardo
Toledo Neder.
5. Relato de Prtica Social: O protagonismo da Fundao Banco do Brasil na
reaplicao de Tecnologias Sociais - Jefferson D'Avila de Oliveira.
6. Relato de Prtica Social: Centro de Referncia em Tecnologias Sociais Fundao
Parque Tecnolgico Itaipu.
7. Relato de Experincia: Novos Tempos, Novas Ferramentas AVESOL.
8. Relato da Produo Agroecolgica Integrada e Sustentvel - PAIS na Secretaria de
Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul.
PARTE 2 TRABALHOS APRESENTADOS NA 3 MOSTRA DE TECNOLOGIA SOCIAL
1. Trajetrias da Tecnologia Social: fragmentos de um estudo na regio
metropolitana de Porto Alegre - Rosa Maria Castilhos Fernandes.
2. Notas sobre Tecnologias Sociais Brasileiras - Raquel Folmer Corra.
3. Autogesto e Tecnologias Sociais: sobre a (im)pertinncia deste debate no campo
da Economia Solidria - Eliana Perez Gonalves de Moura e Tiago de Mello Cargnin.
4. Empreendimentos Solidrios de Artesanato: interlocuo com a Tecnologia Social
- Gleny Terezinha Duro Guimares, Aderbal Froes de Jesus, Elaine Pinto de Oliveira,
Thiana Orth, e Patricia Lane Araujo Reis.
5. Universidade e compromisso com o Desenvolvimento Social - Ins Amaro e Anelise
Gronitzki Adam.
ANEXOS
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SUMRIO
Mltiplos Olhares Sobre Tecnologias Sociais Pesquisas e Prticas Sociais
Com alegria apresentamos este e-Book, intitulado Mltiplos olhares sobre Tecnologias
Sociais: pesquisas e prticas sociais que objetiva compartilhar relatos de pesquisas e
prticas sociais, bem como os artigos completos apresentados na III Mostra de Tecnologias
Sociais, promovida pela Fundao Irmo Jos Oto (FIJO) e pela Associao de Voluntariado e
Solidariedade (AVESOL), nos dias 26 e 27 de abril de 2013, no campus da Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre.
As Tecnologias Sociais se constituem em um fenmeno recente, razo pela qual se
tornam relevantes as iniciativas voltadas para a socializao do conhecimento que vem sendo
produzido pela comunidade cientfica, assim como os relatos de experincias dos sujeitos e
organizaes sociais que se encarregam de implement-las.
Num tempo em que as esperanas num futuro melhor parecem diminuir, em que as
referencias tericas crticas so confrontadas pela onda neoliberal e em que os indicadores
sociais seguem a nos convocar para construirmos pontes para uma sociedade desenvolvida e
sustentvel, as iniciativas de pesquisadores e sujeitos sociais que se propem a inverter essa
lgica e buscar alternativas deve ser valorizada e publicizada. Com isso, no queremos
afirmar que as Tecnologias Sociais so a soluo para a complexidade do problema que
vivemos como sociedade, mas elas podem ser consideradas um campo contra hegemnico,
tanto no que se refere ao tipo de conhecimento que vem sendo produzido, quanto na inovao
e criatividade presente nas experincias que se multiplicam em todo o territrio nacional e,
tambm, nos pases vizinhos.
A fim de ilustrar um pouco dessa contribuio, apresentamos a estrutura que compe
este e-Book: a parte 1 se dedica a apresentar os relatos de pesquisas e prticas sociais e est
composta por quatro artigos e dois relatos de experincias com os seguintes ttulos e autores:
Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas: debates iniciais para uma pesquisa emprica
Adriano Borges Costa e Telma Hoyler.
Estrategias de desarrollo inclusivo sustentable y cambio tecnolgico. Crticas y
propuestas Hernn Thomas, Amlcar Davyt, Alberto Lalouf y Lucas Becerra.
Uma Poltica de Educao, Cincia & Tecnologia Social para a Economia Solidria no
Complexo Agroalimentar Brasileiro alguns resultados de pesquisa Ricardo Toledo Neder.
Relato de Experincia: Centro de Referncia em Tecnologias Sociais Fundao
Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de conhecimento no Brasil e
as experincias em desenvolvimento no Rio Grande do Sul Ana Lcia Surez Maciel,
Erica Bomfim Bordin, Las Barbosa Anzolin e Solange Emilene Berwig.
APRESENTAO
Ana Lcia Surez Maciel
Erica Bomfim Bordin
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Parque Tecnolgico Itaipu
Relato de Experincia: Novos Tempos, Novas Ferramentas AVESOL
A parte 2 contm os artigos completos apresentados na III Mostra de Tecnologias Sociais
e est composta por cinco trabalhos, com os seguintes ttulos e autores:
Trajetrias da Tecnologia Social: fragmentos de um estudo na regio metropolitana de
Porto Alegre - Rosa Maria Castilhos Fernandes.
Notas sobre Tecnologias Sociais Brasileiras - Raquel Folmer Corra.
Autogesto e Tecnologias Sociais: sobre a (im)pertinncia deste debate no campo da
Economia Solidria - Eliana Perez Gonalves de Moura e Tiago de Mello Cargnin.
Empreendimentos Solidrios de Artesanato: interlocuo com a Tecnologia Social -
Gleny Terezinha Duro Guimares, Aderbal Froes de Jesus, Elaine Pinto de Oliveira, Thiana
Orth, e Patricia Lane Araujo Reis.
Universidade e compromisso com o Desenvolvimento Social - Ins Amaro e Anelise
Gronitzki Adam.
Cientes de que esta produo no seria possvel sem a participao e o
comprometimento de um conjunto de pessoas que colaboram com a sua concretizao,
gostaramos de reconhecer e agradecer aos autores dos artigos que constam nesta publicao,
assim como a equipe do Observatrio do Terceiro Setor da FIJO, aos profissionais que atuaram
na reviso e diagramao do texto e Fundao de Amparo Pesquisa no Rio Grande do Sul
que apoiou financeiramente esta iniciativa.
Desejamos aos leitores uma tima leitura, com o desejo de que outras produes
venham a compor o acervo sobre a temtica e que ela possa ser adensada com qualidade
terica e compromisso poltico da comunidade cientfica, dos sujeitos e organizaes sociais
que atuam nesse campo.
As organizadoras.
Porto Alegre, Outono de 2013.
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
PARTE 1
RELATOS DE PESQUISAS E
PRTICAS SOCIAIS
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
CONTEXTUALIZANDO AS TECNOLOGIAS SOCIAIS
A crise econmica de grandes potncias capitalistas, protagonizada pelas mudanas
advindas da esfera produtiva, pela radicalizao dos iderios neoliberais e pela
reestruturao do Estado, vem impactando nas diferentes dimenses da vida social e afetando
transversalmente o modelo de organizao e gesto do trabalho, as relaes entre as classes,
a organizao da produo e distribuio de bens e servios, assim como o modelo de
regulao social. Associa-se a este contexto a realidade brasileira marcada pela desigualdade
social, pelas disparidades regionais internas, pelos processos de distribuio de renda que se
caracterizam pela acumulao de uma minoria em detrimento das necessidades da maioria da
populao brasileira. So esses processos de excluso social, em que vive grande parte da
populao que sinalizam o quanto, ainda, precisamos percorrer para formularmos e
instituirmos polticas pblicas que incidam em uma totalidade mais abrangente e que
contemplem as reais necessidades da sociedade.
A mundializao do capital tem fortalecido o modo de produo capitalista medida
que possibilita a explorao da mo de obra com menores custos, onde quer que se encontre
geograficamente, assim como na compra da matria-prima ao menor preo em qualquer lugar
do mundo, e a instalao de suas estruturas onde os governos oferecem mais vantagens, sendo
esses produtos comercializados mundialmente. Essas corporaes, inseridas no processo de
reestruturao produtiva e acumulao flexvel que rege o mercado e determina os nveis de
crescimento e desenvolvimento da indstria e comrcio, possuem um mundo sem fronteiras
para investir e colher seus resultados.
O contexto contemporneo de trabalho apresenta um mercado onde o emprego formal,
Tecnologias Sociais: Aproximaes com a produo de
conhecimento no Brasil e as experincias em
desenvolvimento no Rio Grande do Sul
Ana Lcia Surez MacielAssistente Social, Doutora em Servio Social, Professora e Pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em
Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente da Fundao Irmo Jos
Oto. E-mail: ana.suarez@pucrs.br. Endereo: Avenida Ipiranga 6681 Prdio 2 Partenon Porto Alegre/RS.
Erica Bomfim BordinAssistente Social, Mestre em Servio Social pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul e Analista
de Desenvolvimento Social da Fundao Irmo Jos Oto, E-mail: erica.bordin@fijo.org.br.
Las Barbosa AnzolinGraduanda do Curso de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. Estagiria de
Servio Social da Fundao Irmo Jos Oto. E-mail: lais.anzolin@fijo.org.br.
Solange Emilene BerwigAssistente Social, Mestrando do Programa de Ps Graduao em Servio Social da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul. Bolsita CNPq. Email: solangeberwig@hotmail.com
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
com garantias de salrios, segurana, vantagens sociais torna-se cada vez mais escasso,
ditando:
(...) uma nova cultura e aes polticas de inspirao neoliberal no mundo
do trabalho, que buscam flexibilizar ao mximo no somente as estratgias
de produo e racionalizao, atravs de novas tecnologias, polticas,
processos de trabalho, estoques, tempo de giro do capital, produtos,
padres de consumo, como tambm as condies de trabalho, os direitos e
os compromissos do Estado para com a populao, conquistados no perodo
anterior. (FREIRE, 2006, p.32).
Sobre os direitos e os compromissos do Estado mencionados, vale ressaltar que muitos
deles sofreram inflexes, na medida em que a flexibilizao do mercado e das relaes forou
uma flexibilizao dos direitos, consolidados pela Constituio Federal de 1988. No contexto
de reforma do estado, h uma reduo das responsabilidades sociais e pblicas, seguindo a
tendncia contempornea do capitalismo, orientada pelas polticas neoliberais.
A ordem capitalista se modifica, provoca tendncias mercadolgicas para ser capaz de
alcanar de forma satisfatria seus objetivos: a produtividade, competitividade e
lucratividade. A alta produtividade gera, ainda, aumento do ritmo de trabalho, acarretando
sobrecarga dos trabalhadores, precarizao das relaes de trabalho ou proporcionando as
contrataes temporrias, para suprir os momentos de maior venda. uma busca pelo ganho
de mercado, de economia de custos e maior lucro. Essa nova aparncia do trabalho acarreta a
insegurana do trabalhador diante de seu espao laboral, causando o medo de perder o
emprego, consequentemente dificultando o acesso sade, moradia e educao (ANTUNES,
2002).
Em meio incerteza e precarizao gerada pelo desemprego estrutural algumas
respostas vem se constituindo por diferentes atores sociais, tais como: organizaes da
sociedade civil, universidades, integrantes do governo, trabalhadores, entre outros, e vem se
constituindo como uma das respostas possveis para o atendimento das demandas sociais. H
entre esses atores uma preocupao com a crescente excluso social, a precarizao e a
informalizao do trabalho, a violao dos direitos humanos (FONSECA, 2009).
Nesse sentido, no mbito da sociedade civil organizada, a partir da dcada de 1980,
que os movimentos sociais desenvolvem uma condio de presso ao Estado, particularmente
no campo das polticas pblicas. Pelas sucessivas presses e negociaes dos movimentos
sociais que vo se construindo alianas, e assim os movimentos ganham terreno,
evidenciando que os movimentos sociais so novos atores polticos autnticos, portadores de
uma fora transformadora (MONTAO e DURIGUETTO, 2011, p.333).
Igualmente passam a ser fundamentais as iniciativas da sociedade civil que
materializam o esforo da mesma em construir respostas para as suas inmeras demandas
sociais. Neste escopo que se inscrevem as Tecnologias Sociais.
CONCEPES ACERCA DAS TECNOLOGIAS SOCIAIS
O conceito de Tecnologia Social recente, polissmico e, ainda, polmico, razo pela
qual faz sentido disputar a sua definio, a partir do seu adensamento luz da produo do
conhecimento e, especialmente, das experincias que vem sendo desenvolvidas.
Alguns fundamentos so pertinentes concepo de Tecnologia Social, quais sejam: a
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
transformao social, a participao direta da populao, o sentido de incluso social, a
melhoria das condies de vida, a sustentabilidade socioambiental e econmica, a inovao, a
capacidade de atender necessidades sociais especficas, a organizao e sistematizao da
tecnologia, o dilogo entre diferentes saberes (acadmicos e populares), a acessibilidade e a
apropriao das tecnologias, a difuso e ao educativa, a construo da cidadania e de
processos democrticos, entre outros, que so sustentados por valores de justia social,
democracia e direitos humanos. Com estes tpicos pode-se afirmar que um dos objetivos da
Tecnologia Social justamente reverter a tendncia vigente da tecnologia capitalista
convencional que tem como pressuposto reforar a dualidade desse sistema (...)
submetendo os trabalhadores aos detentores dos meios de produo e pases
subdesenvolvidos a pases desenvolvidos, perpetuando e ampliando as assimetrias de poder
dentro das relaes sociais e polticas (DAGNINO, 2009, p.18).
Em contraposio a este modelo, a Tecnologia Social rene caractersticas, tais como:
ser adaptada a pequenos produtores e consumidores; no promover o tipo de controle
capitalista: segmentar, hierarquizar e dominar os trabalhadores; ser orientada para satisfao
das necessidades humanas; incentivar o potencial e a criatividade do produtor direto e dos
usurios; ser capaz de viabilizar economicamente empreendimentos como cooperativas
populares, assentamentos de reforma agrria, a agricultura familiar e pequenas empresas
(NOVAES e DIAS, 2009).
Tais caractersticas supracitadas demonstram o quanto a Tecnologia Social est voltada
para a produo coletiva e no mercadolgica e, tambm, da mesma forma est mais
imbricada s realidades locais, de modo que possa gerar respostas mais adequadas aos
problemas colocados em um determinado contexto (NOVAES e DIAS, 2009, p.19). Tambm
seguindo a linha conceitual sobre Tecnologia Social importante frisar que estas sempre
consideram as especificidades das realidades locais e esto, diretamente, relacionadas aos
processos de organizao coletiva e democrtica e, portanto, acabam representando solues
possveis para a superao de diferentes situaes problemticas, onde se incluem as
vulnerabilidades e a excluso social, incidindo assim na melhoria das condies de vida
daqueles atores envolvidos com a Tecnologia Social.
O Instituto de Tecnologia Social (ITS) prope o conceito de Tecnologia Social a partir do
Universo das ONGs, buscando legitimar e dar visibilidade as prticas desenvolvidas junto ao
Sistema de Cincia, Tecnologia e Inovao, conceituando-a como um conjunto de tcnicas,
metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interao com a populao e
apropriadas por ela, que representem solues para incluso social e melhoria das condies
de vida (ITS, 2004, p. 130).
O ITS contribui com o avano do debate sobre o tema ao agrupar as ideias a respeito da
tecnologia social em trs categorias: princpios, parmetros e implicaes. Os princpios
ressaltam a importncia da aprendizagem e participao como processos que caminham
juntos e que a transformao social requer a compreenso da realidade de maneira sistmica
e o respeito s identidades locais.
Os parmetros de tecnologia social fornecem os critrios para a anlise das aes
sociais decorrentes ou propostas, tais como:
- Razo de ser da tecnologia social (atender as demandas sociais concretas vividas e
identificadas pela populao);
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
- Processo de tomada de deciso (processo democrtico e desenvolvido a partir de
estratgias especialmente dirigidas mobilizao e participao da populao);
- Papel da populao (h participao, apropriao e aprendizado por parte da
populao e de outros atores envolvidos);
- Sistemtica (h planejamento, aplicao ou sistematizao de conhecimento de
forma organizada);
- Construo do conhecimento (h produo de novos conhecimentos a partir da
prtica);
- Sustentabilidade (a tecnologia social visa sustentabilidade econmica, social e
ambiental);
- Ampliao de escala (gera aprendizagem que serve de referncia para novas
experincias).
E, finalmente, as implicaes do conceito de Tecnologia Social foram organizadas em
trs eixos: a relao entre produo de cincia, tecnologia e sociedade; a direo da produo
de conhecimentos; e o modo de fazer especfico de intervir sobre a realidade e que se
relaciona tanto aos parmetros quanto aos resultados.
A Rede de Tecnologias Sociais (RTS) uma rede que reunia, no ano de 2010, 786
organizaes de todo pas e do exterior, entre organizaes no governamentais, centros de
pesquisa, cooperativas, empresas, escolas de ensino mdio, fundaes e institutos,
sindicatos, universidades e rgos de governo nos nveis federal, estadual e municipal. O
objetivo da RTS era ampliar a difuso e a reaplicao das TS possibilitando a incluso social, a
gerao de trabalho e renda e a promoo do desenvolvimento local sustentvel, ou seja,
experincias que permitem a reaplicao e j so usadas em diversas localidades do Brasil e
em outros pases.
O conceito da RTS apreende as Tecnologias Sociais como sendo produtos, tcnicas
e/ou metodologias reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que
representem efetivas solues de transformao social (RTS, 2009, p.09). Para fins deste
artigo, entendemos os conceitos que englobam essa definio da seguinte forma:
Produto = Resultado de Qualquer Atividade Humana, materializado em Bens Fsicos ou
Servios. Um produto qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado, ou que se
destina a entrar na produo de outros bens, que possa satisfazer um desejo ou uma
necessidade. Contudo precisa ser muito mais do que apenas um objeto fsico, um pacote
completo de benefcios ou satisfao que a populao percebem que eles obtero se
adquirirem o produto. a soma de todos os atributos fsicos, psicolgicos, simblicos e de
servio.
Tcnica e/ou Metodologia = Conjunto de mtodos e processos utilizados em
determinada disciplina e sua aplicao. Modo por que se realiza ou executa uma coisa. o
procedimento ou o conjunto de procedimentos que tm como objetivo obter um
determinado resultado, seja no campo da Cincia, da Tecnologia, das Artes ou em outra
atividade.
Tambm pactua desta concepo a Fundao Banco do Brasil (FBB), entidade que hoje
protagoniza um conjunto de iniciativas que promovem a disseminao das Tecnologias Sociais
em diferentes regies do pas e o prprio Ministrio da Cincia e Tecnologia, atravs da
Secretaria de Cincia e Tecnologia para Incluso Social, que reconhece como principal
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
objetivo da Tecnologia Social a contribuio para a reduo do quadro de pobreza,
analfabetismo, fome, excluso social, entre outras que contribuem com o desenvolvimento
social.
Para a Fundao Banco do Brasil (FBB), a Tecnologia Social compreende produtos,
tcnicas ou metodologias reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que
representem efetivas solues de transformao social (Fundao Banco do Brasil, 2012).
um conceito que remete para uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando a
participao coletiva no processo de organizao, desenvolvimento e implementao.
A partir destas concepes, emergiu o interesse de tomar as TS como objeto de
pesquisa, buscando apreender a forma como as mesmas vem sendo concebidas, desenvolvidas
e contribuem para o desenvolvimento social e sustentvel.
A PRODUO DE CONHECIMENTO SOBRE TECNOLOGIAS SOCIAIS
A pesquisa intitulada Tecnologias Sociais: Um Estudo acerca das suas Concepes,
Prticas e Impactos nas Polticas Pblicas problematiza: Como as tecnologias sociais so
concebidas, desenvolvidas e contribuem para o desenvolvimento social e sustentvel do
estado do Rio Grande do Sul, no perodo que abrange os anos de 2010 a 2012? E objetiva:
Analisar as concepes, o desenvolvimento e as contribuies das tecnologias sociais para o
desenvolvimento social e sustentvel do estado do Rio Grande do Sul, especialmente, no
mbito das polticas pblicas.
Dentre os procedimentos metodolgicos, destaca-se:
1) o mapeamento e a anlise de contedo da produo terica brasileira sobre
tecnologias sociais, nas seguintes fontes: Banco de Dissertaes e Teses da Capes (1989
at 2011); Livros; Captulos de livros; Cartilhas; Artigos e Anais de Eventos (Sites de
Busca, Bibliotecas de Universidades)
2) o mapeamento das tecnologias sociais em desenvolvimento no Rio Grande do Sul, a
partir da relao constante no site da Fundao do Banco do Brasil (www.fbb.org.br)
que considerada uma referencia nacional no reconhecimento dessas iniciativas e,
tambm, na Rede de Tecnologias Sociais (www.rts.org.br).
O mapeamento realizado nas produes elencadas buscou identificar o conceito de
Tecnologias Sociais, revelando a existncia de diferentes enfoques e discusses sobre o
assunto, somando 191 produes, divididas em: 7 livros; 66 captulos de livros, 32 artigos, 20
cadernos e cartilhas e 67 teses e dissertaes (ANEXO 1).
Com vistas a identificar sobre que aspectos a tecnologia social vem sendo debatida
nessas produes tericas, elencou-se categorias, representadas nos quadros abaixo:
Quadro 01: Mapeamento de produes contemplando livros, artigos, cadernos e
cartilhas sistematizadas pelas autoras.
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Fonte: Equipe de Pesquisa
Representados no quadro a seguir os dados referentes as Teses e Dissertaes:
Quadro 02: Mapeamento de produes contemplando Teses e Dissertaes.
Dentre as produes do conhecimento, mapeadas no Banco de Teses e Dissertaes da
CAPES (http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses), destacam-se as produes na
rea das engenharias com 13 teses. Esses estudos contemplam as reas de engenharia de
energia, ambiental, civil, produo, agrcola, eltrica e materiais. Na segunda posio fica a
rea de Desenvolvimento e Meio Ambiente com 12 teses e, ento, a rea da Educao com 6
produes. Para alm das reas que concentraram o maior nmero de produes relacionadas
com Tecnologia Social, mapearam-se tambm produes na rea da Enfermagem,
Comunicao, Sistemas de Gesto, Administrao, Economia, Servio Social,
Desenvolvimento Regional, Cincia da Informao, entre outras, o que aponta para as diversas
reas do conhecimento que vem trabalhando e estudando a temtica no Brasil.
J o mapeamento dos grupos de estudos (ANEXO 2) foi feito a partir do Diretrio de
Grupos de Pesquisa do CNPQ (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/), cujo critrio era
conter, nos dados de identificao ou nas Linhas de Pesquisa, o termo tecnologia social,
sendo encontrados 18 grupos. No possvel categorizar os grupos da mesma forma que as
produes, tendo em vista que os grupos trabalham com linhas de estudo diversas, mas, pode-
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Fonte: Equipe de Pesquisa
se observar que o maior nmero de grupos de estudo esto concentrados nas reas das cincias
sociais aplicadas com um total de 9 grupos de estudo. As cincias humanas ficam em segundo
lugar com um total de 4 grupos de estudo, como se pode constatar no quadro a seguir.
Quadro 03: Mapeamento de Grupos de estudo sistematizados pelas autoras.
O poder pblico vem, tambm, consolidando o debate e a promoo da Tecnologia
Social, no que se refere ao aprofundamento terico, como se constatou durante a realizao da
4 Conferncia Nacional de Cincia, Tecnologia e Inovao, ocorrida em maio de 2010. O
debate sobre as tecnologias sociais foi fortalecido, evidenciando a potencialidade da insero
das mesmas na agenda das polticas pblicas do pas.
Quadro 04: Produes classificadas por ano
De 2007 a 2010 o perodo com o maior nmero de produes sobre Tecnologias
Sociais, e ainda, nota-se que nos anos de 2008 e 2010 h um nmero significativo de teses
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Fonte: Equipe de Pesquisa
Fonte: Equipe de Pesquisa
e dissertaes sobre a temtica.
A partir desse mapeamento, foram adotados critrios para a categorizao dessas
produes, quais sejam:
Estudo e construo de conceitos e marco analtico da Tecnologia Social: Nas
produes mapeadas se identificou vrios textos voltados para a anlise e construo
conceitual da Tecnologia Social e o marco analtico dessa tecnologia. Motivo pelo qual se
elegeu essa abordagem como uma das categorias importantes das discusses sobre Tecnologia
Social. Sobre a construo de conceito e marco analtico de Tecnologia Social, Dagnino diz
que: Mostrar o marco analtico conceitual da TS hoje disponvel possibilita empreender a
construo dessa alternativa de modo muito mais efetivo do que no passado, alm de mostrar
como se d sua influncia na conformao da RTS (2004, p.16).
Tecnologia social como estratgia para o desenvolvimento social: Para identificar os
materiais que discutem a tecnologia social como estratgia para o desenvolvimento
sustentvel, observou-se nos ttulos e resumos o enfoque das experincias e temas voltados
para uma construo terica na explicitao dessas prticas e sua capacidade para o
desenvolvimento sustentvel. Observa-se que as Tecnologias Sociais tem emergido no cenrio
brasileiro como um movimento de baixo para cima, caracterizado pela capacidade criativa
e organizativa de segmentos da populao em gerar alternativas para suprir as suas
necessidades e/ou demandas sociais. A Tecnologia Social vem obtendo um reconhecimento
crescente no que se refere a sua capacidade de promover um novo modelo de produo da
cincia e da aplicao da tecnologia em prol do desenvolvimento social.
Desenvolvimento de novas tecnologias com base em experincias: Os materiais
nessa categoria evidenciam experincias prticas realizadas, onde o material explora a o
tema de tecnologia social com base no desenvolvimento real de alguma experincia concreta.
Est voltada basicamente a relatos de experincia e anlise dos mesmos, nestes casos a
experincia apoia o conceito. As produes trazem diversas experincias que vem sendo
desenvolvidas no Brasil vinculadas a Tecnologia Social, como processos que envolvem
educao, desenvolvimento de bens, produtos e servios
Anlise da produo de conhecimento cientfico contemplando inovao social,
tecnologia e sociedade, desenvolvimento local, e tecnologia assistiva: Para essa categoria
elegeram-se os materiais com nfase na produo de conhecimento cientfico e os diversos
enfoques que pesquisadores e estudantes vm elaborando sobre as tecnologias sociais. H
uma diversidade nas produes mapeadas de modo que para essa anlise se elencou alguns
pontos mais recorrentes dentro das construes tericas, que so as experincias vinculadas a
processos de inovao, tecnologia e sociedade, desenvolvimento local e tecnologia assistiva.
Anlise da produo de conhecimento cientfico CT&I: Para essa categoria
elegeram-se os materiais com nfase na produo de conhecimento cientfico com enfoque
nas caractersticas econmicas, institucionais e sociedade.
Tecnologia Social e Universidade: Para esse item foram selecionadas as produes que
trazem a participao da universidade como organizadora de projetos de tecnologia social ou
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
como espao de fomento produo de tecnologias sociais.
Tecnologia social e poltica pblica: Para contemplar essa categoria, se selecionou nas
produes mapeadas aquelas que se dedicam a discutir a tecnologia social e seu potencial
como poltica pblica.
No quadro 05 possvel localizar a forma como a concepo de Tecnologia Social vem se
efetivando, a partir de mltiplos processos, contedos e finalidades. Vale destacar que essa
sistematizao decorre das produes mapeadas, num esforo de sistematizao das
mesmas.
A partir dessas concepes, emergiu o seguinte conceito de TS:
Tecnologias Sociais so processos inovadores de produo e/ou
sistematizao de conhecimentos, bem como prticas sociais que, a partir
de um conjunto de tcnicas, produtos e/ou metodologias, tem a finalidade
de contribuir com o desenvolvimento social, seja no mbito local, seja no
mbito das polticas pblicas (Maciel et all, 2012).
O conceito proposto emerge da constatao que as produes acerca das TS requerem
uma nova forma de produzir e/ou sistematizar o conhecimento, bem como apontam para
prticas sociais com caractersticas relacionadas participao social que tem em comum o
interesse em contribuir com o desenvolvimento social. Tal afirmao supe a apreenso dos
seguintes elementos:
1) so processos inovadores de produo e/ou sistematizao de conhecimentos.
Partimos da concepo hegemnica de inovao, contida no Manual de Oslo que conceitua a
inovao do seguinte modo:
Inovao a implementao de um produto (bem ou servio) novo ou
significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo mtodo de
Quadro 05: Concepes de Tecnologias Sociais, no que se refere aos seus processos,
contedos e finalidades.
Fonte: Equipe de Pesquisa
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
marketing, ou um novo mtodo organizacional nas prticas de negcios, na
organizao local de trabalho ou nas relaes externas (Manual de Oslo,
2005, p. 55).
A inovao, ainda segundo o referido Manual, pode ser dividida em 4 reas: produto,
processo, marketing e organizao. No mbito do conhecimento, as TS tem apontado para um
novo processo de produo e/ou sistematizao do conhecimento, uma vez que esse
conhecimento indica um compromisso com o desenvolvimento da sociedade, abarcando
temas que se relacionam com as demandas da sociedade e que traduzem as mltiplas
expresses da Questo Social.
Igualmente esse conhecimento vem questionando o padro de cincia e tecnologia
vigente no pas que, historicamente, est centrado no interesse dos pesquisadores e do
capital, indica a insuficincia de recursos para a cincia, a tecnologia e a inovao no mbito
do Desenvolvimento Social e no dispe de mecanismos de controle social, tal qual se
configuram as demais polticas.
2) so prticas sociais que possuem caractersticas, tais como:
* participao coletiva (organizao, planejamento e aplicao)
* busca de solues para problemas voltados inmeras demandas sociais;
(alimentao, educao, energia, habitao, renda, recursos hdricos, sade, meio
ambiente, etc);
* articulao entre o saber popular, a organizao social e o conhecimento tcnico-
cientfico;
* so reaplicveis o que potencializa o desenvolvimento social e sustentvel em escala
(podendo se constituir em polticas pblicas).
3) tem a finalidade de contribuir com o desenvolvimento social, seja no mbito local,
seja no mbito das polticas pblicas. Isso significa afirmar que elas se constituem em uma das
possveis respostas sintonizadas com as demandas da sociedade por um modelo de
desenvolvimento social e sustentvel que tenha centralidade no processo de incluso social e
como atores principais a prpria sociedade. Partem do reconhecimento dos limites do atual
modelo de desenvolvimento social (que apregoa que o desenvolvimento social decorrente
do econmico), da noo restrita de poltica pblica (historicamente apropriada pela
soberania dos que governam e no pela soberania popular) e dos limites do modelo de
desenvolvimento insustentvel do capitalismo, posto que gerador de desigualdades,
injustias e excluses de toda a ordem.
O grande desafio para os pesquisadores das Tecnologias Sociais se encontra na
necessidade de produzir conhecimentos, tecnologias e inovaes que respondam aos
interesses da coletividade, de forma participativa e democrtica.
EXPERINCIAS DE TECNOLOGIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO NO RIO GRANDE DO
SUL
A pesquisa que apresentamos neste artigo se props, igualmente, a identificar as
tecnologias sociais que vem sendo desenvolvidas no Rio Grande do Sul com o intuito de
relacion-las com as possveis contribuies para o fortalecimento do espao local e da
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Tecnologias Sociais
incluso social. Lanamos mo das informaes que esto disponveis no site da Fundao
Banco do Brasil, a partir do Banco de Tecnologias Sociais (www.fbb.org.br), tendo em vista que
a incluso das mesmas no referido Banco supe uma anlise e reconhecimento prvio de que
as mesmas se constituem como Tecnologia Social. A pesquisa foi realizada no ms de abril de
2012 e apontou para 37 Tecnologias Sociais que esto listadas no quadro n2.
Quadro 06: Organizaes e tecnologias sociais em desenvolvimento no Rio Grande do
Sul, de acordo com o tipo de organizao, ttulo e tipo de tecnologia social, tema de atuao e
territrio
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Tecnologias Sociais
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Tecnologias Sociais
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Tecnologias Sociais
Fonte: www.fbb.org.br (Sistematizado pelas autoras).
No que diz respeito s temticas desenvolvidas pelas TS, salientando-se que uma
mesma experincia pode ter elencada mais de um tema, podemos ensaiar uma
classificao da seguinte forma: Alimentao (10), Educao (13), Meio Ambiente (9),
Renda (13), Recursos Hdricos (3), Energia (1), Habitao (1) e Sade (1). Destas
experincias, 13 so consideradas produtos sendo 5 bens e 8 produtos e 27 so
metodologias. Trs dessas experincias se enquadraram em Produtos e Metodologias.
No que se refere ao lcus de execuo dessas experincias, temos 33 organizaes,
classificadas da seguinte forma: 17 associaes, 3 Fundaes, 1 vinculadas a Instituies
de Ensino Superior, 2 escolas de educao bsica, 6 vinculadas ao Governo, 3 cooperativas,
e 1 projeto interinstitucional. Verifica-se, com isso, que a maioria das organizaes que
vem desenvolvendo TS no Rio Grande do Sul se encontra vinculada ao Terceiro Setor
(associaes e fundaes), seguida da iniciativa do poder pblico, notadamente no campo
da educao (bsica e superior).
Somamos 37 experincias reconhecidas pela Fundao Banco do Brasil, destas 2
esto localizadas na Regio Centro Ocidental; 4 na Regio Centro Oriental; 15 na Capital e
mais 5 cidades da regio Metropolitana, 1 na Regio Nordeste; 8 na regio Noroeste; 2 na
Regio Sudeste, conforme se verifica na figura 01.
Fizemos contatos com todas as organizaes listadas, que foram unnimes em dizer
que a referida tecnologia social ainda est em desenvolvimento. Solicitamos as mesmas
que nos enviassem a sistematizao da experincia, sendo que recebemos material de 15
experincias*.
Figura 01: Mapa localizador das TS por regio do Rio Grande do Sul
1) Centro Ocidental (2)2) Centro Oriental (4)3) Capital e Metropolitana (20)4) Nordeste (1)5) Noroeste (8)6) Sudeste (2)7) Sudoeste (0)
Fonte: As autoras
No que diz respeito s experincias cadastradas
na RTS, encontramos um total de 40
experincias, sendo que no h na listagem
disponibilizada pela RTS
(http://www.rts.org.br/integrantes/todas-as-
instituicoes/instituicoes_cadastradas) qual a
experincia. Dessa listagem 5 experincias
tambm esto na listagem da FBB.
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Tecnologias Sociais
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Tecnologias Sociais
No que diz respeito s experincias cadastradas na Rede de Tecnologia Social - RTS,
encontramos um total de 40 experincias, sendo que no h na listagem disponibilizada pela
RTS (http://www.rts.org.br/integrantes/todas-as-instituicoes/instituicoes_cadastradas)
qual tecnologia social desenvolvida. Dessas, 5 experincias tambm esto na listagem da
Fundao do Banco do Brasil.
Das 40 experincias vinculadas a RTS, no conseguimos contato por os dados estarem
desatualizados com 14 organizaes; no souberam informar por no saber do que se tratava 9
organizaes; no desenvolvem mais tecnologias sociais 05 organizaes; e ainda
desenvolvem experincias de tecnologias sociais 12 organizaes.
Quadro 07: Organizaes vinculadas Rede de Tecnologia Social - RTS
Fonte: http://www.rts.org.br/ (Sistematizado pelas autoras)
Com base na anlise prvia do mapa se constata a concentrao de TS na capital e
regio metropolitana, seguida da regio noroeste. De modo geral, essas organizaes vm
atuando com a mediao de novas metodologias de trabalho para abordar demandas sociais
latentes. Neste sentido, possvel afirmar que h uma relao direta entre o desenvolvimento
de TS e as polticas pblicas, sendo que no caso da realidade gacha se destacam as iniciativas
de TS voltadas para a educao, alimentao e renda.
Poderamos citar ainda outras TS que so desenvolvidas e j foram reaplicadas, mas a
inteno aqui ilustrar com esses exemplos, o quanto possvel por meio das Tecnologias
Sociais promover a incluso social de trabalhadores, de zonas rurais ou urbanas, de atores
sociais de diferentes ciclos de vida, de famlias que se encontram em situao de
vulnerabilidade e risco social que de forma coletiva vivenciam experincias que incidem no
somente nas suas condies de vida, transformando a si mesmos, como transformando o
cenrio socioeconmico da comunidade em que vivem e do pas.
CONSIDERAES FINAIS
No momento histrico atual se desenha, no cenrio brasileiro, uma importante luta
social em que diferentes segmentos e atores sociais, sobretudo aqueles comprometidos com
projetos societrios que se contrapem ao modelo excludente vigente, no tem poupado
esforos para instituir a TS como uma poltica pblica. O futuro do desenvolvimento das TS,
em grande parte, se encontra relacionado capacidade de alterar a atual poltica de cincia e
tecnologia no pas, assim como da capacidade em torn-la uma poltica pblica, tendo em
vista que as experincias existentes no territrio nacional apontam para a sua efetividade, no
que se refere sua capacidade de gerar respostas inovadoras para a resoluo de velhas
demandas sociais e, com isso, impacto social nas comunidades que se beneficiam com tais
tecnologias.
Nesse sentido, se refora neste trabalho a necessidade do desenvolvimento de
tecnologias para o atendimento das demandas sociais, a tecnologia em prol do
desenvolvimento social, ou seja, garantir que os esforos de produo do conhecimento sejam
iniciativas que visem construo de solues para os problemas da sociedade brasileira, e
possam desencadear e potencializar a construo de polticas pblicas como ferramenta
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Tecnologias Sociais
potencial para o desenvolvimento social.
Acreditamos que, com base na sistematizao das tecnologias sociais em desenvolvimento no
Rio Grande do Sul, possvel afirmar que estas so potencialmente uma oportunidade de
fortalecimento do espao local, tendo em vista o grau de desenvolvimento local em que as
mesmas vm incidindo nos territrios onde so aplicadas. Igualmente vem impactando na
realidade, a partir de inmeras experincias que culminam com a incluso de comunidades e
cidados em face das suas demandas. diante deste cenrio, de desenvolvimento local e
incluso social, que as Tecnologias Sociais se apresentam como uma estratgia sintonizada
com as demandas da sociedade, a partir de um modelo de desenvolvimento social e
sustentvel que tem centralidade no processo e como atores principais a prpria sociedade.
Todas essas referncias parecem corroborar o iderio de que a trava para o desenvolvimento
social se encontra na falta de acesso da populao tecnologia, o que nos afasta do debate
necessrio: o fato de que o atual nvel de desigualdade social determinado pelo prprio
sistema capitalista, portanto, a forma de enfrent-lo no pode ser reduzida ao fomento s
tecnologias, inclusive, as TS, mas a compreenso de que a desigualdade uma categoria
constitutiva do capitalismo. Logo, preciso questionar o nvel de desigualdade que
aceitaremos, bem como o lugar que daremos ao social no atual padro de desenvolvimento.
Entretanto, preciso ter clareza de que as mesmas no tem a capacidade de alterar
estruturalmente o sistema econmico que faz gerar a desigualdade social na qual se prope a
incidir. So iniciativas meritrias, no contexto das conjunturas em que emergem, que tem
indicado caminhos possveis para o atendimento de inmeras demandas sociais; apresentam
atores que disputam de mltiplos lugares (cidados, sociedade civil e instituies de ensino
superior) um novo modelo societrio, mas precisam associar-se ao movimento mais amplo que
supe a ampliao dos espaos de participao e um conhecimento socialmente referenciado
que permita disputar a hegemonia por um novo modelo de desenvolvimento social.
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
RESUMO: O objetivo desse artigo discutir a implementao de tecnologias sociais
como polticas pblicas por meio de vnculos entre Estado e sociedade civil. A partir de
consideraes a respeito das transformaes do Estado e do exame da literatura de polticas
pblicas, buscou-se apontar os principais desafios e possibilidades presentes nesta relao.
Durante esse trabalho procuramos mostrar que a adoo de uma tecnologia social como
poltica pblica depende de uma adequada insero da questo na agenda governamental e de
um desenho da implementao da poltica tal que estabelea o delicado equilbrio entre a
preservao das funes do Estado e a valorizao de iniciativas da sociedade civil. A
implementao de uma TS, para que no perca sua natureza, requer sua adaptao perene ao
territrio de implementao, alm de um arranjo que estabelea com o Estado uma relao
ao mesmo tempo descentralizada e articulada, autnoma e controlada.
Palavras chave: poltica pblica, tecnologia social, Estado e sociedade civil
ABSTRACT:The aim of this paper is to discuss the implementation of public policies and
social technologies through partnerships between the State and Civil Society. From
considerations about the transformations of the State and the examination of the literature
on public policy, we seek to identify the main challenges and opportunities present in this
relationship.
In this paper we show that the adoption of a social technology as a public policy depends
on an adequate insertion of the issue on the government agenda and of the implementation of
this policy to establish the delicate balance between preservation of state functions and civil
society recovery initiatives. The implementation of a social technologies, that does not lose
its nature, requires perennial adaptation to the territory of implementation, and an
arrangement with the State to establish a decentralized, coordinated, autonomous and
controlled relationship.
Key words: public policies, social technology, state and civil society.
INTRODUO
O debate em torno de novas formas de gesto social no Brasil incorpora, segundo
algumas linhas de pensamento, a descentralizao, a participao, a busca por inventivas
formas de articulao entre sociedade civil e o Estado e a introduo de novos modelos de
gesto nos rgos pblicos. Inserimos nesse contexto a proposta de pautar Tecnologias Sociais
Tecnologias Sociais e Polticas Pblicas:
Debates Iniciais para uma Pesquisa Emprica
Adriano Borges Costa
Telma Hoyler
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
(TS) como polticas pblicas, o que carrega, em decorrncia de especificidades que sero
discutidas neste trabalho, uma concepo inovadora e ainda recente do debate em torno da
proviso de bens e servios pblicos. Essa combinao entre polticas pblicas e tecnologias
sociais j est sendo adotada por muitos governos locais que incorporam a sociedade em seus
processos de desenvolvimento e/ou implementao, avaliao e controle.
A aproximao entre tecnologias sociais e polticas pblicas tem sido com frequncia
marcada por trs naturezas de discusses: a respeito do potencial das tecnologias sociais
como ferramentas de desenvolvimento local e de alteraes nos padres de produo (FRAGA,
2011; KRUPPA e SINGER, 2004); ou que destacam a necessidade de modificar o padro
tecnolgico convencional incluindo como meio para isso um adequado programa de
financiamento de cincia e tecnologia por parte do Estado (DAGNINO, 2010); e mais
recentemente, pela nfase na abordagem dos agentes envolvidos na construo desse campo
no Brasil (FONSECA E SERAFIM, 2010). De modo a aproveitar o debate at aqui empreendido e
buscando avanar na relao entre TSs e poltica pblica, procuramos neste artigo, trazer uma
contribuio do campo de conhecimento das polticas pblicas para pensar o terreno em que
se adentra na proposio de que uma tecnologia social seja incorporada como ao do Estado,
em suas trs esferas de governo, passando pela formao da agenda governamental e pela
implementao de uma proposta.
A literatura sobre polticas pblicas traz a possibilidade de compreender melhor a
trama institucional, os processos envolvidos na elaborao, os arranjos polticos em que se
insere a conformao de uma poltica pblica e os mecanismos de implementao, dentre
outros atributos. Procuramos juntar a esse arcabouo, relevantes aspectos relacionados a
prtica de criao e implementao de tecnologias sociais, tal que nos permita, a partir das
teorias que identificam maneiras como o Estado pode entrar em ao, refletir como convm
tornar uma tecnologia social em poltica pblica, preservando as caractersticas que lhe so
intrnsecas e aproveitando as iniciativas j em curso.
Dividido em trs sees alm desta introduo e das consideraes finais, este trabalho
esboa primeiramente um panorama dos componentes da atuao estatal aps a crise dos
anos 1980, que influencia at os dias de hoje as concepes do modo de fazer poltica pblica;
em seguida, so apresentados os principais aspectos conceituais sobre TSs; e na terceira seo
aborda-se alguns modelos tericos relativos s polticas pblicas, procurando circunscrever as
TSs no panorama do ciclo das polticas pblicas a partir de uma abordagem que considera a
interao entre as clssicas etapas do ciclo de uma poltica pblica.
ESTADO E POLTICAS PBLICAS
Definir poltica pblica no constitui uma tarefa simples. Implica concepes a respeito
do Estado e da Sociedade e pontos de vistas a respeito da mediao desejvel entre essas
esferas. Diversos autores j se debruaram na tentativa definir seu conceito, seja segundo a
semntica, de acordo com as agncias responsveis pela implementao ou conforme com
seus ciclos. Na reviso da literatura que trata desse campo do conhecimento realizada por
Souza (2006), aponta-se alguns fundamentais autores que contriburam com a produo e
visibilidade da rea. Seguimos essa trilha para investigar em que sentido tem caminhado a
definio do termo. Lynn (1980) a sintetiza enquanto um conjunto de aes do governo que
iro produzir efeitos especficos. Para Dye (1984) poltica pblica aquilo o que o governo
escolhe fazer ou no fazer. Peters (1986) traz novos elementos ao debate e a define
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
enquanto a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou atravs de
delegao, e que influenciam a vida dos cidados. Souza (2006) destaca a definio adotada
por Laswell, segundo a qual poltica pblica se relaciona com quem ganha o qu, por que e
que diferena isso faz.
De modo geral, definies clssicas enfatizam o papel da poltica pblica na soluo de
problemas segundo etapas clara e racionalmente estabelecidas. J os crticos destas
definies afirmam que estas superestimam aspectos racionais e procedimentais das polticas
pblicas, e argumentam que elas ignoram a essncia da poltica pblica, isto , o embate em
torno de ideias e interesses. Este assunto ser mais discutido adiante.
Polticas pblicas tambm j foram introduzidas como um campo do conhecimento que
procura situar o governo em ao, o que nos leva a uma questo complexa no mundo moderno,
em que novas arquiteturas sociais tem se organizado e ampliado cada vez mais o leque de
possibilidades na proviso de polticas pblicas. Desse modo, o esforo por compreender o
conceito de poltica pblica e suas dinmicas a todo momento permeado pelos
acontecimentos polticos e econmicos dos Estados nacionais e relaciona-se tambm com as
novas articulaes entre Estado e organizaes da sociedade civil (OSC) em cada etapa dessas
polticas.
Neste sentido, o debate em torno de novas formas de gesto social no Brasil, iniciada a
partir do processo de democratizao, desenvolveu-se em contexto de crise do modelo do
Estado de Bem-Estar Social e de forte presena no mbito internacional da agenda neoliberal.
No contexto brasileiro, junto a isto, verificava-se a forte presena de agendas democrticas
de descentralizao e participao popular, que a partir de 1982 ganham relevncia com
iniciativas inovadoras colocadas em prticas por governos locais. Tratava-se, nesse momento,
de implementar mudanas no apenas no regime poltico, mas tambm no nvel e no
substantivo das polticas pblicas (O'DONNEL, 1989).
Outro elemento presente nesse momento foi o impacto da crise fiscal no final da dcada
de 1980 e incio dos anos 1990, quando a escassez de recursos passou a ser uma questo
central, ao limitar a capacidade de resposta do Estado s demandas crescentes na rea social.
Assim, ao lado da preocupao com a democratizao dos processos e com a equidade dos
resultados, foram introduzidas na agenda preocupaes com a eficincia, a eficcia e a
efetividade da ao estatal, assim como com a qualidade dos servios pblicos (FARAH, 2000).
Desta forma, propostas contraditrias entre si disputaram espao internamente no
processo de democratizao, de forma que ao mesmo tempo em que a Constituio de 1988
assinalava a transposio para o plano legal de grande parte das demandas sociais formuladas
na dcada anterior, j se assistia a uma reformulao desta agenda, atravs da incorporao
de novos desafios aos atores que participavam na efetivao da reforma (DRAIBE, 1993).
At a dcada de 1980, o esforo de construo de um sistema de proteo social no pas
se dava inspirado no modelo do Estado do Bem-Estar Social adotado pelos pases desenvolvidos
no ps-guerra. Esse modelo previa a exclusividade da ao do Estado na proviso de bens e
servios pblicos, o que era reforado por uma sociedade civil foradamente retrada e
fragilizada pelos desafios econmicos que enfrentava. A reestruturao das atribuies do
Estado empreendidas no Brasil (e em outros pases centrais e em desenvolvimento) a partir da
dcada de 1990 traz rupturas a esse paradigma e alimenta ainda hoje o debate que se polariza
entre a viso de um Estado meramente regulador, e um Estado que preserva suas atribuies
de implementao e regulao (FARAH, 2000).
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Com a crise do Estado de Bem-Estar Social nos pases desenvolvidos e do modelo
desenvolvimentista de substituio das importaes ocorrido em muitos pases em
desenvolvimento, as medidas de enfrentamento dividem-se conforme as convices
ideolgicas. Destacamos por um lado a aposta conservadora, baseada num Estado que passa a
se constituir com base nos seguintes componentes segundo Bresser (1998): reduo de seu
tamanho em termos de custos e intervenes, separao das atividades consideradas como
exclusivas do Estado, com a terceirizao do cumprimento de diversos servios e polticas
pblicas aos cidados e a promoo de sua funo reguladora com destaque para competio
internacional em oposio proteo da economia nacional.
Em contraposio a essa viso, destacamos a construo, a partir da dcada de 1990, de
uma nova arquitetura social na relao entre Estado e OSC na formulao, implementao e
controle das polticas pblicas. Vale notar que, diferentemente da abordagem neoliberal,
essa agenda e essa nova relao no pretendem o desmantelamento do Estado, mas uma
reforma da ao estatal, que venha adequ-la aos desafios que se apresentavam. So novas
formas de articulao com a sociedade civil, visando a garantia da proviso de servios
pblicos (LIPIETZ, 1991). Ocorre assim a substituio do modelo de proviso unicamente
estatal por um modelo em que o Estado deixa de ser o provedor direto exclusivo e passa a ser o
coordenador e fiscalizador de servios que podem ser prestados pela sociedade civil ou em
parceria com estes setores. Draibe (1993), analisando a emergncia desta nova agenda,
mostra como, embora se mantenha a meta de garantia de direitos sociais para todos, h uma
redefinio da forma de se garantirem estes direitos, assumindo um lugar central nesta
redefinio o envolvimento de novos atores na prpria prestao dos servios.
Esses novos arranjos entre Estado, polticas pblicas e OSC foram muito ressaltados por
autores que viam em tais parcerias possibilidade de melhorias qualitativas nas aes
desenvolvidas. Peter Spink (2002) ressalta que () neste grande universo de aes pblicas,
muitas das quais lideradas pelos governos municipais, os gestores municipais, mesmo
exercendo liderana nos seus programas e projetos, raramente esto sozinhos (SPINK, 2002,
p.145). Mais que isso, o autor mostra a importncia da relao Estado e organizaes locais da
sociedade civil na busca por sustentabilidade das aes desenvolvidas, como demonstra o
trecho a seguir:
Junto a este contexto, veio a possibilidade de governos locais pensarem e
implementarem aes pblicas focalizadas em seus territrios, contribuindo para inserir a
sociedade civil e ampliar o leque de agentes envolvidos em cada etapa de uma poltica
pblica.
As TSs, tidas enquanto tcnicas, mtodos ou artefatos produzidas na interao com a
comunidade, tal que apresentem efetivas solues a demandas de uma localidade, quando
incorporada como poltica pblica, so representativas dessa nova arquitetura de vnculos
No por acaso que nos 88% de programas e projetos que sobreviveram s
trocas de governo municipal de 1996 para 1997, quase todos tiveram
diferentes formas de parceria. Ao serem perguntados sobre isso, os
responsveis responderam que o programa, projeto ou atividade tinha
continuado porque houve de todos os lados a opinio de que se tratava de
algo til para o municpio ou bairro. Dos programas e projetos que no
tiveram continuidade, somente 35% foram programas e projetos construdos
na base de parcerias (SPINK, 2002, p. 147).
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
entre Estado e Sociedade Civil. Vale a pena atentar, no entanto, para a tenso que se
estabelece ao propor o elo entre tecnologias sociais e polticas pblicas. Pelo lado dos
governos, como ampliar a responsabilidade estatal na proviso de bens e servios pblicos por
meio de vnculos com OSC sem perder de vista a dimenso do controle e, por outro lado, de
que maneira inserir as TSs entre as formas de proviso de polticas, com todo o aparato
burocrtico que isso representa, sem perder de vista sua natureza intrnseca de envolvimento
da comunidade participante?
Desse modo, o interesse em aproximar as duas temticas reforado tanto pelo recente
surgimento do tema das TSs no Brasil, ocorrido ainda no incio deste sculo, quanto pela
possibilidade de contribuir com desafios de uma nova natureza com que gestes pblicas
inovadoras possivelmente tero que lidar ao incorporar TSs em suas prticas.
TECNOLOGIA SOCIAL
O conceito e a prtica das TSs se inserem no debate em torno das alternativas
tecnolgicas, que trata da oposio entre tecnologias tradicionais e modernas e analisa o uso
tecnolgico como uma disputa poltica que em diversos episdios histricos foi objeto de
resistncia em processos de dominao, principalmente em pases de colonizao europeia.
Esse debate bastante antigo e tem em Gandhi e na troca de fiar um marco histrico datado
na dcada de 1920 (NOVAES; DIAS, 2010). A dcada de 1970 outro marco histrico em torno
desse debate, quando, a partir do conceito de tecnologia apropriada (TA), cresceram as
propostas em que pases desenvolvidos deveriam desenvolver tecnologias voltadas para o
contexto dos pases subdesenvolvidos, buscando resolver alguns dos problemas relacionados
pobreza, por meio de tecnologias que fossem simples e baratas, se disseminassem
rapidamente e de fcil de replicao (FRAGA, 2011).
A TS se desdobra do prprio conceito e das prticas de TA. No entanto, incorpora
elementos da teoria crtica da tecnologia e ideias de pensadores latino americanos como
Amilcar Herrera, Oscar Varsavky e Jorge Sbato, que estavam preocupados como a relao
entre poltica e cincia e tecnologia (C&T). A TS incorpora alguns elementos no presentes no
conceito de TA, significativos o suficiente para diferenci-los. Fraga (2011) apresenta dois
destes elementos: a perspectiva de que a cincia e a tecnologia no so neutras e a refuta ao
determinismo tecnolgico. A suposta neutralidade tecnolgica se funda na concepo de que
formulao de C&T objetiva e ocorre fora do contexto em que gerada, ou seja, que ela
sempre se mantm distante de seu objeto e isolada de interesses (DAGNINO, 2008). O
determinismo tecnolgico tem origem no pensamento de que o desenvolvimento tecnolgico
sempre positivo para a sociedade, linear, inexorvel, inevitvel e segue uma lgica
autnoma, regida pela eficcia e pela eficincia (FEENBERG, 2010).
A partir da crtica ao conceito de TA e da incorporao de elementos relacionados a
teoria crtica da tecnologia, o conceito de TS passou a incorporar o ator envolvido na
formulao da tecnologia e este o elemento central a ser considerado neste trabalho. A
tecnologia social no suporta que universidades, institutos pblicos de pesquisa ou
organizaes da sociedade civil escolham o problema a ser enfrentado e construam solues
tecnolgicas de maneira isolada dos usurios-produtores (FRAGA, 2011). A tecnologia no
pode ser vista como um artefato isolado, ela carrega seu contexto e se relaciona com diversos
aspectos da sociedade, sendo produto e resultado destes aspectos e gerando impacto sobre
eles. Assim, buscar solues tecnolgicas para problemas populares no pode significar
31
Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
solues padronizadas e em massa. A construo e formulao tecnolgica deve envolver
movimentos sociais, os prprios beneficirios e os atores dos contextos especficos.
Semelhante ao que ocorre com a conceituao de poltica pblica, definir TS tambm
uma tarefa imbricada por complexidades vrias, mas ser necessrio o esforo nesse sentido
para prosseguirmos em sua proposio como poltica. Citamos a seguir quatro exemplos de
experincias de cisternas j implementadas, buscando com isso traar contornos ao redor do
conceito de TSs e trazer mais materialidade discusso.
A cisterna uma tecnologia social que consiste basicamente em uma estrutura para
captao e armazenamento de gua da chuva. A gua acumulada pode ser destinada ao
consumo, produo de alimentos, criao de pequenos animais, dentre outros usos. O
Banco de Tecnologias Sociais da Fundao Banco do Brasil certificou at o momento, quatro
tipos de cisternas implementadas por diferentes instituies.
A primeira delas a cisterna pr-fabricada desenvolvida pela Fundao de Apoio
Institucional ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, e implementada em conjunto com
a comunidade do Assentamento Rural de Reforma Agrria Sep-Tiaraj, em Serra Azul (SP) por
meio do financiamento da Fundao Nacional de Sade (FUNASA). Nessa localidade, a cisterna
foi pr-fabricada a partir de argamassa armada e o principal problema da comunidade no era
a seca, como no semirido, mas a desarticulao com o sistema de saneamento e distribuio
de gua do restante da cidade. Nesse assentamento, procurou-se desenvolver cisternas com
baixo custo e tempo rpido de execuo, facilitando a aprendizagem de sua implementao
por parte dos assentados, de modo a incentivar a autoconstruo e a formao de grupos
produtivos que construam cisternas em toda a extenso do assentamento. A construo de
uma estrutura com gerao zero de resduos tambm constitua demanda do assentamento,
pelo distanciamento com a cidade e a dificuldade em se livrar dos resduos no reutilizveis.
A Cisterna-calado da Articulao do Semirido (ASA) em outro formato. Trata-se de
um modelo desenvolvido pela Associao Programa Um Milho de Cisternas para o Semirido
para solucionar o problema de acesso gua para uso domstico e agrcola da populao do
semirido, dificuldade reafirmada pelo fator climtico. Nesse modelo, o reservatrio de gua
est ligado a um calado que serve como rea de captao da gua das chuvas. Essa gua
escorre do calado at a cisterna atravs de um cano. Quando no est chovendo, o calado
pode ser utilizado para secagem de produtos como feijo, milho, dentre outros. As cisternas-
calado servem de incentivo aos agricultores para implementarem os quintais produtivos ao
redor da casa, com maior potencial produtivo. Os principais financiadores dessa TS so o
Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) e o Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio (MDA).
No contexto do semirido, o Programa de Aplicao de Tecnologia Apropriada s
Comunidades (PATAC) tambm desenvolveu junto a agricultores do semirido as cisternas de
placas pr-moldadas. Trata-se de reservatrios cilndricos, construdos prximo casa da
famlia agricultora, que armazena a gua da chuva captada por uma estrutura com calhas e
canos de PVC.
O quarto exemplo de cisternas a experincia Cisternas nas Escolas, desenvolvida
pelo Centro de Assessoria do Assuru, de Irec (BA), com o objetivo de beneficiar 43
comunidades escolares rurais sem acesso gua. Em cada escola, o projeto construiu uma
cisterna de consumo, uma de produo e uma horta, alm de 811 cisternas para famlias da
comunidade escolar. Como os alunos foram envolvidos na construo das cisternas, o modelo
32
Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
adotado foi de fcil assimilao e construo.
Nesses breves relatos, tratamos de cisternas com modelos calado, pr-moldados e
cilndricos. Aplicadas ao semirido, a um assentamento paulista e a escolas baianas. Fica claro
nos exemplos, que a TS no a tcnica desenvolvida, o mtodo utilizado ou o artefato
produzido, vistos isoladamente. TS trata a todo o momento da interao entre todos os
elementos presentes no meio (comunidade, dinmica econmica, clima, etc.) em que se
deseja atuar, ou seja, a tecnologia social est intimamente ligada a sua forma de ser
implementada. Nos exemplos descritos, as cisternas, sejam pr-moldadas, calado, ou na
forma cilndrica, foram utilizadas no fortalecimento da identidade cultural daquelas
comunidades e no incremento de formas de produo e consumo contextualizadas e
inclusivas. No caso do semirido, por exemplo, mediante a adequada implementao das
cisternas, observamos gradualmente a substituio do discurso de combate seca pela
possibilidade de escolha de convivncia com ela pela efetiva apropriao das tcnicas que
utilizam. Qualquer uma das tcnicas assim descritas, se implementadas sem considerar o
envolvimento e, sobretudo, a apropriao da comunidade, deixariam facilmente de
caracterizar uma TS.
Nessa perspectiva, surgem dois conceitos para tecnologia social que para esse trabalho
se mostram vlidos. O primeiro o da Rede de Tecnologias Sociais, formulado da seguinte
maneira:
Tecnologia Social compreende produtos, tcnicas e/ou metodologias
reaplicveis, desenvolvidas na interao com a comunidade e que
representem efetivas solues de transformao social (RTS, 2012).
O outro aquele conceito formulado por Renato Dagnino da seguinte forma:
Ela [a tecnologia social] seria o resultado da ao de um coletivo de
produtores sobre um processo de trabalho que, em funo de um contexto
socioeconmico (que engendra a propriedade coletiva dos meios de
produo) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais
ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionrio) e uma
cooperao (de um tipo voluntrio e participativo), que permite uma
modificao no produto gerado passvel de ser apropriada segundo a
deciso do coletivo (DAGNINO, 2010, p. 210).
Fundamental ao conceito de TS o conceito de adequao sociotcnica, como um
processo de reprojetamento de tecnologias e tcnicas existentes ou de desenvolvimento de
novas tecnologias segundo o interesse e os valores dos prprios beneficirios (FRAGA, 2011).
Podemos dizer que qualquer aplicao de TS envolve de alguma maneira um processo de
adequao sociotcnica, cuja profundidade depende da distncia em que a tecnologia em
questo est dos valores e concepes dos atores e do contexto envolvido. Assim, em TS no se
usa o conceito de replicao, mas de reaplicao, considerando que em cada contexto
diferente o uso da TS ser inevitavelmente reprojetado.
Esse aspecto liga-se diretamente com a discusso em torno da ponte entre TS e polticas
pblicas. Tendo esta como aspecto central a escala e o universalismo, e aquela a
especificidade e a adequao sociotcnica, preciso estabelecer uma mediao, ainda no
colocada, entre essas duas naturezas contraditrias. Como reaplicar TS em larga escala? Como
desenvolver adaptao sociotcnica na escala necessria a uma poltica pblica, sem
33
Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
desnaturalizar a prpria TS? Voltaremos a essa discusso em seguida, mas antes necessrio
A despeito do avano que essa percepo representa, a literatura
mainstream sobre tecnologia e quase que a totalidade das polticas
pblicas do mbito da cincia e tecnologia ainda preserva a noo de que a
produo de tecnologias, mesmo quando orientada para a promoo da
incluso e do desenvolvimento social, compete a cientistas e engenheiros.
Segundo essa perspectiva, as comunidades, os trabalhadores, as
cooperativas, os movimentos sociais, as ONGs e uma srie de outros atores
no teriam nada a acrescentar ao processo de produo de conhecimentos e
tecnologias para o desenvolvimento social. Nada mais falso, como mostram
as experincias em tecnologia apropriada e, mais recentemente, em
tecnologia social (DIAS, 2011, p. 61).
avaliarmos o que j foi produzido sobre esse tema.
Pode-se dizer que o debate em torno da ligao entre polticas pblicas e TSs j possui
acmulos, com os quais esse trabalho busca dialogar ao trazer uma perspectiva at o
momento pouco abordada. Os trabalhos recentes que discutem a temtica, abordam o
assunto a partir da formulao de tecnologias sociais, ou seja, discutindo a Poltica de Cincia,
Tecnologia e Inovao (PCT) brasileira e a destinao de recursos pblicos para pesquisa e
desenvolvimento (P&D) (DIAS, 2011). Entre os trabalhos j desenvolvidos, destaca-se o artigo
Como transformar a tecnologia social em poltica pblica?, em que Renato Dagnino e
Carolina Bagattolli buscam responder a essa indagao a partir da estratgia de incidir na
agenda da PCT de forma a destinar montes maiores de recursos para pesquisa de tecnologias
para a incluso social (DAGNINO & BAGATTOLLI, 2010). A adequada destinao de recursos
para C&T para incluso social (formulao de TSs) representaria grande avano na introduo
e permanncia do tema na agenda governamental e contribuiria em modificar uma viso
recorrente de que TS so residuais, amadoras e estritamente focalizadas.
Por outro lado, alm do mbito de desenvolvimento de C&T pela ao estatal, existem
inmeras alternativas sendo cotidianamente desenvolvidas no contexto da sociedade civil
sem que os saberes oficiais as incorporem e sem que sejam levadas ao status de uma resposta
pblica a um problema. Em inmeros casos, uma TS devidamente adaptada ao novo
contexto, contribuiria com respostas a problemas semelhantes e localidades no
relacionadas, que possivelmente desconhecem a alternativa criada. Para favorecer sua
disseminao e reaplicao, a introduo da alternativa criada na agenda governamental
fundamental, incluindo nesse contexto, a possibilidade de proposio e participao da
sociedade civil. De outra maneira, mesmo que de modo velado, incorreramos na falcia de
que a criao de projetos para o desenvolvimento compete exclusivamente aos especialistas
da academia e a sua implementao, ao Estado, com grandes possibilidades de retrocesso a
um modelo centralizador e com propostas desarticuladas dentro mesmo de cada esfera de
governo, como explicita Dias (2011):
Convm nesse momento examinar brevemente a literatura de polticas pblicas e
relacion-la com as TSs, apontando os desafios e possibilidades e buscando responder as
perguntas colocadas nessa seo, que ainda precisam ser melhor exploradas, que so: como
reaplicar TS em larga escala? Como desenvolver adaptao sociotcnica na escala necessria a
uma poltica pblica, sem desnaturalizar a prpria TS?
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
IMPLEMENTANDO TECNOLOGIAS SOCIAIS COMO POLTICAS PBLICAS
As teorias que se dedicam a explicar a dinmica das polticas pblicas se concentraram
por muito tempo em elaborar modelos para as etapas de seu ciclo, tratando basicamente de
buscar compreender dentro de estgios (formao de agenda, formulao, implementao e
avaliao)4, o que acontece entre a ideia de uma poltica pblica e sua entrega final.
No contexto de separao destes estgios, a noo de incluso na agenda designa o
estudo e a explicitao do conjunto de processos que conduzem os fatos sociais a adquirir
status de problema pblico, transformando-os em objeto de debates e controvrsias polticas
na opinio pblica. Dentre os autores que investigam a temtica da formao da agenda
governamental, destaca-se a teoria de Kingdon (2003), que busca fenmenos explicativos
dentro do contexto institucional de governos para a aceitao/rejeio de ideias e o modelo
desenvolvido por Baumgartner e Jones (1999), que coloca como ponto crtico, a prpria
definio da questo e construo da imagem da poltica como fora que alavanca a
mobilizao de atores, chegando a ocasionar mudanas na agenda.
A fase de formulao da poltica pblica, por sua vez, est ligada tomada de decises
sobre as diferentes alternativas possveis e qual delas ser adotada a fim de que os polticos
melhor traduzam suas propostas em programas e aes. J o estgio da implementao diz
respeito ao momento em que as polticas j formuladas so colocadas em prtica. Para
exemplificar as teorias desenvolvidas no mbito da formulao e implementao, destacamos
os modelos do Incrementalismo de Linblom (1981), segundo a qual cada programa
desenvolvido por um governo no seria, geralmente, considerado novo. Os policy makers
realizariam pequenos ajustes incrementais s politicas j correntes, ocasionando mudanas
graduais nas polticas. J o modelo garbage can, desenvolvido por Cohen, March e Olsen
(1972), argumenta que a compreenso do problema e tambm da soluo limitada. As
escolhas entre que solues adotar integrariam um garbage can e ao invs de serem
detidamente analisadas, dependeriam do leque das opes que os policy makers tem em mos
no momento de tomada da deciso. Sabatier e Jenkins-Smith (1993) ao desenvolver o modelo
Advocacy Coalition, apontam para uma fragilidade do modelo gargabe can por ele considerar
pouca consistncia no conjunto de ideias dos policy makers. Ao contrrio, Sabatier e Jenkins-
Smith (1993) argumentam que as crenas e valores so relevantes dimenses do processo de
formulao de polticas pblicas. Por esse modelo, a poltica pblica concebida como um
subsistema composto por coalizes de defesa de ideias, valores e crenas distintas. Essas
coalizes se distinguiriam pelos recursos de que dispem para defender seu conjunto de
ideias.
Embora muitos especialistas defendam uma execuo permanente da avaliao da
poltica pblica, esse estgio ainda , com frequncia, deixado somente para a aplicao ao
final do ciclo. Durante a implementao, ajustes de pequenos desvios ou readequaes da
proposta poderiam ser aplicados com maior sucesso poltica pblica, ao passo que se
relegada apenas ao final da implementao, o acmulo da necessidade dessas correes pode
mais facilmente significar o abandono da poltica. Em boa medida, os embates na literatura
sobre a fase de avaliao relacionam-se s tcnicas utilizadas para realiz-la, se quantitativas
ou qualitativas, e a como a avaliao dos resultados podem efetivamente influenciar o rumo
das polticas pblicas (TREVISAN, A.; BELLE, H., 2008).
As principais teorias a respeito das etapas do ciclo da poltica pblica contriburam com
o desenvolvimento do campo, alm de nos oferecem algumas pistas dos momentos mais
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
adequados nos contextos institucionais para apresentar propostas e das dinmicas
relacionadas aos processos de implementao. No entanto, para compreender o cotidiano da
implementao, que de sobremaneira nos interessa ao propor TSs como polticas pblicas, nos
ligamos s teorias mais recentes, que buscam olhar para a interface dinmica entre cada
estgio do ciclo.
Dentre outros motivos, Saetrem (2005) aponta que as pesquisas de implementao
ficaram fora de moda (unfashionable) pelas mudanas nas relaes entre Estado e Sociedade
a partir dos anos 1980 com o decorrente incremento das pesquisas relacionadas a governana
e redes, com o intuito de melhor descrever a nova realidade. Saetrem (2005), todavia, critica
esse fato e afirma que os estudos de implementao so essenciais na medida em que podem,
justamente, contribuir para anlises a respeito de como ocorre a relao Estado e Sociedade
no novo contexto. Uma hiptese levantada pelo autor que essa sensvel mudana de foco das
pesquisas seria resultado de um olhar fragmentado e restritivo para a implementao, o que
exigiu novas teorias explicativas para os fenmenos que se apresentavam em vez de se
intensificarem os estudos nesse campo.
Embora sejam grandes contribuies analticas, segundo Hill e Hupe (2002), nenhum
modelo acima apontado capta a complexidade da realidade. Os autores advogam em favor da
combinao entre os benefcios analticos oferecidos pela proposta dos estgios e por outro
lado, o reconhecimento e aprofundamento da compreenso de como eles interagem. Na
teoria clssica da burocracia desenvolvida a partir das contribuies de Weber, a
administrao comearia onde o processo das polticas pblicas acaba. J para os autores, na
implementao a formulao das polticas e os processos burocrticos coexistem.
Estudos recentes realizados por Lotta (2010) e Paulics e Piani (2003) a respeito dos
agentes comunitrios de sade nos revelam pistas de como vem ocorrendo na prtica a
interao entre as etapas da poltica pblica em experincias de gesto pblica no Brasil. Os
agentes comunitrios de sade (ACS) so pessoas da prpria comunidade, recrutadas pelo
Programa Sade da Famlia (PSF) do governo federal para efetivarem as aes de sade no
contexto domiciliar dos beneficirios.
Para Lotta (2010), ao ser o ator responsvel pela entrega das aes do PSF nos
domiclios, os agentes atuam como burocratas do nvel de rua, conforme conceituou Lipsky
(1980). Isso quer dizer que alm de atuarem na ponta, tomam decises alocativas, exercem
discricionariedade e tm grande impacto sobre o processo de implementao (LOTTA, 2010,
p.82). A autora destaca ainda outra caracterstica: como os ACS so selecionados entre
moradores da prpria comunidade, acabam se configurando enquanto atores hbridos,
burocratas comunitrios, desempenhando o duplo vnculo de pertencimento ao Estado e
comunidade. A partir da investigao dos estilos de interao, identificou-se nessa pesquisa
que os agentes muitas vezes atuam como mediadores de comunicao, tornando os
conhecimentos mais acessveis para a comunidade e levando demandas locais para os
profissionais de sade.
A experincia Soro, Razes e Rezas, implementada pela Secretaria Municipal de Sade
de Maranguape (CE) foi certificada como TS em 2003 pela Fundao Banco do Brasil. Esse caso
exemplifica como podem atuar os ACS no sentido da mediao. Paulics e Piani (2003) relatam
que um pequeno ncleo da secretaria de sade municipal resolveu iniciar as investigaes dos
motivos que originavam os altos ndices de mortalidade infantil do municpio decorrentes de
diarreia, mesmo depois de ter sido ampliada a equipe mdica e o nmero de leitos.
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Mltiplos Olhares SobrePesquisas e Prticas Sociais
Tecnologias Sociais
Concluram que uma interveno efetiva nessa realidade para diminuir a mortalidade infantil
no poderia ignorar a existncia das rezadeiras do municpio, pois no caso de diarreia, eram a
elas que as famlias procuravam em primeiro lugar. Elas precisariam, ao contrrio, ser
identificadas, ter seu trabalho melhor compreendido e serem envolvidas na hidratao das
crianas junto a suas rezas.
A implementao e a formulao das etapas seguintes dessa poltica pblica
caminharam juntas. Primeiro foi preciso conhecer melhor o papel dessas lideranas
comunitrias e estabelecer um dilogo para aprender com elas. Acreditava-se que na medida
em que os profissionais da sade ouvissem as rezadeiras, seria mais fcil tambm que as
rezadeiras ouvissem os biomdicos e que, a partir dessa troca, um novo saber emergisse,
permitindo melhorar a sade da comunidade (PAULICS e