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OS REBAIMENTOS DO NEOLIBERALISMO NA POLÍTICA DE SAÚDE: possibilidades e
desafios
Fernanda Marques de Sousa 1
RESUMO
Propõe-se discutir as inflexões do projeto neoliberal, enquanto resposta à crise do sistema capitalista, nas políticas sociais com destaque para a política de saúde do Brasil, bem como as possiblidades de intervenção no tocante a viabilização no acesso a saúde pública- entendida enquanto direito social universal nos marcos do sistema capitalista. Percurso metodológico utilizado foi o levantamento do estado da arte referente as principais categorias e o debate teórico produto de uma disciplina modular ofertada no programa de mestrado de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. Esse material é síntese inicial da pesquisa desenvolvida no referido programa. Palavras Chave: Neoliberalismo. Política Públicas. Política de
Saúde.
ABSTRACT It is proposed to discuss the inflections of the neoliberal project, as a response to the crisis of the capitalist system, in social policies with emphasis on the health policy of Brazil, as well as the possibilities of intervention regarding the viability in access to public health - understood as a right In the framework of the capitalist system. Methodological course used was the state of the art survey of the main categories and the theoretical debate product of a modular discipline offered in the master program of Social Service of the Federal University of Paraíba. This material is an initial synthesis of the research developed in said program. Keywords: Neoliberalism. Public Policy. Health Policy.
I. INTRODUÇÃO
Ao reportar-se a história do Brasil, depara-se com a morosidade e o tipo de
políticas públicas no atendimento as necessidades dos usuários. Relação direta com o
processo de formação da sociedade brasileira, o qual ocorreu por meio da colonização.
Essa informação é extremamente importante tendo em vista, que esse elemento imprimiu
1 Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da
Paraíba. Assistente Social. Email: fernandamarquesas@gmail.com
características específicas a forma de organização econômica, política, social e cultural do
povo brasileiro.
Na proposta de tratar os rebatimentos do neoliberalismo nas políticas públicas
no Brasil, tem-se como marco histórico de análise a partir da década de 1980, a qual
configura-se enquanto período de intensa mobilização da sociedade e dos movimentos
sociais que pleiteavam o fim do regime ditatorial e outra organização para o país, implicando
em melhores condições de vida e responsabilização do Estado frente ao atendimento das
demandas sociais.
Nesse marco histórico que retrata mobilização de diversos setores da sociedade
civil e movimentos sociais em prol de outra conformação de Estado e sociedade, pretende-
se discutir a política de saúde nesse contexto de ofensiva neoliberal.
II. A FORMAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A CRISE DO CAPITAL
Na proposta de discutir a formação das políticas públicas que correspondem as
funções do Estado no tocante a produção e reprodução social, contemplando o leque de
direitos de cidadania. Recorre-se a explanação de Piana (2009) quanto ao surgimento dos
primeiros modelos de políticas públicas:
Não se pode precisar um período específico do surgimento das primeiras identificações chamadas políticas sociais, visto que, como processo social, elas se originam na confluência dos movimentos de ascensão do capitalismo como a Revolução Industrial, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. (PIANA, 2009, p. 22).
Entende-se que o surgimento das políticas públicas se dá enquanto produto da
dinâmica social, que contraditoriamente, atende a interesses de atores políticos diferentes,
mediatizada por um sistema econômico e social pautado na exploração de uma classe
sobre outra.
Compreendendo que as políticas públicas se generalizam mediante a passagem
do capitalismo concorrencial a fase monopolista (PIANA, 2009). Por isso é importante ir
refazendo o percurso de complexificação (passagem de uma fase para outra) do sistema
capitalista e por conseguinte, de formação das políticas públicas.
Sem perder de vista que a passagem de uma fase do capital para impunha
mudança econômica e social. Concorda-se com Netto “Adquirindo novas forças produtivas,
os homens transformam o seu modo de produção e, ao transformá-lo, alterando a maneira
de ganhar sua vida, eles transformam todas as relações sociais” (MARX, 2009 apud
NETTO, 2011 p. 34). Ao passo que o homem modifica seu objeto de trabalho, também é
modificado, há uma intensa relação, não muda somente a ordem econômica, mas a política,
cultural, social e espiritual de uma sociedade.
A lógica liberal era de que o homem, por meio dos interesses individuais,
advindos do desejo natural, buscavam o bem coletivo. O mercado, enquanto “mão invisível”,
geria as relações econômicas e sociais e através dessa regulação não haveriam guerras.
Nesse panorama o Estado seria, apenas, a base legal para o mercado, atendendo as suas
necessidades, somente, quando requisitado (BEHRING, 2009). Nesse contexto, qualquer
legislação de proteção social era entendida como atraso para maximização dos lucros dos
capitalistas.
Esse cenário passa a mudar mediante o acontecimento de dois processos
político histórico, que forçaram a classe burguesa a elaborar outra estratégia para
manutenção da ordem social vigente. Nesse caso, atendendo minimamente as demandas
impostas pela classe trabalhadora, segue os movimentos e acontecimentos:
O crescimento do movimento operário que requisitava participação e melhores
condições de vida e trabalho, a organização de movimentos políticos que se espraiavam por
toda Europa, a saber o crescimento da social- democracia como movimento de massa e a
vitória do movimento socialista de 1917, na Rússia.
E não menos importante, a monopolização e concentração do capital- nesse
ponto, nota-se as limitações da regulação do mercado- o contexto para obtenção de lucro
passava a exigir outros mecanismos.
Keynes com a sua Teoria Geral, pós segunda guerra mundial, questionava o
poderio do mercado na regulação das relações mercadológicas e sociais. Logo, a “mão
invisível” não era suficiente para harmonizar o interesse egoísta dos indivíduos e o bem
estar coletivo. Keynes defendia outra atuação do Estado, sendo mais estrutural e contínua
(OLIVEIRA, 1998).
Por isso, Keynes justificava o pleno emprego e mais Estado enquanto molas
propulsoras para qualificar o sistema econômico. Outra preocupação à época eram as
manifestações em massa, já citadas anteriormente, que implicam um novo modo de
intervenção, não mais repressivo e sim político, a fim de garantir a manutenção da classe
burguesa no poder.
Foi com a teorização de Keynes que se tem o “padrão de financiamento público
da economia capitalista” (OLIVEIRA, 1998, p. 10), firmado a partir de regras universais, o
Fundo Público passa a financiar a acumulação do capital e a reprodução da força de
trabalho, não mais em tempos de crise do sistema ou guerra entre as classes, mas de modo
sistemático e profícuo à economia capitalista.
É a partir desse redimensionamento da conjuntura econômica e política que se
passa a visualizar a ampliação das políticas públicas enquanto legislação de proteção
social, ao passo que eram usadas como ferramenta de concordância entre as classes
disseminando a ideia de participação da classe trabalhadora na arena política.
É preciso não perder de vista que o surgimento das políticas públicas ocorre
também mediante a luta de classes, num contexto de crise do sistema capitalista (PEREIRA,
1998 apud PEREIRA; SILVA; PATRIOTA, 2009).
A Teoria Geral de Keynes funcionou enquanto a elevação dos salários e o
aumento da produtividade se davam nos marcos do território nacional. A crise desse modelo
de proteção social e desenvolvimento econômico ocorreu com a internacionalização
produtiva e financeira do capital. Antes o que acontecia era a retroalimentação do sistema,
pois o que era produzido e consumido ficava nos marcos territoriais. O processo de
internacionalização ultrapassava os marcos regulatórios dos Estados e firmava acordos
internacionais na busca por mercados, seja para vender seus produtos como para comprar
matéria prima, ou ainda usar mão de obra barata (OLIVEIRA, 1998).
Com o colapso da teoria de Keynes e do Estado de Bem Estar Social, os
defensores liberais passam a atribuir a crise do capital ao poderio dos sindicatos e ao
aumento dos gastos sociais por parte do Estado, que era considerado dispendioso para o
desenvolvimentos das economias (BEHRING, 2009).
No tocante a crise da figura estatal nessa conjunta concorda-se com Netto
(2012), cujo tratado do Estado se dá por meio da desqualificação para o social, sabe-se que
essa definição parte da ideologia neoliberal enquanto projeto de direita. O Estado é tomado
como culpado pelas iniquidades sociais, impecílio para o pleno exercício da democracia,
cidadania e liberdade, de acordo com lógica neoliberal.
Na busca desmedida por lucro destaca-se outros elementos que são reflexos da
ganancia capitalista: o consumismo exacerbado da sociedade contemporânea, mesmo com
custo para a humanidade, lembre-se dos desastres ambientais produtos da
irresponsabilidade capitalista.
Como também pela exigência do trabalhador cada vez mais especializado,
reduzindo a necessidade da mão de obra não especializada que é substituída pela máquina,
há um expressivo investimento no capitalismo constante em detrimento do capitalismo
variável, concomitantemente busca-se desenvolvimento tecnológico cada vez mais
sofisticados (MÉSZÁROS, 2011). Os custos dessa busca são os mais diversos seja para o
meio ambiente como para a continuidade da humanidade.
Mészáros (2011) sinaliza em sua produção a forma como os governos diante do
novo ciclo de crise tem se comportado. Sabe-se que tanto o setor do capital financeiro
quanto produtivo são atingidos. Porém o autor destaca: “[..]é naturalmente inseparável do
aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria, assim como do lento processo
de acumulação do capital, a onda de expansão do capital financeiro” (MÉSZÁROS, 2011, p.
25). Sabe-se que o capital se vale das mais diversas estratégias para continuar em
processo de expansão e manutenção da ordem vigente.
O Estado é um dos aparelhos estruturais para o capital, tanto no preparo de
condições básicas de desenvolvimento do capital- em tempos de expansão, como ao
assumir e socializar com a classe trabalhadora o ônus das crises- em tempos de recessão.
De acordo com Gomes (2013):
A desresponsabilização das funções básicas do Estado em relação as políticas de proteção sociais desencadearam um processo de refilantropização da “questão social”, destituindo a perspectiva de direitos contido nas políticas sociais, em seu caráter universalizante, redistributivo e equitativo (GOMES, 2013, p 69).
O Estado se desresponsabiliza das suas funções básicas e as transfere para a
sociedade camuflando a contradição inerente da “questão social”. Ao agir desse modo,
retoma o caráter filantrópico no trato das iniquidades sociais oriundas do sistema vigente.
Nessa reconfiguração tem-se o surgimento de novos modelos de gestão que reforçam a
disseminação da ideia de ineficiência do Estado e necessária reforma do aparelho público,
bem como de sucateamento das políticas sociais- compreendidas como gastos
desnecessários.
Em um contexto de crise do capital, redimensionamento do aparelho estatal e
desmonte dos direitos sociais que se pretende discutir as inflexões do neoliberalismo-
enquanto projeto ideopolítico de contenção da crise. Destaca-se o enfoque para a política de
saúde, por ser uma política pública de corte universal que traz consigo pautas defendidas
pelo Movimento de Reforma Sanitária Brasileiro, o qual propunha além de mudanças na
política de saúde, melhorias nas condições de vida da população.
II.I Os rebatimentos do neoliberalismo na política de saúde: análise teórica do atual
contexto
Diante da queda na taxa de lucros, retoma-se as ideias liberais baseadas no
mercado livre, na reforma do Estado e na redução dos gastos sociais. É oportuno frisar que
se trata das políticas sociais concebidas mediante a formação da sociedade burguesa no
Modo de Produção Capitalista.
Nesse caso, entende-se que as políticas sociais são também necessárias a
continuidade do capital. Notadamente, o surgimento da cobertura legal dos trabalhadores
ocorre mediante o ingresso da classe trabalhadora na arena política. Ao passo que as
políticas sociais são respostas as reivindicações da classe trabalhadora são também
necessárias ao capital.
Nota-se a funcionalidade das políticas públicas para o capital, por exemplo: na
desresponsabilização com a manutenção da força de trabalho e na harmonia entre as
classes- necessária para a obtenção de lucros- resultando, por vezes, na desmobilização da
classe trabalhadora.
Os trabalhadores mediante o atendimento de suas demandas, via políticas
públicas e com a pseudo impressão de estarem decidindo nos espaços políticos
desorganizaram-se e passaram a se contatar com as conquistas adquiridas. Não se
pretende dizer que desde então não houveram manifestações, mas sim que o poder de
organização foi fragilizado.
Compreende-se a política pública enquanto unidade de contraditório, pois ao
passo que são fruto das conquistas da classe trabalhadora, são igualmente oriundas da
concessão dos capitalistas receosos com o nível de organização dos trabalhadores, a qual
“[...] expressa uma coalização instável entre acumulação e equidade [...]” (PEREIRA; SILVA;
PATRIOTA, 2006, p. 06).
É errôneo entende-la por um único viés de análise, a formação histórica das
políticas públicas são a síntese de múltiplas determinações e a cada contexto histórico e
geográfico tem-se especificações referente aos modelos e a cobertura social. Desta
maneira, tem-se as políticas públicas enquanto produto da dinâmica social.
Concorda-se com Piana ao definir o surgimento das políticas sociais [...] como
instrumentos de legitimação e consolidação hegemônica que, contraditoriamente, são
permeadas por conquistas da classe trabalhadora [...] (MONTAÑO, 2007 apud PIANA, 2009,
p. 23).
É oportuno citar Máscaros, ao valer-se do conceito criado por Marx “ A chave
para a compreensão é entender que o mundo é fraturado em classes sociais. […]
(MASCARO, 2015, p. 17), não é suficiente debruçar-se sobre os estudos da figura do
Estado, políticas públicas, mas compreender essas categorias mediante a existência
antagônica de classes sociais.
Sabe-se que as políticas públicas são respostas, por vezes fragmentadas e
setorializadas, as refrações da questão social, onde a causa está centrada na exploração do
trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Obscurece esse fundamento e desistoriciza a
questão social, individualizando as desigualdades sociais e consequentemente as
respostas.
Feito o retorno histórico e buscado no estado da arte conceitos que de fato
atendam o caráter complexo das políticas públicas, agora debruça-se sobre a política de
saúde pós promulgação da Constituição Federal (C.F) de 1988, a qual demarcou ganhos a
massa da população. Entretanto a década seguinte 1990, com o adentro da ofensiva
neoliberal vive-se o retrocesso na perspectiva dos direitos sociais.
Nesse processo de democratização do país, a saúde passe do debate
empreitado pelos técnicos e é assumido na esfera política. Com a C.F./1988 almejava-se
corrigir as injustiças sociais cometidas ao longo da história da sociedade brasileira. No
campo da saúde buscava-se realizar um reordenamento profundo no setor por meio da
formação de um sistema de saúde que desse conta das demandas da população.
É inegável a conquista para o campo da saúde, entretanto o pano de fundo que
apontava implicava em grandes desafios para a política de saúde. Compreendendo que a
saúde estava garantida legalmente enquanto direito de todos e dever do Estado, o maior
desafio era tornar de fato alcançável pela população num contexto adverso.
Asseveram Salvador; Terra; Arêas:
A prevalência de políticas focalizadas e pontuais, o sucateamento dos serviços públicos numa estratégia desmoralizante dos mesmos e o discurso de incapacidade financeira e gerencial do Estado são marcas da conjuntura atual de ataques as conquistas e preceitos constitucionais (SALVADOR; TERRA; ARÊAS, 2015, p. 02).
A conjuntura hiperinflacionária facilita a adesão dos ideais neoliberais, afetando
diretamente os direitos sociais e políticos, conquistados pela população brasileira. Gohn
(2008) afirma que a relação entre Estado e Organizações Não Governamentais (ONG’s) tem
substituído o Estado no cumprimento de suas demandas sociais, concomitantemente tem
atendido as mudanças impostas pelo projeto neoliberal, principalmente no tocante a
minimização da ação do Estado no campo social.
A pretensão é que o atendimento das demandas ocorra no mercado, só para os
que não possam adquiri-las via compra, busquem a oferta do Estado que passa a ser cada
vez mais limitada ou pela solidariedade adquirida no terceiro setor.
Com essa minimização do Estado, esse passaria de executor para regulador e
provedor desses serviços. O prenúncio de Reforma de Estado traz como proposta o fim da
burocracia estatal e a resolução das mazelas sociais na sociedade civil. A esse aspecto,
subentende laços de solidariedade, e não de tensão de classes que divergem nos
interesses (IAMAMOTO, 2006 apud ANDREAZZI; BRAVO, 2014). Nota-se que o terceiro
setor é formado mediante a despolitização do embate entre as classes.
Concorda-se com Iamamoto quando a autora problematiza a relação do Estado
com o setor social: “cortam-se gastos sociais e transferem-se serviços para o setor
empresarial, condizente com a política de privatização, levada a efeito pelo Estado”
(IAMAMOTO, 2009, p. 159), a autora problematiza o subfinanciamento do Estado na área
social, o que acaba resultando também na precarização dos serviços públicos.
Nesse panorama percebe-se a dificuldade na implementação da política de
saúde com cariz universal, num contexto de retração do Sistema de Proteção Social
brasileiro. O que ocorre na década de 1990 é uma contrarreforma aos direitos sociais
conquistados na década anterior. Behring e Boschetti (2011) definem contrarreforma, pois
entendem que as políticas públicas são produto histórico da luta dos trabalhadores,
cooptadas pelos capitalistas para manter a ordem econômica vigente.
Os rebatimentos neoliberais na política de saúde são expressos no estímulo a
adesão aos planos privados, ao atendimento focalizado e setorializado das demandas
sociais, privatização do serviço público, a formação de um sistema público de saúde para
nicho populacional que não pode pagar, investindo mais no setor básico da saúde. Entende-
se desse modo, que essas orientações neoliberais vão na contramão do que é preconizado
pelo Movimento de Reforma Sanitária, o qual preconizava saúde gratuita para todos e com
todos os níveis de atenção financiados, dentre outras pautas.
Atrelado as inflexões neoliberais no campo da saúde, junta-se a desmobilização
e desorganização da sociedade e dos movimentos sociais em prol da defesa da saúde
pública e de qualidade. É importante não perder de vista que se vivenciava um
redimensionamento do setor econômico, acabara de sair do longo período histórico da
ditadura, marcado pela ascensão da participação social que culminou com a constituição
cidadão, atrelada a redução do Estado no cumprimento de suas obrigações básicas.
É importante enfatizar que apesar da conjuntura complexa, há movimentos de
resistência e defesa de um modelo de saúde público e de qualidade. Serve de exemplo o
Frente Nacional Contra à Privatização do Saúde que tem mobilizado várias regiões pelo
Brasil, por meio dos Fóruns Regionais configurando-se espaços de militância de base.
Além desses coletivos de resistência, tem-se outros mecanismos de
fortalecimento da política de saúde, que coadunam com atendimento integral do usuário,
problematizam rotinas de trabalho, tais como os programas de formação em serviço
(residências multiprofissionais, Pet e Pró saúde), Política Nacional de Humanização dentre
outros mecanismos (MENESES, 2014).
O ponto que segue, tratará de fazer essa análise com relação ao novo modelo
de gestão implantado nos Hospitais Universitários que aceitam firmar contrato. Nota-se que
essa gestão é mais um mecanismo de privatização do serviço público de saúde na alta
complexidade. Destaca-se que os HU’s são um campo que possuem mão de obra
especializada, tecnologia de ponta, são cenários de campo que por sua própria função
social desenvolvem consideráveis pesquisa e projetos, por esse perfil exigem expressivo
recursos.
II.II Os HU’s sob gestão Ebserh: a existência do projeto neoliberal e o do Movimento
da Reforma Sanitária
A proposta desse ponto seria problematizar a existência de dois projetos
disputando espaço nos Hospitais Universitários. O modelo de gestão que passa a
administrar os HU’s com sua essência mercadológica e o projeto de implantação de sistema
de saúde público e universal.
Pretende-se realizar o percurso de formação da Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (Ebserh). A origem da se deu ainda no governo Lula, quando em 2010 é
enviado ao Congresso Nacional a Medida Provisória 520. Como não foi possível votar a
tempo, também por conta da pressão dos movimentos sociais em defesa da saúde pública e
de qualidade, em 2011 é enviado o Projeto de Lei 1749, o qual autoriza o poder Executivo a
criar a Ebserh.
Apesar de iniciada no governo Lula a Ebserh encontra “apoio” no governo da
presidenta Dilma Rousseff. Destaca-se a agilidade da Câmara dos Deputados e da
Presidente em sancionar a Lei 12.550 e o Estatuto Social que regulamenta a Ebserh, ambos
aprovados no mês de dezembro de 2011. No Estatuto Social da Ebserh nota-se que a
Empresa Brasileira é constituída a partir da lógica de mercado.
Percebe-se que o governo petista lança mão de mais um mecanismo para se
desresponsabilizar de suas funções e permitir, sem precedentes, o espraiamento da
privatização manifestadas na ganância empresarial por lucro.
Leia-se o artigo 5o “A EBSERH sujeitar-se-á ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas
e tributários” (ESTATUTO SOCIAL DA ESBERH).
De acordo com o “Relatório Analítico das irregularidades e dos prejuízos à
Sociedade, aos Trabalhadores e ao Erário causados pela Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares – EBSERH”, produzido pela Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde-
FNCPS, onde apresentava que a justificativa defendida para a criação da Ebserh,
apresentada pelo Governo Federal, seria a necessidade em ‘regularizar’ a situação dos
funcionários terceirizados dos HU’s em todo o país.
Além de não ser a solução a Ebserh tem agudizado os problemas já existentes e
despertado nos trabalhadores a revolta, a desorganização, a competição exacerbada e
dificultado o acesso dos usuários as especialidades médicas.
Com a Empresa Brasileira, de acordo com o Relatório (2015) “[...]põe-se fim ao
Regime Jurídico Único (RJU), pois os vínculos de trabalho com a empresa são geridos pela
CLT. Em vez de servidores públicos sob o regime estatutário, teremos apenas empregados
públicos [...]”. Sabe-se que esse modelo não fornece a estabilidade do estatutário nem
garante as condições de proteção adquiridas somente com o RJU.
Na busca pelo reconhecimento a Ebserh tem assinado contrato com o
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal- CONDSEF onde discrimina
que os empregados dos HU’s serão 100% da Esberh, ocorrendo a cisão entre os citados
hospitais e as universidades.
Na elaboração da Ebserh segue o modelo, considerado exitoso, do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre (HCPOA), mediante o aperfeiçoamento do Aplicativo de Gestão
dos Hospitais Universitários- AGHU. Entretanto, sabe-se que o HCPOA legalmente é
constituído enquanto uma Empresa Pública de Direito Privado desde a década de 1970,
possuindo dupla porta de entrada e um modelo de acompanhamento do cumprimento de
metas na lógica do mercado.
Mesmo com a sociedade acadêmica se opondo muitos reitores, de modo
arbitrário, assinam contrato com a Ebserh. Serve de exemplo, recentemente, o caso de
Campina Grande na Paraíba, palco do autoritarismo do reitor e recentemente o Hospital
Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago- Santa Catarina, onde a reunião do
Conselho Universitário ocorreu no Centro de Ensino da Polícia Militar, fato que inviabilizou a
presença de conselheiros e participação da sociedade civil como um todo.
É oportuno destacar que se considera a gestão dos HU’S pela Ebserh mais um
mecanismo privatização do serviço público, por entender que não se reduz a entrega/venda
dos serviços diretamente, mas a outros mecanismos que facilitam o adentro do interesse
privado no setor público de saúde. Não se pode admitir que empresas com a lógica de
mercado passem a administrar espaços de gestão pública. Há uma verdadeira
incompatibilidade de princípios entre os projetos que estão em disputa nos HU’s.
Considerações finais
Durante o trabalho em tela pretendeu-se abordar a formação das políticas
públicas num panorama geral e durante o percurso do artigo, a partir da realidade brasileira,
trazendo à tona as especificações do país. Tendo em vista que se fazia necessário entender
a definição das políticas públicas, para não cair na armadilha de entendê-la mediante um
único viés de análise. E assim, compreende-la enquanto conquistas dos trabalhadores e não
identificar que as mesmas são funcionais a manutenção do sistema capitalista, ou então,
enquanto concessão dos capitalistas e descaracterizar a luta travada pelos trabalhadores
em exigência ao atendimento de demandas básicas e enquanto classe política.
Feito o percurso histórico e recorrido à autores de referência no debate das
políticas públicas, debruçou-se sobre a crise do capital e a participação do Estado frente a
esse novo panorama, articulando essa conjuntura a elaboração das políticas públicas no
Brasil.
A partir desse embasamento teórico, pode-se discorrer com maior firmeza as
reflexões que necessárias ao momento da produção. Além do seminário temático, as
disciplinas disponibilizadas no primeiro semestre subsidiaram a produção desse material, o
qual culminará com o percurso teórico necessário para a elaboração da dissertação.
Realizado o resgate teórico, centrou-se na política de saúde por entender que foi
a política que maior se aproximou, legalmente, da implantação de uma política pública de
corte universal com pretensões audaciosas no atendimento a mudança na qualidade de vida
da população.
Nesse sentido, e por também ser alvo da pesquisa de mestrado, que os
rebatimentos neoliberais na política de saúde foram categorias centrais no trabalho. Ao
longo da produção, buscou-se apresentar ao leitor as estratégias usadas para sucatear os
serviços públicos de saúde e assim disseminar na população a ideia de que o público é
ineficiente e oneroso para o Estado.
Contrariando o que foi deliberado e garantido na Constituição Federal de 1988,
dissemina-se que a C.F/1988 foi sonhadora e o que havia sido aprovado não condizia com a
realidade financeira do país, que segundo os capitalistas por meio do Estado, defendiam
uma ampla reforma no setor público. É nessa lógica que na década de 1990, com maior
ênfase, até pela adoção do pacote de medidas do projeto neoliberal, tem-se a
refuncionalização do aparelho estatal, no tocante aos gastos sociais. E a política de saúde
desde então tem sido alvo das investidas mercadológicas com pleno apoio do Estado.
Notadamente, nos anos 2000 percebe-se um maior adensamento do adentro do
capital, seja na implantação de novos modelos de gestão na administração dos Hospitais
Universitários, infligindo a autonomia universitária e permitindo a privatização da alta
complexidade, como também marcos legais que possibilitam a privatização por dentro.
Ao passo que se apresenta essa conjuntura adversa para a política de saúde,
destacou-se os mecanismos de resistência a privatização, os quais pautam a efetivação da
saúde pública universal e de qualidade, mediante ação do Estado no cumprimento de suas
obrigações legais.
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