ORTOGRAFIA: UM BREVE HISTÓRICO Prof. Ms. Nailton Matos.

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ORTOGRAFIA: UM BREVE

HISTÓRICO

Prof. Ms. Nailton Matos

O percurso histórico da ortografia da Língua Portuguesa

[...] a ortografia não pode ser objeto de lei. Não faria sentido fazer leis que controlassem a variação e a mudança lingüística, o modo de falar das pessoas, as estruturas sintáticas e discursivas, os gêneros discursivos, etc. Mas há sempre um gramático ou um político de plantão, morrendo de vontade que os outros falem ou escrevam como eles.

Cagliari

Ortografia: Percurso históricoO interesse por questões relacionadas à

ortografia foi preocupação de vários gramáticos do século XVI ao XVIII.

Bechara (2009, p. 12), aponta quatro princípios que ordenaram o sistema ortográfico da língua portuguesa: o fonético, o etimológico, o usual e o traço de distinção.

PRIMEIRO PRINCÍPIO: FONÉTICOO primeiro princípio se estende até o século XVI.

Sem nenhuma sistematização, as palavras eram escritas mais ou menos de acordo com a pronúncia.

A preocupação que transparece entre os gramáticos deste período era na grafia das palavras conforme se ouvia. Embora houvesse certa flutuação gráfica, a preocupação fonética transparecia a cada momento. Este período inicia-se com os primeiros documentos redigidos em português e se estende até o século XVI.

“[...] atenderia à maneira como se diz e se ouve a palavra, sem para isso se empregarem sinais que não se dizem, ou, consoante à lição de João de Barros: “A primeira e principal regra na nossa ortografia é escrever todalas dições com tantas leteras com quantas as pronunciamos, em poer consonantes consoantes ociosas: como vemos na escritura italiana e francesa “ (Barros, 1971)

SEGUNDO PRINCÍPIO: ETMOLÓGICO Influenciado pelo eruditismo do século XVI.

Buscava-se uma aproximação artificial com o grego e o latim, contrariando própria evolução das palavras. Duplicavam-se as consoantes intervocálicas e se inventaram símbolos extravagantes, empregavam-se consoantes geminadas e insonoras de grupos consonantais impropriamente chamados gregos, de letras como o y, k e w, sempre que ocorriam nas palavras originárias.

TERCEIRO CRITÉRIO: USO

“[...] baseia-se na prática de bons autores. Pela constante divergência na prática deles, é dos critérios o mais precário e o mais difícil de sistematização, principalmente quando se afasta da pronúncia e da etimologia.” (Bechara)

QUARTO PRINCÍPIO: TRAÇOS DISTINTIVOS

Este critério se baseia em elementos fonéticos e etimológicos com preocupação em distinguir graficamente os vocábulos homônimos.

PRINCIPAIS QUESTÕES RELACIONADAS Á ORTOGRAFIA

DO SÉC. XV - XX A Ortografia do Português no Século XV

Verifica-se, neste período, a fixação das línguas românicas. Percebem-se alguns procedimentos no sentido de explicar e normatizar a ortografia: a) tentativa de fixação da ortografia portuguesa e; b) preocupação em imprimir um texto mais próximo da fonética, ou seja, reprodução fiel dos sons da fala.

A Ortografia do Português no Século XVI

O aumento do prestígio das línguas nacionais e da publicação nestas línguas trouxe a necessidade de regularização da ortografia destes idiomas.

Dois modelos foram cogitados: o fonético e o etimológico. A adoção do modelo fonético (um símbolo para cada som) apresentava um considerável problema: a língua nunca é a mesma em todas as regiões e dialetos. Um sistema ortográfico que levasse em conta apenas o aspecto sonoro forneceria várias possibilidades ortografias distintas.

O outro critério cogitado foi a aplicação de uma ortografia etimológica baseada na escrita da antiguidade clássica, no caso do português, o latim. A dificuldade seria que, muitos fonemas da língua de origem já haviam deixado de soar, ou soavam diferentemente.

A Ortografia do Português no Século XVII e XVIII

Este período caracteriza-se por tentar mediar a ortografia fonética de João de Barros com a ortografia etimológica de Duarte Nunes de Leão.

Os gramáticos assumem uma posição moderada em relação à ortografia que, de acordo com Álvaro Ferreira de Vera, deve-se fazer de acordo com a ortografia etimológica, mas também se pode fazer de outro modo, conforme o uso do povo, ou seja, segundo a ortografia fonética.

João de Morais Madureira Feijó é o responsável pela primeira obra de importância a tratar da ortografia no século XVII: a “Orthographia, ou Arte de escrever, e Pronunciar com Acerto a Lingua Portuguesa”, de 1739. Sua defesa por um modelo de ortografia etimológica se contrapõe a visões de autores como Álvaro Ferreira de Vera, Bento Preyra e Joao de Franco Barreto, que defendem uma ortografia fonética.

O certo he que lendo nos Auctores as palavras Acto, Dicto, Digno, Damno, Prompto, &c.como vemos as letras, com que escrevêraõ, mas não ouvimos o som, com que pronunciáraõ, huns lem, e pronunciaõ como sabios, louvaõ e imitaõ; outros lem, e pronunciaõ como nescios, estranhaõ e reprovaõ. E menos mal he que estes aprendaõ a pronunciar com acêrto para escreverem sem erro, do que lançarmos fóra as regras do Orthographia, para nós escrevemos como elles pronunciaõ; porque daqui se seguem estes inconvenientes (sic). (FEIJÓ, 1739, p. 13-14)

A Ortografia do Português no Século XIX

O século XIX caracteriza-se por uma maior preocupação não apenas em impor regras ortográficas, mas também com os princípios filosóficos inerentes à gramática.

Neste período, os principais pontos defendidos pelos gramáticos são:

a) Descrição detalhada do sistema fonético português; b) Regularização da grafia dos ditongos orais, os quais eram

grafados com i, e ou y representando a semivogal /y/ e as letras o ou u representando a semivogal /u/;

c) Regularização da grafia dos ditongos nasais, os quais passariam a ser grafados sempre com til, sendo a semivogal /u/ representada sempre pela letra o, ao passo que a semivogal /y/ passaria a ser representada por e depois de o e e, e por i depois de a e u;

d) Recomendação do uso das letras e e o para representar respectivamente, as vogais ambíguas (finais pós-tônicas) que soam como e e como u;

e) Recomendação do uso do trema sempre que a vogal u soar depois das consoantes q e g antes de outra vogal e na primeira vogal dos hiatos, quando estes não forem acentuados na segunda vogal;

f) Manutenção do uso da letra h inicial somente quando a origem da palavra o exigir. As palavras portuguesas passam a ser escritas sem h inicial;

g) Manutenção do uso da letra y exclusivamente nas palavras de origem grega, ficando proibido seu uso nos ditongos;

h) Manutenção, de acordo com a etimologia, do uso dos grupos ph, rh e th;

i) Proscrição do uso da letra k e do grupo ch, os quais passam a ser substituídos pela letra c ou pelo dígrafo qu;

j) Tentativa de regularização das letras g e j, antes das vogais e e i;

l) Tentativa de regularização do uso da letra x.

Verifica-se ainda forte simpatia pela ortografia baseada em princípios etimológicos, conforme pode ser percebido em “Orthographia Portugueza”, de 1860, de José Feliciano de Castilho

“Para escrever etymologicamente não é preciso que o escriptor saiba latim, mas que saiba a sua língua como os doctos lha houverem ensinado.” (p. 84)

A Ortografia do Português no Século XX

O século XX caracteriza-se por uma série de acordos ortográficos. A maior dificuldade é a fixação de um sistema ortográfico para os países de língua portuguesa.

Em 1986, Brasil e Portugal decidem por uma ortografia unificada para os países de língua portuguesa. Para isso, é criada uma comissão constituída por representantes de cada país lusófono. O acordo foi assinado em 1990, ratificado em 1991 e passou a vigorar em janeiro de 2009.

BIBLIOGRAFIABARROS, João de. Gramática da língua portuguesa (Org. José Pedro

Machado). 4. ed. Lisboa, 1957. BECHARA, Evanildo. Em demanda dos enlaces na sistematização ortográfica.

In: SILVA, Maurício (org.). Ortografia da língua portuguesa: história, discurso, representações. São Paulo: Contexto, 2009.

CASTILHO, João Feliciano de. Orthographia portugueza. Rio de Janeiro, 1860.

FEIJÓ, J. de M. Madureira. Ortographia, ou arte de escrever, e pronunciar com acerto a lingua portugueza. Lisboa: Officina de Miguel Rodriguez, 1739.

LEÃO, Duarte Nunes de. Ortografia e origem da língua portuguesa (Org. Maria L. C. Buescu). Lisboa: Imprensa Nacional, 1983.

OLIVEIRA, Fernão de. A gramática da língua portuguesa (Org. Maria L. C. Buescu). Lisboa: Imprensa Nacional, 1975.

TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. 3. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1987.

Os acordos ortográficos: breve histórico

A Academia Brasileira de Letras, na primeira década do século, em 1907, ensaiou o primeiro projeto de reforma e simplificação da ortografia. Encabeçada por Medeiros e Albuquerque, a proposta, que foi complementada em 1912, recebeu muitas crítica e pouca adesão no próprio seio da instituição.

Portugal - 1911 A mudança de monarquia para república, em

1910, além das mudança políticas proporcionaram mudança da ortografia. Em 1911, uma comissão de filólogos chefiada por Gonçalves Viana foi nomeada com o intuito de estudar a adoção de uma ortografia simplificada que, depois de concebida, ficou conhecida como Nova Ortografia e entrou em vigor oficialmente em 1916, em Portugal e por instrumento legislativo daquele país.

O Brasil e o Acordo de 1911 Diante do fracasso do projeto de reforma

de 1907, o Brasil ficou à parte da reforma portuguesa de 1911, embora Mario Barreto tenha se manifestado favorável à adotação da proposta portuguesa. Segundo SILVA, a própria ABL aceita um parecer que torna oficial a Nova Ortografia no Brasil, mas que, em 1919, é revogado.

O êxito do projeto de Portugal fez emergir a idéia de que as ações relacionada às questões ortográfica deveriam ser em conjunto com ambos os países lusófonos. Arquitetou-se, entre a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras um acordo ortográfico que unificaria a grafia em ambas as margens do Atlântico na linha do decreto-lei português de 1916. Foi deste esforço conjunto que surgiu o Acordo Ortográfico de 1931. Por meio de dispositivos legais, o acordo de 1931 foi aceito tal como como ocorreu em Portugal em 1911. O Brasil fez valer o acordado através de dois decretos-lei: o 20.108, de 15/06/1931 e o 23.028, de 02/08/1933 e, em Portugal, a nova ortografia teve vigência epla Portaria n.º 7.117, de 27/08/1931.

SIMPLIFICAÇÃO E UNIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA

A Academia das Ciências de Lisboa publica seu Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa em 1940. Três anos depois, a Academia Brasileira de Letras traz à luz o seu Vocabulário. Os dois documentos revelaram divergências significativas entre as variantes portuguesa e brasileira do idioma. Portugal, inicalmente, continuou com o Acordo de 1931 e o Brasil seguiu o Formulário Ortográfico de 1943.

O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1945

Após longos trabalhos entre as duas Academias surge o Acordo Ortográfico de 1945. O decreto n.º 35.228 dá vigência em Portugal ao Acordo a partir de 01.01.1946. O Acordo entra em vigor no Brasil pelo decreto-lei n.º 8.286, de 05/12/1945.

Em Portugal, o Acordo de 1945, com as modificações dadas por lei em 1973, foi a base da ortografia até a entrada em vigência do Acordo de 1990, em 2009. No Brasil, o Acordo teve vigência até 1955. A lei federal do Brasil nº 2.623 de 21/10/1955 retorna ao formulário de 1943. Vale ressaltar que este formulário foi vigente até 2008, sofrendo modificações apenas em 1971 no que se refere à acentuação gráfica. Embora tivesse vigência legal, o Acordo de 1945 nunca teve aplicação efetiva no que diz respeito às atividades institucionais com as quais a língua se relaciona.

BIBLIOGRAFIA ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Lisboa,

16 de Dezembro de 1990. Disponível em: http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog90.pdf Acesso em: 20/06/2009.

CUESTA, Pilar Vázquez e LUZ, Maria Albertina Mendes da. Gramática da Língua Portuguesa. Edições 70; Lisboa, 1971. p. 339-340.

DECLARAÇÃO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA - VII CONFERÊNCIA DE CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, Lisboa, 25 de Julho de 2008.

FOLHA DA NOITE. 14/05/1931. O Accôrdo orthographico movimenta os intellectuaes paulistas. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/ ilustrada_14mai1931.htm Acesso em: 20/06/2009.

PROTOCOLO MODIFICATIVO AO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Praia, 17 de Julho de 1998.

SEGUNDO PROTOCOLO MODIFICATIVO AO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA - CONFERÊNCIA DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. São Tomé, 26 e 27 de Julho de 2004.

SILVA, Maurício (org.). Ortografia da língua portuguesa: história, discurso, representações. São Paulo: Contexto, 2009.

________. Reforma Ortográfica e nacionalismo lingüístico Disponível em: http: //www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)58-67.html Acesso em: 16/06/2009.

________. Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - o que muda, o que não muda. São Paulo: Editora Contexto, 2008.