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SANDRO VIEIRA GOMES
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NUMA VILA COLONIAL LUSO-BRASILEIRA
ANTONINA - 1808
Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica, requisito parcial para obtenção de grau de bacharel no Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profº Magnus Roberto de Mello Pereira.
CURITIBA 2004
A cidade colonial fornece subsídios para a construção de um passado que não se reduz à
dicotomia entre senhores e escravos, entre a casa-grande e senzala, pois ilumina o cotidiano de
outros segmentos sociais, homens livres pobres, libertos, vadios. Ronaldo Vainfas
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................v
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................1
2 A “COSTA DO OURO E PRATA” E A BAÍA DE PARANAGUÁ....................6
3 O LITORAL DE GUARAPIROCABA E A FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DO PILAR DA GRACIOSA...........................................................10
4 AS GUERRAS DO SUL E A VILA ANTONINA.............................................13
5 AS RIQUEZAS DA TERRA DA BAÍA DE ANTONINA.................................17
6 DA DISPERSÃO À UNIDADE CAPELISTA...................................................19
7 ENTRE A CAPELA, O MAR E O CAMPO.......................................................23
8 TABERNEIROS, NOBRES E PLEBEUS..........................................................27
9 UMA VILA LUSO-BRASILEIRA.....................................................................39
10 O ANTIGO REGIME E A CIDADE COLONIAL.............................................46
ANEXO 1 – PLANTA CADASTRAL DE LOTES URBANOS....................50
ANEXO 2 – DÉCIMA URBANA.....................................................................52
ANEXO 3 – LISTAS NOMINATIVAS...........................................................54
APÊNDICE 1 – TABELAS DE DADOS.........................................................57
APÊNDICE 2 – PLANTAS HIPOTÉTICAS DE ANTONINA EM 1808....77
FONTES.............................................................................................................87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................89
iii
LISTA DE TABELAS E PLANTAS
1 TABELA 1 – ALUGUEL, COBERTURA, ORIGEM, POSTO MILITAR
E CIVIL....................................................................................................57
2 TABELA 2 – ESCRAVARIA E OCUPAÇÃO.......................................60
3 TABELA 3 – SEXO, COR, ESTADO CIVIL E IDADE........................63
4 TABELA 4 – VALOR DO ALUGUEL E TIPO DE COBERTURA......66
5 TABELA 5 – POSTOS MILITARES E ECLESIÁSTICOS...................67
6 TABELA 6 – OFÍCIOS NA CÂMARA..................................................68
7 TABELA 7 – ORIGEM E ESCRAVARIA.............................................69
8 TABELA 8 – OCUPAÇÃO.....................................................................70
9 TABELA 9 – SEXO E COR....................................................................72
10 TABELA 10 – ESTADO CIVIL E IDADE.............................................73
11 TABELA 11 – TODAS AS VARIÁVEIS...............................................74
12 PLANTA 1 – COBERTURA E ALUGUEL ARBITRADO...................77
13 PLANTA 2 – MILITARES E SACERDOTES.......................................78
14 PLANTA 3 – CARGOS NA CÂMARA.................................................79
15 PLANTA 4 – OCUPAÇÃO.....................................................................80
16 PLANTA 5 – PLANTEL DE ESCRAVOS.............................................81
17 PLANTA 6 – ORIGEM...........................................................................82
18 PLANTA 7 – COR...................................................................................83
19 PLANTA 8 – SEXO................................................................................84
20 PLANTA 9 – IDADE..............................................................................85
21 PLANTA 10 – ESTADO CIVIL.............................................................86
iv
1
INTRODUÇÃO
Espaço privilegiado para a análise da composição, organização e dinâmica da
sociedade colonial na América Portuguesa, a cidade ensejou, ao longo dos anos,
inúmeros estudos. Reflexo da complexidade inerente ao tema, autores de diversas
épocas e diferentes posturas teórico-metodológicas procuraram dar conta de explicar
seus principais aspectos econômicos, políticos, militares e simbólicos.
Nos anos 30, a preocupação em pontuar as particularidades e especificidades do
Brasil, levou Sérgio Buarque de HOLANDA a refletir, entre outras questões, sobre a
singularidade da cidade colonial brasileira, distinguindo-a do modelo de cidade
implantado pelos espanhóis nos territórios americanos sob o seu domínio. Inserida na
linha do movimento modernista brasileiro e buscando evidenciar as mazelas do país em
suas raízes históricas e culturais, “Raízes do Brasil” aponta a “herança rural” como uma
das causas do malogro da experiência urbana no Brasil. Vivendo sob uma “ditadura dos
domínios rurais”, as cidades coloniais ficariam relegadas a um segundo plano, simples
local de passagem sem forma definida, refletindo o descompromisso formal do colono
português, prático e imediatista1.
Seguindo a trilha aberta por Capistrano de Abreu, autor que buscava a
construção e inserção do “povo brasileiro” na história nacional, HOLANDA aprofunda
com grande sensibilidade e erudição as críticas dirigidas à sociedade oligárquica,
ruralista e personalista que já vinham sendo feitas ao longo dos agitados anos 1920 e
que culminaram no movimento de 1930. Vivenciando as primeiras greves operárias, as
movimentações militares do tenentismo e os conflitos urbanos daí resultantes, buscando
seus principais referenciais teóricos no historicismo alemão e na sociologia weberiana,
Sérgio Buarque constrói suas reflexões a partir da dicotomia de tipos ideais, entre os
quais estariam o semeador e o ladrilhador, opondo o português ao espanhol. Ao
contrapor a “racionalidade” da cidade colonial hispânica ao “desleixo” verificado na
experiência urbana da América Portuguesa, Sérgio Buarque pontuava a diferenciação
entre a ética do “trabalhador” e a ética da “aventura”, buscando evidenciar o modo pelo
qual a experiência colonial desenvolveu uma distinção no interior da cultura ibérica.
José Carlos REIS, analisando os clássicos interpretativos da identidade nacional,
situa Sérgio Buarque de Holanda enquanto um modernista e, como tal, adepto de um
novo Brasil e uma “nova mentalidade” menos rural e mais urbana.
1 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. S. Paulo, Cia das Letras: 1995, p. 93-138.
2
O olhar de Sérgio Buarque de Holanda sobre o passado brasileiro é a do homem urbano, recentemente emergente. É o do homem médio das cidades, que teme a violência conservadora dos senhores rurais e a violência revolucionária do escravo ressentido. Seu desejo é o de uma organização racional da sociedade, onde todos possam encontrar o seu lugar e se exprimir em sua originalidade segundo regras universais e consensuais. Um mundo sem senhores e sem escravos, habitado por cidadãos
2.
Assim, a maneira pela qual Sérgio Buarque constrói e analisa a dicotomia entre
o semeador e o ladrilhador deixa implícita sua concepção dialética e historicista, sua
simpatia pelo grande movimento de renovação cultural inserido no interior do
modernismo e sua posição política visivelmente favorável ao regime democrático. Para
ele, o individualismo e o clientelismo político brasileiro eram frutos de nossas raízes
históricas, de nossa experiência enquanto sujeitos históricos.
Sem desconsiderar a originalidade do seu pensamento e de sua obra, ao enfatizar
a questão da “herança rural” e o peso que ela exercia sobre a cidade brasileira, Sérgio
Buarque de HOLANDA insere-se numa historiografia renovadora para sua época, mas
hoje considerada tradicional e situada ao lado das produções clássicas de Gilberto
FREYRE e Caio PRADO JÚNIOR, entre outros autores. Isso porque, embora se tratem
de autores portadores de concepções teóricas distintas, ambos pontuam a papel da
família rural como o grande centro político, econômico e cultural da colônia em
detrimento da vida urbana. De um modo geral, nessas abordagens a cidade colonial é
encarada como algo precário, improdutivo, sem planejamento e subordinado ao núcleo
principal de poder: o meio rural.
Apesar da inovação que tais estudos representaram para a historiografia
brasileira, seja pela adoção de novos referenciais teóricos, seja pelo grande talento
literário, ao realizar grandes sínteses interpretativas do Brasil esses autores deixaram
inúmeras lacunas e contradições.
Até meados do século XX, nenhuma obra de vulto fez uma análise específica
sobre o fenômeno urbano no período colonial. Nessa época, alguns estudos tangenciam
questões relativas à cidade colonial sem, no entanto, situá-la como o objeto central de
suas investigações. Já a partir das décadas de 1950 e, sobretudo 1960, o intenso diálogo
travado entre a história e as ciências sociais e a proliferação de estudos de história social
sustentam novas formas de abordar a questão da cidade colonial brasileira. Desta época
2 REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 122.
3
temos, como exemplos, as obras de Nelson OMEGNA3 e Nestor Goulart REIS FILHO,
ambas colocando em primeiro plano questões relativas ao espaço urbano, sua estrutura e
sua composição, a primeira mais afinada com a sociologia urbana mas ainda muito
marcada pela constatação da dominância rural sobre a cidade, e a segunda já acentuando
questões em torno da política urbanizadora e a organização espacial.
Ambas as obras, no entanto, sugerem formas de comportamento estamental
dentro do espaço urbano colonial brasileiro. Nesse sentido, Nestor Goulart Reis Filho
coloca que
os centros urbanos representavam uma justiça, uma ordem, em conjunto de instituições, aos quais se ligavam os colonos, por suas origens, por sua situação social. Essa identificação era fundamental para a sobrevivência do sistema colonial, tanto no que se refere aos interesses da Coroa, como no que se refere aos interesses do colono nesse processo. Todas as suas atenções estão voltadas para os centros urbanos; neles, faz sua afirmação individual perante o grupo, como empresário e como branco4.
Assim, trazendo algumas reflexões que seriam posteriormente melhor
examinadas, o mesmo autor salienta que, no século XVIII, a política metropolitana
procura submeter as populações coloniais a seu controle reforçando os padrões da
cultura reinol. Por isso, até mesmo os nomes dados às vilas e às ruas, inspirados em
referenciais provindos da Metrópole acabam por substituir a antiga nomenclatura. O
espaço urbano torna-se então um local onde se evidenciam formas de diferenciação
social complexas e por vezes contraditórias. Grupos sociais distintos passam a ocupar
espaços diferenciados na cidade, evidenciando uma espécie de zoneamento urbano
primitivo. Dessa forma, os núcleos urbanos tornam-se agentes da cultura metropolitana
adaptada aos trópicos, espaços de poder e coesão social.
No entanto, em que pese o esforço dispensado por esses autores, pode-se
seguramente afirmar que até pelo menos a década de 1970, o urbanismo colonial foi
uma questão pouco explorada pela historiografia brasileira. De um modo geral, até esse
momento estudos esparsos abordando aspectos distintos da cidade colonial foram
realizados sem a preocupação, ou pelo menos a possibilidade, da consolidação de um
campo teórico e metodológico consistente e bem delimitado.
É só a partir do desenvolvimento da chamada “nova história urbana” que as
principais noções até então consolidadas pela historiografia clássica serão melhor
3 OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Livraria José Olympio Editora, 1962. 5 REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao Estudo da Evolução urbana no Brasil (1500-1720). São Paulo, Ed. da USP, 1968, p. 100.
4
relativizadas e a cidade colonial elevada à condição de objeto merecedor de uma densa
análise historiográfica5. Assim, pode-se situar, sobretudo nos anos 80, com a
disseminação dos cursos de pós-graduação, a grande inflexão verificada na história
urbana a partir da qual a cidade colonial passa a ser encarada como um espaço de poder
crucial dentro da estrutura do Antigo Regime e estudada de forma mais sistemática.
A partir desse momento, grupos de pesquisa de história urbana integrados às
principais universidades brasileiras e em diálogo com o exterior, sobretudo com estudos
realizados em Portugal, passam a desenvolver novos métodos de análise, consolidando
novos conceitos e posturas nessa área até então muito deficiente. Nessa direção, os
estudos mais recentes sobre a cidade colonial brasileira vão procurar rever, entre outras
questões, aquelas relativas à morfologia e à organização do espaço urbano colonial.
Ao afirmar que “o poder político régio tem sempre por sede uma base urbana,
pois é na cidade que se instalam os funcionários civis, militares e eclesiásticos”6,
Francisco J. C. FALCON considera o espaço urbano como o local onde se concentra o
poder político, militar, missionário, comercial e fiscal metropolitano.
Também nessa linha, Maria Fernanda BICALHO defende que, “apesar de
colonial, a cidade é luso-brasileira”. Comparando estudos sobre diversas cidades do
império ultramarino português, a autora destaca a ação de engenheiros militares no
traçado das cidades coloniais luso-brasileiras, desde o século XVI, embora o ponto
culminante do urbanismo colonial seja identificado ao período pombalino. Referindo-se
a remodelação da praça do Rio de Janeiro em 1789, a mesma autora coloca que
“especializavam-se, a partir de então, inscritos na hierarquia espacial do Rio de Janeiro
setecentista, territórios de maior visibilidade do poder, de onde as autoridades
metropolitanas podiam melhor vigiar os mínimos detalhes do cotidiano da cidade, assim
como as atividades, os corações e as mentes de seus habitantes”7.
Esse tipo de abordagem reflete uma tendência que aos poucos vem se
consolidando com a verticalização e especialização crescente, o reconhecimento da
necessidade da articulação e cruzamento entre dados obtidos nas diversas porções do
império ultramarino português, o aperfeiçoamento constante do processo de crítica às
fontes primárias e o adensamento do volume de dados extraídos a partir delas. Sob esse
5 FALCON, Francisco J.C. A cidade colonial: algumas questões a propósito de sua importância político-administrativa (sécs. XVII/XVIII). Anais do I Colóquio de estudos históricos Brasil-Portugal. 6 Ibid., p. 96. 7 BICALHO, Maria Fernanda. O urbanismo colonial e os símbolos do poder. In: Estudos Ibero-
Americanos. PUCRS, v. XXIV, n.1, p. 31-57, junho 1998, p. 55.
5
novo enfoque, a análise da cidade colonial tem propiciado também a relativização da
dicotomia rígida entre metrópole e colônia e a sua substituição por uma perspectiva
mais aberta e flexível, permitindo uma reavaliação do Antigo Regime português.
Atento a essas novas tendências, este pequeno estudo sobre o espaço urbano
colonial de Antonina procura levantar questões à respeito da morfologia, ocupação e
possíveis formas de especialização de determinadas regiões em abrigar diferentes
grupos sociais desta pequena cidade. Partindo do princípio de que, independente da
pressão exercida pelo mundo rural, a cidade é um espaço condensador de várias formas
de poder político, econômico e social, pretende-se analisar basicamente de que maneira
a população se distribui pelas ruas da cidade. Pergunta-se, por exemplo, se as
manifestações de diferenciação social podem ser percebidas na localização dos
domicílios urbanos e são levantadas um série de outras questões ligadas às próprias
estruturas sócio-econômicas específicas desta localidade.
6
A “COSTA DO OURO E PRATA” E A BAÍA DE PARANAGUÁ
Desde o início do século XVI, há notícias da presença de navegadores,
aventureiros e degredados europeus em terras da costa meridional da América
portuguesa. Diários de bordo, cartas e relatos históricos dessa época atestam a passagem
e a chegada de expedições, entradas e naufrágios, bem como a ocorrência de fatos
memoráveis naquela região.
De 1516, por exemplo, temos informação da expedição de Juan de Solis para a
ilha de Santa Catarina, local a partir do qual Aleixo de Garcia teria dado início a uma
trágica entrada pelos territórios da América em busca de riquezas minerais. Anos
depois, em 1530, seria a vez dos irmãos Martim Afonso e Pero Lopes de Sousa
percorrerem o litoral sul brasileiro até o Rio da Prata. Sabe-se que dessa expedição
fizeram parte Francisco Chaves e Pero Lobo, membros de mais uma aventura pelo
sertão iniciada a partir do litoral vicentino. Por fim, em 1549, a presença do náufrago
alemão Hans Staden na barra do Superagüi legaria para a história as primeiras notícias
sobre a baía de Paranaguá. Segundo Hans Staden, nessa época, colonos de São Vicente
e Cananéia já freqüentavam a região8.
Assim, quando da criação da primeira vila do Brasil, em São Vicente, no ano de
1532, toda a costa sul da colônia portuguesa na América já era percorrida por
embarcações portuguesas e espanholas. Com finalidades variadas, como buscar
riquezas, descobrir e explorar novos territórios, difundir a fé cristã, conquistar fama e
prestígio junto aos monarcas ibéricos, navegadores lusos e castelhanos navegavam pelas
bordas ocidentais dos mares do atlântico sul tendo como um de seus rumos certos o
continente americano.
No Novo Mundo, desde cedo as notícias da existência de um reino rico em
metais preciosos deslocou os interesses dos colonizadores para as margens do rio da
Prata e, mais amplamente, para toda a região sul da América portuguesa, cujos limites,
na época, não estavam muito bem demarcados. Segundo M. RITTER, “desde o
descobrimento do rio da Prata, o litoral de São Vicente em direção sul – a costa do ouro
e da prata – era visitada principalmente por espanhóis, atraídos pelas notícias da
existência de riquezas minerais na região”9.
8 CARDOSO, Jayme A. & WESTPHALEN, Cecília M. Atlas histórico do Paraná. Curitiba: Sec. Cultura, 1981, p. 26-30. 9 RITTER, Marina de Lourdes. A mão-de-obra indígena e o ouro no sul do Brasil. In: Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná V. XXXVI – 1979, p.125.
7
Se, por um lado, os espanhóis se anteciparam aos portugueses na conquista de
Potosí, a grande mina dos Andes peruanos, nem por isso esses se desinteressariam de
buscar formas alternativas de acesso à prata espanhola ou de marcar sua presença e
soberania no litoral meridional do Brasil. De fato, a “Costa do Ouro e Prata” já era palco
de disputa das duas potências ibéricas desde meados do século XVI.
O período de união das coroas ibéricas, no entanto, além de promover uma
aliança entre os dois impérios, propiciaria o livre trânsito de naturais de ambos os reinos
nas duas porções de seus territórios coloniais, naquele momento unificados. Esse
elemento torna-se importante para a compreensão dos fatores que contribuíram para a
ocupação, povoamento e exploração de riquezas nas terras baixas da costa sul brasileira.
Nesse sentido, BALHANA, MACHADO e WESTPHALEN nos ensinam que
“os anos de 1580 a 1641 seriam particularmente auspiciosos para o desenvolvimento de
estreitas relações comerciais entre portugueses da Bahia, Rio de Janeiro e São Vicente,
com os espanhóis de Buenos Aires e, pois, para a maior freqüência ao litoral sul”10.
Em meio à “Costa do Ouro e Prata”, os colonizadores se defrontaram com uma
grande reentrância do litoral brasileiro. Realmente, com a condição de ser a maior baía
do Brasil e a que mais avança em direção ao continente, a baía de Paranaguá mostrou
ser um local privilegiado para a exploração e colonização do Brasil meridional11. Desta
forma, a partir de fins do século XVI, época da União Ibérica, registra-se uma onda
migratória espontânea e ascendente do litoral vicentino para aquela região12.
O que motivava os bandeirantes e sertanistas paulistas era, sobretudo, o ávido
desejo de conquistar braços indígenas para o trabalho na lavoura. Sabe-se que, apesar de
ser desde logo proibida por decisão da Igreja Católica, a escravidão vermelha atraiu os
bandeirantes paulistas para vastas regiões da colônia, entre as quais estariam as terras da
baía de Paranaguá, povoada pelos índios carijós.
No final do século XVI moradores de São Vicente, Santos e São Paulo, alegando a necessidade de renovação de escravaria, solicitaram autorização do Cap. mor de São Vicente para fazerem guerra de prea aos carijós na região de Paranaguá. Planejavam organizar expedições caçadoras de índios em territórios paranaenses e catarinenses e, ao mesmo tempo, advertiam ao Capitão mor que, se ele discordasse, abandonariam a terra e iriam viver onde tivessem “remédio de vida”, uma vez que não poderiam sobreviver sem a mão-de-obra escrava. O
10 BALHANA, Altiva Pilatti; PINHEIRO MACHADO, Brasil & WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná. Vol.1. Curitiba: Grafipar, 1969, p. 25-26. 11 Segundo Jair MEQUELUSSE, a baía de Paranaguá avança “cerca de 50 quilômetros terra adentro até encontrar os contrafortes da Serra do Mar...”. 12 De acordo com J. MEQUELUSSE, através de canais de comunicação marítima existentes – como o varadouro – colonos vicentistas vindos de Cananéia atingiam a ilha de Superagüi e a baía de Paranaguá.
8
Capitão mor Jerônimo Leitão, que se destacara na luta contra os tamoios no Rio de Janeiro, tupiniquins e carijós no Vale do Tietê, não somente deferiu o pedido como colocou-se à frente da bandeira escravizadora13.
Desta forma, já a partir de 1585, as primeiras bandeiras preadoras de índios
atingiam a baía de Paranaguá. Depois de Jerônimo Leitão, seria a vez de Jorge Correia,
em 1594, e Manoel Soeiro, no ano seguinte.
Mas não só a caça ao índio levava os colonos a migrarem para tão distantes
territórios. De um modo geral, a busca de riquezas e metais preciosos sempre fora um
dos objetivos principais dos primeiros exploradores. O desejo de enriquecimento rápido
através da descoberta de riquezas minerais estava muito ligado aos ideais e ao próprio
imaginário ibérico da época. Assim, a miragem dos metais preciosos também foi fator
decisivo na conquista, exploração e colonização das terras do litoral parnanguara. E a
partir da descoberta de pequenas quantidades de ouro de aluvião no leito de alguns rios,
paulistas, vicentinos, mineradores e aventureiros foram atraídos para os recôncavos da
baía de Paranaguá.
Nesse momento, oficiais da Capitania real do Rio de Janeiro passariam a
redobrar suas atenções em relação àquela paragem, realizando visitas e enviando
autoridades. Segundo BALHANA, MACHADO e WESTPHALEN, “em 1648, o
governador do Rio de Janeiro, tendo notícia de descobrimento de ouro em Paranaguá,
para lá enviou Heliodoro Ébano, o qual, segundo a patente que lhe passou, tinha grande
experiência e prática daquele sertão e serras (de Paranaguá), por já ter feito essa jornada
“primeiramente”14.
É nesse contexto que compreende-se a fundação da vila de Nossa Senhora do
Rosário de Paranaguá, no ano de 1648. Isso significava a emancipação política de uma
povoação que vinha se formando desde pelo menos fins do século XVI e que, agora, em
virtude das novas possibilidades de existência de grandes riquezas nos territórios
circunvizinhos, passava a ter elevada a sua condição no interior da colônia.
A partir desse momento, a vila de Paranaguá passa a ser o principal pólo de
povoamento da região. Em decorrência das enormes dificuldades relacionadas às
precárias vias terrestres da época, o bom acesso ao mar desta vila facilitaria o
desbravamento de toda a baía.
13 RITTER, op. cit., p.123. 14 BALHANA, MACHADO & WESTPHALEN, op. cit., p. 31.
9
Conforme aponta Jair MEQUELUSSE,
Sendo o litoral entrecortado pela baía, a vila de Paranaguá situava-se em condição favorável para centralizar o povoamento da região, uma vez que a precariedade, a inexistência mesmo, de caminhos terrestres fez com que a penetração da região se realizasse via marítima, através das águas internas, localizando-se a população às margens da baía ou dos vários rios que deságuam na baía15.
Data dessa época a concessão das primeiras sesmarias no litoral de
Guarapirocaba16 concedidas pelo Capitão-mór Gabriel de Lara17 a seus companheiros de
campanha, Pedro de Uzeda, Manoel Duarte e Antonio de Leão, “homens bons” da
governança da vila de Paranaguá.
Segundo nos informa Ermelino de LEÃO,
Além das sesmarias contornando a ilha de Guarapirocaba e abrangendo o curso inferior dos rios Nhundiaquara, Inferno (hoje S. João), Jacarehy, eram as catas e as faisqueiras d’ouro, aqui e acolá que iam contribuindo para devassar os recessos da bahia e dos multiplos rios que lhe são tributários. As lavras mais ricas, no alto curso do Nhundiaquara, nos rios da Faisqueira, do Inferno (S. João) do Itassepitanduva, do Picão, do Guarumby, do Pinto etc. attrahiram por momentos grandes nucleos de população: mineiros, cavoqueiros, indios da Companhia das Minas, aventureiros, contrabandistas que affluiam às paragens das minas ao aceno da miragem dos El-Dorados e que levantavam acampamento, logo que minguava o precioso metal de beta ou lavagem colhido nas bateias18.
Desta forma, a mineração desencadeou o primeiro movimento povoador do
litoral de Paranaguá e regiões próximas, animando as autoridades a ponto de levá-las à
criação de uma capitania autônoma, a Capitania de Paranaguá, em 1660.
Passados alguns anos, no entanto, os resultados dessa que teria sido a primeira
experiência colonizadora realizada na localidade mostraram-se catastróficos. De fato,
em fins do século XVII, os grupos indígenas já tinham praticamente desaparecidos do
litoral e as minas, tão cobiçadas, jamais foram encontradas. Enfim, a região, em cujo
sucesso muitos acreditaram, entrou em crise pela escassez de suas principais riquezas.
15 MEQUELUSSE, Jair. A população da vila de Paranaguá no final do século XVIII. Dissertação de mestrado. Curitiba: UFPR, 1975, p. 11. 16 Guarapirocaba era a expressão indígena para designar a enseada situada à barra do rio Cubatão. Ermelino de LEÃO nos ensina que, embora o termo seja normalmente traduzido como lugar de muita pegada de guará, a expressão provavelmente derive da composição entre guará – enseada – e piassaba – caminho, porto –, pois esse era um dos locais por onde se realizavam as comunicações entre a baía de Paranaguá e a Serra do Mar. 17 Segundo RITTER, Gabriel de Lara era paulista, filho do fidalgo espanhol D. Diogo Ordonez de Lara e de D. Antonia de Oliveira. Em 1641, teria descoberto ouro nas encostas da Serra Negra. 18 LEÃO, Ermelino de. Antonina, fatos e homens: Da Edade Archeolithica à elevação à cidade - 1918. Curitiba: Sec. de Estado da Cultura, 1999, p. 28.
10
Restaram, então, aos colonos, nessa época já estabelecidos na região, alguns sítios e
cultivados para a sua subsistência.
Desta forma, ao invés de índios e metais preciosos, a riqueza, ou melhor, a
pobreza da região seria formada pelas lavouras de mandioca, arroz, milho e feijão, além
do pescado, entre outros produtos básicos.
O LITORAL DE GUARAPIROCABA E A
FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR DA GRACIOSA
Nesse quadro desolador, a descoberta do ouro nas Minas Gerais só acentuaria
ainda mais a decadência da região pelo deslocamento das atenções das autoridades
portuguesas para o interior da colônia. Em 1710, a Capitania de Paranaguá era
incorporada à Capitania de São Paulo. Talvez, poderia ter havido mesmo uma dispersão
total das povoações que foram se estabelecendo nos recantos da baía ao longo dos anos
de garimpagem e preação dificultando a ação dos conquistadores portugueses no que se
refere a consolidação de sua hegemonia na região.
Contrariando essa tendência, no entanto, o mineiro e Sargento-mór Manoel do
Valle Porto, português natural de Valongo, casado no Rio de Janeiro com membro da
ilustre família Sousa Coutinho Botafogo, encampando os anseios de um grupo de
moradores vizinhos ao seu sítio no morro da Graciosa19 que alegavam enfrentar muitas
dificuldades para atravessar a baía em direção à Paranaguá a fim de cumprir suas
obrigações religiosas, dá início à ereção de uma capela em louvor à Nossa Senhora do
Pilar20, santa a quem os moradores da localidade rendiam seus pedidos e orações.
Segundo nos informa E. LEÃO21, para a realização de tal intento, o Sargento-
mór Valle Porto teria doado os terrenos necessários à construção da capela, bem como
suas terras adjacentes. Trata-se de uma bela colina às margens da baía, bem como de
todo o seu entorno. Em 1719, após obtida a devida autorização do bispo do Rio de
Janeiro, nesse local, seria elevada a igreja de uma nova povoação. Nesta data, era criada
a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa.
19 Trata-se de uma colina fronteira à ilha da Graciosa (hoje Corisco), na enseada do rio Curitibaiba, na baía de Antonina, extremo interior da baía de Paranaguá. 20 Segundo o Pe. André L. B. ANDRADE, trata-se do primeiro título dado à Nossa Senhora, do ano de 40 d.C. Conforme conta a tradição, nessa época, Nossa Senhora teria aparecido ao apóstolo Tiago Maior na vila de Saragoça, na Espanha, sobre um pilar, sendo considerada, a partir de então, a padroeira da hispanidade. 21 LEÃO, op. cit., p. 34.
11
Poucas são as notícias que dizem respeito a este período da história local. O que
parece certo, no entanto, é que o sentido da ocupação do território da nova povoação
teria ocorrido a partir do maior referencial simbólico de seu cenário, ou seja, a partir do
outeiro da capela. Desta forma, com a cessão de terras por parte de um senhor rural da
região constitui-se um patrimônio religioso, núcleo básico em torno do qual irá gravitar
a vida da freguesia e a ocupação dos espaços pela população.
Em outras palavras, o que se percebe claramente nesta freguesia do século XVIII
é que o casario vai se constituindo em torno do terreno da igreja. Pode-se imaginar com
grandes chances de acerto que, nessa época, as contribuições ao templo seriam feitas
não apenas em troca de benefícios espirituais, mas também de pequenos lotes de terras.
E. LEÃO, citando o Padre Francisco da Borja, pároco da freguesia no ano de
1748, fornece uma breve descrição do que seria o povoado naquele ano: “a Freguesia de
N. S. do Pilar não ia além da colina em que se erigira a egreja: as casas a circundavam e
para o mar somente a fralda do morro [...] apresentava algumas moradas [...]. Além do
campo da matriz, só havia um ou outro sítio”22.
Pelo que foi dito até aqui, alguns elementos revelam o caráter inicial de
ocupação do solo urbano típicos do império português, mais especificamente, da
América portuguesa. Em primeiro lugar, o território onde passaram a ser instaladas as
principais edificações do novo povoado era protegido por uma imensa baía dotada de
locais propícios para a chegada de embarcações. É evidente que isso facilitaria em
muito a defesa da povoação contra possíveis investidas indígenas ou corsárias.
Deve-se também levar em consideração que o estabelecimento de mais um
núcleo povoador na costa marítima era algo bem típico do modo português de atuar em
seus domínios coloniais. Nesse sentido, Sérgio Buarque de HOLANDA, referindo-se ao
caráter mercantil e litorâneo da colonização portuguesa, cita o Frei Vicente do Salvador
que, já no século XVII, constatava viverem os portugueses “arranhando as costas como
caranguejos [...]”23. E completa fazendo referências ao caráter de exploração e mesmo
de feitorização assumido pela colonização lusitana na América.
Na mesma baía de Guarapirocaba, inúmeros eram os rios navegáveis, como o
Cubatão (depois Nhundiaquara), o Faisqueira, o Inferno (depois S. João), o Cachoeira, o
Curitibaiba, entre outros já utilizados pelos primeiros mineiros, preadores de índios e
exploradores. Não é difícil imaginar o quanto essas vias fluviais facilitavam o acesso a
22 Ibid., p. 42. 23 HOLANDA, op. cit., p. 107.
12
uma série de outras regiões da planície litorânea e às encostas da Serra do Mar.
Portanto, a freguesia fora instalada num ponto geográfico estratégico para a penetração
e dominação do interior do continente. Afinal, como bem nos ensina S. HOLANDA, “a
facilidade das comunicações por via marítima e, à falta desta, por via fluvial, tão
menosprezada pelos castelhanos, constitui pode-se dizer que o fundamento do esforço
colonizador de Portugal”24.
As notícias da existência de fontes de água, as amenidades do clima local bem
como a ocorrência de terras propícias à várias culturas tropicais completariam o cenário
vislumbrado pelos pioneiros da ocupação do território da nova povoação.
Em meio a esta paisagem estaria localizada uma porção de terras fronteiras à
costa da baía que passaria a ser escolhida e ocupada pelo povoado que então se formava.
O terreno, levemente acidentado, compreendia alguns charcos e banhados, mas em geral
era favorável à ocupação humana.
Num ponto deste terreno, situava-se, defronte à baía, um pequena colina. Era o
local ideal para a ereção da santa capela. Afinal, o costume de construir templos
religiosos em elevações já era prática adotada pelos portugueses em suas diversas
cidades ultramarinas. Nesse sentido, podem ser tomadas como exemplo as referências
que Maria Fernanda BICALHO faz às informações de Salvador de Sá em relação a
fundação da cidade do Rio de Janeiro.
A cidade do Rio de Janeiro teve seu princípio no monte de que trata o Governador na sua carta [monte do Castelo, onde na época se situava o Colégio dos Jesuítas, a Catedral e o forte de São Sebastião], e depois pela maior comodidade do comércio se foi estendendo pela marinha aonde hoje está quase toda a povoação; porque até os moradores do outeiro se foram passando para baixo, deixando quase deserto aquele sítio, que seus primeiros povoadores escolheram por mais forte, mais defensável e de melhores ares para a saúde25. Assim, percebe-se que o modo como se processa o início da ocupação do espaço
urbano da Freguesia do Pilar da Graciosa não é único. Muito pelo contrário, ele espelha
uma concepção urbanística lusitana típica daquela época.
Analisando as razões que levavam os colonizadores portugueses a erigir os
templos religiosos em elevações do terreno, L. CENTURIÃO26 destaca que esta posição
dava uma maior visibilidade à capela, reforçando seu poder simbólico sobre a
comunidade. Isso facilitava o trabalho de catequização de índios e colonos da região.
24 Ibid., p.104. 25 BICALHO, Maria Fernanda B. op. cit., p. 45.
13
Além disso, devido à instituição do padroado régio e a estreita ligação entre a Igreja
Católica e o Reino de Portugal nos domínios ultramarinos, o destaque dado à capela no
sítio urbano contribuía para reforçar entre os moradores da localidade a idéia da
presença do Estado português na região.
Por outro lado, o mesmo autor coloca que a constituição de uma espaço sagrado
no topo de um outeiro à beira-mar tinha também uma função defensiva. Em última
análise, isso propiciaria uma maior visibilidade das terras e águas de toda a região
auxiliando na tarefa de defesa da povoação contra a hostilidade de índios e corsários.
Desta forma, em caso de guerra ou invasão, os moradores poderiam encontrar refúgio e
segurança na própria capela, onde estariam sob a tutela de sua santa padroeira e
protetora.
AS GUERRAS DO SUL E A VILA ANTONINA
A segunda metade do século XVIII foi um momento decisivo para a
consolidação do empreendimento colonizador em toda a costa sul da América
portuguesa. Nessa época, as acirradas disputas territoriais européias e ultramarinas e a
posição da cidade do Rio de Janeiro como um dos maiores entrepostos marítimo e
comercial do Atlântico Sul deslocaram para as regiões meridionais do Brasil maiores
atenções das autoridades metropolitanas.
Temos notícia de que a disputa pela posse dos territórios compreendidos entre a
baía de Paranaguá e o Rio da Prata datam da época da assinatura do Tratado de
Tordesilhas. Após um período de sessenta anos de trégua, quando da União Ibérica, a
fundação da colônia do Sacramento às margens do estuário do Prata pelos portugueses,
em 1680, deixa evidente as pretensões dos colonizadores lusos em estender seus
domínios até aquela região e, como isso, entre outras coisas, ver satisfeito seus desejos
de acesso às riquezas peruanas e platinas27. Nesse sentido, a partir de 1740, uma política
de distribuição de sesmarias à grupos de açorianos na região meridional da América
portuguesa vinha sendo implementada pelas autoridades coloniais a fim de garantir a
posse daqueles territórios. Mas se a luta pelo domínio daquela região vinha de longa
26 CENTURIÃO, Luiz Ricardo M. A Cidade Colonial no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999, p. 211-266. 27 Além da prata de Potosí, a região platina era rica em couro, gado, muares e erva-mate.
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data, na segunda metade do século XVIII os conflitos recrudesceriam, tomando a
dimensão de uma verdadeira guerra entre os dois impérios ultramarinos ibéricos.
Por um lado, a Guerra dos Sete Anos travada entre franceses e britânicos
acirrava também, por conta de uma série de alianças e acordos políticos, as rivalidades
entre castelhanos e portugueses. Mas o que estava em jogo na América do Sul era o
domínio sobre uma vasta região cujas riquezas permaneciam em parte inexploradas.
As conexões marítimas entre o Rio de Janeiro e a colônia do Sacramento sempre
foram motivo de desconfiança e hostilidade dos castelhanos. Em virtude disso, a colônia
do Sacramento já havia sido diversas vezes invadida, saqueada e conquistada pelos
platinos espanhóis.
Após 1750, mais uma vez o clima de suspeitas e desconfianças mútuas sucederia
a assinatura do Tratado de Madrid, impedindo a cessão da colônia do Sacramento aos
espanhóis, conforme havia sido acordado. Por outro lado, a guerra guaranítica travada
nas Missões do Sul, reduções sob a tutela de jesuítas espanhóis, tornou inviável a
efetivação das disposições do acordo estabelecido para aquela região.
Conforme destaca Andrée Mansuy-Diniz SILVA,
Pombal – o Secretário de Estado da Guerra e dos Negócios Estrangeiros de Dom José I – teve de dar execução a um tratado que não havia negociado nem aprovado. Duvidando de que o Território das Sete Missões fosse realmente cedido, decidiu não transferir a posse de Colônia do Sacramento até que as Sete Missões fossem totalmente evacuadas. De seu lado, a Espanha tinha fortes razões para suspeitar que os portugueses não renunciariam de fato a seus direitos sobre Colônia do Sacramento, um centro do contrabando de prata e estrategicamente importante para o controle do rio da Prata28.
Com o fracasso da diplomacia, os espanhóis tomaram a dianteira no conflito
iniciado na década de 1760 conquistando, além do Sacramento, a vila de Rio Grande e a
ilha de Santa Catarina. Nesse momento, um clima de medo e terror toma conta dos
habitantes e das autoridades em relação à toda a costa sul brasileira. Segundo Ruy
Christovam WACHOWICZ, nesta época “[...] a situação de Paranaguá e das vilas que
dependiam de sua administração judiciária, tornava-se dramática”. O mesmo autor
continua dizendo que “o próximo passo dos espanhóis seria ocupar as baías de São
Francisco e de Paranaguá”29.
28 SILVA, Andrée Mansuy-Diniz. Portugal e Brasil: A reorganização do Império, 1750-1808. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. Vol.1. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 480. 29 WACHOWICZ, Ruy C. População curitibana e paranaense de 1780. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, Ano V, nº 36. Curitiba, 1980, p. 3.
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A fim de melhor defender as porções meridionais de seu império americano, em
1763, os portugueses transferem a capital da colônia para a cidade do Rio de Janeiro
que, ao lado das demais vilas do sul, passaria a ser melhor fortificada e preparada para
um iminente conflito armado.
Data dessa época o grande recrutamento dos habitantes da porção sul da colônia
efetivado pelos capitães-mores das vilas através das chamadas listas nominativas de
habitantes em cumprimento às ordens emanadas do General da Capitania de São Paulo,
Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão30. Tratava-se de um recrutamento dos
contingentes populacionais para fins militares e fiscais. Além disso, fortes foram
estrategicamente erigidos, como a Fortaleza da Barra, na Ilha do Mel, e vilas foram
fundadas no litoral sul, como a vila de São Luiz de Guaratuba, na entrada de uma
pequena baía localizada entre Paranaguá e São Francisco.
Conforme A. SILVA, data desta época a política pombalina de povoamento e
fundação de vilas na região sul da colônia. Nesse sentido, este autor coloca que “na
capitania de São Paulo, Pombal procurou manter a soberania portuguesa sobre os
territórios ocidentais, fundando povoados a cada 50 quilômetros, aculturando os índios e
ensinando-os a trabalhar – em outras palavras, instalando “colônias de vilas e aldeias
completas com juízes, vereadores e autoridades municipais (câmaras) [...]”31.
E esta orientação geral em relação à necessidade da fixação e emancipação
política de núcleos de povoamento no território colonial seria em boa parte seguida
pelos sucessores de Pombal, Martinho de Mello e Castro e Dom Rodrigo de Souza
Coutinho.
No caso específico da baía de Paranaguá, segundo nos informa E. LEÃO, com a
invasão dos castelhanos no sul do Brasil, colonos açorianos são deslocados para as vilas
da região, entre as quais a Freguesia do Pilar da Graciosa, que com isso vê seus
contingentes populacionais aumentados. Nesse sentido, Leão coloca que “apesar de
todas as difficuldades, a Freguesia do Pilar da Graciosa via augmentada a sua
população, mas com o grande recrutamento, procedido nos annos 1770 a 1773, poucos,
os homens validos que restavam entregues aos labores agricolas”32.
De fato, a mobilização verificada a partir de meados do século XVIII e a
movimentação de forças daí decorrentes tiveram um efeito dinamizador para as vilas do
30 Ibid, p. 3-6. 31 SILVA, op. cit., p. 486. 32 LEÃO, op. cit., p. 60.
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sul. Os receios das autoridades em relação a um possível conflito impuseram um regime
de disciplina e trabalho na região que, além disso, viu os seus contingentes
demográficos engrossados. No caso da Freguesia do Pilar da Graciosa, com o
crescimento da população, os moradores passaram a solicitar ao Governador de São
Paulo a ereção da vila, no que obtiveram pleno êxito33.
Antonio Manoel, attendendo ter a freguezia 2300 pessoas de confissão; ser porto de mar frequentado por embarcações que levam os produtos da terra; ser distante de Paranaguá, obrigando aos moradores a percorrer bahias perigosas, com risco da própria vida, para servir nos empregos publicos da Camara; ser a povoação um covil de facinoras, que comettiam mortes, insolencias e desacatos a cada passo, em vista de não haver justiças no lugar; e, finalmente estar conforme com as instruções de 26 de janeiro de 1765 e outras ordens posteriores; resolveu attender ao appello dos povos pela sua portaria de 29 de Agosto de 179734.
A elevação da povoação à categoria de vila trazia vantagens tanto para os
habitantes locais quanto para a metrópole. Os moradores, por um lado, teriam satisfeitos
seus anseios de autonomia política, de bom governo, além de se sentirem mais bem
amparados pela justiça d’El Rei. A metrópole, por sua vez, poderia integrar a povoação
à seu projeto civilizatório em andamento desde a administração pombalina, bem como
alimentar a expectativa de crescimento e desenvolvimento do povoado, aumentando os
rendimentos para a Fazenda real.
Deste modo, pode-se depreender que a necessidade da institucionalização da vila
se fez sentir face à ameaça de dispersão da população local tendo em vista a
instabilidade provocada pelos conflitos externos e internos. Em tal conjuntura, era
preciso reforçar os laços coloniais e implantar um aparelho jurídico-administrativo na
freguesia a fim de que as leis do reino pudessem ser efetivamente cumpridas e
respeitadas. Foi isso o que se verificou, em 1797, com a elevação da Freguesia do Pilar
da Graciosa à condição de Vila Antonina35, a partir desse momento desmembrada de
Paranaguá.
Conforme defende N. REIS FILHO,
[...] A Coroa procura reunir a “população dispersa pelos campos” para submetê-la a seu controle político-administrativo e fiscal, vinculando-a, ao mesmo tempo, aos padrões culturais metropolitanos. Isso foi mais sensível no decorrer do século XVIII, quando se chegou a determinar nomes às vilas, idênticos aos de Portugal e determinar até mesmo os nomes de ruas, para substituir ou impedir o uso de nomes indígenas36.
33 Segundo Cecília Maria WESTPHALEN, a população total da Vila Antonina em 1798 era de 3354 pessoas. 34 LEÃO, op. cit., p. 62. 35 A vila foi batizada de Antonina em homenagem à D. Antonio, príncipe da beira, nascido em 1795 e falecido em 1801, filho de D. João VI e D. Carlota Joaquina. 36 REIS FILHO, op. cit., p. 109-110.
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Levantado o pelourinho37 e determinada a construção da Casa de Câmara e
Cadeia, estava implantada a nova vila. E já no ano seguinte, proceder-se-iam as
primeiras eleições de Antonina.
A RIQUEZA DAS TERRAS DA BAÍA DE ANTONINA
Desde que a garimpagem do ouro e a preação de indígenas refrearam, os
habitantes da baía de Guarapirocaba e região passaram a dedicar maiores energias a
seus cultivados onde eram plantados diversos itens de subsistência. O clima tropical
úmido da planície litorânea logo se mostrou propício ao plantio da mandioca, milho,
feijão e arroz. Seriam essas culturas que perdurariam como os principais itens de
produção da Vila Antonina em fins do século XVIII.
Cecília M. WESTPHALEN, em estudo realizado nos anos 1960, constata que a
produção da vila em 1798 era composta pelos seguintes gêneros, em ordem quantitativa
decrescente: farinha de mandioca, arroz pilado, feijão, milho, arroz em casca,
aguardente, tabaco em rolo, açúcar, couros, algodão, bêtas38, café e madeiras. A mesma
autora, analisando as atividades produtivas da povoação, destaca que a mesma
demonstra tratar-se de um “reduzido elenco de bens pobres, evidenciando a
simplicidade e mesmo o primarismo da sua organização econômica”39.
De acordo com a mesma pesquisa, a maior parte da produção, cerca de 68%, era
consumida na própria vila. O restante, 32%, destinava-se à exportação, sobretudo para o
mercado interno. Os dados apresentados permitem verificar que se trata essencialmente
de uma economia de subsistência, sendo os excedentes produtivos destinados à venda
para o abastecimento interno de alimentos em outras localidades.
Da mesma forma, a análise da ocupação da população produtiva de Antonina no
mesmo ano reforça o caráter incipiente e modesto da economia local. Pelos dados do
estudo já citado, das 1182 pessoas envolvidas em atividades produtivas, 1094 estavam
exercendo ocupações ligadas à terra, como os 480 agricultores, 2 caçadores, 602
escravos, 6 mineiros e 4 pescadores. Para os setores comerciais e de serviços, restava o
módico percentual de 7,45% da população ativa, ou seja, apenas 88 indivíduos, entre os
37 Símbolo da autoridade e justiça local. 38 Conforme o Dicionário da língua portuguesa, de Antonio de MORAIS e SILVA, bêtas eram cordas confeccionadas pelos beteiros para serem usadas pelas embarcações da vila. 39 WESTPHALEN, Cecília Maria. Duas vilas paranaenses no final do século XVIII – Paranaguá e Antonina. Boletim da Universidade do Paraná – Departamento de História. Nº 5. Dez/1964, p. 10.
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quais estavam 7 alfaiates, 9 beteiros, 7 carpinteiros, 2 costureiras, 2 esteireiros, 3
ferreiros, 1 loceiro, 2 oleiros, 1 pedreiro, 4 sapateiros, 17 senhores de engenho, 1 tecelã,
1 alcaide, 1 capitão do mato, 3 eclesiásticos, 2 escrivães, 2 jornaleiros, 22 negociantes, 1
porteiro e 1 professor40.
Na mesma época, Antonina importava panos, chapéus, riscados, farinha de trigo,
sal, toucinho, carne seca, congonhas, tabaco em rolo, vinhos de Lisboa e miudezas em
geral. Segundo C. WESTPHALEN,
O comércio de importação de Antonina realizou-se sobretudo com a Vila de Paranaguá, de onde vieram, certamente redistribuídos, os vinhos de Lisboa, panos de linho, panos de lã, panos de algodão, chapéus de Braga, miudezas, riscados de Santa Catarina, e ainda o sal, de tal maneira que de Paranaguá procedeu 47% do valor total da importação da Vila de Antonina. De São Paulo vieram os panos de algodão, ou seja 19% do valor total e, finalmente, de Curitiba vieram a farinha de trigo, as congonhas, tabaco em rolo, toucinho e carne sêca, ou seja os restantes 34% da importação de Antonina. Quanto ao destino da exportação da Vila de Antonina, temos que todo o arroz pilado, bem como as bêtas, foram enviadas para o Rio de Janeiro, ou seja 39% do valor total da exportação. Para a Bahia foi remetida a farinha de mandioca, ou seja 20% da exportação. Para Santos foram exportados o arroz em casca, couros e madeiras, também na ordem de 20%. Para Curitiba foi exportada a aguardente, ou seja 14% do valor total da exportação e, finalmente, para a Vila de Paranaguá, foram enviados o açúcar, tabaco em rolo, café, milho e feijão, ou seja os 7% restantes do total da exportação de Antonina41.
Percebe-se, pois, que desde essa época, Antonina mantinha relações comerciais
estreitas com a vila de Paranaguá. Sem dúvida, o que muito contribuiu para o
intercâmbio comercial entre as duas localidades foi a boa navegabilidade das águas que
separam as duas povoações. Assim, apesar da simplicidade da estrutura produtiva de
Antonina em fins do século XVIII, a navegação de cabotagem seria um elemento
essencial e dinamizador para a economia local. Afinal de contas, era sobretudo pelo mar
que as comunicações internas e externas à vila eram feitas. Era pela baía que chegavam
e saiam os produtos da terra. A via marítima foi essencial no estabelecimento de uma
rede de intercâmbios entre os sítios, cultivados, fazendas e engenhos situados nos
recantos da baía de Antonina e a vila propriamente dita, bem como entre esta e a vizinha
vila de Paranaguá. Desta forma, o caso de Antonina confirmava um elemento essencial
da colonização portuguesa, ou seja, a sua vocação marítima.
40 Ibid, p.17.
19
DA DISPERSÃO À UNIDADE CAPELISTA
Pelo que foi dito até o momento, pôde-se facilmente constatar que, ao final do
século XVIII, quando da ereção da vila, Antonina apresentava uma estrutura sócio-
econômica bastante primária. Sua produção, essencialmente agrícola, estava direcionada
sobretudo para o abastecimento das próprias unidades produtivas, os domicílios.
Conforme o já citado estudo de Cecília WESTPHALEN, tratava-se basicamente
de uma economia de subsistência com um pequeno excedente agrícola destinado ao
mercado interno. Em se tratando de uma economia incipiente e instável, os produtores
buscavam ao máximo sua auto-suficiência para melhor poder enfrentar os problemas de
abastecimento do mercado da época.
Assim, a grande maioria dos colonos dedicava parte de seus esforços na lavoura.
Mesmo os maiores produtores, os exportadores, os senhores de engenho de arroz ou
açúcar, donos de estaleiros e engenhocas de aguardente, desenvolviam o cultivo e a
produção de itens básicos de subsistência, sobretudo a farinha de mandioca.
Por outro lado, o confronto entre os dados extraídos do livro de lançamento da
décima urbana e das listas nominativas de habitantes, permite inferir para o ano de
1808, o mesmo que C. WESTPHALEN constatou em 1798. Ou seja, a população da
vila de Antonina continuava espalhada pelos vastos domínios rurais. Era no campo que
se concentravam as unidades produtivas, os engenhos, as pastagens e as lavouras de
mandioca, arroz, milho, feijão e café. Em conseqüência disso, os domicílios rurais
concentravam a maioria da população da vila. Mesmo os que detinham posses no núcleo
urbano, em geral permaneciam a maior parte do tempo em suas propriedades rurais.
O capelista Francisco dos Santos Pinheiro, por exemplo, Capitão de Milícias da
vila, tinha uma casa na Rua Direita. No entanto, além de ser proprietário de engenho de
socar arroz, desenvolvia em seus sítios, com o auxílio de dois filhos e três escravos, o
cultivo da mandioca para a produção da farinha consumida em seu próprio domicílio42.
João Ferreira de Arantes, por sua vez, possuía uma casa de morada nesta mesma
rua. Na zona rural, no entanto, era dono de engenhoca de aguardente. Além disso, este
lisboeta produzia também, com a ajuda de sete filhos, uma agregada e onze escravos, o
arroz, o feijão e a farinha que consumia em sua casa43.
41 Ibid., p. 19-21. 42 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 68. 43 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 10.
20
Outro português residente na Rua Direita era Manoel Teixeira de Carvalho. Os 7
escravos que possuía, no entanto, ao que tudo indica, trabalhavam para ele em sua
lavoura responsável pelo suprimento de parte dos insumos consumidos em seu
domicílio44.
Entre os pequenos lavradores é ainda mais fácil verificar que a grande maioria
dedicava-se a agricultura de subsistência. A proliferação de expressões tais como
“planta para seu gasto” e “planta mantimento para seu sustento” nas listas nominativas
da vila pode confirmar a tese. Um deles era Manoel Martins, lavrador de cor parda que
plantava mandioca para o gasto de seu domicílio, formado por ele, sua esposa Izabel e
seus três filhos45.
Muitas vezes, os próprios negociantes, vendeiros e artesãos tinham, ao lado de
suas ocupações principais, suas roças e cultivados. É o caso de Domingos Vieira
Casilhas que, além de negociante, comandava o trabalho na lavoura dos seis escravos
que possuía responsáveis pelo abastecimento de seu domicílio46.
As listas nominativas também deixam transparecer que os sítios, roças,
engenhos, engenhocas e estaleiros encontravam-se espalhados pelos recôncavos da baía
de Antonina, bem como à margem dos rios e córregos que nela deságuam. A propósito,
a maioria dos bairros rurais elencados na lista nominativa de 1801 da vila referem-se ao
nome dos rios formadores da baía de Antonina, entre os quais estavam os rios
Faisqueira, Cachoeira, Curitibaiba, Rio do Pinto e Rio Sagrado. A população da vila,
portanto, encontrava-se dispersa em uma grande área que ia da enseada de
Guarapirocaba, onde Antonina fazia divisa com a vila de Paranaguá, até as encostas da
Serra do Mar47.
Dispersos nessa ampla área geográfica, com uma produção voltada para a auto-
suficiência, um comércio e uma vida civil incipientes, poucas seriam as motivações para
que a população viesse a se concentrar em seu núcleo urbano. Tratava-se, portanto, de
uma sociedade essencialmente rural e dispersa.
Havia, no entanto, um fator decisivo para que a população volta e meia
comparecesse à sede urbana da vila. De fato, o que realmente canalizava um fluxo mais
44 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 93. 45 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 109. 46 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 32. 47 É importante lembrar que, até meados do século XIX, as povoações de Morretes e Porto de Cima faziam parte do território da vila de Antonina.
21
expressivo de pessoas para o espaço urbano era a presença da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Pilar.
Numa sociedade pobre e desmonetarizada, com pouco comércio e tendendo ao
auto-abastecimento, a cooperação mútua, a solidariedade, a integração e o convívio
social eram elementos determinantes para as possibilidades de sobrevivência dos
colonos. Naquele contexto, o indivíduo, isolado, nada representava. As suas condições
de vida, os seus meios de subsistência e as suas posições sociais estavam intimamente
ligadas aos grupos aos quais ele tomava parte, a começar pela família. Nessa sociedade,
os laços de parentesco – consanguíneos ou rituais – eram fundamentais. Deles
derivavam inúmeras relações de aliança entre grupos até a constituição de toda a
comunidade. Desta forma, a vida gregária se impunha a todos, ricos e pobres, nobres e
plebeus, senhores e escravos.
Nessa conjuntura, a Igreja representava o centro em torno do qual gravitavam as
relações sociais, o grande elemento agregador da dispersa população. Afinal de contas,
era nela que os moradores celebravam e lamentavam os fatos marcantes de suas vidas,
como os batismos, os casamentos e os óbitos. Era na capela que os colonos constituíam
suas alianças matrimoniais e seus laços de compadrio, além de prestar sua solidariedade
ao grupo social. Além disso, por ocasião das festas religiosas, as famílias reencontravam
seus parentes, amigos e, mais amplamente, toda a comunidade, reforçando vínculos
afetivos e estabelecendo importantes relações sociais.
Deste modo, face à instabilidade, às incertezas e à precariedade da vida naqueles
tempos, a religião representava o último amparo e a tão almejada proteção espiritual
para a população. Nesse sentido, o espaço sagrado da capela era o grande refúgio dos
habitantes da vila, o recinto no qual podiam se sentir mais seguros frente às ameaças e
dissabores da vida terrena.
Por fim, a presença de um templo católico na região dava aos colonos a
possibilidade do contato com a cultura portuguesa, então dominante. Desta forma,
naqueles tempos, a catolicidade capelista representaria o grande elo comum capaz de
engendrar formas consistentes de sociabilidade e identidade cultural.
Todas essas razões colocavam a Igreja Católica numa posição centralizadora em
relação à sociedade colonial e, ao mesmo tempo, sua sede local como o núcleo central a
partir do qual se constituiria o espaço urbano da vila. No caso de Antonina, este aspecto
foi marcante a ponto de se dar aos naturais e moradores da cidade a denominação de
“capelistas”, alcunha que permanece até os dias atuais.
22
Nesse contexto, a vida citadina tinha um curso intermitente e instável. Era
sobretudo nas épocas e nos dias em que se realizavam festas, missas e celebrações
diversas, normalmente aos domingos e feriados santos, que a cidade ganhava vida e
dinamismo com o afluxo de pessoas vindas do campo. Nesses dias, os colonos
aproveitavam a ocasião para fazer contatos pessoais e realizar algum comércio.
Conforme bem observou N. REIS FILHO em relação às cidades coloniais
brasileiras, de um modo geral,
A população urbana permanente compunha-se de grupos pouco numerosos. Além do funcionalismo – sempre reduzidíssimo – havia um esboço de comércio e alguns oficiais mecânicos, atendendo às necessidades do conjunto, mas contando sobretudo com as possibilidades oferecidas pelo afluxo de população rural em determinadas épocas e com as pequenas necessidades dessa, que a organização dos engenhos não atendia48.
No caso da vila de Antonina, do total de domicílios para os quais as listas
nominativas indicam as ocupações de seus chefes, a metade tinha como suas atividades
principais aquelas ligadas ao campo, enquanto apenas cerca de um terço tinha
ocupações especificamente urbanas49 e cerca de 15%, ocupações tanto no campo como
na cidade. Ou seja, de 64 domicílios urbanos, 32 eram ocupados por senhores rurais e
lavradores, 22 por lojistas, vendeiros e artesãos e 10 combinavam ocupações urbanas e
rurais.
Desta forma, fica evidente a precariedade e o primarismo da vida urbana na
época. O centro da produção estava localizado no campo. A cidade constituía, na
maioria dos casos, a segunda morada da população rural.
Mas em que pese a predominância do mundo rural sobre o mundo urbano, a
cidade colonial condensava a essência da sociedade colonial. Afinal, em seus espaços
estavam representados os mais diversos segmentos sociais. Homens e mulheres das
mais distintas origens e com as mais diferentes ocupações. Além do que a cidade era a
sede do governo local, da municipalidade, centro do poder político e religioso.
48 REIS FILHO, op. cit., p. 96.
23
ENTRE A CAPELA, O MAR E O CAMPO
Como uma típica vila colonial setecentista, a estrutura urbana da cidade de
Antonina formou-se a partir do outeiro da Matriz, referencial maior a partir do qual o
casario iria se estabelecer. Aos poucos, pequenas ruas, becos e travessas iam surgindo,
sempre acompanhando as sinuosidades naturais do terreno sem que se seguissem
maiores rigores formais ou tendências geometrizantes. Como já foi visto, essa forma de
se conceber o espaço urbano era típica do urbanismo medieval que, no caso das cidades
ultramarinas portuguesas, perduraria por longo tempo.
A este respeito, N. REIS FILHO nos ensina que
Os núcleos menores, mais antigos, instalavam-se em sua maior parte, em sítios acidentados, no topo das colinas. Seus traçados apresentavam, então, no conjunto, características de acentuada irregularidade. As ruas adaptavam-se às condições topográficas mais favoráveis, e tendiam a se organizar como ligações entre os pontos de maior importância na vida desses núcleos, sem intenção de ordenação geométrica50.
Assim como em outras cidades coloniais, as casas situadas no núcleo urbano da
vila de Antonina foram ocupando os espaços a partir dos arredores da capela em direção
a outros centros de referência. No caso de Antonina, um conjunto de edificações foi se
formando paralelamente à linha do mar, enquanto outro seguiu a direção apontada pelo
campo da matriz, sentido no qual se fazia a comunicação entre o núcleo urbano e as
regiões interiores do povoado, entre as quais as do rocio da vila.
Ao analisar o arruamento constante no livro da décima urbana da vila de
Antonina de 1808, pode-se claramente perceber esses dois vetores norteadores das
direções geográficas seguidas pelas moradias do povoado. Por mais desordenadas que
pareçam num primeiro momento, um exame mais atento da localização das ruas,
ladeiras e travessas evidencia que a partir da colina da capela, o mar e o campo
passaram a se constituir como os outros dois pólos de referência para o
desenvolvimento da povoação.
Assim, por um lado, partindo do outeiro da igreja e acompanhando a costa da
baía, pode-se verificar uma conjunto contínuo de casas dispostas na seqüência formada
pela Ladeira da Matriz e pela Rua Direita, sendo esta um prolongamento daquela. Em
certo trecho da Rua Direita, possivelmente ao final dela, tinha-se acesso à Travessa para
o mar. Assim como em um determinado ponto da Ladeira da Matriz, podia-se acessar a
49 Estou considerando o comércio e os pequenos serviços como ocupações essencialmente urbanas.
24
Rua da Fonte. Ambas as ruas seguiam o sentido indicado pela linha fronteiriça aos
terrenos da marinha.
No entanto, se ao sair da colina da capela a intenção fosse acessar as porções
internas do território da vila, o trajeto seria percorrido seguindo pela Rua do Campo e, a
partir de um determinado local, provavelmente ao fim dela, pela Travessa para o campo.
Esse era o percurso que possibilitava o acesso de moradores às terras de dentro, ou seja,
distantes da encosta marítima. Essa era a região dos campos: Campo da Matriz, Campo
do Saivá e assim por diante.
Seriam, pois, essas as vias formadoras do pequeno núcleo urbano da vila de
Antonina no ano de 1808 percorridas pelo agente fiscal da Ouvidoria da Comarca de
Paranaguá. Por menor que fosse a cidade naquela época, a irregularidade do traçado das
ruas e travessas, a plasticidade da morfologia urbana visando se adaptar aos acidentes
naturais do relevo local e o pragmatismo inerente a esse tipo de experiência urbanística
revelam tendências próprias da forma portuguesa de conceber a cidade.
Sérgio Buarque de HOLANDA, aliás, há muito tempo destacou as
peculiaridades das cidades da América portuguesa contrapondo-as daquelas construídas
na América espanhola, estabelecendo a dicotomia entre o português, semeador, e o
espanhol, ladrilhador. Assim, à racionalidade e à ordem da urbe hispânica, S.
HOLANDA opôs a praticidade e o imediatismo lusitano51. Isso porque, ao contrário do
que ocorreu na América espanhola, onde as leis relativas à morfologia urbana eram
claras em determinar formas geométricas para as cidades, a legislação portuguesa nesta
área era muito genérica, não impondo traçados previamente especificados.
Além disso, o próprio caráter de feitorização e exploração assumido pela
colonização portuguesa na América contribuía para que houvesse uma maior liberdade
de ação dos colonos na gestão da configuração urbana. A fim de evitar maiores despesas
e investimentos, o encargo da edificação e constituição da malha urbana era, muitas
vezes, deixado à própria população.
No entanto, dentre as diretrizes legais impostas aos colonos estava a de que a
capela deveria ser erigida em uma elevação. Como já se sugeriu, tal determinação era
proveniente do período medieval, época em que a igreja era o grande centro da vida
social.
50 REIS FILHO, op. cit., p. 130. 51 HOLANDA, op. cit., p. 93-138.
25
O território urbano formava-se então a partir de uma doação de terras ao
patrimônio da capela feita por um senhor rural da região. A partir daí, os colonos que
quisessem se estabelecer na cidade deveriam contribuir para a construção e manutenção
do templo através do pagamento de foros.
Conforme destacou Álvaro Paiva de ALMEIDA, “o solo urbano era subdividido
em parcelas menores. Eram as datas, ou seja, terras eram dadas, pagando-se um foro
anual. Mas esse foro não era pago diretamente ao Estado e sim à capela [...]”52. A capela
era assim a proprietária das terras urbanas detendo os moradores da cidade apenas a
posse de seus lotes obtidos mediante uma concessão da igreja.
Por outro lado, a vocação marítima e comercial do império português parece ter
contribuído para que um conjunto de casas e edificações da vila seguisse a encosta do
mar. Afinal, naquela época, a baía era a grande via de comunicação entre a zona rural e
o núcleo urbano de Antonina.
Esses aspectos foram fundamentais para a configuração do núcleo urbano inicial
de Antonina. Como já se salientou anteriormente, a povoação teve seu início no adro da
igreja, em uma elevação à beira-mar do sítio urbano. A partir daí, a principal via, a Rua
Direita, tomou o sentido das terras baixas da marinha constituindo o principal conjunto
de casas da cidade da época.
Da análise dos valores arbitrados para o aluguel das casas da vila no ano de
1808, pode-se depreender que os domicílios localizados na Ladeira da Matriz e na Rua
Direita eram mais valorizados. Ou seja, os lotes situados na encosta marítima tinham
valores mais elevados quando comparados aos da Rua do Campo. Para se ter uma idéia
do que se está dizendo, entre a Ladeira da Matriz e a Rua Direita havia 22 casas com
seus valores de aluguel arbitrados acima da faixa de 3$000, ao passo que na Rua do
Campo apenas um domicílio se enquadrava nesses patamares.
Portanto, as moradias de maior valor concentravam-se na Ladeira da Matriz e na
Rua Direita. Na primeira, das 18 casas para as quais se dispõe desta informação, 10
tiveram os seus aluguéis arbitrados acima de 3$000, sendo que, destas, 6 superavam o
valor de 4$000. Todas tinham cobertura de telha. Essa era, possivelmente, a primeira
rua da cidade pois situava-se na elevação da colina da capela. Fazendo divisa com a
linha do mar, era de um modo geral ocupada por pessoas de elevada posição social.
52 ALMEIDA, Álvaro José Paiva de. O desenho das cidades na Nova Inglaterra e na Capitania de Minas Gerais. Comunicação apresentada na V Jornada Setecentista do Departamento de História da UFPR, em 2003, a partir da dissertação de Mestrado Gestão de Cidades da PUC-MG, concluído em 2002, p. 11.
26
A Rua Direita, prolongamento da Ladeira da Matriz no sentido das terras baixas
da marinha, também apresentava algumas moradias de elevado valor. Ao lado destas, no
entanto, casas mais modestas aparecem com freqüência dando à essa rua um aspecto
mais heterogêneo. Das 43 casas analisadas, 12 tiveram os seus aluguéis fixados acima
dos 3$000, 15 situavam-se entre 1$500 e 3$000 e 16 ficavam abaixo dessa última faixa.
No entanto, do mesmo modo como ocorria na Ladeira da Matriz, todas eram cobertas de
telhas.
As demais ruas concentravam moradas com valores mais modestos. A Rua da
Fonte e a Travessa para o mar, por exemplo, não possuíam moradias com valor superior
aos 3$000. A Rua do Campo, por sua vez, apesar de possuir uma casa com o aluguel
arbitrado em 4$000, concentra, também, menores valores, sendo que a maioria das
residências não ultrapassa a quantia de 1$300. Além disso, entre as 16 casas situadas na
Rua do Campo, 7 eram cobertas de palha, forma mais simples de cobertura da época.
Por fim, na Travessa para o campo, todas as casas tiveram seus aluguéis
estabelecidos abaixo da cifra de $900, bem como eram cobertas de palha, evidenciando
uma maior simplicidade das moradas dessa via.
Desta forma, quando se procura analisar o valor atribuído aos lotes edificados da
vila de Antonina em 1808, constata-se uma nítida segmentação do espaço urbano. De
um lado, estavam a Ladeira da Matriz e a Rua Direita, onde se situavam as moradias
mais valorizadas. De outro, as ruas da Fonte e do Campo, assim como as travessas para
o campo e para o mar, onde estavam as casas mais simples.
Em que pese o aspecto rústico e precário da maioria das edificações naquela
época, é possível perceber que tanto a localização quanto os materiais empregados na
construção das residências pesavam na hora de determinar o valor das mesmas, uma vez
que as testadas possivelmente apresentavam uma relativa uniformidade.
Quanto à construção em si, as fontes utilizadas nesse trabalho só trazem
informações relativas à cobertura, algumas vezes de telhas, outras de palha. No entanto,
tomando como referência estudos desenvolvidos em outras regiões da colônia, é óbvio
afirmar que as casas construídas à base de pedra e cal eram mais valorizadas quando
comparadas àquelas feitas com taipa de pilão ou pau-a-pique.
Por outro lado, como os foros eram cobrados com base no tamanho das testadas,
é possível que os lotes tivessem larguras relativamente homogêneas, algo próximo do
que acontece nas mesmas ruas da cidade atual. Isso daria às ruas da época um aspecto
mais ou menos uniforme em relação às fachadas das moradias.
27
Espacialmente, no entanto, como já se disse, percebe-se uma clara distinção
entre as edificações situadas na encosta marítima e as casas da região do campo. As
primeiras tinham um valor econômico mais elevado que as últimas. E entre as
primeiras, aquelas situadas nas partes mais altas da cidade eram ainda mais valorizadas.
É provável que a melhor visibilidade, a maior ventilação e a menor humidade
contribuíssem para elevar os seus valores. Mas, acima de tudo, elas estavam localizadas
no entorno da Igreja Matriz, o grande centro social e simbólico da vila. E isso muito as
destacava no cenário urbano.
TABERNEIROS, NOBRES E PLEBEUS
Em momento anterior, salientou-se que a comunicação marítima foi fator
fundamental para a colonização portuguesa na América. Sabe-se que, nos primeiros
tempos, era sobretudo pelas águas dos mares, rios e baías brasileiras que se realizavam
os transportes de pessoas, mercadorias e mantimentos. Afinal, foi ao longo da imensa
costa litorânea que se estabeleceram a maioria das cidades coloniais no Brasil.
Nesse aspecto, a vila de Antonina não fugia à regra. Como já se destacou, o sítio
urbano da cidade estava localizado em terreno pertencente à planície litorânea, mais
especificamente na encosta da baía de Antonina. Evidentemente, essa localização em
muito auxiliava os deslocamentos da população entre a sede central da vila e suas
regiões periféricas espalhadas pelos rios e reentrâncias de sua baía. Além disso, eram as
embarcações as maiores responsáveis pelo fluxo das mercadorias destinadas ao
comércio, dentro e fora da vila.
No núcleo urbano, no entanto, a vantagem em se situar o mais próximo possível
das águas do mar eram ainda mais evidentes. É óbvio que quanto menor fosse a
distância entre uma moradia e a praia, mais fácil era a vida do colono. Se fosse um
comerciante, por exemplo, isso facilitaria o desembarque dos produtos que seriam
colocados à venda ou o embarque daqueles que seriam exportados ou transportados para
as demais localidades da vila.
Como a maioria dos moradores da cidade tinham posses na zona rural,
precisavam constantemente realizar o percurso entre estas e o núcleo da vila. E isso
seria facilitado caso seus domínios urbanos se situassem nos terrenos próximos à
marinha.
28
Além disso, levando em consideração que naquela época a maioria das
atividades ligadas ao mar eram exercidas por escravos e pessoas de baixa condição
social, a proximidade da baía facilitava o controle da movimentação destes ao longo da
encosta marítima. No limite, das casas estabelecidas nessa região era possível
acompanhar a entrada e a saída de pessoas, produtos, mercadorias e mantimentos na
vila. Enfim, em se tratando da principal via de entrada da povoação, a posição costeira
possibilitava aos moradores estar a todo instante atentos ao que se passava nas
redondezas. De lá, marinheiros, pescadores, estivadores, canoeiros, escravos,
comerciantes, moradores, visitantes e autoridades podiam ser vistos ao entrar e sair da
cidade.
Possivelmente, essas seriam algumas das razões pelas quais os lotes urbanos
edificados próximos à baía eram preferidos e, em conseqüência, mais valorizados que os
demais. Como foi visto, nessa área as casas eram cobertas de telha e foram enquadradas
em patamares mais elevados quanto aos seus valores arbitrados de aluguel.
Natural seria, portanto, que fossem ocupadas por pessoas de boa posição social.
É o que ocorria em relação à Ladeira da Matriz e a Rua Direita, habitadas por senhores
de engenho, donos de estaleiros, negociantes, grandes proprietários de escravos,
militares, autoridades civis e religiosas.
Esse era o caso do primeiro juiz ordinário da vila, o Tenente-Coronel Francisco
Gonçalves Cordeiro, que possuía duas casas localizadas nas partes altas da Ladeira da
Matriz. Senhor de engenho de arroz e açúcar, armador de embarcações de cabotagem e
possuidor de vastos domínios de terras estendidas entre Alexandra, Rio Sagrado,
Pinheiros e Itapema, Francisco Gonçalves Cordeiro era também senhor de 51 escravos,
o maior plantel da vila na época53. Uma de suas residências urbanas, com valor
arbitrado de 8$000 – a segunda mais cara da cidade na época –, era ocupada pelo
Reverendo Ignácio Vieira Dinis e seus dois negros cativos, Jerônimo e Bibiana.
Segundo Ermelino de Leão, o padre era bisneto do Sargento-mór Valle Porto54.
Ainda na colina da capela, provavelmente em frente à ela, estava situada a
morada mais valiosa da vila. Ocupada pelo Reverendo Vigário Francisco de Linhares,
seus 3 agregados e 2 escravos, a casa foi avaliada no valor de 10$000. Possivelmente
era uma das melhores moradias da vila, além de estar muito bem localizada55.
53 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 74. 54 LEÃO, op. cit., p. 108. 55 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 06.
29
O Capitão-mór Francisco Rodrigues Ferreira, por sua vez, possuía duas casas na
Rua da Matriz, além de um outra situada na Rua Direita. Grande produtor de arroz e
café, que cultivava com a ajuda de 13 agregados e o mesmo número de escravos,
Francisco Rodrigues Ferreira era mais um “homem-bom” da governança da vila,
chegando a ocupar o posto de juiz ordinário, a maior função da administração local.
Dentre as três casas que tinha na cidade, a mais valiosa, situada na Ladeira da Matriz,
foi avaliada pela quantia de 6$00056.
Ainda na Rua da Matriz se encontravam agricultores abastados como José
Francisco Alves57, senhor de 10 escravos, Manoel Baldoino Lopes58, dono de 14
cativos, e Manoel de Jezus Rendom59, proprietário de 7 criolos.
Já na Rua Direita estava situada a casa de morada do Sargento-mór Antonio José
de Carvalho. Com uma escravaria composta por 35 cativos e o auxílio de Antonio e
Bernardo, seus dois filhos homens, Antonio José de Carvalho era senhor de engenho de
arroz, além de plantar café e produzir aguardente para a venda no mercado local. O
sargento-mór da ordenança era uma “homem-bom” abastado. Tendo também chegado
ao posto de Juiz ordinário, possuía além de sua casa na Rua Direita, avaliada em 4$000,
mais 4 outras, três delas valendo 1$000 cada e uma valendo 2$560, localizadas na
Travessa para o mar60.
Mas em relação à ocupação de seus habitantes, havia uma diferença considerável
entre a Rua Direita e a Ladeira da Matriz. Enquanto esta era local de morada dos padres
e pessoas que desenvolviam atividades ligadas à terra, como senhores de engenho,
donos de engenhoca ou agricultores, aquela era ocupada também por lojistas, vendeiros
e artesãos. À semelhança do que acontecia em outras vilas coloniais, a Rua Direita era a
rua do comércio. Nela estavam situadas a maioria das lojas e vendas da cidade.
Certamente era a rua mais animada do povoado, assim como ainda é nos dias de hoje.
Assim, enquanto na Ladeira da Matriz não havia nenhum estabelecimento
comercial, a Rua Direita possuía 8 lojas de fazenda seca e 3 vendas de molhados, além
de uma alfaiataria61. Se acrescentarmos a esses números os dados referentes à Travessa
56 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 01. 57 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 76. 58 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 197. 59 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 135. 60 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 02. 61 Nos números apresentados, estou considerando cada casa pertencente a um comerciante ou artesão com um estabelecimento desta natureza, ciente das possíveis imprecisões que eles possam eventualmente apresentar. O que importa aqui não é a precisão dos cálculos, mas a caracterização dos aspectos essenciais das ruas da cidade.
30
para o mar, uma vez que certamente esta via também estava situada nas terras baixas da
marinha, poderíamos incluir mais 4 lojas, 2 vendas e uma sapataria.
Temos então que o setor comercial da vila estava essencialmente concentrado
nessa área, a despeito dela também possuir moradores ligados às atividades agrícolas,
como seria de se esperar.
Já entre os “mercadores de loge”, expressão utilizada pelos censos para indicar
os lojistas, na Rua Direita estava estabelecido o Capitão José Francisco de Godoi.
Tendo sua loja avaliada pelo valor de 1$280, José Francisco de Godoi não possuía
escravos, de pouca valia para a atividade que exercia. Poderia contar, no entanto, com a
ajuda da esposa e dos 4 filhos que tinha, Bento, Maria Roza, Antonia e José. Além
disso, Luzia, Posedonia e Francisco, agregados ao seu domicílio, possivelmente
trabalhavam para ele como caixeiros62. A ascensão social desse comerciante pode ser
verificada pelo posto de juiz ordinário da vila, cargo que veio a ocupar em 181363.
Já entre os vendeiros de molhados da mesma rua estava o miliciano Manoel
Joaquim de Lima. Sua venda foi bem avaliada, atingindo a cifra de 2$880. No entanto,
era um comerciante de posição mais modesta chegando a exercer a função de
procurador na Câmara Municipal, cargo de hierarquia não muito elevada. Sem possuir
escravos, realizava seus negócios apenas com o auxílio da esposa e dos filhos64.
Outro negociante de molhados estabelecido à Rua Direita em casa avaliada por
2$200 era Anselmo da Silva Vale. Natural da vila de Antonina, este negociante era
casado, pai de 4 filhos e também não possuía escravos65. Ao contrário de Manoel
Joaquim de Lima, no entanto, Anselmo da Silva Vale parece não ter exercido nenhum
cargo público na cidade.
Em posição ainda mais modesta estava o sargento e oficial de alfaiate Candido
Xavier dos Anjos que contava apenas com a ajuda de Cristovão Ribeiro, seu agregado,
para exercer o seu ofício66. Sua oficina foi arbitrada pelo valor de 1$600. O sapateiro
Antonio Rodrigues Couto, por sua vez, também só poderia contar com o auxílio de sua
esposa e seus filhos67. No entanto, ao contrário de Candido Xavier dos Anjos que estava
situado à Rua Direita, o Ajudante das Ordenanças Antonio Rodrigues Couto exercia seu
ofício na Travessa para o mar.
62 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 28. 63 LEÃO, op. cit., p. 192. 64 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 40. 65 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 28. 66 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 04.
31
Mas se por um lado a maioria dos estabelecimentos comerciais da vila estavam
concentrados na Rua Direita e seus arredores, nem todos os habitantes desta rua eram
comerciantes. O Capitão Joaquim Antonio Guimarães, por exemplo, mesmo sendo
agricultor de arroz, possuía uma casa de morada, avaliada em 6$400, nesta importante
via comercial. Tratava-se de um paulista que, além de plantar, produzia cachaça com a
ajuda dos 6 escravos que possuía68.
Outro lavrador estabelecido na Rua Direita era o Tenente Manoel Antonio de
Castro. Com duas casas de vivenda avaliadas em 1$280 e 2$000, produzia farinha de
mandioca para a vender na cidade, atividades para as quais contava com o auxílio de
seus 4 negros cativos. Natural da vila de Paranaguá, o Tenente Manoel Antonio de
Castro era mais um “homem-bom” da governança da vila, tendo ocupado o importante
posto de juiz ordinário69.
O Ajudante das Ordenanças Francisco Lopes Moreno, por sua vez, possuía 4
moradas na Rua Direita. Duas delas foram avaliadas em 1$280, e as outras pelas
quantias de 2$000 e $960. Como um lavrador de arroz bem sucedido, tinha uma
escravaria composta por 7 criolos e um negro Angola70.
De qualquer forma, bem diferente era o que ocorria na Rua do Campo, onde
além das casas possuírem um valor inferior aos da encosta marítima, os domicílios eram
ocupados por pessoas de menor posição social. Em 1808, existiam nesta via pelo menos
2 casas de negócio e uma carpintaria, onde Quintiliano da Silva exercia seu trabalho
manual, em oficina coberta de palha avaliada em módicos $64071. Os demais lotes
edificados cujos chefes de domicílio puderam ser encontrados nas listas nominativas
eram ocupados por simples lavradores, a maioria destituída de escravaria.
Nesse sentido, Elias José Vieira foi uma exceção. Mesmo possuindo nesta rua
uma modesta morada coberta de palha com valor arbitrado de 1$000, o lavrador de
arroz possuía um razoável plantel composto por 7 negros cativos. Além disso, em 1798,
após a ereção da vila de Antonina, foi eleito um dos 3 vereadores da primeira Câmara
Municipal da cidade. Ele era, portanto, o único morador da Rua do Campo que havia
67 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 29. 68 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 157. 69 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 202. 70 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 18. 71 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 47.
32
conseguido exercer um importante posto na administração local. Possivelmente, a sua
naturalidade portuguesa, entre outros fatores, tenha contribuído para isso72.
A maioria dos habitantes daquela rua, no entanto, estavam em situação
semelhante à do lavrador Euzébio Gonçalves, que, sem possuir escravos, contava
apenas com o auxílio dos 6 filhos e da esposa para produzir o arroz que vendia na vila.
Sua morada, coberta de palha, também havia sido avaliada pelo módico valor de $64073.
Ignacio José da Costa, porém, tinha um escravo para auxiliá-lo no negócio que
possuía na Rua do Campo, avaliado em 2$560. Além disso, este pequeno comerciante
de 58 anos tinha mais uma casa nesta mesma rua cujo valor arbitrado havia sido fixado
em 2$000. É possível que a sua idade avançada tivesse contribuído para que as suas
posses fossem um pouco superiores às de seus vizinhos74.
Por fim, a Travessa para o campo era o local de moradia dos habitantes de menor
posição social da cidade. Todas as casas tinham cobertura de palha e nenhuma
ultrapassava o valor de $800. A via era ocupada por pessoas que exerciam atividades
manuais, uma vez que eram desprovidas de escravos. Eram eles, pescadores,
carpinteiros e pequenos lavradores.
Entre os moradores da Travessa para o campo estava Antonio do Couto. Simples
carpinteiro, não tinha escravos e, por isso, trabalhava apenas com o auxílio de sua
esposa e seus 4 filhos. O valor de sua pequena carpintaria e sua casa de morada, ambas
cobertas de palha e situadas nessa mesma travessa, havia sido fixado em $640 e $80075.
Pela análise dos dados até aqui apresentados, percebe-se que, para além da
dicotomia que opunha senhores e escravos, a pequena vila de Antonina apresentava no
fim do período colonial uma estratificação sócio-econômica bem mais ampla e
complexa. É óbvio que, na hierarquia social da vila, os escravos estavam situados nos
níveis mais baixos. Por um lado, atuando como trabalhadores braçais nos mais
diferentes setores da economia urbana e rural, eram eles que suportavam a carga dos
trabalhos mais pesados.
Para além disso, no entanto, a sociedade escravista estabelecida nos trópicos
pelos portugueses reforçava a antigo estigma herdado do período medieval que
72 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 25. 73 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 162. 74 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 122. 75 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 42.
33
depreciava os ofícios mecânicos. Como já amplamente destacado pela historiografia76, o
trabalho manual realizado na América portuguesa era considerado uma atribuição dos
escravos. Logo, os homens livres que o exercessem eram desprestigiados, na medida em
que eram equiparados aos cativos.
Como salientou Ronaldo VAINFAS,
O exercício de atividades manuais implicou, desde cedo, a degradação dos ofícios, do que resultou a noção de “defeito mecânico” – impedimento que inabilitava para certos cargos os descendentes de artesãos e mesmo de mercadores. Em razão disso, os portadores do tal “defeito” não podiam ser qualificados como “homens-bons”, sendo impedidos de ocupar os cargos municipais, de ser nomeados como oficiais de milícias ou de receber títulos honoríficos77. Como seria de se esperar, essa desqualificação dos ofícios manuais se fazia
presente também na vila de Antonina. Um olhar atento para os moradores da Rua do
Campo e da Travessa para o campo, por exemplo, habitadas essencialmente por pessoas
desprovidas de escravos, como pescadores, pequenos lavradores e artesãos, enfim,
indivíduos que executavam trabalhos mecânicos, evidencia que nenhum deles possuía
elevados postos militares. Nenhum capitão, sargento, tenente ou mesmo alferes foi
localizado pelos censos nessas ruas, somente alguns poucos milicianos.
Em relação aos cargos da administração civil ou eclesiástica, o mesmo se
constata. Nenhum juiz ordinário, padre, juiz de paz ou procurador habitava as ruas do
campo. A exceção seria a presença de um único vereador, Elias José Vieira, lavrador
que possuía 7 escravos. Como já se disse anteriormente, é possível que a sua
naturalidade portuguesa, dentre outras coisas, tenha contribuído para sua ascensão
social78.
Com relação aos comerciantes, porém, pode-se dizer que eles se enquadravam
em diversas categorias. Entre elas, as listas nominativas apontam para a existência dos
negociantes de molhados, pessoas que comercializavam produtos alimentícios, fumo e
bebidas, como o vinho e a cachaça. Tratava-se de um ramo de comércio de menor
prestígio. Segundo salientaram Renato P. VENÂNCIO e Júnia F. FURTADO,
As vendas, “misto de bar e armazém”, além de comercializarem “gêneros alimentícios, instrumentos de trabalho e... aguardente da terra”, também eram palco onde se desenrolava a vida social de boa parcela dos escravos e dos pobres do mundo colonial. Como revelou Luciano
76 À título de exemplo, poderiam aqui ser citados desde alguns nomes amplamente consagrados da historiografia brasileira, como Sérgio Buarque de HOLANDA e Caio PRADO JÚNIOR, assim como autores mais recentes, como Ronaldo VAINFAS e BORIS FAUSTO. 77 VAINFAS, Ronaldo. Dicionário de Brasil Colonial. (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 434. 78 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 25.
34
Figueiredo, as vendas eram os lugares dos folguedos, bailes, batuques, e antros onde se tramavam as conspirações que antecediam os levantes de escravos79.
Com poucos ou mesmo desprovidos de escravos, os vendeiros estavam entre os
negociantes mais modestos estabelecidos na vila, a maior parte deles entre a Rua Direita
e a Travessa para o mar.
Alguns vendeiros, no entanto, conseguiam alçar um melhor colocação na
sociedade. É o caso de Antonio do Castro Peixoto, por exemplo, que vivia de seu
negócio de molhados, situado à Rua Direita e avaliado em 3$200, e da lavoura que
possuía na zona rural. Dotado de 6 escravos, chegou a ocupar um dos cargos de
vereador da vila80.
A maioria, porém, parece estar em situação próxima à de Manoel Jozé Pereira,
um lisboeta radicado na Rua Direita, em casa avaliada na quantia de 1$600, onde
possuía sua venda de molhados. Além da esposa e duas filhas, Manoel José Pereira
contava apenas com a ajuda de uma escrava81. Estando entre os mercadores de menores
posses, não foi localizado em nenhum dos postos da administração civil ou militar da
cidade.
Em uma posição social um pouco mais elevada estavam os “mercadores de
loge”, expressão utilizada pelos censos para indicar aqueles que possuíam negócios de
fazenda seca, como tecidos, ferramentas e linhas, entre outros produtos. Em geral,
contavam com o trabalho de seus escravos e caixeiros, o que os livrava dos estigmas
relacionados às atividades manuais. Assim como os vendeiros, na maioria das vezes
estavam situados entre a Rua Direita e a Travessa para o mar.
Um deles era Domingos Vieira Casilhas, negociante português instalado na
Travessa para o mar, em casa avaliada na quantia de 2$560. Dispondo de 6 escravos que
o auxiliavam tanto no negócio quanto na lavoura que possuía, Domingos Vieira
Casilhas chegou a alcançar a vereatura da vila82.
Na Rua Direita, por sua vez, estava estabelecido Manuel José Ribeiro. Também
português, Manuel José Ribeiro era dono de 3 escravos e possuía 2 estabelecimentos
nesta rua, com valores arbitrados de $800 e 1$600, onde comerciava suas fazendas.
79 VENÂNCIO, Renato Pinto; FURTADO, Júnia Ferreira. Comerciantes, tratantes e mascates. In: DEL PRIORE, Mary. Revisão do Paraíso: 500 anos e continuamos os mesmos. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 105. 80 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 16. 81 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 39. 82 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 32.
35
Detendo o posto de ajudante na primeira Companhia de Ordenanças da vila, ocupou o
cargo de procurador na Câmara local83.
Na mesma rua encontrava-se o negociante Antonio Ferreira de Oliveira. Natural
da Ilha do Pico, este comerciante ocupou o posto de sargento-mór da vila de Antonina,
bem como o importante cargo de juiz de órphãos da cidade84.
Ainda na Rua Direita, o Capitão Miguel Nunes Barbosa possuía duas casas
avaliadas em 1$000 e 2$000, em uma das quais possivelmente tinha instalado o seu
negócio. Além de negociante, no entanto, era também dono de uma engenhoca de
aguardente e produtor de arroz, milho e café. “Homem-bom” da governança da vila,
senhor de 6 negros cativos85, o Capitão Miguel Nunes Barbosa ocuparia o cargo de juiz
ordinário de Antonina em 1821 e 182586.
Posição não muito bem definida era a dos donos de engenhoca. Em termos de
riqueza, tratava-se de um empreendimento de menor vulto quando comparado a um
engenho de arroz ou açúcar. Percebe-se, no entanto, que, normalmente, os donos de
engenhoca conseguiam alcançar níveis de riqueza e posição social relativamente bons.
Curiosamente, na Rua da Fonte, a menor rua do povoado, possivelmente
localizada nos entornos do outeiro da capela, dentre as 5 casas existentes naquela
pequena rua, duas eram ocupadas por donos de engenhocas,. Uma delas pertencia à
Manoel Joaquim Garcia, um português natural das ilhas que, sem possuir escravos,
contava apenas com a ajuda de sua esposa, e seus três filhos87. A outra, no entanto,
estava sob o domínio do Capitão João Baptista Cardoso Pazes que, além da aguardente,
produzia arroz e café com a ajuda de seu plantel composto por 10 criolos, além de uma
agregada88. O Capitão João Baptista Cardoso Pazes foi uma importante autoridade de
Antonina, sendo eleito juiz ordinário diversas vezes a partir de 180789.
Segundo as listas nominativas de habitantes, em 1808 a vila de Antonina não
contava com nenhum negociante de grosso trato, expressão utilizada para designar os
grandes importadores, exportadores, atacadistas e traficantes de escravos. A ausência
dessa categoria de comerciantes na cidade se explica pela simplicidade e primarismo
83 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 05. 84 LEÃO, Ermelino de. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. Empresa Graphica Paranaense. Curitiba, 1926, vol. 1, p. 79-80. 85 Vila Antonina, ano de 1808, 2ª Companhia, fogo 02. 86 LEÃO, op. cit., p. 193. 87 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 13. 88 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 04. 89 LEÃO, op. cit., p. 192-4.
36
desta praça frente à mercados maiores da época, como Paranaguá, Curitiba, Santos, São
Paulo e Rio de Janeiro, onde estavam concentrados esses negociantes.
Como já se disse, em Antonina o maior movimento comercial era resultado da
navegação de cabotagem, responsável pelo intercâmbio entre a vila e as praças maiores.
Sob a jurisdição da Capitania de São Paulo, o porto de Antonina ficava submetido a
uma série de restrições impostas sobretudo pelas praças de Santos e Paranaguá. Eram
esses portos que faziam a intermediação do comércio marítimo realizado entre Antonina
e as demais cidades da costa brasileira, bem como aquelas do reino português.
Desta forma, desprovida de uma grande elite comercial, os homens de maior
posição social na vila eram sobretudo os senhores de engenho. Até porque, destes, os
dois maiores90 estabelecidos no município possuíam estaleiros e embarcações de
cabotagem, entre outros negócios.
Um deles era o Capitão-mór da Segunda Companhia de Ordenanças, Manoel
José Alves. Como 2 casas na Rua Direita, ambas avaliadas em 6$400, Manoel José
Alves era senhor de engenho de arroz, dono de engenhoca de aguardente e um grande
estaleiro situado no rio São João, onde eram construídos bergantins e sumacas,
embarcações de cabotagem da época. Seu plantel de cativos, formado por 30 criolos e 2
negros Angola, era um dos maiores da vila. Natural da Freguesia de São Salvador da
Fonte Boa, arcebispado de Braga, este português, além de atuar como juiz ordinário da
cidade, seria alguns anos mais tarde um dos fundadores da Capela do Senhor Bom Jesus
do Saivá91. Como um dos homens de maior prestígio de Antonina, o capitão-mór foi um
dos cidadãos capelista a dar as boas vindas à família real em nome da vila, no Rio de
Janeiro, em 180892.
Outro senhor de engenho de arroz com casa na Rua Direita, avaliada em 3$840,
era o Capitão Antonio da Silva Neves. Além do engenho e da engenhoca que possuía,
era senhor de 24 escravos. Sendo um português abastado para os padrões da época, não
exercia ofícios mecânicos e estava, também, entre os que pertenciam à nobreza da
terra93.
O Capitão Joaquim da Silva Pereira, por sua vez, era mais um senhor de engenho
que possuía morada nesta mesma rua avaliada em 3$200. Natural de Iguape, tinha
90 Refiro-me à Manoel José Alves, capitão-mór da Segunda Companhia de Ordenanças de Antonina, e ao Tenente-Coronel Francisco Gonçalves Cordeiro, o primeiro juiz ordinário da vila. 91 Segundo Ermelino de LEÃO, trata-se de um “templo ereto na cidade de Antonina, no antigo campo do Saivá (...)”. 92 Vila Antonina, ano de 1808, 2ª Companhia, fogo 01.
37
também sua engenhoca. Para os trabalhos, possuía 7 escravos, a maioria criolos. Maria
Joaquina, sua esposa, recebeu do recenseador o qualificativo de “dona”, termo que
denotava respeito e que nem toda mulher naquela época detinha. Como um “homem-
bom” de prestígio, foi juiz ordinário da vila94.
Mas, ao lado de Manoel José Alves, o outro grande senhor de engenho de
Antonina era o Tenente-Coronel Francisco Gonçalves Cordeiro. Como já se constatou
anteriormente, tratava-se de uma dos mais abastados “homens-bons” da governança da
vila. A provável localização das suas valiosas casas, nas elevações do outeiro da capela,
parece indicar que a Ladeira da Matriz era, essencialmente, a rua onde estava situada a
elite tradicional da vila.
Sem nenhum estabelecimento comercial, a Rua da Matriz, além de concentrar as
moradas de maior valor, era o local onde, proporcionalmente, estava situado o maior
número de autoridades civis e militares de alto escalão, bem como os únicos membros
do clero da vila. Assim, de um modo geral, a Ladeira da Matriz era a rua das valiosas
casas dos senhores rurais, padres, juízes ordinários e oficiais de altas patentes militares.
Para se ter uma idéia do que se está dizendo, 45% das casas da Rua da Matriz
foram ocupadas por juízes ordinários, 20% por oficiais ocupantes de altos postos na
hierarquia militar95, 10% por autoridades religiosas e 40% por ruralistas96. A
composição da Rua Direita no entanto, era outra. Ela teve 29% de seus imóveis nas
mãos de juízes ordinários, 11% com militares de altas patentes, 27% com
comerciantes97 e nenhum funcionário da igreja.
Logo, se por um lado essas duas ruas concentravam os homens de maior poder
econômico da vila, enquanto a Ladeira da Matriz era a rua da “elite tradicional” da
cidade, a Rua Direita era a rua da “nova elite”, um grupo em formação que
possivelmente vinha gradativamente galgando posições na hierarquia social da vila.
Quando a composição do espaço urbano da vila foi analisada pelo critério do
valor do aluguel arbitrado pelo fiscal da comarca, já havia ficado evidente o aspecto
heterogêneo da Rua Direita, na medida em que nela apareciam lado a lado casas com
diferentes valores. Um aspecto semelhante possui esta via no que se refere à ocupação
de seus domicílios. Afinal, nela se agrupavam os mais diversos segmentos da sociedade
93 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 193. 94 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 003. 95 Refiro-me aos postos de Tenente-Coronel, Capitão-mór e Sargento-mór. 96 Chamo de ruralistas os senhores de engenho, donos de engenhoca, criadores de muares e lavradores. 97 Entre eles estão lojistas, vendeiros, donos de estaleiro e artesãos em geral.
38
colonial capelista, entre os quais, agricultores, senhores de engenho, donos de
engenhocas, vendeiros, lojistas e artesãos.
A Rua do Campo, no entanto, apresentava um aspecto diferente. Sem juízes
ordinários, altos oficiais militares ou membros do clero local, 32% de suas casas eram
ocupadas por pequenos lavradores, 11% por comerciantes e 5% por artesãos. Nela, além
das moradas se mostrarem mais simples e de menor valor, raros eram os proprietários
de escravos. Para não dizer que não possuía nenhuma autoridade, um único vereador
habitava esta rua98.
Assim como as ruas Direita e da Matriz concentravam a elite local, na Rua do
Campo habitava a plebe urbana. É possível que para o seu isolamento espacial tenham
contribuído, além do fator econômico, questões ligadas às hierarquias sociais típicas do
Antigo Regime.
Como bem destacou R. VAINFAS, “a América Portuguesa foi, portanto, espaço
onde os aspectos arcaicos do Antigo Regime encontraram campo fértil, conjugando-se
valores, privilégios e hierarquias do reino com as estruturas características do “viver em
colônia” [...]”99.
Assim, os mesmo estigmas que atingiam os trabalhadores manuais, artesãos,
pequenos comerciantes, indivíduos classificados pelas autoridades como “pardos”,
jornaleiros, homens pobres e mulheres que “viviam de suas agências”, possivelmente
poderiam ser responsáveis pelo isolamento geográfico desses grupos no espaço urbano.
Por outro lado, Antonio Cesar de Almeida SANTOS e Magnus Roberto de
Mello PEREIRA, analisando algumas posturas municipais do início do século XIX,
notaram que, por meio de diversos artifícios legais, as câmaras municipais procuravam
impor uma organização espacial na urbe.
Na concepção da daqueles vereadores, as edificações residenciais da época dividiam-se em duas espécies. A primeira englobava as habitações que, no seu entender, eram mais caracteristicamente urbanas. Nessa categoria enquadravam-se as construções em pedra e cal, taipa de pilão ou mesmo estuque, desde que devidamente cobertas de telha capa-e-canal. O espaço da cidade estava reservado para tais habitações. No outro, extremo, havia a choupana de pau-a-pique coberta de palha, construção rudimentar e barata, ainda utilizadas pelas populações rurais de algumas regiões do estado. As choupanas, utilizadas pelos setores mais pobres da população, não deveriam ter lugar no quadro urbano da vila, ou pelo menos em suas ruas principais. Com o dispositivo que impedia a construção de choupanas em algumas ruas, os vereadores criaram um primeiro código de ‘zoneamento’, surpreendentemente eficaz em sua simplicidade: o binômio ruas principais e sistemas construtivos de maior custo deveria
98 Estou falando de Elias José Vieira, de quem já se falou anteriormente. 99 VAINFAS, op. cit., p. 46.
39
encarregar-se de selecionar a vizinhança, afastando os indesejáveis para a periferia da cidade ou para o rossio100. Deve-se levar em consideração que, naquela sociedade, as casas eram
construídas lado a lado sem grandes espaços que as separassem. Normalmente, seus
quintais tinham muros baixos ou mesmo se interligavam, sem qualquer linha divisória
bem demarcada.
Assim, como colocou Leila M. ALGRANTI, era uma sociedade “continuamente
devassada pelo olhar dos vizinhos, dada a proximidade das casas e das meias-paredes
que as separavam, a estreiteza das ruas no mundo urbano, ou a presença constante dos
escravos [...]”101. Sendo assim, tornava-se importante selecionar a vizinhança a fim de
evitar aborrecimentos e constrangimentos com a mesma. Para isso, as autoridades locais
poderiam atuar no sentido de evitar a presença de vizinhos considerados incômodos.
UMA VILA LUSO-BRASILEIRA
Além dos dados que permitem identificar aspectos ligados à riqueza, ocupação e
cargos da administração civil, militar e eclesiástica, as listas nominativas de habitantes
da vila de Antonina do ano de 1808 trazem também uma série de outras informações
relativas à sua população. Assim, à questões relacionadas às estruturas sociais,
econômicas e políticas podem ser acrescentadas aquelas relativas a aspectos
demográficos.
Há muito tempo, os estudos de história demográfica vêm realizando análises
que visam quantificar a população colonial. Assim como procedeu Cecília Westphalen
em pesquisa realizada na década de 1960102, estes estudos fazem comparações diversas
da composição demográfica das vilas baseadas em critérios como estado civil, sexo,
idade, ocupação e cor dos colonos. Tabelas são produzidas e a partir delas analisam-se
índices e percentuais diversos que permitem compreender aspectos gerais das estruturas
da população na época.
100 SANTOS, Antonio Cesar A. & PEREIRA, Magnus Roberto M. 300 Anos: Câmara Municipal de Curitiba (1693-1993). Curitiba: Edição histórica, 1993, p. 56. 101 ALGRANTI, Leila M. Famílias e vida doméstica. In: MELLO E SOUZA, Laura de (org.). História da vida privada no Brasil. v. 1. Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 96. 102 Estou me referindo ao artigo intitulado Duas vilas paranaenses no final do século XVIII – Paranaguá e Antonina, já citado neste trabalho.
40
Este estudo, no entanto, propõe-se a realizar algo um pouco diferente. Ao invés
de quantificar os dados baseando-se em critérios demográficos, sua principal finalidade
é analisar as informações referentes aos chefes de domicílio do núcleo urbano da vila. O
que se pretende aqui não é entender a composição da população urbana como um todo,
mas verificar como a origem, sexo, cor, idade e estado civil dos chefes de domicílio se
apresentam no espaço da cidade, bem como a forma pela qual contribuem para a análise
das hierarquias sociais da época.
Em outras palavras, o objetivo visado por esta pesquisa está relacionada à
localização espacial dos chefes de domicílio urbano, bem como à análise de suas
qualidades pessoais visando perceber possíveis formas de segmentação do espaço
citadino colonial em função desses critérios.
A começar pelo critério da origem dos colonos, a vila de Antonina apresenta um
aspecto bastante diversificado. No espaço urbano, percebe-se claramente a presença de
pessoas vindas de várias porções do império português localizadas lado a lado com
indivíduos nascidos na colônia e com os naturais da vila. Na maioria das ruas da cidade
habitavam tanto portugueses como coloniais. Há, no entanto, uma preponderância
destes ou daqueles em certas regiões.
Assim como foi possível estabelecer um divisão da cidade entre a “linha do mar”
e a “linha do campo” quando se analisaram os critérios sócio-econômicos, o mesmo
pode ser feito para a variável que identifica a origem dos colonos. Sob este aspecto,
porém, as casas situadas na região da encosta marítima concentravam a grande maioria
dos portugueses, enquanto naquelas da zona do campo eles eram raros.
Constata-se, desta forma, que dos 24 domicílios urbanos cuja posse era de
portugueses, 23 situavam-se nas ruas próximas à baía, ficando apenas 1 na região
oposta. Na Travessa para o mar, por exemplo, não foi encontrado nenhum domicílio de
posse de coloniais. Todos eram portugueses. Na Rua da Matriz, por outro lado, pelo
menos 20% das moradas estavam em mãos portuguesas.
Mas era na Rua Direita que estavam alocados a maioria dos portugueses da
cidade, mais precisamente, 9 dos 14. Isso significava que pelo menos 25% das casas
dessa rua pertenciam a indivíduos vindos do Reino português ou de outras partes de seu
império ultramarino.
41
Possivelmente, a forte presença do elemento luso nas porções mais “nobres” da
cidade possa estar ligada a boa aceitação que os imigrantes portugueses tinham na
colônia. Como destacou Carlos BACELLAR,
Os reinóis, na verdade, contavam com um grande trunfo: o de serem o grupo ainda dominador sobre a colônia; basicamente de cor branca, muito importante e não muito abundante no Brasil. Tais fatores aportavam um status diferenciado ao português, que o tornava muito bem vindo para propósitos de alianças matrimoniais. Além disso, portugueses podiam significar, para o brasileiro dedicado ao comércio, uma oportunidade de facilitar o contacto com os mercados metropolitanos. A boa aceitação do elemento luso no seio da sociedade colonial traduzia-se, provavelmente, em bons casamentos e negócios, permitindo-lhe uma ascensão social mais rápida que a usual103.
No caso da vila de Antonina, percebe-se claramente que os portugueses
compunham um grupo formado geralmente por indivíduos de boas posses e elevada
posição social. Dos 14 portugueses instalados na cidade, por exemplo, sabe-se que
apenas 2 eram desprovidos de escravaria e 2 não ocupavam postos na administração
local. Na verdade, normalmente os portugueses estavam entre os senhores de engenho,
donos de engenhoca, agricultores com escravos, negociantes, militares de altas e médias
patentes e juízes ordinários da vila.
Por outro lado, se considerarmos o conjunto formado pela Rua Direita e a
Travessa para o mar, pode-se contatar que dos 11 portugueses aí situados, 7 eram
negociantes, dentre outras atividades para os quais se dedicavam. Confirma-se, portanto,
para o caso de Antonina, a tese que defende a ligação do elemento luso com as
atividades comerciais da vila.
Acima de tudo, no entanto, pode-se perceber que das 49 casas da cidade cuja
origem dos chefes de domicílio puderam ser identificadas, 24 eram ocupadas por
portugueses, enquanto 17 estavam sob a posse de coloniais e apenas 8 pertenciam a
naturais da própria vila. Sendo mais preciso, do total de moradas urbanas, sabe-se que
pelo menos 21% estava sob o domínio de reinóis, o que mostra uma presença expressiva
dos lusitanos na cidade de Antonina naquela época.
Desta forma, os dados apresentados podem evidenciar a boa receptividade que
tinham os portugueses chegados na vila. Como C. BACELLAR salientou, as facilidades
que os reinóis tinham em relação à concretização de favoráveis alianças matrimoniais e
bons negócios representava uma grande vantagem para a época. Isso poderia representar
um importante elemento de ascensão social.
103 BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Os reinóis na população paulista às vésperas da independência. CEDHAL-USP e UNIBAN-SP, p. 09.
42
A vantagem em ser português pode ser exemplificada na situação do lavrador
Elias José Vieira, o único colono com esta origem estabelecido na Rua do Campo. Este
lisboeta era o maior senhor de escravos desta rua e o único a ocupar um importante
cargo na Câmara local104. Como já se comentou anteriormente, Elias José Vieira foi
vereador eleito para compor a primeiro grupo de dirigentes da vila. Mesmo situado em
uma área menos nobre da cidade, em uma simples morada coberta de palha, o posto
conquistado por ele na administração municipal demonstra a sua ascensão social. É
claro que inúmeros fatores devem ter contribuído para isso, além de sua naturalidade
portuguesa. De qualquer forma, é possível que sua origem reinol pudesse ter facilitado
um pouco as coisas, afinal de contas, ao contrário dele, os demais moradores da região
do campo, de origem colonial ou mesmo capelista, não ocuparam cargos civis nem
militares de prestígio.
Passando para a verificação da divisão espacial da cidade pelo critério da cor dos
chefes de fogo, mais uma vez é possível demarcar duas regiões distintas. Nas ruas
situadas na encosta marítima, raras eram as casas ocupadas por elementos de cor parda.
Estes, no entanto, apareceriam com maior freqüência na zona do campo.
Das 11 moradias urbanas habitadas por pardos, 7 estavam situadas entre a Rua
do Campo e a Travessa para o campo. Nessa área, aliás, das 14 moradas para as quais
foi possível conhecer a cor de seus possuidores, 7 eram ocupadas por pardos e o mesmo
número, ocupadas por brancos. Nota-se, portanto, um equilíbrio da divisão das casas
entre os moradores qualificados com as duas cores citadas pelo recenseador.
Bem diferente era o que ocorria na região oposta, onde a grande maioria das
moradias estavam sob a posse de brancos. Das 56 casas estabelecidas nos arredores da
encosta da baía de Antonina, 52 era ocupadas por brancos e apenas 4, por pardos. Na
Rua da Matriz, por exemplo, nenhuma casa era ocupada por colonos de cor parda.
Todas as 15 moradas nela situadas estavam sob o domínio de brancos.
É evidente que, de uma maneira geral, os indivíduos pardos tinham menores
posses e estavam situados em uma posição social menos favorável. Antonio Rodrigues
Couto, por exemplo, era um colono pardo estabelecido na Travessa para o mar. Seu
ofício manual de sapateiro e a ausência de escravos em seu domicílio denotam tratar-se
de um indivíduo de baixa posição social. A propósito, o mesmo não ocupava nenhum
posto civil ou militar na cidade105.
104 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 25. 105 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 29.
43
Antonio Gonçalves, por sua vez, era um pequeno lavrador de cor parda que
possuía uma modesta morada coberta de palha na Travessa para o campo. Sem
escravos, só poderia contar com o apoio de Joaquina e Benedita para os trabalhos, sua
esposa e sua filha106.
Outro pequeno lavrador era Joaquim da Costa. Situado na Rua do Campo,
Joaquim da Costa também possuía em uma casa coberta de palha. Comparado à Antonio
Gonçalves, lavrador de 21 anos de idade, no entanto, Joaquim da Costa parece
encontrar-se em situação econômica um pouco mais favorável. É possível que para a
posse das 2 escravas que tinha tivesse contribuído a sua avançada idade de 61 anos107.
Ao partir para a análise do espaço urbano de Antonina tomando como referência
os critérios relativos à idade, estado civil e sexo dos colonos, a divisão da cidade entre
zona do campo e costa do mar se desfaz. No lugar dela, no entanto, evidenciam-se
outros aspectos não menos importantes.
Como seria de se esperar, raros eram os domicílios urbanos chefiados por
mulheres. Para ser mais preciso, apenas 13% dos fogos da cidade tinham à sua frente
um mulher. Entre solteiras, casadas e viúvas, a maioria tinha um posição social
modesta.
Algumas mulheres, porém, conseguiam situar-se em uma posição um pouco
mais favorável. É o caso de Anna Vieira, uma viúva de 40 anos, dona de um negócio
avaliado em 3$200. Estabelecida à Rua Direita, tinha, em 1808, 2 escravos, Ilario e
Izabel. Sendo uma mulher parda, sua situação social não era das piores108.
Maria do Pilar, por sua vez, era dona de um negócio de molhados na Travessa
para o mar avaliado pela quantia de 1$000. Viúva de 64 anos, Maria do Pilar parecia
estar numa situação inferior à de Anna Vieira. Mesmo sendo branca, não podia contar
com o trabalho de escravos, que não possuía109.
Em situação parecida estavam as lavradores Josefa Gonçalves e Izabel de
Oliveira, ambas estabelecidas na Rua do Campo. Josefa era uma viúva de cor parda com
56 anos de idade110. Izabel, no entanto, era viúva, branca e tinha 52 anos. Nenhuma
106 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 106. 107 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 161. 108 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 36. 109 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 33. 110 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 107.
44
delas possuía escravos, mas no domicílio de Izabel habitavam, além de suas duas filhas,
2 agregados, ambos de cor parda111.
Mas um dos domicílios urbanos mais simples com chefia feminina na vila era o
de Genoveva de Castro. Tratava-se de uma mulher branca, casada e mãe de 4 filhos.
Situada na Travessa para o campo em uma módica choupana coberta de palha,
Genoveva vivia de suas agências e não possuía escravaria112.
Sem ter a oportunidade de votar, ser eleitas e ocupar cargos públicos quaisquer,
as mulheres ficavam claramente numa situação de desvantagem em relação aos homens.
Em que pese a existência de estudos demonstrando que em certas épocas e em
determinadas regiões da colônia, sobretudo no Centro-Sul setecentista, o número de
domicílios chefiados por mulheres tenha sido elevado, o caso da vila de Antonina
parece estar mais afinado com os argumentos que defendem a posição de que, na
sociedade colonial, a mulher tinha um papel claramente subordinado à figura masculina.
Tratava-se, portanto, de uma sociedade tradicional, onde o homem branco detinha o
poder político, econômico e social, seja como chefe de domicílio, seja como
representante político, ou ainda como detentor de títulos que conferiam prestígio aos
seus portadores. Afinal de contas, naquela época, só os “homens-bons” podiam ser
considerados como cidadãos.
Outro critério importante para a discussão da sociedade em questão é o da idade.
Sobre este aspecto, o espaço urbano de Antonina parece apresentar uma situação de
relativo equilíbrio. Isso quer dizer que, entre os domicílios da cidade, pelo menos 15%
deles estavam sob a chefia de pessoas com menos de 35 anos, 18% com indivíduos
entre 36 e 50 anos e 24% com moradores com idade superior à 50 anos.
Espacialmente, as ruas Direita e da Matriz apresentavam o maior equilíbrio entre
essas três faixas etárias. Na Rua da Fonte, não foram encontrados chefes de domicílio
abaixo da faixa de 35 anos, ao passo que na Travessa para o campo não havia chefes de
família com mais de 50 anos. Por fim, a Rua do Campo e a Travessa para o mar
concentravam moradas cujo domínio estava nas mãos de indivíduos com idade superior
à 50 anos.
Considerando que 75% das casas situadas na Travessa para o campo estavam nas
mãos de pessoas casadas, é possível imaginar que se tratasse de uma das mais novas
ruas do povoado, aquela na qual os colonos há não muito tempo casados e de menores
111 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 75. 112 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 37.
45
posses passavam a erguer as suas choupanas cobertas de palha, onde iriam exercer os
seus ofícios artesanais e mecânicos.
Antonio do Couto, por exemplo, era um carpinteiro de 34 anos estabelecido na
Travessa para o campo. Casado com Sebastiana Roza, de 23 anos, não possuía escravos.
Sua modesta oficina, avaliada entre $640 e $800, era coberta de palha113. Antonio
Rodrigues, por sua vez, era um pouco mais velho. Com 45 anos, era um pescador, de
cor parda, casado com Anna, também parda. Com 4 filhos, Antonio Rodrigues habitava
uma módica morada coberta de palha114.
Independente da localização, no entanto, uma coisa é certa. Os indivíduos de
idade mais avançada normalmente tinham uma situação sócio-econômica um pouco
melhor. É evidente que, ao longo da vida, os colonos poderiam ir acumulando posses na
cidade e no campo, atividades e fontes de renda diversas, cargos e títulos, bem como
ampliando seus plantéis de negros cativos.
O Capitão Miguel Nunes Barbosa, por exemplo, com 33 anos possuía 6
escravos, 2 moradas urbanas cujos valores somados chegavam à 3$000, além de uma
engenhoca para produzir aguardente115. Já o Capitão-mór da Segunda Companhia de
Ordenanças Manoel José Alves, indivíduo com 46 anos, possuía 32 escravos, 13$000
em moradas urbanas, além de engenho de arroz, estaleiro e engenhoca116. É óbvio que
não só a idade pesava para a acumulação de riquezas. Ao lado de outros fatores, porém,
o acúmulo de bens ao longo do tempo é elemento que não se pode desconsiderar.
Por fim, quanto ao estado civil, pode-se constatar que a grande maioria dos
chefes de domicílio urbano de Antonina era homens casados. Isso significa dizer que
pelo menos 42% das casas da cidade estavam em mãos de indivíduos casados, enquanto
apenas 12% ficavam com viúvos e 6% com solteiros.
Normalmente, as ruas contavam com a presença de pessoas de todos os estados
civis. Havia, no entanto, algumas exceções. Na Travessa para o campo, por exemplo,
dentre todos os domicílios para os quais se conhece o estado civil de seus chefes, todos
eram habitados por pessoas casadas. A Rua do Campo e a Travessa para o mar, por sua
vez, não possuíam chefes de domicílio solteiros, apenas indivíduos casados e alguns
viúvos. Os poucos chefes de domicílio solteiros da vila estavam portanto localizados
113 Vila Antonina, ano de 1801, 1ª Companhia, fogo 42. 114 Vila Antonina, ano de 1808, 1ª Companhia, fogo 42. 115 Vila Antonina, ano de 1808, 2ª Companhia, fogo 02. 116 Vila Antonina, ano de 1808, 2ª Companhia, fogo 01.
46
entre a Rua Direita, a Rua da Fonte e a Ladeira da Matriz, onde moravam os padres
Francisco de Linhares, Ignácio Vieira Dinis e Joaquim da Costa Rezende.
Independentemente da localização espacial, nenhum casamento entre pessoas de
cores diferentes foi localizado nas listas nominativas. Isso reforça a tese que defende,
para a época, o papel estratégico das alianças matrimoniais. Acima de tudo, parece que
nesta vila o casamento também representava a forma mais eficiente de se estabelecer
vínculos sociais e econômicos entre famílias que em muito extrapola as possíveis
relações afetivas entre os cônjuges. Com as fontes disponíveis para esta pesquisa, no
entanto, não é possível fazer afirmações mais consistentes quanto à essa questão. Para
isso seria necessário consultar os registros paroquiais da vila. Mas isso já seria tema
para um próximo estudo.
O ANTIGO REGIME E A CIDADE COLONIAL
Nos últimos anos, vários autores de destaque na historiografia brasileira vêm
chamando à atenção para as especificidades das estruturas sociais, políticas e
econômicas da América portuguesa117. Segundo esses autores, longe de reproduzir pura
e simplesmente as instituições e as formas de organização social européia, o ambiente
colonial seria responsável por adaptá-las e reelaborá-las face à nova realidade
encontrada.
Como já se destacou, no Brasil, a escravidão africana atuou no sentido de
reforçar algumas estruturas arcaicas do Antigo Regime português. A depreciação do
trabalho manual, por exemplo, seria responsável por excluir boa parte da população
colonial do acesso à cargos públicos, títulos honoríficos e posições de mando na
sociedade. Nesse sentido, artesãos, carpinteiros, sapateiros, alfaiates, lavradores,
pescadores e até mesmo pequenos comerciantes ficavam alijados de participar da vida
política e de tomar parte nas decisões relativas à questões diretamente ligadas a defesa
de seus interesses.
Além disso, outro aspecto conservador do Antigo Regime, que seria levado às
últimas conseqüências quando implantado num contexto produzido por uma sociedade
escravista, era difundir entre todas as camadas sociais o ideal aristocrático.
47
Sobre esta questão, João FRAGOSO e Manolo FLORENTINO afirmam que
A elite mercantil, por sua vez, viu-se marcada por aquilo que chamamos ideal aristocrático, que consistia em transformar a acumulação gerada na circulação de bens em terras, homens e sobrados. Constituía-se, assim, uma economia colonial tardia, arcaica por estar fundada na contínua reconstrução da hierarquia excludente. [...] Prevaleciam valores não-capitalistas, para os quais ascender na hierarquia social necessariamente implicava tornar-se membro da aristocracia. Daí a grande propensão dos meios mercantis à aristocratização, e a canalização e esterilização de vultosos recursos adquiridos na esfera mercantil para atividades de cunho senhorial118.
Desta forma, a posse de escravos era uma ambição de todos. Além da riqueza e
das facilidades que ela garantia, os cativos podiam livrar os seus proprietários dos
estigmas ligados aos ofícios mecânicos, atividades para às quais se fazia necessário o
uso das mãos.
Combinado aos privilégios e hierarquias próprias do Antigo Regime, a
escravidão prejudicava o pleno desenvolvimento das estruturas econômicas
contribuindo para a imobilização de recursos materiais e humanos.
Gestada desta forma, nessa sociedade nem sempre a riqueza era a mola
propulsora das atividades e decisões humanas. Acima dela, muitas vezes, os indivíduos
e grupos sociais da época colocavam seus anseios à uma melhor posição social, à cargos
públicos e à títulos que lhes conferissem prestígio perante a sociedade.
Ao comparar as atividades mercantis com aquelas de cunho senhorial, Ronaldo
Vainfas defende que “a lucratividade no comércio era bem maior do que a obtida na
agricultura, mas o verdadeiro prestígio residia em ser senhor de terras e de homens,
sinal de nobreza típico do Antigo Regime”119. A esta constatação, pode ser acrescentado
o comentário de FLORENTINO e FRAGOSO, quando estes afirmam que, “na verdade,
muito mais do que a busca de segurança, a transformação do grande comerciante em
rentista urbano e/ou senhor de homens e terras denotava a presença de um forte ideal
aristocratizante, identificado ao controle de homens e à afirmação de certa distância em
face do mundo do trabalho”120.
Nesse sentido, a categoria que mais se destacava no cenário colonial era a dos
senhores de engenho. Além de concentrar riqueza e uma verdadeira côrte de serviçais,
117 Refiro-me à nomes como Ronaldo VAINFAS, João R. FRAGOSO, M. FLORENTINO, entre outros. 118 FLORENTINO, Manolo & FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 21-52. 119 VAINFAS, op. cit., p. 201-202. 120 FLORENTINO & FRAGOSO. op. cit., p. 231-232.
48
como bem colocou A. ANTONIL, “o ser senhor de engenho é título a que muitos
aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”121.
No contexto em que foi analisada, entre o final do século XVIII e o início do
XIX, a estrutura sócio-econômica de Antonina parece refletir claramente essas
tendências. É evidente que, como uma vila colonial luso-brasileira, a identificação dos
colonos era feita sobretudo com base nas suas posições sociais. O que este pequeno
estudo está sugerindo, no entanto, é que essas formas de hierarquia social típicas do
Antigo Regime português podem ser percebidas também na organização espacial da
cidade. Em outras palavras, a concentração de determinadas camadas sociais em certas
áreas do núcleo central da vila parece revelar um tendência à especialização do espaço
urbano colonial de Antonina. O modo como isso ocorre, entretanto, sugere quais seriam
os principais grupos componentes da sociedade colonial capelista, bem como possíveis
formas de estratificação social daquela época.
Entendendo dessa forma, os escravos estariam na base da hierarquia urbana.
Além de não ter a possibilidade de constituir um domicílio na cidade, os escravos eram
destituídos até mesmo de sua condição humana.
Acima destes, estavam os colonos pobres, trabalhadores manuais, pescadores,
artesãos, pequenos comerciantes e lavradores. Desprovidos de escravos e
estigmatizados pelo exercício de ofícios mecânicos, raramente chegavam a ocupar
postos importantes na administração civil e militar da vila. Espacialmente, a maioria
deles estava situada nas ruas da zona do campo, onde habitavam suas modestas casas ou
mesmo suas choupanas cobertas de palha, isolados dos moradores da região costeira da
cidade.
Em uma situação social intermediária, encontravam-se os lojistas, negociantes
de fazenda seca, donos de engenhoca e alguns senhores de escravos. Livre das
atividades manuais, este era um segmento formado sobretudo por pessoas em ascensão
social, algumas das quais chegando a ocupar cargos públicos notórios na vila. A maioria
desses indivíduos habitava o trecho compreendido entre a Rua Direita e a Travessa para
o mar, as duas principais vias comerciais da cidade, além da Rua da Fonte.
A elite tradicional, no entanto, estava instalada sobretudo na Ladeira da Matriz,
na parte alta da cidade. De lá, os senhores de engenho e escravos, os funcionários da
igreja, as altas autoridades da Câmara e os comandantes militares das Ordenanças da
121 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos.
49
vila poderiam melhor vigiar a população da cidade e seus arredores. Além disso,
estando situados sobre a colina da capela, poderiam reforçar sua posição social na
sociedade.
A cidade colonial de Antonina trazia, assim, em sua ocupação e em suas
configurações urbanas, as marcas do Antigo Regime português implantado nos
trópicos122.
122 A expressão “Antigo Regime nos Trópicos” utilizada aqui, não é inédita. Na verdade, ela foi o título de uma coletânea de artigos de autoria de professores de renomadas instituições nacionais e estrangeiras, como a UFF, UFRJ e a Universidade Nova de Lisboa, entre os quais João FRAGOSO, Maria Fernanda BICALHO e António Manuel HESPANHA, alguns deles citados neste trabalho.
50
ANEXO 1 – PLANTA CADASTRAL DE LOTES URBANOS
A Planta Cadastral de lotes urbanos da cidade de Antonina é um documento
público que permite verificar a distribuição espacial das propriedades urbanas, bem
como o tamanho e a forma dos lotes e terrenos nas diversas ruas da cidade. A ausência
ou o destino incerto desse tipo de documentação para as épocas mais recuadas, obrigou-
nos a recorrer ao documento atual da cidade. No entanto, levando em consideração que
a forma como se organizou o loteamento da cidade é algo que variou muito pouco no
decorrer dos anos, entendeu-se pela possibilidade de usar uma planta recente.
No trabalho, essa documentação muito fundamental para o estudo da morfologia
urbana, bem como na tarefa de localizar as ruas e as casas mais antigas da cidade. Foi a
partir dela e de seu cruzamento com as demais fontes utilizadas nessa pesquisa que se
construiram hipóteses relacionadas às primeiras configurações urbanas de Antonina, no
início do século XIX.
51
Planta cadastral de lotes urbanos:
52
ANEXO 2 – DÉCIMA URBANA
Entre os livros restaurados da Câmara Municipal de Curitiba, constata-se a
existência do “Livro de Lançamento do Imposto de Dízimos (Predial) de Paranaguá de
10.11.1808 à 06.02.18571. Este livro traz os lançamentos da décima urbana das vilas de
Paranaguá, Antonina, Guaratuba, Rio de S. Francisco, Iguape e Cananea numeradas e
rubricadas pelo Ouvidor, Corregedor e Provedor da comarca em cumprimento às ordem
emanadas do Príncipe Regente com vistas a aumentar as rendas públicas.
De acordo com o termo de abertura do Livro,
“(...) os Proprietarios de todos os predios Urbanos que estiverem em estado de Serem
habitados, desta Corte e de todas as mais Cidades, Villas, e Lugares notaveis Situados á beira
mar neste Estado do Brazil, e de todos os meos dominios menos oz da Azia, que pella em
deCadençia em que Se axão meresem esta ixzenção e os que pertençem ás Santas Cazas das
Mizericordias pella piedade do Seo instituto, pegarão daqui em diante anualmente para a minha
Real Fazenda des por Sento do Seo Rendimento Liquido”2.
Os lançamentos que se referem à vila Antonina dizem respeito ao ano de 1808 e
trazem as seguintes informações: nome da rua, número da casa, lado da rua em que se
situa o domicílio, valor arbitrado do aluguel, valor do imposto predial, nome do chefe
de domicílio, nome do proprietário do imóvel (quando este não é o chefe do domicílio)
e algumas características básicas da edificação na época, como as coberturas de palha de
algumas casas. Além disso, os registros fiscais informam se a casa estava ou não sendo
habitada naquele momento ou mesmo se permanecia fechada.
Para a coleta e sistematização dessas informações, foram utilizadas fichas
padronizadas elaboradas especificamente para esta finalidade pelo Prof. Dr. Magnus
Roberto de Mello Pereira, do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos
Domínios Portugueses (séculos XV-XIX) – CEDOPE – do Departamento de História da
Universidade Federal do Paraná. O modelo das fichas para registro dos dados constantes
nos Livros de Lançamento de Imposto Predial – século XIX, seguem em anexo, na
página seguinte.
1 O código de referência do livro na Câmara Municipal de Curitiba é IMV.1.
53
Modelo das fichas usadas na coleta de dados do livro de lançamento de imposto predial:
2 Livro de Lançamento do Imposto de Dízimos (Predial) de Paranaguá de 10.11.1808 à 06.02.1857, f. 2.
54
ANEXO 3 – LISTAS NOMINATIVAS DE HABITANTES
No Departamento do Arquivo Público do Estado de São Paulo encontram-se os
“Maços de População” da capitania de São Paulo que cobrem o período que vai de fins
do século XVIII à primeira metade do século XIX. Entre esses, encontram-se as listas
nominativas de habitantes da vila Antonina de 1798 à 1846, das quais o presente estudo
se utilizará especificamente das listas dos anos de 1801 e 18083.
As listas nominativas de habitantes começaram a ser elaboradas pelos Capitães-
Mores das vilas na segunda metade do século XVIII com a finalidade de se fixar a
cobrança de impostos e, principalmente, conhecer a sua força militar. Em 1801, os
habitantes da vila Antonina foram recenseados em duas Companhias de Ordenanças. A
primeira abrangia a população do núcleo urbano, do rocio, dos bairros de Saquarema,
Sambaqui, Jaracatu, Faisqueira, Caxoeira, Nuno e Curitivahiva. A segunda, por sua vez,
abrangia os bairros de Morretes, Carniças, Porto de Cima, Rio do Pinto e do Rio
Sagrado4.
Em 1802, ao que tudo indica, o Termo da vila de Antonina foi reordenado em
três companhias. A partir daí, à Terceira Companhia seriam incorporados o Valle do
Cachoeira, o Morro Grande, a Ponta Grossa e o Rio Sambaquy. Segundo Ermelino de
Leão, o limite entre a primeira e a terceira companhias foi fixado no Rio Bariguy5.
A organização das Listas Nominativas seguia esta divisão e apresentava as
seguintes informações, ao descrever individualmente os domicílios:
Título da Lista: especificando a Companhia de Ordenança, o local, o ano do
recenseamento e cita todas as informações que devem estar descritas.
Primeira coluna: “número do fogo”, dado pelo recenseador, nem sempre na ordem
correta ou correspondente ao número exato de domicílios.
Segunda coluna: “nomes, empregos e naturalidade”. Em cada domicílio observa-se
todas as pessoas que o compõem, ordenadas da seguinte forma: chefe de domicílio,
esposa, filhos, parentes, escravos e agregados, respectivamente. Para os chefes dos
fogos, constava quase sempre, prenomes e nomes, inclusiva para as mulheres solteiras.
O nome, porém, nunca era registrado para os filhos solteiros ou escravos, e
3 A lista de 1801 foi escolhida por dividir a população nos bairros da vila. A de 1808, por se tratar do ano em que foi produzida a documentação fiscal da décima urbana. 4 Dados fornecidos pelas listas nominativas de 1801, da vila Antonina. 5 LEÃO, Ermelino de. Antonina, fatos e homens: Da Edade Archeolithica à elevação à cidade - 1918. Curitiba: Sec. de Estado da Cultura, 1999, p. 199-225.
55
esporadicamente constava para agregados, esposas (principalmente as de maior
proeminência social) e filhos casados habitando o mesmo domicílio dos pais. A
naturalidade é sempre declarada após o nome, contudo, no caso dos escravos, apenas
alguns recenseadores os identificavam pelo local de sua origem quando vindos da
África. Aqueles que eram nascidos no Brasil, na maioria das vezes eram referidos como
criolos. O grau de parentesco dos agregados também era freqüentemente mencionado.
Terceira coluna: “categoria”. Ao lado dos nomes, era mencionada à categoria à que
pertencia o indivíduo no domicílio: chefe, esposa, filho(a), mãe, pai, tio(a), irmã(o),
escravo(a) ou agregado(a).
Quarta coluna: “idades”. Sem faltas, apesar de pouco confiáveis.
Quinta coluna: “estado civil”. Sempre mencionado: casado, solteiro ou viúvo. Porém,
devemos considerar que deveriam existir uniões consensuais entre livres e,
principalmente, escravos, o que muitas vezes não é identificável, mas dedutível, devido
à disposição com que os indivíduos aparecem na lista.
Sexta coluna: “cor”. Sempre declarada.
Sétima coluna: “ocupações e casualidades”. Normalmente é indicada apenas a
ocupação dos chefes de domicílio. Descrições imprecisas são comuns, como, por
exemplo, “vive de suas agências”, muito comum em domicílios chefiados por mulheres;
“vive de seu negócio”; “planta para o gasto”. Normalmente, a produção do domicílio é
declarada, assim como a quantidade plantada, colhida, vendida e consumida. Às vezes,
mencionam-se as transações de compra e venda de escravos. Como casualidades pode-
se encontrar além dos nascimentos, mortes, casamentos ou mudanças de endereço, a
ausência de algum dos habitantes do fogo e para onde se dirigiu.
56
Lista nominativa de habitantes da vila Antonina, em 1808:
87
FONTES
Planta cadastral de lotes urbanos de Antonina. Prefeitura Municipal de Antonina. 2001.
Fotocópia do original.
Livro de Lançamento do Imposto de Dízimos (Predial) de Paranaguá de 10.11.1808 à
06.02.1857. Antonina, 1808. Centro de Documentação e Pesquisa de História dos
Domínios Portugueses, séculos XV a XIX (CEDOPE) – Departamento de História da
Universidade Federal do Paraná. Fotocópia do original.
Mapa Geral dos Habitantes que existem no Districto da 1ª Companhia da freguesia de
Nossa Senhora Do Pilar da Villa Antonina, seus Nomes, Empregos, Naturalidades,
Estados, Corez, ocupações com espesificação das Cazualidades que acontecia em
cada uma das suas famílias respectivas desde a facturadas listas do anno antecedente.
Antonina, 1801. 2 Companhias de Ordenanças. Centro de Documentação e Pesquisa
de História dos Domínios Portugueses, séculos XV a XIX (CEDOPE) –
Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Fotocópia do original.
Mapa Geral dos habitantes na Villa Antonina no destricto da primeira Companhia, seus
nomes, empregos, naturalidades, estados, cores, ocupações com especificação do que
aconteceu em cada uma das suas respectivas famílias desde a factura das Listas do
anno pretérito. Antonina, 1808. 3 Companhias de Ordenanças. Centro de
Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, séculos XV a XIX
(CEDOPE) – Departamento de História da Universidade Federal do Paraná.
Fotocópia do original.
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88
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89
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