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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: a liberação de plantas transgênicas no meio ambiente
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: FERNANDA TEIXEIRA DE SOUZA
São José (SC), novembro de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: a liberação de plantas transgênicas no meio ambiente
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação do Prof. Msc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior. ACADÊMICA: FERNANDA TEIXEIRA DE SOUZA
São José (SC), novembro de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: a liberação de plantas transgênicas no meio ambiente
FERNANDA TEIXEIRA DE SOUZA Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel e aprovada
pelo curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de São
José.
Área de concentração: Direito Ambiental.
São José, 11 de novembro de 2004.
_____________________________________
Profo Msc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior UNIVALI – CE de São José
Orientador
_____________________________________
Profo Msc. Ricardo Stanziola Vieira UNIVALI – CE de São José
Membro
_____________________________________
Profo Msc. Rafael Neves Burlani UNIVALI – CE de São José
Membro
Dedico este trabalho:
Aos meus pais, Edson e Marilda, a minha
irmã Daiane, e ao meu grande amor Rafael,
por serem as pessoas mais importantes da
minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por tudo e sobretudo.
Aos meus pais, Edson e Marilda, por nunca deixarem de alimentar os meus
sonhos.
A minha amada irmã Daiane e ao meu querido cunhado Keller, por terem
proporcionado alegria a minha vida durante esses anos todos.
A minha sobrinha Nicole, por ter trazido luz a minha existência.
A minha alma gêmea Rafael, por simplesmente existir.
As minhas sogras Dalva e Neli, por cuidarem de mim como filha, e,
principalmente, por serem amigas.
Ao meu orientador, Professor Luiz Magno, pela atenção, dedicação, paciência e
apoio, tanto material quanto moral.
Ao pessoal do Tribunal de Justiça, Rodrigo, Dr. José Carlos, Fernando, Karol,
Guilherme, pela paciência, compreensão e apoio.
Ao pessoal da Procuradoria–Geral de Justiça, Dr. Raulino, Rosiane, Tatiana,
Mariana, Vinicius, Rodrigo, pelo apoio e pelos momentos de descontração.
Aos meus amigos, Ana Paula, Laura, Paula, Marcela, Célia, Helô, Carol, Treice,
Rau e Marco, por me proporcionarem momentos de prazer quando parecia impossível
encontrá-lo. E a todas as demais pessoas que contribuíram para que esta jornada se
completasse.
Chegará o dia em que o homem
conhecerá o íntimo dos animais e
desse dia em diante, um crime contra
um animal será considerado crime
contra a humanidade.
Leonardo da Vinci
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................8
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 9
1 BIOTECNOLOGIA E ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS.................... 13
1.1 Biotecnologia e melhoramento genético..................................................................13 1.2 Organismos geneticamente modificados e plantas transgênicas ...........................18 1.3 Agricultura, alimentos transgênicos e a soja ..........................................................21 1.4 Reação pública e polêmica em torno da aceitação dos OGMs ...............................25 2 POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E BIOSSEGURANÇA.........................30 2.1 Proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável ..................................30 2.2 Princípios constitucionais de proteção ambiental ....................................................35 2.3 EIA/RIMA como instrumento de garantia constitucional ..........................................44 2.4 Biossegurança como mecanismo de proteção da saúde humana e incolumidade do meio ambiente ....................................................................................47 3 OGMs E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ................................................................54 3.1 O ingresso da soja transgênica no Brasil e sua regulamentação ...........................54 3.2 Riscos de danos e incertezas científicas sobre os desdobramentos da utilização de OGMs .......................................................................................................59 3.3 A aplicação do princípio da precaução e a liberação da soja Roundup Ready no meio ambiente ...............................................................................................................65 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................74 5 APÊNDICES...............................................................................................................88 Apêndice 1 - Síntese dos Projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados sobre Biossegurança e transgênicos.............................................................................88 Apêndice 2 - Síntese dos Projetos de lei que tramitam no Senado Federal sobre Biossegurança e transgênicos.......................................................................................92 Apêndice 3 - Síntese das Medidas Provisórias editadas sobre plantio e comercialização da soja transgênica Roundup Ready .................................................93 6 ANEXOS.....................................................................................................................95 Anexo 1 - Lei n° 8.974/95 – Lei sobre Biossegurança...................................................95 Anexo 2 - Decreto n° 1.752/95 – Regulamenta a Lei nº 8.974/95 e dispõe sobre a competência da CTNBio..............................................................................................102
Anexo 3 - Medida Provisória n° 113/2003...................................................................108 Anexo 4 - Lei n° 10.688/2003 (converteu a Medida Provisória n° 113/2003)..............112 Anexo 5 - Medida Provisória n° 131/2003 ..................................................................114 Anexo 6 - Lei n° 10.814/2003 (converteu a Medida Provisória n° 131/2003)..............120 Anexo 7 - Medida Provisória n° 223/2004...................................................................123
RESUMO
A presente pesquisa destina-se a estudar de que forma devem ser tratadas as questões concernentes à liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente à luz do princípio da precaução. A técnica atual de biotecnologia moderna, empregada no melhoramento das espécies, utilizada pela engenharia genética (DNA recombinante), tem despertado preocupações, principalmente quando se trata do cultivo de plantas transgênicas em escala comercial. Diante da demonstração de incertezas científicas acerca dos possíveis danos que a disseminação dessas variedades genéticas na natureza, os quais jamais ocorreriam não fosse a intervenção humana, poderão acarretar, é que se tem invocado a aplicação do princípio da precaução. Referido princípio visa gerir a espera da informação, antes que a incerteza do risco possa ser verificada na prática, a fim de proteger o equilíbrio ambiental e, conseqüentemente, a sadia qualidade de vida, que são direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, determinando que certas atividades sejam controladas ou não sejam executadas. Por fim, analisa-se o caso pioneiro de liberação da soja geneticamente modificada (Roundup Ready) em nosso país, o qual causou grande polêmica por haver sido dispensado o estudo prévio de impacto ambiental (EIA), consistente no instrumento essencial de atendimento ao princípio da precaução.
INTRODUÇÃO
Desde o início dos tempos o homem vem empreendendo esforços no
melhoramento genético das espécies, mormente o de plantas, a fim de torná-las
mais adaptáveis às diversas condições naturais, no intuito de aumentar a
produtividade na agricultura, a fabricação de fármacos, melhorar a segurança
alimentar e produzir alimentos melhores e mais nutritivos.
Assim, do desenvolvimento da biotecnologia moderna no melhoramento
de cultivares, destaca-se uma das técnicas empregadas pela engenharia
genética, qual seja, a do DNA recombinante, que tem despertado preocupações
na população, pois possibilita que, por meio da manipulação humana, combine-
se material genético de organismos distintos, transpondo-se características
desejáveis de um para outro, que jamais poderiam ocorrer na natureza. O
organismo que teve a si inserido um gene estranho é, por esse motivo, chamado
de “transgênico” (ou organismo geneticamente modificado – OGM).
No entanto, quando se trata da liberação de plantas transgênicas no meio
ambiente, o assunto tem gerado polêmica, pois não se pode precisar de que
forma a nova característica adquirida pelo OGM interagirá em contexto distinto
daquele do qual proveio, ou seja, se comprometerá a saúde humana, a
segurança alimentar e o equilíbrio do meio ambiente.
O presente trabalho visa abordar quais são as orientações emanadas do
princípio constitucional da precaução, para fins de assegurar a proteção do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, responsável
pela manutenção da sadia qualidade de vida, quando inexistir certeza científica a
respeito de dano que possa ser causado à continuidade da natureza existente no
planeta. Especificamente, propõe-se analisar a questão da liberação da soja
geneticamente modificada Roundup Ready, por ter sido o pioneiro caso de
plantio de OGMs no Brasil, centrando-se na necessidade de atendimento ao
referido princípio através da implementação do instrumento que possui à sua
disposição, qual seja o estudo prévio de impacto ambiental, previsto na
Constituição Federal.
O trabalho utiliza, assim, o método indutivo, pois parte da observação e
análise de fenômenos conhecidos – incertezas acerca da técnica do DNA
recombinante e riscos existentes em torno dos OGMs, e a aplicação do princípio
geral de direito ambiental emanado, do art. 225, caput, da Constituição Federal
(princípio da precaução) – pretendendo-se confirmar a necessidade de avaliação
prévia da liberação das plantas transgênicas no meio ambiente, com ênfase nas
doutrinas acerca dos temas estudados, sem, no entanto, deixar-se de utilizar
alguns instrumentos legais.
No primeiro capítulo, realiza-se um breve estudo acerca da evolução
histórica das técnicas de melhoramento genético empregadas pela biotecnologia,
bem como a análise dos motivos pelos quais este século, que vem sendo
reconhecido como a “era biotecnológica”, tem encontrado, na aliança entre os
recursos genéticos e as novas tecnologias, uma fonte promissora de seu
desenvolvimento econômico. Após é abordado o diferencial conferido pela
engenharia genética, através do emprego de sua mais recente técnica no
melhoramento de espécies – DNA recombinante, verificando-se qual a razão de
estar despertando tanto interesse por parte de seus apologistas, principalmente
entre agricultores, que estão contando com os benefícios prometidos por essa
tecnologia na elaboração de plantas transgênicas mais adaptadas às condições
ambientais, em especial, em relação ao melhoramento da soja, que é de grande
interesse econômico. Ao mesmo tempo são delimitados alguns termos como
biotecnologia, engenharia genética, DNA recombinante e organismo
geneticamente modificado (transgênico). Em seguida trata-se da polêmica em
torno da liberação dessas variedades genéticas no meio ambiente, pois a
aplicação da nova técnica envolve inúmeras incertezas, principalmente em
relação aos riscos de danos que poderão advir para o equilíbrio ecológico, bem
como para a saúde humana.
No segundo capítulo, analisa-se a evolução histórica da legislação de
proteção ao meio ambiente, que, em decorrência da realização de dois
marcantes encontros internacionais - Conferência de Estocolmo e a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO ou Rio-92),
passou a ter normas de tutela ambiental respaldadas no princípio do
desenvolvimento sustentável, a fim de conciliar desenvolvimento econômico-
social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico (dos quais depende a saúde da humanidade). Verifica-se que tanto a
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) quanto a Constituição
Federal de 1988, inspiraram-se nos preceitos de desenvolvimento sustentável,
admitindo a norma maior como fundamental o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, na garantia da sadia qualidade de vida das gerações
humanas e na continuidade da natureza existente no planeta. Logo, foram
abordados os princípios gerais de direito ambiental emanados da Constituição,
os quais visam assegurar a proteção desse direito, analisando-se, em seguida,
de que forma a biossegurança surge para fins de garantir a disponibilidade do
desenvolvimento através do emprego das novas tecnologias em consonância
com a preservação da diversidade biológica, estabelecendo normas de
segurança no uso da biotecnologia.
No terceiro capítulo, analisa-se o caso específico do ingresso da soja
transgênica Roundup Ready no Brasil, bem como as resistências oferecidas por
parte de cientistas e entidades ambientalistas ao seu plantio em escala
comercial. Após, busca-se apresentar alguns casos e experimentos, através dos
quais é possível verificar que a nova tecnologia empregada pela engenharia
genética, bem como os produtos dela advindos, não são tão seguros para a
alimentação e para o meio ambiente quanto os favoráveis à sua aceitação
tentam fazer crer, noticiando-se, ainda, alguns riscos que também são
considerados por aqueles que argúem o princípio da precaução para o
gerenciamento do tema. Em seguida, verifica-se a imprescindibilidade de se
aplicar o princípio da precaução no caso da liberação da soja transgênica RR na
natureza, por ser este referido princípio indissociável da prática de
biossegurança, ou seja, dos procedimentos que visam evitar ou controlar
eventuais problemas suscitados por pesquisas biológicas e suas aplicações, face
à ausência certeza científica acerca dos riscos que permeiam o emprego da
tecnologia, já que não há como dimensionar os danos que o descarte desses
seres modificados poderão acarretar à saúde humana e ao meio ambiente. Por
fim, chega-se à conclusão de que tanto a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) quanto as Medidas Provisórias n°s 113 e 131, ambas
de 2003, e a Medida Provisória n° 223 de 14 de outubro 2004, desrespeitaram o
princípio da precaução, comprometendo o equilíbrio da natureza e,
conseqüentemente, a sadia qualidade de vida que dele depende, pois autorizam
o plantio em escala comercial da soja RR, sem a realização de estudo prévio de
impacto ambiental (EIA), procedimento este que serve de instrumento à
implementação de referido princípio na garantia do equilíbrio do meio ambiente,
assegurando-se a continuidade da natureza existente no planeta e, por
conseguinte, a sadia qualidade de vida das gerações humanas.
1 BIOTECNOLOGIA E ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
1.1 Biotecnologia e melhoramento genético
Durante cinco séculos, elementos como carvão, petróleo e gás natural
vêm impulsionando a era da economia industrial, que ficou marcada pela
realização das tarefas de fundir, derreter, soldar, forjar e queimar, através da
utilização do fogo. Esse período (século XX), revelou-se pela relevância atribuída
às ciências da física e química, pois proporcionaram ao homem “o poder de
desfazer o mundo inanimado e transformá-lo em um mundo de absoluta
utilidade”. (RIFKIN, 1999, p. 5-8).
No entanto, o fato de as reservas de combustíveis fósseis estarem se
extinguindo continuamente vem fazendo com que a civilização se veja, no século
XXI, obrigada a buscar novas formas alternativas de aproveitamento dos
recursos da natureza, o que começa a por em cheque à idade da pirotecnologia1.
(RIFKIN, 1999, p. 7).
É dentro desse contexto de escassez de combustível que, para manter as
“fornalhas econômicas acesas”, os cientistas começam a catalogar a informação
genética de plantas, animais e seres humanos, criando um novo gênero de
banco de dados - o biológico -, para servir de recurso primário bruto à emergente
economia biotecnológica. Dessa forma, o crescimento econômico, agora da era
bioindustrial, passa a ter como recurso básico a diversidade biológica ou
biodiversidade2. (RIFKIN, 1999, p. 4-12).
Paralelamente a essa consciência global de exaustão das reservas de
energia, desencadeia-se, também, uma preocupação cada vez maior com a
1 Referente à pirotecnia (arte de empregar o fogo ou os explosivos). (AURÉLIO, 1997, p. 1339). 2 “Representa a enorme variedade de formas de vida (espécies) e é um dos principais alvos da biotecnologia, em que os organismos vivos passam a ser manipulados geneticamente, possibilitando a criação de organismos transgênicos”. (FIORILLO, 2003, p. 179).
proteção ambiental, surgindo, assim, a idéia de desenvolvimento sustentável3,
pois não apenas os recursos dos quais depende o crescimento econômico é que
começam a se comprometer, mas também, e principalmente, pelo fato de estar
em questão a saúde do meio ambiente, da qual depende a qualidade de vida da
humanidade, que se manteve negligenciada durante muitas décadas em prol do
progresso. (RIFKIN, 1999, p. 4-8; HERMANS, 2002, p. 30).
A biotecnologia começa, assim, a apresentar-se como a nova “matriz
operacional” da economia do século XXI, tornando, via de conseqüência, o
momento propício para a ascensão das ciências biológicas, que passam a
encontrar lugar de destaque dentro da nascente era que se avizinha. (RIFKIN,
1999, p. 9-16; DOMINGUES, 1989, p. 38).
Atualmente, organismos vivos são utilizados pelas indústrias, sendo que o
reconhecimento do direito de patentes4 aos processos técnicos empregados na
fabricação de produtos dentro dos campos da medicina, agricultura, saneamento,
alimentação, energia, farmacêutica, química e meio ambiente, foi o fator
determinante para que a biotecnologia adentrasse de fato no mercado.
(DOMINGUES, 1989, p. 40; LEITE, 2000, p. 30).
Segundo definição doutrinária, biotecnologia “é a aplicação dos princípios
científicos e da engenharia ao processamento de materiais, através de agentes
3 A definição conceitual de desenvolvimento sustentável, e o contexto histórico que marca o seu surgimento como princípio de direito ambiental, serão analisados no Capítulo 2. 4 Patente de invenção “é o título de privilégio concedido ao inventor de uma descoberta de utilidade industrial. Por ela, cuja concessão assenta em regular processo administrativo, garante-se ao inventor o uso e gozo exclusivo da exploração de seu invento ou descoberta. A patente não é concedida em caráter permanente. A lei marca prazo para o gozo do privilégio inerente à sua concessão”. (DE PLACIDO E SILVA, 2001, p. 593). No Brasil, podem ser destacados os seguintes diplomas legais para a proteção do patrimônio intelectual em biotecnologia e do acesso aos recursos genéticos: a) A Lei de Proteção à Propriedade Industrial ou Intelectual (Lei n° 9.279/96) confere ao inventor patente, titulo oficial ou privilégio, que lhe atribui monopólio temporário sobre a invenção, devido ao alto custo das pesquisas tecnológicas e a possibilidade de apropriação dos resultados das atividades inovadoras, incluindo na relação das invenções patenteáveis (art. 18) os organismos transgênicos, sendo requisitos da concessão a novidade, o processo inventivo e a aplicação industrial; b) A Medida Provisória n° 2.0552-2/2000 (regulamenta a Convenção de Diversidade Biológica e, por conseguinte, o acesso ao patrimônio genético, bem como os direitos dos seus proprietários e detentores do conhecimento tradicional a ele associado, que seja importante à conservação da diversidade biológica e sua integridade); e c) A Lei de Cultivares (Lei n° 9.456/97 – confere direito de exclusividade dos direitos relativos à propriedade intelectual, relacionados à semente ou material propagativo, isto é, de reprodução ou multiplicação vegetativa).
biológicos, para prover bens e serviços”. Sua especificidade advém da presença
dos agentes biológicos (principalmente tecidos, animais ou vegetais, células e
microrganismos ou enzimas) que realizam as conversões químicas, e não dos
produtos industriais envolvidos ou do tipo de materiais utilizados (orgânicos ou
inorgânicos). (DOMINGUES, 1989, p. 39).
Importante lembrar, ainda, que a Agenda 21, documento elaborado
durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio-92)5, abordando tipos de ações a serem realizadas na
prática para fins de atingir um desenvolvimento sustentável, considerou, no seu
Capitulo 16, a biotecnologia como sendo
um conjunto de técnicas que possibilitam a realização pelo homem de mudanças específicas no ácido desoxirribonucleico (DNA), ou material genético, em plantas, animais e sistemas microbianos, conducentes a produtos e tecnologias úteis. (AGENDA 21, 1992).
Assim, como bem se pode constatar das definições esposadas, a
biotecnologia traduz-se no emprego de agentes biológicos e na utilização
integrada de diferentes ciências e técnicas para potencializá-los, isto é, para
obter um produto, processo ou serviço. Sendo que, dentre essas ciências e
técnicas usadas na aplicação de suas capacidades (dos agentes biológicos)
estão a microbiologia, engenharia genética, bioquímica, biologia molecular,
biologia química e engenharia bioquímica, do que se conclui que a biotecnologia
é uma ciência complexa, possuindo áreas específicas de desenvolvimento.
(PATRICIO e ALMEIDA, 1984, apud DOMINGUES, 1989, p. 39-40).
Dentre as mencionadas técnicas, que são tidas como sistemas de
catalisadores biológicos, por serem empregadas na dinamização e estimulação
do agente biológico, a engenharia genética6 é a tecnologia que vem alcançando
posição de destaque no campo da biotecnologia, em decorrência da descoberta
5 Da Conferência Rio-92, que tinha por tema central o Desenvolvimento Sustentável, resultou a aprovação de dois tratados internacionais – Convenção sobre Alteração Climática e Convenção sobre Diversidade Biológica -, e, ainda, três documentos internacionais – Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre o Manejo das Florestas e a Agenda 21. (HERMANS, 2002, p. 34). A respeito da Conferência ECO-92, será feita uma melhor abordagem no Capítulo 2. 6 Segundo Vanessa de Sá (1997), a engenharia genética, “mais do que produzir ‘monstros’', talvez seja hoje a principal ferramenta de trabalho da indústria farmacêutica e da agroindústria”.
da fusão celular e do DNA recombinante e suas aplicações nos processos de
fermentação e cultura de tecidos, os quais serão explicados mais adiante.
(DOMINGUES, 1989, p. 41).
A engenharia genética7, através da definição trazida por Domingues
(1989, p. 42-43), pode ser entendida como sendo uma tecnologia que, utilizada
em nível de laboratório, “permite ao pesquisador alterar o aparato hereditário de
uma célula viva, de forma que possa produzir mais eficientemente uma
variedade de produtos químicos, ou então desempenhar funções totalmente
novas”. Assim, a célula modificada resultante da alteração é que será aplicada
no processo de produção industrial.
Segundo Vieira (2004, p. 28-29), as técnicas atuais da biotecnologia
moderna, utilizadas na transformação genética, podem ser vistas como a
continuação da aplicação de uma série de métodos tradicionais (indução de
mutações, hibridização entre espécies e gêneros, duplicação de cromossomos,
cultura de células e tecidos in vitro e a fusão de células somáticas) ao longo de
toda a história da humanidade no melhoramento das espécies, para fins como os
de aumentar a produtividade na agricultura, melhorar a segurança alimentar e
produzir alimentos melhores e mais nutritivos.
O mencionado processo de fermentação, que consiste na “reprodução de
determinado microrganismo sobre um substrato orgânico, com diferentes
finalidades”, é de há muito utilizado pelo homem, que, muito embora não tivesse
consciência a respeito da aplicação de referido processo na obtenção de
alimentos e bebidas, valia-se de agentes biológicos desde a fase pré-histórica
para a produção de fermentos para pão, fungos e mofo para fabricar vinagre,
chucrute, ácido e bebidas alcoólicas. Na fase moderna, a fermentação passou a
ser aplicada na produção de vitaminas e antibióticos no âmbito da indústria
farmacêutica, e solventes orgânicos e enzimas no campo da indústria química.
7 A Lei da Biossegurança (Lei n° 8.974/95), traz no inciso V do seu art. 3°, o conceito do que vem a ser engenharia genética: “atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes”. Sendo que estas (ADN/RNA recombinantes), são definidas pelo mesmo diploma legal (inciso III do art. 3°), como “aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou, ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação”.
Já na fase de fronteira (atual) o processo de fermentação tem devido seu
desenvolvimento e aplicação aos avanços da engenharia genética, estando esta
fase, ainda, subdividida em dois grupos: tecnologia direta ou de fermentação e
tecnologia indireta ou enzimática. (DOMINGUES, 1989, p. 43-44).
O processo de cultura de tecidos8 desenvolveu-se tanto no reino animal,
como no reino vegetal. A cultura de tecidos animais possibilitou a descoberta de
vacinas virais, já a cultura de tecidos vegetais, por meio da técnica de
engenharia genética, permitiu a introdução em plantas de genes especiais, do
que resultou a criação de vegetais com novas características. (PATRICIO e
ALMEIDA, 1984, apud, DOMINGUES, 1989, p. 44).
Dentre as técnicas utilizadas pela engenharia genética para a
implementação dos processos acima elucidados, conforme mencionado
anteriormente, estão a fusão celular e o DNA recombinante. No que diz respeito
à primeira (fusão celular), pode-se criar, por meio da união de duas ou mais
células de espécies vegetais normalmente incompatíveis, uma nova célula com
características das duas espécies anteriores, sendo que esta nova célula, por
sua vez, poderá ser multiplicada pelo processo da cultura de tecidos. (PATRICIO
e ALMEIDA, 1984, apud, DOMINGUES, 1989, p. 45).
E, por meio da utilização da técnica do DNA recombinante, combina-se,
através da manipulação humana, material genético de organismos distintos,
transpondo-se genes9 de um para outro, criando-se tanto espécies com
cromossomo alterado que poderiam se dar naturalmente (sem interferência
humana), como espécies com novas propriedades genéticas que não ocorreriam
normalmente. É o que se extrai da definição feita por Lehninger (1984, apud
MACHADO, 2003, p. 928):
A recombinação gênica consiste na troca ou adição, biologicamente normal, de genes de diferentes origens para formar um cromossomo alterado que possa ser replicado, transcrito e traduzido. Genes ou conjunto de genes podem, também, ser recombinados no tubo de
8 Conjuntos multicelulares organizados. (AURÉLIO, 1997, p. 1656). 9 Segundo Leite (2000, p. 23) “uma boa definição simplificada para gene seria a seqüência de DNA necessária para que uma célula possa produzir determinada proteína”. Explicando que os seres vivos não são compostos só de DNA, sendo as proteínas o fundamental na composição dos seres vivos.
ensaio para produzir novas combinações que não ocorrem biologicamente.
Assim, o organismo que recebeu genes exógenos através das técnicas de
engenharia genética, isto é, que não seria possível ocorrer naturalmente em
razão das barreiras impostas pelas espécies, é o que se tem por organismo
geneticamente modificado (OGM) ou organismo transgênico, o qual será objeto
de análise do próximo item.
1.2 Organismos geneticamente modificados e plantas transgênicas
Os organismos geneticamente modificados (OGMs), também conhecidos
por organismos transgênicos, são definidos como aqueles que receberam um ou
mais genes estranhos, que não possuíam originariamente, cuja transferência
deu-se artificialmente, isto é, através de técnicas da engenharia genética (in
vitro), empregando-se, por essa razão, a palavra transgênico, que, ao ser
decomposta, nos apresenta o seguinte significado do vocábulo latino: trans, que
dá a idéia de intensidade, algo além de, através, para além de; e, gênico,
referente a gene. Do que resulta algo “além do gene”. (LEITE, 2000, p. 18;
FIORILLO, 2003, p. 179).
A Lei n° 8.974/95 (Lei da Biossegurança) também conceitua o que vem a
ser organismo geneticamente modificado, nos seguintes termos: aquele “cujo
material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de
engenharia genética” (inciso IV do art. 3°)10.
A impressão que fica da leitura do referido dispositivo legal é a de que a
simples realização de alteração no DNA do organismo, sem que
10 A Lei n° 8.974/95 também traz em seu texto outras definições, tais como: “ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN) - material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência” (inciso II do art. 3°); e, “ moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural (inciso III do art. 3°).
necessariamente ele tenha recebido gene estranho, seria suficiente para
classificá-lo como transgênico, isto é, bastava ter sido resultado do emprego da
tecnologia de engenharia genética. No entanto, o que caracteriza um organismo
como transgênico é o fato de a ele ter sido incorporado um gene exógeno, como
resultado da transposição das barreiras naturais existentes na espécie. Tal como
explicitado por Vieira (2004, p. 30): “quando o genoma de um organismo é
alterado pela inserção de segmentos de DNA exógeno, ou seja, de outro
organismo, o novo ser é denominado transgênico”.
Essas técnicas utilizadas pela engenharia genética, capazes de eliminar,
inserir e transferir genes, abrem portas para a realização de um sem número de
experimentos, como, por exemplo:
bactérias e até animais capazes de produzir certas proteínas de interesse para a saúde humana (como a insulina e hormônios de crescimento), camundongos e outros animais de laboratório sem determinados genes ou com genes alterados (destinados a pesquisas de vários tipos), e uma ampla variedade de plantas com características especiais, como resistência ao ataque de pragas e doenças, tolerância a diversos estresses ambientais (seca, frio, salinidade, etc.) maiores teores de aminoácidos essenciais, de vitaminas e de compostos com ação farmacológica, além de alterações na coloração, no sabor ou em aspectos físicos e químicos dos alimentos. (VIEIRA, 2004, p. 30-31).
As plantas geneticamente modificadas, segundo definição de Vieira (2004,
p. 31), são “as espécies e variedades tradicionalmente cultivadas, as quais foram
acrescentados um ou mais genes em suas células, introduzidos através das
técnicas de transformação genética”. Ou, ainda, como prefere Noradi (1999,
apud MACHADO, 2003, p. 929), são “os organismos que tiveram seu material
genético alterado por métodos não naturais. [...]”. Isto é, através da “transferência
in vitro, que é a engenharia genética”.
Dentre os tipos de processos de transformação genética das plantas,
existem dois métodos de transferência de DNA que se destacam: o chamado
método de transformação via Agrobacterium tumefaciens (bactéria que possui a
capacidade de transferir segmentos de seu próprio DNA para certas plantas,
sendo o chamado “fenômeno natural” de transferência de genes entre espécies),
que possibilita a inserção em plantas de certos genes responsáveis por
características desejáveis; e, ainda, a transformação via Biobalística, que se trata
de um método de bombardeamento de células vegetais com partículas de metal
recobertas com DNA de outras espécies e aceleradas a altas velocidades.
(VIEIRA, 2004, p. 31).
Em seguida, as células que incorporaram os genes através dos referidos
métodos serão selecionadas para que, através da cultura de tecidos, sejam
regeneradas11, produzindo-se, desta forma, as plantas transgênicas. (VIEIRA,
2004, p. 31).
O melhoramento genético de plantas tem por finalidade a obtenção de
espécies resistentes a doenças e insetos, adaptação aos estresses ambientais,
melhoria na qualidade nutricional e a produção de fármacos. (ARAGÃO, 2004, p.
33).
Existe, porém, uma “limitação” na aplicação de tais métodos, em razão da
falta de precisão inerente aos procedimentos adotados. Trata-se da
característica de integração aleatória do gene no cromossomo da planta
recipiente, significando dizer que ao serem inseridos os genes, não se sabe
exatamente onde serão incorporados, ou mesmo se o serão. Esta integração
aleatória é vista, pois, como uma limitação dessa tecnologia, pelo fato de que,
sendo a atividade de um gene influenciada pela posição em que se encontra no
cromossomo, poderá acabar por não conferir o efeito almejado. (VIEIRA, 2004,
p. 32; LEITE, 2000, p. 45).
Além do que, a grande questão atinente a essa falta de precisão da
manipulação genética também gira em torno da possibilidade de a inserção do
gene exógeno vir a causar o silenciamento ou a superexpressão de outro gene
(nativo ou não). Por estes motivos, as opiniões são conflitantes em relação a
aspectos dos OGMs que se referem à ocorrência de mudanças genéticas
aleatórias, à transposição de barreiras entre as espécies e, ainda, no que diz
11 Conforme explica Vieira (2004, p. 31), essa “regeneração de plantas in vitro, nada mais é do que o cultivo de tecidos vegetais, como pedaços de folha, cotilédones (as primeiras folhas visíveis após a germinação de uma semente) ou o hipocótilo (parte do caule de um embrião ou plântula, abaixo dos cotilédones), em condições controladas, levando à produção de mudas em larga escala”.
respeito aos impactos ao meio ambiente e à saúde humana12. (VIEIRA, 2004, p.
29-32).
Diversamente das técnicas de melhoramentos tradicionais que se cingem
à transferência de genes entre organismos de mesma espécie ou, no máximo, de
espécies distintas que contenham um material genético com considerável
semelhança, as técnicas biotecnológicas possibilitam a inserção de genes em
espécies que jamais ocorreria naturalmente, a não ser em situações
extremamente raras. E é essa nova característica adquirida pelo OGM e sua
interação em contexto distinto daquele do qual proveio que devem ser avaliadas
detalhadamente, pois não se pode precisar os efeitos que advirão do uso dessa
tecnologia, seja em relação à saúde humana, à segurança alimentar ou ao meio
ambiente. (VIEIRA, 2004, p.32).
No entanto, apesar de ausência de precisão que permeia o emprego da
tecnologia da engenharia genética acabar por promover uma certa insegurança
na população, tornando controvertida a questão da liberação de espécies
geneticamente modificadas para além das paredes dos laboratórios, é ao
“favorecer” a natureza, no que se relaciona à alimentação, que a nova
biotecnologia proporciona um contexto cultural favorável à sua ampla aceitação,
pois vem imbuída da promessa de que somente a engenharia genética poderá
resolver o problema da fome no planeta, ao permitir que se produzam, mais
rapidamente e em maior quantidade, alimentos enriquecidos e cultivares
resistentes a pragas, secas e a solos deficientes ou tóxicos. (LEITE, 2000;
RIFIKIN, 1999).
Naturalmente, essa oferta de cultivares mais adaptáveis às condições
ambientais acaba por despertar grande interesse por entre os agricultores, que
esperam, a medida em que a planta se torna mais resistente, reduzir os custos
da produção e, via de conseqüência, aumentar os lucros.
12 Essas limitações e riscos, no tocante a OGMs, serão abordados com maior detalhamento no Capítulo 3.
1.3 Agricultura, alimentos transgênicos e a soja
Conforme já se procurou evidenciar, o interesse predominante no
emprego dos transgênicos pela agricultura é eminentemente econômico,
visando-se à intensificação13 da produção por área e tempo a custos reduzidos.
Por essa razão, é que referida tecnologia tem despertado entusiasmo por entre
agricultores e indústrias (que esperam aumentar seus lucros), e, inclusive,
consumidores (que pensam em se beneficiar com os preços baixos
proporcionados pela redução de custos na produção, bem como com produtos
mais nutritivos e abundantes14). Não obstante, ainda, os engenheiros genéticos
alegarem a existência de outras intenções, como, por exemplo, saciar a fome
das populações pobres do mundo, que não possuem alimentos suficientes para
suprir suas necessidades. O que, desta perspectiva, fazem crer seus defensores
que qualquer posição contrária à biotecnologia equivaleria a opor-se ao
progresso na luta contra a fome15 e a doença. “Logicamente, toda essa gama de
13 Para Marilena Lazzarini (FOLHA, 1998), “não há evidência de aumento de produtividade nos experimentos realizados com a soja no Brasil”. O articulista adverte, ainda, que os agricultores, principalmente os de menor porte, vão transformar-se em reféns das empresas detentoras de patentes. 14 Segundo Marilena Lazzarini (FOLHA, 1998), “nenhuma solicitação para aumentar o valor nutritivo ou diminuir o preço dos alimentos está sendo analisada, mas as empresas (e setores do governo) divulgam esses produtos como a panacéia para a solução da fome e para uma agricultura sustentável. Já prometeram isso outras vezes e, com esse pretexto, impuseram o uso intensivo de venenos agrícolas, com suas graves seqüelas. Os mesmos argumentos são ‘ressuscitados’ agora, numa ofensa ao bom senso, pois o problema da fome tem soluções que passam longe dessa via”. 15 Os defensores do uso dos OGMs na agricultura sustentam que poderão contribuir para a solução de problemas que afetam áreas empobrecidas do planeta, afirmando que somente em se aderindo ao emprego dessa tecnologia é que haverá como alimentar a população mundial nas próximas décadas. (LACEY, 2004, p. 50-52). Segundo Klabin (1999), de acordo com estatísticas da FAO (Biotechnology and Food Safety- Organização das Nações Unidas para Alimento e Agricultura) a produtividade de grãos e alimentos ultrapassa em 30% as necessidades da população planetária, entendendo que o problema da fome não está no quanto se produz, e sim na “perversidade” com que se distribui de forma desproporcional o que é produzido.
Explica, também, Leite (2000, p. 73), “que a pesquisa adaptativa da biotecnologia agrícola, expandida e esclarecida, pode contribuir para a segurança alimentar em países em desenvolvimento, desde que se concentre nas necessidades de agricultores pobres e de consumidores nesses países, necessidades essas identificadas com as próprias pessoas pobres”. Sendo que também “é crucial que a biotecnologia seja vista como parte de uma estratégia de combate à pobreza abrangente e sustentável, não como uma panacéia tecnológica para a fome mundial”.
aspectos positivos, não passa ainda de mera expectativa, necessitando ser
confirmada no futuro”. (LEITE, 2000, p. 62-74; MORAES DA SILVA, 2003, p.
100; FOLHA, 1998b).
Segundo Aragão (2004, p. 33-35), no caso do Brasil, o desenvolvimento
de tecnologias modernas empregadas no melhoramento de plantas conferiu um
acréscimo de 100% (cem por cento) na produção do País, para um aumento de
área plantada de apenas 12% (doze por cento), em razão da geração de
variedades mais adaptadas às diversas condições ambientais. No caso
específico da aplicação da técnica do DNA recombinante à agricultura, o
entusiasmo despertado dá-se pela possibilidade ainda maior de se obter esse
melhoramento, pois viabilizaria a transferência de características desejadas,
encontradas em um organismo, para a planta de interesse, o que não seria
possível através do emprego das técnicas utilizadas até então. Porém, o
emprego de referida tecnologia no plantio em escala comercial não é legalizado
no país16.
Assim, dentre as promessas vendidas por parte daqueles (os defensores
da legitimação) que buscam garantir a aceitabilidade dos OGMs no âmbito da
agricultura, bem como dos produtos e subprodutos que dela derivam, podemos
elencar: a) uso de pesticidas em menor quantidade (plantas resistentes à
herbicidas e a insetos), gerando mais lucro para os agricultores; b) solução para
problemas que afetam áreas empobrecidas do planeta (aumento da eficiência da
produção e da distribuição de alimentos, bem como o melhoramento do valor
nutritivo destes); e c) redução dos danos causados ao meio ambiente em
decorrência do uso em menor escala de pesticidas e herbicidas. Chegando os
defensores, até mesmo, a afirmar que os OGMs deveriam se tornar uma
consideração prioritária das políticas públicas, apoiando-se na alegação de falta
de meios alternativos para alimentar o mundo. (LACEY, 2004, p. 51).
A soja, por exemplo, é um dos grãos mais cultivados mundialmente em
16 A discussão em torno da regulamentação nacional sobre o uso de plantas transgênicas será brevemente apresentado no Capítulo 3. No apêndice 1 pode-se perceber o resultado de um sumário abordando os diferentes diplomas legislativos que se encontram em tramitação no Congresso Nacional, os quais pretendem disciplinar, direta e indiretamente, a questão.
razão da grande procura em torno desse alimento, por possuir altíssima
importância em nossa dieta alimentar, estando presente nos mais diversos tipos
de produtos que consumimos. Dessa forma, em função da essencialidade desse
grão em nossa alimentação, o mercado tem sido pressionado pelo crescimento
da demanda pelo produto. É por esse motivo que se tem buscado pelo
melhoramento genético de referida planta, através da utilização da técnica do
DNA recombinante, a fim de que se torne mais adaptável às condições naturais,
para que, ao reduzir os custos da produção, proporcione mais lucros para os
agricultores. (ARAGÃO, 2004, p. 33-35).
Marcelino (2004, p. 38-39), também concorda em dizer que a busca pela
ampliação do plantio de soja é decorrente do fato de a grande maioria dos
produtos alimentícios a possuírem em sua composição. Já Carneiro (2004, p.40-
42) entende que o aumento do cultivo de soja está relacionado principalmente ao
fato de esse grão ser utilizado em ração para gado de corte, para que se produza
carne cada vez em maior quantidade a um custo sempre reduzido. De qualquer
forma, seja qual for o fim almejado, tal como bem assinala Moraes da Silva
(2003, p. 98-102), o objetivo maior está diretamente relacionado ao óbvio intento
lucrativo.
Dessa forma, em razão do interesse econômico atribuído à soja, é que se
tem empregado a tecnologia do DNA recombinante no seu melhoramento
genético. Portanto, optou-se por listar algumas das espécies de soja que vêm
tendo seus experimentos implementados e até comercializados, utilizando-se
para tanto um critério que leva em consideração o tipo de propriedade que se
busca atribuir ao grão.
Assim, as espécies de soja podem ser listadas quanto à:
(a) resistência a patógenos17: pretendem desenvolver plantas resistentes
a organismos capazes de provocar doenças, como o fungo da “ferrugem
asiática”, que, embora ainda não esteja sendo comercializada, encontra-se em
fase de pré-melhoramento. (ARAGÃO, 2004, p. 35);
17 Organismos capazes de provocar doenças. (ARAGÃO, 2004, p. 34).
(b) resistência a estresses ambientais: para que se minimize os impactos
nas plantas provocados por déficit hídrico, baixa temperatura e alta concentração
salina. O Centro Internacional de Mejoramiento de Maíz y Trigo (México), está
testando na soja o gene DRE (que revelou estar relacionado à expressão de
genes que respondem ao estresse hídrico e à baixa temperatura), e os genes
DREB e BiP – chaperone bindin protein - (para conferir tolerância à falta de
irrigação). Este último (BiP) está sendo testado, igualmente, na Embrapa -
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Recursos Genéticos e
Biotecnologia. (ARAGÃO, 2004, p. 34-35);
(c) melhoramento do valor nutricional das plantas: estão sendo realizadas
pesquisas pela Embrapa para produção de soja com menos teor de fitato,
considerado um fator antinutricional deste alimento por retirar e disponibilizar
elementos considerados importantes para a nutrição, como o cálcio, o ferro e o
fósforo. (ARAGÃO, 2004, p. 35).
(d) resistência a pragas (insetos): estudos estão sendo desenvolvidos
nesse sentido com a soja, através da inserção do gene “Bt” da bactéria Bacillus
thuringiensis, que funciona como inseticida natural que destrói o aparelho
digestivo de insetos. Aqui, a planta recebe o gene para fabricar o próprio veneno.
“Teoricamente, não seria mais necessário pulverizar o campo para controlar
pragas como lagartas e besouros, pois eles morreriam ao se alimentar da própria
planta”. Embora já existam plantas que contenham o gene Bt sendo
comercializadas (batata, milho e algodão), sua aplicação à soja ainda está em
fase de avaliação. (LEITE, 2000, p. 49-50; ARAGÃO, 2004, p. 35).
(e) tolerância ao herbicida Roundup (glifosato): esta pesquisa realizada
com a soja, na qual ocorreu a transferência de um gene da bactéria
(Agrobacterium) e de uma flor, para funcionarem como antídoto ao uso do
agrotóxico, denominando-a, por isso, Roundup Ready, foi desenvolvida pela
empresa multinacional Monsanto do Brasil18. (LEITE, 2000, p. 49; CARNEIRO,
2004, p. 41).
18 A empresa norte-americana Monsanto é a maior produtora de alimentos transgênicos e de herbicidas do mundo, incluindo o próprio Roundup. (CARNEIRO, 2004, p. 41).
No entanto, conforme já exposto, o que gera maiores reações frente às
espécies geneticamente modificadas, são as incertezas em torno das possíveis
conseqüências advindas de sua utilização, em razão da transposição dos limites
naturais existentes entre as espécies.
1.4 Reação pública e polêmica em torno da aceitação dos OGMs
A reação mundial existente frente aos OGMs é semelhante à enfrentada
quando da divulgação da descoberta da técnica do DNA recombinante pela
engenharia genética, pois, assim como naquela época (1974), os riscos e
incertezas que os envolvem (tecnologia e produtos dela advindos) continuam
longe de serem suficientemente esclarecidos ou conhecidos. Do que se percebe,
“a engenharia genética nasceu e permanece polêmica, por mais que seus
apologistas considerem ter demonstrado cientificamente sua segurança às
autoridades competentes”. (LEITE, 2000, p. 25-33).
Até mesmo os geneticistas, seguidamente à descoberta no campo da
engenharia genética do DNA recombinante, manifestaram seu receio quanto à
utilização da nova técnica, tanto assim o foi que, nos dizeres de Marcelo Leite
(2000, p. 26-27), deram um exemplo sem precedentes de precaução19, ao
proporem uma moratória voluntária para a realização desse tipo de pesquisa,
chamando atenção também para a necessidade de sua auto-regulamentação:
Os próprios pioneiros do DNA recombinante pautavam-se pela intuição de que poderia haver algo de muito arriscado e imprevisível nessa capacidade recém-adquirida de modificar o patrimônio genético de indivíduos e mesmo de espécies, para não mencionar a transferência de genes de uma espécie a outra: “As novas técnicas, que permitem a combinação de informação genética de organismos muito diferentes,
19 Segundo Rifkin, esse convite feito pelos pesquisadores, enquanto aguardavam o estabelecimento de diretrizes do governo federal para se assegurar protocolos de garantias nos laboratórios biotecnológicos americanos, de se iniciar uma automoratória nos experimentos de recombinação do DNA, tinha como motivação maior questões de caráter meramente pessoal ou institucional dos geneticistas, e nem tanto pelas potenciais conseqüências do escape de organismos com gene alterado para o meio ambiente. (RIFIKIN, 1999, p. XIV-XV).
colocam-nos numa área da biologia com muitas incógnitas20”. (LEITE, 2000, p. 27).
A questão em torno da técnica descoberta chegou, inclusive, a ser no ano
seguinte (1975) objeto de reunião internacional (Conferência de Asilomar,
Califórnia)21, na qual foram debatidas suas implicações éticas e de segurança.
Ganhava, assim, projeção internacional a discussão que se instaurava,
resultando em certas restrições aos avanços biotecnológicos. Essa discussão, no
entanto, acabou limitando-se a fóruns qualificados (debates científicos e
acadêmicos) uma vez que ainda não existiam produtos para uso fora do
laboratório, permanecendo distante o suficiente da sociedade a ponto de não
perturbar o imaginário da população com temas como ameaça à saúde e ao
meio ambiente. (LEITE, 2000, p. 26-29).
Posteriormente, quando a tensão parecia diminuir entre os cientistas, a
medida em que se chegava a um consenso sobre as exigências mínimas de
segurança para os locais que desenvolviam atividades relacionadas a OGMs, já
se indagava se os requisitos estabelecidos pela Conferência de Asilomar não
seriam excessivamente rigorosos e contraproducentes para as pesquisas
científicas. Começava, então, a preponderar promessas e benefícios da
biotecnologia nascente sobre a incerteza dos riscos indeterminados. (LEITE,
2000, p. 29).
Destaca-se, porém, que existe uma polêmica ainda por ser decidida em
torno dos transgênicos. Muito embora seus apologistas defendam a segurança
de sua utilização, a maioria das pessoas, segundo aponta Leite (2000, p. 33),
“sensibilizada ou não pelos argumentos de ordem religiosa ou ética (contrários à
manipulação da vida como um bem sagrado e intocável) ignorante ou não das
particularidades científicas”, consegue intuir que a engenharia genética
20 Esta citação foi feita Por Marcelo Leite, que a retirou de uma publicação feita na revista Science, em junho de 1975 (vol. 188, p.991), a qual tecia as conclusões obtidas da Conferência de Asilomar. 21 De acordo com a imprensa, o evento em Asilomar caracterizou-se pela superficialidade, por atitudes conflitantes e pela auto-indulgência, pois a maioria dos participantes estava mais interessada em levar adiante seus experimentos, opondo-se a qualquer tipo de regulamentação. (RIFIKIN, 1999, p. XIV-XV).
ultrapassa uma linha fundamental, pois, conforme visto no item anterior, a
transferência de genes inteiros de uma espécie para outra para além das forças
da natureza (casos em que só poderia ocorrer em situações excepcionais e sob
o controle da seleção natural em anos de evolução), é bem diferente das
técnicas de melhoramento de espécies até então aplicadas22.
Com a nova tecnologia o melhoramento genético não se restringe ao
organismo, mas ao seu gene, o que permite exceder-se às fronteiras impostas
por cada espécie. (RIFKIN, 1999, p. 14):
A engenharia genética ultrapassa as barreiras das espécies. Com essa nova tecnologia, a manipulação ocorre no nível genético e não no nível da espécie. A unidade de trabalho não é mais o organismo, e sim o gene. As implicações são enormes e de longo alcance.
Portanto, a questão não é tão simples quanto à campanha pró-
biotecnológica quer fazer crer, no que diz respeito à propaganda de
irrecusabilidade dos organismos transgênicos frente às promessas e benefícios
que poderão advir de sua utilização. Tal intervenção no genoma das espécies,
segundo acredita Leite, (2000, p. 33) “pode até ser útil, justificável e desejável,
mas nada disso está garantido inicialmente”, chamando a atenção, ainda, o
mencionado autor, para o fato de que essas “ciências da vida deveriam ser
governadas por algo mais que a simples lógica de mercado”. Dizendo que
mesmo em setores esclarecidos da sociedade, parece predominar uma mentalidade algo paranóica em relação aos transgênicos, o que no final das contas pode revelar-se em uma saudável forma de auto-defesa diante do rolo compressor da indústria. (LEITE, 2000, p. 13).
Ressalta Rifkin (1999, p. 37-38) que, apesar de os benefícios do recém
descoberto poder de manipular o código genético da vida parecerem, em um
primeiro momento, sedutores, há que se atentar para os possíveis danos e riscos
que dessa intervenção poderão advir para a humanidade:
se a história ensinou-nos alguma coisa é que toda nova revolução tecnológica traz benefícios e custos. Quanto mais poderosa a tecnologia é na expropriação e no controle das forças da natureza, mais severo será o preço que seremos forçados a pagar em termos de
22 É importante frisar que as técnicas tradicionais de melhoramento de espécies inicialmente realizadas contavam apenas com a variedade genética existente no organismo para sobre ele exercer sua seleção, ou seja, as conquistas eram limitadas à espécie, em razão dos empecilhos naturais impostos. (RIFKIN, 1999, p. 14; LEITE, 2000, p. 33).
desordem e destruição causadas aos ecossistemas e aos sistemas sociais que sustentam a vida.
Na mesma linha de raciocínio segue o entendimento de Lacey (2004, 50-
52) que, compreendendo estar a utilização de OGMs diretamente relacionada às
vantagens que se almeja obter das inovações daí decorrentes, pensa não ser
suficiente, para legitimar o uso disseminado de uma dada tecnologia, a sua
eficácia e os benefícios que dela se espera.
Acrescentando referido autor que, para a legitimação do desenvolvimento
e da utilização de OGMs, quando da análise dos riscos, além da consideração
aos aspectos biológicos, deverão ser avaliados os riscos relacionados a
questões socioeconômicas “ligadas ao controle corporativo da maioria dos
OGMs e aos direitos financeiros de propriedade industrial relativos às sementes”.
(LACEY, 2004, 50-52). Colocando, ainda, que a legitimação requer
[...] em primeiro lugar – que os OGMs não causem riscos sérios à saúde humana, ao meio ambiente, às relações sociais, às instituições democráticas e à integridade cultural. Em segundo lugar, que não excluam alternativas agrícolas que prometem benefícios mais amplos para a população como um todo. (LACEY, 2004, 50).
Como se vê, a discussão está longe de se encerrar, acreditando Leite
(2000, p. 14-15) que provavelmente seria mais sensato primeiramente realizar
estudos mais amplos antes de espalhar, sem nenhum critério, variedades
transgênicas pelo mundo.
No entanto, como conseqüência do crescimento mundial de culturas
geneticamente modificadas23, em especial de soja24, houve repercussão direta
no aumento da presença dos resíduos desse grão transgênico em produtos
alimentícios que o levam em sua composição. No caso do Brasil, apesar de
serem proibidos o plantio e a comercialização de espécies geneticamente
modificadas no país, a AgroGenética25 verificou, através da análise de amostras
de diferentes tipos de alimentos, que eles já se encontravam presentes em nosso
23 Segundo análise realizada pela AgroGenética, entre 2000 e 2003, verificou-se no país um crescimento de 5% para 32% de derivados de plantas transgênicas em produtos alimentícios. (MARCELINO, 2004, p. 39). 24 Vale lembrar que o mesmo ocorre com a cultura de milho. (MARCELINO, 2004, p. 38).
mercado desde 200026. Todavia, a constatação da presença, por si só, de soja
transgênica entre nossos alimentos, não seria suficiente para provocar maiores
reações por parte da população, até mesmo pela dificuldade em se detectar o
OGM nos alimentos. (CARNEIRO, 2004, p. 41; MARCELINO, 2004, p. 39).
Por outro lado, foi quando da emissão pela Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio)27 de parecer consultivo favorável à autorização do
plantio e comercialização da soja geneticamente modificada Roundup Ready
pela empresa multinacional Monsanto do Brasil Ltda., no ano de 1998,
dispensando a realização do estudo prévio de impacto ambienta (EIA) exigida
pela Legislação em vigor em atendimento ao princípio da precaução28, que
eclodiu a discórdia em torno da aceitação e incorporação de OGMs às culturas
de plantas e à dieta alimentar brasileiras, pois conforme observado, até o
momento existe incerteza científica quanto aos possíveis danos que a liberação
das espécies geneticamente modificadas podem implicar para a saúde humana e
do meio ambiente. (MACHADO, 2004, p. 47; LAZZARINI, 1998).
Assim, no Capítulo seguinte, serão examinados quais os princípios
orientadores e as normas existentes para fins de tutelar o meio ambiente em
atendimento ao direito fundamental à sadia qualidade de vida (art. 225, caput),
verificando-se, em seguida, de que forma está regulamentado o uso da técnica
de engenharia genética e a liberação de OGMs no meio ambiente em nossa
Legislação.
25 A Agrogenética é um Laboratório de Análises Genéticas que “desde o final de 1999 analisa grãos e alimentos processados para a detecção de resíduos transgênicos, sendo, atualmente, a empresa nacional de maior experiência nessa área”. (MARCELINO, 2004, p. 39). 26 “No Brasil, a grande maioria dos produtos alimentícios disponíveis no mercado apresenta soja ou milho em sua composição, adicionados na forma natural do grão ou como proteína, gordura, óleo, amido, extrato ou lecitina. Esses produtos incluem biscoitos, chocolates, sopas, temperos, condimentos, sucos, leite em pó, iogurtes e produtos cárneos (salsichas, lingüiças, mortadela, presunto, empanados, frango congelado etc.), entre outros”. (MARCELINO, 2004, p. 38-39). 27 Essa questão é abordada no Capítulo 3 desta pesquisa. 28 O princípio da precaução, bem como o instrumento de sua implementação –estudo prévio de impacto ambiental (EIA)-, serão abordados no Capítulo 2 e 3.
2 POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E BIOSSEGURANÇA
2.1 Proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável
Durante muito tempo permaneceu-se sem que a proteção ao meio
ambiente despertasse maiores preocupações e considerações por parte da
humanidade. As primeiras normas protetoras surgidas no mundo possuíam
incidência muito restrita, pois objetivavam apenas à tutela de direito privado,
fazendo parte, por isso, inicialmente da Legislação Civil29. (SILVA, 2003, p. 35-
41).
Após, também em nível mundial, embora Legislações específicas para fins
de tutelar o meio ambiente começassem a despontar, esta proteção cingia-se
apenas a determinadas circunstâncias30, e, mesmo mais adiante, quando de uma
tomada de consciência voltada para a gravidade da deterioração ambiental que
buscava reclamar efetivamente por normas diretamente destinadas a prevenir,
controlar e recompor a qualidade do meio ambiente, ainda assim os Diplomas
Legais31 apresentavam-se problemáticos, pois a proteção dava-se através de
29 No Brasil essa tutela inaugural estava regulada pelos artigos 554 e 584 da Lei n° 3.071/16 (o revogado Código Civil). (SILVA, 2003, p. 35-41). 30 No âmbito nacional, podem ser citados: Regulamento de Saúde Pública (Decreto n° 16.300/23), que estava voltado para a inspeção de higiene industrial e profissional. Legislações que comportassem com alguma especificidade a proteção do meio ambiente começaram a despontar somente a partir de 1934: a) Código Florestal (Decreto n° 23.793/34, substituído pela atual Lei n° 4.771/65); b) Código das Águas (Decreto n° 24.643/34 ainda em vigor); c) Código de Pesca (Decreto n° 794/38, que foi ampliado pelo Decreto-lei n° 221/6730); e d) Código de Minas (Decreto-lei n° 1.985/40). (SILVA, 2003; LABARRÈRE, 2001). 31 O que pode ser constatado, no âmbito federal, através dos Decretos-lei n° 248/67 e n° 303/67, os quais não chegaram a ser aplicados, por terem sido revogados pela Lei n° 5.318/67 (instituidora da Política Nacional de Saneamento Básico e do Conselho Nacional de Saneamento), trançando diretrizes a respeito de saneamento básico, esgotos pluviais e drenagem, bem como de questões ligadas ao controle da poluição ambiental, das modificações artificiais de massa de água e das inundações e erosões. Seguindo-se com: a) o Decreto n° 73.030/73 (criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA – para a conservação do meio ambiente e uso racional dos recursos naturais); b) o II Plano Nacional de Desenvolvimento (traçava diretrizes e prioridades sobre a preservação do meio ambiente, definindo a política a ser seguida e os instrumentos de atuação a serem observados); c) o Decreto-lei n° 1.413/75 (regulando o controle da poluição do meio ambiente gerada pela atividade industrial); d) o Decreto n° 76.389/75 (dispondo sobre medidas de prevenção e controle da poluição industrial) e;
uma dimensão setorizada, isto é, tratava separadamente das questões
relacionadas à água, solo, ar e ruído. Agravando-se, também, pela ausência de
uma referência constitucional explícita à temática, abordando uma proteção
integral do meio ambiente que abarcasse os problemas degradantes de todos os
bens objetos de tutela. (SILVA, 2003, p. 35-41).
No entanto, a intensificação da relação homem-ambiente, desencadeada
principalmente a partir da Revolução Industrial, em que pese ter trazido
significativos ganhos socioeconômicos para a humanidade ao longo de toda a
história do capitalismo, assim o fez em detrimento de acentuadas perdas
ecológicas para meio ambiente32. (ALMEIDA Jr., 2002, p. 28).
Dessa forma, a crise ambiental planetária que se apresentava em meados
dos anos 70, ao lado da consciência global que começa a despontar acerca da
esgotabilidade dos recursos naturais, clamava por uma reestruturação política e
econômica do mundo, que tratasse de conciliar o desenvolvimento com a
proteção ambiental (desenvolvimento sustentável). Idéia essa, que passou a ser,
então, amadurecida através de encontros internacionais. (ALMEIDA Jr., 2002, p.
28).
Assim, em 1971 realizou-se a reunião de Founex (Suíça), através da qual
elaborou-se, por especialistas de todo o mundo, um documento que tratava das
condições ambientais naturais e humanas da Terra, o qual veio a servir de
embasamento à realização, pela ONU, da Conferência de Estocolmo (1972),
sobre o Ambiente Humano (ALMEIDA Jr., 2002, p. 31).
O documento de Founex, bem como a Declaração e o Plano de Ação para o Ambiente Humano que derivaram de Estocolmo, introduziram
e) a Portaria n° 13/76 do Ministério do Interior (fixava parâmetros para a classificação das águas interiores nacionais, de acordo com alternativas de consumo, regulando também sobre poluição). (SILVA, 2003, p. 35-41). 32 Segundo Hermans (2002, p. 30), “o ano de 1945 foi um divisor de águas para o mundo todo. Ao término da Segunda Guerra Mundial, as explosões atômicas de Hiroshima e Nagasaki mostraram de modo incontestável que a ciência e a tecnologia podem atropelar o progresso moral da humanidade. Como resultado, foi criada a ONU, e foram promulgadas as grandes declarações universais de direitos humanos”. E continua, dizendo que “seguiu-se um período de aproximadamente 25 anos, caracterizado pela preocupação generalizada com o crescimento econômico, na forma de acúmulo crescente de capitais financeiros e físicos”, em prejuízo de meio ambiente.
no discurso desenvolvimentista (mas não na sua prática lamentavelmente), temas como pobreza humana e degradação ambiental.
A Declaração do Meio ambiente adotada pela Conferência de Estocolmo
consolidou-se em 26 princípios que constituem um prolongamento da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, reconhecendo, em seu Princípio 1, a
existência de um novo direito fundamental, qual seja, a “qualidade do meio
ambiente”, em razão do fim maior que é a preservação da qualidade de vida.
(SILVA, 2003, p. 59-63).
Muito embora a Conferência de Estocolmo objetivasse a integração do
crescimento econômico com a proteção ambiental (desenvolvimento
sustentável), seus esforços não tiveram grande repercussão. Permanecia o
quadro de miséria e comprometimento ecológico crescente. Foi quando, então,
em 1983, a ONU criou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que ficaria encarregada da elaboração de uma “agenda global
para a mudança”, materializada no relatório “Nosso Futuro Comum”, o qual
traçava os primeiros conceitos “oficiais, formais e sistematizados” sobre o
desenvolvimento sustentável. (ALMEIDA Jr., 2002, p.32).
Posteriormente, passou-se a discutir e estudar profundamente o conceito
de desenvolvimento sustentável, a fim de que se pudesse torná-lo “consensual,
sintético e operacional”, e, via de conseqüência, de “aplicabilidade imediata a
distintas circunstâncias sociais, econômicas, culturais, políticas e ambientais do
planeta”. Objetivo este atingido em 1992, pela Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de
Janeiro. (ALMEIDA Jr., 2002, p. 34).
A Conferência ECO-92 reafirmou os princípios da Declaração de
Estocolmo e adicionou mais outros 27 princípios sobre o desenvolvimento
sustentável e o meio ambiente. (SILVA, 2003, p. 63-64).
Um dos principais frutos advindo dessa Conferência Internacional,
reconhecida como a maior Conferência de todos os tempos, consolidou-se na
Agenda 21, que tratou de comportar ações a serem realizadas na prática, com
vista ao desenvolvimento sustentável33 no mundo todo. (ALMEIDA Jr., 2002).
Nesse embalo crescente de conscientização ambientalista, desencadeou-
se o surgimento e o desenvolvimento de legislações ambientais em todos os
países. No caso do Brasil, foi no período entre a Conferência de Estocolmo e a
Conferência Rio-92, que restou editada34 a Lei n° 6.938, em 31 de agosto de
198135, a qual passou a dispor sobre a nossa Política Nacional do Meio
Ambiente, inspirada nos preceitos de utilização sustentável do meio ambiente
que vinham sendo discutidos e apregoados até o momento. Sendo este, então, o
nosso primeiro Diploma Legal a tratar de forma ampla e generalizada das
questões ambientais, através de uma unidade política, isto é, deixando de
abordar os problemas degradantes do meio ambiente a partir de dimensões
setoriais. (SILVA, 2003, 35-41). Conforme José Afonso da Silva
(...) a Lei 6.938, de 31.8.1981 (arts. 1° e 4°), já havia enfrentado o tema, pondo, corretamente, como o principal objetivo a ser atingido pela Política Nacional do Meio Ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. A conciliação dos dois valores consiste, assim, nos termos deste dispositivo, na promoção do chamado desenvolvimento sustentável, que consiste na exploração
33 Tal como diz Hermans (2002, p. 44), o conceito de desenvolvimento sustentável foi e continua evoluindo e sendo formulado até os dias de hoje, do que se conclui que o mesmo pode ser definido como a busca por “alcançar o ideal do planeta harmônico (uso sustentado dos recursos naturais, com reparo e reposição) e da cidadania plena (paz e ausência de marginalidade psicológica, socioeconômica e cultural), tanto no contexto das presentes como das futuras gerações, reparando, nos limites do possível, os danos de toda ordem causados no passado. Em resumo, almeja a promoção humana integral, a eqüidade social, a paz e o ambiente saudável e ecologicamente equilibrado – bases da sociedade sustentável”. 34 Fundava-se no art. 8°, inciso XVII, “c”, “h” e “i” , da nossa Constituição Federal de 1969, que conferia a União competência para legislar sobre defesa e proteção da saúde, florestas e águas. (SILVA, 2003, p. 211). 35 Muito embora seja considerada um avanço em termos de proteção ambiental, para José Afonso da Silva (2003, p. 41-42) ainda não pode ser considerada o ideal, em razão da ausência de uma “sistemática de preservação, defesa e melhoria do meio ambiente no âmbito da ordenação territorial”.
Antes dela, existiram outros diplomas legais como: a) Lei n° 6.803/80 (que traçou diretrizes básicas para o zoneamento industrial em áreas com problemas graves de poluição); b) Lei n° 6.902/81 (regulou a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental); e, posteriormente, c) Lei n° 7.347/85 (disciplina a ação civil pública); Lei n° 7.661/88 (dispôs sobre o plano nacional de gerenciamento costeiro; d) Lei n° 7.797/89 (que criou o Fundo Nacional do Meio Ambiente); e) Lei n° 7.802/89 (que regula a pesquisa, produção, embalagem e controle de agrotóxico, seus componentes e afins); f) Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - art. 6°); g) Lei n° 9.605/98 (dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de conduta e atividades lesivas ao meio ambiente); e f) Lei n° 9.985/2000 (institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação). (SILVA, 2003; LABARRÈRE, 2001).
equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras. Requer, como seu requisito indispensável, um crescimento econômico que envolva eqüitativa redistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população. Se o desenvolvimento não elimina a pobreza absoluta, não propicia um nível de vida que satisfaça as necessidades da população em geral, ele não pode ser qualificado de sustentável. (2003, p.26-27).
A Constituição Federal de 198836, que foi a primeira Constituição
Brasileira a deliberar sobre a questão ambiental (já que a anterior – 1969 -
limitou-se a disciplinar sobre competência), reconhecendo a existência de uma
terceira espécie de bem37, isto é, o bem ambiental, e, por conseguinte, admitiu
como fundamental o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. “Tal
fato pode ser verificado em razão do disposto no art. 225 da Constituição
Federal, que consagrou a existência de um bem que não é público, nem,
tampouco, particular, mas sim de uso comum do povo”. (FIORILLO, 2003, p. 5;
SILVA, 2003, p. 69-70).
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Apesar do ensinamento de José Afonso da Silva, de que ainda não foi
feita uma teoria de Direito Ambiental, dizendo que, por ser, talvez, muito cedo
para se discutir sua autonomia e natureza, reconhece que se trata de uma
disciplina jurídica pela natureza específica de seu objeto: “ordenação da
qualidade do meio ambiente com vista a uma boa qualidade de vida, que não se
confunde nem se assemelha com outros ramos do Direito”. (2003, p. 41-42, grifo
acrescido).
Admite, porém, o constitucionalista, que, assim como os outros ramos do
Direito, o Direito Ambiental pode ser considerado sob dois aspectos: a) Direito
Ambiental objetivo (conjunto de normas jurídicas que regem a proteção da
36 Constante dos artigos 22, inciso IV; 24, incisos VI e VIII e; 225 da Constituição Federal de 1988. (SILVA, 2003, p. 211). 37 O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 consagrou a existência de um bem que não é público nem particular, mas sim de uso comum do povo. (FIORILLO, 2003, p. 5).
qualidade do meio ambiente) e; b) Direito Ambiental como ciência (que visa à
noção sistematizada de normas e princípios ordenadores da qualidade do meio
ambiente). (SILVA, 2003, p. 41-42).
Em que pese o entendimento de José Afonso da Silva, alguns autores
aventuraram-se na tentativa de traçar um significado para o Direito Ambiental,
como foi o caso de Tycho Brahe Fernandes Neto (apud, MACHADO, 2003, p.
138) que o conceituou como “o conjunto de normas e princípios editados
objetivando a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com
o meio ambiente”, sendo, portanto, “um direito sistematizador, que faz a
articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos
elementos que integram o ambiente”. (MACHADO, 2003, p. 139).
O novo ramo do Direito, como se pode compreender, possui como objeto
a proteção ao meio ambiente, mas que, como lembra Fiorillo (2003, p. 20), tem
por escopo maior assegurar a sadia qualidade de vida do homem. Delimitação,
esta, análoga à traçada por José Afonso da Silva, a que já se deu conhecimento.
Meio ambiente abrange, além de toda a natureza original e artificial, os
bens correlatos, compreendendo, assim, o “solo, a água, o ar, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e
arqueológico”. Sendo conceituado38 por Silva (2003, p. 20) da seguinte forma: “O
meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais
e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
suas formas”.
E, dos aspectos inclusos na referida definição, temos os respectivos
significados de meio ambiente: a) Artificial – constituído pelo espaço urbano
construído, isto é, do conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos
equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral
(espaço urbano aberto); b) Cultural – composto pelo patrimônio histórico,
artístico, arqueológico, paisagístico e turístico; c) Natural ou Físico – integrado
pelo solo, água, ar atmosférico, flora, bem como pela interação dos seres vivos e
38 A Lei n° 6.938/81 define meio ambiente, no inciso I do art. 3°, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
seu meio; e, d) Trabalho39 – que comporta o local onde é desenvolvida boa parte
da vida do homem, abrangendo as “ferramentas, máquinas, agentes químicos,
biológicos e físicos, operações e processos, e as relações entre o trabalhador e o
meio físico”. (SILVA, 2003, 21-23).
2.2 Princípios constitucionais de proteção ambiental
Dentre os princípios gerais de Direito Ambiental, emanados do art. 225 da
CRFB/1988, podem ser destacados:
a) Princípio do desenvolvimento sustentável – este princípio, originário dos
esforços empenhados pelas Conferências de Estocolmo e Eco-92, possui caráter
de princípio informador da Política Nacional do Meio Ambiente, emanado da
própria Constituição Federal de 1988 (art. 225, caput), muito embora esteja
expressamente mencionado no art. 4° da Lei n° 6.938/81, que trata dos objetivos
(metas) a serem cumpridos por este Diploma Legal. (SILVA, 2003, 215).
O princípio do desenvolvimento sustentável assinala a necessidade de
coexistência harmônica entre progresso e meio ambiente, pretendendo promover
o crescimento econômico através da exploração equilibrada dos recursos
naturais (até mesmo porque a contínua degradação do meio ambiente
comprometerá a própria capacidade econômica da nação), bem como a garantia
da qualidade desse mesmo meio, protegendo-o com o fim maior de tutelar à
vida, atendendo às necessidades dos presentes sem comprometer as futuras
gerações. (FIORILLO, 2003, p. 25).
Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os
39 Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 23), o meio ambiente do trabalho insere-se no conceito de meio ambiente artificial, mas que, no entanto, deve ser tratado de forma especial, dizendo que até mesmo porque “a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.
mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição. (FIORILLO, 2003, p. 25).
b) Princípio do direito à sadia qualidade de vida40 – segundo Machado
(2004, p. 47-49), este princípio prescreve não ser suficiente que se viva ou se
conserve a vida, mas que se o faça com qualidade. Esta qualidade, no entanto,
não é mensurada a partir de um critério quantitativo, mas, sim, levando em
consideração, fatores tais como a saúde e a educação, unindo-se, ainda, à
felicidade do indivíduo e ao bem comum.
A saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a não ter doenças diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos elementos da natureza – água, solo, ar, flora, fauna e paisagem – para se aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos. (MACHADO, 2003,p. 48).
c) Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais – referido princípio
nos diz que os bens (recursos naturais) que integram o meio ambiente devem
satisfazer às necessidades comuns de todos os habitantes da Terra. “Não basta
a vontade de usar esses bens ou a possibilidade tecnológica de explorá-los. É
preciso que se verifique a razoabilidade dessa utilização (...)”, isto é, quando o
uso não for razoável ou essencial, não é permitido, mesmo que os bens não se
encontrem em escassez. Assim, “o usuário só pode usar os bens ambientais na
proporção de suas necessidades presentes, e não futuras”, sendo-lhe defeso
explorá-los indiscriminadamente, apenas por estarem disponíveis, pois se deve
considerar, ainda, que outras pessoas deverão ter as mesmas oportunidades na
utilização desses recursos naturais. (2003, p. 49-51).
Dessa forma, em se tratando da aplicação do princípio em análise ao
acesso das futuras gerações aos bens ambientais, a orientação assinalada é de
que sejam reservados referidos bens (não utilização), a fim de que se evite seu
esgotamento, guardando-os para as gerações vindouras. (MACHADO, 2003, p.
49-51).
40 Referido princípio consta dos Princípios 1, da Declaração de Estocolmo e da Declaração Eco-92 (MACHADO, 2003, p. 47).
d) Princípio do usuário-pagador e poluidor-pagador41 – o princípio do
usuário-pagador determina que o utilitário dos recursos naturais arque com os
custos referentes à sua exploração, bem como os decorrentes de sua própria
utilização, pois prescreve que os mesmos não devam sersuportados pelo Poder
Público ou terceiros alheios ao exercício de tal atividade. (MACHADO, 2003, p.
53-55).
Este princípio também engloba o do poluidor-pagador, ou seja, significa
que o poluidor42 do meio ambiente deverá pagar43 pela poluição que pode ser ou
já tenha sido causada. Entretanto, não significa dizer que a existência de
autorização administrativa para a poluição confere ao poluidor o direito de poluir,
nem mesmo que estará dispensado do pagamento dos respectivos danos que
provocar no meio ambiente. (MACHADO, 2003, p. 53-55). Fiorillo compartilha de
semelhante entendimento, apontando que referido princípio
não traz como indicativo ‘pagar para poder poluir’, ‘poluir mediante pagamento’ ou ‘pagar para evitar a contaminação’. Não se podem buscar através dele formas de contornar a reparação do dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor, como se alguém pudesse afirmar: ‘poluo mais pago. Podemos identificar no princípio do poluidor-pagador duas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo). ( 2003, p. 27-28, grifo do autor).
No mais, o pagamento pelo uso do recurso ou poluição prescindem de
prova de que esteja sendo cometida falta ou infração pelo usuário, bastando seja
demonstrado o efetivo uso ou a poluição causada. (MACHADO, 2003, p. 53-55).
Extrai-se, ainda, da lição de Machado, que a aplicação de referido
princípio ocorre em dois momentos: a) “quando da fixação das tarifas ou preços
e/ou da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural”
(caráter preventivo), e b) quando da responsabilização residual e/ou integral do
41 Referido princípio está previsto nos artigos 225, § 3°, da CRFB/1988, e 4°, inciso VII da Lei n° 6.938/81. (MACHADO, 2003; FIORILLO, 2003). 42 Aquele que detém o controle, inclusive tecnológico e econômico, sobre as condições que levam à ocorrência da poluição. (MACHADO, 2003, p. 53-55). 43 Fiorillo (2003, p. 31) nos esclarece que o ressarcimento no Direito Ambiental pode se dar através da reparação “natural ou específica” do dano, isto é, pela recomposição efetiva e direta do ambiente prejudicado, ou em pecúnia. No entanto, visará, primeiramente, a reparação do dano ao estado natural, e somente em sendo totalmente impossível fazê-lo, é que se exigirá o respectivo valor pecuniário.
poluidor, que não está isento da reparação do dano pela efetuação do
pagamento nos casos referidos no item “a”, (caráter repressivo). (MACHADO,
2003, p. 53-55; FIORILLO, 2003, p. 27-28).
Assim, sobre o princípio do poluidor-pagador recai a aplicação de alguns
aspectos do instituto jurídico da responsabilidade civil objetiva (§3° do art. 225 da
CRFB/1988 e § 1° do art. 14 da Lei n° 6.938/81), significando dizer que basta a
verificação de dano e nexo causal para a obrigatoriedade de sua reparação.
(FIORILLO, 2003, p. 29-31).
e) Princípio da precaução44 – esse principio, que é tido como o
sustentáculo do direito ambiental, foi erigido à categoria de megaprincípio deste
ramo jurídico, tendo por fim traçar orientação ao desenvolvimento quando
inexistir certeza científica a respeito de dano que possa ser causado ao meio
ambiente. (FIORILLO, 2003, p. 36-38).
Assim, quando de sua aplicação, é exigido que determinadas atividades
sejam controladas ou não sejam executadas, ainda que não exista evidência
científica nítida de que destas advenham danos para o meio ambiente, vez que o
princípio da precaução “reflete o reconhecimento de que certas atividades
humanas muitas vezes têm conseqüências negativas que não podem ser
completamente previsíveis ou verificáveis antes da ação”. Portanto, determina
que uma ação não deva ser executada se dela decorrer um risco desconhecido
de dano, pois não se deve aguardar que a incerteza torne-se certeza para sua
imposição. (WOLFRUM, 2004, p. 13-28; MACHADO, 2003, p. 55-62).
Ordena, desta forma, a ação por parte dos Estados, antes que a
possibilidade de dano ambiental possa ser cientificamente estabelecida45.
44 Segundo Treich e Gremaq (1997, apud, Machado, 2003, p. 57) “o mundo da precaução é um mundo onde há a interrogação, onde os saberes são colocados em questão. No mundo da precaução há uma dupla fonte de incerteza: o perigo ele mesmo considerado e a ausência de conhecimentos científicos sobre o perigo. A precaução visa a gerir a espera da informação. Ela nasce da diferença temporal entre a necessidade imediata de ação e o momento onde nossos conhecimentos científicos vão modificar-se”. 45 E é exatamente o entendimento que se buscou até o momento evidenciar, que se depreende do Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, a saber: Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiantamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Requerendo cautela quando da tomada de decisão46 frente às atividades
potencialmente prejudiciais ao meio ambiente, para que as medidas necessárias
a serem empreendidas (impugnação ou interrupção de referidas atividades) não
sejam adiadas apenas por não haver prova de que o possível dano ou
degradação ambiental se materialize. (WOLFRUM, 2004, p. 13-28).
Assevera Machado (2003, p. 65) que a Administração Pública não pode
se omitir de considerar o princípio da precaução quando do exame das técnicas
e métodos empregados nas atividades humanas que comportem risco para a
saúde humana ou para o meio ambiente, explicando, que
controlar o risco é não aceitar qualquer risco. Há riscos inaceitáveis, como aquele que coloca em perigo os valores constitucionalmente protegidos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, os processos ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a diversidade e a integridade do patrimônio biológico – incluído o genético - e a função ecológica da fauna e da flora.
É oportuno colocar o posicionamento adotado por Machado (2003, p. 56)
quando se refere à orientação que emana do princípio sob análise. Segundo
ressalva o autor, a implementação de referido princípio não busca a imobilização
das atividades humanas, dizendo, que “não se trata de precaução que em tudo
vê catástrofes ou males”, pois “visa à durabilidade da sadia qualidade de vida
das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta”, para
que também assegure o direito ao ambiente das futuras gerações:
A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. (...) para ser aplicado efetivamente, tem que suplantar a pressa, a precipitação, a improvisação, a rapidez insensata e a vontade de resultado imediato. (...). não significa a prostração diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas se materializa na busca da segurança do meio ambiente e da continuidade da vida. (...). Na dúvida, opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dúbio pro salute ou in dúbio pro natura). (2003, p. 67).
46O princípio da precaução vem sendo adotado em diversos tratados internacionais ambientais, mas, apesar de que seu sentido não seja idêntico em cada instrumento, de um modo geral, assinala Sands (2004, p. 29-46): “significa que os Estados concordam em agir com cuidado e com previsão ao tomarem decisões que concernem a atividades que podem ter impacto adverso no meio ambiente. [...] o princípio da precaução requer que atividades e substâncias que podem ser prejudiciais ao meio ambiente sejam controladas e possivelmente proibidas, mesmo sem nenhuma evidência conclusiva ou predominante estiver disponível sobre o que o dano ou o provável dano possa causar ao meio ambiente. [...]”. Na Declaração do Rio a exigência foi considerada obrigatória: a falta de total certeza científica “não será usada” para impedir a ação.
Note-se então, como bem afirma Wolfrum (2004, p. 13-28), que existe
uma ligação evidente entre o princípio da precaução e o princípio do
desenvolvimento sustentável, pois, tal como frisa o autor,
prevenir o dano ambiental, ou a degradação, é um elemento decisivo em qualquer regime construído sobre o princípio do desenvolvimento sustentável, uma vez que a sustentabilidade pressupõe o afastamento de danos irreversíveis ou degradação.
No mais, tem-se adotado por parte dos Estados a interpretação de que
incumbe àqueles que pretendem desenvolver uma ação o ônus de provar que
dela não resultará prejuízo para o meio ambiente:
Sob a ótica tradicional, atualmente encontra-se na pessoa contrária a uma determinada atividade a obrigação de provar que essa atividade causa ou pode causar danos ambientais. Um novo enfoque, apoiado pelo princípio da precaução, tenderia a inverter o ônus da prova e exigiria que pessoas que desejassem desenvolver atividade provem que ela não causará dano ao meio ambiente. Esta interpretação exigiria que poluidores e Estados poluidores estabelecessem que suas atividades e a liberação de determinadas substâncias não afetariam diversa ou significativamente o meio ambiente, antes da concessão do direito de liberar substâncias poluidoras ou realizar a atividade proposta. Esta interpretação pode também requerer ação reguladora nacional ou internacional, quando a evidência científica sugere que a falta de ação pode resultar em dano grave ou irreversível ao meio ambiente, ou quando há pontos de vista diferentes quanto ao risco da ação. (SANDS, 2004, p. 37).
Por fim, complementa Fiorillo (2003, p. 36-38), que instrumentos da
Política Nacional do Meio Ambiente, tais como o EPIA/RIMA47 (Estudo Prévio de
Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, são importantes na
aplicação do princípio da precaução).
f) Princípio da prevenção – muito embora alguns doutrinadores, como
Fiorillo (2003, p. 36-38), se refiram a este princípio como sendo o da precaução,
a verdade é que eles diferem significativamente.
Para Machado (2003, p. 64), os termos prevenção e precaução, apesar de
guardarem semelhança, possuem características próprias, explicando que, em
caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, conforme preconiza
47 O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) “compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do relatório”. E referido Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), compõe-se das conclusões do EIA, transmitindo, por escrito, as atividades totais do estudo, visando orientar a decisão da Administração Pública.
o princípio da prevenção, e na hipótese de dúvida ou incerteza de degradação,
aplica-se o princípio da precaução, que de igual forma, não deixa de se estar
prevenindo.
Assim, conforme Wolfrum (2004, p. 13-28), o princípio da prevenção traz a
necessidade de se prever uma possível ameaça, ou seja, é obrigação dos
Estados prevenirem os danos ambientais quando conhecidos ou cientificamente
previsíveis. Dessa forma, devem ser combatidas na origem as transformações
prejudiciais à saúde humana e que impliquem em degradação ambiental
sabidamente conhecida, ou, pelo menos, empreender esforços para que se
minimize os danos dos quais se tem certeza.
g) Princípio da participação48 – este princípio, que está intimamente
relacionado com o acesso à informação e à educação ambiental (pressupostos
indispensáveis para a atuação popular na tutela do meio ambiente), exige que a
população deva participar diretamente da proteção da qualidade ambiental,
inserindo-se, aí, a colaboração no processo de tomada de decisões. (TUPIASSU,
2003, p.155-178; FIORILLO, 2003, p. 38-42; MACHADO, 2003, 76-87).
Dentre os mecanismos de participação popular reconhecidos pelo
ordenamento jurídico brasileiro estão, segundo elenca Tupiassu:
[...] a iniciativa popular nos procedimentos legislativos (art. 61, caput, e § 2° da CF), a realização de referendos sobre leis (art. 14, II, da CF) e a atuação de representantes da sociedade civil em órgãos colegiados dotados de poderes normativos (exemplo: Conama). [...] participando na formulação e na execução de políticas ambientais, por intermédio da atuação dos responsáveis pela formulação de diretrizes e pelo acompanhamento da execução da política públicas; por ocasião da discussão de estudos de impacto ambiental em audiências públicas e nas hipóteses de realização de plebiscitos. [...] por intermédio do Poder Judiciário, com a utilização de instrumentos processuais que permitam a obtenção da prestação jurisdicional na área ambiental (entre todos o mais famoso é o da Ação Civil Pública Ambiental, da Lei 7.347/85). (2003, p. 173-174, grifo acrescido).
Assim, viola o princípio em estudo os acordos ou licenciamentos em que
o cronograma de execução de projetos para implementação de atividades ou
obras não seja apresentado previamente ao público, para fins de possibilitar a
48 Está previsto no art. 225 da CF, caput e no Princípio 10 da Declaração do Rio-92. (TUPIASSU, 2003, p. 173-174).
participação popular nas decisões que envolvam o meio ambiente. (MACHADO,
2003, p. 67).
h) Princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público49 – diz
que a Administração Pública tem o dever de atuar como um gestor ou gerente
administrativo dos bens ambientais e, por esse motivo, prestar contas sobre a
utilização desses bens que não são de sua propriedade, mas sim de uso comum
do povo, tendo sempre por fim garantir os objetivos do desenvolvimento
sustentável. (MACHADO, 2003, p. 87-92).
Referida prestação de contas, na lição de Machado (2003, p. 87-92),
estará disciplinada pela aplicação dos princípios da “motivação convincente,
ampla e contínua publicidade, razoabilidade e proporcionalidade”.
Depreende-se, assim, que os Estados, na sua inter-relação com o meio
ambiente, têm o papel de “guardiões da vida, da liberdade, da saúde, e do meio
ambiente”. No que se refere à garantia da liberdade econômica, segundo expõe
Paulo Afonso Leme Machado (2003, p. 87-92), tem esta de ser responsável, isto
é, deve, ao tempo que visa a garantia do empreendimento, da descoberta e do
aperfeiçoamento de tecnologias, da produção e comercialização, primar pela
saúde dos seres humanos e a sanidade do meio ambiente, não se admitindo,
desse modo, discricionariedades ou omissões por parte dos Entes Federados,
que devem desempenhar o papel de curadores dos interesses das presentes e
futuras gerações.
i) Princípio da Ubiqüidade – Segundo assinala Fiorillo (2003, p. 42-43),
este princípio prescreve que toda vez que uma “política, atuação ou legislação,
sobre qualquer tema, atividade ou obra, tiver que ser criada e desenvolvida”
deverá, antes, “passar por uma consulta ambiental, pra saber se há ou não a
possibilidade de que o meio ambiente seja degradado”, já que é da natureza que
depende a preservação da vida e, principalmente, de sua qualidade.
Essa exigência decorre justamente da natureza do bem ambiental (sadia
49 Conforme aponta Machado (2003, p. 68), “deixa de buscar a eficiência a Administração Pública que não procurando prever danos para o ser humano e para o meio ambiente, omite-se no exigir e no praticar medidas de precaução, ocasionando prejuízos pelos quais será co-responsável”.
qualidade de vida), que se constitui como condição para o exercício pleno da
própria vida, fim último a que se destina a tutela constitucional.
Os princípios analisados têm a pretensão de conferir uma sistemática à
legislação ambiental e aos diferentes instrumentos e institutos de tutela do meio
ambiente. Um dos importantes instrumentos legais consiste na Lei n° 6.938/81,
que fixa a Política Nacional do Meio Ambiente como já restou analisado alhures.
Esse diploma legal, dentre outros aspectos que nortearão as atividades da
Administração Pública no tocante à tutela do meio ambiente, fixa um conjunto de
princípios que podem ser considerados um prolongamento daqueles
consolidados pela Conferência de Estocolmo e, posteriormente, ampliados pela
Conferência Eco-92, sendo, contudo, adaptados à realidade cultural e social do
nosso País, em razão de que em referidas Conferências o que se fez foi traçar
princípios genéricos da Política Global do Meio Ambiente, enquanto que a
Política Nacional do Meio Ambiente amoldou-os às necessidades aqui
existentes, sem deixar, entretanto, de ser uma continuação daqueles. (SILVA,
2003, p. 35-40; FIORILLO, 2003, p. 23-24).
A Lei n° 6.938/81, que define as “diretrizes, conteúdo geral, objetivos, fins,
mecanismos, sistema e os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente”,
traz, em seu art. 2°, os princípios que orientam todas as ações do Poder Público
que “tenham por finalidade a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental e do equilíbrio ecológico”. (SILVA, 2003, 35-40):
Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
Conforme entende Paulo de Bessa Antunes, nem todos os aludidos
princípios constituem verdadeiros princípios ambientais, ressalvando, inclusive,
que a maioria dos mencionados incisos do art. 2° da Lei n° 6.938/81
representam, na verdade, mais uma “orientação prática à ação governamental
que decorre dos princípios do Direito Ambiental”. Por tais razões, é que os
princípios norteadores da PNMA deverão submeter-se aos princípios gerais de
Direito Ambiental positivo brasileiro, pois, além do que, lembra o mencionado
doutrinador, a PNMA constitui apenas uma parcela, ainda que importante, do
ordenamento jurídico ambiental (1998, p. 66, grifo acrescido).
Desse modo, mesmo que não constem expressamente de referida Lei, os
princípios50 constitucionais serão sempre tidos como implícitos na PNMA, assim
como o são em relação a qualquer norma de natureza infraconstitucional, já que
constituem o “ponto de partida” para que deles derivem outras proposições.
(ANTUNES, 1998, p. 66; SILVA, 2003, 35-40).
2.3 EIA/RIMA como instrumento de garantia Constitucional
Como já visto no item anterior “e”, o princípio da precaução visa gerir a
incerteza científica a respeito de dano que possa ser causado ao meio ambiente,
com o escopo de garantir a durabilidade da sadia qualidade de vida,
determinando a ação por parte dos Estados, antes que a possibilidade de
prejuízo ambiental possa ser verificada. Destarte,
50 Conforme ensina Silva (2003, p. 213), “princípios são ordenações que irradiam e imantam um sistema”. “[...] é uma proposição que se toma como ponto de partida para derivar dela outras proposições cujo valor está referido ao daquela”; na lição de Fiorillo (2003, p. 24), “constituem
o direito à sadia qualidade de vida e o equilíbrio do meio ambiente (art. 225, caput, CF) têm no estudo prévio de impacto ambiental um procedimento indispensável, quando houver probabilidade de ocorrência de significativa degradação do meio ambiente. (MACHADO, 2003, p. 954).
Determina referido princípio, assim, cautela quando da tomada de decisão
por parte da Administração Pública frente às atividades potencialmente
prejudiciais ao meio ambiente, para que as medidas necessárias a serem
empreendidas não sejam adiadas apenas por não haver prova de que o possível
dano ou degradação ambiental se materialize. “A palavra ‘potencialmente’
abrange não só o dano de que não se duvida, como o dano incerto e o dano
improvável” (FIORILLO, 2003, p. 36-38; MACHADO, 2003, p. 70-72; WOLFRUM,
2004, p. 13-28, grifo acrescido).
Assim, o princípio da precaução, que está diretamente relacionado à
avaliação prévia das atividades humanas, possui como instrumento de sua
realização o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), para fins de avaliação anterior à
concessão de autorização para funcionamento de todas as obras e atividades
que “possam causar degradação significativa ao meio ambiente”. (FIORILLO,
2003, p. 36-38; MACHADO, 2003, p. 70-72).
Segundo bem frisa Machado (2003, p. 72), quando da implementação do
princípio da precaução, “é imprescindível que se use um procedimento de prévia
avaliação, diante da incerteza do dano, sendo este procedimento o já referido
Estudo Prévio de Impacto Ambiental”. Dizendo, ainda, que, por mais
aprofundadas que outras análises sejam, nenhuma poderá substituir esse
procedimento, que busca determinar o grau de perigo, isto é, apontar a extensão
ou a magnitude do impacto, bem como o grau de reversibilidade do impacto ou
sua irreversibilidade.
Dessa forma, a Administração Pública, que não pode se omitir de
considerar o princípio da precaução quando do exame das técnicas e métodos
empregados nas atividades humanas que comportem risco para a saúde
humana ou para o meio ambiente, deve empreender estudo prévio de impacto
pedras basilares dos sistemas político-jurídicos dos Estados civilizados [...]”, e, para Machado (2003, 47), princípio é definido como “alicerce ou fundamento do Direito”.
ambiental, para fins de orientar sua decisão51 quanto à emissão de autorização e
licença para instalação e funcionamento de obra ou atividade que possa causar
“dano sensível, ainda que não seja excepcional ou excessivo”. (MACHADO,
2003, p. 65-70).
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) “compreende o levantamento da
literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório
e a própria redação do relatório”. E o referido Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA), compõe-se das conclusões do EIA, transmitindo, por escrito, as
atividades totais do estudo, visando fornecer elementos suficientes ao ato
decisório da Administração Pública.
No mais, o EIA tem como uma de suas características a publicidade, em
atendimento aos princípios constitucionais de informação e participação52 (art.
225, § 1°, IV da CRFB/1988). Essa característica (publicidade) concretiza-se
principalmente através de uma das fases das quais se compõe o processo de
avaliação ambiental tratado, qual seja, a Audiência Pública. Assinalando, ainda,
Paulo Afonso Leme Machado (2003, p. 203-961) que:
a possibilidade de a população comentar o EIA foi – desde a concepção deste instrumento de prevenção do dano ambiental – um de seus mais importantes aspectos. Pode não ocorrer efetiva participação do público pela ausência de comentários, contudo, não se concebe EIA sem a possibilidade de serem emitidas opiniões por pessoas e entidades que não sejam o proponente do projeto, a equipe multidisciplinar e a Administração. [...] Um órgão público não busca informação científica somente quando tiver vontade, mas a procura e a produção das informações para o próprio órgão ou para a população é um dever legal (art. 9° da lei 6.938/81). É a base do princípio da precaução.
No procedimento de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a Audiência
Pública constitui-se na sua última parte (possuindo equivalente valor ao das
51 Segundo lição de Machado (2003, p. 208-209), “as verificações e análises do Estudo de Impacto Ambiental terminam por um juízo de valor, ou seja, uma avaliação favorável ou desfavorável ao projeto. Não se admite um estudo de impacto ambiental que se abstenha de emitir a avaliação do projeto. [...] O objetivo é dar às Administrações Públicas uma base séria de informação, de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior”. 52 Fiorillo (2003, p. 77-78) também fala da relevância da Audiência Pública como mecanismo de intervenção popular que encontra fundamento no direito constitucional à informação, originária do princípio da participação da população.
etapas que a antecederam), visando expor as informações do EIA/RIMA (Estudo
Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), para fins de dirimir
dúvidas e recolher críticas e sugestões através da participação popular53 com
relação à instalação de obra ou atividade local, servindo, também, como base
para a análise do ‘parecer final’ do licenciador, no que se refere à aprovação ou
não do projeto apresentado. (FIORILLO, 2003; MACHADO, 2003).
Por fim, segundo acrescenta Machado (2003, p. 203), é a efetiva
implementação dos mencionados princípios (informação e participação) nos
referidos processos decisórios, consolidado na Audiência Pública, “que alicerça e
torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a
defesa do ser humano e do meio ambiente”.
A seguir, tratar-se-á da forma com que se dá a proteção ambiental no que
se refere a uma atividade específica, qual seja a utilização das técnicas de
engenharia genética bem como dos organismos geneticamente modificados dela
resultantes.
2.4 Biossegurança como mecanismo de proteção da saúde humana e
incolumidade do meio ambiente
No âmbito específico da proteção ao patrimônio genético, a
Biossegurança surge para fins de garantir a disponibilidade do desenvolvimento
através do emprego das novas tecnologias em consonância com a preservação
da diversidade biológica, tratando, dessa forma, de estabelecer normas de
segurança no uso da biotecnologia54, pois, conforme já proposto no Capítulo 1,
53 Machado (2003, p. 242) expõe que “há uma dupla caminhada na audiência: o órgão público presta informações ao público e o público passa informações à Administração Pública”. 54 Assim, tem-se como parte integrante do complexo legislativo para a implementação da biossegurança os seguintes diplomas legais: a) Medida Provisória n° 2.0552-2/2000 (regulamenta a CDB e, por conseguinte, o acesso ao patrimônio genético, bem como os direitos dos seus proprietários e detentores do conhecimento tradicional a ele associado, que seja importante à conservação da diversidade biológica e sua integridade); b) A Lei de Cultivares (Lei n° 9.456/97 – confere direito de exclusividade dos direitos relativos à propriedade intelectual, relacionados à
esta atividade, por possuir a biodiversidade como recurso básico na busca pelo
melhoramento das espécies, coloca em risco a fonte de variabilidade genética,
pois o mecanismo de intervenção na natureza recai sobre o gene.
(LABARRÈRE, 2001, p. 92).
Segundo definição adotada por Machado (2003, p. 940), Biossegurança é
o “conjunto de estudos e procedimentos que visam evitar ou controlar os
eventuais problemas suscitados por pesquisas biológicas e/ou por suas
aplicações”.
E, conforme publicação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
–CTNBio - a respeito da qual se tratará em seguida, Biossegurança é o
conjunto de procedimentos voltados para prevenção, mitigação, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades associadas aos Organismos Geneticamente Modificados - OGMs e seus derivados, que possam comprometer a saúde do homem, das plantas, dos animais e do meio ambiente. A função primordial dos procedimentos de Biossegurança de OGMs é o de analisar os efeitos adversos da Engenharia Genética conforme preconizado pela Legislação de Biossegurança. (CTNBio, 2004).
A Convenção de Diversidade Biológica (CDB)55, resultante da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), a que
já se fez menção nos itens anteriores, disciplina, dentre as normas de
conservação da biodiversidade, também a questão da biossegurança,
regulamentando o “manejo saudável da biotecnologia”. (MACHADO, 2003;
LABARRÈRE, 2001). Nos termos do texto convencional56 (art. 8°):
Cada parte contratante deve, na medida do possível e conforme o
semente ou material propagativo, isto é, de reprodução ou multiplicação vegetativa); c) Lei de Agrotóxicos (Lei n° 7.802/89, alterada pela Lei n° 9.977/2000). Apesar de não integrar o rol da biotecnologia strictu sensu, os agrotóxicos, que visam alterar a composição da fauna e da flora para fins de preservá-los da ação nociva de certos seres vivos, são produtos que provocam acumulação nos organismos humanos e de animais, acabando por adentrar na cadeia alimentar, induzindo deformações e doenças, atingindo, desta forma, diretamente o equilíbrio da variabilidade benéfica; e e) Lei da Biossegurança (Lei n° 8.974/95). (LABARRÈRE, 2001). 55 A Convenção de Diversidade Biológica, documento resultante da ECO-92, “vai além da conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. Ela abrange, também, o acesso aos recursos genéticos, objetivando a repartição justa e eqüitativa dos benefícios gerados pelo seu uso, incluindo a biotecnologia”. (CONVENÇÃO DIVERSIDADE BIOLÓGICA, 2004). 56 A CDB foi aprovada pelo Decreto Legislativo n° 2, de 03.02.1994, e promulgada através do Decreto n° 2.519, de 16.03.1998, e, conforme previsão dos mencionados Diplomas Legais, há de se atentar para a avaliação do impacto ambiental quando da liberação de OGMs no meio ambiente, controlando-se os riscos que possam afetar tanto a diversidade biológica quanto a saúde humana56. (MACHADO, 2003, p. 932-933).
caso: [...] g) Estabelecer ou manter meios para regulamentar, administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados, resultantes da biotecnologia que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa afetar a conservação e a utilização sustentável de diversidade biológica levando também em conta os riscos para a saúde humana. [...]. (CONVENÇÃO DIVERSIDADE BIOLÓGICA, 2004, grifo acrescido).
No Brasil foi editada a Lei da Biossegurança57 (Lei n° 8.974, de 5 de
janeiro de 1995), com objetivo de disciplinar os incisos II58 e V59 do § 1° do artigo
225 da CRFB/1988, traçando regulamentação ao uso das técnicas da
Engenharia Genética, bem como o de OGMs, abrangendo atividades como a
construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a comercialização, o
consumo, a liberação e o descarte desses organismos no meio ambiente.
(MACHADO, 2003, p. 932-933).
Referida Lei tem por fim, conforme se depreende do seu art. 1° caput,
tutelar a vida e a saúde dos homens, dos animais e das plantas, e o meio
ambiente, de acordo com as diretrizes constitucionais apregoadas, pois, ao
regulamentar a utilização de técnicas de Engenharia Genética que envolva
OGMs, fixando normas de segurança para o desenvolvimento desse tipo de
atividade e os mecanismos de sua fiscalização, admite, ainda que
implicitamente, que o emprego dessa técnica comporta riscos que necessitam
ser geridos. (MACHADO, 2003, p. 932-933).
Dessa forma, conforme a previsão legal, os principais órgãos atuantes,
isto é, encarregados de dar cumprimento aos preceitos da Legislação de
Biossegurança Nacional são o Ministério da Saúde (competente pela vigilância
da saúde e dos alimentos), o Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da
Reforma Agrária (encarregado da defesa sanitária animal e vegetal), o Ministério
do Meio Ambiente (competente pela política de conservação, preservação e
57 A Lei da Biossegurança, proveniente do Projeto de Lei do Senado, n. 114, foi publicada no DOU de 6.1.1995, pp. 337-339. (MACHADO, 2003, p. 932). 58 II – “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e a manipulação de material genético”. 59 V – “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
utilização de ecossistemas, biodiversidade e florestas) e o Ministério da Ciência e
Tecnologia60 (competente, entre outras funções, pela Política Nacional de
Biossegurança, devendo exercer atividade fiscalizatória para que a utilização da
Biotecnologia não provoque danos). Sendo, também61, atribuição desses
Ministérios a decisão acerca da emissão de autorizações para o
desenvolvimento de atividades relacionadas a OGMs. (MACHADO, 2003, p.
940).
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio
(regulamentada pelo Dec. n° 1.752/95), é integrante do elenco de órgãos do
Ministério da Ciência e Tecnologia e a este vinculada, responsável, dentre outras
atribuições62, pela emissão de parecer técnico conclusivo63 a respeito de
atividades relacionadas a OGMs, o qual fará parte do procedimento
administrativo decisório para o fornecimento da referida autorização acima
mencionada. Possuindo, portanto, esta Comissão, função consultiva, não
vinculando a decisão final que é de competência dos mencionados Ministérios64.
Assim, quando da decisão final pelos Ministérios sobre a concessão e
autorização para o funcionamento de atividades envolvendo OGMs, será
observado atentamente (não podendo ser ignorado) o parecer técnico conclusivo
60 O Ministério da Ciência e Tecnologia foi inserido pelo Dec. 1.752/95, que dispõe sobre a vinculação, competência e composição da CTNBio. (MACHADO, 2003). 61 Diz-se como sendo ‘também’ uma das atribuições desses Ministérios a expedição de autorizações, porque não se restringe a esta função, já que incumbe, ainda, a fiscalização e monitoramento de atividades e projetos, a emissão de registros de produtos e a liberação no meio ambiente, a instituição de cadastros de instituições e profissionais, de todas as atividades que envolvam OGMs. (LABARRÈRE, 2001, p. 102). 62 Segundo Labarrère (2001, p. 102), a CTNBio é encarregada, ainda, de “certificar e monitorar a qualidade da infra-estrutura e capacitação técnica das instituições de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e de ensino que desenvolvam atividades com transgênicos no país e em cujos quadros deverá haver uma Comissão Interna de Biossegurança. Essa atribuição corporifica-se no Certificado de Qualidade de Biossegurança, e na emissão de parecer técnico conclusivo que será encaminhado aos Ministérios para a decisão final sobre o licenciamento ou registro”. 63 A emissão do parecer ocorre quando da análise de projetos relacionados a OGMs, quando da liberação de OGMs no meio ambiente e quando do registro, utilização e comercialização de produto contendo OGMs ou derivados. (MACHADO, 2003, p. 948-949). 64 A CTNBio proporciona apoio técnico, consultivo e de assessoramento ao Governo Federal, na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGMs. O parecer conclusivo emitido pela Comissão não é decisão administrativa, que é de competência dos Ministérios. No entanto, quando do ato decisório por parte dos referidos órgãos, exige-se a juntada do parecer da CTNBio no processo administrativo. Não podendo haver decisão sem que os pareceres conclusivos estejam anexados. (MACHADO, 2003, 948-949).
da CTNBio, que haverá de estar devidamente motivada (fundamentos da
concordância), eis que atuam em nome de interesses públicos indisponíveis
(proteção à saúde do homem, dos animais, das plantas e do meio ambiente). Por
essa razão é que “os critérios utilizados pela Administração Pública podem e
devem ser revisados pelo Poder Judiciário para averiguar se as finalidades de
proteção constantes da lei foram efetivamente observadas”. (MACHADO, 2003,
p. 948-949).
Após breve apresentação das funções atribuídas à CTNBio, faz-se mister
exaltar sua constituição, até mesmo para que seja evidenciada a observância ou
não dos princípios da participação e da publicidade antes mencionados.
A CTNBio é composta de representantes da sociedade civil, da
comunidade científica e do governo federal (art. 3° do Dec. n° 1.752/95) .
Conforme expõe Machado (2003, p. 957, grifos acrescidos):
A CTNBio, composta de membros efetivos e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por: I - oito especialistas de notório saber científico e técnico, em exercício no segmento de biotecnologia, sendo dois da área humana, dois da área animal, dois da área vegetal e dois da área ambiental; II - um representante de cada um dos seguintes Ministérios, indicados pelos respectivos titulares: a) da Ciência e Tecnologia; b) da Saúde; c) do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; d) da Educação e do Desporto e; e) das Relações Exteriores; III - dois representantes do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, sendo um da área vegetal e o outro da área animal, indicados pelo respectivo titular; IV - um representante de órgão legalmente constituído de defesa do consumidor; V - um representante de associações legalmente constituídas, representativas do setor empresarial de biotecnologia, a ser indicado pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de listas tríplices encaminhadas pelas associações referidas; VI - um representante de órgão legalmente constituído de proteção à saúde do trabalhador.
A exigência de manifestação da CTNBio não se limita às atividades de
pesquisa e desenvolvimento de OGMs no plano interno, mas também se impõe
como condição para o ingresso dos organismos transgênicos provenientes do
estrangeiro. Nesse sentido assinala Machado (2003, p. 945) que “não só para
comercialização ou industrialização, mas qualquer produto, para qualquer
finalidade, contendo OGM ou derivado de OGM precisa de autorização para ser
importado”, devendo estar anexados os pareceres técnicos conclusivos do País
exportador, caso os mesmos estejam disponíveis65, e também de outros países
que tenham experiência na matéria, não estando dispensados, de igual forma, do
parecer conclusivo da CTNBio e da autorização pelos Órgãos nacionais
competentes (Lei n° 8.974/95, art. 8°, § 1°), pois considera que
não se podem considerar válidos para um certo ambiente os testes feitos para outro. Há efeitos importantes que não ocorrem em um meio mas que podem perfeitamente se manifestar noutro. A introdução não controlada no meio ambiente de plantas geneticamente modificadas contendo novas toxinas pode provocar desequilíbrios no sistema biológico do ambiente. (FOLHA DE S. PAULO, 2000, apud MACHADO, 2003).
É, ainda, da competência da CTNBio (art. 2°, XIV, do Decreto n° 1.752/95)
, exigir Estudo de Impacto Ambiental66, quando da existência de dúvida quanto à
dimensão ou a qualidade do perigo ou do risco que possa advir da atividade
vinculada a OGMs. Como bem ressalta Machado:
Recorde-se que a liberação de OGM no meio ambiente é uma atividade que pode conter riscos significativos, que a CTNBio tem o poder-dever de exigir Estudo de Impacto Ambiental e Análise de Risco antes de emitir seu parecer sobre essa atividade. (2003, p. 977).
Vale lembrar que tal procedimento (EIA) deverá contar, como não poderia
deixar de ser, com a participação do público, conforme já se verificou
anteriormente. Destarte,
a participação na realização da segurança dos procedimentos de engenharia genética, que possam causar danos ambientais é um dever constitucional. À coletividade incumbe defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225, CF). O estudo prévio de impacto ambiental, assegurada a sua publicidade, é o procedimento que deve ser utilizado para prevenir os danos. (MACHADO, 2003, p. 960-961).
Sem poder deixar de mencionar, ainda, que a Lei n° 8.974/95 também traz
em seu corpo algumas vedações, quais sejam, a manipulação de células
65 Explica Paulo Afonso Leme Machado, que a expressão “disponíveis”, empregada pela Lei n° 8.974/95, há de ser interpretada no sentido de que “os pareceres tenham sido emitidos ou formulados. (...) A inexistência ou a ocultação do posicionamento do governo do país – de onde se pretende importar o produto contendo OGM- acarreta o indeferimento – de plano – da autorização”. (2003, p. 946). 66 Sobre o EIA, Machado (2003, p. 253) esclarece que, “conforme estatui o art. 225, § 1°, IV, da CF, é o instrumento único da análise da degradação potencial e significativa do meio ambiente, decorrente do exercício de atividades ou da instalação de obras. Não se pode contornar o caminho que a Constituição Federal traçou, com grande senso de estratégia ambiental. Não é um
germinativas humanas, a intervenção em material humano in vivo (com exceção
dos casos em que tiver por fim o tratamento de defeitos genéticos), a
manipulação de embriões humanos, a intervenção in vivo de material genético de
animais, a liberação ou descarte de OGMs no meio ambiente em desacordo com
as normas estabelecidas pela CTNBio, bem como com desrespeito ao
determinado pela referida Lei, configurando como crime a violação dessas
disposições, prevendo penas que variam de três meses de detenção a vinte anos
de reclusão. (LABARRÈRE, 2001, p. 102).
É importante ressaltar, que o Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança67, vinculado à Convenção de Diversidade Biológica, estabelece
os seguintes pontos a serem considerados na avaliação de risco (MACHADO,
2003, p. 955):
A avaliação de risco deve abordar, principalmente, as seguintes matérias: organismo receptor ou organismos paternais; organismo ou organismos doadores; vetor; inserção do ácido nucléico; identidade do organismo vivo modificado; informação relativa ao uso pretendido; o meio ambiente receptor.
No entanto, conforme já visto no Capítulo 1, a liberação dos OGMs no
meio ambiente, como é o caso do cultivo de plantas transgênicas em escala
comercial, é assunto que tem despertado polêmica, em razão das dúvidas em
torno dos possíveis efeitos danosos que essas variedades podem provocar tanto
na natureza propriamente dita quanto na saúde humana.
A Lei de Política Nacional de Biossegurança não disciplinou sobre essa
questão em específico. Assim, o princípio da precaução tem sido suscitado como
formalismo escravizador; pelo contrário, é o uso da forma como garantia do exercício da liberdade de viver num ambiente sadio e de harmonia entre os seres”. 67 “Enquanto o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei sobre Biossegurança, o Brasil adotou o Protocolo de Cartagena de Biossegurança, acordo internacional sobre o transporte de organismos geneticamente modificados, negociado no âmbito da Convenção de Diversidade Biológica, a fim de promover: [...] o uso, transporte e manuseio de organismos geneticamente modificados vivos (LMOs em inglês) produzidos a partir da moderna biotecnologia, que podem causar efeitos adversos na conservação e uso sustentável da diversidade biológica, levando em consideração riscos à saúde humana e especialmente voltado aos movimentos transfronteiriços”. (GREENPEACE, 2004). O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica, celebrado em Montreal, em 29 de janeiro de 2000, foi aprovado no Brasil através do Decreto Legislativo n° 908, de 21 de novembro de 2003.
principal orientação a ser seguida frente ao emprego de sementes
geneticamente modificadas na agricultura, conforme vem ocorrendo em relação
à liberação da soja transgênica Roundup Ready no meio ambiente.
Desta forma, os aspectos jurídicos em torno da inserção dessa variedade
genética no meio ambiente, fundados no princípio da precaução, é que serão
objetos de estudo do Capítulo 3.
3 ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO
3.1 O ingresso da soja transgênica no Brasil e sua regulamentação
Conforme dito, a soja é um dos grãos mais cultivados mundialmente. O
Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, o que o torna um importante
mercado consumidor de artigos relacionados ao seu plantio, atraindo a atenção
de empresas multinacionais como a Monsanto, que viu no país um campo
propício para a venda de suas sementes de soja geneticamente modificadas.
(ARAGÃO, 2004, p. 33-35).
Tendo isso em vista, foi com tal finalidade que a Monsanto68 formalizou
pedido para a realização de cultivo experimental69 com um tipo de soja
transgênica em nosso país. Assim, referida solicitação era, em 1997, aprovada
pela CTNBio. Essa soja é resistente ao herbicida70 Roundup (de nome genérico
glifosato71), chamada por isso de soja Roundup Ready (RR – linhagem GTS 40-
30-2), a qual teve adicionado em sua composição genética um gene de uma flor
(petúnia), de uma bactéria do solo (Agrobacterium) e de um vírus, para que ao se
aplicar o veneno sejam destruídas apenas as ervas daninhas72 que lhe tiram
68 A Monsanto é a empresa multinacional mais identificada com a tecnologia transgênica, sendo que, curiosamente, também é de sua propriedade o herbicida Roundup (glifosato). Por esse motivo, segundo reflete Leite (2000, p. 67), mais parece uma forma de a Monsanto “perpetuar-se como fornecedora de glifosato, casando sua venda com a do herbicida”. Carneiro (2004), também considera estranho que a mais poderosa empresa produtora de alimentos transgênicos do mundo (Monsanto) seja, da mesma forma, a maior produtora de venenos. Asseverando que o emprego da soja Roundup, servirá para aumentar o uso e a dependência entre os plantadores desse grão e o insumo agrícola (agrotóxico) ao qual é imune. 69 Esse cultivo seria realizado em Ponta Grossa (PR), sendo que, após, foi incluída também uma área em Goiatuba (GO), ao argumento de ser esta região mais adequada ao cultivo de soja. (NETO, 1997). 70 Substância empregada na destruição de ervas daninhas. (AURÉLIO, 1997, p. 888). 71 Conforme destaca Klabin (1999) a toxicidade do herbicida Roundup é superior a dos antigos. Além do que, destaca Moraes da Silva (2003), como se não bastasse, foi inclusive autorizado pelo governo o aumento de glifosato nos alimentos, havendo uma mudança de 0,2ppm para 2ppm. 72 São ervas que nascem no meio de certas culturas prejudicando-as. (AURÉLIO, 1997, p. 679).
espaço e nutrientes, sem danificar a planta. Desta forma, a soja Roundup Ready
é apta a tolerar quantidades expressivas do herbicida ao qual é imune sem sofrer
alterações, o que, por sua vez, segundo alegam os favoráveis à sua aceitação,
aumenta e torna muito mais eficiente sua produção e, conseqüentemente, a
distribuição de comida. (LEITE, 2000; CARNEIRO, 2004; LACEY, 2004;
MORAES DA SILVA, 2003; KLABIN, 1999; LEITE, 1998a; NETO, 1997;
SANTILLI, 2003, p. 244).
Já no ano seguinte (junho de 1998), a Monsanto passava a formular pedido
à CTNBio73, dessa vez, para a comercialização em larga escala da soja Roundup
Ready, o que, porém gerou uma enxurrada de contestações por parte de
cientistas e entidades ambientalistas, tais como o Instituto de Defesa do
Consumidor (Idec), organização Greenpeace e a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), que invocavam o princípio da precaução em razão
da existência de incertezas científicas acerca dos riscos que a introdução dessa
espécie geneticamente modificada na natureza seria capaz de causar ao meio
ambiente e à saúde humana. Dessa forma, a liberação acabou por ser suspensa
por meio de medida liminar concedida pela Justiça Federal que proibia o cultivo
da soja até que se fizesse estudo prévio do impacto ambiental74 exigido
constitucionalmente, em atendimento ao princípio da precaução, conforme será
analisado no item 3.3. (LEITE, 2000; FOLHA, 1998a; FALCÃO, 1998).
No entanto, a CTNBio reiterou sua autorização75, emitindo parecer favorável
à comercialização em 24 de setembro de 1998, ao argumento de que nada havia
a temer do ponto de vista da biossegurança, considerando a soja RR segura
73 Conforme Leite (FOLHA, 1998b), “pouca gente se deu conta, mas ela [CTNBio] já autorizou dezenas de liberações em caráter experimental. Outra coisa é aprovar alimentos de uso geral, o que ainda suscita dúvidas quanto a alergias e a criação de superervas daninhas. A CTNBio aceitou aparentemente o argumento de que essa soja é um caso especial, deu-se por satisfeita com as informações da Monsanto de que ela [soja RR] é idêntica à soja convencional”. Apontando, ainda, o autor, que a diferença é que os testes experimentais eram normalmente realizados em áreas de poucos hectares, sendo, ainda, submetidos a rigorosas medidas de segurança (faixas de segurança para evitar a dispersão do pólen e queima de todos os pés após a colheita). (2000, p. 10-13). 74 Quanto ao EIA, a Comissão diz que lhe facultado pedi-lo, mas que não tem necessariamente que fazê-lo, argumentando que, como avaliou que não há risco ambiental na soja RR, decidiu por não recomendá-lo. (LEITE, 1998c). 75 Isso ocorreu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
tanto para a saúde humana e animal quanto para o ambiente, ainda mais por
esse produto já estar sendo consumido há alguns anos nos Estados Unidos e
não ter apresentado até o momento nenhum problema naquele país. Por tais
razões, entendeu a CTNBio por dispensar a Monsanto da realização de estudo
de impacto ambiental, concedendo a primeira autorização para plantio de
sementes transgênicas em escala comercial.76. (LEITE, 2000, p. 10-13; LEITE,
1998c; LEITE, 1999).
A sentença judicial, porém, proibiu a comercialização da soja Roundup
Ready enquanto o Poder Público não estabelecer regulamentos e normas para a
biossegurança (segurança ambiental e sanitária e de rotulagem de OGMs),
decidindo que a liberação do produto depende da aprovação de estudo prévio de
impacto ambiental. (TUFFANI, 1999).
Por outro lado, muito embora o plantio e a comercialização de plantas
geneticamente modificadas sejam proibidos no Brasil77, exigindo-se que se
realize avaliação de impacto ambiental por ser instrumento de implementação do
princípio da precaução visando assegurar a manutenção da sadia qualidade de
vida, a soja RR já vinha sendo plantada ilegalmente, principalmente no Rio
Grande do Sul, por meio de contrabando da Argentina, eis que os agricultores
brasileiros também estavam apostando no tão falado e prometido aumento de
produtividade. Diante disso, ocorreu que em 2003, em razão do grande volume
da colheita (estimando-se que cerca de 8 % da produção nacional de soja, o
equivalente a 1 bilhão de reais), os agricultores que necessitavam vender a safra
do ano de 2002, a qual havia perpetrado-se de forma clandestina, viram-se
impedidos de assim proceder, pois nessa ocasião havia, inclusive, decisão
judicial proibindo a liberação do produto antes que se realizasse EIA/RIMA, nos
termos da Legislação em vigor. (FOLHA, 2003a; FOLHA, 2003b).
76 Segundo aponta Marcelo Leite, a diferença é que estes testes experimentais eram normalmente realizados em áreas de poucos hectares, sendo, ainda, submetidos a rigorosas medidas de segurança (faixas de segurança para evitar a dispersão do pólen e queima de todos os pés após a colheita). (2000, p. 10-13). 77 Segundo dados publicados na Folha de São Paulo em 20.09.03, o mapa do plantio ilegal no Brasil (Área plantada com soja transgênica) naquele ano era: MT – 350 mil hectares; MS - 354 mil hectares; PR - 450 mil hectares;e RS - 2,25 milhões de hectares. (FOLHA, 2003f).
Dessa forma, em que pese os esforços empreendidos até o momento na
regulamentação da matéria (plantio e comercialização de transgênicos)78, no ano
de 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu-se obrigado valer-se de
mecanismos para compensar os agricultores que optaram por cultivar o produto
ilegal, eis que, do contrário, as plantações seriam destruídas, o que lhes
acarretaria enormes prejuízos. (FOLHA, 2003a).
Assim, em 26 de março de 2003, foi editada a Medida Provisória n° 113
(convertida na Lei n° 10.688 em 13 de junho de 2003), com o objetivo de evitar a
perda dessa safra79, que permitia a comercialização da soja no âmbito interno -
mediante identificação do produto80 - e externo, e proibia o plantio, determinando
também punições para o futuro, isto é, os produtores teriam até 31 de janeiro de
2004 para vender toda a sua safra, sendo que a partir de fevereiro de referido
ano, qualquer sobra seria destruída, além de estarem sujeitos a multas81.
Portando, a MP foi a saída encontrada pelo governo para resolver o problema
econômico e social da safra de 2003, em razão do volume da colheita, sendo
uma medida excepcional, já que a Legislação Brasileira determina a realização
de prévia avaliação de impacto ambiental para a liberação de OGMs, em
atendimento ao princípio da precaução. (FOLHA, 2003a; FOLHA, 2003b;
SOLIANI, 2003).
No entanto, o governo federal deparou-se novamente com a situação
problemática promovida pelo cultivo ilegal de soja transgênica, mas que, agora,
78 Acerca da regulamentação de alimentos geneticamente modificados, está tramitando Projeto de Lei 2905/1997 proposto perante a Câmara dos Deputados, por Fernando Gabeira, o qual propõe a imposição de condições para a comercialização desse tipo de alimento. Juntamente ao referido Projeto encontram-se apensados outros, tramitando em conjunto, visando também disciplinar referida matéria, bem como o que diz respeito a situações diversas, dando outras providências78. (CÂMARA, 2004). No Senado Federal tramita Projeto de Lei 0216/ 1999, de autoria de Marina Silva, o qual estabelece moratória de cinco anos para o plantio e a comercialização de alimentos contendo OGMs ou seus derivados, em todo o território nacional. Referido Projeto está apensado aos PLS nºs 271, de 2000 e 47 de 2003. (SENADO, 2004). Isto pode ser visto no apêndice em anexo. 79 Segundo informações de agricultores do Rio Grande do Sul, essa era a quinta colheita de soja transgênica no país. (FOLHA, 2003b). 80 No texto (Lei n° 10.688 de 13 de junho de 2003 que converteu a MP 113/2003) aprovado no Congresso ficou decidido que só seria preciso rotular os produtos que tivessem mais de 1% de soja transgênica na sua composição. (FOLHA, 2003c).
cingia-se ao uso das sementes reservadas pelos agricultores para uso próprio,
ou seja, aquelas que são guardadas tradicionalmente para o plantio da safra
seguinte. Os produtores de soja, dessa vez, argumentavam que não havia
semente convencional suficiente para o plantio seguinte82, agravando-se a
situação pelo fato de que estava muito próxima a época de realizá-lo. Assim, em
26 de setembro de 2003, foi editada a Medida Provisória n° 131 (convertida na
Lei n° 10.814, em 15 de Dezembro de 2003) de autoria do Vice–Presidente José
Alencar (em exercício da Presidência), liberando o plantio, unicamente da safra
de soja transgênica de 2003/2004 (que precisaria começar a ser plantada em
outubro desse mesmo ano), da elaboração do estudo de impacto ambiental
exigido constitucionalmente. Ficando, porém, proibida a comercialização dessas
sementes até a aprovação do projeto de biossegurança, que tratará de
regulamentar a questão83. (FOLHA, 2003b; FOLHA 2003c; FOLHA, 2003d;
ALENCAR, 2003; GERCHMANN, 2003).
Diante disso, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo
Procurador Geral da República, Claudio Fonteles, alegando, dentre outras
violações constitucionais praticadas pela Medida Provisória, o desatendimento
ao princípio da precaução, por ter sido autorizada a inclusão de planta
transgênica (soja RR) no meio ambiente sem que se realizasse o estudo prévio
de impacto ambiental que assegura a efetividade do referido princípio, na
garantia da manutenção da sadia qualidade de vida84. (FREITAS, 2003).
81 Além do que, “ficariam impedidos de obter empréstimos e financiamentos de instituições públicas, perderá eventuais benefícios fiscais e não poderá participar de programas de recuperação fiscal do governo”. (SOLIANI, 2003). 82 “A Monsanto avisou os agricultores do Rio Grande do Sul que iria cobrar, pela primeira vez, os royalties pelo uso de suas sementes, embora os grãos tenham sido contrabandeados da Argentina ou multiplicados nas próprias fazendas. Segundo a Monsanto, o uso de sua semente garante ao agricultor uma renda adicional entre US$ 20 e US$ 24 por hectare. O valor dos royalties ainda não foi definido pela empresa. O cálculo do governo, segundo Albuquerque, foi feito com base em royalties de US$ 20 por hectare”. (FOLHA, 2003d). 83 Vale lembrar que durante a elaboração deste trabalho foi editada outra Medida Provisória (MP n° 223/2004), publicada em 15 de outubro de 2004, autorizando, mais uma vez, o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2005. (Vide anexo). 84 Segundo entrevista prestada na época (pelo presidente da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), Paulo Sérgio Domingues, à Folha de São Paulo, a associação não entrou na Justiça contra a suposta ilegalidade da MP n°113/2003 por questões políticas. Mas já havia avisado que caso fosse editada nova medida provisória, iriam buscar no STF a declaração de nconstitucionalidade dessa norma. E foi exatamente o que aconteceu quando da publicação da
Foi também nesse contexto em que as opiniões prós e contras passaram
a ser apresentadas de maneira mais intensas, que se começou a elaborar novas
regras com o objetivo de garantir a segurança biológica, ou biossegurança, das
técnicas de engenharia genética, permitindo o desenvolvimento desta tecnologia,
bem como o plantio e comercialização de variedades transgênica, sem que
resulte em agressão à saúde humana ou ao meio ambiente”85. (MACHADO,
2004, p. 46).
No entanto, o fato de essas novas regras atinentes ao plantio e à
comercialização de transgênicos ainda estarem pendentes de aprovação, fez
com que o governo federal editasse uma nova Medida Provisória (MP n° 223) em
14 de outro de 2004, nos termos estabelecidos na anterior (MP n° 131/2003),
passando, mais uma vez por cima dos procedimentos com vista à proteção
ambiental exigidos constitucionalmente.
Após ter sido apresentado este breve panorama do processo de
introdução de soja transgênica no Brasil, serão apresentados alguns casos e
experimentos, através dos quais é possível verificar que a nova tecnologia
empregada pela engenharia genética, bem como os produtos dela advindos, não
são tão seguros para a alimentação e o meio ambiente quanto os favoráveis à
sua aceitação tentam fazer crer, e, ainda, alguns riscos que também são
MP n° 131/2003, tendo sido proposta a ADIN n° 3017/2003, e, após, a ADIN nº 3109/2004 em razão da conversão da MP na Lei n° 10.814/2004. 85 “O projeto de Lei de Biossegurança, que trata do plantio e comercialização de transgênicos e da pesquisa com células-tronco, foi aprovado hoje [06.10.04] no plenário do Senado. Os senadores aprovaram o substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), que mantém a possibilidade do plantio de transgênicos no Brasil. O texto permite ainda que os cientistas brasileiros possam usar em suas pesquisas células-tronco de embriões humanos. [...] Suassuna manteve a proposta anterior do senador Osmar Dias, que dava à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) o poder de regulamentação sobre produtos modificados. geneticamente. O projeto da Câmara previa que a CTNBio apenas daria parecer sobre essas questões. Caso os órgãos do governo não concordem com as decisões da CTNBio, terão 15 dias para apresentar recurso. A Lei de Biossegurança chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas não tratava da pesquisa com células-tronco. Com isso, terá obrigatoriamente de voltar para a Câmara, antes de seguir para sanção do presidente Lula. A aprovação do novo texto no Senado significa ainda uma derrota para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que articulou a votação na Câmara. Mesmo com a aprovação dos senadores, o presidente Lula deverá ser pressionado a editar uma nova medida provisória para o plantio dos transgênicos, já que é provável que a Câmara não tenha tempo para analisar a matéria antes do plantio da nova safra de soja”. (FOLHA, 2004).
considerados por aqueles que argúem o princípio da precaução para o
gerenciamento do tema.
3.2 Riscos de danos e incertezas científicas sobre os desdobramentos da
utilização de OGMs
O fato de os OGMs constituírem-se em possíveis ameaças de danos
sérios e irreversíveis ao meio ambiente e à saúde, têm sido, inclusive, admitido
pelos próprios pesquisadores, estudiosos, cientistas e técnicos da área, até
mesmo por aqueles que defendem os produtos biotecnológicos. Porém, sua
grande maioria, pensa que o progresso86, científico e tecnológico, não deve ser
obstado, por acreditar que os benefícios esperados compensariam os
prejuízos87. (LEITE, 2000; MORAES DA SILVA, 2003).
Por outro lado, apesar de todo o entusiasmo em torno da
agrobiotecnologia, mormente, por parte daqueles que dela buscam tirar
proveito88, a adoção dessa nova variedade de alimentos transgênicos na dieta do
86 Segundo informa Lacey (2004, p. 50-52), esse progresso a qualquer preço desejado pelos defensores dos OGMs, é amparado por valores de *mercado e de *propriedade, sendo que, onde predominam esses valores, haverá pouco interesse nas possibilidades alternativas, como por exemplo a agroecologia, para que se produza tanto comida que sustente toda a população quanto paras atacar o problema da pobreza. Somente no caso de preponderarem valores não comerciais como de *produtividade, *sustentabilidade, *preservação e manutenção da biodiversidade, *integridade cultural e *fortalecimento de comunidades locais, (os quais conflitam com aqueles valores de mercado) é que serão priorizados. Afirmando, também, Aragão (2004), que “já é possível, com bastante sucesso, obter plantas resistentes a doenças, usando-se métodos tradicionais”. 87 Conforme importante observação feita por Célia Almudena (Folha, 1998) “os riscos dos alimentos mutantes estão claros na cabeça dos pesquisadores de todo o mundo. Mas a maioria dos governos não exige que testes clínicos com humanos sejam feitos antes da colocação desses produtos no mercado. Enquanto isso, os consumidores estão sendo usados como espécie de cobaias e os resultados das experiências podem ser imprevisíveis”. 88 Tal como coloca Lacey (2004, p. 50-52), os “favoráveis à legitimação” de OGMs respaldam-se em valores comerciais, como os de mercado e da propriedade, para sustentar as alegações de que os OGMs prometem grandes benefícios. E, segundo Leite (2000, p. 78), é essa mudança de valores na tomada de decisões, (no caso a legitimação da utilização de OGMs), que se “convencionou chamar de tecnocracia, ou governo dos homens e das coisas segundo os imperativos da tecnociência”, deixando de levar em consideração aspectos políticos ou, muito menos, religiosos.
homem e de animais de criação vem gerando questionamentos, dentre diversos
segmentos da sociedade, quanto a seus aspectos científicos, sanitários,
ecológicos, econômicos, sociais ou culturais89. Ressaltando Carneiro (2004, p.
41) que
a tecnologia de manipulação genética de espécies animais e vegetais para fins industriais, medicinais ou alimentares certamente pode ter usos adequados, com uma potencialidade imensa ainda desconhecida. No entanto, o uso atual dos transgênicos na agricultura de grãos tem trazido a marca de uma expansão precipitada, levando ao temor global de uma decomposição ainda maior na qualidade da alimentação humana.
Do que se tem notícia, pouco se sabe a respeito dos efeitos reais da
inclusão dos OGMs em nossa alimentação e no meio ambiente, eis que existe
uma “limitação” na aplicação das técnicas de manipulação genética, conforme
dito no Capítulo 1, em razão da falta de precisão inerente aos procedimentos
adotados. Isto é, no que diz respeito à possibilidade de a inserção do gene
exógeno vir a causar o silenciamento ou a superexpressão de outro gene (nativo
ou não). Essa falta de precisão, traduz-se em incertezas em relação a aspectos
dos OGMs que se referem à ocorrência de mudanças genéticas aleatórias, à
transposição de barreiras entre as espécies e, ainda, no que diz respeito aos
impactos ao meio ambiente e à saúde humana90. (VIEIRA, 2004, p. 29-32).
Um fato marcante de que os riscos e incertezas que envolvem a
tecnologia e os produtos dela advindos continuam longe de serem
suficientemente esclarecidos ou conhecidos é o famoso caso do triptofano, que
ocorreu em 1989, contribuindo para marcar negativamente a imagem dos
transgênicos. (LEITE, 2000, p. 25-33).
O triptofano é uma substância utilizada como complemento alimentar e no
tratamento de insônia, ansiedade, depressão e tensão pré-menstrual, que
passou a ser produzido por bactérias que foram alteradas geneticamente para
89 Segundo Carneiro (2004, p. 40) “Do ponto de vista cultural, essa alteração vem acentuar um problema atual: o mal-estar da alimentação, causado pela perda de controle sobre o que comemos e pela sensação de artificialidade no alimento”. 90 Essas limitações e riscos, no tocante a OGMs, serão abordados com maior detalhamento no Capítulo 3.
que seus genes passassem a produzi-la em grande quantidade91, funcionando
como microusinas de triptofano. No entanto, paralelamente à produção da
substância desejada, a bactéria começou a fabricar quantidades enormes de
uma toxina que desencadeou a síndrome de eosinofilia-mialgia, caracterizada
por dor muscular e pelo aumento de um tipo de glóbulo branco (leucócito) no
sangue. “Mais de 5.000 (cinco mil) casos foram registrados, sem que se
registrasse de imediato a origem do mal. Morreram pelo menos 37 (trinta e sete)
pessoas, e outras 1.500 (mil e quinhentas) ficaram com seqüelas permanentes
[...]”. (LEITE, 2000, p. 36-37).
No mais, pode ser igualmente citado o experimento realizado por Árpád
Pusztai92 em 1998, que ao testar os efeitos provocados no organismo de ratos
alimentados com batatas transgênicas, as quais foi acrescentado em sua
composição um gene para que produzissem nas próprias células a lectina
(confere proteção a pragas), percebeu que as cobaias que foram alimentadas
com a batata modificada geneticamente desenvolveram anormalidades nos
intestinos e no sistema imunológico. (LEITE, 2000, p. 40-41).
Estudos científicos alertam também, para os perigos que os transgênicos
possam oferecer ao meio ambiente. Em relação a esse aspecto, podemos citar o
experimento empreendido por John Losey93, em 1999, que buscou demonstrar o
quanto a introdução de plantas geneticamente modificadas representa uma
ameaça ao meio ambiente, pois criaria uma “enorme pressão sobre as espécies
locais, de ervas daninhas a insetos, de pássaros a parentes silvestres do
organismo transgênico. (LEITE, 2000, p. 49-51).
Referida experiência consistiu na alimentação de lagartas da borboleta
Monarca com folhas que continham pólen de milho transgênico. O resultado foi
que as lagartas que as comiam se alimentavam menos, “cresciam mais
lentamente e apresentavam mortalidade mais acentuada”. (LEITE, 2000, p. 52).
91 O triptofano foi fabricado por uma empresa japonesa Showa-Denko. (LEITE, 2000, p. 36). 92 Do Instituto de Pesquisa Rowelt, da Escócia. O experimento foi publicado em outubro de 1999, na revista médica britânica Lancet. )LEITE, 2000, p. 40-42). 93 Professor da Universidade Cornell, dos Estados Unidos. Seu “experimento foi publicado na respeitada revista Nature, em 20 de maio de 1999”. (LEITE, 2000, p. 50).
Esses são, contudo, os casos conhecidos de danos provocados pelo
emprego da engenharia genética que já puderam ser constatados até o
momento, sendo que em relação a outras inúmeras pesquisas que estão em
andamento, bem como no que diz respeito aos produtos que estão prontos para
serem utilizados e consumidos, ainda não se pode prever se também importarão
em prejuízos para o meio ambiente e saúde humana, pois o procedimento
utilizado na detecção de riscos “esbarra nos limites do que se conhece no
presente”. (LEITE, 2000, p. 39-47).
Assim, sempre se poderá indagar sobre os possíveis desequilíbrios
genômicos que poderão ser desencadeados pela manipulação do DNA, como a
produção de proteínas desconhecidas e potencialmente perigosas,
questionando-se, por isso, no que se refere à saúde humana, a possibilidade de
os OGMs poderem provocar reações alérgicas, ou de que genes com resistência
a antibióticos transfiram-se para microorganismos patológicos, pois neste
segundo caso, o gene imune ao antibiótico é utilizado na produção da planta
transgênica, para facilitar a localização dos resultados que obtiveram sucesso na
inserção, ou seja, o organismo que sobreviver ao antibiótico é o que teve em si
acrescentada a característica desejada. (LEITE, 2000, p. 40/48). E, segundo
destacado por Santilli94 (2003, p. 243):
Quando se insere um gene de um ser em outro, novos compostos podem ser formados nesse organismo, como proteínas e aminoácidos. Se este organismo geneticamente modificado for um alimento, as substâncias modificadas podem provocar alergias em parcelas significativas da população. Para se certificar de que a modificação genética deu certo, os cientistas inserem nos alimentos genes (chamados marcadores) de bactérias resistentes a antibióticos. Isso pode provocar o aumento da resistência a antibióticos nos seres humanos que comem esses alimentos. Em outras palavras, pode reduzir ou anular a eficácia dos remédios à base de antibióticos.
Com relação à soja geneticamente modifica ser capaz de provocar o
desenvolvimento de alergias, pesquisadores afirmam ser extremamente difícil
predizê-las, mas “o expert Britânico da biotecnologia, Dr. Mae–Won Ho, entre
94 O comentário é feito por Juliana Ferraz da Rocha Santilli, Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal, juntamente com outros dois Promotores, Lenna Luciana de Paula Nunes e Leonardo Roscoe Bessa, em uma Ação Civil Pública que ingressaram contra o Distrito
outros, tem alertado que a soja transgênica Roundup Ready da Monsanto pode
representar sérios problemas de alergias alimentar”, por conter em sua
composição o gene de um vírus, de uma bactéria do solo (Agrobacterium) e uma
flor (petúnia), elementos estes que nunca estiveram presentes em nossa
alimentação antriormente.
E, no âmbito do meio ambiente, dentre às conseqüências temidas
relacionadas à agricultura, em análise particular à soja RR, podemos incluir
(além das possibilidades superexpressão ou silenciamento de genes, bem como
a produção de toxinas de que se falou anteriormente):
a) a perda de biodiversidade e erosão genética – pois pressupõe que a
introdução em larga escala dessa planta resistente a herbicida (no caso o
glifosato) refletirá em perturbações à cadeia alimentar, “ao eliminar ou reduzir
drasticamente a presença de ervas daninhas que eventualmente sustentem
outros grupos de organismos”.
Ademais, a busca progressiva dos plantadores pela intensificação da
produção com base na soja transgênica, “diminuiria ainda mais a já escassa
diversidade de cultivares existente na agricultura”, pois tenderá o agricultor a
optar por aquele único grão transgênico possuidor de resistência ao herbicida,
para que a planta de interesse econômico não seja destruída, como acontece
quando da utilização de outros agrotóxicos em soja convencional (não
transgênica)95. (LEITE, 2000, p. 54). Acrescentando o autor que
além de a uniformidade genética ser perigosa, tornando safras inteiras mais vulneráveis a pragas [...] essa tendência aceleraria o desaparecimento de milhares de variedades locais de arroz, milho, trigo e diversas outras plantas cruciais para a segurança alimentar da população mundial.
b) a transferência de genes de culturas transgênicas para seus parentes
próximos – o que também poderá gerar desequilíbrios, pois iria transmitir
características que jamais estariam presentes nessas populações, alterando a
Federal, na qual são discutidos aspectos relativos à comercialização de produtos contendo OGMs. (SANTILLI, 2003). 95 “Segundo a FAO (organização das Nações Unidas para alimentos), já se perderam 75% das variedades utilizadas na agricultura há apenas cem anos”. (LEITE, 2000, p. 54).
dinâmica destas e de outras espécies com as quais interagem. (LEITE, 2000, 54;
NORADI, 2004, p. 43-45).
c) o surgimento de superervas daninhas – caso a erva daninha que se
pretende eliminar seja da mesma espécie da planta engenheirada (a qual foi
inserido o gene de imunidade ao agrotóxico), existe a possibilidade de que
ocorra o cruzamento entre elas, transferindo-se o gene de resistência ao
herbicida ao parente que se pretendia eliminar. Tendo sido constatado,
inclusive, através de experimento realizado por Joy Bergelson (da Universidade
de Chicago), que ao cultivar duas espécies de plantas (transgênica e natural),
observou que a planta transgênica era 20 (vinte) vezes mais eficiente na hora de
cruzar. (LEITE, 2000, p. 54-56). E, tal como também acredita Santilli (2003, p.
243),
com a inserção de genes resistentes a agrotóxicos em certos produtos transgênicos, [...] as ervas daninhas poderão desenvolver a mesma resistência, tornado-se [...] superervas. Isso vai exigir a aplicação de maiores quantidades de agrotóxicos nas plantações, resultando no aumento de resíduos tóxicos nos alimentos e maior poluição da água e solo.
Portanto, como bem ressalta Leite (2000, p. 50) “é difícil imaginar que
tamanha intervenção [na planta] não tenha algum efeito de porte sobre o
ecossistema à volta das plantações”. Por outro lado, somente o tempo poderá
mostrar as conseqüências dessa transposição de barreiras entre as espécies,
pois as incertezas científicas existentes dificultam que se confira, no momento,
de que tipo e magnitude são os riscos e danos que poderão advir da liberação
dos OGMs no meio ambiente, isto é, não se pode precisar de que forma essa
nova característica adquirida pelo OGM interagirá em contexto distinto daquele
do qual proveio. (LEITE, 2000, p. 47; VIEIRA, 2004, p.32).
Por tais motivos é que diversos seguimentos sociais como a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Greenpeace
têm empreendido esforços na campanha de conscientização sobre utilização da
soja RR, pois consideram que os estudos até então desenvolvidos são
insuficientes para comprovar os efeitos desses produtos no meio ambiente e na
saúde humana. (SANTILLI, 2003, p. 244).
E é exatamente quando se está diante de casos como esses, que
encontra aplicação o princípio da precaução, o qual traça orientação ao
desenvolvimento quando da ausência de certeza científica a respeito de danos
que possam ser causados ao meio ambiente, visando à duração da sadia
qualidade de vida. E o instrumento posto à disposição para o atendimento de
referido princípio, constitui-se no estudo prévio de impacto ambiental (EIA),
exigido constitucionalmente (inc. IV, §1°, art. 225). (FIORILLO, 2003, p. 36-38;
MACHADO, 55-72). Discorre, também, sobre a matéria, o Procurador-Geral da
República Aurélio Rios (apud, SANTILLI, 2003, p. 246):
Observa-se que o princípio da precaução é indissociável de qualquer prática de biossegurança. A sua importância para as medidas de prevenção de potenciais riscos decorrentes da introdução ou de liberação de organismos geneticamente modificados (OGMs) no meio ambiente foi expressamente reconhecida e afirmada no Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança [...].
A aplicação do princípio da precaução na liberação da soja RR no meio
ambiente terá sua analise delineada no próximo item.
3.3 Aplicação do princípio da precaução e a liberação da soja Roundup
Ready no meio ambiente
Conforme alguns experimentos já trataram de evidenciar, e até mesmo
certas situações vivenciadas pela própria humanidade, como o caso da epidemia
provocada pelo triptofano produzido por bactérias geneticamente modificadas
(como relatado no item 2.4), existem incertezas quanto aos possíveis efeitos e
prejuízos que poderão advir da utilização da nova técnica de melhoramento
genético (DNA recombinante) empregada pela engenharia genética, bem como
dos produtos dela advindos. Do que resulta que a inclusão de plantas
transgênicas na agricultura pode implicar em riscos para o meio ambiente e para
a saúde humana. (PRUDENTE, 2000, p. 311-312). Esse pensamento é
compartilhado por Machado (2003, p. 929), ao dizer que
[...] não se pode negar a existência de riscos para os seres humanos, para os animais e para as plantas ao ser realizada a manipulação genética. Mencionam-se como riscos: o aparecimento de traços patógenos para humanos, animais e plantas; perturbações para os ecossistemas; transferências de novos traços genéticos para outras espécies, com efeitos indesejáveis; dependência excessiva face às espécies (geneticamente modificas), com ausência de variação genética.
O princípio da precaução, que tem por fim orientar o desenvolvimento
quando não existam evidências científicas nítidas de que certas atividades
comprometam a sadia qualidade de vida, ordena a ação a ser empreendida por
parte dos Estados antes que os danos possam ser cientificamente estabelecidos.
(WOLFRUM, 2004, p. 13-28).
Assim, referido princípio, que está diretamente relacionado à avaliação
prévia das atividades humanas, possui como instrumento de sua implementação
o estudo de impacto ambiental (EIA), para fins de avaliação anterior à concessão
de autorização e licença à implementação de atividades que possam ser
potencialmente degradadoras do meio ambiente, incluídas nestas as que
provoquem dano incerto como é o caso do plantio em escala comercial da soja
RR. (FIORILLO, 2003, p. 36-38; MACHADO, 2003, p. 70-72; PRUDENTE, 2000,
p. 311-312).
Portanto, imprescindível que se realizasse o referido procedimento (EIA)
antes que fosse autorizada pela CTNBio a comercialização em larga escala da
semente de soja RR à empresa Monsanto, conforme bem delineado pelo
Procurador da República Aurélio Veiga Rios96 (FONTES e VILELA, apud,
PRUDENTE, 2000, p. 311-312, grifo do autor):
O EIA não é uma formalidade de menos; uma faculdade, arbítrio ou capricho que possa ser dispensada no exame tão delicado das conseqüências do descarte de OGM no meio ambiente. A exigência
96 Aurélio Veiga Rios é o representante do Ministério Público Federal que atuou na Ação Cautelar n° 98.34.00.027681-8, preparatória da Ação Civil Pública n° 1998.34.00.027682-0, bem como nesta última, proposta pelo Idec contra a União Federal, que teve como prolator da sentença o Juiz Titular Federal Antônio Souza Prudente (6ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal). Referida Ação Civil Pública foi distribuída por dependência ao processo n° 1997.34.00.036170-4, consistente em Ação Civil Pública proposta pelo Greenpeace em desfavor da União e da CTNBio (PRUDENTE, 2000).
constitucional não pode ser, evidentemente, limitada por um decreto regulamentador97. O art. 225, IV, da CF, exige, na forma da lei, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, incluindo-se nesse rol a liberação de organismo geneticamente modificado. Nos termos da Lei n° 6.938/81 e da Res. 237, do 19.12.1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que expressamente exige a licença ambiental em casos de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente. Não se pode esquecer que o Estudo de Impacto Ambiental é de suma importância para a execução do princípio da precaução, de modo a tornar possível no mundo real a previsão de possíveis danos ambientais ocasionados pelo descarte de OGM no meio ambiente com todos os riscos já ditos aqui.
No mais, muito embora a CTNBio tenha aceitado os argumentos
apresentados pela Monsanto98, interessada na comercialização da soja RR, de
que a semente alterada é perfeitamente segura do ponto de vista alimentar a
ambiental, alegando que inexistem efeitos nocivos, não foi realizado o EIA em
solo brasileiro. O dossiê apresentado pela multinacional, no qual se baseou a
CTNBio para a emissão de parecer favorável à liberação de OGMs, abordava
somente informações analisadas quando do cultivo da soja RR nos EUA, sendo
que a experiências realizadas no Brasil limitaram-se a demonstrar apenas a
eficiência das variedades para fins de obtenção do registro do herbicida glifosato,
não avaliando, aqui, aspectos relacionados à biossegurança. (PRUDENTE,
2000, p. 311-312). Referidas questões foram suscitadas em parecer elaborado
por pesquisadores99 a título de consultoria, que buscou frisar principalmente a
97 É questionada a constitucionalidade do Dec. 1.752/95, que atribuiu à CTNBio a faculdade de exigir o EIA/RIMA (art. 2°, XIV), pois, segundo entendeu o Magistrado, a obrigatoriedade decorre da própria Constituição Federal, não podendo o Poder Público dispensar referido procedimento quando do pedido de autorização e licenciamento de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. (PRUDENTE, 2000, p. 311-312). 98 Segundo os dados fornecidos pela Monsanto, relacionados à avaliação da soja RR: ”(1) não mostra possuir quaisquer propriedades vegetais patógenas; (2) sua improbabilidade de se tornar uma planta daninha é igual a das variedades não modificadas com linhagem progenitora comum; (3) não aumentará o potencial de herbosidade de qualquer outra planta cultivada ou de quaisquer espécies nativas silvestres com as quais possa conseguir cruzar; (4) não causará danos aos produtos agrícolas processados; e (5) é improvável que prejudique quaisquer outros organismos, como as abelhas e minhocas que são benefícios para a agricultura”. (PRUDENTE, 2000, p. 316). 99 Os pesquisadores acima referidos são Dra. Eliana Gouvêa Fontes (foi Secretária Executiva da CTNBio) e por Edvaldo Vilela, os quais tiveram suas posições em relação ao assunto atinente a OGMs citadas tanto no parecer do Procurador da República Aurélio Veiga Rios quanto na decisão Juiz Titular Federal Antônio Souza Prudente quando transcreve parte das razões de referido membro ministerial. (PRUDENTE, 2000, p. 311-312).
necessidade de se obter informações relacionadas à interação planta/ambiente
no Brasil:
[...] consideramos relevante que sejam fornecidas informações sobre o comportamento e características dos cultivares de soja Roundup Ready plantadas no ambiente brasileiro, particularmente fatores que influenciam a sobrevivência e a mortalidade das plantas transgênicas, tais como ação de pragas e patógenos, e possível ocorrência de dormência induzida, como duração, término e intensidade, nas diferentes condições ambientais prevalentes no Brasil, considerando toda a área geográfica que, potencialmente será cultivada com esta soja. [...]. [...] suscitam sérias dúvidas quanto à adequação dos estudos apresentados nos EUA perante às agências norte-americanas para respaldar a liberação, em escala comercial, da soja Roundup Ready. É muito preocupante saber que as variações climáticas brasileiras e as espécies aqui existentes, bastante diferenciadas daquelas existentes nos EUA, não foram levadas em consideração pela CTNBio que, em gesto no mínimo açodado, aprovou parecer técnico, sem que esses detalhes tivessem sido previamente examinados [...]. Dois fatos revelam o açodamento ou a incrível eficiência da análise procedida pela CTNBio. O primeiro refere-se à velocidade da aprovação do cultivo experimental por um ano, e logo a seguir, a apresentação do pedido de desregulamentação da soja Roundup Ready, sem que fossem estudados, em todos os aspectos, os problemas decorrentes da introdução do referido OGM no Brasil. (PRUDENTE, 2000, p. 311-312).
A Dra. Eliana Fontes Gouvêa100, que participou da elaboração do parecer
acima referido, afirma seguramente ter aplicação o princípio da precaução aos
novos produtos (OGMs) fabricados pela biotecnologia. (apud PRUDENTE, 2000,
p. 315):
Também na biotecnologia moderna nos encontramos frente a uma nova tecnologia, por ser ainda desconhecido, se, ou até que ponto, efeitos danosos poderiam resultar: Portanto, o princípio da precaução deve ser aplicado igualmente com organismos, substâncias e produtos dela resultantes.
Foi, então, por motivos como os acima considerados, que o Procurador da
República Aurélio Veiga Rios101 concluiu ser imprescindível a realização de EIA
100 Essa afirmação foi feita em artigo publicado em boletim Informativo 01/CTNBio. (PRUDENTE, 2000, p. 315). 101 O Procurador da República disse, ainda, que não haveria razão para a Monsanto discordar da execução do EIA, se, como tanto insiste em afirmar a multinacional, é inofensiva a nova variedade de soja. Conforme afirma o membro ministerial: “a simples realização do EIA demonstrando os acertos de suas premissas ambientais [da Monsanto] daria à Monsanto e à CTNBio o argumento definitivo sobre o assunto, afastando qualquer dúvida sobre eventuais efeitos danosos decorrentes do descarte de OGM no meio ambiente. Os seus adversários perderiam o palanque político e a opinião pública seria agraciada com uma satisfação pública por
nos termos do inc. IV do art. 225 da CRFB/1988, pois entende que o descarte de
OGMs causa significativo impacto no meio ambiente. (PRUDENTE, 2000, p. 315-
317).
Alguns estudiosos102 do assunto também dizem estarem convictos de que
é preciso estudar a fundo o caso da soja previamente à sua liberação, afirmando
que apesar de as implicações das plantas transgênicas na agricultura serem uma
incógnita, “algumas são possíveis de se antever, usando-se apenas o bom senso
e o conhecimento biológico”, como é o caso do aumento da uniformidade
genética, decorrente do cultivo em grande escala das variações com alteração
genética. Entendem, ainda, que as alegações feitas por parte dos defensores da
sua liberação, quais sejam, de aumento de produtividade e, conseqüentemente,
da capacidade de competição do Brasil no mercado internacional “são
conquistas que não podem se sobrepor aos interesses dos cidadãos”.
(PRUDENTE, 2000, p. 317-318).
Dessa forma, diante da ausência de certeza científica acerca dos
possíveis riscos de danos para a saúde humana e do meio ambiente no que
tange aos OGMs, é que o Juiz Antônio Souza Prudente entendeu ser a
observação do princípio da precaução medida obrigatória para o plantio em
escala comercial da soja RR, tendo a avaliação de impacto ambiental (EIA) como
o instrumento a ser empregado no seu efetivo cumprimento, nos termos
previstos pelo inc. IV do §1° do art. 225 da CRFB/1988. (PRUDENTE, 2000, p.
322-326, grifo do autor):
No eco de tantas vozes autorizadas, no mundo da biotecnologia, a exigir prudência e segurança no trato de organismos geneticamente modificados (OGM), com vista a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas, dos seres vivos em geral, de todo o
parte da empresa quanto a um empreendimento ambiental correto. O princípio constitucional teria sido rigorosamente cumprido e o Ministério Público Federal daria, por finda, no caso específico, a sua jornada cívica em favor da análise do risco e de medidas de precaução ambiental; e esta incansável Vara Federal se livraria da pressão de ter que decidir rapidamente sobre a necessidade ou não do EIA”. (PRUDENTE, 2000, p. 317). 102 Em artigo publicado sob o título “A soja transgênica e a cidadania” por “Miguel Pedro Guerra, Professor titular e coordenador do curso de pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da UFSC e Secretário Regional da SBPC/SC, Rubens Onofre Noradi, Professor Titular da UFSC e presidente da Sociedade Brasileira de Genética Regional de SC e Glavi Zancan, Professora titular e Chefe do Departamento de Bioquímica da Ufor e vice-presidente do SBPC”. (PRUDENTE, 2000, p. 317).
ambiente, impõe-se a observância rigorosa do princípio da precaução na espécie. A apresentação cientificamente fundamentada do Estudo Prévio de Impacto Ambiental na forma preconizada pelo art. 225, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, como condição indispensável ao plantio em escala comercial, da soja Roundup Ready, resulta em termos vinculativos, dos direitos fundamentais (vida, liberdade, segurança e meio ambiente e meio ambiente ecologicamente equilibrado). [...] Nessa particular, o princípio da precaução é imperativo constitucional que não dispensa o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, para o plantio, em escala comercial, da soja transgênica (Roundup Ready). [...] O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) atende, de pronto, à eficácia vinculante do princípio da precaução, pois se caracteriza como procedimento imprescindível de prévia avaliação diante da incerteza do dano [...].
Assim, continua o Magistrado Federal, o Poder Público não pode se omitir
de considerar o princípio da precaução, empreendendo o EIA quando do exame
das técnicas e métodos empregados nas atividades potencialmente
degradadoras do meio ambiente, pois, como já dito, tal determinação emana do
próprio texto constitucional, não obstante também estar previsto na Lei n°
6.938/81 (art. 9°, inc. III)103, não sendo, portanto, uma faculdade. (PRUDENTE,
2000, p. 325-326):
O Estudo Prévio de Impacto ambiental é um pressuposto constitucional da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tem fulcro no art. 225, §1°, IV, da Constituição de 1988, que incumbe ao Poder Público exigi-lo nas hipóteses de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Prescreve, ainda, que dele se dê publicidade. Mas já era uma previsão legal como um expressivo instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81, art, 9°, III) e pressuposto para o licenciamento de construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento e atividades capazes de causar degradação ambiental. [...] a fim de compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico [...] um dos principais objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 4°, I).
103 “A Lei n° 6.938/81 (art. 9°, III) qualifica o Estudo de Impacto Ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Quer isso dizer que sua função primordial consiste em aplicar, nos projetos de obras e atividades potencialmente causadores de degradação ambiental, os princípios e objetivos definidos naquela lei como necessários à preservação da qualidade ambiental e à manutenção do equilíbrio ecológico”. (PRUDENTE, 2000, p. 327).
Por tais motivos, foi que o Juiz Antônio Souza Prudente104, no que tange a
aplicação do princípio da precaução em relação aos OGMs , entendeu por
decidir que o Poder Público não cumpriu o mandamento constitucional, haja vista
que não realizou o EIA previamente à liberação do plantio com fins comerciais da
soja RR, considerada uma atividade de risco em potencial. (PRUDENTE, 2000,
p. 330). Essa decisão foi, inclusive, confirmada pela 2ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região105:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CAUTELAR – LIBERAÇÃO DO PLANTIO E COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA (SOJA ROUND UP READY), SEM O PRÉVIO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – ART. 225, § 1º, IV, DA CF/88 C/C ARTS. 8º, 9º E 10º, § 4º, DA LEI Nº 6.938/81 E ARTS. 1º, 2º, CAPUT E § 1º, 3º, 4º E ANEXO I, DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237/97 – INEXISTÊNCIA DE NORMAS REGULAMENTADORAS QUANTO À LIBERAÇÃO E DESCARTE, NO MEIO AMBIENTE, DE OGM – PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO CAUTELAR – PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA – PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO – INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA – ART. 808, III, DO CPC – INTELIGÊNCIA.
[...]
IV – O art. 225 da CF/88 erigiu o meio ambiente ecologicamente equilibrado “a bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, incumbindo ao Poder Público, para assegurar a efetividade desse direito, “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (art. 225, § 1º, IV, da CF/88).
V – A existência do fumus boni iuris ou da probabilidade de tutela, no processo principal, do direito material invocado, encontra-se
104 A Ação Civil Pública n° 1998.34.00.027682-0 foi julgada procedente, em 26 de junho de 2000, pelo Juiz Antônio Souza Prudente, condenando a União Federal, dentre o cumprimento de outras obrigações, a exigir o EIA da Monsanto do Brasil Ltda., para a liberação de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente. Manteve, assim, a eficácia da medida cautelar concedida nos autos Ação Cautelar preparatória n° 98.34.00.027681-8. (PRUDENTE, 2000, p. 334). 105 Decisão proferida pela 2ª Turma do TRF ao apreciar a Apelação Cível n° 2000.01.00.014661-1/DF interposta nos autos da Ação Cautelar (98.34.000.027681-8) pela União Federal; Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda. e outros; contra Idec; Greenpeace e Ibama. Tendo como relatora a Desembargadora Federal Assusete Magalhães. Referidas decisões foram, após, ratificadas pelo acórdão da 5ª Turma do mesmo TRF da 1ª Região, nos autos do Agravo Regimental interposto pelo MPF contra a decisão monocrática da Desembargadora Federal, Selene Maria de Almeida, que concedia efeito suspensivo à apelação da União e da Monsanto.
demonstrada especialmente: a) pelas disposições dos arts. 8º, 9º e 10º, § 4º, da Lei nº 6.938, de 31/08/81 – recepcionada pela CF/88 – e dos arts. 1º, 2º, caput e § 1º, 3º, 4º e Anexo I da Resolução CONAMA nº 237/97, à luz das quais se infere que a definição de “obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”, a que se refere o art. 225, § 1º, IV, da CF/88, compreende “a introdução de espécies exóticas e/ou geneticamente modificadas”, tal como consta do Anexo I da aludida Resolução CONAMA nº 237/97, para a qual, por via de conseqüência, necessário o estudo prévio de impacto ambiental; b) pela relevância da tese de que o parecer conclusivo da CTNBio não tem o condão de dispensar o prévio estudo de impacto ambiental, para o plantio, em escala comercial, e a comercialização de sementes de soja geneticamente modificadas, especialmente ante séria dúvida quanto à constitucionalidade do art. 2º, XIV, do Decreto nº 1.752/95, que permite à CTNBio dispensar o prévio estudo de impacto ambiental – de competência do IBAMA – em se tratando de liberação de organismos geneticamente modificados, no meio ambiente, em face do veto presidencial à disposição constante do projeto da Lei nº 8.974/95, que veiculava idêntica faculdade outorgada à CTNBio. Precedente do STF (ADin nº 1.086-7/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, in DJU de 16/09/94, pág. 24.279); c) pela vedação contida no art. 8º, VI, da Lei nº 8.974/95, diante da qual se conclui que a CTNBio deve expedir, previamente, a regulamentação relativa à liberação e descarte, no meio ambiente, de organismos geneticamente modificados, sob pena de se tornarem ineficazes outras disposições daquele diploma legal, pelo que, à míngua de normas regulamentadoras a respeito do assunto, até o momento presente, juridicamente relevante é a tese de impossibilidade de autorização de qualquer atividade relativa à introdução de OGM no meio ambiente; d) pelas disposições dos arts. 8º, VI, e 13, V, da Lei nº 8.974/95, que sinalizam a potencialidade lesiva de atividade cujo descarte ou liberação de OGM, no meio ambiente, sem a observância das devidas cautelas regulamentares, pode causar, desde incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias e lesão corporal grave, até a morte, lesão ao meio ambiente e lesão grave ao meio ambiente, tal como previsto no art. 13, §§ 1º a 3º, da Lei nº 8.974/95, tipificando-se tais condutas como crimes e impondo-lhes severas penas.
VI – A existência de uma situação de perigo recomenda a tutela cautelar, no intuito de se evitar – em homenagem aos princípios da precaução e da instrumentalidade do processo cautelar –, até o deslinde da ação principal, o risco de dano irreversível e irreparável ao meio ambiente e à saúde pública, pela utilização de engenharia genética no meio ambiente e em produtos alimentícios, sem a adoção de rigorosos critérios de segurança. [...].
Posteriormente às decisões que consideraram a imprescindibilidade do
EIA no caso da liberação de OGMs no meio ambiente como forma de
atendimento ao princípio da precaução, referida questão foi, também, um dos
objetos da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em face da Lei n°
10.814/2003 (que converteu a MP n° 131/2003)106, eis que, conforme já
mencionado no item 3.2, dita Lei de Conversão autorizou o plantio de sementes
de soja RR dispensando a realização da avaliação ambiental exigida
constitucionalmente em flagrante desrespeito ao princípio da precaução:
1. O cultivo de soja no Brasil se verifica em larga escala comercial, alcançando, portanto, extensas faixas de terra em diversos Estados da Federação. Diante disso, o uso de OGM’s revela o risco de amplas alterações na biodiversidade, tornando imprescindível o diagnóstico das possíveis influências dessa atividade no meio físico, biológico e, também, no meio sócio-econômico, nos termos do art. 6° da Resolução CONAMA n° 001/86.
2. A exigência constitucional de realização de estudo prévio de impacto ambiental como condição para instalação de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente está intimamente ligada ao princípio da precaução, o qual também encontra abrigo no art. 225, caput, da Constituição Federal. Pode-se afirmar, até mesmo, que a previsão constitucional de EIA/RIMA funciona como mola mestra do princípio da precaução.
3. A incerteza científica, à luz do princípio da precaução, milita em prol da higidez do meio ambiente, tornando indispensável, nas atividades potencialmente causadoras de riscos, a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental.
4. A Lei nº 10.814 inverte de forma absurda a lógica edificada a partir do princípio da precaução (art. 225, caput, §1°, III, da Constituição), dispensando a apresentação de EIA/RIMA para o cultivo de “soja transgênica” no País. Noutras palavras, o legislador provisório acaba por desprezar o risco ao meio ambiente e à saúde humana, subvertendo, inclusive, as atribuições dos órgãos ambientais quanto ao exame dos impactos decorrentes dessa atividade, cuja potencialidade degradadora já se encontra reconhecida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, na Resolução n° 237/97, ao exigir licença ambiental para atividades que impliquem introdução de espécies exóticas e/ou geneticamente modificadas.
5. Desprezada, portanto, a dimensão preventiva inerente ao estudo prévio de impacto ambiental, verdadeiro “pressuposto constitucional da efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (cf. sentença do Juiz Federal Antônio Prudente, nos autos da ação cautelar n° 1998.34.00.02768-18).
6. Ademais, a própria Lei demonstra o potencial risco para o meio ambiente, quando estabelece, no seu art. 11, zonas de exclusão do plantio da soja geneticamente modificada, bem como quando admite que, de uma safra para a outra, foi incapaz de fiscalizar e coibir o plantio ilegal de uma variedade geneticamente modificada.
106 A ADIN N° 3109/2004 foi proposta em face da Lei n° 10.814/2003, pelo Procurador Geral da República Cláudio Fonteles. Antes dessa ação existiu a ADIN n° 3017/2003 que havia sido oferecida contra a MP n° 131/2003, mas que, como perdeu seu objeto em virtude da conversão da MP na referida Lei de Conversão.
Por outro lado, não incumbe ao Poder Público dispensar estudo prévio de impacto ambiental, para atividade com significativa degradação ambiental, como é o caso de descarte de OGM no meio ambiente, mas sim exigir o seu cumprimento a fim de assegurar a efetividade de um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Meio ambiente é bem de uso comum do povo e direito de todos e não se enquadra entre os bens de domínio da União, e nem está o poder executivo autorizado a com ele transacionar ou negligenciar. [...].
Portanto, conforme se pôde perceber do estudo realizado, a nova técnica
de melhoramento genético (DNA recombinante), responsável pela criação da
soja RR ainda suscita muitas dúvidas, de forma que é melhor se cercar de
maiores garantias antes de descartá-la, sem nenhum critério, na natureza,
realizando-se o estudo prévio de impacto ambiental exigido constitucionalmente
(inc. IV do §1º do art. 225 da CRFB/1988), em atendimento ao princípio da
precaução, para fins de preservar-lhe o equilíbrio, e, via de conseqüência, a
sadia qualidade de vida tanto das presentes e futuras gerações, quanto dos
animais, e das plantas. (PRUDENTE, 2000, p. 311-312).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante cinco séculos a humanidade tem explorado os recursos naturais
como o carvão, petróleo, gás natural, no desenvolvimento econômico da era
industrial. No entanto, essas reservas de combustíveis passaram-se a extinguir
continuamente, o que obrigou a civilização a buscar por uma nova forma de
aproveitamento dos recursos da natureza. Foi assim que se encontrou, na
biodiversidade, uma fonte promissora para manter as fornalhas econômicas
acesas, passando a ter o material genético como o recurso primário bruto para o
desenvolvimento de uma nova era – a biotecnológica -, que já começa a
despontar.
A biotecnologia, que se constitui de um complexo de ciências e técnicas
utilizadas na transformação genética, tornou-se, então, a principal ferramenta de
implementação da nova economia, que já vinha sendo empregada há muito
tempo pelo homem com a finalidade de obter o melhoramento genético de
espécies, através de diversos métodos tradicionais como indução de mutações,
hibridização entre espécies e gêneros, duplicação de cromossomos, cultura de
células e tecidos in vitro e a fusão de células somáticas, no intuito de aumentar a
produtividade na agricultura, produção de fármacos, melhorar a segurança
alimentar e produzir alimentos melhores e mais nutritivos.
Assim, no âmbito agrícola, através do desenvolvimento de tecnologias
modernas no melhoramento de plantas, obteve-se com grande êxito, espécies
mais adaptáveis aos estresses ambientais, como resistência a doenças e
insetos, o que se refletiu em um aumento de 100% na produção do nosso país.
Porém, dentre as tecnologias modernas empregadas pela biotecnologia
no melhoramento das espécies, a engenharia genética, por possibilitar ao
pesquisador alterar o aparato hereditário de uma célula viva, de forma que
produza mais eficientemente uma variedade de produtos químicos, ou então
desempenhe funções totalmente novas, é que tem despertado maior interesse
por parte daqueles que dela buscam tirar proveito, principalmente, por permitir
que, através de uma de suas técnicas (DNA recombinante), combinasse material
genético de organismos distintos, transpondo-se características desejáveis de
um para outro, que jamais poderiam ocorrer na natureza.
No entanto, o uso dessa técnica, bem como o organismo dela resultante,
chamado organismo geneticamente modificado – OGM - (ou transgênico) - que
teve a si acrescentado um gene exógeno, tem despertado grande polêmica,
mormente quando o assunto se refere à sua liberação no meio ambiente, pois,
diversamente das técnicas de melhoramentos tradicionais que se cingem à
transferência de genes entre organismos de mesma espécie ou, no máximo, de
espécies distintas que contenham um material genético com considerável
semelhança, a técnica do DNA recombinate possibilita a inserção de genes em
espécies que jamais ocorreria naturalmente, a não ser em situações
extremamente raras. E é por esse motivo que a nova característica adquirida
pelo OGM e sua interação em contexto distinto daquele do qual proveio geram
tantas preocupações, pois não se pode precisar os efeitos que advirão do uso
dessa tecnologia, seja em relação à saúde humana, à segurança alimentar ou ao
meio ambiente. (VIEIRA, 2004, p.32).
Por outro lado, em que pese os cientistas, pesquisadores, técnicos da
área e até mesmo os favoráveis ao desenvolvimento dessa tecnologia, admitirem
que os OGMs por ela produzidos constituem-se em possíveis ameaças de danos
sérios e irreversíveis ao meio ambiente e à saúde, a sua grande maioria defende
que o progresso científico e tecnológico não deve ser obstado, por acreditar que
os benefícios esperados compensarão os eventuais prejuízos.
Assim, muito embora promova uma certa insegurança na população,
tornando controvertida a questão da liberação de espécies geneticamente
modificadas para além das paredes dos laboratórios, é ao “favorecer” a natureza,
no que se relaciona à alimentação, que a nova biotecnologia proporciona um
contexto cultural favorável à sua ampla aceitação, pois vem imbuída da
promessa de que somente a engenharia genética poderá resolver o problema da
fome no Planeta, ao permitir que se produzam, mais rapidamente e em maior
quantidade, alimentos enriquecidos e cultivares resistentes a pragas, secas e a
solos deficientes ou tóxicos.
Dentre benefícios prometidos pelos que buscam garantir a aceitabilidade
dos OGMs, bem como dos produtos e subprodutos que dela derivam, estão, no
que tange à sua aplicação na agricultura: a) uso de pesticidas em menor
quantidade (plantas resistentes à herbicidas e a insetos), gerando mais lucro
para os agricultores; b) solução para problemas que afetam áreas empobrecidas
do planeta (aumento da eficiência da produção e da distribuição de alimentos,
bem como o melhoramento do valor nutritivo destes); e c) redução dos danos
causados ao meio ambiente em decorrência do uso em menor escala de
pesticidas e herbicidas. Não obstante toda essa gama de promessas ainda
precisar ser confirmada no futuro.
De outro norte, apesar da ausência de precisão que permeia o emprego
da tecnologia da engenharia genética, no que diz respeito à possibilidade de a
inserção do gene exógeno vir a causar o silenciamento ou a superexpressão de
outro gene -nativo ou não – (o que poderia gerar mudanças genéticas aleatórias,
transposição de barreiras entre as espécies e, ainda, provocar impactos ao meio
ambiente e à saúde humana), referida tecnologia tem despertado entusiasmo por
entre agricultores, que estão sendo instigados pela oferta de sementes mais
resistentes e adaptáveis às condições ambientais, como resistência a pragas e
tolerância a herbicidas, ao argumento de que se refletiria na redução dos custos
da produção, revertendo-se, via de conseqüência, em aumento de lucros.
Como se percebe, que o interesse predominante no emprego dos
transgênicos pela agricultura é eminentemente econômico, visando-se à
intensificação da produção por área e tempo a custos reduzidos.
No entanto, a questão não é tão simples quanto a campanha pró-
biotecnológica quer fazer crer, no que diz respeito à propaganda de
irrecusabilidade dos organismos transgênicos frente às promessas e benefícios
que poderão advir de sua utilização. Essa intervenção no genoma das espécies
pode até ser útil, justificável e desejável, mas, além de nada disso estar
garantido inicialmente, havendo que se atentar para os possíveis danos e riscos
que dessa intervenção poderão advir para a humanidade. Não sendo admissível
que as vantagens que se almejam obter das inovações daí decorrentes, sejam
suficientes para legitimar o uso disseminado de uma dada tecnologia.
Para que se legitime a utilização de OGMs é necessário, primeiramente,
que se certifique de que eles não causam riscos à saúde humana e ao meio
ambiente, pois a sadia qualidade de vida é um direito fundamental protegido
constitucionalmente.
Desde a década de 70 vem crescendo a preocupação de diversos setores
no tocante à preservação dos recursos naturais em face das acentuadas perdas
ecológicas já experimentadas, pois não se havia preocupado até então com o
fato de os elementos da natureza serem esgotáveis, ou, ainda, de que inclusive a
sobrevivência da humanidade depende da manutenção do equilíbrio do meio
ambiente.
Por esse motivo viu-se a necessidade de se buscar por formas de
compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico (da qual depende a saúde
da humanidade), o que foi tematizado quando da realização de dois
importantíssimos encontros internacionais, quais sejam a Conferência de
Estocolmo e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ECO ou Rio-92). E desses encontros, restou consagrado o
princípio do desenvolvimento sustentável, o qual fornece as bases da sociedade
sustentável, sendo que, dentre estas, está o ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado.
Com base nos preceitos de utilização sustentável do meio ambiente
apregoados pelo referido princípio, é que diversas legislações ambientais do
mundo passaram a ser elaboradas, inclusive a Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n° 6.938/81).
Por conseguinte, a Constituição Federal (art. 225), reconhecendo a
existência do bem ambiental, também admitiu como fundamental o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, a fim de garantir a sadia qualidade
de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza existente no
planeta. E, dentre os princípios constitucionais que visam assegurar a proteção
desse direito está o princípio da precaução.
O princípio da precaução serve à tutela do meio ambiente e, por
conseguinte, da vida, ao traçar orientação ao desenvolvimento quando inexistir
certeza científica a respeito de dano que possa ser causado ao meio ambiente,
determinando que certas atividades sejam controladas ou não sejam executadas,
até que exista evidência científica nítida de que estas não acarretem prejuízo
para o meio ambiente e saúde humana.
Dessa forma, determina ação por parte dos Estados, antes que a
possibilidade de prejuízo ambiental possa ser verificada. E, para a
implementação de referida ação é que o Estado possui como instrumento de
implementação do princípio da precaução o estudo prévio de impacto ambiental
(EIA), previsto no inc. IV, do § 1° da CRFB/1988.
E é exatamente ante à situação com a qual se depara, isto é, da liberação
das plantas transgênicas no meio ambiente, que tem aplicação o princípio da
precaução, estando indissociável da prática de biossegurança, ou seja, dos
procedimentos que visam evitar ou controlar eventuais problemas suscitados por
pesquisas biológicas e suas aplicações, pois, além de não haver certeza
científica acerca dos riscos em torno da aplicação da tecnologia, também não se
poder dimensionar os danos que o descarte desses seres modificados poderão
acarretar à saúde humana e do meio ambiente.
Portanto, em não tendo a atual Legislação de Biossegurança (Lei n°
8.974/95), feito previsão no que concerne ao plantio em escala comercial de
OGMs, foi em atendimento ao princípio da precaução que se entendeu que a
liberação da soja transgênica Roundup Ready no meio ambiente não poderia ter
sido autorizada tanto pela CTNBio, quanto pelas Medidas Provisórias nºs. 113 e
131, ambas de 2003, e a recente Medida Provisória n° 223/2004, pois, conforme
acertado ponto de vista de Paulo Afonso Leme Machado (2003, p. 65) “há riscos
inaceitáveis, como aquele que coloca em perigo os valores constitucionalmente
protegidos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, os processos
ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a
diversidade e a integridade do patrimônio biológico – incluído o genético - e a
função ecológica da fauna e da flora”.
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5 APÊNDICES
Apêndice 1 - PROJETOS DE LEI DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
PLC
AUTOR
DATA
EMENTA
SITUAÇÃO
PLC – 2905/1997
Fernando Gabeira PV/RJ
25/03/1997
Impõe condições para a comercialização de alimentos geneticamente modificados
PLEN: Pronta para Pauta.
PLC – 2908/1997
Valeci Oliveirra – PT/RS e Fernando Ferro PT/PE
26/03/1997
Dispõe sobre a utilização e a comercialização, no País, de sementes e produtos geneticamente modificados, e dá outras providências.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 2919/1997
Sandra Starling – PT/MG
01/04/1997
Determina a impressão de advertência em rótulos e embalagens de produtos geneticamente modificados e dá outras providências. Explicação da Ementa: incluindo os microorganismos de aplicação industrial
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 4841/1998
Fernando Ferro - PT/PE.
19/11/1998
Dispõe sobre a exigência de normas específicas para a utilização das sementes e produtos transgênicos no Brasil.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC - 521/1999
Vanessa Grazziottin – PCDOB/AM
31/03/1999
Veda temporariamente o registro e comercialização de produtos que contenham em sua composição substâncias provenientes de organismos geneticamente modificados, e dá outras providências.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 929/1999
Bispo Rodrigues – PFL/RJ
13/05/1999
Veda, por três anos, o registro ou a liberação comercial de cultivares geneticamente modificadas na agricultura brasileira e dá outras providências.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC –1191/1999
Padre Roque - PT/PR
16/06/1999
Dispõe sobre a moratória para a produção em escala comercial de alimentos transgênicos no Brasil e dá outras providências.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 1262/1999
Inácio Arruda - PCDOB/CE
22/06/1999
Dispõe sobre as condições para comercialização de produtos geneticamente modificados, os transgênicos, e dá outras providências.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 1251/1999
Padre Roque – PT/PR
22/06/1999
Altera a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Explicação da Ementa: estabelecendo que o parecer técnico conclusivo da ctnbio, assim como dos órgãos de fiscalização serão acompanhados de estudo de impacto ambiental (eia) e de rima, com vistas a produção de produto transgênico.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 2189/1999
Darcísio Perondi – PMDB/RS
27/12/1999
Autoriza a produção, comercialização e estocagem de produtos geneticamente modificados.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 2523/2000
Marcos Afonso – PT/AC
29/02/2000
Acrescenta artigo à Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, estabelecendo moratória no plantio, comercialização e consumo de alimentos contendo organismo geneticamente modificado (OGM) ou derivados de OGM.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 3616/2000
Bispo Wanderval - PL/SP
04/10/2000
Dispõe sobre a rotulagem de alimentos industrializados contendo componentes transgênicos.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 3849/2000
João Coser - PT/ES.
29/11/2000
Introduz modificações na Lei nº 8.974/1995 e dá outras providências. Explicação: incluindo dentre os direitos do consumidor a reparação de danos decorrentes do consumo de produtos transgênicos; proibindo a produção de transgênicos sem que os mesmos estejam devidamente cadastrados.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC -4357/2001
Telma de Souza – PT/SP
22/03/2001
Dispõe sobre a proibição de utilização de alimentos e componentes com organismos geneticamente modificados em alimentação coletiva do tipo que especifica.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997)
PLC – 6227/2002
Neiva Moreira – PDT/MA
10/04/2002
Altera o Parágrafo único do Art. 8º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Explicação da Ementa: Obrigando as indústrias fabricantes de produtos alimentícios colocarem em seus rótulos a anotação de que estão utiliando geneticamente modificados – OGM.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997)
PLC – 1729/2003
Coronel Alves – PL/AP
19/08/2003
Dispõe sobre a obrigatoriedade da realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), nas pesquisas, testes, experiências ou atividades de biotecnologia e engenharia genética envolvendo organismos geneticamente modificados, bem como produtos advindos dessa tecnologia.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997).
PLC – 2401/2003
Poder Executivo
31/10/2003
Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança e dá outras providências.
MESA: Aguardando Retorno.
PLC – 3477/2004
Luiz Carlos Heinze – PP/RS
05/05/2004
Estabelece normas para o plantio e comercialização de soja geneticamente modificada.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997)
PLC – 3634/2004
Perpétua Almeida – PCDOB/AC
25/05/2004
Veda a industrialização e comercialização de produtos, destinados à alimentação infantil, que contenham organismos geneticamente modificados.
Tramitando em Conjunto (Apensada ao PL – 2905/1997)
PLC – 2401/2003
17/02/2003
Projeto de lei de Biossegurança com o objetivo de avançar na área da biotecnologia sem agredir a saúde humana, animal e vegetal, protegendo-se a vida e o meio ambiente
Ao Congresso Nacional para votação.
Apêndice 2 - PROJETOS DE LEI DO SENADO FEDERAL
PLS
AUTOR
DATA
EMENTA
SITUAÇÃO
PLS – 00114/ 1991
Marco Maciel – PFL/PE
06/01/1995
Regulamenta os incisos II e V do parágrafo primeiro do art. 225 da constituição federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o poder executivo a criar, no criar, no âmbito da presidência da republica, a comissão técnica criar, no âmbito da presidência da republica, a comissão técnica nacional de biossegurança, e da outras providencias.
Aprovada a Lei n° 6.974/95 que dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança.
PLS – 00422/ 1999
Romero Jucá -PSDB/RR
16/06/1999
Determina a exibição da expressão que menciona, nos produtos transgênicos, e dá outras providências.
Aguardando leitura de parecer (ES).
PLS – 0216/ 1999
Marina Silva – PT/AC
08/09/1999
Proíbe, por cinco anos, o plantio e a comercialização de alimentos contendo OGMs ou seus derivados, em todo o território nacional.
Tramita em conjunto com os PLS nºs 271, de 2000 e 47 de 2003.
PLS – 00153/ 2004 (substituiu o PLC 2.401/2003).
Ney Suassuna
24/05/2004
Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança - PNB, revoga a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória n.º 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e dá outras providências.
Aprovado pelo Senado em 06/102004. Ao Congresso Nacional para votação.
Apêndice 3 - MEDIDAS PROVISÓRIAS
MP
AUTOR
DATA
EMENTA
SITUAÇÃO
MP – 113/2003
Presidente da República
26/03/2003 Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências.
Convertida na Lei n° 10.688 de 13 de junho de 2003.
MP – 131/2003
Presidente da República
25/09/2003
Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2004, e dá outras providências.
Convertida na Lei n° 10.814 de 15 de dezembro de 2003.
MP – 223/2004
Presidente da República
14/10/2004
Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2005, e dá outras providências.
6 ANEXOS
Anexo 1 - LEI Nº 8.974, DE 5 DE JANEIRO, DE 1995
Regulamenta os incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.
Art.1ºA-(Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001) Art.1ºB-(Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001) Art.1ºC-(Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001) Art.1º D-(Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001)
Art. 2º As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial que envolvam OGM no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências advindas de seu descumprimento.
§ 1º Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidades como sendo aqueles conduzidos em instalações próprias ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica ou científica.
§ 2º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.
§ 3º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, define-se:
I - organismo - toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser conhecidas;
II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN) - material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;
III - moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV - organismo geneticamente modificado (OGM) - organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;
V - engenharia genética - atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante.
Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.
Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida através das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:
I - mutagênese;
II - formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III - fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;
IV - autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.
Art. 5º (VETADO)
Art. 6º (VETADO)
Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei: (Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001)
I - (VETADO)
II - a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do Grupo II; (Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001)
III - a emissão do registro de produtos contendo OGM ou derivados de OGM a serem comercializados para uso humano, animal ou em plantas, ou para a liberação no meio ambiente;
IV - a expedição de autorização para o funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM;
V - a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto contendo OGM ou derivado de OGM;
VI - manter cadastro de todas as instituições e profissionais que realizem atividades e projetos relacionados a OGM no território nacional;
VII - encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico, todos os processos relativos a projetos e atividades que envolvam OGM;
VIII - encaminhar para publicação no Diário Oficial da União resultado dos processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão do parecer técnico;
IX - aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts. 11 e 12.
X - (Vide Medida Provisória nº 2.191-9, de 23.8.2001)
Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:
I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
II - a manipulação genética de células germinais humanas;
III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;
V - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
VI - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.
§ 1º Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis.
§ 2º Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo II conforme definido no Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente.
§ 3º (VETADO)
Art. 9º Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio), além de indicar um técnico principal responsável por cada projeto específico.
Art. 10. Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito de sua Instituição:
I - manter informados os trabalhadores, qualquer pessoa e a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre todas as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;
II - estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;
III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, visando a sua análise e a autorização do órgão competente quando for o caso;
IV - manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;
V - notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às entidades de trabalhadores, o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;
VI - investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões e providências à CTNBio.
Art. 11. Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos, com exceção dos §§ 1º e 2º e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.
Art. 12. Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de fiscalização referidos no art. 7º, proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes infrações:
I - não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança vigentes;
II - implementar projeto sem providenciar o prévio cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação de OGM, e de seu responsável técnico, bem como da CTNBio;
III - liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua prévia aprovação, mediante publicação no Diário Oficial da União;
IV - operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as normas de biossegurança estabelecidas na regulamentação desta Lei;
V - não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética, ou não enviar relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data de transcorrido o evento;
VI - implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento individual;
VII - deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata, à CTNBio e às autoridades da Saúde Pública, sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM;
VIII - não adotar os meios necessários à plena informação da CTNBio, das autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e dos demais empregados da instituição ou empresa, sobre os riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados, no caso de acidentes;
IX - qualquer manipulação genética de organismo vivo ou manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1º No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.
§ 2º No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar a atividade imediatamente e/ou interditar o laboratório ou a instituição ou empresa responsável.
Art. 13. Constituem crimes:
I - a manipulação genética de células germinais humanas;
II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
Pena - detenção de três meses a um ano.
§ 1º Se resultar em:
a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
Pena - reclusão de um a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
Pena - reclusão de dois a oito anos.
§ 3º Se resultar em morte;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
IV - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;
Pena - detenção de três meses a um ano;
V - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.
Pena - reclusão de um a três anos;
§ 1º Se resultar em:
a) lesões corporais leves;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
e) dano à propriedade alheia;
f) dano ao meio ambiente;
Pena - reclusão de dois a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
f) inutilização da propriedade alheia;
g) dano grave ao meio ambiente;
Pena - reclusão de dois a oito anos;
§ 3º Se resultar em morte;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
§ 4º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio de OGM for culposo:
Pena - reclusão de um a dois anos.
§ 5º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País de OGM for culposa, a pena será aumentada de um terço se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão.
§ 6º O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento desta Lei.
Art. 14. Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Disposições Gerais e Transitórias
Art. 15. Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação.
Art. 16. As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação, deverão adequar-se às suas disposições no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação do decreto que a regulamentar, bem como apresentar relatório circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos em andamento envolvendo OGM.
Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde do homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio ambiente, a CTNBio determinará a paralisação imediata da atividade.
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson Jobim
José Eduardo De Andrade Vieira Paulo Renato Souza
Adib Jatene José Israel Vargas Gustavo Krause
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 6.1.1995
ANEXO I
Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados classificam-se da seguinte maneira:
Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes critérios:
A. Organismo receptor ou parental:
- não-patogênico;
- isento de agentes adventícios;
- com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.
B. Vetor/inserto:
- deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências nocivas conhecidas;
- deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências genéticas necessárias para realizar a função projetada;
- não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente;
- deve ser escassamente mobilizável;
- não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de forma natural.
C. Organismos geneticamente modificados:
- não-patogênicos;
- que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.
D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se no Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas no item C anterior:
- microorganismos construídos inteiramente a partir de um único receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos compostos inteiramente por seqüências genéticas de diferentes espécies que troquem tais seqüências mediante processos fisiológicos conhecidos.
Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I.
Anexo 2 - DECRETO Nº 1.752, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995
Regulamenta a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, dispõe sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, e dá outras providências
O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995,
DECRETA:
CAPíTULO I
DA VINCULAÇÃO DA CTNBio
Art. 1º A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio vincula-se à Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia. Parágrafo único. A CTNBio contará com uma Secretaria Executiva, que proverá o apoio técnico e administrativo à Comissão.
Art. 1º A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio vincula-se ao Gabinete do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.(Redação dada pelo Decreto nº 4.724, de 9.6.2003)
CAPíTULO II
DA COMPETÊNCIA DA CTNBio
Art. 2º Compete à CTNBio:
I - propor a Política Nacional de Biossegurança;
II - acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico na biossegurança e em áreas afins, objetivando a segurança dos consumidores e da população em geral, com permanente cuidado à proteção do meio ambiente;
III - relacionar-se com instituições voltadas para a engenharia genética e a biossegurança a nível nacional e internacional;
IV - propor o Código de Ética de Manipulações Genéticas;
V - estabelecer normas e regulamentos relativos às atividades e projetos que contemplem construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte relacionados a organismos geneticamente modificados (OGM);
VI - classificar os OGM segundo o grau de risco, definindo os níveis de biossegurança a eles aplicados e às atividades consideradas insalubres e perigosas;
VII - estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança - CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique a ensino, pesquisa, desenvolvimento e utilização das técnicas de engenharia genética;
VIII - emitir parecer técnico sobre os projetos relacionados a OGM pertencentes ao Grupo II, conforme definido no Anexo I da Lei nº 8.974, de 1995, encaminhando-o aos órgãos competentes;
IX - apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de investigação de acidentes e de enfermidades verificadas no curso dos projetos e das atividades na área de engenharia genética, bem como na fiscalização e monitoramento desses projetos e atividades;
X - emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre qualquer liberação de OGM no meio ambiente, encaminhando-o ao órgão competente;
XI - divulgar no Diário Oficial da União, previamente ao processo de análise, extrato dos pleitos que forem submetidos à sua aprovação, referentes à liberação de OGM no meio, ambiente, excluindo-se as informações sigilosas de interesse comercial, objeto de direito de propriedade intelectual, apontadas pelo proponente e assim por ela consideradas;
XII - emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre registro, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte de produto contendo OGM ou derivados, encaminhando-o ao órgão de fiscalização competente;
XIII - divulgar no Diário Oficial da União o resultado dos processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão do parecer técnico;
XIV - exigir como documentação adicional, se entender necessário, Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA) de projetos e aplicação que envolvam a liberação de OGM no meio ambiente, além das exigências específicas para o nível de risco aplicável;
XV - emitir, por solicitação do proponente, Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB, referente às instalações destinadas a qualquer atividade ou projeto que envolva OGM ou derivados;
XVI - recrutar consultores ad hoc quando necessário;
XVII - propor modificações na regulamentação da Lei nº 8.974, de 1995;
XVIII - elaborar e aprovar seu regimento interno no prazo de trinta dias, após sua instalação.
CAPíTULO III
DA COMPOSIÇÃO DA CTNBio
Art. 3º A CTNBio, composta de membros efetivos e suplentes, designados pelo Presidente da República, será constituída por:
I - oito especialistas de notório saber científico e técnico, em exercício no segmento de biotecnologia, sendo dois da área humana, dois da área animal, dois da área vegetal e dois da área ambiental;
II - um representante de cada um dos seguintes Ministérios, indicados pelos respectivos titulares:
a) da Ciência e Tecnologia;
b) da Saúde;
c) do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
d) da Educação e do Desporto;
e) das Relações Exteriores;
III - dois representantes do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, sendo um da área vegetal e o outro da área animal, indicados pelo respectivo titular;
IV - um representante de órgão legalmente constituído de defesa do consumidor;
V - um representante de associações legalmente constituídas, representativas do setor empresarial de biotecnologia, a ser indicado pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de listas tríplices encaminhadas pelas associações referidas;
VI - um representante de órgão legalmente constituído de proteção à saúde do trabalhador.
§ 1º Os candidatos indicados para a composição da CTNBio deverão apresentar qualificação adequada e experiência profissional no segmento de biotecnologia, que deverá ser comprovada pelos respectivos curriculum vitae.
§ 2º Os especialistas referidos no inciso I serão indicados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de nomes de cientistas com grau de Doutor, que lhe forem recomendados por instituições e associações científicas e tecnológicas relacionadas ao segmento de biotecnologia.
§ 3º A indicação de que trata o parágrafo anterior será feita no prazo de trinta dias, contado do recebimento da consulta formulada pela Secretaria Executiva da CTNBio, a ser feita no mesmo prazo, a partir da ocorrência da vaga.
§ 4º No caso de não-aprovação dos nomes propostos, o Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia poderá solicitar indicação alternativa de outros nomes.
§ 5º O representante de que trata o inciso IV deste artigo será indicado pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de sugestões, em lista tríplice, de instituições públicas ou não-governamentais de proteção e defesa do consumidor, observada a mesma sistemática de consulta e indicação prevista no § 3º.
§ 6º Consideram-se de defesa do consumidor as instituições públicas ou privadas cadastradas no Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
§ 7º Cada uma das associações representativas do setor empresarial de biotecnologia, legalmente constituída e cadastrada na Secretaria Executiva da CTNBio, encaminhará lista tríplice para escolha do representante de que trata o inciso V, observada a mesma sistemática de consulta e indicação prevista no § 3º.
§ 8º O representante de que trata o inciso VI deste artigo será indicado pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, a partir de sugestões dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e de organizações não-governamentais de proteção à saúde do trabalhador, observada a mesma sistemática de consulta e indicação prevista no § 3º.
CAPíTULO IV
DO MANDATO DOS MEMBROS DA CTNBio
Art. 4º O mandato dos membros da CTNBio será de três anos, permitida a recondução uma única vez.
Parágrafo único. A cada três anos, a composição da CTNBio será renovada na metade de seus membros, devendo necessariamente ser reconduzidos, no primeiro mandato, quatro dos oito especialistas de que trata o inciso I do art. 3º
Art. 5º O Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia designará um dos membros da CTNBio para exercer a presidência da Comissão, a partir de lista tríplice elaborada pelo Colegiado durante a sessão de sua instalação.
Parágrafo único. O mandato do Presidente da CTNBio será de um ano, podendo ser renovado por até dois períodos consecutivos.
Art. 6º As funções e atividades desenvolvidas pelos membros da CTNBio serão consideradas de alta relevância e honoríficas, mas não ensejam qualquer remuneração, ressalvado o pagamento das despesas de locomoção e estada nos períodos das reuniões.
CAPíTULO V
DAS NORMAS DA CTNBio E
DO CERTIFICADO DE QUALIDADE EM BIOSSEGURANÇA
Art. 7º As normas e disposições relativas às atividades e projetos relacionados a OGM e derivados, a serem expedidas pela CTNBio, abrangerão a construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte dos mesmos, com vistas especialmente à segurança do material e à proteção dos seres vivos e do meio ambiente.
Art. 8º O Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB, a que se refere o § 3º do art. 2º da Lei nº 8.974, de 1995, é necessário às entidades nacionais, estrangeiras ou internacionais, para que possam desenvolver atividades relativas a OGM e derivados, devendo ser requerido pelo proponente e emitido pela CTNBio.
§ 1º Incluem-se entre as entidades a que se refere este artigo as que se dedicam ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à prestação de serviços que envolvam OGM e derivados, no território nacional.
§ 2º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais para financiarem ou patrocinarem, ainda que mediante convênio ou contrato, atividades ou projetos previstos neste artigo, deverão exigir das instituições beneficiadas, que funcionem no território nacional, o CQB, sob pena de com elas se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos do descumprimento dessa exigência.
§ 3º O requerimento para obtenção do CQB deverá estar acompanhado de documentos referentes à constituição da pessoa jurídica interessada, sua localização, idoneidade financeira, fim a que se propõe, descrição promenorizada de suas instalações e do pessoal, além de outros dados que serão especificados em formulário próprio, a ser definido pela CTNBio em instruções normativas.
§ 4º Será exigido novo CQB toda vez que houver alteração de qualquer componente que possa modificar as condições previamente aprovadas.
§ 5º Após o recebimento do pedido de CQB, a Secretaria Executiva da CTNBio terá prazo de trinta dias para manifestar-se sobre a documentação oferecida, formulando as exigências que considerar necessárias. Atendidas as exigências e realizada a vistoria, quando necessária, por membro da CTNBio ou por pessoa ou firma especializada, credenciada e contratada para tal fim, a CTNBio expedirá o CQB no prazo de trinta dias.
CAPíTULO VI
DO FUNCIONAMENTO DA CTNBio
Art. 9º Os pleitos relativos às atividades com OGM ou derivados, incluindo o registro de produtos, deverão ser encaminhados á CTNBio em formulário próprio, a ser definido em instrução normativa.
Art. 10. A CTNBio constituirá, dentre seus membros efetivos e suplentes, Comissões Setoriais Específicas para apoiar tecnicamente os órgãos de fiscalização dos Ministérios da Saúde, da
Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, com relação às competências que lhes são atribuídas pela Lei nº 8.974, de 1995.
§ 1º As Comissões de que trata o caput deste artigo serão compostas, cada uma, pelo representante do respectivo Ministério, responsável pelo setor específico junto à CTNBio, que a presidirá, e por membros da CTNBio de áreas relacionadas ao setor.
§ 2º Os membros das Comissões Setoriais Específicas, efetivos e suplentes, exercerão o mandato pelo período de três anos, podendo ser renovado. O mandato nesta Comissão findará com o término do mandato que exercer na CTNBio.
§ 3º As Comissões Setoriais Específicas funcionarão como extensão da CTNBio e contarão, nos respectivos Ministérios, com estrutura adequada para o seu funcionamento.
§ 4º As Comissões Setoriais Específicas poderão recrutar consultores ad hoc, quando necessário.
Art. 11. Os seguintes órgãos serão responsáveis pelo registro, transporte, comercialização, manipulação e liberação de produtos contendo OGM ou derivados, de acordo com parecer emanado da CTNBio:
I - no Ministério da Saúde, a Secretaria de Vigilância Sanitária;
II - no Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, a Secretaria de Coordenação de Assuntos do Meio Ambiente;
III - no Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, a Secretaria de Defesa Agropecuária.
Art. 12. A fiscalização e o monitoramento das atividades de que trata o artigo anterior serão conduzidas pelas Comissões Setoriais Específicas nos respectivos Ministérios, em consonância com os órgãos de fiscalização competentes.
Parágrafo único. As atividades relacionadas a pesquisa e desenvolvimento com OGM e derivados terão os mecanismos de fiscalização definidos pela CTNBio.
Art. 13. Caberá à CTNBio o encaminhamento dos pleitos às Comissões Setoriais Específicas incumbidas de elaborar parecer conclusivo, que os enviará ao órgão competente referido no art. 12 deste Decreto, para as providências cabíveis.
Parágrafo único. Procedido ao exame necessário, as Comissões Setoriais Específicas devolverão os processos à CTNBio, que informará ao interessado o resultado do pleito e providenciará sua divulgação.
Art. 14. A CTNBio se instalará e deliberará com a presença de, no mínimo, 2/3 de seus membros.
CAPíTULO VII
DA DIVULGAÇÃO DOS PROJETOS
Art. 15. Ao promover a divulgação dos projetos referentes à liberação de OGM no meio ambiente, submetidos a sua aprovação, a CTNBio examinará os pontos que o proponente considerar sigilosos e que, por isso, devam ser excluídos da divulgação.
§ 1º Não concordando com a exclusão, a CTNBio, em expediente sigiloso, fará comunicação a respeito ao proponente, que, no prazo de dez dias, deverá manifestar-se a respeito.
§ 2º A CTNBio, se mantiver seu entendimento sobre a não exclusão, submeterá a matéria à deliberação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, em expediente sigiloso, com parecer fundamentado, devendo a decisão final ser proferida em trinta dias.
§ 3º Os membros da CTNBio deverão manter sigilo no que se refere às matérias submetidas ao plenário da Comissão.
CAPíTULO VIII
DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 16. As instituições que estejam desenvolvendo atividades e projetos com OGM ou derivados na data da publicação deste Decreto terão prazo de noventa dias para requerer o CQB à CTNBio.
Parágrafo único. A CTNBio terá prazo de noventa dias para emissão do CQB, ficando facultada à Comissão a vistoria da instituição solicitante.
CAPíTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 17. O Ministério da Ciência e Tecnologia adotará as providências necessárias para inclusão em seu orçamento de recursos específicos para funcionamento da CTNBio, incluindo a remuneração dos consultores ad hoc que vier a contratar.
Art. 18. Os prazos de que trata este Decreto, que dependam de instruções normativas emanadas da CTNBio, terão vigência a partir da publicação respectiva.
Art. 19. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 20. Fica revogado o Decreto nº 1.520, de 12 de junho de 1995.
Anexo 3 - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 113, DE 26 DE MARÇO 2003
Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências
Convertida pela Lei nº 10.688, de 13.6.2003
O PRESIDENTE DA REPUBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o A comercialização da safra de soja 2003 não estará sujeita às exigências pertinentes da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001.
§ 1o A comercialização de que trata este artigo só poderá ser efetivada até 31 de janeiro de 2004, inclusive, devendo o estoque existente após aquela data ser destruído, mediante incineração, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2004.
§ 2o A soja mencionada no caput deverá ser obrigatoriamente comercializada como grão ou sob outra forma que destrua as suas propriedades produtivas, sendo vedada sua utilização ou comercialização como semente.
§ 3o O Poder Executivo poderá adotar medidas de estímulo à exportação da parcela da safra de soja de 2003 originalmente destinada à comercialização no mercado interno, ou cuja destinação a essa finalidade esteja prevista em instrumentos de promessa de compra e venda firmados até a data da publicação desta Medida Provisória.
§ 4o O disposto nos §§ 1o e 2o não se aplica à soja cujos produtores ou fornecedores tenham obtido a certificação de que trata o art. 4o desta Medida Provisória.
§ 5o O Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mediante portaria, poderá excluir do regime desta Medida Provisória a safra de soja do ano de 2003 produzida em regiões nas quais comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado.
Art. 2o Na comercialização da soja de que trata o art. 1o, bem como dos produtos ou ingredientes dela derivados, deverá constar, em rótulo adequado, informação aos consumidores a respeito de sua origem e da possibilidade da presença de organismo geneticamente modificado, excetuando-se as hipóteses previstas nos §§ 4o e 5o do art. 1o.
§ 1o A exigência de rotulagem referida no caput, quando o produto for destinado ao consumo humano ou animal, independerá de que a presença de organismo geneticamente modificado seja inferior ao limite fixado em regulamento.
§ 2o O descumprimento do disposto no caput sujeitará o infrator a multa estabelecida nos termos do art. 12 da Lei no 8.974, de 1995.
Art. 3o Os produtores que não puderem obter a certificação de que trata o art. 4o desta Medida Provisória deverão manter, para efeitos de fiscalização, pelo prazo de cinco anos, as notas fiscais ou comprovantes de compra de sementes fiscalizadas ou certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, empregadas no plantio da safra de 2004.
Art. 4o Os produtores e fornecedores de soja da safra de 2003 poderão obter certificação de que se trata de produto sem a presença de organismo geneticamente modificado, expedido por entidade credenciada ou que vier a ser credenciada, em caráter provisório e por prazo certo, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, devendo esta certificação constar da rotulagem correspondente.
Parágrafo único. Somente será concedido o certificado referido no caput se não for encontrada na soja analisada a presença, em qualquer quantidade, de organismo geneticamente modificado.
Art. 5o Para o plantio da safra de soja de 2004 e posteriores, deverão ser observados, rigorosamente, os termos da legislação vigente, especialmente da Lei no 8.974, de 1995, e demais instrumentos legais pertinentes.
Art. 6o É vedado às instituições financeiras oficiais de crédito aplicar recursos no financiamento da produção e plantio de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor.
Art. 7o O produtor ou fornecedor que produzir ou comercializar soja em desacordo com as disposições desta Medida Provisória ficará impedido de obter empréstimos e financiamento de instituições oficiais de crédito, não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios nem será admitido a participar de programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal.
Art. 8o Sem prejuízo de outras cominações civis, penais e administrativas previstas em lei, o descumprimento da presente Medida Provisória sujeitará o infrator a multa, a ser aplicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em valor a partir de R$ 16.110,00 (dezesseis mil, cento e dez reais), fixada proporcionalmente a lesividade da conduta.
Parágrafo único. Em caso de descumprimento da presente Medida Provisória, o infrator ressarcirá a União, ainda, de todas as despesas com a inutilização do produto, quando necessária.
Art. 9o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de março de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Marcio Thomaz Bastos Roberto Rodrigues Gastão Wagner de Sousa Campos Márcio Fortes de Almeida Roberto Átila Amaral Vieira Marina Silva Guilherme Cassel José Dirceu de Oliveira e Silva José Graziano da Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 27.3.2003
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
EM Interministerial nº 20/MAPA/MMA/MCT/MDIC/MDA/MS/MJ/MESA/Casa Civil-PR
Brasília, 26 de março de 2003
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submeto à consideração de Vossa Excelência proposta de Medida Provisória com o objetivo de possibilitar a comercialização, no corrente ano, da safra de soja que apresenta o risco de conter organismos geneticamente modificados - OGM.
A urgência desta Medida se justifica principalmente pelas seguintes razões:
a) a iminente comercialização da safra de soja 2003, de significativa participação na pauta comercial do País, plantada, conforme relevantes indícios, em desacordo com o estabelecido na Lei n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória n° 2.191-9, de 23 de agosto de 2001;
b) a necessidade de se instituírem mecanismos suficientes para esclarecimento dos consumidores quanto à eventualidade da presença de OGM na soja a ser comercializada; e
c) a necessidade de que o Governo Federal reoriente imediatamente os produtores rurais e os demais agentes econômicos quanto à safra de 2004; e
A legislação brasileira não proíbe o manejo de OGM no país; o que ela determina são cuidados que os promotores deste manejo devem assumir para que haja um grau mínimo de proteção à saúde publica e ao meio ambiente.
Apesar disso, identifica-se na legislação que trata da Biossegurança, elaborada nos últimos dez anos, incoerências que abriram possibilidades para que agentes econômicos atuem à margem da lei, gerando inclusive questionamentos atualmente sob julgamento da Justiça Federal.
Uma das situações onde se vislumbra esta ação ilegal de agentes econômicos no manejo de OGM, com base em informações veiculadas publicamente, é na agricultura, especialmente no plantio da soja, onde é estimada uma participação significativa de OGM na produção do Rio Grande do Sul, decorrente de contaminação de cultivos existentes em países limítrofes. Em face dessa situação, milhares de produtores promoveram cultivo de soja supostamente transgênica, sem a observância de legais e regulamentares.
A ação ilegal referida anteriormente, nem sempre ocorre em decorrência da má fé dos agentes especialmente aqueles historicamente carentes de informações e apoio do Estado, como pequenos proprietários rurais, agricultores familiares etc.
No entanto, é imperioso o Governo Federal voltar ao exercício eficaz da do controle da situação e ofereça garantia mínimas ao cidadão; ao mesmo tempo em que oferece condições para que a atual safra possa ser comercializada, impõe requisitos para que as próximas safras sejam plantadas na plena observância da legislação federal, utilizando-se ou não OGM.
Medida relevante que integra a presente proposta se destina a garantir aos consumidores o direito a informações confiáveis sobre a origem e a possibilidade da ocorrência de OGM nos alimentos produzidos a partir da soja.
A Medida Provisória estabelece que, ainda, que os recursos das instituições financeiras oficiais de crédito destinados ao financiamento da produção e plantio de soja para o ano de 2004 somente serão aplicados no caso de utilização de sementes regularmente obtidas, ou seja, cuja origem atenda os requisitos da legislação em vigor. Por outro lado, os produtores que não obtiverem certificado de que a soja produzida é isenta de OGM, ou cuja área de plantio não seja declarada livre de OGM pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, não poderão ter acesso a favores fiscais e creditícios do Governo Federal, vinculando-se, assim, os benefícios à garantia da informação do consumidor e à validade do princípio da precaução em relação à próxima safra de soja.
Essas são as medidas que estamos sugerindo a Vossa Excelência contidas na presente proposta de Medida Provisória
PRORROGAÇÃO DE PRAZO
ATO DO PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL
O PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL, no exercício da Presidência, cumprindo o que dispõe o § 1º do art. 10 da Resolução nº 1, de 2002-CN, faz saber que, nos termos do § 7º do art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, a Medida Provisoria nº 113, de 26 de março de 2003, que "Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências", terá sua vigência prorrogada pelo período de sessenta dias, a partir de 26 de maio de 2003, tendo em vista que sua votação não foi encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
Congresso Nacional, 21 de maio de 2003 Deputado INOCÊNCIO OLIVEIRA Primeiro Vice-Presidente da Mesa do Congresso Nacional, no exercício da Presidência
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 22.5.2003
Anexo 4 - LEI No 10.688, DE 13 DE JUNHO, DE 2003
Estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A comercialização da safra de soja de 2003 não estará sujeita às exigências pertinentes à Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001.
§ 1o A comercialização de que trata este artigo só poderá ser efetivada até 31 de janeiro de 2004, inclusive, devendo o estoque existente após aquela data ser destruído, mediante incineração, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2004.
§ 2o O prazo de comercialização de que trata o § 1o poderá ser prorrogado por até sessenta dias por Decreto do Poder Executivo.
§ 3o A soja mencionada no caput deverá ser obrigatoriamente comercializada como grão ou sob outra forma que destrua as suas propriedades produtivas, sendo vedada sua utilização ou comercialização como semente.
§ 4o O Poder Executivo poderá adotar medidas de estímulo à exportação da parcela da safra de soja de 2003 originalmente destinada à comercialização no mercado interno, ou cuja destinação a essa finalidade esteja prevista em instrumentos de promessa de compra e venda firmados até a data da publicação da Medida Provisória no 113, de 26 de março de 2003.
§ 5o O disposto nos §§ 1o e 3o não se aplica à soja cujos produtores ou fornecedores tenham obtido a certificação de que trata o art. 4o desta Lei.
§ 6o O Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mediante portaria, poderá excluir do regime desta Lei a safra de soja do ano de 2003 produzida em regiões nas quais comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado.
Art. 2o Na comercialização da soja de que trata o art. 1o, bem como dos produtos ou ingredientes dela derivados, deverá constar, em rótulo adequado, informação aos consumidores a respeito de sua origem e da possibilidade da presença de organismo geneticamente modificado, excetuando-se as hipóteses previstas nos §§ 5o e 6o do art. 1o.
§ 1o Para o produto destinado ao consumo humano ou animal, a rotulagem referida no caput será exigida quando a presença de organismo geneticamente modificado for superior ao limite de um por cento.
§ 2o O descumprimento do disposto no caput sujeitará o infrator a multa estabelecida nos termos do art. 12 da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995.
Art. 3o Os produtores que não puderem obter a certificação de que trata o art. 4o desta Lei deverão manter, para efeitos de fiscalização, pelo prazo de cinco anos, as notas fiscais ou comprovantes de compra de sementes fiscalizadas ou certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, empregadas no plantio da safra de 2004.
Art. 4o Os produtores e fornecedores de soja da safra de 2003 poderão obter certificação de que se trata de produto sem a presença de organismo geneticamente modificado, expedida por
entidade credenciada ou que vier a ser credenciada, em caráter provisório e por prazo certo, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Parágrafo único. Somente será concedido o certificado referido no caput se não for encontrada na soja analisada a presença, em qualquer quantidade, de organismo geneticamente modificado.
Art. 5o Para o plantio da safra de soja de 2004 e posteriores, deverão ser observados os termos da legislação vigente, especialmente das Leis no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e demais instrumentos legais pertinentes.
Art. 6o É vedado às instituições financeiras oficiais de crédito aplicar recursos no financiamento da produção, plantio, processamento e comercialização de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor.
Art. 7o Sem prejuízo de outras cominações civis, penais e administrativas previstas em lei, o descumprimento desta Lei sujeitará o infrator a multa, a ser aplicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em valor a partir de R$ 16.110,00 (dezesseis mil, cento e dez reais), fixada proporcionalmente à lesividade da conduta.
Parágrafo único. Em caso de descumprimento desta Lei, o infrator ressarcirá a União, ainda, de todas as despesas com a inutilização do produto, quando necessária.
Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de junho de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Roberto Rodrigues Humberto Sérgio Costa Lima Luiz Fernando Furlan Roberto Átila Amaral Vieira Marina Silva Miguel Soldatelli Rossetto José Dirceu de Oliveira e Silva José Graziano da Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.6.2003
Anexo - 5 MEDIDA PROVISÓRIA Nº 131, DE 25 DE SETEMBRO, DE 2003
Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja da safra de 2004, e dá outras providências.
Convertida na Lei 10.814, de 15.12.2003 O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o Às sementes da safra de soja de 2003, reservadas pelos agricultores para uso próprio, consoante os termos do art. 2o, inciso XLIII, da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003, e que sejam utilizadas para plantio até 31 de dezembro de 2003, não se aplicam as disposições dos incisos I e II do art. 8o, do caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, relativamente às espécies geneticamente modificadas previstas no código 20 do seu Anexo VIII; da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001; do § 3o do art. 1o e do art. 5o da Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003.
Parágrafo único. É vedada a comercialização do grão de soja da safra de 2003 como semente, bem como a sua utilização como semente em propriedade situada em Estado distinto daquele em que foi produzido.
Art. 2o Aplica-se à soja colhida a partir das sementes de que trata o art. 1o o disposto na Lei no 10.688, de 2003, restringindo-se a sua comercialização ao período até 31 de dezembro de 2004, inclusive.
Parágrafo único. O estoque existente após a data estabelecida no caput deverá ser destruído, mediante incineração, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2005.
Art. 3o Os produtores abrangidos pelo disposto no art. 1o, ressalvado o disposto nos arts. 3o e 4o da Lei no 10.688, de 2003, somente poderão promover o plantio e comercialização da safra de soja do ano de 2004 se subscreverem Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, conforme regulamento, observadas as normas legais e regulamentares vigentes. (Regulamento)
Parágrafo único. O Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, que terá eficácia de título executivo extrajudicial na forma dos arts. 5o, § 6o, da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e 585, inciso VII, do Código de Processo Civil, será firmado, no prazo de até trinta dias a contar da publicação desta Medida Provisória, nos postos ou agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, nas agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A.
Art. 4o O Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mediante portaria, poderá excluir do regime desta Medida Provisória os grãos de soja produzidos em áreas ou regiões nas quais comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado.
Parágrafo único. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento poderá firmar instrumento de cooperação com as unidades da Federação, para os fins do cumprimento do disposto no caput.
Art. 5o Ficam vedados o plantio e a comercialização de sementes relativos à safra de grãos de soja de 2004, salvo nas hipóteses dos arts. 3o e 4o da Lei no 10.688, de 2003.
Art. 6o É vedado às instituições financeiras oficiais de crédito aplicar recursos no financiamento da produção e plantio de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor.
Art. 7o O produtor de soja que não subscrever o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o, não apresentar o certificado a que se refere o art. 4o da Lei no 10.688, de 2003, nem estiver abrangido pela portaria de que trata o art. 4o desta Medida Provisória, ficará impedido de obter empréstimos e financiamentos de instituições oficiais de crédito, não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios e não será admitido a participar de programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal.
Art. 8o Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na legislação vigente, os produtores de soja que contenha organismo geneticamente modificado que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por hibridação, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa.
Parágrafo único. A responsabilidade prevista no caput aplica-se, igualmente, ao adquirente da soja que contenha organismo geneticamente modificado.
Art. 9o Compete exclusivamente ao produtor de soja arcar com os ônus decorrentes do plantio autorizado pelo art. 1o desta Medida Provisória, inclusive os relacionados a eventuais direitos de terceiros.
Art. 10. Fica vedado o plantio de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.
Parágrafo único. O Ministério do Meio Ambiente definirá, mediante portaria, as áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade referidas no caput.
Art. 11. Fica instituída, no âmbito do Poder Executivo, Comissão de Acompanhamento, composta por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Agrário, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Justiça, da Saúde, do Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, destinada a acompanhar e supervisionar o cumprimento do disposto nesta Medida Provisória.
Art. 12. Aplica-se a multa de que trata o art. 7o da Lei no 10.688, de 2003, aos casos de descumprimento do disposto nesta Medida Provisória e no Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o, pelos produtores alcançados pelo art. 1o.
Art. 13. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 25 de setembro de 2003; 182º da Independência e 115º da República.
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA José Dirceu de Oliveira e Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 26.9.2003 e republicado no D.O.U. de 26.9.2003 (Edição extra)
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
E.M. no 38 - CCIVIL
Em 25 de setembro de 2003.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Entre as várias situações que requereram medidas precisas e corajosas do Governo de Vossa Excelência, quase que imediatamente após sua posse em 1o de janeiro de 2003, destaca-se a crise em relação à comercialização da soja, colhida pelos produtores rurais no início do ano e plantada, em algumas regiões do País, com a utilização de sementes geneticamente modificadas, sem o devido cumprimento dos requisitos legais, em especial os contidos na legislação ambiental.
Essa situação, decorrente de uma cultura de descumprimento, por muitos anos, da legislação vigente, potencializada por um arcabouço legal com muitos pontos conflitantes, pela omissão no controle e monitoramento de governos anteriores e pelo desaparelhamento estatal herdado pelo atual Governo, foi enfrentada com a adoção de algumas medidas que modificaram a própria legislação e, mais do que isso, estabeleceram novo patamar qualitativo no processo decisório de governo, focado na interação das diversas visões setoriais e na disposição de passar a controlar efetivamente o processo de liberação dos organismos geneticamente modificados (OGM) no meio ambiente e para consumo humano.
Dentre essas, merecem menção o Decreto no 4.602, de 21 de fevereiro de 2003, que instituiu Comissão Interministerial para construir uma visão integrada do Governo sobre o tema, a edição da Medida Provisória no 113, convertida na Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, que estabeleceu normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003, o Decreto no 4.680, de 24 de abril de 2003, que estabeleceu regras mais rígidas que as anteriormente existentes, no nível mais restrito na experiência internacional, sobre a rotulagem de produtos que contêm OGM e, por último, o encaminhamento ao Congresso Nacional da Mensagem Presidencial no 349, de 25 de julho de 2003, propondo a adesão do Brasil ao Protocolo de Cartagena, todas medidas voltadas a fortalecer o poder do Estado no exercício de suas competências sobre a matéria e atender aos interesses da sociedade.
O cenário construído nesses poucos meses difere muito daquele do início de 2003. Além de superar o risco de crise econômica, deu-se início ao redesenho da estrutura institucional do Governo e é iminente o envio, por parte do Poder Executivo, de projeto de lei ao Congresso Nacional, resultado de amplo processo de discussão, que traz nova formatação do marco regulatório sobre biossegurança de OGM.
Apesar dessa série de iniciativas e das restrições firmadas pela Lei no 10.688, de 2003, relativamente ao plantio de soja geneticamente modificada para a safra de 2004, algumas situações não foram alcançadas pelo exercício do poder de Estado, de forma a adequar a ação de todos os agentes envolvidos. Com efeito, as dificuldades são expressivas no que se refere à cultura de soja no País, cuja produção, nos últimos anos, apresenta índices crescentes de participação da soja geneticamente modificada, notadamente no Estado do Rio Grande do Sul, onde o ingresso de sementes foi favorecido pela proximidade geográfica com países que não impõem restrições ao seu uso.
Em função da situação pré-constituída e de razões econômicas e culturais, na maioria das vezes relacionadas à sua condição de pequenos proprietários, milhares de agricultores reservaram sementes da safra colhida em 2003, para plantio da futura safra, ainda que contrariando as disposições legais, situação que impõe ao Governo a reconsideração de parte dessas disposições, sob pena de agravamento da crise social nas regiões onde este fato ocorreu.
Não é demais lembrar a importância da cultura de soja para o País e, em função dela, considerarem-se as seguintes informações relativas ao seu cultivo e às condições dos agricultores alcançados pela medida provisória que ora se propõe a Vossa Excelência, para justificar a sua urgência:
a) a soja é a principal cultura agrícola do País, respondendo por parcela considerável do PIB agropecuário, e suas exportações lideram a pauta comercial brasileira; externalidades negativas nesta atividade podem gerar empobrecimento no campo e recrudescer o êxodo rural;
b) a produtividade dos cultivos de soja é significativamente afetada pelo calendário de plantio e atrasos fatalmente reduzem a produtividade a patamares antieconômicos;
c) a semente é insumo agrícola de caráter indispensável, sem a qual é impossível efetivar o plantio de qualquer cultura agrícola anual;
d) o índice de utilização de sementes salvas ou próprias é maior entre os agricultores de pequena e média escala. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 95% dos plantadores de soja têm área de cultivo inferior a 50 hectares (IBGE, 1996) e a taxa de uso de sementes certificadas ou fiscalizadas – além de ser tradicionalmente uma das mais baixas do País – apresenta tendência de queda acentuada nos últimos anos: a Taxa de Uso de Sementes de Soja, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que era de 65% em meados da década de noventa, chegou a 43% na safra de 2000/2001 e a apenas 19% na safra 2002/2003, ou seja, mais de 80% dos agricultores gaúchos utilizaram sementes próprias de soja na última safra e presume-se, em escala significativa, transgênicas.
Assim, a presente proposta de medida provisória visa a atender, em caráter excepcional, situação específica vivenciada por número expressivo de pequenos produtores que reservaram, para uso próprio, sementes da safra de soja de 2003 e que, pelos motivos econômicos e culturais já mencionados, realizarão o plantio da safra de 2004, com risco de perderem-na integralmente, se não houver dispositivo legal que lhes garanta o plantio, a colheita e posterior comercialização.
Em síntese, propõe-se estender as determinações contidas na Lei no 10.688, de 2003, pelo prazo de um ano, mas exclusivamente aos produtores que se utilizam de sementes reservadas para uso próprio.
Para que essa concessão não se transforme em meio de reprodução da cultura de trabalho à margem da lei, são introduzidos mecanismos na proposta de medida provisória que permitem ao Estado aperfeiçoar sua ação controladora, estabelecendo-se a exigência ao produtor de subscrição de Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, fonte excepcional de informação ao Poder Público sobre a possibilidade de ocorrência de OGM na safra de soja de 2004, principalmente nas regiões que se presume haver maior incidência desses organismos. Desse termo constarão as obrigações estabelecidas pelos art. 1o, 2o, 5o, 8o e 9o da proposta de medida provisória, e, por conseqüência, também as constantes na Lei no 10.688, de 2003, destinadas a limitar a comercialização e uso dos grãos oriundos do plantio ora autorizado.
A fim de dispensar das exigências ora propostas os agricultores que cumpriram estritamente a legislação vigente, atribui-se ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tal como antes previsto na Lei no 10.688, de 2003, em seu art. 1o, § 6o, a possibilidade de excluir do regime de restrições estabelecido pela proposta as áreas do País em que comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado. Do mesmo modo, estende-se a possibilidade, igualmente prevista na Lei no 10.688, de excluir dessas restrições os agricultores que obtenham certificação de ausência de organismo geneticamente modificado na soja plantada, assim como aqueles que comprovem, mediante notas fiscais ou comprovantes de compra, haver empregado, no plantio da safra de 2004, sementes fiscalizadas ou certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Com o objetivo, ainda, de desestimular o descumprimento futuro das exigências legais, propõe-se vedação às instituições financeiras oficiais de crédito quanto à aplicação de recursos no financiamento da produção e plantio de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor, para a safra de 2005.
Além disso, manifesta-se, expressamente, a responsabilidade dos produtores que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, devendo eles responder, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa. Do mesmo modo, explicita-se a responsabilidade exclusiva do produtor de soja quanto a direitos de terceiros decorrentes do plantio de soja autorizado pela medida provisória em tela.
Por outro lado, propõe-se vedar o plantio de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade, a fim de garantir-se maior proteção a essas áreas.
Propõe-se, ainda, a constituição de Comissão de Acompanhamento, composta por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Agrário, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Justiça, da Saúde, do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, destinada a acompanhar e supervisionar o cumprimento do disposto na medida provisória, com o fito de assegurar a sua aplicação e a adoção de medidas complementares, tempestivamente, de modo a que, doravante, não se reitere a prática ora excepcionalizada.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que se regulariza e viabiliza a utilização das sementes reservadas pelo próprio agricultor, sem se autorizar o comércio ou importação de sementes sem o cumprimento dos requisitos legais, estabelece-se medidas de desestímulo à continuidade da situação que, em caráter urgente, requer as providências propostas pelo presente projeto de medida provisória.
Por fim, Senhor Presidente, a definitiva revisão do arcabouço jurídico relativo a pesquisa, introdução, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados no Brasil, a ser oportunamente apresentada a Vossa Excelência na forma de anteprojeto de lei, dará solução a esta complexa situação, permitindo ao País superar os obstáculos hoje existentes, decorrentes da legislação inadequada e da insuficiência do aparato institucional destinado a assegurar a proteção do interesse público em matéria de biossegurança.
Respeitosamente,
SWEDENBERGER BARBOSA Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, interino
PRORROGAÇÃO DE PRAZO
ATO DO PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL
O PRESIDENTE DA MESA DO CONGRESSO NACIONAL, cumprindo o que dispõe o § 1°- do art. 10 da Resolução nº 1, de 2002-CN, faz saber que, nos termos do § 7º' do art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, a Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, que "cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências", terá sua vigência prorrogada pelo período de sessenta dias, a partir de 20 de dezembro de 2003, tendo em vista que sua votação não foi encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
Congresso Nacional, 17 de dezembro de 2003 Senador JOSÉ SARNEY Presidente da Mesa do Congresso Nacional
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 18.12.2003
Anexo - 6 LEI No 10.814, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2003
Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2004, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Às sementes da safra de soja geneticamente modificada de 2003, reservadas pelos agricultores para o uso próprio, consoante os termos do art. 2o, inciso XLIII, da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003, e que sejam utilizadas para plantio até 31 de dezembro de 2003, não se aplicam as disposições:
I – dos incisos I e II art. 8 e do caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, relativamente às espécies geneticamente modificadas previstas no Código 20 do seu Anexo VIII;
II – da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001; e
III – do § 3o do art. 1o da Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003.
Parágrafo único. É vedada a comercialização do grão de soja geneticamente modificada da safra de 2003 como semente, bem como a sua utilização como semente em propriedade situada em Estado distinto daquele em que foi produzido.
Art. 2o Aplica-se à soja colhida a partir das sementes de que trata o art. 1o o disposto na Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, restringindo-se a sua comercialização ao período até 31 de janeiro de 2005, inclusive.
§ 1o O prazo de comercialização de que trata o caput poderá ser prorrogado por até sessenta dias por ato do Poder Executivo.
§ 2o O estoque existente após a data estabelecida no caput deverá ser destruído, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2005.
Art. 3o Os produtores abrangidos pelo disposto no art. 1o, ressalvado o disposto nos arts. 3o e 4o da Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, somente poderão promover o plantio e comercialização da safra de soja do ano de 2004 se subscreverem Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, conforme regulamento, observadas as normas legais e regulamentares vigentes.
Parágrafo único. O Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, de uso exclusivo do agricultor e dos órgãos e entidades da administração pública federal, será firmado até o dia 9 de dezembro de 2003 e entregue nos postos ou agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, nas agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A.
Art. 4o O Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento poderá excluir do regime desta Lei, mediante portaria, os grãos de soja produzidos em áreas ou regiões nas quais comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado.
Parágrafo único. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento poderá firmar instrumento de cooperação com as unidades da Federação, para os fins do cumprimento do disposto no caput.
Art. 5o Ficam vedados o plantio e a comercialização de sementes relativas à safra de grãos de soja geneticamente modificada de 2004.
Art. 6o Na comercialização da soja colhida a partir das sementes de que trata o art. 1o, bem como dos produtos ou ingredientes dela derivados, deverá constar, em rótulo adequado, informação aos consumidores a respeito de sua origem e da presença de organismo geneticamente modificado, sem prejuízo do cumprimento das disposições da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e conforme disposto em regulamento.
Art. 7o É vedado às instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR aplicar recursos no financiamento da produção e plantio de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor.
Art. 8o O produtor de soja geneticamente modificada que não subscrever o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o ficará impedido de obter empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios e não será admitido a participar de programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal.
§ 1o Para efeito da obtenção de empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, o produtor de soja convencional que não estiver abrangido pela Portaria de que trata o art. 4o desta Lei, ou não apresentar notas fiscais de sementes certificadas, ou certificação dos grãos a serem usados como sementes, deverá firmar declaração simplificada de "Produtor de Soja Convencional".
§ 2o Para os efeitos desta Lei, soja convencional é definida como aquela obtida a partir de sementes não geneticamente modificadas.
Art. 9o Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na legislação vigente, os produtores de soja geneticamente modificada que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 10. Compete exclusivamente ao produtor de soja arcar com os ônus decorrentes do plantio autorizado pelo art. 1o desta Lei, inclusive os relacionados a eventuais direitos de terceiros sobre as sementes, nos termos da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003.
Art. 11. Fica vedado o plantio de sementes de soja geneticamente modificada nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade.
Parágrafo único. O Ministério do Meio Ambiente definirá, mediante portaria, as áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade referidas no caput.
Art. 12. Ficam vedados, em todo o território nacional, a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso e dos produtos delas derivados, aplicáveis à cultura da soja.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.
Art. 13. Em relação às safras anteriores a 2003, fica o produtor de soja geneticamente modificada isento de qualquer penalidade ou responsabilidade decorrente da inobservância dos dispositivos legais referidos no art. 1o desta Lei.
Art. 14. Fica autorizado para a safra 2003/2004 o registro provisório de variedade de soja geneticamente modificada no Registro Nacional de Cultivares, nos termos da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003, sendo vedada expressamente, sua comercialização como semente.
§ 1o O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente promoverão o acompanhamento da multiplicação das sementes previstas no caput mantendo rigoroso controle da produção e dos estoques.
§ 2o A vedação prevista no caput permanecerá até a existência de legislação específica que regulamente a comercialização de semente de soja geneticamente modificada no País.
Art. 15. Fica instituída, no âmbito do Poder Executivo, Comissão de Acompanhamento, composta por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da Ciência e Tecnologia; do Desenvolvimento Agrário; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Justiça; da Saúde; do Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome; da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA; coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, destinada a acompanhar e supervisionar o cumprimento do disposto nesta Lei.
Art. 16. Aplica-se a multa de que trata o art. 7o da Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, aos casos de descumprimento do disposto nesta Lei e no Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o desta Lei, pelos produtores alcançados pelo art. 1o.
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Álvaro Augusto Ribeiro Costa José Dirceu de Oliveira e Silva
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.12.2003
Anexo - 7 MEDIDA PROVISÓRIA Nº 223, DE 14 DE OUTUBRO, DE 2004
Estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada da safra de 2005, e dá outras providências
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o Às sementes da safra de soja geneticamente modificada de 2004, reservadas pelos agricultores para o uso próprio, consoante os termos do art. 2o, inciso XLIII, da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003, e que sejam utilizadas para plantio até 31 de dezembro de 2004, não se aplicam as disposições:
I - dos incisos I e II do art. 8o e do caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, relativamente às espécies geneticamente modificadas previstas no código 20 do seu Anexo VIII;
II - da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001; e
III - de vedação de plantio de que trata o art. 5o da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.
Parágrafo único. É vedada a comercialização do grão de soja geneticamente modificado da safra de 2004 como semente, bem como a sua utilização como semente em propriedade situada em Estado distinto daquele em que foi produzido.
Art. 2o Aplica-se à soja colhida a partir das sementes de que trata o art. 1o o disposto na Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, restringindo-se sua comercialização até 31 de janeiro de 2006, inclusive.
§ 1o O prazo de comercialização de que trata o caput poderá ser prorrogado por até sessenta dias mediante ato do Poder Executivo.
§ 2o O estoque existente após a data estabelecida no caput deverá ser destruído, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2006.
Art. 3o Os produtores abrangidos pelo disposto no art. 1o, ressalvado o disposto nos arts. 3o e 4o da Lei no 10.688, de 2003, somente poderão promover o plantio e comercialização da safra de soja do ano de 2005 se subscreverem Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, conforme regulamento, observadas as normas legais e regulamentares vigentes.
Parágrafo único. O Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, de uso exclusivo do agricultor e dos órgãos e entidades da administração pública federal, será firmado até o dia 31 de dezembro de 2004 e entregue nos postos ou agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, nas agências da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil S.A.
Art. 4o O produtor de soja geneticamente modificada que não subscrever o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o ficará impedido de obter empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, não terá acesso a eventuais benefícios fiscais ou creditícios e não será admitido a participar de programas de repactuação ou parcelamento de dívidas relativas a tributos e contribuições instituídos pelo Governo Federal.
§ 1o Para efeito da obtenção de empréstimos e financiamentos de instituições integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural - SNCR, o produtor de soja convencional que não estiver
abrangido pela Portaria de que trata o art. 4o da Lei no 10.814, de 2003, ou não apresentar notas fiscais de sementes certificadas, ou certificação dos grãos a serem usados como sementes, deverá firmar declaração simplificada de "Produtor de Soja Convencional".
§ 2o Para os efeitos desta Medida Provisória, soja convencional é definida como aquela obtida a partir de sementes não geneticamente modificadas.
Art. 5o Ficam vedados o plantio e a comercialização de sementes relativas à safra de grãos de soja geneticamente modificada de 2005.
Art. 6o Sem prejuízo da aplicação das penas previstas na legislação vigente, os produtores de soja geneticamente modificada, que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento, responderão, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa.
Art. 7o Fica autorizado para a safra 2004/2005 o registro provisório de variedade de soja geneticamente modificada no Registro Nacional de Cultivares, nos termos da Lei no 10.711, de 5 de agosto de 2003, sendo vedada, expressamente, sua comercialização como semente.
§ 1o O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente promoverão o acompanhamento da multiplicação das sementes previstas no caput mantendo rigoroso controle da produção e dos estoques.
§ 2o A vedação prevista no caput permanecerá até a existência de legislação específica que regulamente a comercialização de semente de soja geneticamente modificada no País.
Art. 8o A Comissão de que trata o art. 15 da Lei no 10.814, de 2003, acompanhará e supervisionará o cumprimento do disposto nesta Medida Provisória.
Art. 9o Aplica-se a multa de que trata o art. 7o da Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, aos casos de descumprimento do disposto nesta Medida Provisória e no Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta de que trata o art. 3o desta Medida Provisória, pelos produtores alcançados pelo art. 1o.
Art. 10. Para os fins desta Medida Provisória, aplica-se o disposto nos art. 4o, 6o, 7o, 10 e 11 da Lei no 10.814, de 2003.
Art. 11. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 14 de outubro de 2004; 183o da Independência e 116o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Roberto Rodrigues
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 15.10.2004
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
E.M. no 42 - MAPA
Em 14 de outubro de 2004.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
É inegável a importância da cultura de soja para o País. Com efeito, soja é a principal cultura agrícola do País, respondendo por parcela considerável do PIB agropecuário, e suas exportações lideram a pauta comercial brasileira.
No entanto, as expectativas de mercado do produto para 2005 são de queda nos preços e aumento nos custos de produção; externalidades negativas nesta atividade podem gerar empobrecimento no campo e recrudescer o êxodo rural. A produtividade dos cultivos de soja é significativamente afetada pelo calendário de plantio e atrasos neste fatalmente reduzem a produtividade a patamares antieconômicos.
A semente de soja é insumo agrícola de caráter indispensável, sem a qual é impossível efetivar o plantio de qualquer cultura agrícola anual. O índice de utilização de sementes reservadas para uso próprio é maior entre os agricultores de pequena e média escala. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, 95% dos plantadores de soja têm área de cultivo inferior a 50 hectares (IBGE, 1996) e, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mais de 80% dos agricultores gaúchos utilizaram sementes próprias de soja na última safra, as quais, presume-se, em escala significativa, transgênicas.
De acordo com estimativa do MAPA, foram cultivados no ano safra 2003/2004 cerca de 2,78 milhões hectares de soja geneticamente modificada, o que corresponde a uma produção estimada de 4,1 milhões de toneladas.
O plantio de soja geneticamente modificada foi autorizado aos agricultores que reservaram sementes próprias da safra de 2002/2003 para o plantio da safra 2003/2004, pela Medida Provisória nº 131, de 25 de setembro de 2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003.
Na ocasião, buscou-se disciplinar, em regime de excepcionalidade, uma situação, evidente, pré-constituída e de razões econômicas e culturais complexas, cuja ausência de intervenção do Poder Público poderia gerar uma crise social impactante, sobretudo no Estado do Rio grande do Sul, onde milhares de agricultores reservaram grãos de soja geneticamente modificada para plantio, à revelia de uma decisão judicial em contrário.
Essa medida foi adotada, naquela ocasião, num contexto onde se buscava a definição de um novo arcabouço jurídico relativo à pesquisa e produção de organismos geneticamente modificados no País, que viesse superar definitivamente as dúvidas suscitadas em relação à Lei de Biossegurança de demais legislações relacionadas com o tema. Nesse sentido, Vossa Excelência encaminhou ao Congresso Nacional, em 8 de outubro de 2003, com a Mensagem nº579, dando início à tramitação do Projeto de Lei nº 2.401 (na Câmara dos Deputados), que "Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados; cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS; reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBIO; dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança; e dá outras providências".
O referido projeto restou aprovado na Câmara dos Deputados, após longa negociação na forma do Substitutivo do Deputado Renildo Calheiros, refletindo acordo entre a posição do Governo em relação à política nacional de biossegurança de organismos geneticamente modificados e a visão daquela Casa do Congresso Nacional. O Senado Federal, todavia, na condição de Casa revisora, aprovou novo texto substitutivo, ora em fase de nova apreciação pela Câmara dos Deputados.
Embora o Congresso Nacional tenha manifestado disposição em disciplinar o plantio de soja geneticamente modificada para a próxima safra, conforme o artigo 43 do texto aprovado na Câmara dos Deputados e os artigos 34, 35 e 36 do texto aprovado no Senado Federal, não foi possível estabelecer o novo marco legal ao tempo do calendário agrícola do ano, o que demanda, neste momento, nova ação assertiva do Poder Público para garantir amparo legal e segurança para a produção e comercialização de soja geneticamente modificada na safra de 2004/2005, para aqueles agricultores que optarem por tal tipo de semente.
Assim, a presente proposta de medida provisória visa atender a situação específica vivenciada por número expressivo de agricultores que reservaram, para uso próprio, grãos da soja
geneticamente modificada das safras anteriores e que, por motivos econômicos e culturais diversos, pretendem realizar o plantio da safra de 2004/2005, com risco de perderem integralmente, se não houver dispositivo legal que lhes garanta o plantio, a colheita e posterior comercialização desse produto.
Em síntese, propõe-se na forma da presente proposta de medida provisória, de forma objetiva e compatível com a realidade da produção agrícola nacional, a autorização de plantio de grãos de soja geneticamente modificada, reservados pelos agricultores para uso próprio, na safra de 2004/2005, bem assim renova-se a autorização para multiplicar as sementes registradas provisoriamente no Registro Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sob a égide da Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003. Com isso, busca-se assegurar o plantio de grãos reservados pelos agricultores por mais uma safra e a comercialização da produção daí resultante, ao passo que se permite a multiplicação de sementes de soja geneticamente modificadas adaptadas às diferentes regiões do País.
Renova-se, ainda, a validade de dispositivos da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003, cuja aplicação à mencionada situação é indispensável, renovando-se para a safra de soja geneticamente modificada de 2005 as exigências e restrições particulares para a produção e comercialização de soja geneticamente modificada aplicadas à safra de 2004, incluindo o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, e permitindo a rastreabilidade da produção de soja geneticamente modificada no país, fundamental tanto para a rotulagem como para a comercialização
Ademais a proposta de Medida Provisória repete as disposições da Lei nº 10.814/03 no que tange a responsabilidade dos produtores de soja geneticamente modificada que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, inclusive quando decorrente de contaminação por cruzamento.
Pretende-se, assim, Senhor Presidente, mais uma vez, e por razões de ordem imperativa para o País, permitir a regularização e viabilização da utilização das sementes reservadas pelo próprio agricultor, sem se autorizar o comércio ou importação de sementes com a dispensa do cumprimento dos requisitos legais, estabelece-se medidas de desestímulo à continuidade da situação que, em caráter urgente, requer as providências propostas pelo presente projeto de medida provisória. A provável aprovação definitiva, em curto prazo, da proposição legislativa ora em trâmite no Congresso Nacional, permite-nos estimar que, muito em breve, o País poderá contar com uma solução definitiva para o problema. A definitiva revisão do arcabouço jurídico relativo a pesquisa, introdução, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados no Brasil, proposta por Vossa Excelência ao Congresso Nacional, dará solução a esta complexa situação, permitindo ao País superar os obstáculos hoje existentes, decorrentes da legislação inadequada e da insuficiência do aparato institucional destinado a assegurar a proteção do interesse público em matéria de biossegurança.
Respeitosamente,
Roberto Rodrigues