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Ocupações irregulares dos fundos de vale e a degradação dos cursos d'água – Estudo de caso do Córrego
Samambaia em Goiânia Dezembro/2013
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 6ª Edição nº 006 Vol.01/2013 –dezembro/2013
Ocupações irregulares dos fundos de vale e a degradação
dos cursos d'água – Estudo de caso do Córrego Samambaia em
Goiânia Nayda Rocha – nayda.rocha@gmail.com
MBA Engenharia Sanitária e Ambiental
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Goiânia, GO, 10 maio 2013
Resumo
O efeito da urbanização e a insuficiente fiscalização sobre o uso dos recursos naturais pelo
poder público têm provocado crescente degradação do meio ambiente em Goiânia. Isto pode
ser constatado na supressão da vegetação ciliar, indispensável para a sobrevivência e
manutenção da qualidade dos mananciais. Neste sentido, as ações de parcelamento do solo,
provisão habitacional e saneamento devem ter, entre outros objetivos, o de assegurar um
meio ambiente favorável aos ecossistemas e à vida humana. Este artigo tem como objetivo
discutir os aspectos centrais da articulação dos processos urbanos, destacando as ocupações
ao longo dos cursos d'água e a gestão dos recursos hídricos, a fim de assegurar a
sustentabilidade ambiental urbana e a qualidade de vida da população que vive em Goiânia e
orientar as ações de planejamento urbano com vista à construção de uma cidade sustentável.
A metodologia adotada consistiu em identificar o referencial teórico a partir de pesquisa
bibliográfica e reunir informações do objeto de estudo contidas em documentos publicados,
textos restritos e visitas in loco. A partir das análises destas informações foi possível fazer um
diagnóstico de ocupação da microbacia do Córrego Samambaia, localizada na região Norte
do município de Goiânia, bem como concluir que faz-se necessário ampliar os instrumentos
de elaboração e implantação das propostas, em associação a um processo constante de
avaliação e monitoramento para verificação da eficácia das ações públicas.
Palavras-chave: Ocupação urbana, Impactos ambientais, Mananciais hídricos, Planejamento
urbano.
1. Introdução
Durante séculos, a humanidade utilizou a água de forma predatória e insustentável,
considerando-a como um recurso inesgotável (GALINDO e FURTADO, 2006) e isto pode ser
visualizado no padrão de ocupação do território registrado ao longo dos tempos. Os rios,
dentre os elementos naturais, participam do espaço humanizado há muitos anos, vinculando-
se à própria formação e fundação da maior parte das cidades no mundo. Entretanto, apesar de
se inserirem como importante elemento na origem das cidades, os cursos d’águas tiveram
outros significados no desenvolvimento das mesmas, na maioria das vezes, associados à
ocupação inadequada de suas margens. Fato este, que o caso brasileiro vem a confirma
(BARTALINI, 2009).
No Brasil, analisar a ocupação das áreas ao longo dos cursos d’água pressupõe compreender o
contexto da urbanização brasileira e a disponibilização de unidades habitacionais. Segundo
Werna et al (2004), a partir da metade do século XIX até 1930, o Brasil viveu a emergente e
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inicial expansão do capitalismo. Embora a base da economia ainda fosse rural, as atividades
industriais nas áreas urbanas se expandiram, criando uma pressão para a provisão de
habitação de baixo custo nas cidades. A rápida urbanização tomou dimensões significativas a
partir da década de cinquenta, quando a população urbana obteve alto índice de crescimento
em decorrência do êxodo rural. A população que chegava aos centros urbanos buscava se
inserir nas atividades produtivas, mas, nem sempre se efetivavam no mercado formal,
restando a informalidade como alternativa de sobrevivência (WERNA et al, 2004). O
reduzido poder aquisitivo que se encontravam grande parte dos trabalhadores impossibilitou
ou restringiu seu acesso à habitação formal, mesmo havendo crescente demanda e
significativa oferta de lotes (SOUZA, 1999).
Em decorrência desse processo, aliado às ações insuficientes do poder público e da crescente
ação da especulação imobiliária, parte da população abrigou-se em assentamentos precários,
locais desprovidos de qualquer tipo de infraestrutura básica e de serviços (SILVA, 2003) e,
até meados da década de 80, as ocupações irregulares foram o modo mais comum de provisão
de habitação, apresentando uma taxa de expansão anual entre 15 e 20% até a metade da
década de 70 (BAROSS e VAN DER LINDEN, 1990; DRAKAKIS-SMITH, 1981), o que
proporcionou uma baixa qualidade de vida à parcela significativa da população:
A a significativa concentração da pobreza nas metrópoles brasileiras tem como
expressão um espaço dual: de um lado, a cidade formal, que concentra os
investimentos públicos e, de outro, o seu contraponto absoluto, a cidade informal
relegada dos benefícios equivalentes e que cresce exponencialmente na ilegalidade
urbana que a constitui, exacerbando as diferenças socioambientais. A precariedade e
a ilegalidade são seus componentes genéticos e contribuem para a formação de
espaços urbanos sem atributos de urbanidade (GROSTEIN, 2001:14).
A dificuldade de acesso à terra urbana e à habitação pelos meios regulares induziu a
população a se abrigar em locais inadequados tais como: áreas particulares ou públicas
abandonadas, áreas de manutenção, embaixo de pontes e viadutos e áreas de proteção dos
mananciais, alagadiças e/ou encostas (SOUZA, 1999). Contribuindo, desta forma, para a
degradação dos cursos d’água quer pelo mau uso dos mananciais quer pela geração de
resíduos e poluentes nas cidades.
A degradação de bacias hidrográficas através da ação humana tem se tornado um dos
principais problemas de natureza ambiental, econômica e social (Montero et al., 2006), desse
modo, torna-se de suma importância um planejamento urbano com estratégias que
disciplinem a expansão das cidades sob os mananciais, principalmente àqueles destinados ao
abastecimento público, a fim de evitar maiores degradações dos recursos naturais.
A par desse cenário, o presente artigo analisa o processo de urbanização e a relação entre
planejamento e gestão urbana a partir dos seus reflexos no comprometimento dos mananciais
urbanos. Para isto faz uma revisão bibliográfica do tema e busca identificar seus principais
aspectos a partir de dados secundários da realidade de Goiânia.
2. Cidade Ilegal, Ocupação dos Mananciais e Planejamento Urbano
A formação de uma Cidade Clandestina, Cidade Ilegal ou Cidade Irregular, relegada pelas
ações públicas e com insuficiência de infraestrutura e serviços, ainda que legítima, é uma
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forma abusiva do crescimento urbano sem controle (GROSTEIN, 2001), pois reflete a
exclusão social daqueles que necessitam de acesso à cidade para sobreviverem no meio
urbano, uma vez que são privados do próprio direito à cidade. Embora tal fenômeno tenha
sido marcado pela ação espontânea dos que a fizeram, pode-se dizer que a ilegalidade e a
irregularidade da cidade contaram com certa conivência do poder público, diante da sua
incapacidade de prover políticas habitacionais e condições de habitabilidade a todos os
moradores.
Para Fernandes (2003), do ponto de visto jurídico o Estado deve reconhecer o direito social da
moradia, que não deve ser considerado apenas o direito individual de propriedade plena. O
direito de propriedade individual é apenas uma das muitas formas de direito que podem ser
consideradas quando do reconhecimento de direitos aos ocupantes das áreas informais –
sobretudo em áreas públicas.
A exclusão territorial gerada pelo planejamento e pela política habitacional e de gestão do
solo urbano condena a cidade a um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e
econômico.
A presença desse vasto contingente de assentamentos inseridos de forma ambígua na
cidade é uma das mais poderosas engrenagens da máquina de exclusão territorial
que bloqueia o acesso dos mais pobres às oportunidades econômicas e de
desenvolvimento humano que as cidades oferecem. (ROLNIK, 2006:200).
A cidade é expressão de suas funções em suas diferentes espacialidades. As áreas dotadas de
infraestruturas possuem grande interesse do mercado da construção civil por terem valor
agregados, localizando-se, geralmente, nas regiões áreas centrais e nos arredores imediatos.
Podem-se identificar, também, regiões reprogramadas para atendimento de funções
específicas, tais como os centros de negócios. Neste caso a palavra “centro” não se refere a
centralidade geométrica local, mas a especificidade da atividade central desempenhada. Esses
locais tendem a ser ocupados por parcela da população com padrão econômico elevado,
enquanto as áreas mais desvalorizadas são ocupadas pela população com menor renda nos
centros urbanos.
Nas últimas décadas, a feição mercantil/rentista que marcava o comportamento do
capital imobiliário na apropriação do solo urbano vem sendo associada à feição
empresarial/oligomonopolista e empresarial/concorrencial na conformação de
grupos imobiliários. Trata-se de antigos grupos travestidos de novos, organizados
por meio de fusões de setores do capital industrial com o imobiliário ou de novos
grupos originados da articulação com o capital financeiro nacional e internacional.
As ações desses segmentos estão dispostas territorialmente nas metrópoles, e a
dinâmica imobiliária resulta do modo como, em cada metrópole, se articulam para
formar o sistema de provisão de moradia. (LEAL, 2008:131)
Tais diferenciações socioeconômicas na cidade, a torna um lugar de passagem, fragmentado,
controlado e excludente. Segundo dados do Censo 2010 (IBGE, 2011), 88,6% dos domicílios
em aglomerados subnormais (assentamentos irregulares) estão localizados em 20 regiões
metropolitanas brasileiras. Isto representa 6.329 aglomerados subnormais em 323 municípios
(5,8% dos municípios brasileiros) dos 5.565 municípios existentes no país. Os dados
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mostram, ainda, que estes locais concentram 6,0% da população brasileira (11.425.644
pessoas) distribuídos em 3.224.529 domicílios particulares ocupados (5,6% do total).
Grostein (2001) explana que a evolução dos processos urbanos resulta no agravamento de
práticas ambientais predatórias, que afetam o conjunto urbano e em especial as áreas
ocupadas pela população de baixa renda, com “perdas e deseconomias significativas” para o
funcionamento adequado e desejável do conjunto metropolitano.
Farah (2003) afirma ainda que, em geral, as cidades brasileiras refletem muito mais a
improvisação que, propriamente, o avanço do conhecimento e da tecnologia aplicados à
orientação do desenvolvimento urbano. Com o descaso em relação ao crescimento
desordenado das cidades, acumulam-se prejuízos para várias gerações, que se evidenciam
tanto através de episódios de desastres (como inundações, escorregamentos em encostas etc.),
como na geração de paisagens urbanas deterioradas com inúmeros problemas ambientais
(erosões do solo, desmatamentos, poluições diversas etc.), principalmente aqueles
relacionados com a água. Para Galindo & Furtado,
A água, por ser um bem essencial à vida, tanto em sua dimensão individual quanto
coletiva, e um recurso escasso e finito, coloca para as atuais gerações a necessidade
urgente de desenvolver mecanismos de conservação. Por sua vez, a efetiva
conservação dos recursos hídricos exige a compreensão do processo social de
construção e gestão do espaço onde eles se encontram, incorporando suas dimensões
sociais, políticas e simbólicas. (GALINDO e FURTADO, 2006:71)
Os problemas de abastecimento de água que se manifestam no Brasil são atribuídos, em
grande parte, ao crescimento exagerado das demandas localizadas nas cidades e,
frequentemente, estão associados ao comprometimento da qualidade das águas urbanas. Em
certa medida, também se pode associá-lo a taxa de crescimento populacional e a concentração
da população nas zonas urbanas precárias (REBOUÇAS, 1999).
A qualidade das águas urbanas fica comprometida quando os mananciais são degradados em
decorrência da contaminação por resíduos urbanos gerados, não tratados e nem condicionados
adequadamente. Geralmente a contaminação se origina do despejo de poluentes oriundos de
esgotos domésticos e industriais, do despejo de águas pluviais agregados de resíduos urbanos,
do escoamento superficial da drenagem de áreas agrícolas carregadas de defensivos e outras
substâncias químicas poluentes e da drenagem de águas subterrâneas contaminadas. Nestas
condições, o crescimento das cidades sobre seus mananciais de abastecimento, os inviabiliza,
como fontes produtores de água para o consumo humano, necessitando-se buscar, tanto,
outras fontes para captação, cada vez mais distantes dos núcleos urbanos originais, quanto,
processos de tratamentos de água e esgotos mais intensos e onerosos (TUCCI, 1999).
Para Tundisi (2005), as atividades humanas que alteram o ciclo hidrológico e a qualidade da
água são: a urbanização, o despejo de esgoto sem tratamento, a construção de estradas, o
desvio de rios e construção de canais, a mineração, as hidrovias, a construção de represas, as
atividades industriais, a agricultura, a pesca, a piscicultura, a introdução de espécies exóticas,
a remoção de espécies críticas, a disposição de resíduos sólidos e o desmatamento nas bacias
hidrográficas.
Assim, qualidade de um curso d'água reflete o uso e manejo do solo da bacia hidrográfica
desse manancial, uma vez que as chuvas precipitadas sobre as vertentes formam o escoamento
superficial, carreando sedimentos e poluentes para a rede de drenagem (MERTEN e
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MINELLA, 2002). E a fim de regular o uso do solo e proteger os mananciais, o Plano Diretor
e a Lei de Zoneamento Urbano devem-se considerar as atividades econômicas, os usos
habitacionais e institucionais, além dos aspectos ambientais, setorizando o espaço urbano em
“regiões” que possuam características semelhantes. Apesar dos benefícios deste modelo,
percebe-se que os espaços regulados são aqueles dotados de infraestrutura, comumentemente,
ocupados por um padrão socioeconômico elevado, o que, na maioria das vezes, não se adequa
às demandas das classes baixas.
Para a conservação do meio ambiente urbano, os municípios contam com um instrumento
importantíssimo: o Plano Diretor. Galindo e Furtado (2006) confirmam que a delimitação dos
parâmetros urbanísticos e definições de uso do solo contidas no Plano Diretor devem ser
colocadas em prática pelas gestões a fim de promover usos compatíveis com a proteção
ambiental.
O Plano Diretor, na medida em que define como será o crescimento da cidade e
determina usos e formas de ocupação, acaba por promover intervenções sobre o
território que afetam diretamente às condições ambientais. Por isso, o município
deve adotar um Plano Diretor que compatibilize a ocupação humana e a promoção
do desenvolvimento sustentável, construindo um modelo de desenvolvimento
baseado na garantia do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as
presentes e futuras gerações. (...) Nesse contexto, o Plano Diretor Municipal deve
estar em consonância com a proteção e conservação da Bacia Hidrográfica,
tornando-se o principal instrumento para a concretização do direito à
sustentabilidade ambiental urbana. (GALINDO e FURTADO, 2006:74)
O Plano Diretor deve promover práticas conservacionistas em áreas rurais, valorizar
programas de inclusão social e reestruturar regiões com ocupações irregulares, além de
efetivar programas de conscientização e educação ambiental (LARA e TOSIN, 2003).
A incorporação da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão ambiental nos
Zoneamentos Urbanos podem ser ferramentas eficazes e adequadas para responder diferentes
situações socioambientais que necessitam de ações distintas, como: nichos ecológicos
preservados, atividades agropecuárias na periferia, atividades dispersas de apoio aos centros
urbanos, até áreas urbanas de grande densidade (BUENO, 2008).
O recorte ambiental no zoneamento tem-se tornando tendência, ao se incorporar na análise e
delimitação das “zonas”, a hidrográfica como principal modelador da paisagem. O
Zoneamento Ambiental é importante instrumento de planejamento urbano apresentado no
Artigo 4°, Inciso III, alínea “c” da Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade.
O zoneamento ambiental não é definido na legislação que regulamenta os
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, constantes da Lei Federal
6.938/81. Todavia, seu sentido pode ser deduzido das ações governamentais que
estabelecem zonas de proteção de mananciais, áreas de preservação permanente,
áreas de proteção ambiental, zonas de vida silvestre, etc.(MOREIRA, 2001:91).
Esse instrumento deveria auxiliar na prevenção dos problemas urbanos mais comuns
resultantes dos impactos ambientais, tais como: deslizamentos, enchentes, assoreamentos,
erosões, poluição etc com evidente ocorrência nas áreas de maior vulnerabilidade ambiental e
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relacionada à presença de cursos d’água, em grande parte. (CARVALHO e FRANCISCO,
2003).
3. Características das Ocupações nos Fundos de Vale
Além das funções naturais nos ecossistemas, os rios funcionam como canal de comunicação e
dão suporte a serviços essenciais que incluem a irrigação de áreas agrícolas e produção de
alimentos; geração de energia elétrica; abastecimento de água potável, eliminação dos
efluentes sanitários e industriais, entre outros.
Os fundos de vale são faixas localizadas às margens dos cursos d’água e possuem importância
significativa nos sistemas hidrográficos, concentrando o escoamento superficial e
subsuperficial. As planícies de inundação, que são encontradas nesses locais recebem o
escoamento extra, derivado de picos pluviométricos e, portanto, são zonas de necessária
preservação, uma vez que permitem a ampliação do leito do canal para escoar cargas
adicionais de água e sedimentos (SIMON e TRENTIN, 2009).
Simon e Trentin (2009) afirmam que nos fundos de vale, também, estão situadas importantes
faixas de mata original, denominadas de vegetação ciliar. Esta cobertura vegetal possui a
importante função de interceptar parte da precipitação, amenizando o impacto das gotas com a
superfície e a consequente desagregação das partículas do solo. Esta faixa marginal é
fundamental para a amenização da dinâmica erosiva oriunda de usos indevidos da terra nas
vertentes (por atividades agrícolas ou urbanas), uma vez que retarda a velocidade do
escoamento superficial – aumenta a infiltração e diminui a capacidade deste escoamento em
transportar quantidades elevadas de sedimentos para o leito dos cursos de água, evitando os
processos de assoreamento.
Diante tais características e funções dos fundos de vale, o Código Florestal Brasileiro (Lei
4.771 de 15/09/1965), regulamente a criação das Áreas de Preservação Permanente (APP).
Entretanto, não se trata de uma realidade diagnosticada nos centros urbanos. Em Goiânia, por
exemplo, relatório da Agência Municipal de Meio Ambiente indica comprometimento de
grande parte da malha hídrica da cidade, cujos fatores estão associados à recepção de
poluentes, supressão de vegetação e ocupação inadequada dos fundos de vales. (AMMA,
2008).
Os fundos de vale urbanos possuem parte significativa ocupada por assentamentos e
ocupações irregulares, que contribuem para a alteração do ciclo hidrológico e do escoamento
superficial, e diminuem a infiltração no solo causando problemas incalculáveis nas cidades
(Figura 1).
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Figura 1 – Características das alterações de uma área rural para urbana
Fonte: Tucci (1999).
As ocupações ao longo dos cursos d’água são compreendidas como invasões e ocorrem por
meio de dois métodos: a organização de grupos sociais diversos e a ocupação gradual por
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famílias individuais e por pequenos grupos. Os dois processos são característicos da maioria
dos países em desenvolvimento, mas o primeiro tipo tem sido mais comum na América Latina
(UNCHS, 1996; DRAKAKIS-SMITH, 1981).
As principais características desses assentamentos, conhecidos como cidades informais, são: a
autoconstrução das moradias, tendência de ocupação pelos grupos com baixo poder aquisitivo
e ocupação ilegal de terras por famílias, com o objetivo de abrigo. Ao mesmo tempo, a baixa
qualidade da maioria das unidades habitacionais e seu caráter improvisado, particularmente
nos estágios iniciais da ocupação, também contrariam a legislação urbanística local de
edificações e do uso da terra (UNCHS, 1996; DRAKAKIS-SMITH, 1981).
Nesses locais é possível detectar a precariedade do saneamento básico, problemas de tráfego e
deficiência nos sistemas de transportes públicos, que agravam o cenário e revelam a baixa
qualidade do ambiente urbano na maioria das grandes cidades brasileiras. Tornando, as
cidades, manifestação espacial de uma sociedade desigual e excludente.
Como estratégia em relação aos mananciais públicos de abastecimento de água, faz-se
necessário que os serviços de saneamento básico – abastecimento de água, coleta e disposição
final de esgotos e resíduos urbanos - possam promover um ambiente saudável a todos na
cidade. Cada cidade é um "cenário único" (LATOUCHE, 1996), com suas particularidades e
suas características individuais. Podem até possuir resultados espaciais similares, mas
geralmente estes espaços urbanos são gerados por elementos e atores distintos. Torna-se
necessário tornar a cidade um direito de todos. Assim, o saneamento e urbanização de bairros
populares, o desenvolvimento de espaços verdes ou implantação de parques e de atividades
culturais, um bom sistema de transporte coletivo: tudo isto não é um luxo social, mas sim uma
condição de desenvolvimento econômico. (LIPIETZ, 1996).
O Estatuto das Cidades (BRASIL, 2001) prevê a regularização das ocupações irregulares e o
uso de instrumentos de política urbana que facilitem o acesso à terra e a promoção da
sustentabilidade urbana. No entanto, a dimensão ambiental dos problemas urbanos é um dos
principais desafios das cidades brasileiras no início do século XXI, principalmente, frente à
dificuldade de controle do uso urbano no enfrentamento à especulação imobiliária e na
promoção de políticas habitacionais para atendam, com qualidade e dignidade, a população de
baixa renda.
No estado de Goiás, as principais causas da degradação das bacias, e, consequentemente, das
nascentes e dos mananciais de abastecimento público são: desmatamentos das áreas de
preservação permanentes – provocando erosões e assoreamentos; a expansão urbana próxima
e/ou no entorno de nascentes e a montante de captações de água; a falta de conservação dos
solos nas bacias; a extração mineral; as fontes poluidoras; a falta de conscientização da
população e do descumprimento da legislação ambiental (SANEAGO, 2007).
A partir da pesquisa bibliográfica apresentada arteriormente, foi possível identificar o
referencial teórico para a realização do estudo de caso que será apresentado a seguir. As
informações do objeto de estudo foram coletadas em documentos publicados, textos restritos
e visitas in loco. A partir das análises dessas informações foi possível fazer um diagnóstico de
ocupação da microbacia do Córrego Samambaia, localizada na região Norte do município de
Goiânia.
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3. Ocupações irregulares em Goiânia
Segundo a AMMA (2008), a irregularidade habitacional em Goiânia é caracterizada por três
tipos diferenciados de assentamentos: áreas de posse urbana, os loteamentos irregulares e os
clandestinos. Aproximadamente 2,5% da população goianiense vive nestes locais, e 80% das
áreas de posse encontram-se implantadas em áreas do poder público (municipal, estadual ou
federal), ocupando na maioria das vezes, fundos de vale ou áreas destinadas a praças, ruas ou
equipamentos comunitários.
Goiânia apresentou taxa de urbanização significativa nas décadas de 50 a 70, resultando na
expansão de sua mancha urbana e na produção de áreas irregulares e/ou posse urbana.
Segundo cadastro da prefeitura de Goiânia, divulgado pelo Jornal O Popular em 2003, 71,5%
das áreas de posse foram efetivadas no há mais de 20 anos, sendo que 27% delas tinham 30
ou mais anos de ocupação. Parte dessas áreas são ocupações de fundo de vale, ainda
existentes na capital goiana.
Silva e Ferreira (2011) analisando as Áreas de Proteção Permanentes (APP’s) na Região
Metropolitana de Goiânia por meio de geoprocessamento identificaram que 54,18% delas
possuem ocupação irregular, representando 221,02 km². Em Goiânia são diagnosticados, pelo
menos, dez áreas de risco ambiental, a maioria delas associadas a ocupação de APP’s
(PASSOS, 2012).
Além de arcar com o ônus da dificuldade de acesso à habitação, verifica-se nessas áreas,
ausência adequada do saneamento básico entre outros itens necessários à reprodução social.
Logo, a população de baixa renda, também, é a mais exposta e vulnerável aos riscos
ambientais e de saúde intrínsecos aos contextos urbanos (SILVA e TRAVASSOS, 2008).
A falta de infraestrutura urbana nos locais de ocupações irregulares faz com que os
assentamentos se produzam de modo incompatível com a conservação ambiental, lançando
esgotos e lixo doméstico sem o tratamento ambientalmente adequado os quais acabam por
produzir a contaminação do solo, da água e da atmosfera (FILHO, 2006).
4. Ocupações na Bacia do Córrego Samambaia
A bacia hidrográfica do Córrego Samambaia está localizada na região norte do município de
Goiânia (Figura 2), entre as coordenadas 16º31’45,20” e 16º36’19,65” de latitude sul e
49º17’11,12” e 49º14’1,79” de longitude oeste.
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Figura 2 – Bacia do Córrego Samambaia
Fonte: Mapa produzido pelo autor (2012)
O córrego possui duas nascentes próximas à Rodovia GO-080 e a foz encontra-se junto ao
Rio Meia Ponte na área do Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (BORGES,
2009). Ele possui a extensão de aproximadamente 12 quilômetros, drenando uma área de
aproximada de 9,7 km². Encontra-se dentro do perímetro urbano e conforme dados da
Saneago o manancial é utilizado para o abastecimento público de água de menos de 1% da
população de Goiânia.
Na área de estudo o curso d’água é utilizado por atividades como: pastagem, pecuária,
despejo de efluentes clandestinos, etc.; além de ocupações irregulares em locais que deveriam
estar conservados e preservados, comprometendo a qualidade ambiental da bacia e a
segurança das famílias.
Levando em consideração a Carta de Risco, o Plano Diretor de Goiânia e os pontos de
captação de água para abastecimento, foi elaborado um mapa dos usos na Figura 3.
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Figura 3 – Usos na Bacia do Córrego Samambaia
Fonte: Mapa adaptado pelo autor (2012)
Os locais marcados na Figura 3 como "Áreas impróprias para Ocupação" correspondem aos
terrenos com alta susceptibilidade ao risco, de acordo com a Carta de Risco de Goiânia
(SEPLAM, 2008), como: encostas com alta declividade, planícies aluviais do córrego e
fundos de vale desprovidos de cobertura vegetal. Os mesmos são áreas impróprias à ocupação
e indicados à recuperação e/ou preservação.
Ainda na Figura 3, é possível detectar ocupações irregulares ao longo do córrego, ou seja, em
desacordo com a legislação ambiental, pois estão localizadas em áreas destinadas à Proteção
Permanente (APPs) e, em sua maioria, em locais com altas declividades susceptíveis ao risco.
Observa-se no município de Goiânia que a expansão da ocupação urbana, motivada pelo
baixo preço dos lotes, foi direcionada para as regiões consideradas inadequadas para
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urbanização, que compreendem áreas inundáveis e frágeis que se distribuem principalmente
na porção norte do município, onde está localizada a bacia em estudo. Para melhor análise
deste processo de expansão urbana, foi feito um mapa com os loteamentos inseridos na bacia
de acordo com dados da Seplam (2011), bem como sua época de aprovação e sua situação
frente à Prefeitura Municipal (Figura 4):
Figura 4 – Loteamentos da Bacia do Córrego Samambaia
Fonte: Mapa adaptado pelo autor (2011)
Nota-se (Figura 4) que nos períodos que compreendem aos anos 2000 a 2010 aprovaram-se a
maior quantidade dos parcelamentos existentes na bacia. Pode-se considerar que esse aumento
foi após a inserção dessa região no perímetro urbano, que ocorreu posteriormente a data de
1990.
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Com relação aos loteamentos que se encontram irregulares, foi possível constatar que os
mesmos foram aprovados como “Chácaras de Recreio” no período anterior a 1990, quando o
local ainda estava em área rural. Após a inserção dessa região no perímetro urbano do
município, essas chácaras foram parceladas e desmembradas por seus proprietários sem
aprovação prévia na prefeitura municipal, e por isso encontram-se atualmente irregulares,
algumas em processo de regularização fundiária.
Existe ainda um loteamento com aprovação anterior a 1990 que, mesmo consolidado há
algumas décadas, possui características de “Chácaras de Recreio”. E um novo loteamento está
em aprovação na Prefeitura, e corresponde a extensão de um loteamento já existente.
A partir das Figuras 3 e 4 é possível identificar que os fundos de vale da área de estudo
possuem parte significativa ocupada por assentamentos e ocupações irregulares, que
contribuem para a alteração do ciclo hidrológico e do escoamento superficial, e diminuem a
infiltração no solo causando problemas incalculáveis na qualidade de vida da cidade.
Apesar de ser uma cidade relativamente “jovem”, fundada em 24 de outubro de 1933, Goiânia
já enfrenta graves problemas relacionados á antropização de seus fundos de vale devido aos
processos identificados na área de estudo, que também acontecem em outras localidades do
município. Muitas de suas áreas de preservação permanente ao longo dos rios e córregos
foram ocupadas inadequadamente e, em consequência, degradadas.
5. Conclusão
A urbanização do município de Goiânia desenvolveu-se com notável facilidade em direção
sul, locais de relevo suave ondulado e de vertentes com pequena inclinação. Com a elevada
expansão urbana nesta região e a falta de áreas para os novos loteamentos, a especulação
imobiliária, de forma regular ou não, iniciou a expansão em direção à porção norte da cidade,
nos últimos dez anos, fato que pode ser notado na área de estudo, pois a maioria dos seus
loteamentos foi aprovada ou encontra-se em regularização após os anos 2000.
Entretanto, a porção norte do município apresenta elevadas inclinações de suas vertentes e
grande fragilidade em relação ao solo, características que não vêm sendo consideradas na
aprovação de novos loteamentos nesta região.
A literatura analisada nos permite afirmar que a proteção ambiental dos mananciais urbanos
será eficiente se somarem-se outros fatores de caráter socioeconômico, tais como: interação
entre políticas e programas nacionais, regionais e municipais. Faz-se necessário, também,
ampliar os instrumentos de participação popular na elaboração e implantação das propostas,
em associação a um processo constante de avaliação e monitoramento para verificação da
eficácia das ações. A integração da gestão territorial e o gerenciamento ambiental, incluindo-
se a convergência entre planos diretores municipais, planos setoriais e as políticas de recursos
hídricos são aspectos importantes para a busca da sustentabilidade urbana.
O Poder Público deve atuar tanto com ações diretas na implantação de obras de controle de
macro e micro drenagem, quanto no estabelecimento de leis para implantação de novos
loteamentos, e fiscalização efetiva do cumprimento da legislação ambiental.
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