Post on 23-Jul-2016
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organização e curadoria Michelle Sales
imagens Fabricio Cavalcanti
projeto gráfico Juliana Frontin
ISBN 978-85-67509-08-2
Rio de Janeiro, 2015
realização editora
O21E-book Ocupa Setor 5 : projeto de curadoria experimental / organização e curadoria: Michelle Sales ; imagens Fabrício Cavalcanti. – Rio de Janeiro : K2Elles, 2015. 58 p. : il. color. ; 15 cm. Formato PDF. ISBN 978-85-67509-08-2
1. Arte moderna – Séc. XXI – Exposições 2. Desempenho (Arte) – Exposições. 3. Comunicação visual – Exposições. 4. Videoarte – Exposições. 5. Livros eletrônicos. I. Sales, Michelle II. Cavalcanti, Fabrício CDD - 709.05
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OCUPA SETOR 5 é uma proposta de curadoria, experimentação e exibição de arte contemporânea em plataformas multimídia, organizado
pelos curadores independentes Ivair Reinaldim e Michelle Sales.O projeto aconteceu no SETOR 5, espaço do artista visual Fabrício Caval-canti, localizado no 6º andar da antiga fábrica Bhering, no Santo Cristo,
entre os dias 16 e 19 de agosto.
Nessa primeira edição, foram apresentados trabalhos em processos de criação, decorrentes das experiências em sala de aula, com alunos de
artes visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ e do IUPERJ/Universidade Cândido Mendes, contando com a colaboração da artista e professora
Mayana Redin e assistência da VJ Anihaze.
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CuradoriaMichelle SalesIvair Reinaldim
FotosBruna Marcon Weber
FICHA TÉCNICA
PerformancesAlexandre Ephevinos (IUPERJ)Ani Haze (IUPERJ)Antonio Moura (IUPERJ)Felipe Reis (EBA/UFRJ)Jacqueline Ribeiro (IUPERJ)Júlia Waneck (EBA/UFRJ)Juliana Domingos (IUPERJ)Lernie Brandão (IUPERJ)Lívia Simas (IUPERJ)Monique Monsueto (IUPERJ)Morgana Eneile (IUPERJ)Renata Barletta (IUPERJ)
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OCUPA SETOR 5Michelle Sales
Ocupar, habitar, preencher. Ocupar é tomar para si, é também pertencer e
transformar. A 1a edição do Ocupa Setor 5 apresenta trabalhos em processo
realizados por artistas em formação a partir da reflexão e experimentação da
linguagem do vídeo. A dinâmica da exposição coletiva expõe o risco assumi-
do por uma proposta curatorial que invade o espaço do studio/ateliê localiza-
do na Antiga Fábrica da Behring incorporando, para além das projeções em
diferentes displays e com dinâmicas distintas de visionamento, performanc-
es ao vivo, tanto a projeção mapeada “Corpo” da VJ Anihaze, como a dança
[Caza] de Maruan Sipert. A experiência de montagem da exposição, compar-
tilhada pelos curadores com os artistas que aqui expõem torna visível um pro-
cesso de criação que só é possível porque é coletivo, dissolvendo claramente
as noções de autoria e curadoria. O som de um dos trabalhos torna-se música
incidental de toda exposição, subvertendo a lógica de “proteção” entre um
trabalho e outro na dinâmica dos espaços expositivos. O som do trabalho
“Metrô”, interfere de maneira aguda, atrapalhando os sentidos e confundin-
do a preponderância dos sons. Os trabalhos em vídeo de parte do grupo aqui
exposto trabalhou visualmente o tema “transparência”, refletindo acerca dos
materiais e das texturas próprias da linguagem videográfica, explorando o
ruído e a indefinição como elementos centrais. Outro grupo parte para a ex-
OCUPA SETOR 5
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perimentação dos elementos básicos da comunicação visual (ponto, linha,
plano) num processo criativo que nos lembra a maneira com a qual os pin-
tores do início do século XX passaram a olhar para a tela de cinema como uma
tela semelhante à tela da pintura. A performance visual “Corpo” da Vj Anihaze
foi pensada a partir da relação com o trabalho do bailarino Maruan Sipert e
surge como resposta às provocações que a montagem dessa exposição fez
surgir: ocupação, projeção, intervenção. Portanto, [Caza] trabalho incorpora-
do à exposição ao longo da discussão em torno da montagem traz questões
sobre a relação do corpo com o espaço expositivo, imaginando o corpo como
tela. [Caza] cuja inversão verbal traz também à tona a subversão do uso do
corpo, espaço a ser também incessantemente habitado, preenchido e ocupa-
do. O Ocupa Setor 5 é um projeto de exposição permanente cujas ocupações
são sempre coletivas, provocando diálogos entre trabalhos em curso, exper-
imentando para criar um ambiente de exposição ocupado por Artes Visuais
e Performáticas e é realizado em parceria com o LabPd-Arte, Laboratório de
Produção e Direção de Arte da Escola de Belas Artes da UFRJ.
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Desdobramento da Proposição n. 1 “Ocupa Setor 5” de agosto.
Proposição Ocupa Setor 5 n. 2, situação “Rua”Trabalhos performáticos e efêmeros. Ocupação transitória com trabalhos
politicos e desdobramentos sensoriais. Videoinstalação imersiva. Experimentação musical. Paisagens sonoras. Ocupação verbo-visual.
Aconteceu no âmbito do evento Fábrica Aberta e utilizou como espaço anexo ao Setor 5 o Pombal da Behring.
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CuradoriaMichelle Sales
MontagemFabrício CavalcantiRodrigo Leitão
MonitoriaFelipe Amancio
ProduçãoFabrício Cavalcanti
VJAni Haze
VideoinstalaçãoBruno PinhoDaniel SantisoEduardo TavaresFelippe CesarGabriel BilligGabriel FampaHerbert de PazJoão de AlbuquerqueJonas Paz-BenavidesMariana KhouriMarcos KuzkaPedro MetriRafael AmorimRafael de OliveiraRenata OvalleTamer ArrabalThaíssa CoqueiroValentina Ortega
FICHA TÉCNICA
PerformancesAndré SheikFernanda GomesLuana AguiarMilena TravassosRaphael CoutoVinicius Davi
Participação EspecialFilé de Peixe, com a performance Piratão
ColaboraçãoAnalu Cunha
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OCUPA SETOR 5/ 2 SITUAÇÃO RUAA questão de uma arte pública e desinstitucionalizada
Pensando a curadoria também como um gesto artístico ou como um desejo
de partilha, parafraseando o filósofo Jacques Ranciére, essa edição ou desdo-
bramento de uma proposição experimental iniciado em meados de julho de
2014 no Setor 5/Behring assume agora um caráter ainda mais fluido, mais
livre e ainda mais efêmero também.
Ao imaginar uma exposição ou uma ocupação desprovida completamente
de objetos ou de “coisas” a serem vistas, a sala ou hall central do espaço
nomeado como “Pombal” localizado na Antiga Fábrica da Behring foi ocu-
pado orgânicamente em primeiro lugar pela performance sonora do artista
visual e poeta André Sheik e o convidado Rian Batista. O duo de baixistas
realizou uma sequência de três intervenções, marcadas por certa sobriedade
sonora. Nem tanto performance, nem tanto apresentação musical. Não so-
mente música, mas também informação visual, a performance “não música”
de Sheik foi marcada por esse híbrido entre as linguagens sonora e visual,
próprias de um artista multimidiático.
Em contraposição, a performance “Jam serenata” da artista mineira Fernan-
da Gomes reveste-se de um interesse na participação direta do público para
que a obra aconteça. Ao dispor de um karaoke com falsas letras de músicas
em grande parte largamente conhecidas, Fernanda brinca com a intervenção
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do espectador na obra, que ludicamente vê projetado à sua frente imagens
de grandes vedetes do cinema, reprovando ou celebrando sua performance
musical. Já tendo realizado diferentes trabalhos pensados para o espaço
público, a trajetória da artista também é marcada pelo uso da tecnologia e
pela vontade de refletir sobre a relação homem/máquina em seus trabalhos
performáticos.
Entre uma proposição e outra, surge a ação da artista carioca Luana Aguiar
nomeada “Poema Lixo”. O público recebe pequenas sugestões em papel do
tipo “Fale uma palavra que te cause NOJO”, “Palavra para TESÃO”, gerando
inicialmente certo incômodo, um entreolhar desconfiado e então um burbu-
rinho coletivo cacofônico e incerto, mas profundamente revelador.
O Coletivo Filé de Peixe esteve presente com a performance processual
“Piratão”. Em outras edições, realizada no espaço público e não em um ambi-
ente fechado como o Pombal da Behring, a performance do coletivo parece
esgarçar os limites temporais e experimentar através de uma troca direta com
o público da rua, já que geralmente o Piratão acontece por horas a fio em lo-
cais visivelmente populosos, como centros comerciais de grandes metrópoles
latino-americanas e consiste na venda de dvds pirateados de videotrabalhos.
Na Behring, o Piratão foi montado como um espécie de mini-mercadinho,
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uma quitanda da videoarte, no qual o público interagia com os performers,
com os dvds e com imagens de videoarte projetadas num ordinário aparelho
de televisor. Performance verbo-visual, no qual o corpo dos artistas interpela
o corpo do transeunte, “1 é 2, 3 é 5”, aprofunda a discussão em torno do ex-
cesso da produção de imagens na vida contemporânea. Não há limites para
o Piratão. 1000 videoartes disponíveis. 5000 videoartes disponíveis. Quanto
há de videoarte disponível?
A Performance “Estudo para Retrato”, do artista visual Raphael Couto suge-
re, como o próprio nome indica uma preparação do corpo do artista para
suposto retrato. Em alguns minutos, o artista aplica no próprio rosto elásticos
verdes, alterando suas feições, testando novos formatos, experimentando
talvez um outro “eu” para si mesmo. O público interage mediante o descon-
forto do artista perante a autotransformação facial, `a espera de um retrato. A
ação adquire caráter cênico e conta com certa previbilidade de duração, que
sugere rigor prévio. O retrato é feito sempre ao final da performance, por fo-
tógrafo convidado por Raphael Couto.
“Ouroboro”, da artista Milena Travassos, sugere imagem do eterno retorno,
transmutação da palavra ancestral “oroboro”, serpente que engole o próprio
rabo: carta do Tarô que sugere autoconhecimento e autoanálise. De caráter
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cênico, a preparação da performance antecipa a introspecção do artista e
do público mediante o ato. Os objetos escolhidos: tecido vermelho, vidros,
lentes de aumento sugerem a criação de um mundo imaginário em sus-
pensão. A artista, corporificando este mundo, também transmuta-se, as
lentes de aumento e as posições assumidas pela artista na performance
animalizam-na as feições, aproximando-a de um estado mais humano, mas
mais animal também, talvez mais primitivo, mais instintivo, certamente
mais sensível.
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A sombra projetada no fundo de uma das paredes do Pombal (poderia ser
também de um caverna), consequência do rigor cênico da performance, torna
aparente algo de insólito, de obscuro, de transcendental. A luz projetada de
baixo para cima faz lembrar muito de uma estética expressionista dos filmes
alemães do início do século XX, todos revestidos de um mesmo trânsito
sobrenatural, debruçados sobre questões acerca da natureza e da alma hu-
manas, como “Ouroboro”.
Na antesala do Pombal, corredor central do quinta andar da Fábrica Behring
ocupamos com a videoinstalação coletiva, desenvolvido em parceria com a
artista Analu Cunha. Todos os trabalhos forma orientados de forma a desen-
volver em video o tema “RUA”. A montagem do trabalho aconteceu ao vivo e
foi desenvolvido pela Vj Anihaze em duas telas, estabelecendo um diálogo
entre os trabalhos e apropriando-se da arquitetura própria da fábrica.
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Imagem do processo de montagem com (de esquerda para direita): Anihaze,
Michelle Sales, Rafael Amorim, Thaíssa Coqueiro, Eduardo Tavares e Rafael S’tum
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Recebemos videotrabalhos de artistas em formação do Parque Lage e da
Escola de Belas Artes da UFRJ e a seleção final contou com trabalhos de:
Bruno Pinho
Daniel Santiso
Eduardo Tavares
Felippe Cesar
Gabriel Billig
Gabriel Fampa
Herbert da Paz
João de Albuquerque
Jonas Paz-Benavides
Mariana Khouri
Marcos Kuzka
Pedro Metri
Rafael Amorim
Rafael de Oliveira
Renata Ovalle
Tamer Arrabal
Thaíssa Coqueiro
Valentina Ortega
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Desejamos criar um ambiente múltiplo preenchido por diferentes ações
espaço-temporais interrelacionadas em um único campo visual, cuja inten-
sidade e fragmentação expõem a fragilidade de um projeto aberto que dese-
ja experimentar a percepção sensorial de traseuntes e artistas performáticos.
O interesse maior desse proposta experimental de curadoria é pensar um es-
paço desinstitucionalizado de arte no Rio de Janeiro em que obras, em geral,
não acabadas ou em processo são apresentadas de modo mais orgânico e
livre, sem expectativa de estabelecer trocas comerciais com o público, além
de um ambiente desprovido de intermediários e de mediadores entre o pú-
blico e os trabalhos.
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A ação consistiu num movimento de pesquisa, diálogo, aproximação e criação com os artistas André Sheik, Gustavo Torres e Thomas Jefer-
son, além da contribuição artística da Vj Anihaze, que apresentará o Mapping “Precarius” desenvolvido a propósito da exposição e do
cenógrafo Rodrigo Leitão, cuja sensibilidade foi imprescindível para a natureza deste evento.
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/FICHA TÉCNICA
CuradoriaMichelle Sales
MontagemRodrigo LeitãoGabriel Barros
ProduçãoFabrício CavalcantiNay Araujo
ArtistasAndré SheikGustavo TorresThomas Jeferson
MappingVJ Anihaze
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Precário de 3
Curadoria Michelle Sales
Trabalho experimental de curadoria desenvolvido para o Setor 5 no âmbito
do evento Fábrica Aberta/2014 com duração de 2 dias e ações performáti-
cas que acontecem apenas na noite de sábado, 13 de setembro. A ação con-
sistiu num movimento de pesquisa, diálogo, aproximação e criação com os
artistas André Sheik, Gustavo Torres e Thomas Jeferson, além da contribuição
artística da Vj Anihaze, que apresentará o Mapping “Precarius” desenvolvido
a propósito da exposição e do cenógrafo Rodrigo Leitão, cuja sensibilidade foi
imprescindível para a natureza deste evento.
A ideia para essa exposição partiu do visionamento e reflexão em torno
de imagens feitas por câmeras de celular e de videovigilância. Apesar des-
tas modalidades não terem se tornado elemento central da exposição que
agora vemos, a relação de estranhamento e cegueira causado por imagens
que menos revelam do que provocam impôs como questão a precariedade
contemporânea como fração incontornável da vida cotidiana.
Causar uma relação com o espaço habitado da exposição, provocar um
diálogo com a arquitetura e a dinâmica própria do Setor5 é exercício presente
e constante que a prática de uma curadoria que tem o festo artístico como
proposição quis sempre preservar. Intervir, criar proposições, modificar a es-
trutura do espaço e da relação das obras entre si. Pensar um exercício experi-
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mental de curadoria mais interessado em ações transitórias, performances,
obras colaborativas desenvolvidas para o espaço, e proposições sociocul-
turais. Distantes de um espaço tradicional de exposição, a geografia própria
do território agora preenchido pelas obras aqui nos impõe como tema ações
que vislumbram vestígios, fragmentos e ruínas de um espaço em permanen-
te construção e desconstrução. Nesse sentido, somos precarius, ou de pouca
duração, intermitentes e de certa fragilidade espaço-temporal.
O trabalho “Inflexão Catódica”, do artista Thomas Jeferson, explora frontal-
mente o elemento precário da imagem televisiva e não só. O objeto televisão
é exposto. Com as vísceras à mostra, ruminando para o lado de fora um es-
forço para produzir algo que se torna em vão. Não há imagem. Não há som.
Ausência completa de audiovisual. No lugar, um grafismo minimalista que
dialoga com a pintura geométrico-abstrata: linhas, pontos e cores primárias.
Este trabalho compõe o espaço com as obras em vídeo do artista André
Sheik. Numa constelação de tv, numa tela de televisão, um enredo de im-
agens que se perseguem, como um espelho. Como na “Inflexão Catódica”,
ponto em que ma curva toca sua tangente, ou em que uma imagem toca a
essência da outra.
PRECÁRIO DE 3
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O trabalho “Imagem” do artista Gustavo Torres foi também elaborado à
propósito dessa exposição, levando em conta a arquitetura do espaço e a
poética que o artista vem desenvolvendo através do uso de projeções e a
criação de paisagens sonoras. Consiste em três projeções de imagens produz-
idas no próprio local cujo resultado é a projeção do objeto exposto no espaço
em que se encontrava quando foi fotografado. Cria uma série de tensões com
o lugar, duplicando-o e expondo sobras, duplos, simulacros e fantasmas.
Fantasmas transitórios que, por ora, nos habitam.
PRECÁRIO DE 3
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“Diários da Fábrica”, dia 8 de novembro, 2014.
Exposição coletiva que consiste na exibição dos desenhos de Paula Dager e da performance visual do Coletivo Gráfico. Curadoria Michelle
Sales.
“Quem habita essa cidade?”
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/FICHA TÉCNICA
Coletivo GráficoColetivo de artistas egressos da Escola de Belas Artes da UFRJ e que atua majoritariamente com intervenção urbana através de impressões gráficas e colagem de lambe lambe. Nessa exposição, farão uma performance visual coletiva utilizando a natureza da arquitetura do Setor 5, alterando visualmente a forma e o conteúdo desse espaço. A proposta é criar um fundo infinito preenchido por desenhos da(s) fábrica(as) na(s) cidade(s), em diálogo direto com “as” Fábricas: da Paula, e a mais antiga, de chocolate.
Paula DagerArtista visual e seu trabalho envolve a criação através do desenho de uma metropolis tanto virtual quanto imaginária que tem o pixel como unidade mínima e ponto de partida para toda a série Quadriculadas. Compondo trípticos e polípticos, a forma modular que a sequência dos desenhos vai impondo cria certo ritmo visual cujo uso da cor também é determinante. Essa cidade de Paula Dager habitada entre o lúdico e o labor, entre robôs e tartarugas, cria uma espécie de mundo em suspensão ( ou seria naufrá-gio?), e dá forma à certas geografias imaginárias da Terra.
Michelle SalesProfessora da Escola de Belas Artes da UFRJ e curadora independente.
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Diários da Fábrica: Paula Dager e Coletivo Gráfico
Curadoria Michelle Sales
Seres camuflados, maquínicos, imaginários. Seres transmutados, transgêni-
cos, digitalizados. Organismos vivos em cidades esvaziadas. Espécie de
mundo futuro (ou já seria presente?) em convulsão. Cidades inabitadas e
binárias, cidades pixel, cidades devir.
No ponto de partida um quebra-cabeças, uma cidade-jogo cuja resposta
visual já concluída cumpre a função de satisfazer a angústia de fazer-se con-
hecer para o turista que ali nunca esteve. Tem início nossa viagem.
Como Marco Polo, os desenhos de Paula Dager querem cumprir a missão
de descrever cidades por onde passa. Representando-as através de uma car-
tografia improvável, desprovida de lógica assim como as cidades de Marco
Polo que padeciam de exatidão, providas de memória e afeto.
De uma cidade aproveitamos apenas “a resposta que dá a nossas pergun-
tas”. Kubai Klan, o imperador, exigia de Marco Polo rigor nos detalhes, movido
por uma compulsão de querer saber sempre mais. Assim dá-se também nos
desenhos de Paula, traços marcados pelo desejo lúdico da descrição, de dar
forma a uma paisagem, servindo de olhos `aquele que não pode ver.
O papel, a caneta, o traço, tudo marca esse percurso, essa busca. Refaz um
caderno de viagem, um diário revestido de afetividade. Diário de fábricas e
diário de cidades. Diário de fábricas quando nos revela as vísceras da cidade:
DIÁRIOS DA FÁBRICA
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engenhosidades maquínicas e orgânicas, seres híbridos presos num mundo
da produção encerrado em si mesmo. Diário de viagem quando perfaz pais-
agens, descreve cidades por onde nunca esteve ou talvez já tenha habitado.
Um olhar, enfim, desejoso e premonitório que tenta elucidar a paisagem de
muitas cidades invisíveis e imaginárias. Os desenhos de Paula aqui expostos
foram realizados entre 2013 e 2014.
Diálogo constante se dá com o trabalho do Coletivo Gráfico. O Coletivo
formado em 2010 é composto por artistas que atuam em diversas `areas:
moda, design, publicidade. Trabalha com impressão de cartazes e colagem
de lambe lambe e atua preferencialmente em espaço públicos. Saindo assim,
do habitat natural – a rua – e ocupando as nossas paredes, a intenção é dar
forma a essa cidade devir que já nos habita a mente e o coração. Cidade em
construção coletiva.
O Coletivo Gráfico realiza performance visual coletiva e aberta, ocupando
com desenhos 45 m2 ao longo da abertura dessa exposição no dia 8 de no-
vembro de 2014. A obra finalizada pode ser visitada também, no dia 9 de
novembro, ultimo dia dessa ocupação/exposição.
DIÁRIOS DA FÁBRICA