Post on 21-Aug-2018
Ocorrência de malária numa estrada recém-construída no Amazonas
Resumo
A maioria dos casos de malária ocorridos no Amazonas nestes últimos anos teve origem nas estradas BR-174 (ManausjBoa Vista) e BR-319 (ManausjPorto Velho). Este trabalho descreve o impacto da malária nos colonizadores ao longo de um trecho de 100 km na estrada BR-174 entre o rio Urubu e a reserva indígena Waimiri Atroari. Dados de casos de malária são apresentados assim como um inquérito foi realizado em 163 famílias residentes às margens da referida rodovia. São dadas algumas recomendações para diminuir os casos de malária nas futuras estradas a serem construídas na bacia Amazônica.
INTRODUÇÃO
Em 1974 um trecho novo da estrada BR 174 (Manaus/Boa Vista), do rio Urubu, até à reserva indígena Waimiri Atroari, ou seja, do km 99 ao 200, foi aberta para a colonização. Este setor da estrada tem sido uma área epidêmica de malária nos últimos 3 anos.
A BR 174 foi construída por estágios ou secções e a colonização acompanhou no mesmo sentido, desta maneira, sítios e fazendas foram surgindo com o avanço das frentes de construção. Do km O ao 40, no primeiro trecho da rodovia, a colonização teve início por volta de 1965. O trecho acima do km 40 até o 99 no rio Urubu é propriedade do governo, a qual não foi entregue à colonização. Não foi possível encontrar os dados exatos sobre a população da área estudada. O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não tinha os dados naquela época. A SUCAM tem registrado uma população de 5873 em toda a extensão da BR 174. Calculamos que existem aproximadamente 3500 a 4000 habitantes, na área da estrada. Desde 1976, aproximadamente, 50% dos casos de malária ocorridos no Estado do Amazonas foram procedentes de um
Jack Hayes • José João Ferraroni "*
trecho da referida rodovia, compreendido entre os km 100 e 200 (ver mapa em Ferraroni &
Hayes, no prelo) . Nesta área, existem cepas cie Plasmodium falciparum resistentes às cloroquinas (Ferraroni et a/, 1977) e amostras de Anopheles darlingi demostram um comportamento de resistência ao DDT (Hayes & Charlwood, 1977) . Esses fatores foram responsáveis pelo início de um estudo sobre dinâmica populacional (distribuição sazonal) do Anopheles dar/lngi (Hayes & Charlwood, 1978).
Num esforço para determinar o impacto que a malária causa nos colonizadores, um inquérito foi realizado em março de 1978, numa secção da estrada BR 174 entre os km 99 e 200. A área acima do km 200 até à reserva Indígena é área militar, a qual não foi incluída no traba lho.
A ocorrência de infecção malárica no pessoal militar não foi totalmente avaliada, sendo computados somente os dados dos pacientes hospitalizados (Ferraroni & Hayes, no prelo). A BR 174 (Manaus/ Boa Vista) foi aberta completamente para o tráfico em março de 1976.
MATERIAIS E MÉTODOS
A equipe que realizou o inquérito foi constituída por dois assistentes de campo, os quais foram treinados para aplicar os questionários nos colon izadores. Eles usaram motocicletas, como meio de transporte, para visitar as residências dos moradores nas margens da estrada. O questionário foi aplicado sempre ao chefe da família (marido ou mulher). Eram gastos um tempo médio de 15 minutos na entrevista da aplicação do questionário, o qual envolvia perguntas formuladas aos colonizadores e observações do próprio entrevistador. Os questionários realizados durante o dia eram contendas a noite por um de nós (J. H.) para
( • ) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus. c• •) - Instituto .Nacional de Pesquisas da Amazônia e Hospital de Moléstias Tropicais de Manaus - Amazonas.
Ac:rA AMAZONICA 8(3) : 397 407 1978 -397
.assegurar uma completa 'Uniformidade na coleta dos dados. As operações foram baseadas nos estudos feitos em laboratório de campo existente no km 137. Todos os números de km escritos neste traba lho são baseados na nova quilometragem, o que representa 16 km a menos que a numeração antiga.
INFORMAÇÕES SOLICITADAS E OBSERVAÇÕES
I (') - Neste item foi observado o km de localização e o tipo de casa, esta baseada na facilidade para o acesso de mosquitos, com a seguinte classificação :
O - Casas construídas de madeiras e folhas de palmeiras com ausência de uma ou duas paredes externas;
1 - Casas com quatro paredes externas mas com portas e janelas abertas permanentemente;
2 - Casas com 4 paredes externas sólidas, bem construídas, mas com espaços grandes, abertos para ventilação, geralmente entre o telhado e as paredes;
3 - Casas com 4 paredes externas, bem construídas com telas nas janelas, mas com espaços abertos onde os mosquitos poderiam ter acesso;
4 - Casas a prova de mosquitos, com paredes externas bem construídas e telas nas janelas.
11 [1) - Número de redes ou camas com mosquiteiros, a classificação foi a seguinte:
O - Ausência completa de mosquiteiros na casa;
1 - Algumas camas ou redes com mosquiteiros;
2 - Todas as camas ou redes com mosquiteiros.
111 - Nome do proprietário, caso não fosse o proprietário, era anotado o nome do morador, chefe da família e do entrevistado.
IV - Escolaridade do chefe da família; esta parte era só escrita no momento e posteriormente classificado em :
O - Analfabeto; 1 - Alfabetizado (fundamental);
( 1 ) - Dados obtídos p.or observação.
398-
2 - Primário completo; 3 - Colegial completo; 4 - Universitário.
V - Idade e sexo de cada membro da famfliél visitada.
VI - O ano de chegada à localidade. Até essa questão o entrevistador foi instruído a não mencionar a palavra malária, para não infiuenciar c:lS perguntas VIl e VIII.
VIl - Perguntava-se aos colonizadores -Como vocês adquirem malária? As respostas foram catalogadas em :
O - Não sabe; 1 - Água suja; 2 - Mosquitos; 3 - Outros.
VIII - Nesta questão perguntava-se: Como você sabe quando está acometido de malária? As respostas foram classificadas em :
O - Não sabe; 1 - Febre e frio; 2 - Vômito e diarréia; 3 - Febre, frio e cefaléia; 4 - Outros .
IX - O número de vezes que cada pessoa teve malária nos últimos seis meses, foi anotado por sexo, idade e espécie do plasmódio, anotou-se também o número de dias de trabalhos perdidos devido à infecção malárica.
X - Perguntou-se aos colonizadores o que eles fazem quando contraem malária. As respostas foram classificadas como se segue :
O - Espera pela SUCAM, para exame e tratamento;
1 - Vão para a SUCAM no km 200;
2 - Vão para o Hospital de Moléstias Tropicais em Manaus;
3 - Vão para a SUCAM em Manaus; 4 - Tratamento por seus próprios meios;
5 - Outros; 6 - Ainda não tiveram malária.
XI - Foi perguntando se a SUCAM lhes trazia algum benefício, as respostas foram catalogadas em sim e não.
XII - Perguntou-se aos colonizadores se eles tinham medicamentos em casa para
Hayes & Ferraroni
tratar malária. Caso a resposta fosse positiva eles mostravam a droga sendo classificadas em:
O - Cloroquina distribuída pela SUCAM; 1 - Medicamentos adquiridos em farmá
cias; 2 - Outros. Perguntou-se ainda se eles tinham alguma
sugestão a dar para resolver o problema da malária .
Todas as respostas foram ügrupadas por setores:
Setor I Km 99 - 124; 11 125 - 139; 111 140 - 155; IV 156 - 170; v 171 - 200;
Os dados da SUCAM foram obtidos no escritório central daquele órgão do Ministério da Saúde em Manaus . Alguns dados de campo
foram conseguido nas visitas feitas à estrada, pelo laboratório móvel (ônibus) do FUNRURAL (2
) e Hospital de Moléstias Tropicais de Manaus (fins de semana) . Este ônibus faz atendimento à população da estrada BR 174, uma vez por mês nos km 124, 133, 150 e 178, onde os casos febris são examinados hematoscopicamente para malária.
REsULTADOS E DISCUSSÃO
Cento e sessenta e três chefes de famílias colonizadoras foram entrevistados, 39% não eram proprietários dos terrenos, 40% não sabiam ler nem escrever e 50% tinham apenas terminados os dois primeiros anos do primário, ou seja, instrução fundamental , os quais poderiam ser considerados alfabetizados (tabela 1). Apenas 15 (9%) dos chefes de famílias cursaram o primário completo. Somente
TABELA 1 - Famílias residentes na BR·174 (Manausj Boa Vista): relacionando as residências, nivel de culturas, anos de chegada, proprietários e moradores
Setor I Setor 11 Setor 111 Setor IV Setor V Especificação Km Km Km Km Km Total •to
99-124 12~139 141).155 156·170 171-200
Proprietário do terreno 28 23 18 8 22 99 61 Moradores não proprietários
do terreno 11 9 18 11 15 64 39
Total de casas 39 32 36 19 37 163 100
Nivel educacional Analfabetos 13 17 23 6 7 66 40 .AIIfabetlzados 24 15 11 10 21 81 50 Primário completo 2 o 2 2 9 15 9 Colegial o o o 1 o 1 1 Universidade o o o o o o o
Total 39 32 36 19 37 163 100
Ano de chegada 1978 8 2 1 4 16 10 1977 18 14 10 7 19 68 42 1976 5 8 8 2 7 30 18 1975 7 1 9 4 5 26 16 1974 ou antes 7 8 5 2 23 14
Total 39 32 36 19 37 163 100
( 2 ) - Fundo Nacional de Assistência ao Trabalhador Rural.
Ocorrência de malária . .. -399
um entrevistado tinha cursado o grnas1o . Nenhum tinha curso univêrs1tário. A maioria dos colonizadores é oriunda do' E~tado do Amazonas: 50% vieram de Mariaus e 17°)o de áreas vizinhas a Manaus, ou sejá do Estado do Amazonas: 16% deles vieram ~de alguma. localidade da Bacia Amazônica, geralmente de Estados vizinhos ao Amazonas e 20 indivíduos ( 12% ) foram procedentes de outras localidades fora da Amazônia, dos seguintes Estados: Ceará (11), Maranhão (6). Espírito Sôotto (1 ). Goiás (1) e Minas G'erals (1). (Ver também tabela 2).
Assim que os colonizadores chegavam à área, construíam casas apenas para se protegerem da 'chuva e do sol (barraca). algumas 'vezes sem 'paredes. Posteriormente, faziam outras melhorias, construindo outros cômodos e fazendo as paredes laterais e, às vezes ~té assoalho. É comum encontrarem-se casas apenas com duas paredes laterais e áreas acima das paredes. abertas para entrada de ventilação; freqüentemente esse espaço contém mais
de um metro :· Geralmente. no segundo ano de chegada à área, o colonizador pode comprar algumas madeiras trabalhadas (tábuas) da serraria existente fio · l<m 198 e, constantemente. fazem um assoalho elevado do solo e paredes mais compactas. As casas foram classicadas. de acordo com a facilidade de entrada dos mosquitos: 39% delas apresentavam-si? com ausência de uma ou duas paredes externas (tipo O); 27% tinham janelas e portas abertas permanentementes (tipo 1) (tabela 2). trinta e três por cento poderiam ser consideradas bem construídas, mas com alguns espaços grandes para ventilação, principalmente entre o telhado e as paredes (tipo 2). Somente 3 casas das 163 poderiam ser consideradas quase protegidas de mosquitos (tipo 3). Não houve nenhuma casa que estivesse completamente à prova de mosquitos, com janelas protegidas por tela e paredes externas bem construídas (tipo 4) . Das casas visitadas. 71% não tinham mosquiteiros, 17% tinham alguns mosquiteiros, mas não· em todas
TABELA 2 - Famílias residentes na BR·174 (Manausj Boa VIsta) relacionando : Moradores por setor, localidade de origem e a utilização de mosquiteiros pelos moradores
Setor I Setor 11 Setor 111 Setor IV Setor V Tipo de' casa Km Km Km Km Km Total %
99·124 125-139 14().155 156·170 171-200 . ~
- - . o . 15 14 17 5 12 63 39%
15 5 9 5 10 44 27% 2 9 13 10 8 13 53 33% 3 o o o 2 3 2% 4 o o o o o o 0%
Total 39 32 36 19 37 163 100
Localidades de origem da família M,.~ =-:ípio de Manaus 21 18 17 8 26 90 95% Estado do Amazonas 10 4 5 3 5 27 17% Bacia Amazônica 3 8 9 2 4 26 16% Outros 5 2 5 6 2 20 12% Total 39 32 36 19 37 163 100 Presença de mosquiteiros nas residências Nenhum 38 12 26 13 27 116 71% Alguns 16 6 3 27 17% Todas .. 4 5
(1
7 20 12% o 4
Total 39 32 36 I' i•
19 37 163 100
400- Hayes & Ferraronl
TABELA 3 - Famillas residentes na BR-174 (Manausf Boa Vista) relacionando: respostas ao questionário sobre sintomas e transmissão da malária
Setor I Setor 11 E s pecificaç ã o Km Km
99·124 125-139
Conhecimentos sobre a transmissão da malária Não sabe 13 8 Agua suja 11 5 Mosquitos 13 16 Outros 2 3
Total 39 32
Conhecimentos sobre os sintomas da malária Não sabe 8 2 Febre frio 12 21 Diarréia e vômitos o o Febre frio· cefalela 18 9 Outros o
Total 39 32
as redes e camas e somente 12% das casas pesquisadas tinham mosquiteiros em todas as redes e camas (tabela 2). O preço de um mosquiteiro era em torno de 200 a 250 cruzeiros no momento da pesquisa. Os coloni zadores mostraram ter bons conhecimentos sobre os sintomas, pois 85% responderam ter febre e frio com ou sem cefaléia (tabela 3). Somente 9% responderam não ter idéia da slntomatologia . Com relação a pergunta de número sete, poderíamos pensar em ter havido certa influência, uma vez que as visitas foram feitas através de motocicletas e o técnico da SUCAM, quando percorre as residências para a pesquisa de plasmódio, nos casos febris, também u~a motocicleta. Quarenta e cinco por cento das pes-8oa~ entrevistadas responderam que o mosquito era o responsável pela transmissão, 17% responderam não saber como a malária é trcmsmitida, 28% asseguraram que a transmissão se processa através da água suja e 10% disseram outras coisas, tais como: sujeira no ar. patos na água, mau clieiro, etc .. Smith (1976'), numa situação simílar, na rodovia transamazônica, obteve 43% de respostas incriminando mosquitos como o transmissor.
Ocorrência de malária ...
Setor 111 Setor IV Setor V Km Km Km Total %
140·155 156·170 171-200
4 r 2 29 17% ... 15 6 9 46 28% 1~ 9 19 73 45%
2 7 17 10%
36 19 37 163 100%
4 o o 14 9%
6 6 8 53 33% 1 o 2 3 2%
24 13 22 86 52% o 5 7 4%
36 19 37 163 100%
MALÁRIA E O COLONIZADoR - De acordo com o Diretor do Hospital Geral de Manaus, quase todos os casos de malária no pessoal militar estavam associados à BR 174. O 6.0
BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) foi responsável pela construção e atualmente está sendo incumbido da manutenção da estrada . Existem vários acampamentos sediados na rodovia para assegurar a sua boa manutenção; dois deles no km 100 onde foi realizado este inquérito. Baseado neste fato, é obvio que a malária existe na área desde o início da construção da estrada.
No Hospital de Moléstias Tropicais de Manaus existem 1633 casos de malária diagnosticados e 802 hospitalizados nos anos de 1976 e 1977; praticamente 50% dos casos atendidos foram hospitalizados (Ferraroni & Hayes, 1978). Não devemos fazer o mesmo raciocínio, com relação aos pacientes militares dado o critério usado para a hospitalização ser um pouco diferente, assim como a exposição do indivíduo à transmissão (tabela 6) . Somente os dados dos militares foram incluídos entre todo o pessoal atendido e tratado no km 200. Não foi possível obter dados do pessoal civil
-401
que trabalhava com os militares uma vez que este tipo de população é bastante instável na área.
A ocorrência de malária nos colonizadores está representada nos gráticos 1 e 2 neles podemos verificar que praticamente o mesmo grupo etário com malária é aproximadamente a metade do total nos últimos 6 meses.
A incidência mais elevada de malária ocorre no final da estação seca quando a população de Anopheles darlingi é mais alta; :sto ocorreu no final de setembro de 1977 (Hayes & Charl-
58
56
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50
wood, no prelo). O número de mosquito decresce com o prolongar da estação chuvosa e os casos de malária acompanham a mesma curva porém, num período mais atrasado.
Habitações com casos de infecção malárica aumentam em freqüência de 51 % no setor I para 97 % na área ao redor do km 170 (tabela 5) . As residências com indivíduos apresentando mais <J~ uma infecção também aumentam de sul para norte: 26% no setor I para o máximo de 68% ro setor 111 . Existem várias explicações possíveis, mas nenhuma prova. Os
48 -Total
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40
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V) 36 o V) ~ 34 u
32
~ 30
V) 2 8 o a:: 26 w ~ 24
·::> z 22
20
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c==J Com malária
INTERVALO DE IDADES EM ANOS
GRÁFICO 1 - Malária na população feminina da BR-174 (Km 99-200), no período de setembro de 77 a fevereiro de 78
402- Hayes & Ferraroni
VJ o VJ < (.)
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VJ o 0:: w ~
·::::> z
78
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152
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c==J Com molári o
0~~~-+~-4~~~~~~~~~~-r,~-r~-+~~~--~r-~~~
INTERVALOS DE IDADES EM ANOS
GRAFICO 2 - Malária na populaçio masculina da BR·174 (Km 99·200), no perlodo de setembro de 77 a fevereiro de 78
Ocorrência de malária .. . -403
dados não existem no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que controla os direitos dos colonizadores sobre a exploração das terras desde sua chegada à área. Os mapas de borrifação da SUCAM e nossas observações demostram que deve ter existido algumas casas, nesse trecho de 100 km da estrada desde 197 4. Entretanto a quantidade de desmatamento nas margens desta rodovia diminui quando se viaja, no sentido norte com exceção das proxiddades do km 190 onde existem diversas fazendas com grandes áreas desmatadas, dado existir nas proximidades uma grande companhia (Serragro) de beneficiamento de madeira bruta.
Existem poucas famílias nos últimos 10 km (190-200). O desmatamento deve afetar de algumn maneira a população do vetor; é possível que a distância da floresta às residências e até aos locais dos criadouros seja crítica para o Anopheles darlingi. Todos os anos, os colonizadores avançam o desmatamento, isto é facilmente verificado quando se viaja pela estrada: cada vez mais à frente existem menos espaços limpos. As localidades próximas de Manaus foram selecionadas primeiro, dadas as facilidades oferecidas pela cidade. Também, quando as árvores são derrubadas das lagoas formadas pelos aterros da rodovia, as quais tem drenagem insuficientes, os sítios de ovo-
posição ficam expostos à luz solar. A sombra parece ser um fator crítico para o sucesso da larva do A. darlingi (Hayes, dados ainda não publicados) . Desta maneira, o curto tempo das atividades dos colonizadores na área (trocas ecológicas) pode reduzir a população do vetor e conseqüentemente o número de casos de infecção malárica. Quarenta e nove por cento da população deste trecho da estrada tiveram malária nos últimos 6 meses, 39% dos homens e 48% das mulheres (tabela 5). As diferenças nas taxas podem ser devidas a menor exposição do homem, como nas caçadas à noite pela floresta, as mulheres usualmente, não viajavam após o escurecer, permanecendo geralmente em casa nesse período. O Anopheles darlingi pica dentro e fora da casa (Hayes & Charlwood, no prelo).
Os dados do laboratório móvel. ônibus do FUNRURAL. (tabela 7) dão uma taxa de 29% da população infectada do mês de janeiro a outubro de 1977. Estes dados também mostram algum declrnio no número de casos nas estações chuvosas prolongadas . O ônibus faz atendimentos todos os sábados em quatro lugares diferentes. voltando então cada quatro semanas no mesmo local. Destes dados, 23 mulheres tiveram infecções repetidas, mais de um mês de intervalo entre alguns casos. Catorze mulheres tiveram 2 infecções, sete tive-
TABELA 4 - Preferência dos colonizadores, famillas residentes na BR·174 (Manausj Boa Vista) relacionando: o acontecimento de malária
Setor I Setor 11 Setor 111 Setor IV Setor V Especificação Km Km Km Km Km Total %
99-124 125-139 140-155 156-170 171-200
Espera pela SUCAM 6 3 2 13 8 Procura ao posto da SUCAM
- Km 200 5 5 12 5 27 54 33 Procura o Hospital de Molés-
tias Tropicais de Manaus 5 11 6 5 4 32 20 Procura a SUCAM em Ma-
naus (. 2 2 o 5 3
Tratam por seus próprios meios 5 5 5 3 3 21 13
Outros 3 1 1 o o 5 3
Ainda não adquiriram malária 19 3 9 33 20
TOTAL 39 32 .. 36 19 37 163 100
404- Hayes & Ferraroni
ram 3 infecções e duas tiveram 4 Infecções. Para os homens, os dados são similares: 29 homens tiveram infecções múltiplas: dezenove com 2 infecções, quatro com 3 infecções, dois com 4 infecções, três com 5 infecções e um com 7 infecções . As taxas de infectibilidades foram praticamente iguais para P. falciparum e P vivax. Freqüentemente, o ônibus só distribui derivados de sulfas para o tratamento da malária falciparum; desta maneira, recrudescência devem ser consideradas em adição aos casos de novas transmissões (tabela 5). Menos de 1% da população que participou do inquérito prefere a equipe do ônibus para o tratamento da malária (tabela 4) .
O número de dias de trabalhos perdidos é alto para a população masculina de mais de 10 anos de idade; 128 Indivíduos perderam uma média de 38 dias de trabalho por caso de Infecção. As mulheres com mais de 1 O anos de
idade perderam uma média de 42 dias (tabela 5) . Isto confere com o aumento de dias de internamento para mulheres quando comparados com homens (Ferraronl & Hayes, no prelo). Um dos fatores mais importantes na transmissão deve ser o movimento apresentado pela população: 10% do pessoal que participou do inquérito chegaram à área nos últimos 60 dias e 42% no último ano (1977), dezoito por cento chegaram em 1976, 16% em 1975 e 14% em 1974 ou antes (tabela 1) . Isto indica uma grande mudança e, muito provavelmente, um mecanismo complicado de malária naqueles prováveis suceptíveis, recém- chegados à área, onde a infecção é responsável pelo maior número de vítimas . Nos últimos 16 meses um de nós (J H . ) trabalhou neste trecho dJ estrada e observou que na área próximo ao laboratório de canpo (km 137) algumas famílias deixaram o local dados os freqüentes casos de i n~ecção malárica .
TABELA 5 - Famlllas residentes na BR-174 (Manaus/ Boa Vista) relacionando: lncldéncla da malária
Setor I Setor 11 Setor 111 Setor IV Setor V Especlflcaçlo Km Km Km Km Km Total
99-124 125·139 140·155 156-110 171-200
Casas com Mdlárla 20 29 27 18 36 130 0/o 51% 91% 75% 95% 97% 80%
Casas sem Malária 19 3 9 1 1 33
% 49% !l% 25% 5% 3% 20%
Total 39 32 36 19 37 163
Casa~ com mais de uma infecç!io 10 17 18 13 23 81 Ofo do
Total 26% 53% 50% 68% 62% 50% de S9 de 32 de 36 de 19 de 37 de 163
N9 de dias deixado de trabalhar, homem c:/ + de 10 anos de idade 574 626 1078 930 1718 4926
N9 de dias deixados de trabalhar. mulher c/ + de 1 O anos de Idade 577 306 782 526 1599 3790
Total de homens com malária 20 35 45 23 64 188
Total de homens sem matéria 90 39 53 9 38 229
N9 de mulheres com malária 15 22 37 29 40 143
Total de mulheres sem malérla 63 28 38 6 23 158 . Ocorrência de malária ... - 405
TABELA 6 - Casos de malária tratados no Hospital Geral de Manaus (Hospital Militar) durante quatro anos,
de 1974 a 1977.
- I P vlvax I % I P.Wclporoml % IT·~· I %
1974 8 18 7 11 15 14 1975 18 41 19 31 37 35 1976 14 32 22 35 36 34
1977 4 9 14 23 18 17
Total 44 100 62 100 106 100
CoNCLUSÕES
Muitos fatores parecem contribuir para a ocorrência de malária nesta área . Para o futuro desenvolvimento da bacia Amazônica, são sugeridas algumas recomendações: As construções das estradas deverão ser feitas com drenagem adequada dos aterros, fazendo o possível para não deixarem águas estagnadas, em formas de pequenas lagoas. Quando isto não for possível, cortar as árvores que ficam dentro da água, evitando deixar sombras nas lagoas. Os colonizadores deverão construir suas moradias próximas às fontes correntes e distantes das represas formadas pelos ambientes naturais.
Maiores estudos sobre o comportamento dos mosquitos vetores deverão ser incentivados e financiados . O mosquito A. darlingi evita o DDT que foi borrifado nas residências e
repousa nas vegetações das proximidades . Se removermos esta vegetação das vizinhanças das casas, e construi rmos casas de paredes externas bem protegidas, ou mesmo usando telas, poderíamos afirmar que um menor número de transmissão iria ocorrer . Medidas antimosquitos, pelo menos até o presente momento, parecem ser muito discutidas a despeito da deteti7.ação das casas cada 6 meses, pois as tdxas de malária nesta área continua indicando uma alta endemicidade. Algumas alternativas para o DDT deverão ser explora· das . Atualmente, estão sendo realizados estudos com aplicação de baixo volume residual de malathion; um programa bem coordenado deverá comprovar sua eficiência, contudo deverão ser feitos testes para avaliar a suscetibilídade nas linhas básicas para determinar resistência. Um controle integrado seria o ideal, mas não é praticável, no momento, pois poucas pesquisas estão sendo efetuadas acerca dos fatores ecológicos acima mencionados.
A falta de educação e o nível sócio-econômico baixo são fatores que predispõem o caboclo à malária. Ele freqüentemente desconhece a importância do mosquito na transmissão da malária, não podendo, às vezes, comprar um mosquiteiro e desconhecendo freqüentemente o valor de seu papel, princip3lmente naquelas estações onde a incidência de Anofelinos é maior . A presença da SUGAM distribuindo cloroquina, é um bom controle, porém, como qualquer outra droga usada sistematicamente contribuirá para o au-
TABELA 7 - Casos de malária diagnosticados pela Laboratór~o móvel (ônibus) do Hospital de Moléstias Tropicais de Manaus e FUNRURAL '• na BR·174 (Manaus/Boa Vista)
Mês de 1977 Jan . Fev . Mar. Abr. Mal. Jun . Jul . Ago.
P. vivaz 11 5 8 6 7 11 12 8 P. falciparum 25 6 11 9 8 13 6 6 Negativo 73 30 12 21 29 44 64 40
Total • • 109 41 31 36 44 68 82 54
% e/malária 33 27 61 42 .34 22 26 6
( •) - O ônibus visitava todos os fins de semono um dos seguintes locais · Km. 12<4, 133, 150 e 178. t••J - Esse tota l represento os casos febris que procuraram o 6nlbu.s poro diogn6stlco e tratamento. ( 1 ) - Fundo Noclonol de Assistência ao Trobolnador Rural.
406-
Set. Out . Total
8 76 2 8 94
29 65 408
31 82 578
16 29 29
Hayes & Ferraronl
mento de resistência à malária. De 40 famílias tendo medicamentos contra malária em suas residências, 24 tinham cloroquina distribuída pela SUCAM . Para o paciente, a dose curativa é de 4 comprimidos, no primeiro dia e 3 por dia nos dois dias seguintes . Freqüentemente, o paciente sente-se melhor no segundo dia e interrompe o tratamento, guardando o medicamento para uma próxima oportunidade, ou para seus filhos, ou ainda para pessoas de sua fa
mília e vizinhos que apresentar febre. Somente 8% das pessoas esperam pela SUCAM (tabela 4) para o tratamento. Mais da metade dos Indivíduos entrevistados procuraram tratamento em Manaus ou no posto militar no km 200. Isto significa perda de tempo e dinheiro para o caboclo que gasta uma média de 80 a 100 cruzeiros para ir até Manaus, dependendo, é claro, do setor onde ele se encontra. Se eles forem ao km 200, terão que pagar ônibus e esperar o dia seguinte para voltar . Outro fator importante é que 13% dos colonizadores tratam malária por seus próprios meios. Na época do inquérito, a primaquina era encontrada só no escritório central da SUCAM em Manaus, não se podendo adquiri-la em farmácias. Parece ser imperativo que um tratamento completo deve ser feito ou os meios de transportes deverão ser facilitados , nas áreas endêmi· cas de modo que os pacientes possam atingir o principal posto de coordenação, onde todas as drogas são viáveis. A última resposta para malária seria uma vacina humana, mas isto não é para um futuro Imediato (Speer, Ferraroni & Hayes, no prelo) . Até esse tempo, e malária continuará a ser um problema nas estradas recém-construídas na Bacia Amazônica, a não ser que medidas preventivas sejam tomadas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Dr. Heitor Vieira Dourado, Diretor do Hospital de Moléstias Tropicais de Manaus por facilitar alguns dados; ao Dr. Antonio Mala Barbosa, Diretor do Hospital Geral de Manaus por colocar os dados
Ocorrência de malária ...
do SAME à nossa disposição; ao Dr. Joel Afonso. chefe da equipe médica de campo do Hospital de Moléstias Tropicais por facilitar nosso acesso até os colonizadores em algumas viagens e por ceder-nos alguns dados dos exames hematoscópicos e à equipe da SUCAM pela colaboração prestada na realização da pesquisa.
SUMMARY
The majority of malaria cases In Amazônia for the past few years has been on the newly opened roads: BR-174 <ManausjBoa Vista} e BR-319 (Ma· nausjPorto Velho}. This research describies the impact of malaria on the colonist along a 100 km section of B&-174 North of rio Urubu. Malaria statistics for this area are presented and the results o! a survey of 163 residences. Recommendations given to lower the potential threat o! malaria for the colonists on !uture roads in Amazon basin.
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(Aceito para publicação em 20-00..78)
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