Post on 20-Jan-2019
O TRABALHO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR PEDAGOGO EM DEBATE
Autora: Vera Lúcia de Souza de Oliveira1
Orientadora: Neide de Almeida Lança Galvão Fávaro²
Resumo
Este artigo tem como objeto de estudo o trabalho do Professor-Pedagogo no contexto escolar contemporâneo. Apresenta os resultados de todo o trabalho desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, do Governo do Estado do Paraná, em suas diferentes fases, desde os estudos teóricos até o GTR e a implementação, ocorrida no Colégio Estadual Sílvio Vidal, com Pedagogos e Professores. O propósito foi identificar as causas das indefinições existentes hoje em relação ao trabalho desse profissional, bem como os desafios e perspectivas para a Pedagogia e para o Pedagogo nos dias atuais. Para isso, recuperou-se a história do Curso e as políticas públicas que o organizaram, procurando-se entender as origens dos problemas dele. A seguir, resgatou-se o debate teórico existente entre a formação do pedagogo, como especialista ou como professor, e, por fim, discutiram-se a própria Pedagogia e seu status de ciência. A averiguação realizada permitiu constatar que, na própria constituição do Curso de Pedagogia e da ciência pedagógica e nos debates entre os educadores, há discordâncias que, na prática, resultam em um profissional carente de definições sobre a sua função. A indefinição permeia todo o trabalho desse profissional, inclusive no âmbito governamental. Ocorrem, assim, equívocos em relação às funções daquele, o que não deixa de descaracterizá-las, tornando secundário o que deve ser essencial, que é o pedagógico. Diante de tal constatação, defende-se a necessidade de luta pela conquista do sentido político e pedagógico de trabalho desse profissional, bem como pelo fortalecimento de sua práxis e sua articulação com o coletivo do contexto escolar e da sociedade em geral.
Palavras-chave: Professor-Pedagogo; Trabalho do Pedagogo; Formação Acadêmica; Identidade Profissional.
1Pós-Graduada em Didática e Metodologia do Ensino (UNOPAR); Graduada em Pedagogia pela Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA); Professora Pedagoga no Colégio Estadual Sílvio Vidal E.F.M.²Doutoranda em Educação (UFSC–SC); Mestre em Educação (UEM–PR); Docente da UNESPAR, Campus de Paranavaí, Curso de Pedagogia.
1 Introdução
O objetivo deste artigo é apresentar subsídios para uma melhor
compreensão do trabalho do professor pedagogo no contexto escolar
contemporâneo. Acreditamos que esse profissional deve ter consciência da
materialidade que envolve sua profissão e, para isso, precisa estar teoricamente
bem fundamentado, só assim lhe será possível intervir, de maneira significativa, na
prática pedagógica escolar, conhecendo as suas possibilidades e limites reais. É
nessa perspectiva que acreditamos na importância de repensar a função desse
especialista, articulando-a com sua identidade histórica e com as condições atuais.
Este trabalho constitui uma das exigências do PDE – Programa de
Desenvolvimento Educacional, do Estado do Paraná - e foi elaborado por meio de
pesquisas teóricas e de uma proposta de trabalho coletivo que envolveu os
profissionais que atuam na organização escolar.
Propusemos, aos profissionais da escola, um grupo de estudo, durante a
fase de implementação, no formato de curso de extensão, no qual trabalhamos com
uma intervenção didática, discutindo a história, a formação e as funções do
professor pedagogo, bem como suas contribuições para uma nova prática
pedagógica no colégio onde atuamos. Os encontros foram realizados com a
participação de diversos profissionais, dentre eles, professores pedagogos e
professores.
Ofertamos também aos profissionais da educação do Estado do Paraná o
curso a distância GTR, com a participação efetiva de oito participantes, em que
apresentamos os trabalhos e os resultados dos estudos realizados no programa
PDE, tanto os que envolviam a etapa de elaboração do projeto quanto os resultados
da implementação na escola. Os resultados das discussões coletivas levaram a
algumas conclusões e a novas pesquisas, que seguem sintetizadas neste texto. É
evidente que as oportunidades de leitura, discussão e reflexão simbolizam apenas o
começo de uma conscientização dos profissionais envolvidos nesse processo.
A proposta girou em torno da defesa da necessidade de se conhecer as
funções do profissional Pedagogo, com toda a complexidade que isso envolve, com
o objetivo de buscar a identidade profissional e, assim, a melhoria do processo de
ensino e de aprendizagem, fortalecendo o trabalho daquele no contexto escolar. O
professor pedagogo precisa se amparar conceitual e historicamente para isso, pois,
apesar de todas as capacitações, reuniões pedagógicas, formação continuada,
dentre outras atividades, a função desse especialista em educação permanece
indefinida e por isso se descaracteriza na prática.
Ele acaba realizando tarefas relacionadas às necessidades imediatas,
comumente identificadas como atividades para “apagar incêndio”, e deixa de lado o
trabalho para o qual teve formação ou o que, pelo menos teoricamente, deveria
fazer. Sua atuação acaba voltada apenas para a resolução de problemas cotidianos
em detrimento da busca de pensar a escola e seus problemas. É por essa realidade
encontrada na escola que decidimos pesquisar o trabalho do professor pedagogo,
no sentido de avançar na construção de soluções alternativas aos problemas
presentes na atualidade.
Iniciamos com uma breve retomada dos estudos acerca do processo de
construção do Curso de Pedagogia e dos debates em torno dessa profissão, por
meio de uma análise do contexto histórico e político brasileiro. Destacamos em
seguida o debate em curso acerca da formação e do trabalho do professor
pedagogo no contexto escolar, problematizando, em sequência, a identidade desse
profissional e a área da Pedagogia, se ela é a ciência da educação ou uma das
ciências da educação. O objetivo foi analisar a atuação profissional do professor
pedagogo, sua formação, suas funções e identidade, sob o enfoque do profissional
exigido pela sociedade contemporânea.
2 Contexto Histórico e as Políticas Públicas para o Curso de Pedagogia
O Curso de Pedagogia foi instituído no Brasil por meio do Decreto-Lei nº
1190, de 04 de abril de 1939, embora o curso denominado Normalista já existisse
desde 1840. Este formava então bacharéis, denominados técnicos em educação, e
professores das disciplinas pedagógicas do Curso Normal de nível médio. Para Silva
(2006, p. 50), desde que foi instituído, o Curso de Pedagogia já apresentava o seu
principal problema: “o da identificação do profissional a ser formado como bacharel”.
Isso porque não havia um mercado de trabalho específico para esse trabalhador, o
que causava uma indefinição quanto às funções deste.
Introduzido pelo decreto-lei n. 1.190/39 simplesmente como pedagogo, sem se fazer acompanhar por alguma referência sobre sua destinação profissional não se percebia, na época, as ocupações a serem preenchidas por esse novo profissional. As condições do mercado de trabalho também não auxiliavam no equacionamento do assunto. A não ser para a ocupação dos cargos de técnicos de educação no Ministério da Educação, o diploma de bacharel em pedagogia não era uma exigência do mercado e mesmo ao licenciado em pedagogia, a situação do mercado não se encontrava claramente definida (SILVA, 2006, p. 50).
Em 20 de dezembro de 1961 foi promulgada a primeira LDB – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 4024. Foi somente em 1962,
todavia, com a introdução do Parecer nº 251, que vigorou uma regulamentação do
currículo mínimo do Curso de Pedagogia. Esse Parecer do CFE - Conselho Federal
de Educação - criou expectativas positivas na reestruturação do Curso de
Pedagogia.
Já o Parecer do CFE, nº 292, também de 1962, segundo Brzezinski (2006),
legislava sobre a formação pedagógica para a licenciatura e para o bacharelado.
Fixou-se um currículo mínimo, que consistia de sete matérias e que tinha o objetivo
de definir a especificidade do profissional (o que era opção do aluno ou da
instituição).
Ficaram instituídas, assim, as habilitações. Dentro desse contexto, o Curso
apontava para a “formação de professores para o ensino normal e de especialistas
para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção no âmbito
de escolas e sistemas escolares” (SILVA, 2006, p. 53).
Segundo Brzezinski (2006, p. 54), o relator do parecer, Conselheiro Valnir
Chagas, deparou-se com duas correntes que se posicionavam em relação aos
rumos do Curso de Pedagogia: uma que conduzia para a extinção deste, alegando a
falta de conteúdo próprio; e outra que defendia a existência do Curso,
supervalorizando seu conteúdo. A ideia da extinção provinha da acusação de que
faltava, ao Curso de Pedagogia, ter um conteúdo próprio e exclusivo que pudesse
justificar sua existência. Para a autora, o conselheiro mantém uma postura
conciliatória, parecendo dar valor às duas correntes (existência e extinção), tendo
como modelo os países mais adiantados e defendendo a tese da elevação dos
níveis de formação do professor.
Diante dessa realidade, há uma alteração no perfil do pedagogo que é
importante compreendermos, pois sinaliza uma tendência que se delineia no sentido
do bacharelado, implicando obviamente limitações:
À idéia de extinção do curso, o conselheiro trata de oferecer algum elemento para a identificação do trabalho do pedagogo, indicando o técnico em educação como o profissional a ser formado pelo bacharelado. Apresentado como um profissional ajustável a todas as tarefas não-docentes da atividade educacional essa indicação pode ser vista como reflexo de um campo de trabalho que começava a se delinear em meados dos anos 1950, a partir das experiências de renovação pedagógicas então desencadeadas. Não há dúvidas de que essa nova situação ajudava a vislumbrar as possibilidades profissionais do bacharel em pedagogia. Acentuava, porém, a dimensão técnica do trabalho do pedagogo (SILVA, 2006, p. 52).
As discussões posteriores ocorrem num momento sócio-político marcado
pela ditadura militar. É importante contextualizarmos esse período antes de
prosseguir na análise, pois ele é fundamental para entendermos as propostas que
surgiram para o Curso de Pedagogia. Conforme nos relata Meksenas (2010, p. 99),
a partir de 1930, o processo de industrialização se acentuara e o crescimento
econômico do país passava a depender muito mais da industrialização do que do
setor agrícola.
Até a década de 1950 o desenvolvimento industrial teve uma característica,
que foi produzir, para o mercado interno, bens não duráveis de consumo (bebidas,
produção têxtil, entre outros), substituindo então as importações. Posteriormente,
criaram-se as primeiras indústrias de base (aço, energia, etc.) e só depois então as
indústrias dos bens de consumo duráveis (eletrodomésticos, produção
automobilística, etc.).
Para que esta última indústria se desenvolvesse no Brasil, no lugar de se
investir na educação, para se permitir um avanço da tecnologia nacional, optou-se
pela importação de tecnologia. Essa importação foi possível mediante incentivos da
administração de Juscelino Kubitschek (1955-1960) e pela política adotada pelos
governos militares no poder pós-1964, que, administrando em nome da classe
dominante interessada no lucro imediato, abriram as portas para as multinacionais.
Estas se aproveitaram das vantagens de produção no país: os trabalhos se
reproduziam com um baixo custo e havia matérias primas em abundância.
No período de 1962 a 1964, grupos progressistas que partilhavam o poder
de João Goulart, que assumiu no lugar de Jânio Quadros, tentaram colocar
obstáculos a essa política de internacionalização, como a limitação da remessa de
lucros ao exterior, na tentativa de nacionalizar as multinacionais. Além disso, o
Presidente Goulart foi pressionado e tentou iniciar a reforma agrária. Tais medidas
levaram à organização de uma junta militar que derrubou o presidente em abril de
1964. O receio maior era de que se implantasse um regime comunista no país.
Já no poder, as Forças Armadas continuaram dando prioridade ao
desenvolvimento por meio das multinacionais. As consequências econômicas e
sociais para o país foram graves: durante o regime militar (1964 a 1984), a dívida
externa cresceu de 3 para 105 bilhões de dólares; a inflação foi de 70% a mais de
200% ao ano e os recursos destinados para a educação caíram de 12% para 4%. O
Brasil passou a exportar a maior parte de sua produção de luxo e a produção dos
artigos populares diminuiu. Chegou-se ao momento em que faltavam artigos
populares, os preços subiam, os trabalhadores deixavam de consumir, as indústrias
produziam menos, o que causou o desemprego e, com ele, o aumento da miséria,
das doenças, da violência e da criminalidade.
Para Saviani (2010, p. 364), na ditadura, a “ruptura deu-se no nível político e
não no âmbito socioeconômico. Ao contrário, a ruptura política foi necessária para
preservar a ordem socioeconômica”. Isso significa que não houve com a ditadura
uma ruptura, mas sim, a continuidade no plano socioeconômico. Houve continuidade
também no setor educacional, o que se refletiu na legislação que instituiu as
reformas de ensino, baixadas pela ditadura, não se revogando os primeiros títulos
da LDB 4.024/61. Com as reformas de ensino – reforma universitária, Lei nº
5.540/68, e reforma do ensino de 1º e 2º graus, Lei nº 5.692/71 –, foram alteradas
apenas as bases organizacionais, tendo em vista convencionar a educação no
modelo econômico do capitalismo.
O aprofundamento das relações capitalistas decorrentes da opção pelo modelo associado-dependente trouxe consigo o entendimento de que a educação jogava um papel importante no desenvolvimento e consolidação dessas relações (SAVIANI, 2010, p. 365).
Diante da baixa produtividade do sistema de ensino, identificada no reduzido
índice de atendimento à população em idade escolar e nos altos índices de evasão e
repetência, a educação era avaliada como um obstáculo que precisava ser
superado. A adoção do modelo econômico associado-dependente estreitou o vínculo
entre Brasil e Estados Unidos e, com a necessidade do processo de formação de
mão de obra para as empresas associadas, a meta de elevação de produtividade do
sistema escolar levou à adoção do sistema organizacional no setor educacional.
Difundiram-se, então, ideias relacionadas à organização racional do trabalho (taylorismo,fordismo), ao enfoque sistêmico e ao controle do comportamento (behaviorismo) que, no campo educacional, configuraram uma orientação pedagógica que podemos sintetizar na expressão ‘pedagogia tecnicista’ (SAVIANI, 2010, p. 369).
Podemos afirmar que nesse período a educação sofreu as pressões e
demandas do mundo produtivo e foi chamada a atender à necessidade de formação
de mão de obra qualificada para as indústrias em expansão. O modelo empresarial
era transposto para as escolas, com a divisão de funções, e isso atingia também o
pedagogo, pois eram definidas para ele distintas especializações e funções técnicas,
condensadas na orientação, supervisão e administração. O tecnicismo invadiu as
propostas pedagógicas e também o Curso de Pedagogia.
Ainda sobre o assunto, Brzezinski (2006) destaca que o intervalo entre os
anos de 1960 e 1964 foi marcado pela eficaz formação de técnicos, entre estes,
também os do setor educacional, o que foi muito eficiente para o setor econômico.
Nos anos de 1970 essa política foi ativada com o objetivo de adaptar o homem
comum, transformando-o em um homem qualificado, o que era requisitado pelo
capitalismo, então marcado pela divisão do trabalho, isto é, pela divisão de tarefas.
A escola passou a formar profissionais treinados e instrumentados, mediante “rações” de um saber fragmentado visando atingir cada vez mais a produtividade. Ao mesmo tempo, foi negada qualquer oportunidade de pensar, criticar ou criar. Houve, portanto, nesse momento, uma supervalorização dos cursos que formavam apenas técnicos (BRZEZINSKI, 2006, p. 59).
No processo de ensino, também se observou o modelo tecnicista, que fez
com que as tarefas profissionais próprias da escola passassem a acontecer de
maneira fragmentada, como nas fábricas (divisão de trabalho). Para Brzezinski
(2006, p. 78), à “medida que a tendência tecnicista se infiltrava nos currículos, o
curso de pedagogia e os demais cursos que formavam professores foram marcados
pela prática de atrofiar os conteúdos e hipertrofiar técnicas”.
Silva (2006) destaca que, em 1969, diante das expectativas oriundas da
adaptação da educação em função das necessidades do mercado de trabalho, foi
homologado o Parecer CFE nº 252, também de autoria de Valnir Chagas. Ao aplicar
os dispositivos da Lei nº 5.540/68 (reforma universitária), o Curso de Pedagogia
procurava dar respostas aos problemas enfrentados, aparentemente resolvendo a
questão da identidade do pedagogo. Aquele preconizava a formação de professores
para o ensino normal e de especialistas para as áreas de orientação, supervisão,
administração e inspeção no sistema escolar. Isso foi o resultado do Parecer nº
252/69, que instituiu as habilitações técnicas no Curso de Pedagogia.
Para Libâneo (2009), efetivou-se aí um avanço na identidade do Curso, pois
se fixaram com clareza os estudos teóricos ao se imprimir mudanças na composição
curricular e instituir as habilitações na formação do pedagogo. No entanto, ficou mal
resolvida a questão das licenciaturas, persistindo a dualidade do Curso, formando o
pedagogo não docente e o professor dos cursos de magistério e das séries iniciais
do 1º grau. Assim, mesmo com o mercado definido, o pedagogo continuou a
enfrentar problemas em sua colocação profissional, pois sua identidade não estava
ainda muito clara nesse parecer de 1969.
Silva (2006) também apontou problemas decorrentes do Parecer nº 252/69,
que reformulou o Curso de Pedagogia, pois os profissionais foram então formados
em habilitações distintas, regulamentando-as, o que acabou por determinar a
necessidade de vários pedagogos em cada escola. As escolas, no entanto,
encontraram dificuldades para contar ao mesmo tempo com todos os especialistas
nas áreas básicas, ficando algumas descontentes. Isso fragmentou o currículo de
Pedagogia de várias maneiras, comprometendo os especialistas em educação a
realizar, de um lado, a base de qualquer modalidade de formação pedagógica e, de
outro, as habilitações específicas.
Ocorreram ainda, de forma fragmentada, os estudos sobre administração,
supervisão, orientação e inspeção educacional, que eram previstos em habilitações
distintas, como se cada uma dispusesse de conhecimentos exclusivos e próprios
(divisão de tarefas).
Para alguns autores, o objetivo dessa fragmentação em várias habilitações
era reproduzir as relações sociais mantidas pela sociedade capitalista, pois, com a
divisão de tarefas decorrente dessas legislações, o pedagogo não obtinha uma
formação adequada para exercer suas funções. O profissional pedagogo ficava sem
entender profundamente a questão educacional mais ampla e tinha dificuldades para
enfrentar seus problemas.
Isso tudo significa que, para a formação do pedagogo, único profissional considerado educador e, ao mesmo tempo, identificado como especialista em educação pelos nossos legisladores, não se garantiu a possibilidade de que ele compreenda a educação brasileira (SILVA, 2006, p. 43).
A instituição dessas habilitações pode ser considerada o fator que mais
mudança imprimiu ao Curso de Pedagogia, por não diferenciar a formação do
professor da do especialista. O Curso de Pedagogia é uma licenciatura e o
pedagogo é considerado educador pelos legisladores, mas, com as habilitações, se
introduz a divisão do trabalho pedagógico na escola. É oportuno lembrarmos o
quanto as relações socioeconômicas interferem nas questões educacionais e,
portanto, também na função do pedagogo, para não cairmos no risco de
acreditarmos na possibilidade de avançar na definição desse profissional
independentemente do processo histórico real que está em curso.
As sociedades contemporâneas impregnaram-se de crenças ingênuas na educação, investindo na escola como lugar (utópico) de mudança social. Mas as desmistificações sociológicas dos anos 60 revelaram que o universo educativo é mais totalizado do que totalizador. Quase tudo o que existe na escola já antes existia na sociedade (NÓVOA, 2001, p. 81).
A indefinição na formação do pedagogo refletia, portanto, as indefinições em
sua própria identidade social, com consequências no mercado de trabalho e nas
escolas. No final dos anos de 1970, com a crise do regime militar e com o início do
processo de democratização, surgiu o movimento de redefinição dos cursos de
Pedagogia. Questionou-se, então, a identidade do Curso e do profissional
pedagogo, contrapondo-se à concepção tecnoburocrática, que não incluía a
participação dos educadores na definição das políticas educacionais.
Essa situação era produto da Lei nº 5.692/71 (Reforma do Ensino de
Primeiro e Segundo Graus, equivalentes hoje ao ensino fundamental e médio),
instituída no auge do regime militar. Em seu Capítulo V, no Art. 29, preconizava que
a formação de professores e especialistas para o ensino de 1º e 2 º graus seria feita
em níveis que se elevariam progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais
de cada região do País, e com orientação que atendesse aos objetivos específicos
de cada grau, às características das disciplinas, às áreas de estudo ou atividades e
às fases de desenvolvimento dos educandos. Já em seu Art. 33 determinava que a
formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores, supervisores e
demais especialistas de educação fosse feita em curso superior de graduação, com
duração plena ou curta, ou de pós-graduação.
Essa alteração na Lei foi publicada em 11 de agosto de 1971 e baseava-se
nos mesmos argumentos de 1962, que buscavam mostrar a importância das
experiências feitas em países desenvolvidos, mas, na época, incompatíveis com a
realidade brasileira.
É bom frisarmos que Brzezinski (2006, p. 55) cita novamente o Conselheiro
Chagas, que propõe, por meio das indicações de 1975/1976, a extinção do Curso de
Pedagogia e, consequentemente, da profissão de pedagogo. Foi esse contexto,
segundo a autora, que levou os educadores a se mobilizarem, pois interpretavam
que as mudanças constituíam mais uma vez uma ameaça. A extinção do Curso de
Pedagogia encontrava justificativa na tendência brasileira de centrá-lo na vertente
profissionalizante, como campo prático, que mantém pouca relação com estudos
epistemológicos.
Essa razão assenta-se na quase inexistência, até essa época, de estudos
teóricos que tratassem a Pedagogia como ciência unitária. Essa carência era
“cúmplice da nebulosidade que caracteriza os cursos de formação dos pedagogos,
como maneira de camuflar as contradições e conflitos que a ela se subjazem”
(LINHARES apud BRZEZINSKI, 2006, p. 82).
É significativa a avaliação de Brzezinski (2006, p. 183) de que “o Movimento
Nacional não conseguia superar a questão tão polêmica e com posições acirradas e
divergentes a respeito da identidade da pedagogia, que fora apenas tangenciada
pelas discussões nos encontros nacionais”. Esse período de discussões foi marcado
pelo término da ditadura militar, que proporcionou o aumento da participação coletiva
dos diferentes setores sociais. Com isso, a situação do país mudou.
No final dos anos 70, os educadores progressistas conquistam cada vez mais espaço no cenário nacional. A abertura política do final do regime militar possibilita maior movimentação da oposição, sendo abertas várias frentes de resistência, inclusive no campo da educação. As indicações de Valnir Chagas mencionadas anteriormente não se oficializam, mas mobilizam os educadores interessados na discussão da formação dos profissionais da educação, exigindo amplo debate das reformas (ALVES apud LIBÂNEO, 2009, p. 129).
A partir dos anos de 1980, o movimento, considerado de caráter político,
científico e acadêmico, originário do movimento dos educadores na década de 1970,
recebeu diferentes denominações até firmar-se como Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). Na atualidade ela é
considerada uma associação de referência no cenário nacional quando se trata de
debates e propostas para a formação dos profissionais da educação.
Esse movimento manteve a mesma concepção que constava nos
documentos produzidos no Parecer nº 252/69, não diferenciando a formação do
professor e do especialista, ou seja, todo profissional formado no Curso de
Pedagogia tem a docência como base de sua identidade profissional. Assim, a
docência é entendida como a base comum de todo educador. A justificativa para não
diferenciar o professor do especialista é que, se isso ocorrer, vai se introduzir na
escola a divisão do trabalho, levando-se à divisão do trabalho pedagógico.
O movimento, inicialmente sustentado pela Associação Nacional de
Educação (ANDE), buscava a valorização da educação pública, isto é, saídas para a
crise da escola brasileira a partir de críticas em relação ao capitalismo. Ficou
determinado então que todo profissional formado no Curso de Pedagogia tem a
docência como base de sua identidade profissional, ou seja, a docência é prioritária
e a base da identidade da formação do pedagogo. Quanto às habilitações
fundamentais do Curso de Pedagogia, não houve pronunciamento. Essa
configuração do Curso traz consequências para a identidade desse profissional até
os dias atuais, mantendo uma indefinição quanto às funções deste.
No Brasil o que houve foi o desenvolvimento de estudos sobre a intervenção pedagógica com ênfase na educação escolar, na educação formal, na sala de aula, e generalizou-se a idéia da pedagogia como curso. A urgência do saber fazer sufocou a necessidade de conhecer o que se faz e o que avaliar nos modos de fazer. Essa forma de fazer parece ter sufocado, também, a possibilidade de tratar a pedagogia com base em sua especificidade, como é o caso das normas do padrão federal que, ao regulamentar o curso de pedagogia, seguiram a mesma linha dos bacharelados (BRZEZINSKI, 2006, p. 43).
A autora ressalta ainda que a falta de pesquisa e de aprofundamento de
estudos que comprovassem a necessidade do especialista na escola, principalmente
do supervisor escolar e do orientador educacional, desestabilizou o impulso do
Movimento Nacional de fazer críticas centradas no especialista. Da desestabilização
do grupo que era contra as especializações surgiu também um grupo que defendia o
especialista a qualquer preço. O mérito do avanço dos debates ocorreu na
convivência dos dois grupos mencionados, que lutavam pela escola pública de
qualidade para a maioria da população e para mudar a situação em que se
encontrava a escola.
Nos meados da década de 1980, as habilitações especializadas
(administração, supervisão, orientação e inspeção educacional) foram desativadas
em muitas instituições, o que prejudicou também a qualidade de oferta de disciplinas
licenciadas. Em algumas, isso ocorreu porque a questão da extinção do Curso de
Pedagogia voltou ao debate, aliada à visão funcionalista dos especialistas, acirrando
o movimento de reformulação, influenciado pelas pesquisas, debates e encontros
sobre formação de educadores.
Os educadores, mobilizados, decidiram então que a polêmica sobre as
habilitações não deveria ser o foco das discussões das reformulações do Curso de
Pedagogia e que essa questão ficaria em aberto para qualquer caminho que fosse
adotado pelas Instituições de Ensino Superior (IES), pois, na mentalidade de muitos,
a Pedagogia tem sentido de metodologia, de organização de ensino.
Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, a LDB anterior (nº
4.024/61) foi considerada obsoleta, mas apenas em 1996 o debate sobre a nova lei
foi concluído. A LDB nº 9.394 foi sancionada em 20 de dezembro de 1996 e trouxe
diversas mudanças em relação às leis anteriores. Ela incluiu novamente o Curso de
Pedagogia na pauta das discussões e, com ele, a questão da sua identidade,
envolvida em novas problemáticas. Foram muitas as polêmicas advindas dessa lei:
Um ponto polêmico na LDB se configurou no que diz respeito à formação de professores, em especial o professor do Ensino Fundamental. De modo geral, a LDB firmou que para ser professor, no Brasil, seria necessário ter formação superior. Todavia, quanto ao professor de educação infantil e das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a LDB inovou de forma inesperada: manteve a existência do curso de pedagogia, gerou a existência de um substituto da habilitação magistério, já então desaparecida e transformada na modalidade Normal em nível médio e, ao lado disso, possibilitou a criação dos institutos superiores de educação. Tais institutos, segundo a Lei, poderiam atuar de tripla forma: primeiro, poderiam oferecer o curso Normal superior; segundo, poderiam fornecer formação pedagógica para diplomados em faculdades e /ou universidades, mas que quisessem se dedicar à educação básica; terceiro, poderiam se responsabilizar por
aperfeiçoamento e/ou educação continuada para os que já são profissionais do ensino (GHIRALDELLI JR., 2009, p. 173).
A expectativa a respeito do futuro do Curso de Pedagogia passou a ser
grande, pois o mesmo se viu novamente ameaçado de extinção, já que não formaria
mais os professores dos anos iniciais do ensino fundamental e os especialistas
poderiam ser formados em pós-graduações. Enquanto as instituições aguardavam o
encaminhamento do CNE - Conselho Nacional de Educação -, o MEC sinalizou pela
manutenção do Curso por meio do Edital nº 4, de 1997, da Secretaria de Educação
Superior (SESu), propondo que aquelas encaminhassem propostas para as novas
Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, incluindo aí o de Pedagogia.
O fato é que a LDB nº 9.394/96, apesar dos avanços, também não resolveu
o assunto de modo satisfatório, trazendo, ao contrário, novos problemas. Ela dignou-
se a deixar o Título VI da Lei para os profissionais da Educação, elencando
dispositivos programáticos para valorizar esses profissionais, e reservou outros
momentos para a formação dos mesmos. Dentre eles, destaca-se o Art. 62, que se
refere à formação dos docentes em universidades ou em instituições superiores em
educação, admitidas a possibilidade do Curso Normal Médio para o exercício
docente nos anos iniciais da educação.
Também é importante o Art. 63, que se refere à formação de profissionais
para a educação básica dentro dos Institutos Superiores de Educação (IES), dos
quais fará parte o Curso Normal Superior, destinado aos docentes da educação
infantil e dos anos iniciais de escolarização. Já o Art. 64 refere-se aos profissionais
de educação, então denominados de especialistas. Sua formação será nos cursos
de Pedagogia em nível de graduação ou de pós-graduação, tendo uma base comum
nacional. Conforme o Capítulo V, Título VI, Art. 64 da LDB nº 9.394:
A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição do ensino, garantida nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996).
A partir dessa legislação, podemos ressaltar que, aparentemente, a lei
manteve os antigos problemas relacionados ao nível de formação, pois a dualidade
entre o pedagogo, como especialista nas habilitações, e o educador/docente ainda
continuava. O problema maior foi que a lei agora também deixava o local de
formação desses profissionais bastante dúbios.
Em função disso, surgiram as especulações a respeito de o Curso de
Pedagogia continuar ou não mantendo a mesma função que historicamente já lhe
vinha sendo atribuída. As questões com as quais todos se depararam foram as
seguintes: Qual seria agora a função do Curso de Pedagogia? Poderia encontrar-se
(de forma embutida) na nova LDB a extinção do Curso de Pedagogia no país?
De acordo com Silva (2006), a ANFOPE (Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação), em seu IX Encontro Nacional, realizado
em Campinas, em agosto de 1998, formulou o documento intitulado “Proposta de
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação dos Profissionais da
Educação (ANFOPE, 1998, p. 51-54)”, indicando que:
[...] o lócus privilegiado da formação dos profissionais da educação para a atuação na educação básica e superior são as universidades e suas faculdades/centros de educação, os quais devem ter suas estruturas repensadas. Consequentemente, o entendimento é o de manutenção do curso de pedagogia e demais licenciaturas, aos quais também se aplica a necessidade de revisão. A orientação vai no sentido de superar, no caso do primeiro, a fragmentação entre suas habilitações e, em se tratando de todas as licenciaturas, a dicotomia atualmente existente entre a formação dos pedagogos e demais licenciados (SILVA, 2006, p. 79).
Silva (2006) destaca que o documento orienta que as instituições organizem
suas propostas curriculares (para todos os cursos), destacando a “base comum
nacional” e a “docência” como bases da identidade profissional de todos os
profissionais da educação. A partir daí, o documento apresenta os seguintes itens:
perfil do profissional da educação, competências e áreas de atuação, eixos
norteadores da base comum nacional, princípios e componentes para organização
curricular e, por fim, duração dos cursos.
Em 6 de maio de 1999, a Comissão de Especialistas de Ensino de
Pedagogia elaborou um documento denominado “Proposta de Diretrizes
Curriculares”, uma proposta abrangente, que congregou as atuais funções do Curso,
abrindo a possibilidade de atuação do pedagogo em áreas emergentes do campo
educacional. Assim se definiu o perfil comum do pedagogo:
Profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional (BRASIL apud SILVA, 2006, p. 82).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia e Licenciatura só foram instituídas em 15 de maio de 2006, por meio da
Resolução CNE/CP nº 1. Dentre os artigos dispostos nessa resolução, destacamos:
Art. 2º- As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.Art. 4º- O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.Art. 10- As habilitações em curso de Pedagogia atualmente existentes entrarão em regime de extinção, a partir do período letivo seguinte à publicação desta Resolução.Art. 12- Concluintes do curso de Pedagogia ou Normal Superior que, no regime das normas anteriores a esta Resolução, tenham cursado uma das habilitações, a saber, Educação Infantil ou anos iniciais do Ensino Fundamental, e que pretendam complementar seus estudos na área não cursada poderão fazê-lo (BRASIL, 2006).
O resultado prático dessa resolução é que ficou extinto o Curso Normal
Superior, cuja carga horária era menor, e o Curso de Pedagogia voltou a formar
professores, mas dessa vez sem as habilitações.
O Estado do Paraná, por sua vez, adotou legislação própria sobre o assunto,
antes mesmo da homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso
de Pedagogia. Em 2004 foi elaborada a Lei Complementar nº 103, que dispunha
sobre os cargos que envolviam o trabalho do pedagogo na escola:
Art. 39. Ficam considerados em extinção, permanecendo com as mesmas nomenclaturas, os cargos de Orientador Educacional, Supervisor Educacional, Administrador Escolar na medida em que vagarem, assegurando-se tratamento igual ao que é oferecido ao Professor, inclusive o direito ao desenvolvimento na carreira, para aqueles que se encontram em exercício (PARANÁ apud SOMACAL, 2010, p. 62).
O pedagogo passava a ser considerado professor e, a partir de então, o
termo “Professor Pedagogo” (PP) era adotado pelo Estado do Paraná. Como é
possível constatar, a legislação adotada estava em consonância com as lutas das
entidades representativas dos pedagogos, expressando as discussões nacionais
que eram travadas naquele período.
Diante de todo o debate sobre o Curso de Pedagogia, que se instituiu tanto
nos órgãos representativos dos docentes quanto nos entes governamentais,
podemos constatar diversos posicionamentos. Um complicador a ser incluso nessa
questão é o debate entre os próprios educadores. Como vimos às associações de
educadores, como a ANFOPE, defendem que o Curso forme professores e
mantenha a especificidade do trabalho do pedagogo. Por outro lado, há autores que
postulam que a formação de professores devia dar-se em outro curso, como o
Normal Superior, pois o pedagogo não é professor. Isso evidencia a não
unanimidade de posicionamento nem mesmo entre os profissionais envolvidos.
Esse é o complexo contexto de criação e regulamentação do Curso de
Pedagogia no Brasil. O que fica evidente, diante do acima exposto, é a indefinição
que permeia a identidade e o trabalho desse profissional, tanto no âmbito
governamental quanto no da própria categoria profissional. Vejamos melhor as
polêmicas que envolvem a questão, do ponto de vista dos educadores envolvidos
com a questão escolar.
3 Pedagogo: Especialista ou Professor?
Como já foi antecipado, os destinos e as características do Curso de
Pedagogia não são sinônimos de concordância entre alguns educadores brasileiros
e a própria ANFOPE. O que observamos, quando se trata do referido assunto, é que
há falta de consenso entre os estudiosos.
Para a ANFOPE (2004, p.14), “a formação de professores é um desafio que
tem a ver com o futuro da educação e da própria sociedade brasileira”, por isso, a
mesma defende “uma concepção sócio-histórica de educador onde a docência seja
base de sua identidade profissional”. Esse movimento defende, assim, que o
pedagogo deva ter a docência como base da sua formação.
O nosso movimento sempre defendeu e continua defendendo que, para se tornar pedagogo, este profissional deve ter a docência como eixo de sua formação, tendo claro, porém, que a pedagogia não se esgota na formação docente. Vai além em termos de referencial e profundidade teórica (ANFOPE, 2004, p. 28).
Quando se trata da questão da docência como identidade do Curso de
Pedagogia, encontramos vários pensadores que são contrários a sua concepção
como base da identidade do referido Curso, conforme o que está hoje instituído nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia e
Licenciatura. É possível constatar essa diferença na seguinte citação:
Acreditamos que a base de um curso de Pedagogia não pode ser a docência. Como já afirmamos, todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. A docência é uma modalidade de atividade pedagógica, de modo que a formação pedagógica é o suporte, a base, da docência, não o inverso. Ou seja, a abrangência da Pedagogia é maior que a da docência. Um professor é um pedagogo, mas nem todo pedagogo precisa ser professor. Isso de modo algum leva a
secundarizar a docência, pois não estamos falando de prioridades de campos científicos ou de atividade profissional, estamos falando de uma epistemologia do conhecimento pedagógico (FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007, p. 84).
A profissão do pedagogo vem sendo objeto de polêmica entre vários
autores, como fica evidente, e isso reflete as indefinições e os impasses existentes
nesse campo de debates. Entre os autores envolvidos, destacamos Libâneo, que na
citação abaixo resume bem seu posicionamento nesse aspecto:
[...] meu entendimento de que um curso de licenciatura para formar o professor das séries iniciais de 1º grau e do curso de magistério não deveria substituir o curso de Pedagogia. Ou seja, o curso de Pedagogia deve ser distinto do de Licenciatura, ainda que o pedagogo possa ser também um licenciado, no sentido de que se pode formar um docente no pedagogo. Meu ponto de vista é de que o curso de pedagogia é o que forma o pedagogo stricto sensu, isto é, um profissional não diretamente docente que lida com fatos, estruturas, processos, contextos, situações, referentes à prática educativa em suas várias modalidades e manifestações. A caracterização do pedagogo stricto sensu torna-se necessária, uma vez que, lato sensu, todos os professores são pedagogos. Por isso mesmo, importa formalizar uma distinção entre trabalho pedagógico, implicando atuação em um amplo leque de práticas educativas, e trabalho docente, forma peculiar que o trabalho pedagógico assume na escola (LIBÂNEO, 2001, p. 109-110).
O autor deixa claro que essa concepção não visa diminuir a função do
pedagogo. Ao contrário, ele considera-a bem mais ampla do que a do professor. Isso
porque, a seu ver, “o trabalho pedagógico não se reduz ao trabalho escolar e
docente, embora todo trabalho docente seja um trabalho pedagógico”. Por isso, é
que ele defende veementemente que a “base da identidade profissional do educador
é a ação pedagógica, não a ação docente” (LIBÂNEO, 2001, p. 120).
Distinguindo o pedagogo do professor, Franco (2003) também salienta que a
atuação do pedagogo não se confunde com a atuação docente, pois, embora ambos
trabalhem com funções complementares, elas são diferentes, cada uma tem sua
especificidade.
[...] Ao pedagogo, educador por excelência, cabe a organização da escola, a reflexão sobre as ações desencadeadas, a composição dos elementos da filosofia da educação que emergem da prática, a previsão de ações didáticas, o acompanhamento do papel do professor. Este será um executor em sala de aula da organização e dos fins pretendidos (FRANCO, 2003, p. 40).
Aqui destacamos o cuidado a se tomar com a interpretação desse
posicionamento, pois o professor pode acabar sendo confundido com um mero
executor de tarefas, o que com certeza não é o que defendemos. Advogamos um
trabalho conjunto, em que o pedagogo esteja à disposição do professor tanto para
auxiliá-lo como para orientá-lo e subsidiá-lo em sua prática pedagógica e até em
estudos teóricos sobre a educação, tomando-a numa perspectiva mais ampla, ligada
a questões político-sociais que auxiliem na construção da emancipação humana.
O fato de não se separar a docência do fazer pedagógico implica muitas
vezes confusões para esse campo de atuação. Para Franco, Libâneo e Pimenta
(2007, p.75), é a “não-consideração da natureza epistemológica da Pedagogia como
campo científico da educação” que tem “produzido dificuldades para a construção e
compreensão da identidade profissional e para a formação do pedagogo”. Conforme
as palavras dos autores:
[...] reafirmamos que a docência é uma das modalidades da atividade pedagógica, o que nos leva a realçar que todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. Ou seja, acreditamos que a docência se faz pela pedagogia e não consideramos correto afirmar que a pedagogia se faça pela docência (FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007, p. 75).
O problema é encontrar um consenso nessa definição, pois há vários
posicionamentos que indicam caminhos e funções distintas. Libâneo (2009)
preconiza que o desafio atual deve ser respondido pelo pedagogo por meio de outra
formação profissional, que amplie seu campo de ação.
Impõe-se, assim, de forma crucial a reconstrução da Pedagogia e a ampliação do campo de ação profissional do pedagogo (especialista em educação) paralelamente a um expressivo esforço de organização de um sistema nacional de formação inicial e continuada de professores para o ensino fundamental e médio, tal como se tem pensado em países europeus e alguns latino-americanos. [...] Há, assim, evidências de que a Pedagogia e o curso de formação profissional que lhe corresponde não só não esgotou suas possibilidades de investigação teórica como têm pela frente grandes tarefas sociopolíticas (LIBÂNEO, 2009, p. 151-152).
Como é possível deduzir, esse complexo cenário político e profissional que
resgatamos até aqui traz implicações para a profissão do pedagogo e para suas
lutas no âmbito escolar. O conhecimento da dimensão histórica que envolve o
trabalho e a formação do pedagogo nos dá elementos para que possamos
compreender a situação atual e justificar as necessidades e os problemas que
vivenciamos nos espaços escolares atualmente. Infelizmente, ainda há indefinições
e equívocos em relação às funções do pedagogo, o que não deixa de
descaracterizá-las, tornando secundário o que deveria ser essencial, que é o
pedagógico.
No caso específico do Estado do Paraná, embora a mudança na
nomenclatura, que institui o “professor pedagogo”, pudesse sugerir que estaria
acabando a polêmica do Curso de Pedagogia, acreditamos que ainda não se
conseguiu definir uma identidade própria ao pedagogo. É preciso conquistar esse
espaço e ainda definir as lutas e funções desse profissional, pois o fato de ele estar
sobrecarregado com várias atividades imediatas e muitas vezes secundárias dentro
da escola acaba por impossibilitar o desempenho de suas reais funções.
É por isso que consideramos que há um grande desafio pela frente, que é o
de construir nossa identidade pedagógica. Já antecipamos a dificuldade e
impossibilidade de apontar aqui soluções para esses dilemas. Nos limites desse
trabalho, todavia, acreditamos ser possível trazer algumas contribuições para
auxiliar nessa construção coletiva de respostas. Para isso procuramos, a seguir,
definir melhor a própria Pedagogia e o trabalho que pertence a essa área de
atuação, por meio da análise de alguns aspectos referentes à natureza e à
especificidade do trabalho do pedagogo.
4 O Status Científico da Pedagogia e o Trabalho do Pedagogo
Ao longo dos estudos e debates, sentimos que, para compreendermos a
atuação profissional do pedagogo na educação brasileira, é necessário entendermos
as difíceis relações que permeiam a formação deste e também analisar os limites da
ação do profissional na escola. O desafio é grande e, justamente por isso, exige
ainda mais do pedagogo.
A atuação do pedagogo escolar pode ser imprescindível para a melhoria da
oferta de ensino. Para tanto, temos que ter consciência da realidade em que nos
encontramos e refletir sobre os problemas sociais e educacionais, procurando na
atuação conjunta os possíveis encaminhamentos que possam alterar o quadro atual.
É imprescindível uma análise objetiva da situação educacional, que supere o
“achismo”, que dê fundamentos teóricos para se analisar a realidade concreta.
Nesse sentido, há um grande desafio pela frente: construir a nossa
identidade profissional, na tentativa de nos situarmos quanto ao profissional que
somos e à função que devemos exercer. Isso requer consciência de que há uma
inter-relação entre a sociedade e os caminhos dados à educação e que esta deve
ser indiscutivelmente considerada para se garantir respostas viáveis.
Nosso ponto de partida reside no fato de compactuarmos com a crença de
que existe “a possibilidade de trabalho do pedagogo, na tentativa de entender seu
papel como mediador da intencionalidade educativa da escola, pela via dos
diferentes segmentos que a compõem” (TAQUES, 2010, p. 24).
Para essa autora, embora o papel do pedagogo seja fruto de muitos
questionamentos, a este profissional não cabe mais a fragmentação das relações de
trabalho (como o de orientador e supervisor). Ela questiona ainda os que agem e
defendem essa lógica tecnicista e defende que a função da equipe pedagógica
encontra-se maximizada, ou seja, ela deve interagir em todos os processos
educativos e atuar em todos os espaços para a garantia da realização de um projeto
de escola que cumpra com sua função política, pedagógica e social.
Nesse sentido, as funções são outras, mais amplas e definidas de maneira
diferente, para atender a toda a complexidade que envolve a educação e sua
organização.
O mundo contemporâneo não apenas apresenta-se como sociedade pedagógica (Beillerot, 1985), como pede ações pedagógicas mais definidas, implicando uma capacitação teórica e profissional de pedagogos e professores muito além daquela que apresenta hoje. Diferentemente de filósofos, sociólogos, historiadores da educação (que hoje, aliás, são maioria nas faculdades de educação), pedagogos e professores exercem uma atividade genuinamente prática, implicando capacidade de decisão, conhecimentos operativos e compromissos éticos. [...]. Precisamente porque a pedagogia envolve trabalho com uma realidade complexa, faz-se necessário que invista na explicitação da natureza do seu objeto, no refinamento de seus instrumentos de investigação, na incorporação dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, bem como se insira na gama de práticas e movimentos sociais de cunho intercultural e transnacional referentes à luta pela justiça, pela solidariedade, pela paz e pela vida (LIBÂNEO, 2009, p. 149).
O problema é que a função do pedagogo que se expressa na prática
concreta das escolas hoje manifesta todas as indefinições e embates que a
permeiam. Ocorre que o pedagogo acaba se desviando de suas atribuições
especificamente pedagógicas, realizando exclusivamente tarefas rotineiras, de
controle cotidiano, que secundarizam sua importância, já que estas poderiam ser
realizadas por outros profissionais.
O resultado é que permanecem no ambiente educacional as contestações
sobre a pertinência de uma ciência como a Pedagogia, pois há dúvidas sobre a
necessidade, ou não, do Curso de Pedagogia e se existe, ou não, trabalho para os
pedagogos. Estes profissionais muitas vezes ficam sem elementos para defender
sua área de atuação, o que ocasiona o enfraquecimento de suas lutas.
Libâneo (2009 p. 172) acredita que a delicada tradição teórica da ciência
pedagógica no Brasil faz com que os pedagogos não aguentem a defesa teórica de
sua área, o que diminui o seu prestígio acadêmico. Um dos problemas que atrapalha
o avanço dessa área de atuação profissional é que, “na mentalidade de muitos
educadores, a Pedagogia continua tendo o sentido de metodologia, de organização
de ensino” (LIBÂNEO, 2009, p. 134).
Para Franco (2003), a Pedagogia foi perdendo a probabilidade de se tornar
científica quando pretendeu constituir sua racionalidade e sua prática social dentro
dos limites da ciência moderna, de fundamentos positivistas, moldes estes
impróprios à sua epistemologia. Para a autora, à medida que a Pedagogia foi sendo
vista como organizadora do trabalho docente, ela foi se distanciando de sua
identidade epistemológica.
À medida que a pedagogia foi sendo vista como organizadora do fazer docente, dos manuais, dos planos articulados, feitos com uma intencionalidade não explícita, ela foi se distanciando de sua identidade epistemológica, qual seja, de ser articuladora de um projeto de sociedade. Assim ela caminha perdendo seu sentido, sua identidade, sua razão de ser, a ponto de hoje vermos, na intenção das políticas públicas, um movimento articulado de anunciar sua quase desnecessidade social (FRANCO, 2003, p. 69-70).
Franco salienta ainda que a Pedagogia, desistindo de ser ciência da
educação, foi se satisfazendo em ser apenas um instrumento de organização do
saber educativo. Dessa forma, o caminho entre a teoria e a prática pedagógica foi
ficando cada vez maior, distanciando a teoria da prática da Pedagogia. Enquanto
isso, a prática educativa foi sendo aos poucos esgotada e confundida com a visão de
diferentes profissionais, como psicólogos, fonoaudiólogos, sociólogos, etc., perdendo
sua especificidade. A Pedagogia é vista, então, por muitos autores não como “a
ciência” da educação, mas como “uma das ciências” da educação.
Saviani (2008) se debruçou sobre a questão da Pedagogia e fez vários
apontamentos para responder à pergunta: o que devemos entender por Pedagogia?
Identificou diversos estudos em que os conceitos multiplicam-se, pois há os que
definem a Pedagogia como a ciência da educação e outros que negam seu caráter
científico, considerando-a arte de educar; para uns, ela é antes técnica do que arte,
enquanto, para outros, ela é confundida com a filosofia ou a história da educação;
por fim, para alguns, é vista como uma teoria da educação. Em suas conclusões,
Saviani preconiza que há uma unidade entre as diferentes perspectivas:
No entanto, um exame mesmo que superficial das diversas e múltiplas caracterizações do termo “pedagogia” permite perceber que, para lá da diversidade, há um ponto comum: todas elas trazem uma referência explícita à educação (SAVIANI, 2008, p. 135).
Tal constatação não nos permite apontar caminhos, mas evidencia o fato de
que ainda não conseguimos uma identidade própria, pois permanece a indefinição, o
que nos deixa em aberto a problemática no Curso de Pedagogia. O que ela ressalta
é que, diante disso, não podemos nos esquecer de que o objetivo geral da ciência
pedagógica é a educação e que esta é um processo complexo, que contempla
inúmeros imprevistos, por isso a necessidade de uma intervenção competente,
consciente e responsável.
As situações de educação estão sempre sujeitas às circunstâncias imprevistas, não planejadas e, dessa forma, os imprevistos acabam redirecionando o processo muitas vezes permitindo uma reconfiguração da situação educativa. Portanto, um método científico, ao estudar a educação, precisa dar espaço de ação e de análise ao não planejado, ao imprevisto, à desordem aparente, e isso deve pressupor a ação coletiva, dialógica e emancipatória entre sujeitos da prática e o pesquisador, também sujeito da prática (FRANCO, 2003, p. 74).
A questão essencial que é preciso considerar na identificação da área de
Pedagogia é a necessária consideração de todos os elementos envolvidos na
problemática da educação. Esta não pode ser analisada sem levarmos em conta os
determinantes sociais, sua articulação com a totalidade social mais ampla da qual
faz parte. Isso implica uma formação profissional mais ampla e sólida, que dê conta
de abarcar esses elementos.
Em suma, cabe pensar o problema da educação e da formação de educadores como um processo global, uma totalidade. A articulação entre o curso de pedagogia e a pós-graduação, além de propiciar a inserção completa dos alunos nos “misteres’’(mistérios?) da pesquisa, possibilitaria a revitalização do curso de pedagogia e, ao mesmo tempo, abriria as portas para a plena consolidação como área científica. Assim, em lugar de pós-graduação em educação buscar firmar-se cientificamente ao preço de elidir tanto a terminologia como a problemática própria da pedagogia, seu papel
seria o de elevar a pedagogia à condição de ciência da e para a prática educativa (SAVIANI, 2008, p. 160-161).
O pedagogo não pode permanecer na ingenuidade de acreditar que sua
função vai ser valorizada e caracterizada com clareza da noite para o dia, por todas
as razões expostas. É por isso que uma das possibilidades de se lutar para mudar
esse quadro é que esses profissionais iniciem uma mudança teórica e elaborem um
posicionamento. Franco (2003) nos propõe uma mudança no foco dos debates,
segundo ela, temos que compreender a cientificidade da Pedagogia, para a
constituirmos como ciência da educação.
Acredito que nós pedagogos, precisamos investir com coragem na reinvenção de nossa profissão. Se nesse momento histórico não quebrarmos antigos paradigmas e não soubermos reinventar o novo, perderemos, talvez, a possibilidade de humanizar as práxis educativas e portanto perderemos, mais uma vez, a chance de dar novas perspectivas formativas e novas possibilidades de convivência solidária às gerações futuras (FRANCO, 2003, p. 18).
Precisamos retomar o sentido dessa profissão, o que requer novas
estratégias de ação que precisam ser esboçadas no cotidiano escolar e traçadas
com o coletivo, exigindo uma nova organização dos trabalhos, para que não caiam
no vazio das atividades cotidianas. Se esse quadro não se alterar, nossas lutas
redundarão em afirmações vazias e sem condições de se efetivar.
O reconhecimento e efetivação do papel do pedagogo dependem do reconhecimento da intencionalidade e especificidade do trabalho pedagógico junto a toda comunidade escolar. Portanto, o envolvimento do questionamento do dia-a-dia escolar não deve extrapolar seu tempo e espaço do fazer pedagógico, já que problemas de disciplina, acompanhamento de entrada e saída de alunos, etc, são problemas da escola e o seu coletivo deve planejar ações para enfrentamento das questões (TAQUES, 2010, p. 28).
A distinção entre o trabalho do pedagogo e o do professor também precisa
ficar clara, nesse sentido, pelos equívocos e limites para o trabalho do pedagogo
provocados por essa identificação.
[...] Parece-me que, à medida que a pedagogia se satisfaz com o fazer instrucional de sala de aula, da escola e deixa de priorizar a educação dos povos como projeto político-social - que deve ser elaborado na mediação e na negociação com todos os anseios de diversos setores sociais -, ela perde sua especificidade, perde poder de aglutinação e abre espaço para outros mecanismos de outras ciências que, sem a ótica do pedagógico, acabam por centrar os estudos da pedagogia quase que exclusivamente em processos instrucionais de sala de aula ou em processos cognitivos de apreensão da aprendizagem (FRANCO, 2003, p. 55-56).
Dessa forma, é possível perceber que há inúmeras barreiras para o avanço
de uma identidade para a área da Pedagogia, o que evidencia a necessidade de
percorrermos um árduo caminho para superação dessas complexidades. Seus
problemas estão diretamente relacionados com as próprias questões sócio-
econômicas, que limitam seus avanços e definições no sentido de promover uma
educação que atenda às necessidades tipicamente humanas.
Acredito que numa sociedade como a brasileira, marcada por imensas desigualdades sociais, culturais e políticas, a ação educativa só poderá se exercer eticamente se tiver como pressupostos a emancipação dos sujeitos, a busca de condições que, pelo menos, invencionem a superação das exclusões, pois a humanização só se fará pela transformação das condições que produzem essa realidade opressora, discriminatória.Dessa forma, minha opção é por uma ciência pedagógica que, em seu fazer social, assuma-se como instrumento político de emancipação dos homens, na direção de reorganizar condições de maior dignidade e igualdade entre os homens. Assim afirmo a pedagogia, na qualidade de ciência, há que ser formativa, de modo a poder ser emancipatória (FRANCO, 2003, p. 67).
Não estamos preconizando aqui uma mudança da sociedade pela
educação, pois assim estaríamos caindo na ingenuidade e desconhecimento das
relações sociais e históricas. Acreditamos que o importante é nos situarmos diante
das condições reais para lutarmos para mudar esse quadro de indefinições, sem
desconsiderar os determinantes sociais e econômicos, que são os responsáveis
pela crise nessa área, reflexo de amplos problemas estruturais e que impõem limites
reais para sua superação. Há inúmeras questões que ocasionam a crise da
Pedagogia e que devem ser conhecidas e consideradas.
A “crise“ da Pedagogia não pode ser explicada exclusivamente por razões epistemológicas, mudanças de paradigmas, de colapso das utopias ou, mesmo, do conceito de paradigma. Antes, é preciso atentar para a existência de políticas educacionais sólidas, de um posicionamento da nação ante a escola básica, da “economização” da sociedade com a política neoliberal, da desqualificação da escola pública, do desprestígio social da profissão de professor, da disputa de espaços profissionais e investigativos no âmbito das ciências humanas e sociais (LIBÂNEO, 2009, p. 193).
Nesse sentido, se insere a luta da ANFOPE pela regulamentação da
profissão do pedagogo, que é uma das lutas a ser encaminhada por esses
profissionais. Na concepção da ANFOPE (2004), não podemos confundir a
regulamentação da profissão com o processo de profissionalização do magistério,
que apresenta estreita relação com a busca de dignidade profissional e de melhoria
da qualidade da educação. Sem dúvida, os salários e as condições de trabalho dos
profissionais de educação estão, há muito tempo, aviltados, fruto de uma política
educacional descomprometida com os interesses da população e distante de suas
reais necessidades. A regulamentação não representará uma solução para tais
problemas, nem o esclarecimento dos aspectos históricos e epistemológicos que
envolvem o processo de construção do trabalho do pedagogo. Eles exigem outras
lutas específicas, diretamente relacionadas ao mundo do trabalho e ao
enfrentamento da lógica do capital.
Nossa avaliação, por meio desses estudos realizados e dos debates
travados com os profissionais de nossa escola, é a de que o Curso de Pedagogia
continua buscando caminhos. Ainda hoje estamos carentes de uma nova
reformulação, pois a identidade desse Curso continua questionada. Será a
superação das habilitações, tornando o pedagogo um profissional único, a solução
para a fragmentação do trabalho pedagógico no interior da escola? Como
constatamos até aqui, há divergências na condução de respostas, mas parte dessa
história está sendo construída e nós somos protagonistas, por isso a necessidade de
entender esse debate e nos posicionarmos.
Um fator que nos parece relevante nessa problemática se refere à Lei
Complementar nº 103/2004, do Estado do Paraná, que dispõe sobre as funções que
envolvem o trabalho do pedagogo na escola. Como vimos, ela mudou a condição
dessa categoria profissional, fazendo entrar em extinção o pedagogo especialista e
passando a denominação deste para ‘Professor Pedagogo’, entretanto, isso não
resolveu os impasses nem as indefinições dessa categoria. Para alguns, essa
iniciativa é considerada positiva, mas, para outros, o que se deu foi a ampliação do
trabalho do pedagogo, sem uma adequação das condições de trabalho que seriam
necessárias. Isso revela explicitamente a determinação das relações materiais sobre
a vontade e as lutas teóricas dos educadores. Uma simples mudança legal não
assegura mudanças reais na condição do pedagogo escolar.
5 Conclusão
Discutir o trabalho do pedagogo no contexto atual pressupõe o entendimento
de distintas e complexas questões que envolvem tanto o mundo do trabalho quanto
o próprio processo de constituição da formação desse profissional. Diante do que foi
aqui exposto, constatamos que o trabalho do pedagogo não está prejudicado
apenas no âmbito de sua formação e especialidade, mas na própria história de seu
campo de atuação.
Embora tenhamos nos deparado com algumas divergências entre os
autores, no estudo apresentado, vimos que a maioria entende a Pedagogia como
ciência da educação. O problema é que nem sempre há clareza quanto ao que
identifica e diferencia a Pedagogia das outras áreas de atuação na educação, como
a docência, a Psicologia, a Sociologia.
O objetivo de todo o esforço empreendido no PDE foi contribuir para elucidar
alguns aspectos dessa complexa questão. Vale salientar que todos os materiais
didáticos apresentados (projeto e produção didática) aos cursistas, durante o GTR e
o Curso de Implementação, bem como a participação desses nas atividades
propostas em cada temática objetivaram explicitar o quanto a questão extrapola os
muros escolares e está relacionada com o mundo do trabalho e as políticas
educacionais. Foi possível constatar, assim, o quanto a resposta a esse dilema não
é uma ocupação para uma ou outra instituição, para um ou outro autor, mas sim, um
grande desafio para o campo educacional.
Não há como se dar respostas imediatas, pois a definição das funções
desse profissional envolve a realidade social, constituída de contradições amplas
pela divisão de classes e forma de trabalho existente, a capitalista, que utiliza mão
de obra dos trabalhadores para a extração de mais-valia, não para a promoção da
própria humanidade. É em meio a esse complexo contexto que está inserida a
discussão do trabalho do pedagogo e de qualquer categoria profissional e isso não
pode ser esquecido sob pena de cairmos em idealismos ingênuos, que não trazem
nem benefícios e nem avanços para a discussão.
A questão que se coloca em termos prático-profissionais é que há uma
indefinição que se estende para nossa atuação e se reflete em nossas condições de
trabalho. É preciso conquistar um espaço próprio e definir nossas lutas e funções. O
fato de estarmos sobrecarregados com várias atividades imediatas, e muitas vezes
secundárias dentro da escola, dificulta a luta e acaba por impossibilitar o
desempenho de nosso trabalho pedagógico, específico do pedagogo.
Nesse sentido, retomando alguns momentos das discussões e reflexões
promovidas durante o Curso e a implementação, ressaltamos a importância de
buscarmos subsídios teóricos para compreendermos as variáveis históricas e
sociais. O desafio passa pelo entendimento das finalidades da educação e pela
identificação de caminhos possíveis para que o trabalho do professor-pedagogo
possa contribuir na melhoria das condições educacionais brasileiras.
Acreditamos que o trabalho tenha contribuído para despertar no professor-
pedagogo e professores participantes a necessidade da busca de conhecimentos e
de organização, pois, só por meio de estudos, pesquisas e aplicação de
experiências práticas se torna possível atuar de maneira mais coerente, realizando-
se uma análise mais profunda sobre as funções do professor pedagogo no contexto
escolar atual.
Nossa contribuição não traz respostas definitivas porque, como já
afirmamos, esse é um desafio histórico e do conjunto dos profissionais envolvidos na
educação, mas esperamos ter indicado algumas bases para pensarmos nessa
questão, de maneira mais abrangente e crítica. Esses problemas têm raízes mais
profundas e historicamente situadas e que não estão relacionadas apenas aos
problemas postos na atualidade. Se observarmos historicamente a constituição
desse profissional e de suas funções, veremos a frequência com que existiram
polêmicas e debates em torno de sua formação. Além disso, tanto no cotidiano da
escola quanto nos meios intelectuais, essa é ainda uma questão bastante presente,
o que demanda um maior conhecimento de todos para que possamos, de fato,
travar uma luta coerente e consistente em prol de nossa profissão.
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