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O SUS E A CRISE ATUAL DO SETOR PÚBLICO DE SAÚDE: REBATIMENTOS E
RESISTÊNCIAS NA ESFERA MUNICIPAL
Argéria Maria Serraglio Narciso1
Márcia Pastor 2
RESUMO: Apesar dos avanços decorrentes do Sistema Único de Saúde nos mais de 25 anos de sua
existência, o sistema público ainda encontra dificuldades para materializar o direito social do acesso
integral e universal à saúde. Este artigo busca realizar uma análise do contexto da crise contemporânea
da política de saúde brasileira e os rebatimentos desta nas políticas locais de saúde. Os objetivos são
realizar uma reflexão sobre os desafios impostos às políticas universais de saúde a partir de revisão
bibliográfica e relatar a experiência de inserção no espaço do movimento social. Trata-se de uma
reflexão sobre a materialização da contrarreforma do Estado e suas expressões na política de saúde da
cidade de Londrina e como o movimento civil organizado tem realizado o enfrentamento a esses
desdobramentos. A partir do relato de experiência, percebe-se que o movimento civil organizado vem
resistindo à onda de privatização no sistema público de saúde, com destaque para o Fórum Popular em
Defesa da Saúde Pública de Londrina e Região, junto com demais entidades da sociedade civil e com
o conselho municipal de saúde.
PALAVRAS-CHAVE: SUS; Privatização; Movimento Social; Serviço Social.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 incorporou várias reivindicações feitas pelo
movimento de reforma sanitária3. Com isso, a saúde passou a ser uma política pública de
direito de todos e dever do Estado, sendo um dos eixos constituintes da seguridade social,
junto com a previdência e assistência social.
O Sistema Único de Saúde – SUS, apesar de aprovado em 1988, somente em 1990
passa a ser implantado, com a promulgação da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90),
1 Assistente Social do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina e doutoranda em Serviço
Social e Política Social/UEL. E-mail argeria@sercomtel.com.br 2 Docente da Universidade Estadual de Londrina E-mail marcia.pastor64@gmail.com
3 O Movimento de Reforma Sanitária Brasileira nasceu na luta contra a ditadura na segunda metade da década de
70, articulado ao Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) reunindo profissionais, intelectuais e
lideranças políticas do setor saúde, vindos, na maioria, do Partido Comunista Brasileiro e estruturou-se nas
universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de organização de serviços. Representava um
foco de oposição ao regime militar buscando a transformação do setor saúde, pressupondo a democratização da
sociedade. Esse movimento social consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual, pela
primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da sociedade civil discutiram um novo
modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a
saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado (AROUCA, 1998; CORREIA, 2005).
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complementada pela Lei 8.142/90, as quais definem as atribuições dos governantes na
prestação e gestão dos serviços a saúde e os meios pelos quais a população pode exercer o
controle social.
O Estado, a partir do SUS, deveria garantir novos direitos, tais como a ampliação de
serviços não mercantis; porém, a partir de meados dos anos 90, este sistema foi alvo das reformas
neoliberais4 com ataque ao seu caráter e público e universal - visando o seu desmonte - através de
um processo de universalização excludente, mercantilização e privatização da saúde.
Os rebatimentos destas orientações, da chamada “reforma”5 do Estado afetou
diretamente o sistema de proteção social que poderia ser estruturado, visto que ocorreram
cortes nos recursos da previdência social, nos programas de assistência social e nos serviços
de saúde pública.
A seguridade emerge como um dos principais setores candidatos à privatização, graças a
sua enorme capacidade de produzir acumulação de capital na área financeira e na ampliação
do mercado de capitais, sobretudo o de seguros privados (SALVADOR, 2010, p. 28).
Essas reformas são decorrentes dos reflexos das mudanças do mundo econômico em
nível global e das consequentes reformas sanitárias propostas pelos agentes financeiros
internacionais, em especial, pelo Banco Mundial (BM), que vem tendo proeminência nesta
área, desde a segunda metade da década de 80 (CORREIA, 2005).
DESENVOLVIMENTO
Para compreender as razões que levaram ao retrocesso do Sistema Único de Saúde - o
chamado “SUS legal” - conquistado no final dos anos 80 e início dos anos 90, e o “SUS real”
(ataques ao seu caráter universal e público), há necessidade de inicialmente contextualizar as
4 Também chamadas de contrarreformas do Estado, iniciadas na década de 90 pelo seu caráter regressivo do
ponto de vista do direito da classe trabalhadora, trata-se de medidas exigidas ao Brasil pelos programas de
ajustes macroeconômicos sustentados pelos agentes financeiros internacionais, referindo-se ao processo de
"desestruturação do Estado e perda de direitos.” (BEHRING, 2003). 5 Na concepção do governo FHC, o então Ministro Bresser Pereira,deu início à reforma do Estado, entendida
“como um processo de criação ou de transformação de instituições, de forma a aumentar a governança e a
governabilidade”. Argumentava que a “Privatização é um processo de transformar uma empresa estatal em
empresa privada. Publicização, de transformar uma organização estatal em uma organização de direito
privado, mas pública não-estatal. Terceirização é o processo de transferir para o setor privado serviços
auxiliares ou de apoio (BRASIL, 1995, p.18).
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mudanças do mundo econômico que prejudicaram as políticas estatais dos países de
capitalismo periférico, em especial a política de saúde brasileira e a materialização da
contrarreforma do Estado e suas expressões na política de saúde da cidade de Londrina.
Para tanto, definiu-se como objetivos: realizar uma reflexão sobre os desafios
impostos às políticas universais de saúde e relatar a experiência de inserção no espaço do
movimento social.
Quanto aos procedimentos metodológicos, o caminho percorrido na construção deste
trabalho deu-se a partir de revisão bibliográfica em artigos, acesso virtual no blog da Frente
Nacional Contra a Privatização da Saúde e a observação sistemática das reuniões do Conselho
Municipal de Saúde de Londrina. Trata-se do relato de experiência da participação no
movimento social, com o engajamento no Fórum Popular em Defesa da Saúde Pública em
Londrina, propiciado uma visão mais crítica da crise contemporânea da política de saúde
brasileira e os rebatimentos desta na política municipal de saúde.
Os projetos de esvaziamento do Estado foram colocados em curso com profundas
consequências para as sociedades latino-americanas com o advento do neoliberalismo em
âmbito mundial, em boa parte do Ocidente, especialmente na América Latina, com a
desmontagem de serviços públicos e as privatizações dos serviços, decorrentes dos reflexos
das mudanças do mundo econômico e das reformas propostas pelos agentes financeiros
internacionais.
Segundo Andreazzi et al. (2011, p. 91-92), esta é uma orientação do Banco Mundial
com recomendações ao Brasil, nos anos 1990:
Constam, nesses documentos, o estabelecimento de um pacote de benefícios de saúde-
padrão e a limitação do acesso a serviços de atenção terciários, ambos, uma recomendação
constante no relatório geral do Banco 1993. E, ainda, o incentivo à concorrência na
prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares, envolvendo indistintamente os setores
públicos e privados, bem como a adoção de formas de copagamentos [...].
Enquanto se preconizava a universalização do direito, defrontava-se com um desmonte
do aparato público, com financiamento muito aquém do que foi previsto, com racionamento
na oferta progressiva e queda dos serviços, com a não abertura de concursos públicos, com
rotatividade dos profissionais e a não garantia da estabilidade no emprego, afetando
diretamente o atendimento e a organização da classe trabalhadora da área de saúde.
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A política de saúde do Brasil tem dois projetos antagônicos: “o projeto do capital, que
defende as reformas recomendadas pelo Banco Mundial, e o projeto de setores progressistas
da sociedade civil, que defendem o SUS e seus princípios, integrantes da proposta da reforma
sanitária.” (CORREIA, 2006, p. 130-131).
O projeto que defende o SUS é composto por membros dos movimentos populares,
sindicais e estudantis, articulados ao Movimento da Reforma Sanitária dos anos 80 e 90, dos
conselhos de saúde com destaque para o Conselho Nacional de Saúde. O outro projeto é do
setor privado: donos de hospitais, indústrias farmacêuticas, de equipamentos nacionais e
internacionais, com apoio de grande parte do governo que tem implementado na política de
saúde reformas limitando as funções do Estado (CORREIA, 2005).
Desde o Governo FHC (1995-2002), depois com o governo Lula (2003-2010), mesmo
com a determinação legal de universalização das políticas sociais, o que se tem visto na
prática é o contrário: uma predominância do projeto neoliberal nas ações governamentais com
a orientação política seguindo estratégias de privatização (SALVADOR, 2010).
A reforma do Estado brasileiro orientou para a contenção de gastos a partir de medidas
de “austeridade”, que consiste em promover os valores como renúncia fiscal, disciplina e
“seletividade”, ou seja, a “seleção de demandas” aumento da “eficiência e efetividade” na
utilização dos recursos destinados a saúde para conter os custos do sistema (NOGUEIRA,
2011).
Este baixo financiamento é decorrente da política econômica adotada pelos sucessivos
governos, seja da direita ou da frente popular, por não revogar a lei de responsabilidade fiscal,
que limita os gastos públicos com pagamento de servidores públicos. Outro entrave é a
manutenção da DRU (Desvinculação das Receitas da União) que retira dinheiro do orçamento
da seguridade social para o pagamento da dívida pública (BLINDER, 2013).
Ainda é precoce fazermos uma análise do governo Dilma, uma vez que está em curso;
porém, algumas medidas adotadas no governo atual têm evidenciado o fortalecimento do
privado em detrimento do público na saúde. A aprovação da Lei 12.550/2011 que criou a
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e desvincula os Hospitais
Universitários das Universidades demonstra este atrelamento.
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Esta lei compromete a formação e qualificação dos profissionais que trabalham na
saúde pública; a Empresa irá atuar na lógica de mercado, colocando em risco a independência
das pesquisas realizadas no âmbito dos Hospitais Universitários e poderá direcionar a
produção do conhecimento na área de saúde, ferindo o princípio constitucional de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa, extensão.
Os movimentos sociais em saúde no Brasil, como associações de classes, os conselhos
de saúde, especialmente o Conselho Nacional de Saúde pela expressão da maioria de seus
representantes, são contrários à implantação dessas novas modalidades institucionais. Mesmo
sendo aprovada na 14º Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 30 de novembro e 04
de dezembro de 2011, a moção contra as terceirizações e privatização no SUS o controle
social: “Rejeitar a criação da Empresa Brasileira de serviços Hospitalares (EBSERH),
impedindo a terceirização dos hospitais universitários e de ensino federais”, são constantes as
“adesões” a esta empresa.
No Estado do Paraná, o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) debateu em novembro do ano passado (2013) a “adesão” à EBSERH e a maioria do
Conselho Universitário decidiu recusar o contrato devido à grande mobilização de
trabalhadores e estudantes, para evitar a perda de autonomia e do controle administrativo do
hospital (FÓRUM POPULAR EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE LONDRINA,
2014).
Entretanto, nova articulação do Reitor da UFPR em maio (2014) para assinatura do
contrato com EBSERH- Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, utilizou meios
arbitrários e autoritários: “Contratou cerca de 150 seguranças privados para coibir a
participação dos manifestantes (funcionários públicos com longos anos de carreira,
profissionais de saúde, estudantes da área de saúde e usuários do SUS)” contrários a
EBSERH. O Movimento contrário à privatização do HC contou com a participação de
membros do Fórum Popular de Saúde de Londrina e conseguiu obter êxito através de uma
liminar judicial alegando que a reunião era ilegal porque foi marcada em cima da hora e sem
divulgar onde se realizaria (FÓRUM POPULAR EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA DE
LONDRINA, 2014).
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Também em Londrina, no dia 30 de novembro de 2013, foi realizado o I Simpósio:
Novos Modelos de Gestão e Financiamento dos Hospitais Universitários do Paraná. O
objetivo era debater as dificuldades enfrentadas na Gestão dos Hospitais Públicos
Universitários Paranaenses e apresentar à “comunidade” do HU Londrina, uma visão gestora
atual e futura de Hospitais Públicos Brasileiros. Os organizadores intencionavam ao final do
Seminário tirar uma moção de apoio à criação da Fundação. No entanto, o encaminhamento
foi outro, em razão da mobilização dos participantes do Fórum Popular em Defesa de Saúde
Pública, que durante o evento manifestaram-se contrários à criação desta fundação no HU de
Londrina, destacando os malefícios para o próprio hospital.
A UNIVERSALIDADE NO SUS
As investidas contra o caráter universal do sistema público de saúde SUS tem sido
constantes; tem-se direcionado as ações para atendimento aos mais pobres, àqueles que não
podem pagar pelos serviços no mercado, através de um modelo assistencial baseado na oferta
da atenção básica. Ao invés de desencadear um processo de universalização, ou seja, um
processo de extensão de cobertura dos serviços, de modo que venha, paulatinamente, a se
tornar acessíveis a toda a população, propõe-se a “cobertura universal na atenção básica”,
reduzindo o SUS a um nível de atenção. (TEIXEIRA, 2011).
Outra ameaça ao caráter universal do SUS, foi a recente discussão sobre “diferença de
classe” em internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ocorrida em maio/2014 na
audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), para julgamento do Recurso
Extraordinário (RE) do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul6 defensor do
pagamento adicional por parte de pacientes atendidos no SUS para ter melhores médicos e
hospitais (BRASIL, 2014).
Todavia, há que se considerar que esta “dupla porta” de acesso ao SUS promove
privilégios a alguns pacientes em detrimento de outros e ocorre o desvio de finalidade no uso
6 O CREMRS (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) ajuizou ação contra todos os
municípios gaúchos com gestão plena do SUS solicitando a “diferença de classes”. No caso do município de
Canela a ação foi julgada improcedente aos usuários do SUS, o CREMRS recorreu ao STF, que convocou a
audiência pública.
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do recurso do SUS para o atendimento privado. Assim, na modalidade proposta o acesso
ocorre pela via financeira, ferindo o princípio da universalidade.
O argumento utilizado é a defesa de quem pode pagar escolhe o médico e o hospital e
utiliza os leitos do SUS com melhores acomodações; os demais que não podem arcar com este
custo terão mais dificuldade ainda no acesso a internação hospitalar.
Para Pereira7 (2014) a existência da “dupla porta de entrada”, distorce a alocação de
recursos públicos; corre-se o risco de o acesso universal assumir o caráter [...]
“patrimonialista e clientelista em que o próprio poder público aporta mais dinheiro onde se
tem clientes privados tendo acesso privilegiado”.
A iniciativa do RE (Recurso Extraordinário) foi rechaçada pela maioria dos diferentes
segmentos presentes na audiência pública (Ministério Público Federal, o Ministro da Saúde,
Sindicatos, Conselho Nacional e os Estaduais de Saúde, o TCU e a Frente Nacional Contra a
Privatização) O processo será encaminhado para a Procuradoria Geral da República (PGR), e
posteriormente aos demais ministros do STF para análise e decisão.
Espera-se que seja considerada a inconstitucionalidade e ilegalidade desta modalidade
de acesso ao SUS, mas esta investida dos interesses privados demonstra o quanto cada dia
mais depara-se com o desafio de garantir a universalidade na política de saúde.
FINANCIAMENTO E GESTÃO
Um dos desafios apontados para os baixos investimentos em saúde refere-se à
ausência de legislação que obriga o financiamento nos três níveis de governo. Desde 2003,
tramitava na Câmara Federal o Projeto de Lei para regulamentar a Emenda Constitucional
298, o qual define o percentual de financiamento de cada instância de governo para a saúde
pública brasileira. No ano de 2012 foi aprovada a PEC 29 sem uma definição de mínimo de
7 Luceni Pereira – Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) e Representante da
Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANATC) 8 EC 29 define os percentuais de gastos em saúde nas três esferas do governo, obriga as três esferas de governo
a aplicar um percentual mínimo anual dos recursos financeiros públicos no custeio da assistência à saúde. O
Projeto inicial, previa alocar 10 % da Receita Bruta da União, 12 % para os Estados e 15 % aos municípios.
A Lei Complementar nº 141/2012 no art. 5º define que a União deve aplicar, no mínimo, o montante
correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior acrescido do percentual correspondente
à variação nominal do PIB ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual.
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gastos federais para a saúde, frustrando uma luta de anos por melhoria no financiamento da
saúde.
O que se tem constatado no atual governo, a partir das expressões orçamentárias, é a
manutenção do subfinanciamento publico para a política universal de saúde. A compreensão
do governo e de políticos sobre fonte de recursos permanentes para a saúde é bem mais
reduzida do que preconizado na constituição de 1988 (BAHIA, 2011)
Para se ter uma ideia do percentual de financiamento na saúde no Estado do Paraná,
no primeiro quadrimestre (2014) foram destinados 9,5%9, sendo que o mínimo estabelecido
em lei é de 12%. Quanto à cidade de Londrina, no ano de 2003 o município gastou 20,90 %, e
nos demais anos os percentuais também oscilaram em torno de 20%. Neste primeiro
quadrimestre (2014) foram aplicados 28% do orçamento municipal em saúde, valor bem
acima do que prevê a legislação, cujo percentual é de 15% (LONDRINA, 2014)10
.
Embora se mantenha este percentual acima do preconizado, a cidade de Londrina, a
exemplo de outras cidades do Brasil, enfrenta uma longa crise na política de saúde, refletindo na
pouca resolutividade na atenção básica, na baixa qualidade dos serviços prestados aos usuários
do sistema, na superlotação da urgência e emergência, na falta de leitos de UTI e problemas
com terceirizações e escândalos envolvendo desvios11
de recursos públicos da saúde.
Somando-se a este contexto, desde 2006 a gestão da política de saúde depara-se com
entraves burocráticos e centralidade dos processos licitatórios na Secretaria de Gestão Pública
da Prefeitura Municipal, sob os argumentos da economicidade e controle nos processos de
compras. Porém, o que de fato se percebe é que esta centralidade tem trazido uma série de
prejuízos à população devido à falta de agilidade nos processos de compras de medicações,
insumos, equipamentos, reformas na estrutura física, dentre outras.
9 Fonte SIAF- SAI 220- Relatório Resumido de Execução Orçamentária- 1 quadrimestre
10 Prestação de Contas do 1º Quadrimestre (2014) apresentada na reunião do Conselho Municipal Saúde-
18/06/2014. 11
Em maio de 2010, foi identificado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(GAECO) desvio de recursos com a Oscip Centro Integrado e Apoio Profissional (CIAP), edital fraudulento na
contratação de servidores, cujos desvios chegaram a 300 milhões em verbas federais (COSTA, 2010). Um
ano depois, maio de 2011, foi deflagrada novamente pelo GAECO a "Operação Antissepsia", prendendo 23
pessoas suspeitas de desvio de dinheiro público, através de duas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips).
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Mesmo com a existência de uma Resolução para o retorno da autonomia na
Autarquia de Saúde, nem os prefeitos anteriores e nem o atual sinalizaram para esta
mudança, optando por uma centralização do poder, o que demonstra uma gestão
conservadora, ao invés de se pensar:
[...] uma matriz de administração pública tendo com referência elementos da organização
burocrática que potencializam a intervenção administrativa numa perspectiva pautada no
atendimento das demandas e necessidades das classes dominadas [...] (SOUZA FILHO,
2011, p. 77).
O desfinanciamento da saúde tem dois componentes: falta de recursos financeiros e
mau uso ou uso incorreto dos recursos pela ineficiência administrativa e perdas vultosas em
decorrência da corrupção.
O movimento popular nacional em defesa do SUS tem tido uma atuação de resistência
frente à privatização e vem articulando várias ações na cidade com o objetivo de mostrar o
quanto é perversa esta lógica tanto para política de saúde, como para o usuário e para o
trabalhador o sistema.
O inicio da terceirização nessa cidade ocorreu em 2002, quando o então prefeito
firmou termos de parcerias com OSCIPs para a realização da prestação de serviços em
programas de saúde em Londrina. À época, o contrato, denominado Termo de Parceria, foi
firmado com uma OSCIP da cidade de Londrina para administrar o pessoal da Estratégia
Saúde da Família, especialmente os agentes comunitários de saúde. Desde então, a cada
finalização de um contrato na modalidade de OSCIPs, firmava-se um novo contrato como
justificativa de não interrupção dos serviços.
Na saúde, estas terceirizações surgiram com o argumento de que não havia recursos para
serem aplicados com servidores públicos, dentro do coeficiente da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei complementar nº 101 de 04/5/2000), que estabelece um limite de gastos públicos
com pessoal, tornando rígida a fiscalização e responsabilização dos governantes com a gestão
fiscal; caso seja descumprida, existe punição prevista no Código Penal.
Neste ano o atual governo municipal optou por ampliar as vagas de servidores, abriu
concurso para os agentes comunitários de saúde e agente de endemias, com vistas a diminuir
as terceirizações no município.
10
RESULTADOS
O movimento civil organizado em defesa do SUS na cidade de Londrina12
e o
movimento nacional13
, que lutam a favor da melhoria da qualidade da prestação de serviço
público de saúde e contra as terceirizações e privatizações tem desenvolvido ações visando à
ampliação da participação popular em defesa do SUS garantido constitucionalmente.
Desde maio de 2010, quando da criação do Fórum Popular em Defesa da Saúde
Pública de Londrina, unido a demais organizações populares e sindicais, e junto com o
Conselho Municipal de Saúde lideraram o movimento de enfrentamento da política
privatizante da saúde proposta pelo executivo e legislativo local.
Para tanto, têm-se debatido com a comunidade, universidades, conselhos de saúde e
movimentos sociais sobre os malefícios deste modelo de privatização (Fundações, OSs,
OSCIPs). No caso de Londrina foram apresentados no ano de 2011 cinco projetos de lei que
visavam a criação de OSs e Fundações14
Estatais de Direito Privado, que previam a
terceirização do patrimônio público, com utilização de servidores públicos e capacidade
instalada do Estado para servir aos interesses de alguns empresários ou aliados de alguns
partidos políticos. Como resultado deste movimento social, estes projetos foram derrubados
tanto na esfera do conselho municipal de saúde como no poder legislativo.
CONCLUSÕES
Temos nos deparado tanto no contexto nacional, estadual e municipal com manobras
parlamentares e interesses individuais de cunho privatista, descaracterizando o que
defendemos como Sistema Único de Saúde. Quem conhece o sistema de saúde nos diferentes
níveis e acompanha minimamente a gestão percebe que é feito um grande malabarismo para
administrar os poucos recursos existentes.
Entendemos que os problemas de Gestão no SUS não serão resolvidos com os
chamados “novos” modelos de gestão (OSs, OSCIPs, Fundações de direito privado, EBSHER
12
Fórum Popular em Defesa da Saúde Pública de Londrina 13
Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde 14
A Fundação Estatal (FE) insere-se na categoria de entidade pública, integrante da administração pública,
porém com permissão para uma gestão de modelo privado.
11
e outros), mas assegurando investimento, fornecendo as condições materiais necessárias para
financiamento da rede pública estatal de serviços preconizados pelo SUS. Isto envolve a
necessidade de ampliação dos serviços públicos, dos recursos humanos e a administração
direta com gestão pública estatal, com o controle social efetivo.
Inúmeros desafios são postos para efetivar as instâncias democráticas e a garantia de
direitos sociais aos usuários do SUS. Cabe-nos, como trabalhadores da saúde, incluindo os
assistentes sociais, ocupar os espaços de luta, debater junto aos usuários do SUS sobre a grave
situação de saúde, assim como os aspectos conjunturais que incidem nessa política.
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