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MESTRADOMESTRADOMESTRADOMESTRADO CONTABILIDADE E CONTROLO DE GESTÃO O reconhecimento de perdas por imparidade em O reconhecimento de perdas por imparidade em O reconhecimento de perdas por imparidade em O reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber num contexto de crise: o caso dívidas a receber num contexto de crise: o caso dívidas a receber num contexto de crise: o caso dívidas a receber num contexto de crise: o caso portuguêsportuguêsportuguêsportuguês Dulce Maria Moura Casanova MMMM 2222000011118888
O RECONHECIMENTO DE PERDAS POR IMPARIDADE EM DÍVIDAS
A RECEBER NUM CONTEXTO DE CRISE: O CASO PORTUGUÊS
Dulce Maria Moura Casanova
Dissertação
Mestrado em Contabilidade e Controlo de Gestão
Orientada por
Professor Doutor José António Cardoso Moreira
2018
i
Nota Bibliográfica
Dulce Maria Moura Casanova.
Nasceu a 8 de junho de 1992.
Frequentou a licenciatura de Economia na Faculdade de Economia do Porto, tendo-se
licenciado no ano letivo de 2012/2013 com uma média final de 13 valores.
Iniciou a sua carreira profissional em julho de 2013, exercendo funções de gestão de produto na
Sonae SR. Após esta experiência, em setembro de 2014 passou a desempenhar funções de
auditoria externa na PricewaterhouseCoopers – PwC até à presente data.
Em setembro de 2016 iniciou a componente curricular do Mestrado de Contabilidade e Controlo
de Gestão, tendo terminado com uma média de 16 valores.
ii
Agradecimentos
“A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai
da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais diretas
palavras, o sonhador é que é o homem de ação.”
Fernando Pessoa
Esta dissertação representa para mim o cumprimento de um objetivo e de um sonho culminando
em mais um importante passo na minha carreira e no meu percurso académico. Para a
concretização deste objetivo enfrentei alguns obstáculos que foram ultrapassados ao longo
caminho percorrido e, no fim, importa refletir sobre o sonho cumprido e valorizar as pessoas
que de uma maneira ou de outra contribuíram para que este se concretizasse.
Ao meu orientador, Professor Doutor José António Cardoso Moreira, pela partilha de
conhecimentos e paciência quando a vida pessoal e profissional não permitiu que este estudo
tivesse o empenho necessário da minha parte.
Aos meus pais e avós, por sempre acreditarem nas minhas capacidades de ir atrás dos meus
objetivos e me incentivarem a concretizá-los.
À minha irmã que sempre me apoiou e esteve sempre presente, nos bons e maus momentos, e
que fez com que tivesse mais empenho e força para continuar o meu estudo.
Ao Pedro, pela confiança, compreensão, motivação e força que sempre me transmitiu quando a
vontade não existia e o tempo não permitia.
Aos meus amigos e restantes familiares, por todo apoio e carinho.
A todos aqueles que acreditaram em mim, Obrigada!
iii
Resumo
O principal objetivo desta dissertação passa por avaliar a existência de incentivos à manipulação
de resultados inerentes a um contexto económico de crise, decorrente da discricionariedade e
flexibilidade normativa existente no reconhecimento de Perdas por Imparidade em Dívidas a
Receber (PIDR). O estudo pretende assim demonstrar que estes incentivos à manipulação de
resultados se materializaram no alisamento dos resultados reportados, no período de crise
económica, refletindo um menor risco da atividade económica aos principais stakeholders.
O período de crise económica e financeira foi bastante penalizador ao desenvolvimento da
economia portuguesa, quer pela conjuntura externa da economia mundial quer pela débil
sustentabilidade das finanças públicas. Com a diminuição acentuada do PIB, o aumento
significativo do nível de desemprego e a redução do nível de financiamento prestado pelas
entidades bancárias às empresas e às famílias, existiu uma rutura do crescimento do tecido
empresarial português e do consumo privado. Com isto, os principais gestores sentiram
dificuldades no crescimento das suas atividades económicas, o que se traduziu numa pressão
acrescida no sentido da sinalização positiva aos principais stakeholders do seu negócio, existindo
assim um incentivo à manipulação de resultados. Este estudo pretende testar a premissa de que
estes incentivos à manipulação de resultados existiram no período de crise, através do
reconhecimento de PIDR para o alisamento dos resultados reportados. Para isso utilizei um
modelo tipo Jones (1991) com as devidas alterações face ao contexto económico de crise em
Portugal e tendo em conta o isolamento do efeito da manipulação de resultados numa variável
económica específica – PIDR, seguindo o exemplo do estudo de McNichols e Wilson (1988).
Para elaborar este estudo isolei o sector metalomecânico e metalúrgico português que é
caracterizado pela existência significativa de PMEs onde a gestão e a propriedade são exercidas
de forma conjunta e se regista uma dependência do financiamento bancário, traduzindo-se num
possível incentivo à gestão de resultados. A evidência empírica corrobora que a crise económica
e financeira levou a uma manipulação de resultados via reconhecimento de PIDR. Também
foram realizados testes de robustez que atestam esta premissa.
Palavras-chave: Manipulação de Resultados; Perdas por imparidade em dívidas a receber; Crise
Económica e Financeira; Accruals.
iv
Abstract
The main objective of this dissertation is to evaluate the existence of incentives to manipulate
the results inherent to an economic context of crisis, due to the discretion and normative
flexibility in the recognition of Losses due to Impairment in Debts Receivable (LIDR). The study
thus aims to demonstrate that these incentives to earnings management, materialized in
smoothing the results reported in the period of economic crisis, reflecting a lower risk of
economic activity to the main stakeholders.
The period of economic and financial crisis was quite penalizing the development of the
Portuguese economy, both by the external environment of the world economy and by the weak
sustainability of public finances. With the sharp decline in GDP, a significant increase in the
level of unemployment and a reduction in the level of financing provided by banks to companies
and households, there has been a breakdown in the growth of Portuguese business and private
consumption. As a result, the main managers felt difficulties in the growth of their economic
activities, which translated into an increased pressure towards positive signaling to the main
stakeholders of their business, thus providing an incentive to earnings management. This study
intends to test the premise that these incentives to the earning management existed in the period
of crisis, through the recognition of LIDR for the smoothing of the results reported. For this
purpose I used a Jones (1991) type model with the necessary changes in the economic context
of crisis in Portugal and taking into account the isolation of the effect of the manipulation of
results on a specific economic variable - LIDR, following the example of McNichols and Wilson
(1988).
For this study I isolate the Portuguese metallurgical and metallurgical sector that is characterized
by the significant existence of SMEs where management and ownership are jointly exercised and
where there is a dependence on bank financing, which translates into a possible incentive to the
management of results. Empirical evidence corroborates that the economic and financial crisis
led to a manipulation of results through recognition of LIDR. Robustness tests have also been
carried out to prove this premise.
Keywords: Manipulation of Results; Impairment losses on receivables; Economic and Financial
Crisis; Accruals.
v
Índice Global
Nota Bibliográfica ....................................................................................................................... i
Agradecimentos .......................................................................................................................... ii
Resumo ....................................................................................................................................... iii
Abstract ...................................................................................................................................... iv
Índice Global .............................................................................................................................. v
Índice Tabelas ........................................................................................................................... vii
Índice Figuras ........................................................................................................................... vii
Lista de Siglas........................................................................................................................... viii
1. Introdução .............................................................................................................................. 1
2. Enquadramento do contexto económico e legal português ............................................ 7
3. Contexto económico de crise em Portugal ........................................................................ 8
4. Manipulação de Resultados ................................................................................................ 14
4.1. Conceito ......................................................................................................................... 14
4.2. Incentivos à Manipulação de Resultados ................................................................... 15
4.3. Incentivos à Manipulação de Resultados em Portugal ............................................ 18
5. Perdas por imparidade em dívidas a receber .................................................................... 19
6. Enquadramento do Sector Metalúrgico e Metalomecânico em Portugal .................... 22
7. Desenvolvimento da Hipótese e Metodologia da Investigação .................................... 23
7.1. Desenvolvimento da hipótese de investigação ......................................................... 23
7.2. Modelo de análise ......................................................................................................... 25
8. Seleção da amostra, estatísticas descritivas e correlações das variáveis ........................ 30
8.1 Seleção da amostra e tratamento de dados ................................................................. 30
8.2 Estatísticas Descritivas .................................................................................................. 32
8.3 Correlação das variáveis explicativas do modelo ....................................................... 33
9. Resultados Empíricos .......................................................................................................... 37
9.1. Estimação dos coeficientes do modelo de regressão 7.2 e respetiva discussão ... 37
9.2. Estimação das PIDR esperadas para o período de crise 2010-2014 e análise do respetivo efeito da crise (ε.)................................................................................................. 40
vi
9.3. Testes de Robustez ....................................................................................................... 41
9.3.1 Introdução de CLC’s qualificadas na amostra .............................................................. 42
9.3.2 Não eliminação de variações superiores a 100% e inferiores a 50% do ativo .................. 44
9.3.3 Estimação das PIDR esperadas para o período de recuperação da crise 2015-2016 tendo
por base os coeficientes estimados no período de crise definido .................................................... 45
10. Conclusões, contributos da investigação, limitações e sugestões de investigação futura.......................................................................................................................................... 48
10.1. Conclusões ................................................................................................................... 48
10.2. Contributos e limitações ............................................................................................ 49
10.3. Sugestões de investigação futura .............................................................................. 51
Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 52
vii
Índice Tabelas
Tabela 1: Taxa de crescimento do PIB em Portugal …………………………………….…..9
Tabela 2: N.º de novas empresas e falências face ao total de empresas em Portugal …….…10
Tabela 3: Tratamento de dados para seleção da amostra…………..…………………….….30
Tabela 4: Estatísticas Descritivas ……………………………………………………….….31
Tabela 5: Coeficientes de correlação de Pearson e Spearman ………………………….…...33
Tabela 6: Coeficientes de regressão do modelo 7.2 ………………………………………...36
Tabela 7: Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.) ………...39
Tabela 8: Coeficientes do modelo e estatísticas descritivas para teste robustez 1…………....41
Tabela 9: Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.) tendo em
conta o teste de robustez 1…………………………………………………………………42
Tabela 10: Coeficientes do modelo e estatísticas descritivas para teste robustez 2…..………43
Tabela 11: Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.) tendo em
conta o teste de robustez 2………………………………………………………….….…..43
Tabela 12: Estimação das PIDR no período subsequente à crise e análise da evolução do efeito
da crise (ε.) tendo em conta o teste de robustez 3.….………………………………..……..45
Índice Figuras
Figura 1: Demografia das empresas portuguesas (todas as empresas ativas)….………….…11
Figura 2: Crédito malparado: empresas devedoras (%)……………………………….….…12
Figura 3: Montante de empréstimos concedidos no ano a empresas: total e por escalão de
crédito (em milhões) ……………………………………………..…………………….….13
viii
Lista de Siglas
ACC – Accruals
CAE REV3 – Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3
EUA – Estados Unidos da América
NCRF – Norma Contabilística de Relato Financeiro
OLS – Ordinary Least Squares
PCGA – Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites
PIB – Produto Interno Bruto
PIDR – Perdas por imparidade em dívidas a receber
PME – Pequena e Média Empresa
POC – Plano Oficial de Contas
RL – Resultado Líquido
SNC – Sistema de Normalização Contabilística
1
1. Introdução
O presente estudo avalia a existência de incentivos à manipulação de resultados, num contexto
económico desfavorável de crise, a partir do comportamento das empresas no reconhecimento
de perdas por imparidade em dívidas a receber (PIDR) em Portugal, nomeadamente, em
empresas portuguesas não cotadas da indústria metalúrgica e metalomecânica.
A intuição subjacente à presente investigação é a de que o reconhecimento de PIDR pode ser
entendido como um mecanismo de manipulação de resultados, que num contexto económico
desfavorável pode traduzir-se num incentivo à manipulação da imagem transmitida aos
principais stakeholders, não refletindo a realidade empresarial e posicionando positivamente a
empresa num contexto adverso, pela flexibilidade e discricionariedade presente no normativo
contabilístico nacional e internacional no reconhecimento destas estimativas.
Para dar resposta a esta proposta de análise empírica, irei clarificar alguns conceitos de forma a
enquadrar conceptual e teoricamente a questão, nomeadamente, (1) o conceito de manipulação
de resultados, (2) o entendimento de um acréscimo no normativo contabilístico, em específico
o accrual (ACC) relacionado com o reconhecimento de PIDR e (3) as principais características
inerentes a um contexto económico desfavorável de crise. Óbvio será dizer que, o contexto
económico e legal em que a empresa se move não pode ser dissociável destes mesmos conceitos
teóricos (Moreira, 2008), uma vez que este contexto cria estímulos e incentivos particulares que
conferem sentido, e que auxiliam a definição dos mesmos, sendo crucial a análise conjunta destas
duas realidades, a conceptual e a contextual.
O contexto empresarial português caracteriza-se maioritariamente por empresas de pequena e
média dimensão (PME), em que a gestão e a propriedade são exercidas em conjunto, opondo-
se ao contexto empresarial americano, ou anglo-saxónico, caracterizado por empresas altamente
expostas ao mercado de capitais e por isso bastante afetas à globalização e perceção internacional
da gestão da mesma. Enquanto que uma realidade tipicamente americana se caracteriza pelo
financiamento ter por base o mercado de capitais, a solução mais comum adotada pelas empresas
portuguesas para se financiar é o recurso às instituições bancárias. De igual modo, podemos
caracterizar o quadro fiscal português pela ligação estreita que existe entre os resultados
contabilísticos reportados e o imposto a pagar pelos mesmos. Ora, face a este contexto posso
compreender que os incentivos existentes à manipulação de resultados serão diferentes dos
2
perspetivados amplamente na literatura, uma vez que, os mesmos se fundamentam num
contexto anglo-saxónico. Contudo, irei adaptar os conceitos teóricos ao contexto económico e
legal português que pretendemos testar, de forma a obter resultados consistentes com a amostra
testada.
A manipulação de resultados, mais conhecida pela expressão inglesa, earnings management, segundo
Healy e Whalen (1999) caracteriza-se pela intervenção dos gestores na preparação da informação
financeira a reportar aos mercados e principais stakeholders, através de julgamentos e escolhas
contabilísticas, ou reestruturações de transações, com a finalidade de obter algum proveito
individual, para a empresa ou ambos. Esta definição pode ser entendida sob duas perspetivas,
uma mais informativa, segundo a qual os gestores apresentam as suas expetativas para os cash-
flows futuros da empresa (Shipper, 1989), e outra mais oportunista ou de resultado económico,
aproveitando os gestores a suposta assimetria da informação para manipular a imagem da
empresa reportada ao mercado (Beneish, 2001).
É importante referir que, neste fenómeno de earnings management, as práticas dos gestores
associadas são facilitadas pela flexibilidade e subjetividade existente nos normativos
contabilísticos. De diferente forma se enquadram as escolhas contabilísticas que não estão em
linha com esta flexibilidade e subjetividade, caracterizando-se por serem práticas ilegais que são
consideradas fraudes contabilísticas. Assim, podemos ter uma manipulação com impacto em
resultados, sem que tal possa ser entendido como fraude. Neste estudo, numa ótica de
simplificação, por earnings management irei incluir todas as práticas legais ou ilegais, que visam
influenciar os resultados das empresas de forma discricionária. A abrangência deste conceito
justifica-se pelo contexto em que o estudo se desenvolve, dado que a amostra se compõe por
empresas de pequena e média dimensão, onde práticas de natureza fraudulenta serão mais
possíveis de ocorrer sem deteção.
Estas empresas, pelas características que apresentam têm dois incentivos principais que podem
levar a uma manipulação de resultados. Em primeiro lugar, caracterizando-se por terem uma
gestão alinhada com a propriedade da mesma, existe o objetivo comum de redução do imposto
a pagar por manipulação decrescente do resultado do período. Contudo, e em segundo lugar,
existe o interesse de transmitir ao mercado, nomeadamente às instituições bancárias, uma
qualidade da informação e uma boa performance da empresa de forma a conseguirem financiar-se
3
com um custo inferior. Ora, este segundo objetivo/incentivo poderá ser considerado conflituoso
com o primeiro, uma vez que poderá levar a uma manipulação no sentido crescente do resultado
do período. Desta forma, posso concluir que o incentivo será tanto maior quanto maior for o
benefício associado face ao custo incorrido, e que esta relação irá sempre depender de empresa
para empresa e dos objetivos privilegiados pela gestão.
Estes incentivos ganham abertura para se materializarem numa manipulação de resultados pela
flexibilidade e subjetividade inerente aos normativos contabilísticos. Segundo estes, um ativo é
um recurso controlado pela empresa como resultado de acontecimentos passados e do qual se
espera que para a mesma fluam benefícios económicos futuros. Adicionalmente, segundo o
princípio da prudência defendido pelos mesmos, caracterizado pelo facto de as perdas esperadas
serem registadas imediatamente após serem conhecidas e os ganhos serem registados apenas
quando realizados, a mensuração destes ativos deverá ser feita na medida em que reflita da
melhor forma o benefício económico provável de obter. Assim dos julgamentos inerentes a esta
mensuração surge um conceito chave de avaliação dos ativos, as imparidades associadas. A
imparidade surge então como um instrumento para modificar o valor do ativo, após a
mensuração inicial, de forma a mensurar os mesmos de acordo com o seu real valor (Cunha et
al., 2010), e desta forma pode ser considerada um julgamento caracterizado por uma componente
discricionária que se define como ACC ao longo do estudo.
Os accruals derivam do regime do acréscimo existente na contabilidade, onde as transações devem
ser reconhecidas no momento em que ocorrem e não aquando do seu recebimento ou
pagamento, de forma a proporcionar aos principais utilizadores uma informação completa e
verdadeira, para o processo de tomada de decisão (Dechow, 1995). É apontada por Dechow
(2003) a facilidade que existe na manipulação de resultados via estimativas, utilizando ACC, pela
flexibilização inerente às políticas contabilísticas e pela difícil deteção pelos destinatários da
informação financeira, em comparação com a complexidade inerente a uma manipulação via
cash-flows.
Posso afirmar desta forma que, a crescente flexibilidade e inerente subjetividade dos normativos
contabilísticos, teve em vista acompanhar a evolução dos mercados mundiais e dar resposta à
crescente globalização das empresas que modificou a própria definição de ativo, englobando
agora neste conceito variáveis mais complexas. Esta evolução advém assim da necessidade de
4
ter informação financeira fiável e comparável, de forma a evidenciar a qualidade e utilidade da
mesma. Uma consequência da existência de um sistema mais dinâmico e flexível, é a
possibilidade de se utilizarem diferentes critérios e diferentes estimativas na valorização de um
mesmo ativo ou passivo, introduzindo um julgamento a ser avaliado pelos gestores de cada
empresa, tendo em conta a realidade da mesma. Desta forma, temos uma abertura a julgamentos
e estimativas e tendo incentivos externos à gestão para refletir uma boa performance das empresas,
existe uma maior probabilidade para a manipulação de resultados. Segundo Payne (2000),
podemos dizer que o fenómeno de earnings management pode ser visto como uma ferramenta para
não desapontar os mercados e principais stakeholders. Adicionalmente, os próprios stakeholders já
antecipam uma certa manipulação de resultados na informação a que têm acesso (Stein, 1989), e
em termos de sociedade, este fenómeno na vertente mais fraudulenta, é considerada como um
dado adquirido na envolvente empresarial portuguesa, onde a evasão fiscal ronda os 7% do
Produto Interno Bruto (PIB) (Moreira, 2008).
Sendo então a existência ou não de manipulação de resultados dependente dos incentivos
existentes no contexto económico e legal em que as empresas se inserem, ao realizar uma análise
num contexto económico desfavorável de crise irei estar a potenciar a existência destes
incentivos pelas dificuldades que um período económico desfavorável representa na economia.
A crise financeira e os escândalos associados a condutas contabilísticas inapropriadas têm
reduzido a confiança dos investidores (Bartram e Bodnar, 2009). Segundo Gorgan et. al (2012),
durante a crise económica esta confiança diminuiu, uma vez que os stakeholders acreditavam que
a flexibilidade normativa e o oportunismo dos gestores influenciavam a qualidade da informação
financeira. Apesar disto, estudos anteriores sobre gestão de resultados realizados neste período
mostram uma diminuição desta discricionariedade (Costa, 2016).
Assim, neste estudo, balizando o período em que a crise encontrou o seu auge em termos de
impacto na realidade empresarial portuguesa, espero concluir pela existência de incentivos ao
uso da discricionariedade para a manipulação de resultados. Adicionalmente, considero que o
meu estudo terá um carácter exploratório, uma vez que esta discricionariedade poderá ter um
sentido ascendente, quando os incentivos relacionados com a qualidade da informação financeira
e respetiva performance da empresa representem um objetivo-chave na gestão das empresas, ou
5
um sentido descendente, quando a visão do tecido empresarial já é tão negativa que não existe
interesse de sinalizar positivamente a empresa.
Face ao conceito de manipulação de resultados, são discutidos vários métodos na literatura para
a deteção destas manipulações, que serão explanados neste estudo, e que podem passar pela
análise de rácios, modelos baseados nos ACC e análises de frequências baseadas num histograma.
Contudo, todos estes modelos pecam pela incapacidade em controlarem o efeito assimétrico do
princípio da prudência nos accruals. Estes modelos tradicionais caracterizam-se por serem mal
especificados (Dechow et al., 1995), imprecisos na estimação (Guay et al., 1996), sem
consideração por fatores de crescimento (Young, 1999) e fracos em termos de previsão (Thomas
e Zhang, 2000). De forma a dar resposta a estas limitações existentes na modelização de um
estudo baseado em accruals na literatura, a metodologia que irei seguir estará baseada num modelo
relacionado com o accrual específico do reconhecimento de PIDR, cuja componente
discricionária, caracterizada por ser a medida da possível manipulação efetuada, e não
discricionária passarei a isolar e analisar. Esta divisão das componentes num período de crise
passará por analisar no período que antecede este fenómeno económico desfavorável a
componente não discricionária deste accrual e através desta criar uma previsão para o
comportamento futuro, podendo assim isolar a componente discricionária pela diferença do
total reconhecido de PIDR no período de crise.
Adicionalmente, apesar da existência de inúmeros estudos sobre a manipulação de resultados na
literatura, o tema é alvo de inúmeras modelizações empíricas, a fim de entender os incentivos e
características do contexto económico e legal em que se insere. Contudo, são muito raros os
estudos que modelizam a manipulação de resultados para a realidade portuguesa de forma a
obter evidência empírica que sustente a forma e as determinantes à sua existência. Os estudos
que existem baseiam-se na evidência empírica assente em empresas que se caracterizam pelo
modelo empresarial americano, estando cotadas em bolsa, e que são fortemente dependentes do
mercado de capitais para o financiamento externo, contudo este tipo de empresas não
representam uma parte significativa do tecido empresarial português. Desta forma, o estudo que
intento realizar revela-se inovador pela amostra de empresas não cotadas que se propõe a
estudar, sendo que as suas conclusões, para além de permitirem caracterizar uma percentagem
da realidade empresarial portuguesa mais significativa, irão permitir obter um conhecimento
6
importante para as autoridades reguladoras portuguesas e para os principais utilizadores de
informação.
Também, este estudo revela-se inovador na medida que se propõe a estudar um período
caracterizado por um contexto desfavorável da economia portuguesa e cuja relação com a
possibilidade de manipulação de resultados ainda não foi estudada, contribuindo assim para
preencher esta lacuna na literatura nacional.
O estudo encontra-se estruturado da seguinte forma: nos capítulos 2 e 3 irei caracterizar o
contexto económico e legal português, bem como definir o período da crise que irei estudar; nos
capítulos 4 e 5 será realizada uma revisão de literatura, tendo por base os principais temas que
me proponho analisar; no capítulo e 6 será caracterizado o sector que será alvo do nosso estudo;
seguidamente, no capítulo 7 são apresentadas as hipóteses de investigação e a metodologia
adotada neste trabalho; a amostra utilizada é apresentada e caracterizada no capítulo 8; o capítulo
9 é constituído pela evidência empírica e respetiva análise, bem como pelos testes de robustez
efetuados para corroborar os nossos resultados. No último capítulo serão apresentadas as
conclusões, contributos, limitações e ainda sugestões para futuras investigações sobre o tema
apresentado.
7
2. Enquadramento do contexto económico e legal português
O tecido empresarial português caracteriza-se por possuir uma fatia significativa de empresas de
pequena e média dimensão (PME), em que a gestão e a propriedade são exercidas em conjunto
(Moreira, 2008) e onde o mercado de capitais apresenta um fraco desenvolvimento. Assim, difere
significativamente do caso anglo-saxónico, amplamente estudado na literatura, onde as empresas
caracterizam-se por estarem altamente expostas ao mercado de capitais, e, por isso, bastante
afetadas pela globalização e perceção internacional da gestão da mesma.
Enquanto que uma realidade empresarial tipicamente americana se caracteriza pelo
financiamento tendo por base o mercado de capitais, a solução mais comum, adotada pelas
empresas portuguesas para se financiarem é o recurso às instituições bancárias, dado que o
mercado de capitais em caracteriza-se por um número pouco significativo de empresas de média
dimensão.
Também, podemos caracterizar o quadro fiscal português pela ligação estreita que existe entre
os resultados contabilísticos reportados e o imposto a pagar pelos mesmos, sendo este último
apurado com base nas demonstrações financeiras.
Face a este contexto económico, os incentivos existentes à manipulação de resultados serão
diferentes dos discutidos maioritariamente na literatura, uma vez que estes se fundamentam num
contexto empresarial americano. Desta forma, irei adaptar os conceitos teóricos explorados ao
contexto económico e legal português de forma a compreender o comportamento destas
empresas no reconhecimento de PIDR em tempos de crise.
De forma a contextualizar o meu estudo neste contexto, caracterizo no capitulo 3 a economia
portuguesa em termos de principais indicadores e comportamento económico para um período
de 11 anos, compreendido entre 2006 e 2016, onde balizo o período da crise pela análise crítica
dos principais efeitos económicos sentidos neste período. Também no capítulo 4 exploro os
conceitos teóricos associados à manipulação de resultados, evidenciando o tipo de incentivos
existentes no contexto económico português.
8
3. Contexto económico de crise em Portugal
Segundo Besomi (2012) é possível dividir as crises económicas capitalistas em duas categorias
teóricas: “as velhas” crises, no contexto das quais os desequilíbrios resultam de choques
exógenos, procurando-se explicações ad hoc para as flutuações da economia de curto prazo; e
“as novas” crises, que definem a crise como uma fase de um ciclo endógeno. Nestas últimas,
não existe uma causa específica para cada crise, mas todas têm a sua origem na fase mais
expansionista de cada ciclo que a antecedeu. Assim, “a crise é considerada um fenómeno inerente
ao funcionamento do sistema capitalista” (Nunes, 2014).
Para Ribeiro (2015), a crise económica em Portugal, derivou de uma crise que teve inicio no
mercado hipotecário subprime nos EUA em 2007 e que rapidamente se propagou ao sistema
financeiro mundial, tornando-se “a pior crise financeira desde a Grande Depressão”. Esta crise,
propagou-se à produção e à procura, revelando o estado crítico das finanças públicas, tendo
consequências profundas nas vertentes económico-financeira, e, também, na social. A UE
tomou medidas para enfrentar a crise, que passaram pela recapitalização dos sistemas financeiros,
contudo “estas medidas apenas tornaram visíveis as limitações estruturais e desequilíbrios da
zona Euro” (Ribeiro, 2015). Esta crise começou a afetar a economia portuguesa em finais de
2009, quando emerge a crise das dívidas soberanas, que se alastrou à UE (Costa, 2016). Em abril
de 2011, ocorre o resgate financeiro a Portugal, que decorreu quer da preocupação e possíveis
impactos nas finanças da zona Euro e respetivos mercados, quer das falências ocorridas neste
período pela falta de capacidade de solver as responsabilidades. Começaram-se a notar alguns
sinais de recuperação económica nas economias desenvolvidas em 2013, contudo não suficientes
para criação de emprego na economia (Ribeiro, 2015), pelo que estes sinais só se começaram a
sentir em Portugal em meados de 2015.
Neste capítulo pretendo caracterizar a economia portuguesa e os seus ciclos, desde o inicio do
milénio até 2016, através da análise de diversos indicadores e rácios, de forma a conseguir balizar
o período da crise em Portugal a ser utilizado no nosso estudo. Seguidamente irei apresentar
uma análise de alguns dos principais indicadores económico que me irão permitir definir esse
período.
Segundo dados do Banco Mundial recolhidos do Pordata, podemos verificar que a economia
portuguesa se caracterizou por taxas de crescimento médio da atividade económica de apenas
9
de 0,9% de 2000 a 2010, sendo que na década anterior apresenta taxas de crescimento médias
de 3%, justificadas principalmente pela integração na União Europeia.
Tabela 1 – Taxa de crescimento do PIB em Portugal
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Taxa Crescimento do PIB
1,94%
0,77%
(0,93%)
1,81%
0,77%
1,55%
2,49%
0,20%
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Taxa Crescimento do PIB
(2,98%)
1,90%
(1,83%)
(4,03%)
(1,13%)
0,89%
1,82%
1,62%
Fonte: Pordata - https://www.pordata.pt
Como podemos observar na tabela acima, ao contrário de outros países da zona Euro, que
tiveram o mesmo “fatídico” destino do resgate financeiro, como a Grécia, Espanha e Irlanda,
Portugal desde 2001 que registou valores reduzidos de crescimento económico, evidenciando
em 2003 um crescimento negativo do PIB (-0,9%), a par da Alemanha (-0,2%), sendo os únicos
países da zona Euro a evidenciar uma taxa de crescimento económico negativo. Segundo Lourtie
(2011), “em 2002, Portugal já percorrera o ciclo de crescimento, sobrevalorização e quebra,
muito antes de outras economias periféricas da zona Euro terem completado este percurso
quando a sua rápida expansão foi travada durante a recessão global de 2008-2009”. De 2002 a
2008 podemos verificar que existiu um crescimento moderado da economia portuguesa,
resultado em parte de uma abordagem mais conservadora na correção de desequilíbrios,
consolidação orçamental e reformas estruturais. Também, entre 2006 e 2010 as exportações
cresceram acima da média atingindo um auge de crescimento do PIB em 2007. Em 2008 e 2009
a economia portuguesa desacelerou, apresentando em 2012 o valor mais negativo de crescimento
do período em análise, contudo é difícil avaliar que a crise se efetivou em 2009 quando em 2010
temos um crescimento de quase 2% do PIB. Podemos verificar, também, que o impacto do
resgate financeiro pedido, em 2011, ao Fundo Internacional Monetário, teve reflexos no período
seguinte que se caracterizou pela taxa de crescimento do PIB mais negativa de todo o período
em análise (-4%). Muitos autores, segundo Ribeiro (2015), apontam para a ideia de que, durante
o ano anterior ao resgate financeiro, Portugal tentou resistir ao desfecho do resgate no contexto
10
de uma crise da dívida soberana na zona euro e da crescente pressão dos mercados sobre as
economias mais vulneráveis como Portugal, e por isso apresentou uma taxa de crescimento não
esperada face o contexto económico em que se inseria.
Após verificar o comportamento da taxa de crescimento do PIB, é útil para o balizamento deste
período observar o comportamento do tecido empresarial português face à crise e verificar a
evolução das falências e dissoluções de empresas neste período:
Tabela 2 – N.º de novas empresas e falências face ao total de empresas em Portugal
N.º total[NT]
N.º Criações[NC]
N.º Falências[NF]
Taxa de sobrevivência
1 ano
Taxa de sobrevivência
2 anos
2005 1.151.610 153.884 138.720 12,05% 90,15% 77,00% -2006 1.172.219 164.755 127.482 10,88% 77,38% 74,30% 58,90%2007 1.234.633 187.574 155.107 12,56% 82,69% 76,40% 57,40%2008 1.261.451 181.173 187.063 14,83% 103,25% 74,50% 58,00%2009 1.223.578 150.100 190.433 15,56% 126,87% 71,50% 52,80%2010 1.168.265 138.362 178.148 15,25% 128,76% 69,70% 48,80%2011 1.136.256 144.232 182.021 16,02% 126,20% 70,00% 49,00%2012 1.086.915 134.757 167.202 15,38% 124,08% 70,30% 48,70%2013 1.119.447 200.925 149.122 13,32% 74,22% 71,00% 50,90%2014 1.147.154 178.331 147.118 12,82% 82,50% 76,20% 52,40%2015 1.181.406 181.840 175.596 14,86% 96,57% 72,90% 60,60%2016 1.214.206 180.070 178.950 14,74% 99,38% 73,30% 55,60%
��
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��
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Fonte: Pordata - https://www.pordata.pt
Como podemos verificar na Tabela 2, o indicador do número de falências em Portugal reflete
um período mais crítico de 2008 a 2012, em valores absolutos. Também, interpretando o rácio
do número de falências face ao número total de empresas em Portugal verificamos que o seu
peso aumentou no período de 2008 e 2012, atingindo o seu pico em 2011, com 16,02% de peso
de falências face ao número total de empresas. Esta tendência negativa é corroborada se tivermos
em consideração o rácio do número de falências face ao número de empresas criadas, que reflete
um maior número de falências face ao número de empresas criadas, no período de 2008, levando
assim a um decréscimo do tecido empresarial português. Esta superação das falências ao número
de empresas criadas poderá ser justificada por estar inerente a esta criação de novas empresas, a
necessidade significativa de crédito, que durante o período da crise foi dificultado o acesso quer
em volume quer em condições financeiras associadas pelos bancos, principalmente às pequenas
11
e novas empresas (Ferreira, 2017). Contudo, é importante referir que este indicador apresenta
um certo desfasamento no que respeita ao impacto da crise, uma vez que o impacto negativo da
crise sobre este indicador depende do agravamento do acesso ao financiamento, expansão de
crédito e outras opções de crédito, que ficaram menos disponíveis a estas empresas em fase de
crescimento pela instabilidade macroeconómica que se fez sentir neste período. A consequência
posterior e direta desta limitação do crédito levou à falta de inovação das mesmas que colocou
em causa a sobrevivência das mesmas, e tendo em consideração que as pequenas e médias
empresas caracterizam o tecido empresarial português, esta situação foi bastante penalizadora
para o crescimento económico em Portugal neste período.
Figura 1 – Demografia das empresas portuguesas (todas as empresas ativas)
Fonte: Priscila Ferreira & George Saridakis (2017)
A figura 1 acima confirma a análise relativa ao número de falências e ao número de empresas
criadas ao longo do período em Portugal feita anteriormente. Segundo Ferreira (2017), também
o tamanho das empresas foi determinante para a conjuntura económica verificada e o
crescimento económico português foi mais diretamente impactado pela crise da dívida soberana
do que a crise financeira sentida anteriormente.
12
O crédito malparado é, também, um indicador que através da sua análise nos pode trazer
informação para os possíveis efeitos da crise sobre esta realidade.
Figura 2 – Crédito malparado: empresas devedoras (%)
Fonte: Pordata - https://www.pordata.pt
Como podemos verificar pela figura 2, o crédito malparado até 2009 nunca excedeu os 19,5%,
contudo, de 2010 em diante, apresenta um franco crescimento até atingir o seu pico em 2014,
com 30,8%, crescendo assim, em quatro anos, cerca de 11,3 pontos percentuais (p.p). Este
indicador, com a crise do subprime, já deu evidência de crescimento em 2008, onde apresentou
um crescimento de 2,1 p.p. face ao período anterior. Posteriormente, em 2015, já se verificou
um decréscimo deste indicador, com a recuperação da economia portuguesa, tendo este fixado
em um valor de 26,8%.
Em linha com a evolução do indicador relacionado com o crédito malparado, podemos verificar
na figura 3 o comportamento do nível de crédito concedido durante este período, e verificamos
que a partir de meados de 2009 existiu uma contração do mesmo, passando de valores totais na
ordem dos 56.000 milhões, em 2007, para os 43.000 milhões, em 2010, mantendo este nível até
meados de 2014. Neste indicador não conseguimos ver claramente a recuperação do nível de
crédito no período posterior à crise dado que, as instituições de crédito devido à crise sentida
revelaram uma maior prudência na cessão de crédito e por isso aquele apresenta um decréscimo
até aos dias de hoje.
0
5
10
15
20
25
30
35
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Empresas com crédito malparado (%)
13
Figura 3 – Montante de empréstimos concedidos no ano a empresas: total e por
escalão de crédito (em milhões)
Fonte: Pordata - https://www.pordata.pt
Adicionalmente, Blanchard (2006) suporta a ideia que Portugal, caracterizando-se por ser um
país com um reduzido crescimento económico, baixa produtividade, elevado desemprego e
elevados défices fiscais e orçamentais desde 2001 até 2008, apresentava a receita perfeita para o
culminar da crise em finais de 2009, quer pelo contágio internacional da crise do subprime e pela
crise da dívida soberana com início em 2011, quer pelas políticas seguidas quer pelas
vulnerabilidades que marcavam a economia portuguesa.
Por toda a análise referida anteriormente, dada a evolução da economia portuguesa desde o início
do milénio até 2016 e as diferentes posições verificadas na literatura, podemos dividir este
período (1) no que antecedeu a crise financeira e se espera que estivesse a ter o efeito da adesão
à União Europeia, até 2009; (2) no período de crise financeira do subprime, que, segundo a
literatura e os indicadores, impactou a economia portuguesa de finais 2009 a 2010, e no período
da crise da dívida soberana, que se caracterizou por um choque exógeno derivado da crise do
subprime e que teve o impacto mais penalizante na conjunta económica portuguesa, quer pelos
indicadores económicos verificados, quer pela literatura analisada, se baliza de 2011 a 2014; (3)
por fim, no período de recuperação da crise económica que, iniciado em 2015, se mantém até
aos dias de hoje, com os devidos efeitos secundários que a mesma provocou na economia
portuguesa. Assim, iremos balizar para o nosso estudo o período económico de crise, definindo-
o como aquele que se posiciona entre 2010 e 2014.
010000200003000040000500006000070000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Total crédito Até 1 milhão de euros Mais de 1 milhão de euros
14
4. Manipulação de Resultados
4.1. Conceito
O conceito de manipulação de resultados, também referido como earnings management, poderá ser
entendido como a utilização de julgamentos ou alterações de transações por parte dos gestores,
na preparação das demonstrações financeiras de uma empresa, de forma a alterar esta
informação, manipulando a imagem transmitida quanto à performance económica da empresa,
passando assim uma realidade não verdadeira aos principais stakeholders e alterando possíveis
rácios contratuais, cujo cálculo se baseia nesta informação (Healy e Whalen, 1999).
Assim, a informação financeira destina-se a fornecer aos principais stakeholders informações úteis
sobre o desempenho das empresas e espera-se que esta informação transmita uma imagem
verdadeira e fiável sobre a mesma. A base de preparação desta informação assenta nos PCGA,
que permitem regular e orientar este reporte de forma correta e uniformizada para as diferentes
entidades. Também, estes princípios fornecem aos gestores a possibilidade de transmitir
informações privadas sobre o desempenho económico das empresas ao mercado de capitais, por
um meio credível e de baixo custo (Healy e Whalen, 1999). Contudo, os PCGA preveem a
possibilidade de existência de estimativas e julgamentos assentes na realidade de cada empresa e
no espírito crítico e de interpretação dos seus gestores, criando condições que potenciam a
manipulação de resultados (Eilifsen, et al., 1999).
Apesar de as estimativas e julgamentos inerentes ao sistema de reporte contabilístico poderem
ser considerados uma “janela de oportunidade” para a manipulação de resultados, não podemos
diminuir o seu interesse / proveito para a utilização desta informação na avaliação das empresas
e na análise da sua performance financeira (Schipper, 1989). Adicionalmente, face a esta realidade
que caracteriza a informação financeira, os próprios stakeholders já antecipam uma certa
possibilidade de manipulação de resultados na informação que interpretam (Stein, 1989). Desta
forma, podemos considerar a manipulação de resultados como um meio de intervenção
intencional no processo de reporte financeiro, com o propósito de os gestores obterem algum
ganho privado (Schipper, 1989), motivado por fatores que iremos explorar à frente.
Além disso, esta definição, segundo Schipper (1989) e Beneish (2001), poderá ser vista numa
perspetiva informativa, assumindo-se que a gestão tem informação privada que pode usar para
15
manipular a informação reportada, de forma a atingir os objetivos pretendidos. Este tipo de
perspetiva é aquele onde a gestão apresenta as suas expetativas no que respeita os fluxos de caixa
futuros, e em que o “alisamento” dos resultados, em vez da variabilidade dos mesmos ao longo
do tempo, é privilegiado (Schipper, 1989), evitando-se assim a apresentação de variações
negativas de um período para o outro do resultado. Também poderá ser vista numa perspetiva
oportunista (Beneish, 2001) ou de resultado económico (Schipper, 1989), caracterizando-se,
neste caso, pela assimetria de informação existente entre os gestores e os restantes utilizadores
da informação, de forma a manipular a tomada de decisão externa, que assentará em informação
incorreta ou incompleta. Como a manipulação de resultados via estimativas, utilizando accruals,
é mais fácil, pela flexibilidade inerente às políticas contabilísticas, e é mais complexa, via
manipulação cash-flows (Dechow, et al., 2003), a perspetiva oportunista é a mais utilizada.
Por fim, é importante distinguir entre manipulação através dos accruals e manipulação através das
atividades reais e operacionais da empresa. Enquanto a primeira se baseia em manipulações nas
estimativas sem impacto nos cash-flows da empresa, a segunda refere-se à manipulação de práticas
comerciais e operacionais normais, com o objetivo de cumprir determinado objetivo de lucro.
4.2. Incentivos à Manipulação de Resultados
Segundo Healy e Whalen (1999), o uso de julgamento na ótica da manipulação de resultados pela
gestão apresenta custos e benefícios, e será a ponderação entre os custos e benefícios, que dita
se existe maior ou menor incentivo à manipulação de resultados. Adicionalmente, segundo
Moreira e Pope (2007), existe um incentivo à manipulação de resultados quando os custos,
associados ao planeamento e implementação desta manipulação e possível impacto na reputação
da empresa caso seja descoberta, são inferiores aos benefícios quer para os gestores (que passa
pela maximização do ganho pessoal, por compensações e por manutenção do posto de trabalho)
quer para a empresa (por evitar o incumprimento de covenants, penalizações do mercado,
aumento de custo para aquisição de novos capitais e variação do rating).
Segundo Graham (2005), os gestores atribuem grande importância ao cumprimento de objetivos
indexados aos ganhos da empresa, de que são exemplo o lucro zero, budgets com base nos
períodos precedentes e previsões feitas através de forecasts, estando dispostos a manipular
16
atividades reais para atingir esses objetivos, mesmo quando essa manipulação diminui o valor da
empresa. Adicionalmente, DeFond e Park (1997) apresentam resultados que indicam que os
gestores utilizam os seus julgamentos e critérios de forma a alavancar a receita reportada entre
os períodos contabilísticos tendo em conta a expectativa de lucro estabelecida segundo os forecasts
dos períodos seguintes. Desta forma podemos dizer que a prática de earnings management pode ser
vista como uma ferramenta para não desapontar os mercados e principais stakeholders (Payne,
2000).
Assim, podemos verificar que os incentivos dos gestores são determinantes para a existência ou
não de manipulação de resultados. Estes incentivos podem apresentar-se com naturezas
contrárias entre si, e têm de ser analisados tendo em conta o contexto económico em que as
empresas se inserem, nomeadamente se são empresas cotadas em bolsa ou não.
Segundo Healy e Whalen (1999), existem muitos incentivos que levam à manipulação de
resultados, contudo podemos agrupar estes incentivos em três categorias:
1. Motivações relacionadas com expectativas e valorização nos mercados de capitais: A informação financeira
divulgada para os principais stakeholders é utilizada para avaliar as ações da empresa e permite
calcular o firm value de forma a posicioná-la no mercado. Desta forma, no sentido de obter um
posicionamento favorável face às restantes empresas, os gestores têm o incentivo de manipular
os resultados ou rácios financeiros, indicadores da performance da empresa, de forma a não
defraudar as expetativas dos investidores. Segundo Jones (2011) as expetativas do mercado têm
elevada importância e por isso, se a empresa não as atingir, terá o preço das suas ações
influenciado negativamente. Adicionalmente, a divulgação de resultados favoráveis atrai novos
investidores e, portanto, reduz o custo de aquisição de novos capitais (Eilifsen, et al., 1999).
Adicionalmente, segundo Moreira e Pope (2007), as empresas podem enfrentar incentivos
assimétricos à manipulação de resultados, dependendo do sinal dos seus retornos de mercado e
de como estes retornos se aproximam do seu objetivo. Também, as empresas com resultados
negativos num período, têm um maior incentivo para a manipulação dos resultados, pois sua
intenção final passa por “esconder” dos mercados um sinal que possa ser traduzido num impacto
negativo do custo da dívida (Moreira, 2008). Quanto maior for a necessidade de obtenção de
17
financiamento no mercado de capitais maior o incentivo de manipulação de resultados (Healy e
Whalen, 1999).
2. Motivações relacionadas com condições contratuais baseadas na informação financeira: neste contexto, os
contratos entre as empresas e os stakeholders são geridos e supervisionados tendo por base rácios
contratuais assentes na informação contabilística. Contudo, como existe subjetividade e
flexibilidade de certos normativos contabilísticos, quando as empresas estão na iminência de não
cumprir o contrato, existe um incentivo à manipulação de resultados por parte dos gestores na
tentativa de dar cumprimento a este tipo de condições contratuais. Adicionalmente, segundo
Watts e Zimmerman (1978), apesar deste tipo de contratos pressupor a existência de
penalizações no caso de incumprimento destes rácios, os gestores consideram que o custo
associado a possíveis coimas relacionadas com a existência de manipulação de resultados para o
cumprimento destes indicadores é inferior aos custos associados ao incumprimento destas
condições contratuais, e só nestes casos existem incentivos a esta manipulação.
3. Motivações relacionadas com legislação e regulação governamental: neste âmbito, o contexto legal onde
as empresas se inserem influencia o tipo de incentivo existente à manipulação de resultados
(Mulford e Comiskey, 2002), uma vez que não existe interesse da empresa na intervenção dos
reguladores. Também, aumentar o resultado da empresa leva à melhoria da imagem percecionada
pelo mercado, contudo quando a empresa se enquadra num sistema em que a despesa fiscal é
fortemente influenciada pela informação financeira, o encargo associado à vertente fiscal será
superior (Eilifsen, et al., 1999). Esta motivação só ganha força quando enquadrado em situações
práticas específicas, de que são exemplo, (1) atividades reguladas por rácios mínimos de liquidez
(Jones, 1991) relacionados com a regulamentação bancária existente e, (2) o Pagamento Especial
por Conta que leva a uma derrogação da relação contabilidade-fiscalidade, no contexto
português. Também, quando se tratam de empresas inseridas num sector sujeito a um controlo
governamental dos preços, poderá existir o incentivo de diminuir os lucros em anos que a
empresa poderia apresentar lucros excessivos, levando ao alisamento de resultados (Jones, 2011).
Assim, tendo em conta as motivações acima mencionadas, enquanto o mercado de capitais pode
desempenhar um papel disciplinar na prevenção de subavaliações do resultado com a finalidade
de reduzir o passivo, a tributação baseada em resultados e informação contabilística desempenha,
18
também um papel regulador, evitando exageros de resultados reportados com o objetivo de
aquisição de novos capitais (Eilifsen, et al., 1999). Contudo apesar destas duas vertentes
constituírem motivações inversas, o incentivo será tanto maior quanto maior for o benefício
para o gestor em detrimento do custo associado (seja na obtenção de novos capitais seja no valor
do imposto a pagar sobre o resultado reportado).
4.3. Incentivos à Manipulação de Resultados em Portugal
O contexto empresarial português, face às três categorias de motivações apresentadas acima
inseridas num conceito anglo-saxónico, enquadra-se, de forma mais significativa, nas motivações
contratuais e legais do que nas restantes motivações. O conceito anglo-saxónico destes
incentivos, amplamente estudado na literatura, caracteriza-se por uma realidade significativa de
empresas cotadas em bolsa, e por isso, segundo Moreira (2008), “os incentivos anglo-saxónicos
não se ajustam à realidade do quotidiano empresarial português” uma vez que estes resultam de
estímulos decorrentes do contexto económico e legal em que a empresa se insere.
Assim, dado o enquadramento económico e legal português, definido no capítulo anterior, as
empresas pelas características que apresentam, têm dois incentivos principais que podem levar a
manipulação de resultados. Em primeiro lugar, por apresentarem uma gestão alinhada com a
propriedade da mesma, existe o objetivo comum de redução do imposto a pagar por
manipulação decrescente do resultado reportado do período. Contudo, e em segundo lugar,
existe o interesse de transmitir ao mercado, nomeadamente às instituições bancárias, uma
qualidade da informação e uma boa performance da empresa de forma a conseguirem financiar-se
com um custo inferior. Ora, este segundo objetivo poderá ser considerado conflituoso com o
primeiro, uma vez que poderá levar a uma manipulação no sentido crescente do resultado do
período. Desta forma, o incentivo será tanto maior quanto maior for o benefício associado face
ao custo incorrido, sendo que esta relação irá sempre variar de empresa para empresa,
dependendo dos objetivos privilegiados pela gestão e da sua situação financeira.
19
5. Perdas por imparidade em dívidas a receber
As demonstrações financeiras devem ser preparadas tendo por base dois pressupostos
fundamentais: o regime do acréscimo e a base de continuidade. No que respeita ao primeiro, e
que importa neste estudo, independentemente dos fluxos de caixa, o lucro obtém-se pela
diferença entre rendimentos e gastos. Assim, as transações e outros acontecimentos devem ser
reconhecidos quando ocorrem como um acréscimo de rendimentos ou de gastos, sendo
registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os
quais se relacionam e aos quais dizem respeito.
De acordo com os PCGA, um ativo é um recurso controlado pela empresa como resultado de
acontecimentos passados e do qual se espera que para a mesma fluam benefícios económicos
futuros. E, segundo o princípio da prudência, os gastos esperados devem ser registados
imediatamente após serem conhecidos e, por sua vez, os rendimentos devem ser registados
apenas quando realizados. Assim, a mensuração destes ativos deverá ser feita na medida em que
reflita da melhor forma o benefício económico provável de obter. Das estimativas inerentes a
esta mensuração, surge a importância de uma correta avaliação dos ativos, que deverá ser
corrigida pelo reconhecimento das imparidades associadas. A imparidade surge então como um
instrumento para modificar o valor do ativo, após a mensuração inicial, de forma a mensurar o
mesmo de acordo com o seu real valor (Cunha et al., 2010). Assim, uma perda por imparidade
ocorre quando o valor contabilístico do ativo excede o seu valor recuperável, ajustando o seu
valor real à sua capacidade de retorno económico (Rodrigues, 2009), tendo por base o princípio
da prudência.
Tome-se por exemplo, o reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber, que
se consubstancia num impacto negativo no ativo e no resultado líquido do período. Se for do
interesse do gestor gerir o resultado por motivos fiscais de tributação ou por motivos de
cumprimento de rácios financeiros, como a autonomia financeira, este terá o incentivo de
manipular o reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber, para atingir o
objetivo pretendido. Posto isto, no que respeita às PIDR, a NCRF 27 diz-nos que “existem
indícios efetivos de imparidade quando se verifica:
20
1. Uma significativa dificuldade financeira do devedor;
2. Uma quebra contratual, tal como o não pagamento ou incumprimento no pagamento
do juro ou amortização da dívida;
3. A oferta pelo credor ao devedor, por razões económicas ou legais relacionadas com a
dificuldade financeira do devedor, de concessões que de outro modo, não consideraria;
4. A probabilidade de o devedor entrar em falência ou qualquer outra reorganização
financeira;
5. O desaparecimento de um mercado ativo para o ativo financeiro, devido a dificuldades
financeiras do devedor;
6. Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensuração da
estimativa dos fluxos de caixa futuros de um grupo de ativos financeiros desde o seu
reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda identificada para um
dado ativo financeiro individual do grupo, tal como sejam condições económicas
nacionais, locais ou setoriais adversas.”
As imparidades são, assim, cruciais para a correta valorização dos ativos, como são exemplo as
dívidas a receber, mas revestem-se de estimativas que permitem uma certa subjetividade no seu
reconhecimento, sendo passíveis de manipulação dependendo dos incentivos do gestor
(McNichols e Wilson, 1988; Jackson e Liu, 2010).
Para a possível deteção destas práticas de manipulação de resultados, a literatura utiliza métodos
normalmente baseados nos accruals (ACC), isolando esta estimativa numa componente
discricionária (subjetividade associada) e numa componente não discricionária (nível normal
reconhecido pela atividade). Os ACC derivam do regime do acréscimo existente na
contabilidade, onde as transações devem ser reconhecidas no momento em que ocorrem e não
aquando do seu recebimento ou pagamento, de forma a proporcionar aos principais utilizadores
uma informação completa e verdadeira, para o processo de tomada de decisão (Dechow, 1995).
É apontada por Dechow (2003) a facilidade que existe quanto à manipulação de resultados via
estimativas, incidindo sobre os ACC, em virtude da flexibilidade inerente às políticas
contabilísticas e à difícil deteção, pelos destinatários da informação financeira, em comparação
com a complexidade inerente a uma manipulação via cash-flows.
21
Na literatura, podemos referenciar alguns trabalhos sobre este tema, como o de McNichols e
Wilson (1988), que através de um método baseado nos ACC, comprovam empiricamente que
“quando os resultados antes do reconhecimento de imparidade em dívidas a receber se mostram
acima dos objetivos definidos para um determinado período, os gestores podem ser motivados
a diferir parte dos resultados para os períodos seguintes através do reconhecimento em excesso
de PIDR”. Este comportamento permite a criação de uma “folga de segurança” que permite no
futuro melhorar os resultados reportados, quando estes não atingem os resultados objetivados
pelos analistas para o período (Jackson e Liu, 2010).
Adicionalmente, segundo Baralexis (2004), o reconhecimento de PIDR é uma prática
contabilística recorrentemente utilizada para a manipulação de resultados, dada a
discricionariedade que caracteriza o seu reconhecimento. Baralexis (2004) corroborou esta
premissa num estudo inserido na realidade grega, e por isso considero que seja bastante
importante para a compreensão da realidade portuguesa, dado que o tecido empresarial
português é semelhante ao grego, que se caracteriza por empresas de reduzida dimensão com
uma gestão pouco qualificada e, por uma ligação intrínseca entre a fiscalidade e a contabilidade.
22
6. Enquadramento do Sector Metalúrgico e Metalomecânico em Portugal
Neste estudo irei abordar especificamente o CAE 25 Rev 3 – Fabricação de Produtos Metálicos,
exceto máquinas e equipamentos, que se caracteriza por uma vertente exportadora significativa
apresentando um saldo comercial positivo, e uma abertura à economia global significativa.
Também, é um sector intrinsecamente ligado ao sector da Construção, amplamente afetado pela
crise económica que se fez sentir em Portugal (Neto, 2015), uma vez que este depende do
crescimento do sector da construção para o escoamento da maioria dos seus produtos metálicos.
O sector metalúrgico e metalomecânico é caracterizado pela sua heterogeneidade em termos de
produtos, destacando-se a sua presença em praticamente todos os bens manufaturados e
servindo de suporte à produção e distribuição de diversos sectores da atividade económica.
Segundo Augusto Mateus & Associados (2011), este sector “ocupa uma posição central no
crescimento económico das economias modernas”, contudo é também um sector interligado
intrinsecamente com as demais atividades económicas, sendo, por isso, mais vulnerável aos
choques exógenos da atividade económica. Este sector é, também, “muito sensível à evolução
da economia mundial, exibindo comportamentos pró-cíclicos muito exacerbados face à evolução
da produção agregada dos países”. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o sector
metalúrgico e metalomecânico representa, em Portugal, cerca de 32% do Valor Acrescentado
Bruto, na industria transformadora, e 28% do emprego desta.
Apesar deste saldo comercial positivo evidenciado até 2009, com a crise verificou-se uma quebra
significativa nas exportações, o que levou a uma desaceleração do crescimento desta atividade
económica. Segundo o Pordata, a percentagem de endividamento deste sector face ao PIB ronda
os 20,4%, em 2007, cresceu nos anos seguintes e atingiu o pico em 2012, apresentando, então,
um valor de 24,9% de endividamento face ao PIB, que diminuiu para 21,7% em 2017. Estes
dados revelam que o endividamento foi uma solução de sobrevivência usada pelas empresas
deste sector para fazer face à diminuição de fundos via volume de negócios e exportação e,
atendendo à prudência das instituições bancárias neste período, traduzida na diminuição da
concessão de crédito, e às condições restritivas normalmente associadas a covenants financeiros,
poderá ter ocorrido, neste período, um maior incentivo à manipulação de resultados de forma a
transmitir qualidade na informação financeira das empresas aos principais stakeholders num
período de crise.
23
7. Desenvolvimento da Hipótese e Metodologia da Investigação
Tendo em consideração o apresentado nos capítulos anteriores, nos quais procedo à
contextualização e revisão da literatura sobre a manipulação de resultados e PIDR, assim como
à caracterização do sector metalúrgico e metalomecânico no contexto empresarial português e
evidencio possíveis incentivos à manipulação de escolhas contabilísticas por parte dos agentes
económicos, apresento, em seguida, a hipótese de investigação e a metodologia de análise.
7.1. Desenvolvimento da hipótese de investigação
O objetivo deste estudo passa pela recolha de evidência, numa amostra de empresas nacionais
não cotadas no sector metalúrgico e metalomecânico, a fim de avaliar a existência de incentivos
à manipulação de resultados, num contexto económico desfavorável de crise, pelo
comportamento das empresas no reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a
receber (PIDR). A intuição subjacente é a de que o reconhecimento de PIDR pode ser entendido
como um mecanismo de manipulação de resultados, caracterizado por uma distorção da imagem
transmitida aos principais stakeholders.
Num contexto de crise económica, em que os principais interessados na informação financeira
são mais céticos relativamente à interpretação desta informação (Ferreira et. al, 2017), a
manipulação de resultados poderá deturpar a realidade empresarial, transmitindo uma imagem
positiva da performance da empresa num contexto mais adverso da economia.
Segundo Payne (2000) existe uma relação positiva entre o reconhecimento de perdas por
imparidade e a manipulação de resultados. Para explicar esta proxy temos de ter em consideração
os incentivos inerentes à possível manipulação de resultados, nomeadamente, o incentivo fiscal
e o incentivo da qualidade de informação percecionada, explicados no capítulo 4. Em primeiro
lugar, o contexto em que as empresas se inserem é determinante no tipo de incentivos a que
estas estão sujeitas. Assim, pelo facto de terem uma gestão alinhada com a propriedade da
mesma, existe o objetivo comum de redução do imposto a pagar por manipulação decrescente
do resultado reportado do período. Contudo, e em segundo lugar, existe, em simultâneo, o
interesse de transmitirem ao mercado, nomeadamente às instituições bancárias, uma qualidade
da informação e uma boa performance da empresa, de forma a conseguirem financiar-se com um
24
custo inferior (Graham, 2005). Ora, este segundo objetivo poderá ser considerado conflituoso
com o primeiro, uma vez que poderá levar a uma manipulação no sentido crescente do resultado
reportado do período. Desta forma, espera-se que o incentivo seja tanto maior quanto maior for
o benefício associado face ao custo incorrido, e que esta relação irá sempre depender de empresa
para empresa e dos objetivos privilegiados pela gestão, apesar de termos de ter em consideração
que estes dois incentivos têm impacto contrário no que respeita ao reconhecimento de PIDR
(Moreira e Pope, 2007).
Adicionalmente, o contexto de crise experienciado no período em análise teve um impacto
significativo na atividade económica, pela elevada dependência financeira das empresas de
pequena e média dimensão relativamente às instituições bancárias. Sendo assim, as mesmas
viram-se pressionadas a cumprir os rácios financeiros (covenants) associados ao financiamento
bancário, obtido e necessário ao exercício normal da sua atividade. Desta forma, é expectável
que exista um incentivo à manipulação dos resultados no sentido ascendente, de forma a obter
um menor custo no acesso ao crédito (Moreira, 2006). Este foi, também, um período em que os
principais organismos reguladores, como o Banco de Portugal e a Autoridade Tributária,
estavam atentos à performance das empresas para a atribuição de apoios sociais económicos, o que,
segundo um estudo de Jones (1991), introduziu uma necessidade de apresentar determinados
resultados para beneficiar destes subsídios governamentais.
Tendo em conta os incentivos inerentes às decisões dos gestores na tomada de decisões
contabilísticas, a concretização ou não de uma manipulação de resultados está assente em
variáveis que têm uma certa flexibilidade normativa associada, implicando normalmente
estimativas e julgamentos profissionais.
Considerando a caracterização feita às imparidades sobre as dívidas a receber percebemos que
esta é uma variável facilmente manipulável pela flexibilidade inerente, quer pelo julgamento
associado, quer pela não obrigação de publicar o racional de cálculo destas estimativas. Além
disso, tendo em conta o enquadramento legal português, as imparidades em dívidas a receber
constituem uma via apetecível para a diminuição do resultado (Moreira, 2008) por poderem ser
gastos aceites fiscalmente. De igual modo, a preocupação com a sinalização positiva da empresa,
no sentido de demonstrar o cumprimento de possíveis covenants existentes para a obtenção e
manutenção de financiamentos, aliada à prudência dos mercados financeiros na cedência de
25
crédito neste período, revela-se como um incentivo apetecível para a manipulação de resultados
pelo reconhecimento de perdas por imparidade.
Segundo Spear e Taylor (2011), a existência de uma relação entre o reconhecimento de perdas
por imparidade e os ciclos económicos faz com que, num sector mais dependente dos ciclos,
possa estar refletido um maior reconhecimento de PIDR pelo incentivo inerente ao imposto a
pagar. Num contexto económico adverso, os resultados já se encontram fragilizados e a
cobrabilidade das dívidas a receber revela-se mais difícil, pelo que não irá existir um incentivo de
penalizar ainda mais o resultado com o reconhecimento adicional de PIDR neste período.
Também, atendendo a que a economia está fragilizada, a fim de melhorar o posicionamento das
empresas, os gestores poderão ter o incentivo de sinalizar positivamente a sua empresa o que
levará a um menor reconhecimento de PIDR, em detrimento do alisamento dos resultados
(Mulford e Comiskey, 2002) não demonstrando ao mercado variações negativas no resultado
reportado.
Em suma, as empresas nacionais não cotadas, no contexto económico de recessão em Portugal,
tendem a fazer o uso da discricionariedade desta estimativa, para gerirem o resultado de forma
ascendente ou descendente dependendo do incentivo a que estão sujeitas e do custo associado.
Podemos resumir esta premissa na seguinte questão de investigação:
H1: A flexibilidade existente no reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber, num contexto
económico de crise, tenderá a atuar sobre os resultados, no sentido de não apresentarem resultados negativos e/ou
variações negativas (alisamento do resultado reportado).
No capitulo seguinte apresenta-se a metodologia e a amostra estatística usada para testar a
hipótese de trabalho acima.
7.2. Modelo de análise
Seguidamente define-se o modelo que permite testar a hipótese de investigação (H1) mencionada
anteriormente. Pretende-se avaliar, para uma amostra de empresas nacionais não cotadas, a
existência de incentivos à manipulação de resultados, num contexto económico desfavorável de
crise, pelo comportamento das empresas no reconhecimento de perdas por imparidade em
dívidas a receber (PIDR). Num período de crise, o uso da discricionariedade no reconhecimento
26
de PIDR pode ter como intuito incrementar os resultados do período quer para evitar a
divulgação de resultados negativos, quer para evitar a divulgação de variações negativas dos
resultados, que são interpretadas de forma negativa pelos mercados (Mulford e Comiskey, 2002).
Para a estimação da variação discricionária da PIDR, partiu-se de um modelo tipo Jones (1991)
com as devidas alterações face ao contexto económico de crise em Portugal e tendo em conta o
isolamento do efeito da manipulação de resultados numa variável económica específica – perdas
por imparidade em dívidas a receber, seguindo o exemplo do estudo de McNichols e Wilson
(1988). Com este modelo pretende-se isolar a parte das PIDR não discricionárias, isto é, que não
objetivam o incremento dos resultados e que por isso são consideradas normais, da parte
discricionária das PIDR. A componente discricionária do reconhecimento das PIDR,
caracterizada pelo que não decorre da normal atividade das empresas, é dada pelo valor do erro
de estimação, que será a proxy para a manipulação dos resultados. Assim,
����� = = ���� − ′���� (7.1)
Em que,
����� – Representa a variação discricionária da PIDR da empresa i no período t
���� – Representa o valor das PIDR da empresa i no período t
′���� – Representa o valor “normal” (não discricionário) estimado das PIDR da empresa i
no período t
– Representa o erro de estimação e por isso a proxy da manipulação de resultados
Contudo, de forma a estimar o valor não discricionário das PIDR, que deveriam ser reconhecidas
no período de crise, necessitamos de incorporar neste modelo econométrico variáveis
explicativas, pois que estimando os seus coeficientes explicativos e analisando os seus sinais num
período sem impacto de uma conjuntura económica adversa podemos comparar pela diferença
com os coeficientes dessas mesmas variáveis mas estimados no período da crise, a possível
manipulação de resultados ocorrida no período de crise em Portugal.
As variáveis explicativas no reconhecimento de PIDR têm de ter em consideração as condições
económicas, financeiras e conjunturais que caracterizam o enquadramento económico da
27
economia. Espera-se, então, que características como o volume de negócios, o resultado líquido
antes do reconhecimento de PIDR, a variação dos resultados, a autonomia financeira e a variação
do saldo das dívidas a receber sejam variáveis explicativas no modelo para estimar o valor
“normal” das PIDR. Estas variáveis irão ser justificadas seguidamente, para já considero que o
modelo em análise, que deriva do modelo utilizado no estudo de Rua (2012), será o seguinte:
���� = ���� + ��������� + ��∆�� + ���� + ��∆��� !" # + (7.2)
′����
Em que,
���� – Representa o valor das PIDR da empresa i no período t, deflacionadas pelo ativo do
ano anterior (t-1)
�� – Representa o volume de negócios da empresa i no período t, deflacionado pelo ativo do
ano anterior (t-1)
������� – Representa o resultado líquido antes do reconhecimento de PIDR da empresa i
no período t, deflacionado pelo ativo do ano anterior (t-1)
∆�� – Representa a variação do resultado líquido, deflacionado pelo ativo do ano anterior (t-
1), da empresa i no período t e da empresa i no período t-1
�� – Representa o rácio de autonomia financeira (considerando apenas a dívida bancária) da
empresa i no período t, cujas variáveis de cálculo a este rácio estão deflacionadas pelo ativo do
ano anterior (t-1)
∆��� !" # – Representa a variação do saldo de clientes, deflacionados pelo ativo do ano
anterior (t-1), da empresa i no período t e da empresa i no ano t-1
– Manipulação de resultados existente na empresa i, no ano t
Podemos associar o volume de negócios ao nível de PIDR de uma empresa, uma vez que este
mede a atividade e dimensão da empresa e está positivamente relacionado com o nível de PIDR
reconhecido. Espera-se que, quanto maior for esta variável maior seja o nível de PIDR
reconhecido (Elliot e Shaw, 1988), uma vez que um maior nível de vendas leva a um maior saldo
de clientes, ceteris paribus, que tem associado um maior potencial de perdas e por isso pode
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traduzir um maior reconhecimento de PIDR. Contudo, Rua (2012) no seu estudo apresentou
resultados contrários, segundo os quais “as empresas de grande dimensão reconhecem, em
termos relativos, menos PIDR do que as restantes empresas”; no entanto, isto poderá dever-se
à maior pressão que estas grandes empresas colocam nos clientes de forma a minimizar as perdas.
Apesar deste resultado, irei antecipar que o coeficiente (��) relacionado com esta variável,
apresente um sinal positivo, dado que o estudo de Rua (2012) inseriu-se num contexto diferente
do comumente analisado na literatura (Elliot e Shaw, 1988).
Conforme mencionado, nos incentivos existentes à manipulação de resultados, no caso das
empresas que se caracterizam pelo facto de a gestão e a propriedade serem exercidas em
conjunto, característica predominante nas empresas não cotadas em Portugal, a minimização do
imposto a pagar é bastante relevante bem como a sinalização da empresa no sentido de não
apresentar resultados ou variações do resultado negativas. Posto isto, dado que se perspetiva,
pelos incentivos inerentes, que as empresas em estudo utilizem a flexibilidade normativa
existente no reconhecimento de PIDR, o resultado líquido antes do reconhecimento de PIDR
assume-se como uma variável explicativa do modelo que pode permitir a análise da parte
discricionária deste accrual. Assim, o coeficiente (��) relaciona-se positivamente com o
reconhecimento de PIDR esperando-se que quanto maior for o �������, maior seja o
reconhecimento de PIDR para a minimização do imposto a pagar pelo resultado líquido do
exercício. Adicionalmente, existe incentivo à manipulação de resultados no que respeita à não
sinalização negativa da empresa por apresentação de variações negativas no resultado líquido
(RL) de um ano para o outro. Sendo assim, o coeficiente (��) da variável explicativa ∆��
relaciona-se negativamente com o reconhecimento de PIDR, uma vez que quanto maior for a
variação negativa do RL menor será o reconhecimento de PIDR para a manutenção da variação
do RL do ano anterior para o seguinte.
A variável explicativa relacionada com a autonomia financeira, representa a solvabilidade da
empresa através da determinação da proporção dos ativos que são financiados pelos capitais
próprios. Quanto maior for a necessidade de obtenção de financiamento maior o incentivo de
manipulação de resultados positiva (Healy e Whalen, 1999), contudo esta correlação não é
consensual na literatura, e por isso, não iremos perspetivar o sinal esperado do coeficiente (��)
29
associado a esta variável, apesar da evidência de que quanto maior for este rácio maior
estabilidade financeira caracteriza a empresa.
A principal base à estimativa que fundamenta o reconhecimento de PIDR relaciona-se com a
antiguidade e rotação dos saldos de clientes. Assim, a inclusão da variável ∆��� !" # permite
avaliar as condições de crédito dadas aos clientes e a efetividade da cobrança. Nesta medida,
quanto maior for a ∆��� !" # entre o período t e t-1, maior será o nível de reconhecimento
de PIDR. Assim o coeficiente (��) relacionado com esta variável espera-se que apresente um
sinal positivo.
30
8. Seleção da amostra, estatísticas descritivas e correlações das variáveis
A metodologia adotada no teste da questão de investigação formulado no subcapítulo 7.1.
assenta nas seguintes fases: (1) modelizar as determinantes das PIDR, para o que irei isolar a
componente não discricionária das mesmas, que se prevê não terem sido registadas com o
objetivo de incrementar ou diminuir os resultados; (2) testar a hipótese, estimando os
coeficientes das variáveis explicativas no período anterior à crise, conforme modelo 7.2; (3)
estimar o nível de PIDR esperado no período da crise, utilizando os coeficientes estimados no
período anterior; (4) pela diferença chegar à parte discricionária do reconhecimento de PIDR
dada pelo valor do erro de estimação, proxy assumida à manipulação de resultados, associado à
diferença entre a nossa estimação e o nível real de PIDR reconhecidas no período de crise.
8.1 Seleção da amostra e tratamento de dados
A amostra compreende empresas portuguesas não cotadas do sector metalúrgico e
metalomecânico (CAE n.º 25 Rev.3) disponíveis na base de dados SABI (versão 2017), para o
período compreendido entre 2006 e 2016. Face à especificidade da questão em causa, no que
respeita à variável económica central – PIDR –, a sua definição temporal é condicionada pela
informação disponível. De acordo com o normativo contabilístico em vigor no período em
análise, até 2010 a divulgação das PIDR na demonstração de resultados era feita conjuntamente
com as Perdas por Imparidade em Existências (PIE). Só com a introdução do SNC em 2010
esta divulgação passou a ser feita autonomamente. Assim, podemos verificar que temos uma
limitação dos dados no período de 2006 a 2016 que, de forma a garantir a coerência e consistência
dos dados utilizados, tentamos contornar utilizando como proxy das PIDR, o somatório das
PIDR com as PIE, para todo o período de análise. Rua (2012), no seu estudo deparou-se com a
mesma limitação e concluiu que o número de empresas que reconheceu PIE em 2010 não é
significativo, “apenas 10,7% das empresas que reconheceram PIDR reconheceram também
PIE”. Desta forma, apesar da potencial limitação na recolha de dados evidenciada não
antecipamos um impacto significativo nas conclusões do nosso estudo.
O processo de definição da amostra caracterizou-se por sucessivos ajustamentos nos dados
recolhidos na base de dados SABI. Foi considerada uma amostra inicial de 10.066 empresas para
o presente estudo, após eliminação das observações com dados em falta ou desfasamentos
31
temporais num dos períodos, visto que as variáveis introduzidas no modelo dependem de taxas
de crescimento face ao período anterior. Também, segundo Allen et. al. (2013) não é normal o
crescimento no dobro ou a diminuição para metade do ativo de um período para o outro, e por
isso foram eliminadas as observações com taxa de crescimento do ativo superior a 100% ou
inferior a 50%. Por fim, o modelo econométrico 7.2 foi regredido por ano apenas para empresas
com auditoria e Certificação Legal de Contas (“CLC”) sem reservas nem ênfases para a secção
C nº25 da CAE Rev3. Ao limitar o nosso estudo apenas a empresas com uma CLC “limpa”
estamos a mitigar o risco de uma possível manipulação de resultados no nosso modelo. Como
referido anteriormente, apesar de incluir neste estudo todas as práticas legais ou ilegais, que visam
influenciar os resultados das empresas de forma discricionária, de forma a simplificar, como a
amostra se compõe por PMEs, onde práticas de natureza fraudulenta serão mais possíveis de
ocorrer sem deteção, aquelas que à partida são detetadas na CLC serão excluídas.
De forma a evitar situações de heteroscedasticidade, para a estimação da PIDR reconhecidas
todas as variáveis explicativas foram deflacionadas pelo ativo do período anterior.
Abaixo, na tabela 3, sintetizo o processo de tratamento de dados:
Tabela 3 – Tratamento de dados para seleção da amostra
Descrição Nº Obs.
Base de dados SABI (2017). Total de observações (empresas-ano) de 10.066 sociedades não cotadas disponíveis para o período 2006-2016 do CAE n.º 25 Rev.3
110.726
Empresas-ano sem dados das variáveis selecionadas, sem ativo ou sem capital próprio
60.360
Empresas-ano após eliminação das que não reconheceram PIDR 7.521
Empresas-ano após eliminação das que não tinha CLC “limpa” (relatório do auditor “qualificado”)
7.086
Empresas-ano após eliminação de observações com variação do ativo face ao período homólogo superior a 100% ou inferior a 50%
6.840
32
8.2 Estatísticas Descritivas
A tabela 4 apresenta algumas estatísticas descritivas da amostra, considerando quer o período
como um todo, quer a divisão do mesmo em pré-crise, crise e pós-crise (3 subperíodos), de
forma a caracterizar a amostra do nosso estudo:
Tabela 4 – Estatísticas descritivas
Pré-crise Crise Pós-crise
Variáveis 2006-2009 2010-2014 2015-2016
Média 0,0408 0,0211 0,0163Mediana 0,0077 0,0065 0,0033Média 1,1721 1,0334 1,0970Mediana 1,0790 0,9380 1,0029Média 0,0600 0,0439 0,0628Mediana 0,0409 0,0375 0,0524Média 0,0030 0,0054 0,0051Mediana 0,0009 0,0009 0,0033Média 0,2764 0,2366 0,4461Mediana 0,3178 0,3708 0,4392Média 0,0330 0,0175 0,0169Mediana 0,0153 0,0061 0,0028
∆Clientes
PIDR
VN
RLAPIDR
∆RL
AF
Notas:
1) Todos os valores acima referenciados encontram-se deflacionados pelo total do ativo do período t-1. 2) VN – Volume de Negócios, que corresponde à soma das Vendas e Prestações de Serviço; AF –
Autonomia Financeira, que no presente estudo corresponde ao Ativo Líquido / Capitais Próprios; RLAPIDR – Resultado Líquido do Período antes do reconhecimento de perdas por imparidade; Variação de clientes - variação de dívidas a receber, no período t face ao período t-1; Variação do RL - variação do resultado líquido do período, no período t face ao período t-1. PIDR – Perdas por imparidade em dívidas a receber da empresa i no período t, que de 2006 a 2009 incluem as Perdas por imparidade em existências.
A variável dependente, PIDR, apresentou um decréscimo significativo no período de crise face
ao período anterior, revelando que neste período não existiu um reconhecimento de PIDR em
linha com o esperado, decorrente da dificuldade de cobrança de dívidas aos clientes neste
período, que mantendo o mesmo critério de reconhecimento, aumentaria o saldo dos clientes e
consequentemente o nível de PIDR reconhecido.
Como podemos verificar através das estatísticas descritivas dos diferentes períodos, a variável
relacionada com o VN apresentou uma variação média negativa no período de crise definido,
apresentando posteriormente um crescimento pouco significativo. Este indicador evidencia uma
33
diminuição da taxa de crescimento do volume de negócios de 2010-2014, que seria esperada pelo
que o período económico adverso de crise provocou ao crescimento da economia portuguesa.
Em linha com o evidenciado no indicador anterior, também o Resultado Líquido do período
antes do reconhecimento de PIDR apresentou um decréscimo no período da crise em termos
médios, evoluindo de novo positivamente no período de 2015-2016, demonstrando assim que
antes do impacto do reconhecimento de PIDR já existia uma diminuição do resultado do período
anterior e por isso espera-se que não exista incentivo de impactar mais negativamente o resultado
com o reconhecimento de PIDR neste período de crise.
A autonomia financeira, no período de crise, em termos médios apresentou uma evolução
desfavorável pelo peso que o passivo financeiro passou a ter na realidade económica das
empresas deste sector e, adicionalmente, pela diminuição do ativo das empresas, dado que neste
período de crise, existiu um aumento das empresas dissolvidas e as restantes reduziram
consideravelmente a sua atividade.
A variável relacionada com a variação do saldo de clientes no período de crise apresenta uma
redução face ao período que antecede a crise, contudo, ao contrário de seria de esperar pela
evolução do volume de negócios, apresenta uma taxa de crescimento positiva. Esta evolução
positiva pode sugerir que no período de crise existiu uma maior dificuldade na cobrança de
saldos de clientes e por isso, mesmo tenho uma diminuição da atividade o saldo aumenta pela
antiguidade. A evolução deste indicador neste período poderia indicar um aumento do
reconhecimento de PIDR pelo aumento da antiguidade dos saldos de clientes, contudo as PIDR
apresentaram um decréscimo. No período após a crise podemos verificar um ligeiro crescimento
deste indicador, contudo este período caracterizou-se pela existência de algumas incertezas
quanto à sustentabilidade da economia portuguesa.
8.3 Correlação das variáveis explicativas do modelo
Num modelo de regressão, para cada variável explicativa temos uma distribuição de valores da
variável dependente, cujas médias se encontram sobre a linha da regressão (Silva et al., 2018).
Para isto acontecer, existem pressupostos que se devem verificar, como a linearidade, a
homocedasticidade e a ausência de multicolinearidade perfeita. A não verificação dos
34
pressupostos tem implicações sobre a performance e a precisão das estimativas dos parâmetros dos
modelos.
Um dos problemas mais comuns no modelo de regressão é a existência de multicolinearidade,
sendo que duas ou mais variáveis explicativas estão fortemente relacionadas, apresentando
coeficientes de correlação superiores a 0,8 (Silva et al., 2018). Apesar da multicolinearidade não
violar os pressupostos da regressão, dificulta a estimação dos coeficientes da regressão
associados às variáveis explicativas com precisão, embora, segundo Silva et. al (2018), isso não
implique um enviesamento sistemático das estimativas. Como o objetivo deste estudo passa pela
estimação dos parâmetros individuais a multicolinearidade pode ser um problema pois poderá
levar a estimativas com sinais errados e com amplitudes desconexas. Contudo, e segundo Dias
(2014), valores de correlação entre as variáveis explicativas superiores a 40% serão de evitar,
porque espero que exista correlação entre as variáveis, mas não antecipo que as mesmas sejam
fortemente correlacionáveis entre si.
Na tabela 5 apresento os coeficientes de correlação amostral de Pearson e Spearman, que
apresentam a medida do grau de correlação linear entre duas variáveis explicativas. O coeficiente
de correlação de Pearson traduz-se num índice adimensional no qual se reflete a intensidade de
uma relação linear entre dois conjuntos de dados, ao passo que o coeficiente de correlação de
Spearman não requer a suposição que a relação entre as variáveis é linear.
Tabela 5 – Coeficientes de correlação de Pearson e Spearman
2006-2009 PIDR AF RLAPIDR ∆Clientes ∆RL VN
PIDR -0,0633 0,5954 0,0600 0,0516 0,1403AF -0,0318 0,2393 -0,0621 0,0303 0,0095
RLAPIDR 0,6961 0,1072 0,2427 0,4114 0,4166∆Clientes 0,0629 0,0013 0,2365 0,2781 0,3351∆RL -0,0510 -0,0134 0,3444 0,2444 0,2491VN 0,0594 0,0899 0,3056 0,3934 0,1839
2010-2014 PIDR AF RLAPIDR ∆Clientes ∆RL VN
PIDR -0,1447 0,3750 -0,0382 -0,0270 0,1375AF -0,1211 0,2474 -0,0368 0,0166 -0,0344
RLAPIDR 0,3374 0,0521 0,2507 0,3830 0,4282∆Clientes -0,1056 0,0232 0,2427 0,2298 0,3074∆RL -0,1104 0,0110 0,2815 0,1406 0,1907VN 0,1270 0,0630 0,3612 0,3497 0,0841
35
2015-2016 PIDR AF RLAPIDR ∆Clientes ∆RL VN
PIDR -0,0762 0,3065 -0,0817 -0,0118 0,1429AF -0,1289 0,2886 -0,0884 0,0261 -0,0761
RLAPIDR 0,0932 0,2720 0,1386 0,4582 0,3983∆Clientes -0,0552 -0,0615 0,0913 0,1888 0,2005∆RL -0,2353 0,1204 0,7973 0,0836 0,2372VN 0,1291 -0,0459 0,3112 0,2154 0,1717
Notas:
1) As definições das variáveis encontram-se definidas na tabela 4. 2) As correlações de Pearson e Spearman encontram-se, respetivamente, no triângulo inferior e superior. 3) Valores a sombreado representam correlações superiores a 40% entre as variáveis.
Os resultados verificados em termos de correlação das variáveis revelam uma reduzida
multicolinearidade entre as variáveis, com exceção das PIDR com o RLAPIDR, o que de certa
forma introduz o facto do reconhecimento de PIDR estar dependente do resultado líquido do
período, justificada pela flexibilidade normativa existente. Desta forma, não antevejo problemas
de colinearidade no modelo de regressão a ser utilizado.
O reconhecimento de PIDR correlaciona-se positivamente com o VN e com a variação do saldo
de clientes para o período como um todo, como foi perspetivado anteriormente. Podemos
verificar que esta correlação não é muito significativa no período como um todo e no período
que antecede a crise, mas que se revela superior durante a crise e após a mesma no que respeita
à variável explicativa do VN. Por seu turno, a variável relacionada com a ∆��� !" # apresenta
uma diminuição na correlação tornando-se a mesma negativa face ao reconhecimento de PIDR,
o que poderá levantar a questão de uma possível manipulação de resultados durante este período,
desta forma uma variação positiva de saldo de clientes levaria a um menor reconhecimento de
PIDR.
A correlação negativa entre a variável dependente e a ∆�� também já poderia ser esperada,
dado que, face a uma maior variação negativa do RL com referência ao período anterior existe
um incentivo ao menor reconhecimento de PIDR no período, a fim de mitigar esta variação
adversa, de forma a alisar os resultados no período. Podemos verificar também que durante o
período da crise esta correlação negativa acentuou-se face ao período que a precedeu.
36
Por fim, a variável relacionada com a AF correlaciona-se negativamente com o reconhecimento
de PIDR. Apesar de inicialmente não termos antecipado o sinal desta correlação, é sabido que,
quanto maior for este rácio, maior estabilidade caracteriza a empresa e por isso menor o
reconhecimento de PIDR esperado, pelo impacto negativo que estas provocam no resultado
reportado. Como a fórmula deste rácio incorpora o Total do Ativo no numerador, quanto maior
este for, via saldo de clientes, maior será a probabilidade de reconhecimento de PIDR e menor
o valor desta variável.
Após caracterizar a amostra, explicar o processo de recolha e tratamento de dados e apresentar
as estatísticas descritivas e correlações existentes entre as variáveis selecionadas, irei, no próximo
capítulo, apresentar os resultados empíricos que obtive do teste da amostra definida.
37
9. Resultados Empíricos
Neste capítulo irei apresentar os resultados da análise estatística efetuada com base no modelo
apresentado no capítulo 7, tendo por base a amostra caracterizada no mesmo e respetivas
estatísticas e correlações.
A secção 9.1 apresenta a estimação dos coeficientes do modelo de regressão 7.2 para os
subperíodos em análise, permitindo, posteriormente, a estimação das PIDR esperadas para o
período de crise, tendo por base os coeficientes estimados no período que antecede esta crise na
secção 9.2. Também, é analisada a proxy referente à manipulação dos resultados dada pela
diferença anteriormente definida. A secção 9.3 apresenta os testes de robustez efetuados.
9.1. Estimação dos coeficientes do modelo de regressão 7.2 e respetiva discussão
Segundo Dechow (2003), a facilidade que existe à manipulação de resultados via estimativas,
utilizando accruals, deriva da flexibilidade inerente às políticas contabilísticas e da difícil deteção
pelos destinatários da informação financeira. Adicionalmente, os accruals podem antecipar
corretamente os benefícios económicos futuros ou representar erros de estimação (Allen et al.,
2013), sendo estes últimos encarados como indícios de uma possível manipulação de resultados.
Na tabela 6 são apresentados os resultados da estimação dos coeficientes do modelo de regressão
7.2. nos diferentes subperíodos em análise e, seguidamente, será apresentada uma análise dos
resultados obtidos.
Tabela 6 – Coeficientes de regressão do modelo 7.2
Coef. p-value Coef. p-value Coef. p-value
+ 0,0280 0,0000 0,0062 0,0020 0,0001 0,0011
+ 0,7668 0,0000 0,2234 0,0000 0,3179 0,0000
- -0,4280 0,0000 -0,0940 0,0000 -0,3340 0,0000
- -0,0146 0,0000 -0,0018 0,0000 -0,0514 0,0000
+ 0,0086 0,0030 0,0667 0,0000 0,0288 0,0021
105,62 0,000 159,33 0,000 107,81 0,000
33,99%
33,27%
R2 (%)
R2 ajustado (%)
Estatística F
61,19%
61,13%
21,38%
21,25%
2015-2016Variáveis Explicativas
Sinal Esperado
2006-2009 2010-2014
$%&'() = *+,�() + *-'./$%&'() + *0∆'.() + *1/�() + *2∆�3(45)46() + 7()
��
�������
∆��
∆��� !" #
��
38
O modelo regredido e cujos coeficientes foram estimados é estatisticamente significativo, dado
que a totalidade dos coeficientes estimados apresentam um p-value inferior a 0,05, e por isso a
regressão é estatisticamente significativa com um nível de confiança de 95% (ou de significância
de α=5%).
Em termos de capacidade explicativa, o modelo apresenta um coeficiente de determinação
ajustado (��ajustado) de 21,25% no período de crise e de 61,13% no período que antecede a
crise. Apesar do modelo ter perdido capacidade explicativa, segundo Silva et. al (2018), um
modelo de regressão linear com múltiplas variáveis com um (��ajustado) superior a 15% é
considerado ter um nível de capacidade explicativa razoável. Este coeficiente traduz-se num rácio
entre a variação explicada pelo modelo e a variação total, e indica-nos a proporção de variação
total que é explicada pelo modelo de regressão. Desta forma, para os períodos em análise posso
concluir que o modelo definido apresenta uma capacidade explicativa razoável.
Conforme a minha expectativa, o �� apresenta um coeficiente positivo o que indica que
quanto maior for o volume de negócios da empresa maior será o nível de PIDR reconhecidas
no período. Este resultado corrobora a evidência empírica obtida por Elliot e Shaw (1998) e é
contrário ao estudo de Rua (2012), de acordo com o qual seria expectável que empresas de maior
dimensão apresentem um menor nível de PIDR, pela maior capacidade de cobrança destas dos
saldos de clientes, evitando assim um maior reconhecimento de PIDR. O resultado que obtive
poderá estar relacionado com as características do sector em que a amostra selecionada se insere,
que se caracteriza por ter empresas de menor dimensão, enquanto que no estudo de Rua (2012),
a sua amostra é mais abrangente compreende mais do que um sector de atividade.
Adicionalmente, é importante ter em conta que a exposição da informação financeira de
empresas de maior dimensão é mais significativa e, e por isso, têm tendência a adotar uma
contabilidade mais prudente e conservadora (Watts e Zimmerman, 1978), reconhecendo
potencialmente mais PIDR.
Relativamente à ∆��� !" #, o modelo confirma que quanto maior for a variação do saldo de
clientes, maior é o nível de reconhecimento de PIDR. O resultado corrobora que, mantendo-se
estáveis as condições de crédito aos clientes e a efetividade das cobranças, o saldo de clientes
varia pelo reconhecimento de PIDR.
39
Os resultados obtidos pela estimação do coeficiente relacionado com o ������� permitem
aferir que quanto maior for o �������, maior será o reconhecimento de PIDR para a
minimização do imposto a pagar pelo resultado líquido do exercício (incentivo fiscal). Nas
empresas cuja gestão e propriedade são exercidas em conjunto, a minimização do imposto a
pagar é bastante relevante bem como a sinalização da empresa no sentido de não apresentar
resultados ou variações do resultado negativas. Contudo nestas empresas existe um certo
cuidado no reconhecimento das perdas de forma a evitar auditorias fiscais, onde um elevado
reconhecimento de gastos fiscalmente aceites pode gerar um alerta para que algo pode não estar
corretamente contabilizado. Também, as empresas estão sujeitas a um nível mínimo de imposto
a pagar e, por isso, a partir de determinado nível de resultado deixa de existir incentivo à sua
diminuição (Moreira, 2008). Posto isto, dado que se perspetiva, pelos incentivos inerentes, que
as empresas em estudo utilizem a flexibilidade normativa existente no reconhecimento de PIDR,
o coeficiente associado ao resultado líquido antes do reconhecimento de PIDR permite a análise
da parte discricionária deste accrual, pela análise mais clara do resultado da empresa antes do
reconhecimento desta perda. Adicionalmente, no que respeita ao ∆�� podemos verificar que
o sinal esperado do coeficiente é corroborado e por isso, quanto maior for a variação negativa
do RL menor será o reconhecimento de PIDR para a manutenção da variação do RL do ano
anterior para o seguinte. Segundo Mulford e Comiskey (2002), esta hipótese formula a realidade
de uma manipulação de resultados com o intuito de alisamento dos mesmos, verificando-se uma
diminuição da variabilidade dos resultados, de forma a que a empresa seja percecionada com
menor risco.
Por fim, o modelo determina que quanto maior for a variável da �� , maior estabilidade
financeira caracteriza a empresa e por isso menor o reconhecimento de PIDR. Também,
segundo Healy e Whalen (1999), quanto maior for a necessidade de obtenção de financiamento
maior o incentivo de manipulação de resultados positiva, onde um maior reconhecimento de
PIDR leva a uma diminuição do saldo de clientes, que consequentemente diminui o Ativo total,
aumentando este rácio financeiro. Embora esta correlação não seja consensual na literatura, o
modelo proposto corrobora a evidência empírica obtida por Healy e Whalen (1999).
40
9.2. Estimação das PIDR esperadas para o período de crise 2010-2014 e análise
do respetivo efeito da crise (ε.)
Após estimar os coeficientes do modelo de regressão que propus, que nos permitem aferir um
nível médio de PIDR reconhecidas, de forma a avaliar uma possível manipulação de resultados
no período definido da crise, irei estimar o nível das PIDR neste período tendo por base os
coeficientes do modelo de regressão do período anterior (8.1) e posteriormente comparar a
minha estimação com o real, obtendo assim o ε., efeito da crise (8.2). Terei por base o seguinte:
����8 = ��∗�� + ��∗������� + ��∗∆�� + ��∗�� + ��∗∆��� !" # (8.1)
���� − ����8 = . (8.2)
Nas formulações efetuadas em 8.1 e 8.2 temos de considerar que o período t corresponde ao
período compreendido entre 2010 e 2014, período de crise definido. Adicionalmente, os
coeficientes ��∗, ��∗, ��∗, ��∗ e ��∗ correspondem aos coeficientes estimados na tabela 6 para
o período compreendido entre 2006 e 2009.
Tabela 7 – Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.)
Valor médio 2010-2014 t-student
Coef. 2006-2009
VN 1,0334 3,7788 0,0157RLAPIDR 0,0439 23,2316 0,5684∆RL 0,0054 -12,0433 -0,3103AF 0,2366 -8,5703 -0,0030∆Clientes 0,0175 11,3583 0,0284PIDR 2010-2014 estimadas 0,0392PIDR 2010-2014 reportadas 0,0211
ε. 0,0182
Como podemos verificar, as PIDR estimadas, tendo por base os coeficientes estimados no
período anterior à crise, são superiores ao valor médio reportado destas no período da crise.
Desta forma, podemos verificar que no período da crise existiu um menor reconhecimento de
PIDR o que permitiu diminuir o impacto negativo sobre o resultado líquido do período através
da diminuição do reconhecimento deste tipo de perda. Segundo Neto (2015), o período de crise
41
caracterizou-se por ser um período de degradação da conjuntura económica, durante o qual as
empresas tiveram de assumir a degradação dos resultados, e, por isso, verificou-se um incentivo
a evitar uma variação negativa destes valores, que poderá ser entendida como um alisamento dos
mesmos (Mulford e Comiskey, 2002). No leque de perdas a reconhecer no período, as PIDR
são aquelas que cujo reconhecimento apresenta uma maior flexibilidade contabilística e as
empresas podem ter diminuído o seu reconhecimento durante este período pelo facto de as
restantes perdas já serem bastante penalizadoras para o resultado do período.
É sabido, também, que este período se caracterizou pela diminuição do VN e,
consequentemente, aumento dos saldos de clientes pela dificuldade de cobrança, pelo que seria
de antecipar um aumento do reconhecimento de PIDR, mas tal não se verificou como podemos
verificar na tabela 7.
Por tudo isto, podemos concluir que a flexibilidade existente no reconhecimento de perdas por
imparidade em dívidas a receber, durante a crise, permitiu uma atuação sobre o resultado
reportado, de forma a alisar os mesmos pelo menor reconhecimento deste tipo de perda,
minimizando assim o impacto negativo sobre os resultados reportados. Assim, a hipótese H1
formulada é corroborada dado que o efeito da crise (ε.) via manipulação de resultados indica-
nos que a componente discricionária do accrual analisado levou a um menor reconhecimento de
PIDR no período, impactando negativamente a componente não discricionária deste accrual.
A evidência empírica é concordante com a obtida no estudo de Dias (2014), onde se concluiu
que a crise económica e financeira em Portugal teve um impacto penalizador para a economia
portuguesa e impactou a evolução da variação das dívidas a receber e o respetivo processo de
reversão. Também, o resultado obtido é consistente com a evidência obtida por Allen et al.
(2013), no que respeita ao comportamento da variação do saldo de clientes, numa ótica de
manipulação de resultados, tendo em conta a utilização de um accrual específico.
9.3. Testes de Robustez
Após apresentar os resultados obtidos com o modelo de regressão formulado nos capítulos
anteriores, de forma a obter um maior conforto sobre a evidência empírica obtida efetuei um
conjunto de testes de robustez que serão seguidamente discutidos. Numa ótica de eficiência
42
limitamos o nosso tratamento de dados e estimação do modelo para o período anterior à crise,
de 2006 a 2009, e para o período da crise, de 2010 a 2014, dado que não considero que a
estimação dos coeficientes do período posterior introduza alguma informação adicional à que
pretendemos corroborar, para os testes de robustez 1 e 2. No teste de robustez 3 simulamos o
exercício efetuado em 9.2 mas temos em consideração os coeficientes estimados para o período
de crise para calcular as PIDR estimadas no período de recuperação da crise, após 2014, tentado
assim incorporar o efeito da crise, e consequente manipulação de resultados, na estimação das
PIDR para o período subsequente à crise.
9.3.1 Introdução de CLC’s qualificadas na amostra
No tratamento de dados realizado, uma das exclusões que realizei foi a eliminação dos dados
recolhidos que estivessem associados a CLC’s qualificadas. O modelo econométrico 7.2, foi
assim regredido por ano apenas para empresas com auditoria e Certificação Legal de Contas
(“CLC”) sem reservas nem ênfases. Ao limitar o estudo apenas a empresas com uma CLC
“limpa” excluímos do nosso modelo uma possível manipulação de resultados por fraude. Ao
incluir estes dados esperamos que a nossa evidência empírica seja corroborada e, também, que a
diferença entre a nossa expectativa de reconhecimento de PIDR e as PIDR reais reconhecida no
período de crise seja maior que a verificada nos resultados obtidos anteriormente.
Tabela 8 – Coeficientes do modelo e estatísticas descritivas para teste robustez 1
Média Mediana Coef. p-value Média Mediana Coef. p-value
0,03023 0,0075 0,0204 0,00621
+ 1,1681 1,0745 0,0279 0,0000 1,0184 0,9251 0,0062 0,0001
+ 0,0594 0,0410 0,7601 0,0000 0,0422 0,0364 0,2146 0,0000
- 0,0028 0,0008 -0,4260 0,0000 0,0050 0,0009 -0,0976 0,0000
- 0,2792 0,3197 -0,0148 0,0000 0,2369 0,3701 -0,0018 0,0000
+ 0,0329 0,0154 0,0081 0,0380 0,0158 0,0050 0,0638 0,0000
0,000 0,000
Variáveis Explicativas
Sinal Esperado
2006-2009 2010-2014
R2 (%) 60,65% 20,52%
R2 ajustado (%) 60,59% 20,40%
Estatística F 106,66 163,08
Observações 3.466 3.164
$%&'() = *+,�() � *-'./$%&'() �*0∆'.() �*1/�() �*2∆�3(45)46() �7()
��
�������
∆��
∆��� !" #
��
����
43
Tabela 9 – Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.) tendo
em conta o teste de robustez 1
Em linha com o tratamento de dados efetuado inicialmente, para este teste de robustez foram
deflacionadas as variáveis pelo total do ativo do ano anterior, de forma a evitar problemas de
heteroscedasticidade. Como podemos verificar na tabela 8, o modelo manteve-se
estatisticamente significativo, dado que a totalidade dos coeficientes estimados apresentam um
p-value inferior a 0,05, e por isso a regressão é estatisticamente significativa com um nível de
confiança de 95% (ou de significância de α=5%). Em termos de capacidade explicativa, dada
pelo R2 ajustado, verificamos que perdeu cerca de 1 p.p. em ambos os períodos, o que continuo
a considerar um nível razoável.
No que respeita aos coeficientes estimados neste teste, em termos de sinais esperados
verificamos que os obtidos se mantiveram face à evidência empírica evidenciada em 8.1., em
termos de coeficientes os mesmos apresentam uma ligeira diminuição, mantendo-se, no entanto,
relativamente estáveis. Desta forma, a evidência empírica obtida neste teste de robustez não é
qualitativamente diferente da tabelada e discutida na secção 8.1 (tabela 6), e por isso a exclusão
dos dados referentes a CLC’s qualificadas não altera os resultados e as conclusões obtidas.
Também, como seria expectável, com a inclusão de empresas cuja CLC é qualificada, podemos
potencialmente amplificar o impacto de uma possível fraude e, por isso, o efeito da crise obtido
na estimação das PIDR para o período é superior, corroborando assim que no período da crise
existiu um menor reconhecimento de PIDR o que permitiu diminuir o impacto negativo sobre
o resultado reportado do período.
Valor médio 2010-2014 t-student
Coef. 2006-2009
VN 1,0184 3,7788 0,0279RLAPIDR 0,0422 23,2316 0,7601∆RL 0,0050 -12,0433 -0,4260AF 0,2369 -8,5703 -0,0148∆Clientes 0,0158 11,3583 0,0081PIDR 2010-2014 estimadas 0,0550PIDR 2010-2014 reportadas 0,0204
ε. 0,0346
44
9.3.2 Não eliminação de variações superiores a 100% e inferiores a 50% do ativo
Segundo Allen et. al. (2013) não é normal o crescimento no dobro ou a diminuição para metade
do ativo de um período para o outro, e por isso foram eliminadas as observações com taxa de
crescimento do ativo superior a 100% ou inferior a 50% no modelo de regressão 7.2 cujos
resultados empíricos se encontram evidenciados em 8.1. Contudo, de forma a confirmar que
esta exclusão não criou impacto na evidência empírica obtida, irei considerar para este teste de
robustez uma população onde não terei em conta estas variações do ativo.
Tabela 10 – Coeficientes do modelo e estatísticas descritivas para teste robustez 2
Média Mediana Coef. p-value Média Mediana Coef. p-value
0,02991 0,0078 0,0224 0,00664
+ 1,1936 1,0792 0,0266 0,0000 1,0735 0,9349 0,0169 0,0000
+ 0,0585 0,0409 0,7424 0,0000 0,0425 0,0373 0,1874 0,0000
- 0,0031 0,0008 -0,4522 0,0000 0,0045 0,0008 -0,1183 0,0000
- 0,2604 0,3144 -0,0143 0,0000 0,1508 0,3669 -0,0017 0,0000
+ 0,0381 0,0152 0,0140 0,0614 0,0278 0,0056 0,0468 0,0000
0,000 0,000
Observações
Estatística F 106,65 168,28
Variáveis Explicativas
Sinal Esperado
2006-2009 2010-2014
R2 (%) 60,82% 21,96%
R2 ajustado (%) 60,76% 21,83%
3.441 2.996
$%&'() �*+,�() � *-'./$%&'() �*0∆'.() �*1/�() �*2∆�3(45)46() �7()
��
�������
∆��
∆��� !" #
��
����
Tabela 11 – Estimação das PIDR no período de crise e análise do efeito da crise (ε.)
tendo em conta o teste de robustez 2
Valor médio 2010-2014 t-student
Coef. 2006-2009
VN 1,0735 3,7788 0,0266RLAPIDR 0,0425 23,2316 0,7424∆RL 0,0045 -12,0433 -0,4522AF 0,1508 -8,5703 -0,0143∆Clientes 0,0278 11,3583 0,0140PIDR 2010-2014 estimadas 0,0563PIDR 2010-2014 reportadas 0,0224
ε. 0,0339
45
Como podemos verificar na tabela 10, o modelo mantém-se estatisticamente significativo, dado
que a totalidade dos coeficientes estimados apresentam um p-value inferior a 0,05. No que toca à
sua capacidade explicativa podemos verificar que no período da crise existiu uma diminuição de
0,4 p.p enquanto que no período de crise o modelo aumentou o R2 ajustado em
aproximadamente, 0,3 p.p, sendo estas alterações pouco significativas e continuando a
demonstrar uma capacidade explicativa do modelo neste teste razoável.
Podemos verificar que em termos de coeficientes estimados neste teste, o sinal manteve-se
conforme o esperado e obtido na evidência empírica obtida em 9.1 e, os coeficientes
apresentaram uma ligeira diminuição, mas mantiveram-se relativamente constantes, à exceção
do coeficiente de volume de negócios que apresentou um aumento pelo aumento do número de
observações incluído neste teste.
Assim, mesmo sem a eliminação de variações superiores a 100% e inferiores a 50% do ativo, a
evidência empírica deste teste de robustez não é qualitativamente diferente da obtida
anteriormente e, corrobora que no período da crise existiu um menor reconhecimento de PIDR
o que permitiu diminuir o impacto negativo sobre o resultado reportado do período, pelo efeito
da crise obtido ser superior ao obtido na secção 9.1.
9.3.3 Estimação das PIDR esperadas para o período de recuperação da crise 2015-2016
tendo por base os coeficientes estimados no período de crise definido
Com este teste irei avaliar se a evidência empírica, obtida através da regressão do modelo 7.2,
quanto ao efeito de crise, analisado em 9.2, apresenta uma redução ou aumento, no período
subsequente à crise.
Após estimar os coeficientes do nosso modelo de regressão que nos permitem aferir um nível
médio de PIDR reconhecidas, de forma a avaliar uma possível diminuição do efeito da crise via
manipulação de resultados no período subsequente a esta, iremos estimar o nível das PIDR neste
período tendo por base os coeficientes do modelo de regressão do período anterior (estimados
em 8.1) e posteriormente comparar a nossa estimação com o real, obtendo assim o ε., efeito da
crise.
46
Tabela 12 – Estimação das PIDR no período subsequente à crise e análise da evolução
do efeito da crise (ε.) tendo em conta o teste de robustez 3
Valor médio 2015-2016 t-student
Coef. 2010-2014
VN 1,0334 0,4034 0,0062RLAPIDR 0,0439 19,5416 0,2234∆RL 0,0054 -21,4222 -0,0940AF 0,2366 -9,9599 -0,0018∆Clientes 0,0175 3,0892 0,0667
PIDR 2015-2016 estimadas 0,0164PIDR 2015-2016 reportadas 0,0163
ε. -0,0002
Como podemos verificar, as PIDR estimadas, tendo por base os coeficientes estimados no
período de crise, são semelhantes com o valor médio reportado destas no período posterior à
crise, tendo um efeito da crise bastante diminuto. Desta forma, podemos verificar que, a
tendência de um menor reconhecimento de PIDR no período de crise (segundo a evidência
empírica em 9.2), manteve-se no período de 2015-2016, o que permitiu diminuir o impacto
negativo sobre o resultado líquido do período através da diminuição do reconhecimento deste
tipo de perda, num período de recuperação económica. Também, neste resultado importa ter
em conta dois fenómenos que podem estar a impactar o reconhecimento de PIDR
contrariamente, neste período, nomeadamente:
1. Num período de recuperação económica espera-se que a atividade das empresas aumente
e, por isso, leve a um aumento do saldo de clientes. Tendo um aumento do saldo de
clientes temos necessariamente um maior nível de PIDR a reconhecer. Contudo, neste
período também existiu uma melhoria na cobrabilidade das dívidas a receber, que passou
a ser, progressivamente, menos difícil, e que levou a um menor reconhecimento de
PIDR.
2. A estimação das PIDR mencionadas na tabela 12 têm por base os coeficientes estimados
no período da crise que, segundo os resultados obtidos em 9.2, apresentam um
enviesamento pelo efeito da crise via manipulação de resultados. Desta forma,
poderemos estar a incluir nesta estimação um efeito de manipulação de resultados
47
decorrente do período de crise que levou a uma manutenção de níveis baixos de PIDR
reconhecidos.
Por estes motivos, a diminuição do reconhecimento de PIDR, face ao período anterior de crise,
poderá estar a ser impactado mais significativamente por uma menor dificuldade na
cobrabilidade das dívidas do que o aumento da atividade da empresa decorrente da recuperação
económica. Adicionalmente, este efeito poderá estar a ser impactado, numa ótica de redução,
pelos incentivos de manipulação de resultados, medidos através do efeito da crise, evidenciado
na evidência empírica obtida em 9.2.
* * *
Em suma, a evidência empírica discutida e testada em termos de robustez, corrobora a distinção
deste accrual específico – PIDR- em duas componentes, uma não discricionária decorrente da
normal atividade da empresa, e uma discricionária decorrente de julgamentos e estimativas que
com determinados incentivos poderá dar abertura a uma manipulação de resultados. Verificou-
se que a crise económica condicionou o reconhecimento deste tipo de perda de forma a
transmitir aos principais stakeholders uma informação mais penalizante para a empresa, e existindo
assim o incentivo de alisar os resultados da empresa. Posto isto, a hipótese H1 formulada é
corroborada e indica-nos que a componente discricionária do accrual analisado levou a um menor
reconhecimento de PIDR no período, impactando negativamente a componente não
discricionária deste accrual.
48
10. Conclusões, contributos da investigação, limitações e sugestões de
investigação futura
10.1. Conclusões
A informação financeira é deve supostamente fornecer aos principais stakeholders uma imagem
fiável sobre o desempenho económico e financeiro da empresa e, pelo que esta informação se
reveste de bastante utilidade numa ótica de avaliação das empresas e análise da sua performance
financeira, tendo em vista o desbloqueamento do acesso ao crédito via mercado de capitais ou
entidades bancárias. Contudo, esta informação assenta nos PCGA, o que introduz a
possibilidade de existirem estimativas e julgamentos assentes na realidade de cada empresa e no
espírito crítico dos seus gestores, potenciando assim, uma possível manipulação de resultados.
A manipulação de resultados surge, nesta medida, como um obstáculo à correta informação
financeira, que leva a que as tomadas de decisões económicas não sejam transparentes e eficazes.
A existência ou não desta manipulação depende, então, da ponderação entre os custos e os
benefícios associados a esta manipulação, inerente aos incentivos que a possibilitam.
Tendo em conta que o presente estudo se enquadra na realidade empresarial portuguesa, os
incentivos surgem pela cooperação existente entre a gestão e a propriedade das empresas, cuja
característica difere do modelo empresarial de empresas cotadas, amplamente estudado na
literatura referente ao fenómeno de earnings management. Neste contexto, os principais incentivos
passam pela facilidade e garantia no acesso ao crédito bancário, suportado pelo menor custo de
mercado, e pela minimização do imposto a pagar, que está diretamente relacionado com os
resultados reportados do período.
Neste estudo analisei a possível manipulação de resultados existente no período de crise em
Portugal. Para isto, dividi o período em análise, compreendido entre 2006 e 2016, em 3 períodos
distintos, nomeadamente no que antecedeu a crise financeira e que estaria a ter efeitos
económicos decorrentes da adesão à União Europeia, até 2009, no período de crise financeira
do subprime que funcionou como choque exógeno à economia portuguesa e culminou na crise
de dívida soberana de 2010 a 2014 e no período de recuperação da crise económica que se iniciou
em 2015 e se prolonga até aos dias de hoje. É importante de notar que, apesar da crise do subprime
ter início em meados de 2008 nos EUA não considerei que esta crise tivesse impacto imediato
49
na economia portuguesa, até porque os indicadores económicos analisados não sugerem esse
cenário, uma vez que esta crise se materializou na crise da dívida soberana, cujos efeitos se
fizeram sentir apenas em 2010, tendo em conta que a reação dos gestores não ocorre
imediatamente com o culminar da crise económica.
Para uma amostra de empresas nacionais não cotadas, do sector metalúrgico e metalomecânico,
verifiquei que a flexibilidade existente no normativo contabilístico, relativamente ao accrual
relacionado com as imparidades em dívidas a receber, num contexto económico de crise, tenderá
a que os gestores atuem sobre os resultados reportados no sentido de não apresentarem
resultados negativos e/ou variações negativas. Assim, este estudo pretende avaliar a existência
de incentivos à manipulação de resultados inerentes a um contexto económico de crise,
decorrente da discricionariedade e flexibilidade normativa existente no reconhecimento de
Perdas por Imparidade em Dívidas a Receber (PIDR). Para isso utilizei um modelo tipo Jones
(1991) com as devidas alterações face ao contexto económico de crise em Portugal e tendo em
conta o isolamento do efeito da manipulação de resultados numa variável económica específica
– PIDR, seguindo o exemplo do estudo de McNichols e Wilson (1988).
A evidência empírica recolhida permitiu verificar que no período da crise existiu um menor
reconhecimento de PIDR, o que levou a uma diminuição do impacto negativo sobre o resultado
líquido do período através da diminuição do reconhecimento deste tipo de perda. O período de
crise caracterizou-se como sendo um período de degradação da conjuntura económica, no
contexto do qual as empresas tiveram de assumir a degradação dos resultados e, por isso, houve
o incentivo de evitar uma variação negativa destes, que poderá ser entendida como um
alisamento dos mesmos.
10.2. Contributos e limitações
O conceito de manipulação de resultados, é amplamente estudado e são discutidos vários
métodos na literatura para a deteção destas manipulações, contudo, todos estes modelos pecam
pela incapacidade de controlarem o efeito assimétrico do princípio da prudência nos accruals.
Estes modelos tradicionais caracterizam-se por serem mal especificados (Dechow et al., 1995),
imprecisos na estimação (Guay et al., 1996), sem consideração por fatores de crescimento
(Young, 1999) e fracos em termos de previsão (Thomas e Zhang, 2000).
50
Para dar resposta a estas limitações existentes na modelização de um estudo baseado em accruals
na literatura, a metodologia que segui está baseada num modelo relacionado com um accrual
específico – o reconhecimento de PIDR; neste âmbito, isolei e analisei a componente
discricionária – caracterizada por ser a medida da possível manipulação de resultados efetuada -
, e não discricionária deste accrual específico. Esta divisão das componentes num período de crise
passou por analisar no período que antecede a crise a componente não discricionária deste accrual
e através desta criar uma previsão para o comportamento futuro, isolando a componente
discricionária pela diferença do total reconhecido de PIDR no período de crise.
Apesar da existência de inúmeros estudos sobre a manipulação de resultados na literatura, são
muito raros os estudos que modelizam a manipulação de resultados para a realidade portuguesa
de forma a obter evidência empírica que sustente a forma e as determinantes da sua existência.
Os estudos que existem baseiam-se na evidência empírica assente em empresas que se
caracterizam pelo modelo empresarial americano, estando cotadas em bolsa, e que são
fortemente dependentes do mercado de capitais para o financiamento externo. Desta forma, o
estudo realizado revela-se inovador pela amostra estudada e as suas conclusões, para além de
permitirem caracterizar uma percentagem da realidade empresarial portuguesa mais significativa,
irão facultar às autoridades reguladoras portuguesas e aos principais utilizadores de informação
conhecimento importante. Acresce que este estudo se revela, ainda, inovador, na medida em que
estuda um período de crise na economia portuguesa e cuja relação com a possibilidade de
manipulação de resultados ainda não foi estudada, contribuindo assim para preencher esta lacuna
na literatura nacional.
As principais limitações à investigação realizada prendem-se, em primeiro lugar, com o facto de
os resultados empíricos não constituírem uma medida mensurável da manipulação de resultados,
mas sim um indício da existência de manipulação de resultados no período em análise. Também,
e em segundo lugar, a amostra estudada insere-se num sector com um grau de abertura externo
bastante relevante, e por isso poderá refletir de forma mais significativa no seu comportamento
económico os choques exógenos que levaram ao período de crise analisado, em comparação
com um sector mais fechado à economia mundial.
51
10.3. Sugestões de investigação futura
Uma sugestão de investigação futura, no seguimento das limitações referidas à presente
investigação, poderia passar pela recolha empírica de dados no sentido de testar a modelização
formulada para outro sector de atividade económica, com um grau de abertura ao exterior mais
reduzido, e verificar se existem diferenças em termos de indícios da manipulação de resultados
num período de crise económica.
Também, como o estudo realizado tem por base um período definido da crise, uma sugestão de
investigação futura poderia passar pela mudança desta balização temporal, com o objetivo de
verificar se os resultados seriam os mesmos.
Adicionalmente, seria interessante o estudo de um outro accrual específico, como é o caso por
exemplo das imparidades relacionadas com participações financeiras, de forma a aferir se as
conclusões seriam as mesmas para um período de crise e de que forma os gestores usam a
discricionariedade deste accrual para a manipulação de resultados. Contudo, neste caso teria de
se mudar a amostra tendo em conta as empresas cotadas portuguesas, dado que estas é que terão,
à partida, este tipo de accrual específico.
52
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FACULDADE DE ECONO
MIA