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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO – FAHUD
PPGE – MESTRADO EM EDUCAÇÃO
SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA
O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA
INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2012
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SAMUEL ROCHA DE OLIVEIRA
O PROCESSO EDUCACIONAL DA CULTURA
INDÍGENA TICUNA NA REGIÃO DO ALTO SOLIMÕES
Dissertação apresentada como exigência parcial, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, da Faculdade de Humanidades e Direito – FAHUD, para a obtenção do titulo de Mestre em Educação. Orientação: Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini,
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2012
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A dissertação de mestrado sob o título “O processo educacional da cultura
indígena Ticuna na região do Alto Solimões”, elaborada por Samuel Rocha de
Oliveira foi apresentada e aprovada em 22 de agosto de 2012, perante banca
examinadora composta por Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini
(Presidente/UMESP), Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (Titular/UMESP) e Profa. Ana
Maria de Melo Negrão (Titular/UNISAL).
__________________________________________
Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Profa. Dra. Roseli Fischmann
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação – Mestrado em Educação
Área de Concentração: Educação
Linha de Pesquisa: Formação de Educadores
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Dedico este trabalho aos meus pais:
Ivan Nunes de Oliveira e Idete Rocha de Oliveira que me deram o dom mais precioso do universo,
A VIDA, mas não se contentando em nos presentear com ela, ensinaram-nos a vivê-la,
com dignidade, revestindo nossa existência de amor, carinho e dedicação. Fazemos de nossas conquistas um instrumento de gratidão. A vocês
que muitas vezes deixaram de realizar os próprios sonhos para que pudéssemos realizar
os nossos, não apenas 'muito obrigado', mas um pedido de amor: Ajudem-nos mais uma vez a
acreditar que podemos caminhar sozinhos.
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AGRADECIMENTOS
Senhor, quão grande é o nosso dilema! Na Tua presença seria melhor nos calarmos,
mas o amor inflama os nossos corações e nos constrange a falar. Se fôssemos
manter silêncio, as próprias pedras clamariam; mas, se abrimos a boca, que
devemos dizer? Ensina-nos, ó Deus, que tu não tens necessidade de nada. Se nada
é necessário a Ti, então também ninguém é necessário, e este ninguém nos inclui.
Tu nos buscaste, embora não tenha necessidade de nós. Nós te buscamos porque
precisamos de Ti, pois em Ti vivemos, nos movemos e existimos.
Senhor tenho que falar de Ti, para que não ofenda com meu silêncio a geração de
Teus filhos. Tu escolheste as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias e
as coisas fracas para confundir as fortes. Ó Senhor, não me desampare. Que eu
passe a mostrar a Tua força e o Teu poder a todos que nesta geração vierem a Ti.
Que a fé nos sustente onde a razão nos falha e assim, pensaremos porque cremos,
e não para que creiamos.
Sou grato a Ti Senhor, pela Francielis, companheira que me deste, nos momentos
que me encontrava pusilânime, ela com sua sabedoria me encorajou e me motivou a
perseguir na caminhada. Agradeço também, por ser agraciado por Ti com benção
especial, com as minhas filhas Samara e Sara, que são para mim prova do Teu
amor e fidelidade para comigo.
Sou grato a Ti Senhor pela oportunidade a mim concedida de receber o apoio da
CAPES – Modalidade I – sem o qual a realização deste trabalho não teria sido
possível.
Agradeço-Te ainda pela inteligência concedida à minha orientadora Prof. Dra. Zeila
de Brito Fabri Demartini, e pela missão que deste aos docentes: Prof. Dra. Marília
Dura, Prof. Dr. Elydio dos Santos Neto, Prof. Dr. Décio Azevedo Marques de Saes,
Profa. Dra. Graça Graúna (indígena Potiguara/RN), Profa. Dra. Roseli Fischmann,
Profa. Dra. Maria Leila Alves, Prof. Dr. Jean Lauand e também ao saudoso Prof. Dr.
Danilo Di Mano, que de uma forma magnífica nos fizeram ficar mais próximos do
conhecimento e neste conhecimento pudemos avançar com toda a esperança e
confiança, por todos os anos vindouros. Amém!
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Ninguém liberta ninguém,
ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão”
Paulo Freire (1977, p. 27).
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RESUMO
Esse trabalho busca analisar o sistema educacional na tribo Ticuna, localizada na região do Alto Solimões, estado do Amazonas, onde estou há 21 anos em contato permanente com os índios Ticuna. Com o passar dos anos tenho observado que a cada dia, e de forma mais intensa, a manutenção de sua cultura vem sofrendo com o processo de influência da cultura não índia. Nesse trabalho realiza-se um levantamento histórico referente à possível existência de duas correntes educacionais entre os professores Ticuna. Uma considera importante um ensino bilíngue, o estudo dos mitos e costumes para preservação da cultura; a outra acredita que é inócuo estudar os mitos e outros aspectos culturais, que podem ser apreendidos no dia a dia, defendem que os índios precisam de uma educação igual a dos não indígenas, para competir no mercado em condições de igualdade. Inicialmente propõe-se uma busca histórica sobre o processo educacional relacionado à cultura Ticuna fora da escola, procurando verificar as relações entre o que é transmitido pela escola e o que se evidencia no cotidiano Ticuna. Em seguida, realiza-se uma análise de como se processa a educação implantada no meio Ticuna sob o título ―Educação Indígena‖. Destacam-se os fatores que influenciaram a fundação da escola, sua localização e aspectos relacionados ao meio físico, econômico, social e cultural, bem como, o ambiente humano e de aprendizagem, dados esses que subsidiam o objetivo proposto para este trabalho. Procura-se verificar se a educação desenvolvida na escola indígena cumpre o papel de estar constantemente buscando alternativas para uma educação que seja apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna, uma educação adequada à realidade cultural. A pesquisa baseia-se em levantamento de dados através de documentos, como também em entrevistas com lideranças, professores e idosos da Tribo Ticuna; também na observação direta, com anotações feitas em caderno de campo. O processo de assimilação e influência da cultura não índia predomina na região do Alto Solimões e tem ―esmagado‖ a cultura Ticuna, fazendo com que muitos já não queiram mais pescar, caçar ou viver como produtores ou coletores. É necessário buscar alternativas educacionais para a escola indígena Ticuna, em uma educação que seja apropriada para a sobrevivência de sua cultura e ao mesmo tempo minimize o preconceito enfrentado por esse povo. As lideranças e professores Ticuna esperam que a escola ajude na preservação e valorização de sua cultura. O prejuízo causado à educação cultural dos índios Ticuna é grande, a maioria dos jovens e crianças não são conhecedores dos significados dos rituais religiosos, mitos, lendas e crenças. Muitas vezes sabem até realizar o ritual, mas parece mais uma imitação de gestos, que se desvincula do seu real sentido. Espera-se que ao final dessa pesquisa sejamos capazes de utilizar o material desenvolvido para reflexão e que ela talvez possa servir como ponto de partida para os professores Ticuna na elaboração de diretrizes e desenvolvimento de um novo paradigma educacional que valorize mais a cultura.
Palavras-Chave: Etnia Ticuna; Educação; Repasse Cultural; Assimilação cultural;
Escola indígena.
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ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 1 TICUNA: UM POVO NO ALTO SOLIMÕES...........................................................20 1.1 O TERRITÓRIO TICUNA.....................................................................................23 1.2 O RELAÇÃO COM OS NÃO INDÍGENAS...........................................................26 2 PRÁTICAS NO COTIDIANO TICUNA: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL DOS TICUNA.....................................................................................................................29 2.1 O CASAMENTO – AS METADES EXOGAMICAS..............................................36 2.2 O NASCIMENTO.................................................................................................39 2.3 A MORTE.............................................................................................................39 3 SISTEMA EDUCACIONAL: EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO PARA OS ÍNDIOS.......................................................................................................................41 3.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL: ALGUMAS OBSERVAÇÕES........................................................................................................42 3.2 EDUCAÇÃO PARA ÍNDIOS, IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA................................47 3.3 A ESCOLA NA COMUNIDADE INDÍGENA DE UMARIAÇU I ............................51 3.3.1 A Situação da Escola.......................................................................................53 3.3.2 Pessoal, Instalações, Equipamentos Material Didático e Verbas que a Escola Dispõe........................................................................................................................53 3.3.3 A População Alvo da Escola.............................................................................55 3.3.4 O Currículo em Função da Necessidade dos Alunos......................................55 3.3.5 Projetos Desenvolvidos.....................................................................................55 3.3.6 Conselho Escolar..............................................................................................56 3.3.7 A Situação da Merenda.....................................................................................56 3.3.8 Deficiências Detectadas na Escola...................................................................59 3.3.9 Etno Educação Indígena...................................................................................60 3.4 EDUCAÇÃO INDÍGENA: APRENDIZAGEM TICUNA........................................62
4 A EDUCAÇÃO NO OLHAR DO INDIGENA...........................................................79 4.1 EDUCAÇÃO PARA SE TORNAR ―CIVILIZADO‖................................................85 4.2 AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA EDUCAÇÃO DA ALDEIA.............................87 4.3 O CONTATO COM OS OUTRO: VENCENDO O PRECONCEITO.....................89 4.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS NO ALTO SOLIMÕES.............91
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CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................94 REFERÊNCIAS........................................................................................................102 APÊNDICES.............................................................................................................106 APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas...................................................................106 APÊNDICE B – Entrevistas......................................................................................107
LISTA DE SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEB – Câmara de Educação Básica
CETAM – Centro de Treinamento Profissional
CGTT – Conselho Geral das Tribos Ticuna
CONSED – Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDAM – Instituto de Desenvolvimento do Amazonas
LDB – Lei de Diretrizes e Base da Educação
LDBEN – Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
MEC – Ministério de Educação e Cultura
NEIs. – Núcleo de Educação Indígena
OGPTB – Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues
ONGs – Organizações não Governamentais
OSPTAS – Organização de Saúde do Povo Ticuna do Alto Solimões
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
SPI – Sistema de Proteção ao Índio
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TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Caixa Econômica em Belém do Solimões............................................... 23
Figura 2 – Eware I e II (Território Ticuna)..................................................................24
Figura 3 – Inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL 8º BIS........................................................................................................25 Figura 4 – Casa Ticuna..............................................................................................28
Figura 5 – Pinturas artísticas dos Ticuna...................................................................30
Figura 6 – Peixe Cozido.............................................................................................31
Figura 7 – Peixe moqueado.......................................................................................31
Figura 8 – Preparo da Farinha de mandioca.............................................................31
Figura 9 – Ajuri Ticuna (mutirão)...............................................................................33
Figura 10 – Cestos, tipitis e peneiras para o trabalho diário.....................................34
Figura 11 – Privada encontrada em comunidade indígena.......................................52
Figura 12 – Escola o‘i Tchürüne................................................................................53
Figura 13 – Fachada da Escola o‘i Tchürüne............................................................53
Figura 14 – Adubando a horta escolar......................................................................57
Figura 15 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................57
Figura 16 – Plantação de hortaliças na escola..........................................................58
Figura 17 – Plantação de coqueiros na escola..........................................................59
Figura 18 – Pintura dos deuses Yo‘i e Ipi...................................................................66
Figura 19 – Desenho do Curupira..............................................................................73
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa participante, articulada
com as fundamentações teóricas e metodológicas das disciplinas do Mestrado em
Educação da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e com apoio da
CAPES, através do projeto de pesquisa ―O Processo Educacional da Cultura
Indígena Ticuna na Região do Alto Solimões‖.
Meu primeiro contato com povos indígenas ocorreu no município de Lábrea
no Estado do Amazonas, Alto Rio Purus, no ano de 1983. Recém-chegado de São
Paulo, minha Cidade Natal, com apenas seis anos de idade, na companhia de meus
pais, conheci os índios Apurinã e Palmaris. Sentia uma admiração pelos indígenas e,
ao mesmo tempo, certo medo desse contato, e isto provavelmente havia sido gerado
pela visão equivocada, geralmente veiculada pela mídia, sobre esses povos.
Passados alguns anos, tive o privilégio de residir na cidade de Eirunepé,
localizada à margem direita do Rio Juruá, onde conheci os índios Kulina que
habitam nas cabeceiras do Rio Eiru, afluente do Rio Juruá. Essa aproximação foi
marcante ao extremo e me deu outra visão da realidade vivenciada entre os povos
indígenas.
Posteriormente, no dia 20 de maio de 1990, cheguei à cidade de Tabatinga,
região do alto Solimões, onde fixei moradia e ali passei a ter contato permanente
com os índios Ticuna que em sua origem autodenominam-se a Nação magüta,
termo que literalmente significa ―gente pescada‖ com vara de pescar por Yo‘i, herói
mitológico dos Ticuna. As experiências têm sido marcantes, e desde então, convivo
com os Ticuna.
Ao longo de 21 anos através do cotidiano nas Aldeias Ticuna, com o
desenvolvimento de projetos sociais e da realização de centenas de viagens para
essas aldeias, tenho observado um povo possuidor de cultura peculiar, sobretudo,
atraente, porém, ainda carente de um olhar mais refinado por parte de estudiosos e
pesquisadores, principalmente, no que se refere ao campo pedagógico.
Mesmo convivendo com os índios Ticuna, o interesse pelo debate e
pesquisas acadêmicas no campo educativo indígena surgiu na ocasião da minha
graduação em Pedagogia. Isto motivou para que realizasse praticamente todos os
estágios nas aldeias Ticuna de Umariaçu I e II. Na ocasião colocamos em prática um
projeto de intervenção articulado à disciplina de Educação Ambiental na
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Universidade Estadual do Amazonas - UEA, o projeto consistia na implantação de
uma horta escolar. A elaboração do projeto ocorreu após perceber que a merenda
oferecida para os alunos naquela ocasião era de má qualidade. Esse projeto foi
desenvolvido em parceria com os alunos da 3ª e 4ª séries da escola O’t Thürune,
com o apoio do CETAM. O projeto objetivava o fornecimento de uma merenda
escolar balanceada para uma melhor nutrição de crianças que muitas vezes só
tinham uma única refeição por dia, a merenda oferecida na Escola.
O mais marcante sem dúvida foi um projeto relacionado aos mitos e lendas do
povo Ticuna. Fizemos um levantamento para detectar o nível de conhecimento dos
alunos a respeito da mitologia Ticuna e suas crenças. Constatamos que era
necessário a realização de pesquisa pelos alunos, principalmente através de
conversas e consulta aos mais antigos da tribo, para que fossem resgatados
conhecimentos que se tornaram obsoletos ao longo do tempo. Assim obtivemos
êxito no levantamento e na organização de material sobre a mitologia e crenças
Ticuna. O projeto também incluía a representação dos mitos através de pinturas.
Foram realizadas oficinas e exposição de pinturas retratando os mitos e o resultado
foi um sucesso. Os Ticuna têm talento especial na arte de pintar e conseguem
realizar uma representação incrível através dos desenhos.
A cada aproximação do universo Ticuna, com os estágios e projetos
realizados na aldeia de Umariaçu I e II, reforçava ainda mais o desejo de conhecer
de forma mais profunda a cultura do povo Ticuna, além de ser extremamente
necessário para a elaboração do meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso na
graduação em Pedagogia, construído a partir de diversas entrevistas com
professores Ticuna e lideranças da aldeia, e também, através de minhas
observações anotadas em caderno de campo, sem, contudo, ignorar o material que
alguns pesquisadores já haviam elaborado sobre aspectos relevantes da cultura
Ticuna.
O tema desta pesquisa ―O Processo Educacional da Cultura Indígena Ticuna
na Região do Alto Solimões‖, surgiu da estreita relação com o debate acadêmico
que há algum tempo se evidencia na Amazônia em torno da escola e da educação
indígena; também em decorrência do contato direto que tenho com membros da
etnia Ticuna há 21 anos, adicionando ao processo a ideia de buscar um modelo
educativo participativo, no qual as comunidades indígenas participem do diálogo
com o MEC e das propostas para solução das dificuldades e problemas
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evidenciados nessas comunidades.
Neste contexto e em meio às conversas informais com professores Ticuna,
observei que havia diferentes posturas pedagógicas e formas de pensar evidentes
no ambiente escolar, no que se refere à maneira ideal para implantação de uma
educação que liberte, e que esteja acima dos pré-conceitos aos quais os indígenas
são submetidos e que, ao mesmo tempo, possa garantir a preservação e
manutenção de sua cultura.
Este trabalho busca analisar o sistema educacional na tribo Ticuna. Para
tanto, foi realizado um levantamento referente à possível existência de duas
correntes educacionais entre os professores Ticuna. Uma das correntes considera
importante um ensino bilíngue, o estudo dos mitos e costumes para preservação da
cultura; a outra também é bilíngue, porém, acredita que é inócuo estudar os mitos e
aspectos culturais e defende que os índios precisam de uma educação igual à dos
não indígenas ―civilizados‖, para que seja garantida a ascensão social e também
para competir no mercado em condições de igualdade, minimizando o preconceito
que sofrem. Identificamos diferentes posturas e práticas pedagógicas que podem
auxiliar ou dificultar o repasse cultural da etnia Ticuna através da escola.
Esse trabalho exigiu inicialmente a realização de um levantamento histórico
da educação tradicional da Tribo Ticuna. Em seguida, a realização de análise para
conhecer melhor como se processa a educação implantada no meio Ticuna sob o
título Educação Indígena. Durante essas fases são destacados os fatores que
influenciaram a fundação da escola, sua localização e aspectos relacionados ao
meio físico, econômico, social e cultural, bem como o ambiente humano e de
aprendizagem. Esses dados fornecem subsídios para atingir o objetivo proposto
para este trabalho que se destina analisar o processo da educação na Tribo Ticuna.
A intenção é verificar se a educação desenvolvida na escola indígena cumpre o
papel de estar constantemente buscando alternativas para uma educação que seja
apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna e adequada à realidade cultural.
Através da experiência com os índios Ticuna tenho observado que a
manutenção de sua cultura vem sofrendo a cada dia de forma mais intensa, com o
processo de assimilação da cultura não índia. Esse processo é retratado por
Brandão (1995) quando afirma: ―Sabemos que ninguém escapa à educação‖, por
isso, o povo Ticuna com toda certeza possui uma forma própria e singular de
educação. Brandão (1995, p. 8), deixa evidente através da carta dos índios aos
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brancos que ofereciam a escola dos brancos a seus jovens indígenas. A carta
divulgada por Benjamin Franklin relatava que os indígenas estavam convencidos
que os senhores não indígenas desejavam o bem para eles e agradeceram de todo
o coração pela oferta para que seus filhos fossem educados no conhecimento dos
não indígenas. Entretanto, mencionaram que aqueles que têm sabedoria
reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo
assim, disseram que não queriam ofender os brancos ao mostrar que a ideia deles
de educação não era a mesma que a dos não indígenas.
O relato de Brandão (1995) segue com a afirmação de que muitos dos
bravos guerreiros indígenas que foram formados nas escolas da cidade e
aprenderam toda ciência dos brancos, quando voltavam para o meio indígena, eram
maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a
fome. Não sabiam como caçar, nem matar o inimigo ou construir uma cabana, e
falavam a língua materna muito mal. Eles não serviam para a vida na floresta, nem
serviam como hábeis guerreiros, caçadores ou mesmo como conselheiros. Os
indígenas do relato agradeceram a proposta dos ―brancos‖ para que indígenas
estudassem nas escolas, e relataram que mesmo sem poder aceitar, para mostrar
sua imensa gratidão, sugeriram aos brancos que enviassem alguns dos seus jovens
para convivência na comunidade indígena, para ensinar-lhes tudo o que eles sabiam
e assim eles se tornariam verdadeiros homens.
Neste sentido, alguns indígenas em conversas informais relataram que a
esperança que eles depositam na escola escoa-se mediante a desvalorização de
sua cultura e o que realmente está na moda é mudar para conseguirem sobreviver,
mesmo que o preço a ser pago seja a perda da identidade cultural. O processo de
assimilação cultural que é imposto pela cultura não índia e predominante, tem
―esmagado sua cultura Ticuna‖. Muitos já não querem mais pescar, caçar, já não
vivem mais como produtores ou coletores e sim, como consumidores.
A escolha de um método que em linhas gerais predominasse foi importante.
Embora sejam utilizados em vários pressupostos do método etnográfico e também
da pesquisa quantitativa, esta pesquisa é de cunho qualitativo.
Na metodologia são utilizados pressupostos do método etnográfico, descrito
por Bertaux (2010), que fala sobre a coexistência de fenômenos dentro de uma
sociedade, como é o caso das correntes educacionais observadas nas comunidades
da tribo Ticuna.
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Pelo termo ―perspectiva etnossociologica‖ designamos um tipo de pesquisa empírica apoiada na pesquisa de campo e nos estudos de caso, que se inspira na tradição etnográfica nas suas técnicas de observação, mas que constrói seus objetos pela referencia a problemas sociais. (p. 23, grifos do autor).
Buscamos uma ou algumas possíveis explicações ao problema das posturas
educacionais de professores Ticuna, que a nosso ver, a priori parece de ordem
social e talvez seja potencializado pela multiculturalidade existente na região do Alto
Solimões.
Para tanto, é necessário um breve diagnóstico situacional das escolas
envolvidas na pesquisa. Também é preciso recorrer às informações sobre educação
escolar que são organizadas a partir de dados obtidos no setor de Educação da
FUNAI, às informações obtidas no contato direto com o cotidiano indígena e
construídas a partir de depoimentos de lideranças indígenas e às informações
etnográficas já registradas, como as pesquisas de Nimuendaju (1977), Oliveira Filho
(1988) Viveiros de Castro (2002). É necessário ainda a utilização de trabalhos que
retratam as relações socioculturais como os de Demartini (2003) e Martins (2009) e
estudos como os de Meliá (1979), Monte (2000) e Godoy (2011), cujo foco direciona-
se às relações entre cultura indígena e escola, que são de fundamental importância
para que possamos atingir o objetivo deste trabalho.
Neste sentido, observamos que alguns autores têm se interessado por
fenômenos observados em comunidades indígenas e vêm realizando pesquisas
sobre o seu cotidiano, seus aspectos sociológicos e educacionais. Nesta pesquisa
recorremos a eles, além de utilizar o material coletado na participação da I
Conferência Regional do Alto Solimões e Javari, que tratou de questões
educacionais e a autonomia indígena.
Para Meliá (1979) a escola na aldeia não pode ser vista de maneira simplória
como uma mera representação do estado impondo ideologias sobre os povos
indígenas. O que é importante para essa autora são as relações interétnicas e as
instituições através das quais se constituem como experiências dinâmicas onde a
agência das partes envolvidas possibilita desdobramentos criativos e inesperados,
desafiando-nos com novos problemas.
A magia da escrita se burocratiza quando ela entra na escola, e escola é quase sempre o espaço do Estado e das instituições que o representam. O lugar físico, social e político que tem a escola na aldeia confunde-se facilmente com o lugar que ocupa o Estado nesse povo. (p. 11).
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O contexto demonstra que a partir da década 1970, surgiram movimentos
envolvendo lideranças indígenas de diferentes grupos étnicos que reivindicavam a
educação escolar como direito e se organizaram para definir os rumos da educação
em suas comunidades. Essa informação reportou-me a I Conferência Regional do
Alto Solimões e Javari, organizada pelo MEC em maio de 2009, onde presenciei as
discussões e palestras realizadas para uma melhoria da educação indígena. O cerne
da proposta do MEC era a estabelecer um diálogo para possível implantação de
uma política educacional pautada em pressupostos da Etnoeducação. Na ocasião
estavam presentes representantes de diversos movimentos indígenas, lideranças e
caciques da região que lutam para melhoria na Educação escolar em suas
comunidades.
Monte (2000) aborda o assunto no contexto latino americano, relacionando-o
à educação e sociedades indígenas no Brasil.
Como parte das reformas educativas latino-americanas, um novo paradigma para a educação das sociedades indígenas está sendo construído em substituição ao condenado modelo de escola como veículo de interação e assimilação lingüística e cultural. Tem sido conceituando na América Hispânica de Educação intercultural Bilíngüe (EIB), ou Etnoeducação, enquanto no Brasil é conhecida como Educação Escolar Indígena (EEI). Nas últimas décadas, um repertório de modificações políticas significativas vem acompanhando essas formulações, traduzidas em novas bases jurídicas e institucionais. É direito coletivo e dever de Estado inscrito nas Constituições Federais de legislações educacionais específicas. (p. 99).
Temos observado que a Etnoeducação é uma tendência, uma nova
experiência no campo educacional indígena. Essa forma de educação passa a lidar
com etnias de forma mais presente e particular, ou seja, as comunidades indígenas
que têm uma cultura similar, no que se refere à proximidade da língua, costumes,
hábitos etc. Passam então a ter uma educação participativa e voltada para sua
realidade.
Oliveira Filho (1988) vê a ideia com pessimismo e contesta, afirmando que é
preciso prestar atenção às formas como as instituições aparentemente externas são
internalizadas pelos povos indígenas. Analisa como um grupo étnico com elementos
vivos e atuantes de sua própria organização social e de sua cosmologia, se adapta,
tenta resistir à dominação e reinterpreta a ação do Estado.
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As ações do índio são sempre vistas e interpretadas de acordo com as representações e interesses de grupos sociais que com eles compartilham a mesma situação histórica, para apreender a constituição desse campo é necessário remeter-se à situação histórica precedente e captar como os índios estiveram plenamente inseridos na situação de domínio dos seringalistas, tratados como atores efetivos, decodificando os significados tradicionais que atribuíram aos eventos que viveram, bem como acompanhando as novas significações e os cursos de ações alternativas que constituíram. (p. 88).
Pode ser mais uma forma de tratar os diferentes grupos étnicos de forma
igual, e de forma sutil minar cada vez mais o seu legado cultural. O tema relacionado
a diferentes culturas é complexo e muito mais quando envolve a escola, e
principalmente, no contexto indígena, não é simples de tratar. Neste sentido,
Demartini (2003) ressalta que:
Tratar de questões relacionadas à cultura não é tarefa fácil; e parece-me mais difícil quando o tema proposto é culturas escolares [...] Se pensarmos na realidade que vivemos hoje, já seria difícil responder a essas questões, mesmo sabendo que a temática mais ampla da cultura tem sido objeto de investigação mais intenso da vida educacional. Os significados atribuídos à escola e ao conhecimento escolar por ela produzido têm sido objeto de muitas discussões e controvérsias. Filósofos da atualidade refletem sobre a crise profunda que afeta a cultura e discordam sobre as finalidades da escola para o homem no mundo atual e sobre as práticas nelas observadas, quando pensam nas demandas destes novos tempos e nesta sociedade e cultura cada vez mais globalizada. (p.135-136).
Os povos indígenas Ticuna convivem com diversas culturas e possuem
diferentes posturas na escola. Sobre as diferenças culturais observamos também em
de Martins (2009) em seu livro ―A fronteira‖ no qual expõe resultados de pesquisas
desenvolvidas nos últimos trinta anos, em diferentes pontos da região amazônica
colocando um ingrediente interessante no encontro de etnias.
A fronteira, segundo Martins (2009), é o espaço próprio do encontro de
sociedades e culturas entre si diferentes, a sociedade indígena e a sociedade dita
―civilizada‖, mas também as várias e substancialmente diferentes facções da
sociedade de brancos e mestiços que somos. Esse autor é importante no sentido de
confirmar o que observo na região da tríplice fronteira, onde vivem a maior parte dos
índios Ticuna, os quais muitas vezes deixam seu habitat natural, a comunidade
indígena, e buscam uma aventura na cidade. Alguns procuram trabalho, outros vão
estudar na cidade. Certa vez, inclusive, um amigo indígena me falou: ―Samuel,
quero mandar meu filho pra teu (sic) casa, pra se ‗civilizar‘, estudar na escola de
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Tabatinga‖. Esse fato se repete com muita frequência na região. Muitos não são
considerados essencialmente não indígenas quando estão na cidade e ao mesmo
tempo quando estão na aldeia são vistos como alguém que é ―civilizado‖, por terem
assimilado traços culturais dos não indígenas; chegam até a ser vistos com
desconfiança por alguns parentes indígenas. Ficam, segundo esse autor, na
fronteira étnica, ou seja, acabam sem ―identidade étnica‖, não são nem de lá (aldeia)
e nem de cá (cidade), acabam ficando na fronteira.
As diferentes posturas pedagógicas observadas entre professores Ticuna
podem residir exatamente no fato observado acima. Mas para que seja confirmado
ou negado faz-se necessário ir a campo investigar através das entrevistas para
saber se tal fato realmente procede ou se esta observação está equivocada.
A presente pesquisa está organizada em quatro capítulos: no primeiro,
abordamos o histórico do povo Ticuna; observando a origem do povo, fazemos
menção ao nome ―Ticuna‖ atribuído a essa etnia provavelmente por índios
Omáguas. Discorremos brevemente sobre a constante luta indígena pela
autoafirmação e afirmação de seu território. São observados também a disposição e
o número de comunidades Ticuna dentro do território magüta. Neste capítulo
abordamos, ainda, o início da relação com os não indígenas, chamados comumente
de ―civilizados‖, sendo que este aspecto é de fundamental importância na
contextualização e posterior compreensão das correntes educacionais.
No segundo capítulo, apresentamos as práticas observadas no cotidiano
Ticuna, a educação não formal, que envolvem: o uso da língua Ticuna, o trabalho, a
roça, a caça, a pesca, a alimentação, as festas, a arte, as pinturas, o nascimento, as
relações interétnicas, o casamento e a morte. Essas práticas constituem uma
ferramenta pedagógica importante para a dinamização e manutenção da cultura
Ticuna em constante contato com outros povos.
No terceiro capítulo a abordagem é referente ao sistema educacional, no qual
é discutida a Educação Indígena e a Educação para os índios. Apresentamos os
marcos legais que regulamentam os direitos dos povos indígenas, apresentando um
histórico da Educação no Brasil, cujo discurso oficial é a preservação cultural.
Evidenciamos a Educação Ticuna que através de mitos e lendas tem a finalidade
visível de proporcionar uma educação que garanta sua autoafirmação frente a outros
povos e preservação do legado cultural existente. É necessário abordar neste
capítulo o termo ―civilizado‖, comumente usado na região: a educação para se tornar
19
―civilizado‖, ou seja, a ação de se deslocar das comunidades indígenas para estudar
na cidade.
O quarto capítulo, traz a educação no olhar do indígena e procura demonstrar
o que é educação para o Ticuna, o que ele espera da escola e como o professor
―possuidor‖ de possíveis recursos pedagógicos pode facilitar ou dificultar o resgate e
a ―manutenção‖ cultural nas comunidades Ticuna através da escola. Esse capítulo
aborda de maneira breve aspectos do curso de formação de professores indígenas
na região do alto Solimões. Cabe ainda mencionar que é difícil falar de educação na
ótica do indígena, mostrando qual é a melhor maneira de lidar com a diversidade
sociocultural e o mundo pós-moderno e globalizado, mas este capítulo, além de
fundamentado nas entrevistas, apresenta a experiência que tenho com os índios
Ticuna na região do Alto Solimões.
A princípio, podemos afirmar que o modelo necessário de educação para a
escola indígena deveria ser um que constantemente desenvolvesse alternativas
para uma educação apropriada à sobrevivência da cultura Ticuna, uma educação
adequada à sua realidade cultural e mais que isso, que eles fossem os mentores de
tal educação, pois segundo Comênio (1976, p.104), ―não é necessário
consequentemente introduzir nada no homem a partir do exterior, mas apenas fazer
germinar as coisas das quais ele contém os germens em si mesmo...‖. Neste sentido
buscamos tecer este trabalho de forma que seja proveitoso tanto a pesquisadores e
professores Ticuna e que de alguma maneira possa servir como possível fonte para
reflexão.
20
1 TICUNA: UM POVO NO ALTO SOLIMÕES
Para a compreensão do contexto cultural, social e educacional do povo
Ticuna é necessária a realização de uma viagem panorâmica sobre a história desse
povo. Essa viagem será possível através de escritos etnográficos já existentes, e
pelo convívio e observação que tenho realizado na cultura levando em consideração
fatores que influenciam a cultura Ticuna no processo de assimilação da cultura não
índia chamada de Aculturação por alguns antropólogos.
Os Ticuna, nome pelo qual são conhecidos, não é uma autodenominação que
tem origem em seus ancestrais, mas são assim denominados por tribos vizinhas do
tronco linguístico Tupi, provavelmente os índios Omáguas, tribo com quem lutavam
pela posse do mesmo território. O termo “Tikuna” significa em Tupi ―nariz preto‖ faz
referência ao uso cultural de pinturas no rosto expressando filiação clânica que são
feitas com a tintura encontrada no jenipapo. Já os índios Ticuna, originalmente
autodenominavam-se a nação magüta, termo que literalmente significa ―gente
pescada‖ com vara de pescar por Yo‘i, herói mitológico dos Ticuna. Esse fato foi
observado pelo antropólogo alemão Kurt Nimuendaju (1977) que registrou os
primeiros contatos com os primeiros missionários e militares que entraram em
contato com os Ticuna por volta do século XVII.
Segundo relatos, em sua origem os Ticuna sempre foram índios de terra
firme, ocupando um extenso território no alto dos igarapés que deságuam no Rio
Solimões, mas que com o passar dos anos foram se deslocando cada vez mais, e a
partir do final do séc. XVIII, foram em direção ao grande Rio Solimões. Esse
processo teve início com o desaparecimento gradativo de seus inimigos rivais, os
Omágua (também chamados de Cambeba), tribo guerreira que dominava as
margens do Rio Solimões.
Mantêm estas tribos, por uma e por outra margem do rio, contínuas guerras com os povos vizinhos que, pelo lado do sul, são, entre outros, os Curina tão numerosos, que não apenas se defendem, pelo lado do rio, da grande quantidade das Águas, como também sustentam armas, ao mesmo tempo, contra as demais nações que por via terrestre os atacam constantemente. Pelo lado norte os Omáguas têm como inimigos os Tikunas que, de acordo com boas informações, não são inferiores aos Curina nem em número nem em brio, já que também sustentam guerras com os inimigos que têm terra adentro. (ACUÑA, 1994, p. 51).
21
Os Ticuna são citados pela primeira vez, de acordo com Oliveira Filho (1988)
pelo etnólogo alemão Kurt Nimuendaju, que em 1929 fez sua primeira viagem ao
alto Solimões e observou que estes tinham como inimigos os Omáguas, moradores
da margem esquerda do rio Solimões. Os Ticuna, que já fugiam das agressões
deste povo, refugiando-se nos altos dos igarapés e afluentes da margem esquerda
do Solimões, fazem o mesmo com a chegada dos espanhóis, em especial Francisco
Orellana e suas expedições, que desciam o rio Solimões.
Os primeiros contatos com os brancos datam do final do século XVII, quando jesuítas espanhóis, vindos do Peru e liderados pelo Padre Samuel Fritz, criaram diversos aldeamentos missionários às margens do rio Solimões. Essa foi à origem das futuras vilas e cidades da região, como São Paulo de Olivença, Amaturá, Fonte Boa e Tefé. Tais missões foram dirigidas principalmente para os Omáguas, que dominavam as margens e as ilhas do Solimões, impressionando fortemente os viajantes e cronistas coloniais pelo seu volume demográfico, potencial militar e pujança econômica. Os registros da época falam em muitos outros povos (como os Miranha ou os Içá, Xumana, Passe, Júri, entre outros, dados como extintos já na primeira metade do século XIX pelos naturalistas viajantes), que foram aldeados juntamente com os Omáguas e os Ticuna, dando lugar a uma população ribeirinha mestiça. (p. 280).
O fato de serem "índios na região da fronteira" determinava um intenso círculo
de trocas por um longo período, envolvendo não somente trocas comerciais com
grupos indígenas da Colômbia e do Peru, mas principalmente, de produtos de
grande valor simbólico e de conhecimentos ligados ao xamanismo, prática muito
valorizada nas culturas indígenas.
A partir do ano de 1970, os deslocamentos deram lugar a um grande
processo de ―urbanização‖ causado pela busca dos aldeamentos mais bem
estruturados com escolas e postos de saúde, e paralelamente, segundo Oliveira
Filho (1988), ―pelo chamado do Irmão José (brasileiro), que, dizendo-se dotado de
‗visão celestial divina‘, passou a colocar cruzes nos aldeamentos, prometendo que
salvaria aqueles que ali se reunissem e cumprissem os mandamentos da ‗cruzada
apostólica‘ ‖.
O fator histórico de ocupação e exploração do território Ticuna fez com que
houvesse grandes movimentos de deslocamento e de concentração populacional a
partir do século XVIII. Segundo Oliveira Filho (1988) no final do século XIX, a
expansão da exploração da seringa na região do Alto Solimões, e o lucro adquirido
22
com o trabalho em seringais, fez-se evidente o processo de dissolução das malocas
tradicionais, tendo havido a transferência dos indígenas para as margens do
Solimões em detrimento dos interesses da empresa seringalista.
Como em todas as aldeias, povoados e tribos brasileiras os índios Ticuna
inicialmente mantiveram-se fiéis às suas culturas, vivendo em malocas clânicas, no
entanto, através do contato intenso com os não índios esse aspecto cultural acabou
desaparecendo, sendo preservadas ainda, a língua, algumas tradições, a cultura do
cultivo da macaxeira, da banana e coleta de frutas para sua subsistência.
Atualmente devido à inserção do homem não índio, as políticas públicas
existentes, bem como o crescimento das cidades na região do Alto Solimões,
verifica-se um processo de perda da identidade indígena Ticuna. É possível
constatar grande fluxo migratório para as cidades, visando à compra de produtos
industrializados. Há, ainda, o fato de muitos saírem de suas aldeias e mudar-se para
as cidades, intensificando, assim, o processo de miscigenação.
O governo federal e, sobretudo, o governo estadual do Amazonas ajudam
ainda mais neste processo de saída das terras tradicionalmente ocupadas. Estes,
através de sua Autarquia Previdenciária concedem benefícios, sem observar os
procedimentos previstos na legislação; como também não criam condições que
melhorem a vida nas comunidades indígenas. A saúde e educação são prestadas
de forma precária com péssima qualidade, devido à distância, à falta de estrutura
física e equipamentos e também à falta de pessoas com formação necessária para
um atendimento básico de qualidade, tanto na área da saúde como na educação. Há
localidades que distam vários dias de viagem em canoas das cidades mais
próximas, assim, ocorrendo enfermidades graves e há grande probabilidade da
ocorrência de óbitos devido à falta de recursos.
O governo estadual, em vez de fomentar a cultura e manutenção das
tradições Ticuna, promove a introdução de elementos estranhos à cultura indígena,
que fazem parte do contexto social dos não índios e do cotidiano das cidades,
tornando cada vez mais as aldeias parecidas com pequenas cidades. Como
exemplo, vale mencionar a aldeia de Belém do Solimões, distante 80 km de
Tabatinga. Essa aldeia mais parece uma pequena cidade. Na figura 1, a seguir, é
possível observar um comércio no qual funciona a Caixa Econômica. As ruas estão
asfaltadas, todavia, não há saúde, ocorrem inúmeros falecimentos de índios, não há
segurança, estando os índios abandonados à própria sorte.
23
Figura 1 - Caixa Econômica em Belém do Solimões
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
O povo Ticuna do Alto Solimões está atualmente dividido em mais de 120
comunidades, que são distribuídas desde a calha do Rio Solimões até o alto dos
igarapés, e estão próximos a nove diferentes municípios: Benjamin Constant,
Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amatura, Santo Antonio do Içá, Jutaí, Fonte Boa,
Tonantins, Beruri. Em alguns desses municípios a população indígena constitui mais
da metade da população total de zona rural.
1.1 O TERRITÓRIO TICUNA
O território Ticuna do Eware localiza-se na Meso-Região do Alto Solimões
Amazonas, a aproximadamente 1500 km de Manaus, capital do estado do
Amazonas. A região é um espaço de confluência das fronteiras políticas dos três
países: Brasil, Colômbia e Peru. Este fenômeno faz que o atual território Ticuna
pertença a três nações diferentes, porém, os Ticuna ao mesmo tempo em que
reafirmam sua identidade étnica, também se adaptam às diferentes identidades
culturais.
Faz-se necessário esclarecer que na Meso-região do Alto Solimões, segundo
classificação do IBGE, existem sete populações com hierarquia de cidade: município
de Amaturá, Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Santo Antonio de Içá, São Paulo
de Olivença, Tabatinga e Tonantins. Essas cidades constituem-se centros
24
administrativos e comerciais e sedes dos municípios que levam o mesmo nome. As
povoações restantes são formadas por comunidades indígenas (das etnias
presentes na região: Ticuna, Cocama, Cambeba, Marubos, Matis e outras) ou
populações ribeirinhas. O foco deste trabalho, como já mencionado, configura-se
sobre o processo educacional construído principalmente com o auxílio de lideranças
e professores das comunidades Ticuna de Umariuaçu I e II e Belém do Solimões
que cuja localização está dentro dos limites do território Ticuna Eware, conforme
demonstra a figura 2.
Figura 2 – Eware I e II (Território Ticuna)
Fonte: I Conferência de Educação Indígena na Região do Alto Sol 2009 – adaptado pelo autor.
A nação Ticuna pode ser considerada como a maior população indígena da
Amazônia Brasileira. Segundo dados do ISA (2011) os Ticuna possuem
aproximadamente 36.377 (Funasa, 2009) parentes indígenas no Brasil, 6982
parentes indígenas vivem no Peru (INEI, 2007) e 8000 parentes na Colômbia
(GOURLARD, 2011). Situados na região de fronteira do Brasil com a Colômbia e o
Peru, a população total estimada é de aproximadamente 51.359 indivíduos.
O território Ticuna, além de ser uma ampla região dividida pelas fronteiras
políticas do Brasil, Colômbia e Peru, caracteriza-se por uma população multiétnica.
Região do
Alto Solimões
25
Os Ticuna mantêm contato com outros grupos indígenas como os Yagua, Cocana,
Huitoto, Cambeba, Kulina e com os ―brancos‖ e ―mestiços‖ que formam a população
da Tríplice Fronteira, na Região do Alto Solimões.
O caráter multiétnico dessa região, somado à diversidade determinada pelos
diferentes contextos das nações vizinhas, Peru e Colômbia, faz do cenário social um
espaço propício para conflitos interétnicos manifestados através de constantes
disputas por liderança em nível local e regional marcado pela apropriação de
recursos diversos disponíveis na região.
A figura 3, através da inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto
Solimões CFSOL8º BIS, expressa a ideia de que a cidade de Tabatinga é apenas o
começo do Brasil, o que em outra perspectiva seria os confins de nosso Brasil.
Figura 3 – Inscrição no muro do Comando de Fronteira do Alto Solimões CFSOL 8º BIS
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
Esse é um cenário de fronteiras políticas, diversidade étnica e conflitos
sociais, onde os Ticuna constantemente reafirmam o sentido de sua identidade e ao
mesmo tempo introduzem em sua cultura diferentes identidades que contribuem
para o estabelecimento de diferenças intra-étnicas, ou seja, diferenças dentro da
própria cultura Ticuna que se expressam na vida cotidiana por representações
ideológicas e lutas pelo poder, na esfera política, o que consequentemente garante
elevado prestígio social e até econômico.
26
1.2 A RELAÇÃO COM OS NÃO INDÍGENAS
Os primeiros relatos da relação dos índios Ticuna com os não indígenas na
região do Alto Solimões que estão registrados em pesquisas de cunho etnográfico,
tiveram início no século XVII, com jesuítas espanhóis e portugueses. Os estudos de
Curt Nimuendaju, cuja publicação em 1930 teve início com o texto ―Besuch bei den
Tukuna-Indianem‖, uma produção de caráter etnográfico sobre os Ticuna. Depois
desse texto, Nimuendaju dedicou-se a escrever a obra ―The Tukuna‖ (1952), onde
apresenta resultados do convívio com os Ticuna. Nesta obra, o autor descreve a
cultura dos Ticuna, sua história, suas formas de subsistência, sua arte, sua
organização social e sua religião.
Seguindo os caminhos percorridos por Kurt Nimuendaju, o antropólogo
Cardoso de Oliveira (1972) passou também a investigar os Ticuna, explorando o
processo de contato entre índios e brancos na região. De igual maneira, Oliveira
Filho (1988), ao término dos anos 1980, analisou as mudanças sociais e o processo
de dominação por parte de não índios e resistência dos índios Ticuna.
Os Tikuna atravessaram, desde o século XVII, diversos processos de contato. Entre os séculos XVII e XVIII, alguns segmentos da população sofreram um processo de redução forçada por parte de jesuítas espanhóis e portugueses (no século XVII) e missionários carmelitas portugueses (no século S. XVIII), que fundaram aldeias e vilas. No século XIX, a região se tornou um importante centro de exploração de recursos naturais, sobretudo de pescado, extração de madeira e coro de animais. Os comerciantes intercambiavam esses produtos com os Tikuna e com outras etnias por objetos manufaturados. Em finais do século XIX, durante o apogeu da exploração e comercialização da borracha, chegaram pessoas do nordeste de Brasil que compraram dos governos locais os títulos de propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos Tikuna e começaram a utilizá-los como mão-de-obra. Para isso destruíram as malocas e dispersaram os membros de cada clã, impondo outro padrão de moradia e de organização social que lhes permitiu dominá-los mais facilmente. Os Tikuna sofreram um processo de dominação por parte de patrões seringalistas até os anos de 1960, quando um conjunto de mudanças em nível nacional e local e a atuação de diversos agentes coadjuvaram na perda de poder daqueles. O que facilitou o processo de organização e luta que os Tikuna iniciaram nos anos de 1970 em prol da conquista do direito a terra, saúde e educação escolar diferenciada e bilíngüe. (PALADINO, 2010, p.160).
O texto nos leva a entender que o processo de mudanças em aspectos
culturais não começou agora, mas desde o séc. XVII. Hoje os Ticuna convivem com
o que restou de sua cultura e lutam para que o pouco do legado cultural permaneça
27
vivo em suas memórias. Para isso eles, apesar de inúmeras dificuldades, se unem
formando organizações e conselhos sobre os quais trataremos mais adiante.
Desde o descobrimento do Brasil os índios são ―direcionados‖ a realizar
mudanças significativas em detrimento de sua cultura. A cultura predominante
transmite a ideia de ser mais ―avançada‖ e de maior facilidade para o viver diário.
Alguns indígenas têm acreditado que a cultura predominante pode facilitar muitas
coisas e até ser melhor que a sua posição social. Isso se deve à dificuldade que eles
têm de viver isolados do mundo ocidental e não possuir como premissa maior a
lógica do capitalismo. A integração conduz o indígena a abrir mão de aspectos
culturais em detrimento da cultura não índia. Segundo Sanche (1999), os índios,
além de sofrerem perdas irreparáveis, ainda são vistos de forma preconceituosa.
Esse primeiro contato é o inicio de um longo período de relações amistosas e conflituosas marcadas pelo saque e pilhagem das riquezas da terra brasilis pelos europeus principal protagonista dessa história é o elemento português e a principal vitima o índio, que alem de ter invadidas suas terras, saqueado seus bens e violentadas suas mulheres, ainda ganhou a fama de ―burro‖ e preguiçoso, sem nenhum respeito à sua tradição, organização social e crenças (p. 48).
Hoje podemos observar o grande conflito que é viver em uma comunidade
indígena que distante mais de dez horas canoa com um motor rabeta, da cidade de
Tabatinga, ao mesmo tempo em que lutam pela sobrevivência da cultura tentando
garantir o necessário para sobrevivência no dia a dia, estão sendo bombardeados
pela ideologia da classe média que é veiculada através dos principais meios de
comunicação em massa.
Não é muito diferente do que ocorria por ocasião do período colonial: uma
imposição de uma cultura sobre a outra, com um discurso de melhoria e progresso,
e com isso, a cultura indígena vai deixando lentamente de existir. Só mudou o
cenário.
Na figura 4, a seguir, podemos visualizar duas casas: uma, nos moldes da
cultura Ticuna, erguida a partir de esteios e barrotes fixados no chão, com assoalho
de pachiúba (tipo de palmeira) e madeiras retiradas da floresta com o auxilio de uma
moto serra, em geral as paredes de madeira ficam extremamente rústicas e sem
pintura alguma que, em seguida é coberto com palhas e fica pronta para o uso; na
mesma figura observa-se outra casa também sobre esteios e barrotes, porém com
aparência de casa típica dos não índios ribeirinhos, com as madeiras da parede
28
beneficiadas em serraria, com táboas mais lisas, pintadas e com cobertura feita com
telhas de zinco.
Figura 4 – Casa Ticuna
Fonte: Arquivo pessoal – 2012
Essa casa possui uma caixa d‘água que por ocasião da chuvas os indigenas
coletam água para beber. Possui também uma antena parabólica que no período da
noite quando o gerador da comunidade é ligado, possibilita o acompanhamento de
programação televisiva. Isso se constitui um dos maiores lazeres para os Ticuna
daquela comunidade, e assim, vão lutando e mesclando o primitivo com o novo, a
fim de não banir definitivamente aspectos herdados de sua cultura.
29
2 PRÁTICAS NO COTIDIANO TICUNA: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
Para abordar as práticas, é interessante começar pela língua, sem a qual as
relações interpessoais na convivência Ticuna tornam-se impossíveis. A língua
Ticuna é utilizada por mais de 50.000 indígenas que se distribuem em comunidades
por três países: Brasil, Peru e Colômbia. No lado brasileiro, o número de
comunidades ultrapassa 120, distribuídas em diversas áreas localizadas em
municípios da região do Alto Solimões, dentre eles estão Benjamin Constant,
Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antonio do Içá, Jutaí, Fonte Boa,
Tonantins, Beruri. A maior parte das aldeias encontra-se nas proximidades do rio
Solimões. Sua língua materna é o Ticuna, ―uma língua tonal, isolada única na
linguística‖. Segundo Soares (2001), é dominada apenas por membros dessa etnia e
apresenta complexidades em sua fonologia e em sua sintaxe. Tem sido
sistematicamente defendida pelo uso cotidiano nas aldeias em especial, pelas
mulheres junto às crianças.
Nas aldeias que se encontram na Região do Alto Solimões, do lado brasileiro,
o uso intensivo da língua Ticuna não chega a ser ameaçado pela convivência com
outros povos. Essa preservação só ocorre quando os pais que convivem com outros
povos ou na cidade, têm uma atitude de valorização, fazendo sempre uso da língua
e incentivando os filhos Ticuna. Já quando não se tem essa preocupação pela
valorização da língua, e a língua usada no cotidiano pelos pais com seus filhos deixa
de ser a Ticuna e cede lugar ao português ou espanhol, o Ticuna acaba sendo
prejudicado. Isso é difícil ocorrer, porém, há alguns casos de crianças escolarizadas
na cidade de Tabatinga que não conseguem se comunicar com seus parentes em
língua Ticuna. O Ticuna, nesse caso, cede lugar à imposição da cultura dominante,
que com uma aparente facilidade vai minando dia após dia a originalidade cultural
Ticuna tão difundida pelos antigos.
Os antigos indígenas praticavam um trabalho apenas para a subsistência e
algumas vezes o excedente era trocado com regatões e os povos vizinhos supriam a
necessidade do que não possuíam.
Os Ticuna eram basicamente caçadores e coletores, praticando o cultivo de espécies nativas como a macaxeira, o cará, uma espécie de cana-de-açúcar e outras. Naquele momento, com uma alimentação baseada na carne de
30
caça, a pesca tinha importância mínima, sendo praticada com uma tecnologia de cercados e envenenamento dos peixes com o sumo do timbó (OLIVEIRA FILHO, 1988, p. 46).
O trabalho de pesca é um trabalho em geral dos homens. Já a pesca conjunta
é muito rara, mesmo entre moradores da mesma casa. A grande maioria dos Ticuna
costuma pescar com o caniço, a flecha, a tarrafa e as redes, e os melhores locais
para a pesca são em geral inúmeros lagos que estão à margem o rio Solimões. A
figura 5 demonstra ao fundo uma manifestação da arte Ticuna e evidencia a
importância da pesca e da caça como prática indispensável à sobrevivência do povo
indígena Ticuna.
Figura 5 – Pinturas artísticas dos Ticuna
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
Devido à escassez e ao fato de a cada dia serem obrigados a ir mais longe
para encontrarem caças, hoje são poucos que praticam a caça, apesar de esta ser
tradicional e estar bastante ligada à cultura culinária Ticuna. No passado eram
utilizados a zarabatana e arco, que lançavam flechas e dardos envenenados. Hoje já
utilizam, na maioria das vezes, espingardas calibre 16, o que gera mais mobilidade e
garante maior segurança para o caçador. As caças que geralmente são capturadas
são: os diversos tipos de macacos, a cutia, o veado, a queixada, o catitu, a anta, o
mutum, o jacu, alencó e a arara, entre outros animais.
Na seqüência, a figura 6, à esquerda, mostra a cozinha onde são preparados
os pratos típicos da culinária Ticuna, em uma cozinha de pachiúba, com cobertura
31
de palha, e um fogão de barro onde é colocada a lenha seca para o preparo dos
alimentos. A figura 7, à direita, mostra o preparo do peixe moqueado, que são peixes
assados com escamas e vísceras sem colocar nenhum tempero antes de ser
assado. Posteriormente, o peixe é degustado acompanhado de sal e pimenta ou
molho de tucupi. Esse alimento é tradicionalmente mantido por gerações.
Figura 6 - Peixe Cozido Figura 7 - Peixe moqueado
Fonte: Arquivo pessoal - 2012 Fonte: Arquivo pessoal - 2012
Figura 8 - Preparo da farinha de mandioca
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
Quanto ao trabalho e alimentação os Ticuna praticam o cultivo de espécies
como a macaxeira, para fazer farinha (figura 8), cultivam banana, cará, jerimum,
abacaxi, melão, melancia, feijão de praia e outros produtos regionais. São coletores
32
de frutos como: pupunha, buriti, açaí, catuaba, castanha do Pará, cupuaçu, jenipapo,
mapati entre outros frutos da floresta. Alguns desses produtos são comercializados
na cidade e até exportados de forma ilegal para Letícia, na Colômbia.
A coleta de frutas é realizada por todos da família. As frutas mais comuns nas aldeias Ticuna são: açaí (waira), pupunha (itu), castanha (nhoí), cupuaçu (cupu), mapati (tchinhã), ingá (pama), umari (te‘tchi), abiu (tao), e a sapota (otere). As capoeiras onde os índios vão colher as frutas são, em geral, nas proximidades da suas antigas roças, que deixaram em repouso, preservando as árvores frutíferas. (ISA
1, 2000, s/p).
Antigamente, a alimentação era baseada na carne de caça, a pesca tinha
uma importância mínima e era praticada com uma técnica de envenenamento dos
peixes com o sumo da raiz timbó. A situação, no entanto, se inverteu a partir da
ocupação das várzeas do Rio Solimões. Podemos dizer que hoje, a pesca é uma
das atividades produtivas mais importantes para os Ticuna, e fez com que alguns
indígenas acumulassem capitais e alguns passaram a desenvolver a prática do
comércio nas aldeias.
A criação de animais nas aldeias Ticuna é quase inexpressiva. As famílias
possuem poucas galinhas, há ainda uma pequena criação de patos, porcos e
carneiros, que são criados soltos e geralmente são vendidos aos regatões ou cidade
mais próxima, sendo pouco consumido.
Quase todas as famílias Ticuna possuem sua roça particular. Muitas roças
ficam em terra firme, local que não alaga por ocasião das cheias do rio. Quando eles
vão ao trabalho nessas roças, dizem ―vou para o centro‖, ou seja, centro da mata. A
maioria das roças, no entanto, fica na várzea, ou em ilhas e florestas alagáveis às
margens do Solimões e afluentes. São procuradas por serem férteis devido ao
acúmulo sais minerais e nutrientes orgânicos, necessários a uma boa prática
agrícola. Nas roças da família trabalham, em geral, o pai, sua esposa e os filhos
mais velhos que ainda não são casados. No entanto, os filhos homens, maiores e
solteiros, poderão ter uma roça própria quando casarem. Os mais idosos têm
também roças independentes de seus filhos e genros, mesmo quando moram na
mesma casa. Quando mais de uma família vive em uma mesma casa, elas
costumam trabalhar separadas, cada uma em sua respectiva roça. Além dessa mão
1 Instituto Sócio Ambiental. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ticuna/print Acesso
em: 15.07.2012
33
de obra entre família, os Ticuna contam com uma ajuda extra de parentes e amigos
na agricultura.
O famoso ajuri (figura 9) é um trabalho coletivo (mutirão) realizado com
frequência em todas as aldeias da etnia Ticuna. Existem diversos tipos de ajuri: o da
derrubada da roça, o da colheita da roça, o da palha – no qual os convidados levam
a palha e a trançam para a cobertura da casa do dono do ajuri – o da construção de
casas, o da canoa e outros. Em todos os casos o dono do ajuri é o responsável pela
comida e bebida oferecidas aos seus convidados. Ele prepara o pajuaru, bebida
típica que é desenvolvida a partir da fermentação de mandioca ou macaxeira, e
providencia peixe e farinha para todos os presentes. Ao terminar o serviço, os
participantes juntos com o dono do ajuri, festejam e às vezes passam a noite inteira
em cantos e danças. É uma alegria total.
Figura 9 - Ajuri Ticuna (mutirão)
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
As ferramentas utilizadas na agricultura Ticuna são basicamente os terçados,
os machados e o motor serra. Essas ferramentas são compradas nos regatões ou
nas cidades vizinhas, principalmente em Tabatinga, em Letícia, na Colômbia e em
Santa Rosa, no Peru. Alguns machados e fornos para torrar a farinha foram doados
pela FUNAI, pelo Governo do Estado e por algumas ONGs. Existem pequenos
comércios instalados na própria aldeia por moradores com maior poder aquisitivo, os
quais vão com mais frequência à cidade e também fornecem os instrumentos
necessários à produção, principalmente o terçado que, em geral, é o mais utilizado.
34
No cotidiano Ticuna há muita facilidade com as artes; é possível observar
variedade e riqueza da produção artística, com uma habilidade natural para a
pintura, aspectos que contribuem consideravelmente para resistência à cultura não
indígena e ao mesmo tempo proporcionam afirmação de sua identidade. São
confeccionadas diversas máscaras cerimoniais, roupas feitas com o tururi –
entrecasca de uma árvore com as pinturas que fazem referência às metades
exogâmicas – produzem artesanato em forma de animais, cestos para o trabalho
cotidiano, tecelagem de maqueira para ser usada no descanso, colares com
pequenas figuras esculpidas em tucumã, responsáveis pelo adorno. A música e as
histórias míticas também fazem parte desse cenário de preservação da cultura.
As pinturas em artesanatos e no corpo dos Ticuna são possíveis devido ao
acervo de tintas e corantes que possuem. Mais ou menos quinze espécies de
plantas que são utilizadas no tingimento de fios para tecer bolsas e redes ou pintar
entrecascas, esculturas, cestos, peneiras, instrumentos musicais, remos, cuias e
também o próprio corpo.
Na cultura Ticuna, a tecelagem está intimamente ligada à mulher. A
fabricação de fios, cestos e peneira, como demonstra a figura 10, é uma das
primeiras tarefas desenvolvidas pelas meninas e adolescentes. A importância dessa
atividade ganha uma expressão ritual. Durante o período de reclusão, a menina
moça, worecü, dedica-se aos trabalhos em tucum, especialmente à torção de fios,
que são enrolados em forma de ―flor‖, de modo diferente dos novelos circulares
vistos usualmente.
Figura 10 - Cestos, tipitis e peneiras para o trabalho diário
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
35
Culturalmente a confecção da cerâmica também é tarefa preferencialmente
feminina, mas os homens também costumam exercê-la. Outro suporte que
possibilita o prazer de desenhar e colorir são os painéis feitos de entrecasca de
certas espécies de Ficus ou tururi. O tururi, nome dado a esse tipo de painel, é uma
invenção que surgiu do reaproveitamento de técnicas e matérias-primas
tradicionalmente empregadas na manufatura de máscaras. Os tururis são pintados
exclusivamente para fins comerciais. Os especialistas reconhecidos na arte de pintar
o tururi são os homens, em sua maioria jovens ou de meia-idade.
As figuras desenhadas são das mais variadas, porém, existe uma que é
preferência dos Ticuna, a representação de animais (onça, jabuti, cobra, borboleta,
anta, jacaré e várias espécies de aves e peixes) que, em alguns casos, combinam
com elementos da flora ou com figuras humanas.
Na esfera ritual o perspectivismo está presente. A forma mais representativa
da arte gráfica são as máscaras, os escudos, as paredes externas do compartimento
de reclusão da moça-nova – festa na qual se comemora a passagem da infância das
meninas para a fase adulta – e o corpo. Os motivos ornamentais podem estar
distribuídos pela vestimenta inteira ou representação de seus clãs. Na parte
superior ou ―cabeça‖ a decoração serve para salientar as feições da entidade
sobrenatural, mas é nas entrecascas do tururi com as quais cobrem o corpo que se
observa um maior número de desenhos. Para melhor compreender o papel do
imaginário na sociedade, convém refletir sobre o que afirma Durant (1997) em ―As
estruturas antropológicas do imaginário‖:
A objetivação social máxima dos corpos, sua máxima particularização expressa na decoração e exibição ritual, é ao mesmo tempo sua máxima animalização; quando eles são recobertos por plumas, cores, grafismo, máscara e outras próteses animais. O homem ritualmente vestido de animal é a contrapartida do animal sobrenaturalmente nu: o primeiro, transformado em animal, revela para si mesmo a distintividade ―natural‖ do seu corpo; segundo, despido de sua forma exterior e se revelando como humano, mostra a semelhança ―sobrenatural‖ dos espíritos. O modelo do espírito é o espírito humano, mas o modelo do corpo são os corpos animais; e se a cultura é a forma genérica do eu e a singularização dos corpos – o que naturaliza a cultura, isto é, a ―incorpora‖ -, enquanto a subjetivação do objeto implica a comunicação dos espíritos – que a culturaliza natureza, isto é a sobrenaturaliza. (p. 389, grifos do autor).
As máscaras são confeccionadas pelos homens, que têm o domínio da arte e
se encarregam da construção de grande parte dos objetos rituais, como alguns
adereços da worecü, os instrumentos musicais, o recinto de reclusão, os bastões
36
esculpidos etc. Essa prática pode ser tida de certa forma como tabu. Acredita-se que
a comunicação com o mundo dos espíritos encontrados na floresta só será possível
se a confecção de certos objetos for executada pelos homens da aldeia Ticuna.
As pinturas estampadas nos rostos por ocasião de rituais, por sua vez, podem
ser realizadas por ambos os sexos e é empregada hoje em dia apenas durante os
rituais por todos os participantes, inclusive pelas crianças. Essas pinturas, feitas com
jenipapo, já no primeiro dia da festa, têm a função social de identificar o clã ou
nação, como dizem os Ticuna, de cada pessoa. É possível detectar em alguns
ornamentos faciais certas similaridades com a natureza, ou seja, com os animais e
as plantas que dão nome aos clãs. Além da função social de especificação do clã,
pintar-se na festa é um ato obrigatório. A decoração corporal das jovens e crianças
iniciadas, por sua vez, é realizada segundo normas rigidamente estabelecidas.
A sensibilidade Ticuna para a arte revela-se, agora, em outros materiais e
formas de expressão plástica e estética, como as pinturas em papel produzidas por
um grupo de artistas que formam, atualmente, o Grupo Etüena. Segundo a mitologia
Ticuna ―Etüena é a pintora dos peixes. Ela sentava-se à beira do rio esperando a
piracema passar. Ela então pegava cada peixe e pintava, dando uma cor que ficava
para sempre‖. Quando as crianças nascem, seu corpo é pintado pelo pai com
jenipapo para que sua vida seja protegida contra as doenças e outros males.
2.1 O CASAMENTO – AS METADES EXOGÂMICAS
O casamento na sociedade Ticuna está dividido em metades exogâmicas. Um
membro só pode casar com um membro da outra metade, cada qual composta por
clãs. Estes grupos de clãs patrilineares (o pertencimento ao clã é herdado de pai
para filho), são reconhecidos por um nome que é geral a todos, kï‘a, em português,
equivalente à nação.
Os Ticuna, segundo Paladino (2010) formam uma sociedade de tipo
segmentar, constituída por clãs reunidos em duas metades exogâmicas O conjunto
de clãs ou nações identificadas por nomes de aves forma uma metade, enquanto as
demais, identificadas por nomes de plantas, formam a outra. Mesmo os clãs Onça e
Saúva, um mamífero e um inseto, são associados à metade ―Planta‖ por razões
descritas na mitologia Ticuna.
A condição de membro de um clã confere a um indivíduo uma posição social,
sem a qual não é reconhecido como Ticuna. Cada clã Ticuna é constituído por
37
outras unidades, os sub-clãs. Nesse sistema social, cada indivíduo pertence
simultânea e necessariamente a várias unidades sociais como metade exogâmica,
clã e sub-clã, uma vez que elas estão contidas umas nas outras.
Quadro 1: Metades Exogâmicas.
METADE PLANTAS
Clãs Subclãs
Auaí ´a-ru: (auaí grande) ´ts´everu: (auaí pequeno) ´ait s´anari (jenipapo do igapó)
Buriti ´tema (buriti) ny‘eni (n) tsi (buriti fino)
Saúva ´vaira (açaí) ´nai (n) yëë (saúva) tëku: (saúva)
Onça
ts´i´va (seringarana) ´na?nï (n) (pau mulato) ts´e´e (acapu) ´ts´u: (n) a (caranã) ´keture (maracajá)
METADE AVES
Clãs Subclãs
Arara
ts´a´ra (canindé) ño´ï (vermelha) moru: (maracanã) vo´o (maracanã grande) ´a?ta (maracanã pequeno)
Mutum ñu?në (n) (mutum cavalo) ai´veru: (urumutum)
Japu ba´rï (japu) kau:re (japihim)
Tucano ´tau: (tucano)
Manguari ´ñau:(n)a (manguari) dyavï´ru: (jaburu) tuyo:y´u (tuyuyu)
Galinha o´ta (galinha)
Urubu Rei ´e?ts´a (urubu-rei)
Gavião Real ´da-vï (gavião real)
Fonte: Instituto Sócio ambiental. Disponível em: http:pib.socioambiental.org/pt/povo/ticuna/1666 Acesso: 15 Jul. 2012.
Atualmente, essa etnia indígena se autodenomina, em português, de 'nações',
adota nomes de árvores, animais terrestres e insetos que formam a ―metade A‖ e as
38
aves ―metade B‖. Para Oliveira Filho (1988), o critério de distintividade está na
separação que os indígenas fazem entre nações de pena e nações sem pena ou a
nação da terra e a nação do Ar. O livro das árvores, feito pelos índios Ticuna,
organizado por Gruber (1997) revela que:
Cada um de nós Ticuna pertence a uma nação, nacüã, que em português também pode se chamar clã. Alguns animais e algumas árvores dão nome a essas nações. Assim as pessoas sabem com quem devem e com quem não devem se casar. As pessoas que pertencem às nações de avaí, jenipapo, saúva, buriti ou onça só podem se casar com pessoas que tenham nação ―de penas‖, ãtchiü, como maguari, mutum, arara, japó ou galinha. Os filhos herdam a nação do pai. Desde o princípio foi assim. A história conta que antigamente o povo de Yo‘i estava todo misturado. Ninguém tinha nome e ninguém podia se casar. Então Yo‘i preparou um caldo de jacarerana e deu um pouco para cada pessoa. Provando do caldo, a pessoa descobria a sua nação. Depois disso, as pessoas começaram a se casar. A nação de onça-pintada também pode se chamar tchi’wa, seringarana. A nação de onça-vermelha, - nge’ma, está relacionada com uma árvore do mesmo nome. (p. 20).
Mesmo sem referência direta às metades no cotidiano, a sua importância está
ligada ao fato de designarem os casamentos permitidos. Os indivíduos buscam seus
parceiros na metade oposta à sua, e o pertencimento dos filhos a uma nação ocorre
por linha paterna.
O desrespeito à exogamia, se cometido casualmente, pode ser punido com
censura pública sem que haja exclusão definitiva dos indivíduos das atividades
sociais. No entanto, as ligações incestuosas prolongadas causam "horror e
repugnância" aos parentes e podem resultar em "tragédias de sangue" com
acusações públicas e mortes violentas, que são vistas, no entanto, como
restauradoras do estado de normalidade.
Na concepção tradicional, a família é constituída de um grupo de pais e filhos,
ou, em um sentido mais abrangente, incluindo também parentes próximos. Esse
conceito corresponde à noção de família nuclear ou família extensiva, mas a
compreensão da família alterou-se principalmente na década de 1990.
Segundo Castells (1999, p. 169), ―a principal transformação que está
ocorrendo na família é o fim do patriarcalismo, que se caracteriza pela autoridade,
imposta institucionalmente, do homem sobre mulher e filhos no âmbito familiar‖. Este
sistema, segundo o autor, está enraizado na civilização, em razão da sua
perpetuação histórica e cultural, determinando também relacionamentos
interpessoais que extrapolam os limites da família.
39
2.2 O NASCIMENTO
Na ocasião do nascimento os avós ou os pais tiram o jenipapo para tingir o
recém nascido. O tingimento com jenipapo é feito para espantar os maus espíritos e
proteger a criança de doenças. Mesmo já tendo familiaridade com o processo de
desenvolvimento, muitos continuam com essa prática. Isso está presente, por
exemplo, nos hábitos e costumes dos grupos sociais, transmitidos tradicionalmente
de geração a geração. Em uma família, a maneira dos pais tratarem os bebês
recém-nascidos revela uma forma de "sabedoria" apreendida por eles nos
ensinamentos dos mais velhos e na sua própria experiência. Esse conhecimento é
fundamental, pois garante que os bebês recebam os cuidados básicos necessários à
sua sobrevivência e seu desenvolvimento, ainda que as maneiras de cuidar dos
filhos sejam muito variadas em função da época, da cultura, da ―classe social‖ e da
família Ticuna.
2.3 A MORTE
Os Ticuna acreditam que quando morem vão para o Eware após sua morte.
O Eware é o começo de sua existência e é lá que eles ficarão eternamente. Para os
Ticuna existem diversas árvores no Eware, a qual é para eles uma terra sagrada. É
o local onde começou o mundo, local do começo e do fim da vida. Foi ali que o povo
Ticuna foi criado. Nesse lugar corre o igarapé que também se chama Eware. Das
águas do Eware o deus Yo‘i pescou as pessoas. O Eware, as árvores e as águas
são dados por herança.
As árvores do Eware são diferentes segundo os antigos Ticuna. A mata é
baixa, nunca cresce e nunca morre. Há muita sorva, buriti, açaí, ingá, cupuí, araçá,
bacaba, bacuri, mapati, sapota, pamá. Também há muitas flores. Essa vegetação do
Eware chama-se bunecü, porque é sempre pequena e nova como uma criança, bue.
Segundo Gruber (1997, p. 22) ―O Eware é protegido por animais e gente encantada.
De cada lado do igarapé ainda estão a casa de Yo‘i e a de Ipi, assim como
antigamente. Também está o caniço que os irmãos usaram para pescar os animais e
as pessoas‖.
Um mito é uma espécie de primeira tentativa criada por distintas etnias com a
finalidade chegarem à compreensão dos grandes mistérios da vida e do universo
que nos circundam. É verdade que os mitos refletem discernimentos, porque os
40
seres humanos possuem uma função intuitiva que revela alguma verdade natural e
sobrenatural. Qualquer povo nas mais variadas culturas, em qualquer lugar tenta
explicar o aparecimento dos animais, da natureza e dos homens. Os mitos indígenas
Ticunas, como também seus rituais, estão passando por constantes transformações
a cada geração. Isso se deve em grande parte em decorrência da dinâmica cultural
vivenciada na região de fronteira, do intenso contato e convívio com outros povos e
do fácil acesso ao mundo globalizado através dos meios de comunicação em massa
e internet. Assim, os mitos e algumas crenças e muitas práticas do cotidiano Ticuna
estão constantemente sendo ressignificadas ou adaptadas para maior proximidade
com o outro. Neste sentido, Martins (2009) demonstra que a fronteira se revela como
o lugar da desumanização:
As concepções centradas na figura do imaginário do pioneiro deixam de lado o essencial, o aspecto trágico da fronteira, que se expressa na mortal conflitividade que caracteriza, no desencontro genocida de etnias e no radical conflito de classes sociais, contrapostas não apenas pela divergência de seus interesses econômicos, mas, sobretudo pelo abismo histórico que as separa...longe de ser o território do novo e da inovação, a fronteira se revela, nestes estudos, o território da morte e o lugar de renascimento e maquiagem do arcaísmo mais desumanizadores. (p. 13).
A ideia era levar o indígena a esquecer-se de sua cultura para absorver de
forma artificial uma cultura nova. A fronteira, nesse sentido, é o lugar da opressão e
do preconceito étnico, que chega maquiado por uma forma mais prática de vida, com
a ideia de pertencer à sociedade não índia, mas na verdade é uma maneira de
dominar o outro de forma passiva.
Os membros da etnia Ticuna possuíam uma educação que podemos chamar
de educação não formal. Essa educação era a força motriz que conduzia todo o
cotidiano na aldeia, desde: o levantar, o comer, o vestir, o dormir, a construção das
casas, das canoas, dos utensílios domésticos e de caça, do plantio, dos mitos,
crenças e festas até a linguagem falada ou expressa através de gestos e posturas.
Todos os passos na aldeia envolviam a educação para a vida em comunidade. Ao
longo dos anos essa educação vem cedendo lugar a praticas encontradas em outras
culturas.
A fronteira étnica leva a uma constante reformulação cultural, um assunto que
está melhor explicitado no capítulo seguinte, o qual aborda a educação indígena e a
educação para os índios.
41
3 SISTEMA EDUCACIONAL: EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO PARA OS
ÍNDIOS
A terminologia Educação Escolar Indígena foi proposta por Meliá em 1970 e
posteriormente expandida por Lopes em 1980, conforme Collet (2006, p. 117). Esses
autores tinham como objetivo delimitar a diferença entre Educação Indígena que é a
educação própria dos indígenas e Educação Escolar Indígena, a qual denomino de
educação feita para os índios. Essa diferenciação ocorreu para que houvesse uma
melhor compreensão no entendimento das posturas ideológicas, políticas e
pedagógicas implícitas em cada um desses segmentos. Segundo os autores,
Educação Indígena é a aprendizagem espontânea por meio da qual crianças e
jovens indígenas observam as outras pessoas praticarem atividades cotidianas nas
aldeias levando em conta os conhecimentos que são transmitidos pela oralidade,
porém, sem muitas explicações das suas tradições, e dessa maneira assimilam os
conhecimentos de reprodução social. Transmite-se assim a Educação Indígena, em
que todos são alunos e, ao mesmo tempo, professores, porque todos aprendem
juntos. Através dessas atividades crianças e jovens são preparados para tornarem-
se sujeitos plenos e produtivos de seu grupo étnico. Para os mesmos autores a
Educação Escolar Indígena é a educação transmitida formalmente na escola.
A escola para os povos indígenas começou a existir com a chegada da
primeira missão jesuítica ao território brasileiro que foi enviada de Portugal por D.
João III. Era composta por missionários da Companhia de Jesus e chefiada pelo
Padre Manoel da Nóbrega a qual tinha como um dos objetivos converter os nativos à
fé cristã. Segundo Paiva (1982, p. 93), os Jesuítas gastavam mais tempo na
correção dos costumes do que pregar a mensagem da salvação ou escolarizar. Isso
evidencia a preocupação em conduzir os indígenas a uma renúncia dos hábitos
culturais mais arraigados. Neste sentido, Henrique et al (2007) faz referência à
escola nas aldeias:
A escola entrou na comunidade indígena como um corpo estranho, que ninguém conhecia. Quem a estava colocando sabia o que queria, mas os índios não sabiam, hoje os índios ainda não sabem para que serve a escola. É esse o problema. A escola entra na comunidade e se apossa dela, tornando-se dona da comunidade, e não a comunidade dona da escola. (p. 10)
Com a implantação da escola nas aldeias indígenas, o discurso era uma
42
educação que traria melhoria e facilidades entre a convivência com os não
indígenas. Na realidade, entretanto, os jesuítas tinham como objetivo a aproximação
dos indígenas com a finalidade de conquistar a sua confiança, aprender suas
línguas para poder manipulá-los de forma que eles não tinham a opção e direito de
escolha. No caso de rejeição, seriam punidos e reprimidos severamente por sua
rebeldia e tinham que fazer somente que fosse de interesse dos jesuítas.
Os indígenas não tinham noção do que representava a escola e muito menos
para que servia, pois essa escola era utilizada como aparelho ideológico do estado,
cujo objetivo real era transformar as aldeias conduzindo os índios a seguir regras e
padrões não índios impostos através da escola, mudando de certa forma, a estrutura
de sua cultura. Muitos indígenas foram conduzidos a abdicar da sua linguagem e se
adequar ao português que era a língua falada por todos da Companhia de Jesus. Os
indígenas não tinham o direito de reivindicar nada e apenas aceitavam o lhes era
imposto pelos jesuítas, fato que gerava revolta dos índios contra esses
procedimentos.
3.1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL: ALGUMAS OBSERVAÇOES
Historicamente, a educação Escolar Indígena no Brasil possui três períodos
distintos, que se subdividem em cinco fases distintas, conforme D‘Angellis (2000). O
primeiro período – ―A Escola de Catequese‖ – contemporâneo com os dois
primeiros séculos de colonização, vai de 1549 (data da chegada dos primeiros
jesuítas) a 1759/67 (datas da expulsão dos Jesuítas dos territórios portugueses e
espanhóis respectivamente). Nesse período a escola esteve basicamente sob a
responsabilidade de missionários, portugueses e espanhóis principalmente de
diversas congregações como jesuítas, franciscanos, carmelitas, capuchinhos,
beneditinos, oratorianos e clérigos diversos. A escolarização configurava apenas um
instrumento de catequese, de cristianização do índio, cujo objetivo era ―pacificar‖
para escravizar os nativos, e desse modo, a colônia era construída. Nessa fase foi
produzido o aniquilamento de diversas culturas e a incorporação de mão de obra
indígena à sociedade nacional. Segundo Meliá (1979, p. 47), ―a educação
missionária, através de fracassos e frustrações, mostrou logo sua inoperância. O
educador constata que o índio... (...) no profundo do seu ser é intocável‖. Há mais de
43
500 anos, rotineiramente são presenciadas as formas propriamente indígenas de
resistência às novas situações de contato.
O Segundo Período – ―As Primeiras Letras e o Projeto Civilizatório‖ – vai do
século XVIII até meados do século XX e divide-se em duas fases: A primeira –
―Fase Pombalina‖ – do século XVII até o século XIX, caracterizou-se pela instituição
do ―Diretório Pombalino‖, em 1757, que teve origem com o Tratado de Madri (1750)
e impulsionou a instrumentalização de um conjunto de medidas para a Amazônia
chamada de Diretório pombalino, alterando a política indigenista, antes ligada ao
regimento das missões (1686) e à Lei de 1688 (Conselho Ultramarino). O regimento
das missões relegava às missões o poder temporal – responsabilidade jurídica – e o
Poder Espiritual – direito de catequizar – em relação aos índios da colônia. Já a Lei
de 1688 garantia a escravização do índio não tutelado pelas ordens religiosas (que
não viviam em aldeamentos missionários). O diretório possuía a finalidade de
conservar o aumento do domínio colonial, utilizando o índio como instrumento.
Assim, foi preciso promover a nacionalização do índio (súdito) – tribais e tapuios,
proibir a língua geral (nheengatu) e promover a língua portuguesa, abolição das
distinções formais entre índios e brancos (valores e costumes), cancelamento do
poder temporal dado aos missionários, transformação das aldeias missionárias em
vilas e povoamentos coloniais (com nomes portugueses), incentivo ao casamento
entre branco e índios. Pelo regime do Diretório o índio trabalharia sob a liderança de
um diretor e receberia pelo trabalho. Normalmente eram arrendados de uma região
para outra para execução de obras particulares ou públicas. O Diretor das vilas e
povoados também devia promover a implementação das estratégias diretoras para
civilizar o indígena – transformando-o em um civilizado, pois para ser súdito real
deveria adotar costumes e valores do ―dito branco‖. A segunda fase – ―O Império, a
Primeira República e as Ditaduras‖ – vai do século XIX até o século XX. A principal
medida do Império ocorreu em 1845 com o Decreto nº 426 que contém o
―Regulamento acerca das Missões de Catequese e Civilização dos Índios‖.
A Primeira República é marcada pela criação do SPI – Serviço de Proteção
ao Índio, em 1910, com o estado brasileiro implementando uma política indigenista
de ―integração‖ à sociedade nacional, pois o índio era visto numa condição étnica
inferior. ―A educação, que a ‗sociedade nacional‘ pensa para o índio, não difere
estruturalmente, nem no funcionamento, nem nos seus pressupostos ideológicos, da
44
educação missionária. E recolhe fracassos do mesmo tipo.‖ (MELIÁ, 1979). As
escolas nas aldeias não diferem muito de uma escola rural nacional, com
professores não indígenas ensinando crianças índias a ler e a escrever na Língua
Portuguesa.
Terceiro Período – ―O Ensino Bilíngüe‖ dos anos 1970 até o século 21,
dividido em duas fases: A primeira fase – ―A FUNAI, o SIL e a educação bilíngue de
transição‖ A posterior criação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio – em 1967,
trouxe algumas mudanças: elege-se oficialmente o ensino bilíngue como forma de
"respeitar os valores tribais"; em 1973, o Estatuto do Índio - Lei 6001/73, tornou
obrigatório o ensino das línguas nativas nas escolas indígenas. Essa educação
escolar oficial para índios, segundo Meliá (1979) ―não difere estruturalmente, nem no
funcionamento, nem nos seus pressupostos ideológicos, da educação missionária
jesuítica‖ (p. 48). A segunda fase: ―O Indigenismo Alternativo, o Movimento
Indígena e as Escolas Indígenas‖ apontada na periodicização de D´Angelis (2005),
caracteriza-se pela realização de projetos alternativos de educação escolar, com a
participação de Organizações Não Governamentais (ONGs) surgidas no final dos
anos 1970, na ditadura militar. É o período também de realização de assembleias
indígenas em todo o país que propiciaram a articulação de lideranças indígenas até
então isoladas entre si. Começa um período experiências dos anos 1980 pela CPI
com os povos indígenas, na região do Alto Solimões essa experiência resulta na
criação da Organização Geral dos Professores Ticunas Bilíngues (OGPTB). Essa
organização teve algum sucesso na elaboração de diretrizes norteadoras para que
fosse garantida a preservação da cultura Ticuna.
Nos anos de 1980 houve um crescimento do chamado movimento indígena,
resultado da criação e consolidação de diversas organizações de educadores
indígenas. Lembrando-se da diferença, mencionada por Meliá (1979) entre
―Educação Indígena‖ feita pelos próprios índios em seu cotidiano e ―Educação para
o Índio‖, em linhas gerais, seria uma educação não índia imposta sobre a cultura
indígena. Inicia-se então um movimento de criação de diferentes experiências
escolares indígenas e de formação de educadores.
Em relação à legislação educacional, em 1991, o Decreto Presidencial nº. 26
de 04/02/91, nos seus artigos 1º e 2º, determina que cabe ao Ministério da
45
Educação ―coordenar as ações referentes à educação indígena‖ (BRASIL, 1991).
Tais ações serão ―desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e
Municípios em consonância com as Secretarias Nacionais de Educação do
Ministério da Educação‖ (Idem). Há assim um ―esvaziamento‖ da FUNAI, já que suas
atribuições passam a ser divididas por outros Ministérios. A passagem da educação
escolar indígena da FUNAI para o MEC com o decreto 26/91 potencializou as
possibilidades de concepção de uma política de educação escolar indígena, de
acordo não só com os novos preceitos constitucionais, mas também se apoiando em
experiências significativas de projetos pilotos desenvolvidos por entidades de apoio
aos índios e ao encontro das propostas e reivindicações formuladas no bojo de uma
nova faceta do movimento indígena.
O Governo Federal resolveu, após diversas reações contrárias, publicar a
Portaria Interministerial nº 559, de 16/04/91, e acatar grande parte das
reivindicações dos povos indígenas sobre educação escolar. A portaria regulamenta
a competência do MEC para coordenar as ações de educação indígena e tem como
objetivo: ―Garantir que as ações educacionais destinadas às populações indígenas
fundamentem-se no reconhecimento de suas organizações sociais, costumes,
línguas, crenças e nos seus processos próprios de transmissão do saber‖ (BRASIL,
1991a). No campo da educação, a Lei n. 9.394, de 20/12/96 – LDBEN – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, instituiu como dever do Estado a oferta de
uma educação escolar bilíngue e intercultural e uma legislação regulamentar – a
Resolução CEB nº.3, do CNE de 1999 – veio estabelecer diretrizes curriculares
nacionais e fixar normas para o reconhecimento e funcionamento das escolas
indígenas.
Entendemos que a municipalização e estadualização empreendidas na
década em especial após a promulgação da LDB em 1996, sem o devido
acompanhamento, fiscalização e apoio estratégico do MEC, tem produzido, na
realidade a pulverização das ações, enfraquecendo e até impedindo uma eficiência
maior na educação escolar indígena.
O que existe de mais sistematizado em linhas gerais sobre práticas e
discussões teóricas sobre a educação escolar indígena ainda é o RCNEI –
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – divulgado em 1998 pelo
MEC com a atuação do Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena do MEC,
como órgão consultivo das ações do Ministério, além das inúmeras publicações de
46
livros didáticos financiadas pelo MEC. Todo esse quadro trouxe inevitavelmente um
grande estímulo à discussão sobre escolarização das aldeias, com inúmeros
projetos de capacitação de professores indígenas sendo realizados no país nos
últimos anos, com financiamento público e com a participação de Secretarias,
Universidades e ONGs.
Este período, em sua última fase, caracterizou-se também pela aceleração
dos processos de escolarização indígena nas aldeias e pelas criações nos estados,
dos chamados NEIs – Núcleos de Educação Indígena – espaços mais ampliados de
política pública em educação escolar Indígena.
Essa foi uma característica da reforma educacional empreendida pelo
Governo Federal nas duas últimas gestões do Ministro Paulo Renato de Souza: uma
descentralização centralizadora. As tarefas político pedagógicas, como elaboração
de currículos e controle sobre o sistema de avaliação, foram centralizadas no MEC,
enquanto as tarefas executivas e administrativas, onde se encontram os ônus, foram
descentralizadas ficando por conta dos estados e municípios.
Essa profunda reforma educacional, sob a orientação de organismos
internacionais como Banco Mundial, BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento, UNESCO etc. insere-se no contexto de ajuste macroeconômico e
redefinição do papel do Estado, que é regida pelo pressuposto da contenção do
gasto social público. Na prática, o MEC continua apoiando alguns cursos de
capacitação de professores e a produção de materiais didáticos, como vinha
fazendo no governo Fernando Henrique Cardoso.
Com a Lei 11.645/08 (que altera a Lei 10.639/03) institui-se a obrigatoriedade
do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena na educação
escolar. Se isto é assim, cabe perguntar: Quais os desafios e perspectivas para o
ensino da história e da cultura indígena? Os desafios vão desde a falta de
importância que é dada à minoria indígena, fato que é uma evidente herança cultural
do colonizador, até uma história indígena que esbarra na dificuldade que o
historiador tem de observar com um olhar de indígena, essa história que em geral é
feita por alguém que está ―fora‖ da realidade indígena ou simplesmente realiza
pesquisas com indígenas, porém, não vive a realidade do cotidiano indígena. Esse
distanciamento bloqueia o sentimento histórico vivenciado pelos indígenas e por
melhor que seja a intenção do historiador não pode ser fiel ao legado histórico-
cultural dos indígenas.
47
O que propõe a lei com o ensino da história indígena na Educação Escolar é
o que podemos chamar de ―pseudo-história indígena‖, ou seja, uma história indígena
escrita na ótica do não indígena, visão gerada pela cultura dominante e
provavelmente por políticas indigenistas. Consideramos que esse seja um dos
principais problemas, apesar de que o próprio enunciado da Lei 11.645/08 ―...a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena na
educação escolar‖ em si, é carregado de pré-conceito e descaso com os nativos,
primeiros habitantes desta terra.
Na ocasião do ―Descobrimento do Brasil‖ em 1500, segundo dados do
IBGE, foi estimado entre 1,5 milhão e 5 milhões de índios, distribuídos em cerca de
1.400 aldeias, onde se falavam, aproximadamente, 1.300 línguas e dialetos
diferentes. Em termos comparativos, levando em consideração dados da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), extraídos do Censo 2010 do IBGE, existem atualmente
em território brasileiro, aproximadamente, 817.000 (oitocentos e dezessete mil)
índios, distribuídos em 688 (seiscentos e oitenta e oito) terras indígenas, falando
aproximadamente 180 (cento e oitenta) línguas e dialetos.
O que aconteceu com os indígenas, ou melhor, o que fizeram com eles?
Será que a figura imaginária do nativo na concepção do colonizador era uma
ameaça de tamanha proporção que tornava inviável seus interesses econômicos?
Será mesmo que o encontro de etnias tem que necessariamente ser um encontro
genocida? Analisando o que ocorreu com nossos indígenas e imaginando o que
seria possível se o ser humano apreendesse a ser mais humano, acredito no ensino
de história indígena que envolvesse temas de identidade cultural, atividades, mitos e
crenças, e as formas de relacionamento no cotidiano indígena. Partindo de uma
ótica do próprio índio, de sua cosmovisão, seria uma grande oportunidade de
conhecer um pouco mais os primeiros moradores dessa terra. Poderia ser uma
oportunidade para ensinar o que realmente ocorreu com os nativos. Não acredito
que isso redimisse o responsável pela dizimação indígena, mas seria uma
oportunidade para que a verdadeira história viesse à tona.
3.2 EDUCAÇÃO PARA ÍNDIOS, IMPLANTAÇÃO DA ESCOLA
Podemos perceber os Ticuna como um meio de sobrevivência, uma
estratégia de luta no cerne das relações sociais contraria o que Lévi-Strauss
48
denomina de Cultura original, demonstram através de movimentos indígenas e do
contato na fronteira cultural, uma ligeira ressignificação de sua cultura com bases na
diversidade cultural da região onde convivem indígenas e pessoas do Peru,
Colômbia e Brasil. Além disso, têm contato permanente com a maior diversidade
cultural do Brasil, localizada no vale do rio javari. Atualemente é muito comum,
mistificações e práticas, na medida em que ―são falseadas‖, montadas, manipuladas
e manipuladoras, delineando, neste sentido, os que pensam poder resgatar um
mundo puro, originário ou que, pelo menos, lamentam ter perdido esse paraíso; e
aqueles que veem nos movimentos indígenas intenções outras, não muito inocentes.
Neste contexto, o modelo de escola observado nas Escolas Indígenas do Alto
Solimões não é um modelo indígena e sim, um modelo de escola não indígena,
apesar de os professores serem bilíngues, não deixa de ser uma escola nos moldes
não indígenas. Os problemas apontados em relação à deficiência na forma em que
são transmitidas as crenças e rituais na escola indígena podem estar relacionados a
vários aspectos que influenciam no desenvolvimento do processo de ensino
aprendizagem dos alunos.
Os rituais das tribos indígenas da Amazônia passam hoje por uma fase de rememoração bastante interessante no ponto de vista antropológico. Pela condição estabelecida no processo de colonização muito material foi perdido e outros foram incorporados em novos valores. Encontramos nas várias comunidades que estudamos muitos rituais perdidos no tempo real, outros que estão em fazer recuperação oral. (JUREMA, 2001, p. 69).
Dessa forma, temos visto que as primeiras experiências educacionais da
criança geralmente são proporcionadas pela família, no entanto, muitos pais não têm
plena consciência da importância de sua participação no repasse cultural para uma
possível sobrevivência da cultura. Muitos pais indígenas deixam seus filhos à mercê
da escola e seus destinos são traçados de forma omissa. O professor passa a
assumir uma enorme responsabilidade pela educação de seus alunos. E mesmo
assim, são para a maioria dos pais e mães, os responsáveis pelos maus resultados
obtidos por seus filhos, sem se darem conta de que deveriam ser os que mais
exercem influência na principal formação cultural e religiosa de seus filhos. Resta
dizer que a escola necessita ir além e ―preencher‖ a tão grande lacuna deixada pela
sociedade e legislação.
49
Sabemos que ninguém escapa a educação, por isso o povo Ticuna com toda
certeza possui uma forma singular de educação. Vemos no livro ―o que é Educação‖,
a carta dos índios aos brancos que ofereciam à escola dos brancos a seus jovens
indígenas. Algo que nos chama atenção. Benjamin Franklin acabou divulgando a
Carta:
...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virginia, que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles, homens. (BRANDÃO, 1995, p. 8-9)
Alguns indígenas idosos depositavam uma grande esperança no repasse
cultural, que seria promovido pela escola, através de pedagogias específicas para
uma aquisição da cultura Ticuna, porém estão presenciando enormes mudanças e
chegam a dizer: ―o mundo de hoje é outro mundo, é outra vida, e bem diferente do
que pensávamos e sonhávamos‖. Essa fala é de um dos entrevistados, nascido em
1944, que aos 68 anos, vê de perto as mudanças sociais em nome da ―melhoria‖ e
o preço a ser pago é sem duvida a perda de identidade em sua cultura, que
constantemente é conduzida a absorver inúmeros aspectos da cultura não índia, da
cultura peruana e da cultura colombiana.
Neste sentido, é preciso analisar repercussões de educação escolar no âmbito da progressiva dessacralização de importantes setores da vida cotidiana, produzida pela introdução de uma racionalidade caracterizada por disjunções entre o sagrado e o laico, o homem e seu deus, o homem e a natureza, a natureza e deus (WEIGEL, 2000 p. 36).
A educação mesmo nos moldes dos não indígenas pode contribuir
consideravelmente no processo de preservação cultural, é preciso, portanto de
envolvimento e comprometimento profissional por parte dos educadores. Segundo
Freire (1997), a educação inclui e vai além da noção de escolarização. ―A escola é
apenas um local importante no qual ocorre a educação, no qual homens e mulheres
50
tanto produzem, como são produtos de relações sociais e pedagogias específicas‖.
(p. 48).
Para o autor, a educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que
é prática de dominação, implica na negação do homem abstrato e isolado, solto,
desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade
ausente dos homens.
Neste sentido podemos descrever a aprendizagem como sendo um processo
de aquisição e assimilação, consciente de novos padrões e novas formas de
perceber, ser, pensar e agir, por meio dos quais o ensino e a aprendizagem possam
caminhar juntos, pois um influencia no desenvolvimento do outro.
Para Piletti (2003) ―Há uma relação intrínseca entre o ensino e a
aprendizagem não há ensino se não há aprendizagem, é necessário conhecer o
fenômeno sobre o qual, o ensino atua que é a aprendizagem‖. (p. 33)
O repasse cultural era feito através da oralidade, os responsáveis por essa
educação principalmente os pais, aproveitavam o momento em que se deslocavam
para a roça, durante o trajeto os conhecimentos culturais eram transmitidos de
acordo com as circunstâncias, quando pescavam ou estavam à espreita da caça, os
conhecimentos eram transmitidos de uma a outra geração. Todos esses fatores
estão diretamente ligados ao processo de ensino e aprendizagem cultural dos
alunos.
Em entrevista realizada na ocasião do meu Trabalho de Conclusão de Curso
– TCC (2009) – a membros do departamento de educação da FUNAI, o com o sr.
Francisco2, registrei um relato que reflete a realidade vivida por indígenas na tribo
Ticuna e no Brasil:
Eu hoje estou a cada dia me aperfeiçoando na educação dos civilizados, principalmente por questões econômicas, tenho que realizar constantes cursos de capacitação para que possa me manter no emprego que estou. Assim como eu existem centenas de irmãos Ticuna que estão esquecendo a sua educação e aprendendo a educação dos brancos. É a única saída para o sucesso profissional, se não for assim fica difícil e teremos que pescar e plantar roça.
Esta fala demonstra que a educação indígena é muito sábia e simples
conforme a tradição e não garante a sobrevivência em seu estado original, a menos
que lance mão de uma sabedoria que também é cultural, para sobrevivência e
2 Nome fictício para preservar a identidade do sujeito da pesquisa.
51
inserção no meio não índio.
Os filhos acompanhavam os pais nas tarefas diárias, nas longas caçadas, no
plantio de suas roças, nas colheitas do roçado, na confecção das comidas e
bebidas, nas festas tradicionais, nas danças, na produção de artesanato. Assim,
aprendiam desde cedo a ser independentes e gostar do trabalho. Não nos referimos
aqui aos moldes do capitalismo atual, e sim, às relações onde não há espaço para
violências ou repreensões, aliadas ao sentimento coletivo de posse da terra, ao
sentimento de solidariedade, à vivência e experiência dos pais, avôs, tios. Eram,
dessa forma, conduzidos a uma educação cultural, natural e sadia de todas as
crianças e jovens nas comunidades Ticuna.
Esse modelo ―tradicional‖ de educação indígena não pode competir com a
esmagadora e influente cultura não índia. Os principais meios de influências são o
contato direto com o não índio (principalmente com fins lucrativos através do
comércio) e a programação televisiva. Existem diversos conhecimentos culturais
que poderiam, assim como na cultura tradicional Ticuna, ser ensinados pelos pais,
porém, a maioria dos jovens já influenciados pela civilização não índia tem mudado
seus hábitos no cotidiano. Isso causa a grande falta de comunicação entre as
gerações e por fim pode influenciar na perda de identidade cultural.
O modelo de educação implantado na aldeia Ticuna já demonstrou sua
fragilidade evidenciando que essa educação tida como educação indígena, pode até
ser bonita na teoria, mas apresenta ineficácia em sua aplicabilidade. Essa foi uma
constatação desta pesquisa, que também foi confirmada por diversas lideranças
indígenas e em discussões e palestras realizadas por ocasião da I Conferência
Regional do Alto Solimões e Javari, organizada pelo MEC em maio de 2009, da qual
tive o privilégio de participar.
3.3 A ESCOLA NA COMUNIDADE INDÍGENA DE UMARIAÇU I
Umariaçu I é uma comunidade indígena que fica próximo à cidade de
Tabatinga. A nação Ticuna, como já mencionado, é considerada como uma das
maiores no contingente de população indígena no território brasileiro, com uma
língua isolada na classificação linguística, utilizada por praticamente cem por cento
de seus indivíduos.
Hoje a Comunidade de Umariaçu I fica em terra firme próximo à margem do
52
Rio Solimões. De acordo com informações de moradores antigos, a comunidade
antiga ficava em baixo, ou seja, na parte baixa do barranco, hoje coberta pelas
águas devido à grande queda no barranco.
Existe uma estrada que, segundo o professor José, foi aberta pelos próprios
índios da comunidade e depois de muito tempo foi terraplanada por máquinas da
prefeitura de Tabatinga, e consequentemente asfaltada, mas nunca foi realizada
uma operação tapa buraco, motivo pelo qual, na época das chuvas torna-se
impossível o trânsito de veículos na estrada. ―Esquecidos mesmos‖, diz o Sr.
Gaspar. A aldeia possui eletricidade, porém a iluminação pública é precária, as
lâmpadas queimadas raramente são substituídas. Não existe um sistema de esgoto
eficiente, o esgoto é a céu aberto, são as chamadas valas que na ocasião das
chuvas transbordam e causam grande risco à saúde, principalmente para as
crianças. Embora haja muitos projetos de saneamento, com verbas ―exclusivas‖, que
se perdem ao longo do caminho, as aldeias melhoram um pouco, mas o que tem
sido feito não atende às reais necessidades das comunidades indígenas. A maioria
das casas utiliza a famosa privada, construída a partir de um buraco na terra com
uma pequena casinha de madeira, coberta de folhas de zinco ou palha e em alguns
lugares existe só o buraco como mostra a figura 11, a seguir.
Figura 11 – Privada encontrada em comunidade indígena
Fonte: Arquivo pessoal - 2012.
Hoje em dia muitas casas na comunidade já possuem banheiro fechado com
vaso sanitário, mas ainda é possível esse tipo de privada. Essa prática culturalmente
era normal e comum nas comunidades Ticuna. Ali alguns depositam os resíduos
53
fecais, e as varas geralmente tem duas finalidades: uma é para que não dê total
visibilidade às pessoas que a utilizam; a outra finalidade das varas é para evitar que
as galinhas, porcos e outras criações se alimentem dos dejetos.
3.3.1 A Situação da Escola
A escola foi fundada na administração do prefeito Oscar Gomes de Silva, ao
lado da então, Igreja da Cruz, que estava abandonada por seis anos na ocasião. A
escola era feita de madeira e havia apenas um galpão sem estrutura física para o
bom funcionamento de uma escola. Já na administração do Prefeito Raimundo
Nonato Batista de Souza a escola foi erguida em alvenaria, e assim permanece até
os dias de hoje, pois na administração atual, a escola conta com poucas melhorias,
incluindo apenas uma nova pintura. As figuras 12 e 13 demonstram a fachada da
escola.
Figura 12 – Escola o‘i Tchürüne Figura 13 – Fachada da Escola o‘i Tchürüne
Fonte: Arquivo pessoal – 2012 Fonte: Arquivo pessoal - 2012
A escola busca agilizar a institucionalização de um modelo diferenciado de
educação indígena, na medida em que conjuga os conteúdos programáticos
necessários para a prática de uma educação diferenciada com as exigências
técnicas (carga horária, profissionais qualificados, currículo e outras) definidas pela
legislação pertinente.
3.3.2 Pessoal, Instalações, Equipamentos Material Didático e Verbas que a Escola
Dispõe
As comunidades Ticunas da região são atendidas pela rede educacional dos
54
municípios e, em algumas aldeias, por escolas mantidas pela FUNAI. A Escola
Municipal O’i Tchürüne conta com trinta funcionários e um voluntário em sua
operacionalização: um gestor, três secretárias, um auxiliar administrativo,
dezesseis professores, dez funcionários nos serviços gerais.
Dos 16 professores que lecionam na escola somente dois têm formação
superior, doze estão cursando e dois têm só o Magistério. Juntos fazem até o
impossível par conseguir lecionar na Escola Municipal O‘i Tchürune, tendo em vista
a falta de melhores recursos didáticos.
O material didático é cedido pela Secretaria de Educação. Geralmente não
faltam livros didáticos, porém na escola falta papel oficio, papel estêncil, lápis de cor,
e até mesmo apontador. A secretária e alguns funcionários, durante as aulas,
apontam os lápis das crianças com uma enorme faca de 14 polegadas (peixeira).
A escola é construída em alvenaria, possuindo seis salas de aula, uma
secretaria, um refeitório, uma cozinha, quatro banheiros, um depósito/despensa, um
poço semi-artesiano.
As salas de aula contêm aproximadamente quarenta e cinco cadeiras, um
quadro negro que não ajuda o trabalho do professor e janelas grandes que facilitam
a entrada de ar. As luminárias da escola estão em situação precária, as que
acendem não produzem uma iluminação adequada, o que torna a claridade fosca e
comprometida, dificultando tanto a ministração da aula por parte dos professores
como gera uma consequente debilidade no aprendizado dos alunos. Nas salas há
de cartazes educativos, mas em quantidades reduzidas.
A secretaria e diretoria ocupam o mesmo espaço físico, as quais são
utilizadas pelas pessoas que ocupam essas funções. Nesse ambiente há uma mesa,
prateleiras para os documentos de secretaria e algumas cadeiras. Há também um
cartaz contendo o quadro geral de alunos e professores. A escola possui um
banheiro feminino medindo 3x6m, um banheiro masculino medindo 3x3m e dois
banheiros para os professores, cada um medindo 3x1m.
O refeitório é composto por mesas de madeiras com bancos e um bebedouro.
A cozinha é um local pequeno dentro do refeitório que mede 3,5x3m possui um
fogão a gás, pia e utensílios necessários à elaboração da merenda escolar.
A escola dispõe de um corredor em forma de T, medindo 2,5x 16,5m por 2,5x
20m. O terreno da escola mede aproximadamente 35x25m. O depósito que possui
uma extensão de 3x4m, não possui prateleiras para guardar a merenda ficando
55
assim exposta à ação do tempo, protegida apenas por um estrado de madeira, o que
pode substancialmente comprometer os valores nutricionais da merenda.
3.3.3 A População Alvo da Escola
A Escola Municipal O‘i Tchürune tem como população alvo os índios da
aldeia indígena que residem na comunidade de Umariaçu I, visando um
acompanhamento de perto para que os índios não estudem os primeiros anos de
suas vidas na escola dos ―brancos‖, o que poderia ocasionar perda de identidade
cultural. As crianças da comunidade estão todas matriculadas na escola.
3.3.4 O Currículo em Função da Necessidade dos Alunos
A elaboração de currículos e planos de aulas e sua apresentação à secretaria
da Educação da prefeitura local como propostas de educação indígena diferenciada
tem sido a base da luta para a conquista de reconhecimento dos professores e das
escolas indígenas. Na prática existe muita dificuldade para aplicação do ensino
diferenciado em disciplinas como geografia (que inclui o estudo da localização dos
limites das terras ticunas, por meio de mapas elaborados pelos professores) e de
certa forma vem se ampliando a conscientização em relação aos direitos sobre as
terras indígenas e, consequentemente, contribuindo para fortalecer a ação de defesa
desses direitos.
3.3.5 Projetos Desenvolvidos
As escolas nas aldeias Ticuna participam de um projeto de Educação Ticuna,
que começou a ser implementado em 1993, pela Organização dos Professores
Ticuna Bilíngües (OGPTB), junto aos professores Ticuna que atuam em 93 escolas
indígenas, distribuídas nas Aldeias Ticuna situadas na Região do Alto Solimões.
O ensino da cultura de forma oral apresentado pelos idosos segundo os
professores indígenas, está servindo para estimular o interesse dos jovens sobre a
cultura Ticuna e oferecer um acervo de conceitos sobre o universo Ticuna, por meio
de palavras e frases que, submetidas ao longo do tempo às pressões da sociedade
envolvente e às transformações históricas das aldeias, quase desapareceram. As
narrações dos idosos passaram a constituir uma fonte de conhecimento para os
professores sobre os significados contidos na língua Ticuna. Centenas de vocábulos
56
já foram registrados e podem, no futuro, resultar em obras de apoio ao Projeto
desenvolvido pela escola que tem como objetivo geral o resgatar as origens da
cultura Ticuna na forma de gramáticas e dicionários. ―É preciso publicar, porque
quando os mais velhos morrerem, não teremos mais como resgatar essas histórias‖,
alerta o professor Reinaldo Otaviano do Carmo.
O impacto sobre a cidadania, os aspectos inovadores no interior das aldeias,
as ações de conscientização sobre doenças sexualmente transmissíveis (DST), bem
como, os debates sobre questões ambientais, políticas públicas e direitos indígenas,
realizados no âmbito desse projeto, estão estreitando as relações entre as
comunidades e as escolas. Tais atividades têm impacto direto no entendimento das
comunidades sobre o que vem a ser o exercício da cidadania.
O fato de o projeto ser proposto e executado por uma organização indígena,
no caso a OGPTB, representa uma inovação, sobretudo porque a formação está
associada à luta pelo reconhecimento da educação indígena diferenciada, bandeira
dos povos e organizações indígenas em toda a Amazônia.
3.3.6 Conselho Escolar
O Conselho de pais e mestres foi formado na escola, mais dificilmente se
reúne para uma conversa sistêmica. Existe praticamente só no papel. Não
obtivemos mais informações a respeito do conselho escolar.
3.3.7 A Situação da Merenda
A merenda escolar sempre é oferecida aos alunos indígenas, tendo em vista
a falta de opção no cardápio indígena que em geral é o peixe e a farinha. É possível
notar uma ―certa‖ preocupação em garantir uma merenda da forma mais balanceada
e ―rica‖ em vitaminas. O cardápio da merenda escolar geralmente conta com: aveia,
charque, macarrão, bolacha, feijão, arroz, açúcar, leite, óleo, sal, carne moída,
frango, canjica (segundo uma das merendeiras as crianças não gostam), suco,
farinha de mandioca. Também notamos que a merenda escolar deveria ser mais
enriquecida em legumes e hortaliças regionais, para que os alunos tenham uma
nutrição mais balanceada e diversificada em seus condimentos e temperos. Para
que fosse possível elaboramos e implantamos um projeto de intervenção na escola
Municipal O‘i Tchürune cujo objetivo foi apresentar a horta escolar como um
57
instrumento de desenvolvimento da educação ambiental de forma interdisciplinar e
vivenciada proporcionando noções básicas de técnicas agrícolas para o cultivo de
uma horta escolar. As figuras 14, 15 e 16 demonstram o trabalho com a horta
escolar.
Figura 14 – Adubando a horta escolar
Fonte: Arquivo pessoal - 2012 Figura 15 – Plantação de hortaliças na escola
Fonte: Arquivo pessoal – 2012
58
Figura 16 – Plantação de hortaliças na escola
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
Conseguimos construir uma horta com a ajuda dos alunos da 3ª e 4ª séries
daquela escola. A finalidade era capacitar a comunidade escolar para atuar na
melhoria da sua qualidade de vida com a implantação do projeto da horta no
contexto escolar. Oportunizamos a participação de alunos e professores no processo
assegurando oportunidades e recursos igualitários para que as pessoas
desenvolvam completamente seu potencial de cultivo. O projeto de intervenção
contribuiu substancialmente com o processo de ensino aprendizagem de forma
interdisciplinar, aprendendo a partir do concreto e palpável, visando uma melhor
compreensão da interação do indivíduo com o meio ambiente e consequente
valorização do conhecimento no cultivo de hortaliças necessárias à comunidade
escolar. Neste sentido, elaboramos o projeto que foi destinado à Escola municipal
O’t Thürune na Comunidade de Umariaçu I, como exigência da disciplina de
Educação Ambiental.
O projeto foi realizado mediante a utilização de procedimentos que
possibilitaram o cultivo de uma horta escolar. Foram discutidos aspectos que
evocaram nos alunos da Escola O’t Thürune, a necessidade de desenvolver
técnicas agrícolas que viabilizassem o enriquecimento nutricional da merenda
escolar de forma balanceada, rica em nutrientes e vitaminas para um melhor
desenvolvimento físico e psíquico dos alunos. Realizamos palestras com a
finalidade de proporcionar mudanças de postura por parte dos alunos em relação ao
cultivo agrícola. Foram analisadas as condições do solo para a implantação da horta,
foi escolhido o melhor local e implantada a horta, que foi possível também através
de certo conhecimento da cultura indígena. Contamos com o apoio de funcionários
59
do CETAM e do IDAM, para a aquisição de sementes e orientações diversas.
Plantamos alguns pés de coqueiro, como pode ser visto na figura 17, com a
finalidade de melhorar a paisagem da escola, produção de frutos e também para
garantir um pouco de sombra para os alunos.
Figura 17 – Plantação de coqueiros na escola
Fonte: Arquivo pessoal – 2012
Apesar de alguns avanços a escola indígena necessita de um olhar mais
comprometido para que possa atingir o objetivo de educar para a vida, mas também
garantir a preservação cultural.
3.3.8 Deficiências Detectadas na Escola
As crianças não possuem material escolar suficiente, geralmente pela falta de
recursos dos pais indígenas. Muitas vezes o que recebem não dá para sustentar a
enorme quantidade de filhos que possuem. Faltam itens básicos como lápis, caderno
e até apontador.
A Escola Municipal O’t Thürune, possui poucos cartazes educativos, o que
dificulta o aprendizado das crianças, as quais em geral, têm o ânimo elevado e a
adrenalina à flor da pele, o que dificulta um pouco o trabalho do professor. Poucos
realmente são os que prestam atenção nas aulas de Língua Portuguesa, segundo
relato de alguns professores.
Não encontramos na escola uma horta escolar para enriquecer a merenda,
muitas crianças vão para escola sem se alimentar e a principal refeição que contam
em sua alimentação diária é a merenda escolar.
60
A escola não tem estrutura para realizar aulas Educação Física para as
crianças; os ventiladores foram retirados para concerto e nunca mais voltaram aos
seus devidos lugares. Falta arborização na escola. Tais aspectos permitem afirmar
que as Crianças da Escola O’t Thürune necessitam de uma atenção especial por
parte da Secretaria de Educação.
3.3.9 Etno Educação Indígena
A educação indígena tem sido amplamente questionada tanto por indígenas
como pelo Ministério da Educação e Cultura, e diversas medidas estão sendo
tomadas para que providenciem melhorias na qualidade da educação indígena e
que ela seja pensada mediante a realidade local e não, no âmbito nacional, como
vinha sendo elaborada. Em setembro de 2009, ocorreu uma Conferência Nacional
sobre Educação Indígena em Brasília.
Considerando a legislação e as diretrizes da política de educação escolar indígena, como política democrática, a ser amplamente debatida em conjunto com os povos indígenas, órgãos gestores da educação nos estados e municípios, instituições indigenistas, universidades, instituições científicas relacionadas à temática indígena e todas as outras instituições comprometidas com as garantias plenas de direitos indígenas, resolve: Art. 1º Fica convocada a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, a realizar-se em outubro de 2009, sob a coordenação do Ministério da Educação, com o objetivo de analisar em profundidade a oferta da educação escolar indígena e propor diretrizes que possibilitem o seu avanço em qualidade e efetividade. Parágrafo único. A Conferência Nacional será realizada pelo Ministério da Educação em conjunto com os representantes dos povos indígenas, com o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação - CONSED, com a União dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME e com as demais instituições governamentais e não governamentais que atuam diretamente na oferta de educação escolar junto aos povos indígenas. (I CONEEI - I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, 2009).
Diversas políticas de controle têm travado o processo educacional indígena. É
importante saber dos próprios indígenas qual é a melhor forma de educação que
eles necessitam, ou melhor, é bom que os próprios indígenas participem da
elaboração de um novo projeto educacional para povos indígenas no Brasil.
Os primeiros contatos com branco trouxeram para a aldeia a educação-
escolar, que tem aspectos positivos e negativos. Porém a ―culpa‖ pela deficiência na
transmissão cultural não pode jamais se atribuída à escola, haja vista que, o modelo
implantado na aldeia não é um modelo propriamente indígena. Acreditamos que a
deficiência está mais relacionada ao processo de assimilação da cultura não índia.
61
Os Ticuna estão cercados por uma cultura predominante e que
aparentemente torna a vida mais fácil, fato que tem gerado a aculturação, que é a
perda de identidade própria para assumir uma nova identidade cultural. Desse
pensamento surgem as divergências no próprio meio Ticuna quanto à educação
indígena. Nesse contexto, podemos destacar duas correntes: uma considera que é
importante estudar os mitos, preservar a cultura através de um ensino bilíngue.
Outra acredita que é perda de tempo estudar os mitos e aspectos culturais, pois
acham que enquanto estão estudando tais aspectos, os não índios estão se
preparando para o vestibular. Os Ticuna comentam ainda que a escola indígena não
prepara seus alunos de forma adequada, acham que não são preparados do mesmo
modo que os não índios, e isso, segundo essa corrente, gera a discriminação de sua
etnia e até chegam a mostrar as estatísticas que poucos indígenas conseguem
ingressar na faculdade se não houver um programa de formação diferenciado.
Um dos fatores motivadores pode ser o entendimento de que até os não
índios estudam os mitos em suas culturas: o Saci Pererê, a Caipora e outros. Os
mitos podem ser ensinados de forma interdisciplinar. A escola que está na aldeia
pode fazer a diferença, se todos os envolvidos no processo educacional estiverem
pensando coletivamente.
Muitos aspectos importantíssimos relacionados à cultura Ticuna foram
deixados do lado de fora da escola, e após analisarmos determinados fatores,
podemos entender que a educação, tal como a conhecemos, reproduz e consagra a
desigualdade social; o sistema capitalista que gera a educação bancária ―educação
do opressor‖ que com tanta veemência foi criticado por Paulo Freire, continua bem
vivo e perto de nós. Brandão (1995, p.100) ressalta que ―é preciso acreditar que,
antes, determinados tipos de homens criam determinados tipos de educação, para
que, depois ela recrie determinados tipos de homens‖.
A escola deveria buscar alternativas em uma educação que fosse apropriada
para a sobrevivência da cultura Ticuna. Segundo Comênio (1976, p.104) ―não é
necessário consequentemente introduzir nada no homem a partir do exterior, mas
apenas fazer germinar as coisas das quais ele contém os germens em si mesmo e
fazer-lhe ver qual a sua natureza‖.
As crenças Ticuna estão tornando-se obsoletas em meio aos estudantes,
portanto, faz-se necessário, um resgate da cultura e, sobretudo partindo da escola
indígena para que esta nação ―diferente‖ não venha ser mais uma, tragada pelo
62
―monstro da superioridade cultural‖. Devemos pelo menos tentar uma tomada de
consciência e possível resgate de identidade cultural. Como afirma Freire (1977):
―Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão‖. (p. 27). Com o empenho da comunidade Ticuna e o respaldo de
autoridades brasileiras, na elaboração de políticas que viabilizem a libertação do
indígena, não de suas origens, mas libertação no sentido de não serem
escravizados por uma cultura dominante que constantemente faz com que sintam-se
inferiorizados.
3.4 EDUCAÇÃO INDÍGENA: APRENDIZAGEM TICUNA
É importante mencionar que a educação Ticuna em sua origem é de
responsabilidade principalmente dos pais e parentes mais próximos. Essa educação
defendida pelos antigos é uma educação para a vida e garante a perpetuação
cultural da nação Ticuna. Ela era ensinada de forma oral, principalmente antes de
dormir, a caminho da roça, quando estavam à procura da caça, quando estavam
pescando ou em outras situações favoráveis ao repasse cultural entre gerações.
Esses momentos eram aproveitados pelos mais antigos que ensinavam a cultura
através de histórias, mitos e lendas. Com a evolução da nação Ticuna, tornou-se
necessário uma educação que contemplasse o cotidiano e valorizasse a cultura
Ticuna como um todo.
Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a mudança das coisas, mudam os indivíduos; o tipo permanece o mesmo. Homens e animais, na sua qualidade de seres físicos, consolidam a sua espécie pela procriação natural. Só o Homem, porém, consegue conservar e propagar a sua forma de existência social e espiritual por meio das forças pelas quais a criou, quer dizer, por meio da vontade consciente e da razão, O seu desenvolvimento ganha por elas um certo jogo livre de que carece o resto dos seres vivos, se pusermos de parte a hipótese de transformações pré-históricas das espécies e nos ativermos ao mundo da experiência dada. (JAEGER, 2001, p.3).
Fica claro que o modelo educacional implantado na aldeia, não é um modelo
que atende os anseios culturais da etnia Ticuna, mesmo com as políticas públicas
voltadas para Educação Escolar Indígena, nos últimos vinte anos, formuladas a
partir da promulgação da Constituição Federal que legitimou novos paradigmas para
63
as relações entre Estado brasileiro e povos indígenas, pautados pelo
reconhecimento, valorização e manutenção da sociodiversidade indígena. Não
atingimos aquela educação ideal para os Ticuna. Um dos entrevistados falou que o
que sonhavam ―naquele tempo era outra vida por que era muito difícil se viver como
hoje, é muito difícil (diferente) do que a gente sonhava sobre o que poderia
acontecer no futuro‖. O entrevistado, nas entrelinhas, deixa claro que hoje não é o
que sonhava alguns anos atrás; a vida hoje é diferente e difícil para ele que viveu
em outra realidade e sonhava com uma educação que ajudasse na preservação de
suas tradições. O que ele tem observado é que o sistema de ensino não tem uma
preocupação com a preservação, e dia após dia há uma preparação para a
integração na sociedade não índia.
Os sistemas de ensino ao implementarem políticas diferenciadas na
educação indígena, e com o movimento social indígena e indigenista, emergente a
partir década de 1970 dá origem ao conceito de educação escolar indígena como
direito, caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das
memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos
indígenas, pela vital associação entre escola/sociedade/identidade, em consonância
com os projetos societários definidos autonomamente por cada povo indígena.
No cotidiano dos professores, das lideranças e das pessoas que se tornam
aliados, para uma possível ressignificação da instituição escola, que foi modelada
historicamente pela negação da diversidade sociocultural, tentam transformá-la em
um espaço de construção de relações interétnicas orientadas para a manutenção da
pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e
pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos. Surgiram as diretrizes
político-pedagógicas da interculturalidade, do bilingüismo/multilinguismo, da
diferenciação, da especificidade e da participação comunitária, formando consensos
sobre como seria uma educação escolar protagonizada pelos povos indígenas e
associada a seus próprios projetos societários.
Devemos admitir a impossibilidade de se definir com nitidez a real política de
Educação Indígena colocada atualmente em prática. Se ao longo da história do país,
ela sempre andou ao lado da religião e das doutrinas humanitárias e positivistas,
que nortearam a formulação da política indigenista brasileira, hoje, com as
conquistas alcançadas na última Constituição referente aos direitos indígenas,
parece haver um jogo de forças contraditórias entre as posições progressistas
64
garantidas na lei e a efetiva consecução desses princípios.
Existe uma evidente tensão, não resolvida e talvez irresolvível, entre
princípios que afirmam a pluralidade cultural e linguística, e que exortam não só o
respeito, bem como a alimentação dessa pluralidade e uma visão sedimentada por
uma longa história, que legitima e consolida práticas em todos os níveis, que
corroboram e alimentam a homogeneização e a hegemonia de uma cultura e de uma
língua — "as nacionais". Até os anos 1970, podemos identificar um projeto claro,
explícito e pragmático que norteou a Educação Indígena no Brasil: catequese e
socialização para a assimilação dos índios na sociedade brasileira, uma vez que a
tradição indigenista pautava-se no estímulo a formas sociais e econômicas que
geravam dependência e subordinação da terra e do trabalho indígena a uma lógica
de acumulação.
O lema era integrar, civilizar o índio, concebido como um estrato social
submetido a uma condição étnica inferior, quando vistos nos moldes da cultura
ocidental cristã. Isto se confirma quando os órgãos oficiais de tutela, o Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) e depois a Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
estabeleceram convênios com instituições religiosas de diferentes credos, para que
elas se incumbissem de implantar o trabalho escolar dentro das aldeias. O Estado
tutor jamais se preocupou em colocar em prática uma política de educação
específica para o indígena que não fosse a voltada para a integração. Antropólogos
e linguistas eram chamados para dar pareceres sobre os convênios estabelecidos
com as instituições religiosas, mas não para idealizar e realizar uma proposta de
Educação Escolar Indígena.
A partir dos anos 1980, ocorreu uma mudança neste quadro, mas foi instalada
certa ambiguidade nas formas de se traçar e implantar uma política de Educação
Indígena. Ambigüidade, não por haver uma revolução nas práticas que deveriam
conduzir os rumos da Educação Indígena, mas sim, uma grande transformação nas
concepções que vão nortear o convívio do Estado brasileiro com sua realidade
indígena. Os anos 1980 foram o marco na afirmação dos movimentos indígenas
organizados no Brasil, motivados também pelo caminho construído pelas
organizações civis de apoio ao índio para a conquista dos seus direitos formais,
garantidos em lei, via Constituição. Foi, então, o início de uma mobilização dos
próprios indígenas para conquistas políticas que vinham sendo lançadas na arena
de um país que sempre se orgulhou de sua democracia racial e uniformidade
65
linguística. O entrevistado P.I.P, que foi Cacique Ticuna por mais de 30 anos,
vivenciou esse momento de mudança e afirmação do povo Ticuna, lutando junto
com outros indígenas na linha de frente para garantir os direitos previstos em lei.
Depois de 1984, 1985, comecei a fazer viagens para fora para a 1ª assembleia Geral dos Povos indígenas sobre o direito do seu território, viajei para São Paulo. Fiquei hospedado perto do campo de futebol Pacaembu, por ali fiquei naquele tempo hospedado, não só eu mais cento e poucos indígenas que estavam participando da primeira assembleia dos povos indígenas sobre o direito. Desde esse tempo que faço grandes trabalhos, fui viajar para o Rio de Janeiro, e vários Estados. Depois de muito tempo já depois de 1995, eu fiz uma longa viagem já para fora do país, fui para Bélgica, Bruxelas na Europa. Fiz varias Viagens sobre as questões de terra para serem demarcadas, como aconteceu que já foi demarcada a terra para o povo indígena, por que naquele tempo o povo indígena não tinha direito de viver como hoje, tranquilo e em paz. Isso que aconteceu só Deus que me deu permissão, eu fui à Áustria para a conferência mundial indígena, e o prefeito de lá o Sidaco que me convidou para assinar um convenio com a nossa organização CGTP, para consegui a verba, esse dinheiro para demarcação das terras não foi dado por brasileiros, senão um dinheiro de fora austríaco, então isso tudo eu fiz esse trabalho naquele tempo de 1993 á 2000. Não só pela terra, mas também pela Educação, Saúde. Todo esse trabalho eu com segui com grande sacrifício. Depois da demarcação das terras aconteceu um grande massacre, em 28 de março de 1988 no Capacete, onde teve a matança do povo indígena por causa da terra, o proprietário da terra disse “que poderia sair só depois que matasse o povo indígena, o lucro das terras que ele tinha perdido” então isso aconteceu. (Entrevistado P.I.P, Liderança Ticuna, 2012 ).
O entrevistado P.I.P, fala sobre as conquistas indígenas com grande
satisfação, mas e ao mesmo tempo notamos sua indignação pelas barreiras
impostas das mais variadas formas para que seus direitos previstos em lei sejam
obedecidos. Os Ticuna organizaram representações que procuram constantemente
dar voz a um povo que por muitos anos não teve voz.
O povo Ticuna possui representações de sociedade civil organizada, ou seja,
associações instituídas nos termos do Código Civil brasileiro. Não são as únicas e
nem as mais importantes entidades de representação das sociedades indígenas,
mas nos últimos 15 anos emergiram como nova categoria de representação das
comunidades, atuando como foro de aglutinação das mais diferentes representações
tradicionais ou não.
O caso do Alto Solimões é particularmente significativo à representação
especializada de atores comunitários de ofícios como representação do complexo de
tribos e seus líderes CGTT, representantes na educação OGPTB e na saúde
OSPTAS. Tais associações podem assumir a expressão de representação do
66
complexo de tribos e seus líderes.
A Educação Indígena acabou tendo como referência o sistema formal,
institucionalizado na e pela sociedade não indígena, baseada no letramento e na
escola. Consideramos, então, que tudo o que se formulou e executou até agora é
mais Educação Escolar Indígena do que Educação Indígena propriamente dita,
entendida esta última, como sendo o conjunto dos processos de socialização e de
transmissão de conhecimentos próprios e internos a cada cultura indígena. Já na
aprendizagem tradicional de Cultura Ticuna, a educação para a vida perpassa pelos
mitos e crenças animistas e tabus.
Para que possamos compreender a riqueza da educação mítica dos Ticuna
faz-se necessário uma compreensão mais profunda do que realmente sejam os
mitos. Para tanto, recorremos à etnologia da palavra mito que tem raízes do grego,
múthos, que indica qualquer ideia expressa somente por palavra oral. Assim, um
mito é algo sobre as pessoas de determinada cultura, mas sem base direta na
realidade. Está em foco algum assunto de conversa, alguma estória, alguma fábula.
De fato, no grego, o verbo “muthe’o” significa contar, ―narrar uma ficção‖. Uma
definição do léxico grego pode elucidar melhor essa questão: uma estória,
apresentada como história relacionada a tradições cosmológicas e sobrenaturais de
um povo, com seus deuses, sua cultura, seus heróis, suas crenças religiosas, etc.
Um mito é uma ficção popular, contada como se fosse uma história real. A origem da
nação Ticuna é ponto passivo entre eles, acredita-se que Yo‘i e Ipi foram os deuses
responsáveis pelo aparecimento das pessoas, como mostra a figura 18, a seguir.
Figura 18 – Pintura dos deuses Yo‘i e Ipi
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
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Os Ticuna originalmente possuem diversas histórias míticas que são
―contadas‖ (mesmo não sendo com a mesma motivação dos antigos) aos jovens e
às crianças. Elas servem para ilustrar a vida na floresta, o dever de respeitar a
floresta, os saberes necessários de como proceder em relação à caça, à pesca e
também quanto à extração de produtos e derrubada da floresta, sob pena de
castigo ou de maldição com feitiço se houver desperdício ou prejuízo para a
natureza.
Os mitos eram utilizados para facilitar as relações entre parentes indígenas,
proporcionar um respeito mútuo entre os filhos, os pais, os pajés, o cacique e os
idosos da tribo. Também eram um mecanismo usado para proporcionar segurança,
autoconfiança e sentimento de proteção, dando coragem aos membros da tribo
Ticuna frente aos inimigos, ou ainda para facilitar nas relações com membros de
outras etnias, e até mesmo para educá-los na forma de proceder à frente do homem
―branco‖. Essa cosmo visão expressada através de mitos tem revelado como é
importante o ensino da manutenção via escola indígena, desse aspecto cultural que
tem se tornado obsoleto entre muitos povos indígenas.
Os Ticuna acreditam que quando olhamos a floresta, aparentemente vemos
tudo parado, mas por dentro é diferente, a floresta está em constante movimento e
tem espírito próprio, tem vida, sendo que ela pode até castigar quem a desrespeitar.
A árvore do jenipapo está presente até no mito da origem das pessoas. Para eles
essa explicação é fundamental para o conhecimento da criação do ser humano. Os
deuses Yo‘i e Ipi, e a mulher que apareceu do caroço do umari foram os principais
atores no aparecimento das pessoas.
As crenças Ticuna tornam-se ricas em diversos aspectos: acreditam que o
jenipapo é indispensável em sua cultura, pois, o ato de se pintar com o jenipapo,
protege a vida das pessoas contra diversos espíritos, males, doenças e pode até
fechar o corpo dos recém-nascidos.
O jenipapo e a origem das pessoas Tetchi arü Ngu‘i era mulher de Yo‘i, mas ficou gestante de Ipi. Yo‘i não gostou disso e resolveu castigar o irmão. Assim que a criança nasceu, Yo‘i mandou Ipi buscar jenipapo, e, para pintar o menino. Quando Ipi subiu na árvore, ela começou a crescer, crescer, quase alcançando o céu. Ipi sofreu muito, mas por fim conseguiu apanhar uma fruta. Desceu da árvore transformado em tucandeira, trazendo o jenipapo na boca, Yo‘i mandou Ipi ralar a fruta sem parar. Ele ralou, ralou, ralou, até que ralou seu próprio corpo. Tetchi arü Ngu‘i pegou o sumo do jenipapo e pintou o filho. Depois jogou a borra no igarapé Eware. A borra do jenipapo desceu pela água e foi parar num lugar com muito ouro. Depois
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tornou a subir, já transformada em peixinhos, numa grande piracema. Quando a piracema passou, Yo‘i fez um caniço e foi pescar, usando caroço de tucumã maduro, Mas os peixes, quando caíam na terra, viravam animais: queixada, anta, veado, caititu e muitos outros. Aí Yo‘i usou isca de macaxeira, e com essa isca os peixinhos se transformavam em gente. Yo‘i aproveitou e pescou muita gente. Mas seu irmão não estava entre essas pessoas. Yo‘i, então, entregou o caniço para Tetchi arü Ngu‘i e ela conseguiu fisgar um peixinho que tinha uma mancha de ouro na testa. Era o Ipi. Ipi saltou em terra, pegou o caniço e pescou os peruanos e outros povos. Esse pessoal foi embora com Ipi para o lado onde o sol se põe. Da gente pescada por Yo‘i descendem os Ticuna e também outros povos que rumaram para o lado onde o sol nasce, inclusive os brancos e os negros (GRUBER, 1997, p. 18).
Em todas as culturas pessoas necessitam explicar de alguma forma como
surgiram, por quê, de onde vieram e para onde vão. Segundo Champlim (1991) é
uma necessidade essencialmente humana onde as perguntas e dúvidas geradas, é
que impulsionam o homem a procurar, de alguma forma, as respostas para sua
indagações.
Na cultura Ticuna, quando uma criança nasce, seu corpo é pintado de
preferência pelos avôs e quando já está um pouco maior, pintam-se novamente
durante as festas. As meninas quando têm a primeira menstruação, ―ficam moças‖ é
necessário uma pintura com o jenipapo e uma festa de inicialização chamada festa
da ―moça nova‖. Essa festa foi descrita no livro das Árvores, organizado por Gruber
(1997), com riqueza de detalhes:
Quando uma menina fica moça, deve permanecer isolada, em uma casa dentro do mosquiteiro, em contato apenas com a mãe ou a tia. Enquanto a família prepara as bebidas e os moqueados, a moça aprende a fazer fios de tucum e a tecer bolsas. Depois de uns meses, quando já está tudo pronto, a festa pode começar. É uma festa sagrada, que Yo‘i criou e deixou no mundo para o povo Ticuna nunca esquecer suas tradições. A cerimônia dura três dias e é muito bonita. Tem danças e cantos. Tem o som das flautas e tambores. Tem a apresentação das máscaras. Tem caiçuma e pajauaru. Tem muita alegria.[...] Nessa mesma festa, as crianças são pintadas e têm seus cabelos cortados. Quando o sol começa a nascer, os parentes passam o sumo do jenipapo no corpo da moça e das crianças. Antes de colocar os enfeites, o corpo da moça e das crianças é pintado com uma mistura de urucu e leite da árvore do tururi-vermelho. Sobre essa pintura são colocadas penugens brancas de pássaros. A armação do cocar, o manto e os enfeites dos braços da moça e das crianças são preparados com entrecasca branca, tirada de uma árvore especial: naitchi. Essas entrecascas usam somente na festa. (p. 84-86).
O entrevistado J.G.F, fala sobre a importância da festa da moça nova e
explica como era realizada. Os indígenas se comunicavam através de sons e era
diferente de hoje, mas conseguiam se comunicar somente descendo rio abaixo de
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canoa, sem parar na beira do rio. O instrumento usado era a aricana.
A festa tradicional, a festa da moça nova era outro tipo de som, usavam o aricana que era feito da casca de uma madeira, eles tiram a casca e vão enrolando e fazem um tubo bem grande com a boca bem grande e a ponta bem fina para eles buzinar, isso é outro tipo de comunicação, eles não precisam vim aqui e dizer tão dia tem a festa da moça nova, um trabalho, eles baixavam com a canoa e buzinavam e todos ouviam, sabia que em tal maloca, estava acontecendo alguma coisa. Não era qualquer pessoa que podia tocar só quem era preparado para tocar, por que na nossa tradição indígena, a aricana tem um símbolo que só a pessoa escolhido podia tocar, os idosos escolhiam as pessoas e preparavam, nessas festas que juntam muitas pessoas que naquela época agüentavam uma semana tomando pajauaru, comendo carne assada, banana assada, durante essa festa eles preparavam a pessoa, quando chegava à época da festa a pessoa tocava, em todas maloca tinha um escolhido. Quando iam fazer a festa era a pessoa que saia, dois remavam e a pessoa só escolhida tocava. Não tinha motor naquela época, era só no remo. (Entrevistado J.G.F, 2012).
Os Ticuna acreditam que no princípio era tudo escuro, por conta de uma
enorme samaumeira que cobria a terra, quando os seus principais deuses Yo‘i e Ipi,
juntamente com todos os animais da floresta decidiram derrubar a samaumeira,
finalmente ela caiu. Seu tronco deu origem ao Grande Rio, Rio Solimões e através
de seus galhos originaram-se os igarapés e lagos. Outra crença importante é a da a
moça do umari:
Quando a samaumeira caiu, ficou ainda o toco, que na língua Ticuna se chama napüne. É a parte que fica na terra quando alguma árvore é derrubada. No toco da samaumeira as folhas continuavam brotando. Isso preocupou Yo‘i e Ipi, pois a árvore poderia crescer de novo. Colocaram sobre o toco um jabuti enorme para que ele comesse as folhas. Mas o jabuti não dava conta, porque as folhas cresciam sem parar. Então, os irmãos chegaram bem perto e puderam escutar o coração da samaumeira: tou, tou, tou! Ele ainda estava vivo. Ipi tentou tirá-lo com o machado, mas o coração pulou bem longe. Uma borboleta pegou o coração, depois o calango e por fim ele foi parar com a cutia. A cutia saiu correndo e plantou o caroço do coração. Yo‘i foi atrás, procurou, procurou e acabou encontrando o caroço. Levou, então, para plantá-lo no seu terreno. Depois de um tempo, nasceu uma árvore de umari, tetchi. Assim surgiu o umari: do coração da samaumeira. A árvore botou folhas, flores e frutos. As folhas pequenas, quando caíam no chão, viravam sapos pequenos. As folhas grandes viravam sapos grandes. As frutas também começaram a cair. A última delas se transformou numa moça muito bonita, que se chamou Tetchi arü Ngu‘i: ―a última fruta do umari‖. Yo‘i levou a moça para ser sua mulher. Essa é a explicação Ticuna para o aparecimento da primeira mulher. (GRUBER, 1997, p. 16).
Na história mítica a filosofia proporcionou certas modificações no modo de
expressar as idéias, de forma que o mitológico cedeu lugar a uma abordagem
racional de realidade. Em seguida apareceu a abordagem científica, com a sua base
empírica. Mas, quando surgiu a ciência, os mitos já haviam sido confinados às
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estórias da literatura de ficção, embora permaneçam ativos em muitos sistemas
religiosos do mundo. Hoje não são tão valorizados, embora sejam uma ótima
ferramenta para manutenção de elementos da cultura de um povo.
Os mitos sempre serviram de forças impulsionadoras de atos humanos. Mitos
sobre deuses que galardoam e castigam têm encorajado os homens a adotarem
atitudes particulares e a agirem de determinadas maneiras.
Poderíamos mesmo dizer que os mitos são histórias impulsionadoras, relatos
cujo intuito é o de levar os homens à ação, e não de se consistirem meramente em
narrativas divertidas. Os mitos também são histórias explicativas, que tentam
explanar coisas sobre as quais os homens mostram curiosidade, embora não
disponham de meios para investigá-las ou comprová-las de forma cientifica.
Naturalmente, os relatos míticos são inventados como se fossem verdadeiros,
esperando-se que os homens creiam nos mesmos.
Segundo Champlim (1991) entendemos que grandes sistemas religiosos têm
sido essencialmente mitológicos, embora sistemas inventados pela imaginação
humana têm sido levados a sério.
Desde os tempos de Platão, os filósofos precisavam ter extremo cuidado com o que diziam a respeito dos mitos encontrados nos escritos de Homero, mitos esses que se tornaram a base de religiões populares, politeístas. E isso porque negar os mitos sobre os deuses era, para os gregos, o que é hoje negar a Bíblia para os evangélicos fundamentalistas. Os escritos de Homero eram uma bíblia para os gregos, e todos eles pensavam que Homero não podia ter-se enganado. Em certo sentido, os mitos são buscas pela verdade, posto que mal-orientadas. Muitos mitos contêm um certo cerne de verdade que, posteriormente, vem à superfície. As realidades finais impressionam-nos no mais íntimo do ser, e acabam por conferir-nos discernimento quanto à sua veracidade, mas, no processo, isso é distorcido e exagerado. (p. 320).
Assim, sugiram diversos mitos na nação Ticuna, e mesmo surgindo esses
conceitos, os mitos terminam por provar que são insuficientes para explicar as
realidades como um todo. No entanto, quando a verdade começa a raiar, os mitos
mostram ser extremamente resistentes, podendo persistir ainda por longo tempo. E
assim, quando a verdade é buscada, os mitos entrincheiram-se, pois para os
homens parece difícil sacrificar doutrinas preciosas, consagradas pelo tempo,
mesmo que sejam erradas. Os mitos emprestam coerência a grupos humanos, e a
verdade ameaça essa unidade. Só muito gradualmente é que as tradições vão
incorporando a verdade e sacrificando, paralelamente, os mitos.
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Algumas verdades precisam de meio século, ou mesmo mais, para se firmarem, depois que começam a emergir. E que os mitos atuam como estímulos, que levam um grupo social qualquer a seguir determinada linha de pensamento e de ação. A verdade age do mesmo modo, mas sempre aparece depois dos mitos, e enfrenta muita dificuldade para desacreditar e deslocar os mesmos. Todavia, à verdade compete tomar o lugar dos mitos. Talvez sempre tenhamos de tolerar algum mito na sociedade humana, mas, é mister que o controle exercido pelos mitos decline, e que o controle exercido pela verdade aumente, à medida que avançarem a ciência e o conhecimento em geral. Porém, não se deve esperar que isso venha a processar-se de maneira homogênea, porquanto nenhuma era será mais mitológica, na história da humanidade, como o futuro período do anticristo. (CHAMPLIM, 1991, p.321)
Todas as religiões, tanto as primitivas quanto as avançadas, têm a
necessidade de algum mito. Pois a ligação entre o divino e a experiência pessoal só
pode ser feita de acordo com conceitos mitológicos. Desde as civilizações antigas, já
existia a necessidade de explicar a origem, e muitas coisas que estão relacionadas
com o mundo espiritual e para tal eram usados os mitos.
O mito da criação, nos relatos babilônicos, fala sobre Marduque, em sua luta titânica contra o dragão Tiamate, como preparação prévia para a criação da terra e do homem. No hinduísmo, por sua vez, temos a história de Brahma, inspirando e expirando a vida do universo criado. Também fala-se sobre aqueles heróis mitológicos como Rômulo e Remo; sobre mitos estelares para explicarem as constelações e os movimentos dos astros. Há o mito egípcio do sol, retratado como Rá, a atravessar o firmamento em um bote. Também há mitos sobre o mundo inferior, como os de Osíris, Orfeu, Charon e Izanagi. Mitos sobre os deuses e um grande dilúvio, como o de Ut-Napistim dos babilônios e o de Noé, dos hebreus. Mitos que explicam festividades e costumes, como a fuga do Egito como uma explicação para a páscoa. (ibid., p. 320).
Os mitos têm por finalidade narrar, em forma de história, a experiência dos
homens em sua consciência de Deus. As mitologias foram os primeiros professores
da humanidade. Naturalmente, esta citação está sujeita à discussão e refutação
parcial, embora forneça-nos o âmago da questão de como os mitos estão
relacionados à fé religiosa. A mitologia Ticuna expressa a ideia de um lugar que
pode ser chamado de ―paraíso‖, os mortos vão para esse lugar e ficam encantados.
As crenças animistas são parte indispensável da educação Ticuna. O
termo animismo vem do lat. anima (alma, fôlego), que segundo Champlim (1991), foi
usado pela primeira vez por Stahl em 1720, para expressar um conceito filosófico da
alma do mundo. Segundo Champlim (1991) existem três tipos de conceitos
animistas: no primeiro, os objetos físicos possuiriam vida ou espírito próprios, não
havendo tal coisa como matéria inanimada, o universo seria uma presença viva; já
no segundo, os objetos físicos, embora não animados por si mesmos, seriam
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habitados por espíritos que sobrevivessem mesmo quando os objetos físicos fossem
destruídos; o terceiro conceito seria a manifestação dos espíritos esporadicamente
por meio das pessoas, dos objetos físicos ou de lugares específicos, poderia se
tratar de puros espíritos, incluindo espíritos não humanos, espíritos de antepassados
e de pessoas já falecidas. Os bruxos, feiticeiros e médiuns, segundo alguns,
poderiam entrar em contato com tais espíritos. A terceira forma de animismo é
virtualmente universal, e muitas pessoas supõem ser essa a base de toda a crença
religiosa. Alguns supõem que essa teoria surgiu do fenômeno dos sonhos, o que
pode ser apenas uma explicação parcial, mas provavelmente, lugares assombrados
e fantasmas seriam a origem dessa teoria.
Os filósofos que têm defendido uma forma ou outra dessa teoria são Empédocles, Plotino, Leibniz, Schopenhauer, Pierce, Schiller, Whitehead, Alexandre de Chardin e Waddington. As religiões orientais, ao tentarem oferecer explicações idealistas da realidade, incorporam uma forma de pampsiquismo que, naturalmente, é algo inteiramente diferente da ideia de que há espíritos ocultos em objetos físicos, embora a palavra possa ser usada para indicar ambas essas ideias, de maneira bem geral. (CHAMPLIM, 1991, p.168).
A ideia embora crua contida no animismo Ticuna é de que existem o espíritos,
com o qual podemos entrar em contato, estabelecendo diferença em nossas vidas.
Qualquer vida é muita dentro da floresta e a gente olha de cima, parece tudo parado. Mas por dentro é diferente. A floresta está sempre em movimento. Há uma vida dentro dela que se transforma sem parar. Vem o vento. Vem à chuva. Caem as folhas. E nascem novas folhas. Das flores saem os frutos. E os frutos são alimentos. Os pássaros deixam cair às sementes. Das sementes nascem novas árvores. E vem a noite vem à lua. E vêm as sombras que multiplicam as árvores. As luzes dos vaga-lumes são estrelas na terra. E com o sol vem o dia. Esquenta a mata. Ilumina as folhas. Tudo tem cor e movimento. (GRUBER, 1997, p. 48).
Os espíritos segundo os Ticuna estão por toda parte, e na eminência de
nomear tais espíritos protetores e reguladores da vida social e das atitudes ticunas,
eles atribuem algumas funções a esses espíritos que podem ir de dono, pai, mãe e
assim por diante; conforme os ensinamentos tradicionais encontrados no ―livro da
Árvore‖.
As Árvores e Seus Donos. A floresta é a coberta da terra. É a casa dos animais. E onde nós vivemos. É onde também vivem outros seres, Alguns desses outros seres nós chamamos de nanatü, que significa ―dono‖, ―pai‖ ou ―mãe das árvores, dos animais, dos peixes, das águas. São seres que cuidam há milhares de anos de tudo que existe na natureza, assim como nós cuidamos de nossos filhos e de nossas roças. O buritizal tem dono, o açaizal tem dono, o seringal tem dono, o caranazal tem dono, a samaumeira tem dono, a sorveira tem dono. (ibid., p. 28).
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Segundo pesquisas realizadas e entrevistas a idosos da tribo Ticuna, na
ocasião de minha graduação, em 2010, observei através de relatos que o animismo
está presente no mito do WÜWÜRÜ que é um bicho que vive no meio do buritizal,
ele é o dono do buriti. Os antigos contam que o Wüwürü mata as pessoas fazendo
cócegas e depois as devora. Todo tempo ele fica limpando o buritizal e juntando as
frutas. Os seus dentes são fortes, possui uma cabeça meio pelada, unhas grandes e
esporões nos pés.
O Curupira é outro mito presente na cultura Ticuna. Ele é o dono da mata e
mora nas sapopebas da samaumeira. Ele gosta de silêncio e está sempre andando
para cima e para baixo na floresta. Quando cansa, senta-se sobre um jabuti, que
empresta o seu banco para ele sentar, Segundo os antigos ele tem os cabelos
compridos, corpo peludo, olhos pretos e pés virados. Existem vários tipos de
Curupira: o pai da samaumeira, o dono do jabuti, o dono dos outros animais, o
Curupira macho e o Curupira fêmea. O Curupira faz medo aos caçadores batendo
nas raízes das árvores. Ele atrai e encanta as pessoas. Quando o Curupira ataca, o
único jeito de matá-lo é batendo no seu corpo com um pedaço de pau podre, mas
antes de morrer ele sempre diz: ―Se um dia eu me acabar, fica outro no meu lugar
guardando tudo o que é meu‖. O curupira está presente na memória da crianças.
Isso foi observado na ocasião de uma oficina de desenhos sobre mitos e lendas na
Escola O‘i Thurune, quando um aluno fez um desenho interessante do curupira,
conforme demonstra a figura 19.
Figura 19 – Desenho do Curupira
Fonte: Arquivo pessoal - 2012
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A figura 19 mostra o curupira com os pés para trás para que o caçador não o
encontre. Outro bicho mitológico temido é o Mapinguari que ataca e vive à procura
do caçador que deixa de matar a caça apenas para o consumo diário e passa a
caçar para o comércio. Acredita-se que o curupira faz esse caçador embrenhar-se
mata a dentro até se perder e sumir.
O Mapinguari é um bicho enorme e temido pelos Ticuna, é todo peludo, e vive no meio da floresta, Ele é dono da mata e dos animais. Têm as unhas muito afiadas, dentes pontudos, apenas um olho na testa e duas bocas. Uma das bocas, o Mapinguari usa para comer, a outra, que fica na sua barriga, usa para gritar. Quando ele grita, essa boca se abre e fecha, soltando um som ensurdecedor, e muito alto que faz a terra estremecer, Quem ouve este som endoidece e se perde na mata. O Mapinguari costuma atacar os caçadores que andam pela floresta nos feriados ou nos sábados e domingos. Para matá-lo, é preciso atirar o chumbo bem dentro da boca que tem na barriga, no momento em que ela se abre para gritar. (GRUBER, 1997, p. 33).
O mito do mapinguari ajuda tanto na preservação da floresta, quanto, na
preservação da harmonia familiar, pois acredita que nos feriados e domingos não
devem se empreender em caçadas pela floresta. O mito levava a crer, embora pela
coação e pelo medo, que o melhor era ficar em casa com a família e com os
parentes na comunidade.
Já a Beru é a mãe do macambo, ngu. Limpa o terreno ao redor da árvore e
não gosta que mexam nas suas frutas. Beru se alimenta de gente e ataca as
pessoas jogando nelas seus peitos enormes ou atirando muitas frutas de macambo.
Às vezes aparece como gente, às vezes se transforma em borboleta.
O Daiyae é outro bicho da floresta, dono de uma fruteira que se chama pé-de-
jabuti, tütchi. O Daiyae parece com gente, é baixinho, com a cabeça quase pelada.
Seus poucos fios de cabelos são muito procurados para dar sorte. No tempo da fruta
pé-de-jabuti, o Daiyae recolhe todo dia as frutas maduras que caem no chão. Se
alguém pegar essas frutas, ele se zanga e faz cócegas na pessoa até matá-la. Se a
pessoa vence o Daiyae, leva alguns fios de seus cabelos para usar como defesa e
ter muita sorte nas caçadas e pescarias.
É possível dizer com base em estudos teológicos que o encontro com
qualquer um desses poderes espirituais entra na esfera do ―dinamismo‖. Ocasionado
pelo poder ou capacidade espiritual elevada, garante a poucas pessoas o contato
direto com certos espíritos para que a vida na comunidade possa ter o mínimo
possível de harmonia. O Pajé, portanto é a pessoa na tribo que tem a
75
responsabilidade de transitar no campo espiritual, intercedendo junto aos espíritos
para que possam realizar: uma boa colheita, um trabalho próspero e sem
imprevistos, e talvez a atribuição mais importante do Pajé seja invocar certos
espíritos da floresta para que efetuem a cura de enfermidades, mordidas de cobras e
outras situações adversas no cotidiano da nação Ticuna.
O Espírito das Árvores e o Trabalho do Pajé. O espírito de certas árvores ajuda o trabalho do pajé. Quando uma pessoa fica doente, chama o pajé. E o pajé chama o espírito das árvores para curar, O espírito chega e entra no corpo do pajé. Aí ele canta. Depois vem outro e mais outro. Se a pessoa está muito mal, é preciso chamar vários espíritos. A samaumeira tem espírito. A chuchuacha tem espírito. O cedro tem espírito. O açacu tem espírito. A ucuuba tem espírito. A seringueira tem espírito. A maçaranduba tem espírito. A castanha-de-paca tem espírito. Há também outros espíritos que o pajé chama: do boto-tucuxi, do Yewae, da sereia, do Curupira. Os velhos ensinam que ninguém deve passar debaixo da maçaranduba. Se passar, deve ser bem devagar, porque o espírito da árvore escuta, vem atrás e faz adoecer o filho. Se alguém cortar à toa essa árvore, seu espírito vai embora. Certo dia, um homem andava pela mata e viu um velho pajé olhando por muito tempo para uma samaumeira. O pajé falava baixinho para a árvore: Samaúma, eu gosto de ti. Tu és uma árvore grande, alta, bonita. Através de ti eu posso curar as pessoas. Teu espírito é guerreiro. Quando eu preciso de comando, eu chamo teu espírito e ganho tua força. Samaúma, tu deves ficar viva para sempre‖. (GRUBER, 1997, p. 46).
Podemos afirmar também, que o Pajé tem uma importância peculiar dentro da
nação Ticuna. Acreditava-se que ele tinha o poder de curar e até mesmo com sua
prática de xamanismos, tinha o poder de atacar o inimigo voraz com o feitiço, e só
quem tirava o feitiço era outro Pajé, mas dependia do grau de interação com os
espíritos. Porém, algumas árvores que servem de remédio, podem ser utilizadas por
diversas pessoas da etnia Ticuna, não sendo necessariamente ser dotado dos
poderes de um Pajé é a chamada ―alquimia Ticuna‖, que em muitos caso torna-se
eficiente e em parte supre a falta de atenção e políticas públicas voltadas para os
povos indígenas.
A chuchuacha que segundo os Ticuna essa árvore serve para curar várias doenças como: fraqueza, palidez e reumatismo. A casca da carapanaúba serve para problemas dos rins, do fígado, para anemia e dores no estômago. A casca do cedro, bem cozida, serve para dar banho nas pessoas que sentem dores no corpo, para curar amebas e palidez. A casca do taperebá, fervida, serve para lavar feridas e curar diarréias. A casca também pode ser usada queimada e transformada num pó bem fino para colocar no umbigo das crianças recém-nascidas. A casca da acapurana cura diarréia, feridas e amebas, Também é usada pelas mulheres depois do parto e durante a menstruação. A casca do matamatá é boa para cólicas, diarréia e amebas. A casca do muruchi também serve para diarreia, já o chá da raiz do açaí serve para diarreia, dor no estômago e amebas. Outra
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árvore importante é a andiroba. De suas frutas retiramos um óleo que serve para tratar diarreia, tosse, dores musculares, coceiras e feridas. O óleo da copaíba também cura vários tipos de doenças asma, gripe, coqueluche, febre e dor de cabeça. Serve ainda para passar no corpo e tratar a coceira. O leite da sucuuba serve para curar peito aberto. O leite deve ser tirado do tronco, do lado onde o sol se põe. Depois se passa no local da dor ou faz-se um emplastro, usando um pano bem limpo. O tratamento deve ser na lua nova. A resina do cicantã é boa para cheirar e assim alivia a dor de cabeça. Serve também para espantar a cobra-grande, Yewae. Para picada de aranha, defuma-se o local com breu e a dor passa. Defumam-se também as crianças para desentupir o nariz. (GRUBER, 1997, p. 82).
Os Ticuna acreditam que as árvores têm espíritos e que esses espíritos
ajudam o trabalho do Pajé, pois só este pode comunicar-se com tal espírito. O
animismo ticuna distingue o espírito e a matéria e reconhece a existência de forças
sobrenaturais que influenciam suas vidas como um todo. Existem meios de entrar
em contato com essas forças ligadas diretamente a todas as práticas do cotidiano
Ticuna. É evidente a crença de que a vida diária, os rituais e a própria conduta ética
são influenciados diretamente pela crença no sobrenatural. Os Ticuna, embora sem
o conhecimento consciente, aceitam o princípio do dinamismo, ou seja, o encontro
de espíritos, aspecto que se torna evidente quando observamos os seus rituais.
Entre os Ticuna existem alguns tabus. Essa palavra deriva-se dos idiomas
das ilhas do Pacífico, que segundo Champlin (1991), foi onde o tabu (proibição) se
expandiu para tornar-se uma técnica de controle social, ou seja, um elaborado
sistema de interditos e proibições.
Entre os povos primitivos, mormente os polinésios, os tabus afetam todas as áreas de vida, envolvendo pessoas, lugares e coisas. Estão envolvidas ideias como coisas sagradas, misteriosas, a necessidade de proteção, coisas imundas a ser evitadas, poderes misteriosos a ser invocados. Talvez a noção dominante, nos tabus, seja que há coisas inerentemente perigosas, que devem ser evitadas a todo custo. (p. 391).
A violação do código de conduta do grupo, ou o contato com qualquer coisa
proibida, significa uma espécie de infecção que é adquirida pelo culpado,
ameaçando a ele mesmo e ao grupo inteiro. O castigo sobrevém automaticamente, a
partir da própria situação perigosa. Podemos estar certos de que atuam aí muitos
poderes psicossomáticos, talvez alguma forma de demonismo ou de pajelança. Na
cultura Ticuna o grupo mostra mais interesse na purificação do que na punição do
culpado, mas os poderes invisíveis garantem alguma espécie de vingança contra o
ofensor.
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Os tabus comuns incluem contato com o sangue e com a morte. Um cadáver
é considerado corruptor, e todo objeto que entre em contato com o mesmo deve ser
abandonado. Eu, inclusive, presenciei um episódio na aldeia de Belém do Solimões,
onde uma pessoa foi assinada brutalmente e os indígenas colocaram fogo na casa
de palha, com a finalidade de esquecer o ocorrido.
O sangue da menstruação da mulher ou do parto também é considerado
perigoso, requerendo ritos de purificação. Os guerreiros que voltam de uma batalha
são reputados como contaminados pela morte, e, portanto, tabu. Aqueles que violam
o código de comportamento sexual ou que cometem grandes crimes, como o
homicídio, praticam a quebra de tabus.
Certas lideranças e Pajés são considerados homens santos e mágicos como
quem tem uma aura divina, são ―intocáveis‖ por pessoas comuns. Até mesmo as
vestes e os objetos usados por tais pessoas são considerados perigosos. Os
objetos e instrumentos religiosos obtêm tal poder. Certos alimentos são proibidos
convenientemente. Assim, as mulheres não podem consumir certos alimentos, que
ficam reservados somente para os homens.
Em alguns países africanos, para exemplificar, as mulheres não podem comer galinhas, as quais ficam todas para os homens. Em algumas tribos não se pode comer serpentes; mas, no caso de outras, as cobras são um acepipe. Ofensores graves devem morrer; mas outros ofensores são banidos. Algumas vezes, basta a confissão pública e o arrependimento. (CHAMPLIM, 1991, p. 391).
A palavra ―tabu‖ passou a fazer parte de muitos idiomas, com o sentido de
qualquer coisa proibida, a qual torna-se tanto mais atrativa, justamente por haver
sido proibida.
O conhecimento da arte para confecção e pintura das máscaras são
predominantemente de domínio dos homens, também responsáveis por grande
parte dos objetos rituais, como alguns adereços da worecü, os instrumentos
musicais, o recinto de reclusão, os bastões esculpidos e outros. Essa prática pode
ser tida como tabu, acredita-se que a comunicação com o mundo dos espíritos
encontrados na floresta só será possível se a confecção de certos objetos for
executada pelos homens da aldeia.
Já as mulheres são responsáveis pela parte alimentícia, e transporte dos
alimentos, pois acredita-se que o homem pode revoltar os espíritos e só a mulher
com sua fertilidade pode executar certas tarefas. As mulheres têm que carregar os
78
produtos quando voltam da roça, os homens, em geral, trazem o tecado ou vêm com
as mãos livres. Isso ocorre, pois acreditam que pode acontecer algo inesperado a
qualquer momento e o homem deve estar preparado para agir se for o caso. Na
nação Ticuna existem diversas situações em que a educação cultural tradicional não
pode ser realizada em conjunto, homens e mulheres, pois quebram alguns tabus
que mantêm e engrenam a cultura em sua preservação.
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4 A EDUCAÇÃO NO OLHAR DO INDÍGENA
Os índios Ticuna têm uma forma peculiar de ver a educação. A pesquisa de
campo deste trabalho demonstra o desejo que eles têm por uma educação voltada
para formação que prepare o indígena para a vida em sociedade, uma formação que
o leve a trazer algum tipo de beneficio para sua comunidade. A educação para eles
está diretamente ligada ao seu reconhecimento, enquanto indígenas, para que a luta
por seus direitos possa ser garantida. Com base nesse princípio, muitos buscam
estudar na cidade para conseguir estabelecer o contato digno com os não índios.
Dessa maneira, a comunicação através da língua portuguesa passa a ser uma
ferramenta de status dentro da comunidade indígena. Os índios buscam melhorias
também através dos cursos de licenciatura oferecidos na comunidade indígena de
Filadélfia.
Mesmo com o desejo de muitos indígenas estudarem na cidade para garantir
o contato com os não índios, muitas lideranças têm questionado o apoio, haja vista
que um grande número de indígenas que vai estudar em universidades do país, não
retorna às comunidades. O entrevistado J.G.F3, líder indígena por muitos anos,
demonstra sua preocupação com indígenas que foram estudar na cidade em
algumas universidades e que por motivos de conquistas pessoais, ou do
oferecimento de bons salários, decidiram não voltar mais para suas comunidades de
origem.
Já temos alguns indígenas que estão em grandes universidades estudando direito e medicina. Mas a fraqueza que dá é que quando ele aprende não quer voltar mais para a aldeia, então essa é a grande dificuldade. As lideranças, os caciques das outras comunidades, quando a gente questiona para mandar um aluno para as grandes universidades para competir, terem uma educação de qualidade e voltar. Muitos dizem: será que ele vai ir e vai voltar para a comunidade? Por que temos diversos exemplos de indígenas que foram e não querem voltar mais, por que lá encontraram um mercado de trabalho muito melhor que o daqui então não querem mais voltar. (Entrevistado J.G.F, 2012).
Essa é uma constante preocupação das lideranças Ticuna, pois na aldeia a
vida é mais difícil, pacata e os salários são menores que na cidade e muitas vezes
3 Nesta pesquisa, objetivando preservar a identidade dos sujeitos, foram utilizadas as iniciais dos
seus nomes. As respostas foram transcritas na íntegra, buscando fidelidade e respeito às características da língua indígena.
80
algumas oportunidades batem à porta: aqueles que estudam nas cidades ou em
universidades fora do seu contexto social são tentados a abandonar o sonho de
melhorias para suas comunidades, em detrimento do sonho de conquistas pessoais,
fato que segundo o entrevistado P.I.P: ―é uma lástima‖. No entanto, alguns acabam
voltando, cumprindo o compromisso e desenvolvendo o papel social que a
comunidade cobra e espera deles: melhorias e avanço para suas comunidades.
Neste sentido, Martins (2009) afirma que a fronteira étnica torna-se o lugar de
sacrifício do outro, e muitas vezes esse sacrifício significa ―abrir mão‖ da própria
cultura para viver com mais conforto e facilidade, o que de outra forma seria
impossível na comunidade. Alguns têm feito exatamente o que a comunidade
espera, preparando-se e voltando para lutar por seu povo.
Os Ticuna são muito esforçados em seus estudos e lutam por tais melhorias
físicas e também pela formação de professores para suas escolas. Muitos estão
lutando por escolas em alvenaria, com uma infraestrutura que viabilize a
aprendizagem, lutam também por laboratórios de informática para que seus alunos
possam ter acesso ao mundo globalizado e aos conteúdos que muitas vezes, pela
falta de livros, eles não possuem.
Com o advento da educação escolar indígena, muitos conhecimentos que
eram transmitidos pelos pais e parentes próximos, agora são de responsabilidade
em geral dos professores, os quais, mesmo com inúmeras dificuldades estão
empenhados na busca do êxito para essa tarefa difícil que lhes é atribuída.
O que se observa é que muitos indígenas que estudaram nas cidades quando
falam sobre educação e cultura em sua etnia Ticuna, utilizam o verbo na terceira
pessoa. Poucas vezes dizem minha nação ou se incluem no povo sobre o qual estão
tecendo alguns relatos ou comentários relacionados a diversos aspectos da cultura.
A pessoa desatenta à realidade sociocultural da região do alto Solimões e da
realidade Ticuna, tem a impressão que estão falando de um povo que conhecem,
mas estão distantes e não fazem parte de seu cotidiano, de sua origem, e cultura de
sua história.
É possível identificar esse tipo de distanciamento entre pessoas que fazem
parte da cultura Ticuna, mas que pelas relações nos estudos, com influência da
cultura não índia e também por relações de trabalho, nos órgãos públicos – FUNAI,
Prefeitura, FUNASA, escolas e outros – ou por trabalho no comércio e também como
funcionários domésticos, mantém um contato mais próximo com a cultura não índia.
81
A fala do entrevistado A.P, professor indígena, ligado à rede municipal de ensino de
Tabatinga e também funcionário da secretaria de educação no setor de assuntos
indígenas, demonstra em diversos momentos certo distanciamento da cultura
Ticuna.
Na cultura tradicional o que nunca eles esquecem é principalmente a pesca e a caça e sempre eles sobrevivem através da pesca e da agricultura e eles preservam muito também a terra os plantios e dentro da escola eles
preservam principalmente a língua. (Entrevistado A.P, 2012).
O entrevistado que foi estudar na cidade do Rio de Janeiro, onde se graduou
em Pedagogia, agora está envolvido com questões de educação indígena, porém,
ao falar do povo Ticuna, refere-se a um povo que parece não ser o seu, usando o
verbo em terceira pessoa. Ao que parece, há uma necessidade de se distanciar para
conseguir falar de alguns aspectos da sua cultura.
Vale mencionar que muitos Ticuna não têm o costume de falar sobre sua
cultura com outros povos com os quais não têm muito contato e afinidade.
Atualmente, mesmo com um bom contato estabelecido, sentem dificuldade em falar
de tais aspectos. Se hoje falam de forma um pouco mais aberta, ainda assim tentam
manter um distanciamento como forma de se sentirem mais à vontade. A utilização
desse mecanismo de defesa não deve ser interpretado como uma negação da sua
identidade cultural e sim, como um modo diferente de dar voz a uma cultura que foi
calada por muitos anos, quer seja por outros povos indígenas como os Omáguas,
patrões da borracha, quer por não índios que, constantemente e de maneira
preconceituosa, não valorizavam a cultura indígena.
Hoje os Ticuna vivem um outro momento. Os próprios indígenas, por meio de
suas lideranças e professores, demonstram a partir de evidências históricas que o
momento vivido é bem diferente do que sonhavam. O entrevistado P.I.P, que foi
cacique por aproximadamente trinta anos, e atualmente é cacique de honra das
tribos Ticuna, disse que antigamente a vida era outra: “naquele tempo também não
existia escola e assim é a vida; e hoje, nesse tempo é outra vida porque era muito
difícil se viver como hoje, é muito difícil (diferente) do que a gente sonhava sobre o
que poderia acontecer no futuro”.
O entrevistado não consegue esconder sua emoção, demonstrada através da
tristeza e indignação ao viver em um mundo diferente do que sonhava para ele e
para o seu povo. Afirma que o povo no passado não estava preparado para viver em
82
um mundo como o de hoje. A cultura Ticuna vem se adaptando gradativamente,
assim ainda continua existindo de maneira dinâmica buscando sintonia com a cultura
não índia na região do Alto Solimões. A escola tem muito a ajudar para que
aspectos da cultura não se tornem obsoletos. Hoje os próprios indígenas são
autores de textos que expressam sua cultura. E veem na criatividade uma
ferramenta pedagógica para manter a cultura sempre viva. O entrevistado A.R.S,
que é um educador na tribo Ticuna, e atualmente trabalha como chefe do posto da
FUNAI, disse que é preciso criar partindo da preservação cultural efetuada na
escola.
O que a gente preserva na escola: a língua, falantes da língua Ticuna, tem que escrever e produzir livros escritos na língua Ticuna, assim que já está preservando a cultura escolar indígena, por que sem registrar alguma coisa, não tem como preservar a cultura, então é isso que está fazendo a escola indígena agora, tá lutando para registrar a sua língua comum na cultura. Assim que pode preservar. (ENTREVISTADO A.R.S, 2012).
O entrevistado deixa claro em sua fala e postura que o caminho para
preservar a cultura são os livros produzidos pelo próprio povo Ticuna. O que
preserva a cultura segundo ele não são as produções de alguém que é alheio à
cultura, mas as do próprio indígena escrevendo sobre sua cultura.
Os índios Ticuna antes não escreviam nada, tinham outra forma de educar
suas crianças e jovens, as tradições da cultura eram repassadas através do convívio
contínuo com as pessoas idosas, os mais experientes da tribo, e tudo era transmitido
através da tradição oral, era no ―boca a boca‖ mesmo. Hoje o cotidiano na tribo é
outro, é outra vida, a escola deve possuir uma educação diferenciada.
A educação tradicional dos Ticuna era muito mais voltada para as tradições, por exemplo, quando um Ticuna dá aula tem que usar a língua tradicional, falar na língua Ticuna. A criança tinha que falar e escrever na língua Ticuna, isso tem que preservar, por que é direito do indígena garantido pela Constituição Federal em Art. 231, fala que a comunidade indígena tem que preservar a sua língua materna, eles tinham aulas principalmente na língua materna, mas também utilizam a língua portuguesa. (Entrevistado A.R.S, 2012).
Esse comentário de A.R.S demonstra que tem ocorrido mudanças
significativas na comunidade indígena que são resultado de lutas conquistadas
muitas vezes com derramamento de sangue, como ocorreu no caso do massacre no
Capacete em 28 de Março de 1988, m que havia uma comunidade de fazendeiros
83
em terras indígenas. Após a demarcação reivindicada pelos índios, estes foram
tomar posse de suas terras e foram recebidos à balas. Hoje o povo indígena tem
alguns direitos que ainda estão aquém do que desejam para suas comunidades.
O entrevistado A.C, secretário administrativo na escola indígena que fez
teologia em São Paulo – SP, menciona que já não existem barreiras para o
desenvolvimento social e educacional nas aldeias. Só o que pode travar esse
avanço para o futuro é a falta de comprometimento dos professores que devem
ensinar para o progresso, mas garantindo a preservação da cultura indígena.
A educação, por exemplo, já foi criado até no MEC que a educação do povo indígena Ticuna tem quer ser uma educação diferenciada. Hoje já tem livros didáticos próprios, tem professores que já se formaram e tem preparação na língua, então eu acho que não há nenhum empecilho para que a educação venha progredir, não há nenhuma barreira para preservar, para ensinar a língua materna indígena pelo meio da educação. (Entrevistado A.C, 2012).
A.C. tem a visão de que é necessária a garantia à comunidade indígena da
mesma educação ministrada na cidade e afirma que todos são iguais perante as leis
e isso tem que ser cumprido na sua totalidade.
Tem que preservar a língua e a educação tem quer ser igual à da cidade, somente a educação diferenciada da língua. Agora, a educação tem que ser a mesma educação com a mesma intensidade com que é aplicada nas redes estaduais de ensino e nas redes municipais, a educação tem que ser aplicada no mesmo nível, mas excetuando da educação diferenciada que é a língua, isso ai deve ser diferente. (Entrevistado A.C, 2012).
Para os entrevistados A.C e A.R.S existem avanços significativos que são
importantes para a vida; já para o entrevistado P.I.P, essa educação diferenciada
nunca existiu, porque os professores que estudaram na universidade de formação
indígena não cumprem o que foi previsto e ensinado nas aulas de preparação para o
ensino na cultura Ticuna.
Hoje em dia tem que ter uma educação diferenciada, só que essa educação diferenciada nunca aconteceu. Claro que as professoras bilíngues M.F e J.G.G, sempre davam aula para os povos indígenas Ticunas que são professores, mas só que não foi cumprido o programa que está escrito no livro, nunca foi ensinado pelos professores para o povo, eles tanto ocupados, e assim os jovens esquecem as coisas da cultura, como que faz, como se constrói enfim tudo isso esqueceram porque os professores não ensinam, não cumprem a planilha que tinham feito no livro, então é isso que acontece. Acho isso uma pena porque a gente vai perder, não vão mais 10 ou 15 anos. (Entrevistado P.I.P, 2012).
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Na fala do entrevistado P.I.P, fica evidente que ele é ciente que muitos não
cumprem a missão deixada por seus pais em levar em frente o conhecimento da
cultura, sabe que muita coisa é ensinado nas escolas, mas muitos professores não
estão preocupados em fazer da escola um meio pelo qual a cultura venha a ser
preservada.
Muitos professores indígenas acreditam que a Resolução n.º 3/99, do
Conselho Nacional de Educação, permite fundamentar e fortalecer a luta pela
educação diferenciada, embora muitos não estejam preparados ainda de forma
necessária para essa sonhada educação diferenciada. Essa resolução fixa diretrizes
nacionais para o Funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências
que são normas orientadas pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), em sintonia com os pareceres da Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação, que podem viabilizar a educação
escolar indígena e garantir a plena participação dos povos indígenas, conforme
prevê o art. 3º:
Na organização de escola indígena deverá ser considerada a participação da comunidade, na definição do modelo de organização e gestão, bem como: I – suas estruturas sociais; II – suas práticas sócio- culturais e religiosas; III – suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino-aprendizagem; IV – suas atividades econômicas; V – a necessidade de edificação de escolas que atendam aos interesses das comunidades indígenas; VI – o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo indígena. (BRASIL, 1999).
Entretanto, segundo o entrevistado N.M., professor do Município de Tabatinga
e do Estado, nas secretarias estaduais há alguns entraves que dificultam a
execução de participação indígena efetiva para a manutenção da cultura Ticuna.
Nós temos apenas a língua bem viva, em 2004 nós conseguimos ter como componente curricular e até hoje estamos ensinando a língua e a arte Ticuna, e ensinamento dos mitos e costumes. Na escola hoje nós temos as normas que são determinadas pela SEMED, secretaria estaduais e não conseguimos colocar o que é específico, por que cumprimos determinações da SEMED e Secretarias Estaduais, que às vezes impedem a execução da educação cultural. (Entrevistado N.M, 2012).
N.M. fala da dificuldade em conseguir conciliar e ensinar aspectos da cultura
com o cumprimento de metas das secretarias estaduais, por isso esbarram em
determinações que precisam ser cumpridas no período letivo. A cultura perde por
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conta do estabelecimento de metas que fogem a realidade Ticuna. Isso impede uma
educação eficiente em si tratando da manutenção da cultura Ticuna.
A tão sonhada educação para os Ticuna é uma educação que permita a
sobrevivência cotidiana na comunidade e também a interação e a convivência
harmoniosa com os outros povos indígenas e não índios na região de Fronteira.
4.1 EDUCAÇÃO PARA SE TORNAR ―CIVILIZADO‖
É cultural na região os indígenas chamarem os não índios de civilizados ou de
brancos, pois assimilaram isso no passado e, quando falam em se civilizar nos dias
de hoje, isso deve ser entendido tão somente como apreender parte da cultura dos
não índios, o que se feito com a devida sabedoria não gera nenhuma forma de
prejuízo para a sua identidade cultural, mas conduz a uma valorização ainda maior
de suas origens.
Antigamente os indígenas Ticuna tinham uma educação que eles próprios
chamam de mais cultural, aprendiam com os idosos. Depois muitos passaram a
desvalorizar sua cultura para aprender a cultura dos não índios, mas com os cursos
universitários e palestras passaram a enxergar o valor que sua cultura possui.
Na fala do entrevistado A.R.S. é possível notar que, a principio, a cultura era
deixada de lado, por falta de mais conhecimento, para adquirir uma cultura alheia à
sua. Essa nova aprendizagem garantia certo status na comunidade. Hoje, no
entanto, com avanços nos estudos e sabendo a importância de sua cultura, lutam
por preservá-la.
Olha, de primeiro não valorizavam, quando a escola estava começando em 1981/2 aí que os próprios indígenas diziam assim: eu não quero falar minha língua, por que isso daí não vale é nada, eu quero aprender a língua portuguesa. Só valorizavam a língua portuguesa, porque a língua dele para ele não vale nada, isso daí era por falta de entendimento naquele tempo, mas quando a maioria estudou na OGPTB, na comunidade indígena de Filadélfia, quando muitos (professores) estudaram na universidade, aí que os professores já aprenderam o que é cultura, para que serve a cultura, daí que fortaleceu a valorização da cultura, a valorização da linguagem. Hoje os alunos já aprenderam um pouco, agora estão valorizando a língua indígena, então, a maioria dos professores já está falando que tem que valorizar mesmo. (Entrevistado A.R.S, 2012).
A aprendizagem do português nas escolas da cidade é uma via de mão dupla,
em um sentido ajuda a preservar a cultura, mas ao mesmo tempo em que aprendem
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outra cultura e conseguem algum emprego na cidade são tentados a viver nela a
maior parte de seu tempo. Tal fato não significa que irão perder totalmente uma
cultura que vem de berço, a preocupação maior, é com os filhos dos indígenas que
estudam na cidade em escolas dos não índios, esses sim podem deixar de vez a
cultura Ticuna e viver em função das aparentes facilidades da cultura não índia. Mas
o ensino na aldeia tem melhorado inclusive no ensino da língua portuguesa, o que
pode ser observado na fala do entrevistado V.V.:
Os professores antigos que não falam muito o português, e hoje os professores novatos já são formados na cidade e falam bem o português, então os alunos aprendem com ele, com o professor que ensina na língua portuguesa e na língua Ticuna, aprende as duas línguas... temos dificuldade na língua portuguesa, por que nos não falamos bem com os brancos que falam bem direito não tem nada de palavra atrapalhada, falam bem direito, mas sempre que falamos tem alguma palavra atrapalhada, algumas dão certo, mas algumas não dão certo. (Entrevistado V.V., 2012).
O entrevistado V.V. é professor indígena e já foi diretor de escola por muitos
anos, agora é diretor pedagógico de uma escola indígena, mas diz que se viu
obrigado a enviar seus filhos para estudarem na cidade para poder dialogar melhor
com os não índios.
Até eu como professor, mandei meus filhos para estudar na cidade, porque a maioria do pessoal da comunidade quer mandar seus filhos para estudar na cidade para falar o português como o pessoal da cidade. Mas tem vários pais de alunos que mandam seus filhos estudar no colégio dos brancos e eles abandonam porque cada pessoa tem uma vida diferente. Tem jovem que gosta de namorar com as moças e têm moças que gostam de namorar com rapazes. Por isso muitos que vão estudar na cidade abandonam e volta para a comunidade de novo. Aquele que não abandona consegue aprender, consegue até uma função como professor ou agente de saúde e algum serviço que tem na comunidade ele consegue, e consegue também às vezes um cargo. Mas aquele que não quer trabalhar consegue fazer faculdade em Tabatinga, em Benjamim, e outros fazem cursos de Técnico em enfermagem em Tabatinga, é isso que temos aqui na comunidade, mas a maioria dos pais e mães manda os filhos estudar na cidade para conseguir falar bem com os brancos, mas alguns não conseguem. (Entrevistado V.V., 2012).
À exceção de um entrevistado, todos os outros falaram em estudar para se
civilizarem, não no sentido de abrir mão de sua cultura, mas sim para adquirem
elementos de uma cultura alheia à sua.
Já a maioria dos pais indígenas quer ver seus filhos preparados para se
relacionar com os não índios, para não enfrentarem as mesmas dificuldades que
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muitas vezes enfrentam ao ir à cidade resolver algum problema na prefeitura,
cartório, no INSS, no comércio, fazer algum documento e etc. O entrevistado J.G.F,
uma grande liderança indígena Ticuna, diz que o ensino na comunidade mesmo com
professores bilíngues é um ensino mais fraco do que na cidade.
Esse é um ponto muito fundamental, porque muitas vezes dentro das comunidades indígenas o aluno termina o ensino médio, mas não consegue falar o português, então uma versão que os povos indígenas têm, quando eles veem outras pessoas falando bem o português, ele começa a pensar: meu filho está estudando a oitava série ou o primeiro ou segundo ano e não sabe falar o português, então ele começa logo a pensar nisso, eu vou mandar meu filho para a cidade, que é para quando ele voltar, saber falar o português para poder conversar com qualquer pessoa que vem de fora, para atender as pessoas, então essa é a visão pela qual eles mandam os filhos para fora. (Entrevistado J.G.F, 2012).
Para os indígenas da região do Alto Solimões o domínio do português abre
portas para empregos, traz recursos para as comunidades e garante muitas
facilidades.
O entrevistado A.C quando questionado sobre o que acha quando um
indígena Ticuna diz que vai enviar seu filho para estudar na cidade para se civilizar
diz que não existe ―civilizado‖:
Isso aí, eu acho que essa pessoa que (...), não há civilizado, se existisse civilizado a gente não via tanta violência, tanta barbaridade como a gente vê agora. O verdadeiro civilizado é aquele que se socializa, é aquele que não vê preconceito, mesmo em um mundo que a gente vive tão caótico na convivência, ser civilizado é respeitar os valores é respeitar o ser humano, é respeitar uns aos outros. Ser civilizado é o que eu acho que deve ser vivido e praticado. (Entrevistado A.C, 2012).
A.C. afirma que não existe ―civilizado‖ ao dizer que o ato de ser civilizado
deve ser buscado e vivido. Esse entrevistado teve a oportunidade de estudar em
São Paulo e talvez tenha observado os atos de selvageria das pessoas querendo
entrar ao mesmo tempo nos trens, metrôs, ônibus e, também, a violência nas ruas.
Sem se equivocar chega à conclusão de que não existe ―civilizado‖. Neste sentido,
Milton Santos (2000) ressalta que nunca houve humanidade, que não chegamos a
uma civilização plena, estamos fazendo um rascunho ou ensaios daquilo que um
dia poderá ser uma civilização.
4.2 AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA EDUCAÇÃO DA ALDEIA E NA EDUCAÇÃO
As culturas são dinâmicas, principalmente se falamos em uma cultura
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indígena que mantém contato permanente com uma diversidade cultural enorme
como é o caso da região de fronteiras políticas do Brasil, Peru e Colômbia. As
ressignificações na cultura são intensas e aqueles que têm um olhar atento
percebem claramente, como o entrevistado P.I.P, que nunca sentou na carteira ou
banco de uma escola, mas é dotado de uma sabedoria natural que poucas pessoas
possuem. Ele relata as mudanças ocorridas ao longo dos anos, inclusive no âmbito
da educação.
A tradição dos Ticuna era como eu estava falando, que no tempo passado, não existia esse negócio de educação indígena, mas na própria cultura existe a educação: o avô e avó ensinavam cada noite. Chamavam o pessoal de cada comunidade, se reuniam e ensinavam o povo em volta, as crianças. Contavam na própria língua para não esquecer sua língua que é cultura, era um tipo de aula que os velhos estavam dando para os mais novos. Assim, a criança aprendia como tecer a palha, como construir uma casa, como fazer um cesto, como fazer muitas coisas de arte, que hoje em dia estamos perdendo uma parte porque os velhos que foram mortos e os filhos em vez de aproveitar estão esquecendo. Acho isso uma pena porque a gente vai perder, não vão mais 10 ou 15 anos. Tenho visto que o povo indígena de 10 anos e 15 anos, e é claro que vai perder tudo por que vai avançando no costume do branco que é o estudo em português e a língua materna vai se perdendo, isso é uma grande pena porque vai perder tudo.
(Entrevistado P.I.P, 2012).
O ideal de educação é aquela que valoriza os princípios culturais, o legado
deixado por seus antepassados, e é preciso que esses conhecimentos também
estejam em sintonia com o mundo atual, o mundo globalizado. Tal sintonia garante
maior longevidade cultural e prepara o Ticuna para lidar com a diversidade cultural
encontrada na meso região do alto Solimões. A fala do entrevistado A.R.S caminha
nessa direção:
Aqui a educação na cultura indígena, precisa ensinar aluno aquilo que é bom da cultura. Mas alguma cultura, alguma parte que não é bom não deve ser ensinado, o que é bom tem que ensinar, por exemplo, como fazer remo, fazer canoa, fazer peneira tipiti, isso é uma cultura do indígena. Isso daí não o professor não pode dizer que o aluno não pode fazer, o professor tem que ensinar por que isso daí é bom para ele ensinar na escola, é importante mesmo, por exemplo, fazer uma arte uma igaçaba feito de barro com várias misturas, então assim o Ticuna constrói uma igaçaba, essa igaçaba serve para colocar água, a água fica um poço frio, parece com a geladeira é bom para beber essa água. Isso daí tem que ensinar mesmo, e educação na cidade, por exemplo, é muito bom também estudar, tem que estudar mesmo porque a educação na cidade é bom mesm, aprende digitar no computador, aprende datilografar na máquina de escrever, e tem que saber ligar no telefone, tudo isso é cultura do branco. Tudo isso precisa saber também, porque se não sabe digitar computador, é ruim pra gente, tem que saber mesmo. Todos são bom, cultura indígena, cultura do branco também bom na área do estudo, por que precisa mesmo saber duas culturas, até mesmo várias culturas. (Entrevistado A.R.S, 2012).
89
O entrevistado defende um ensino multicultural justificando que se os alunos
não possuem esse tipo de conhecimento ficam em situação difícil frente aos outros
povos. É preciso de um conhecimento diversificado para dar conta da riqueza
cultural na região.
N.M., professor indígena, diz que estão perdendo a educação que era
ensinada pelos antigos, e que hoje, com a globalização, é preciso entrar também na
era digital para adquirir novos conhecimentos, mas o que não pode ocorrer é o
abandono total pela cultura materna.
Antigamente tinha uma educação muito cultural, já com a evolução do mundo com a globalização, depende das comunidades e das tribos no contato com as cidades. Vemos que essa educação cultural está acabando. Antigamente tínhamos a educação cultural repassada pelos pais, pelos avós e hoje em dia a gente está perdendo isso e é um problema que cada vez vem gerando mais preocupações. (Entrevistado N.M, 2012).
O mundo hoje é outro, as culturas são dinâmicas e o contato com outros
povos cada vez ocorre de forma mais intensa, portanto é necessário que o educador
tenha um olhar apurado e perceba a dificuldade do momento e através da escola
ajude a minimizar as dificuldades que são inúmeras. As práticas pedagógicas de
valorização da cultura indígena e também não índia são de extrema importância
para a sobrevivência do povo Ticuna.
4.3 O CONTATO COM O OUTRO: VENCENDO O PRECONCEITO
O conhecimento da cultura Ticuna minimiza o preconceito, muitos não índios
quando passam a conhecer os Ticuna de perto acabam observando a riqueza dessa
cultura e o resultado disso é uma valorização ainda maior desse povo. O
entrevistado N.M foi questionado sobre o fato de já ter sofrido algum tipo de
preconceito e ele relatou que:
Sofria há alguns tempos, até eu já sofri essa situação na escola quando eu estudava para lá. Mas nos últimos anos estive observando que temos pouca discriminação, a sociedade já vem nos reconhecendo, mas são poucas pessoas que fazem esse tipo de discriminação, são pessoas que não têm esse conhecimento, são pessoas que falam por falar e não têm o conhecimento de quem é o Ticuna, não sabem o valor que ele tem, não sabem por que ele é Ticuna, por que recebe esse nome, então são pessoas que não têm esse conhecimento cultural. (Entrevistado N.M, 2012).
O povo Ticuna tem ganhado espaço e, felizmente, os preconceitos que
90
sofreram no passado cada vez vem sendo minimizados. O entrevistado R.O.C, que
também é professor indígena conta que se sentia humilhado por não ter condições
materiais de ir à escola como os outros, diz também que tinha vergonha de ser
chamado de índio.
Com nove ou dez anos trabalhei na Colômbia, depois trabalhando com um patrão, não gostei porque muitos alunos filhos de Colombianos iam para a escola com roupas bonitas, calçado bonito. Eu fiquei muito triste e tive que voltar para o Brasil, aí encontrei um senhor com sua mulher que me chamaram para trabalhar, voltei para o Brasil, em Tabatinga. (Entrevistado R.O.C, 2012).
Os indígenas sofreram muito preconceito no passado, mas hoje nas escolas
da cidade tal aspecto vem se modificando. Tive o privilégio de ter como colega de
turma na ocasião de minha graduação em Pedagogia, um indígena que era muito
querido e respeitado pelos colegas de faculdade. A princípio, ele começou bem
tímido, quase não se expressava e aos poucos foi perdendo o receio de falar e
desfrutava de verdadeiras amizades com os amigos de faculdade. Não sofria
nenhum tipo de preconceito por ser indígena.
O entrevistado J.G.F relata que presenciou alguns indígenas que diziam não
ser Ticuna, pois tinham vergonha de ser chamados de Ticuna.
Olha já presenciei várias pessoas que eu conheço, várias pessoas que foram nascidas e criadas aqui, mas já disseram na minha frente que não é Ticuna, que não gosta de Ticuna, e algumas vezes até entro em debate dizendo: “eu te conheço, nós nascemos juntos em tal lugar, se criamos juntos e hoje você tem preconceito de sua própria pessoa, você não está ignorando os colegas não, você está ignorando você mesmo. Por que você nasceu e se criou lá!” Então a pessoa fica assim, meio com vergonha. Eu digo: “eu não, eu nasci e me criei lá na região, minha mãe é Ticuna, meu pai é paraense, mas eu me orgulho de ter tido uma mãe indígena, eu me orgulho de falar minha língua Ticuna, falo ela em qualquer canto, aonde eu estiver eu falo e declaro que eu sou Ticuna. Por que a minha mãe, a minha cultura e minha tradição, isso eu nunca vou perder. Minha língua eu nunca vou perder, aonde tiver um Ticuna eu converso com ele”. Então muita gente quando chega morar na cidade, quando chega morar em Tabatinga, em Manaus não quer mais ser indígena, mas tem gente que preserva aonde ele estiver...isso é uma pergunta muito boa!. (ENTREVISTADO J.G.F, 2012).
Esses relatos nos transportam a um espaço de tempo difícil na história dos
Ticuna, esses fatos têm sido superados simplesmente em razão do conhecimento da
cultura do outro que gera a valorização e o respeito por esse outro que também é
um ser humano igual a qualquer pessoa.
91
4.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS NO ALTO SOLIMÕES
O ensino superior na comunidade indígena de Filadélfia foi uma conquista do
povo indígena Ticuna que possibilitou maior facilidade no acesso a universidade,
tanto aos Ticuna como aos indígenas de outras etnias da Região do Alto Solimões.
A região do Alto Solimões conta com o Curso de Licenciatura para
Professores Indígenas do Alto Solimões que se tornou realidade através de parceria
da OGPTB com Universidade do Estado do Amazonas (UEA), apresentando a
primeira versão do projeto em abril de 2004. O projeto foi aprovado no âmbito da
UEA em agosto de 2005 e nesse mesmo período ficou entre os 12 projetos de
licenciatura indígena selecionados pelo Programa de Apoio à Implantação e
Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura para Formação de Professores
Indígenas/Secretaria de Educação Superior/Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Ministério da Educação e Cultura (Prolind/SESU/
SECAD/MEC).
A primeira etapa do curso foi desenvolvida com apoio do Fundo Internacional
de Desenvolvimento Agrícola/Programa Regional de Apoio aos Povos Indígenas da
Bacia do Amazonas/Corporação Andina de Fomento, cujos recursos foram
solicitados pela OGPTB em 2003. Essa etapa teve ainda o apoio financeiro da
Fundação Nacional do Índio, também parceira desse projeto. Atualmente inúmeros
indígenas já foram licenciados e estão buscando melhorias na educação indígena
em suas comunidades. O entrevistado A.R.S, professor da FUNAI por muitos anos e
agora chefe do posto da FUNAI em Belém do Solimões, fala sobre a importância
desse curso universitário de formação indígena.
Eu sim fizera um curso universitário de licenciatura plena da educação indígena do alto Solimões, foi estudei, mas desisti quando quase terminava a etapa, então eu não concluí bem esse estudo, que foi realizado na comunidade, aldeia de Filadélfia no município de Benjamim Constant. Então aquele estudo foi muito bom porque me deu muitas informações sobre vários conhecimentos universitários que é a união de vários conhecimentos, isso significa aprender muitas coisas, mas só que eu aprendi pouco porque desisti, então é muito bom estudar mesmo na universidade. Essa foi dada pelo governo federal que apoia os indígenas da OGPTB, organização que tem a preocupação com a formação dos professores indígenas para que eles deem aulas mais preparados na comunidade. Por isso que a OGPTB foi e criou a formação dos professores. Então foram eles que promoveram a aula nessa universidade e fizeram parceria com a UEA, onde ela ajuda a universidade, então assim é agora. Então os colegas já concluíram a universidade, eles já estão formados. (Entrevistado A.R.S, 2012).
92
O entrevistado A.R.S defende o ensino superior e demonstra que a
universidade de formação indígena é uma grande conquista e sem dúvida vai
contribuir com o processo de manutenção da cultura Ticuna, com professores mais
interessados e que tenham procedimentos didáticos para ajudar na preservação de
sua cultura.
Relatos do entrevistado V.V. demonstram uma trajetória escolar que passou
por etapas difíceis que vão desde o estudo com um professor que tinha apenas a
segunda série, estudo feito na cidade de Tabatinga, até ser aluno egresso no curso
de formação superior na comunidade indígena de Filadélfia.
Eu estudei naquele tempo antigo aqui mesmo na comunidade com o Prof. R.O.C, com ele terminei o estudo de 1ª a 4ª Série antiga, depois estudei no curso de formação de professores indígenas da OGPTB em Filadélfia até concluir o ensino medi, Magistério, depois estudei na faculdade, fiz cinco etapas e desisti com problema de saúde, durante dois anos sentia muita dor, por causa disso desisti. (Entrevistado V.V, 2012).
V.V., apesar de desistir do curso por motivos de saúde, falou que o curso foi
de fundamental importância para que hoje ele tivesse êxito como professor e lutasse
pela manutenção de cultura Ticuna. Muitos indígenas desistem do curso, pelos mais
variados motivos, esse aspecto requer uma atenção especial em uma pesquisa
posterior.
O curso universitário em Filadélfia tem auxiliado no processo de formação e
educação das aldeias Ticuna. É possível notar um grande avanço na educação tanto
no âmbito da escola indígena quanto no que se refere ao nível de consciência de
pessoas indígenas. Muitos valorizam mais a sua cultura depois que viram a
importância que esta tem sobre o indivíduo. Nesse sentido, o entrevistado J.G.F
conta que muitos Ticuna, que antes não valorizavam sua cultura, após estudarem,
valorizam-na e tem orgulho de ser Ticuna.
Tem alguns que quanto mais estudam fora mais ele praticam a sua cultura, eles andam pintados na cidade, usam seu cocar, usa seu colar, suas pulseiras, sua tradição. São gente que às vezes dentro da comunidade não praticava isso, mas quando ele chega lá fora ele começa estudar, ele relembra do povo dele, ele não quer perder a tradição do povo dele então ele representa o povo dele aonde ele tiver. Porque que acontece isso? É aquilo que falei no início, que o professor não leva ao conhecimento da tradição. Temos que preservar a cultura porque a cultura dá o reconhecimento da tua tribo, dá o reconhecimento da tradição, diz qual foi o povo de onde você veio e qual é a tua historia. Então quando ele sai da comunidade que ele chega lá nas grandes universidades que ele vai
93
estudar a história do povo Ticuna aí ele mesmo se reconhece. Pensa: lá eu não aprendi, mas aprendi aqui, é o momento que ele começa a usar mesmo a cultura dele, aconteceu com muitos que eu conheço que estão hoje em Brasília, no Rio de Janeiro, São Paulo, trabalhando. Quando eu encontro eles, estão muito diferentes, quando saíram daqui tinham até vergonha de usar um cocar na cabeça, um colar, e hoje quando encontro eles, eles representam o povo Ticuna. (Entrevistado J.G.F, 2012).
O entrevistado vê na educação e na aquisição de conhecimentos uma forma
de igualdade e aceitação frente a outros povos, e até mesmo é uma forma vencer o
complexo de inferioridade que se enraizou no meio Ticuna, tanto pela ação dos
índios Omáguas como pela pressão e escravidão e opressão que sofreram por parte
dos não índios que colonizaram a região, em especial no período áureo da borracha.
As lembranças desse período na história Ticuna tem cedido lugar a uma nova fase,
na qual os Ticuna lutam pelo direito ao conhecimento de qualidade.
A formação de professores indígenas na região do alto Solimões pode ser um
mecanismo de ajuda para preservar a cultura indígena, e nesse sentido, um curso
especifico para professores indígenas tem acertado em seus objetivos.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência histórica demonstra que os processos de mudança
desencadeados pela presença dos brancos majoritários na Região do Alto Solimões
e ao redor das sociedades indígenas conduziram a reformulações socioculturais, e
até em alguns casos levaram a aculturação. Foi possível identificar como a escola
pode ajudar nas relações sociais preparando o indivíduo indígena para a sociedade
e para enfrentar a diversidade cultural da Região do Alto Solimões.
Esta pesquisa foi muito importante em vários sentidos, inclusive por me fazer
enxergar aspectos que muitas vezes fugiam ao meu olhar. Mesmo convivendo com
os índios Ticuna não tinha a percepção que tenho agora. Constatei ainda que o
tempo disponível em um mestrado para pesquisa e a distância do meu campo de
pesquisa – quase sete mil quilômetros – em um trabalho com pressupostos da
pesquisa etnográfica, dificultaram uma apresentação apurada e mais consistente na
apresentação dos resultados analisados. Entretanto esses resultados foram
descritos a partir da análise do cotidiano Ticuna, com base nas entrevistas
realizadas, e apesar das dificuldades na compreensão da linguagem e ideias, estas
se constituíram fator determinante para este trabalho. A observação direta teve um
papel fundamental na comparação da realidade somada à colaboração de trabalhos
existentes sobre a realidade da tribo Ticuna. Imagino, com base nos resultados
obtidos nesta pesquisa, que é possível um sistema educacional que valorize tanto a
aquisição de novos conhecimentos como a preservação e transmissão cultural.
As hipóteses levantadas, foram confirmadas e realmente existem inúmeros
problemas em relação à deficiência pela forma como são transmitidas as crenças, os
mitos e rituais na Escola O‘i Tchürüne. O problema do repasse cultural de uma
geração a outra se deve, em primeiro lugar, ao fato de que na nação Ticuna o papel
de educador é assumido pelos pais, avós ou parentes próximos, como por exemplo,
os tios. Por meio de levantamentos antropológicos podemos notar que para os
Ticuna não é papel do professor ensinar determinados conhecimentos e que o
ensino dos mesmos pode gerar a quebra de alguns tabus, como é o caso de
conhecimentos específicos para as mulheres e para os homens. Quanto à hipótese
de que existem diferentes correntes educacionais foi constatado que, na verdade,
são diferentes posturas pedagógicas ou formas metodológicas diferentes de ensino
ou até mesmo do nível de comprometimento dos professores com o ensino. Existem
95
professores, a exemplo do professor entrevistado A.R.S, que utiliza até o ritual da
festa da moça nova como fonte inesgotável de aprendizagem e recursos
pedagógicos.
Quando tem comemoração da festa da moça nova, o professor tem que assistir a festa da moça nova junto com seus alunos, os alunos têm que observar o que está acontecendo na festa da moça nova, tem que marchar, tem brincadeira, os alunos têm que anotar o que veem. O professor tem que observa, ficar atento e quando voltar na sala de aula tem que perguntar deles o que eles viram na festa da moça nova, ver se eles entenderam. O professor tem que perguntar o que significa cada coisa que viram na brincadeira, então os alunos têm saber mesmo o que é a tradição. (Entrevistado A.R.S, 2012).
Muitos pais indígenas influenciados pela cultura não índia deixam seus filhos
à mercê da escola, e seus destinos são traçados de forma omissa. O repasse
cultural que era responsabilidade principalmente da família e através da oralidade,
agora cai sobre os ombros do professor que passa a assumir total
―responsabilidade‖ que na realidade não lhe é atribuída culturalmente.
O modelo de escola observado na Escola Municipal Indígena O‘i Tchürüne
não é um modelo indígena e sim o um modelo de escola não indígena, apesar de os
professores serem bilíngues, não deixa de ser uma escola nos moldes não indígena
segundo as definições propostas por Meleá (1979), quando ela traz a diferença entre
educação dos índios e educação indígena.
A comunidade indígena vê na escola um instrumento de preservação da
cultura, mas o grande problema que encontramos é que na escola muitas vezes não
ocorre a transmissão cultural da forma idealizada pela comunidade indígena, e o
ponto mais frágil nesse processo, observado nesta pesquisa, são as convicções
animistas e a própria ―teologia popular‖ que é demonstrada por meio de suas lendas
e contos. O descaso por tal conhecimento é um ―estar à beira do abismo‖, ou seja, a
inerência de um povo de cultura singular torna-o apenas pessoas que se identificam
por causa da língua materna. A cultura histórica dos Ticuna, nesse caso, torna-se
obsoleta.
A situação socioeconômica da mesorregião do Alto Solimões, marcada por
elevados níveis de pobreza, e a falta de alternativas econômicas paras as
populações locais, associada ao baixo nível de escolaridade e aos antecedentes
históricos de exploração dos povos indígenas, contribuem para práticas de violação
dos direitos indígenas, os quais são forçados a adotar o sistema de vida dos não
96
índios para que se tornem extintos, ou seja, são forçados a ―mudar‖ para sobreviver.
O processo educacional foi caracterizado pelo distanciamento dos conteúdos
oferecidos em relação à realidade do povo Ticuna, assim como pela dificuldade de
comunicação entre professores brancos e alunos Ticuna, inclusive no que se refere
à língua. Reforçava-se, uma tendência geral no enfraquecimento da cultura dessa
comunidade indígena, que fazia parte do processo de perda do domínio da sua
própria língua.
O modelo ―tradicional‖ de educação indígena não pode competir com a
esmagadora e influente cultura não índia. Os principais meios de influências são o
contato direto com o não índio (principalmente com fins lucrativos através do
comércio) e a programação televisiva.
O modelo de educação implantado na aldeia Ticuna demonstrou sua
fragilidade evidenciando que essa educação tida como educação indígena, pode até
ser bonita na teoria, mas apresenta ineficácia em sua aplicabilidade. Essa foi a
constatação deste trabalho, e tal aspecto foi confirmado por diversas lideranças
indígenas entrevistadas nesta pesquisa, em discussões e palestras realizadas por
ocasião da I Conferência Regional do Alto Solimões e Javari, organizada pelo MEC
em maio de 2009, a qual tive o previlégio de participar.
Diversas políticas de controle têm travado o processo educacional indígena. É
importante saber dos próprios indígenas qual é a melhor forma de educação que
eles necessitam, ou melhor, é interessante que os próprios indígenas participem da
elaboração de um novo projeto educacional para povos indígenas no Brasil.
Os Ticuna estão cercados por uma cultura predominante e que
aparentemente torna a vida mais fácil. Isso tem gerado a aculturação, que é a perda
de identidade própria para assumir uma nova identidade cultural. Desse pensamento
surgem as divergências no próprio meio ticuna quanto à educação indígena, e nesse
contexto, duas correntes são destacadas: uma considera que é importante estudar
os mitos, preservar a cultura através de um ensino bilíngüe; a outra acredita que é
perda de tempo estudar os mitos e aspectos culturais, pois enquanto estão
estudando aspectos culturais, os não índios estão se preparando para o vestibular.
Essa corrente considera ainda que a escola indígena não prepara seus alunos de
forma adequada, que eles não são preparados do mesmo modo que os não índios,
o que gera a discriminação de sua etnia demonstrando as estatísticas que apontam
que poucos indígenas conseguem ingressar na faculdade se não houver um
97
programa de formação diferenciado.
Muitos aspectos importantíssimos relacionados à cultura ticuna foram
deixados do lado de fora da escola, e após a análise de determinados fatores, foi
possível constatar que a educação, tal como a conhecemos, reproduz e consagra a
desigualdade social. O sistema capitalista que gera a educação bancária, a
―educação do opressor‖, que com tanta veemência foi criticado por Paulo Freire,
continua bem vivo e perto de nós. Brandão (1995, p. 100) afirma nesse sentido, que
―é preciso acreditar que, antes, determinados tipos de homens criam determinados
tipos de educação, para que, depois ela recrie determinados tipos de homens‖.
O modelo necessário de educação para a escola indígena deveria ser o
buscar alternativas em uma educação que fosse apropriada para a sobrevivência da
cultura ticuna, uma educação adequada à realidade cultural dos Ticuna, e mais que
isso, que eles fossem os mentores de tal educação. Segundo Comênio (1976, p.
104) ―não é necessário consequentemente introduzir nada no homem a partir do
exterior, mas apenas fazer germinar as coisas das quais ele contém os germens em
si mesmo e fazer-lhe ver qual a sua natureza‖.
As crenças ticunas estão tornando-se obsoletas em meio aos estudantes,
portanto, faz-se necessário, um resgate da cultura e, sobretudo partindo da escola
para que esta nação ―diferente‖ não venha a ser mais uma, tragada pelo ―monstro da
superioridade cultural‖. É preciso que ocorra uma tomada de consciência e possível
resgate de identidade cultural. Como ressalta Paulo Freire ―Ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão‖.
A Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena que ocorreu em
Setembro de 2009, em Brasília, teve, antes de tudo, um papel de indicar mudanças
e influenciar positivamente o Estado na oferta dessa educação. As conferências
regionais devem apontar inovações para serem incorporadas nas leis e diretrizes
dessa modalidade de educação. É necessária a criação de uma política própria de
Educação Escolar Indígena que respeite a diversidade de cada contexto local. Essa
política atual não respeita a territorialidade e divide os povos indígenas de forma
equivocada. Deve-se pensar na participação comunitária na gestão da educação, a
partir da criação de novos mecanismos administrativos e burocráticos para essa
gestão.
São as universidades brasileiras, aliadas à ação de organizações não
governamentais, que têm tentado formular e viabilizar uma política nacional de
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Educação Indígena cujos princípios básicos são: a vinculação e reconhecimento das
escolas indígenas no Sistema Nacional de Educação; o uso das línguas maternas e
incorporação dos processos próprios de aprendizagem como base de implantação
da escola formal; o desenvolvimento de programas, currículos e materiais didáticos
específicos e diferenciados para as escolas indígenas; preparação de recursos
humanos especializados para a formação de professores indígenas.
O desafio continua lançado, resta saber por qual prioridade: conseguir que o
Sistema Nacional de Educação repense imediatamente a concepção de educação
para o país e formule depois um conceito de educação para minorias, ou que faça
as duas coisas concomitantemente. O que é preciso redimensionar e contestar é o
atual discurso disseminado nas repartições públicas "preocupadas com nossos
indígenas", que remete a uma falsa sensação de dever cumprido.
Com muita frequência, o que se percebe é que mudou apenas a roupagem do
dizer: o discurso incorpora o tirânico clichê antropológico do "determinismo cultural",
as frases de efeito do jargão pedagógico do "aprender construindo em processo" e
da inevitabilidade do "ensino bilíngue". O fazer continua o mesmo. Além disso, a
experiência histórica brasileira nos tem revelado outra verdade: não basta uma
Constituição. É preciso que as políticas gerais de governo reflitam seus princípios
em práticas abrangentes e interventoras, de modo a garantir uma transformação no
direcionamento das ações públicas voltadas para o "social". Este é um problema de
ordem nacional, que atinge a todos que não podem pagar para ter sua escola:
brancos, pobres e minorias étnicas, em geral.
O intuito, ao realizar esta pesquisa, foi contribuir de forma consciente e
humilde para a mudança de rumos — do dizer e do fazer — da chamada Educação
Indígena na região do alto Solimões, no momento em que parece abrir-se um
espaço para reformulações, no âmbito da política oficial, através do próprio
Ministério da Educação. Procuramos, assim, dar alguma substância às discussões
que têm sido travadas no Comitê de Educação Escolar Indígena, no seu trabalho de
assessoria e de definição das novas "Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena". Nesse contexto, foi importante oferecer à comunidade,
entre outras coisas, reflexões, críticas e polêmicas sobre aspectos da Educação
Indígena e relatos de experiências alternativas, divulgação de ideias e projetos que
poderão influenciar positivamente, inclusive reconhecendo e observando a literatura
produzida por indígenas.
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O que é ser índio(a) hoje? Qual a visão da cultura e da história indígena na mídia, na poesia, na prosa e nos livros didáticos? Como distinguir as especificidades da literatura indígena em meio ao processo de transculturação e reconhecer a existência dessa literatura, em meio a tantos ―apagamentos‖? Quais os pontos de confluência entre os diferentes saberes dos povos indígenas no Brasil. (GRAÚNA, 2012, p.36).
Diante destes questionamentos propostos pela autora precisamos de uma
maior conscientização do que é ser um indígena e os indígenas precisam saber o
seu papel frente aos desafios. Cabe também aos pais e à sociedade
conscientizarem-se de que o papel da educação escolar indígena é tão importante
quanto a educação familiar para que tenhamos êxito na educação e no contato com
outros povos, pois é na escola que o indivíduo se prepara para exercer uma
profissão, no entanto, é com o caráter e a moral que obterá na educação familiar
que vai ser forjado para fazer com que os futuros profissionais exerçam suas
funções como bons cidadãos críticos e participativos na sociedade.
As crianças Ticuna necessitam, em primeiro lugar, do apoio da família; em
segundo lugar, dos docentes, dos colegas de sala e do psicopedagogo como apoio
para aquelas que apresentam dificuldade de aprendizagem. De acordo com a LDB
9394/96, art. 2º: ―A educação é dever da família e do Estado inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho‖ (BRASIL, 1996). A lei é clara quanto à participação de
família no processo educativo. Alencar (2001, p. 86) concorda e reforça ao afirmar
que ―É muito importante o papel do professor juntamente com a família no que diz
respeito ao diagnóstico e acompanhamento de crianças que apresentam problemas
de aprendizagem específicos de leitura, escrita e aritmética‖.
Observamos na realidade Ticuna que muitos profissionais têm se
preocupado, única e exclusivamente, em transmitir para seus alunos apenas aquilo
que os livros didáticos contêm, não se importando com a formação do pensamento
crítico e do caráter de seus alunos, privando-os de crescerem intelectualmente, pois
sabemos que ao nos prendermos em demasiado ao livro didático isso nos impede
de formular ideias próprias. O papel de todos os educadores não é somente o de
transmitir o patrimônio cultural, mas também de participar da formação do homem e
do cidadão, e essa formação do cidadão deve fazer parte do processo educativo nas
100
comunidades Ticuna.
É preciso planejar uma educação que, pelo seu processo dinâmico possa ser
criadora e libertadora do homem. Planejar uma educação que não limite, mas que
liberte, conscientize e comprometa o homem diante do seu mundo. Este é o teor que
se deve inserir em qualquer planejamento educacional, a liberdade de expressão e a
autonomia nas ideias.
A experiência docente é espaço gerador e produtor do conhecimento, mas isso não é possível sem uma sistematização que passa por uma postura critica do educador sobre as próprias experiências. Refletir sobre os conteúdos trabalhados, a postura frente os educandos, frente ao sistema social, político, econômico, cultural é fundamental para se chegar à produção de saber fundamentado na experiência. (GHEDIN, 2002, p. 46).
O acompanhamento familiar também é algo essencial na escola,
principalmente na educação infantil, pois é nessa fase que as crianças precisam
receber todo o apoio, orientação e estímulo dos pais, para que dessa forma elas se
sintam amadas e protegidas por eles. Ao se sentirem assim, com certeza terão mais
estímulo para aprender a ler, a escrever, a pensar criticamente etc.
Cabe a todo profissional da área da educação começar a refletir sobre suas
práticas pedagógicas, sobre como vem desenvolvendo o ensino e de como ele pode
melhorar suas metodologias, pois ninguém consegue ser um bom profissional se
não der lugar a inovações. O professor precisa estar capacitado para atuar de
acordo com a situação real em que seus alunos se encontram, baseado no
conhecimento prévio e nas experiências vivenciadas por eles no seu cotidiano.
Por meio desta pesquisa ficou evidente que apesar das conquistas na
educação das aldeias indígenas garantidas por direitos constitucionais, bem como,
de algumas conquistas políticas, a educação indígena está aquém de suprir as
necessidades socioculturais encontradas na etnia Ticuna. Cabe ressaltar que
educação para a sociedade é uma construção do homem, realizada através das
objetivações humanas, do trabalho, enfim, das ações humanas realizadas sobre a
natureza no sentido de transformá-la para suprir necessidades básicas, materiais e
espirituais. É interessante atentar para o fato que não existe realidade social que
não tenha sido tocada e reorganizada pela "humanidade do homem". Essa
sociedade, por sua vez, atua sobre o próprio homem, constituindo-o, modificando-o,
transformando-o. Assim, o homem constrói, reconstrói e é construído, cria e é
101
recriado no curso das relações sociais estabelecidas em cada momento histórico.
Quando pensamos em qualquer indivíduo, seja Ticuna ou não índio, não
podemos representá-lo como um indivíduo único, isolado, independente de suas
condições objetivas, subjetivas, materiais, sociais e culturais. A subjetividade de
cada indivíduo, o que é próprio de cada sujeito, suas características pessoais, seu
jeito de ser e de agir, tudo isso não é uma dimensão absolutamente própria de cada
pessoa, como somos muitas vezes levados a supor. A subjetividade do indivíduo é
construída e reconstruída no jogo das relações sociais. Assim, indivíduo e sociedade
constituirão uma mesma realidade, na qual o indivíduo é uma expressão mais
particular e a sociedade é uma expressão mais geral.
Na sociedade em que vivemos, somos levados a pensar e agir como se
fôssemos, cada um de nós, pessoas únicas e isoladas, absolutamente originais,
desligadas e separadas do que convencionamos chamar de contexto social, uma
coisa tão abstrata que nem sabemos o que significa. Cada vez mais somos
estimulados pela necessidade de demonstrar uma originalidade, um brilho pessoal,
um toque único, um charme especial e sem concorrentes. Ao mesmo tempo, somos
atraídos pelas promessas da felicidade oferecidas e que estariam ocultas nessa
possibilidade individual. Esse culto ao individualismo que muitas vezes é encontrado
até no meio indígena, constitui uma das manifestações de um processo histórico que
dá origem, mantém e fundamenta a sociedade capitalista e tem sua base no fato de
que o capitalismo necessita que os indivíduos sejam "livres" e desembaraçados para
produzir, consumir e concorrer entre si. Nessa perspectiva, torna-se fundamental
privilegiar o indivíduo em detrimento da sua condição de ser social pertencente a
uma universalidade, a uma sociedade, a uma classe social a uma etnia indígena. As
dificuldades são imensas, mas considero que mesmo em aldeias é possível ainda
educar para a sociedade.
102
REFERÊNCIAS
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106
APÊNDICES
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1) A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
2) Fez algum curso Universitário? Qual, em que lugar e Universidade?
3) Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
4) Você já exerceu outro cargo na escola?
5) Como era a educação tradicional dos Ticuna?
6) Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
7) O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
8) Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros povos
próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das cidades vizinhas))?
9) Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
10) Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
11) Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
12) Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
13) Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
14) Você acha que os jovens valorizam as tradições?
15) Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
16) É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
17) Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que estudam)?
18) Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: ―Vou mandar meu filho para
cidade estudar, para se ―civilizar‖‖?
107
APÊNDICE B – ENTREVISTAS
ENTREVISTA COM A.C
Na comunidade e um pouquinho na cidade, até a 5ª Série aqui na
comunidade, fiz um curso básico em Teologia em Pindamonhangaba São Paulo, o
que facilitou muito em relação ao relacionamento, convivência com outras pessoas,
ter capacidade de dialogar com as outras pessoas, com as autoridades. Ajudou a ter
certa influência foi muito bom, ótimo, muito bom.
Há dois anos trabalho com questões de educação na escola. Atualmente
exerço o cargo de Assistente Administrativo.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
Bastante complicada pra visão desse século agora, pela evolução, pela
expansão do conhecimento, a cultura anterior dos Ticuna é bastante ultrapassada
por aquilo que a gente tá vivendo hoje. Se vivermos aquilo que eles viveram, nossos
antepassados é um caso muito conflitante para a realidade atual. Então a cultura
indígena teve certa influência, negativa, então eu acho que a cultura é uma distorção
daquilo que eles chamam de cultura. Por que certas culturas que devem ser
preservadas, como: a língua, como o artesanato. Isso ai deve ser preservado. Mas
os mitos, isso ai eu acho que deve ser esquecidos, isso ai é uma distorção da
realidade para uma sociedade. Os mitos atrapalham, por que isso ai é distorcer a
realidade do ser humano.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
A cultura hoje, algumas pessoas das mais velhas ainda voltam para a cultura,
preservam a cultura, mas a juventude de vinte, vinte e dois anos tem esquecido a
cultura, por exemplo: a festa da moça nova, isso ai, eu acho que daqui a alguns
anos a mais vai ser esquecido por que eu acho que essa é a principal, é uma das
principais culturas que devem ser esquecida no viver, na educação, por que isso ai
não é educação. A festa da moça nova não é uma educação, isso aí é uma
escravidão, é escravizar o jovem, é escravizar e não deixar que o jovem se eduque
se forme isso ai é prender, deixar o ser humano a mercê de uma cultura que não
108
tem um avanço não se evolui para a educação. Por isso no meu ponto de vista, a
educação cultural dos antigos, deveria ser preservada só aquilo que já foi falado
anteriormente: A língua materna, a cultura artesanal, isso ai deve ser preservado.
Mas os mitos não deve preservar.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
A mudança educacional, hoje o povo indígena, tem buscado a mudança
educacional nas universidades, na educação, o povo têm se abrido, tem visto que
ficar ai a mercê de uma cultura tão antiga não leva a formação, não leva a lugar
nenhum, por isso, hoje tem vários indígenas que estão cursando a universidade,
estão se formando, eles têm as suas mentes já aberta, porque é somente através de
uma boa educação, de um curso com nível superior que o povo consegue se
sobressair, ter uma maneira melhor de viver na comunidade, e de preservar aquilo
que deve ser preservado.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Muito pouco, tem muito pouca influencia, o povo indígena na sua capacidade
de pensar de adaptar as coisas é muito pouco. Há absorção talvez naquilo que
possam adquirir: na musica, nos alimento, isso ai eles tem absorvido, mas, por
exemplo: a influência é bem pouco de outros povos, no povo indígena Ticuna. Por
exemplo, a maneira de dormir, de habilitar de construir, por exemplo, principalmente
ao Brasileiro, a maneira de construir as suas casas hoje em dia é uma influencia do
povo brasileiro. Bem pouco, muito pouco tem a influencia de outros povos como os
peruanos os colombianos têm muito pouca influência no povo brasileiro indígena
Ticuna.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
Isso é muito pouco. A tradição, por exemplo, vai ser muito pouco preservada,
se tiver pessoas, por exemplo, com pouca visão de conhecimento, esses ai vão
tentar preservar essa cultura dos povos, por exemplo, a festa da moça nova, tem
bem poucos antropólogos que vão tentar preservar, por exemplo, para que o povo
109
fique nessa situação, nesse estado de escravidão moral, por que eu acho que essa
cultura é uma escravidão moral, que prejudica, é uma grande tristeza no meu ponto
de vista preservar essa cultura ai, se continuarmos preservando isso ai, é uma
grande distorção é uma mentira que deve ser completamente banido de entre o
povo indígena, por que a educação ela transforma pra melhor e somente a
educação, somente uma boa educação vai libertar o povo dessa grande farsa essa
mentira.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
A educação, por exemplo, já foi criado até no MEC que a educação do povo
indígena Ticuna tem quer ser uma educação diferenciada. Hoje já tem livros
didáticos próprios, tem professores que já se formaram e tem preparação na língua,
então eu acho que não há nenhum empecilho para que a educação venha progredir,
não há nenhuma barreira para preservar, para ensinar a língua materna indígena
pelo meio da educação. A educação que foi debatida foi discutida, a educação
diferenciada que está no ministério da Educação do nosso País Brasil.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Isso é normal de todos os povos, todos os seres humanos indígenas e não
indígena tem que ter um preparo, todos, todos são iguais perante alei, à lei ampara
tanto o não indígena como o indígena. Então, com uma boa educação, com um bom
preparo todos nos devemos competir e a competição com um bom preparo não há
barreiras para impedir que aconteça, a maneira de se obter uma vaga de se ter um
bom emprego.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Tem que preservar a língua e a educação tem quer ser igual a da cidade,
somente a educação diferenciada da língua, agora a educação tem que ser a
mesma educação com a mesma intensidade com que é aplicada nas redes
estaduais de ensino e nas redes municipais, a educação tem que ser aplicado no
mesmo nível, mas excetuando da educação diferenciada que é a língua, isso ai deve
110
ser diferente.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
É uma educação que a pessoa inquire essa educação só tem uma boa
educação uma pessoa que tem um bom preparo no aspecto social e no aspecto
espiritual, por exemplo, uma pessoa que chega que conquista se forma no nível
superior se não teve um conhecimento do espiritual do religioso, essa pessoa
indígena é uma pessoa tão ignorante como qualquer pessoa que não se formou,
uma pessoa que não teve a oportunidade de se formar de se preparar é isto que é
visto na vida de muitas pessoas que já se formaram, que já estão diplomados, já
receberam o certificado, mas que tem uma vida negativa que é rejeitada por muitas
pessoas.
Você acha que a influencia religiosa que veio de fora, atrapalha a cultura
Ticuna ou ajuda a cultura Ticuna?
O protestantismo é um dos fatores que tem uma influencia na vida do ser
humano, que leva o ser humano a pensar, a cursar, a estudar, a ter uma vida social
exemplar. É a influência religiosa do protestantismo, bem que a outra influencia
religiosa sendo mais antiga mais isso ai não influenciou em melhora nenhuma, só
influenciou no negativo que influenciou na maior vergonha do povo indígena
(Ticuna).
Você acha que o protestantismo veio como uma forma nova para auxiliar as
relações sociais na comunidade Ticuna?
O protestantismo evangélico é um dos fatores que tem mudado e tem
influenciado para um melhoramento o desenvolvimento educacional e social do ser
humano.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
O jovem atualmente tem abandonado gradativamente a influencia da cultura
de seus pais por que eles tem visto que provavelmente, que é uma coisa negativa, é
uma coisa que somente os antropólogos que querem escravizar a sociedade, os
velhos nessa cultura que querem preservar. Ma essa cultura antiga essa cultura de
então, os jovens tem dado pouco valor, por que é uma coisa bastante, bastante
111
negativa, violenta, que violenta as pessoas fazer aquilo que eles fazem.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
As comunidades, os povos, os lideres não interferem. As pessoas os
indígenas tem livre escolha de morar tanto quanto na comunidade quanto cidade,
mas o indígena para ele é muito difícil morar na cidade devido as dificuldade, a falta
de preparo educacional, isso ai interfere bastante, é por isso que hoje tem muito
poucos indígenas que moram na cidade.
Os indígenas que moram nas cidades são bem visto na aldeia ou sofrem algum
tipo de preconceito?
São bem visto devido o relacionamento e devido à língua, devido as suas
origens, são bem visto, não tem nada de preconceito com aqueles que moram nas
cidades e com aqueles que moram nas comunidades indígenas.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Sim, há grande possibilidade se no caso o conhecimento dessa cultura, por
exemplo, se há diferença da cultura do ensino intercultural isso é uma possibilidade,
para o convívio com outros povos, porque isso facilita bastante o conhecimento de
línguas, de estudar outras línguas isso ai é uma coisa intercultural que possibilita e
facilita a convivência do povo Ticuna que já é um povo que convive com outros
povos como o Brasil, como o Peru como a Colômbia isso ai é principalmente no
conhecimento cultural, facilita bastante o conviver. Se na convivência ele esquecer a
cultura, se ele abrir mão de algumas coisas, por exemplo, da língua, se ele se
esquecer da língua, e se ele esquecer daquilo que seu pai fazia daquilo que o seu
pai desenvolveu há tempos, esse ser esse homem esse individuo. Eu acho que é
uma pessoa que ignorou aquilo que seu pai conquistou aquilo que sua mãe
conquistou isto, não estou falando daquilo que eu já falei que é uma distorção, eu
estou falando da sua língua, da sua cultura artesanal, daquilo que levou tempo para
se adaptar para conseguir, eu acho que uma pessoa que abandonar isso ai é uma
pessoa bastante, é uma pessoa completamente que não respeitou que não valoriza
a sua própria origem.
112
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
Os dos antigos é somente mitos é um engano é uma mentira que foi
guardada; o conhecimento atual, atualizado esse ai é o conhecimento atual que
capacita que socializa esse ai é o conhecimento que deve ser ensinado, deve ser
buscado, deve ser admirado por todos. A pessoa deve se formar deve adquirir o
novo conhecimento atual.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
Isso aí, eu acho que essa pessoa que (...), não há civilizado, se existisse
civilizado a gente não via tanta violência, tanta barbaridade como a gente vê agora.
O verdadeiro civilizado é aquele que se socializa, é aquele que não vê preconceito,
mesmo em um mundo que a gente vive tão caótico na convivência, ser civilizado é
respeitar os valores é respeitar o ser humano, é respeitar uns aos outros. Ser
civilizado é o que eu acho que deve ser vivido e praticado.
ENTREVISTA COM A.R.S
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Eu que estou falando agora sou A.R.S. Primeiro eu estudei aqui mesmo na
aldeia indígena de Belém do Solimões, com um professor indígena mesmo que foi o
meu professor, com ele aprendi a ler e escrever. Em seguida estudei com um
professor civilizado que trabalhou nesta comunidade de Belém do Solimões. Então
aprendi falar pouco à língua portuguesa e assim devagar foi meu estudo. Por ultimo
conclui naquele tempo que estudei primeira a quarta serie só, daí parei de estudar e
não tinha condições de estudar na cidade, por que naquele tempo tinha dificuldade
para estudar lá, meu pai não tinha condições para pagar meu estudo na cidade.
Então por isso eu fiquei na quarta serie era 1982.
Fez algum curso Universitário? Qual, em que lugar e Universidade?
Eu sim fizera um curso universitário licenciatura plena da educação indígena
do alto Solimões, foi estudei, mas desisti quando quase terminava a etapa, então eu
113
não concluir bem esse estudo, que foi realizado na comunidade, aldeia de Filadélfia
no município de Benjamim Constant. Então aquele estudo foi muito bom porque me
deu muitas informações sobre vários conhecimentos universitários que é a união de
vários conhecimentos, isso significa aprender muitas coisas, mas só que eu aprendi
pouco por que desisti, então é muito bom estudar mesmo na universidade. Essa foi
dada pelo governo federal que apoio os indígenas da OGPTB, organização que tem
a preocupação com a formação dos professores indígenas para que eles deem
aulas mais preparados na comunidade. Por isso que a OGPTB foi e criou para a
formação dos professores. Então foram eles que promoveram a aula nessa
universidade e fizeram parceria com a UEA, onde ela ajuda a universidade, então
assim é agora. Então os colegas já concluíram a universidade, eles já estão
formados.
Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
Eu já trabalhei na escola durante 24 anos, quando trabalhei na escola
ministrei quatro matérias: português, matemática, ciências e geografia. Eram só
quatro disciplinas, assim eu dei aula porque tenho um pouco de experiência nessas
matérias, mas nossos alunos naquele tempo também aprenderam um pouco
comigo, por exemplo, na aula de português, eu falo um pouquinho de português e
explico bem o que significa cada palavra, depois formo frases, explico em português
e depois traduzo em nossa língua, na matemática é muito bom, falo em português e
na nossa língua do mesmo jeito, então é assim que dou aula, muitos dos meus
alunos gostaram de minhas aulas, por que eles aprenderam comigo e alguns alunos
me elogiaram eles dizem que ―sou professor experiente, e tenho conhecimento para
dar aula‖. Às vezes alguns de meus alunos me elogiaram, ai foi que observei que
minha aula era boa para eles.
Você já exerceu outro cargo na escola?
No ano de 2008, eu fui transferido para outro cargo, como auxiliar do chefe do
posto da FUNAI, posto indígena. O chefe regional de Tabatinga me indicou como
substituto chefe do posto já há dois anos exerço cargo de servidor auxiliar da FUNAI,
e agora estou assumindo o cargo de chefe. A função é anotar todas as reuniões, se
as lideranças se reunirem eu tenho que anotar tudo que ocorre nessa comunidade,
por exemplo, briga de indígena com indígena, tenho que anotar todo material que
114
chegar aqui, que foi doado pelo governo, tenho que anotar tudo isso e fazer um
relatório, isso não pode perder esse é o meu trabalho, outro trabalho que faço é
aconselhar o povo indígena, por exemplo, se tiver uma briga entre eles, então eu
junto com o cacique, o chamamos para aconselhar para não fazer mais essa coisa
ruim, esse é meu trabalho agora como chefe do posto do distrito de Belém do
Solimões. Esse é um trabalho de defender o povo e fiscalizar a área indígena sob
minha jurisdição tudo isso fiscalizo junto com o cacique, é assim que é o trabalho
que estou fazendo agora.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
A educação tradicional dos Ticuna era muito mais voltada para as tradições,
por exemplo, quando um Ticuna dá aula tem que usar a língua tradicional, falar na
língua Ticuna. A criança tinha que falar e escrever na língua Ticuna, isso tem que
preservar, por que é direito do indígena garantido pela Constituição Federal em Art.
231, fala que a comunidade indígena tem que preservar a sua língua materna, eles
tenham aulas principalmente na língua materna, mas também utilizar a língua
portuguesa. Então tudo isso seria bom, por que a língua tem que ser valorizada para
transmitir conhecimentos para outra pessoa; outra tradição que tem na cultura
Ticuna é a festa da moça nova. Quando tem comemoração da festa da moça nova,
o professor tem que assistir a festa da moça nova junto com seus alunos, os alunos
têm que observar o que está acontecendo na festa da moça nova, tem que marchar,
tem brincadeira, os alunos têm que anotar o que vê. O professor tem que observar
ficar atento e quando voltar na sala de aula tem que perguntar deles o que eles
viram na festa da moça nova, vê se eles entenderam. O professor tem que
perguntar o que significa cada coisa que viram na brincadeira, então os alunos tem
saber mesmo o que é a tradição.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
Na minha observação mudou um pouco a cultura, por exemplo, antigamente a
escola era construída pelos próprios pais dos alunos, era feito de paxiúba, de
carnaúba de palha. Os próprios pais dos alunos construíam. O professor que dava
aula antigamente era pago pelo próprio pai do aluno, agora mudou é diferente, o
professor indígena está ganhando, pago pelo prefeito, pagam um Salário, outros
115
ganham pela FUNAI, a FUNAI paga bem para eles, então essa foi à mudança que
teve em ralação ao ensino da cultura. Agora outra mudança foi na vestimenta,
realmente o Ticuna desde a formação de cada comunidade indígena usavam
roupas, mas alguns não tinham sapatos naquele tempo, assim mesmo estudavam.
Hoje em dia estão são bem vestidos, tem sapatos, tem relógio. Alguns Ticuna já se
aculturaram, já tem organizado suas casas, já tem televisão, alguns já têm telefone e
já tem mudado um pouco a situação social deles.
O Senhor usou a expressão aculturado, você acha que alguns indígenas têm
esquecido a sua cultura?
Sim, Alguns indígenas têm desvalorizado ou esquecido a sua cultura, por falta
entender a sua cultura, por falta de entender ou valorizar a sua cultura, eles
desvalorizam mesmo, mas só que eles perceberam que a outra cultura é boa, a
cultura do outro povo é boa, por isso abandonaram. Mas sim, não são muitos, só
alguns indígenas que estão deixando, por falta de entendimento, por isso que eles
esquecem e não resistem.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Agora, geralmente hoje em dia o povo indígena tem mudado na parte social e
alguns mudaram só na parte física, por exemplo, alguns jovens hoje em dia que
perceberam outra cultura que vê na televisão, cortam cabelo diferente, fazem pintura
no cabelo. Alguns jovens Ticuna perceberam e fazem isso daí da outra cultura. Daí
que vem a mudança, mas alguns pai e mães resistem essa cultura, restem mesmo
com a cultura deles, principalmente a pessoa que é idosa, assim velinho eles falam
para seus filhos para sua filha não gravar outra cultura de outros povos. Tem a
cultura deles também, mas existe a nossa cultura. Hoje é um pouco complicado e
acontece mesmo, por que cada vez vem mudando um pouco a cultura de cada
povo. Isso também acontece no meio do povo indígena.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Olha aqui nas tendências de valores culturais de outros povos, é negocio dos
116
colombianos assim, eles realmente vivem pouco aqui na comunidade indígena, só
alguns peruanos e brasileiros,mas uma parte dessas pessoas são boa, mas a outra
parte não é boa por que algumas dessas pessoas influenciam os indígenas na parte
ruim, por exemplo, passam droga assim os Ticuna influenciados pelos colombianos,
ai que está o problema isso que está acontecendo agora no meio indígena, porque
colombianos e peruanos envolvidos com droga, eles são vendedores de droga, os
Ticuna que não sabem acompanham. Daí que está o problema de relacionamento
com o colombiano, peruano e brasileiro. Sim mas a outra parte, alguns colombianos,
peruanos e brasileiros é boa. Assim como os Ticuna tem gente boa, mais alguns são
pessoas ruins é assim mesmo que acontece. Então nesse ponto cada cultura tem
que resistir, por que o Ticuna ele não vende droga nem desenvolve a droga, mas
hoje em dia ele está envolvido, alguns Ticuna já estão envolvidos com drogas, fumo,
cheira cola. Tudo isso trazido pelo colombiano ou peruano, então assim que é essa
cultura, hoje em dia sabemos que a droga já era cultura de alguns povos indígenas,
eu li em um livro que até hoje em dia alguns indígenas de outras tribos machucam a
folha de cocaína, assim é a cultura deles, mas para nós indígenas que vivemos no
amazonas, não temos essa cultura.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
Sim é possível preservar a tradição da cultura Ticuna, por que é única, têm
seus mitos, uma cultura deve ter seus mitos, a mitologia de sua origem para ter
raízes para saber onde surgiu cada povo, por que sem raiz não tem segurança, por
exemplo, uma planta para nascer, primeiro é preciso da semente que nasce e cresce
a raiz dela é segura no chão, a raiz dela tem que se aprofundar no chão para
segurar, assim também é uma cultura e preciso segurar para não ficar abandonado,
por exemplo, na tradição Ticuna é em sua origem um povo pescado. O Ticuna povo
pescado no igarapé do Eware, ai que está às origens do povo Ticuna. Isso daí
precisa ser preservado mesmo. Assim como um documento preservado, como a
escrita, gravação ou com apresentação dramática.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
O que dificulta o ensino da cultura Ticuna, é, tudo aqui é fácil. Quando se fala
em meio ambiente, o indígena está relacionado com o meio ambiente por que ele
117
está vivendo nas comunidades, perto de tudo que existe na natureza, mas tudo isso
é bom à pessoa cuidar da natureza, assim na preservação do lago, terra, floresta e
até na escola. O que a gente preserva na escola: a língua, falantes da língua Ticuna,
tem que escrever e produzir livros escritos na língua Ticuna, assim que já está
preservando a cultura escolar indígena, por que sem registrar alguma coisa, não tem
como preservar a cultura, então é isso que está fazendo a escola indígena agora, tá
lutando para registrar a sua língua comum na cultura. Assim que pode preservar.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Sim, alguns indígenas precisam se preparar para competir mesmo, para
trabalhar com o não indígena, por que tudo aquilo que a gente quer aprender, não
aprende aqui mesmo, tem que aprender com outra pessoa é preciso de alguém que
oriente para que dê certo. Então. Por que todos os conhecimentos vêm de outros
povos. Como os povos indígenas Ticuna estão um pouco atrasados no estudo,
precisam de alguém que oriente eles para poder trabalhar, fazendo parceria, um
ajuda o outro, assim que seria bom. Hoje alguns indígenas já sabem trabalhar,
trabalhar para o bem de sua comunidade, por exemplo, um dos meus primos já
trabalha com a caixa econômica, uma parceria, assim um ajuda o outro, assim que
seria bom, mas hoje os indígenas só alguns já sabe trabalhar por que trabalhar para
o bem da sua comunidade, o exemplo é meu primo ele trabalha com a caixa
econômica, aqui na comunidade de Belém do Solimões, ele mesmo já trabalha com
a caixa econômica, uma caixa, ele registrou, tem CNPJ. Então agora esse Ticuna já
ta dirigindo esse trabalho, e ele primeiro tinha duvidas ele tinha dificuldade de como
vai sacar dinheiro, como vai fazer prestação de contas, mais ele tinha medo, mas
divagar agora ele já aprendeu já funciona a caixa na casa dele, ele já aprendeu
então esse daí é um exemplo para mim. Realmente precisou alguém para ajudar ele,
mas depois que ele já sabia, ele mesmo cuida do trabalho dele, assim é.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Aqui a educação na cultura indígena, precisa ensinar aluno aquilo que é bom
da cultura. Mas alguma cultura alguma parte não é bom não deve ser ensinado, o
que é bom tem que ensinar, por exemplo, como fazer remo, fazer canoa, fazer
118
peneira tipiti, isso é uma cultura do indígena. Isso daí não o professor não pode
dizer que o aluno não pode fazer, o professor tem que ensinar por que isso daí é
bom para ele ensinar na escola, é importante mesmo, por exemplo, fazer uma arte
uma igaçaba feito de barro com varias misturas, então assim o Ticuna constrói uma
igaçaba, essa igaçaba serve para colocar água, a água fica um poço fria, parece
com a geladeira é bom para beber essa água, isso daí tem que ensinar mesmo, e
educação na cidade, por exemplo, é muito bom também estudar, tem que estudar
mesmo por que a educação na cidade e bom mesmo aprende digitar no
computador, aprende datilografar na maquina de escrever, e tem que saber ligar no
telefone, tudo isso é cultura do branco. Tudo isso precisa saber também, por que se
não sabe digitar computador, é ruim pra gente, tem que saber mesmo. Todos são
bom, cultura indígena cultura do branco também bom na área do estudo, por que
precisa mesmo saber duas cultura, até mesmo varias culturas.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A Educação mais valorizada na comunidade é o estudo mesmo. Estudar e
tem que ser aluno dedicado mesmo, estudar no colégio e aprender sua língua e
escrever, mas tem que saber escrever na língua portuguesa, assim, mas falar, o
mais valorizado é isso. Não poder ser valorizado só uma parte, só um lado por que
se falasse só na língua Ticuna, só valorizando ai, se não sabe falar o português dá
dificuldade, mas tem que valorizar principalmente a sua língua, depois a segunda
língua que foi emprestada. Tem que valorizar esses dois, mas está bom por que a
maioria dos países: Estados Unidos, Japão. Todos esses falam sua língua própria,
estudam na sua própria língua e escrever na sua língua e depois eles estudam em
outras línguas para ter uma boa comunicação com outras pessoas, então isso daí
que é valorizado, mais valorizado também é a cultura mesmo, as tradições. Para que
sempre tenha resistência na cultura com a educação, tem que ter apresentação,
dramatização, o professor tem que fazer dramatização com seus alunos na hora das
atividades na escola, ai que ele vai explicar para o aluno não esquecer.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
Olha de primeiro não valorizavam, quando a escola estava começando em
1981/2 ai que os próprios indígenas diziam assim eu não quero falar minha língua,
por que isso daí não vale é nada, eu quero aprender a língua portuguesa, só
119
valorizavam a língua portuguesa, por que a língua dele para ele não vale nada, isso
daí era por falta de entendimento naquele tempo, mas quando a maioria estudaram
na OGPTB, na comunidade indígena de Filadélfia, quando muitos (professores)
estudaram na universidade, ai que os professores já aprenderam o que é cultura,
para que serve a cultura, daí que fortaleceu a valorização da cultura, a valorização
da linguagem. Hoje os alunos já aprenderam um pouco, agora estão valorizando a
língua indígena, então, a maioria dos professores já estão falando que tem que
valorizar mesmo, hoje em dia é assim preservado.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Sim, mas também nesse ponto alguns tem sua escolha, por exemplo, cada
liderança estabelece algumas normas para a comunidade, algumas pessoas dão
valor, mas outros não dão valor, isso que acontece também, por que não existe um
só pensamento cada um tem um pensamento, cada povo indígena tem liberdade de
escolher o que ele quiser, mas, por exemplo, aqui na comunidade existem a policia
indígena, alguns tem vontade de trabalhar nessa parte, tem sua liberdade, mas
alguns próprios indígenas não valorizam a policia indígena. Mas essa pessoa que
diz isso falta o conhecimento, sabe por que um policial serve para cuidar do seu
povo para melhorar a sociedade de cada povo, como exemplo, cada país tem a sua
policia, tem o seu militar, tem a marinha, o exercito, tudo isso para cuidar do seu
povo, assim também o Ticuna precisa ter policiamento, tem vontade de fazer isso,
mas tem que ter um conhecimento mais profundo.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Todos nos precisamos saber a cultura dos outros povos, para que tenhamos
um amplo conhecimento, por que não é bom saber só uma cultura não é bom
conhecer outras culturas de outros povos, tanto como inter tribais que como no
Brasil que tem muitas culturas, mas que para viver outra cultura, por exemplo,
vamos supor o ―branco‖, na cultura dele ele já sabe respeitar um ao outro, ele na
casa dele ele é bem organizado: ele usa relógio, usa sapato e tudo isso é cultura,
ele vive coisa boa, mais toda cultura, todos os povos tem que aprender mesmo por
que essa cultura é boa e aí forma a aculturação de cada povo, por que não é bom
120
viver sempre ma escravidão na ignorância, por que a sabedoria vem para civilizar,
para tornar uma pessoa bem respeitada, bem educada, mas acultura sempre tem
que existir, sempre tem que ser preservada. Na minha ideia, por exemplo, eu sou
Ticuna, já estudei um pouco, eu sempre Ticuna mesmo. Na minha vida eu sempre
falo bem com meus irmãos, os civilizados quando encontro por ai dou bom dia, como
vai; eu respondo bem eles e eles me respeitam, assim que é bom já tá aculturado
um pouco, por que outros que não sabe isso falam mal dos outro, isso não é bom é
discriminação, então assim cada povo tem que segurar sua cultura, mas tem que
aprender outra cultura, assim que é o relacionamento, tem que viver bem com outras
pessoas.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
O conhecimento do antigo, por exemplo, é bom esse daí é bom, o conselho
dos nossos avós, por que eles falavam para seus filhos antigamente assim: meu
filho você tem que saber fazer remo, fazer canoa, tem que saber pescar, isso têm
que saber mesmo para quando você casar, conseguir uma mulher não faltar nada
para sua mulher, mas se você tem preguiça, preguiçoso e não saber fazer nada,
então você vai sofrer necessidade. Esse é o conselho dos avós, hoje em dia a
maioria Ticuna já estão envolvidos no conhecimento dos brancos, já estão na escola
estudando, alguns próprios pais dos alunos já pensam em mandar os filhos para o
colégio, para estudar bem e ter um emprego para ganhar bem, mas só se estudar.
Alguns filhos dos Ticuna obedecem aos pais e são privilegiados, aqueles filhos que
aprendem, são privilegiados conseguem emprego na área da saúde, educação
ganha bem.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
Na minha ideia realmente alguns, alguns indígenas Ticuna falam isso, sabe,
por que no pensamento deles o filho deles tem que estudar na cidade, para ele falar
o português. Para que ele ao menos quando os brancos perguntar, ele responder,
para não ficar envergonhado, para ter coragem de falar para ter coragem de
trabalhar na escola ou na saúde, por que só aquele que fala o português esse daí
que serve para trabalhar em algum setor pessoal da prefeitura, do governo, por que
121
se não fala em português aí tem dificuldade como é que vai entender ou falar com o
branco, por causa disso é que alguns pais mandam os seus filhos para estudar na
cidade. Para quando eles voltarem já falar em português foi por isso que mandei
meus filhos estudar na cidade.
ENTREVISTA COM J.G.F
Há quanto tempo você Trabalha servindo a comunidade?
Olha, eu trabalho desde 2003, fui eleito em voto direto pela comunidade, fiz o
possível para trabalhar corretamente com a população, meu nome mesmo é J.G.F
conhecido por M., nasci no Takana, no igarapé que fica um quilometro acima de
Belém do Solimões, nasci e me criei e estou aqui na comunidade, prestei serviço
como liderança (Cacique) 7 anos, desde os meus 44 anos hoje tenho 53 anos, em
todo esse tempo a gente viu muita diferença dos anos que passaram, tem uma
diferença muito grande.
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Em 1972, a gente morava no Igarapé Tacana e a Educação na época era
muito difícil, tinha muitas dificuldades por que a gente não morava em comunidade,
na época da borracha a gente morava muito longe e ai a gente estudou com muito
sacrifício, saia 4 horas da madrugada para chegar 7 horas onde estava a escolinha
feita de palha e paxiúba, o professor era daqui da região mesmo um parente
Cocama, que dava aula pra gente, então eu estudei aqui mesmo dentro da área, da
região. E por isso hoje a gente vê que o meu estudo, o pouquinho que estudei, fiz o
ensino fundamental de primeira a quarta série, hoje me serve muito por que a gente
vê muita diferença do passado para o presente data hoje, e por isso hoje a gente
está aqui na comunidade de Belém do Solimões, onde eu estou há mais de 40 anos
e a gente vê que as coisas cada vez melhora na área de educação. Também na
área do ensino bilíngue também foi uma contradição muito, assim que trouxe um
momento meio difícil para os alunos indígenas quando ―surgiu‖ a língua Ticuna, aula
na língua Ticuna, porque muitos indígenas não aceitaram. Eles preferiram que seus
filhos estudassem na língua portuguesa mesmo, para pegar mais pratica,
conhecimento com o povo ―branco‖, mas no fundo a gente tinha um meio de trazer a
122
cultura que estava se perdendo de volta, aí nós trabalhamos, nós as lideranças
conscientizando a população de que a aula em língua, bilíngüe era um meio de
resgatar a cultura de muitos jovens que hoje não conhecem a realidade da cultura.
Por que muitos ignoram até a própria cultura dele, então, com o trabalho que a gente
fez hoje sentimos que eles começam relembrar o passado perguntando as pessoas
idosas, como era antigamente, como era a educação? A educação antigamente era
muito diferente que a de hoje, por que era mais aprimorada, mais forte, era mais
cobrado. Na época da palmatória, do caroço do milho, o aluno tinha que responder
as perguntas, tinha que saber as quatro operações da matemática, por que se
errasse era castigado, com a palmatória, com o caroço de milho, então nessa época
eu estudei, o meu estudo que aprendi na época de primeira à quarta serie hoje me
serve muito por que eu trago comigo. A educação hoje avançou muito, mas também
para população indígena ela teve um avanço muito grande, quando eles começaram
a descobrir que a língua indígena é importante, hoje nós indígena já fazemos uma
cartinha para nossos companheiros na língua indígena, manda um bilhetinho, nós
lemos as bíblias que estão sendo traduzida em língua Ticuna, a gente já tem
facilidade, e antigamente mínguem não sabia de nada, hoje não, com o avanço da
educação traduzido para língua Ticuna, à educação bilíngue.
Você acha prejudicial ou benéfica à chegada das missões que fizeram
traduções da bíblia para língua Ticuna, você acredita que isso atrapalhou a
cultura ou foi bom para a cultura Ticuna?
Pelo trabalho que a gente faz foi um avanço muito bom as missões que hoje
estão traduzindo a bíblia em língua Ticuna, por que é um meio onde todos que tem a
bíblia é um meio de praticar, a lê e estudar. Ajuda muito a desenvolver a
sensibilidade de cada um, por que ele se dedica, por que muitas vezes eles pegam a
cartilha escolar e não se dedicam a ler, por exemplo, uma moça, um rapaz, um idoso
que é evangélico, mas eles se dedicam a ler dois capitulo três capítulos da bíblia, um
versículo, dois na bíblia que interessa a ele dentro da missão, então a bíblia ajuda a
trazer uma facilidade de leitura dentro da nossa língua.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
Antigamente a educação tradicional começou através da comunicação, eles si
comunicavam através de sons, através de bambu, na época. Os antigos, meus avós
123
sempre contavam, eles não sabiam ler mais tinham um tipo de comunicação,
conferiam o troco com um tipo de pedrinha, com caroço de milho, o valor era tanto,
então contavam tantos caroços de milho, e tiravam ou colocavam. Mas depois com o
aprimoramento vieram outras pessoas trazendo outros conhecimentos na educação,
começaram a falar na educação escolar, que hoje cresceu, na época que era difícil
de trazer a educação, só às missões que criaram as pequenas escolinhas, que
ensinavam desde o A, B, C... Até hoje que o estudo está mais desenvolvido. Mas a
educação antigamente ela era muito difícil, não tinha um meio da população
indígena ou não indígena dessa região, se comunicar pela escrita, a comunicação
era mais por sons. Usavam um tipo de madeira bem cavado, que produzia um eco e
quem ouvia sabia que fulano estava de ajuri, era um tipo de comunicação. A festa
tradicional, a festa da moça nova era outro tipo de som, usavam o aricana que era
feito da casca de uma madeira, eles tiram a casca e vão enrolando e fazem um tubo
bem grande com a boca bem grande e a ponta bem fina para eles buzinar, isso é
outro tipo de comunicação, eles não precisam vim aqui e dizer tão dia tem a festa da
moça nova, um trabalho, eles baixavam com a canoa e buzinavam e todos ouviam,
sabia que em tal maloca, estava acontecendo alguma coisa. Não era qualquer
pessoa que podia tocar só quem era preparado para tocar, por que na nossa
tradição indígena, a aricana tem um símbolo que só a pessoa escolhido podia tocar,
os idosos escolhiam as pessoas e preparavam, nessas festas que juntam muitas
pessoas que naquela época agüentavam uma semana tomando pajauaru, comendo
carne assada, banana assada, durante essa festa eles preparavam a pessoa,
quando chegava à época da festa a pessoa tocava, em toda a maloca tinha um
escolhido. Quando iam fazer a festa era a pessoa que saia, dois remavam e a
pessoa só escolhida tocava. Não tinha motor naquela época, era só no remo.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
As mudanças nesse tempo, de lá para cá, mudaram muito. Na época a
cultura tinha as danças tradicionais que hoje muitos já ignoram, não praticam: a
dança do bambu, a dança do tracajá, a dança do urucu, a dança do Mutapa, isso
eles não estão praticando mais, por que precisa de muitos preparos para fazer a
dança da forma tradicional, então hoje mudou muito, dos anos oitenta para cá ainda
teve mais uma mudança, por que a população em oitenta, oitenta e um, e oitenta e
124
dois, começou a abandonar mesmo a tradição cultural. Por que começaram a se
envolver com outras culturas não indígenas, eles acharam que era mais bonita e
começaram a praticar. Hoje aqui existe a dança da arara vermelha, arara azul,
dança do boi, quadrilha e outras. Então isso chamou a atenção da juventude a
deixar a sua cultura para entrar em uma cultura nova que não é propriamente deles.
Então hoje os idosos estão questionando muitas vezes, nas reuniões eles
questionam por que estamos trabalhando para o resgate da cultura, mais são só os
idosos que voltam a praticar, a juventude rejeita, fica com vergonha por que eles
ficam achando que é muito difícil muito feio então eles não praticam. Hoje a gente
está sempre questionando para o resgate da cultura milenar. Muitos que estão
estudando, estão cursando a escola bilíngue, falam que e preciso o resgate da
cultura, por que o povo não conhece mais o que era deles, e estão praticando outras
culturas que não é permitido a gente usar.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Nas mudanças sociais, por uma parte a população achou uma facilidade, e
por outra parte é um pouco rejeitado por que trouxe muitas divisões na convivência
do povo e facilidade por que hoje na sociedade indígena tem algumas coisas que
eles não aceitam, quando muda ai entra o civilizado, pode se envolver na
comunidade, ai o peruano, o colombiano, isso é pela liberdade e facilidade de entrar.
Mas dentro do intuito do povo indígena, eles não querem abrir espaço, por que isso
trás uma dificuldade para ele, por que quando os nãos indígenas trazem uma
cultura, uma ideia diferente, ai o povo indígena adulto acham que eles estão
ensinando coisa que não deve ensinar, por que às vezes eles trazem bebida,
cigarro, inventam outros tipos de brincadeiras que dentro da sociedade indígena não
é permitido eles usarem, mas também, por outro lado a sociedade indígena
melhorou por que hoje nos temos o banco postal, o Bradesco, nos temos a caixa
econômica federal, que facilitou a ida, o deslocamento de todos os indígenas daqui
até Tabatinga para poder retirar seu dinheiro, muitos não precisa ir à tabatinga,
comprar alguma coisa. Por que aqui mesmo tem alguns comércios, hoje nos temos
frango, calabresa, refrigerante. Então no passado antes de entrar essa socialização
dentro da comunidade era difícil e tudo era em Tabatinga. Hoje a sociedade
melhorou bastante, tem como os aposentados retirar seu dinheiro aqui mesmo, tem
125
como o pessoal do programa bolsa família receber seu dinheirinho aqui mesmo,
então facilitou, por uma parte é bom e por outra parte não é muito bom, por que o
povo indígena a juventude, eles gostam de imitar. Eles veem alguma coisa, eles
gostam de fazer também.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
Olha, é um ponto muito fundamental que hoje a gente está trabalhando em
cima disso por que quando nós falamos para nossa juventude para o nosso povo
que nós precisamos preservar a nossa cultura, tem dois pontos que temos que
pensar como preservar. Hoje dentro do nosso contexto da população indígena que a
gente vê é que a nossa cultura ela está sendo publicada sem a gente ter a
participação do que está sendo feito, por que hoje a juventude faz a de musicas
religiosa, culturais tradicionais e musica mundana também, não religiosa, isso ai eles
estão vendendo para fora, as pessoas tão vendendo esses discos, então, até muitos
deles hoje estão fazendo entrevistas sobre as culturas, mas cobrando. Eles vendem!
Isso ai hoje traz a dificuldade para nossa cultura dentro da comunidade. Hoje nós
adultos (as mães, os Paes), estamos preservando a cultura, mas por outro lado,
sentimos que os jovens como não tem o entendimento que os adultos têm, ele
comaçam fazer isso. Então hoje temos visto que nossa cultura já está sendo
publicada abertamente. Todo mundo já sabe mais ou menos, mas tem o fundo que
ainda não foi descoberto do povo indígena ainda, e isso ai é que o povo esta
preservando por que isso é preciso ter essa preservação, por que esses aspectos
não podem ser publicados abertamente de acordo com as leis que o povo indígena
tem que seguirem. E a gente tem como preservar, hoje estamos trabalhando para
preservar essa cultura.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
A educação hoje, ela se divide em dois pontos mais difícil, nós temos
professores hoje que eles não falam a língua Ticuna, ele entra em seu horário com a
língua portuguesa, ai o aluno trabalha; o segundo professor vem com a língua
Ticuna, o terceiro com espanhol e assim vai. Entre essas mudanças de línguas é
que o aluno indígena se atrapalha muito. Aqui tem essa dificuldade, por que no
período do primário, de primeira a quarta serie, é um professor só, então tem
126
facilidade, ele estuda. Mas o professor acha difícil dar aula na língua Ticuna, por que
a língua Ticuna é um pouco complicada, ela é um pouco difícil, tem indígenas que
não sabem pronunciar as palavras certa. Ele fala nas não sabe se ele está falando
corretamente como era no passado, ele fala muito diferente, mas na realidade
quando aquele que entende ouve, sabe que ele não pronunciou direito aquela
palavra. É dentro da escola que dificulta isso, é a atenção do professor. Tem
professor que não gosta de explicar muito para o aluno, ele põe lá na lousa, explica
uma vez e vai embora, ai o aluno se perde. Essa é a dificuldade que o professor não
se dedica a ensinar o aluno, para o aluno ter esse ensinamento. Então essa é a
dificuldade, na questão do professor que não ensina o aluno bem.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Isso ai é uma parte muito fundamental que hoje a população vem
trabalhando, dentro da educação já em nível superior nas universidades, a
população indígena hoje precisa competir na educação ou no mercado da educação
para que o aluno indígena chegue no ponto, no nível para ele ter uma
responsabilidade muito grande de ele ir estudar para competir com o não indígena,
para que ele possa trazer esse conhecimento que ele aprendeu, para dentro da
comunidade. Isso ai é uma coisa que a gente vem trabalhando há muito tempo,
procurando espaço nas grandes universidades para que o Ticuna chegue lá para
estudar, mas é um pouco difícil por que a gente não conseguiu esse espaço ainda.
As outras comunidades que ficam aqui perto: Campo Alegre, Betânia, Nova Itália,
nos já temos alguns indígenas que estão em grandes universidades estudando
direito, medicina. Mas a fraqueza que dá é que quando ele aprende não quer voltar
mais para a aldeia, então essa é a grande dificuldade. As lideranças, os caciques
das outras comunidades, quando a gente questiona para nandar um aluno para as
grandes universidades para competir, terem uma educação de qualidade e voltar.
Muitos dizem: será que ele vai ir e vai voltar para a comunidade? Por que temos
diversos exemplos de indígenas que foram e não querem voltar mais, por que lá
encontraram um mercado de trabalho muito melhor que o daqui então não querem
mais voltar, mais isso ai é uma questão nossa, que a gente vem trabalhando para ter
essa competição na educação.
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Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Na escola indígena a gente vem sempre acompanhando a educação
indígena, na língua Ticuna e a educação da cidade, elas não tem quase diferença,
ela só muda de dialeto. A educação diferenciada ela entra com a cultura, entra com
a tradição, entra com as lendas os mitos que os alunos têm que aprender, mas
traduzindo para o português, é a mesma coisa, por que no português as aulas são
mais voltadas as lendas lá da China, dos outros continentes e a língua Ticuna ela já
não visa esse lado, ela visa o que está dentro da cultura mesmo, a historia de Joe,
Ipi como tudo se criou, é aprimorado também o ensino da cidade. A maioria dos pais
das mães eles pedem que seja trabalhado e ensinado, o ensino da cidade para que
o aluno aprenda as duas coisas. O ensino da cidade e o ensino da cultura.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A educação que dentro da comunidade a gente sente que o povo busca mais
é a educação da cidade, por que dentro da língua Ticuna, o que é mais conhecido
da educação da cidade é o português, então todos os alunos destacam-se mais na
língua portuguesa e também na língua indígena, pois o professor exige para eles
não perderem suas tradições sua cultura.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
Hoje no presente tempo, a tradição indígena é pouco valorada pelos jovens,
só quem começa a valorizar são os que estudam história indígena e reconhecem o
quanto perderam por não valorizar a cultura, mas a maioria que não prestam
atenção eles não valorizam. A minoria valoriza a maioria não dá valor às tradições.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Esse é um ponto muito fundamental que a gente hoje vem trabalhando, por
que dentro dos parâmetros da lei indígena tem duas coisas: os indígenas tem
liberdade de escolha, por que eles têm uma liberdade de optar para onde é que ele
vai, mas ele não pode trazer coisa que vai ofender a comunidade. Ele tem liberdade
de montar um comercio, de comprar um motor, tudo que ele precisar, menos a
bebida alcoólica. Outra coisa, uma menina tem a liberdade de casar com qualquer
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um civilizado, mas a lei diz que se a mulher casar com um rapaz da cidade, ele tem
que levar ela para a cidade, e se a menina lá da cidade casar com o indígena, ele
por direito tem que trazer ela para a comunidade. Essa é a diferença que tem dentro
da liberdade que eles têm, mas eles são livres, todos indígenas são livre eles podem
fazer o que eles quiserem. Só não cigarro e bebida alcoólica!
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Isso ai é uma coisa que a gente vem trabalhando há muito tempo, mas é
difícil para as lideranças, para a população por que quando nos falamos de trazer
essa unificação essa pacificação para a população é quando chega o momento mais
fundamental, que cada cultura, com suas tradições, sua língua tradicional materna,
mas dentro do convívio entre as outras etnias diferentes, no português ele tem uma
familiarização muito boa por que ele se entende, mas quando chega no momento
das tradições é diferente, cada um puxa para o seu lado, então sempre aconteceu
essas palestras, conversas entre as lideranças para a gente viver em união, trazer o
conhecimento de outro povo para a comunidade e nós levar o conhecimento para
outro povo e poder se conhecer melhoro deles.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
São os dois pontos que hoje a gente tem visto o que esta sendo valorizado o
que estuda e também os que os antigos, por que sem conhecer as lendas, as
historias antigas o aluno hoje chegar ao conhecimento de hoje, por que a educação
de hoje sempre visa à história antiga, da população indígena antiga. Sempre ela tem
os dois lados.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
Esse é um ponto muito fundamental, por que muitas vezes dentro das
comunidades indígenas o aluno termina o ensino médio, mas não consegue falar o
português, então uma versão que os povos indígenas têm, quando eles veem outras
pessoas falando bem o português, ele começa a pensar: meu filho está estudando
oitava serie ou no primeiro ou segundo ano e não sabe falar o português, então ele
129
começa logo a pensar nisso, eu vou mandar meu filho para a cidade, que é para
quando ele voltar, saber falar o português para poder conversar com qualquer
pessoa que vem de fora, para atender as pessoas, então essa é a visão pela qual
eles mandam os filhos para fora.
Como Você vê as pessoas que vão estudar fora e não querem mais voltar para
a comunidade? Você acha que elas perderam ou abandonaram a cultura, qual
o seu pensamento a esse respeito?
Olha, meu pensamento, eu que já acompanhei varias pessoas que hoje estão
em Manaus, estão em Brasília, que estudaram e se destacaram para essas grandes
cidades que era para estar hoje na nossa comunidade, é devido que quando eles
saem da comunidade eles saem com a proposta de voltar para a comunidade, mas
lá começam a desenvolver outros pensamentos, outros amigos novas pessoas e
quando eles se forma naquela área que ele foi estudar a própria universidade já
oferece (emprego) ganhando um bom salário. Ai ele pensa e tem alguns que vem
até a comunidade, vai à prefeitura, vai à escola, vai a todo canto procurando
trabalho, ai o salário é muito baixo, então ele não consegue o que ofereceram para
ele lá, então ele se obriga a voltar pelo contrato de trabalho nas grandes cidades.
Mas também ele muda muito, tem alguns deles que perde um pouquinho a cultura,
agora tem alguns que quanto mais estuda fora mais ele pratica a sua cultura, ele
anda pintado na cidade, usa seu cocar, usa seu colar, suas pulseira, sua tradição.
São gente que às vezes dentro da comunidade ele não praticava isso, mas quando
ele chega lá fora ele começa estudar, ele relembra do povo dele, ele não quer
perder a tradição do povo dele então ele representa o povo dele a onde ele tiver.
Porque que acontece isso? É aquilo que falei no inicio que o professor não leva ao
conhecimento da tradição. Temos que preservar a cultura por que a cultura dá o
reconhecimento da tua tribo, dá o reconhecimento da tradição, diz qual foi o povo de
onde você veio e qual é a tua historia. Então quando ele sai da comunidade que ele
chega lá nas grandes universidades que ele vai estudar a historia do povo Ticuna ai
ele mesmo se reconhece. Pensa: lá eu não aprendi, mais aprendi aqui, é o momento
que ele começa a usar mesmo a cultura dele, aconteceu com muitos que eu
conheço que estão hoje em Brasília, no Rio de Janeiro, São Paulo, trabalhando.
Quando eu encontro eles estão muito diferente, quando saíram daqui tinham até
vergonha de usar um cocar na cabeça, um colar, e hoje quando encontro eles, eles
130
representam o povo Ticuna.
Você acha que alguns indígenas que moram na cidade têm preconceito,
vergonha de dizer que são Ticuna?
Olha já presenciei varias pessoa que eu conheço varias pessoas que foram
nascidos e criados aqui, mas já disseram na minha frente que não é Ticuna, que não
gosta de Ticuna, e algumas vezes até entro em debati dizendo Eu te conheço, nos
nascemos juntos em tal lugar, se criamos juntos e hoje você tem preconceito de sua
própria pessoa, você não está ignorando os colegar não, você está ignorando você
mesmo. Por que você nasceu e se criou lá, então a pessoa fica assim, meio com
vergonha. Eu digo: eu não, eu nasci e me criei lá na região, minha mãe é Ticuna,
meu pai é paraense, mas eu me orgulho de ter tido uma mãe indígena, eu me
orgulho de falar minha língua Ticuna, falo ela em qualquer canto, a onde eu estiver
eu falo e declaro que eu sou Ticuna. Por que a minha mãe, a minha cultura e minha
tradição, isso eu nunca vou perder. Minha língua eu nunca vou perder, a onde tiver
um Ticuna eu converso com ele. Então muita gente quando chega morar na cidade,
quando chega morar em Tabatinga, em Manaus não quer mais ser indígena, mas
tem gente que preserva a onde ele estiver isso é uma pergunta muito boa.
ENTREVISTA COM V.V
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Eu estudei naquele tempo antigo aqui mesmo na comunidade com o Profº
R.O.C, com ele terminei o estudo de 1ª a 4ª Série antiga, depois estudei no curso de
formação de professores indígenas da OGPTB em Filadélfia até concluir o ensino
médio Magistério, depois estudei na faculdade, fiz cinco etapas e desisti com
problema de Saúde, durante dois anos sentia muita dor, por causa disso desisti.
Fez algum curso Universitário? Qual, em que lugar e Universidade?
Às vezes eu consigo algum curso lá em Filadélfia, há muito tempo atrás fiz um
curso de elaboração de livro de linguística da comunidade de Vendaval, em 1987.
Em 1988 Fiz outro curso para elaboração de outro livro em Vila Betânia município de
Santo Antonio do Içá.
131
Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
Sou professor desde 1988, até agora 2012, vinte e quatro anos como
professor, já foi Cacique da comunidade por 6 anos. Em 2007 entre para o cargo
de Gestor da escola através de uma portaria, eu sai em 2010, fui 4 anos gestor da
escola.
Você já exerceu outro cargo na escola?
Além de professor e gestor da escola, o prefeito no ano passado me indicou
como diretor Pedagógico da Escola.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
A educação tradicional do povo indígena Ticuna. Sou professor há muito
tempo que eu estou dando aula com a língua Ticuna e ao mesmo tempo dando aula
de português, variando entre português, língua Ticuna e matemática, meio a meio
com as matérias de geografia, ciências arte Ticuna e educação física.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
A mudança com relação ao ensino, do povo indígena e não indígena. No
tempo antigo, nos que somos um povo indígena estudávamos com a língua Ticuna e
a língua portuguesa, mas hoje em dia no tempo atual não é mais como no tempo
passado, hoje o estudo na escola está mais avançado, por que nos somos
professores e ensinamos com as duas línguas. Os professores que tem entrado há
pouco tempo, é um pouco diferente a vida do professor, por que tem alguns
professores que já falam mais do que Eu e os professores antigos que não falam
muito o português, e hoje os professores novatos já são formados na cidade e falam
bem o português, então os alunos aprende com ele, com o professor que ensina na
língua portuguesa e na língua Ticuna, aprende as duas línguas. Os alunos, os
jovens já falam um pouco de português, não é como no tempo antigo que ninguém
falavam, os alunos antigos sabiam só para ler, mas não falavam, mas hoje em dia
até tem os pequenos de dez anos para cima, alguns já sabem responder ao
professor em língua portuguesa.
132
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Nos temos as mudanças, mas sempre temos que preservar a nossa cultura,
para não esquecer o que já fizemos.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Aqui mesmo nessa comunidade de Vendaval, não temos isso, sempre o povo
é daqui mesmo. Agora com os colombianos e peruanos não sabemos, por que não
tem colombiano ou peruano não indigna aqui, os que vêm são bem pouquinho do
peru e da Colômbia, eles tem uma cultura igual à cultura indígena do povo brasileiro,
falam a mesma língua, tem a mesma cultura, não é diferente. Na aldeia de vendaval,
nos vivemos sempre com a nossa própria cultura, a diferença que tem é através da
religião, a religião Católica, dos brancos e a religião evangélica que é um pouco
diferente, mas não deixamos de praticar nossa cultura, o que aprendemos tanto na
igreja e fora dela nos preservamos, nossa vida sempre esta melhorando por causa
disso.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
Aqui nos o povo da comunidade de vendaval nos continuamos cuidando e
preservando para não esquecer a cultura do tempo passado por que se deixar de
uma vez o povo esquece a sua historia desde o inicio até o tempo atual. Mas eu
como professor tenho uma coisa que não posso mais fazer é uma cultura principal, a
festa da moça nova, eu não posso mais fazer, por que creio em Deus e na festa da
moça nova é feito uma bebida muito forte e depois o pessoal vão brigar no meio da
briga as pessoas morrem: matam com faca, com cacetada de pau e morre, já era.
Por causa disso eu não posso mais mexer, mais as outras cultura eu não posso
deixar: o nome Ticuna, o clã, cada pessoa tem o clã e o nome, as casas de palha, o
fazer roça, a caça a pesca, a línguas, os artesanatos, o fazer canoas, os
casamentos isso não deixamos de preservar, mas tem a sua religião como
evangélico a única parte é a festa da moça nova que deixamos de fazer, por que no
meio disso ai tem coisas ruins, mas se tem alguma coisa boa não deixamos de
fazer.
133
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
O ensino dentro da escola que eu sinto no meu coração que nos somo um
povo indígena e temos dificuldade na língua portuguesa, por que nos não falamos
bem com os brancos que falam bem direito não tem nada de palavra atrapalhada,
falam bem direito, mas sempre que falamos tem alguma palavra atrapalhada,
algumas dão certo, mas algumas não dão certo. Por que a língua portuguesa não é
a nossa língua, por isso quanto mais perguntas tenho dificuldade de dizer, de falar.
Mas algumas conseguimos dizer e responder, mas sempre lutamos par consegui e
quem é aluno novo e os professores novos tem que estudar mais par acabar a
dificuldade de cada pessoa. As únicas coisas que temos dificuldade é na palavra e
na matemática sempre temos dificuldade no ensino na escola, agora a língua Ticuna
não temos dificuldade. Temos um pouco de dificuldade na arte também, por que arte
não é só desenho, a arte é para construir alguns texto, livros, alguma coisa. Nisso
temos um pouco de dificuldade, mas já demos alguns passos 50% que nos
conseguimos e 50% que nós temos dificuldade.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Nos temos na relação com o não indígena, até próprio na comunidade nos
temos algumas coisas para fazer, na relação com o não indígena que nos temos na
cidade para poder trazer alguma coisa para o bem da comunidade, temos um
intercambio uma troca, par poder conseguir alguma coisa. Por enquanto aqui na
comunidade de vendaval, nos temos uma parceria com a prefeitura e o governo do
estado para conseguir alguma coisa que precisamos.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Aqui na escola indígena é diferente da escola estadual ou municipal da
cidade, por que na comunidade é diferente da cidade. Por que os estudantes da
comunidade indígena não falam muito na língua portuguesa, claro que eles estudam
na língua portuguesa, mas algum que tem cabeça boa consegue rápido, mas aquele
que a cabeça não é boa não consegue. É isso que também os professores não
indígenas que vem do município ou de outra cidade tem dificuldade na relação com
134
os alunos. Por que o professores não indígena que leciona aqui, o aluno não sabe
falar o português e o professor que vem de fora não saber falar nossa língua.
Quando o professor pergunta os alunos não responde, quando o aluno pergunta o
professor não responde.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A Educação valorizada é a língua Ticuna e o português, principalmente o
português para poder fazer contato com os brancos, ou na língua espanhola
também, precisamos estudar por que estamos perto da fronteira para poder fazer
contato com os peruanos ou colombianos e os próprios brasileiros também.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
Aqui na comunidade os jovens valorizam os costumes deles como a língua
materna, a arte, a moradia, o casamento, bebida que não é forte, eles preservam,
dão valor a cultura.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Quando um jovem casa com uma moça, durante um tempo que não tem
dinheiro para fazer uma casinha para morar, sempre ele fica na casa do pai ou do tio
durante um tempo, mas quando consegue dinheiro para fazer sua própria casa ele
sai e fica com a família.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Ele aprende com a outra cultura, a cultura de outro povo, ele tem respeito
com a outra pessoa, ele vive junto na mesma casa e às vezes não falam a mesma
língua, mas é indígena, temos os Cambeba, Cocama que existe em São Paulo de
Olivença, ele é indígena, mas não fala mais sua língua.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
A educação antiga é muito diferente, o povo antigo tinha educação, mas não
era como hoje, os mais antigos, nossos avós ensinavam os filhos netos bisnetos,
135
para eles fazerem a canoa, fazer o remo, fazer a zarabatana, fazer casa, fazer tipiti,
fazer pote, fazer igaçaba como a gente fazia comida típica, é muito diferente, hoje
não existe mais, era o ensinamento do povo antigo, sobre o casamento eles também
ensinavam para não casar com qualquer pessoa, se casar com prima é pecado deus
vai castigar um dia, fazer tudo que tinha no tempo passado. Não é como hoje na
escola, hoje é diferente. Hoje o ensino é a letra, os jovens menores de idade, eles
não sabem mais o que é do tempo passado, hoje os alunos sabem só lê e fazer o
que o professor manda: formar frase, formar texto, hoje em dia já é isso. Os pais
também já ensina o filho, manda estudar na escola, manda procurar um lugar para
terminar o ensino médio, o pai manda estudar em algum lugar, procura a faculdade,
manda procurar a área que quer estudar, isso é hoje em dia, já e diferente do tempo
passado, pensam só em faculdade pra fazer o que ele quiser.
Você acha possível uma forma de ensinar que valorize tanto os conhecimentos
culturais como as letras que se ensinam hoje?
Hoje na escola têm muitos alunos na escola que não sabem mais fazer tipiti,
aturá, canoa, tipiti e etc. Mas eu como professor, há vinte poucos anos, sempre
estou falando para eles que hoje em dia nós não valorizamos mais muitas coisas
que aprendíamos, já esquecemos, é preciso resgatar de novo para esquecer tudo,
pois o que esquecemos é coisa que tem valor, que precisas mos, mas não fazemos
mais atura, não fazemos mais tipiti, aturá, remo, canoa. Tudo isso é bom para
vender e ganhar algum dinheirinho para darem valor a nós e para poder fazer o que
precisamos fazer, assim que sempre falo para eles. Os pais hoje têm que voltar,
porque antes só incentivavam para estudar e não para fazer artesanato, tudo que os
antigos ensinavam eles esquecem por que o pai só manda estudar, só para
aprender a língua portuguesa e nem mesmo à língua Ticuna. Hoje estamos voltando
demovo a cultura.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
Até eu como professor, nadei meus filhos para estudar na cidade, por que a
maioria do pessoal da comunidade quer mandar seus filhos para estudar na cidade
para falar o português como o pessoal da cidade. Mas tem vários pais de aluno que
mandam seus filhos estudar no colégio dos brancos e eles abandonam por que cada
136
pessoa tem uma vida deferente, tem jovem que gosta de namorar com as moças e
tem moças que gostam de namorar com rapazes. Por isso muitos que vão estudar
na cidade abandonam e volta pra a comunidade de novo. Aquele que não abandona
consegue aprender e consegue até uma função como professor ou agente de saúde
e algum serviço que tem na comunidade ele consegue, e consegue também às
vezes um cargo. Mas aquele que não quer trabalhar consegue fazer faculdade em
Tabatinga, em Benjamim, e outros fazem cursos de Técnico em enfermagem em
Tabatinga, é isso que temos daqui da comunidade, mas a maioria dos pais e mães
manda os filhos estudar na cidade para conseguir falar bem com os brancos, mas
alguns não conseguem. Outros conseguem através do dinheiro, por que quando a
gente estuda na cidade, quando fica na casa de algum patrão, e ali o patrão manda
lavar roupa, fazer comida e o professor manda fazer tarefa e por isso o aluno não faz
a tarefa, às vezes perde tempo e quem estuda de noite, trabalha de dia e não
consegue estudar, perde nota, perde tudo e chaga no final do ano reprovado, mas
aquele que tem casa na cidade ele consegue bem, estuda bem, faz as tarefas e o
pai ajuda, manda farinha para ele para poder comer, um peixinho e o resto do
dinheirinho para comprar material para estudar, aquele que tem condição, mas
aquele que não tem condição também abandona antes de terminar o ensino médio,
antes de terminar o ensino fundamental.
ENTREVISTA COM P.I.P
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Meu nome é P.I.P, Minematecu, nome indígena, eu sou de 1944. Nesse
tempo quando eu cresci até 1970, nessa época não existia educação, eu sempre vivi
no próprio costume e também quando tinha 15 anos de vida, foi viver no meio da
civilização, mas mesmo assim quando tinha 25 anos consegui deixar o patrão
naquela época que cada proprietário é quem mandava, não é como hoje que é livre
para os indígenas morarem, não tem mais isso, naquele tempo era o dono da
propriedade onde a gente vive. Então assim naquele tempo não conheci as letras,
nem nada por que naquele tempo era proibido para o povo indígena estudar. Assim
cresci até 1975, 1980 quando me casei com a minha ex-esposa, fiquei vivendo. Em
1972 vivi em Letícia na Colômbia, fiquei morando até 1975, ai retornei novamente
137
aqui ao Brasil, e vivi em Vendaval algum tempo. Nesse tempo também não existia
escola e assim é a vida, e hoje, nesse tempo é outra vida por que era muito difícil se
viver como hoje, é muito difícil (diferente) do que a gente sonhava sobre o que
poderia acontecer no futuro. Se precisava de alguma coisa eu estava disposto a ir a
qualquer canto. Depois de 1984, 1985, comecei a fazer viagens para fora para a 1ª
assembleia Geral dos Povos indígenas sobre o direito do seu território, viajei para
São Paulo. Fiquei hospedado perto do campo de futebol Pacaembu, por ali fiquei
naquele tempo hospedado, não só eu mais cento e poucos indígenas que estavam
participando da primeira assembleia dos povos indígenas sobre o direito. Desde
esse tempo que faço grandes trabalhos, fui viajar para o Rio de Janeiro, e vários
Estados. Depois de muito tempo já depois de 1995, eu fiz uma longa viagem já para
fora do país, fui para Bélgica, Bruxelas na Europa. Fiz varias Viagens sobre as
questões de terra para serem demarcadas, como aconteceu que já foi demarcada a
terra para o povo indígena, por que naquele tempo o povo indígena não tinha direito
de viver como hoje, tranquilo e em paz. Isso que aconteceu só Deus que me deu
permissão, eu fui à Áustria para a conferência mundial indígena, e o prefeito de lá o
Sidaco que me convidou para assinar um convenio com a nossa organização CGTP,
para consegui a verba, esse dinheiro para demarcação das terras não foi dado por
brasileiros, senão um dinheiro de fora austríaco, então isso tudo eu fiz esse trabalho
naquele tempo de 1993 á 2000. Não só pela terra, mas também pela Educação,
Saúde. Todo esse trabalho eu com segui com grande sacrifício. Depois da
demarcação das terras aconteceu um grande massacre, em 28 de março de 1988
no Capacete, onde teve a matança do povo indígena por causa da terra, o
proprietário da terra disse ―que poderia sair só depois que matasse o povo indígena,
o lucro das terras que ele tinha perdido‖ então isso aconteceu. Mas mesmo assim a
gente conseguiu demarcar a terra e sempre acontecem esses problemas, de vez em
quando. Fui Capitão Geral da Tribo Ticuna desde 1980, mas em 1984 fui Geral:
Tanto do Brasil Como Colômbia e Peru, também vieram caciques vieram até no
Brasil e me Elegeram, fique 30 anos na luta, direto na frente como Capitão Geral,
depois de 90 por aí que eu já decidi que iria sair do cargo de Capitão Geral, e
mesmo assim me colocaram como presidente de honra e quando tem um novo
cacique em cada comunidade tenho que fazer uma visita e explicar o que ele não
sabe isso que faço hoje como presidente de honra.
138
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
A tradição dos Ticuna era como eu estava falando que no tempo passado,
não existia esse negocio de educação indígena, mas na própria cultura existe a
educação: o avô e avó ensinavam cada noite, chamava o pessoal de cada
comunidade se reuniam e ensinavam o povo em volta, as crianças cantarem na
própria língua para não esquecer sua língua que é cultura, era um tipo de aula que
os velos estavam dando para os mais novos. Assim a criança aprendia como tecer a
palha, como construir uma casa, como fazer um cesto, como fazer muitas coisas de
arte, que hoje em dia estamos perdendo uma parte por que os velhos que foram
mortos e os filhos em vez e aproveitar estão esquecendo. Hoje em dia tem que ter
uma educação diferenciada, só que essa educação diferenciada nunca aconteceu
claro que as professoras bilíngues M.F. e J.G.G, sempre davam aula para os povos
indígenas Ticuna que são professores, mas só que não foi cumprido o programa que
está escrito no livro, nunca foi ensinado pelos professores para o povo, eles tanto
ocupados e assim os jovens esquece as coisas da cultura, como que faz, como se
constrói em fim tudo isso esqueceram por que os professores não ensinam, não
cumprem a planilha que tinham feito no livro, então é isso que acontece. Acho isso
uma pena por que a gente vai perder, não vão mais 10 ou 15 anos. Tenho visto que
o povo indígena de 10 anos e 15 anos, e é claro que vai perder tudo por que vai
avançando no costume do branco que é o estudo em português e a língua materna
vai se perdendo, isso é uma grande pena por que vai perder tudo. Eu sei por que em
algumas partes o indígena nas comunidades que ficam próximo das cidades como
Umariaçu, Filadélfia, Belém do Solimões e outros, sempre as pessoas não tem mais
respeito pela sua missão, por que no passado era igual como a religião, da parte da
Bíblia, que é a religião de Deus, a mesma coisa no tempo passado que toda nossa
cultura faz parte de nosso herói chamado Joi e Ipi e o Mutapa, esses deixaram para
nós só que o povo não acreditou em uma parte, mas na outra acreditam, está se
acabando os velhos que contam a realidade para não misturar a raça entre si e não
acontecer um problema muito sério, um castigo. Por exemplo, se eu casar-se com
minha prima ou sobrinha que tem o mesmo sangue é da mesma família pode
acontecer alguma coisa na gravidez da mulher ou na plantação e outras coisas que
pode acontecer então isso no passado era uma coisa muito respeitada por serem
coisas sagrado, como tem o culto na igreja, a palavra de Deus que não podemos
brincar por que é coisa de Deus, é sagrado. A mesma coisa é a cultura tradicional,
139
as festas, a bebida sem embriagado para depois fazer brincadeira de briga que mata
o outro com o derramamento de sangue. Isso não existia naquele tempo por que é
lei nossa era sagrada naquele tempo, ninguém brigava nem matava os outros
naquela época. Então tudo isso o costume de nossa cultura terminou, e hoje estão
vivendo melhor dizendo como bandido, roubando dos outros, ficando com raiva de
alguém que tem mais que os outros, ficando com queixa, inveja e assim vem abriga.
Meche com a mulher de alguém, com a filha alheia, enfim, tudo isso acontece e
quem é culpado são os próprios professores que não ensinam essas coisas que
deveriam ser ensinado dentro da sala de aula pelos professores, eu vejo isso no
momento.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
Antes era como já falei agora no presente o povo já se esqueceu de fazer sua
própria canoa principalmente, que é cultural não é como hoje que as pessoas já têm
visto de outro tipo de canoa feito de taboa, igual ao casco de qualquer barco feito
assim, mas antes era uma arvore inteira que era cavada e aberta isso hoje o povo
não faz, mas, isso já foi terminou. O remo também em algumas partes existe, mas o
povo não quer mais remar por que existem os motores para viajar, fazer uma coisa e
outra. Agora outra cultura que ainda existe é que fazem a roça, fazem farinha, vários
tipos de plantio, enfim faz tudo isso. E outra coisa que o povo, a minoria fazem sua
própria cultura: cantam, fazem festas tradicionais mais muito pouco, mas agora
esqueceram como fazer as casas tradicionais que não tem parede de taboa, hoje as
casas tem parede de taboa de madeira, no passado era tudo na terra, tem um
material que chamamos de ripa, isso é o piso, o chão que tínhamos isso não tem
mais. Hoje não se vê mais casa tradicional, não tem casas de palha, e as que têm
não são como as feitas antes, tem parede, quarto. Essa parte vejo que perdemos.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Olha existe sim mais ninguém tem a coragem de enfrentar, de não deixar
acabar para continuar fazendo como antes. Vejo coisas que acontecem, mas não
sei como poderia fazer, é muito difícil para entender como poderia ser.
140
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Tanto o que chega do peru ou da Colômbia, quando chega ao Brasil é uma
cultura diferente, então a mistura faz que outro acha que isso é melhor e faz aquilo
que acha que é melhor, então por um lado perde e por outra ganha, isso está
acontecendo. Da mesma forma as pessoas que vivem na cidade: um jovem, uma
moça ou rapaz que vive ou estuda na cidade quando chega à comunidade ele
pratica a maneira, a forma que vive na cidade. Isso é uma pena por que ele traz uma
coisa lá de fora, traz uma cultura diferente. Traz as festas, dança bebida, traz fumo,
traz até droga. Esse é um grande problema enfrentado nas cidades principalmente
no Peru e na Colômbia que traz esses problemas para o Brasil. E esses jovens que
saem daqui para o peru e Colômbia vão a onde tem essa fabrica, a onde tem esse
negocio de droga, vão lá e se entrosa com outros povos e quando voltam vão fazer
esses negocio, é isso que vejo hoje.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
É possível, isso é por que a gente tem de vez em quando fazer uma
assembleia explicando, quem deveria fazer essa assembleia são os professores e
as professoras por que eles que estão no dia a dia na sala de aula, poderia ser na
sexta feira. Se tirassem um dia para explicar dando aula, convidando um velho ou
velho para dar aula para os alunos aprenderem, falando na língua e de forma
diferenciado, assim seria bom mais não acontece isso e cada vez vai se perdendo
mais os costumes tradicionais.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
Dentro da escola o que dificulta muito é que os professores e professoras
falam em outra língua e os indígenas não entendem, não sabem o que o professor
está falando, acho que grande dificuldade para os nossos jovens é isso que acho
que precisa e uma aula diferenciada de vez em quando, pelo menos um dia na
semana deveria convidar um velho ou velha por classe para ensinar os alunos.
141
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Isso se no caso de praticar na própria cultura não fugindo de sua identidade é
muito importante essa discussão, por que o camarada que estuda fica capacitado
par discutir com presidente, com as autoridades brasileiras sobre as questões. Hoje
não sei mais como é a lei sobre o povo indígena para discutir com prefeito, na
câmara isso é muito importante para as pessoas que tem capacidade no estudo que
fica na frente de seu povo, não só para você. Por que tem muitos que tem a
capacidade, mas não querem defender seu povo. Ele quer estudar para si mesmo,
sem defender ninguém, isso não vale também. A pessoa estuda fica capacitado e
depois tem que defender seu povo, discutir seus direitos com as autoridades.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Muitos professores às vezes falam em assembleia: a nossa língua nos já
falamos, já sabemos falar. Não precisamos estudar mais na nossa língua, por que
precisamos estudar outra língua que não sabemos. Claro que você sabe falar na sua
língua, mas você não sabe fazer a casa, você não sabe o que vai buscar La no
mato, você não conhece o que é que tem no nosso território, lá na mata não sabe
que tem o cipó, arvore que serve para alguma coisa, em fim, tudo isso você não
sabe. Mesmo que saiba falar em sua língua é importante conhecer tudo isso daí. É
isso que tenho reclamado varias vezes, por que estão dizendo que temos a língua, é
claro que a gente tem, mas os restos não sabem então não adianta.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A educação que eu vejo que tem que ser respeitada, aqui em vendaval é
muito difícil, como posso explicar, dificilmente participo diretamente na escola, os
professores nunca me convidam lá para dizer isso é minha planilha, é isso que faço
nunca me convidaram, mas o que vejo é que um diretor da escola e alguns alunos
me falam que é melhor a gente esquecer a língua por que se não a pessoa fica
atrasado, por que não sabe falar o português, então isso é difícil para mim, mas não
sei para os alunos, é assim que vejo a questão dos professores, é por que tem que
estudar na língua materna também para não esquecer, isso é o mais importante.
142
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
A minoria mais a maioria não valorizam mais não, por que estão em outro
caminho: no baile, na bebedeira no fumo, etc. principalmente o que eu não gosto
muito esse negocio de futebol, por que depois que um bate no outro tem briga,
enfim, isso por que não é tradição indígena é isso que sempre acontece.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Isso e para ver nos direitos do povo indígena e cada pai de família tem que
fazer acordo de como vai acontecer com o filho, a filha do camarada para não fazer
um mingau dentro de uma panela só, e depois acontecem os problemas. Acho que
isso aqui em vendaval não aconteceu com as comunidades que ficam próximas da
cidade. Mas aqui já está chegando, tem alguns que tem a prima como mulher da
mesma família, não é muito, mas já têm alguns.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Olha tem que se preparar mesmo, isso é muito importante para que quando o
indígena chegue a outro povo, saber respeitar a tradição que é diferente, então ele
tem que respeitar e conhecer para depois trazer para cá o que serve para a
realidade aqui. Então isso é importante para poder ter a troca de ideias com outros.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
Eu acho que muito mais importante tanto faz o que esta na escola e o que
nunca foi na escola, Por que o antigo conhece muita coisa e o que esta dentro da
escola já conhece as coisas modernas e o que não esta dentro da escola e nunca foi
à escola, conhece a realidade que não tem nada a ver com a classe de aula isso é
importante.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
Isso para mim é uma grande perdição, por que está perdendo sua própria
cultura, depois que volta. Claro que vai estudar na cidade e depois se forma e
143
depois quando chega à sua comunidade e às vezes nem quer vim mais na sua
comunidade, ele vê outra maneira de viver na cidade e depois não quer mais viver
no seu próprio povo, isso é uma grande pena por que não é a coisa correta.
você acha que as pessoas que vivem na cidade, que não falam mais a língua
podem ser consideradas como Ticuna ou já abandonaram a identidade?
Olha o que vejo na lei, na constituição federal e na lei do próprio indígena diz
no artigo 231/36 quem tem sua crença costume, cultura enfim, esse que já perdeu
sua identidade seria chamado emancipado, por que ele já não é mais indígena. Ele
que pediu, não quer mais viver como índio então perdeu e não vai mais ser
considerado como indígena.
ENTREVISTA COM PROF. A.P.
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Exclusivamente na comunidade e também, por que é assim a escola indígena
fica na zona rural e na zona urbana.
Fez algum curso Universitário? Qual, em que lugar e Universidade?
Bem, tem alunos que já tem curso universitário na UEA e tem também alguns
que já fizeram na UFAM, nas cidades de Tabatinga e Benjamim Constant. Eu fiz na
universidade da cidade do Rio de Janeiro, curso de pedagogia durante três anos
desde 2003.
Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
Eu já estou com três anos, trinte e seis meses. Matemática, história,
português e ciências.
Você já exerceu outro cargo na escola?
Não, só o cargo de professor.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
Antigamente era muito difícil, por que tradicional quer dizer: por exemplo, os
professores para escrever usavam tintas naturais, que vem da natureza para usar na
144
sala de aula, para eles usar e poder trabalhar. Hoje em dia eles já usam os materiais
didáticos.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
Principalmente a cultura é muito importante, por que para os indígenas a
cultura é que traz uma nova bagagem, uma nova transformação. Quer dizer a cultura
indígena ele tem a cultura própria, os costumes as tradições como ele vive lá, mas
também ao mesmo tempo ele consegue a cultura da civilização.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
É importante sobre as mudanças sociais tanto na vestimenta, mas não só na
vestimenta, mas é importante principalmente a educação como houve uma
transformação no desenvolvimento dos alunos, alguns já estão dentro da faculdade
e outros já estão dentro da pós-graduação. Isso é uma grande mudança.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Sim existe sim, por que é importante valorizar as culturas como a cultura
brasileira, colombiana e dos peruanos, por que tem etnia, tem Ticuna tanto no Brasil
como na Colômbia também, e sempre eles estão praticando, vivendo o seu costume
tanto na escola quanto na comunidade. Na cultura tradicional que nunca eles
esquecem é principalmente a pesca e a caça e sempre eles sobrevivem através da
pesca e da agricultura e eles preserva muito também a terra os plantios e dentro da
escola eles preservam principalmente a língua materna.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
É muito, muito, por que isso é o rumo para nós da tribo Ticuna.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
Bem aqui têm dois: o que facilita em minha opinião através do ensinamento
145
principalmente na aprendizagem na língua portuguesa e o que dificulta é que o
professor não indígena não tem como acompanhar bem ou ensinar na escrita de
nossa língua isso atrapalha um pouco, mas ao mesmo tempo as crianças
conseguem aprender.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Sim eu acredito sim, como eu sou um exemplo também. Nós por que nos
somos seres humanos é preciso competir juntos com os não indígena, é muito
importante no mercado de trabalho, assim como eu estou trabalhando aqui na
secretaria municipal de tabatinga, é muito interessante isso daí.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Têm que ser diferenciada, por que a educação na cidade é mais corrida e a
educação indígena é um pouco diferente, e por isso não são iguais, mas na
legislação fala que todos somos iguais mais ai que esta a diferença.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A érea da educação, a parte de saúde ou outros trabalhos.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
Sim muito, eles valorizam sim. Como hoje em dia os jovens têm um projeto
talento escolar de música, esporte e tradições nas competições.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Bem ai é com os moradores e com as lideranças, tem que prevenir e
preservar e não é assim livre, ai tem que ser com as lideranças mesmo.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Sim, claro. Isso é muito importante, tem que respeitar e valorizar para que ele
possa conviver com outras pessoas com outros povos e com outras etnias também.
146
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
O conhecimento privilegiado para nós tem que ser o renovo, o novo
conhecimento, a nova bagagem que hoje em dia nós queremos desenvolver
principalmente na escola como com nossos jovens, adolescente e crianças também.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
O que aconteceu comigo. Então mandar o filho para a cidade estudar é bom é
muito importante, por que se o pai pensa que o filho se prepara mais ele tem que
saber como cuidar dele, para que ele alcance o objetivo que ele esta buscando, é
muito bom um pai que manda para a cidade para estudar e não para se civilizar,
para que ele consiga o seu estudo na cidade e retorne para sua comunidade para
ajudar o seu povo, a sua família, para que a comunidade também se desenvolva e
os moradores também tenham um aprendizado a mais, outros conhecimentos.
Você acha que têm alguns indígenas que vão estudar na cidade e não voltam
para sua comunidade?
Existe sim, tem alguns Ticuna que sai de sua comunidade, estuda, se prepara e se
ele consegue uma estrutura boa ele não consegue retornar, mas existem também os
indígenas Ticuna que estudam na cidade e voltam para sua comunidade para
ensinar o seu povo.
ENTREVISTA COM R.O.C
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
Na realidade eu nunca fui estudar na cidade, por que na minha juventude não
tinha oportunidade para estudar, meu primeiro estudo vou contar à verdade que eu
aprendi lê e escrever em português com um pastor americano que veio dos Estados
Unidos, em uma missão da Igreja Batista Emanuel, com ele que comecei a conhecer
o que era a educação o que era o estudo, quando completei a segunda serie a gente
mudou, criamos uma comunidade perto e acabou a escola, acabou o estudo
147
também e assim aprendi, nunca tive um estudo diretamente na cidade, um tempo
depois quando comecei estudar de novo, depois que tive um estudo com as pessoas
da missão, então terminei a escola e depois mudaram tudo, por que a missão fez
uma escola só para os Ticuna, depois acabou também. Alguns de nossos colegas
estudaram mais do que a gente, e continuaram na comunidade e ensinaram os
outros, sem saber e sem treinar, sem se capacitar em nada, em como dar aula, e eu
estudei um pouco com eles em Campo Alegre quando começaram a criar a
comunidade de campo alegre. Depois disso quando meu pai morreu não me lembro
em que ano, minha mãe também morreu daí foi embora para a cidade de Tabatinga
e depois fui para Letícia cidade Colombiana. Com nove ou dez anos trabalhei na
Colômbia, depois trabalhando com um patrão, não gostei por que muitos alunos
filhos de Colombianos iam para a Escola com roupas Bonitas, calçado bonito. Eu
fique muito triste e tive que voltar para o Brasil, aí encontrei um senhor com sua
mulher que me chamaram para trabalhar, voltei para o Brasil, em Tabatinga. Quando
voltei o sogro daquele senhor que me chamou primeiro, me mandou para casa do
sogro dele para trabalhar. Ele também não me deu condição, não me deu
oportunidade para estudar, eu fiquei olhando os alunos que estudavam no Brasil e
depois sai desse patrão, e outra senhora que morava dentro da cidade de
Tabatinga, me chamou e me matriculou. E eu fique sem registro, sem nada e ela me
matriculou assim mesmo, ai fiquei com ela, foi lá que fiquei dois anos estudando na
Escola Marechal Rondon, ai estudei até a quarta série, quando já tinha estudado
voltei para a comunidade buscar meu registro. Só eu e meus irmãos que viviam na
comunidade, eu fiquei sem pai e eu mesmo me virei em tudo e assim aprendi um
pouco, mas mesmo assim as pessoas já me procuravam já em 1975. Ai eu conheci
a vida da sociedade brasileira, que chamamos de Branca. Quando estava estudando
na escola fui muito discriminado, me chamaram de caboclo, me chamaram de índio,
mas assim mesmo continuei estudando no meio do pessoal com muita pressão,
quando passei da quarta para quinta serie voltei para a comunidade, ai o pessoal me
procuraram para eu ser professor, ai já tinha 18 anos nos anos de 1975. Desde lá
não vultei mais para a cidade, comecei trabalhar na comunidade de Campo Alegre e
dali me chamaram para dar aula na comunidade de Vendaval, assim que foi o meu
primeiro estudo onde aprendi lê, escrever e contar.
148
Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
Na época a gente dava aula só de língua portuguesa e de matemática, foi à
única coisa que tive condições para dar aula, aprendi na escola e do jeito que
aprendi na escola levava para os alunos, me lembrava de como era as aulas.
Comecei a dar aula em 1978, comecei dar aula na comunidade de vendaval, era
sozinho sem mais ninguém, e depois, já em 80, 90 por ai já aprendi alguma coisa
com o pessoal que procuravam a gente para capacitar e assim ai aprendendo na
época.
Você já exerceu outro cargo na escola?
Na época não por que era eu sozinho mesmo, eu dava aula e nada mais,
naquela época era eu sozinho que dava aula, não tinha cargo nenhum era somente
professor e nessa época dei aula sem ganhar nada, da prefeitura ou de mínguem, ai
de repente apareceu um coordenador do Mobral, um novimento de alfabetização de
adultos, assim fiz uma capacitação com pessoas de outra comunidade, onde
levaram a gente por quinze dias para se capacitar em São Paulo de Olivença, ai que
peguei o primeiro treinamento de como dar aula, pelo Mobral que me pagava de seis
em seis meses e ganhava pouco, o cargo na época não existia para nós.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
Na época percebi que a tradição deles onde eu trabalhava, tinha que inventar
e explicar qual é o nome dar coisa que eles tinham na comunidade no conhecimento
dos Ticuna que não sabiam como era em português. Na época onde eu trabalhava
na comunidade de Vendaval em que trabalhava não tinha ninguém que falava o
português, era só eu mesmo e eles falavam muito mais a língua Ticuna, percebi que
a tradição a cultura era muito diferente do eu que pensavam, por que tinha que
comparar e dizer o nome das coisas ao mesmo tempo pera eles saber que podiam
entender pelo desenho ou pela escrita, era isso que eu fazia.
Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
Nas mudanças realmente quando comeram a passar outras pessoas que
faziam pesquisas, pessoas do Rio de Janeiro, Antropólogos, Linguistas que vieram
para perguntar como a gente dava aula, assim vamos mudando o sistema. Vendo o
149
conhecimento próprio conhecimento na comunidade o que fazemos diariamente,
percebemos olhamos e perguntamos na aula. Nas fastas culturais também
percebemos observamos muitas coisas bonitas que eles fazem e perguntamos qual
é o nome e levamos para a escola assim vamos aprendendo o que não sabíamos
antes minha mãe me ensinava nas como fui para escola, lá não ensinavam isso para
gente, depois quando alguém faz a gente relembrar assim a gente sabe como
desenvolver o trabalho nas atividades da escola na aula, isso que é mudança que
vai mudando para frente.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Hoje em dia, o nosso Ticuna realmente já tem resistido por que segura
preserva, acho que em vendaval tinha uma cultura muito diferente e percebemos
que eles resistem muito para não acabar a cultura. Assim que vivemos no dia a dia,
não é como o branco, que faz festa de aniversario, isso não existia antigamente. O
que existia era o ajuri, isso era os forte onde todos trabalham juntos, isso é muito
bom, mas hoje em dia não é igual àquela época, já mudou muita coisa.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Essa tendência é que leva os Ticuna que não são muito preparados, se
atrapalham muito com o que vem do estrangeiro peruanos e colombianos que hoje
em dia entram muito, conversam muito, levam os Ticuna na conversa e até ficam por
ai nas comunidades, então isso é que atrapalha muito as pessoas que não são
preparados.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
A tradição acho que é importante para ser preservada, mesmo que as
pessoas não saibam mais, mais para a escrita como historia a gente já sabe como
que faz para isso é importante à preservação hoje. Hoje em dia tem pouca gente
que sabe que realmente prepara as festas culturais as tradições, essas coisas assim
e como está escrito na lei que é preciso preservar a língua e a cultura e as tradições,
é importante segura, nê?
150
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
Acho que nesse caso algumas coisas tenho um pouco de dificuldade, por que
quando alguns professores não estão muito preparados para dar aula, por que
quando um professor está preparado ele tem que usas sua criatividade olhando
primeiro quem são os alunos na sala de aula e principalmente o que é bom para
aplicar e levar ao conhecimento deles para eles saberem tanto na língua portuguesa
como na língua Ticuna, por que a língua Ticuna, na verdade ela é muito complicada.
Se a pessoas não está preparada para ensinar na língua ticuna é quase igual como
ensinamos na língua portuguesa, por que tem varia variações linguísticas e é muito
difícil para uma pessoa que não preparada aplicar em sala de aula para os alunos, é
isso que dificulta.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
É mais nesse caso o Ticuna, realmente quando não está preparado não
adiante querer entrar na marra ai, para dirigir alguma coisa ou criar alguma coisa
para vender no mercado. Quando a FUNAI entrou pela primeira vez o governo e o
Presidente da FUNAI, deu algo para a comunidade indígena dirigir comprar e vender
e nesse caso não deu certo nenhum, e para o competir com o mercado de trabalho
da cidade a gente não está preparado ainda. Temos que se preparar para
administrar e hoje em dia já podemos tentar.
Acha possível ensinar todos os aspectos culturais na escola? Ou a educação
tem que ser igual a da Cidade?
Sinceramente digo desde que o conhecimento dos indígenas não é e claro
que até pode ser aprender igual, desde que entenda que tem a diferença por que
tem a educação especifica e diferenciada, os estudos é claro que são iguais, mas
quando você pega aula na língua Ticuna você tem que aprender exatamente igual
ao que você aprendeu em português é igual. Mas só que é diferente é que tem que
respeitar e conhecer o que é diferente.
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Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
O mais valorizado hoje em dia é o português, por que a língua portuguesa
geralmente é preciso entender para conversar e dialogar e pedir e fazer outras
coisas. A língua materna é pra esclarecer as pessoas que não entendem bem o
português, então os dois são importantes e tem que ser valorizados juntos, mas para
mim em minha opinião tem que ser o português o mais utilizado, agora a língua
materna é para você conhecer quem é. Se você não souber falar bem o português,
as pessoas já identificam que você não é brasileiro, mesmo sendo brasileiro não é
falante da língua portuguesa. Então assim as pessoas já percebem que aquele que
fala português é mais valorizado.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
Hoje é difícil, por que o jovem hoje em dia não entende e não tem muito
conhecimento com as tradições então é difícil hoje em dia, por isso que é importante
a gente escrever, quem já está na faculdade pode escrever e mostrar por que deve
ser valorizada a tradição.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Na verdade antigamente para o casamento não podia ser livre, entre os
próprios indígenas não podia ser, por que dentro da sociedade indígena é dividido
em duas nações ou clã as duas partes que são a nação de onça, que representa a
nação de árvore, Avaí representa a nação d quatipuru, o mutum é mutum mesmo, a
arara é arara mesmo. Então por isso antigamente era bem organizado mais hoje em
dia é quase livre. E para morar também pode ser livre, mas só que é preciso saber a
onde é a demarcação da terra, por que hoje em dia é patrimônio da união então tem
isso. O casamento também pode ser livre, o próprio pessoal branco pode casar com
uma Ticuna desde que respeite a pessoa, pode morar dentro da comunidade e
trabalhar na cidade desde que respeite e valoriza a pessoa. O indígena quando se
casa com uma branca ele tem que ter muito conhecimento para ir morar na cidade.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
Eu acho que sim, desde que se prepare muito para viver na cidade para
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poder consegui o trabalho para poder saber como é o ambiente de cidade, desde
que a pessoa tenha esses conhecimentos mesmo à pessoa sendo indígena, mas ele
pode com outro indigna, não sei como é que vai ser. Mas posso contar que a pessoa
que vive na cidade, os Ticuna a maioria que vivem na cidade de Manaus e aqui
também e vive bem tranquilo, desde que esteja trabalhando, empregado através do
preparo estudo isso ai.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
Hoje em dia para mim os dois estão juntos, por que hoje em dia nós já
aprendemos alguma coisa como qualquer uma pessoa, vimos agora à filmagem
(festa de conclusão de um curso de edição de imagem e preservação da cultura
Ticuna na aldeia de Umariaçu), desde que aprendemos, fazemos um trabalho que
nunca tínhamos feito dentro da comunidade é uma coisa muito boa e importante.
Tanto os estudos da cidade, da língua portuguesa e da cultura têm que saber, os
dois caminham junto isso é importante saber.
Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
É isso é um pouco difícil para a gente responder, por que quando a pessoa
manda o seu filho para a cidade na verdade é para aprender saber ler, escrever,
conversar e para se defender de algumas coisas de alguns problemas, para vencer
a dificuldade de falar, para tirar seus documentos, essas coisas. É para aprender
isso e acho que não é para se civilizar por que nunca muda. A pessoa pode até falar
muito bem, mais nunca muda, e pode até se civilizar mesmo, mas não muda. Então
não podemos dizer que a pessoa vai mandar seu filho para se civilizar é um pouco
difícil para a gente dizer isso. Mesmo a pessoa estando na cidade ele continua com
traços da cultura, a única coisa que é difícil para ele é que ele sempre é discriminado
lá, o pai tem que vim para cá, para reuniões e para mostra que realmente tem pai,
ou alguém responsável por você. Você pode estudar terminar a universidade,
terminar não sei o que mais lá, na cidade que de repente você vai precisar de um
comprovante de quem é você. Mesmo que fale bem o português e as pessoas digam
que não é mais Ticuna, mas se alguém quiser saber quem é a pessoa, e se pedir
153
para trazer o pai e de repente aparece o pai Ticuna indígena e aí? Então se
continuar na cidade ele tem que continuar indígena, não pode mudar.
ENTREVISTA COM N.M
A sua educação escolar foi exclusivamente na comunidade indígena, ou foi
estudar na cidade?
O ensino fundamental foi feito aqui mesmo na comunidade, da primeira a
oitava série, não tínhamos o ensino médio, então, fui estudar na cidade no ano de
1999, na escola duque de Caxias e conclui o ensino médio em 2001.
Fez algum curso Universitário? Qual, em que lugar e Universidade?
Fiz na Universidade Estadual do Amazonas, o Proformar curso de Normal
Superior e conclui em 2004.
Há quanto tempo é professor? Quais as disciplinas você leciona?
Sou professor há onze anos pelo município, e pelo município ainda não fui
para a sala de aula, só tive trabalho administrativo, e pelo Estado estou a sete anos
dando aula para o ensino médio, nas disciplinas de língua indígena Ticuna, artes e
historia.
Você já exerceu outro cargo na escola?
Sim pelo município fui gestor de escola durante oito anos, e pela escola
estadual no ultimo ano de 2011, exerci a função de apoio pedagógico.
Como era a educação tradicional dos Ticuna?
É uma pergunta que não dá para fechar em poucas palavras, antigamente
tinha uma educação muito cultural, já com a evolução do mundo com a globalização,
depende das comunidades e das tribos no contato com as cidades. Vemos que
essa educação cultural está acabando, antigamente tínhamos a educação cultural
repassada pelos pais, pelos avós e hoje em dia a gente esta perdendo isso e é um
problema que cada vez vem gerando mais preocupações.
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Quais foram às mudanças que você tem observado em ralação ao ensino da
cultura?
Nós temos apenas a língua bem viva, em 2004 nós conseguimos ter como
componente curricular e até hoje estamos ensinando a língua e a arte Ticuna, e
ensinamento dos mitos e costumes. Na Escola hoje nós temos as normas que são
determinadas pela SEMED, secretaria estaduais e não conseguimos colocar o que é
especifico, por que cumprimos determinações da SEMED e Secretarias Estaduais,
que às vezes impedem a execução da educação cultural.
O que você acha das mudanças sociais? Há abertura ou resistência a essas
mudanças?
Há pouca resistência, a comunidade já entendeu que se firmarmos presos
somente a nossa cultura, isso não vai garantir o desenvolvimento social, por que as
comunidades indígenas dependem de uma sociedade maior, que é a sociedade
envolvente, do município, do governo e precisamos ter esse conhecimento e o valor
que qualquer um dos brasileiros tem: Ter seus direitos, ter uma boa educação e o
direito de todos através do exercício da cidadania.
Existe tendência para absorção de valores culturais (costumes) de outros
povos próximos (Colombianos, Peruanos e Brasileiros (moradores das
cidades vizinhas))?
Geralmente convivemos com outras etnias, tem municípios vizinhos com
outras etnias, temos municípios vizinhos que tem outros povos, acabamos
convivendo com eles e acabamos adquirindo certos costumes que eles praticam e
trazemos para nossa cultura, por exemplo, no artesanato, nos utensílios escolares, o
a forma de viver, o jeito de pescar, a forma de se comunicar atreves de gestos.
Então a gente vem conhecendo também através da escola, o ensino e
aprendizagem de outras culturas. Pesquisamos através de livros, através da internet
e às vezes colocamos em pratica essas culturas.
Você acha possível preservar a tradição cultural Ticuna?
É possível sim, mas todos têm que estarem engajados, tanto os alunos como
os professores, mas não uma preservação como era antigamente, por que hoje o
conhecimento do homem brando e o nosso conhecimento cultural estão todos entre
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laçados, todos conectados. Então o próprio indígena tem que auto-reconhecer que
ele é um indígena e não pode perder a sua identidade por mais que ele tenha o
conhecimento do homem branco, mas ele tem que se reconhecer como indígena: as
suas crenças, as sabedorias de seu povo, ele tem que manter e preservar e
repassar para as futuras gerações.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam ou dificultam o ensino da
cultura Ticuna no ambiente escolar?
O que já lhe falei, é o sistema imposto pelas SEMED e secretarias Estaduais,
um sistema que em minha opinião não é possível repassar os verdadeiros costumes
da tradição do povo. Mas se tivesse outro sistema, a gente realmente conseguiria
trazer para a escola, a prática.
Acredita que o Ticuna tem que ser preparado para competir no mercado de
trabalho com os não indígenas?
Com certeza, mas depende da situação de cada aldeia de cada povo, por
exemplo, a gente depende da sociedade majoritária, então o Ticuna tem que ser
preparado para enfrentar concursos, vestibulares, por que somente a comunidade
não vai dar sustento para ele, somente a cultura em si não vai dar sustento para ele
se manter como cidadão.
Qual educação que dá status para a pessoa na comunidade?
A valorização do ser humano principalmente e ter a consideração de todos na
comunidade e se auto-reconhecer como indígena e ser aceito por todos, com um
comportamento que a sociedade venha confiar na gente isso é o básico.
Você acha que os Ticunas sofrem algum tipo de preconceito aqui na região ou
não?
Sofria há alguns tempos, até eu já sofri essa situação na escola quando eu
estudava para lá. Mas nos últimos anos estive observando que temos pouca
descriminação, a sociedade já vem nos reconhecendo, mas são poucas pessoas
que fazem esse tipo de descriminação, são pessoas que não tem esse
conhecimento, são pessoas que falam por falar e não tem o conhecimento de quem
é o Ticunas, não sabem o valor que ele tem, não sabem por que ele é Ticuna, por
156
que recebe esse nome, então soa pessoas que não tem esse conhecimento cultural.
Você acha que os jovens valorizam as tradições?
A juventude de hoje está perdendo a valorização, é uma situação
preocupante que os jovens estão adquirindo outra cultura, a cultura da mídia, a
cultura da globalização. Então em vez de praticar sua cultura original, estão
praticando a cultura ocidental. Estamos batendo nessa tecla todos os anos, na
escola ensinamos isso e através da escola tentamos resgatar os valores culturais.
Há liberdade de escolha (territorial, volitiva, familiar) em relação a padrões
culturais preestabelecidos?
Os Ticuna quase não tem liberdade, por que tem uma norma dos Ticuna que
eles não podem ter essa liberdade para casar, conforme determina a cultura porque
são dois grupos de clãs e tem uma norma que eles não podem cruzar com o próprio
clã, são dois grupos de clãs os de pena e os sem pena, então os grupos não podem
casas entre si eles têm que cruzas os clãs.
É possível uma educação intercultural, que respeite os valores indígenas e
prepare-o para o convívio com outros povos?
É possível sim, por que quando todos já tiverem essa consciência é claro que
isso é possível, repassando para os mais novos através da escola, através da
própria família, a família tem que ter essa consciência para repassar para os filhos, e
assim crescer nessa consciência e que quando crescerem já vai praticar isso já.
Qual é o conhecimento privilegiado (dos antigos ou das pessoas que
estudam)?
Hoje em dia temos essa visão de privilegiar somente aquele que estuda na
escola dos brancos, que é formado em faculdade, existe esse conceito, mas
geralmente temos que valorizar o conhecimento dos mais velos dos anciãos, por que
todos os velinhos, cada ancião, cada senhora carregam uma bagagem cultural muito
alta muito grande e se não explorarmos esse conhecimento, perguntando e eles
repassar para os filhos para os netos, então esse conhecimento todo vai se perder.
Por isso que eu valorizo os dois, os dois são importantes para o convívio social com
os povos.
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Com você vê a fala de alguns indígenas que dizem: “Vou mandar meu filho
para cidade estudar, para se “civilizar””?
A pessoa que fala assim talvez não entendeu que a educação é feita no
próprio local de convívio. Agora temos escolas por aqui mesmo, os professores
estão capacitados para dar as aulas aqui mesmo, os próprios indígenas já estão
capacitados e o conhecimento que ele busca lá fora é o mesmo conhecimento que é
produzido aqui na aldeia, antigamente tinha essa visão quando a gente não tinha a
escola aqui na comunidade, mas agora poucas pessoas tem essa fala.
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FICHA CATALOGRÁFICA
Ol4p
Oliveira, Samuel Rocha de O processo educacional da cultura indígena Ticuna na região do Alto Solimões / Samuel Rocha de Oliveira. 2012. 166 f. Dissertação (mestrado em Educação) --Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012. Orientação: Zeila de Brito Fabri Demartini 1. Povos indígenas – Brasil 2. Índios Ticuna - Educação 3. Educação indígena 4. Educação intercultural I. Título. CDD 374.012