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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
CURSO DE TRADUTOR E INTÉRPRETE
O PROCESSO DE TRADUÇÃO: EM BUSCA DE SENTIDOS
BRUNA FRANCO
ENGENHEIRO COELHO
2010
BRUNA FRANCO
O PROCESSO DE TRADUÇÃO: EM BUSCA DE SENTIDOS
Monografia apresentada ao Curso de Tradutor e Intérprete do Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus Engenheiro Coelho, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharelado em Tradutor e Intérprete, sob a orientação do prof. Ms. Neumar de Lima.
ENGENHEIRO COELHO
2010
Trabalho de Conclusão de Curso elaborado por Bruna
Franco, para obtenção do título de Bacharelado em
Tradutor e Intérprete, sob o título “O Processo de
Tradução: Em Busca de Sentidos”, apresentado e
aprovado no dia ______de novembro de 2010.
________________________________________________________
Prof. Ms. Neumar de Lima - Orientador
________________________________________________________
Prof.ª Drª. Ana Maria de Moura Schäffer – 2º Leitora
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus pela paciência e discernimento. Foram momentos de
muito nervosismo e muito trabalho, não teria conseguido se não fosse pela ajuda
dEle.
Também tenho muito a agradecer às seguintes pessoas:
Ao prof. Ms. Neumar de Lima, por tudo o que aprendi e por ter acreditado em
mim e neste trabalho, além de me ajudar com a orientação.
À profa. Ms. Ana Schäffer, por tudo o que me ensinou e pela disposição em
me ajudar sempre que eu precisei.
À professora Sônia Gazeta pelo apoio como coordenadora do curso.
A minha mãe, que sempre me apoiou e me ajudou não só na trajetória do
curso, mas na trajetória da minha vida. Não fosse por ela, eu jamais teria chegado
aonde cheguei.
Ao meu padrasto Volmir, que sempre me apoiou nos estudos e na minha vida,
desde que eu era bem pequena.
Ao Nélio, por admirar cada passo que eu dei no decorrer desse trabalho e
pelo apoio que me deu.
“O gênio de cada obra dá à
obra traduzida uma fisionomia
própria; e o tradutor não é um
simples operário”.
(Jacques Derrida)
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar a importância da
busca pelo sentido no processo de tradução. Como embasamentos teóricos serão
apresentados a desconstrução de Jacques Derrida e a teoria interpretativa de
Danica Seleskovitch, que mais tarde foi aplicada à tradução escrita por Marianne
Lederer, recebendo, então, o nome de Teoria Interpretativa da Tradução. Também
serão vistos nove dos quarenta e cinco princípios constrastivos que têm sido
formulados pelo professor, tradutor e intérprete Neumar de Lima, no decorrer de sua
carreira, a fim de mostrar as diferenças estruturais, lexicais e estilísticas existentes
entre o português e o inglês, língua de chegada e língua de partida,
respectivamente.
Depois serão apresentados os trechos de quatro obras, sendo três de caráter
literário e uma de caráter religioso e científico, que servirão como base para a
análise envolvendo as teorias que serão analisadas, bem como os princípios
contrastivos.
Sendo o objetivo principal mostrar que o mais importante em uma tradução é
trazer o sentido à tona, este será o curso que o presente estudo tomará, a fim de
servir como auxílio a tradutores e intérpretes.
Palavras-chave: Desconstrução; Teoria interpretativa da tradução; Tradutor;
Sentido; Princípios contrastivos.
ABSTRACT
The main purpose of this paper is to show the importance of the pursuit for the
meaning of the words by the translator while translating. As theoretical background,
the study will draw on the deconstruction theory by Jacques Derrida, the interpretive
theory by Danica Seleskovitch, which was applied to translation process by Marianne
Lederer, later called “The Interpretive Theory of Translation”. Also, nine contrastive
principles will be used from the forty-five which have been formulated by the
translator and interpreter Neumar de Lima throughout his career in order to show the
structural, lexical and stylistic differences between Portuguese and English, source
and target languages, respectively.
After showing the groundwork concepts, the study will present sections of four
literary works; three of them are literary works and one of them is a scientific and
religious book. These works will be the basis of the analysis that will involve the
proposed theories as well as the contrastive principles.
Once the main goal of this work is to show that the most important thing in the
translation process is to show the meaning, this is the line the research will follow in
order to be an important resource for translators and interpreters.
Key-Words: Deconstruction; The interpretive theory of translation; Translator;
Meaning; Contrastive principles.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................10
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.............................................................................. 13
DESCONSTRUÇÃO, TEORIA INTERPRETATIVA DA TRADUÇÃO E
PRINCÍPIOS CONTRASTIVOS.............................................................................13
2.1 JACQUES DERRIDA – O PAI DA DESCONSTRUÇÃO.......................13
2.1.1 A desconstrução e a tradução................................................. 14
2.2 A TEORIA INTERPRETATIVA – DE SELESKOVITCH A LEDERER...19
2.2.1 Os três estágios da teoria interpretativa da tradução..............22
2.3 OS NOVE PRINCÍPIOS CONTRASTIVOS DE LIMA........................... 25
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...........................................................31
3.1 JANE AUSTEN – PRIDE AND PREJUDICE/ORGULHO E
PRECONCEITO.......................................................................................... 32
3.1.1 Análise nº 1..............................................................................32
3.1.2 Análise nº 2..............................................................................33
3.1.3 Análise nº 3..............................................................................34
3.1.4 Análise nº 4..............................................................................35
3.1.5 Análise nº 5..............................................................................38
3.1.6 Análise nº 6..............................................................................37
3.1.7 Análise nº 7..............................................................................39
3.1.8 Análise nº 8..............................................................................40
3.1.9 Análise nº 9..............................................................................43
3.1.9 Análise nº 10............................................................................44
3.2 C.S.LEWIS - THE CHRONICLES OF NARNIA – THE LION, THE
WITCH AND THE WARDROBE/ AS CRÔNICAS DE NÁRNIA – O LEÃO,
A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA........................................................45
3.2.1 Análise nº 1..............................................................................46
3.2.2 Análise nº 2..............................................................................47
3.2.3 Análise nº 3..............................................................................48
3.2.4 Análise nº 4..............................................................................49
3.2.5 Análise nº 5..............................................................................50
3.3 C.S. LEWIS - THE CHRONICLES OF NARNIA – THE HORSE AND
HIS BOY/ AS CRÔNICAS DE NÁRNIA – O CAVALO E SEU MENINO.....52
3.3.1 Análise nº 1..............................................................................52
3.3.2 Análise nº 2..............................................................................52
3.3.3 Análise nº 3..............................................................................53
3.4 ARIEL A. ROTH - SCIENCE DISCOVERS GOD / A CIÊNCIA
DESCOBRE DEUS..................................................................................... 54
3.4.1 Análise nº 1..............................................................................54
3.4.2 Análise nº 2..............................................................................56
3.4.3 Análise nº 3..............................................................................57
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 59
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 62
ANEXO.................................................................................................................. 64
10
1 INTRODUÇÃO
A tradução sempre existiu. Desde os tempos mais primitivos, sempre foi
preciso um tradutor, alguém que rompesse barreiras entre as línguas, alguém que
pudesse fazer com que a comunicação entre culturas, nações, línguas, raças, fosse
possível. É o tradutor quem vem, desde os primórdios da humanidade, construindo
pontes entre pessoas, quebrando barreiras entre povos, disseminando o
conhecimento intercultural.
E dentre toda a importância e grandeza que é o ato de traduzir, surge uma
pergunta: como ela deve ser feita? Como deve ser elaborada? Qual é a melhor
tradução? O que é importante em uma tradução?
Essas perguntas levaram ao desenvolvimento deste presente trabalho, ou
seja, a busca por uma tradução eficaz, aquela que vise passar a mensagem envolta
em outro idioma ao idioma de chegada. Como traduzir? O que um tradutor deve
buscar no momento em que está absorto no processo tradutório?
O que este trabalho pretende mostrar é que o elemento primordial no êxito do
trabalho do tradutor é a busca pela essência da palavra, pelo núcleo da mensagem
a ser passada. É encontrar aquilo que não varia, que permanece único, diferenciado
somente pelo corpo que recebe de idioma a idioma: o sentido.
Esse raciocínio tem sido difundido há muito tempo por muitos profissionais da
área e este trabalho irá ressaltar Jacques Derrida, o pai da desconstrução, Danica
Seleskovitch, responsável pelo desenvolvimento da teoria interpretativa, e Marianne
Lederer, seguidora de Seleskovitch e responsável por aplicar a teoria interpretativa à
tradução, o que, após esse fato, passou a se chamar Teoria Interpretativa da
Tradução.
O que o presente trabalho procurará mostrar é que todas estas teorias
difundidas a fim de se preservar o sentido no processo de tradução podem ser
aplicadas à tradução nos dias de hoje, e que, quando o objetivo principal do tradutor
é mostrar o sentido implicado em uma mensagem escrita, o mesmo terá mais êxito
em sua tradução do que se somente ater-se à literalidade, a chamada tradução
palavra por palavra. O tradutor, de modo geral, não deve traduzir palavra por
11
palavra, mas sim, da palavra para o sentido e do sentido para a palavra, pois as
palavras são apenas equivalências do sentido, não o sentido próprio em si.
Cada idioma tem sua peculiaridade, sua própria estrutura, e ao traduzir, o
tradutor deve ter como objetivo principal passar a intenção do autor, ou seja, o seu
voloir-dire, expressão francesa empregada por Lederer significando o “querer-dizer”.
Não é a missão do tradutor traduzir estruturas gramaticais; portanto, não deve ele se
ater a elas, uma vez que são usadas apenas como veículos para a obtenção do
sentido.
Esta pesquisa explorará também as peculiaridades entre as línguas, e, dentro
do contexto, serão trabalhados aqui o inglês e o português, tendo sempre como
língua de partida (source language) o inglês e como língua de chegada (target
language) o português.
A partir das inúmeras diferenças existentes entre as duas línguas, serão feitas
análises tendo como base as teorias difundidas pelos filósofos e profissionais da
área da tradução e interpretação já elencados nesta introdução. Serão utilizados
também nove dos quarenta e cinco princípios contrastivos sistematizados por
Neumar de Lima, professor de língua inglesa, tradutor e intérprete e orientador do
presente trabalho. Lima vem elaborando esses princípios no decorrer de sua carreira
profissional.
Para exemplificar a eficácia dos princípios contrastivos, bem como comprovar
a eficiência das análises que terão como base a desconstrução e a teoria
interpretativa da tradução, serão usados trechos de quatro obras originais em inglês,
sendo três obras de caráter literário e uma de caráter religioso e científico. Os
originais serão comparados com suas respectivas traduções para o português, a fim
de se analisar a tradução feita em cada um deles. São as obras: Pride and Prejudice
(Orgulho e Preconceito), de Jane Austen, The Chronicles Of Narnia – The Lion, The
Witch and the Wardrobe (As Crônicas de Nárnia – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-
Roupa), e The Chronicles Of Narnia – The Horse and His Boy (As Crônicas de
Nárnia – O Cavalo e seu Menino), de C. S. Lewis e por último, Science Discovers
God (A Ciência Descobre Deus), de Ariel A. Roth.
A análise será feita levando em conta os três pontos de vista: os princípios
contrastivos, a desconstrução e a teoria interpretativa da tradução, sempre que
possível.
12
O objetivo principal deste trabalho é permitir que o leitor perceba a
importância do sentido expresso em um enunciado, que é muito mais do que as
palavras que se encontram nele. Ele está sempre presente em cada enunciado,
cada obra, cada palavra, e cabe ao tradutor buscá-lo, restaurá-lo, trazê-lo para a
língua de chegada, encontrar as palavras suficientes na língua de chegada a fim de
materializá-lo e torná-lo acessível ao leitor. A compreensão de uma mensagem, seja
ela escrita ou falada, só é alcançada quando o sentido é exposto de forma correta,
simples e de acordo com as peculiaridades estruturais e estilísticas de cada língua.
Não basta apenas traduzir palavras. O tradutor precisa mostrar aquilo que quis ser
falado, aquilo que está implícito dentro do texto. O tradutor precisa buscá-lo, precisa
muitas vezes até mesmo recriá-lo, se isso for preciso para que uma língua de
chegada possa ter a melhor compreensão possível.
O tradutor precisa ter esta autonomia de difundir o sentido, de ser um caçador
de palavras, um re-criador, um re-escritor. É o seu trabalho que vai dar vida a algo
que jamais seria possível ser conhecido, não fosse seu trabalho: o estrangeiro.
É o tradutor quem faz a ponte entre as culturas. Desde os primórdios do
mundo até hoje. Não fosse seu trabalho, não fosse sua busca pelo sentido, por essa
essência presente em cada mensagem traduzida, cada mensagem passada, o
mundo seria plena escuridão, limitado em sua própria geografia, sem saber do que
existe além, no mundo lá fora, sem ter consciência de que o estrangeiro existe.
Portanto, cabe a cada tradutor ser responsável diante de seus leitores. Deve
ter ele sempre em mente que o autor talvez nem se lembre mais das palavras
exatas que utilizou ao escrever um enunciado. Mas é certo que se lembrará do que
quis dizer, do que quis transmitir. Ele sem dúvida alguma se lembrará do “sentido”
de suas palavras. É impossível que alguém se lembre de tudo o que já disse, mas é
impossível também que um escritor se esqueça de qual foi sua intenção
comunicativa e do efeito que ele quis que suas palavras causassem em seus
leitores.
13
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Desconstrução, teoria interpretativa da tradução e princípios contrastivos
2.1 JACQUES DERRIDA – O PAI DA DESCONSTRUÇÃO
Para dar início à parte teórica deste trabalho, é interessante fazer uma breve
reflexão sobre Derrida para então proceder à análise da sua teoria da
desconstrução.
Derrida tem suas origens na Argélia. Proveniente de família judia, nasceu no
dia 15 de julho do ano de 1930 e permaneceu na mesma localidade até sua
adolescência.
É importante ressaltar que na sua infância, Jacques Derrida foi prejudicado
pela repressão anti-semita, pois naquela época as cotas para os judeus haviam
baixado de 14% para 7%, o que fez com que ele fosse expulso do colégio. Esse fato
deixou-lhe marcas muito profundas que podem ser observadas em algumas de suas
obras. Em 1950, Jacques Derrida deixou a Argélia e mudou-se para Paris, onde
iniciou seus estudos focados na fenomenologia de Edmund Husserl, na École
Normale Supérieur de Paris.
De 1957 a 1959, Jacques Derrida volta para a Argélia para a prestação de
serviços militares, servindo como professor de filhos de militares.
Em meados da década de 1960, Jacques Derrida foi professor na Sorbonne,
em Paris. Foi nesse período que ele escreveu algumas observações sobre os
artigos publicados no jornal parisiense Critique, dedicados à história, natureza e
escrita. E esse feito acabou se tornando fundamental na carreira e no trabalho de
Derrida.
Em 1967, três obras suas são publicadas: Gramatologia, A Escritura e a
Diferença e A Voz e o Fenômeno. Isso fez com que outras obras viessem a ser
escritas, além de se tornar famoso em várias universidades na Europa e no mundo,
por exercer carreira de professor palestrante. Já em 1975, nos EUA, Jacques
Derrida começa a dar aulas em Yale, mas apenas algumas semanas por ano. Isso
ajudou em grande parte sua relação com o país em questão e fez com que grande
parte de sua obra começasse então a ser traduzida ali.
14
O que cabe ressaltar aqui, no entanto, é que o fato que tornou Jacques
Derrida mundialmente famoso foram seus estudos e criação da teoria da
desconstrução, que segundo ele mesmo diz, não é tudo, mas também é nada.
Seu trabalho obteve grande impacto na filosofia, em nível mundial. Morre,
então, em 8 de outubro de 2004 em um hospital parisiense, sendo a causa da morte
um câncer de pâncreas. Foi considerado o pai da desconstrução, como se pode ver
no seu obituário no The New York Times:
O Sr. Derrida era conhecido como o pai da desconstrução, o método de pesquisa que declara que toda escrita é cheia de confusão e contradição, e a intenção do autor poderia não vir a contribuir para contradições próprias da língua em si, roubando textos - sejam eles de literatura, história ou filosofia - de autenticidade, significado absoluto e estabilidade.O conceito foi consequentemente aplicado por uma grande soma das artes e também ciências sociais, incluindo a linguística, a antropologia, as ciências políticas e até mesmo a arquitetura (THE NEW YORK TIMES, 2004, p. 01). (Tradução minha).
2.1.1 A Desconstrução e a tradução
Surge então uma grande dúvida: o que é desconstrução? A fim de começar a
entendê-la, deve-se primeiro pensar sobre o que a desconstrução não é.
Diferentemente do que o termo em si traz ao pensamento, desconstrução não é
destruição. Ao desconstruir um texto, o sujeito não está destruindo, mas sim
interrogando os pressupostos, absorvendo e aplicando a informação e o sentido
dentro do eu, resultando, por fim, em uma interpretação própria, variando, assim, de
pessoa para pessoa.
Mas antes desse assunto tomar continuidade, e a fim de se ter um
entendimento mais abrangente do assunto, é importante ressaltar que Jacques
Derrida foi fortemente influenciado por Sigmund Freud, no que diz respeito à
psicanálise. Segundo Derrida, a ideia freudiana do inconsciente foi uma grande
revolução na filosofia.
Para entender onde se encaixa o conceito da psicanálise na questão da
“desconstrução”, podem-se tomar alguns exemplos práticos, como o mar, por
exemplo. Uma pessoa cuja família morreu em um naufrágio terá uma visão diferente
de uma pessoa que passa as festas de fim de ano na praia com a família, em
15
harmonia, pois é o inconsciente que ditará essa ideia, a despeito da vontade
consciente. É a bagagem dessa pessoa, sua identidade, suas experiências vividas
que dirão qual a interpretação que ela terá, quaisquer que sejam os fatos ou as
circunstâncias. Em suma, o que faz de uma pessoa uma pessoa, a bagagem que
cada pessoa leva é o que trará o significado de quaisquer que sejam as
significações ao seu redor. Os conceitos de cada indivíduo terão como base algo já
construído, mas com seu toque, seu próprio eu, à sua própria maneira.
No que diz respeito à desconstrução, pode-se dizer que:
Utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida em 1967 na Gramatologia, o termo “desconstrução” foi tomado da arquitetura. Significa a deposição ou decomposição de uma estrutura. Em sua definição derridiana, remete a um trabalho do pensamento inconsciente (“isso se desconstrói”), e que consiste em desfazer, sem nunca destruir, um sistema de pensamento hegemônico ou dominante. Desconstruir é de certo modo resistir à tirania do Um, do logos, da metafísica (ocidental) na própria língua em que é enunciada, com a ajuda do próprio material deslocado, movido com fins de reconstruções cambiantes. A desconstrução é “o que acontece”, aquilo acerca de que não sabemos se chegará a seu destino etc. Jacques Derrida lhe confere igualmente um uso gramatical: o termo designa então uma desorganização da construção das palavras na frase (DERRIDA;ROUDINESCO, 2004, p. 9).
Esse termo criado por Jacques Derrida em 1967 é questionado por filósofos e
pensadores da língua até os dias de hoje. O que é desconstruir? Seria destruir algo?
Quando o pensamento é remetido ao sentido da palavra em si, é normal pensar em
prédios, tijolos, ou um muro de tijolos. No ato de desconstruir, alguém golpeia com
força essa parede, fazendo com que a mesma desmorone. Mas, em suma, não é
essa a intenção de Derrida ao fazer uso do termo “desconstrução”.
E no que diz respeito à tradução? Como se desconstruir um texto? É
necessário que o tradutor o destrua? Qual o pensamento de Derrida em relação à
desconstrução aplicada à tradução? Segundo Nascimento (2005, p. 31),
a rigor, a verdadeira tradução seria aquela que substituísse o corpo significante original por um outro, o qual seria arbitrário enquanto significante (matéria sonora), mas conservaria plenamente o sentido original.
16
Com base nas reflexões desse autor, as seguintes perguntas se impõem: o que é a
tradução para nós, tradutores? É a arte de passar uma ideia de uma língua para
outra? É traduzir palavra por palavra? A fim de se obterem respostas eficazes a
respeito do que o tradutor é e do que ele faz, é necessário saber, na essência, qual
o papel que ele desempenha. Como o tradutor deve traduzir um texto? É correto
apenas pegar um texto em inglês, procurar o significado em português de cada uma
das palavras desse texto e está pronto? Deve o tradutor se limitar apenas ao
significado das palavras? Ou a ideia a ser passada também é importante? Essas
perguntas remetem a outra questão, que é a da fidelidade na tradução. O que é
fidelidade? O quão fiel o tradutor deve ser ao desempenhar seu papel?
Derrida (2002, p. 62) nos fornece alguns vislumbres interessantes sobre
essas perguntas ao afirmar que
a consulta de um dicionário é suficiente apenas aos candidatos medíocres ao baccalauréat1: o tradutor consciencioso e competente “coloca seu eu” e cria, assim como o pintor que faz a cópia de um modelo.
Esse pensamento de Derrida mostra que o trabalho do tradutor ao traduzir um
texto não é servir de uma espécie de tradutor automático, mas sim, dar ao texto
sentido, é, em suma, reescrever o texto, mas na língua de chegada. Respeitar não
somente a língua de partida, mas a língua de chegada também, a fim de que o leitor
tenha um bom entendimento do sentido e não apenas das palavras. Palavras soltas
em um papel não trazem a ninguém, seja na língua que for, um sentido sequer. É
necessário que essas palavras combinem não só entre si, mas com o contexto
expresso por elas, para que haja o entendimento cognitivo.
Para esse fim, existe um tradutor, um ser pensante capaz de dar vida às
palavras, capaz de compreendê-las e, assim, tornar um texto escrito em uma língua
totalmente desconhecida acessível e compreendido. E para isso, ele precisa
“desconstruir” o texto na língua de partida a fim de obter um resultado eficaz na
língua de chegada. E nesse caso, apenas um dicionário inglês-português não fará o
trabalho. Como o próprio Derrida afirma: O gênio de cada obra dá à obra traduzida
uma fisionomia própria; e o tradutor não é um simples operário (2002, p. 61).
1 Baccalauréat: exame feito pelos estudantes franceses ao término do equivalente ao Ensino Médio.
17
O tradutor desempenha um papel importantíssimo em cada obra traduzida. É
ele quem torna possível que um texto escrito em uma língua seja lido e interpretado
em outra. É ele quem renova as possibilidades de uma nação inteira de ter acesso
às obras escritas em outra língua. E como o próprio Derrida ressaltou: “e o tradutor
não é um simples operário”. Ele é o responsável por internacionalizar uma obra em
língua estrangeira, e é sua função “hospedar” a língua de partida na língua de
chegada.
Esse empreendimento implica romper as barreiras que existem entre a língua
de chegada e a língua de partida. É ele quem irá pensar a maneira como um texto
irá se desenvolver na língua de chegada. O resultado da tradução só é possível com
a presença dele. É o chamado processo de tradução o que abre portas entre uma
língua e outra.
Mas, como todo o tradutor tem a obrigação de lembrar, a língua de chegada
não é a língua de partida. Entre elas há diferenças estruturais, gramaticais, lexicais;
portanto, ao se traduzir um texto, cabe a ele ter em mente de que nem sempre será
cem por cento bem-sucedido, pois algo pensado e dito na língua de partida pode
não vir a ter palavras correspondentes para expressar a mesma ideia na língua de
partida. Nascimento, (2005, p. 297) esclarece esse ponto ao afirmar que:
A tradução abre portas entre línguas, culturas, tempos, sujeitos, mas ela também é necessariamente disjunta, inatual, dissimétrica, disseminante. Ela é a promessa de restituição do sentido e, ao mesmo tempo, ameaça de perda de algo que não se tem: a língua materna, a língua da origem, a posse ou propriedade da origem, e da origem do sentido.
Para exemplificar essa situação, pode-se usar como exemplo a palavra
“saudade”, utilizada no português. Ela é uma palavra utilizada para expressar não
somente a falta de alguém ou de algo, mas também para expressar algo mais, que
além daquela falta, há pesar, há dor, uma certa ânsia em encontrar aquilo do qual se
está sentindo falta. Quando os falantes nativos do português ouvem essa palavra,
eles conseguem entender na essência o que ela representa, que é muito mais do
que apenas sentir falta, e que, se traduzida para o inglês, por exemplo, terá o termo
“I miss you” como correspondente. A ideia expressa, nesse caso, é a mesma, mas
ao mesmo tempo não é. Pois a palavra “saudade” está enraizada na cultura, não
apenas na língua. A língua de origem da palavra “saudade” é o português, portanto,
18
ela foi pensada em sua língua materna, ela está vinculada a ela e, em essência, é
intraduzível, mas pode adquirir uma “adaptação” em outra língua. Derrida (1995, p.
118-119) reconhece essa capacidade de adaptação de uma língua para a outra ao
salientar que:
Um idioma, que é alguma coisa que pode ser dita ou não dita na língua, um idioma não é uma simples coisa opaca, fechada sobre elamesma [...] Já existe no idioma o mais idiomático, alguma coisa que pede para ser traduzida e alguma coisa que pertence, digamos, ao universal, a alguma universalidade. Um idioma não é uma fronteira vigiada por um policial.
Sendo assim, o tradutor não apenas adapta as palavras na língua de chegada
para outras equivalentes na língua de partida. A arte de traduzir, como já vimos,
compreende muito mais do que isso. Um tradutor não é um dicionário ambulante,
mas sim, um re-criador, pois de certa forma, ao traduzir, o tradutor re-escreve o
texto. NASCIMENTO (2005, p. 294) corrobora esse pensamento ao discutir o
processo de escrita do tradutor:
Escrever prevendo a dificuldade de tradução, movido pelo impasse da tradução, escrever em mais de uma língua, portanto, na atenção à alteridade, é um modo de abrir espaço para o desdobrar do acontecimento que recria, “re-marca” o acontecimento da assinatura, em consonância com ele no sentido mais amplo, e também em dissonância com ele no sentido mais restrito, uma vez que o acontecimento pode ser completamente outro.
Concluindo essa seção, o seguinte comentário de Nascimento ressalta a
grande contribuição de Derrida para a tradução:
[...] Derrida reabilitou o pensamento como memória produtora de escritura – como “não existe A ou uma só desconstrução” -, ao questionar a tensão entre língua e idioma, a questão das desconstruções, está endividada com e nessa tensão. Podemos, então, afirmar que Derrida é, ao mesmo tempo, o “último filósofo” da escritura e primeiro pensador da tradução (p. 291).
19
2.2 A TEORIA INTERPRETATIVA: DE SELESKOVITCH A LEDERER
A teoria em questão começou com Danica Seleskovitch (1984). Sua
experiência ao longo dos anos como intérprete de conferências resultou no
desenvolvimento da Théorie Du Sens [Teoria do Sentido], que tinha como objetivo
abranger apenas a questão da interpretação e foi só mais tarde que foi aplicada por
Marianne Lederer (1994) à tradução. PAGURA (2003, p. 9), comentando sobre a
contribuição de Seleskovitch para a interpretação, destaca que:
É Seleskovitch quem começa a refletir sobre o processo [da interpretação], vindo a desenvolver toda uma linha teórica sobre o assunto, a chamada “Teoria Interpretativa da Tradução” ou “Théorie du Sens” (Teoria do Sentido), conhecida em todo o mundo pelo seu nome original em francês.
As pesquisas de Seleskovitch reforçaram o fato de que o sentido é “captado”
na tradução da mesma forma que é “captado” na interpretação, o que corrobora a
teoria de que “a percepção do enunciado linguístico pode ser feita tanto pela audição
quanto pela leitura” (PAGURA, 2003, p. 12). Pode-se confirmar essa conclusão ao
se fazer uma análise de como funciona o processo de “captação do sentido”. Ao
ouvir alguém falar, por exemplo, a atenção estará sempre voltada ao caráter
cognitivo das palavras, e não suas estruturas gramaticais. E ao se fazer a leitura de
um enunciado, a atenção, da mesma forma, estará voltada ao caráter cognitivo das
palavras, ao sentido, e não às estruturas gramaticais das palavras. É, portanto, esse
conhecimento associado a cada palavra, esses “complementos cognitivos”, o que
torna um tradutor capaz de interpretar um texto, de traduzir, de transcrever um texto
para a língua de chegada. Esse processo acontece em todo o tempo do processo de
tradução/interpretação, sem que o tradutor nem mesmo se dê conta disso. Sendo
assim, as palavras nada mais são do que uma espécie de ponte, a fim de passar o
sentido em si de um lugar para o outro, no caso da tradução, do enunciador até o
leitor.
No ato de gravar na memória um enunciado, dificilmente se conseguirá
guardar exatamente as mesmas palavras que foram ditas. O que se consegue
manter a salvo é apenas o sentido que elas trouxeram. Lederer (1990, p. 57) explora
esse assunto com as seguintes palavras:
20
Ao ouvir alguém falar, lembramos, grosso modo, o que foi dito anteriormente. Uma vez que é pouco provável até mesmo para o melhor dos mnemotécnicos repetir vários minutos de discurso oral, além das observações terem comprovado que os intérpretes de formação empregam sua memória a respeito do que foi dito anteriormente para compreender as frases ao passo em que são enunciadas, pode-se inferir que, muitas vezes, as palavras ditas anteriormente perderam sua forma verbal. Esse modo natural de memória não-verbal é outro complemento cognitivo que pode ser denominado contexto cognitivo. Ele é cognitivo porque não carrega uma forma verbal, e é contextual porque provém daquilo que foi dito. Ele é o conhecimento cumulativo trazido pelo encadeamento do discurso até o trecho que o intérprete está traduzindo.
É possível, então, afirmar que vários falantes de uma mesma língua, ao
ouvirem ou lerem um enunciado, podem vir a transmitir o sentido do mesmo de
formas diferentes, utilizando palavras diferentes para expressá-las. Pois salvo na
memória deles está apenas o sentido, e não as palavras. Gile (1995, p.52) ressalta
que esse fenômeno não é exclusivo do processo tradutório. O autor observa que
indivíduos que têm a mesma língua mãe tendem a escrever sentenças diferentes de uma mesma mensagem dada, apresentada nas mesmas condições e ao mesmo tempo, a fim de expressá-la(Tradução minha).
Portanto, o que o tradutor faz é uma re-transmissão daquilo que ouve, isto é,
ele re-expressa uma ideia já fixada a partir de sua bagagem cognitiva, utilizando
como base aquilo que já ouviu antes. A fidelidade, palavra presente na carreira do
tradutor e já visto e analisado anteriormente neste trabalho, está ligada à questão do
Sens, àquilo que as palavras irão passar ao ouvinte/leitor, e não à estrutura delas
em si. Sobre esse assunto, Lederer (1990), explica que o conhecimento do tradutor
em si não é nada mais do que uma derivação de palavras já ditas, e uma vez que
isso acontece, a sentença uma vez dita, perde sua estrutura verbal, restando assim,
apenas, sua estrutura cognitiva.
É na estrutura cognitiva que reside o sentido (o Sens). Seleskovitch (1977, p.
335) desenvolve esse conceito argumentando que:
[...] O sentido pode ser definido como uma construção cognitiva feita pelo enunciatário com base nos sons que partiram da boca do enunciador: ele adiciona a esses sons lembranças cognitivas que combinam com esses estímulos, além de conhecimento adicional,
21
seja da memória de longo ou médio prazo, que combina com a oração ou frase em questão como um todo.
Seleskovitch (1984, p. 269, apud. PAGURA, 2003, p. 231) entende que o
sentido (sens, em francês) constitui o princípio fundamental da teoria interpretativa
da tradução, e assim o define:
O sentido de uma frase é o que um autor quer deliberadamente exprimir; não é a razão pela qual ele fala, nem as causas ou consequências do que ele diz. O sentido não se confunde com os motivos nem com as intenções. O tradutor que se faça passar por exegeta e o intérprete que se faça passar por hermeneuta estará indo além dos limites de sua função (SELESKOVITCH, 1984, p. 269).
Fica claro, portanto que, ao se fazer uma análise da teoria interpretativa da
Tradução proposta por Lederer (1994), tendo como fundamento a Teoria
Interpretativa proposta por Seleskovitch, o objetivo principal de ambas as teorias é
mostrar o sentido atrás de cada enunciado.
A despeito do caráter de um enunciado (falado ou escrito), é importante
ressaltar aqui que cada palavra contém um sentido dentro dela, bem como uma
mensagem, expressa através da língua, ou idioma. Portanto, quando há dois
idiomas em questão, é importante lembrar que há apenas um sentido. O mesmo
sentido está presente dentro das duas palavras, e é ele, não a palavra em questão,
que deve ser mostrado. É por causa dele que aquela palavra foi enunciada. Ele
apenas está vestido com outros trajes, escondido, talvez, em outra fantasia. O
processo de tradução envolve a obtenção dele, mostrar o que está encoberto,
mostrá-lo de cara nova, em outro idioma.
O sentido precisa ser difundido, é o que mais importa dentro do enunciado. É
nele que está presente o vouloir-dire, ou seja, o querer-dizer do autor do enunciado.
E para que isso ocorra de maneira satisfatória, é necessário que o tradutor tenha
muito mais do que apenas uma compreensão geral do sentido ou mesmo
conhecimento da língua de partida ou de chegada. Sua missão vai além, pois ele
tem a responsabilidade de perceber cada nuance existente em cada língua
envolvida, cada detalhe que exprima qualquer vestígio de sentido. Mais que isso, é
obrigação do tradutor ter conhecimento minucioso tanto na língua de partida quanto
na língua de chegada. Nida (apud. PAGURA, 2003, p. 230), discutindo sobre o
domínio linguístico por parte dos tradutores, enfatiza que:
22
O primeiro e mais óbvio dos requisitos de qualquer tradutor é que tenha conhecimento satisfatório de língua de partida. Não basta que ele seja capaz de compreender o sentido geral do texto, ou que tenha o hábito de consultar dicionários (o que terá de fazer de qualquer modo). Ele deverá entender não somente o conteúdo óbvio da mensagem, mas também as sutilezas de significado, o valor emotivo significativo das palavras e as características estilísticas que determinam o "sabor e sentimento" da mensagem [...] Ainda mais importante do que o conhecimento dos recursos da língua de partida é o controle completo da língua de chegada. [...] [N]ão há substituto para o domínio pleno da língua de chegada.
O trabalho do tradutor visa transpor barreiras. E é somente com esse domínio
linguístico que o tradutor poderá cumprir satisfatoriamente sua missão de transpor
barreiras, pois como já afirmado, o processo de tradução é uma ponte entre a língua
de chegada e a língua de partida. E essa “ponte” deve ter como objetivo transpor as
barreiras e não se ater a elas. As palavras também são pontes: pontes entre o
pensamento do enunciador e a estrutura cognitiva do leitor/ouvinte. Cabe à palavra
transportar o sentido, e ao tradutor cabe a tarefa de vestir esse sentido com uma
roupagem adequada para cada contexto e para cada idioma.
Por mais que as palavras variem de língua para língua, o sentido continua
vivo. E o tradutor tem o dever de trazê-lo, buscá-lo, inseri-lo no contexto da língua de
chegada, fazê-lo se sentir em casa, não para seu próprio benefício, mas para o do
ouvinte/leitor, aquele que ouvirá e lerá o enunciado no qual o sentido estará
presente. A obrigação do tradutor está para com o sentido, e, consequentemente,
com aquele que ouvirá ou lerá o enunciado.
2.2.1 Os três estágios da Teoria Interpretativa da Tradução
Segundo Pagura (2003, p. 219), com base em Seleskovitch, há 3 estágios na
Teoria Interpretativa da Tradução. São eles:
1. Percepção auditiva de um enunciado linguístico que é portador de
significado. Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um
processo de análise e exegese;
2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da representação
mental da mensagem (conceitos, ideias, etc.);
23
3. Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve atender a dois
requisitos: deve expressar a mensagem original completa e deve ser voltado para o
destinatário.
No 1º estágio acontece o que podemos chamar de “o processo de obtenção
do sentido”. É aqui que o tradutor vai absorver as palavras ouvidas/lidas e retirar o
significado, o sentido ou o “sens” delas, fazendo uso de sua bagagem cognitiva.
Comentando sobre a percepção do sentido via bagagem cognitiva,
Seleskovitch (1977, p. 336) observa que:
A interpretação demonstra que a tradução não é um processo analítico, mas sintético; interpretamos do mesmo modo como nos entendemos normalmente, combinando as percepções da língua com conhecimentos relevantes.
No 2º estágio, ocorre um processo de desverbalização. Na desverbalização, o
ouvinte/leitor se desprende das palavras ficando somente com a “representação
mental da mensagem”, como salienta Pagura. Trata-se aqui de um processo de
abstração por meio do qual o leitor/ouvinte se liberta da concretude do signo
linguístico e retém em sua cognição o sentido que tanto buscava.
No 3º estágio, o tradutor, tendo já absorvido o sentido expresso pelo
enunciado, procura agora passar esse sentido para a língua de chegada. Para isso,
a partir do sentido desverbalizado no 2º estágio, o tradutor passará esse sentido
expresso pelo enunciado em questão, utilizando-se de palavras que serão mais
aceitas pelo leitor/ouvinte, isto é, palavras que facilitarão o processo cognitivo,
fazendo com que o leitor alcance a mesma ideia expressa na língua de partida. E
para que isso ocorra, não é necessário que o tradutor se prenda às palavras e
estruturas da língua de partida (na verdade, a essa altura o tradutor já deverá ter
alcançado essa liberdade no 2º estágio, por meio da desverbalização). Uma vez que
cada língua é diferente uma da outra, com estruturas gramaticais distintas, não se
pode afirmar que existe um paralelismo, ou correspondência exata, entre uma língua
e outra. Ao se tentar transmitir a estrutura gramatical da língua de partida, corre-se o
sério risco de comprometer a obtenção clara do sentido. Gile (1995, p. 93-94)
esclarece esse ponto, ressaltando que:
Para o tradutor, é essencial entender a infraestrutura lógica e funcional por trás das sentenças, e só assim poderá ser capaz de
24
reproduzi-las na língua de chegada: nem sempre é possível transcrever a estrutura da língua de partida em uma estrutura linguistica paralela, e quando isso ocorre, o resultado mais frequente é um trabalho mal feito ou mesmo inaceitável linguisticamente, como pode ser visto nas traduções palavra-por-palavra que algumas vezessão publicadas em procedimentos de conferências ou mesmo em publicações científicas (Tradução minha).
Convém reforçar o conceito de que esses três estágios discutidos até aqui se
aplicam tanto para a interpretação como para a tradução. Com efeito, Pagura (2003,
p. 223), apoiando-se nas pesquisas de Lederer (1994), enfatiza as semelhanças
entre os dois processos. Lederer (1994, p. 11) explora esse tema observando que:
A teoria interpretativa [...] estabeleceu que o processo consistia em compreender o texto original,desverbalizar sua forma linguística e expressar em outra língua as ideias compreendidas e os sentimentos experimentados. Essa constatação, feita inicialmente a respeito da tradução oral, ou interpretação de conferências, aplica-se também à tradução escrita.
Sendo assim, ambos os processos levam ao mesmo processo cognitivo, a
mesma “captação” de sentido, ao mesmo processo que extrai das palavras aquilo
que é o mais importante, e ao mesmo tempo dá a elas uma nova face, capaz de ser
vista tanto pelo ouvinte quanto pelo leitor. É assim que deve ser o processo de
tradução. É assim que o tradutor deve agir. Levar sentidos, transpor barreiras, ter
nas palavras um auxílio para a busca de um significado com o mesmo sentido
pretendido na língua de partida. Ocorre muitas vezes, no entanto, que o tradutor se
atém tanto a uma palavra que, ao invés de ela servir de ponte, acaba tornando-se
obstáculo que deixa o produto final um tanto rude, incapaz de ser compreendido da
forma adequada. Há tradutores tão preocupados com a estrutura das palavras que
se esquecem completamente de procurar sentidos para elas.
Em síntese, retomando as palavras de Derrida, “o tradutor não é um simples
operário” a executar um trabalho mecânico e automatizado. Ele é um artista e, acima
de tudo, um comunicador. A esse respeito, cabem aqui os comentários de Alves e
Pagura (2002, p. 76):
Tanto a interpretação quanto a tradução podem ser vistas como processos que fazem parte do espectro de processos inferenciais humanos e podem ser explicadas como parte de uma visão mais ampla da comunicação humana.
25
2.3 OS NOVE PRINCÍPIOS CONTRASTIVOS DE LIMA
No decorrer dos anos como professor de inglês e tradução e interpretação,
depois de muita análise e estudo sobre as diferenças entre o inglês e o português, o
orientador deste trabalho, Neumar de Lima, desenvolveu quarenta e cinco princípios
contrastivos envolvendo as peculiaridades do inglês e do português, material de
auxílio a fim de contribuir para um melhor entendimento da parte do aluno em
relação não só às diferenças entre o inglês e o português, mas também no que
concerne ao processo de tradução e interpretação (Ver anexo).
Dentre os quarenta e cinco destes princípios contrastivos, serão usados nove,
a fim de analisar as peculiaridades que envolvem o inglês e o português no processo
de tradução.
Os princípios aqui especificados não terão a mesma ordem original aplicada
por Lima, mas partirão de uma ordem de relevância em relação a analise das obras
a ser feita pela autora deste trabalho.
a) Princípio nº 1 – Língua Pictórica x Língua Conceitual (correspondente ao
princípio de nº 7)
Ao se ler um texto em inglês, percebe-se que a língua inglesa como que pinta
diante do leitor um quadro, levando-o a imaginar a cena. A língua portuguesa, por
outro lado, ao falar do mesmo assunto, em geral vai procurar conceituar ou explicar
em vez de usar recursos pictóricos.
Em outras palavras, o falante do inglês tem a necessidade de mostrar o
quadro que está vendo em sua mente, ao contrário do português, que tem a
necessidade de explicar, de fazer com que o outro entenda da mesma forma que
ele, o que está em sua mente.
Um bom conhecedor do inglês tem a capacidade de perceber que muitas
ideias expressas no inglês, ao serem traduzidas para o português, não assumem a
mesma proporção pictórica da língua inglesa, mas revelam um caráter mais
explicativo.
26
O português demonstra ser uma língua mais reflexiva, pois quer explicar,
conceituar o que está sendo lido, usando as palavras para que haja uma reflexão
profunda, um entendimento minucioso. Jamais se pode analisar uma frase em
português sem que automaticamente se pense no sentido dela. Já o inglês, devido a
seu caráter pictórico, parece não deixar explícita essa reflexão profunda existente no
português. Percebe-se, ao contrário, uma descrição do desenho que está na mente,
da pintura que foi feita, e é dessa pintura que vem o sentido, para os falantes do
inglês.
O português tem naturalmente essa visão cognitiva, em que, ao se pronunciar
qualquer palavra ou sentença, o ouvinte já o associa ao sentido, sem a necessidade,
por assim dizer, de muitas mediações imagéticas ou pictóricas. Por outro lado, no
inglês é como se o falante tivesse uma tela de pintura na sua mente, e o falante
fosse então pintando detalhadamente aquilo que quer falar e dar-se por entendido.
b) Princípio nº2 – Língua descritiva x Língua explicativa (equivalente ao
princípio de nº4)
É possível observar, em uma sentença em inglês, que os adjetivos estão
sempre à frente dos substantivos. Primeiro vem a descrição, depois a pessoa em
questão.
Vejamos o exemplo abaixo:
A blue-eyed girl
Nota-se que “girl”, que é o substantivo em questão, de quem se está falando
algo, está por último na frase. O enunciado se preocupa em mostrar primeiramente
as características desse substantivo. Nota-se, portanto, que “girl”, que é o
substantivo de quem se fala no enunciado, vem por último. Observa-se, assim, que
o inglês deixa o substantivo, de quem se está falando, para o final do enunciado, ao
passo que o português o põe logo no início da frase. A tradução básica para esse
enunciado seria:
Uma garota de olhos azuis.
Para um bom entendimento deste ponto em questão, pode-se dizer que o
adjetivo seria uma sobremesa. Nesse caso, a língua portuguesa segue aquele velho
conselho de mãe, que diz que primeiro deve-se jantar e só depois comer a
27
sobremesa. Já o inglês dispensa essa regra, saboreando o melhor, a sobremesa (as
qualidades, os adjetivos) antes do jantar.
Sendo assim, pode-se dar por entendido que o inglês se interessa sobre o
que está sendo falado do substantivo, ao passo que o português tem interesse sobre
quem se está falando.
c) Principio nº 3 – Expressividade implícita x Expressividade explícita;
princípio nº 4 – Descritividade e especificidade verbal x Generalidade e
explicabilidade verbal e princípio nº 5 – Língua objetiva x Língua
subjetiva
Esses três princípios, que correspondem aos princípios de nº 12, 32 e 5,
serão analisados em conjunto.
Esses princípios ressaltam as mensagens e conceitos implícitos existentes no
inglês, que precisam ser explicados de forma mais clara quando passados para o
português. Eles podem ser comparados à pictoricidade da língua inglesa. O falante
do inglês pinta um quadro na mente do seu ouvinte, e os conceitos implícitos nesse
quadro são cognitivamente captados sem a necessidade de serem explicados.
Além disso, há verbos no inglês que já estão explicados na palavra em si,
sem precisar explicação nenhuma. É o caso do verbo “stride”, que em português
assumiria caráter explicativo, se tornando “andar a passos largos”. Esses verbos
ressaltam o caráter descritivo e objetivo da língua inglesa. Na verdade, não há em
português um verbo conciso como o verbo em questão, e o tradutor terá que traduzir
o sentido que ele representa, que no caso é “andar a passos largos”.
Essas características existentes no inglês fazem com que ela seja,
automaticamente, uma língua sem rodeios, que “chega diretamente ao ponto”, uma
língua direta, ao passo que o português, sem a presença de tais características, se
torna, então, uma língua com a necessidade de passar o sentido implícito na forma
de explicação. Esse fato se torna muito mais meticuloso no processo de tradução,
pois o tradutor, na maioria dos casos, necessitará de muito mais palavras para
passar o sentido dito em inglês para o português, uma vez que o português não
dispõe da mesma objetividade e descritividade da língua inglesa.
28
d) Princípio nº 6 – Condensação estrutural x Expansão estrutural
(correspondente ao princípio de nº 14)
A língua inglesa possui estruturas concisas que exigem uma expansão
estrutural maior em português. Por exemplo, a frase “I want you to study” e traduzida
em português como “eu quero que você estude”. Os grupos nominais, por
excelência, entram também nessa categoria, bem como os pronomes relativos, que
podem ser omitidos.
e) Princípio nº 7 – Predominância monossilábica x Variabilidade silábica
(equivalente ao princípio de nº 25)
Muitas palavras em inglês são monossilábicas, tais como “such”, “good”,
“thing”, “tall”, “rigth”, “side”, se limitando a poucas letras.
f) Princípio nº 8 – Sintetismo x Prolixidade (equivalente ao princípio de nº3)
É comum haver, em uma tradução para o português, mais palavras em
português do que no texto original. Por mais que um tradutor permaneça “fiel” à
língua de partida, a necessidade da prolixidade falará mais alto. Serão necessárias
mais palavras para explicar, uma vez que o português possui caráter explicativo.
Todas essas implicações são apenas em relação ao caráter da língua. Sendo assim,
a prolixidade do português exige que as sentenças sejam expandidas.
Aqui se faz automaticamente uma retrospectiva à teoria interpretativa da
tradução, vista anteriormente neste trabalho. O tradutor deve estar atento ao sentido
que as palavras estão lhe passando. Uma vez que o processo de tradução esteja
envolvido, tendo como língua de partida o inglês e a língua de chegada o português,
o tradutor tem de passar o mesmo sentido para o português. Para isso ele absorverá
o sentido, achará as palavras exatas para passar aquele sentido para a língua de
chegada e então expressará o enunciado de uma forma em que o sentido possa ser
passado da forma mais fidedigna possível. Uma vez que o português tem como
característica a prolixidade e o inglês, o sintetismo, é comum encontrarmos a mesma
sentença traduzida maior do que sua original.
29
Levando em conta o fato de que o português possui caráter explicativo, além
de ser uma língua prolixa, que tem a necessidade de explicar uma ideia e não
apenas pintá-la em uma tela, como acontece no inglês, o que resultará serão
sentenças muito mais extensas em português. Isso explica porque existem mais
palavras em um texto em português, cujo original é em inglês, do que se o inglês
fosse a língua de chegada. As ideias expressas no inglês tendem a ser muito mais
compactas, sintéticas. Quando as mesmas são traduzidas para o português,
assumem um novo caráter prolixo e explicativo e isso se dá pela natureza do
português em si.
g) Princípio nº 9 – Estruturação modular de ideias x Estruturação coesiva
de ideias (equivalente ao princípio de nº13)
Por exemplo, a sentença “O homem que eu amo”, em inglês poderá ser
traduzida “The man that I love”, apesar de não ser muito usado. No inglês coloquial,
costuma-se dizer: “The man I love”. Não se usa necessariamente o “that”, ao passo
que no português, se faltar esse “elo”, a sentença ficará truncada. Percebe-se que
em inglês as duas ideias ficaram estruturalmente soltas, cabendo ao leitor
estabelecer em sua cognição o elo (“that”), sem que este precise ficar explícito.
Outro exemplo é a frase: A blue-eyed girl (uma garota de olhos azuis). Na
sentença em português, observa-se que cada palavra estabelece um elo com a
outra, construindo assim uma estrutura coerente. É como se as palavras estivessem
agarradinhas umas às outras. Já a mesma sentença em inglês, apesar de mostrar o
mesmo sentido, possui as palavras um tanto quanto soltas, como se fossem blocos
diferenciados, mas que no final causam o mesmo efeito que no português. Aqui se
teve um bom exemplo em que, apesar do caráter diferente entre as duas línguas, o
sentido não foi alterado, sem contar que foi preciso utilizar mais palavras para
expressar o sentido no português e foram necessárias algumas preposições para
“amarrar” as palavras, para que elas fizessem sentido, da mesma maneira que o
ouvinte do português está habituado a ouvir.
Aqui se pode dizer que, no inglês, as palavras são retalhos, e para falantes
dela, a língua faz total sentido. No caso do português, é necessário costurar esses
retalhos por meio de preposições, por exemplo, como se fossem linhas, formando
30
uma colcha, algo maior, mais coerente, menos solto, para que se possa ter um
entendimento adequado.
31
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, serão feitas análises envolvendo trechos de quatro obras,
sendo três de caráter literário e uma de caráter religioso-científico. Essas análises
terão como base os Princípios Contrastivos formulados pelo professor e orientador
deste trabalho, Neumar de Lima, a Desconstrução, de Jacques Derrida, e a Teoria
Interpretativa da Tradução, de Danica Seleskovitch e Marianne Lederer.
Em primeiro lugar, os trechos serão de Orgulho e Preconceito (Pride and
Prejudice), de Jane Austen. Primeiramente, os trechos originais estarão
disponibilizados. Logo após, os trechos traduzidos para o português por Jean
Melville e por último por Roberto Leal Ferreira.
Em segundo lugar, analisar-se-á trechos de As Crônicas de Nárnia – O Leão,
a Feiticeira e o Guarda-Roupa (The Chronicles Of Narnia – The Lion, the Witch and
the Wardrobe), sendo os trechos originais disponibilizados e logo após, a tradução
para o português por Paulo Mendes Campos
Em terceiro lugar, os trechos serão de As Crônicas de Nárnia – O cavalo e
seu Menino (The Chronicles Of Narnia – The Horse and His Boy), seguindo o
mesmo modelo das obras analisadas anteriormente: primeiro a disponibilização do
trecho no seu original em inglês e em seguida, sua versão traduzida no português,
também traduzida por Paulo Mendes Campos.
E em quarto e último lugar, os trechos analisados serão de A Ciência
descobre Deus (Science Discovers God), de caráter religioso e científico, de Ariel A.
Roth, primeiro com os trechos originais em inglês disponibilizados e por último com a
tradução do professor, tradutor e orientador deste trabalho, Neumar de Lima.
O objetivo é fazer a análise geral de cada um dos trechos de cada obra aqui
apresentada, tanto no que diz respeito às diferenças existentes entre o inglês e o
português, bem como pelo ponto de vista da Desconstrução e da Teoria
Interpretativa da Tradução.
Após a distribuição dos trechos das obras, sendo primeiro um trecho da obra
original seguido do(s) trecho(s) traduzido(s), serão feitas as análises começando,
sempre que possível, pela análise contrastiva, seguida pela análise do ponto de
32
vista da Desconstrução de Derrida, e terminando com o ponto de vista da Teoria
Interpretativa da Tradução, de Seleskovitch e Lederer.
Será possível então obter três pontos de vista diferentes e complementares
entre si, que terão como fim auxiliar a compreensão do processo tradutório, tendo o
inglês como língua de partida (source language) e o português como língua de
chegada (target language).
3.1 JANE AUSTEN – PRIDE AND PREJUDICE/ORGULHO E PRECONCEITO
3.1.1 Análise nº1
No original (AUSTEN, 2007, p. 03) tem-se:
“It is a TRUTH universally acknowledged that a single man in a possession of a good fortune must be in want of a wife.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 13) tem-se:
“É uma verdade universalmente conhecida que um homem na posse de uma bela fortuna deve estar necessitando de uma esposa.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 13),
tem-se:
“É verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro e muito rico precisa de esposa.”
Apesar de ambos terem conseguido, à sua própria maneira, preservar o
sentido, o segundo estava mais preocupado em trazer o voulouir-dire, ou seja, a
intenção da autora, o querer-dizer, ou a intenção comunicativa da autora. E para
isso, ele usou palavras fáceis, simples, que embora não fizesse uso de todas as
palavras usadas no inglês, conseguiu passar com êxito o sentido mais adequado ao
leitor, aquilo que realmente era importante. É possível ver um exemplo disso no
trecho “a single man in a possession of a good fortune.” Na primeira tradução, o
tradutor deteve sua atenção mais às palavras que estavam sendo expressas, pois a
33
tradução se manteve literal: um “homem” na posse de “uma bela fortuna”. Mas, pelo
que se pode perceber, ele não abriu mão do sentido expresso, uma vez que não
traduziu “a single man” como “homem solteiro”, como fez o segundo tradutor, mas
somente por homem, uma vez que o contexto fala de um homem que necessita de
uma esposa, o que deixa implícito que o homem do enunciado é solteiro. Podemos
perceber então que o segundo tradutor desverbalizou mais que o primeiro
3.1.2 Análise nº 2
No original (AUSTEN, 2007, p. 03) tem-se:
“My Dear Mr. Bennet,” said his lady to him one day, ‘have you heard that Netherfield Park is let at last?’”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN,2006,p. 13) tem-se:
“– Meu caro Mr. Bennet – disse-lhe sua mulher certo dia –, sabe que Netherfield Park foi finalmente alugado?”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 13),
tem-se:
“– Meu caro sr. Bennet – disse-lhe a esposa certo dia –, sabia que Netherfield Park foi enfim alugado?.”
Sob um olhar derridiano da tradução, poder-se-ia dizer que ambos os
tradutores, reescreveram o texto na língua de chegada, recriaram, assim como um
pintor, uma versão nova, mas em uma língua nova, transpondo assim a barreira
existente entre as línguas. Apesar de ter sido traduzido por dois tradutores
diferentes, o trecho se tornou semelhante, diferenciando-se apenas por algumas
poucas nuances, produto esse causado pelo eu de cada um. A escolha das palavras
feita, e as diferenças entre si são a marca que diferencia esses dois indivíduos.
Ambos deram sentido, com algumas poucas diferenças na escolha das palavras. O
sentido foi preservado.
34
A desverbalização e a reverbalização foram quase iguais. O que aconteceu,
portanto, em relação à escolha das palavras de cada um dos tradutores, foi o caráter
cognitivo que cada uma delas teve, na mente de cada um dos tradutores envolvidos
nesse processo. Por exemplo: o substantivo “lady” foi traduzido como mulher pelo
primeiro tradutor e esposa pelo segundo tradutor. Ambos os termos foram
adequados, mas se diferenciaram entre si devido ao caráter cognitivo que a palavra
em si trazia para cada um dos tradutores. Outro ponto interessante, em relação à
primeira tradução, é a preservação dos pronomes de tratamento em inglês.
Enquanto o primeiro tradutor viu-se na necessidade de trazer junto com a tradução o
ambiente inglês, onde a história se passa, o segundo tradutor se viu na necessidade
de trazer os mesmos o mais próximo possível da língua de chegada, trazendo o
sentido, mas ao mesmo tempo, sendo fiel à língua de chegada.
3.1.3 Análise nº 3
No original (AUSTEN, 2007, p. 03) tem-se:
“You want to tell me, and I have no objection to hearing it”.
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 13) tem-se:
“– A senhora deseja contar, e eu não me oponho a ouvi-la.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 13),
tem-se:
“– Você quer contar, e eu não tenho nada contra ouvir o que tem a me dizer.”
Aqui, do ponto de vista contrastivo, é possível notar a presença do princípio nº
3 (Expressividade implícita x Expressividade explícita), no que diz respeito à
expressividade implícita, em “hearing it”, por exemplo. No inglês, a mensagem já
está implícita no pronome “it”. Nesse contexto, o pronome “it” faz referência ao que a
pessoa em questão quer contar para a outra pessoa. Pode-se perceber o caráter
35
explícito do português na segunda tradução, pois, para dar sentido à frase, precisou
explicar o pronome “it”, que ficou traduzido como “ouvir o que tem a me dizer”.
Sob um olhar desconstrutivo, pode-se discutir que, em ambas as traduções
houve preocupação em difundir o sentido. E aqui mais uma vez é possível notar a
marca de cada um dos autores. O primeiro mais preocupado em restituir pronomes
de tratamento, ao passo que o segundo se preocupa em difundir o sentido, mais
voltado à tradução em si. E isso é possível se ver ao fazer a explicação do pronome
ao final da frase, como já citado acima.
Aqui, a desverbalização e a reverbalização foram diferentes entre o primeiro e
o segundo tradutor. O primeiro tradutor encontrou as palavras baseando-se na
estrutura literal do enunciado original, ao passo que o outro usou de mais palavras
para difundir o sentido do pronome “it”. Ao traduzir “I have no objection to hearing it”
por “Eu não me oponho a ouvi-la”, o primeiro tradutor fez uma tentativa de se manter
conciso nas palavras, para ser fiel à literalidade. E esse feito acarretou, em certo
sentido, uma perda do sentido. O segundo tradutor conseguiu preservar o vouloir-
dire, quando traduziu a mesma sentença por “eu não tenho nada contra ouvir o que
tem a me dizer”. “It”, neste caso, estava correspondendo ao assunto a ser dito e não
à pessoa que estava contando.
3.1.4 Análise nº 4
No original (AUSTEN, 2007, p. 03) tem-se:
“Why, my dear, you must know Mrs. Long says that Netherfield is taken by a young man of large fortune from the north of England; that he came down on Monday in a chaise and four to see the place, and was so much delighted with it that he agreed with Mr. Morris immediately; that he is to take possession before Michaelmas, and some of his servants are to be in the house the end of next week.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 13) tem-se:
“– Pois saiba, meu caro, que, pelo que Mrs. Long me disse, Netherfield foi alugado por um jovem de grande fortuna, proveniente do norte da Inglaterra. Chegou na segunda-feira, em uma carruagem puxada por quatro cavalos, para visitar o local, e ficou tão encantado
36
que logo aceitou as condições de Mr. Morris. Ocupará a casa antes do dia de São Miguel e alguns de seus criados deverão chegar já no fim da próxima semana.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 13),
tem-se:
“– Ora, meu querido, como você sabe, a sra. Long diz que Netherfield foi alugado por um jovem de amplas posses do norte da Inglaterra; que ele chegou para ver o lugar na segunda feira, numa chaise puxada por quatro cavalos, e ficou tão encantado com o que viu, que de imediato entrou em acordo com o sr. Morris. Ele deve mudar-se antes do dia de São Miguel, e alguns dos seus criados já devem chegar no fim da semana que vem.”
Ao se fazer a análise da frase “a young man of large fortune from the north of
England” presente no trecho e a tradução feita pelo primeiro tradutor: “um jovem de
grande fortuna, proveniente do norte da Inglaterra”, pode-se ver a presença do 1º ,
do 2º e do 6º princípio. No que diz respeito ao princípio de nº1 (Língua Pictórica x
Língua Conceitual), que se atém ao caráter pictórico do inglês e ao caráter
conceitual do português, pode-se reparar que “a young man” e “large fortune”, estão
distribuídos no inglês assim como uma pintura em um quadro. Primeiro está imposto
o adjetivo, “os detalhes adicionais de uma pintura”, para só depois, quando todos os
detalhes estiverem bem arranjados, ter-se a visão geral da pintura por completo. E
isso remete ao princípio nº 2 (Língua descritiva x Língua explicativa), aonde, em uma
sentença em inglês, o adjetivo vem antes do substantivo a fim de descrevê-lo, ao
passo que, no português, o adjetivo vem depois do substantivo para melhor explicá-
lo. É isso que podemos ver em “a young man” e “large fortune”. Já o princípio nº 8
(Sintetismo x Prolixidade), que remete à questão do sintetismo presente nas
sentenças em inglês e da prolixidade presente nas sentenças em português, é
possível ver uma ocorrência na tradução da sentença: “a young man of large fortune
from the north of England”, que foi traduzido pelo primeiro tradutor como: “um jovem
de grande fortuna, proveniente do norte da Inglaterra” e pelo segundo tradutor como:
“um jovem de amplas posses do norte da Inglaterra”. É possível notar a prolixidade
na primeira tradução, uma vez que a palavra “from”, do inglês, recebeu como
tradução a palavra “proveniente”, e aqui também se pode destacar o princípio nº 7
(Predominância monossilábica x Variabilidade silábica), pois, enquanto no inglês a
palavra apresentada é “from”, que é uma palavra curta, de poucas letras,
37
característica presente na maioria das palavras em inglês, recebe, em sua tradução,
a palavra “proveniente”, uma palavra característica do português, uma vez que é
mais expandida e possui maior número de letras.
Mais uma vez é possível sentir a presença do eu do tradutor nesta tradução,
principalmente na escolha de palavras. O primeiro tradutor traduziu a sentença: “a
young man of large fortune from the north of England” como: “um jovem de grande
fortuna, proveniente do norte da Inglaterra”, ao passo que o segundo tradutor
traduziu a mesma sentença como: “um jovem de amplas posses do norte da
Inglaterra”. O primeiro tradutor, a partir do seu eu, seu inconsciente, sua bagagem,
optou pela palavra “proveniente” como tradução mais adequada para a palavra
“from”, ao passo que o segundo tradutor, partindo também de seu inconsciente, de
sua bagagem, utilizou apenas a proposição “do”. Nenhuma tradução está mais
correta do que a outra, uma vez que cada um deles fez sua própria interpretação do
enunciado original e deu um novo corpo e uma nova forma às palavras. São
diferentes entre si, fiéis, mas ao mesmo tempo infiéis, ambas com o único intuito de
preservar o sentido de cada uma da sentença original.
No que diz respeito ao sentido expresso pela sentença em inglês: “Why, my
dear, you must know Mrs. Long says that Netherfield is taken”, traduzido pelo
primeiro tradutor como “Pois saiba, meu caro, que, pelo que Mrs. Long me disse,
Netherfield foi alugado” e pelo segundo tradutor como “Ora, meu querido, como você
sabe, a sra. Long diz que Netherfield foi alugado”, ao se fazer a análise dessas duas
traduções, é possível perceber que o segundo tradutor teve maior êxito na
preservação do sentido, do “querer dizer” do autor em questão. Ele conseguiu
expressar o sentido que as palavras no inglês quiseram expressar, dando ao leitor
do texto em português uma compreensão clara e limpa do sentido.
3.1.5 Análise nº 5
No original (AUSTEN, 2007, p. 10) tem-se:
“Mr Bingley had soon made himself acquainted with all the principal people in the room. He was lively and unreserved, danced every dance, was angry that the ball closed so early and talked of giving one himself at Netherfield.”
38
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN,2006,p. 19) tem-se:
“Mr. Bingley em pouco tempo travou relações com as principais pessoas no salão. Alegre e sem reserva, dançou todas às vezes, lamentou o baile terminar tão cedo e falou em ele próprio realizar um outro em Netherfield.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 19),
tem-se:
“O sr. Bingley logo fez amizade com as principais pessoas do salão; era animado e expansivo, dançava todas as danças, zangou-se porque o baile acabou tão cedo e falou em dar ele mesmo um baile em Netherfield.”
Aqui se pode notar a presença do princípio nº 1 (Língua Pictórica x Língua
Conceitual) e do princípio nº 6 (Condensação estrutural x Expansão estrutural) em
todo o trecho, evocando o exemplo de uma pintura. O inglês tende a pintar o que
está sendo dito, como se a mente de quem está recebendo a mensagem fosse uma
tela de pintura e o enunciador nesse caso estivesse pintando nela o que ele está
querendo dizer. Enquanto na sentença original, a língua está preocupada em
descrever o que está se passando, a sentença no português se preocupa em
explicá-la. Neste processo de explicar, pode-se observar a presença do princípio nº
8 (Sintetismo x Prolixidade). A sentença em português torna-se mais prolixa, ao
passo que a estrutura em inglês é concisa.
Ambos se assemelham ao sentido do original, cada um a sua própria
maneira. Cada tradutor torna possível a compreensão do original da língua de
chegada. As escolhas das palavras, no caso “fez amizade” e “travou relações”, que
são diferentes entre si e ao mesmo tempo expressam o mesmo sentido. Possuem
um corpo diferente, mas buscam o mesmo, tanto no original quanto nas duas
traduções feitas. Ao analisar esse trecho do ponto de vista de Derrida, é possível
usar o mesmo como exemplo para uma de suas afirmações (DERRIDA, 2002, p.
48):
[...] da mesma forma que os restos de uma ânfora, para que se possa reconstituir o todo, devem ser contíguos nos menores detalhes, mas não idênticos uns aos outros, assim no lugar de tornar-
39
se semelhante ao sentido do original, a tradução deve depreferência, em um movimento de amor e quase no detalhe, fazer passar em sua própria língua o modo de intenção do original [...].
Novamente, do ponto de vista interpretativo, é possível observar a apreensão
do primeiro tradutor em relação à estrutura do inglês. Na segunda tradução do
trecho: “Mr Bingley had soon made himself acquainted with all the principal people in
the room. He was lively and unreserved, danced every dance, was angry that the ball
closed so early and talked of giving one himself at Netherfield”, é possível ter-se uma
noção mais clara do sentido, uma vez que o tradutor usou de palavras claras e da
estrutura característica da lingual portuguesa: “O sr. Bingley logo fez amizade com
as principais pessoas do salão; era animado e expansivo, dançava todas as danças,
zangou-se porque o baile acabou tão cedo e falou em dar ele mesmo um baile em
Netherfield”. É possível perceber aqui os três estágios da Teoria Interpretativa da
tradução: a “obtenção” do sentido, da mensagem a ser dita no enunciado, a
representação mental da mensagem, tendo como resultado uma mensagem
expressa conservando a mensagem inicial, mas voltada ao destinatário, nesse caso,
voltada ao português e sua estrutura gramatical
.
3.1.6 Análise nº 6
No original (AUSTEN, 2007, p. 32) tem-se:
“She was shown into the breakfast parlor, where all but Jane were assembled, and where her appearance created a great deal of surprise.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 37) tem-se:
“Introduziram-na na saleta do almoço, onde todos, com a exceção de Jane, encontravam-se reunidos, e onde sua aparição suscitou grande surpresa.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 36),
tem-se:
40
“Introduziram-na na copa, onde estavam reunidos todos, menos Jane, e onde sua chegada causou grande surpresa.”
Em relação à análise contrastiva, aqui há a presença do princípio nº 2 (Língua
descritiva x Língua explicativa), do princípio nº 6 (Condensação estrutural x
Expansão estrutural) e do princípio nº 9 (Estruturação modular de ideias x
Estruturação coesiva). Fazendo referência ao princípio nº 2 (Língua descritiva x
Língua explicativa), é possível notar que as palavras “breakfast parlor” foram
traduzidas por “saleta do almoço”. Aqui se pode analisar que o adjetivo, no trecho
em inglês, está presente antes do substantivo, ao passo que no português ele vem
depois. Pode-se analisar também, em relação ao princípio nº 6 (Condensação
estrutural x Expansão estrutural), que as mesmas palavras citadas acima presentes
no trecho não necessitam de um elo entre elas, ao passo que no português,
precisamente na primeira tradução, essas duas palavras necessitam da preposição
“do” para terem o sentido desejado. Essa análise revela como a língua inglesa é
mais descritiva e possui uma estrutura mais condensada.
Poder-se-ia dizer, na visão derridiana que ambas as traduções, do ponto de
vista da Desconstrução, passaram o sentido em um corpo novo, ou seja, para um
novo idioma, embora o primeiro tradutor tenha usado uma linguagem menos
coloquial do que o segundo leitor. Partindo desse ponto de vista, é possível notar
que há a presença do tradutor, da outra cabeça pensante além do autor.
Aqui se tem, do ponto de vista da Teoria Interpretativa da Tradução, dois
processos de “absorção do sentido”. Portanto, o primeiro tradutor manteve-se mais
fiel à língua de partida, sendo um pouco mais literal, ao passo que o segundo
tradutor foi mais claro, preservando a estrutura da língua de chegada e usando
palavras que ajudassem no processo cognitivo, a fim de que o sentido fosse
passado com mais clareza. Percebe-se, portanto, uma ênfase maior no processo de
desverbalização/reverbalização.
3.1.7 Análise nº 07
No original (AUSTEN, 2007, p. 46) tem-se:
41
“Lydia was a stout, well-grown girl of fifteen, with a fine complexion and good-humored countenance; a favorite with her mother, whose affection had brought her into public at an early age. She had high animal spirits, and a sort of natural self-consequence which the attentions of the officers, to whom her uncle’s good dinners and her own easy manners recommended her, had increased into assurance. She was very equal therefore to address. Mr. Bingley on the subject of the ball and abruptly reminded him of his promise; adding that it would be the most shameful thing in the world if he did not keep it.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 47) tem-se:
“Lydia era uma moça forte e desenvolvida para seus 15 anos de idade, tinha uma pele bonita e a expressão risonha; favorita de sua mãe, fora apresentada na sociedade muito cedo para sua idade. De grande vitalidade, tinha uma espécie de segurança natural, que as atenções dos oficiais, angariadas tanto à custa dos esplêndidos jantares na casa do tio como pelas maneiras naturais da moça, transformaram em uma confiança ilimitada em si mesma. Não era, pois, de estranhar que ela se dirigisse a Mr. Bingley a propósito do baile e abruptamente lhe lembrasse a promessa feita, acrescentando que seria vergonhoso se ele não a cumprisse.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 45-46),
tem-se:
“Lydia era uma menina de quinze anos, forte e bem desenvolvida, de belo porte e expressa bem-humorada; a favorita de sua mãe, cujo afeto a apresentara a sociedade quando ainda era muito jovem. Tinha um humor muito exuberante e uma espécie de segurança natural, que a atenção dos oficiais, atraída pelos bons jantares de seu tio e pelo seu jeito desenvolto, só fez aumentar. Era, pois, a pessoa certa para questionar o sr. Bingley acerca do baile, e abruptamente o fez lembrar-se da promessa; acrescentando que seria a maior vergonha do mundo se não mantivesse a palavra dada.”
Fazendo a análise contrastiva nesse trecho, é possível ver a presença do
princípo nº 1 (Língua Pictórica x Língua Conceitual), e do princípio nº 4
(Descritividade e especificidade x Generalidade e explicabilidade). No que diz
respeito ao princípio nº 1(Língua Pictórica x Língua Conceitual), pode-se ver que na
frase em inglês “Lydia was a stout, well-grown girl of fifteen, with a fine complexion
and good-humored countenance”, há a presença das palavras “well-grown” e “good-
humored”, e na primeira tradução tem-se “Lydia era uma moça forte e desenvolvida
42
para seus 15 anos de idade, tinha uma pele bonita e a expressão risonha” e na
segunda tradução tem-se “Lydia era uma menina de quinze anos, forte e bem
desenvolvida, de belo porte e expressão bem-humorada”. É possível reparar que
“well-grown” assumiu a expressão “desenvolvida” na primeira e na segunda
tradução. Esta mesma análise se aplica a “good-humored”, traduzido como “risonha”
na primeira tradução e “bem humorada” na segunda. Agora, no que diz respeito ao
princípio nº 6 (Condensação estrutural x Expansão estrutural) e princípio nº 8
(Sintetismo x Prolixidade), tem-se no inglês a frase “adding that it would be the most
shameful thing in the world if he did not keep it”, que na primeira tradução fica
“acrescentando que seria vergonhoso se ele não a cumprisse” e na segunda
tradução fica “acrescentando que seria a maior vergonha se não mantivesse a
palavra dada.” É possível reparar como a sentença em português torna-se mais
expandida do que no inglês. Esse fato se dá tanto devido à questão da implicação
existente no pronome “it”, que, no contexto, refere-se à promessa mantida, fato que,
no lugar do it, é explicado, como se pode ver na segunda tradução. Devido a isso, a
sentença em português, diferentemente da sentença no inglês, que é mais sintética,
fica mais prolixa.
Do ponto de vista da Teoria Interpretativa da Tradução, aqui se tem duas
interpretações, ambas difundindo o sentido que o trecho original expressa. Mas, ao
se analisar as duas traduções, é possível perceber que o primeiro tradutor está
preocupado em difundir o sentido e ao mesmo tempo respeitar a estrutura original
em inglês, ao passo que o segundo tradutor se preocupa tanto com o sentido quanto
em dar a ele uma nova roupagem, colocando-o de forma clara na língua de
chegada. É o que se pode ver na sentença “adding that it would be the most
shameful thing in the world if he did not keep it”, que, traduzida pelo segundo
tradutor ficou “acrescentando que seria a maior vergonha se não mantivesse a
palavra dada.” Percebe-se aqui que houve uma desverbalização maior e uma
reverbalização mais de acordo com a estrutura da língua portuguesa. Observa-se
que o tradutor preocupa-se em ser mais fiel ao volouir-dire do autor do que com
estruturas linguísticas.
43
3.1.8 Análise nº 08
No original (AUSTEN, 2007, p. 54) tem-se:
“But when the gentlemen entered, Jane was no longer the first object. Miss Bingley’s eyes were instantly turned towards Darcy, and she had something to say to him before he had advanced many steps.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 53-54) tem-se:
“Porém, mal os cavalheiros entraram, Jane deixou de ser o alvo das atenções; os olhos de Miss Bingley imediatamente se fixaram em Darcy, e ainda ele não dera muitos passos quando ela encontrou algo para lhe dizer.”
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 52),
tem-se:
“Mas, à chegada dos cavalheiros, Jane deixou de ser a figura principal; os olhos da Srta. Bingley voltaram-se instantaneamente para Darcy e já tinha algo a lhe dizer antes que ele pudesse dar alguns passos.”
Ao se fazer a análise contrastiva, é possível reparar aqui a presença do
princípio nº 1 (Língua Pictórica x Língua Conceitual), princípio nº 2 (Língua descritiva
x Língua explicativa) e princípio nº 9 (Estruturação modular de ideias x Estruturação
coesiva de ideias) na frase “Jane was no longer the first object”, que na primeira
tradução, ficou “Jane deixou de ser o alvo das atenções e, na segunda, “Jane deixou
de ser a figura principal”. Aqui, em inglês tem-se “first object”, tendo primeiro o
adjetivo e depois o substantivo. Aqui está a presença da língua pictórica e da língua
descritiva. Quando as mesmas palavras tomam forma em português, os termos
usados para garantir a visão pictórica e a descrição se tornam “alvo das atenções” e
“figura principal”. Essas traduções em português são explicativas, formando assim,
conceitos, e não figuras. Também é possível reparar, em particular na primeira
tradução, que “first object” precisou de um elo para se estabelecer o mesmo sentido
em português, a saber, a preposição “das”. Diferentemente da língua inglesa, que
tem as palavras como retalhos, e que mesmo distribuídos como tais conseguem
44
passar o sentido, no português, sentiu-se a necessidade de uma ligação entre as
palavras, ou seja, sentiu-se a necessidade de costurá-las. A preposição em questão,
então, é uma espécie de costura que liga as duas palavras a fim de preservar o
sentido.
Ao analisar a primeira frase do trecho, que diz: “But when the gentlemen
entered”, que na primeira e na segunda tradução ficam “Porém, mal os cavalheiros
entraram” e “Mas, à chegada dos cavalheiros”, respectivamente, pode-se perceber
que o segundo tradutor esteve mais atento ao sentido do que o primeiro. Essa
atitude do segundo tradutor deixou o texto mais claro, conciso e preciso na língua de
chegada. Agora, da mesma forma que na primeira frase, ao analisar a frase “and
she had something to say to him before he had advanced many steps”, que na
primeira e na segunda tradução ficam “e ainda ele não dera muitos passos quando
ela encontrou algo para lhe dizer” e “e já tinha algo a lhe dizer antes que ele
pudesse dar alguns passos”, respectivamente, pode-se concluir que ambos
conseguiram dar o sentido requerido na sentença em português, mesmo usando
palavras e a ordem das palavras de forma diferente. Cada um sugeriu uma
interpretação diferente, mas preservando o sentido expresso pelo enunciado. No
entanto, percebe-se no segundo tradutor maior liberdade no processo de
reverbalização.
3.1.9 Análise nº 09
No original (AUSTEN, 2007, p. 56) tem-se:
“Miss Eliza Bennet, let me persuade you to follow my example, and take a turn about the room. I assure you it is very refreshing after sitting so long in one attitude.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 55) tem-se:
“– Miss Eliza Bennet, permita-me que a convide a seguir meu exemplo e dar uma volta pela sala. Acredite que é deveras reconfortante, após se estar sentada durante tanto tempo na mesma posição.”
45
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 53),
tem-se:
“– Srta. Eliza Bennet, gostaria de convencê-la a seguir o meu exemplo e dar uma volta pela sala. Garanto a você que é muito restaurador, depois de ficarmos tanto tempo na mesma posição.”
Duas pessoas completamente diferentes entre si foram usadas para fazer a
tradução de um mesmo texto. O resultado, como pode ser observado acima, foi que
o mesmo texto foi reescrito de forma diferente, mas ao mesmo tempo mantendo
fidelidade ao original. Aqui, bem como nos outros trechos já vistos, cada trecho
deixa exposto a marca do tradutor. É possível chegar a essa conclusão uma vez que
as palavras escolhidas para reescrever um mesmo texto são diferentes entre si.
Aqui, mais uma vez, o segundo autor se manteve mais fiel ao sentido
expresso pelas palavras. Por exemplo, a palavra “persuade” expressa o sentido de
persuadir, convencer, sendo esta última palavra usada na segunda tradução para
expressar esse sentido. Já no restante da frase, os dois tradutores souberam extrair
o sentido do original e passá-lo, cada um fazendo uso de sua própria bagagem
cognitiva.
3.1.10 Análise nº 10
No original (AUSTEN, 2007, p. 152) tem-se:
“With no greater events than these in the Longbourn family,and otherwise diversified by little beyond the walks to Meryton, sometimes dirty and sometimes cold, did January and February pass away.”
Na tradução proposta por Jean Melville (AUSTEN, 2006, p. 132) tem-se:
“Sem outros acontecimentos de maior importância na família de Loungbourn e apenas diversificados pelos passeios a Meryton, umas vezes com chuva, outras vezes com frio, decorreram janeiro e fevereiro.”
46
Já na tradução proposta por Roberto Leal Ferreira (AUSTEN, 2010, p. 125-
126), tem-se:
“Passaram-se os meses de janeiro e fevereiro, sem acontecimentos maiores do que esses na família de Longbourn e caracterizados por poucas coisas além de passeios até Meryton, ora enlameados, ora frios.”
Percebe-se também uma maior desverbalização na segunda tradução, onde o
tradutor colocou as últimas palavras expressas no trecho em inglês no início da frase
em português. Isso não alterou o sentido, muito pelo contrário, pois além de
expressar o vouloir-dire da autora, o tradutor mudou a distribuição das palavras de
tal forma que soasse como se aquele trecho tivesse sido pensado na língua de
chegada, ou seja, o mais natural possível. Já o segundo tradutor, mesmo
preservando a estrutura original em inglês, também foi capaz de passar para a
língua de chegada o vouloir-dire de Austen.
3.2 C. S. LEWIS – THE CHRONICLES OF NARNIA – THE LION, THE WITCH AND
THE WARDROBE/AS CRÔNICAS DE NÁRNIA - O LEÃO, A FEITICEIRA E O
GUARDA-ROUPA
3.2.1 Análise nº 1
No original (LEWIS, 1994, p. 01) tem-se: “Lucy looks into a wardrobe”.
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p.103), tem-
se: “Uma estranha descoberta”.
Ao observar a tradução proposta, percebe-se que o tradutor não criou essa
mensagem que aparentemente é nova, fora do sentido expresso pelo seu original
em inglês. Ele exprimiu esse sentido do contexto em que a mensagem estava
inserida, do restante da história, uma vez que esta sentença é um dos títulos.
Aqui é possível fazer uma análise geral das diferenças entre as duas línguas.
Enquanto uma se preocupou em descrever a cena, a outra se preocupou em apenas
explicar, ou resumir o que estava por vir. O tradutor ateve-se ao contexto do
capítulo, que conta a história de uma garotinha que abre um guarda roupa e
47
descobre outro mundo, mágico e totalmente diferente do seu, bem como criaturas
diferentes. Se isso realmente existisse, e uma criança descobrisse isso, não seria
estranho? É algo incomum, em que as probabilidades de acontecer no mundo real
são relativamente iguais a zero, e se acontecesse, com certeza seria estranho. Por
isso o título usado na língua portuguesa foi: “Uma estranha descoberta”, que além
de se ater ao contexto, também atiça a curiosidade do leitor. Pode-se concluir que,
apesar de não ter sido necessariamente a tradução ideal do título, o sentido que o
tradutor quis passar ao escrever esta frase totalmente nova derivou-se do contexto
em geral, daquilo que estava por vir e que, sem dúvida alguma, se encaixa melhor
no português.
3.2.2 Análise nº 2
No original (LEWIS, 1994, p. 01-02) tem-se:
“Once there were four children whose names were Peter, Susan, Edmund and Lucy. This story is about something that happened to them when they were sent away from London during the war because of the air-raids. They were sent to the house of an old Professor who lived in the heart of the country, ten miles from the nearest railway station and two miles from the nearest post office. He had no wife and he lived in a very large house with a housekeeper called Mrs. Macready and three servants. (Their names were Ivy, Margaret and Betty, but they do not come into the story much).”
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p.103), tem-
se:
“Era uma vez duas meninas e dois meninos: Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo. Esta história nos conta algo que lhes aconteceu durante a guerra, quando tiveram de sair de Londres, por causa dos ataques aéreos. Foram os quatro levados para a casa de um velho professor, em pleno campo, a quinze quilômetros de distância da estrada de ferro e a mais de três quilômetros da agência de correios mais próxima.
O professor era solteiro e morava numa casa muito grande, com D. Marta, a governanta, e três criadas, Eva, Margarida e Isabel, que não aparecem muito na história.”
48
No trecho em inglês, pode-se até mesmo fazer uma lista de pequenas
palavrinhas: “Once”, “there”, “were”, “sent”, “away”, “from”, “war”, “have”, “miles”,
“heart”, “post”, “have”, “wife”, “with”, que podem muito bem ser representadas pelo
princípio nº 7 (Predominância monossilábica x Variabilidade silábica). Pois somente
“sent away”, duas palavras tão condensadas, tiveram de ser traduzidas como
“tiveram de sair”. Pode-se também ver a presença do princípio nº 2 (Língua
descritiva x Língua explicativa) na frase “ten miles from the nearest railway station
and two miles from the nearest post office”, que ao ser traduzido ficou assim: “a
quinze quilômetros de distância da estrada de ferro e a mais de três quilômetros da
agência de correios mais próxima”, tornando-se bem mais prolixa ao ser traduzido, o
que também nos remete ao princípio nº 8 (Sintetismo x Prolixidade).
É possível observar que o tradutor manteve-se fiel à estrutura da língua de
chegada, uma vez que dividiu um parágrafo em dois, para melhor exprimir o sentido
do trecho. Ou seja, aí houve desverbalização. O tradutor também se preocupou em
buscar a equivalência de “miles” ao traduzir por “quilômetros”, bem como a medida
equivalente, como pode ser visto em “ten miles from the nearest railway station and
two miles from the nearest post office”, que ao ser traduzido ficou assim: “a quinze
quilômetros de distância da estrada de ferro e a mais de três quilômetros da agência
de correios mais próxima”. O que é possível notar também no trecho traduzido é que
o tradutor soube abandonar as palavras e se ater ao sentido, tanto que mudou
totalmente a estrutura presente no original, a fim de tornar o texto inteligível na
língua de chegada.
3.2.3 Análise nº 3
No original (LEWIS, 1994, p. 05-06) tem-se:
“Looking into the inside, she saw several coats. There was nothing Lucy liked so much as the smell and feel of fur. She immediately stepped into the wardrobe and got in among the coats and rubbed her face against them, leaving the door open, of course, because she knew that it is very foolish to shut oneself into any wardrobe.”
49
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p.105), tem-
se:
“Lá dentro viu dependurados compridos casacos de peles. Lúcia gostava muito do cheiro e do contato das peles. Pulou para dentro e se meteu entre os casacos, deixando que eles lhe afagassem o rosto. Não fechou a porta, naturalmente: sabia muito bem que seria uma tolice fechar-se dentro de um guarda-roupa.”
Em relação à análise contrastiva, pode-se notar a presença do princípio nº 2
(Língua descritiva x Língua explicativa), e, como consequência dele, o princípio nº 3
(Expressividade implícita x Expressividade explícita), e isso pode ser visível na
primeira frase do texto: “Looking into the inside, she saw several coats”, que teve
como tradução a frase: “Lá dentro viu dependurados compridos casacos de peles”. A
palavra “coats” já deixa implícita a ideia de que o casaco é feito de peles, ao passo
que no português isso necessita ser explicado para que haja total compreensão do
sentido da palavra em si.
Aqui, como em quase todos os casos já vistos até agora, o tradutor recriou o
texto original, deu um novo corpo a ele, fazendo do texto um equivalente à língua de
chegada, e ao mesmo tempo outro texto totalmente diferente.
Do ponto de vista da Teoria Interpretativa da Tradução, é possível perceber
os três estágios da teoria interpretativa da tradução: Apreensão da língua e
compreensão da mensagem, retenção da representação mental da mensagem e
expressão da mensagem original ao mesmo tempo em que voltada para o
destinatário. Além do mais, o tradutor conseguiu adaptar tão bem o texto na língua
de chegada que é quase impossível notar que o texto tem sua raiz no inglês.
3.2.4 Análise nº 4
No original (LEWIS, 1994, p. 08-09) tem-se:
“He had a red woolen muffler round his neck and his skin was rather reddish too. He had a strange, but pleasant little face, with a short pointed beard and curly hair, and out of the hair there stuck two horns, one on each side of his forehead. One of his hands, as I have said, held the umbrella: in the other arm he carried several brown-paper parcels. What with the parcels and the snow it looked just as if
50
he had been doing his Christmas shopping. He was a Faun. And when he saw Lucy he gave such a start of surprise that he dropped all his parcels.”
“Godness gracious me!” exclaimed the Faun.”
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p.106), tem-
se:
“Trazia um cachecol vermelho de lã enrolado no pescoço. Sua pele também era meio avermelhada. A cara era estranha, mas simpática, com uma barbicha pontuda e cabelos frisados, de onde lhe saíam dois chifres, um de cada lado da testa. Na outra mão carregava vários embrulhos de papel pardo. Com todos aqueles pacotes e coberto de neve, parecia que acabava de fazer suas compras de Natal.
Era um fauno. Quando viu Lúcia, ficou tão espantado que deixou cair os embrulhos.
– Ora bolas! – exclamou o fauno.”
O tradutor decompôs a estrutura original dada pelo autor no inglês. Ele
desfez, mas não destruiu, apenas deu ao texto uma nova roupagem na língua de
chegada. O tradutor copiou o texto, como alguém copia uma obra de arte, e ao
mesmo tempo tornou o texto único.
O tradutor adaptou de forma bem extravagante o texto para a língua
portuguesa, Um exemplo é a expressão em inglês “Godness gracious me!”, que foi
traduzido para o português como “Ora bolas!”, expressões que são diferentes entre
si apenas em sua estrutura, mas que possuem sentidos equivalentes. Outra coisa
importante a ser analisada aqui é o nome próprio “Faun”, criado pelo autor para
especificar a criatura citada no texto, uma criatura também criada pelo autor. O
tradutor tomou por liberdade traduzi-lo por Fauno, a fim de preservar o nome e ao
mesmo tempo tornar possível o processo cognitivo para a língua de chegada, já a
equivalência fonológica e gráfica é parecida no português; e ao ser traduzido por
Fauno, facilita-se o processo cognitivo de quem irá receber a mensagem.
3.2.5 Análise nº 5
No original (LEWIS, 1994, p. 59-60) tem-se:
51
“I wish the Macready would hurry up and take all these people away,” said Susan presently, “I’m getting horribly cramped.”
“And what a filthy smell of camphor!” said Edmund.“I expect the pockets of these coats are full of it,” said Susan,
“to keep away moths.”“There’s something sticking into my back,” said Peter.“And isn’t it cold?” said Susan.“Now that you mention it, it is cold,” said Peter, “and hang it
all, it’s wet too. What’s the matter with this place? I’m sitting on something wet. It’s getting wetter every minute.” He struggled to his feet.”
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p.126), tem-
se:
“– Deus permita que a governanta despache logo aquela gente! – falou Susana. – Estou toda encolhidinha!
– Que cheiro horrível de cânfora! – exclamou Edmundo.– Deve ser dos bolsos dos casacos, cheios de naftalina, para
espantar traças – disse Susana.– Tem um troço aqui me pinicando nas costas – disse Pedro.– Não está ficando frio? – perguntou Susana.– E muito – disse Pedro. – E que umidade! Que diabo de
lugar é este? Estou sentado em cima de uma coisa molhada. E está cada vez mais úmido. Foi com dificuldade que Pedro conseguiu erguer-se.”
Na tradução, o tradutor recria novas expressões e o texto, como
consequência, assume um novo corpo que preserva o sentido, mas ao mesmo
tempo deixa de lado aquilo que a mensagem tinha ao ser expressa pela primeira
vez: a língua mãe. A tradução é fiel ao original, mas ao mesmo tempo não é. O
tradutor é infiel para ser fiel.
A fim de se obter a compreensão mais abrangente do sentido, o tradutor
abusou de palavras, ampliou o texto, deu a ele um novo corpo. A fim de se obter o
sentido, o tradutor aqui se viu na obrigação de abandonar as palavras utilizadas para
expressar o sentido, para depois fartar-se das palavras e expressões na sua própria
língua para reafirmar a ideia, a mesma mensagem, só que acessível à língua de
chegada. Nesse sentido, tem-se aqui um texto bem desverbalizado/reverbalizado.
52
3.3 C.S.LEWIS - THE CHRONICLES OF NARNIA – THE HORSE AND HIS BOY/
AS CRÔNICAS DE NÁRNIAO CAVALO E SEU MENINO
3.3.1 Análise nº 1
No original (LEWIS, 1995, p. 03), tem-se: “How Shasta set out on his travels”.
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p. 193), tem-
se: “Shasta começa a viagem”.
Aqui é possível observar a presença do princípio. nº 1 (Língua Pictórica x
Língua Conceitual) A sentença em inglês é dada da mesma forma como se
estivesse sendo detalhada em um quadro, portanto, é pictórica, ao passo que,
quando traduzida, assume apenas um conceito.
De fato, conforme enuncia Derrida (2002, p. 61) o tradutor não é um operário.
Ele tem autonomia, sim, para recriar o texto, partindo do original, dando vida própria
a ele. E foi isso o que o tradutor fez aqui. Deu uma nova cara ao texto, a fim de
passar para a outra língua, no contexto dela, o sentido original.
O tradutor aqui abandonou as palavras expressas na língua de partida e
ateve-se ao sentido, aquilo que estava implícito dentro das palavras e usou da
estrutura e das palavras da língua de chegada para expressá-lo. No exemplo citado
acima em inglês, tem-se a descrição de um cenário. No português, tem-se algo mais
resumido, como: Shasta começa a viagem, pois o tradutor se ateve apenas ao
aspecto cognitivo e não em descrever o cenário da trama. Essa frase por si só já
explica o mesmo que foi escrito em seu original, propondo a mesma ideia, mas em
condições diferentes, fato que se dá devido às diferenças entre o português e o
inglês, diferenças estas que foram respeitadas pelo tradutor.
3.3.2 Análise nº 2
No original (LEWIS, 1995, p. 21), tem-se:
“Won’t it be stealing to use the Money?” asked Shasta.“Oh,” said the Horse, looking up with its mouth full of grass, “I
never thought of that. A free horse and a talking horse mustn’t steal,
53
of course. But I think it’s all right. We’re prisoners and captives in enemy country. That money is booty, spoil. Besides, how are we to get any food for you without it? I suppose, like all humans, you won’t eat natural food like grass and oats.”
“I can’t.”“Ever tried?”“Yes, I have. I can’t get it down at all. You couldn’t either if you
were me.”“You’re rum little creatures, you humans,” remarked Bree.”
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p. 193), tem-
se:
“– Não será roubo gastar esse dinheiro? – perguntou Shasta.– É verdade – respondeu o cavalo, com a boca cheia de
capim. – Nem pensei nisso. Um cavalo livre, um cavalo falante, não rouba... Mas não vejo mal algum, francamente. Éramos prisioneiros num país inimigo. O dinheiro é a nossa presa de guerra. Além disso, de que jeito vamos arranjar comida sem dinheiro? Você é humano e não vai querer comida natural, como capim e aveia, não é?
– Capim e aveia não dá pé, Bri.– Já experimentou?–Já. Não desce, de jeito nenhum.– São tão esquisitões, os humanos!”
Aqui, como em todo o processo de tradução, a presença do tradutor pode ser
muito notada; pode-se até mesmo indicar de que parte do país ele veio. Isso se deve
ao fato de que as expressões utilizadas por ele são comuns em determinadas partes
do país. O tradutor, aqui, colocou seu eu na obra, desconstruiu o original de acordo
com sua vivência, sua bagagem como pessoa. E dessa forma ele foi capaz de dar
um novo corpo ao texto, ao mesmo tempo em que não deixa de ser o texto original.
Aqui é possível ver a preocupação do autor em trazer o sentido à língua de
chegada, pois para isso este usa de expressões características apenas na língua de
chegada a fim trazer à tona o sentido. Houve da parte do tradutor o uso de maior
número de palavras na língua de chegada, pois a mesma é de caráter prolixo por
natureza, ao contrário da língua de chegada, que é concisa.
3.3.3 Análise nº 3
No original (LEWIS, 1995, p. 94), tem-se:
54
“What had really happened was this. When Aravis saw Shasta hurried away by the Narnians and found herself alone with two horses who (very wisely) wouldn’t say a word, she never lost her head even for a moment. She grabbed Bree’s halter and stood still, holding both the horses, and though her heart was beating as hard as a hammer, she did nothing to show it.”
Na tradução proposta por Paulo Mendes Campos (LEWIS, 2009, p. 233), tem-
se:
“Acontecera o seguinte: depois que Shasta foi levado pelos narnianos, Aravis se viu só, com os dois cavalos que, sabiamente, não disseram uma palavra. Mesmo assim, nem por um segundo perdeu o sangue-frio, embora o seu coração batesse descompassadamente.”
É possível notar a presença do princípio nº 2 (Língua descritiva x Língua
explicativa) na frase: “and though her heart was beating as hard as a hammer”, que
foi traduzida como “embora o seu coração batesse descompassadamente”, pois ao
passo que no inglês a frase tem o intuito de descrever a situação em si, no
português ela assume caráter explicativo.
Aqui, o tradutor abandona as palavras utilizadas no inglês para dar vida ao
sentido na língua de chegada. É possível observar isto na frase: “and though her
heart was beating as hard as a hammer”, que foi traduzida como “embora o seu
coração batesse descompassadamente”. Na frase em inglês, o autor está
comparando o coração da garota citada no texto como um martelo. Mas na
tradução, o tradutor abandonou essa proposta, tirando apenas a essência das
palavras. Isso porque não iria causar o mesmo impacto que causa no inglês, por ser
o inglês uma língua descritiva e pictórica e o português uma língua explicativa.
3.4 ARIEL A. ROTH - SCIENCE DISCOVERS GOD /A CIÊNCIA DESCOBRE DEUS
3.4.1 Análise nº1
No original (ROTH, 2008, p. 01), tem-se:
55
“Deeply committed to religion, he wrote extensively about the biblical prophecies of Daniel and the Apocalypse; he was a member of a commission to build fifty new churches around London, and he helped in the distribution of the Bible to the poor. Was he a pastor, a theologian, or an evangelist? No he was none of these. He was the one who is considered by many to be the greatest scientist of all time. This was Sir Isaac Newton, a man who stood head and shoulders above the other minds of his time as he helped lay down the firm foundations of modern science. His life was distinguished by a profound reverence for God along with a relentless devotion to thorough scientific investigation.”
Na tradução proposta por Neumar de Lima (ROTH, 2008, p.01), tem-se:
“Ele era profundamente comprometido com a religião e escreveu amplamente a respeito das profecias bíblicas de Daniel e Apocalipse. Foi membro de uma comissão encarregada de construir cinquenta novas igrejas nos arredores de Londres e ajudou também a distribuir Bíblias aos pobres. Quem foi ele? Pastor, teólogo ou evangelista? Nenhum dos três. Trata-se de alguém considerado por muitos o maior cientista de todos os tempos: Sir Isaac Newton. Um homem com um intelecto muito superior ao de seus contemporâneos, ele ajudou a lançar os fundamentos da ciência moderna. Sua vida foi marcada por profunda reverência a Deus e incansável dedicação à pesquisa científica.”
É importante observar a presença do princípio nº 8 (Sintetismo x Prolixidade)
logo no início da sentença “Deeply committed to religion, he wrote extensively about
the biblical prophecies of Daniel and the Apocalypse”, que, ao ser traduzida para o
português, passa a ser “Ele era profundamente comprometido com a religião e
escreveu amplamente a respeito das profecias bíblicas de Daniel e Apocalipse. É
possível também perceber o princípio nº 1 (Língua Pictórica x Língua Conceitual) e
nº 2 (Língua descritiva x Língua explicativa) interligados nos fragmentos “modern
science”, “relentless devotion” e “scientific investigation” que foram traduzidos como:
“ciência moderna, “profunda reverência” e “pesquisa científica”, pois distribuindo as
sentenças do modo que o adjetivo se posicione antes do substantivo, o inglês quer
fazer o receptor da mensagem visualizar a frase, assim como um quadro, ao mesmo
tempo em que quer descrevê-la. Ao serem traduzidas, as sentenças passam a ser
conceituais e explicativas, pois passam a ser empregadas dentro da estrutura do
português.
O tradutor muda a ordem das palavras, junta e separa frases e, ao fazer
todas estas coisas, cria uma nova forma para o texto. Mas é importante ressaltar
56
que o fato de ele se importar em organizar exatamente daquela maneira diz respeito
a ele intimamente, pois suas ações estão ligadas ao seu inconsciente, a sua
bagagem. Ele desconstrói o texto a fim de se manter fiel ao sentido.
É possível perceber que o tradutor manteve-se conectado às palavras em
inglês apenas como ponto de partida para encontrar as palavras necessárias a fim
de transmitir o sentido expresso pelas mesmas palavras. Ele desverbalizou e
reverbalizou a sentença de acordo com a sua bagagem cognitiva e seu
conhecimento das duas línguas, que é fundamental para se obter sucesso no
processo de tradução.
3.4.2 Análise nº 2
No original (ROTH, 2008, p. 01), tem-se:
“It was in England that Isaac Newton […] came into the world as a Christmas day present in 1642, but unfortunately his father had died three months earlier. He was apparently premature at birth and so small that he could fit in a quart pot.”
Na tradução proposta por Lima (ROTH, 2008, p.01), tem-se:
“Isaac Newton nasceu na Inglaterra […] como um presente de Natal em 1642. Seu pai, infelizmente, havia falecido três meses antes. Seu nascimento foi aparentemente prematuro. Ele era tão pequeno que podia caber em uma caneca de um litro.”
É possível perceber a presença do 1º princípio no fragmento: “It was in
England that Isaac Newton […] came into the world as a Christmas day present in
1642”, que foi traduzido como: “Isaac Newton nasceu na Inglaterra […] como um
presente de Natal em 1642”. Na sentença em inglês, um quadro está sendo feito
pela descrição do nascimento de Isaac Newton, ao passo que no português, a
mesma ideia está sendo explicada.
Tais estratégias remetem ao que Nascimento (2005, p. 297) chama a partir de
sua leitura derridiana, da promessa de restituição do sentido. Segundo o autor:
57
“[...] Ela é a promessa de restituição do sentido e, ao mesmo tempo, ameaça de perda de algo que não se tem: a língua materna, a língua da origem, a posse ou propriedade da origem, e da origem do sentido.”
Do ponto de vista da Teoria Interpretativa da Tradução, é possível concluir
aqui, mais uma vez, que o tradutor abandonou as palavras dadas no texto em inglês
e buscou formas de dar vida ao texto em sua própria língua. A descrição feita no
início da frase, em inglês, sobre o nascimento de Isaac Newton é tocante e causa
efeito, mas somente para o falante da língua inglesa, por possuir um caráter
descritivo e pictórico que não existe no português. Sendo assim, o tradutor teve de
adaptar a frase a fim de restituir o sentido, sendo fiel ao destinatário e à língua de
chegada.
3.4.1 Análise nº 3
No original (ROTH, 2008, p. 06), tem-se:
“He was especially interested in biblical prophecies and studied all the pertinent materials he could get his hands on, whether they were written in Greek, Aramaic, Latin or Hebrew. He made long lists of the various interpretations. The relationship between biblical prophecies and history was of special concern and before his death he had prepared a manuscript dealing with the interpretation of historical dates.”
Na tradução proposta por Lima (ROTH, 2008, p. 20), tem-se:
“Newton tinha um interesse especial pelas profecias bíblicas e estudava tudo o que podia sobre o assunto, independentemente de ter sido o material escrito em grego, aramaico, latim ou hebraico. Costumava compilar longas listas com várias interpretações. A relação entre profecias bíblicas e história lhe despertava um interesse especial, e antes de sua morte estava pronto em um manuscrito discorrendo sobre a interpretação de datas históricas.”
Sob um olhar desconstrutivo, é possível notar que no texto traduzido há a
presença de uma nova estrutura, diferente daquela em inglês, um novo corpo,
diferente do pensado na língua original. Perdeu-se a língua materna, mas continuou
58
a abrir portas entre culturas e a expressar o sentido na língua de chegada. O sentido
apenas assumiu um novo corpo.
Partindo do ponto de vista da Teoria Interpretativa da Tradução, aqui se pode
ver que o autor abriu mão da estrutura inicial do texto a fim de garantir o sentido, o
vouloir-dire do autor. É possível notar isso na frase em inglês: “studied all the
pertinent materials he could get his hands on”, que foi traduzido por “estudava tudo o
que podia sobre o assunto”. O tradutor aqui abandona o caráter descritivo e pictórico
da língua inglesa, vestindo o mesmo sentido com um caráter conceitual e
explicativo, para não abrir mão do sentido.
59
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É a função do tradutor, como visto anteriormente, difundir o sentido, traduzir
ideias, traduzir intenções. É ele o responsável por trazer ao mundo algo novo que,
devido ao trabalho feito por ele, pode ser compreendido por todos.
O tradutor não é, jamais, um “dicionário ambulante”. Ao traduzir um texto, o
tradutor não traduz apenas o sentido das palavras, traduz culturas, adapta estruturas
gramaticais. A tradução é um abandono da roupagem da língua de chegada, com o
objetivo único de manter o sentido da língua original; e, ao ser levado para a língua
de chegada, assume outra forma, abandonando as vestimentas antigas e fazendo
uso das novas vestimentas e de todos os acessórios necessários.
Aqui foram vistas as diferenças entre a língua de chegada e a língua de
partida (no caso, o inglês e o português), bem como a análise da preservação do
sentido em si. Também se chegou à conclusão de que, em um texto original, apenas
uma cabeça pensante está por trás dele, apenas uma vida, apenas um indivíduo.
Quando o mesmo texto assume forma em uma língua de chegada, isso é o
resultado do trabalho de duas cabeças pensantes, sendo, em essência, diferentes
entre si, seja na questão de língua, seja na questão do eu presente do autor em seu
texto ou até mesmo na questão da bagagem cognitiva. Uma vez tendo em mente
todas estas divergências, é possível concluir que o tradutor também é um escritor.
Ele é o responsável por trazer o sentido à língua de chegada e repensar o texto,
desconstruí-lo, adaptá-lo e torná-lo acessível.
Ao se fazer o contraste entre duas línguas, como efetuado nesse presente
trabalho, é possível observar o quanto são diferentes e quanto é o número de
peculiaridades divergentes. E assim, deve-se saber também que o autor e o tradutor
também têm suas diferenças, se levar em conta aquelas que estão voltadas à
cultura, à vivência, à bagagem cognitiva e à história de vida de cada um.
Sendo assim, tendo o autor e o tradutor como duas pessoas diferentes entre
si, bem como a língua de chegada e a língua de partida, que também têm tantas
diferenças, chega-se à conclusão de que é absolutamente impossível ser um
tradutor preso às palavras, uma vez que, levando-se em conta tantas diferenças,
como as que já foram citadas, as palavras usadas para expressar o sentido irão
60
variar naturalmente, sem que o tradutor ao menos se dê conta, fato este que está
voltado tanto ao seu eu, a sua maneira de enxergar o mundo e desconstruí-lo, como
a sua bagagem cognitiva, a sua forma de captar o sentido, desverbalizá-lo e
reverbalizá-lo.
O trabalho do tradutor está muito além de apenas pesquisar equivalências
entre línguas. O tradutor tem como dever repensar o texto, preservando o sentido do
autor, sendo assim, a segunda cabeça pensante presente no texto. O tradutor deve
trazer o sentido à tona e para isso, deve abandonar as palavras utilizadas pelo autor
e vestir o sentido com outras, se assim houver a necessidade, pois as palavras são
usadas apenas para expressar o sentido que está presente dentro delas.
Muitos tradutores que exercem a profissão nos dias de hoje, no que diz
respeito à tradução que tem como língua de partida o inglês e como língua de
chegada o português, preocupam-se tanto em serem fiéis a cada “palavrinha” escrita
em inglês que, quando se lê o que eles traduziram, tem-se a sensação de que algo
não está certo, de que faltam palavras para melhor expressar aquela ideia, pois há
tradutores que se preocupam tanto em se manter fiéis à língua de partida que
esquecem completamente de tornar o texto inteligível ao destinatário; esquecem que
a língua portuguesa possui uma estrutura diferente, maior, mais complexa, prolixa,
expandida, que necessita explicar suas ideias segundo sua natureza intrínseca, para
que a pessoa que receber a mensagem tenha uma ideia compreensiva daquilo que
se está tentando passar.
Foi por essas razões que este trabalho buscou encontrar formas de melhorar
a compreensão dos tradutores em relação à “obtenção” do sentido e à expressão do
mesmo, bem como mostrar ao tradutor que sua busca por um melhor desempenho
deve estar engajada primeiramente em relação ao destinatário, aquele que irá
receber a mensagem e, automaticamente, o sentido expresso por ela, e que a
necessidade de fidelidade diz respeito a ele, ao destinatário, à língua de chegada e
a sua forma de expressar o sentido apresentado na língua de partida.
Sendo assim, é impossível assumir a fidelidade cobrada pelos tradutores
atualmente, uma vez que o comprometimento e responsabilidade do tradutor devem
estar ligados ao destinatário, como já citado acima, que abrange a língua de
chegada e também a expressão do sentido, a forma que ele apresentará na língua
de chegada.
61
As teorias e os pontos de vistas analisados no presente trabalho, que foram
difundidos por Jacques Derrida, Danica Seleskovitch e Marianne Lederer bem como
os Princípios Contrastivos formulados por Neumar de Lima tornaram possível a
análise das obras apresentadas aqui, fazendo com que a ideia em questão no
presente trabalho ganhasse caráter prático e se tornasse, por fim, acessível aos
tradutores.
Portanto, com o intuito de finalizar a ideia central aqui apresentada, pode-se
concluir que a atenção principal do tradutor deve estar voltada essencialmente ao
sentido da mensagem a ser expressa, uma vez que ele será o responsável pela
compreensão do destinatário. E também se deve ter a preocupação em relação à
fidelidade voltada ao destinatário, àquele que receberá a mensagem, à língua de
chegada, pois a mensagem, uma vez traduzida, recebe um novo idioma para
expressá-la e cabe a esse idioma fazê-la compreensível àquele que o recebe.
62
REFERÊNCIAS
AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. 3. ed. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2008.
AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. São Paulo: Martin Claret Ltda, 2010.
AUSTEN, Jane. Pride and prejudice. 1. ed. Atlanta: Dalmatian Press, LLC, 2007.
DERRIDA, Jacques. De que amanhã: diálogo/Jacques Derrida; Elizabeth Roudinesco. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
FREIRE, Evandro Lisboa. Teoria interpretativa da tradução e teoria dos modelos dos esforços na interpretação: proposições fundamentais e inter-relações. São Paulo, 2007. 174 f. (Trabalho de conclusão do módulo Teoria da Interpretação (Court Interpreting), no curso sequencial com destinação coletiva Intérprete em Língua Inglesa, da PUC-SP). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
GILE, Daniel. Basic concepts and models for interpreter and translator training. Amsterdan: John Benjamin Publishing Co., 1995.
LEWIS, C.S. The chronicles of Narnia – the horse and his boy. 1. ed. New York: Scholastic, 1995.
LEWIS, C.S. The chronicles of Narnia – the lion, the witch and the wardrobe. 2. ed. New York: Happer Collins, 1994.
LEWIS, C.S. As crônicas de Nárnia – volume único. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
NASCIMENTO, Evando (org). Jacques Derrida: pensar a desconstrução. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.
PAGURA, Reynaldo. A interpretação de conferências: interfaces com a tradução escrita e implicações para a formação de intérpretes e tradutores. São Paulo, 2003. 236 f. (Artigo publicado no periódico Claritas, da PUC-SP, e na BRAZ-TESOL Newsletter). PUC-SP, Associação Alumni-SP e ISAT-RJ.
ROTH, Ariel A. A ciência descobre Deus: evidências convincentes de que o Criador existe. 1. ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008.
ROTH, Ariel A. Science discovers God: seven convincing lines of evidence for His existence.1. ed. Hagerstown: Review and Herald Publishing, 2008.
The New York Times. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2004/10/10/obituaries>. Acesso em: 01 set. 2010.
63
Traduzir Derrida – Políticas e Desconstruções. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/traduzirderrida>. Acesso em: 02 set. 2010.
64
ANEXO
PRINCÍPIOS CONTRASTIVOS DE NEUMAR DE LIMA
A. Princípios Estilísticos
1. Coloquialismo estilístico x erudição estilística (eruditismo) [Língua coloquial x Língua erudita].
2. Expressividade verbal x expressividade nominal /Verbalização x nominalização (a língua inglesa prefere verbos a substantivos – os conceitos em inglês são expressos preferencialmente por meio de verbos, ao passo que em português, substantivos) [Língua Verbal x Língua nominal].
3. Sintetismo x prolixidade [Língua sintética x Língua prolixa] ou: Expressividade sintética x expressividade analítica/ Sintetismo x analiticidade (ideias ditas em inglês de forma mais sintética exige que sejam traduzidas de forma mais expandida ou explicativa para que possa veicular as mesmas ideias de forma mais eficiente).
4. Descritividade estilística x explicabilidade estilística [Língua descritiva x Língua explicativa].
5. Objetividade expressiva x subjetividade expressiva [Língua objetiva x Língua subjetiva].
6. Detalhismo expressivo x laconismo expressivo [Língua expressiva x Língua lacônica].
7. Expressividade pictórica x expressividade conceitual [Língua pictórica x Língua conceitual] (A língua inglesa gosta de fazer descrições precisas por meio de imagens).
8. Condensação semântica x expansão semântica [Língua semanticamente condensada x Língua semanticamente estendida].
9. Economia referencial ou anafórica x variedade referencial ou anafórica/ (esse princípio tem que ver com o processo de coesão do texto. Em português as referências anafóricas parecem ser muito mais frequentes, ou seja, a língua portuguesa parece exigir mais elos coesivos e retomadas referenciais).
10.Economia sinonímica x variedade sinonímica (A língua inglesa parece economizar palavras, não se preocupando em variar quando este se repete).
11.Expressividade minuciosa e repetitiva x expressividade comedida e variada (uso generoso de adjetivos e advérbios no estilo descritivo e narrativo da língua inglesa, especialmente a grande repetição de “ly” [mente], que é evitada em português).
12.Expressividade implícita x expressividade explícita (o escritor em língua inglesa parece deixar muitas vezes conceitos implícitos, confiando na bagagem cognitiva do leitor, ao passo que em português parece que o leitor exige uma explicitação maior dos conceitos).
B. Princípios Estruturais
13.Estruturação modular de ideias x estruturação coesiva de ideias. (língua com blocos de ideias aparentemente soltas x língua com ideias amarradas
65
sintática e logicamente (coesão, costuramento sintático preciso) [Língua “light” x Língua “séria”].
14.Condensação/consisão estrutural x explicitação/expansão estrutural (estruturas que em inglês são estruturalmente concisas e que exigem uma expansão estrutural maior em português. Ex.: I want you to study x eu quero que você estude; os grupos nominais, por excelência, entram também nessa categoria, bem como os pronomes relativos que podem ser omitidos) [Língua estruturalmente condensada x Língua estruturalmente expandida].
15.Logicidade e economia léxico-gramatical x redundância e prodigalidade léxico-gramatical (no, any, duplos negativos, etc, artigo definido – the, countable, uncountale nouns, estruturas causativas – pintei o carro – I had my car painted).
16.Objetividade oracional x erudição oracional (a língua portuguesa faz mais uso de orações reduzidas; o inglês faz mais uso de orações não reduzidas).
17.Rigidez no sintagma nominal (grupo nominal) x flexibilidade no sintagma nominal (a posição dos modificadores no grupo nominal em língua inglesa são inegociáveis, chegando a níveis de precisão inimagináveis em língua portuguesa).
18.Rigidez sintático-oracional x flexibilidade sintático-oracional (ex. inversão dos verbos, ordem das palavras [a ordem SVO + Adv é bem mais rígida em inglês).
19.Simplicidade oracional x complexidade oracional (períodos simples e compostos/parataxe – hipotaxe. A língua inglesa prefere períodos simples aos compostos).
20.Mobilidade preposicional x imobilidade preposicional nas orações relativas (Mary is the girl Peter goes out with x Maria é a moça com quem Pedro sai)[Albert].
21.Estaticidade pronominal x deslocamento pronominal (He told me x ele me disse, Ele disse-me, me dá, dá-me) [Albert].
22.Flexibilidade x rigidez nos paralelismos sintáticos (os paralelismos sintáticos em português são mais explicitos e rígidos; verbos com preposições; uso de verbos em inglês com duas preposições e dois complementos).
23.Sintetismo e pragmatismo na regência verbo-nominal x logicidade rígida na regência verbo-nominal (a língua inglesa costuma aplicar um mesmo complemento verbal ou nominal a dois ou mais verbos com regências diferentes; isso não pode ocorrer em português).
C. Princípios Lexicais
24.Precisão x generalização /especifismo x generalismo /especificidade lexical x abrangência lexical (já = ever, already, yet; alto = tall, high, loud) [substantivos e adjetivos].
25.Predominância monossilábica x variabilidade silábica (my dog died when it ate an old rotten bone) [Albert].
66
26.Elasticidade/plasticidade semântica x precisão, pontuação semântica (uma palavra, um adjetivo em inglês servindo a muitos propósitos. Ex.: remarkable) [Língua lexicalmente flexível x Língua lexicalmente rígida].
27.Condensação semântica e estrutural x explicitação/expansão semântica e estrutural (ex.: insight: palavra com pesada carga semântica que exige várias palavras em português, etc.
D. Princípios Morfossintáticos
28.Anaforismo verbal x repeticionismo verbal ou silencio anafórico/ anaforismo elíptico (verbos auxiliares referindo-se a ações já mencionadas, question tags; ex: You Said, didn’t you? = você disse, não disse? silencio anafórico = você disse, não? Voce fala inglês? Sim; eu não, eu também [falo]).
29.Analiticidade na voz verbal x sintetismo/sinteticidade na voz verbal (construiu-se uma casa = a house was built; pensa-se que = it is thought that).
30.Complexidade e especificidade preposicional x maleabilidade preposicional (regência verbal e nominal).
31.Dependência verbal x autonomia verbal (verbos auxiliares para fazer forma interrogativa, etc, e para formar tempos verbais. Do, does, Will, etc).
32.Descritividade, especificidade verbal x generalidade explicabilidade verbal[verbos] (stride = andar a passos largos)
33.Determinismo e expressividade preposicional x generalismo e coadjuvância preposicioanal (in, on, at; phrasal vebs = uma preposição junto com um verbo pode mudar completamente o sentido de um verbo. Ex.: play = jogar, brincar x play down (depreciar); He swam across the river = ele atravessou o rio a nado – parece que no inglês a preposição desempenha muitas vezes papel importante na transmissão do significado, juntamente com o verbo, papel aparentemente não exercido pela preposição em português).
34.Determinismo e capricho/arbitrariedade verbal x flexibilidade e constância verbal (verbos que regem gerúndio ou infinitivo, verbos que rejeitam ‘to’, stop, remember, forget, verbos + ing ou to).
35.Determinismo pronominal x generalismo pronominal (his, her, hers, seu ...)36.Flexibilidade derivacional x restrição/limitação derivacional (formação de
palavras) (one, oneness, faith, faithful, faithfulness x fé, fiel, fidelidade).37. Invariabilidade derivacional x mutabilidade derivacional (good/ness
bom/bondoso; uso/útil x use/ful).38.Flexibilidade e concisão adjetival (adjetivos participiais simples e compostos)
x explicabilidade e prolixidade adjetival (adjetivos compostos participiais em inglês muitas vezes precisam de toda uma oração para serem explicados).
39. Inflexionabilidade conjugacional x flexionabilidade conjugacional (simplicidade conjugacional x complexidade conjugacional).
40. Invariabilidade de número e gênero x variabilidade de número e gênero41.Rigidez no aspecto verbal x flexibilidade/ maleabilidade no aspecto verbal
(anterioridade e progressividade no aspecto verbal).
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42.Simplicidade modo-temporal x complexidade modo-temporal (o inglês não possui conjugação (exceto o “s” da terceira p.s. simple present), tempos verbais em inglês correspondem a um, dois ou três tempos em português: ex. were = foi, era [indicativo], fosse [subjuntivo]; os tempos verbais são formados com o uso de verbos auxiliares).
43.Multifuncionalidade morfológico-gramatical (gramatical-morfológico) x especificidade morfológico-gramatical (gramatical-morfológico) (uma mesma palavra pode ter diferentes classes gramaticais – Love, need, etc) [Albert].
E. Princípios Prosódicos ou Suprassegmentais
44. Imprevisibilidade na relação pronúncia/escrita x previsibilidade na relação pronúncia/escrita (vowel shift).
45.Entonação rítmica x entonação melódica / acentuação vocabular rítmica x acentuação vocabular melódica (prosódia).